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Biotecnologia 1

Proibição aos transgênicos pode levar


o Brasil ao retrocesso
O engenheiro agrônomo, Alberto Duque Portugal, diretor-presidente
da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), é formado pela
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, com doutorado na área de
Sistemas Agrícolas, pela Universidade de Reading, Inglaterra. Especializou-se
em Gestão de Pesquisa e Desenvolvimento Rural em instituições brasileiras e
do exterior. Foi diretor de Operações Técnicas da EPAMIG, de onde seguiu
para integrar a diretoria da Embrapa.
Nesta entrevista, Portugal afirma que o Brasil precisa da Biotecnologia
agropecuária para competir internacionalmente, e a sociedade deve ser infor-
mada sobre os avanços nesta área, através de dados confiáveis.

IA - A chegada dos organismos transgênicos benefícios consideráveis para a sociedade, como meio ambiente, de organismos modificados por
na agricultura tem sido acompanhada por garantir o abastecimento alimentar, competir essa técnica. No Brasil, essas normas estão regu-
uma grande polêmica, despertando mui- nos mercados interno e externo e ajudar no ladas pela Lei no 8.974, sancionada pelo presi-
tas dúvidas e questionamentos em toda a combate a doenças e à subnutrição. dente Fernando Henrique Cardoso, em 5 de
sociedade. Para o senhor, há motivos para janeiro de 1995. O vice-presidente da Repú-
tanta preocupação? IA - Nos últimos anos, tem sido observado um blica, senador Marco Maciel, no exercício da
intenso processo de fusão de empresas Presidência, sancionou no dia 20 de dezembro
Alberto Portugal- Creio que não, desde
multinacionais do setor de agroquímicos, de 1995 o Decreto no 1.752, que regulamenta a
que a liberação ambiental das plantas trans-
que, por sua vez, estão adquirindo a maio- Lei no 8.974. O Decreto citado, além de regula-
gênicas continue a ser realizada com os cuida-
ria das empresas produtoras de sementes mentar a Lei de Biossegurança, dispõe sobre
dos de biossegurança que têm pautado os testes
instaladas no Brasil. No seu modo de ver, a vinculação, competência e composição da
experimentais, iniciados em 1985. A comer-
há uma estratégia de monopólio de mer- CTNBio, que integra a estrutura do Ministério
cialização de plantas transgênicas começou em
cado por parte dessas multinacionais? da Ciência e Tecnologia. A CTNBio é compos-
1995 com o tomate geneticamente modificado
Alberto Portugal - Há de fato uma ten- ta por 16 cientistas da mais alta competência,
para maturação lenta, produzido pela Calgene,
dência, que começou no exterior, de aquisição representantes do Executivo, do setor empresa-
e a soja resistente ao herbicida Roundup, da
de empresas de sementes por multinacionais rial que atua em Biotecnologia, de representan-
empresa Monsanto. Atualmente, algumas espé-
da área química e fusão de empresas, que não tes dos interesses dos consumidores e de órgãos
cies de plantas transgênicas como soja, milho e
é um fenômeno particular da Biotecnologia, mas legalmente constituídos de proteção à saúde do
canola já têm participação relevante na agri-
conseqüência dos efeitos da globalização. No trabalhador. Os membros da CTNBio foram no-
cultura dos Estados Unidos, Canadá e Argenti-
Brasil, onde também se observa essa tendência, meados pelo Presidente da República em
na. A soja transgênica tolerante ao glifosate já
as cultivares da Embrapa, com forte presença Decreto de 2 de abril de 1996, e a Comissão
ocupa 54% do plantio total desta cultura e qua-
no mercado de sementes, atuam em mão con- instalada em junho de 1996. Nos últimos cinco
se toda a área cultivada com soja nos Estados
trária. A estratégia da Embrapa é a de preservar anos, a CTNBio deu parecer favorável à libe-
Unidos e Argentina. O milho transgênico ocupa
seu germoplasma, protegendo-o intelectual- ração ambiental de 800 experimentos e a uma
igualmente área relevante na agricultura desses
mente com exclusividade e disponibilizando-o liberação comercial, que foi a da soja RR. Esta
países. Outras espécies tendem a popularizar-
para os seus parceiros em regime de competição última será monitorada comercialmente por
se, tais como: canola, fumo, tomate, batata e
aberta e, quando o faz com exclusividade, não cinco anos. É a primeira ação nesse sentido que
algodão. A área cultivada com plantas transgê-
privilegia qualquer grupo. O setor de sementes se realiza em nível mundial. Outrossim, creden-
nicas aumentou em nível mundial de 1,7 milhão
é competitivo e a presença no Brasil de um nú- ciou, como determina a Lei, instituições e labo-
de hectares, em 1996, para 40,0 milhões de
mero grande de empresas nacionais e multina- ratórios públicos e privados para atuarem em
hectares, em 1999. As plantas citadas têm como
cionais dificultará o monopólio. diversos campos da Engenharia genética. Ape-
características a resistência a insetos, vírus e
nas laboratórios que atuam em Engenharia
herbicidas e a melhor qualidade nutricional,
IA - Devido à necessidade de uma regulamen- genética credenciados pela CTNBio podem
como no caso da canola, cuja composição lipí-
tação específica para o setor, foi criada a receber financiamento de órgãos oficiais. A
dica foi alterada no sentido de diminuir o efeito
Comissão Técnica Nacional de Biossegu- CTNBio tem competência, atua com efetividade
do óleo no nível de colesterol no organismo hu-
rança (CTNBio), em 1995. A CTNBio tem e não fica nada a dever a qualquer organismo
mano, e o golden rice, rico em caroteno. Até
cumprido de forma eficiente o seu papel? desta natureza, em outros países.
o presente não foi constatado nenhum caso
comprovado de prejuízo ao homem ou ao am- Alberto Portugal - Para possibilitar o de- IA - O senhor é a favor da criação de comis-
biente como decorrência do uso dessas plantas. senvolvimento da Biotecnologia com segurança, sões estaduais de biossegurança? E qual
As dúvidas e questionamentos da sociedade o Brasil estabeleceu, por meio de legislação es- é a sua opinião sobre a necessidade da
devem ser esclarecidos com comprovações cien- pecífica, normas de biossegurança para regular moratória de cinco anos para produtos
tíficas de que plantas transgênicas podem trazer o uso da Engenharia genética e a liberação, no transgênicos?

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.1-2, maio/jun. 2000


2 Biotecnologia

Alberto Portugal - Comissões estaduais de pesquisa na área de Biotecnologia. Esses cerca de 50% da biodiversidade mundial. Outros
são, a meu ver, menos importantes do que a grupos mobilizam cerca de cinco mil pesquisa- ecossistemas e regiões como a caatinga e a mata
presença de Secretarias Estaduais de Agri- dores (aproximadamente 10% dos pesquisadores atlântica são igualmente importantes, como fon-
cultura somando esforços com o Ministério da citados nos indicadores nacionais de C&T) e te de genes.
Agricultura e do Abastecimento, para garantir 11.515 estudantes e estagiários a eles associados.
uma fiscalização de excelência de transgênicos IA - Se o governo brasileiro colocar-se con-
Essas estatísticas, certamente, não correspondem
em níveis experimental e comercial, mormente trário à adoção desta nova tecnologia, isto
ao universo da competência biotecnológica bra-
quando o desenvolvimento desta área crescer pode ocasionar algum reflexo negativo
sileira que, embora não comparável em escala
no Brasil, como ocorreu no mundo, onde já se para o mercado agrícola?
aos países do G-8, nos permitiu internalizar satis-
realizaram 25 mil testes de campo com trans- fatoriamente as tecnologias mais avançadas por Alberto Portugal - Certamente seria um
gênicos e cultivam-se mais de 40 milhões de meio da cooperação científica em nível interna- erro histórico como já cometemos outros no pas-
hectares com estas plantas. Leis estaduais de cional. O Brasil desenvolveu massa crítica com sado. O mais recente que me vem à lembrança
Biossegurança, se criadas, não podem contrariar competência científica em praticamente todos é a reserva de mercado na área de Informática.
conceitualmente a Lei Federal sob pena de im- os setores da Biotecnologia de ponta e em alguns Essa opinião eu compartilho com o ministro
pedir o exercício legal da Biossegurança no setores específicos. Na Engenharia genética de Pratini de Morais, um entusiástico defensor da
Brasil. Sobre a moratória de cinco anos para leguminosas, por exemplo, a Embrapa desen- Biotecnologia e das tecnologias de ponta a ela
produtos transgênicos, temos nos posicionado volveu e protegeu intelectualmente tecnologias relacionadas. O governo brasileiro tem cons-
contra. Precisamos, isto sim, intensificar as pes- que estão sendo procuradas por instituições de ciência do caminho correto a ser percorrido e
quisas de laboratório e de campo com esses países do Primeiro Mundo. A Biotecnologia já se posicionou em reunião interministerial,
produtos, com o objetivo de conhecer mais pro- surge como ferramenta importante na medida realizada recentemente sob a coordenação do
fundamente seus potenciais efeitos sobre o em que, com a intensificação da competição ministro chefe da Casa Civil Pedro Parente, no
homem e o meio ambiente, dirimindo dúvidas por um mercado globalizado na agricultura, sentido de apoiar a Biotecnologia e as áreas de
e questionamentos ainda existentes. Uma proi- será imperioso cortar custos de produção, bem ponta como Genoma e Proteoma que se
bição, ainda que temporária, de trabalhos com como produzir em condições adversas de clima desenvolvem vertiginosamente em todo o
transgênicos seria condenar o país a ficar à mar- e solo com cultivares tolerantes com a seca, mundo. Da mesma forma, é necessário realizar
gem dos progressos científicos e tecnológicos alumínio tóxico e mais eficientes na absorção esta tarefa com respeito à biossegurança, atra-
que se operam atualmente no mundo. de fósforo. A chamada gene revolution caminha vés da CTNBio, que merece do governo toda a
no sentido oposto à green revolution, que de- credibilidade e apoio por sua demonstrada com-
IA - Há alguns anos atrás criou-se a expecta- petência nesta área.
tiva de que os avanços obtidos pela Biolo- pendia fortemente da utilização de insumos.
gia molecular e Biologia celular seriam Estes temas, que são verdadeiramente IA - Como a sociedade e as instituições de
responsáveis por uma nova fase do melho- os que vão mudar a oferta de alimentos em ní- pesquisa devem atuar nesta questão?
ramento genético de plantas. Esta nova vel mundial, têm sido evitados até o momento
Alberto Portugal - A sociedade precisa
fase irá substituir o melhoramento gené- pelas empresas que atuam em Biotecnologia,
ser informada sobre os avanços da Biotecnologia
tico tradicional? porque são projetos de longo prazo. O Brasil
por meio de dados confiáveis, com base na me-
tem competência em Genética e Melhoramento
Alberto Portugal - De forma alguma, são lhor evidência científica. O Brasil, através da
Genético Vegetal. Necessita interagir com países
duas áreas complementares e fundamentais para CTNBio e de instituições como a Embrapa, tem
desenvolvidos, o que a Embrapa tem feito, para
o desenvolvimento da agropecuária em todo o procurado fazê-lo, fugindo de especulações en-
ter acesso rápido às tecnologias mais avançadas
mundo. O advento da Engenharia genética nos ganosas e mistificadores desta área. Pensamos
e aplicá-las aos seus Programas de Melhora-
Estados Unidos afastou, no início, esta área da que o Brasil precisa da Biotecnologia agro-
mento Genético, com vistas a atingir os objetivos
genética convencional porque os biologistas pecuária para competir internacionalmente. A
citados. Precisa, igualmente, aumentar sua com- sociedade pode confiar em suas instituições
moleculares, ingenuamente, imaginaram que
petência e massa crítica na área Genômica e científicas, como a Empresa de Pesquisa Agro-
o melhoramento genético e o negócio de se-
em outras áreas estratégicas, como Cristalo- pecuária de Minas Gerais (EPAMIG), as univer-
mentes seria substituído por esta nova tecnologia.
grafia de Proteínas e Química Combinatória. sidades e a Embrapa, e nas organizações
O futuro mostrou o oposto. Ambos os setores
saíram fortalecidos. A tecnologia na verdade é O país tem um mercado interno significativo e reguladoras como a CTNBio. O Brasil, através
levada ao agricultor por meio da semente, em expansão, alta competência em tecnologia de seus órgãos do Executivo e com o assessora-
depois que o melhoramento genético faz a sua agrícola para a produção nos trópicos e genes, mento científico devido, possibilitará que o con-
parte. atualmente uma das maiores limitações à sumidor tenha a melhor informação e exercite
expansão da Biotecnologia moderna, mas que o direito de escolha entre transgênicos e pro-
IA - Que tipo de postura o Brasil tem assumi- certamente se constituirá em uma das principais dutos não-transgênicos.
do com relação ao desenvolvimento de matérias-primas da Biotecnologia do próximo Gostaria de acrescentar que a EPAMIG,
pesquisas na área de Biotecnologia? século. Conta o Brasil, neste particular, com a a qual tive a honra de dirigir, tem papel funda-
Alberto Portugal- A Biotecnologia é uma maior biodiversidade do planeta. Existem cer- mental na elucidação de questões polêmicas
prioridade no Brasil desde o início da década ca de 250 mil espécies de plantas conhecidas, sobre produtos transgênicos, além dos que ve-
de 80, apoiada que foi por programas como 30% das quais, potencialmente comestíveis. O nham a ser criados pela Ciência e Tecnologia.
o PADCT e pelas Fundações de Amparo à Pes- homem, através dos séculos, não utilizou mais No nível estadual são necessários testes de
quisa. A Embrapa iniciou suas ações nesta área do que 1% destas plantas para sua alimentação. produtos e a avaliação dos seus impactos sobre
em 1981. Existem cerca de 8.500 grupos de pes- Na verdade, a base da alimentação humana é o meio ambiente, além da ajuda na construção,
quisa registrados no Diretório Nacional dos constituída por cerca de 0,2% destas espécies. junto à opinião pública, de um posicionamento
Grupos de Pesquisa no Brasil (MCT/CNPq). Des- A floresta tropical úmida – que cobre cerca de correto sobre os novos produtos da Biologia
ses, 1.164 (cerca de 14%) relacionaram linhas 7% do planeta – contém, segundo estimativas, moderna.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.1-2, maio/jun. 2000


Biotecnologia 3

REVISTA BIMESTRAL
ISSN 0100-3364
INPI: 1231/0650500

COMISSÃO EDITORIAL
A era da Biotecnologia
Márcio Amaral
Marcos Reis Araújo O mundo começa a entrar numa nova era com o
Marcelo Franco
Antônio M. S. Andrade mapeamento do genoma humano. Inúmeras doenças de
Luthero Rios Alvarenga
José Braz Façanha origem genética poderão ser melhor compreendidas e
Eustáquio da Abadia Amaral
Vânia Lúcia Alves Lacerda tratadas precocemente, propiciando mais qualidade de
EDITOR vida para a humanidade. Este avanço da genética terá
Vânia Lúcia Alves Lacerda
profundo impacto nos padrões de pesquisa e tecnologia
COORDENAÇÃO TÉCNICA
Geraldo Magela de Almeida Cançado, em diversas áreas de estudo. Há expectativa diante dessa
Clóvis Maurílio de Souza e Luís Eduardo Corrêa Antunes
descoberta tão fabulosa.
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Marlene A. Ribeiro Gomide Em todo o mundo, a humanidade começa a experi-
AUTORIA DOS ARTIGOS mentar os resultados da evolução das técnicas biotecnoló-
Acelino Couto Alfenas, Ademir de Moraes Ferreira, Adilson Leite, Aluízio
Borém, Ana Cristina Miranda Brasileiro, Andréa Almeida Carneiro, Cláu- gicas e, especificamente na agropecuária, já são inúmeros
dia Teixeira Guimarães, Clóvis Maurílio de Souza, Edilson Paiva, Edna
Froeder Arcuri, Eneida Abreu Parizotto, Everaldo Gonçalves de Barros, os resultados aplicados. A produção de alimentos mais
Francisco Murilo Zerbini, Geraldo Magela de Almeida Cançado, Ivan
Schuster, Luciana P. Ambrozevícius, Luis Artur Costa do Vale, Marcelo saudáveis e de melhor qualidade, que promovem menor
Abreu Lanza, Márcio de Assis, Marco Antônio Machado, Marcos Paiva,
Marcos Paiva Del Giúdice, Maria Eugênia Lisei de Sá, Mario Luiz Marti-
impacto sobre o meio ambiente e que são capazes de
nez, Maurilio Alves Moreira, Newton Portilho Carneiro, Otávio Carlos
Armani, Paulo César De Lucca, Pedro Braga Arcuri, Sérgio Hermínio
prevenir ou mesmo curar doenças, já é uma realidade.
Brommonschenkel, Waldênia de Melo Moura. Recentemente, foi anunciado com grande destaque pela
REVISÃO LINGÜÍSTICA E GRÁFICA mídia nacional o seqüenciamento do código genético da
Marlene A. Ribeiro Gomide, Rosely A. Ribeiro Battista Pereira e
Giovanna Alves Santana Couto (estagiária) Xylella fastidiosa, bactéria causadora do "amarelinho dos
NORMALIZAÇÃO laranjais", por pesquisadores brasileiros, criando condições
Fátima Rocha Gomes e Maria Lúcia de Melo Silveira
para um controle mais efetivo desta doença, o que colocou
PRODUÇÃO E ARTE o Brasil dentro do seleto grupo de países que domina a
Digitação: Maria Alice Vieira e Rosangela Maria Mota Ennes
Formatação: Maria Alice Vieira e Rosangela Maria Mota Ennes tecnologia de seqüenciamento genômico. O salto da Bio-
Capa: Lamounier Lucas Pereira Júnior
tecnologia, nos últimos anos, é fantástico e todos devem
Programação visual: Lamounier Lucas Pereira Júnior

IMPRESSÃO
estar preparados para acompanhar as inúmeras mudanças
Gráfica e Editora Cultura - Rua Magnólia, 505 - Bonfim que ainda estão por vir.
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Miguel Talini Marques Filho
Os transgênicos começam a ganhar importância no
Assessoria de Marketing
setor produtivo e aproxima-se o momento em que a pes-
Av. Amazonas, 115 - CEP 30180-902 - Belo Horizonte-MG
Fone: (31) 273-3544 e 274-8194 - Fax: (31) 273-3884 quisa deverá elucidar todos os questionamentos sobre tais
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É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios,
sem autorização escrita do editor. Todos os direitos são nocivos que eles possam causar.
reservados à EPAMIG.
Diante de novas informações e tecnologias, o Informe
Informe Agropecuário. - v.3, n.25 - (jan. 1977) - .- Agropecuário traz, nesta edição, artigos que podem contri-
Belo Horizonte: EPAMIG, 1977 - .
v.: il. buir para um melhor entedimento destas questões e apoiar
Bimestral estudos e pesquisas nesta área, na busca constante do de-
Cont. de Informe Agropecuário: conjuntura e estatística. -
v.1, n.1 - (abr.1975). senvolvimento aliado à qualidade de vida da sociedade.
ISSN 0100-3364

1. Agropecuária - Periódico. 2. Agricultura - Aspecto


Econômico - Periódico. I. EPAMIG. Márcio Amaral
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Biotecnologia: um breve histórico


Everaldo Gonçalves de Barros 1
Maurílio Alves Moreira 2

Resumo - A biotecnologia pode ser entendida como qualquer técnica que utilize
organismos vivos (ou partes deles) para produzir ou modificar produtos, melhorar
plantas e animais ou desenvolver microorganismos para usos específicos. Portanto,
pode-se concluir que a humanidade vem utilizando a biotecnologia há milhares de
anos. O uso de microorganismos na fabricação do pão, de bebidas fermentadas e do
queijo é exemplo de atividades biotecnológicas. Várias foram as descobertas que
ajudaram a consolidar a biotecnologia, dentre elas a dos organismos vivos que são
formados por unidades estruturais e funcionais, hoje denominadas células, a do
desenvolvimento das primeiras vacinas, a dos antibióticos e a da elucidação de como
as características genéticas são herdadas. O reconhecimento do DNA como material
genético, o entendimento da sua estrutura e funcionamento, a elucidação do código
genético e a possibilidade da manipulação consciente do DNA por meio da Engenharia
genética deram um novo impulso à biotecnologia. A cada dia organismos geneticamente
modificados (OGMs), com uso potencial na agricultura, na indústria de medicamentos,
no controle da poluição, estão sendo criados. A informação é a melhor maneira de
nos posicionarmos perante essa nova face da biotecnologia que, certamente, estará
presente em nossas vidas no século XXI.
Palavras-chave: Engenharia genética; Genes; Microbiologia; Melhoramento;
Alimentos; População mundial.

O QUE É BIOTECNOLOGIA mais e plantas, a utilizar plantas medicinais área de Biotecnologia, culminando no de-
para curar seus males, microorganismos senvolvimento de organismos genetica-
Biotecnologia é um daqueles jargões
para fabricar bebidas e alimentos e a produ- mente modificados (OGMs) ou organismos
que, de tanto ser utilizados, acaba perdendo
o seu significado original. O termo foi ini- zir vacinas para se imunizar contra doenças, transgênicos. O termo “Engenharia gené-
cialmente usado pelo engenheiro húngaro o homem estava dessa forma praticando tica”, que se refere a essas técnicas de ma-
Karl Ereky, em 1919, para se referir a “todas a biotecnologia. Há evidências arqueoló- nipulação genética, tem sido utilizado por
as linhas de trabalho, cujos produtos eram gicas de que o uso consciente de orga- muitos como sinônimo de biotecnologia.
produzidos a partir de matéria bruta com o nismos vivos pelo homem data de 5.000 a Mesmo no sentido restrito, biotecnologia
auxílio de organismos vivos”. 10.000 anos a.C. Portanto, a biotecnologia é bem mais do que simplesmente Engenha-
Nos dias atuais, pode-se definir bio- é tão antiga quanto a própria humanidade. ria genética. Há, nesse caso, uma simpli-
tecnologia de dois modos: um mais amplo De um modo mais restrito, o termo bio- ficação exagerada do que vem a ser bio-
e outro mais restrito. De um modo mais tecnologia vem sendo mais recentemente tecnologia. Os avanços da Genética, Bio-
amplo, biotecnologia refere-se a qualquer utilizado para designar as técnicas advin- logia molecular, Bioquímica e Microbio-
técnica que utilize organismos vivos (ou par- das da Bioquímica e Biologia molecular que logia colocaram uma série de ferramentas
te deles), para produzir ou modificar pro- podem trazer benefícios aos seres huma- à disposição do homem, permitindo o de-
dutos, para melhorar plantas e animais ou nos. Os grandes avanços na área de Biolo- senvolvimento de metodologias que têm
para desenvolver microorganismos para gia molecular a partir da década de 70, com um impacto direto no bem-estar da huma-
usos específicos. Nesse sentido, o homem a capacidade de manipulação e transfe- nidade, mesmo não envolvendo a mani-
vem utilizando a biotecnologia desde os rência da informação genética entre seres pulação direta do material genético, isto
primórdios da humanidade. A partir do mo- vivos de espécies diferentes por vias não- é, a Engenharia genética. São exemplos
mento em que começou a domesticar ani- sexuais, abriram novas possibilidades na desses avanços: as vacinas, os antibióti-

1
Biólogo, Ph.D. Biologia Molecular de Plantas, Prof. Tit. UFV - Depto Biologia Geral, Pesq. UFV - BIOAGRO, CEP 36571-000 Viçosa, MG.
E-mail: ebarros@mail.ufv.br
2
Engo Agro, Ph.D. Bioquímica Genética de Plantas, Prof. Tit. UFV - Depto Bioquímica e Biologia Molecular, Pesq. UFV - BIOAGRO, CEP 36571-000
Viçosa, MG. E-mail: mmoreira@mail.ufv.br

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6 Biotecnologia

cos, como a penicilina, a cultura de teci- à varíola para evitar problemas mais sérios centro dele constatou a presença de um
dos e, até mesmo, a clonagem de plantas e na fase adulta. Em 1798, Edward Jenner fungo que produzia uma substância, mais
de animais. Nenhum desses exemplos de- publicou um livro comparando a vacinação tarde denominada de penicilina, que mata-
pende diretamente da Engenharia genética com a inoculação. Na vacinação as pes- va as bactérias. Decorreram quase 15 anos
e nem por isso deixam de ser avanços bio- soas eram expostas à varíola bovina para para que o antibiótico penicilina, em plena
tecnológicos. induzir a resistência à varíola humana. Segunda Guerra Mundial, se tornasse dis-
Louis Pasteur (1822 - 1895) afirmou que ponível à comunidade para uso médico,
MARCOS HISTÓRICOS DA os micróbios eram responsáveis pelo pro- salvando inúmeras vidas.
BIOTECNOLOGIA cesso de fermentação. Em 1863, inventou No campo da Genética e Biologia mo-
o processo de pasteurização, que consistia, lecular, em 1865, o monge agostiniano
Há, aproximadamente, 10.000 anos os inicialmente, em aquecer o vinho sufi- Gregor Mendel (1822 – 1884), com base nos
nossos ancestrais já utilizavam o processo cientemente para matar os micróbios, mas seus trabalhos com ervilhas, apresentou à
de fermentação microbiana para a produ- não o suficiente para alterar o seu aroma. Sociedade de Ciência Natural da Áustria,
ção de vinho, cerveja e pão. Na fermenta- Em 1880, estudando a cólera em aves, con- suas leis da hereditariedade. Mendel pro-
ção, microorganismos como bactérias e cluiu que cepas atenuadas ou enfraque- pôs que unidades internas invisíveis eram
fungos digerem os alimentos e produzem cidas de microorganismos não conseguiam responsáveis pelas características obser-
dois subprodutos de interesse para o ho- causar doenças, mas protegiam contra váveis, e que esses “fatores”, os quais cha-
mem - o gás carbônico e o álcool. Na fa- formas severas dessa mesma doença. Em mamos hoje de genes, eram passados de
bricação de cerveja, leveduras quebram o 1881, usou a atenuação para desenvolver uma geração para outra. Os achados de
amido e açúcares presentes em cereais, vacinas contra a cólera em aves e antraz. Mendel, no entanto, não foram devida-
como a cevada, e produzem energia para a Esse foi um marco expressivo na área de mente apreciados até 1900, quando Hugo
sua sobrevivência e também o álcool e o Imunologia, abrindo novas fronteiras no de Vries, Erich von Tschermak e Carl Cor-
gás carbônico como subprodutos. O álcool campo da Medicina preventiva. rens publicaram os resultados de suas
é um dos responsáveis pelo aroma da Entre 1873 e 1876, Robert Koch de- pesquisas que confirmaram os mecanismos
bebida e o gás carbônico, pela espuma que senvolveu técnicas para visualizar, crescer da hereditariedade propostos por Mendel.
ela forma. Na fabrição do pão, o processo é e corar microorganismos. Em 1881, des- Hoje ele é considerado o “pai da Genética”
semelhante. No entanto, neste caso, nor- creveu colônias de bactérias crescendo em e o seu trabalho é a base desta Ciência e de
malmente utiliza-se o trigo como fonte de fatias de batata, em meio contendo gelatina outras áreas do conhecimento que dela de-
amido e açúcares. O álcool é responsável e em ágar. Este último tornou-se um meio pa- rivaram, como é o caso da Biologia mole-
pelo aroma do pão, e o gás carbônico pro- drão para a obtenção e crescimento de cul- cular.
move o aumento do volume da massa pela turas puras e a identificação de microorga- Em 1902, Walter Stanborough Sutton
formação de bolsões de ar no seu interior. nismos mutantes. Alguns consideram ter afirmou que os cromossomos ocorrem aos
No campo da Biologia celular, Robert sido esta a principal descoberta que ala- pares e sugeriu que os fatores de Mendel
Hooke, em 1665, observou pela primeira vancou o desenvolvimento da Microbiolo- estavam localizados nos cromossomos.
vez, em um microscópio, a estrutura celular gia. Robert Koch, em 1882, usando o por- Após observar os movimentos dos cromos-
da cortiça. Percebeu que esse tecido ve- quinho-da-índia como hospedeiro alter- somos durante a meiose, Sutton desen-
getal é formado por estruturas regulares nativo, descreveu a bactéria que causa a volveu a teoria da hereditariedade, a qual
parecidas com as células presentes em um tuberculose em humanos. Ele foi o primeiro ia ao encontro das idéias de Mendel a res-
favo de mel. No entanto, somente quase a desvendar a causa de uma doença huma- peito da segregação dos fatores genéticos.
200 anos mais tarde foi que outros cien- na de origem microbiana. Em 1907, Thomas Hunt Morgan iniciou
tistas, utilizando melhores microscópios, Em 1896, Ronald Ross descobriu o seus trabalhos com a mosca-das-frutas
concluíram que todos nós somos dividi- protozoário Plasmodium, que causa a Drosophila e demonstrou que os cromos-
dos nesses pequenos compartimentos que malária em humanos. Demonstrou também somos têm um papel definitivo na heredi-
hoje denominamos “células”. Anton van que o mosquito Anopheles transmite a tariedade. Formulou a teoria da mutação e
Leeuwenhoek (1632 - 1723), um mercante doença de uma pessoa para outra. Em 1909, estabeleceu as bases para o entendimento
holandês que tinha como hobby polir as Carlos Chagas identificou o agente cau- dos mecanismos da hereditariedade.
suas próprias lentes de vidro, fez várias sador da doença de Chagas, o protozoário Em 1926, Hermann Muller descobriu
descobertas em Microbiologia. Foi o pri- Trypanosoma cruzi. Na realidade, seu que os raios X poderiam induzir mutações
meiro cientista a descrever seres unice- trabalho abrangeu todos os aspectos da na mosca-das-frutas cerca de 1.500 vezes
lulares como protozoários e bactérias, e doença: anatomia patológica, epidemio- mais rápido do que em condições normais.
a reconhecer que esses microorganismos logia, etiologia, formas clínicas, meios de Essa descoberta forneceu uma ferramenta
poderiam desempenhar algum papel no transmissão, patogenia, profilaxia e sin- poderosa aos pesquisadores para induzir
processo de fermentação. tomatologia. mutações e, dessa forma, determinar as fun-
No campo da Microbiologia e Imuno- Em 1928, Alexander Fleming observou ções específicas de diversos genes.
logia, Giacomo Pylarini, em Constantinopla, a formação de um halo em uma placa de Em 1928, Fredrick Griffith observou que
em 1701, praticava a “inoculação”, que con- Petri, onde havia bactérias em crescimento. bactérias com paredes celulares rugosas
sistia na exposição intencional de crianças Nesse halo, as bactérias não cresciam. No podiam ser transformadas em células com
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Biotecnologia 7

paredes lisas, quando estas eram mortas DNA a partir de uma molécula de DNA nos dias atuais. Os fragmentos obtidos
pelo calor e depois misturadas às primeiras. preexistente. Na década de 60, Nirenberg, também podem ser utilizados como mar-
Ou seja, um princípio transformante, pro- Leder e Khorana elucidaram o código ge- cadores moleculares, ou seja, marcadores
veniente das bactérias com paredes lisas, nético, isto é, a correspondência precisa de características de interesse, como re-
era capaz de modificar o aspecto daquelas entre a seqüência de nucleotídeos do DNA sistência a doenças, como produtividade,
com paredes rugosas. Em 1944, Oswald e a de aminoácidos nas proteínas. Sabemos desde que seja demonstrada a sua asso-
Theodore Avery, Colin MacLeod e Maclyn hoje que as proteínas são codificadas por ciação com essas características. Nesse
McCarty determinaram que o princípio genes específicos que determinam as se- caso, passam a ter uma importância muito
transformante, primeiramente observado qüências dos seus aminoácidos. Essas se- grande como ferramenta auxiliar no pro-
por Griffith, era na realidade o DNA (ácido qüências irão contribuir diretamente para a cesso de melhoramento de plantas e ani-
desoxirribonucléico). Portanto, o DNA, que determinação das estruturas e conseqüen- mais na seleção de indivíduos.
está contido nos cromossomos, seria o tes funções das proteínas. Em 1980, a Corte Suprema dos Estados
material genético da célula, o responsável Em 1972, Paul Berg isolou e empregou Unidos admitiu que os OGMs poderiam ser
pela transmissão dos caracteres here- uma enzima de restrição para cortar uma patenteados, quando autorizou a empresa
ditários. Inicialmente, uma boa parte da co- molécula de DNA e a enzima DNA ligase de petróleo Exxon a patentear uma bactéria
munidade científica da época não acreditou para ligar dois fragmentos de DNA, pro- especialmente desenvolvida para degradar
que o DNA, uma molécula de composição duzindo uma molécula circular híbrida, a petróleo. Essa decisão foi o aval necessário
tão simples e, aparentemente, monótona, primeira molécula de DNA recombinante. para que as grandes corporações inicias-
pudesse ser o material genético. Seria mais Nesse mesmo ano, os primeiros experi- sem a grande corrida que vemos hoje em
lógico que as proteínas, com a sua composi- mentos bem-sucedidos sobre clonagem de busca do desenvolvimento e patentea-
ção e estrutura mais complexas, contives- fragmentos de DNA em bactérias foram mento dos OGMs.
sem a informação genética. Aos poucos feitos na Califórnia (EUA). Neste caso, a Nesse mesmo ano, Kary Mullis e cola-
essa dúvida foi sendo dissipada. Em 1952, clonagem envolve o isolamento de um boradores inventaram uma técnica mole-
Alfred Hershey e Martha Chase, utilizando fragmento de DNA, sua ligação a uma mo- cular revolucionária que permite produ-
um tipo de vírus que infecta bactérias lécula de DNA circular denominada plas- zir milhões de cópias de um fragmento de
(bacteriófagos), marcaram radioativamente mídeo e a sua inserção (transformação) e DNA em um pequeno tubo no laboratório.
o DNA do vírus e confirmaram que era o multiplicação na bactéria. Essa técnica, denominada Reação em Ca-
DNA que era injetado na bactéria, pro- Em 1973, Stanley Cohen, Annie Chang deia da Polimerase (PCR), é atualmente uti-
movendo o aparecimento de novas partí- e Herbert Boyer produziram um plasmídeo lizada em várias aplicações em Biologia mo-
culas virais. Este resultado confirmou o recombinante que continha pedaços de lecular, desde a amplificação de fragmentos
papel do DNA como material genético e re- DNA de bactéria e de vírus e o introduziram de DNA de múmias de 4.000 anos de idade,
futou a idéia de que as proteínas teriam em uma bactéria, produzindo o primeiro or- até os testes de paternidade.
essa função. ganismo recombinante feito, de modo cons- Em 1981, pesquisadores da Universida-
Em 1953, James Watson e Francis Crick, ciente, pelo homem. Em 1976, Herbert Boyer de de Ohio, nos Estados Unidos, produzi-
com base em dados de seus antecessores e Robert Swanson fundaram a Genentech, ram os primeiros animais transgênicos,
e de contemporâneos como Maurice primeira empresa de biotecnologia dedica- transferindo genes de outros animais para
Wilkens e Rosalind Franklin, propuseram da a desenvolver e a comercializar produtos óvulos de fêmeas de camundongo.
o modelo que explicava a estrutura da com base na tecnologia do DNA recom- Em 1982, a Agência de Controle de Ali-
molécula de DNA. Esse foi um verdadeiro binante recém-desenvolvida. Em 1977, a Ge- mentos e Drogas (FDA), norte-americana,
marco na história da Genética e Biologia nentech anunciou a produção da primeira autorizou a comercialização do primeiro
molecular, pois reuniu, de um modo in- proteína humana a ser fabricada por bacté- produto farmacêutico para consumo hu-
teligente em um único modelo, uma série rias, a somatostatina. Muitos consideram mano derivado da Engenharia genética,
de conceitos que havia sido desenvolvida esse como o advento da era da moderna uma forma de insulina humana produzida
ao longo de vários anos. De acordo com o biotecnologia. Em 1978, foi anunciada a pro- por bactérias. Em 1986, a Agência de Pro-
modelo, a molécula de DNA seria formada dução, em laboratório, da insulina humana teção ao Ambiente (EPA), norte-americana,
por duas fitas de nucleotídeos (unidades obtida pela técnica do DNA recombinante. liberou a primeira planta geneticamente
estruturais), que se complementariam e se Nesse mesmo ano, David Botstein e modificada, o tabaco. Em 1990, a empresa
enrolariam na forma de uma escada em colaboradores descobriram que, quando o Calgene Inc. conduziu em campos experi-
espiral. O modelo não só explicou a estru- DNA de diferentes pessoas era cortado mentais os primeiros ensaios bem-sucedidos
tura da molécula, mas também sugeriu o com enzimas de restrição, os fragmentos de variedades de algodoeiro geneticamente
modo pelo qual ela seria capaz de se auto- obtidos, quando separados por ordem de modificadas para tolerar o herbicida bro-
duplicar e de transferir a informação gené- tamanho, geravam padrões que diferiam de moxinil.
tica nela contida. pessoa para pessoa. Esses padrões podem Também, no ano de 1990, o pesquisa-
Em 1957, Matthew Meselson e Frank ser utilizados para identificar, de modo dor Michael Fromm comunicou que havia
Stahl demonstraram o mecanismo de re- preciso, pessoas, animais, plantas e micro- transformado o milho de modo estável, in-
plicação do DNA, ou seja, como a célula organismos. Têm sido utilizados, por exem- troduzindo em suas células fragmentos de
pode produzir duas novas moléculas de plo, nos testes de paternidade, tão comuns DNA de outra espécie por meio da técnica
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8 Biotecnologia

de biobalística. Esse método consiste no consistiu na remoção do núcleo (que con- nos países menos desenvolvidos. Naquele
bombardeamento de células com frag- tém o DNA) de um óvulo e a introdução, mesmo ano, J. George Harrar, presidente da
mentos de DNA embebidos em partículas no seu lugar, do núcleo de uma célula Fundação Rockfeller, proferiu uma palestra
de metais pesados como o ouro ou o tun- adulta. O óvulo foi então implantado no no Primeiro Encontro Internacional de
gstênio. O bombardeamento é feito sob útero de uma outra ovelha, uma mãe de alu- Fitopatologia, ocorrido em Londres, em que
alta pressão, com ar comprimido, e permite guel, e a ovelha Dolly foi concebida, com enfatizou a necessidade de os cientistas
que o DNA atravesse o sistema de mem- toda a bagagem genética da ovelha-mãe auxiliarem na solução dos problemas per-
branas das células, indo alojar-se no núcleo, que forneceu o núcleo. Esse experimento sistentes da humanidade, tais como guer-
onde pode, eventualmente, integrar-se ao abriu a possibilidade da clonagem de ani- ras, fome, pobreza, doenças, ignorância,
material genético da célula. Esse método mais. No entanto, deve-se salientar que, diferenças socioculturais e a superpopu-
tornou-se rotineiro para a obtenção de na época, a clonagem de plantas já era um lação. Harrar mencionou que havia naque-
organismos transgênicos. conceito consolidado na área vegetal. le ano 3,5 bilhões de pessoas no planeta
Ainda nesse mesmo ano, foi iniciado o Todos esses eventos e outros ajudaram e antecipou que esse número seria de 6
projeto do genoma humano, com o obje- a consolidar a biotecnologia. As pesqui- bilhões no ano 2000 (marca esta registrada
tico de seqüenciar todo o material gené- sas continuam. Atualmente, existem mais no dia 12 de outubro de 1999). Harrar tam-
tico humano, isto é, desvendar a ordem dos de 1.200 companhias de biotecnologia so- bém apontou para a urgente necessidade
aproximadamente três bilhões de nucleo- mente nos Estados Unidos. Centenas de de aplicação das novas descobertas das
tídeos que constituem a base estrutural novos remédios, kits-diagnóstico, biopes- Biologias molecular e celular para aumen-
do DNA humano. Uma vez conhecida a ticidas, plantas transgênicas e vacinas estão tar a produção de alimentos.
ordem dos nucleotídeos do DNA, é possí- em teste e muitos já estão sendo comer- Desde 1968, grandes mudanças ocor-
vel deduzir as seqüências dos aminoácidos cializados. reram no complexo de variedades cultiva-
que compõem as nossas proteínas e, even- das, dentre elas a educação do fazendeiro,
tualmente, as suas funções. O projeto de- as técnicas de manejo e uso do solo, o
BIOTECNOLOGIA NA
verá estar concluído nos próximos três a sistema de crédito agrícola, a extensão agrí-
AGRICULTURA cola, os sistemas de irrigação e o uso de
cinco anos.
Em 1993, o FDA norte-americano decla- agrotóxicos e fertilizantes. Dessa forma, a
Crescimento populacional
rou que os alimentos feitos a partir de produção, distribuição e acesso a alimentos
versus demanda por têm reduzido a porcentagem estimada da
OGMs não são perigosos em si e que, por- alimentos e fibras
tanto, não necessitam de regulamentação população cronicamente desnutrida em
especial. Em 1994, o FDA aprovou o pri- Em 1998, ocorreu o bicentenário da várias regiões do mundo, exceto ainda em
meiro alimento derivado de OGMs, o to- famosa publicação de Malthus An Essay algumas regiões da África. No entanto,
mate Flavr Savr. Neste tomate havia sido on the Principle of Population que argu- mesmo com toda essa tecnologia, estima-
introduzido um segmento de DNA que ini- mentava não ser a agricultura capaz de se que cerca de um bilhão de pessoas ainda
bia a expressão de enzimas que normal- aumentar a produção de alimentos de forma sofram de desnutrição no mundo atual.
mente promovem o amolecimento do fruto, suficientemente rápida para atender às Atualmente, a população mundial é de
de tal forma que o tomate transgênico necessidades do crescimento populacional 6 bilhões de pessoas e está aumentando
apresentava uma “vida de prateleira” mais do planeta e que, portanto, os seres hu- em, aproximadamente, 80 milhões ao ano.
longa do que o tomate normal. manos seriam condenados à pobreza, à Se este crescimento anual continuar com
Nesse mesmo ano, foram identificados fome, e a vários tipos de pestes e de vícios. uma taxa de cerca de 1,4%, a população
vários genes (segmentos de DNA) relacio- As preocupações Malthusianas têm sido mundial dobrará em 50 anos. Contudo, a
nados com diversas anomalias e outras avaliadas por muitos cientistas de várias maioria dos demógrafos não acredita nessa
características de interesse para o homem, áreas do conhecimento desde aquela épo- predição, tendo em vista que a taxa de cres-
tais como: câncer de mama, câncer da tireói- ca. Atualmente, as discussões a respeito cimento da população tem caído nos últimos
de, câncer de próstata, melanoma, surdez, do crescimento da população mundial e do anos. Mesmo assim, é plausível predizer
suprimento de alimentos estão recheadas uma população entre nove a dez bilhões de
dislexia, predisposição à obesidade, morte
de preocupações, cada vez mais crescentes, pessoas no ano 2050.
celular programada, diferenciação celular,
a respeito das conseqüências ecológicas e Vários estudos e simpósios interna-
reprodução do vírus que causa a AIDS,
ambientais provocadas pela expansão da cionais têm sido realizados para discutir
entre outras.
produção de alimentos, que visa alimentar questões relacionadas com a produção de
Em 1995, foi anunciada a conclusão do
um número cada vez maior de seres hu- alimentos de forma sustentável no mundo.
primeiro seqüenciamento completo do
manos. No entanto, muitas questões permanecem
genoma de uma bactéria, a Haemophilus
sem respostas satisfatórias, tais como:
influenzae. Em 1996, um grupo de cientistas Em 1968, um biólogo da Universidade
anunciou a conclusão do seqüenciamento de Stanford chamado Paul Elrlich publi- a) veracidade das estatísticas sobre a
do genoma de um organismo complexo, a cou um pequeno livro denominado The extensão da fome no mundo;
levedura Saccharomyces cerevisae. Em Population Bomb. Esta publicação enfatiza b) extensão da desertificação e da quan-
1997, pesquisadores escoceses anunciaram os perigos do rápido e contínuo crescimen- tidade de terra que é usada para a
a clonagem da ovelha Dolly. O processo to da população mundial, especialmente agricultura;
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Biotecnologia 9

c) tamanho e efeito da erosão do solo já estão sendo comercializadas. Essas es- mundo em desenvolvimento e introduzidas
na agricultura em várias partes do tratégias podem ser usadas para muitas ou- em outras culturas e variedades locais.
mundo; tras plantas de importância para países em Os dados do Quadro 1 mostram que as
d) quantidades de carbono e nitro- desenvolvimento. Em particular, a estraté- características comerciais de interesse
gênio que devem ser restituídas ao gia de Engenharia genética que promove o estão mudando rapidamente da primeira
solo para manter sua fertilidade; amadurecimento retardado de frutos apre- para a segunda geração de plantas trans-
senta enorme potencial para uso em fru- gênicas. Na primeira geração, a maioria das
e) tempo de persistência e eficiência
tos tropicais, que estão sujeitos a perdas características envolvia um único gene, tais
de proteínas pesticidas, tais como a
consideráveis em virtude de seu amadu- como tolerância a herbicidas e proteção a
endotoxina do Bacillus thuringiensis,
recimento rápido e da falta de condições insetos-praga. Na segunda geração de plan-
no controle de insetos-praga;
apropriadas de armazenamento e transpor- tas transgênicas, a grande ênfase tem sido
f) uso dos direitos de propriedade te que permitam distribuição e comerciali- dada para características de qualidade do
intelectual, de forma que venha a zação eficientes. produto, o que implica na transferência si-
otimizar os interesses das grandes Até o momento, a maioria das tecno- multânea de mais de um gene.
firmas de biotecnologia dos países logias de transferência de genes em plantas A fim de atender às necessidades da
desenvolvidos com as necessida- e as diferentes estratégias usadas para pro- crescente população mundial, sem destruir,
des dos pequenos agricultores dos duzir variedades de plantas transgênicas cada vez mais, a frágil ecologia do nosso
países em desenvolvimento; têm sido direcionadas pelo valor econô- planeta, temos que encontrar meios e
g) eficácia no fluxo de informações a mico das espécies e das características. O métodos mais eficientes para aumentarmos
respeito de novas práticas agrícolas valor econômico é, por sua vez, determi- a produção de alimentos e fibras.
e de distribuição de sementes me- nado pela importância da espécie e da ca- As metodologias do melhoramento
lhoradas aos agricultores, em países racterística para a agricultura do mundo tradicional foram e ainda continuarão a ser
com diferentes níveis de educação desenvolvido, isto é, Estados Unidos e usadas com este propósito, mesmo com o
e de sofisticação tecnológica. países da Europa Ocidental. A ênfase advento de plantas transgênicas. As varie-
econômica é entendida, uma vez que in- dades transgênicas terão de ser adaptadas
Biotecnologia na produção vestimentos vultosos são necessários para aos seus ambientes de cultivo por métodos
de alimentos e fibras desenvolver, testar em campos experimen- tradicionais de melhoramento. Porém, a fim
A biotecnologia vegetal apresenta pre- tais e comercializar as novas variedades de de criar um nível de produção requerido
dições otimistas a respeito de vários aspec- plantas transgênicas. No entanto, em ter- para alimentarmos um número cada vez
tos da produção e distribuição de alimentos mos de produção global de alimentos, é maior de pessoas, teremos que utilizar ferra-
no mundo. Entre estas predições têm sido necessário assegurar que essas tecnologias mentas da biotecnologia moderna, tais co-
citadas: melhoria genética da qualidade dos sejam efetivamente transferidas para o mo a Engenharia genética de plantas.
alimentos, a fim de atingir os requerimentos
nutricionais do homem e de animais domés-
ticos, e criação de variedades tolerantes a QUADRO 1 - Histórico de dados de solicitações para realização de testes de campo nos Estados
deficiências de nutrientes e a estresses do Unidos, em intervalos de três anos, no período 1987-1999, subdivididos de acordo
ambiente. com a categoria do material transgênico (valores expressos em porcentagens)
Tem sido apontado que uma das prin-
Ano
cipais vantagens da biotecnologia de Categoria
plantas é que ela pode gerar estratégias de
1987 1990 1993 1996 1999
melhoramento que são aplicáveis a diferen-
tes culturas. Nesse sentido, as estratégias Tolerância a herbicidas 67 22 33 24 24
da Engenharia genética que conferem
resistência a vírus, proteção contra insetos Proteção contra insetos 22 21 22 23 9
e amadurecimento retardado de frutos são Resistência a vírus 11 29 16 16 _
bons exemplos, que podem beneficiar di-
Resistência a bactérias _ 5 2 1 _
ferentes culturas. Plantas transgênicas de
mais de 20 espécies já foram produzidas Resistência a fungos _ 4 4 8 6
com resistência a mais de 30 diferentes
Características agronômicas _ 3 2 3 6
viroses. Variedades de plantas protegidas
contra insetos, com o uso da endotoxina Qualidade do produto _ 8 18 17 52
de Bacillus thuringiensis já foram produzi-
Genes marcadores _ 3 1 3 _
das para diversas espécies vegetais de im-
portância, incluindo tabaco, tomate, batata, Resistência a nematóides _ _ <1 _ _
algodão, milho, cana-de-açúcar e arroz. Des- Outros _ 6 2 5 3
tas, as culturas de milho, de algodão e de ba-
tata transgênicas, protegidas contra insetos, FONTE: Dunwell (1999).

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10 Biotecnologia

Tipos de plantas godão. Nos Estados Unidos, as varieda- dicionam:


transgênicas já existentes des de algodão Bt e Bt/Round-up Ready a) resistência a doenças causadas por
Um dos primeiros caracteres introdu- têm-se mostrado mais produtivas e de me- vírus, fungos, bactérias e nema-
zidos em plantas por Engenharia genética foi nor custo de produção. No entanto, a fim tóides;
a resistência a insetos, utilizando o gene que de tirar o máximo proveito destes genes, a
b) mudanças na composição do amido,
codifica a toxina de Bacillus thuringiensis (Bt). cultura deve ser bem manuseada. Por exem-
de proteínas e de óleos;
O gene Bt, que foi transferido para o milho, plo, a aplicação do herbicida glifosato em
confere resistência ao “European corn borer” algodão deve ser antes do quarto estádio c) produção de anticorpos e de pro-
(importante praga do milho nos Estados foliar. Se aplicado depois, promove uma re- dutos farmacológicos.
Unidos). dução drástica no número de maçãs florais. A grande utilidade da tecnologia de plan-
Outra característica introduzida no mi- Outra característica que tem demons- tas transgênicas, ainda em desenvolvimen-
lho e na soja foi a tolerância ao herbicida trado ser de grande valia é a transfoma- to, consiste em transformar plantas com ge-
glifosato, criando as cultivares Round-up ção genética de plantas, visando à macho- nes que controlam caracteres complexos, co-
Ready. O uso dessa nova tecnologia tem esterilidade, o que viabiliza a obtenção de mo aqueles que afetam a adaptação de uma
mostrado ser altamente eficiente no con- sementes híbridas. Por exemplo, já estão determinada cultura a diversos ambientes,
trole de plantas daninhas. Além disso, disponíveis linhagens de canola com gene o desenvolvimento e a morfogênese, a re-
criou-se a oportunidade de intensificar o indutor da macho-esterilidade (gene barna- gulação do florescimento e, por último, a
uso das técnicas de plantio direto na se) e restaurador da fertilidade (gene barstar) produtividade como um todo.
agricultura, com todos os seus já conhe- e, ao mesmo tempo, tolerantes ao herbicida O Quadro 2 apresenta, de forma suscin-
cidos benefícios (controle da erosão do glufosinato. Os híbridos transgênicos pro- ta, um histórico da introdução das princi-
solo, melhoria da qualidade do solo e da duzem de 10% a 20% a mais do que os con- pais características de plantas transgênicas
água, e menor perda de matéria orgânica). troles. comercializadas no mundo e as empresas de-
Os genes de Bt e de tolerância ao gli- Existem muitos genes sendo testados tentoras dessas novas variedades/tecnolo-
fosato foram também introduzidos em al- para transformação de plantas que con- gias, no período de 1994 até o início de 1999.

QUADRO 2 - Histórico da introdução das principais variedades de plantas transgênicas, fontes dos genes e detentores das variedades e tecnologias
(empresas), no período de 1994 ao início de 1999

Empresa Variedade transgênica Caráter/Gene e fonte


(continua)

1994

Asgrow Seed Co. Abóbora resistente a vírus Genes das proteínas das capas do mosaico da melancia
e do mosaico amarelo da abobrinha

Calgene Tomate Flavr Savr Gene anti-senso da poligalacturonase de tomate

Algodão tolerante ao bromoxinil Gene de nitrilase isolado de Klebsiella azaenae

DNA Plant Technology Corp. Tomate com amadurecimento retardado Fragmento do gene da sintase do ácido aminociclo-
propano carboxílico de tomate

Monsanto Soja tolerante ao glifosato Gene de EPSP sintase de Agrobacterium estirpe CP4

Tomate com amadurecimento retardado Gene da deaminase do ácido aminociclopropano car-


boxílico de Pseudomonas chloraphis estirpe 6G5

Zeneca Plant Science Batata protegida contra insetos Gene cryIIIA de Bacillus thuringiensis sp. tenebrionis

Tomate com amadurecimento retardado


Fragmento do gene de poligacturonase de tomate
1995
AgrEvo Inc. Canola tolerante ao glufosinato Gene de fosfinotricina acetil transferase de Streptomyces
viridochromogenes

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Biotecnologia 11

Empresa Variedade transgênica Caráter/Gene e fonte


(continua)

1995

ArgEvo Inc. Milho tolerante ao glufosinato Gene de fosfinotricina acetil transferase de Streptomyces
viridochromogenes

Ciba – Geigy Corp. Milho protegido contra insetos Gene cryIA (b) de B. thuringiensis subsp. kurstaki

Monsanto Algodão tolerante ao glifosato Gene da EPSP sintase de Agrobacterium estirpe CP4

Canola tolerante ao glifosato Gene da EPSP sintase de Agrobacterium estirpe CP4

Milho protegido contra insetos


Gene cryIA (c) de B. thuringiensis subsp. kurstaki
1996

Agritop Tomate com amadurecimento retardado Gene de S-adenosilmetionina hidrolase do bacteriófago


T3 de Escherichia coli

DeKalb Genetics Corp. Milho tolerante ao glufosinato Gene de fosfinotricina acetil transferase de Streptomyces
hygroscopicus

DuPont Algodão tolerante à sulfoniluréia Gene de acetolactato sintase de tabaco (N. tabacum cv
xanthi)

Monsanto Batata protegida contra insetos Gene cryIIIA de Bacillus thuringiensis

Milho protegido contra insetos Gene cryIA(b) de Bacillus thuringiensis subsp. kurstaki

Milho tolerante ao glifosato e protegido contra Gene de EPSP sintase de Agrobacterium estirpe CP4 e o
insetos gene de glifosato oxidoredutase de Ochrobactrum
anthropi nas linhagens tolerantes ao glifosato e o gene
cryIA(b) de Bacillus thuringiensis subsp. kurstaki nas
linhagens protegidas contra insetos

Northrup King Co. Milho protegido contra insetos Gene cryIA(b) de Bacillus thuringiensis subsp. kurstaki

Plant Genetic Systems Linhagens de canola macho estéril e restauradora As linhagens macho estéril contêm o gene barnase de
da fertilidade Bacillus amyloliquefaciens e as linhagens restaurado-
ras da fertilidade contêm o gene barstar de Bacillus
amiloliquefaciens

Milho macho estéril Gene barnase de Bacillus amyloliquefaciens

1997
AgrEvo Inc. Canola tolerante a glufosinato Gene de fosfinotricina de Streptomyces viridochromogenes

Bejo Zaden BV Radicchio rosso macho estéril Gene barnase de Bacillus amyloliquefaciens

DeKalb Genetics Corp. Milho protegido contra insetos Gene cryIA(c) de Bacillus thuringiensis

DuPont Soja com alto teor de ácido oléico Supressão do gene GmFad2-1 que codifica a enzima
delta-12 dessaturase

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12 Biotecnologia

Empresa Variedade transgênica Caráter/Gene e fonte


(conclusão)

1997

Seminis Vegetable Seeds Abóbora resistente a vírus Genes das proteínas da capa do vírus do mosaico da
abóbora, do vírus do mosaico amarelo de abobrinha e
do vírus 2 do mosaico da melancia

Universidades do Havaí/Cornell Mamão resistente a vírus Gene da proteína da capa do vírus que causa mancha-
anelar no mamoeiro

1998

AgrEvo Inc. Soja tolerante ao glufosinato Gene de fosfinotricina acetil transferase de Streptomyces
viridochromogenes

Beterraba açucareira tolerante ao glufosinato Gene de fosfinotricina acetil transferase de Streptomyces


viridochromogenes

Milho protegido contra insetos e tolerante ao glu- Gene cry9C de B. thuringiensis subsp. tolworthi e o
fosinato gene bar de Streptomyces hygroscopicus

Canola macho estéril ou restauradora da fertilida- Canola macho estéril contém o gene barnase e canola
de e tolerante ao glufosinato restauradora da fertilidade contém o gene barstar de
Bacillus amyloliquefaciens. Ambas contêm o gene
fosfinotricina acetil transferase de Streptomyces
viridochromogenes

Calgene Algodão protegido contra insetos e tolerante ao Gene de nitrilase de Klebsiella pneumoniae e o gene
bromoxinil cryIA(c) de B. thuringiensis subsp. kurstaki

Tomate protegido contra insetos Gene cryIA(c) de B. thuringiensis subsp. kurstaki

Monsanto Milho tolerante ao glifosato Gene modificado de EPSP sintase do milho

Batata protegida contra vírus e insetos Gene cryIIIA de B. thuringiensis sp. tenebrionis e o
gene da proteína da capa do vírus Y

Monsanto/Novartis Beterraba açucareira tolerante ao glifosato Gene da EPSP sintase de Agrobacterium estirpe CP4 e
gene de glifosato oxidoredutase de Ochrobactrum
anthropi

Pioneer Hi-Bred Milho macho estéril Gene da metilase de adenina do DNA de E. coli

Universidade de Saskatchewan Linho tolerante à sulfoniluréia Gene de acetolactato sintase de Arabidopsis

1999

BASF AG Canola com sementes sem ácido fítico Gene de fitase de Aspergilus niger var. van Tieghem

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Biotecnologia 13

GLOSSÁRIO DE TERMOS de uma via metabólica de plantas que organismo e de inserção dele no DNA
BIOTECNOLÓGICOS leva a produção de aminoácidos aro- de outro organismo, também chamada
máticos (fenilalanina, tirosina e tripto- de Engenharia genética ou de modifi-
Agrobacterium tumefaciens: bactéria de
fano), necessários para a síntese de cação genética.
ocorrência natural no solo que é muito
proteínas e outros compostos essen-
usada como veículo de transformação Vetor: molécula de DNA na qual é inserido
ciais para o crescimento vegetal. Essa
de plantas. o DNA exógeno permitindo a sua mul-
enzima é inibida pelo herbicida gli-
tiplicação na célula hospedeira.
Baccillus thuringiensis (Bt): bactéria de fosato.
ocorrência natural no solo e usada com Vírus: partícula constituída de um ácido
Estabilidade: habilidade de um caráter
sucesso na agricultura orgânica para nucléico e de proteínas (capa). Um vírus
transgênico de ser expresso na linha-
controlar certos insetos da ordem só consegue replicar dentro de uma
gem do organismo geneticamente
Lepdotera por mais de 30 anos. Quando célula de um organismo vivo (bactéria,
modificado e nas linhagens derivadas
ingerida pelo inseto-alvo, a proteína planta ou animal).
subseqüentes, de forma consistente,
produzida pelo Bt mata o inseto pro-
reprodutível e de maneira predita. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
movendo distúrbios no sistema diges-
tivo dele. A proteína do Bt não é tóxica Gene: uma porção do cromossomo que
DUNWELL, J. M. Transgenic crops: the next
para outros insetos e muito menos para contém a informação genética para a
generation, or an example of 2020 vision.
seres humanos e animais. produção de uma proteína.
Annals of Botany, London, v.84, p. 269-
Caráter: característica fenotípica que é Herbicida: composto químico usado para 277, 1999.
conferida pelo inserto transgênico ao matar plantas, especialmente, as da-
organismo recipiente. ninhas. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
Construção: fragmento de DNA mani- Híbrido: planta resultante do cruzamento BIOTECH chronicles: time lines: http://
pulado por Engenharia genética, que entre genitores relacionados, mas não www.accessexcellence.org/AB/BC
contém a seqüência de DNA para ser geneticamente idênticos.
HERRERA-ESTRELA, L. Transgenic plants
integrada no genoma do organismo Inserto: parte da construção que é inte- for tropical regions: some considerations
recipiente. grada no genoma do organismo re- about development and their transfer to the
Cromossomos: elementos microscópicos cipiente. small farmer. Proceedings of the National
com o formato de bastonetes que ocor- Inseticida: composto químico usado para of Academy of Sciences, Washington, v.96,
rem no núcleo da célula eucariótica. Os controlar populações de insetos. Na p.5978-5981, 1999.
cromossomos contêm as moléculas de agricultura, inseticidas são usados pa- FEDEROFF, N. V.; COHEN, J. E. Plant and
DNA e conseqüentemente a informa- ra controlar insetos-praga que se ali- population: is there time? Proceedings
ção genética do organismo. mentam das culturas ou transmitem of the National of Academy Sciences,
DNA (ácido desoxirribonucléico): com- doenças. Washington, v.96, p.5903-5907, 1999.
posto de desoxirribose (açúcar), fosfato Pesticidas: substâncias que são usadas para FLAVEL, R. B. Plant biotechnology R & D: the
e bases nitrogenadas. Cada molécula controlar pragas, tais como, insetos ou next ten years. Trends in Biotechnology,
de DNA consiste de duas fitas com- microorganismos. v.13, p.313-313, 1995.
plementares no formato de uma hélice
Plasmídeo: pequeno fragmento de DNA, JOHNSON, D. G. The growth of demand will
dupla. O DNA é responsável pela trans-
normalmente circular, encontrado fora limit output growth for food over the next
ferência da infomação genética de uma
do cromossomo principal da bactéria. quarter century. Proceedings of the National
geração para outra.
Os plasmídeos são usados como vetores Academy of Sciences, Washington, v.96,
Engenharia genética: tecnologia que per- para inserir novos materiais genéticos p.5915-5920, 1999.
mite remover, adicionar ou modificar em microorganismos ou em plantas.
KISHORE, G. M.; SHEWMAKER, C.
genes em organismos vivos, também
Proteína: polímero formado por unidades Biotechnology: enhancing human nutrition
chamada de tecnologia do DNA
denominadas aminoácidos. A indivi- in developing and developed worlds.
recombinante ou modificação genética.
dualidade de uma proteína é função do Proceedings of the National Academy
Enzimas: são proteínas que catalisam rea- seu tamanho, configuração do políme- of Sciences, Washington, v.96, p.5968-
ções químicas na célula, resultando na ro e da seqüência de aminoácidos den- 5972, 1999.
produção de compostos necessários à tro do polímero.
MALIK, V. S. Biotechnology: the golden age.
sobrevivência da célula.
Tecnologia do DNA recombinante: técni- Advances in Applied Microbiology, Ma-
EPSP sintase: enzima que catalisa a reação ca de isolamento de um gene de um dison, v.34, p.263-305, 1989.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.5-13, maio/jun. 2000


14 Biotecnologia

Variedades transgênicas: solução ou ameaça


Aluízio Borém 1
Marcos Paiva Del Giúdice 2

Resumo - Acredita-se que o mundo esteja adentrando a era da revolução gênica,


quando o melhoramento genético será realizado de forma mais precisa e pontual com
os recursos da biotecnologia. Acredita-se também que a resistência aos organismos
geneticamente modificados vá diminuir, à medida que a segunda onda de variedades
transgênicas atingir o mercado. Esta segunda onda será pautada pela incorporação de
características de qualidade nutricional ou de processamento dos alimentos, a exemplo
das variedades de soja com maior teor de ácidos oléicos, com grandes benefícios para
a saúde humana, especialmente para pessoas com propensão a doenças car-
diovasculares. As variedades transgênicas em breve contribuirão para melhorar o ní-
vel de vida e bem-estar da humanidade.
Palavras-chave: Biotecnologia; Engenharia genética; DNA; Melhoramento; Bios-
segurança.

INTRODUÇÃO ciedade em que vivemos de forma radical. invenção da caneta esferográfica e seu de-
Diante destas mudanças, o homem se de- senvolvimento foi de cerca de 50 anos e,
A molécula que programa o potencial
para com uma encruzilhada de três vias: no caso da televisão, foi de aproximada-
biológico de todos os seres vivos, o ácido
desoxirribonucléico (DNA) está come- rechaçar as tecnologias e tentar ficar fo- mente 29 anos (Quadro 1). Percebe-se que
çando a mostrar seus segredos. À medida ra do processo; apropriar-se da técnica e as tecnologias desenvolvidas nos últimos
que os cientistas mapeiam os genes nos transformar a vida em uma corrida atrás do anos têm-se tornado acessíveis à sociedade
cromossomos, a promessa de cura de doen- novo; ou apropriar-se dos processos, de- muito mais rápido. Embora a redução deste
ças, a solução dos mistérios da evolução e senvolvendo habilidades que permitam o lapso de tempo seja positiva para a so-
a transformação de plantas em biorreato- acesso e controle das tecnologias para seu ciedade, ela tem um custo: o medo do des-
res começam a tornar-se mais concretos. O bem-estar. conhecido. Hoje, esta é a situação pela qual
progresso alcançado pelos cientistas tem O lapso de tempo entre a criação de uma a biotecnologia passa. A maioria da po-
recebido o estímulo e apoio das agências nova tecnologia e sua efetiva utilização prá- pulação ainda desconhece o que ela é, para
governamentais de fomento à pesquisa e tica vem diminuindo consideravelmente ao que serve e quais suas possíveis contri-
da iniciativa privada, mas também tem le- longo da história. O tempo gasto entre a buições para a sociedade. Não obstante,
vantado questionamentos éticos jamais
considerados pela sociedade. Por exemplo,
hoje a tecnologia da seleção de espermas QUADRO 1 - Lapso de tempo para o desenvolvimento de novas tecnologias
para fecundação in vitro permite aos pais
a escolha do sexo da criança. Amanhã, per- Início da Tempo para o
Tecnologia Invenção produção comercial desenvolvimento
mitirá a escolha da cor dos olhos, estatura, (anos)
nível de inteligência, cor da pele etc. Estas
novas possibilidades acendem questões de Caneta esferográfica 1888 1938 50
fundo moral e ético em nossa sociedade.
Zíper 1891 1923 32
Os questionamentos éticos também se
fazem presentes em relação às variedades Helicóptero 1904 1936 32
transgênicas. Televisão 1907 1936 29
Mais do que alterar o modo de vida do
Transgênicos 1983 1996 13
homem, a tecnologia tem mudado a so-

1
Engo Agro, Ph.D., Prof. UFV - Depto Fitotecnia, CEP 36571-000 Viçosa-MG. E-mail: borem@mail.ufv.br
2
Engo Agro, D.S., UFV - Depto Fitotecnia, CEP 36571-000 Viçosa-MG. E-mail: mgiudice@mail.ufv.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.14-19, maio/jun. 2000


Biotecnologia 15

os produtos desta tecnologia já estão dis- da por alimentos. isto é, sob uma perspectiva holística e de
poníveis para a sociedade. Diante deste O alimento que consumimos, as roupas interesse do país, conforme se segue:
cenário, muitos que consideram o novo que usamos e o ar que respiramos dependem a) soberania tecnológica: durante mui-
melhor passam a tomar a via que leva a ele. do reino vegetal - as plantas. A Biotecno- tos anos, sob a fachada de que a re-
A visão de que tudo que é novo é automati- logia vegetal é uma extensão do melho- serva de mercado na área da Infor-
camente melhor, é característica típica do ramento convencional de plantas. Ela pode mática era estratégica para o Brasil,
pensamento consumista, regido pelo im- ser considerada como uma nova maneira nossos melhores cientistas foram
perialismo capitalista. Por outro lado, os de fazer, de forma mais precisa, uma ativi- privados de equipamentos que via-
conservadores avessos a mudanças re- dade que o homem iniciou há, aproxima- bilizassem o desenvolvimento de
chaçam qualquer nova tecnologia, sob a damente, 10 mil anos - selecionar tipos com softwares - área em que o país é re-
alegação de que a antiga e tradicional ma- características superiores (Borém, 1998). conhecido. Foram feitos pesados
neira de fazer as coisas é a melhor. Nesse A década de 80 foi marcada por debates investimentos no treinamento de
caso, desenvolve-se um bloqueio que os sobre os possíveis benefícios da Bio- pessoal e em infra-estrutura em Bio-
distanciam cada vez mais do mundo mo- tecnologia para a agricultura. O entusiasmo tecnologia, durante os últimos 20
derno. O computador passou e ainda passa com o assunto, naquela época, levou tanto anos. O Brasil não deve fechar as
por esta fase em algumas sociedades. leigos quanto letrados a discorrerem sobre portas para uma tecnologia que pode
o assunto na mídia. O resultado foi a forma- aumentar a competitividade de seus
TRANSGÊNICOS - NOVA ERA ção da expectativa de que a Biotecnologia produtos agrícolas, podendo torná-
DE SOLUÇÕES resolveria todos os problemas da agri- los de melhor valor nutritivo, ou mes-
cultura, como um toque de mágica. O tempo mo contribuir para a redução da polui-
Diga adeus à era da Física, ciência que
passou e as frustrações marcaram o início ção ambiental. Embora as variedades
dividiu o átomo e transformou o silício em
da década de 90. Hoje, a Biotecnologia já transgênicas, que estão em fase de
poder de computação. É hora de saudar a
mostra os seus resultados iniciais. Os pri- discussão quanto ao plantio no Bra-
era da Biotecnologia. Como a descoberta
meiros produtos comerciais gerados pela sil, tenham sido desenvolvidas no
do elétron, em 1897, foi um evento que
Engenharia genética chegaram às prate- exterior, no caso das espécies de im-
marcou o século XX, as primeiras sementes
leiras dos supermercados em 1996, nos portância exclusiva para o país, teriam
para o próximo século foram plantadas em
Estados Unidos (Borém et al., 1999). Desde que ser desenvolvidas aqui. Todos
1953, quando James Watson e Francis Crick
então, vêm sendo colocados no mercado estes possíveis benefícios devem, en-
descobriram como os ácidos desoxirri-
organismos (produtos) geneticamente tretanto, ser avaliados à luz da bios-
bonucléicos formam a molécula de DNA.
modificados (OGMs) de várias espécies, segurança;
Passado quase meio século da descoberta
como soja, batata, milho, cana-de-açúcar,
de Watson e Crick, a Biotecnologia é o b) moral: muitas das críticas feitas aos
algodão, mamão, canola, fumo, dentre ou-
assunto favorito tanto de seus defensores transgênicos baseiam-se apenas em
tros.
quanto de seus opositores. No caso da Fí- aspectos morais. Alguns simples-
Hoje, o que se observa, na mídia na-
sica, as pesquisas científicas e os desen- mente acham imoral remover frag-
cional, é o debate e o questionamento dos
volvimentos tecnológicos ocorreram, de mentos de DNA de um organismo e
riscos de utilização dos alimentos trans-
certa forma, centralizados, pois não era gênicos para a saúde humana e animal e introduzi-lo em outro organismo.
possível alguém montar seu laboratório e para o meio ambiente. A celeuma atual é se Não se pode ignorar os benefícios
manipular livremente um material radioati- os transgênicos são solução ou ameaça. da Biotecnologia para o bem-estar
vo. A Biotecnologia é altamente descentra- Inicialmente, precisa-se entender o que do homem. Na área da saúde hu-
lizada. Ela é desenvolvida tanto em peque- são as variedades transgênicas. Os trans- mana, são as bactérias transgênicas
nos laboratórios dos países em desenvolvi- gênicos, como são freqüentemente cha- que produzem a insulina utilizada por
mento, quanto em grandes universidades mados, são variedades desenvolvidas pela diabéticos, tanto no Brasil quanto em
e empresas do Primeiro Mundo. introdução de genes de outras espécies, outros países;
A população mundial passa por um por meio das técnicas da Engenharia genéti- c) interesses econômicos: o comércio
crescimento explosivo. O número de habi- ca. Por exemplo, uma variedade transgênica internacional encontra-se segmen-
tantes do planeta deve dobrar nos pró- de milho pode ser obtida pela introdução tado em dois mercados. Em um, o
ximos 40 anos, gerando uma demanda por de genes de bactérias, fungos, ou de outras mercado está disposto a pagar ágio
alimentos 250% superior à produção atual. espécies, como arroz ou feijão, visando ao pelos produtos não-transgênicos,
Ao mesmo tempo, ocorrerá redução dos desenvolvimento de uma variedade com em outro, não faz acepção quanto a
recursos para a produção agrícola. O de- maior valor nutricional ou, ainda, mais resis- este aspecto. Alguns importadores
safio à frente é imenso. O homem irá sentir- tente a uma praga. europeus não compram soja de paí-
se pressionado a desenvolver e a aplicar A questão dos transgênicos deve ser ses que plantam variedades transgê-
novas tecnologias para atender à deman- analisada sob uma ótica não tendenciosa, nicas. Sob a alegação de estratégia
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.14-19, maio/jun. 2000
16 Biotecnologia

comercial, alguns advogam que o é de certa forma semelhante ao de Neste sentido, algumas pesquisas encon-
Brasil deveria banir os transgênicos, outros países, quando os primeiros tram-se em andamento, com o objetivo de
para conquistar os clientes dispos- OGMs foram lançados. A experiên- desenvolver variedades de soja com baixos
tos a pagar ágio pela soja não-trans- cia destes países sugere que, ven- teores de ácidos graxos saturados e eleva-
gênica. Esta estratégia deve ser cui- cida a resistência inicial, os transgê- dos teores de insaturados, importantes
dadosamente analisada uma vez que nicos logo estarão fazendo parte especialmente em dietas para cardíacos. No
o custo de produção da soja não- da mesa do consumidor brasileiro. caso de produtos com maior facilidade de
transgênica é maior, o que pode sig- A CTNBio está cientificamente qua- processamento, pode-se citar o caso das
nificar menor lucratividade para o lificada para avaliar os riscos dos variedades de batata com maior conteú-
agricultor brasileiro; transgênicos para a nossa socie- do de sólidos solúveis. Estas variedades
d) rotulagem: a Food and Agriculture dade. absorvem menor quantidade de óleo du-
Organization (FAO), organismo da A Biotecnologia abre novas perspec- rante a fritura, resultando em um alimento
ONU que se dedica à agricultura, tivas para tornar as espécies vegetais mais mais saudável sob o ponto de vista cardio-
reconhece a obrigatoriedade de ro- úteis ao homem. Dentro de várias poten- vascular.
tulagem apenas para os produtos cialidades criadas por ela, a primeira vislum- A terceira potencialidade das varieda-
transgênicos que não forem simila- brada pelos cientistas foi a alteração gené- des transgênicas é a produção de fárma-
res aos convencionais. Mais impor- tica, visando ao aumento ou à estabilização cos. Estas variedades funcionarão como
tante do que a discriminação dos da produção. Nesta linha surgiram as va- biorreatores na produção destas substân-
alimentos transgênicos por meio da riedades resistentes aos insetos, a exemplo cias. Esta possibilidade traz uma perspec-
rotulagem, é a questão da sua bios- do algodão BollgardÓ , da batata NewLeefÓ tiva muito grande para a obtenção destas
segurança para o consumidor. Há e do milho Bt. Estas variedades, por ser substâncias, de forma renovável e não com-
mais de 20 anos, o brasileiro conso- menos atacadas por insetos, apresentam prometedora com a biodiversidade do pla-
me, sem saber, queijo produzido com maior estabilidade de produção e maior pro- neta.
bactérias (coalho) transgênicas, que dutividade em situações de intenso ataque Pesquisas preliminares sobre a pro-
produzem uma enzima típica de de lagartas. Não obstante, estas variedades dução de proteínas exóticas, vacinas e fár-
bovinos. Como o queijo não oferece transgênicas apresentam menor custo de macos em plantas estão em andamento.
risco para a saúde humana, sua rotu- produção, uma vez que a aplicação de in- Nestas circunstâncias, plantas transgêni-
lagem tornou-se dispensável; seticida, dentro do manejo de pragas, é re- cas poderiam assumir uma nova e impor-
e) biossegurança: ela avalia os riscos duzida. Surgiram também as variedades tante função no bem-estar da sociedade.
de um produto para a saúde huma- tolerantes a herbicidas, como a soja, a canola, A quarta potencialidade vislumbrada
na e animal, e para o meio ambien- o algodão, o milho e a beterraba Round-up de uso das variedades transgênicas deve-
te. Criada em 1995 no Ministério da ReadyÓ . No caso destas variedades, o cus- se concretizar mais no final da primeira dé-
Ciência e Tecnologia, a Comissão to de produção é menor, decorrente da cada do próximo milênio (Gráfico 1). Acre-
Técnica Nacional de Biosseguran- possibilidade de uso de um único produto dita-se que as plantas serão transformadas
ça (CTNBio) tem o propósito de ava- de ação total, não-seletivo, e de menor cus- com genes para produzir monômeros e po-
liar os riscos da utilização de trans- to (Callow, 1997 e Kubicek, 1997). límeros, que poderão substituir derivados
gênicos no Brasil (Borém et al., 1998). As principais culturas para as quais as de petróleo.
Constituída por vários representan- variedades transgênicas estão disponíveis O futuro desponta-se otimista com as
tes da sociedade, a CTNBio possui no mundo incluem soja, milho, algodão, atuais contribuições da Biotecnologia.
cientistas brasileiros de renome in- batata, cana-de-açúcar, tomate, dentre Acredita-se que ela dará importante contri-
ternacional, altamente comprome- outras. Estas variedades normalmente apre- buição aos melhoristas, no seu propósi-
tidos com uma postura ética e volta- sentam uma ou mais das seguintes caracte- to de suprir a demanda de alimento, fibras
da para os interesses do país. O ri- rísticas introduzidas pela Engenharia ge- etc. da população mundial, estimada em
gor e a completa independência da nética: tolerância a herbicidas, resistência 8,7 bilhões para 2010. O Gráfico 1 resume as
CTNBio resultaram no adiamento, a insetos e maior vida de prateleira. O inte- expectativas de contribuições das varie-
para 1998, da recomendação de auto- resse dos agricultores em plantar estas va- dades transgênicas para o bem-estar da
rização de comercialização e plantio riedades decorre do seu menor custo de sociedade, em diferentes períodos. Confir-
das variedades transgênicas de soja produção, uma vez que a aplicação de her- madas essas expectativas, as culturas tor-
Round-up ReadyÓ , tolerante ao her- bicidas, inseticidas e fungicidas é menor. nar-se-ão, além de produtoras de alimentos,
bicida Roundup. Entretanto, a jus- Uma segunda perspectiva aberta pela biorreatores naturais.
tiça concedeu liminar suspenden- Engenharia genética é a melhoria da quali- A genética, por meio do melhoramento
do o seu plantio comercial no país. dade do produto ou introdução de caracte- de plantas, tem contribuído, até o presente
O momento pelo qual o Brasil passa rísticas que facilitem seu processamento. momento, para afastar as nefastas previ-
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.14-19, maio/jun. 2000
Biotecnologia 17

genes é mais precisa, e é possível controlar


Produtos
a incorporação de outros genes além dos
de interesse, pois o processo é praticamen-
te pontual.
Químicos O novo e o incompreendido geram des-
conforto e desconfiança, principalmente
Fármacos para os leigos. A história pode nos ensinar
grandes lições. Vale a pena relembrar os
tempos da descoberta da vacina contra a
Processamento varíola, em 1778, por Edward Jenner. Esta
de alimentos
vacina só passou a ser utilizada pela so-
ciedade mais de 50 anos depois de sua
Características descoberta, após a quebra de tabus éticos
agronômicas
e de biossegurança no seu uso. Este atraso
Anos
resultou em muitas mortes que poderiam
1995 2000 2005 2010 ter sido evitadas, se esta tecnologia tivesse
sido adotada mais cedo. Com a adoção da
Gráfico 1 - Expectativas de contribuições das variedades transgênicas para a sociedade vacina de Jenner, a varíola foi eliminada do
mundo.
Os transgênicos já são plantados nos
sões de Thomas Malthus, de que o cres- trição. Estados Unidos, Canadá, China e Argen-
cimento da produção mundial de alimentos Normalmente, os seguintes aspectos tina, além de vários outros países. Não se
não acompanharia o aumento populacio- são considerados, quando se pensa em se- podem excluir os agricultores brasileiros do
nal. Atualmente, a Biotecnologia vegetal gurança alimentar: potencial alergênico, acesso às tecnologias, que lhes permitirão
começa a dar sua contribuição para o bem- digestibilidade, toxicidade, risco teratogê- produzir alimentos mais nutritivos e com
estar da humanidade. Com ela será mais fácil nico, dentre outros. preços mais competitivos para o mercado
operar o milagre da multiplicação dos grãos. A Engenharia genética permitiu expan- nacional e internacional.
dir as alterações genéticas no desenvolvi- Alguns pesquisadores questionam se
mento das novas variedades, viabilizando os genes para resistência a antibióticos in-
TRANSGÊNICOS - AMEAÇA?
a introdução de características específicas, seridos em variedades transgênicas, como
Existe uma ansiedade muito grande da muitas das quais impossíveis de ser incor- marcadores, poderiam ser naturalmente
sociedade brasileira sobre os riscos dos poradas pelos procedimentos tradicionais transferidos para as bactérias causadoras
alimentos transgênicos para a saúde hu- do melhoramento de plantas. A avaliação de doenças nos homens, nas quais eles
mana. O tema tem sido foco de debates e de produtos derivados da moderna Biotec- poderiam ser ativados a produzir enzimas
questionamentos na mídia nacional, nos nologia não requer mudanças substantivas que as protegessem dos antibióticos. Esta
últimos meses, de forma bastante intensa. nos princípios estabelecidos de segurança transferência poderia ter conseqüências
É importante que a população conheça to- alimentar para os produtos convencionais. indesejáveis, como a bactéria resistente não
dos os aspectos inerentes à produção e ao As variedades não-geneticamente modifi- ser mais combatida por aquele anti-biótico
consumo dos produtos geneticamente cadas que hoje cultivamos, e cujos pro- específico.Até a presente data, não foi
modificados. Um alimento é seguro à saúde dutos consumimos, são o resultado de um encontrada nenhuma evidência de troca de
humana se ele não causa nenhum mal aos trabalho de seleção, realizado ao longo de material genético das plantas com as
que o ingerem em quantidades conside- milhares de anos, pela ação da natureza e bactérias do ar ou aquelas em contato com
radas normais e após o seu devido proces- pelo homem. A seleção artificial conduzida o sistema radicular. Embora a troca de ge-
samento. Os alimentos têm sido conside- pelos melhoristas possibilitou o desenvol- nes nunca tenha sido observada, isto não
rados seguros à saúde humana, com base vimento de variedades com maior produti- quer dizer que ela seja impossível, mas sim
na experiência do seu consumo a longo vidade, resistentes a pragas, além de várias que provavelmente não ocorra. O mesmo
prazo. A perspectiva de segurança ali- outras caraterísticas agronômicas impor- se aplica às bactérias do trato digestivo
mentar é, entretanto, um aspecto dinâmico. tantes. Nestes casos, quando o melhorista dos indivíduos que ingerirem alimentos ge-
Por exemplo, alimentos com elevado teor introduz, em uma nova variedade, novos neticamente modificados.
de gordura não eram considerados nocivos genes de resistência a uma doença, por Mesmo que esta transferência ocorresse
à saúde. Todavia, hoje, alimentos ricos em exemplo, vários outros genes ligados aos e a bactéria do solo ou do intestino adqui-
gorduras saturadas são comprovadamente primeiros são incorporados à nova varie- risse resistência, isto não representaria ris-
prejudiciais à saúde humana. Mesmo assim, dade, sem maior controle. No caso das co à saúde do homem. Muitas bactérias já
muitos ainda os utilizam sem qualquer res- variedades transgênicas, a introdução de apresentam resistência a antibióticos como
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.14-19, maio/jun. 2000
18 Biotecnologia

a ampicilina. duzida chance de escape gênico é a ausên- outras espécies, um dos receios do público
A própria história da relação inseto- cia de parentes silvestres sexualmente é que a ingestão de alimentos destes or-
inseticidas é uma corrida contra o tempo, compatíveis com a soja no Brasil. A soja ganismos possa resultar em aumento das
em que os inseticidas são cada vez mais pertence à classe Dicotyledoneae, à sub- reações alérgicas. Um exemplo freqüente-
poderosos e os insetos mais resistentes. classe Archichlamydae, à ordem Rosales, mente utilizado para justificar este receio é
Para contornar este problema, o manejo in- à subordem Leguminosinae, à família o caso da introdução de um gene de peixe
tegrado de pragas preconiza a utilização Leguminosae, à subfamília Papilionaceae, em morango, visando à resistência ao frio.
de uma série de medidas de controle. As à tribo Phaseoleae, ao gênero Glycine L., Se porventura um indivíduo alérgico a peixe
variedades transgênicas resistentes a in- ao subgênero Glycine subg. soja (Moench) ingerir este morango transgênico, ele po-
setos são mais uma das estratégias a serem e à espécie Glycine max (L.) Merrill (Gaz- deria manifestar reação alérgica.
incorporadas ao manejo de pragas. zoni,1994). Nutricionistas e cientistas da área da
Outra preocupação, às vezes levantada As espécies Glycine max e Glycine soja saúde catalogaram um grande número de
por ambientalistas, é a de que variedades possuem o número de cromossomos di- substâncias alergênicas. Uma comparação
transgênicas tolerantes a herbicidas po- plóides igual a 40. Pode-se efetuar o cruza- destas substâncias evidenciou grande
deriam resultar em plantas daninhas tole- mento entre estas duas espécies com re- grau de similaridade entre elas, o que tem
rantes aos herbicidas, ou seja, superplantas lativa facilidade, uma vez que os híbridos permitido estabelecer padrões típicos de
daninhas. Vargas et al. (1999) discorrem so- F1 são férteis. Entretanto, G. soja não ocorre substâncias alergênicas.
bre a resistência de plantas daninhas a naturalmente no Brasil (Hymowitz & Singh, A Organização Mundial da Saúde
herbicidas e concluem que uma população 1987). (OMS) desenvolveu testes e padrões inter-
delas pode ter, naturalmente, diferentes ní- O germoplasma de Glycine max contém nacionais para detectar substâncias com
veis de tolerância a diferentes herbicidas. grande número de tipos morfológicos de potencial alergênico. Estes testes são bas-
O risco de um gene específico de um OGM plantas. Com exceção da Glycine tomentella, tante rigorosos e os OGMs são submetidos
tolerante à herbicida ser transferido para o número de cromossomos diplóides para a eles antes de ser liberados no mercado.
uma planta daninha é extremamente remoto, espécies dentro do subgênero Glycine po- A Engenharia genética eventualmente
em muitos casos, como já observado por de ser de 40 ou 80 (Gazzoni, 1994). contribuirá para a eliminação de substân-
Conner & Dale (1996). O fluxo gênico entre O Quadro 2 contém as espécies afins, o cias alergênicas que ocorrem naturalmen-
diferentes espécies é extremamente com- número de cromossomos e a distribuição te nos alimentos não-geneticamente modi-
plexo e requer a quebra de várias barreiras das espécies dos gêneros Glycine willd e ficados. Por exemplo, os cientistas conse-
de isolamento reprodutivo (Klinger et al. Bracteata Verdc no mundo. Conforme fica guiram desativar um gene no arroz que
1991). Algumas das mais freqüentes bar- evidente, estas espécies não ocorrem no codifica a produção de uma proteína que
reiras são: Brasil, o que contribui para reduzir a proba- causa alergia em uma parcela da popula-
a) espécies com habitats distintos; bilidade de escape gênico. ção.
b) espécies com maturidade sexual em A Glycine wightti, subgênero Bracteata A Engenharia genética tem sido es-
épocas distintas; Verdc, conhecida inicialmente como Glycine tudada nos últimos 26 anos sem ter sido
c) incompatibilidade genética; javanica, apresenta o número de cromos- detectado qualquer efeito prejudicial à
somos diplóides 22 ou 44. A planta é trepa- saúde humana, animal ou ao meio ambiente.
d) fraqueza do híbrido;
deira, perene, do tipo parreira, e endêmica As pesquisas têm sido conduzidas, se-
e) esterilidade híbrida; na África e no Sudoeste da Ásia. gundo critérios rígidos de controle de
f) dreno metabólico. O risco de fluxo gênico em outras espé- qualidade. Entretanto, novas tecnologias
No caso específico da soja transgênica cies pode, entretanto, ser elevado, ao con- envolvem certos riscos. Se estes riscos são
tolerante ao Roundup, o risco de escape trário do que ocorre com a soja no Brasil, aceitáveis ou não, vai depender de uma
do transgene para espécies silvestres no conforme discutido. avaliação global dos benefícios destas tec-
Brasil é extremamente pequeno. As prin- A alergia é um distúrbio do sistema imu- nologias.
cipais barreiras a este fluxo gênico são as nológico, normalmente causado por alguns Finalmente, os cientistas acreditam que
baixas taxas de cruzamento natural na soja, tipos de proteínas. Por exemplo, alguns o risco de alergia com os transgênicos não
por causa da cleistogamia, fenômeno que indivíduos são alérgicos ao leite de vaca, é maior do que com aqueles desenvolvidos
se caracteriza pela ocorrência da fecun- gema de ovo, glúten, peixes, mariscos etc., pelo melhoramento convencional.
dação antes da abertura do botão floral. A podendo esta alergia manifestar-se com Mesmo que as variedades transgê-
taxa de fecundação cruzada entre plantas irritação da pele, tosse, distúrbio gastro- nicas apresentem algum risco, elas devem
de soja da mesma espécie (Glycine max) e intestinal etc. Cerca de 5% das crianças e 2% ser consideradas como parte da solução
com ciclo vegetativo de mesma duração é dos adultos da população mundial sofrem dos problemas que desafiam os cientistas
inferior a 1%. de alguma forma de alergia a alimentos. na questão da alimentação e do vestuário
Outro fator que contribui para a re- Como os OGMs apresentam genes de para a humanidade.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.14-19, maio/jun. 2000


Biotecnologia 19

QUADRO 2 - Espécies, número de cromossomos e distribuição do gênero Glycine willd

Espécie 2n Distribuição

Subgênero Glycine
G. arenaria Tind. 40 Austrália
G. argyrea Tind. 40 Austrália
G. canascens F. J. Herm. 40 Austrália
G. clandestina Wendl. 40 Austrália
G. curvata Tind. 40 Austrália
G. cyrtoloba Tind. 40 Austrália
G. falcata Benth. 40 Austrália
G. latifolio (Benth) Newell and Himowitz 40 Austrália
G. latrobeana (Weissn.) Benth. 40 Austrália
G. microphylla (Benth) Tind. 40 Austrália
G. tabacina (Labil.) Benth. 40,80 Austrália, Sul da China, Taiwan, Ilhas do Ryukyu e Ilhas
do Pacífico Sul
G. tomentella Hayata 38,40,78,80 Austrália, Sul da China, Taiwan, Filipinas, Papua Nova
Guiné

Subgênero Soja (Moench) F.J. Herm.


G. soja Sieb. and Zucc 40 China, Taiwan, Japão, Coréia e Rússia
G. max (L.) Merr. 40 gene cultivado

Subgênero Bracteata Verdc


G. wightii subsp. wightii var. wightii 22,44 Índia, Ceilão, Java
G. wightii subsp. wightii var. longuisuda 22,44 Arábia, Etiópia, Congo, Angola
G. wightii subsp. petitiana var. petitiana 22,44 Quênia, Tanzânia, Etiópia
G. wightii subsp. petitiana var. mearnsii 22,44 Quênia, Tanzânia, Zâmbia
G. wightii subsp. pseudojavanica (Taub.) verdc. 22,44 Leste e Oeste da África, Congo
FONTE: Hymowitz (1970), Singh et al. (1988) e Sediyama et al. (1999).

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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.14-19, maio/jun. 2000


20 Biotecnologia

Decifrando o genoma
Newton Portilho Carneiro 1
Andréa Almeida Carneiro 2
Cláudia Teixeira Guimarães 3
Edilson Paiva 4

Resumo - Os genes, unidades biológicas que determinam as características de um


organismo, estão contidos em moléculas de DNA presentes no núcleo das células.
Portanto, o estudo do DNA é de fundamental importância para o entendimento
de como as características de um organismo são formadas. Com o grande avanço
alcançado pelas técnicas de Biologia molecular nas últimas décadas, hoje, somos
capazes de isolar e seqüenciar moléculas de DNA de maneira rotineira. A partir da
otimização das técnicas de seqüenciamento, surgiram programas com o objetivo de
seqüenciar genomas inteiros. Atualmente, estão depositados em bancos de dados
mais de 3 milhões de seqüências de DNA e, grande parte delas ainda não tem sua
função conhecida. O processo de caracterização da função gênica envolve um volume
muito maior de pesquisas e conhecimentos do que as etapas de isolamento e
seqüenciamento. A função de um gene pode ser desvendada por meio de técnicas de
genética direta ou reversa. Descrevem-se algumas das metodologias usadas para a
caracterização da função gênica, bem como o potencial dos programas de seqüen-
ciamento de genomas.
Palavras-chave: Genoma; Seqüenciamento; cDNA; Microarrays; Transposons; T-DNA.

INTRODUÇÃO essa variação das bases que constitui o quantidade de seqüências de DNA, atual-
A estrutura tridimensional do DNA, DNA, que produz as diferenças existentes mente disponíveis, é tão grande que são
definida por Watson e Crick em 1953, é entre os diversos genes. necessários bancos de dados e programas
similar para todos os seres vivos. Basica- de computador específicos para armazenar
mente, uma molécula de DNA consiste de SEQÜENCIAMENTO e analisar todas elas. Os projetos de se-
DE FRAGMENTOS DE DNA qüenciamentos, tanto de genomas comple-
duas cadeias de nucleotídeos mantidas
juntas por pontes de hidrogênio. Existem Nos anos 70, foram desenvolvidos tos quanto apenas de ESTs, apresentam
quatro nucleotídeos diferentes, cada um protocolos que permitiram o seqüencia- vantagens e desvantagens. No caso do
contendo uma desoxirribose, um grupo mento das bases que compõem qualquer seqüenciamento de todo o genoma, são
fosfato, e uma base púrica (adenina e gua- fragmento de DNA purificado. No entanto, geradas informações sobre regiões que
nina) ou pirimídica (timina e citosina). Na as técnicas de seqüenciamento têm-se tor- correspondem a genes e aquelas que, em-
cadeia polinucleotídica, a desoxirribose e nado cada vez mais avançadas e automa- bora não sejam transcritas, podem possuir
o fosfato estão sempre unidos por uma li- tizadas, o que tem viabilizado os progra- funções importantes na regulação gênica
gação fosfodiester. Portanto, esta parte da mas de cooperação internacional com o e manutenção da integridade do genoma.
molécula é muito regular. Em contraste, a objetivo de seqüenciar os genes expres- Nesse caso, o projeto envolve muito mais
ordem e a quantidade das bases púricas e sos, Expressed Sequencing Tags (ESTs), trabalho, uma vez que as regiões não-trans-
pirimídicas, que formam uma cadeia de ou mesmo genomas inteiros, como são critas podem atingir 90% do genoma.
DNA, são altamente irregulares, variando os casos do genoma humano, da bactéria Assim, mesmo considerando todas as in-
de um organismo para outro. É exatamente Shigella e de Arabidopsis. Com isso, a formações obtidas com o seqüenciamento

1
Biólogo, Ph.D., Pesq. EMBRAPA Milho e Sorgo, Caixa Postal 151, CEP 35701-970 Sete Lagoas-MG. E-mail: newtonc@cnpms.embrapa.br
2
Bióloga, Ph.D., Pesq. CNPq/EMBRAPA Milho e Sorgo, Caixa Postal 151, CEP 35701-970 Sete Lagoas-MG. E-mail: andreac@cnpms.embrapa.br
3
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EMBRAPA Milho e Sorgo, Caixa Postal 151, CEP 35701-970 Sete Lagoas-MG. E-mail: claudia@cnpms.embrapa.br
4
Engo Agro, Ph.D., Pesq. EMBRAPA Milho e Sorgo, Caixa Postal 151, CEP 35701-970 Sete Lagoas-MG. E-mail: edilson@cnpms.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.20-27, maio/jun. 2000


Biotecnologia 21

de todo o genoma, o projeto tem sido viá- QUADRO 1 - Sumário do número de seqüências de diferentes organismos depositados em ban-
vel apenas para organismos com genomas cos de dados
pequenos. Aqueles organismos cujos ge- Organismo Nome científico ESTs seqüenciados
nomas são grandes, como é o caso da maio-
Homem Homo sapiens 1.631.323
ria das plantas cultivadas, a melhor opção
é seqüenciar apenas os ESTs e tentar obter Camundongo Mus musculus + domesticus 786.324
o máximo de informações com relação às Rato Rattus sp. 128.948
suas funções. Um sumário do número de Mosca-das-frutas Drosophila melanogaster 86.121
seqüências de DNA ou ESTs disponíveis
Nematóide Caenorhabditis elegans 72.567
em bancos de dados de domínio público é
Arroz Oryza sativa 47.141
mostrado no Quadro 1.
Com o seqüenciamento massivo de Arabidopsis Arabidopsis thaliana 45.752
DNAs, o isolamento de um gene passou Milho Zea mays 41.848
a não ser mais um problema. O grande Tomate Lycopersicon esculentum 43.436
desafio agora é saber qual a função desses
Soja Glycine max 27.158
genes seqüenciados. Várias seqüências
de DNA, inicialmente incorporadas em Levedura Saccharomyces cerevisiae 3.041
bancos de dados, tiveram suas funções Pinus Pinus taeda 7.554
determinadas a partir de estudos deta- Canola Brassica napus 1.702
lhados de Biologia molecular. Atualmente, Algodão Gossypium hirsutum 8.025
com o grande número de seqüências já (1) _
Total 3.203.327
depositado nos bancos de dados, muitas
vezes, a função de uma seqüência gênica FONTE: List... (1999).
pode ser deduzida em comparações por ho- (1) Inclui o resultado do seqüenciamento de todos os organismos depositados no banco de dados.
mologia com aquelas já existentes (Fig. 1).
Entretanto, grande parte das seqüências
de DNA, incorporadas aos bancos de da- Milho ATG GGT AAG GAG AAG TCC CAC ATC AAC ATT GTG GTT ATT GGC
dos, não apresenta homologia significativa
com as seqüências, cujas funções já são Arroz ATG GGT AAG GAG AAG ACG CAC ATC AAC ATT GTG GTC ATT GGC
conhecidas. Assim, torna-se necessário um
grande investimento em pesquisas para Trigo ATG GGT AAA GAG AAG TTT CAC ATC AAC ATT GTG GTC ATT GGC
desvendar a função dos vários genes res-
Rato ATG GGC AAG GAG AAG ACA CAC ATC AAC ATT GTG GTC ATT GGC
ponsáveis pelas funções vitais de um
organismo.
Homem ATG GGC AAG GAG AAG ACC CAC ATC AAC ATC GTG GTC ATC GGC
A função de um gene pode ser estudada
através da genética direta ou da genética Galinha ATG GGC AAG GAG AAG ATC CAT ATT AAC ATT GTG GTC ATT GGC
reversa. Genética direta é um processo que
envolve inicialmente a análise do fenótipo Figura 1 - Alinhamento da seqüência do gene fator de elongamento 1A de vários
de um organismo e, em seguida, o isola- organismos
mento e a identificação do gene respon-
sável pela característica estudada. Já a
genética reversa, como o próprio nome
indica, é o processo inverso à genética Genética direta
direta, inicia-se mutando um gene, intro- Fenótipo Gene
duzindo-o no organismo de interesse e
estudando o fenótipo resultante (Fig. 2).
Os processos de genética direta foram Genética reversa
muito usados na década de 80. Com o de- Gene Fenótipo
senvolvimento dos projetos de genomas e
a disponibilidade de genes com seqüências Figura 2 - Genética direta e reversa
caracterizadas, a genética reversa tomou NOTA: Genética direta é a identificação do gene a partir de um fenótipo. Genética
um grande impulso. reversa é a identificação de um fenótipo a partir de um gene.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.20-27, maio/jun. 2000


22 Biotecnologia

TÉCNICAS a introdução na célula de moléculas de Mutação por inserção


DE GENÉTICA REVERSA RNA ou de DNA, construídas artificial- de transposon
USADAS PARA MANIPULAR mente, que sejam complementares (anti- Transposons são elementos de DNA
GENES E PRODUZIR senso) ao RNA mensageiro (mRNA) do que têm a capacidade de sair de uma região
ORGANISMOS MUTANTES gene de interesse. Uma das explicações do genoma e incorporar em outra. Sendo o
para o RNA anti-senso causar mutação no movimento dos transposons um processo
As técnicas de recombinação homó-
organismo transformado é o fato de que aleatório, quando estes elementos “pulam”
loga, anti-senso e co-supressão podem ser
estas moléculas de RNA ou de DNA artifi- em um genoma podem inserir no meio de
usadas para alterar um gene conhecido,
ciais se ligam ao mRNA celular inativan- um gene tornando-o inativo. Em plantas,
fazendo com que ele se torne não-funcio-
do-o (Fig. 4, p.63). Usando esta tecnologia uma série de transposons tem sido usada
nal. As plantas transgênicas são impor-
o anti-senso do gene da chalcone sintase como ferramentas, tanto na genética dire-
tantes ferramentas científicas para auxiliar
(chs), responsável pela pigmentação das ta quanto na reversa, para isolamento e
na identificação da função gênica.
flores, foi introduzido em plantas de petúnia caracterização de genes ou fenótipos. O
Recombinação homóloga e de tabaco, resultando em plantas com princípio da técnica está descrito na Fi-
alteração na pigmentação das suas flores gura 5, p.63. O primeiro gene de planta
A recombinação homóloga é a alteração
(fenótipo mutante) (Krol et al., 1988). clonado por transposons via genética di-
de uma pequena parte da seqüência de um
Sheehy et al. (1988) também utilizaram reta foi o gene “bronze” de milho que co-
gene de interesse que, geralmente, é feita
a tecnologia do anti-senso para inibir a difica UDP-glucose:flavonóide3-O-gluco-
com a incorporação de um gene marcador
produção de enzimas responsáveis pelo siltransferase, uma enzima da via metabó-
e a reintrodução desse gene mutado no
desenvolvimento do fruto do tomate, pro- lica das antocianinas (Fedoroff et al., 1984).
organismo de origem. Uma vez dentro do
duzindo assim um tomate mutante com o A genética reversa usando mutantes
organismo de interesse, o gene mutado tem
amadurecimento retardado. por inserção de transposons foi descrita
a capacidade de substituir o gene nativo
pela recombinação homóloga criando um inicialmente em Drosophila melanogaster
Co-supressão (Ballinger & Benzer, 1989 e O’Hare, 1990).
organismo mutante. Um gene marcador
pode ser o gene bar de seleção para o her- Na técnica de co-supressão, um gene Essa metodologia baseia-se em uma reação
bicida PPT. As plantas contendo o gene de interesse é engenheirado, por meio de de Polimerase Chain Reaction (PCR), uti-
modificado com o marcador são seleciona- técnicas de Biologia molecular, para super- lizando um primer complementar ao final
das na presença do herbicida e, após ficar expressar uma proteína de interesse. Uma dos transposons e outro complementar ao
demonstrada a incorporação do gene mo- vez que a célula possui uma maquinaria final do gene (Rosenzweig et al., 1983 e
dificado no genoma da planta transfor- minuciosamente ajustada, qualquer alte- Emmons & Yesner, 1984). Desta forma, os
mada, essa é autofecundada. Por estudos ração nos níveis de expressão de uma pro- produtos de PCR só serão obtidos se um
moleculares é possível identificar a planta teína produz uma grande confusão nos transposon estiver inserido no gene de
que tenha apenas o alelo modificado em mecanismos de regulação celular. Como interesse. Genes que tiveram sua expressão
homozigose (Fig. 3, p.63). A planta homo- conseqüência, na maioria das vezes, a su- alterada pela inserção do transposon serão
zigota para o gene modificado de interesse perexpressão de uma proteína na célula faz recuperados por meio da amplificação do
pode ou não demonstrar um fenótipo apa- com que a produção dessa proteína seja DNA extraído do indivíduo com fenótipo
rente. No entanto, aquelas cujos fenótipos desligada e, ao contrário do que seria espe- mutante, utilizando um par de primer espe-
são evidentes podem constituir uma forma rado, o organismo mutante não produz a cífico (Zwaal et al., 1993). Esse processo
rápida de correlacionar o fenótipo com o proteína de interesse. Embora seja difícil tem sido utilizado na identificação de genes
gene modificado. Métodos de disrupção compreender como a superexpressão de em Caenorhabditis elegans (Rushforth
da função gênica via recombinação homó- um gene possa ocasionar a diminuição da et al., 1993 e Plasterk, 1993) e milho (Bensen
loga têm sido descritos para leveduras e síntese de sua proteína, vários experimen- et al., 1995).
ratos (Melton, 1994 e Goffeau et al., 1996), tos têm sido realizados demonstrando a A família dos transposons Mutator
sendo que poucos casos têm sido descri- ocorrência desse fato. O primeiro resultado (Mu) apresenta alta taxa de mutação e tem
tos em plantas. Uma aplicação com suces- de co-supressão foi obtido por meio de um alto grau de conservação nas extremidades
so da recombinação homóloga em plan- estudo envolvendo a variação da coloração das seqüências invertidas (Walbot, 1992).
tas foi demonstrada para o gene AGL das flores de petúnia pela introdução do Essas duas características são bastante
MADS-box em Arabidopsis (Kempim et al., gene chs sob o controle do promotor 35S interessantes, pois ajudam a selecionar
1997). (Napoli et al., 1990). No entanto, o mecanis- alelos que contenham os elementos Mu,
mo que impede a expressão de genes endó- cuja seqüência é previamente conhecida.
Anti-senso genos por meio da co-supressão ainda não Inserções dos elementos Mu podem ser
A metodologia de anti-senso envolve é totalmente entendido. identificadas pela amplificação por PCR.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.20-27, maio/jun. 2000


Biotecnologia 23

O gene mutado pode então ser recupe-


rado e propagado em sementes F2. Outros
aspectos importantes desse processo é que Planta contendo Transposon
Transposon
o número de transposições e o número de Transposon ativo
cópias do transposon Mu na planta são
fatores essenciais para a análise de um
menor número de plantas. A tecnologia de
caracterização de funções gênicas através
Multiplicação da planta
do Mu foi utilizada pela primeira vez em
milho pela Pioneer Hi-Bred Co., e foi de-
Autofecundação
nominada Trait Utility System (TUSC) Coleção de 40.000 mutantes para manter
(Fig. 6). Bensen et al. (1995) utilizaram a estoques
técnica do TUSC para caracterizar o mu-
tante Anther ear1 (An1), cujo produto gê-
Agrupamento de folhas das
nico está envolvido na síntese do primeiro plantas mutantes
intermediário tetracíclico na via da biossín-
tese de giberelina (GA). A mutação An1
resultou em um fenótipo responsivo a GA, Extração de DNA
caracterizado por uma altura reduzida de
planta, atraso na maturidade e o desenvol-
vimento de flores perfeitas em espigas nor- PCR
malmente pestiladas. Primers
Um projeto financiado pela National Gene
Transposon
Transposon
Science Foundation (NSF), coordenado
pela Dra. Virginia Walbot da Universida-
de de Stanford, Estados Unidos, tem por
objetivo demonstrar a funcionalidade de Hibridização e Identificação das plantas mutadas
genes de milho, usando dois métodos com-
plementares, o seqüenciamento de DNA
genômico flanqueando as inserções do
transposon Mu e a identificação e caracte-
rização dos indivíduos mutantes contendo
esses transposons. Um banco de mutantes
está sendo criado, utilizando-se plantas
transformadas com os elementos Mu Figura 6 - Trait Utility System in Corn (TUSC)
NOTA: Plantas contendo transposons ativos são multiplicadas para a montagem de uma biblioteca
contendo o plasmídeo Bluescript (Fig. 7). de mutantes. Conhecendo a freqüência com que o transposon se multiplica e insere em
A nova inserção contendo o transposon regiões codantes, pode-se calcular teoricamente o número necessário de plantas, para ter
um transposon em cada gene. Cada planta mutante é autofecundada e as sementes
poderá ser seletivamente clonada em E. estocadas. Uma reação de PCR é feita com DNA extraído de folhas de grupos de plantas
coli, gerando uma biblioteca de mutação dessa biblioteca de mutantes, usando um primer do transposon e um primer do gene (a
insercional para análise de DNA. Cada seqüência de ambos é conhecida). A hibridização é feita para auxiliar no escrutínio de um
grande número de plantas. Os grupos de plantas ,cujo sinal foi positivo são subdivididos até
planta F2 será autofecundada e as semen- que seja encontrada a planta que contenha o transposon inserido no gene. Para aumentar
tes serão estocadas no Maize Genetics a chance de encontrar a planta mutante, testa-se uma série de primers de um único gene,
Cooperative Stock Center, um órgão es- simultaneamente.
pecialmente criado para armazenar os esto-
ques de sementes mutadas. Os usuários qüenciar cerca de 150 mil segmentos de uma bactéria de solo que causa tumores,
poderão utilizar a técnica de PCR para DNA genômico. quando infecta plantas. O tumor é causado
seleção de uma coleção de plasmídeos que pela capacidade da bactéria em transfe-
foi inserida em genes de interesse. A esti- Mutação por inserção rir seu T-DNA para as células vegetais. O
mativa é de que 50 mil ESTs, flanqueados de T-DNA T-DNA contém genes que codificam hor-
pelo transposon Mu, sejam completamente O T-DNA é um segmento de DNA pre- mônios e aminoácidos necessários para a
seqüenciados durante o primeiro ano do sente no plasmídeo Ti (DNA não-cromos- sobrevivência da agrobactéria dentro das
projeto. Sendo que o objetivo final é se- sômico) de Agrobacterium tumefaciens, plantas. Cientistas descobriram que podiam

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.20-27, maio/jun. 2000


24 Biotecnologia

alterar este fragmento de DNA substituin-


do os genes nativos por qualquer gene de
interesse, e que esses novos genes continua-
riam sendo transferidos para as plantas pe- Coleção de mutantes
lo sistema mediado pela bactéria. A partir transgênicos contendo
dessa descoberta, o T-DNA passou a ser transposon Mu
usado como uma ferramenta nas genéticas
direta e reversa de maneira semelhante aos
transposons. O T-DNA insere-se aleatoria-
mente no meio de genes tornando-os não- Bibliotecas genômicas
funcionais e produzindo um organismo mu- de colunas e linhas Autofecundação
tante (Fig. 8). A função do gene Agamous
de Arabidopsis foi caracterizada como sen-
do um regulador transcricional necessário
Seqüenciamento
para o desenvolvimento floral, utilizando
essa metodologia (Yanofsky et al., 1990). Primer
Primer Primer
Primer

pBluescript Análises
USO DE MICROARRAYS
TIR TIR de
DE DNA PARA ESTUDAR A mutantes
EXPRESSÃO DE GENES
EM TODO O GENOMA DE
Gene
UM ORGANISMO
Figura 7 - Projeto NSF coordenado pela Dra. Virginia Walbot (University of Stanford)
O microarray é uma metodologia uti- NOTA: O transposon contendo uma marca de seleção para resistência à ampicilina em bactéria é
lizada para comparar a expressão de um transferido para o milho por transformação. As plantas são multiplicadas e as bibliotecas
genômicas são feitas a partir de colunas e fileiras de plantas que contêm esses transposons
grande número de genes simultaneamente. engenheirados inseridos aleatoriamente no genoma. Os plasmídeos originados da biblioteca
Este sistema baseia-se na impressão de genômica contendo esses cassetes são seqüênciados e as plantas contendo os transposons
milhares de clones de cDNAs em placas de inseridos nos genes de interesse são identificadas.

vidro através de um robô e, subseqüen-


temente, de uma hibridização com duas
sondas marcadas com fluorescências di-
ferentes, em geral uma que emite uma cor T-DNA
vermelha e outra verde. As sondas são con-
juntos de cDNAs gerados a partir de célu-
las ou tecidos em duas situações diferen- Transformação da planta
tes que se deseja comparar (resistência e
suscetibilidade ao alumínio, por exemplo). Autofecundação
Os resultados são produzidos sob forma
de diferentes intensidades de fluorescên-
cia que são captadas por microscopia de Plantas mutantes
fluorescência a laser, em função dos dife-
rentes níveis de expressão de cada gene.
A imagem dos pontos fluorescentes é pro- Ligação Biblioteca genômica
cessada por computadores e programas
específicos, sendo gerada uma grande
quantidade de informação simultaneamen- PCR inverso Isolamento de clones
te (Fig. 9, p.63).
Um robô é capaz de colocar 16 amostras Seqüenciamento
em 48 placas de vidro, lavar e secar a son-
da para o próximo grupo de cDNA em 70 Figura 8 - T-DNA na produção de uma biblioteca de mutantes
segundos. Assim, cerca de 10 mil amostras NOTA: Plantas de Arabidopsis são transformadas por agrobactéria contendo o T-DNA. Essas plantas
são autofecundadas e os mutantes analisados. O T-DNA contendo uma marca de seleção é usa-
podem ser impressas em aproximadamen- do para criar bibliotecas genômicas. Os plasmídeos provenientes dessa biblioteca são se-
te 12 horas (Schena et al., 1995). Vários sis- qüenciados ou mesmo usados em reação de PCR com primers específicos do gene e do T-DNA.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.20-27, maio/jun. 2000


Biotecnologia 25

temas robotizados mais rápidos e eficientes apenas um dos géis ou que tenham a sua específicas. As sondas, após se ligarem à
para a impressão e processamento dos quantidade alterada são fortes candidatas proteína ou ao mRNA em estudo, são de-
cDNAs nas placas de vidro, além de meto- para atuarem no controle do processo em tectadas com o auxílio de técnicas de mi-
dologias cada vez mais sensíveis e precisas estudo. A partir da identificação das pro- croscopia. Uma vez conhecida a localização
para a detecção e análise dos resultados, teínas de interesse pode-se isolar sua se- da molécula dentro de um organismo,
têm sido desenvolvidos e disponibilizados qüência gênica e caracterizá-la, utilizando podem ser programados experimentos mais
para os pesquisadores. as técnicas de Biologia molecular. refinados para a definição de sua função.
A tecnologia de microarrays não for- Técnicas de hibridizações in situ têm sido
nece apenas informações sobre a função LOCALIZAÇÃO CELULAR amplamente utilizadas para localizar genes
de genes anônimos, o que favorecerá bas- DE UM mRNA OU PROTEÍNA em cromossomos, tecidos e células de
tante os processos de genética reversa, mas PARA INFERIR SOBRE SUA diversos organismos.
também constitui uma ferramenta indis- FUNÇÃO
pensável para estudos globais de expres- INTERAÇÃO
Os genes são transcritos em moléculas
são gênica, com grandes aplicações nos PROTEÍNA-PROTEÍNA
mRNA que são traduzidas em proteínas.
estudos de Biologia molecular e Fisiologia Essas são transportadas para locais espe- A caracterização da função gênica pode
vegetal. cíficos dentro da célula de um determina- ser auxiliada por meio de estudos de inte-
do tecido ou organismo. Enquanto alguns ração proteína-proteína in vitro e in vivo.
PROTEOMICS - ESTUDO DO A determinação de que uma proteína, cuja
genes codificam para proteínas que são
PERFIL PROTÉICO DE UM função desconhecida interage com uma
expressas em todas as células de um in-
ORGANISMO que é conhecida, pode sugerir que as duas
divíduo durante toda a sua vida (genes
Cientistas têm utilizado o termo proteomics constitutivos), outros codificam para pro- proteínas fazem parte do mesmo processo
para descrever as análises do perfil protéico teínas que são expressas apenas em algu- ou podem estar localizadas no mesmo
de um organismo. O comportamento de mas células, ou em um determinado período compartimento celular. Estes testes podem
muitas proteínas em um proteoma pode ser de desenvolvimento, ou em resposta a ser usados para verificar a existência de
monitorado por meio de géis de eletroforese algum estímulo externo (genes tecidos- interação entre duas proteínas conhecidas,
em duas dimensões. Nesse processo, pro- específicos). A localização de uma proteína identificar tanto as novas proteínas que
teínas provenientes de células ou tecidos ou de seu mRNA nas células ou tecidos interagem com uma proteína em estudo
em duas condições fisiológicas diferentes onde são produzidos é uma importante quanto as regiões dentro de uma proteí-
(por exemplo, plantas resistentes e sensí- fonte de informação que pode auxiliar na na que são importantes no processo de
veis a uma determinada doença ou condi- determinação da função de um gene ou reconhecimento e da interação. Existe um
ção de estresse) são extraídas, aplicadas proteína. Um dos princípios dessa meto- grande número de alternativas e variações
em géis e comparadas qualitativa e quanti- dologia é a identificação do mRNA ou da para estudar as interações entre proteínas
tativamente. As proteínas presentes em proteína de interesse por meio de sondas (Fig. 10). Apesar de bastante informativas,

Produção da proteína “X” Produção da proteína “Y”


Produção da proteína “X” Extrato de em E. coli (GSTTag)
em E. coli (HisTag)
em E. coli (HisTag) proteínas

Mistura Mistura

Purificação em coluna Purificação em coluna

Purificação e caracterização das proteínas Western Blot


) *

Figura 10 - Identificação de interação proteína-proteína (in vitro)


NOTA: A - A proteína de interesse é clonada em um vetor de expressão em bactéria que permite a sua purificação em uma coluna de afinidade. Um extrato de
proteínas produzido nas células vegetais é também submetido à coluna que já contém fixada a proteína de interesse. A coluna é lavada e as proteínas que
interagirem com a proteína de interesse podem ser seqüenciadas ou usadas para produzir anticorpos que serão utilizados em uma biblioteca de expressão
de cDNA; B - Proteínas “X” e “Y” produzidas em E. coli são misturadas e passadas através de uma coluna de niquel. Se a proteína “Y” interagir com a “X”,
ambas ficarão retidas na coluna. O processo pode ser visualizado por anticorpos ou raios X, caso a proteína “Y” esteja marcada com radioatividade.

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26 Biotecnologia

as reações in vitro podem mascarar os


resultados reais, devido à impossibilidade
de reproduzir in vitro todas as condições
Domínio de ligação do DNA Domínio de ativação do DNA )
existentes nas células in vivo. Por esse
motivo foram desenvolvidos protocolos
que estudam a interação entre proteínas
in vivo. Domínio de ligação do DNA Proteína conhecida *
Uma maneira efetiva para detecção de
interação in vivo é utilizar o sistema híbrido
de levedura. Esse processo constitui na
construção de duas proteínas de fusão por
Domínio de ativação do DNA Proteína desconhecida +
Engenharia genética. Uma delas gera um
híbrido entre seqüências para um domínio
que se liga ao DNA do fator de transcrição Interação entre as proteínas
Gal4 (aminoácidos 1-147) (Keegan et al.,
1986) e a proteína de interesse. Um se-
gundo plasmídeo de expressão contém uma Lac Z
seqüência que ativa o fator de transcrição Complexo RNA pol
,
Gal4 (aminoácidos 768-881) (Ma & Ptashne,
1987), fundida com cDNAs. Estes são pro-
venientes de bibliotecas de onde possam Figura 11 - Interação proteína-proteína in vivo
existir genes candidatos. Desta forma, se NOTA: A - O ativador de transcrição GAL4 possui dois domínios: um que se liga ao DNA e outro
as duas proteínas expressas na levedura que ativa a transcrição; B e C - Os dois domínios foram separados: o primeiro pode ser
fundido à proteína de interesse (B) e, o segundo, à proteína desconhecida (C); D - As
são capazes de interagir, o complexo resul- colônias de levedura contendo os dois plasmídeos, cujas proteínas interagem serão azuis
tante ativará a transcrição dos promotores em meio contendo X-GAL (substrato para a enzima), devido à reconstituição do fator de
transcrição GAL4 e à ativação do gene da beta-galactosidase (lac Z).
contendo sítios de ligação para o Gal4,
gerando uma colônia azul em meio con-
tendo um substrato apropriado (X-GAL).
como as células respondiam a essa infor- de análise gênica, tanto individual quanto
O sucesso dessa metodologia foi primeira-
mação e como ela era transmitida de uma em larga escala, fornecerão um acesso a
mente demonstrado pela interação Gal4-
geração para outra. informações sem precedentes para todas
Gal80 (Ma & Ptashne, 1988), sendo mais
A partir dos anos 70, cientistas come- as áreas da Biologia. Dentre elas, a agro-
tarde generalizado por Fields & Song
çaram a aprender como manipular a molé- pecuária será amplamente beneficiada, uma
(1989) (Fig. 11).
cula de DNA utilizando as técnicas de vez que existe uma grande necessidade
Biologia molecular. Inaugurou-se a era da de identificar e estudar genes que são
CONCLUSÃO
tecnologia do DNA recombinante, também responsáveis por conferir resistência a
Desde a redescoberta das leis de Gregor denominada de Engenharia genética. Desde doenças, tolerância a estresses bióticos e
Mendel, cientistas começaram a questionar então, a Biologia molecular tem experi- abióticos, aumento da qualidade nutricional
a natureza do gene. Que tipo de molécula mentado grandes avanços tecnológicos dentre outras características de interesse
seria o gene? Como a informação contida que têm culminado em importantes fontes econômico.
em uma molécula poderia ser transmitida de conhecimento sobre a função, expres-
para as próximas gerações? Por que e como são e regulação de genes em diferentes REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
apareceriam indivíduos mutantes? organismos. Neste artigo foram mencio- BALLINGER, D.G.; BENZER, S. Target gene
Apenas em meados do século XX, com nadas metodologias que têm por objetivo mutation in Drosophila. Proceedings of
a descoberta da estrutura do DNA por auxiliar a identificação gênica. Dentre elas, the National Academy of Sciences, Wa-
Watson e Crick, essas e muitas outras ques- os microarrays têm revolucionado a aná- shington, v.86, p.9402-9406, 1989.
tões começaram a ser respondidas. Nas lise funcional de seqüências gênicas, uma BENSEN, R.J.; JOHAL, G.S.; CRANE, V.C.;
primeiras três décadas após a compreensão vez que, diferenças nos níveis de expressão TOSSBERG, J.T.; SCHNABLE, P.S.;
da estrutura do DNA, o conhecimento a de milhares de genes, podem ser detecta- MEELEY, R.B.; BRIGGS, S.P. Cloning and
respeito de sua biologia cresceu fantas- das simultaneamente. Desta forma, vários characterization of the maize An1 gene.
ticamente. Dentro desse período ficou genes ainda desconhecidos poderão ter Plant Cell, Rockville, v.7, p.75-84, 1995.
entendida a natureza química dos genes, suas funções biológicas desvendadas EMMONS, S. ; YESNER, L. High frequency
como a informação genética era armazenada, utilizando esse processo. As metodologias excision of transposon element Tc1 in the

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Biotecnologia 27

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28 Biotecnologia

Plantas transgênicas
Ana Cristina Miranda Brasileiro 1
Geraldo Magela de Almeida Cançado 2

Resumo - Com o advento da Engenharia genética e os avanços da Biologia molecular,


já é possível, hoje, introduzir novas características genéticas em um determinado
organismo pela manipulação direta dos genes. A transformação genética permite a
troca de genes entre organismos filogeneticamente distantes e que não cruzam entre
si, ampliando de forma espantosa a variabilidade genética disponível para os pro-
gramas de melhoramento. Os métodos de transformação mais utilizados no momento,
para a obtenção de plantas transgênicas, são a transformação via Agrobacterium, que
faz uso de uma bactéria de solo capaz de promover naturalmente a transferência de
genes exógenos para o genoma de plantas, a transformação via biobalística, que se
baseia na transferência de genes para as células vegetais por intermédio de micro-
projéteis disparados diretamente para o interior da célula, e a transformação via
eletroporação, que gera poros na membrana de protoplastos por pulsos elétricos,
permitindo que o gene exógeno penetre no interior da célula e integre-se ao geno-
ma. Existem, ainda, outros métodos de transformação de plantas utilizados em me-
nor escala. De maneira geral, não há um método de transformação melhor que o
outro, visto que a eficiência de um determinado método está relacionada principal-
mente com o objetivo, o custo, a operacionalidade técnica e a espécie trabalhada.
Palavras-chave: Transformação de plantas; Construção gênica; Agrobacterium; Bio-
balística; Eletroporação.

INTRODUÇÃO molecular, de cultura de tecidos e de trans- variabilidade genética para ser incorporada
ferência de genes resultou no desenvol- aos programas de melhoramento.
Há muitos anos, plantas cultivadas vêm
sendo manipuladas geneticamente pelo vimento da transformação genética de
plantas. Prática que consiste na introdução COMO SÃO OBTIDAS AS
homem, por meio de melhoramento clássico,
controlada de um gene no genoma de uma PLANTAS TRANSGÊNICAS
em que características fenotípicas de in-
teresse, determinadas por genes, são trans- planta e sua posterior expressão, confe- Para se obter uma planta transgênica
feridas à progênie através de cruzamentos. rindo a esta planta uma nova característica. são necessárias três etapas básicas. A pri-
No entanto, esses métodos de melhora- Como esse gene pode ser oriundo de di- meira delas e, geralmente, a mais limitante,
mento esbarram em uma série de proble- ferentes organismos (vegetais, animais, é a identificação do gene que irá conferir a
mas, como redução da variabilidade gené- bactérias, vírus, fungos etc.), daí a deno- nova característica de interesse para a plan-
tica, ligação gênica, seleção de característi- minação de transgene ou gene exógeno. ta em estudo. A variabilidade genética exis-
cas poligênicas, mutações espontâneas e A introdução do transgene no genoma ve- tente na natureza torna-se potencialmente
incompatibilidade sexual, além do longo getal receptor é feita de forma controlada e a fonte desses genes. Entretanto, para po-
tempo necessário para se transferirem ca- de modo independente da fecundação. der ser manipulado, o gene responsável
racterísticas desejáveis para genótipos já Uma vez incorporado no genoma e expres- pela característica de interesse deve ser lo-
melhorados. Atualmente, o melhoramento so de maneira estável, o transgene passa a calizado e isolado dos demais genes no
de plantas pode recorrer às modernas técni- fazer parte do patrimônio genético da plan- genoma do organismo doador. De posse
cas de Engenharia genética para auxiliar ta, não alterando sua constituição genéti- do gene, ele será caracterizado, introdu-
na resolução de algumas dessas limitações. ca global. Assim, as plantas transgênicas zido em vetores para transformação e, só
A combinação de técnicas de Biologia constituem-se, hoje, em fonte adicional de então, transferido para o genoma da plan-

1
Enga Florestal, Ph.D., Pesq. Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, CEP 70770-900 Brasília-DF. E-mail: anacmb@cenargen.embrapa.br
2
Engo Agro, M.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM-FECD, CEP 37780-000 Caldas-MG. E-mail: cancado@epamigcaldas.gov.br

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Biotecnologia 29

ta em estudo (Aragão & Rech, 1998). Uma vez identificado o gene de inte- duto, que irá conferir às células transfor-
A segunda etapa consiste no desen- resse no genoma do organismo doador, a madas da planta resistência a um determi-
volvimento de uma metodologia eficiente seqüência codificadora dele, traduzida em nado substrato. A finalidade do uso de um
de transformação da espécie vegetal de uma proteína, deverá ser isolada e transfe- gene marcador de seleção é permitir que
interesse. Atualmente, diferentes estra- rida para um cassete, onde será flanqueada apenas as células transformadas cresçam
tégias para a transferência de genes em por um promotor, que permite que o gene em detrimento às células não-transforma-
plantas estão disponíveis, sendo que as seja reconhecido por enzimas específicas das. Assim, as plantas que foram trans-
mais utilizadas são as transformações via e expresso corretamente em plantas, e um formadas com o cassete de transformação
Agrobacterium, biobalística e eletropo- sinal de terminação, que promove o final deverão possuir, além do gene de interes-
ração. da leitura do gene. Esse cassete contendo se, um gene marcador de seleção que irá
A última etapa para a transformação de o gene quimérico é então transferido para conferir resistência a uma determinada
uma planta é o estabelecimento de um sis- um plasmídeo que será utilizado como ve- substância tóxica ao desenvolvimento das
tema eficiente, simples e, principalmente, tor de transformação de plantas (Fig. 12). plantas, geralmente um antibiótico ou um
reproduzível de regeneração in vitro da es- Desta forma, um vetor de transformação herbicida. Uma eficiente seleção é de grande
pécie vegetal. Durante o processo de rege- contém basicamente o gene de interesse importância para a obtenção de plantas
neração, a célula inicialmente transformada quimérico, um gene de seleção e um gene transformadas, pois na presença do agente
multiplica-se e dá origem a uma planta in- repórter, necessários para a identificação seletivo, somente aquelas que apresentam
teira, onde todas as células vão conter a das plantas que foram efetivamente trans- o cassete de transformação inserido em seu
nova informação introduzida. A regene- formadas. A este conjunto de genes é da- genoma conseguem desenvolver-se, de-
ração desta planta baseia-se no princípio do o nome de cassete de transformação, vido à resistência conferida pelo gene de
da totipotência, isto é, a potencialidade que pois todo esse conjunto é que será trans- seleção.
as células vegetais têm de diferenciar-se, ferido para o genoma da planta (Delú Filho Por outro lado, genes repórteres são
originando um novo indivíduo. Cada es- et al., 1999). aqueles que codificam para uma proteína,
pécie vegetal, ou mesmo diferentes genó- geralmente com atividade enzimática, cujo
tipos dentro de uma mesma espécie, tem GENES MARCADORES DE produto é facilmente detectável. Esses ge-
diferentes exigências nutricionais e hor- SELEÇÃO E REPÓRTERES nes possibilitam a identificação ou mar-
monais para a sua regeneração. Alguns Genes marcadores de seleção são aque- cação das células transformadas sem con-
apontam a dificuldade em se cultivar deter- les que codificam para uma proteína com tudo eliminar as células não-transformadas.
minadas espécies vegetais in vitro como o uma atividade enzimática, ou para um pro- Assim, o gene repórter funciona de maneira
principal limitante à transformação de
plantas no momento. No entanto, os grandes
avanços obtidos na pesquisa com regu-
ladores de crescimento de vegetais e cultura
de tecidos fazem com que um número cres-
cente de plantas possa ser regenerado via
cultivo in vitro, permitindo a obtenção de
um maior número de espécies vegetais capaz
de ser transformado.

VETORES PARA A
TRANSFORMAÇÃO DE PLANTAS
Os vetores utilizados para a transforma-
ção genética de plantas são, geralmente,
plasmídeos bacterianos onde o gene de in-
teresse foi clonado. E o que vem a ser um
plasmídeo? As bactérias são conhecidas por
possuírem uma molécula de DNA dupla
hélice, de maior tamanho, definida como
DNA cromossômico, e moléculas de DNA
circular, de menor tamanho (2.000 a 15.000
pares de base), denominadas de plasmídeos
(Aragão & Rech, 1998). Estes são indepen- Figura 12 - DNA plasmidial contendo o cassete de transformação (plasmídeo Ti)
dentes do DNA cromossômico, com replica-
NOTA: O cassete de transformação é composto pelo gene de interesse e suas seqüências regulató-
ção autônoma no interior da célula. Vários rias (promotor e região de terminação), associados aos genes marcadores e suas seqüên-
plasmídeos de bactérias foram manipulados cias regulatórias. As setas indicam os sítios de reconhecimento pelas enzimas de restrição
pelo homem para ser utilizados como veto- (onde ocorre a clivagem do DNA) e que flanqueiam o cassete de transformação, em que,
res para transformação de plantas (Fig. 12). BD = borda direita e BE - borda esquerda.

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30 Biotecnologia

complementar ao gene de seleção. Sua de endógena similar a de GUS, o que tam- Transformação por
principal função na planta é indicar, por bém pode gerar falsos positivos. Este pro- Agrobacterium
meio da expressão de um gene, a presen- blema pode ser contornado utilizando-se As agrobactérias são microorganismos
ça de células ou tecidos transformados, de outras classes de genes repórteres, tais co- tipicamente do solo e possuem forma de
uma maneira simples e rápida. O produto mo o gene gfp (proteína verde fluores- bacilo, movendo-se no solo por meio de
da expressão do gene repórter, assim como cente), que é traduzido em uma proteína um a seis flagelos. O gênero Agrobacterium
do gene de seleção, não pode estar pre- fluorescente no comprimento de luz azul e (do grego agros = campo e bakterion =
sente nas células de plantas não-trans- que não existe naturalmente em plantas bastonete) pertence à mesma família das
formadas. Entretanto, muitas vezes, plantas (Chalfie et al., 1994). A maior vantagem da bactérias fixadoras de nitrogênio e está
não-transformadas podem desenvolver-se utilização do gene gfp sobre outros genes subdividido em cinco espécies que diferem
na presença do agente seletivo por motivos repórteres é que a GFP não necessita de entre si pela sintomatologia em diferentes
que vão desde concentrações insuficientes cofatores para fluorescer, podendo assim plantas (Kersters & Ley, 1984). Agrobacterium
ou degradação dos agentes de seleção, até ser visualizada em células vivas. tumefaciens é o agente etiológico da galha-
o surgimento de variações somaclonais E por que não se poderia utilizar o pro- da-coroa (crown gall), A. rhizogenes causa
(mutações) resistentes a eles. Esses even- duto do gene de interesse introduzido a raiz-em-cabeleira (hairy root), A. rubi
tos são conhecidos como “escapes”. (proteína ou enzima), ou o fenótipo da plan- induz tumores especificamente em Rubus
Após o evento da transformação, as cé- ta, para selecionar as plantas transfor- spp. (cane gall), A. vitis induz tumores
lulas transformadas e não-transformadas do madas? Isso sem dúvida é feito, só que especificamente em videiras (Vitis spp.) e
explante são cultivadas em meios contendo numa etapa final do trabalho. Nos está- A. radiobacter é saprófita, isto é, não-
o agente seletivo. Como pode haver escapes dios iniciais de transformação, o número patogênica (Brasileiro, 1998).
nesta fase, faz-se necessária a presença do de explantes utilizados é bastante elevado. Mais de 600 espécies vegetais são co-
outro gene repórter para confirmação do O uso de genes de seleção e genes repórte- nhecidamente susceptíveis à infecção por
estado transgênico do material. O gene re- res permite o descarte precoce de todas as A. tumefaciens e A. rhizogenes, pertencen-
pórter seria então uma segunda confirma- plantas que não foram efetivamente trans- do a maioria delas à classe das Angios-
ção indireta da transformação, pois a priori, formadas, evitando-se gastos desneces- permas dicotiledôneas e Gymnospermas e,
apenas as plantas que apresentam o cas- sários de espaço, tempo e recurso. Além mais raramente, das Angiospermas mono-
sete de transformação inserido em seu ge- do mais, na maioria dos casos, o produto cotiledôneas (Brasileiro, 1998). Apesar de
noma seriam capazes de expressar o gene do gene de interesse pode ser uma proteína as doenças causadas por agrobactérias,
repórter. ou enzima de difícil detecção ou que só po- principalmente a galha-da-coroa, serem
O gene repórter mais utilizado no mo- de ser detectada em estádios avançados muito sérias para algumas culturas, estas
mento é o gene gus que codifica para a do desenvolvimento das plantas. raramente têm causado danos econômicos
enzima β-glucuronidase (GUS). Na presen- para a agricultura no Brasil.
ça da enzima GUS, um substrato cromogê- MÉTODOS DE A infecção de uma planta por
nico, o X-Glu, forma um precipitado de TRANSFORMAÇÃO DE PLANTAS Agrobacterium inicia-se pela penetração
cor azul intensa no tecido transformado da bactéria no tecido vegetal através de
(Jefferson, 1987). Assim, com apenas um Vários métodos de obtenção de plantas uma lesão sofrida pela planta por tratos
pequeno pedaço de tecido metabolicamen- transgênicas vêm sendo desenvolvidos e culturais, geadas, insetos ou outro agente.
te ativo pode-se confirmar a transforma- alguns deles já estão bem estabelecidos, A lesão na planta exsuda moléculas, como
ção de uma forma rápida e simples. No sendo utilizados de forma rotineira em la- compostos fenólicos, açúcares ou aminoá-
entanto, quando a transformação ocorre via boratórios de transformação de plantas. cidos, que atraem as agrobactérias. Essas
Agrobacterium, podem ocorrer falsos po- Apesar de existir inúmeros métodos de moléculas exsudadas são responsáveis
sitivos para o teste do GUS, devido à con- transformação, nos restringiremos àqueles por ativar genes presentes na agrobactéria
taminação endógena das plantas com a via Agrobacterium, eletroporação de pro- e que são responsáveis pela transferência
própria bactéria utilizada para a transfor- toplastos e biobalística, por serem os mais de parte do plasmídeo de virulência destas
mação. Mesmo estando o gene gus sob usuais. Outros métodos de transformação bactérias, conhecido como plasmídeo Ti,
o controle de seqüências regulatórias de descritos na literatura, tais como macroin- para o genoma da planta. Os genes pre-
plantas, pode haver expressão de GUS em jeção, microinjeção, lipossoma e polietileno- sentes no fragmento do plasmídeo Ti da
Agrobacterium. Como a eliminação comple- glicol (PEG), são utilizados para propostas agrobactéria, que é transferido para a plan-
ta da bactéria nos explantes transforma- mais específicas, devido a sua maior com- ta, conhecido como T-DNA, serão expres-
dos pode ser difícil e demorada, é comum o plexidade (Brasileiro & Dusi, 1999). sos nas células vegetais, produzindo en-
aparecimento de falsos positivos. Este pro- Deve ter-se em mente que não existe zimas que estão envolvidas com a síntese
blema foi resolvido pelo desenvolvimento um método de transformação ótimo ou ideal de hormônios vegetais e com a síntese de
de vetores contendo um gene gus alterado, para todo o tipo de planta. Em função da opinas (compostos sintetizados para a nu-
cuja expressão é nula ou não-detectável espécie vegetal e do propósito do trabalho, trição da bactéria). Desta forma, as células
em Agrobacterium. Uma outra limitação do pode optar-se por um método ou outro, se- vegetais que recebem o T-DNA proliferam
gene gus como repórter reside no fato de gundo as vantagens que ele possa apre- desordenadamente, devido à síntese de
algumas plantas possuírem uma ativida- sentar. hormônios, levando à formação de um tu-

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Biotecnologia 31

mor (Brasileiro & Lacorte, 1998). Este tu- Numa etapa final, as plantas transformadas de botões florais com a solução contendo
mor é o principal sintoma da doença galha- são regeneradas in vitro e transferidas para Agrobacterium. A taxa de sementes po-
da-coroa, causado por A. tumefaciens. Em ambientes de aclimatação da mesma forma sitivamente transformadas por este método
A. rhizogenes a expressão dos genes do que se faz para outros trabalhos com cul- pode alcançar até 5%.3
T-DNA induz à produção de raízes no local tura de tecidos (Fig. 13). Atualmente, pa- Desta forma, as agrobactérias têm sido
do ferimento, provocando a doença deno- ra algumas espécies de plantas, tais co- utilizadas como um eficiente vetor natural
minada de raiz-em-cabeleira. mo Arabidopsis thaliana, a transforma- para a transformação genética de plantas,
Por achar que se tratava de uma forma ção pode ser feita através do contato direto principalmente, de Angiospermas dicotile-
vegetal de câncer, as agrobactérias foram
intensamente estudadas nos anos 80 na
esperança de que o modelo da doença ve-
getal fosse semelhante ao câncer que ocor-
Explante inicial
re em células animais, auxiliando desta
forma na descoberta da cura. Apesar de os (folha) Discos foliares
pesquisadores terem-se frustrado em seu
objetivo inicial, pois não havia nenhuma
relação entre os tumores em vegetais e a
doença em animais, logo se percebeu que
o sistema de transferência de genes das
agrobactérias para as plantas poderia ser
um método extremamente eficaz para a
Co-cultura com a
transferência de genes de interesse para
Agrobacterium desarmada
plantas. Assim, os plasmídeos Ti das agro- em meio líquido
bactérias foram intensamente estudados e
manipulados, permitindo a troca de genes Planta transgênica
do T-DNA, não-essenciais para a trans- regenerada

formação, por genes de interesse, ou seja,


transformaram o plasmídeo Ti de agro-
bactérias em um vetor natural de trans-
formação de plantas. As linhagens de
Agrobacterium que perderam todo, ou Co-cultura em meio sólido com
parte do seu T-DNA, são denominadas li- antibiótico tóxico apenas para
nhagens desarmadas, pois são incapazes Agrobacterium
Plantas não
de produzir tumores nas plantas hospe- Plantas transformadas transformadas
deiras (Zambryski et al., 1983). (vivas) (mortas)
Para transformar plantas utilizando li-
nhagens desarmadas de Agrobacterium,
utilizam-se explantes com potencial rege-
nerativo, como segmentos de folhas jo-
vens (discos foliares), embriões zigóticos, Meio de indução de brotos
entrenós, cotilédones etc. O explante é co- Enraizamento in vitro
com antibiótico e agente
locado na presença de meio líquido con- de seleção das plantas
transformadas
tendo as bactérias desarmadas com o vetor
de transformação que contém o gene de Figura 13 - Transformação de plantas por Agrobacterium
interesse, em um processo denominado NOTA: Discos foliares são retirados da folha da planta, a qual se quer transformar e são submersos
de co-cultura (Fig. 13). Durante este conta- em solução na presença da bactéria que contém o vetor de transformação (plasmídeo Ti
to, as bactérias infectam o tecido vegetal contendo o cassete de transformação). Algumas horas após, os discos foliares são transferi-
e iniciam o processo de transferência do dos para meio nutritivo sólido na presença de um antibiótico para a eliminação da bactéria
cassete de transformação para o genoma e de um agente seletivo (antibiótico ou herbicida) para a seleção das células transformadas.
Após regeneração das plântulas, estas são transferidas para novo meio, quando se faz a
da planta. Após a co-cultura, o tecido é
seleção das plântulas positivas, com auxílio do agente seletivo. As plantas que crescerem no
cultivado em um meio de regeneração na meio com agente seletivo, são submetidas a novos testes para confirmação (testes
presença de antibiótico, para eliminação histoquímicos para expressão do gene repórter, PCR, Southern, northern e western blots),
da Agrobacterium, e de um agente seletivo, e as plantas transformadas positivamente são enraizadas in vitro e transferidas para vasos
para a seleção das células transformadas. com solo em casa de vegetação.

3
Informação obtida a partir de Rich Jorgensen, Tucson, AZ, em maio de 2000.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.28-35, maio/jun. 2000
32 Biotecnologia

dôneas. A alta eficiência de transformação


e o baixo custo operacional, assim como a Folha cortada e colocada na
simplicidade dos protocolos de transfor- Folha da planta a ser presença de enzimas que Obtenção dos protoplastos
transformada digerem as paredes celulares isolados
mação e de seleção, são as maiores razões
para a universalidade do uso do sistema
Agrobacterium.

Transformação por
eletroporação de Plasmídeo contendo o cassete
protoplastos de transformação
+
Protoplastos são células vegetais in-
protoplastos isolados
dividualizadas e desprovidas de paredes
celulares que foram eliminadas com o au-
xílio de enzimas pectocelulolíticas. Em + -
condições adequadas de cultura de teci-
dos, os protoplastos podem reconstituir
suas paredes celulares, regenerando um
novo tecido que pode dar origem a uma Regeneração da planta Seleção dos protoplastos Eletroporador
nova planta (Bourgin et al., 1979). A ele- transformada transformados
troporação de protoplastos consiste na
indução de poros na membrana celular de Figura 14 - Transformação de plantas por eletroporação
protoplastos por meio de pulsos elétricos NOTA: Segmentos foliares da planta a qual se quer transformar são digeridos com enzimas que
de alta voltagem. Estes poros permitem a degradam as paredes celulares, para a liberação dos protoplastos. Os protoplastos são
entrada do vetor de transformação con- purificados e transferidos para a cuba de eletroporação com o DNA plasmidial, contendo
o cassete de transformação, onde serão submetidos a pulsos elétricos para a formação dos
tendo o gene de interesse para o interior poros na membrana celular. Após a eletroporação, os protoplastos são transferidos para
da célula e, como os poros são reversíveis, meio de seleção, onde apenas os protoplastos transformados com a construção gênica se
ou seja, fecham-se novamente após ter- multiplicarão.
minada a aplicação do pulso elétrico, os
protoplastos contendo o vetor de transfor-
mação podem regenerar-se em novas plan- eficiência. Para algumas espécies vegetais, cido no qual se quer transferir o gene. Este
tas (Fig. 14) (Fromm et al., 1985). o processo de regeneração do protoplasto método de transformação também é co-
Os protoplastos, logo após ter sido iso- pode ser um forte limitante ao uso desta nhecido como bombardeamento ou gene
lados, são imediatamente colocados em um técnica. gun (arma de genes) e inicialmente pro-
eletroporador na presença do vetor de Por outro lado, a eletroporação tem si- posto por Sanford et al. (1987). As micro-
transformação, contendo o gene de inte- do extremamente útil em estudos de ex- partículas utilizadas pela biobalística são
resse. O pulso elétrico é muito rápido e, pressão transiente, que é a expressão do partículas microscópicas (de 0,2 a 4 µm de
logo após, os protoplastos são transferidos gene exógeno sem que ele tenha sido ne- diâmetro) de ouro ou tungstênio, que pos-
para um meio de cultura onde serão sele- cessariamente incorporado ao genoma. suem adsorvido à sua superfície o vetor de
cionados aqueles que forem transfor- Neste caso, o gene se expressa transito- transformação, contendo o cassete com o
mados. A grande vantagem deste método riamente na célula transformada, mas à me- gene de interesse. As micropartículas atra-
em relação aos outros é que a transfor- dida que as células dividem-se e multiplicam- vessam de forma não-letal a parede celular
mação é feita em células individuais. Assim, se, a expressão do gene vai diminuindo até e a membrana plasmática, alojando-se de
todo o tecido regenerado será originado a desaparecer por completo. A análise da forma aleatória no interior das células. Uma
partir de uma única célula, evitando desta expressão transiente após eletroporação vez na presença do líquido celular, o DNA
forma o surgimento de quimeras (tecido permite testar rapidamente a funcionalida- adsorvido à superfície da micropartícula
constituído de células transformadas e de de uma construção gênica, sem a ne- encontra condições para se tornar livre, po-
não-transformadas), problema observado cessidade de obter uma planta transgênica. dendo então ser incorporado ao genoma
com certa freqüência, quando se realiza nuclear da célula vegetal (Rech & Aragão,
transformação em tecidos ou órgãos. A Transformação por 1998 e Lacorte et al., 1999).
grande desvantagem deste método reside biobalística As micropartículas são aceleradas em
justamente na dificuldade de obtenção de A biobalística, como o próprio nome direção ao tecido-alvo por meio de uma on-
uma nova planta a partir de um protoplas- indica, funciona de forma análoga a uma da de choque que pode ser gerada de di-
to. O processo é lento, exige mudanças arma de fogo, onde micropartículas re- versas formas, sendo que a mais utiliza-
constantes de meios de cultura e condições vestidas com o vetor de transformação são da atualmente é através de uma descarga
de cultivo e possui, geralmente, uma baixa aceleradas em alta velocidade contra o te- de gás hélio à alta pressão. O aparelho res-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.28-35, maio/jun. 2000


Biotecnologia 33

ponsável por gerar a onda de choque é de-


nominado de acelerador de micropartículas
Esquema de um acelerador de partículas que
ou bombardeador e está esquematizado na
utiliza gás hélio à alta pressão
Figura 15. A onda de choque gerada pela
liberação rápida do gás hélio lança a mem- Entrada de gás hélio
brana carreadora (onde as micropartículas
estão depositadas) a uma altíssima velo-
cidade contra uma tela de retenção que Mecanismo que
retém esta membrana e permite a passagem rompe a
membrana de
apenas das micropartículas. Estas, por sua ruptura Membrana de ruptura
vez, continuarão sua trajetória pela inércia
e irão atingir diretamente o tecido que está
posicionado logo abaixo da tela de reten- Câmara de
ção (Fig. 16). Todo o processo ocorre no alta pressão
Membrana carreadora
de gás hélio
interior de uma câmara sob vácuo, para contendo as micropartículas
com DNA
evitar a desaceleração das partículas causa-
da pelo atrito com o ar.
Esta técnica é bastante versátil, pois Tela de retenção
permite potencialmente a transformação de Bomba de
qualquer espécie vegetal ou genótipo, assim vácuo Tecido vegetal
como qualquer tipo celular ou mesmo orga-
nelas, como mitocôndrias e cloroplastos.
Válvula de vedação
Além disso, a técnica de transformação por
biobalística pode ser considerada relativa-
mente simples, rápida e que não envolve
maiores investimentos em infra-estrutura e
equipamentos. O próprio acelerador de par- Figura 15 - Esquema de um acelerador de partículas a gás hélio, utilizado para
tículas é um aparelho simples e de baixo transformação de plantas por biobalística
custo. Uma outra vantagem da biobalística
é a maior eficiência de transformação em
Gymnospermas e Angiospermas monocoti-
ledôneas, o que não é observado com a trans- Disparo
formação por Agrobacterium (Rech & (Liberação da pressão)
Aragão, 1998). A biobalística também é bas-
Etapa 1 Etapa 2
tante utilizada, à semelhança da eletropo-
ração de protoplastos para estudar a fun-
Câmara de alta
cionalidade de construções gênicas. pressão Membrana
Membrana carreadora
carreadora lançada de
ANÁLISE DAS encontro à tela
PLANTAS TRANSFORMADAS de retenção

POR TÉCNICAS MOLECULARES


Microprojéteis
A expressão de um gene repórter ou a aderidos na Tela de retenção
face inferior da
sobrevivência de um explante em meio membrana
seletivo é considerada apenas como evi- carreadora
Microprojéteis
dência da transformação, não sendo su- com DNA
ficiente como prova definitiva da integração Embrião são lançados
contra o embrião
e expressão do cassete no genoma da plan-
ta. Como foi frisado anteriormente, mesmo
com o uso dos genes marcadores de sele- Figura 16 - Vista em detalhe do funcionamento do acelerador de partículas no mo-
mento do disparo
ção e repórter, pode ocorrer a presença de
NOTA: O gás hélio cria um ambiente de alta pressão no interior da câmara e quando a membra-
falsos positivos. A reação em cadeia da
na de ruptura é rompida por uma agulha, há liberação de uma grande quantidade de
polimerase (PCR) (Mullis & Faloona, 1987) energia que desloca a membrana carreadora em direção à tela de retenção. Ao atingir
e o Southern blot (Southern, 1975) são duas esta tela, os microprojéteis aderidos à membrana carreadora são, por sua vez, projetados
técnicas moleculares indispensáveis para em direção ao tecido vegetal posicionado logo abaixo.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.28-35, maio/jun. 2000


34 Biotecnologia

a confirmação da presença e da integração Marcadores de peso molecular


do cassete de transformação no genoma das
plantas transformadas. No caso do PCR, o
gene de interesse e/ou um dos genes mar-
cadores são amplificados bilhões de vezes
in vitro, por enzimas que sintetizam novas
fitas de DNA e com o auxílio de um termo- T
Termociclador
ciclador, máquina que simula os ciclos de
replicação do DNA. Estes bilhões de cópias
do gene podem então ser facilmente vi- Máquina que
DNA genômico sintetiza in vitro
oo Gene exógeno
sualizados na forma de uma banda em um DNA amplificado bilhões
contendo o gene
gel de agarose. A Figura 17 ilustra sucin- exógeno de vezes
Gene exógeno
tamente o processo de detecção por PCR. visualizado como
No caso do Southern blot, o gene pode uma banda no gel
ser visualizado pela utilização de sondas Figura 17 - Detecção do gene exógeno por meio da amplificação do DNA via PCR
marcadas radiotivamente (P32) que se ligam NOTA: Nesta técnica, bilhões de cópias do gene exógeno são sintetizadas in vitro. O termociclador
(hibridizam) especificamente ao gene de é a máquina que simula as condições necessárias para síntese do DNA in vitro. Após a
interesse ou a um dos genes marcadores amplificação, o produto do PCR é aplicado em gel de agarose, para visualização da banda
(Fig. 18). O DNA total da planta é inicial- correspondente ao DNA do gene exógeno.
mente extraído e clivado por enzimas de
restrição em sítios específicos da molécula
de DNA que flanqueiam o cassete de trans-
Liberação do cassete de
formação. Desta forma, o cassete é liberado transformação com o gene
do resto do genoma e transferido para uma exógeno
membrana que, posteriormente, é colocada
Enzima de +
na presença da sonda radioativamente mar- restrição Sonda marcada com P32
cada, para que possa ocorrer a formação forma uma molécula híbrida
com o gene exógeno
da molécula híbrida entre o gene exógeno
presente no cassete de transformação e a Sonda marcada
sonda. Ou seja, uma fita simples de DNA com P32 é colocada Marcadores de
na presença do peso molecular
do gene exógeno com uma fita simples de gene exógeno
DNA da sonda unem-se, devido à formação Gene exógeno
de pontes de hidrogênio, formando nova- Corte da molécula de DNA
mente uma fita dupla de DNA. Quando na genômico contendo o O gene exógeno é detectado na
cassete de transformação
presença de um filme de raios X, as sondas por enzimas de restrição
forma de uma banda em um filme
que foi impressionado pela
marcadas o impressionam, devido à emissão
radiação emitida pelo P32
de radiação, dando origem a uma banda
que corresponde ao gene de interesse. De-
pendendo do tipo de clivagem realizado no Figura 18 - Detecção do gene exógeno com o uso da técnica de Southern blot
DNA total da planta, o Southern blot pode NOTA: Nesta técnica, o DNA total é clivado por enzimas de restrições e os fragmentos de DNA
gerados são separados em gel de agarose e transferidos para uma membrana de náilon,
permitir a estimativa do número de cópias
conservando sua posição de corrida no gel. O fragmento que contém o gene exógeno
do cassete no genoma receptor (Romano, hibrida-se com uma sonda marcada, de seqüência homóloga à seqüência do gene exógeno.
1998). A molécula híbrida de DNA formada pela sonda e pelo fragmento de DNA, contendo o
Muitas vezes, a integração do cassete gene exógeno, emite radiação luminosa que impressiona o filme de raios X, gerando uma
de transformação no genoma da planta não banda que confirma a presença do gene.
significa necessariamente que o gene será
expresso, ou seja, que ele vá produzir a pro-
teína ou enzima de interesse. Isto é um generada ou em sua progênie (descen- produto do gene pode não causar nenhuma
problema muito comum observado em dentes), desde que o produto do gene em alteração expressiva no fenótipo final da
transformação de plantas e os motivos que questão cause alterações que possam ser planta. A purificação bioquímica da pro-
levam a isso possuem inúmeras causas, detectáveis visualmente ou por técnicas teína ou da enzima produzida pelo gene
sendo que muitas delas ainda não foram moleculares e bioquímicas. Como foi dito exógeno pode ser difícil de ser realizada,
completamente desvendadas. A forma mais anteriormente, a expressão de determina- exigindo pessoal e infra-estrutura adequa-
simples para checar se um gene está sendo dos genes pode ocorrer em níveis tão bai- dos, o que muitas vezes pode ser bastante
expresso ou não é pela observação de seu xos, que mudanças no fenótipo da planta complexo e caro.
fenótipo em uma planta completamente re- podem não ser perceptíveis ou, ainda, o Existem técnicas moleculares que per-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.28-35, maio/jun. 2000


Biotecnologia 35

mitem observar a expressão dos genes de cruzamento interespecífico, é esperado um CHALFIE, M.; TU, Y.; EUSKIRCHEN, G.; WARD,
W.W.; PRASHER, D.C. Green fluorescent
forma fácil e rápida. As mais utilizadas são novo salto tecnológico para o setor agrícola,
protein as a marker for gene expression.
o northern blot (Alwine et al., 1977) e o principalmente no que diz respeito ao lan- Science, New York, v.263, p.802-805, 1994.
western blot (Burnette, 1981 e Towbin et çamento de outras cultivares. O uso de orga- DELÚ FILHO, N.; CASCARDO, J.C. de M.;
al., 1979). O northern blot permite detectar nismos transgênicos como modelos de FONTES, E.P.B. Clonagem molecular e isola-
a quantidade e o tamanho do RNA mensa- estudo também tem colaborado significa- mento de genes de plantas. In: TORRES, A.
C.; CALDAS, L.S.; BUSO, J.A. (Ed.). Cultu-
geiro produzido pelo gene exógeno através tivamente para elucidação de processos e
ra de tecidos e transformação genética de
de hibridização com sondas específicas mar- fenômenos importantes nas áreas de Gené- plantas. Brasília: EMBRAPA-SPI/EMBRAPA-
cadas radioativamente. No western blot, tica, Fisiologia, Biologia celular e Biologia CNPH, 1999. v.2, p.653-677.
detecta-se a proteína ou enzima produzida molecular. No entanto, ainda há inúmeros FROMM, M.E.; TAYLOR, L.P.; WALBOT, V.
por este RNA mensageiro, através da li- desafios a serem vencidos, tais como a Expression of genes transferred into monocot
and dicot plant cells by electroporation. Pro-
gação com anticorpos específicos. Ambas adequação do processo de cultivo e rege-
ceedings of the National Academy of Scien-
as técnicas possuem sensibilidade sufi- neração in vitro para várias espécies recalci- ces, Washington, v.82, p.5824-5828, 1985.
ciente para detectar pequenas quantida- trantes, compreensão da função da grande JEFFERSON, R.A. Assaying chimeric genes in
des de RNA mensageiro ou de proteína pro- maioria dos genes e a manipulação gené- plants: the GUS gene fusion system. Plant Mo-
duzidas pelo gene exógeno e, tecnicamente, tica de características complexas, que são lecular Biology Reporter, v.5, p.387-405,
1987.
não são difíceis de ser realizadas. A confir- governadas pela ação de vários genes e que
mação da presença do produto do gene, à freqüentemente estão associadas à produ- KERSTERS, K.; LEY, J. Genus III: Agrobacte-
rium Conn 1942. In: KRIEG, N.R.; HOLT,
semelhança do PCR e do Southern blot, é tividade. J.G. (Ed.). Bergey’s manual of systemic
feita pela presença de uma banda e, nos dois bacteriology. Baltimore: Williams & Wil-
casos, já se busca a identificação do pro- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS kins, 1984. p.244-254.
duto da expressão do gene. Assim, mesmo ALWINE, J.C.; KEMP, D.J.; STARK, G.R. Method LACORTE, C.; ARAGÃO, F.J.L.; VAINSTEIN,
que o gene esteja inserido no genoma da for detection of specific RNAs in agarose gels M.H.; RECH, E.L. Biobalística In: TORRES,
by transfer to diazoben-zyloxymethyl-paper A.C.; CALDAS, L.S.; BUSO, J.A. (Ed.). Cul-
planta, é necessário que este seja funcional tura de tecidos e transformação genéti-
and hybridization with DNA probes. Procee-
para ser detectado por estas técnicas. O dings of the National Academy of Scien- ca de plantas. Brasília: EMBRAPA-SPI/
interessante em utilizar o northern blot e o ces, Washington, v.74, p.5350-5354, 1977. EMBRAPA-CNPH, 1999. v.2, p.761-781.
western blot é que eles permitem não só a MULLIS, K.B.; FALOONA, F.A. A polymerase
ARAGÃO, F.J.L.; RECH, E.L. Isolamento de veto-
catalyzed chain reaction. In: WU, R. (Ed.).
detecção da expressão do gene, como tam- res para transformação direta. In: BRASILEI-
Recombinante DNA: part F. San Diego: Aca-
bém quantificar a intensidade desta ex- RO, A.C.M.; CARNEIRO, V.T. de C. (Ed.).
demic Press, 1987. p.335-350. (Methods in
pressão pela intensidade das bandas que Manual de transformação genética de Enzimology, 155).
plantas. Brasília: EMBRAPA-SPI/EMBRAPA-
são geradas. Isto é de grande importância CENARGEN, 1998. p.17-33. RECH, E.L.; ARAGÃO, F.J.L. Biobalística. In:
para os pesquisadores, pois, além da inte- BRASILEIRO, A.C.M.; CARNEIRO, V.T. de
BOURGIN, J.; CHUPEAU, Y.; MISSONIER, C. C. (Ed.). Manual de transformação gené-
gração do gene no genoma da planta, é Plant regeneration from mesophyll protoplasts tica de plantas. Brasília: EMBRAPA-SPI/
muito importante saber se este está-se ex- of several Nicotiana species. Physiologia Plan- EMBRAPA-CENARGEN, 1998. p.51-64.
pressando em níveis adequados, para que tarum, Copenhagen, v.45, p.288-292, 1979. ROMANO, E. Análise da integração do DNA pela
ocorra a mudança fenotípica esperada. BRASILEIRO, A. C. M. Cultivo e conservação de técnica Southern blot. In: BRASILEIRO, A.
Agrobacterium. In: BRASILEIRO, A.C.M.; C.M.; CARNEIRO, V.T. de C. (Ed.). Manual
CARNEIRO, V.T. de C. (Ed.). Manual de de transformação genética de plantas. Bra-
CONSIDERAÇÕES FINAIS transformação genética de plantas. Brasí- sília: EMBRAPA-SPI/EMBRAPA-CENARGEN,
lia: EMBRAPA-SPI/EMBRAPA-CENARGEN, 1998. p.205-222.
O que vinha sendo colocado como uma
1998. p.65-74. SANFORD, J.C.; KLEIN, T.M.; WOLF, E.D.;
possibilidade para o futuro, hoje já pode ALLEN, N. Delivery of substances into cells
BRASILEIRO, A.C.M.; DUSI, D.M. de A.
ser encarado como realidade. São inúmeras Transformação genética de plantas. In: TOR- tissues using a particle bombardment process.
as espécies vegetais, assim como as ca- Particle Science Technology, v.5, p.27-
RES, A. C.; CALDAS, L. S.; BUSO, J. A. (Ed.).
37, 1987.
racterísticas genéticas estudadas no cam- Cultura de tecidos e transformação gené-
po da transformação genética de plantas, tica de plantas. Brasília: EMBRAPA-SPI/ SOUTHERN, E.M. Detection of specific sequen-
EMBRAPA-CNPH, 1999. v.2, p.679-735. ces among DNA fragments separated by gel
com objetivos que vão desde a obtenção electrophoresis. Journal of Molecular Bio-
de plantas resistentes ou tolerantes a con- BRASILEIRO, A.C.M.; LACORTE, C. Interação logy, London, v.98, p.503-517, 1975.
Agrobacterium-hospedeiro. In: BRASILEI-
dições de estresses bióticos e abióticos, TOWBIN, H.; STAEHELIN, T.; GORDON, J.
RO, A.C.M.; CARNEIRO, V.T. de C. (Ed.).
até plantas com melhor qualidade nutri- Eletrophoretic transfer of proteins from po-
Manual de transformação genética de
lyacrylamide gels to nitrocellulose sheets:
cional ou capazes de produzir fármacos plantas. Brasília: EMBRAPA-SPI/EMBRAPA- procedure and some applications. Procee-
(biorreatores). A tecnologia de introdu- CENARGEN, 1998. p.75-92. dings of the National Academy of Scien-
ção de genes exógenos via transformação BURNETTE, W.N. “Western blotting”: eletro- ces, Washington, v.76, p.4350-4354, 1979.
genética de plantas tem disponibilizado, phoretic transfer of proteins from sodium ZAMBRYSKI, P.; HOOS, H.; GENETELLO, C.;
dodecyl sulfate-polyacrylamide gels to unmo- LEEMANS, J.; MONTAGU, M. van; SCHELL,
para os melhoristas, genes antes impos-
dified nitrocellulose and radigraphic detection J. Ti Plasmid vector for the introduction of DNA
síveis de ser manipulados pelos métodos with antibody and radioiodinated protein A. into plant cells without alteration of their nor-
convencionais de melhoramento. Com a Analytical Biochemistry, New York, v.112, mal regeneration capacity. EMBO Journal,
eliminação das barreiras que impediam o p.195-203, 1981. Oxford, v.2, p.2143-2150, 1983.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.28-35, maio/jun. 2000


36 Biotecnologia

Utilização de plantas transgênicas como reatores biológicos


para produção de proteínas heterólogas
Paulo César De Lucca 1
Eneida Abreu Parizotto 1
Adilson Leite 2

Resumo - Nos últimos anos, plantas transgênicas têm sido testadas com sucesso
como reatores biológicos para a produção de proteínas heterólogas. O custo reduzido
de produção, a capacidade de produzir proteínas complexas e o menor risco de estas
proteínas vincularem patógenos nocivos ao homem fazem das plantas transgênicas
um sistema especialmente interessante para a produção de fármacos protéicos. Desta
forma, plantas transgênicas já foram utilizadas na produção de hormônios, anticorpos
e vacinas.
Palavras-chave: Plantas transgênicas; Fármacos protéicos; Vacinas; Proteínas re-
combinantes.

INTRODUÇÃO tas modificadas geneticamente, através da dução de proteínas heterólogas. Este fato
transferência de genes que promovem, prin- adquire grande importância principalmente
A descoberta da agricultura e da pe-
cipalmente, resistência a herbicidas, pató- no caso de proteínas ou peptídios humanos
cuária, há cerca de 10 mil anos, estabeleceu
genos e pragas, além do melhoramento da utilizados como fármacos. Órgãos e plasma
uma das condições básicas que pro-
qualidade das sementes e frutos (Gander humanos representam as fontes naturais
piciaram o desenvolvimento das diversas
& Marcellino, 1997). de proteínas, tais como, hormônios, fato-
civilizações. Este desenvolvimento inau-
Recentemente, esta tecnologia tem sido res de coagulação sangüínea e albumina.
gurou uma nova fase para a humanidade,
aplicada na produção de plantas transgê- Devido ao alto risco de contaminação com
na qual os seres humanos começaram a
nicas com o objetivo de transformá-las em patógenos, principalmente de natureza viral,
exercer controle sobre o meio ambiente em
biorreatores (reatores biológicos) capazes várias destas proteínas naturais têm sido
que viviam, através da domesticação de
de produzir óleos, carboidratos e proteínas, substituídas por moléculas similares sinte-
animais e plantas. A adoção da agrope-
diferentes daqueles sintetizados natural- tizadas em OGMs, denominadas proteínas
cuária favoreceu a fixação do homem no
mente pelas plantas. Esta nova aplicação recombinantes. Deste modo, hoje podemos
campo e permitiu grande aumento popu-
biotecnológica das plantas transgênicas é encontrar em farmácias os hormônios re-
lacional (Borém & Milach, 1999).
conhecida internacionalmente como Plant combinantes, como o do crescimento e in-
O emprego de tecnologia no período
Molecular Farming. O termo agropecuária sulina humana, produzidos em bactérias.
pós-guerra transformou novamente a agro-
molecular é o que melhor define esta ativi- As bactérias, devido a sua relativa sim-
pecuária, elevando a produção mundial de
dade. plicidade, foram os primeiros seres vivos
alimentos, que foi acompanhada de novo
aumento populacional. Entretanto, a utili- manipulados geneticamente com o objetivo
PRODUÇÃO DE PROTEÍNAS de produzir proteínas heterólogas. Entre-
zação corrente de tais práticas está rapida-
HETERÓLOGAS tanto, devido a propriedades intrínsecas
mente deteriorando o meio ambiente. A
partir dos anos 80, o advento das técnicas Proteínas heterólogas são proteínas ou da síntese de proteínas em microorga-
de transferência de genes entre espécies peptídios sintetizados em organismos di- nismos, as bactérias não constituem o sis-
diferentes, conhecidas como Engenharia ferentes daqueles de sua origem. A neces- tema mais apropriado para a produção de
genética, tornou possível o desenvolvi- sidade de produzir grandes quantidades, proteínas humanas. Assim como os demais
mento de plantas transgênicas com pro- ou ainda, de produzir proteínas livres de seres vivos, elas sintetizam suas proteínas
priedades agronômicas especiais. Deste contaminantes presentes no tecido origi- através de um processo de polimerização
modo, a agricultura moderna está sen- nal, justifica a utilização de organismos ge- de aminoácidos, denominado de tradução.
do transformada pela introdução de plan- neticamente modificados (OGMs) na pro- A reação de polimerização ocorre através

1
Doutorando, UNICAMP-CBMEG, Caixa Postal 6010, CEP 13083-970 Campinas-SP.
2
Dr., Pesq. UNICAMP-CBMEG, Caixa Postal 6010, CEP 13083-970 Campinas-SP. E-mail: aleite@unicamp.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.36-42, maio/jun. 2000


Biotecnologia 37

da formação de ligações peptídicas entre a pelo direcionamento da proteína nascente noácidos, cisteínas presentes nelas ou em
carboxila de um aminoácido e o grupo ami- para o lume do RE. Esta proteólise pode diferentes cadeias da proteína. A formação
no da cadeia lateral do aminoácido subse- determinar alteração do aminoácido pre- destas pontes é catalisada pela enzima dis-
qüente na cadeia protéica. Assim sendo, sente na extremidade N-terminal da proteí- sulfeto isomerase, presente apenas no RE
as proteínas resultantes apresentam uma na. Como as bactérias não apresentam este de eucariotos (Galili et al., 1998). Podemos
extremidade contendo um grupo amino li- tipo de processamento pós-traducional, é concluir, portanto, que sistemas com base
vre, chamada N-terminal, e outra contendo inevitável a presença de metionina na em organismos eucarióticos estão melhor
uma carboxila livre, chamada C-terminal. Já extremidade N-terminal de suas proteínas. equipados para a produção de proteínas
a seqüência linear de aminoácidos ligados, Alguns bacilos apresentam um sistema de heterólogas.
chamada de estrutura primária, determina a processamento similar. Neste caso, as pro- As leveduras Saccharomyces cerevisae
identidade da proteína. teínas sintetizadas apresentam um peptídio e Pichia pastoris consistem em sistemas
A tradução é realizada por ribossomos, na extremidade N-terminal, que é retirado eucarióticos muito utilizados na produção
um complexo de ácidos nucléicos e pro- quando ocorre a transferência da proteína de proteínas heterólogas. Apesar de este
teínas, e consiste na decodificação da se- do citoplasma bacteriano para uma região tipo de sistema apresentar rendimentos tão
qüência nucleotídica de uma molécula de compreendida entre a membrana e a parede, altos quanto os bacterianos, as proteínas
ácido ribonucléico específico, denomina- denominada periplasma. No entanto, este sintetizadas geralmente são extensamen-
do mensageiro (mRNA), na seqüência de sistema apresenta baixo rendimento de pro- te modificadas através de glicosilação. Al-
aminoácidos. A tradução ocorre a partir da dução de proteína, sendo pouco utilizado terações estruturais que determinam ins-
extremidade N-terminal. Nas bactérias, o na produção de proteínas heterólogas. Por- tabilidade e insolubilidade constituem
aminoácido iniciador do processo de sín- tanto, na maioria das vezes, as proteínas problemas adicionais deste sistema (Hig-
tese é obrigatoriamente uma molécula do recombinantes produzidas em bactérias gins, 1995). Seqüências codificadoras de
aminoácido metionina, modificada pela pre- apresentam metionina na extremidade proteínas heterólogas podem também ser
sença de um radical formil. Nos eucariotos, N-terminal. Para a obtenção de uma pro- transferidas para células isoladas de insetos
por sua vez, a síntese protéica é iniciada teína com seqüência primária idêntica à e de mamíferos, através da infecção por ví-
por uma metionina não-modificada. A gran- seqüência nativa é necessário seu proces- rus. Culturas destas células podem ser utili-
de diferença entre os processos de síntese samento in vitro. zadas para a produção de proteínas hete-
protéica de bactérias e de eucariotos reside A agregação de proteínas desnaturadas rólogas em larga escala. Estes sistemas são
no fato de que, nos organismos superiores, em estruturas denominadas corpúsculos de caracterizados pela capacidade de produzir
os produtos da síntese podem sofrer mo- inclusão representa outra dificuldade dos proteínas corretamente enoveladas e pela
dificações durante o processo de polime- sistemas de produção em bactérias. A ativi- sua habilidade de promover modificações
rização, ou após este processo. Dentre as dade funcional das proteínas depende de pós-traducionais, produzindo proteínas
modificações mais freqüentes podemos interações com outras moléculas. Por exem- com alto grau de identidade com as pro-
citar a proteólise e a adição de carboidratos plo, a resposta fisiológica a um determinado teínas nativas (Gray, 1995). No entanto, o
(glicosilação), fosfatos (fosforilação) e hormônio depende de seu reconhecimento requerimento de meios de cultura com-
grupos acil (acilação) (Bednarek & Raikhel, por uma molécula de uma proteína recepto- plexos e o emprego de reatores sofisticados
1992). Estas modificações, conhecidas co- ra presente na célula-alvo. O reconheci- prejudicam sua utilização para produção de
mo pós-traducionais, constituem uma im- mento é mediado por contatos direcionais proteínas em larga escala.
portante etapa na produção de proteínas entre as duas moléculas, e, portanto, de- Recentemente, animais transgênicos
em eucariotos. Em muitos casos, nestes pende da estrutura tridimensional das têm sido testados para a produção de pro-
organismos, a atividade biológica das pro- moléculas envolvidas na interação. Como teínas heterólogas. Um dos sistemas des-
teínas depende de modificações pós-tradu- as proteínas heterólogas produzidas em critos direciona a produção das proteínas
cionais. bactérias encontram-se desnaturadas, isto recombinantes para o leite. Este sistema foi
A proteólise, por exemplo, consiste na é, sem uma estrutura definida, estas não inicialmente desenvolvido em camun-
hidrólise, catalisada por enzimas, da ligação apresentam atividade funcional. Para a dongos (Gordon et al., 1987). No entanto,
entre aminoácidos específicos. A maioria obtenção de proteínas com atividade simi- pode ser facilmente adaptado para animais
das proteínas secretadas por células de eu- lar à das nativas, as proteínas recombinan- que apresentam maior rendimento na pro-
cariotos sofre este tipo de processamento tes produzidas em bactérias devem ser dução de leite, como: caprinos, ovinos e
simultaneamente com sua síntese. Estas obrigatoriamente submetidas a um pro- bovinos. Devido à limitação da produção
proteínas são sintetizadas por um conjunto cesso de renaturação. Nos organismos em fêmeas em fase de lactação, métodos
de ribossomos ligados ao retículo endo- superiores, inclusive em plantas, o enovela- alternativos que eliminam esta inconve-
plasmático (RE). Inicialmente, a extremidade mento tridimensional das proteínas sin- niência têm sido propostos, como a pro-
N-terminal da cadeia nascente, contendo a tetizadas direcionadas para o RE é assistido dução em urina (Kerr et al., 1998) e esperma
metionina inicial, é internalizada no sistema por proteínas especializadas denominadas (Dyck et al., 1999). A utilização de animais
de canais do RE, onde ela sofre proteólise chaperoninas. Adicionalmente, em muitos transgênicos permite a síntese de proteínas
com a retirada de um peptídio de, aproxima- casos, a estrutura tridimensional das pro- heterólogas de alta qualidade. Porém, a cul-
damente, 20 aminoácidos, conhecido como teínas é estabilizada por ligações do tipo tura de células de mamíferos apresenta um
peptídio sinal, que é também responsável ponte de dissulfeto entre resíduos de ami- alto custo de produção.
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As plantas, assim como os demais sis- Produção de proteínas para diferentes órgãos e compartimentos
temas eucarióticos, são caracterizadas pela heterólogas em plantas celulares, o período do desenvolvimento
presença de sistemas de modificação e transgênicas da planta, bem como, os níveis de produ-
processamento pós-traducionais. O baixo A produção de proteínas heterólogas ção. Assim sendo, a elaboração desta fase
custo de obtenção de plantas transgêni- em plantas, a partir do gene integrado no depende do conhecimento de expressão
cas e de produção de biomassa vegetal, gênica em plantas, isto é, do conhecimento
genoma, pode ser dividida em cinco etapas
quando comparado com os custos rela- dos processos que envolvem a manifes-
principais:
tivos aos animais transgênicos, representa tação do gene, resultando na produção da
uma grande vantagem deste sistema. O fato a) inserção do gene que codifica a pro- proteína por ele codificada. Os genes são
de até o momento não ter sido encontrado teína heteróloga em um vetor de constituídos por uma região central, de-
nenhum vírus de planta capaz de infectar o transformação de planta; nominada estrutural, que compreende a
homem, indica que as plantas constituem b) transformação da planta; seqüência nucleotídica que codifica a série
um sistema de produção mais seguro para c) seleção e regeneração das plantas de aminoácidos que compõe a proteína. Nos
a produção de fármacos protéicos. eucariotos, a região estrutural da maioria dos
transformadas;
genes é interrompida por regiões não-
d) análise das plantas regeneradas;
DIFERENTES ESTRATÉGIAS PARA codificadoras denominadas íntrons. Por sua
A PRODUÇÃO DE PROTEÍNAS e) extração, purificação e caracteriza- vez, as regiões codificadoras são denomi-
HETERÓLOGAS EM PLANTAS ção estrutural e funcional da pro- nadas exons (Fig. 19). O mesmo não ocorre
teína recombinante. nos procariotos, onde geralmente ocorre
A produção de proteínas recombi-
nantes em plantas pode ser realizada de A primeira etapa, correspondente à uma perfeita colinearidade entre a seqüência
duas maneiras. Na primeira delas, o gene inserção do gene que codifica a proteína nucleotídica do gene e dos aminoácidos na
que codifica a proteína heteróloga é in- heteróloga no vetor de transformação de proteína.
serido no genoma da planta. A integração planta, deve ser precedida de um rigoroso A expressão gênica inicia-se no núcleo
estável do gene torna possível a produção planejamento. Esta fase deve levar em con- com a produção de uma molécula de mRNA,
permanente da proteína recombinante e a ta o direcionamento da proteína sintetizada através de uma reação de polimerização ca-
transferência desta característica à pro-
gênie da planta transformada. Na segunda
estratégia, o gene que codifica a proteína
heteróloga é fusionado com o gene que
codifica a proteína da capa de um vírus de Núcleo
não traduzida

não traduzida
planta. O vírus modificado é então utilizado
Es trutura l
Prom otor

Região 5'

Região 3'
para infectar plantas, onde rapidamente se
Região

multiplica, estabelecendo a produção do


conjunto de suas proteínas, incluindo a
proteína mista da capa com a proteína hete- Gene
róloga. Trata-se de uma produção transi-
tória, pois neste caso não ocorre a integra-
ìntro n IV
Íntro n II

Inton III
Íntro n I
E xon 1

E xon 2

E xon 3

E xon 4

E xon 5

Transcrito Transcrição
ção permanente do gene no genoma da Pro cessam en to
primário
planta. Neste sistema, a proteína recom- 7

M -Gppp- -AAAA...
binante deve ser recuperada a partir de
extratos de tecidos infectados através do "Splicing"
processamento da proteína da capa viral. mRNA
7

A produção de proteínas heterólogas a M -Gppp- -AAAA...


partir de genes integrados no genoma da
planta é mais trabalhosa e demorada que a
com base em sistemas virais. A primeira es- Citoplasm a R ib osso m o
tratégia envolve a obtenção de plantas trans- 7

M -Gppp- -AAAA...
gênicas, enquanto que na segunda a planta
funciona apenas como um veículo para a
amplificação das partículas virais. No entan- Tradu ção
to, a produção mediada por vírus apresenta
o inconveniente de determiná-la principal-
mente nas folhas, ao passo que a integração
permanente apresenta maior versatilidade,
Pro teín a
podendo dirigir a produção exclusivamente
para os diversos órgãos, tecidos e compar-
timentos celulares das plantas. Figura 19 - Diversas fases da expressão gênica

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talisada pela enzima RNA polimerase, deno- ninas na extremidade 3'. As adeninas, em combinantes, pois seus tecidos apresentam
minada transcrição (Fig. 19). Uma vez que número de 100 a 200, são adicionadas por grande quantidade de água e alta atividade
esta enzima utiliza a região estrutural como uma polimerase específica e constituem a hidrolítica, resultando em baixa estabilidade
molde para a polimerização, o mRNA pro- cauda de poli-A. A partir deste momento, da proteína produzida. No entanto, as se-
duzido apresenta uma seqüência de ribo- o mRNA maduro está pronto para deixar o mentes apresentam tecidos especializados
nucleotídeos com composição de bases núcleo, transferindo-se para o citoplasma, capazes de armazenar proteínas de forma
complementares a esta região. Inicialmente, onde por sua vez servirá como molde para eficiente durante longos períodos. Apesar
o mRNA produzido apresenta regiões com- a síntese protéica (Fig. 19). desta vantagem, até o momento poucos
plementares aos íntrons e exons. A transferência de genes que codificam sistemas com base na expressão específica
As diferentes células de um organismo proteínas heterólogas de interesse, visan- em sementes foram descritos. Para exem-
pluricelular apresentam o mesmo genoma, do sua produção em plantas, deve levar plificar a produção de proteínas heterólogas
sendo sua especialização dependente do em conta os diferentes aspectos da expres- especificamente em sementes, descreve-
conjunto de genes que é expresso. Portan- são gênica discutidos anteriormente. De mos, a seguir, a construção de um cassete
to, o controle da expressão gênica exerce modo geral, o gene de interesse é incluído de expressão que desenvolvemos para a
papel fundamental no desenvolvimento do em um cassete de expressão, onde ele será produção de hormônio do crescimento hu-
organismo, mediando os processos de di- flanqueado por um promotor e uma região mano (hGH) em plantas transgênicas (Leite
ferenciação e manutenção da atividade de terminação, ambos originários de genes et al., 2000).
celular. O controle da transcrição constitui de plantas. Os níveis de expressão e o local Uma cópia da seqüência de DNA codi-
o primeiro ponto de regulação da expressão do acúmulo, órgão ou tecido, da proteína ficador (cDNA) do hGH foi obtida através
gênica. As regiões que flanqueiam a região heteróloga, são os principais fatores que de um processo inverso ao da transcri-
estrutural dos genes encontram-se envol- prevalecem na escolha do promotor. Atual- ção. Este processo de polimerização utiliza
vidas neste controle inicial. O promotor, mente, existe um grande número de pro- mRNA como molde, e é catalisado pela en-
localizado na extremidade 5' do gene, com- motores de plantas disponíveis, sendo que zima transcriptase reversa originária de
preende a seqüência que antecede a região a opção por um deles dependerá da estra- retrovírus. A seqüência resultante, por ser
estrutural. Esta região abrange seqüências tégia a ser empregada na produção da pro- complementar ao mRNA maduro, não apre-
nucleotídicas específicas que indicam o teína heteróloga. Portanto, dependendo do senta os íntrons. O fragmento de DNA cor-
local para a ligação do complexo protéico promotor escolhido, podemos dirigir a respondente ao hGH foi isolado de uma
responsável pela atividade da RNA po- produção da proteína recombinante espe- coleção de cDNAs (biblioteca de cDNA)
limerase, e também o local para o início do cificamente para os diferentes órgãos das feita através de transcrição reversa de mRNAs
processo de transcrição (Fig. 19). O promo- plantas, ou ainda, para a planta inteira. O preparados a partir de hipófise humana. A
tor apresenta adicionalmente seqüências- promotor do transcrito 35S do vírus do mo- seqüência nucleotídica que codifica o
alvo para outros fatores protéicos com saico da couve-flor (P35S CaMV) e seus peptídio sinal (PS) do hGH natural foi subs-
capacidade de modular a atividade trans- derivados encontram-se entre os mais uti- tituída por uma seqüência equivalente,
cricional. Tais fatores não são considerados lizados na produção de proteínas heteró- previamente descrita em uma proteína de
essenciais para a transcrição, pois este pro- logas em plantas (Kusnadi et al., 1997). reserva de semente de Coix lacryma-jobi
cesso pode ocorrer, ainda que geralmente Apesar de ser considerado um promotor (Ottoboni et al., 1993). Esta substituição
em níveis baixos, na sua ausência. Estes constitutivo, isto é, capaz de promover a resultou na produção do fragmento PSc-
elementos reguladores agem ativando ou expressão de forma generalizada na planta, hGH (Fig. 20), e teve como objetivo garantir
inibindo a transcrição em resposta a di- o P35S CaMV apresenta atividade variá- o direcionamento da proteína produzida
versos estímulos, e são responsáveis pelo vel nos diversos tecidos, sendo mais ativo para o RE, que, conforme descrito ante-
controle diferencial dos níveis de expressão em folhas. A região promotora do gene que riormente, apresenta as condições neces-
gênica nos diversos tecidos, e diferentes codifica a ubiquitina de milho, também um sárias para o correto processamento e eno-
estádios de desenvolvimento. Dessa forma promotor constitutivo, foi utilizada na velamento estrutural da proteína recém-
os promotores respondem pela tecido-es- produção de avidina (Hood et al., 1997), sintetizada.
pecificidade da expressão. β-glicoronidase (Witcher et al., 1998) e apro- À extremidade 5' do fragmento PSc-
Localizadas posteriormente na região tinina (Zhong et al., 1999). A utilização hGH foi adicionado o promotor do gene
estrutural dos genes, portanto na extremi- deste promotor nestes casos resultou no que codifica γ-kafirina (PKAF), uma pro-
dade 3', encontram-se as seqüências espe- acúmulo de altos níveis das proteínas hete- teína de reserva de semente de sorgo (Fig.
cíficas que determinam o final do processo rólogas em embriões de milho. A avidina, 20). As proteínas de reserva acumulam-se
de transcrição. Finalizada a transcrição, glicoproteína encontrada na clara de ovos em grandes quantidades nas sementes,
ainda no núcleo, as regiões dos íntrons são de aves, répteis e anfíbios, é utilizada na onde constituem fontes de nitrogênio e
retiradas e as correspondentes aos exons produção de reagente para uso em imu- enxofre a ser utilizadas nos primeiros está-
são ligadas, em um processo conhecido noensaios. A avidina recombinante cons- dios do desenvolvimento das plântulas.
como mRNA splicing. A maturação do titui a primeira proteína produzida em plan- Devido aos altos níveis de expressão pro-
mRNA completa-se através da adição de tas disponível comercialmente (Sigma). porcionados por seus promotores, os ge-
uma guanosina metilada na extremidade 5', As folhas não são órgãos adequados nes que codificam proteínas de reserva de
e da adição de um número variável de ade- para o armazenamento de proteínas re- sementes representam excelente fonte de
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Figura 20 - Diagrama do plasmídeo pPGK-hGH


NOTA: O cassete de expressão utilizado na expressão de hGH recombinante em sementes de tabaco é mostrado como um inserto da
região de T-DNA do vetor binário pBI131 (Clontech). No vetor, o gene seletivo np tII (neomicina-fosfotransferase II), que
promove resistência ao antibiótico kanamicina, e o gene repórter gus (β-glicoronidase), são controlados pelos promotores
PNOS (nopalina sintase) e PRBS (ribulose-1,5-bisfosfato carboxilase), respectivamente. As bordas direita e esquerda do T-DNA
estão representadas por BD e BE, respectivamente. A região 3’ do gene da nopalina-sintase (3’NOS), contendo sinal e sítio de
poliadenilação, flanqueia os genes nptII e gus, enquanto uma região similar do transcrito 35S do vírus do mosaico da couve-
flor flanqueia o gene hGH. A seqüência primária do peptídio-sinal de Coix inserido na extremidade amino-terminal do hGH
é mostrada como um inserto no cassete de expressão.

promotores para a produção de proteínas sistência ao antibiótico kanamicina é muito volvidas, este resultado representa uma
heterólogas em sementes. Na extremida- útil na fase de seleção das plantas sub- clara indicação do correto enovelamento e
de 3' do fragmento PSc-hGH, adicionou-se metidas ao processo de transformação. Por da funcionalidade do hormônio recom-
um fragmento de DNA correspondente à outro lado, a atividade de GUS é utilizada binante sintetizado nas sementes de tabaco
região de terminação do transcrito 35S do como um indicador para confirmação da (Leite et al., 2000).
vírus do mosaico da couve-flor (3’35S) (Fig. transferência do T-DNA. Detalhes relati- A rizosecreção, isto é, a secreção de
20). Posteriormente, o fragmento PKAF- vos ao método de transferência, media- proteínas recombinantes em exsudatos de
PSc-hGH-3’35S, resultante das adições do por agrobactéria, e seleção das plantas raízes é outro exemplo de sistema de ex-
das seqüências reguladoras ao fragmento transformadas podem ser encontrados em pressão de proteínas heterólogas em plan-
PSc-hGH, foi inserido na região do T-DNA Leite et al. (2000), e em outros artigos desta tas. São utilizados promotores de genes
do plasmídeo pBI131 (Clontech), vetor uti- revista. específicos de raízes, e a secreção da proteí-
lizado na transformação de plantas me- A análise de extratos protéicos de di- na recombinante depende da adição de um
diada por agrobactéria, resultando no plas- versos órgãos de plantas de tabaco trans- peptídio-sinal capaz de endereçar a pro-
mídeo pPGK-hGH. A Figura 20 mostra formadas com o plasmídeo pPGK-hGH, teína para o RE. Borisjuk et al. (1999) demons-
que a região do T-DNA, flanqueada pe- demonstrou que o promotor de γ-kafirina traram a eficiência deste sistema produ-
los bordos direito (BD) e esquerdo (BE), foi capaz de dirigir a produção de hGH de zindo altos níveis de proteína fluorescente
inclui também os genes que codificam a forma exclusiva para as sementes. O se- de água viva (GFP), fosfatase alcalina de
neomicina-fosfotransferase II (NPT II), e qüenciamento da extremidade N-terminal placenta humana e de uma xilanase bacte-
β-glicoronidase (GUS), controlados pelos do hGH recombinante produzido em se- riana no meio hidropônico em que plantas
promotores PNOS (nopalina sintase) e mentes resultou em seqüência idêntica à transgênicas de tabaco foram cultivadas.
PRBS (ribulose-1,5-bisfosfato carboxilase), descrita para o hormônio maduro (Leite et O custo da extração e purificação das
respectivamente. Portanto, a integração do al., 2000), comprovando o direcionamento proteínas heterólogas pode representar
T-DNA, contendo o cassete de expressão, do hormônio recombinante para o RE, e seu sérias limitações no emprego de plantas
para o genoma da planta, propicia a pro- concomitante processamento. Demons- transgênicas como biorreatores. Com o
dução de três novas proteínas. Duas delas, tramos ainda que extratos das sementes de objetivo de reduzir tais custos foram desen-
a NPT II, que confere resistência ao an- tabaco transgênico competem com hor- volvidas estratégias alternativas. Uma de-
tibiótico kanamicina, e GUS, uma enzima mônio natural em ensaios de ligação com las baseia-se na inserção do polipeptídio
cuja atividade é facilmente detectável, são receptores específicos. Posto que o reco- de interesse em uma proteína portadora. O
produzidas em toda a planta devido à uti- nhecimento pelos receptores depende da direcionamento da proteína sintetizada,
lização de promotores constitutivos. A re- estrutura tridimensional das moléculas en- neste caso, é realizado pelo PS presente na
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proteína portadora. Esta estratégia foi uti- de aplicações, tais como: controle de polui- de maior complexidade estrutural. Desta
lizada na produção de encefalina inserida ção ambiental, produção de reagentes indus- forma, foram produzidos os antígenos bac-
na albumina 2S de Arabidopsis thaliana triais, sensores moleculares, reagentes para terianos vacinais: toxina termolábil (LT) de
(Vandekerckhove et al., 1989), e do anti- diagnóstico, soros contra toxinas e vene- Escherichia coli (Haq et al., 1995) e toxina
coagulante hirudina inserido em oleosi- nos, inibidores de infecções e infestações, colérica (CT) de Vibrio cholerae (Arakawa
na (Parmenter et al., 1995). Os sinais de contraceptivo e terapias contra câncer. A et al., 1998). Estas toxinas apresentam es-
endereçamento presentes nas proteínas maioria das aplicações dos anticorpos truturas similares, são proteínas hexaméri-
portadoras de albumina 2S e oleosina dire- requer grandes quantidades, sendo, por- cas constituídas por uma subunidade A,
cionaram as proteínas recombinantes para tanto, seu uso limitado pelo rendimento dos que se associa com uma estrutura em forma
os corpúsculos protéicos e lipídicos, res- sistemas de produção. Entretanto, a utiliza- de argola formada por subunidades B. Haq
pectivamente. As oleosinas são proteínas ção de plantas tem dado novo estímulo ao et al., (1995) demonstraram a formação
associadas às membranas dos corpúsculos emprego de anticorpos recombinantes. As espontânea de estruturas pentaméricas de
lipídicos em sementes. A grande vantagem plantas, além de apresentarem alto rendi- LT-B em batatas transgênicas. Posterior-
deste sistema reside no fato de que os cor- mento de produção, até o momento consti- mente, utilizando uma nova linhagem de
púsculos lipídicos e proteínas associadas tuem-se no único sistema de expressão batata transgênica, o mesmo grupo de-
são facilmente purificados por flotação capaz de produzir anticorpos completos monstrou forte resposta imune e proteção
através de centrifugação. Os resultados funcionais. Este fato foi demonstrado de parcial em camundongos (Mason et al.,
descritos na produção de hirudina em forma definitiva com a produção de um 1998) e em humanos (Tackett et al., 1998).
sementes de Brassica napus demonstraram anticorpo do tipo IgA em tabaco (Ma et al., O emprego de plantas comestíveis na
a eliminação de mais de 90% das proteínas 1995). Imunoglobulinas do tipo IgA são produção de vacinas merece cuidados,
contaminantes (Parmenter et al., 1995). anticorpos diméricos, e correspondem à especialmente com relação à dosagem. O
principal classe de anticorpos presentes em uso excessivo ou inadequado pode induzir
PLANTAS TRANSGÊNICAS secreções como saliva, lágrima, leite e se- tolerância aos antígenos.
COMO BIORREATORES PARA A creções do sistema respiratório e digestivo.
O anticorpo IgA produzido reconhece a Vantagens da utilização de
PRODUÇÃO DE FÁRMACOS
adesina de Streptococcus mutans, agente plantas transgênicas como
PROTÉICOS
causal da cárie dentária, e poderá ser uti- biorreatores
Devido às diversas características des- lizado como aditivo anticárie em den- As plantas são capazes de produzir
critas anteriormente, a utilização de plantas tifrícios. proteínas com estruturas complexas a um
como biorreatores apresenta grande in- A produção de vacinas orais e nasais baixo custo. Além de representarem a bio-
teresse para a produção de proteínas e constitui outra aplicação promissora das massa mais barata da natureza, as plantas
peptídios utilizados como fármacos. Plan- plantas transgênicas. A produção de an- geralmente não contêm proteínas homólo-
tas transgênicas estão sendo testadas na tígenos vacinais em plantas apresenta gas às dos animais, o que permite o emprego
produção de anticorpos (Smith, 1996), grandes vantagens de custo e, no caso de de processos menos complexos e dispendio-
antígenos vacinais (Mason & Arntzen, plantas comestíveis, permite a inoculação sos na purificação das proteínas recombi-
1995 e Mor et al., 1998), hormônios (Vander- da vacina diretamente através da ingestão, nantes. No entanto, o emprego de plantas
kerckohove et al., 1989, Matusumoto et al., sem a necessidade de purificação e proces- transgênicas é especialmente interessante na
1995 e Leite et al., 2000), soroalbumina hu- samento prévio. Adicionalmente, as vaci- produção de fármacos protéicos, devido ao
mana (Sijmons et al., 1990), peptídios an- nas orais e nasais requerem meios menos baixo risco de contaminação por patógenos.
ticoagulantes (Parmenter et al., 1995) e enzi- sofisticados de administração, redução no
mas (Cramer et al., 1996). número e treinamento do pessoal envolvi- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Os anticorpos ou imunoglobulinas são do em campanhas de vacinação em massa.
ARAKAWA, T.; CHONG, D.K.X.; LAN-
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quanto ex situ (Whitelam & Cockburn, tabaco. Thanavala et al. (1995) demons- BEDNAREK, S.Y.; RAIKHEL, N.V. Intra-
1996). Na aplicação in situ, o anticorpo re- traram que o antígeno produzido em plan- cellular trafficking of secretory proteins.
combinante age como um reagente na pró- tas é capaz de promover resposta imune Plant Molecular Biology, Dordrecht, v.20,
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corpos em plantas transgênicas para uso As plantas transgênicas foram tam- GENDRA, S.; PETERSEN, F.; GLEBA,
ex situ compreende uma grande variedade bém testadas na produção de antígenos Y.; RASKIN, I. Production of recombinant

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.36-42, maio/jun. 2000


42 Biotecnologia

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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.36-42, maio/jun. 2000


Biotecnologia 43

Doenças de plantas e biologia molecular


Francisco Murilo Zerbini 1
Sérgio Hermínio Brommonschenkel 2
Luis Artur Costa do Vale 3
Luciana P. Ambrozevícius 4
Acelino Couto Alfenas 5

Resumo - O impacto da biotecnologia na diagnose, na caracterização e no controle de


doenças de plantas está apenas começando a ser percebido. A tecnologia de DNA recom-
binante, a produção de plantas transgênicas e as técnicas de clonagem posicional de
genes vêm sendo utilizadas na produção de plantas resistentes a doenças, no desen-
volvimento de métodos de diagnose extremamente sensíveis e precisos, e em estudos
básicos de caracterização de fitopatógenos, principalmente os vírus. Marcadores
moleculares são ferramentas extremamente úteis em programas de melhoramento
genético, visando resistência a doenças, diminuindo o tempo necessário para obtenção
de cultivares com características agronômicas desejáveis. Genes de resistência
encontrados em espécies selvagens já foram clonados e transferidos para espécies
cultivadas, inclusive para aquelas pertencentes a gêneros afins. Plantas transgênicas
resistentes a vírus já vêm sendo plantadas em escala comercial nos Estados Unidos
desde 1996, e estão em fase de testes no Brasil. Métodos de diagnose, como a reação em
cadeia da polimerase (PCR), são utilizados rotineiramente na detecção de diversos
fitopatógenos, como os geminivírus. O seqüenciamento completo ou parcial de genomas
virais é parte fundamental da caracterização de vírus de plantas. Todas essas aplicações
visam, em última análise, à melhoria das condições de sanidade das plantas e,
conseqüentemente, ao aumento da produção de alimentos.
Palavras-chave: Plantas transgênicas; Marcadores moleculares; RDP; Diagnose
molecular; Taxonomia molecular.

INTRODUÇÃO devido ao pequeno tamanho dos genomas e a reação em cadeia da polimerase (PCR),
As aplicações da biotecnologia em Fito- virais e à facilidade de sua obtenção em e taxonomia molecular.
patologia vão desde o auxílio em estudos forma pura. O objetivo deste artigo é in-
básicos de caracterização de fitopatóge- formar a respeito de aplicações gerais da RESISTÊNCIA GENÉTICA
nos até o desenvolvimento de métodos biotecnologia na Fitopatologia. Essas apli- NO CONTROLE DE DOENÇAS
cações incluem basicamente o uso de mar- DE PLANTAS
diagnósticos mais sensíveis e precisos.
Além disso, uma das principais caracte- cadores moleculares no melhoramento para O plantio de cultivares resistentes
rísticas buscadas em plantas transgênicas resistência a doenças, clonagem de genes constitui o método mais desejável para o
é a resistência a doenças, principalmente de resistência a partir de espécies culti- controle de doenças de plantas. Sua ado-
viroses. De modo geral, a virologia é a área vadas e sua introdução em outras cultiva- ção pelos agricultores é simples, barata e
de Fitopatologia que mais tem-se bene- res/espécies, produção de plantas transgê- permite que continuem explorando a cultu-
ficiado dos avanços na Biologia molecular, nicas resistentes a vírus, desenvolvimento ra de seu interesse apenas substituindo
uma vez que a caracterização molecular de de técnicas de diagnose molecular de fito- a cultivar suscetível por outra resistente. É
vírus de plantas é relativamente simples, patógenos, como a hibridização molecular um método de controle que apresenta a

1
Engo Agro, Ph.D., Prof. Adj. UFV - Depto Fitopatologia, CEP 36571-000 Viçosa-MG. E-mail: zerbini@mail.ufv.br
2
Engo Agro, Ph.D., Prof. Adj. UFV - Depto Fitopatologia, CEP 36571-000 Viçosa-MG. E-mail: shbromo@mail.ufv.br
3
Engo Agro, M.Sc. UFV - Depto Fitopatologia, CEP 36571-000 Viçosa-MG.
4
Engo Agro, UFV - Depto Fitopatologia, CEP 36571-000 Viçosa-MG.
5
Engo Florestal, Ph.D., Prof. Tit. UFV - Depto Fitopatologia, CEP 36571-000 Viçosa-MG. E-mail: aalfenas@mail.ufv.br

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44 Biotecnologia

vantagem de reduzir a utilização de agro- clássica, que não permitia dissecar a resis- ficação de marcadores ligados a genes que
tóxicos na agricultura e a conseqüente con- tência poligênica em loci discretos ou conferem resistência a doenças. Nessa
taminação do ambiente. Entretanto, a identificar o papel de genes individuais na técnica, amostras de DNA de indivíduos
obtenção de uma cultivar resistente não é resistência (Young, 1996). Assim, apesar da progênie segregante que apresentam o
tão simples quanto a sua utilização pelo de em muitos casos essa resistência mos- mesmo fenótipo (R - resistente, ou S - sus-
agricultor. trar ação não raça-específica, os fitopato- cetível, no caso) são misturadas em quan-
A obtenção de uma variedade comercial logistas e melhoristas não tentaram intro- tidades eqüimolares, após o que as duas
com resistência a uma ou mais doenças é duzi-la em variedades comerciais por ela misturas são amplificadas com vários oli-
demorada e trabalhosa. Envolve a iden- ser quantitativa, o que torna o processo de gonucleotídeos. Ambos os bulks R e S
tificação de fontes de resistência, muitas seleção mais difícil e exige maior controle usualmente contêm quantidades aproxi-
vezes presentes apenas em germoplasma das condições experimentais, e por acre- madas de DNA molde para aqueles marca-
selvagem repleto de características inde- ditar-se que, caso ela fosse governada por dores que não estão fortemente ligados
sejáveis, o cruzamento deste germoplasma muitos genes de efeito pequeno, isso difi- ao loco que confere resistência. Logo, a
com o material comercial e os retrocruza- cultaria sobremaneira a transferência dessa maioria dos marcadores será amplificada de
mentos das plantas resistentes selecio- característica. forma idêntica nos dois bulks. Entretanto,
nadas das progênies com o progenitor os marcadores RAPD ligados ao gene de
recorrente, visando restabelecer as carac- TÉCNICAS MOLECULARES resistência mostrar-se-ão intensos no bulk
terísticas agronômicas desejáveis e manter NO MELHORAMENTO R e fracos ou ausentes no bulk S, e apenas
a característica de resistência. Muitas VISANDO À OBTENÇÃO estes serão avaliados em toda a progênie
vezes, aquelas indesejáveis, fortemente DE CULTIVARES RESISTENTES para a confecção de um mapa localizado
ligadas ao gene de resistência, impedem As técnicas moleculares encontram com base na co-segregação destes e da
que se atinja esse objetivo. Por razões ope- grande aplicação no estudo e incorporação resistência. A técnica de BSA é particular-
racionais, usualmente aqueles genes de em cultivares comerciais de resistência mente útil, quando usada com marcadores
resistência com efeito fenotípico marcante, monogênica raça-específica, bem como de RAPD, porque muitos oligonucleotídeos
que permite separar qualitativamente as resistência quantitativa. podem ser testados em busca de polimor-
plantas em duas classes discriminantes fismos entre os dois bulks, com muita efi-
(resistentes ou suscetíveis), atraem a aten- Resistência monogênica ciência.
ção dos melhoristas. Além da facilidade A disponibilidade de marcadores mole- Marcadores fortemente ligados a um
de seleção, esse tipo de resistência é, na culares ligados a genes de resistência pode determinado gene R podem ser utilizados
maioria das vezes, monogênica, o que fa- ser de grande utilidade para o melhora- para a seleção indireta das plantas resis-
cilita também a sua incorporação em varie- mento. O primeiro passo para a sua identi- tentes em um programa de melhoramento
dades comerciais. Entretanto, o plantio ficação é a escolha da fonte de resistência utilizando a mesma fonte de resistência, com
continuado de variedades contendo esses a ser estudada (progenitor resistente) e de base na presença ou não do marcador cor-
genes, cujo efeito é quase sempre raça- uma cultivar suscetível com a qual esta será respondente (Kelly, 1995). Essa técnica
específico, exerce uma pressão de seleção cruzada para a obtenção de uma progênie mostrar-se-á mais útil para aqueles casos
sobre a população do patógeno, levando à segregante (F2, retrocruzamento, linhagens em que a avaliação de doença é difícil ou
predominância de raças capazes de atacar recombinantes – RILs, etc.). Definidos os não pode ser feita precocemente. A deter-
essas plantas e forçar o início de um novo progenitores, detectam-se marcadores6 minação da presença do marcador pode ser
ciclo para se obter uma variedade resistente RAPD, RFLP, AFLP, microssatélites etc., feita ainda em plântulas, eliminando a ne-
à nova raça predominante. polimórficos entre os progenitores resis- cessidade de manutenção de plantas que
Ao contrário da resistência monogê- tente e suscetível e analisam-se as segrega- não contêm o gene R e, portanto, não inte-
nica, que já foi extensivamente estudada e ções destes e da resistência em uma progê- ressam ao melhorista.
manipulada por fitopatologistas, melho- nie segregante. Os marcadores fortemente Dispondo dos marcadores adequados,
ristas e geneticistas, outras formas mais ligados ao gene de resistência co-segregam a introdução de genes R de várias fontes
complexas de resistência, como por exem- com a resistência. seria bem menos demorada e trabalhosa.
plo a horizontal, ainda são pouco com- A técnica de análise de bulks segre- Utilizando marcadores ligados aos genes
preendidas (Geiger & Heun, 1989). A fer- gantes (BSA) (Michelmore et al., 1991) que se deseja incorporar, a introdução de
ramenta para o estudo dessa resistência associada a marcadores RAPD tem-se genes de resistência (genes R) efetivos
complexa era apenas a genética quantitativa mostrado de grande utilidade na identi- contra diferentes raças do patógeno, ori-

6
Maiores informações sobre marcadores moleculares ver o artigo, Aplicação de marcadores moleculares no melhoramento genético, nesta
publicação.

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Biotecnologia 45

ginários de diversas fontes, em uma mesma Resistência quantitativa vado no loco em questão, e assim utilizar
cultivar (piramidamento de genes R), po- Algumas características quantitativas, um teste estatístico para determinar se há
deria ser feita sem se testar uma mesma que mostram uma distribuição contínua em diferença entre os indivíduos das dife-
planta contra vários isolados do patógeno. uma população segregante, por vezes são rentes classes quanto à característica quan-
O mesmo raciocínio aplica-se para a intro- controladas, em grande proporção, por um titativa mensurada. Quando há diferença
dução de resistência a diferentes pató- número pequeno de locos. A análise ge- significativa, assume-se que um gene ou
genos em uma mesma cultivar. Marcadores nética utilizando marcadores moleculares genes que afetam tal característica estão
dispersos ao longo do genoma poderiam e mapas de ligação pode elucidar o número fisicamente ligados ao marcador utilizado
ser usados para selecionar contra o genoma e a localização desses locos que controlam para subdividir a população. A análise é
do progenitor doador (fonte de resistência), características quantitativas, denominadas repetida para todos os outros marcadores
reduzindo o número de retrocruzamentos quantitative trait loci (QTLs) (Tanksley, dispersos pelo genoma para identificar o
necessários para recompor o genoma do 1993). Se um pequeno número de QTLs maior número possível de QTLs. Como não
parental recorrente (cultivar comercial). (1-3) explicar grande parte da variância é possível determinar se o efeito é devido a
Utilizando marcadores que flanqueiam um fenotípica, a característica pode ser traba- um gene ou a genes ligados, o termo QTL
gene R, pode-se monitorar a recombina- lhada como se fosse qualitativa, utilizando designa uma região do cromossomo, defi-
ção nessas regiões e eliminar rápido e efi- seleção assistida por marcadores. nida pela ligação a um marcador molecular,
cientemente o DNA residual indesejável A análise de QTLs é realizada em po- que tem um efeito significativo sobre uma
associado ao gene (linkage drag). Estima- pulações segregantes (retrocruzamento, característica quantitativa (Tanksley, 1993).
se que utilizando esse procedimento con- F2/F3, RILs), derivadas de cruzamentos Estudos recentes demonstraram que a
siga-se, em duas gerações, uma quantidade controlados entre pais contrastantes para resistência quantitativa é devida, em grande
de DNA residual associada ao gene R tão a característica que se deseja estudar. São parte, a poucos QTLs (até cinco na maioria
pequena que só seria obtida após 100 ge- obtidos marcadores moleculares polimór- dos casos) de efeito pronunciado, contra-
rações de retrocruzamento convencional ficos entre os pais e segregantes na popu- riando a expectativa de muitos genes de
(Young & Tanksley, 1989). Com essas técni- lação estudada. O princípio básico da aná- pequeno efeito. Alguns desses QTLs são
cas, cultivares com genes R de especifi- lise é a partição da população em classes raça-específicos e outros não. Alguns ge-
cidades diferentes poderiam ser obtidas genotípicas para cada loco marcador (ho- nes identificados como participantes de um
mais rapidamente, podendo ser utilizadas mozigoto para o alelo do pai resistente, he- fenótipo de resistência quantitativa ma-
para a rotação de genes R e plantios de terozigoto, homozigoto para o alelo do pai peiam nas mesmas regiões que genes R de
misturas de cultivares ou multilinhas, que suscetível), com base no fenótipo obser- efeito maior anteriormente caracterizados,
são estratégias para a obtenção de resis-
tência durável a partir de genes R raça-
específicos.
A obtenção de marcadores muito pró- F2
ximos ao gene de resistência por meio de P1 P2 F1 R R R S R S R R R R R R R S R R R R R R S R
um mapeamento de alta resolução é também
o primeiro passo para a clonagem do gene
com base em mapeamento genético. Este
processo já foi realizado na Universidade
Federal de Viçosa (UFV) para o gene Sw-5
(Fig. 21), que confere resistência ao com-
plexo viral que causa o vira-cabeça-do-
tomateiro (Tomato spotted wilt virus,
TSWV; Groundnut ringspot virus, GRSV;
Chrysanthemum stem necrosis virus,
CSNV; e Tomato chlorotic spot virus,
TCSV) (Brommonschenkel et al., 1997), e Figura 21 - Detecção do gene Sw-5 por meio de ensaio com base em PCR
está sendo realizado para o gene de resis- NOTA: O DNA genômico foi extraído de plântulas, amplificado com um par de primers específico
tência à ferrugem do eucalipto (Puccinia para uma região ligada ao gene. Posteriormente, o produto da amplificação foi clivado
psidii), para o qual já se dispõe de marca- com uma enzima de restrição que revela polimorfismo genético entre plantas resistentes
e suscetíveis. P1 - Progenitor suscetível; P2 - Progenitor resistente; R - Plantas resistentes;
dores RAPD fortemente ligados (Junghans S - Plantas suscetíveis. Este ensaio permite a distinção de plantas resistentes homozigotas
et al., 1999). das heterozigotas.

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46 Biotecnologia

sugerindo que estes também podem atuar sem causar alterações significativas na de variedades resistentes, permitindo a
na resistência poligênica. A descoberta de composição genética da variedade co- incorporação de resistência de forma rápida
que poucos QTLs respondem pela maior mercial, o que pouparia grande quantidade naquelas cultivares que melhor atendem às
parte da resistência estimula a tentativa de tempo e trabalho . Pela transformação necessidades do mercado. Outro avanço
de transferir esses QTLs para variedades genética, é possível transferir genes de importante é a criação de especificidades,
suscetíveis, por meio de seleção assistida resistência mesmo entre espécies incom- pela utilização de genes de outras espécies
por marcadores ligados a esses QTLs ou, patíveis. A chance de sucesso é maior, de plantas, e de novos mecanismos de
no futuro, pela transformação de plantas quando as espécies envolvidas são taxo- defesa, a partir de genes da planta ou de
diretamente com os genes clonados de nomicamente próximas. Essa técnica é outros seres vivos, como bactérias, mamí-
maior efeito. O piramidamento desses ge- muito importante para doenças, para as feros e fitovírus, aumentando assim o arse-
nes pode levar a um controle efetivo da quais não há fontes de resistência dispo- nal à disposição do fitopatologista-melho-
doença, com amplo espectro de ação sobre níveis na própria espécie ou em espécies rista do futuro, para o controle de doenças
as diferentes raças do patógeno. compatíveis, o que impede o melhoramen- por meio de resistência genética.
Teoricamente, a seleção assistida por to convencional. Na UFV, o gene Sw-5,
marcadores é superior aos métodos con- originário de uma espécie não-domestica- PLANTAS TRANSGÊNICAS
vencionais, quando a fração da variância da de tomate (Lycopersicon peruvianum), RESISTENTES A VÍRUS:
aditiva explicada por eles supera a herda- foi introduzido com sucesso em fumo via RESISTÊNCIA DERIVADA
bilidade da característica. Essa técnica transformação genética (Fig. 22, p.64). As DO PATÓGENO
suplementará, mas não substituirá os mé- plantas transgênicas mostraram resistên- O fenômeno da proteção cruzada, co-
todos tradicionais, e será mais útil para cia a alguns isolados de Tospovirus que nhecido desde a década de 40, consiste na
características controladas por poucos lo- causam essa doença, mas não a outros indução de resistência em plantas a iso-
cos, cuja avaliação pelos métodos clás- (Brommonschenkel et al., 1998). Estão lados de uma determinada espécie de vírus,
sicos seja cara ou difícil, assim como para sendo conduzidos trabalhos para a incor- após infecção inicial por um isolado dessa
patógenos, é difícil estabelecer condições poração desse gene em alface, para a qual mesma espécie. Caso o isolado utilizado
de infecção uniformes para um screening não foram identificadas fontes de resis- para a indução de resistência seja atenuado,
preciso rotineiramente, mas que podem ser tência ao vira-cabeça. isto é, não provoque sintomas na planta
conseguidas em um experimento bem Além da transferência de genes entre infectada, a proteção cruzada pode ser
controlado para o mapeamento dos locos plantas, a transformação genética permite utilizada para se obterem plantas resis-
envolvidos (Mehlenbacher, 1995). que se utilizem genes de outros organismos tentes. Utilizada com sucesso para o con-
para tornar as plantas resistentes. Podem- trole do vírus da tristeza de Citrus, a
CLONAGEM DE GENES E se produzir, por exemplo, plantas trans- proteção cruzada prova que as plantas
TRANSFORMAÇÃO DE PLANTAS gênicas que expressem compostos antimi- possuem mecanismos de defesa contra o
Vários genes de resistência já foram crobianos que aumentem a sua resistência ataque de patógenos, que podem efetiva-
isolados e clonados a partir de cultivares a doenças, ou que expressem parte do ge- mente protegê-las, ou seja, torná-las resis-
comerciais de diversas espécies de plantas, noma de um fitovírus e passem a ser resis- tentes, caso sejam ativados antes do início
abrindo-se novas possibilidades para a tentes a este. Outra possibilidade é aumen- da infecção. Além disso, o fenômeno sugere
obtenção de plantas resistentes. Indepen- tar os mecanismos de defesa já presentes que, no caso das infecções virais, a presen-
dente da origem e do patógeno a que con- na própria planta, como, por exemplo, ça do vírus ou de uma de suas proteínas na
ferem resistência, a maioria dos genes R produzindo plantas transgênicas que apre- célula hospedeira é suficiente para ativar
clonados apresenta domínios comuns, sentem resistência sistêmica adquirida de os mecanismos de defesa da planta. Assim,
possivelmente envolvidos no reconhe- forma constitutiva ou que produzam maior sugeriu-se que, caso uma proteína viral fos-
cimento de elicitores do patógeno e de uma quantidade de fitoalexinas (Michelmore, se expressa constitutivamente na planta,
cascata de sinais que levará à ativação de 1995, Baulcombe, 1996, Swords et al., 1997 seria possível induzir resistência ao vírus.
genes de defesa, caracterizando a resposta e Jung & Wyss, 1999). Essa estratégia, proposta no início da dé-
resistente (Hammond-Kosack & Jones, Apesar de todas as possibilidades cria- cada de 80 e denominada “resistência de-
1997). A transformação de uma variedade das pelas técnicas de Biologia molecular rivada do patógeno” (RDP), evitaria os ris-
comercial suscetível diretamente com um para se obter resistência de plantas a doen- cos associados à proteção cruzada, na qual
gene R clonado pode ser feita por meio da ças, provavelmente nenhuma delas con- a estirpe atenuada efetivamente infecta de
bactéria Agrobacterium tumefaciens, a duzirá à obtenção de uma resistência eterna, forma sistêmica a planta. Com isso não
qual é capaz de incorporar um DNA exóge- sem risco de ser superada pelo patógeno. ocorreria replicação viral ou produção de
no ao genoma da planta. Poder-se-ia des- A grande vantagem dessas técnicas é qualquer outra proteína viral na planta
sa forma introduzir os genes de resistência reduzir o tempo necessário para a criação transgênica (Sanford & Johnston, 1985).
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Biotecnologia 47

Com o desenvolvimento das técnicas do acúmulo de proteína no citoplasma portanto, conseqüência da especificidade
de clonagem molecular de genomas virais (Reimann-Philipp & Beachy, 1993). A con- do mecanismo celular de SGPT. Como esse
e transformação genética de plantas, a centração elevada de proteína impede que mecanismo é altamente eficiente, a con-
utilização da RDP tornou-se realidade. O o RNA viral seja exposto para tradução pe- centração do inóculo viral não influencia
primeiro exemplo prático foi a produção de los ribossomos. A exposição do RNA (de- no grau de proteção, que é geralmente abso-
plantas de fumo resistentes ao vírus do sencapsidação) é um processo que ocorre luto (imunidade).
mosaico (TMV), em 1986 (Powell-Abel et espontaneamente nas células do hospe- Embora a natureza do mecanismo de
al., 1986). Essas plantas, que expressavam deiro, devido ao pH e à concentração de SGPT ainda não seja totalmente compreen-
a proteína capsidial do vírus, apresentavam cálcio no citoplasma. A proteína transgê- dida, a forma pela qual a célula discrimina
um atraso de até 45 dias no surgimento de nica desloca o equilíbrio da reação de de- os mRNAs foi recentemente determina-
sintomas, após inoculação com o TMV. sencapsidação, fazendo com que a grande da por Hamilton & Baulcombe (1999). Pe-
Inúmeros relatos de RDP vêm surgindo maioria das partículas virais permaneça quenos RNAs complementares ao mRNA,
na literatura desde o relato inicial para o intacta no citoplasma e impeça que o vírus ou seja, RNAs anti-senso (asRNAs) são
TMV. Além da proteína capsidial, outras inicie o ciclo de infecção. Desse efeito produzidos em plantas, apresentando
proteínas virais vêm sendo utilizadas, resultam as características desse tipo de SGPT. Devido ao seu pequeno tamanho,
como replicases, proteases e proteína de resistência. Como uma pequena fração das esses asRNAs podem ser transportados
movimento (Fitchen & Beachy, 1993). Em partículas virais será desencapsidada, a célula-a-célula e a longa distância na planta,
alguns casos, a expressão de proteínas infecção ocorrerá, embora a uma taxa me- sendo assim a molécula responsável pelo
virais levou ao surgimento de sintomas de nor, o que leva ao atraso no surgimento transporte sistêmico do sinal de SGPT.
infecção viral nas plantas transgênicas, dos sintomas típicos desses casos. A re- Esses asRNAs podem ser a causa (por meio
indicando que ela é um fator de patoge- sistência pode ser quebrada por altas da produção de RNA de fita dupla) ou o
nicidade. Nesses casos, que incluem prin- concentrações de inóculo, que levam a um efeito (por meio da degradação desse RNA
cipalmente as proteínas de movimento maior número de moléculas de RNA viral de fita dupla) do SGPT.
célula-a-célula dos fitovírus, formas mu- expostas para tradução. Finalmente, a No Quadro 1, são apresentados os re-
tantes das proteínas vêm sendo utilizadas especificidade da resistência é menor, pois latos de RDP existentes na literatura para
para a indução de RDP. proteínas capsidiais pertencentes a dife- vírus pertencentes à família Potyviridae.
Está claro que não existe apenas um rentes estirpes de vírus ou, em alguns ca- Apesar dos inúmeros relatos de RDP
mecanismo responsável pela RDP, pois sos, a diferentes espécies podem associar- existentes na literatura, apenas dois casos
esta pode ser obtida em plantas que não se para formar o capsídeo de partículas vêm sendo aplicados em nível comer-
expressam proteína, mas apenas o RNA virais (um fenômeno comumente deno- cial. Desde 1996, plantas de abobrinha
mensageiro transgênico. Neste caso de re- minado transcapsidação). (Cucurbita pepo), expressando os genes
sistência derivada de RNA, o nível de Por outro lado, o estudo da resistência das proteínas capsidiais de três fitovírus
proteção obtido tende a ser próximo à derivada de RNA demonstrou que as (ZYMV, WMV-2 e CMV), vêm sendo cul-
imunidade, e a planta se torna resistente plantas possuem um sistema interno de de- tivadas nos Estados Unidos (Tricoli et al.,
mesmo quando a concentração de inóculo gradação de mRNA, que é ativado sempre 1995). Essas plantas são praticamente
é elevada, mas o grau de especificidade da que um determinado mRNA (endógeno ou imunes à infecção por esses três vírus. Des-
resistência é maior, ou seja, a planta é pro- transgênico) atinge um nível excessivo no de 1998, plantas de mamoeiro (Carica
tegida apenas contra estirpes virtualmente citoplasma da célula. Esse sistema foi papaya) resistentes ao vírus da mancha-
idênticas àquela da qual o transgene foi denominado “silenciamento gênico pós- anelar (PRSV-P), também devido à expres-
obtido. Já nos casos em que a resistência é transcricional” (SGPT) (Baulcombe, 1996). são do gene da proteína capsidial, vêm
conseqüência da presença de proteína, o O SGPT é altamente específico, o que sendo cultivadas no Havaí (EUA) (Lius et
nível de proteção é menor e, ela pode ser protege os outros mRNAs celulares. Dessa al., 1997). Até hoje inexistem relatos de
quebrada, quando a concentração de forma, caso o transgene derivado do vírus quebra de resistência.
inóculo é elevada, mas o espectro de ação ultrapasse esse nível limite, o mecanismo
é maior. Existem, inclusive, relatos de de SGPT será ativado, levando à destruição DIAGNOSE MOLECULAR
proteção contra mais de uma espécie de do mRNA transgênico. Quando o vírus DE FITOVÍRUS E
vírus em plantas transgênicas, que expres- penetra na célula, seu RNA também será OUTROS FITOPATÓGENOS
sam o gene derivado de uma única espécie degradado, pois possui seqüência de nu- A diagnose de fitopatógenos é reali-
viral. cleotídeos idêntica ou muito semelhante zada por meio de uma série de técnicas,
No caso da expressão da proteína capsi- à do transgene, sendo reconhecido pelo envolvendo identificação de estruturas do
dial do TMV em plantas de fumo, com- sistema celular de degradação. A especi- patógeno em tecido infectado, isolamento
provou-se que a resistência é resultado ficidade da resistência derivada de RNA é, e cultivo em meio de cultura, testes bio-

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48 Biotecnologia

QUADRO 1 - Plantas transgênicas resistentes a Potyvírus por meio da expressão de genes virais relação à diagnose, os métodos com base
Espécie de planta Espécie viral Proteína viral na hibridização molecular têm importância
fundamental para os patógenos consti-
Cucurbita pepo (abóbora) e tuídos apenas por ácidos nucléicos, como
Cucumis melo (melão) ZYMV e WMV-2 CP os viróides, e as estirpes defectivas de
C. melo ZYMV, WMV-2 e CMV CP vírus, nas quais não ocorre formação de
capsídeo (Salazar & Querci, 1992).
C. pepo ZYMV e WMV-2 CP
A hibridização é uma técnica altamente
Carica papaya (mamão) PSRV-P CP
específica e precisa, que possibilita a de-
Gladiolus sp. (gladíolo) BYMV CP e AS-CP
tecção de concentrações baixas do ácido
Lactuca sativa (alface) LMV CP nucléico no extrato da planta. Baseia-se na
Nicotiana benthamiana PStV CP com ou sem ATG clonagem de uma seqüência específica do
N. benthamiana LMV (resistência ao PVY) CP ácido nucléico do patógeno (sonda). A
N. benthamiana PPV Nib especificidade é determinada pelo tamanho
N. benthamiana PPV CI e pela seqüência de nucleotídeos da sonda.
N. benthamiana PPV P1 O ácido nucléico (fita simples) que se quer
detectar deve ser então imobilizado em um
N. benthamiana VNV CP
suporte sólido (membrana de nitrocelulose
Nicotiana tabacum (fumo) TEV Nia
ou náilon), para que hibridize com a sonda
N. tabacum PRSV-P CP
utilizada para a detecção (Fig. 23, p.64). As
N. tabacum TVMV CP condições de hibridização podem ser
N. tabacum TEV 6K/VPg ajustadas, variando-se a temperatura e/ou
n
N. tabacum PVY CP a concentração de componentes da solu-
Prunus domestica (ameixa) PPV CP ção, de forma que a sonda hibridize apenas
P. domestica PRSV-P (resistência ao PPV) CP com um ácido nucléico de alta homologia
Solanum tuberosum (batata) PVY CP (>90%), ou seja capaz de formar híbridos
estáveis também com moléculas de menor
FONTE: Zerbini & Maciel-Zambolim (no prelo). homologia (>70%), caracterizando alta ou
baixa especificidade, respectivamente. Essa
químicos para identificação de bactérias e dições apropriadas (Ausubel et al., 1991). consideração é crítica, já que a quantidade
uso de sorologia, principalmente para vírus Estas técnicas tornaram-se realidade com de hibridização observada entre organis-
e também para bactérias (Grogan, 1981). A o advento da tecnologia de DNA recom- mos relacionados pode ser controlada
diagnose molecular vem sendo utilizada binante, que possibilitou a produção de pelas condições do teste (Gilbertson et al.,
principalmente em virologia, devido às sondas de ácido nucléico com especifi- 1991).
dificuldades de identificação de diversos cidade suficiente para uso em larga escala. Para o preparo da sonda, faz-se a clo-
fitovírus por meio de testes biológicos Estas sondas (clones obtidos a partir do nagem de um ou mais fragmentos do ge-
ou sorológicos (Miller & Martin, 1988 e genoma do patógeno ou oligonucleotí- noma do patógeno em plasmídeos. O
Sequeira, 1992). Entretanto, os testes mo- deos, cuja seqüência tem como base a fragmento de DNA do patógeno é freqüen-
leculares mais difundidos para a diagnose seqüência do genoma do patógeno) são temente produzido por PCR ou RT-PCR.
de fitoviroses podem ser aplicados para facilmente obtidas no caso de fitovírus, e Para que o DNA clonado seja utilizado como
outros fitopatógenos, nos casos em que a podem ser armazenadas por tempo inde- sonda é necessário marcá-lo, utilizando-se
diagnose por métodos convencionais não terminado na forma de uma cultura bacte- para isto isótopos radioativos (o mais
seja capaz de produzir os resultados ne- riana. Uma das principais vantagens das comum é o fósforo 32) ou compostos não-
cessários (Batista, 1993). A seguir, serão técnicas moleculares em relação à sorolo- radioativos como digoxigenina, biotina e
comentadas as principais técnicas de diag- gia é a facilidade de produção das sondas, fluoresceína (Harper & Creamer, 1995). Os
nose molecular empregadas atualmente. comparada à produção de anti-soro. métodos de marcação mais utilizados são
A técnica de hibridização tem sido denominados nick-translation e random
Hibridização de ácidos empregada para detecção de vírus huma- priming (Sambrook et al., 1989 e Ausubel
nucléicos nos, microorganismos contaminantes de et al., 1991).
Técnica com base na habilidade de uma alimentos e, a partir de 1981, para detecção No método de nick-translation, o
fita simples de ácido nucléico em hibridi- de vírus vegetais (Owens & Diener, 1981, plasmídeo contendo a sonda é incubado
zar com uma fita complementar sob con- Hull, 1986 e Karjalainen et al., 1987). Com na presença das enzimas DNase e DNA

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Biotecnologia 49

polimerase e dos quatro nucleotídeos uti- guida por um tipo de ELISA (teste soro- PCR tem diversas vantagens sobre outros
lizados na síntese do DNA (dATP, dCTP, lógico). A sonda contendo nucleotídeos métodos como hibridização ou ELISA, por
dGTP e dTTP, sendo um dos quatro mar- marcados com biotina é detectada com o utilizar uma pequena quantidade de amos-
cados). A DNase introduz cortes na fita de uso de avidina ou estreptoavidina, seguido tras de tecido, permitir a detecção do pató-
DNA (nicks), que são reparados pela DNA de um anticorpo específico para a avidina, geno em baixíssimas concentrações e em
polimerase. Durante o reparo, os nucleo- conjugado a uma enzima (por exemplo, amostras estocadas por longo período, e
tídeos marcados são incorporados à fita fosfatase alcalina). A detecção é feita com por permitir, além da detecção, uma carac-
de DNA, gerando a sonda marcada. Essa a quebra do substrato da enzima. Nucleo- terização suplementar do patógeno, ou
técnica é simples e rápida, entretanto o nível tídeos marcados com digoxigenina e fluo- mesmo a clonagem completa de genomas
total de marcação incorporado às sondas é resceína são detectados por anticorpos virais para estudos de infectividade.
relativamente baixo. antidigoxigenina e antifluoresceína, res- Uma reação de PCR é composta por
No método de random priming, uti- pectivamente, conjugados à fosfatase ciclos repetitivos, e no final de n ciclos, a
lizam-se hexanucleotídeos (primers) de alcalina. reação contém um máximo de 2n moléculas
seqüência aleatória (random). A fita dupla de fita dupla de DNA para cada molécula
do plasmídeo contendo a sonda é desna- Reação em cadeia de inicialmente presente na amostra, que são
turada e os hexanucleotídeos alinham-se polimerase (PCR) cópias da seqüência de DNA entre os
ao DNA nas regiões em que ocorre parea- É uma técnica bastante simples, versátil oligonucleotídeos (Fig. 24, p.64) (Watson,
mento de bases. Em seguida, os quatro e de ampla aplicação, desenvolvida por 1992). Cada ciclo é composto por três pas-
nucleotídeos (um deles marcado) e a DNA Kary Mullis em 1980, que revolucionou a sos (Fig. 24, p.64):
polimerase são adicionados à reação. A genética molecular através da possibili- a) desnaturação das fitas duplas de
DNA polimerase sintetiza uma fita com- dade de produzir um grande número de DNA, a 94o-95oC por 30s a 1min;
plementar, utilizando os hexanucleotídeos cópias de uma seqüência específica do
e os nucleotídeos marcados. Assim, uma b) alinhamento dos oligonucleotídeos
DNA, facilitando o estudo e a análise dos
quantidade muito maior de nucleotídeos com o DNA, a 37-60oC por 1-2min (o
genes (Mullis, 1990). A técnica com base
marcados é incorporada à fita de DNA, tempo e a temperatura de anelamento
na amplificação, em progressão geométrica,
gerando uma sonda com maior atividade são dependentes da composição de
da seqüência de interesse do DNA é limi-
específica. bases, tamanho dos oligonucleo-
tada por dois oligonucleotídeos (primers)
De modo geral, um teste de hibridização tídeos, da sua homologia com o DNA
e apresenta uma sensibilidade muito supe-
segue os seguintes passos: que se pretende amplificar e sua
rior a qualquer outra (Henson & French,
concentração, condições que influ-
a) preparo dos extratos vegetais; 1993 e Hu et al., 1995). Os principais obstá-
enciam o nível de especificidade do
culos para o seu uso em larga escala são a
b) adição dos extratos à membrana e teste);
alta freqüência de falsos positivos, devido
fixação pelo calor ou luz ultravioleta; c) extensão das cadeias de DNA, a 72oC
a contaminações de reagentes e pipetas, e
c) adição da sonda, contendo também à sensibilidade da enzima utilizada nas por 30s a 5min, dependendo do ta-
uma fonte de DNA não-específica reações à presença de substâncias inibi- manho do fragmento a ser amplifi-
(normalmente tRNA de levedura, es- doras em certos extratos vegetais. A fim de cado (ação da DNA polimerase; um
perma de salmão ou DNA de timo de comprovar o resultado obtido, é funda- tempo de extensão muito longo deve
bovino) para bloquear sítios livres mental que se inclua um controle negativo, ser evitado, já que a enzima, tendo
na membrana, evitando que a própria ou seja, uma amostra contendo todos os terminado a extensão da seqüência
sonda se ligue à membrana; reagentes, exceto o DNA molde, para se desejada, irá concentrar-se em oli-
d) incubação (hibridização propria- ter certeza de que nenhum reagente está gonucleotídeos pareados indevida-
mente dita); contaminado, e um controle positivo, para mente).
assegurar que a amplificação não está Os componentes básicos de uma rea-
e) lavagens para remoção do excesso
sendo inibida por compostos presentes no ção de PCR são os dois oligonucleotídeos,
de sonda;
extrato vegetal (Kwok & Higuchi, 1989). que marcarão os pontos iniciais para sín-
f) exposição da membrana a um filme Eiras et al. (1998) relatam que de 1990 tese de DNA (o tamanho do oligonu-
de raios X. até 1998, 77 espécies de vírus de plantas cleotídeo, normalmente com 15 a 25 bases,
No caso de sondas não-radioativas, dentro de 29 gêneros e 8 famílias já foram deve ser suficiente para que não haja anela-
uma etapa adicional é a incubação com a detectadas por PCR. Embora os reagentes mento aleatório em regiões do DNA que
substância que se liga à sonda, permitindo para PCR tenham um custo relativamente não sejam a seqüência-alvo), a enzima DNA
a visualização da reação. É interessante alto, o que inviabiliza o seu uso com um polimerase (a mais comum é a Taq DNA
notar que, nesse caso, a hibridização é se- grande número de amostras, a técnica de polimerase), os quatro desoxinucleotídeos

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50 Biotecnologia

e a fita molde que se deseja amplificar. A utilizando-se protocolos variados, de acor- estatística. Através dela calcula-se a pro-
reação deve ser feita na presença de um do com a planta de interesse e a necessi- babilidade de mutações no genoma, que
tampão que propicia condições para a en- dade de eliminação de compostos inibi- gera variabilidade na seqüência de nucleo-
zima atuar. A concentração de MgCl2 é dores da DNA polimerase presentes nesta. tídeos, se esta ocorrer ao acaso e tornar-se
crítica, devendo ser ajustada de acordo No caso de fitovírus com genoma composto fixa na população (Li, 1997). De forma
com as condições do teste. de RNA, um passo anterior é a reação de intuitiva, pode-se perceber que mutações
A seqüência dos oligonucleotídeos transcriptase reversa (RT), que sintetiza o que conferem vantagem a um organismo
baseia-se naquela que se deseja amplificar DNA complementar a partir da fita de RNA tendem a fixar-se mais rapidamente, en-
e é a responsável pela especificidade da viral, constituindo-se no único substrato quanto aquelas que conferem desvantagem
reação. Por exemplo, caso a seqüência dos utilizado pelas DNA polimerases termo- tendem a desaparecer. Mutações neutras,
oligonucleotídeos corresponda a regiões estáveis. Nesses casos, é comum referir-se no entanto, podem fixar-se na população
altamente conservadas do genoma do como RT-PCR ao invés de PCR. ou desaparecer ao longo do tempo. Quando
patógeno, fragmentos de diferentes estir- A técnica de PCR pode também ser se comparam diferentes seqüências de
pes ou mesmo espécies poderão ser ampli- utilizada em conjunto com outras, para nucleotídeos, devem ser levados em con-
ficados. Ao contrário, caso a seqüência investigar a diversidade genética de pa- sideração o número de mutações, a fre-
dos oligonucleotídeos corresponda a re- tógenos oriundos de diferentes regiões qüência em que ocorrem em uma deter-
giões variáveis do genoma, apenas a raça geográficas, a fim de gerar informações para minada posição da seqüência e o tipo de
ou estirpe que deu origem aos oligonu- programas de melhoramento genético, mutação (substituição, deleção ou dupli-
cleotídeos terá o fragmento amplificado. estudos epidemiológicos ou para o desen- cação de seqüências).
Além disso, oligonucleotídeos universais volvimento de variedades resistentes. Pode A análise filogenética vem sendo usada
podem ser desenhados com base em ali- também ser utilizada na quantificação de com freqüência em estudos de taxonomia
nhamentos de diversas estirpes ou isola- patógenos em tecidos vegetais (também de bactérias e vírus. Para bactérias, é comum
dos do patógeno, e que ampliem a região chamada de PCR quantitativo), para clo- o uso da seqüência do RNA ribossômico
correspondente de qualquer uma dessas nagem de fragmentos de genomas, seqüen- 16S, cujo nível de variabilidade reflete o
estirpes ou espécies (Langeveld et al., 1991 ciamento genético, preparação de sondas verdadeiro grau de relacionamento entre
e Rojas et al., 1993). moleculares, estudos de movimentação de diferentes gêneros e espécies. Para fito-
Os produtos da PCR podem ser obser- fitovírus e de sua replicação na célula vírus, devido ao pequeno tamanho de seus
vados diretamente em gel de agarose cora- hospedeira, estudos de interação planta- genomas, é freqüente o uso das seqüências
do com brometo de etídeo sob luz ultra- patógeno, classificação de patógenos, completas do genoma viral. Entretanto,
violeta, o que é uma vantagem nos casos monitoramento da infecção e colonização o uso da seqüência do gene da proteína
de diagnose, já que permite uma avaliação de plantas, estudos da expressão gênica capsidial é mais comum.
rápida e fácil de um grande número de durante a infecção da planta e para estudos A taxonomia molecular vem adquirindo
amostras. da evolução do relacionamento entre orga- grande relevância nos últimos anos. Para
A Figura 25 (p.65) ilustra o uso da PCR nismos. bactérias e vírus, organismos para os quais
na identificação de fitovírus infectando características morfológicas praticamente
cucurbitáceas (Richards, 1998). Nessas TAXONOMIA MOLECULAR não possuem valores taxonômicos em nível
culturas, é comum a ocorrência simultânea O advento das técnicas de DNA recom- de espécie, a análise filogenética possui
de mais de um vírus (infecção mista), o que binante tornou possível e até mesmo trivial um valor incalculável, e diversos problemas
praticamente impossibilita a diagnose com a determinação da seqüência de nucleo- taxonômicos vêm sendo resolvidos graças
base em sintomas. Além disso, três dos tídeos de genomas de diversos organis- à sua utilização. De fato, para certas famílias
vírus mais comumente encontrados são mos, incluindo fitopatógenos como fungos, de fitovírus, a análise filogenética é o prin-
Potyvirus, o que dificulta o uso de soro- bactérias, vírus e nematóides. Uma vez de- cipal critério utilizado na definição de novas
logia, devido às freqüentes reações cru- terminada a seqüência de fragmentos do espécies, aliado às propriedades bioló-
zadas entre os anti-soros. Utilizando-se genoma de diversos organismos, ela pode gicas do fitovírus.
PCR com oligonucleotídeos específicos ser comparada com o objetivo de estabe- A Figura 26 ilustra o uso da análise filo-
para cada vírus, fragmentos de tamanhos lecer o relacionamento taxonômico entre genética na determinação do relacionamen-
distintos são amplificados, diferenciando esses organismos, o que é comumente de- to taxonômico entre fitovírus (Santana et
claramente os vírus e permitindo a diagnose nominado análise filogenética. Esse tipo al., 1999). Diferentes isolados brasileiros de
rápida e precisa tanto nos casos de infec- de análise baseia-se no grau de homolo- Potyvirus causadores do endurecimento
ções simples quanto mistas. gia de seqüência para estabelecer o nível dos frutos do maracujazeiro tiveram a se-
As amostras a ser submetidas à reação de relacionamento entre diferentes se- qüência do gene da proteína capsidial de-
de PCR geralmente são preparadas por meio qüências. terminada. Essas seqüências foram com-
da extração de ácidos nucléicos totais, A análise filogenética é essencialmente paradas com aquelas de outras espécies

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Biotecnologia 51

de expressão de genes cujos produtos


35
BA1 atuam na degradação de proteínas e ácidos
29
55
PA1A nucléicos do patógeno, e na reação de
54
PE hipersensibilidade, a morte celular rápida
82
97 MG e localizada característica da reação de
BA2 resistência observada em diversos patos-
24 SP1 sistemas. Ao mesmo tempo, diversos pató-
100 PA1B
genos desenvolveram a capacidade de
86
SP2
inibir ou retardar essa resposta de defesa.
A biotecnologia deve permitir avanços
SAPV
CABMV-MOG notáveis no estudo dessas interações.
44
CABMV-UK
Atualmente, a biotecnologia deve ser enca-
71
99
CABMV-MO
rada pelo fitopatologista não como um fim
ES
em si mesma, mas principalmente como uma
89 ferramenta poderosa capaz de beneficiar
SEMV
100
virtualmente todas as áreas da Biologia.
CABMV-ZI
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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dos frutos do maracujazeiro, e de outros Potyvirus. Observa-se que todos os Map-based cloning of the tomato genomic
isolados brasileiros, exceto ES, se agrupam em um mesmo ramo. Esse ramo, region that spans the Sw-5 tospovirus resis-
por sua vez, está agrupado com os isolados de CABMV, SeMV e SAPV. Os tance gene in tomato. Molecular and Ge-
isolados de PWV formam um ramo completamente distinto. neral Genetics, New York, v.256, p.121-
126, 1997.
BROMMONSCHENCKEL, S.H.; TANKSLEY,
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(PWV) e Cowpea aphid-borne mosaic virus of the tospovirus resistance gene Sw-5. In:
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monstrou que os isolados brasileiros agru- moleculares de detecção e identificação de Proceedings... Edinburgh: International
pam-se com isolados de CABMV e, por- fitopatógenos já é rotina nos principais Society of Plant Pathology, 1998.
tanto, estão mais relacionados com essa centros de pesquisa em nosso país. A pro- EIRAS, M.; RESENDE, R. de O.; ÁVILA, A. C. de.
espécie do que ao PWV. Entretanto, devido dução de plantas transgênicas resistentes Detecção de vírus de plantas através de reação
a diferenças nas propriedades biológicas em cadeia da polimerase. Fitopatologia Bra-
também é uma realidade. No futuro, a sileira, v.23, n.1, p.5-17, mar. 1998.
desses isolados (que não infectam Vigna biotecnologia deve continuar desempe-
FITCHEN, J.H.; BEACHY, R.N. Genetically
unguiculata) e os isolados de CABMV nhando papel de destaque na pesquisa em engineered protection against viruses in
(que infectam esse hospedeiro), os isolados doenças de plantas. Uma área em particular transgenic plants. Annual Review of Micro-
brasileiros devem ser classificados como deverá ser o estudo da interação molecu- biology, Palo Alto, v.47, p.739-763, 1993.
uma espécie distinta de Potyvirus. Esse lar patógeno-hospedeiro, que é de grande GEIGER, H. H.; HEUN, M. Genetics of quan-
tipo de estudo é de fundamental impor- interesse devido às implicações para o titative resistance to fungal diseases. Annual
Review of Phytopathology, v.27, p.317-
tância em programas de melhoramento controle. Sabe-se hoje que as plantas 341, 1989.
genético, quer utilizando a resistência na- respondem à infecção por fungos, bactérias GILBERTSON, R. L.; HIDAYAT, S. H.;
tural do hospedeiro, quer utilizando a re- e vírus por meio de uma resposta de defesa MARTINEZ, R. T.; LEONG, S. A.; FARIA,
sistência derivada do patógeno. altamente complexa, envolvendo a indução J. C.; MORALES, F. J.; MAXWELL, D. P.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.43-52, maio/jun. 2000


52 Biotecnologia

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Biotecnologia 53

Biotecnologia e microorganismos
aplicados à agroindústria
Pedro Braga Arcuri 1
Edna Froeder Arcuri 2

Resumo - A biotecnologia moderna, através de algumas técnicas de Biologia molecular,


a saber Engenharia genética (clonagem), uso de plasmídeos de Agrobacterium sp.,
reação em cadeia da polimerase (PCR), hibridização de ácidos nucléicos e filogenia
molecular, tem sido aplicada em áreas da agroindústria. Dessa forma, serão demons-
trados exemplos dessa aplicação em três campos distintos que envolvem bactérias:
culturas lácticas para a fabricação de derivados do leite, ecologia microbiana ruminal
e fixação biológica de nitrogênio. Com isso, faz-se necessária a regulamentação da
liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente através do
controle governamental, com referência ao órgão brasileiro responsável, a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Palavras-chave: Engenharia genética; Biologia molecular; Bactérias láticas; Microbiota
ruminal; Fixação de nitrogênio; Biossegurança.

INTRODUÇÃO QUADRO 1 - Alguns marcos históricos do desenvolvimento da biotecnologia de alimentos

Por biotecnologia entende-se qualquer Data Processo/Produto/Invenção Região ou país


tecnologia que explore as atividades bio-
químicas de organismos vivos ou seus pro- 3500-3000 AC Massa azeda de pão Suíça
dutos (por exemplo, enzimas isoladas). O
~3300 AC Massa azeda de pão Mesopotâmia, Egito
termo biotecnologia foi primeiramente de-
finido por Karl Ereky, no final da Segunda A partir de 3000 AC Cerveja e alimentos com fermentação Suméria, Babilônia,
Guerra Mundial, referindo-se a métodos lática (leite, carne, peixes, vegetais, Costa Mediterrânea
intensivos de agricultura. Desde então, vá- cereais)
rias definições foram sugeridas, associando ~1500 AC Vinho Costa Mediterrânea
biotecnologia principalmente ao uso de mi-
croorganismos na fabricação de produtos ~início da idade Cristã Vinagre de vinho Costa Mediterrânea
de valor comercial, como alimentos, aditivos Idade Média (séc. XIV) Vinagre de vinho industrial França
para a indústria de alimentos, medicamen-
1780 Caracterização química do ácido lático Suécia
tos etc. Assim, a produção de antibióticos,
de leite fermentado
por um lado, e a produção de cervejas e ou-
tras bebidas fermentadas, por outro, estão 1818 Descrição das propriedades fermentativas Alemanha
entre os processos biotecnológicos indus- de fermentos
triais estabelecidos há longo tempo. Em
1857 Descrição da fermentação lática (Louis França
relação à produção de alimentos, a bio-
Pasteur)
tecnologia é de conhecimento milenar na
produção de fermentados (Quadro 1), mas 1873 Primeira cultura bacteriana pura: Bacterium Reino Unido
foi somente no século XIX que Louis Pasteur lactis (Lactococcus lactis)
identificou microorganismos (bactérias e 1881 Produção microbiológica industrial de Dinamarca e Alemanha
leveduras) como sendo os agentes causa- ácido lático
dores das fermentações. Porém, com o de-
senvolvimento do conhecimento em Biolo- 1890 Isolamento e cultivo dos primeiros starters Dinamarca e Alemanha
gia molecular e genética, incluindo o domínio para queijo e coalhada
das técnicas laboratoriais de transferência FONTE: Holzapfel (1997).

1
Engo Agro, Ph.D., Pesq. EMBRAPA Gado de Leite, CEP.36038-330. Juiz de Fora-MG. E-mail: pbal@cnpgl.embrapa.br
2
Enga Alimentos, Ph.D., Pesq./Profa EPAMIG - CT/ILCT, CEP 36045-560 Juiz de Fora-MG. E-mail: efa3@hotmail.com.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.53-62, maio/jun. 2000


54 Biotecnologia

de genes de um organismo para outro, de algumas técnicas utilizadas em trabalhos ciados e A. rhizogenes, responsável pela
espécie diferente (Woese, 1994), o potencial envolvendo microorganismos, seja como hipertrofia maligna de raízes, a partir de
da biotecnologia foi grandemente expandi- ferramentas ou como objeto final de mani- tecido radicular danificado (Zupan &
do. A estas técnicas mais recentes a Asso- pulação. Zambryski, 1995). Ambos os tipos de tu-
ciação Brasileira de Empresas de Biotecno- mores continuam a crescer na ausência de
logia (Abrabio) convencionou denominar Engenharia genética: células de Agrobacterium, indicando a pos-
Biotecnologia Moderna, como sinônimo de clonagem de genes e sibilidade de a informação genética ser
“modificação genética”. Assim, uma defi- transformação de células transmitida e estabelecida no tecido in-
nição atual para biotecnologia seria “qual- hospedeiras fectado via plasmídeos. Foram identifi-
quer técnica ou processo que utilize um A Engenharia genética é um termo cados dois plasmídeos, tumor induction
organismo vivo, geneticamente modificado genérico para procedimentos laboratoriais (Ti) e root induction (Ri), responsáveis pelo
ou não, para sintetizar um produto útil, ou que resultam em uma alteração direta e aparecimento das respectivas hipertrofias
realizar uma reação química desejável”. A predeterminada do genótipo de um orga- descritas anteriormente (Hooykaas & Bei-
fim de utilizar um termo comum na litera- nismo. Nesta técnica, genes e seqüências jersbergen, 1994). Estes plasmídeos pas-
tura científica mundial, tais técnicas serão de DNA são isolados, purificados e em saram a ser utilizados como ferramentas
doravante denominadas “técnicas de Bio- seguida manipulados in vitro por procedi- para a introdução de genes exógenos em
logia molecular”. mentos de clonagem do DNA. As molé- plantas, sendo então vetores, a partir de
A Biologia molecular teve início na dé- culas de DNA recombinante geradas desta um segmento denominado T-DNA (Lipp-
cada de 30 e mesmo quando, nos anos 50, maneira carregam novas combinações de Nissinen, 1993). Em resumo, promove-se a
ocorreram avanços significativos no co- seqüências de DNA que, por sua vez, foram introdução de genes de interesse para a
nhecimento, sua aplicabilidade prática era desenhadas de modo que possam ser in- planta-hospedeira acoplados a genes mar-
mínima. As aplicações práticas começaram troduzidas e expressas numa célula “hos- cadores, por exemplo, genes para resistên-
a surgir com avanços nos conhecimentos pedeira”. Portanto, a seqüência de DNA cia a antibióticos (Sheng-Jin et al., 1996),
da genética, no funcionamento da célula, introduzida poderá vir a controlar a síntese necessários para a identificação de eventos
nos mecanismos moleculares de controle de uma proteína que de outra forma não bem-sucedidos da transferência genética
das atividades metabólicas, assim como nas seria produzida por aquela célula. Na En- ainda nos estádios iniciais do processo.
estruturas moleculares de macromoléculas, genharia genética, endonucleases de res- Esta técnica vem causando avanços enor-
tais como o DNA e proteínas. Atualmente, trição e DNA ligases são enzimas usadas mes na Engenharia genética de plantas,
a Biologia molecular tem obtido destaque na construção de moléculas de DNA re- cujos exemplos mais conhecidos são varie-
na imprensa e em debates, envolvendo di- combinante, no qual o gene ou fragmento dades comerciais resistentes a herbicidas
versos setores da sociedade, devido, por (seqüência) de DNA de interesse é ligado (Zambryski, 1992). Por exemplo, o herbicida
um lado, às vantagens comparativas e, por a um DNA vetor (plasmídeo, bacteriófago glifosato é letal para plantas por inibir uma
outro, aos riscos potenciais de organismos etc.). A função deste DNA vetor é permi- enzima necessária para a síntese de ami-
transgênicos, especialmente na agricultura. tir a introdução do gene exógeno na célula noácidos aromáticos. Ocorre que foram
O objetivo deste trabalho é apresen- hospedeira. descritas na literatura cepas de bactérias
tar uma visão sumarizada de algumas das gram-negativas do gênero Salmonella,
técnicas de Biologia molecular mais uti- Uso de plasmídeos de resistentes ao glifosato. Tais bactérias fo-
lizadas atualmente, bem como descrever Agrobacterium sp. em ram isoladas e os genes de resistência ao
brevemente o potencial de algumas destas Biologia molecular glifosato foram transferidos para plantas
técnicas em áreas da agroindústria perti- (via transformação genética, por exemplo,
Plasmídeos são estruturas extracro-
nentes ao uso de microorganismos, com para soja) (Padgette et al., 1996), usando-
mossomais de reprodução autônoma, re-
exemplos em que bactérias são utilizadas. se o plasmídeo Ti como veículo, o que torna
Dado o largo espectro da utilização de vá- presentados como pequenos círculos. Gran-
de parte dos plasmídeos conhecidos é aquelas plantas resistentes ao herbicida.
rios tipos de microorganismos (bactérias, Outras aplicações incluem a introdução de
leveduras, protozoários) na agroindústria, formada por fitas duplas de DNA, embora
alguns outros sejam compostos por fi- genes para resistência ao déficit hídrico,
foram selecionados exemplos recentes nas tentativas de alterar o valor nutritivo de
áreas de culturas lácticas para a fabricação tas simples. Tais plasmídeos contêm genes
que mobilizam o DNA para ser transferi- alimentos vegetais, introdução de genes
de derivados do leite, nutrição de ruminan-
do para as células da planta-hospedeira marcadores (ou repórteres) da expressão
tes (ecologia microbiana ruminal) e nutrição
(Fig. 27). de outros genes e o uso de bactérias para a
de plantas (fixação biológica de nitrogênio
O gênero gram-negativo Agrobacterium biorremediação, o tratamento in situ de resí-
atmosférico).
é composto por bactérias fitopatogênicas duos de difícil degradação (Brettell & Mur-
que causam a formação de tumores, cres- ray, 1996).
TÉCNICAS DE BIOLOGIA
cimento indiferenciado de tecidos em uma
MOLECULAR APLICADAS A Reação em cadeia da
grande variedade de plantas. As duas es-
MICROORGANISMOS polimerase (PCR)
pécies mais amplamente estudadas são A.
A seguir serão descritas sucintamente tumefaciens, causadora de calos indiferen- A reação em cadeia da polimerase (PCR)
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.53-62, maio/jun. 2000
Biotecnologia 55

consiste na amplificação enzimática in vitro


de uma seqüência específica de ácido nu-
cléico (Saiki, 1998). A Figura 28 exemplifica
Material genético
o princípio e a automatização da PCR. Ho-
introduzido je, largamente utilizada, esta técnica permi-
te a multiplicação rápida de fragmentos de
DNA.
DNA
Exógeno
Os reagentes necessários para a PCR
são adicionados ao microtubo, a saber: dois
Resist.
antibiótico primers (seqüências iniciadoras, oligonu-
Origem
cleotídeos sintéticos complementares ape-
A.T. nas à extremidade da seqüência de DNA a
ser amplificada); amostra de DNA conten-
do a seqüência-alvo; DNA polimerase ter-
moestável, por exemplo, a enzima Taq DNA
Região de origem
Resist. de replicação polimerase (isto é, DNA polimerase prove-
antibiótico

A niente de bactérias Thermus aquaticus);


a) vetor de transfecção b) E.coli B os quatro desoxinucleotídeos (A, G, T e C);
Transferência
tampão específico (PCR buffer) e MgCl2. A
por conjugação
seguir, o microtubo contendo a mistura é
transferido para a máquina de ciclos tér-
micos (termociclador) que é então progra-
c) A.tumefaciens mada quanto ao número de ciclos e quanto
ao binômio tempo/temperatura de cada eta-
pa de um ciclo. Um ciclo consiste de três
etapas sucessivas. A primeira é a denatu-
ração térmica do DNA a 95°C por cerca de
D.Ti
A. tumefaciens C um minuto. Na segunda etapa chamada de
renaturação ou anelamento, a temperatura
é reduzida, por exemplo para 55°C por um a
DNA Exógeno
dois minutos para que ocorra a hibridização
dos primers na seqüência-alvo. Para a ter-
ceira etapa, chamada de síntese ou ampli-
ficação, a temperatura é de 72°C por um a
Cromossomo
dois minutos, que é a temperatura ótima
d) Célula vegetal para a função catalítica da Taq DNA poli-
merase. Após o último ciclo programado
Núcleo
haverá milhões ou bilhões de cópias da
seqüência-alvo. A técnica de PCR tem ti-
D
do um enorme impacto em várias áreas de
estudo. A PCR facilitou a clonagem de frag-
Célula vegetal
mentos de DNA ou de genes, principal-
mente na obtenção de cDNA (isto é, uma
Figura 27 - Produção de plantas transgênicas usando-se Agrobacterium tumefaciens
cópia de DNA obtida a partir de uma mo-
lécula de RNA), de moléculas de mRNA
NOTA: A - Vetor genérico (não-específico) de transfecção contendo: material genético a ser
raras; bem como facilitou a seleção e cate-
introduzido na planta, extremidades de T-DNA, origens de replicação tanto para E. coli
gorização de bibliotecas de genes (Arcu-
quanto para A. tumefaciens e dois marcadores (genes para resistência a antibióticos);
ri, 1999a); a mutação in vitro e detecção da
B - Este vetor pode ser introduzido em E. coli visando clonagem (multiplicação) e transfe-
rido para A. tumefaciens via conjugação; C - O plasmídeo residente (Ti) é a ferra-
ocorrência de mutações; o mapeamento fí-
menta utilizada para transferência do vetor para a planta (D-Ti). Este plasmídeo foi
sico do cromossomo e uma série de outras
previamente alterado para remover os genes de patogenicidade, mantendo-se a capacidade aplicações.
de infecção; D - O plasmídeo Ti foi capaz de mobilizar o vetor e transferi-lo para células
vegetais, que crescem em cultura de tecidos. A partir destas células, a característica Hibridização de ácidos
desejada, por exemplo, resistência a um herbicida, pode ser selecionada de células, nucléicos
crescendo em meio contendo antibióticos. Das células sobreviventes, plantas intactas podem Ácidos nucléicos (DNA ou RNA) são
ser regeneradas. polímeros compostos por nucleotídeos.
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56 Biotecnologia

rência de relações (parentesco) entre or-


ganismos e mecanismos evolutivos através
da comparação de seqüências de ácidos
nucléicos, proteínas ou outras macro-
moléculas. Em outras palavras, a filogenia
molecular utiliza trechos do material ge-
nético dos organismos da mesma forma que
a taxonomia clássica utiliza características
anatômicas, morfológicas ou bioquímicas.
O corolário para a filogenia molecular ba-
seia-se no fato de que o material genético
dos organismos de diferentes linhas de
descendência acumula alterações resul-
tantes de mutações ao acaso. Como regra
geral, quanto mais divergentes duas se-
qüências, tanto mais distantes evolutiva-
mente, assumindo-se que ambos os orga-
nismos possuem um ancestral comum.
Conseqüentemente a diferença entre se-
qüências permite a construção de árvo-
res genealógicas. As vantagens do uso
de dados de seqüências de ácidos nu-
cléicos sobre características fenotípicas
ou morfológicas no estudo de filogenia
incluem:
a) o largo espectro de organismos que
podem ser classificados, ao se tra-
balhar com seqüências de genes
ou moléculas universais. A árvore
Figura 28 - Sumário da reação em cadeia da polimerase (PCR)
filogenética universal mais aceita
NOTA: Descrição de um ciclo da reação. A fita dupla da molécula de DNA é inicialmente
atualmente baseia-se na seqüência
denaturada a 94oC, seguindo-se uma etapa de anelamento ou hibridização, onde pequenos
de ácidos nucléicos da molécula
pedaços iniciadores (primers) são pareados às respectivas regiões homólogas. O ciclo
termina com a atividade da enzima polimerase, a 55oC que promove a formação de uma
do RNA ribossômico16S (organis-
fita homóloga a cada fita de DNA original. Seguem-se vários ciclos semelhantes, resultando mos procarióticos) ou18 (eucarióti-
em um grande número de cópias da seqüência-alvo. cos), conforme ilustrado na Figu-
ra 30;
b) seqüências de macromoléculas per-
Estes, por sua vez, são moléculas compos- detectar os híbridos formados entre a son- mitem trabalhar com um grande nú-
tas por fosfato, base nitrogenada (adenina, da e o DNA ou RNA-alvo, utilizam-se ra- mero de características, resultando
guanina, citosina, timina e uracila), ribose dioisótopos ou reações imunológicas, con- em árvores filogenéticas de maior
ou desoxirribose. Sondas de oligonucleo- forme sucintamente ilustrado na Figura 29. estabilidade, ou seja, com menores
tídeos, à semelhança dos primers para PCR, Nas reações imunológicas a sonda é pre- chances de ser alteradas, à medida
são pequenas seqüências de nucleotídeos parada ligando-a a um anticorpo específico que novas seqüências sejam obti-
construídas para se associarem especifi- para uma enzima, por exemplo, biotina ou das. A maior importância comer-
camente (isto é, formarem híbridos) a se- fosfatase alcalina, e esta a uma substância cial e industrial da construção de
qüências homólogas no material genético que reaja liberando um produto colorido árvores filogenéticas deve-se ao fa-
de um organismo ou grupo de organismos ou emitindo luz que possa ser detectada to de que novos microorganismos
(Sambrook et al., 1989). Portanto, uma vez por fotografia através de filmes de raios X estão sendo identificados a cada
que se conheça uma seqüência de nucleo- (Raskin et al., 1997). Vários kits comerciais dia, muitos deles de grande impor-
tídeos que seja específica para um tipo de estão disponíveis através de catálogos (im- tância industrial, como organismos
organismo, é possível detectá-lo através pressos ou via internet) ou firmas de pro- patogênicos (Arcuri, 1999a), pro-
da hibridização da parte homóloga do seu dutos para laboratório. dutores de substâncias de interesse
material genético com uma sonda, numa comercial, potencialmente perigo-
amostra de ácidos nucléicos oriunda de Filogenia molecular sos durante o processamento de ali-
uma outra ambiental (Stahl, 1996). Para A filogenia molecular permite a infe- mentos etc.;

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Biotecnologia 57

A B

C D

Figura 29 - Sumário das reações de hibridização e detecção de ácidos nucléicos com sondas de oligonucleotídeos em suporte sólido
NOTA: A - Imobilização do extrato de ácidos nucléicos de uma amostra ambiental em um suporte sólido, em geral membranas de nylon positivamente
carregadas ou nitrocelulose.; B - A sonda de oligonucleotídeos é previamente marcada com substâncias antigênicas (no caso de marcadores
não-radioativos). A sonda é hibridizada com a amostra de ácido nucléico (DNA ou RNA) numa reação em meio líquido, com temperatura e
outros parâmetros controlados. O excesso de sondas é removido por sucessivas lavagens da membrana. C - Um anticorpo específico para o
marcador da sonda, previamente ligado a um sistema detector (em geral uma enzima) é adicionado, embebendo-se a membrana em solução
própria. D - Um substrato da enzima detectora é adicionado à solução e o híbrido sonda-ácido nucléico é então detectado colorimetricamente
ou por emissão de luz através de fotografia com filme para raios X.

c) para organismos unicelulares, a fi- e equipamentos automáticos de seqüen- formadoras de esporos. Este grupo contém
logenia molecular permitiu grande ciamento (Blumberg, 1987 e Bottger, 1996). os gêneros Lactococcus, Streptococcus,
avanço no conhecimento por viabi- Lactobacillus, Leuconostoc e Pediococcus.
lizar a inferência de relações evoluti- ALGUMAS APLICAÇÕES Tais bactérias são utilizadas na fabrica-
vas que de outra forma não poderiam DA BIOLOGIA MOLECULAR A ção de uma grande variedade de produtos
ser obtidas, uma vez que organismos MICROORGANISMOS DE lácteos. A arte de produzir esta diversidade
unicelulares raramente são conserva- INTERESSE AGROINDUSTRIAL de produtos baseia-se numa biotecnologia
dos como fósseis, como ocorre com Exemplos e potencialidades no uso de clássica, cujas técnicas, com base princi-
organismos mais complexos. técnicas descritas anteriormente serão apre- palmente na seleção das bactérias láticas
Finalmente, a manipulação dos dados sentados para aplicação em atividades agro- usadas no processo de fermentação, foram
de seqüências de ácidos nucléicos, com o industriais. desenvolvidas há séculos.
auxílio de programas de computador, per- As bactérias láticas contribuem para a
Bactérias láticas para a formação do sabor, aroma, textura e outras
mite análises relacionadas com a homolo-
indústria de laticínios características organolépticas que caracte-
gia e o alinhamento das seqüências, o que
implica em menor custo, especialmente Bactérias láticas constituem um grupo rizam cada produto. Além disso, elas tam-
quando as análises são associadas à PCR de gram-positivas, não-patogênicas, não- bém protegem as fermentações contra o
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58 Biotecnologia

Bacteria Archaea Eucarya


Animals
Green Entamoebae Slime
non-sulfur molds
bacteria Euryarchaeota Fungi

Methanosarcina Plants
Gram Cren- Halophiles
Methano-
positives Ciliates
Purple archaeota bacterium
bacteria Methan-
Thermoproteus ococcus
Pyrodictium T.celer
Cyanobacteria Flagellates
Flavobacteria
Trichomonads

Thermotogales

Microsporidia
Diplomonads

Figura 30 - Árvore filogenética dos organismos vivos com base em seqüências de RNA ribossômico
FONTE: Dados básicos: Woese & Pace (1993).
NOTA: Os comprimentos das linhas são proporcionais às diferenças evolutivas.

desenvolvimento de microorganismos pa- permitem identificação, obtenção e, quan- (Steidler et al., 1995). Algumas bactérias
togênicos e deterioradores, pela produ- do necessário, modificações precisas do láticas estão sendo “engenheiradas” e ava-
ção de ácido lático, competição pelo subs- gene ou genes responsáveis pela caracte- liadas quanto à sua habilidade de atuar co-
trato e algumas vezes pela produção de rística desejada. mo vetores vivos na produção de novas
substâncias antimicrobianas, tais como as A tecnologia do DNA recombinante é vacinas orais (Daly & Davis, 1998). Os
bacteriocinas. Estudos têm sugerido que uma das mais poderosas ferramentas na trabalhos com bactérias láticas estão ba-
algumas cepas de bactérias láticas podem obtenção de bactérias láticas melhoradas sicamente no estádio laboratorial ou em
ter efeitos benéficos à saúde humana, tais para desempenho industrial, sendo que o teste de avaliação através de produção em
como efeito estimulador do sistema imu- microorganismo resultante deve ser equiva- pequena escala.
nológico, redução do risco de câncer e do lente ao ancestral selvagem para ser de grau Bactérias lácticas geneticamente modi-
nível de colesterol no sangue, mas ainda alimentar (food grade). Os maiores avanços ficadas, com genes homólogos ou hete-
não há provas definitivas destes efeitos nesta área têm sido descritos para o gênero rólogos, devem ser avaliadas caso a caso
benéficos (Renault, 1996). Lactococcus, para L. lactis em particular, quanto à segurança para uso em produtos
Há poucos anos, a obtenção de bacté- para o qual metodologias e uma variedade alimentícios, levando-se em consideração
rias láticas com melhor performance tecno- de vetores e outras ferramentas genéticas desde a origem do gene clonado até o efeito
lógica, por exemplo, com maior capacidade foram desenvolvidas. Lactococcus geneti- do produto do gene e da nova característica
acidificante, maior capacidade proteolítica camente modificados têm sido desenvol- em relação aos produtos lácteos, ou seja,
ou aromatizante, assim como apresentando vidos para ser usados não só como culturas do seu habitat até a saúde do consumidor.
resistência a bacteriófagos ou produzindo starter (fermentos) para a elaboração de A transferência horizontal de gene é outro
bacteriocinas, somente poderia acontecer produtos lácteos, mas também como veto- aspecto a ser considerado para o uso de
por meios clássicos de seleção de isola- res ou fábricas celulares para a produção bactérias láticas geneticamente modifica-
dos obtidos direto da natureza ou após o de novas enzimas, proteínas, expressão de das em alimentos (Huggett & Verschu-
tratamento de uma cultura com agentes produtos homólogos ou heterólogos. Re- ren, 1996). A clonagem de genes de uma
mutagênicos, na esperança que apenas a centemente, tem-se estudado a possibi- bactéria lática em outra bactéria lática, ou
característica desejável fosse obtida sem lidade do uso de algumas bactérias láticas em outra bactéria qualquer, em geral não
qualquer outra alteração causada por mu- como vetores para novos antimicrobianos, resultará na produção de um novo produto
tações secundárias. Atualmente, os co- proteínas antigênicas (Mercenier & Tan- que não tenha sido previamente consu-
nhecimentos em Biologia molecular e gené- nock, 1999 e Wells et al., 1993) e molécu- mido, mas deve considerar-se que a con-
tica (tecnologia do DNA recombinante) las estimuladoras do sistema imunológico centração do produto poderá ser diferente.
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Biotecnologia 59

Muitos estudos são ainda necessários, a inúmeros compostos naturais, presentes to da ecologia microbiana ruminal e de outros
particularmente para os outros gêneros, nas forragens, devido ao seu metabolis- ecossistemas complexos. Uma das ferra-
além do Lactococcus, para os quais existem mo secundário. Tais compostos secundá- mentas utilizadas são sondas de oligonu-
poucas ferramentas como vetores quali- rios, como taninos, saponinas e alcalóides cleotídeos desenhadas para se hibridizarem
ficados para uso em alimentos (food grade), são comumente relacionados com a queda as regiões espécie-específicas da molécu-
e como protocolos de análises. Maiores do valor nutritivo das forragens, quando la de RNA ribossômico de tamanho 16S
conhecimentos dos processos metabóli- encontrados em concentrações elevadas (Raskin et al., 1997). Esta especificidade
cos em nível molecular, como identificação (Ayres et al., 1997). Por outro lado, alguns permite a identificação e uma estimativa da
de genes envolvidos e sua regulação, são estudos sugerem que taninos em baixas atividade metabólica da espécie ou grupo
a mola-mestre para melhorar o desempenho concentrações podem proteger parte da microbiano em estudo, uma vez que a quan-
tecnológico da bactéria lática por modi- proteína dietética de sofrer degradação tidade de RNA ribossômico numa célula
ficação genética. ruminal e ser absorvida no intestino del- mantém uma relação linear com a sua taxa
gado (Barry, 1989). de crescimento (Arcuri, 1999b). Por exem-
Ecologia microbiana ruminal O conhecimento dos mecanismos de plo, uma célula de Escherichia coli em
A síntese de proteína por microorga- ação de compostos químicos sobre os gru- fase exponencial de crescimento contém 104
nismos ruminais desempenha um papel pos de microorganismos ruminais, bem co- a 105 cópias da molécula de rRNA 16S
fundamental na nutrição de animais ru- mo o efeito da adição de substâncias para (Rosset et al., 1966). Portanto, esta técnica
minantes. A maior parte da microbiota o controle de subpopulações da microbio- expressa a abundância de uma seqüência
ta ruminal, como protozoários ou grupos particular de rRNA em relação ao RNA total
ruminal consiste de bactérias anaeróbias
de bactérias com determinada atividade extraído de uma amostra. Uma desvantagem
estritas e protozoários ciliados. Estes dois
metabólica, foi sempre complicado. Isso é que se trata de uma técnica relativamente
grupos determinam a maior parte da ativi-
devido à dificuldade de reproduzir o am- sensível, não permitindo inferência, quan-
dade fermentativa no rúmen (Nagaraja et
biente ruminal em meios de cultura artifi- do a população em estudo estiver abaixo
al., 1997). Fungos ruminais anaeróbios ocor-
ciais in vitro; como consequência, a im- de 106 células/mL. A técnica denominada
rem em números mais baixos e seu papel na
possibilidade de isolar todos os tipos de PCR competitiva utiliza um controle interno
digestão da celulose ainda não está com-
microorganismos ruminais endógenos; e de DNA, com a finalidade de controlar va-
pletamente conhecido (Orpin & Joblin,
devido à enorme complexidade do ecos- riações entre as reações, e permite a quan-
1997).
sistema ruminal. As interações entre espé- tificação confiável dos produtos da PCR
A população microbiana no rúmen e
cies de microorganismos ruminais são (Reilly & Attwood, 1998). É possível adian-
sua diversidade são afetadas por diversos tar que esta técnica combina a especificidade
estudadas através de modelos muito sim-
fatores (Dehority & Orpin, 1997). A dieta plificados. Junte-se a esses o fato de que das sondas de oligonucleotídeos, porém são
do animal ruminante é provavelmente um os métodos convencionais de estimarem- dirigidas para os genes que codificam a
dos mais influentes. A alteração da fermen- se populações microbianas, como conta- síntese do rRNA16S com a sensibilida-
tação ruminal pode ter efeitos positivos na gens diretas e estimativa através do número de da PCR numa forma que permite a quan-
produção ruminal, quando se pretende de colônias viáveis, quando aplicadas a tificação de populações bacterianas de
aumentar o desempenho animal através do amostras de conteúdo ruminal, resultam em ecossistemas complexos. Recentemente,
incremento em ganho de peso, aumento da números bastante discrepantes. Reilly & Attwood (1998) concluíram que a
produção de leite ou da eficiência repro- Contagens diretas do conteúdo ruminal técnica de PCR competitiva permitiu a quan-
dutiva. O conhecimento da ecologia micro- e a técnica do número mais provável (MPN) tificação da bactéria proteolítica Clostridium
biana ruminal é, portanto, fundamental para são influenciadas pelo horário da coleta, proteoclasticum de forma acurada e rela-
o desenvolvimento de estratégias de ali- técnicas de amostragem e meios de cultura tivamente rápida, a partir de amostras do
mentação que visem o aumento da efi- utilizados (Kajikawa et al., 1990). Contagens conteúdo ruminal de vacas que pastejaram
ciência de utilização dos alimentos pelos que se baseiam em colônias viáveis, além forragens ricas em proteína solúvel e po-
ruminantes. O controle da fermentação da influência dos fatores anteriormente bres em carboidratos na Nova Zelândia.
ruminal tem sido realizado com resultados considerados, apresentam ainda eficiências Estes autores alertam que a preparação para
parciais através do uso de produtos quí- de plaqueamento dependente das espécies, o método, isto é, a construção de primers
micos como isoácidos (por exemplo, isobu- o que em geral resulta em estimativas me- específicos e de controles internos de DNA
tirato para aumentar a produção de pro- nores do que as contagens diretas. Outros são etapas demoradas.
pionato e diminuir a produção de amônia métodos, com base em concentrações de Várias outras áreas de manipulação da
ruminal) (Piva et al., 1988) ou antibióticos substâncias encontradas naturalmente nas microbiota ruminal têm sido pesquisadas,
ionóforos, por exemplo, monensina, que em populações naturais (purinas, ácido dia- entre elas destacam-se o aumento da ati-
última instância aumenta a concentração mino-pimélico etc.), apresentam também vidade celulolítica (Orskov, 1995), utilização
relativa de propionato e diminui as con- vantagens e desvantagens que extrapolam de hemicelulose e biodegradação de lignina
centrações de metano e acetato, aumen- o objetivo deste trabalho. (Jeffries, 1996), regulamentação de produtos
tando a eficiência de utilização da energia Técnicas de Biologia molecular têm da fermentação (acetato e metano,em parti-
contida no alimento (Lana & Russell, 1997). demonstrado um grande potencial como cular) (Cook, 1995), diminuição da atividade
Animais criados no pasto são expostos ferramentas para o avanço do conhecimen- proteolítica, aumento da produção bacte-
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riana de aminoácidos específicos e fixação minosas e o gênero Azotobacter para gra- 1992). O efeito da temperatura ambiente so-
anaeróbia de nitrogênio. míneas são os grupos simbiontes mais bre a nodulação, sobrevivência e desem-
As limitações de aplicação de técnicas importantes. Bactérias filamentosas do gê- penho da simbiose foi estudado recente-
de Biologia molecular, ou, genericamente, nero Frankia são também importantes por mente (Pinto et al., 1998). Estes autores
de biotecnologia moderna para o aumento ser simbiontes de árvores (Valdes et al., observaram que as temperaturas elevadas
do desempenho produtivo de ruminantes 1997). Um dos modelos filogenéticos mais no solo (45oC) podem afetar a sobrevivência,
incluem, segundo Nagaraja et al. (1997): usados no caso da fixação biológica de ni- o estabelecimento em nódulos e outras
a) isolamento e identificação taxonômi- trogênio é obviamente o sistema enzimático propriedades simbiontes de diferentes cepas
ca de cepas para inoculação no rúmen nitrogenase. O complexo enzimático nitro- de Rhizobium. Destas, as cepas simbiontes
e recombinação de DNA; genase apresenta uma estrutura altamen- do feijão isoladas do cerrado brasileiro
te conservada, isto é, há poucas diferenças mostraram-se particularmente sensíveis a
b) isolamento e caracterização de enzi- entre as diversas espécies diazotróficas
mas promissoras para aplicação in- choques térmicos freqüentes, devido ao
(Oliveira et al., 1999). fato de nelas ocorrerem com maior freqüên-
dustrial ou como inoculantes rumi- O isolamento e a identificação de es- cia recombinações genéticas ou deleções
nais; pécies ou cepas mais eficientes na fixação de pequenas partes do material genético.
c) nível de produção, localização e efi- do nitrogênio, em diversos ecossistemas e
ciência de secreção de enzimas re- relacionados com as diferentes espécies
BIOSSEGURANÇA
combinantes; vegetais, têm sido realizados através do
d) estabilidade de genes introduzidos; uso de marcadores genéticos de genes ne- Espera-se que organismos geneticamen-
cessários para a síntese, atividade e regu- te modificados exerçam influência profunda
e) capacidade de sobrevivência e con-
lação da nitrogenase (Rosado et al., 1998). e abrangente sobre toda a cadeia produtiva
tribuição ao funcionamento ruminal
Mais de 30 genes já foram relacionados com de alimentos num futuro próximo. Devido a
de cepas geneticamente modificadas
o processo de fixação de nitrogênio. Os isso os governos de vários países criaram
introduzidas no rúmen.
genes para dinitrogenase e dinitrogenase órgãos de regulamentação e controle da li-
reductase fazem parte de um sistema com- beração de organismos geneticamente mo-
Fixação de nitrogênio
plexo de regulação, um regulon, ou seja, dificados no ambiente. No Brasil, o órgão
Cerca de 85% da fixação de nitrogênio uma rede interativa de operons (genes es- regulador é a Comissão Técnica Nacional de
é feita biologicamente. Organismos dia- truturais que são transcritos em conjunto, Biossegurança (CTNBio), pertencente ao
zotróficos são procarióticos que possuem sob o controle de um gene regulador). Este Ministério da Ciência e Tecnologia. A CTNBio
a habilidade de utilizar nitrogênio atmos- sistema é denominado nif regulon. O com- controla, regulamenta e propõe normas para
férico (N2) como fonte para o crescimento plexo nitrogenase está sujeito a diversos o teste, manuseio e eventual liberação no meio
e a biossíntese. Tais organismos realizam a controles. Estudos da estrutura das pro- ambiente de organismos geneticamente mo-
redução do N2 a NH4, o que contribui para teínas que compõem o complexo nitrogenase dificados, incluindo viróides, vírus, células e
o fornecimento de nitrogênio para várias indicaram que a maioria das nitrogenases organismos multicelulares, produzidos ou não
espécies vegetais de importância agro- contém molibdênio ou vanádio e ferro como no Brasil. Atualmente, existem cerca de 120
nômica, assim como as leguminosas soja, cofatores (Scott et al., 1983). Além disso, instituições públicas e privadas no país, cre-
feijão e forrageiras. As técnicas de Biologia dados de seqüenciamento dos genes re- denciadas pela CTNBio, para desenvolver
molecular têm contribuído significativa- lacionados com o complexo nitrogenase ou atividades com organismos transgênicos,
mente para a identificação e seleção de no- ainda com os genes codificadores do rRNA através da concessão de Certificados de
vas espécies fixadoras de nitrogênio, bem 16S, têm sido utilizados em estudos de co- Qualidade em Biossegurança. Cerca de 700
como para o aumento da sua fixação e do evolução entre os organismos fixadores de processos de liberação planejada no meio
conhecimento a respeito da especificidade nitrogênio e as plantas hospedeiras (Rei- ambiente de um organismo geneticamente
entre o organismo simbionte e as espécies nhold et al., 1997). modificado estão em andamento. Tais pro-
leguminosas (Moreira et al., 1993) e gra- Outras aplicações das ferramentas de cessos incluem a elaboração de uma proposta
míneas, em particular cana-de-açúcar (Do- Biologia molecular incluem o rastreamento para a liberação planejada, a avaliação desta
bereiner & Pedrosa, 1987, Long & Stas- de seqüências específicas de DNA, via PCR pela CTNBio, com pareceres de comissões
kawicz, 1993 e Mackersie & Brown, 1987). como marcadores genéticos de cepas ge- setoriais específicas e a publicação do pare-
Uma importante área de aplicação da bio- neticamente modificadas introduzidas em cer final no Diário Oficial da União. Todas as
tecnologia moderna refere-se à possibi- ecossistemas naturais; e o balanço ener- informações referentes à CTNBio, bem co-
lidade de estabelecer relações filogenéticas gético do processo eficiente de fixação de mo a legislação sobre organismos genetica-
entre microorganismos a partir de caracte- nitrogênio, devido à grande demanda de mente modificados, podem ser encontradas
rísticas fisiológicas. Em razão disso sabe- energia envolvida (Monza et al., 1997). na internet (CTNBio, 1999).
se hoje que a habilidade de fixar nitrogênio A habilidade de bactérias do gênero
atmosférico está disseminada em poucos Rhizobium interagir com raízes de plantas
CONCLUSÃO
gêneros dos domínios de Eubacteria e leguminosas é mediada pela informação ge-
Archaebacteria (Schneider & Bruijn, 1996). nética contida em um plasmídeo (Cramer Alguns poucos exemplos de cada área
A família Rhizobiaceae para plantas legu- & Radin, 1990 e Kloepper & Beauchamp, foram utilizados para ilustrar o estado da
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Biotecnologia 61

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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.53-62, maio/jun. 2000


Biotecnologia 67

Biotecnologia na pecuária: genética molecular


Mario Luiz Martinez 1
Marco Antônio Machado 2
Ademir de Moraes Ferreira 3

Resumo - Os trabalhos de seleção dos animais têm ocorrido, tradicionalmente, com


base em seus desempenhos fenotípicos. A avaliação genética dos indivíduos, que se
baseia no fenótipo, é influenciada por uma série de fatores de meio que marcou o
mérito genético. Paralelamente, existem características de importância econômica
difíceis de ser medidas ou de baixa herdabilidade, para as quais os métodos
tradicionais de seleção não são efetivos. Nos últimos anos, com o avanço da genética
molecular, novas alternativas estão sendo disponibilizadas. Mapas genéticos, com
inúmeros marcadores moleculares, já se encontram disponíveis na maioria das
espécies domésticas de interesse econômico. O avanço tecnológico nesta área permitiu
a realização de diversos trabalhos voltados para a identificação de genes ou
marcadores associados a Lócus de Característica Quantitativa. A identificação destes
genes ou QTLs tem permitido que se estude a importância e o impacto da seleção
com auxílio de marcadores (MAS), e que se realizem manipulações em nível de
DNA, visando à geração de animais transgênicos.
Palavras-chave: Marcadores moleculares; QTL; Transgênicos; Genética; Biotecnologia.

INTRODUÇÃO nhecer animais que possuem alelos ou uma que afetam a expressão da característica
As diferenças genéticas entre indiví- combinação deles, que aumenta a produ- são denominados Lócus de Característica
duos devem-se aos diferentes genes que ção, é muito limitada. A seleção clássica Quantitativa (QTL) (Geldermann, 1975).
eles possuem. Estima-se que o genoma de baseia-se no fenótipo do indivíduo. Em Além disso, produtividade e adaptação são
um bovino tenha cerca de 100 mil genes. muitas situações, o fenótipo não se expres- características compostas, consistindo de
Alguns destes têm efeitos simples e direto, sa no indivíduo para características ligadas muitos componentes e, freqüentemente,
tal como ocorre para a cor da pelagem. Isto ao sexo (leite e produção de ovos) ou em existem correlações genéticas negativas
significa que é fácil identificar e selecionar características de difícil mensuração (efi- entre alguns destes como, por exemplo,
aqueles indivíduos que possuem estes ciência alimentar, resistência a doenças, quantidade de leite e teor de proteína ou
genes. Todavia, tais situações são raras, adaptação). Em alguns casos, o fenótipo gordura do leite. Isto diminui a resposta à
pois, na maioria das características, incluin- não é uma indicação precisa do genótipo. seleção, para cada um dos componentes
do as de importância econômica, como a Isto deve-se ao fato de que a variação ge- da característica (De Koning & Weller,
produção de leite ou ganho de peso e cres- nética em produtividade depende da va- 1994).
cimento, são muitos os genes que inte- riação alélica em um grande número de Para superar essas limitações, os me-
ragem para produzir o efeito final. Isto lócus, e a expressão gênica destes lócus é lhoristas utilizam métodos que se baseiam
significa que é difícil identificar um gene altamente afetada pelos fatores do meio nos parentes (pais, avós, tios, sobrinhos,
em particular que tenha um efeito signifi- ambiente. Neste caso, a variação da carac- irmãos etc.), que apresentam parte de uma
cativo sobre determinada característica. terística ou a variação genética é de na- mesma composição genética. Conseqüen-
A habilidade do melhorista em reco- tureza quantitativa, e os lócus individuais temente, medidas do desempenho feno-

1
Engo Agro, Ph.D. Genética Quantitativa, Pesq. EMBRAPA Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz
de Fora-MG. E-mail: martinez@cnpgl.embrapa.br
2
Engo Agro, D.S. Genética e Melhoramento, Pesq. EMBRAPA Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz
de Fora-MG. E-mail: machado@cnpgl.embrapa.br
3
Veterinário, D.S. Zootecnia, Pesq. EMBRAPA Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 – Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
E-mail: ademirmf@cnpgl.embrapa.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.67-78, maio/jun. 2000


68 Biotecnologia

típico de parentes fornecem informações (PCR), apresentam grande variação de características de importância econômica.
sobre o genótipo de um dado indivíduo comprimento ou alelos entre os indivíduos Tais mapas têm sido realizados para
relacionado. Estes métodos são conhe- (Tautz & Schlotterr, 1994). Um microssaté- investigar partes do genoma que contêm
cidos como seleção pelo pedigree, seleção lite típico contém 12 repetições, embora genes que afetam características de inte-
de família, ou teste de progênie, dependen- possa variar de duas a 20 repetições. A im- resse, mas sem o conhecimento de possí-
do do tipo de parente usado. Todavia, portância dos microssatélites, no estudo veis lócus de efeito suficientemente grande
mesmo quando estes métodos são utiliza- de características de cunho econômico, é e que seja importante manipulá-los indi-
dos de uma forma ótima, a taxa de progres- que eles não exercem nenhum efeito sobre vidualmente (Beever et al., 1990, Bovenhuis
so genético é bem menor do que aque- a característica. Todavia, se um determi- et al., 1992, Crawford et al., 1994 e Georges
la que seria possível, se houvesse uma nado microssatélite está localizado perto et al., 1995).
perfeita informação genética sobre uma de um gene funcional importante, como para
característica. Além disso, a maioria das a maior síntese de proteína do leite, ele tende MAPAS GENÉTICOS
tentativas, com base nesses métodos, em a ser herdado conjuntamente. Assim, por DE LIGAÇÃO
combinar a produtividade das raças euro- meio da identificação do microssatélite Os métodos usados para descobrir poli-
péias com a adaptação das raças nativas teremos boa chance de identificar os indi- morfismos em nível do DNA são ao acaso,
tem falhado. Isso é devido, principalmen- víduos que possuem o gene desejável. ou seja, o polimorfismo descoberto pode
te, à inabilidade de fazer uma seleção si- O objetivo dos cientistas, que estudam estar localizado em qualquer posição do
multânea das várias características. Em o genoma das espécies domésticas, é pro- genoma. Para máxima utilidade, depois de
particular, problemática é a necessidade de duzir mapas genéticos de ligação bastan- descobrir marcadores com DNA polimór-
avaliar indivíduos simultaneamente para te densos para ajudar na investigação de fico, eles devem ser mapeados, uns em
produtividade e para adaptação ao estresse genes simples de importância econômica relação aos outros. Para isso, é necessário
climático ou resistência à doença, o que e de QTL que contribua para a variação que eles estejam segregando juntos em
reduz a produtividade. Os métodos clássi- contínua de algumas características de im- uma mesma família. Por meio dos genóti-
cos de seleção não são também capazes de portância econômica. Os mapas de ligação pos dos pais e da progênie de cada famí-
identificar a presença, nas raças nativas, são de grande utilidade para desenvolver lia, com relação a um determinado par de
de variáveis de um ou mais alelo raro de um estratégias para a seleção com auxílio de marcadores, é possível determinar se eles
QTL que afeta positivamente a produtivi- marcadores (MAS). estão sendo transmitidos juntos ou sepa-
dade ou a qualidade dos produtos (Soller A seleção para alelos de um QTL é uma rados, e determinar a proporção de recom-
& Beckmann, 1989). Essas variáveis nem nova forma de seleção genética. Os prin- binação entre eles. Se um ou ambos os
sempre são identificadas, porque sua pre- cípios envolvidos nas técnicas da genética pais são heterozigotos para ambos os
sença é mantida encoberta, devido à baixa quantitativa são relevantes para as formas marcadores, informações sobre ligação e
produtividade da raça nativa, que, em geral, de seleção que são qualitativas. Os quatro recombinação podem ser obtidas, através
tem uma grande proporção de variantes dos componentes do progresso genético (varia- da distribuição dos marcadores entre os
alelos de um QTL, os quais afetam negati- bilidade genética, intervalo de gerações, genótipos das progênies.
vamente a característica. intensidade de seleção e a precisão) têm Amostras de DNA podem ser armaze-
Os avanços nas tecnologias de DNA, os seus equivalentes na seleção assistida nadas indefinidamente e pequenas quan-
nos últimos dez anos, oferecem possi- por marcadores e na seleção por alelos de tidades são necessárias para análise de
bilidades para a identificação de animais um QTL. As decisões, sobre o quê sele- polimorfismo. À medida que um laboratório
geneticamente superiores de uma forma cionar, devem-se basear nos aspectos eco- continua a identificar o genótipo dos mem-
mais direta. Os genes funcionais de cada nômicos, para que o produto genético bros de uma família, com relação a outros
indivíduo constituem-se em uma pequena possa ser usado comercialmente e o proce- marcadores polimórficos que são desco-
parte (menos de 5%) do DNA total de um dimento de seleção a ser utilizado com bertos, informações sobre a segregação de
indivíduo e, na maioria dos genes restan- certeza seja uma combinação da seleção mais e mais marcadores se acumulam nos
tes, não se conhecem ainda as suas fun- quantitativa, MAS e seleção de alelos de membros daquela família. Conseqüente-
ções. Entretanto, espalhado no genoma do QTLs. mente, quando um novo marcador é desco-
indivíduo, existem milhares de pequenos O desenvolvimento de marcadores ge- berto, ele pode ser mapeado facilmente
fragmentos de DNA denominados micros- néticos e os mapas de ligação têm per- através da análise do genótipo dos mem-
satélites, que têm-se tornado muito úteis. mitido que os lócus, que afetam caracte- bros da família. A informação acumulada
Estes segmentos de DNA são compostos rísticas quantitativas e qualitativas (QTL sobre a segregação dos marcadores ante-
de simples di, tri ou tetranucleotídeos re- ou genes de efeito maior), sejam mapeados. riormente mapeados é, então, usada para
petidos, que, quando amplificados através As ferramentas fornecidas pela tecnologia identificar novos marcadores que este-
de uma reação em cadeia de polimerase do DNA revelarão muito da biologia das jam ligados a estes, e também o grau de

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.67-78, maio/jun. 2000


Biotecnologia 69

recombinação entre o novo e o mais pró- conhecidos, julgados envolvidos direta- de crescimento em bovinos e a porcenta-
ximo marcador anteriormente identificado. mente na fisiologia e desenvolvimento gem de proteína do leite. Em galinhas, viro-
Não é necessário fazer novamente a análise da característica em estudo. Quando tais ses endógenas, como um grupo, mostram
do genótipo de nenhum dos marcadores associações são identificadas, a seleção grande indicação de estarem associadas
anteriormente identificados. Dessa forma, pode ser com base na variante conhecida com a variação genética em produtividade
após algum tempo, vai-se construindo um do gene, com efeito positivo sobre a carac- (Gavora et al., 1991 e Iraqi et al., 1991, 1994).
mapa genético de ligação de uma espécie terística. Outra maneira, é a utilização do Estudos de simulação têm indicado que,
ou raça. mapa genético de ligação, que envolve em pequenas populações fechadas, um
Embora qualquer grupo de famílias mapear QTL em uma região específica do pequeno número de diferentes variantes
possa ser usado para o mapeamento de cromossomo, por meio da ligação a um de um determinado gene é necessário ser
marcadores polimórficos, isso é mais pre- marcador anônimo, e estabelecer associa- mantido. Admitindo-se que a estrutura de
ciso quando os pais das famílias são os ções entre alelos específicos do marcador um variante do gene candidato também
mais heterozigotos e também os maiores e alelos de efeitos positivos ou negativos representa um variante funcional, uma sim-
possíveis. É por isso, que o grupo de famí- no QTL e, então, basear a seleção no alelo ples análise de variância é necessária para
lias usado para o mapeamento bovino do marcador. identificar a associação entre variante da
consiste de grandes famílias de irmãos- estrutura de DNA e a característica em
completos, produzidos por múltipla ovula- Utilização de genes estudo, considerando as variantes estru-
ção e transferência de embriões, ou de candidatos turais como a variável independente, e o
meio-irmãos (Barendse et al., 1994 e Bishop A utilização de genes candidatos para valor da característica como a variável de-
et al., 1994). identificar a associação entre marcadores pendente.
Várias técnicas, com base no polimor- e QTL tem produzido bons resultados. Isto O uso de genes candidatos nesses ti-
fismo do DNA, são utilizadas para a cons- inclui a associação entre variantes da pos de análise é muito atrativo, pois os
trução dos mapas genéticos de ligação: kappa-caseína e lactoalbumina em gado e resultados, quando positivos, podem ser
Restriction Fragment Length Polymorphism a produção de proteína do leite e a quali- usados por MAS em todas as populações
(RFLP); Single Strand Conformation dade do queijo (Bovenhuis & Weller, 1994); que tenham o variante positivo do gene
Polymorphism (SSCP); Simple Sequence entre variantes RFLP do receptor do estro- candidato. Contudo, até o momento, ape-
Repeats (Microssatélites ou SSR); Amplified gêneo e fertilidade (Rothschild et al., 1994); nas cerca de 2 mil genes foram clonados de
Fragment Length Polymorphism (AFLP). entre variantes SSCP do lócus do hormônio um total de 100 mil estimados como fun-
Marcadores que se baseiam em genes co-
nhecidos são importantes para “amarrar”
QUADRO 1 - Situação atual dos mapas genômicos de algumas espécies
mapas de diferentes espécies (O’Brien et
al., 1993). Marcadores com base em mi- Porcenta-
Marcadores gem de
crossatélites são importantes pela sua fa- Espécies Bancos de Dados
mapeados abrangência
cilidade na análise do genótipo e por pro- do genoma
porcionarem mapas de densidade ilimitada
(Beckmann & Soller, 1990). Humano > 15.000 ~ 95% http://gdbwww.gdb.org/
No Quadro 1, estão sumarizados os http://www.genome.wi.mit.edu/
mapas genéticos de ligação para diferentes Camundongo > 14.000 ~ 100% http://www.informatics.jax.org/
espécies. Para efeito comparativo, são mos-
http://gdbwww.gdb.org/
tradas as informações equivalentes dos
projetos do genoma humano e do camun- Bovinos > 870 ~ 90% http://sol.marc.usda.gov/genome/cattle/cattle.html
dongo. http://www.ri.bbsrc.ac.uk/bovmap/bpvmap.html
Ovinos > 250 ~ 75% http://dirk.invermay.cri.nz/
ESTRATÉGIAS PARA
http://tetra.gig.usda.gov.8400/sheepgbase/manager.html
A DETECÇÃO DE QTL
Suínos > 750 ~ 90% http://www.public.iastate.edu/~pigmap/pigmap.html
Atualmente, duas maneiras básicas
http://sol.marc.usda.gov/genome/swine/swine.html
estão sendo utilizadas para detectar a asso-
ciação entre marcadores e variação do QTL. Aves ~ 600 ~ 90% http://poultry.mph.msu.edu/
Uma, é a do gene candidato (Rothschild & http://www.ri.bbrsc.ac.uk/chickmap/
Soller, 1997), que se baseia no estudo da
Eqüinos > 300 ~ 85% http://www.vgl.ucdavis.edu/~ lvmillon/
variação de uma característica em rela-
http://www.ri.bbrsc.ac.uk/horsemap/
ção à variação do nível do DNA em genes

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.67-78, maio/jun. 2000


70 Biotecnologia

cionais em vertebrados. Isto significa que Mapeamento do QTL dentro de ser heterozigotos para o QTL. Dessa forma,
a grande maioria dos QTLs provavelmente populações puras a análise de ligação geralmente requer a
será encontrada entre os 98% dos genes Em populações puras, tais como aves combinação das informações de diversas
ainda não-clonados. ou gado, alelos dos marcadores e do QTL famílias. Existem outros tipos de delinea-
devem estar em equilíbrio de ligação, ou mentos estatísticos que permitem uma
Utilização de análise eficiente (Soller & Genizi, 1978,
então próximos deste, a não ser que o mar-
marcadores anônimos em Knott & Haley, 1992, Plotsky et al., 1993 e
cador e o QTL estejam muito pertos um do
mapas genéticos de ligação
outro. Nesse caso, as relações entre alelos Andersson et al., 1994).
Os mapas genéticos de ligação são cons- No delineamento de meio-irmãos, uma
do marcador e do QTL serão diferentes
tituídos, na sua grande maioria, de mar- grande família é formada através do acasala-
entre os cromossomos que estiverem se-
cadores anônimos. No entanto, estes mar- mento de um único indivíduo, geralmente
gregando na população. Isto é, alguns
cadores podem ser utilizados para detectar um macho, com muitas fêmeas. Se o pai em
cromossomos estarão carregando a combi-
associações com QTL. Diferentes popu- comum é heterozigoto para o marcador, a
nação MA, outros Ma, outros mA e outros
lações podem ser utilizadas para acom- progênie pode ser dividida em dois gru-
ma, e os indivíduos na população carrega-
panhar a segregação de marcadores e a pos, de acordo com o alelo marcador trans-
rão todas as combinações possíveis desses
associação destes com características de mitido pelo pai em comum. A análise é en-
gametas. Desde que apenas os indivíduos
interesse agronômico. tão realizada da mesma forma que a de
heterozigotos (MA/ma ou MA/mA) são
Mapeamento do QTL informativos para as análises de ligação, irmãos-completos (Soller & Genizi, 1978,
em cruzamento entre duas isto significa que, quando marcadores com Geldermann et al., 1985, Gonyon et al., 1987,
linhagens consangüíneas apenas dois alelos são usados, uma grande Weller et al., 1990, Anderson-Eklund
O princípio básico desta forma de ma- porção de indivíduos da população não & Rendel, 1993, De Koning & Weller,
pear QTL é bem ilustrado, usando o cru- será informativa para este tipo de estudo. 1994, Georges et al., 1995 e Martinez et al.,
zamento entre linhagens consangüíneas Mesmo nessa situação, haverá indivíduos 1998 ab).
(Soller, 1974 e Soller et al., 1976). Considere, que serão heterozigotos em ambos os
Mapeamento do QTL através do
por exemplo, duas linhagens consangüí- lócus, do marcador e do QTL, e o mapea-
cruzamento de duas populações
neas que difiram em um lócus de um mar- mento do QTL será com base nas relações
específicas entre os alelos do marcador e Um delineamento especial, que com-
cador M, tal que a linhagem 1 tenha ge-
do QTL das progênies destes indivíduos. bina algumas características do cruzamento
nótipo MM e a linhagem 2 genótipo mm.
Quando marcadores com múltiplos alelos entre linhagens consangüíneas, pode ser
Se a região do cromossomo próximo ao
(polialélicos) são usados, a proporção de utilizado para mapear QTL através do cru-
marcador é uma em que não existe nenhum
indivíduos heterozigotos para os dois lócus zamento entre populações que estejam se-
QTL que afete a característica em estudo, a
será muito maior. gregando os mesmos alelos dos marca-
média esperada da característica dos indi-
Em um delineamento de irmãos-com- dores, que estão próximos ou já tenham
víduos F2 de genótipo MM será a mesma
pletos, uma grande família é formada atra- fixados os alelos do QTL, que afetam a ca-
dos indivíduos F2 de genótipo mm. Con-
vés do acasalamento de dois indivíduos. racterística de interesse (Beckmann &
tudo, se próximo ao marcador existe um
Se um é heterozigoto para o marcador e o Soller, 1988). Esse tipo de delineamento é
QTL denominado A que afete a caracte-
outro é homozigoto, haverá dois tipos de particularmente apropriado para mapear
rística, de maneira que o genótipo da linha-
genótipos para o marcador entre as pro- QTL associado à resistência a doenças,
gem 1 é MA/MA e da linhagem 2 é ma/ma,
gênies. Se ambos os pais são heterozigotos adaptação e produtividade em cruzamento
uma comparação entre a média da caracte-
para os mesmos alelos do marcador, haverá entre raças nativas e exóticas.
rística dos indivíduos F2 com genótipos
MM e mm irá refletir apenas o efeito quan- três tipos de genótipo entre as progênies;
SELEÇÃO COM AUXÍLIO
titativo do genótipo AA comparado com o e quatro tipos, se ambos os pais são hetero-
DE MARCADOR (MAS)
genótipo aa. Uma diferença significativa zigotos, porém com alelos diferentes para
entre os genótipos MM e mm da popula- o marcador polialélico. Em qualquer si- A combinação do desenvolvimento
ção de F2 será indicativa de um QTL nas tuação, o estudo da ligação baseia-se na científico e tecnológico permitiu que, no
proximidades do marcador M, mostrando diferença entre os valores da característica início da década de 80, houvesse metodo-
assim uma ligação. Vários resultados, com das progênies com diferentes genótipos logia disponível para identificar genótipos
base neste tipo de delineamento, têm sido para o marcador. A potência das análises para produtividade e adaptação, direta-
reportado em plantas (Kahler & Wehrhahn, estatísticas com base numa única família mente no nível do DNA. Isso abre um novo
1986, Edwards et al., 1987, Weller, 1987, de irmãos-completos é muito limitada, pois caminho para o desenvolvimento e imple-
Paterson et al., 1988, Weller et al., 1988 e os pais de uma única família, mesmo sendo mentação de programas de melhoramento
Stuber et al., 1992). heterozigotos para o marcador, podem não genético, que se baseiam na seleção no

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.67-78, maio/jun. 2000


Biotecnologia 71

nível do DNA do indivíduo. Nesses pro- efeito do alelo do QTL determinado e a sua parado os programas de seleções clássicos
gramas, variantes na estrutura do DNA em posição no genoma é estimada. Na fase de àqueles que incorporam informações sobre
um determinado lócus servem como um avaliação, os marcadores são testados em marcadores aos dados fenotípicos (MAS).
marcador da presença de alelos, tendo efei- populações-alvo ou em famílias, para As estratégias que utilizam MAS têm sido
tos positivos ou negativos no QTL que determinar se o QTL está segregando nes- sempre superiores, nas primeiras gerações,
afeta a característica. A seleção de indiví- tas populações. Na fase de implementação, às estratégias nas quais a seleção é feita
duos que possuem alelos favoráveis no os marcadores são utilizados dentro e entre apenas pelo fenótipo (Lande & Thompson,
QTL, com base na avaliação direta de seu famílias, para gerarem um banco de dados 1990, Zhang & Smith, 1992, Gimelfarb &
DNA, é denominada de MAS (Soller & de genótipos. Esses dados serão então Lande, 1994, Whittaker et al., 1995 e
Beckmann, 1983, Smith & Simpson, 1986, combinados com as informações feno- Meuwissen & Goddard, 1996). Gimelfarb
Soller & Beckmann, 1989 e Soller, 1994). típicas e de pedigree, na avaliação do & Lande (1994) reportaram que a resposta
Quando MAS é comparada à seleção com mérito genético dos indivíduos dentro de à seleção na primeira geração foi mais do
base no fenótipo, pode ser mais precisa, uma população. que duas vezes superior com o uso de MAS
pois não é afetada pelos efeitos do meio Vários QTLs têm sido detectados em do que com a seleção clássica. A magnitude
ambiente, não é limitada a um sexo e não populações experimentais e comerciais de do aumento é dependente do número de
requer testes caros ou que destruam o indi- bovinos, suínos e ovelhas. Em gado de gerações de seleção, tamanho e estrutura
víduo. MAS pode ser realizada bem cedo corte, QTLs têm sido detectados para peso da população, número de marcadores, her-
na vida do indivíduo, reduzindo o intervalo ao nascimento (Rocha et al., 1992), dabilidade da característica e magnitude
de gerações; ainda pode incluir todos os desenvolvimento de chifre (Georges et al., do efeito do QTL. A seleção assistida por
indivíduos e mesmo aqueles que ainda não 1993b), crescimento na pré-desmama, marcadores é mais eficiente em grandes
nasceram, através da análise do genótipo gordura e área do olho do lombo (Beever populações e nas primeiras gerações de
do embrião, e assim aumentar a intensidade et al., 1990), hipertrofia muscular (Grobet et seleção (Lande & Thompson, 1990, Zhang
de seleção. al., 1997) e doença de Pompe (Reichmann & Smith, 1992, Gimelfarb & Lande, 1994,
Desde que MAS analise a variação alé- et al., 1994). Em gado de leite, têm si- Whittaber et al., 1995 e Meuwissen &
lica de cada QTL, ela pode ser capaz de do reportados marcadores para produção Goddard, 1996) e quando ocorre a seleção
identificar algum variante de um alelo de leite e seus componentes (Cowan et antes da mensuração da característica
escondido em raças nativas. MAS pode al., 1990, Hoeschele & Meinert, 1990, (Meuwissen & Goddard, 1996).
também permitir a identificação e a rápida Bovenhuis et al., 1992 e Georges et al., 1995), Quando a herdabilidade aumenta, o
introgressão de alguns poucos alelos do para produção de queijo (Graham et al., aumento na resposta, devido à incorpo-
QTL de raças melhoradas que aumentem a 1984), para a síndrome de Weaver (Georges ração da informação do marcador, é redu-
produção em raças nativas adaptadas, ou et al., 1993a) e para BLAD (Shuster et zido em relação à seleção com base apenas
para a transferência de lócus específicos al., 1992 e Kehrli et al., 1994). Em suínos, no valor genético (EBV), como medido
associados à resistência das raças adapta- QTLs têm sido reportados para fertilida- atualmente.
das ou nativas para as raças melhoradas de (Rothschild et al., 1996), crescimento do Gibson (1994) e Garrick (1997) usaram
(Beckmann & Soller, 1987). nascimento até 30kg, espessura média de simulação para estimarem a resposta à
toucinho e porcentagem de gordura abdo- seleção em uma população, na qual um QTL
IMPACTO DA TECNOLOGIA minal (Andersson et al., 1994). Em ovelhas, e marcadores a ele ligado estavam segre-
DE MARCADORES um QTL tem sido reportado para fecun- gando. Em ambos os estudos, a resposta
A seleção com auxílio de marcadores didade (Montgomery et al., 1993) e hiper- pela MAS foi maior nas primeiras gerações
(MAS) utiliza-se das informações de re- trofia muscular (Cockett et al., 1994). Em de seleção. Todavia, a resposta em um
giões específicas dos cromossomos, em aves, Kaam et al. (1998) realizaram uma tempo após 10 - 15 gerações de seleção foi
que os genes que afetam os QTLs estão varredura no genoma, utilizando 368 mar- maior através da seleção pelo EBV, igno-
localizados, para identificar indivíduos com cadores microssatélites, e identificaram rando as informações sobre os marcadores.
combinações favoráveis de QTLs. Existem QTLs afetando o consumo de alimentos Estes autores consideram que este resul-
três fases no desenvolvimento de progra- e o peso aos 48 dias. Tuiskula-Haavisto et tado é devido à redução da média dos
mas de seleção com auxílio de marcadores. al. (1998) localizaram genes afetando a valores poligênicos nos animais selecio-
Na fase de detecção, os polimorfismos do qualidade de ovos, enquanto Szydlowski nados com os alelos desejáveis do QTL.
DNA são usados com marcadores para & Szwaczkowski (1998) identificaram QTLs Após um aumento na freqüência dos alelos
detectar QTLs que estejam segregando em associados ao peso corporal, produção desejáveis do QTL, levando-os em direção
determinadas populações com freqüências inicial de ovos, peso médio dos ovos e à sua fixação, a média residual dos valores
alélicas específicas. Um ou mais alelos idade na maturidade sexual. poligênicos na população é menor do que
associados ao QTL são identificados, o Vários estudos de simulação têm com- a proveniente da seleção com base no EBV,

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72 Biotecnologia

ignorando as informações do QTL. Isto de clones numa biblioteca de DNA. Atualmente, a comunidade científica e
surge, inicialmente, através da redução da Uma biblioteca de DNA é um conjunto a indústria privada estão bastante interes-
precisão da estimativa do mérito genético de inúmeros clones, ou fragmentos de sadas na produção de animais transgênicos
total e nas gerações posteriores, através DNA, de um determinado organismo. Uma de grande porte, embora o custo seja extre-
da criação do desequilíbrio gamético. biblioteca de DNA de mamífero é produzida mamente elevado. Em bovinos, os esforços
pelo isolamento do DNA genômico do estão concentrados em genes de alto re-
ANIMAIS TRANSGÊNICOS mamífero; digestão do DNA com enzimas torno econômico, tais como:
de restrição, o que vai resultar num gran- a) produção de proteínas farmacêu-
A seleção entre animais domésticos vi-
de número de fragmentos de DNA e incor- ticas com expressão nas glândulas
sa aumentar a freqüência de genes favo-
poração dos fragmentos de DNA, alea- mamárias;
ráveis para uma mesma raça ou linhagem.
toriamente, num grande número de vetores,
A utilização de outras raças traz uma maior b) alteração genética de proteínas do
sendo um fragmento para cada vetor. Os
variabilidade na população sob seleção, leite para a produção de uma formu-
produtos da proliferação de cada combi-
que no entanto pode não ser suficiente lação apropriada a crianças;
nação vetor/fragmento constituem-se um
para alcançar os objetivos do programa. c) modificação genética de proteínas
clone. Após um grande número de gera-
As modernas técnicas moleculares são do leite, visando aumentar a produ-
ções, todas as seqüências de DNA, pre-
capazes de introduzir uma variabilidade tividade, qualidade ou diferentes de-
sentes no genoma do mamífero, estarão
genética ilimitada, visto que genes de inte- rivados do leite;
representadas na biblioteca. Uma vez cons-
resse podem ser isolados de uma espécie e
truída, a biblioteca é analisada detalha- d) modificação genética na vaca, vi-
transferidos para outra, gerando assim um
damente na procura de clones específicos, sando aumentar a produção de leite
animal transgênico.
que são identificados e propagados sepa- ou adaptação ambiental.
Manipulação genética radamente dos outros clones. O clone Existem dois procedimentos bastante
do DNA isolado, contendo o fragmento de DNA de utilizados na produção de animais trans-
interesse, pode ser utilizado para diversos gênicos. O primeiro a ser desenvolvido foi
O genoma de um organismo constitui-
fins, como a produção de animais trans- a microinjeção direta de DNA no núcleo de
se de todo DNA encontrado em sua célula.
gênicos. um embrião unicelular. Poucos anos depois,
Uma bactéria possui um genoma pequeno
tornou-se possível o cultivo de células
com cerca de 6 mil genes. Um mamífero, Produção de animais
prematuras de embriões de rato in vitro,
por outro lado, possui em torno de 100 mil transgênicos
genes, sendo o genoma constituído de 97% que vão gerar linhagens de rato. Uma alte-
Um animal transgênico pode ser defi-
de DNA não codificante e apenas 3% de ração no genoma destas células provoca
nido como aquele que apresenta seqüên-
genes ou seqüências codificantes. Os ma- uma alteração no genoma dos ratos deri-
cias de DNA exógenas, oriundas de outros
míferos apresentam um número de genes vados dela (Bishop, 1999).
organismos da mesma espécie ou de espé-
16 vezes maior do que uma bactéria e o cies diferentes. Os primeiros animais Microinjeção direta em
genoma, como um todo, apresenta cerca transgênicos foram produzidos por micro- pró-núcleos
de 500 vezes mais DNA. injeção de DNA em pró-núcleos de ratos Um embrião unicelular pode ser isolado
Um gene pode ser manipulado e estu- (Gordon et al., 1980). No entanto, a defini- horas após a fertilização. Neste estádio de
dado em detalhes, se este for isolado do ção de animal transgênico foi refinada após desenvolvimento, o embrião contém dois
resto do genoma por meio de clonagem o trabalho de Gordon & Ruddle, em 1981, núcleos (pró-núcleos), sendo um originado
molecular. O processo de clonagem utiliza que postularam que um animal transgênico, do gameta masculino e o outro do gameta
vetores para o transporte e manipulação além de apresentar uma seqüência de DNA feminino. Cada pró-núcleo contém apenas
de genes. Estes, freqüentemente, são exógena, deve ser capaz de transmitir o gene um conjunto de cromossomos, em vez de
plasmídeos bacterianos ou vírus que in- exógeno aos seus descendentes e também dois conjuntos encontrados numa célula
fectam bactérias. Estes vetores são como apresentar a expressão deste gene. Ratos normal diplóide. Utilizando uma seringa de
parasitas, que apenas se multiplicam transgênicos têm sido amplamente utili- vidro extremamente fina, com o auxílio de
quando dentro de uma célula. A maioria zados para o estudo do controle genéti- micromanipuladores, é possível a intro-
dos vetores apresenta um genoma bastan- co de uma função fisiológica, controle da dução de DNA exógeno em um dos pró-
te pequeno (5 a 50 genes), podendo ser expressão de genes, doenças de herança núcleos. O DNA exógeno é freqüentemen-
manipulado in vitro facilmente. O DNA do genética, doenças virais humanas e também te integrado aos cromossomos dos pró-
vetor, contendo o gene incorporado, é como modelo para a modificação genética núcleos, possivelmente porque a célula
facilmente multiplicado e isolado, consti- de animais domésticos (Jaenisch, 1988). reconhece o DNA exógeno como um frag-
tuindo-se um clone. A clonagem molecular Acredita-se que mais de 10 mil estirpes de mento de DNA quebrado que precisa ser
requer que seja avaliado um grande número ratos transgênicos já foram produzidas. reparado. O embrião continua a se desen-

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Biotecnologia 73

volver normalmente e, após a fusão dos No entanto, a sensibilidade da técnica de visando uma inserção sítio específica por
pró-núcleos, este é introduzido no oviduto PCR é tanta, que esta detectava DNA não- meio de uma recombinação homóloga
de uma fêmea (Bishop, 1999). integrado, sendo estes embriões falso- (Bishop, 1999).
A eficiência deste procedimento, em positivos. Células potenciais ES de bovinos, ovi-
ratos, varia de 1% a 4% de microinjeções Apesar de todas estas dificuldades, bo- nos e suínos apresentam pluripotência,
de DNA, para resultar numa progênie vinos transgênicos já foram produzidos por mas não-totipotência (Anderson, 1992).
transgênica (Brinster et al., 1985). Em microinjeção de DNA, visando quase que Algumas exceções, no entanto, são os tra-
ovinos, suínos e caprinos, a eficiência de exclusivamente à produção de proteínas far- balhos de Sims & First (1993) e First et al.
transformação, utilizando microinjeções, é macêuticas expressas no leite (Krimpenfort (1994), em que foram produzidos bezerros
em torno de 1% (Rexroad, 1992 e Elbert & et al., 1991). transgênicos a partir de culturas de células
Schindler, 1993). Em bovinos, a eficiência ES totipotentes.
de transformação é bem mais baixa, ficando Introdução de DNA em células Vários fatores, como métodos de isola-
em torno de 0,2%. Esta baixa eficiência em não-diferenciadas mento de células ES; métodos de cultivo e
bovinos, eleva demasiadamente o custo de Este é um procedimento alternativo, prevenção de diferenciação, estádio do
produção de um animal transgênico e ainda quase que exclusivo para ratos. Foi desen- embrião para fornecer células ES, paren-
pode ser atribuída a fatores reprodutivos e volvido a partir do isolamento de células tesco e identificação de descendentes afe-
de genética molecular. No lado reprodutivo, chamadas stem cells ou ES, que se proli- tam substancialmente o isolamento, deriva-
os zigotos podem ser produzidos por feram indefinidamente (pluripotentes) em ção, cultivo, pluripotência e totipotência
fertilização in vitro ou por recuperação meio de cultura (Martin, 1981). Este método das células potenciais ES de bovinos.
cirúrgica in vivo. Este último é mais consiste em incubar um fragmento de DNA O uso da introdução de DNA em células
eficiente, no entanto, é menos utilizado, clonado com células ES e aplicar uma rápida não-diferenciadas de bovinos, pode provi-
devido ao fato de requerer um grande descarga elétrica no meio, visando alterar denciar um sistema mais eficiente de trans-
número de vacas a ser superovuladas. temporariamente a permeabilidade da ferência gênica. No entanto, muitos traba-
Mesmo sem a microinjeção de DNA, ape- membrana das células ES, fazendo com que lhos ainda necessitam ser desenvolvidos
nas 30% dos embriões chegam a blasto- haja a penetração de fragmentos de DNA para que esta técnica possa ser mais efi-
cistos capazes de iniciar a gestação e ape- presentes no meio. Além da pluripotência, cientemente utilizada (First et al., 1994).
nas 50% a 60% destes blastocistos chegam as células devem apresentar totipotência,
a produzir um bezerro (Dominko & First, ou seja, a capacidade de diferenciar-se, ini- ASPECTOS DA SAÚDE ANIMAL
1992 e Monson et al., 1992). Uma melhoria ciando o desenvolvimento do embrião. As
na eficiência reprodutiva, aumentaria a células são injetadas num blastocisto hos- Os avanços na medicina veterinária e
eficiência de transformação de bovinos. pedeiro e podem colonizar o embrião for- as pesquisas na área zootécnica tiveram
A eficiência do lado molecular também mando uma linhagem germinativa que vai considerável impacto na produção animal,
é bastante baixa. Em bovinos, a eficiência dar origem a um animal quimérico, conten- através do controle ou da eliminação de
de integração gênica ao nascimento é de do o DNA introduzido (Jaenisch, 1988). Se algumas das devastadoras doenças que
apenas 4% a 5% (Rexroad, 1992), enquanto a quimera atingir os órgãos reprodutivos, afetam a indústria animal. Apesar destes
em suínos esta chega a 10%, e em ovinos esse animal vai produzir metade de seus avanços, as doenças continuam sendo o
foram reportadas até 35% (Brinster et al., gametas originada das células ES e a outra fator de maior impedimento à obtenção de
1985 e Wall & Seidel, 1993). As causas metade originada de células normais. O produções mais eficientes, sendo respon-
dessa baixa integração e expressão podem cruzamento desse animal heterozigoto com sáveis por cerca de 20% das perdas do
ser devidas a vários fatores como: cons- animais normais vai dar origem a diversos potencial de produção nos Estados Uni-
trução microinjetada, pureza do DNA, animais heterozigotos, e o cruzamento entre dos (Report..., 1984). Perdas por doenças
tempo de microinjeção, raça ou estirpe, os heterozigotos vai resultar em indivíduos infecciosas derivam não apenas da morte
inserção aleatória, degradação do DNA e homozigotos para o gene artificialmente dos animais, mas também da perda da
disponibilidade de sítios de integração inserido. Uma desvantagem deste proces- eficiência dos que sobrevivem. No Brasil,
(Brinster et al., 1985). so é que esses cruzamentos adicionais perdas equivalentes a 50kg de ganho de
Alguns procedimentos alternativos levam tempo e, no caso de bovinos, é bas- peso foram registradas em bezerros de
foram utilizados com o objetivo de aumen- tante demorado. até 12 meses de idade (Ploeger et al., 1990).
tar a eficiência de transformação em bo- Uma vantagem deste procedimento é a Segundo Honer & Gomes (1990), um bo-
vinos. Krisher et al. (1994) utilizaram um possibilidade de selecionar genótipos in vino infestado com carrapato e vermes, se
screening por PCR em embriões micro- vitro antes da transferência das células ES não for tratado, sofre perdas de 18 a 47kg
injetados, buscando transferir apenas em- para o embrião. Este fato possibilita o uso de peso/ano. Furlong et al. (1996) estimaram
briões comprovadamente transgênicos. de construções especialmente desenhadas, em fêmeas mestiças Holandês-Zebu queda
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74 Biotecnologia

na produção de 23%, devido à infestação heterozigotos para uma determinada do- um critério de seleção, o aumento genético
por carrapatos. Teodoro et al. (1998) esti- ença. Um exemplo disto é a detecção de seria de 1,3% de mastite em seis anos.
maram perda de 26% (529kg) na produção animais heterozigotos para BLAD (Kehrli Todavia, quando a mastite é incluída como
de leite por lactação em vacas holandesas et al. 1992). critério de seleção, ela é reduzida em 0,9%.
infestadas com carrapatos. Lie (1990) sugere que a resistência es- A utilização de marcadores e de técni-
pecífica a uma doença está restrita a algu- cas analíticas pode auxiliar no processo de
Base genética da resistência mas doenças ou patógenos e que é nor- seleção de resistência a doenças. Os tipos
a doenças
malmente influenciada por um único gene de antígenos do linfócito bovino (BoLA),
A ciência da resistência a doenças en- de efeito maior. Por outro lado, a resistência equivalente ao complexo maior de histo-
globa as áreas da imunogenética, biologia geral a doenças não está limitada a pató- compatibilidade (MHC) em humanos, têm
molecular, manejo e Medicina veterinária, genos e é influenciada pelo efeito cumu- sido mencionados como associados à
e é afetada pela influência do meio ambiente lativo de muitos genes e pelos efeitos dos saúde e à produção em bovinos. Os tipos
que contribui para a resistência ou para a fatores ambientais. A grande preocupação BoLA têm sido chamados, por Lewin (1989),
falta desta. Hutt (1974) considera doença da indústria, desde muito tempo, são as de genes de efeito maior (major genes). Este
como sendo qualquer condição que afete doenças infecciosas. A literatura é farta em autor discute as classes de genes I, II e III
saúde, produtividade ou reprodução sub- trabalhos que demonstram variação gené- do MHC e claramente indica a associação
normal. Ele enumera uma série de doenças tica para resistência a doenças em muitas dos antígenos da classe I do BoLA com
causadas por um único gene, ou por alguns espécies, inclusive nas de grandes ani- várias doenças, particularmente com a
poucos, que produzem susceptibilidade a mais (Nielsen et al. 1996, Steine, 1996 e leucose bovina. Biozzi et al. (1979), com
elas, inclusive esterilidade em novilhas Emanuelson, 1997). As estimativas de her- base em seus experimentos de seleção para
brancas, baixa viabilidade e problemas dabilidade para resistência a um antígeno resistência a doenças em camundongos,
digestivos em carneiros cinza e câncer de são geralmente baixas, mas têm variado, de concluíram que: “O efeito da regulação
olho em bovino, entre outras. Recente- muito baixas até a 0,7. Se esta ampla poligênica da resposta à seleção contra
mente, descobriu-se uma herança simples, variação nos valores das herdabilidades é antígenos é essencialmente não-especí-
como a mioloencefalopatia degenerativa específica dos antígenos e espécies, ou fico. O mesmo grupo de genes regula a
progressiva weaver em gado Pardo Suíço simplesmente causada pela variância da resposta dos anticorpos para muitos com-
e a deficiência adesiva de ligação aos leu- amostragem, fica difícil de ser determinada. plexos imunogênicos não-relacionados
cócitos (BLAD) em gado Holandês. Outras Shook (1989) discutiu a seleção para re- com aqueles utilizados durante a seleção
condições deletérias, que têm herança sistência a doenças, apontou critérios de genética”. Essa conclusão claramente dá
simples, provavelmente serão descobertas seleção, revisou os custos das doenças em suporte à idéia da seleção para resistência
no futuro. Alguns destes genes são retidos nível dos rebanhos, e concluiu que a sele- geral a doenças.
na população em freqüência relativamente ção para resistência a doenças era neces-
alta, porque eles estão ligados a genes que sária e que todos os segmentos da indús- Imunocompetência geral
aumentam a produção. A condição weaver tria animal necessitavam criar facilidades O uso de um critério único de seleção
está associada a um aumento de 674kg de para o melhoramento genético dessa re- para a resistência a doenças pode trazer
leite e 26kg de gordura na raça Parda Suíça sistência. riscos em potencial. Por exemplo, Shook
(Hoeschele & Meinert, 1990). A grande O problema básico na seleção para (1989), ao discutir sobre o uso em potencial
ênfase da pesquisa em terapia via genes resistência a doenças é a obtenção de da- da contagem de células somáticas (CCS)
em humanos e o alto grau de homologia do dos. Na Noruega e Suécia, onde qualquer no leite, como um critério para a seleção de
DNA entre bovinos e humanos sugerem antibiótico ou outro medicamento só pode touros, sugere que a avaliação genética e a
que a terapia via genes possivelmente será ser administrado pelo veterinário, todos os seleção de touros pelas filhas com menos
utilizada em bovinos. A caracterização do tratamentos em animais são registrados em CCS poderiam levar à melhoria do manejo e
gene CD18, em bovinos que apresentam uma central de dados, e servem como in- aos programas de tratamento para reduzir
os sintomas da BLAD, tem 83% de homo- formações para a seleção. Nos programas a incidência de mastite. Todavia, a seleção
logia de seqüência com o gene que causa de melhoramento de gado de leite da No- a longo prazo para diminuição da CCS pode
condição similar em humanos. Em algumas ruega, cetose e mastite foram incluídas também reduzir a habilidade da vaca a res-
situações, o bovino pode servir como um como objetivos de seleção, desde 1978 ponder às infecções do úbere. A extensão
protótipo para se estudarem certas condi- (Solbu & Lie, 1990). Embora ganhos ge- com que a CCS prediz o status do meca-
ções em humanos. Defeitos causados por néticos importantes tenham sido obtidos nismo de defesa e reflete a presença ou
um único gene provavelmente não terão para as características de doenças nos pro- ausência de mastite não é conhecida. Em
no futuro o mesmo impacto que tiveram no gramas de teste de progênie, isso provocou gado de leite, a mastite é a doença que traz
passado, pois existem, atualmente, méto- uma redução de cerca de 15% na produção maiores prejuízos ao criador, principalmente
dos que permitem a detecção de animais de leite. Se a mastite não é incluída como em rebanhos de alta produção e é causada
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Biotecnologia 75

por um grande número de microorganis- sivelmente serão avaliados e selecionados ser avaliados sem a necessidade de incluir
mos. A seleção efetiva contra a infecção para aumentar a resistência a doenças em estas características em programas nacio-
causada por um ou alguns poucos micro- suas filhas. nais de avaliações. Dekkers (1999), em seu
organismos pode ter valor limitado, pois trabalho sobre a aplicação da tecnologia
outros microorganismos poderão rapida- CONSIDERAÇÕES FINAIS da genética molecular no melhoramento no
mente tornar-se os agentes infecciosos século XXI, concluiu que existe uma grande
As tecnologias que afetam o melho-
predominantes. Isto ilustra porque a sele- oportunidade para melhorar as taxas de
ramento genético podem ter seus efeitos
ção deve ser para a imunocompetência ganho genético nas populações de animais
sobre a estrutura do melhoramento ou do
geral ou para a resistência a uma ampla domésticos, desde que as informações
setor de produção da estimativa do mérito
variedade de infecções. Almlid (1981) dis- sobre as tecnologias moleculares sejam
genético e/ou da precisão das estimativas
cutiu os aspectos da seleção indireta para incorporadas aos programas de seleção.
do valor genético. A tecnologia dos marca-
resistência a doenças e sugeriu o uso de Conclui, ainda, que o uso errôneo destas
dores tem seus efeitos em cada uma dessas
grupos sangüíneos, sistemas de histo- informações pode levar a um ganho gené-
compatibilidade maior, atividade leucócita, áreas, através de várias aplicações: produ-
tico subótimo nas primeiras gerações e um
enzimas e hormônios. Todavia, embora a zindo genótipos juvenis desejáveis, antes
ganho reduzido nas posteriores.
seleção indireta tenha sido sugerida há de mensurar o fenótipo; utilizando MAS
muito tempo, ela não tem sido implemen- para característica que não faz parte dos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tada com sucesso. critérios de seleção atuais ou para a que já
ALMLID, T. Indirect selection of bulls for
Em resumo, pode-se dizer que existem faz parte e também para verificação de pa- improved resistance to disease in cattle.
diferenças genéticas aditivas para resis- rentesco. Livestock Production Science, Amster-
Qualquer tecnologia que afete a prolifi- dam, v. 8, p. 321, 1981.
tência a muitas doenças, o que dá suporte
à seleção. Embora os valores das herdabi- cidade dos animais, sua idade ao primeiro ANDERSON, G.B. Isolation and use of em-
cio e sua vida reprodutiva, certamente bryonic stem cells from livestock species.
lidades estimadas tenham sido, em geral, Animal Biotechnology, v. 3, p. 165-175,
baixos em muitas situações, isto pode ter afetará a mudança genética. Tecnologias
1992.
sido conseqüência de diagnóstico e anota- reprodutivas, tais como clones, partição de
ANDERSON-EKLUND, L.; RENDEL, J.
ções imprecisas. Os desafios de animais embriões, coleta de ovócito e o uso de célu- Linkage between amylase-1 lócus and a
com patógenos específicos para medir las embrionárias, aumentarão a intensidade major gene for milk fat content in cattle.
imunidade não parece ser algo factível na de seleção e reduzirão o intervalo de gera- Animal Genetics, Oxford, v. 24, p. 101-
ções. Espera-se que a aplicação da seleção 103, 1993.
prática, mas os desafios com moléculas
com auxílio de marcadores permita que as ANDERSSON, L.; HALEY, H.; ELLEGREN,
específicas podem ser úteis. Esperam-se
decisões de seleção sejam realizadas em H.; KNOTT, S.A.; JOHANSSON, M.;
que, em futuro próximo, informações sobre ANDERSSON, K.; ANDERSSON-
problemas de saúde e seus respectivos idades mais precoces e, assim, afete a es-
EKLUND, L.; EDFORS LILJA, I.;
tratamentos sejam registrados, à seme- trutura genética da população. Como já FREDHOLM, M.; HANSSON, I.;
lhança do que já ocorre rotineiramente na mencionado, isso trará grandes benefícios HAKANSSON, J.; LUNDSTROM, K.
Noruega e Suécia, o que facilitará na im- para as características que não podem ser Genetic maping of quantitative trait loci for
medidas antes de uma determinada idade growth and fatness in pigs. Science, Wa-
plementação dos programas de seleção. shington, v. 263, p. 1771-1774, 1994.
A forma mais provável para melhorar o ou que seja dependente do sexo do indiví-
BARENDSE, W.; ARMIZTAGE, S.M.;
diagnóstico e o registro dos eventos será duo. O uso de marcadores genéticos tem a
KOSSAREK, L.; KIRKPATRICK, B.W.;
medir a imunocompetência geral dos touros capacidade de permitir a predição do mérito RYAN A.M.; SHALOM, A.; CLAYTON,
nos programas de inseminação artificial. A genético para características que são difí- D.; LI, L.; NEIBERGS, H.; NAN, Z.;
precisão dos resultados poderá ser melho- ceis de ser mensuradas e por essa razão GROSSE, M.; CREIGHTON, P.;
não participavam dos critérios de seleção. MCCARTHY, F.; RON, M.; SOLLER, M.;
rada à medida que os conhecimentos sobre
FRIES, R.; MCGRAW, R.A.; MOORE,
genética molecular e imunogenética aumen- Associações entre marcadores e alelos de
S. S.; TEALE, A.; GEORGES, M.;
tarem. A precisão da avaliação dos touros QTLs podem predizer o desempenho de WOMACK, J.E.; HETZEL, D.J.S. A
para os problemas de saúde poderá ser características, tais como a marmorização e preliminary map of the bovine genome.
verificada através de estudos de controle a maciez da carne, sem a necessidade da Nature Genetics, v. 6, p. 227-235, 1994.
em dados obtidos sobre estes problemas medição de animais em grande escala. Além BECKMANN, J.S.; SOLLER, M. Detection
nos rebanhos. Devido ao aumento do disso, marcadores para características que of linkage between marker loci and loci
fazem parte dos objetivos específicos de affecting quantitative traits in crosses
custo com a saúde dos bovinos, à medida
between segregating populations. Theore-
que a produção aumentar, bem como as um selecionador, mas que não estão dentro tical and Applied Genetics, New York,
restrições quanto ao uso de drogas e medi- do objetivo geral da seleção, tais como a v. 76, p. 228-236, 1988.
camentos nos sistemas de produção animal, resistência a uma determinada doença ou BECKMANN, J.S.; SOLLER, M. Molecular
os touros para inseminação artificial pos- alguma característica morfológica, podem markers in animal genetic improvement.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.67-78, maio/jun. 2000


76 Biotecnologia

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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.67-78, maio/jun. 2000


Biotecnologia 79

Biotecnologia na pecuária: tecnologias reprodutivas


Mario Luiz Martinez 1
Ademir de Moraes Ferreira 2
Marco Antônio Machado 3

Resumo - Os avanços sobre as técnicas reprodutivas iniciam-se com a inseminação


artificial, responsável pelo grande aumento do potencial genético dos animais. Os
aspectos relativos à transferência de embriões e à fertilização in vitro são técnicas que
visam basicamente multiplicar, de forma mais intensa, fêmeas de genótipos superiores,
assim como a sexagem de espermatozóides e de embriões, e a produção de clones em
animais. Os impactos sobre o ganho genético da ovulação múltipla e transferência de
embriões, bem como das demais tecnologias reprodutivas sobre a viabilidade
econômica da utilização destas técnicas, buscam efetivamente a melhoria da eficiência
técnico-econômica dos sistemas de produção.
Palavras-chave: Fertilização in vitro; MOET; Sexagem; Clonagem; Reprodução;
Biotecnologia; FIV.

INTRODUÇÃO urgente nos países em desenvolvimento de seis bilhões em 2005 (Carneiro, 1998).
Os aumentos na eficiência da produção (Mariante & Bem, 1992), além de contribuir Todas as áreas da Biotecnologia estão
dos rebanhos, nos últimos 40 anos, prin- para a melhoria das técnicas já existentes, em processo contínuo de evolução rápida,
cipalmente nos países desenvolvidos, têm bem como para o desenvolvimento de no- sendo inevitáveis as transformações que
sido espetaculares. Índices de desempe- vas tecnologias reprodutivas, das quais ocorrem ou ocorrerão no setor agropecuá-
nho, tais como produção de leite por vaca depende o sucesso das biotecnologias de rio e industrial de maneira geral, decorren-
e taxa de crescimento em gado de corte, manipulações genéticas (Headon, 1994 e tes desse processo, sendo que qualquer
praticamente dobraram nesse período. Sainz, 1997). país ou região que pretenda participar e
Esses resultados foram possíveis pela uti- Os maiores investimentos em Ciência competir no mercado mundial não pode
lização de inovações tecnológicas associa- e Tecnologia nos últimos anos, nos paí- deixar de considerar esse fato.
das aos benefícios econômicos que pro- ses em desenvolvimento, aproximam-se O objetivo deste artigo é revisar os
porcionaram à pecuária. Muito do ganho de 0,7% do PIB, enquanto nos países in- principais avanços científicos ocorridos
produtivo obtido foi conseqüência da me- dustrializados situam-se ao redor de 3,0%. na pecuária, descrevendo e discutindo as
lhoria constante do potencial genético dos Isso explica porque a maioria dos avan- biotecnologias de reprodução já em uso
animais, facilitado pela melhoria das técni- ços científicos, que possibilitaram o de- ou aquelas promissoras para um futuro
cas de reprodução, que indiscutivelmen- senvolvimento da Biotecnologia moderna, próximo, e analisar as perspectivas de seu
te contribuíram para reduzir o custo do foi gerada pela comunidade científica dos uso para a continuidade do progresso dos
aumento da eficiência reprodutiva. países industrializados (Carneiro, 1998). A criadores.
Os novos conhecimentos em repro- importância da biotecnologia, num futu-
dução, que vêm sendo gerados em ritmo TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO
ro próximo, pode ser exemplificada pela
acelerado, permitirão não só o incremento ANIMAL
estimativa do valor projetado no mercado
da produção e produtividade na pecuária, global para investimento em pesquisas e As biotecnologias reprodutivas são de
mas também a perpetuação de genomas de em transgênicos, em torno de dois a três fundamental importância para o desenvol-
espécies ameaçadas, uma necessidade bilhões de dólares para o ano 2000 e cerca vimento da pecuária no país, independente

1
Engo Agro, Ph.D. Genética Quantitativa, Pesq. EMBRAPA Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de
Fora-MG. E-mail: martinez@cnpgl.embrapa.br
2
Veterinário, D.S. Zootecnia, Pesq. EMBRAPA Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz de Fora-MG.
E-mail: ademirmf@cnpgl.embrapa.br
3
Engo Agro, D.S. Genética e Melhoramento, Pesq. EMBRAPA Gado de Leite, Rua Eugênio do Nascimento, 610 - Dom Bosco, CEP 36038-330 Juiz
de Fora-MG. E-mail: machado@cnpgl.embrapa.br

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80 Biotecnologia

de quais sistemas de produção de leite mostram que a técnica ainda é pouco utili- porcionalmente elevado em relação ao in-
devam vigorar no futuro, com animais zada no Brasil, embora consagrada e muito cremento de produção obtido. Este custo
puros (zebuínos ou taurinos) ou mesti- utilizada em outros. Na maioria dos países torna-se ainda maior devido aos estresses
ços. desenvolvidos, o uso da inseminação artifi- ambiental e nutricional a que são subme-
cial varia de 60% a 90%. Nos Estados Uni- tidas as vacas, com os deficientes meios
Inseminação artificial dos, segundo Freeman & Lindberg (1993), de transporte e comunicação que fazem com
A inseminação artificial tem sido a cerca de 70% do gado de leite é acasalado que a inseminação artificial apresente
biotecnologia da reprodução de maior artificialmente, enquanto a maioria dos 30% resultados inferiores. Outro fator adicional
sucesso e eficácia em produção animal, restantes é acasalada pela primeira vez com é o número escasso de vacas em controle
sendo responsável por índices de in- touros filhos de inseminação artificial. Isto, leiteiro oficial, que é a base de sustentação
cremento genético na pecuária leiteira aliado à melhoria de manejo e alimentação, para os programas de teste de progênie,
em torno de 1,0% a 1,5% ao ano (Lohuis, tem permitido um grande aumento na pro- daí ser impossível obter os mesmos ganhos
1995). dução de leite. genéticos que aqueles alcançados nos
A inseminação artificial revolucionou A maioria dos programas comerciais países em desenvolvimento.
a população comercial de gado de leite nos com inseminação artificial usa sêmen con- Chupin & Thibier (1995) e Chupin &
últimos 50 anos, permitindo a disseminação gelado. Todavia, os produtores da Nova Schuh (1993) realizaram um excelente tra-
de genótipos superiores em grande escala. Zelândia inseminam a maior parte de suas balho de diagnóstico do uso da insemi-
Em alguns países, praticamente 100% das vacas com sêmen resfriado, durante uma nação artificial nos países desenvolvidos
vacas de leite são acasaladas através da pequena temporada. Desta maneira, o nú- e em desenvolvimento, respectivamente,
inseminação artificial. A rápida dissemina- mero de touros necessários para atender a nos quais verificaram que mais de 50 mi-
ção dessa tecnologia deveu-se à combi- população de bovinos é menor, pois, na lhões de inseminações eram realizadas
nação de fatores genéticos, econômicos e técnica de congelamento do sêmen, muitos por ano. Os países desenvolvidos com
técnicos. O seu uso permitiu o estabeleci- espermatozóides morrem. Assim, a pressão cerca de 30% dos bovinos do mundo eram
mento dos testes de progênie e, conse- de seleção pode ser maior sem necessaria- responsáveis por aproximadamente 83%
qüentemente, a avaliação do mérito gené- mente ter de usar mais recursos, ou seja, das inseminações artificiais. Nestes países,
tico de touros em muitos rebanhos. Além pode-se obter a mesma taxa de ganho gené- o número total de inseminação artificial
disso, ela tornou disponíveis os melhores tico com um custo menor. vem-se declinando, acompanhando a
genótipos a toda a população de animais. Os fatores técnicos, econômicos e ge- diminuição do número de vacas leiteiras.
A pesquisa genética foi bastante favore- néticos são diferentes para gado de corte. Em contrapartida, nos países em desenvol-
cida com a inseminação artificial, em virtude Em países como o Canadá, Estados Unidos, vimento, esse número vem aumentando,
de poder usar os touros em vários reba- Austrália e Brasil, os rebanhos de gado mesmo a despeito dos fatores desfavo-
nhos, o que eliminou o confundimento do de corte são constituídos por um número ráveis já mencionados. A inseminação
efeito do touro com o efeito do rebanho, muito maior de animais, o que ocorre ao artificial é uma tecnologia que será, ainda
no desempenho produtivo. Os avanços contrário em países europeus. Isso dificulta por muito tempo, a grande ferramenta res-
téc-nicos relativos aos aspectos de a identificação de cios e pode tornar o uso ponsável pelo melhoramento dos reba-
qualidade, envasamento, congelamento e da inseminação artificial menos indicado, nhos.
armazena-mento do sêmen tornaram a pela menor eficiência e, portanto, maior A maior limitação na aplicação da inse-
inseminação artificial uma prática indicada custo. Além disso, como as características minação artificial continua sendo a baixa
e confiável, e fizeram com que seu custo se relacionadas com a produção de carne eficiência na identificação dos cios, pois
mantivesse praticamente constante nos podem ser medidas em ambos os sexos, o esta taxa não-identificada varia de 40% a
países desen-volvidos, isso permitiu a sua teste de progênie oferece menos vanta- 60% (Roche & Mihm, 1996). A necessidade
ampla utili-zação. gem que no caso de gado de leite. A com- de assistência técnica especializada perió-
As vantagens zootécnicas e econômi- binação destes fatores faz com que o uso dica, por onerar o custo de produção, fez
cas da inseminação artificial têm aumen- da inseminação artificial em gado de corte, com que a técnica da inseminação artificial
tado a substituição do acasalamento natu- na maioria dos países desenvolvidos, seja só fosse utilizada por produtores com certa
ral pelo seu uso nos rebanhos de gado de menor do que 10% (Cunningham, 1998). escala de produção e boa margem de lucro
leite em diversos países. Segundo infor- Diversos fatores não permitem que a por litro de leite produzido. Por esse mo-
mações da Associação Brasileira de Inse- inseminação artificial seja utilizada inten- tivo, torna-se imperioso o apoio de órgãos
minação Artificial (Asbia) (Evolução..., samente em muitos países em desenvol- governamentais de fomento para estabe-
1997), cerca de 2.861.851 fêmeas bovinas vimento (Chupin & Schuh, 1993). Em geral, lecimento e manutenção de programas
(4,71%) foram inseminadas no Brasil no ano a baixa produção de leite por vaca (1.000 comunitários de inseminação artificial,
de 1997, sendo 1.339.022 de leite (8,68%) e a 2.000 litros por lactação) faz com que o principalmente para médios e pequenos
1.531.830 (3,38%) de corte. Esses números custo da inseminação artificial seja pro- produtores.

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Transferência de embriões uma mesma vaca, do que seria possível e transferência.


A transferência de embriões compreen- através da reprodução normal. Uma vaca Um dos entraves na adoção de progra-
de a superovulação de doadoras, coleta e chega a ter cerca de 75 mil ovócitos em mas de transferência de embriões está na
transferência de embriões para as recepto- seus ovários (Hansel & Godke, 1992), e necessidade de as vacas elites, utilizadas
ras, a fresco ou congelados. A transferência produz em média quatro a cinco bezerros como doadoras, serem retiradas do sistema
de embriões foi inicialmente desenvolvi- em toda a sua vida através da reprodução de produção (Brockington & Martinez,
da através de técnica cirúrgica. Nos últimos normal. Com a transferência de embriões 1996). Outro fator limitante na sua aplica-
20 anos, os métodos de coleta, congela- ela pode ter de 25 a 30 bezerros e com as ção é a grande variação no número de
mento e transferência de embriões bovinos novas tecnologias como a fertilização in ovulações e de embriões viáveis obtidos
têm sido aperfeiçoados substancialmente, vitro pode chegar a 100 ou mais bezerros. em cada superovulação (Betteridge &
e os países europeus tiveram uma grande Os benefícios para aumentar a eficiência Rieger, 1993). O avanço nos conhecimen-
influência científica no desenvolvimento reprodutiva de vacas selecionadas são: tos do controle fisiológico da dinâmica
dessa tecnologia em bovinos. a) vacas geneticamente superiores po- folicular fará com que a regulação dos ciclos
A coleta cirúrgica, congelamento e dem contribuir mais para os progra- estrais deixe de ser sustentada em bases
transferência de embriões provenientes de mas de melhoramento. Esta contri- empíricas (Hansel & Godke, 1992) e, com
vacas superovuladas tiveram origem em um buição pode ser maximizada caso isso, certamente as respostas superovula-
laboratório de pesquisa em Cambridge seus filhos sejam selecionados para tórias serão melhores e mais uniformizadas,
(Rowson, 1971, Rowson et al. 1972, Wilmut, os programas de teste de touros e reduzindo o custo do embrião, que varia
1972 e Wilmut & Rowson, 1973). Este labo- posterior uso na inseminação arti- de um país para outro, mas que em geral
ratório foi o primeiro a produzir animais ficial; é superior a US$ 100,00. O custo elevado
idênticos, através da micromanipulação de do produto nascido, em muitos casos, é
b) aumento da taxa de seleção materna,
embriões e também o primeiro a realizar expe- incompatível com o momento econômico
que combinada com a rápida mu-
da atividade leiteira no Brasil, o que tem
rimentos de clones através da transferên- dança genética, pode ser usada para
desestimulado sua adoção por maior nú-
cia de núcleo em várias espécies, como bo- estabelecer programas especiais de
mero de produtor.
vinos, ovinos, suínos e eqüinos (Willadsen, melhoramento (MOET) (Nicholas &
Isto tem feito com que a técnica seja
1979 e Willadsen & Polge, 1981). O pro- Smith, 1983), podendo até dobrar o
basicamente utilizada em vacas de alto valor
gresso desta tecnologia na Europa foi pa- ganho genético em relação aos pro-
genético, as denominadas elites. Atual-
ralelo ou precedido pelos estudos condu- gramas convencionais.
mente, nos países desenvolvidos pratica-
zidos nos Estados Unidos e Japão. O uso A transferência de embriões pode tam- mente 100% dos touros jovens para teste
da transferência de embriões vem cres- bém ser utilizada para a rápida expansão de progênie são produzidos através da
cendo em todo o mundo, com um total de da genética de rebanhos elites, como nos transferência de embriões.
482.996 embriões transferidos em 1996, dos programas especiais de melhoramento
quais 10.140 foram conduzidos na Áfri- (MOET) que foram ou estão sendo execu-
Fertilização in vitro (FIV)
ca (2,5%), 169.201 na América do Norte tados no Canadá (TEAM), Dinamarca
(41,0%), 49.861 na América do Sul (12,0%), (FY-BI), Finlândia (Asmo), França (Gene- As pesquisas nos últimos anos têm-se
64.119 na Ásia (15,5%), 111.321 na Europa tique Avenir), Alemanha (Osnabrück), concentrado na fertilização in vitro, tecno-
(27,0%) e 8.354 na Oceania (2,0%), segundo Inglaterra (Genus) e Nova Zelândia (Del- logia quase toda conduzida dentro do la-
Thibier (1998), sem computar vários países ta) (Callesen et al., 1996). De 1985 a 1995, o boratório. Ovócitos imaturos são coletados
que não enviaram relatórios à Sociedade programa MOET da Dinamarca com gado de ovários de animais vivos ou de animais
Internacional de Transferência de Em- de leite, denominado projeto FY-BI, foi uma abatidos e, posteriormente, maturados e
briões. parte essencial das tentativas de melhorar fertilizados em laboratório e mantidos em
Atualmente, é possível superovular o potencial genético do gado de leite di- cultivo para se desenvolverem até um
vacas e efetuar coletas não-cirúrgicas com namarquês, usando sistematicamente su- determinado estádio, quando então são
um desempenho médio em torno de quatro perovulação e transferência de embriões. transferidos para uma receptora ou con-
embriões por coleta. O congelamento dos Muitos dos resultados deste projeto podem gelados para posterior transferência. To-
embriões em nitrogênio líquido já é realiza- ser encontrados nos trabalhos de Callesen do o processo é conhecido como Produção
do como rotina, embora a eficiência seja et al. (1992, 1995, 1996, 1997). in vitro (PIV) de embriões, usando-se tam-
reduzida, quando comparado com a trans- A transferência de embriões pode ainda bém comumente a terminologia Fertilização
ferência de embrião a fresco. Da mesma for- ser utilizada para reduzir custos de trans- in vitro (FIV). Este procedimento foi des-
ma, a implantação não-cirúrgica ou inovu- porte internacional de material genético crito em detalhes por Gordon (1994) e expe-
lação já é também uma rotina. superior, substituir com rapidez os genó- riências mais recentes foram revisadas por
O principal benefício da transferência tipos de uma população ou ainda aumentar Tervit (1997).
de embriões é produzir mais bezerros de a possibilidade de gêmeos após a bipartição Nos últimos cinco a sete anos, a produ-
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ção de embriões através da FIV tem sido eventos e as dificuldades do parto, e a (Gordon, 1994). Essa seleção pode ser feita
bastante acelerada, conseqüência da aspi- determinação precisa do peso do bezerro por sexagem dos espermatozóides, dos
ração de ovários em matadouros ou da nascido, para que se possam tirar conclu- embriões ou do feto. Por vários anos, muitas
aspiração transvaginal in vivo (punção sões mais definitivas. Revisões sobre os tentativas de sexar espermatozóides têm
folicular), com auxílio de equipamento de aspectos da morfologia e viabilidade dos sido realizadas, mas nenhuma tem prova-
ultra-som. Um grupo de pesquisadores da embriões produzidos in vivo versus in vitro do ser suficientemente específica, confiável
Irlanda foi um dos pioneiros no estudo da foram realizadas por Greve et al. (1993) e e de alta repetibilidade. O método poten-
FIV, utilizando ovários de vacas de mata- Avery & Greve (1993, 1995). cialmente promissor com uso de anticorpo
douros (Lu et al., 1987). A exploração comer- É também aceito, em geral, que a viabi- H-Y, para eliminar o cromossomo Y do es-
cial da FIV foi posteriormente implementa- lidade de embriões congelados produzidos permatozóide, teve que ser abandonado
da na Dinamarca, com base na obtenção via FIV é inferior à dos embriões conge- depois de verificar que o antígeno H-Y não
de ovócitos por meio da punção folicular lados produzidos in vivo (Mermillod et al., é preferencialmente expresso no esperma-
(Pieterse et al., 1988, 1991, Schans et al., 1992, Massip et al., 1993ab e Wurth et al., tozóide Y.
1992 e Kruip & Boni, 1994). Este procedi- 1994), e os resultados ainda não apresen- Os esforços mais recentes para sexa-
mento tornou-se uma forma muito atrativa tam níveis aceitáveis. Até então não se co- gem dos espermatozóides baseiam-se na
para a produção de animais provenien- nhecem as causas dessa diferença na via- separação daqueles que têm o cromosso-
tes de doadoras elites, incluindo aquelas bilidade entre os embriões produzidos via mo X ou Y (Cran, 1992 e Cran et al., 1993),
com problemas reprodutivos (Den Daas FIV e à dos embriões produzidos in vivo, com posterior uso deles na técnica de FIV
& Merton, 1994). Quando utilizada em bem como os métodos para melhorar a efi- (Johnson, 1995 e Rath et al., 1996). A di-
novilhas, a FIV pode contribuir significati- ciência na coleta de ovócitos. ficuldade deste método está no fato de que
vamente para o melhoramento genético dos Embora a produção de embriões pela o número de espermatozóides a ser sepa-
rebanhos (Greve et al., 1993). O grande FIV deva contribuir decisivamente para rado é relativamente baixo (Johnson, 1995),
desenvolvimento da FIV já pode ser obser- uma maior eficiência reprodutiva, como sendo necessário separar um esperma-
vado na Europa e Japão, onde foram trans- instrumento de multiplicação rápida do tozóide por vez. Isto é possível porque o
feridos, respectivamente, 6.848 e 4.642 material genético melhorado existente, espermatozóide que carrega o cromossomo
embriões produzidos in vitro. encurtando o intervalo de gerações e inten- Y (macho) difere ligeiramente daquele que
Embora várias pesquisas estejam sendo sificando a seleção, sua importância vai carrega o cromossomo X (fêmea) na quan-
desenvolvidas, visando às respostas mais além do interesse comercial, pois, ao permi-
tidade de DNA (cerca de 3%) que contém.
eficientes na FIV, ainda não se obteve uma tir a produção em larga escala de ovócitos
Utilizando-se lâmpada de laser, na colora-
taxa de sucesso economicamente viável. maturados e fecundados, servirá de ferra-
ção do teor de DNA, os espermatozóides
Em geral, menos de 20% dos ovócitos fer- menta indispensável para outras biotecno-
podem ser separados por um equipamento
tilizados transformam-se em embriões logias, como clonagem, produção de célu-
de citometria de fluxo. O sistema funciona,
viáveis para a transferência (Sainz, 1997), las totipotentes, preservação de ovócitos,
mas tem ainda algumas imperfeições. A se-
sendo também maior a perda durante a transgênese, formação de gêmeos idênticos
paração é apenas 90% correta e o esperma-
gestação. O resultado final é que embriões e marcadores genéticos (Trounson, 1992).
tozóide é danificado durante o processo, o
produzidos pela tecnologia de FIV ainda Um bom ajustamento da técnica de FIV
que reduz a taxa média de fertilidade. To-
apresentam menor fertilidade do que aque- poderá melhorar a sua eficiência, porém
davia, o fator mais limitante é a velocidade
les embriões convencionais, em que se serão necessários conhecimentos mais
do processo, já que com os equipamentos
obtêm, normalmente, taxas de gestação de profundos dos processos moleculares e
60%. Segundo Callesen et al. (1998), a viabi- imunológicos, envolvendo suas diversas atuais apenas cerca de 1.000 espermato-
lidade de embriões provenientes de FIV, etapas (Trounson, 1992 e Gordon, 1994). zóides por segundo são separados. Con-
transferidos não-cirurgicamente, tem sido A Embrapa Gado de Leite tem sido pro- siderando-se que uma inseminação nor-
animadora, gerando taxas de gestação em curada por algumas cooperativas de grande malmente requer, pelo menos, 10 milhões
torno de 50% a 55%, apenas 10% menor porte, que demonstraram interesse em de espermatozóides (mais de 2,5 horas para
do que com embriões produzidos in vivo. montar laboratórios visando à produção separação), é evidente que esta técnica não
O aumento da taxa de mortalidade fetal até maciça de fêmeas F1 (Girolando), tão logo pode ser usada na pré-sexagem em massa
um máximo de 20% tem sido observado em a técnica da FIV apresente eficiência eco- do sêmen para uso normal na inseminação
gestações com embriões oriundos de FIV nomicamente viável. artificial.
(Reichenbach et al., 1992). Bezerros fracos Com a finalidade de reduzir o número
e grandes, com aumento da incidência de Sexagem de espermatozóides de espermatozóides requerido, Seidel et al.
partos distócicos, têm sido descritos para e de embriões (1997) desenvolveram um método de inse-
gestação de embriões produzidos pela A seleção do sexo em bovinos é de minação que requer a colocação do esper-
FIV, mas é necessário um número maior de grande interesse para a atividade leitei- matozóide na porção superior do oviduto.
dados e registros mais precisos sobre os ra, por ser a fêmea a unidade produtiva Usando 100 mil e 250 mil espermatozóides

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por inseminação, eles obtiveram respecti- cação de antígenos H-Y e dosagem de en- Testes diagnósticos
vamente taxas de concepção de 20% e 10% zimas do cromossomo Y (Gordon, 1994 e Os métodos clássicos para o diagnós-
menores do que aquelas obtidas com con- Hossepian et al., 1997). tico de doenças têm duas estratégias bá-
centrações normais utilizadas na insemi- A pré-seleção in vitro de embriões de sicas: o isolamento, cultivo e identificação
nação artificial. Este tipo de pesquisa, asso- bovinos tem sido bastante estudada em do agente infeccioso, e a detecção de an-
ciado ao aumento da taxa de separação dos vários laboratórios e é aceito, em geral, que ticorpos específicos contra o patógeno
espermatozóides, pode vir a gerar proce- embriões machos desenvolvem-se mais presente ou não no soro do animal afetado.
dimentos, cujos custos e benefícios justifi- rapidamente do que embriões fêmeas, pelo Embora esses métodos venham permitin-
quem comercialmente o seu uso. Contudo, menos em alguns sistemas in vitro de pro- do o controle e a erradicação de várias en-
estes procedimentos deverão estar dispo- dução de embriões (Avery et al., 1991, 1992, fermidades importantes, eles apresentam
níveis tão-somente na próxima década. Valdivia et al., 1993 e Dufour et al., 1994). alto custo, falta de especificidade e demora
Em síntese, pode-se dizer que vários Dentro do contexto da FIV, em que nos resultados.
métodos vêm sendo testados na sexagem alguns poucos milhares de espermato- As tecnologias de manipulação de DNA,
dos espermatozóides, com base nas dife- zóides são necessários para a fertilização, com a produção in vitro de anticorpos mo-
renças físico-químicas entre espermato- é possível utilizar sêmen sexado para a noclonais (mais preciso e específico), têm
zóides X ou Y (sensibilidade ao pH, carga produção de embriões em larga escala. Os possibilitado o desenvolvimento de antíge-
elétrica das membranas plasmáticas, mor- custos poderão ser reduzidos substan- nos e anticorpos recombinantes de bacté-
fologia do núcleo e cabeça, velocidade de cialmente e quase todos os embriões pro- rias e vírus (McCullough, 1993 e Zarlenga,
migração, diferenças na densidade...) ou duzidos seriam do sexo desejado. Existem, 1994), com uma produção de kits para
biológicas (antígenos de superfície, conten- todavia, alguns problemas que devem ser diagnóstico de campo, de doenças da re-
do o DNA...), segundo Cotinot et al. (1993) resolvidos, tais como custo, qualidade ge- produção e outras.
e Hossepian et al. (1997). Os resultados nética e disponibilidade de ovócitos, meios
são ainda contraditórios, imprecisos e com de cultivo de embriões mais eficientes na Vacinas
baixa repetibilidade. FIV, além da obtenção de taxas razoáveis As vacinas tradicionais dividem-se em
Outra forma que vem sendo utilizada de fertilidade com sêmen congelado, en- dois grupos: as produzidas com organismos
para obtenção de produtos com sexo pre- vasado e sexado, e sêmen fresco sexado e vivos atenuados e com organismos mortos.
determinado é a sexagem de embriões. Com depois envasado e congelado. A viabili- As vacinas contendo organismos mortos,
as tecnologias atuais, é possível extrair uma dade comercial deste processo é possível, em geral, têm eficácia menor, mas, em com-
célula de um embrião jovem (Thomsen et mas certamente transcorrerão ainda alguns pensação, maior segurança. Em certos ca-
al. 1991 e Bredbacka et al. 1994) e com o anos antes que se torne realidade. sos, a vacina viva pode provocar aborto
uso de sondas de DNA, verificar se ele é ou até mesmo reascender a própria doença
Bisecção de embriões
macho ou fêmea. Todavia, esta metodolo- que se procura evitar.
(Bipartição)
gia não é ainda amplamente utilizada, é A biotecnologia oferece oportunidades
Embora a bipartição de embriões possa de imunizar animais contra antígenos oriun-
relativamente cara e por se tratar de um
contribuir para o aumento da eficiência bio- dos de patógenos de interesse, sem expor
método invasivo, ou seja, com rompimento
lógica (em até 25%) e a produção de gêmeos diretamente o animal a esse patógeno, pe-
da zona pelúcida, o que por precaução sa-
idênticos, para experimentos em nutrição, la transferência do gene do antígeno a um
nitária não pode ser comercializada inter-
genética etc. (Gordon, 1994), seu uso vem vetor não-patógeno (Sainz, 1997).
nacionalmente (Hossepian et al., 1997),
sendo limitado. Isto, provavelmente, por
aumenta o risco de redução na taxa de ferti- Produtos terapêuticos
exigir embriões de excelente qualidade
lidade. Na França, esta técnica é oferecida As técnicas de transferência de genes
(mórula compacta e blastocisto), que terão
aos criadores em conjunto com a trans- a zona pelúcida rompida para execução da em microorganismos têm possibilitado a
ferência de embriões (Thibier & Nibart, técnica, reduzindo sua viabilidade nas produção de novos agentes terapêuticos,
1995). São pesquisados também métodos implicações sanitárias e no congelamen- como, por exemplo, antibióticos, interferon
não invasivos para a sexagem de embriões, to. etc. (Headon, 1994), produtos de ação far-
sendo importante que a técnica não pro- macológica cada vez mais potentes e tam-
voque efeito deletério sobre o embrião, Doenças da
bém de suma importância no tratamento das
permitindo sua criopreservação ou suces- reprodução/abortos
infecções inespecíficas do aparelho genital.
so na transferência, além de boa confiabi- Pesquisas futuras ou em desenvolvi-
lidade, repetibilidade, simplicidade e rapi- mento poderão propiciar melhores méto- Ovulação múltipla
dez (Cotinot et al., 1993). Entre os métodos dos de controle e erradicação de doenças e transferência de embriões
que vêm sendo empregados destacam-se: que afetam a reprodução como brucelose, (MOET) como ferramenta
análise citogenética, uso de sondas de DNA leptospirose, campilobacteriose, tricomo- para o melhoramento
específicos para o cromossomo Y, identifi- none, IBR/BVD. Uma alternativa para aumentar a taxa
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84 Biotecnologia

de ganho genético em uma população é cia de embriões. Miller (1989) estudou o A correção para este efeito pode ser facil-
através da superovulação de vacas de mé- esquema de MOET aberto e concluiu que, mente realizada, incluindo-se no modelo de
rito genético superior e a posterior coleta e especialmente em grandes populações, o avaliação genética um efeito fixo para cada
transferência de embriões (MOET). Esta, uso de machos testados pela progênie e a linha materna, que pode ser considerada
quando executada em um rebanho, no qual seleção de fêmeas jovens em um rebanho fixa por não ocorrer segregação e recombi-
são utilizados apenas os animais do próprio sob o esquema MOET resultam em taxas nação no RNA mitocondrial, pois ele passa
rebanho, é dito de MOET fechado. Nesta de ganhos maiores do que o esquema do intacto da mãe para as filhas. As linhas
situação, os machos são avaliados pelo MOET fechado. Em alguns casos, fêmeas maternas podem ser definidas, voltando-
desempenho das irmãs e das mães e os me- podem ser escolhidas nas populações e se ao pedigree materno até a vaca funda-
lhores machos são utilizados como pais da trazidas para o núcleo MOET. Dekkers & dora de populações, que esteja registrada.
nova geração. Alternativamente, existem Shook (1990), usando simulação, estimaram Outra forma seria a utilização de marcado-
outras estruturas de MOET. Em uma delas, que o valor presente da taxa de retorno de res mitocondriais, para características de
os touros (sêmen) utilizados são de fora 20 anos de um esquema de seleção em um importância econômica, visando o ajuste
do rebanho e apenas as matrizes são exclu- núcleo aberto de MOET, foi de 10% a 20% das diferenças devidas a estes efeitos sobre
sivamente daquele núcleo ou rebanho. A maior do que o do teste de progênie con- o fenótipo das fêmeas.
este esquema, diz-se que o MOET é semi- vencional. Em trabalhos experimentais de seleção
aberto. Uma alternativa é utilizar sêmen de A maioria dos cálculos do ganho ge- com MOET, Callesen et al. (1996, 1997) de-
fora do núcleo genético e uma vez ou outra nético, para a seleção com MOET, supõe monstraram que um rebanho pode ser es-
incorporar alguma matriz de fora do núcleo. que todos os embriões viáveis transferidos tabelecido com base na transferência de
Em geral, denomina-se esta alternativa de irão produzir o número esperado de fêmeas, embriões das 25% melhores fêmeas, com
MOET aberto. e que o ganho genético esperado através manutenção de níveis satisfatórios de
Nicholas & Smith (1983) introduziram o da seleção de irmãos também será obtido. reprodução e produção. Brockington &
conceito de MOET em um esquema de me- Essas pressuposições a respeito do ganho Martinez (1996) utilizaram simulação para
lhoramento, para aumentar o ganho gené- esperado, em geral, não são obtidas. A outra avaliar os efeitos econômicos do uso de
tico em 30% na seleção de uma caracte- razão de não se obter o ganho genético es- um esquema MOET em rebanhos pequenos
rística. Diminuir o intervalo de gerações, perado é a herança citoplasmática, que é (máximo de 50 fêmeas em reprodução) e
compensa a perda da precisão, devido à transmitida maternalmente. Em razão disso, concluíram que embora fosse possível
seleção apenas pelo pedigree. Joen et al. as diferenças entre vacas, causadas pelos obter ganhos genéticos de 1% ao ano na
(1990) usaram simulação para avaliar di- efeitos do DNA mitocondrial, são incluídas população de fêmeas, a viabilidade econô-
versos esquemas de MOET e, na maioria como parte da expressão fenotípica das mica do sistema de produção dependeu
dos casos estudados, o ganho genético características de importância econômica. criticamente de um mercado consumidor
obtido com o MOET foi superior ao ganho Assim, quando a seleção de fêmeas é uti- para a aquisição dos embriões que foram
obtido pelo teste de progênie. lizada, os efeitos destes mitocôndrios são produzidos em excesso.
Programas de seleção em populações incluídos na estimativa do valor genético No futuro, rebanhos-núcleos poderão
fechadas têm maior taxa de consangüini- da fêmea, mas não são transmitidos através ser mantidos para programas de melhora-
dade, quando comparados com programas de seus irmãos machos para as filhas des- mento por várias razões:
de seleção em populações abertas. A con- tes, produzindo, assim, um erro na diferença a) manejo uniforme para os animais a
sangüinidade é um problema comum em predita dos touros jovens nos esquemas serem selecionados;
populações pequenas, como no caso da MOET. Schutz (1991) verificou que dife- b) uso de novos métodos de seleção,
seleção combinada com MOET. Todavia, o renças de 17 pares de base (pb), no RNA como o auxílio de marcadores mo-
uso de sondas de DNA, para escolher os mitocondrial, estavam associadas com pro- leculares;
animais geneticamente mais divergentes dução de leite, reprodução e custos para
c) seleção para aumento da eficiência
entre aqueles aparentados, pode minimizar se manter um animal saudável. Verificou
alimentar;
os efeitos da consangüinidade. ainda que a substituição de um par de base
d) seleção para resistência a doenças.
Esquemas alternativos de MOET têm si- foi relacionada com o aumento da produ-
do estudados por muitos autores. McDaniel ção de 842 kg de leite e 37 kg de gordura. Além disso, planejamentos ideais de
& Cassell (1981) fizeram um resumo sobre Uma outra substituição de 1pb foi relacio- acasalamentos podem ser realizados pa-
os usos alternativos da transferência de nada com o decréscimo de 36 dias no pe- ra produzir machos para os testes de pro-
embriões e seus efeitos sobre as taxas de ríodo de serviço. gênies e também para a disseminação na
ganho genético. Powell (1981) avaliou as As diferenças fenotípicas que ocorrem, população comercial. Da mesma forma,
possibilidades de erros nas avaliações ge- devido à herança mitocondrial, mas que não rebanhos-núcleos podem ser utilizados
néticas, principalmente para mães de tou- são transmitidas do pai para suas filhas, nos casos em que não exista uma infra-
ros, que poderiam resultar da transferên- criam erros nas avaliações por pedigree. estrutura bem organizada de controle lei-

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teiro e de inseminação artificial, pois um (Dolly) através da clonagem de uma célula ganhos dos testes de progênies. Ganhos
pequeno número de pessoas com qualifi- somática de um animal adulto (Wilmut et adicionais dependeriam dos testes dos clo-
cação pode operacionalizar um programa al. 1997). Eles utilizaram as técnicas de nes e posterior acasalamento entre eles.
MOET, no qual touros jovens selecionados transferência nuclear, mas com o núcleo de Existem, todavia, algumas desvanta-
nos rebanhos-núcleos seriam utilizados na células provenientes do tecido mamário de gens. A realização de testes precisos dos
população comercial de vacas. uma ovelha adulta. A cultura dessas célu- clones, especialmente para características
las foi estabelecida para reprogramar as de baixa herdabilidade, não pode ser feita
Clones células aos seus estádios de pré-diferen- com precisão em condições de campo e,
O primeiro clone de animais domésticos ciação. Embora a taxa de sucesso tenha sim, em condições especiais. Além disso,
foi obtido em carneiro, aproximadamente, sido baixa (um animal clonado dentre 277 o uso de clones pode reduzir rapidamente
12 anos atrás (Willadsen, 1986). No início tentativas), esses resultados, sem dúvida, a variabilidade genética de população, as
das pesquisas com clones, o material bá- estimularam o aumento de trabalhos de pes- perspectivas de ganho no futuro e, possi-
sico de estudo eram as células embrionárias, quisa sobre clonagem. Este grande aconte- velmente, a capacidade adaptativa em um
pois acreditava-se que, além deste estádio, cimento tem sido seguido de reportagens curto intervalo de tempo, assim como
a diferenciação irreversível das células já na mídia (Verano, 1999) sobre a produção reduziria a capacidade de fazer frente às
teria ocorrido. Indivíduos idênticos foram de animais clonados de células fetais ou doenças. Alguns estudos têm concluído
obtidos inicialmente através da divisão somáticas, nos Estados Unidos, Japão e que, no geral, o ganho potencial não parece
física do embrião. Pensava-se que a divisão Escócia. ser suficiente para justificar a clonagem
repetida poderia gerar grande número de A clonagem de embriões em bovinos como um meio de acelerar o melhoramento
indivíduos idênticos, mas os resultados pode ser uma tecnologia competitiva para genético em gado de leite (De Boer et al.,
mostraram que isso não foi possível. Uma alguns propósitos, entre estes, serão des- 1994 e Ruane et al., 1997).
técnica alternativa, com base na transplan- tacados os seguintes: aumento da taxa de
Disseminação do ganho genético
tação de núcleo tem-se mostrado mais ganho genético, disseminação do ganho
Atualmente, o ganho genético obtido
viável. O núcleo de células de embriões, genético, multiplicação de animais trans-
nos grandes programas de melhoramen-
em estádio inicial de desenvolvimento, é gênicos e exploração da heterose.
to é disseminado principalmente através da
transferido para óvulos não-fertilizados,
Aumento da taxa de ganho inseminação artificial e com menor impacto
dos quais retiraram-se o seu núcleo. Isto
genético através da transferência de embriões. O
aumenta o número potencial de indivíduos aumento do custo na obtenção das infor-
clonados, embora a perspectiva de obter Nos programas de seleção de gado de
mações de campo, nas quais a seleção se
ciclos repetidos de clonagem e cultura de leite que se baseiam nos testes de progênie,
baseia, com a competição internacional na
embriões não está sendo totalmente alcan- a taxa de ganho anual para características
indústria, está induzindo as organizações
çada. Além disso, alguns problemas relati- de produção está entre 1% e 2% e a maioria
a concentrarem os testes e a seleção em
vos ao crescimento de tecidos de embriões deste ganho é proveniente da maior inten-
rebanhos-núcleos ou em sub-populações.
clonados têm ocorrido durante o desen- sidade e precisão na seleção dos touros.
Com testes precisos, tais sistemas poderão
volvimento ainda no útero e mesmo após o Como são necessárias mais da metade das
identificar fêmeas elites, para as quais po-
nascimento. Os resultados de gestações fêmeas para produzir novilhas de repo-
derá haver uma grande demanda por clo-
prolongadas, aumento da taxa de mortali- sição, a intensidade de seleção desta via é
nes. A revista Veja (Verano, 1999) noticiou
dade de fetos e perinatal foram revisados muito pequena. Com uma produção efici-
que uma novilha, de uma fazenda para-
recentemente por Kruip & Den Daas (1997). ente de clones e testes eficientes como
naense, com apenas um ano de idade, da
Todavia, não se sabe se essas anormalida- base para a seleção entre os clones, a taxa
raça Limousin, cujo nome é Húrsola, havia
des são resultantes do procedimento de de ganho pode, a princípio, ser aumentada.
sido selecionada pela empresa ABS Glo-
transferência nuclear ou do processo da Teepker & Smith (1989) analisaram a
bal para a produção de clones. Segundo a
FIV em si. Mais pesquisas básicas são resposta à seleção de clones obtidos via
reportagem, os cientistas responsáveis pe-
necessárias para identificar as fontes des- transferência de embriões e a resposta à
lo trabalho irão retirar células da orelha do
tes problemas, que, mesmo de baixa fre- seleção entre os clones, considerando ape-
animal e enviarão para os laboratórios, nos
qüência, são suficientes para inibir o de- nas a variância genética aditiva. A resposta
Estados Unidos, para a realização da clo-
senvolvimento de qualquer tecnologia, à seleção de clones ocorre apenas uma vez
nagem.
envolvendo a cultura de embriões e, conse- e a sua vantagem foi equivalente a cerca
qüentemente, a adoção da clonagem da de quatro anos de seleção convencional Multiplicação de
indústria genética. (teste de progênie). O teste destes grupos animais transgênicos
No início de 1997, as discussões sobre de clones e o seu uso na população comer- Devido às baixas taxas de sucesso e ao
clonagem tornaram-se intensas, com a in- cial, segundo estes autores, produziriam alto custo envolvido na obtenção de um
formação sobre a obtenção de uma ovelha ganhos que requereriam de 15 a 17 anos de animal transgênico funcional, certamente
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haverá um grande interesse comercial na to do valor das progênies resultantes da redução do custo de produção de uma ges-
multiplicação de tais animais. O interesse seleção de touros, vacas ou clones. Para tação, proveniente de embriões de vacas
por animais transgênicos com certeza é cada caso, haverá custos diferenciados pa- altamente selecionadas. Para isto, várias
maior pela indústria de produtos farma- ra se testar e selecionar, além do custo barreiras têm ainda que ser vencidas. A pro-
cêuticos do que pela indústria de produção operacional de cada tecnologia. Este por dução em massa de embriões via FIV requer
de alimentos. sua vez, é dependente da taxa de sucesso grande disponibilidade de ovócitos, e isto,
obtida. atualmente, só é possível através de vacas
Exploração da heterose
A linha básica para se avaliarem os provenientes de matadouro, que na maioria
Nos cruzamentos entre raças de leite das vezes são de baixo valor genético. Isto
benefícios de qualquer nova tecnologia
de origem Bos taurus e raças de origem prejudica a seleção de fêmeas e desta forma
reprodutiva é, certamente, aquela propor-
Bos indicus ou de origem local, nos países compete com a inseminação artificial em
cionada pela própria natureza, ou seja, a
tropicais, uma quantidade razoável (25% termos de custo. As tentativas, para se
monta natural. Qualquer criador pode aca-
ou mais) de heterose tem sido regularmen- desenvolver um sistema de produção de
salar as suas fêmeas com um macho. Isto
te observada nos diversos estudos condu- gêmeos, não têm provado ser viáveis eco-
tem um determinado custo e conveniência,
zidos (Cunningham & Syrstad, 1988 e nomicamente para os diversos sistemas de
e produzirá descendentes com um certo
Madalena et al., 1990). Isto é relativamente produção comercial.
mérito genético, os quais, na sua maioria,
fácil de obter na primeira geração de cruza- A clonagem, particularmente de células
estarão ao redor da média da raça.
mento, utilizando-se sêmen das raças Bos adultas, pode adicionar algum benefício
A inseminação artificial, muito utilizada
taurus em fêmeas Bos indicus. Todavia, as genético na seleção de machos e fêmeas,
pelos criadores de gado de leite, tem pro-
diferentes estratégias de acasalamentos em princípio menor do que a produção em
vado ser eficiente para a melhoria do mérito
subseqüentes não retêm toda a heterose massa de embriões via FIV, pois a fonte
genético dos rebanhos a um custo relati-
do primeiro cruzamento. Entretanto, se for de ovócito não seria um problema. Todavia,
vamente pequeno. Todavia, em gado de
possível produzir continuamente indiví- a tecnologia ainda é relativamente recen-
corte, o seu uso é pequeno, pois os custos
duos F1, a heterose máxima será mantida. te para se ter taxa de sucesso e custo bem
adicionais são altos, relativos aos ganhos
Uma solução interessante pode ser o uso previsíveis. Geneticamente, há um gran-
genéticos adicionais. A sexagem de sêmen,
da transferência de embriões, utilizando- de ganho em potencial, pois a metade da
visando à determinação do sexo da pro-
se aqueles que foram clonados de células variância genética na população estaria ain-
gênie, poderá trazer benefícios para ambos
de vacas F1 elites. Os aspectos econômi- da presente dentro dos grupos de irmãos-
os sistemas de produção de leite e carne.
cos desta tecnologia foram examinados completos. Os custos e métodos de iden-
Em gado de leite, poderia quase que do-
por Jarvis (1996). Segundo este autor, as tificar geneticamente com precisão os
brar a intensidade de seleção das fêmeas e
circunstâncias, nas quais esta solução po- melhores clones, nesta situação, ainda
em gado de corte, o cruzamento rotacional
derá ser economicamente viável, são bas- necessitam de muitas pesquisas.
sistemático, visando maximizar a heterose
tante limitadas. Em primeiro lugar, o custo
entre raças, poderia tornar-se mais atrativo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
exige que o retorno líquido por vaca seja
e todos os produtos dos cruzamentos ter-
razoavelmente alto, o que implica alta pro- AVERY, B.; GREVE, T. Apparent abnormalities
minais seriam machos. of in vitro produced bovine embryos. In:
dução por vaca e um preço de leite razoa- Enquanto a inseminação artificial é uti- SYMPOSIUM ON REPRODUCTION
velmente alto. Em segundo lugar, é neces- lizada em quase que 70% das fêmeas de AND ANIMAL BREEDING: ADVANCES
sário que se tenha um bom serviço de gado de leite em muitos países desenvol- AND STRATEGY, 30, 1995, Milan. Italy.
suporte, dada a especificidade da tecno- vidos, a transferência de embriões tem Proceedings... Milan: European Society of
logia. Em terceiro lugar, a produção destes alcançado menos de 1% de utilização. A Animal Production, 1995. p.171-183.
animais pode ser de interesse apenas dos razão básica é que os custos são altos e os AVERY, B.; GREVE, T. Some aspects of bovine
países tropicais, onde a heterose apresen- benefícios pequenos. Os benefícios gené- IVP. Ars Veterinaria, Jaboticabal, v.9, n.2,
tada pelos indivíduos F1 tem o seu maior ticos são provenientes da seleção de mães p. 35-52, ago. 1993.
valor. e isto é sempre menos preciso do que a se- AVERY, B.; JORGENSEN, C.B.; MADISON,
leção dos machos, visto que estes podem V.; GREVE, T. Morphological development
CONSIDERAÇÕES FINAIS ter um grande número de progênies ava-
and sex of bovine in vitro fertilized embryos.
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Como os animais podem ser reprodu- liadas. Além disso, a intensidade de seleção ment, New York, v. 32, p. 265-270, 1992.
zidos com os métodos atualmente existen- de fêmeas é menor do que a realizada nos
AVERY, B.; MADISON, V.; GREVE, T. Sex and
tes, qualquer avanço em tecnologia deve machos. A pré-sexagem de embriões pode- development in bovine in vitro fertilized
adicionar alguma coisa ao que vem sendo rá ser uma possibilidade em sistemas espe- embryos. Theriogenology, New York, v.
realizado. Isto apenas será possível, se os cializados, associada ao uso convencional 35, p. 953-963, 1991.
benefícios forem maiores que os custos. da transferência de embriões ou da FIV. BETTERIDGE, K.J.; RIEGER, D. Embryo
Os benefícios, na maioria dos casos, são de Aumentar a intensidade de seleção de transfer and related techniques in domestic
ordem genética, conseqüência do aumen- fêmeas através da FIV só será viável com a animals and their implication for human

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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.79-88, maio/jun. 2000


Biotecnologia 89

Plantas transgênicas e biossegurança


Geraldo Magela de Almeida Cançado 1

Resumo - A tecnologia do DNA recombinante gerou novas perspectivas para o


desenvolvimento da agricultura de forma nunca antes imaginada. A barreira existen-
te entre as espécies foi eliminada e hoje tornou-se corriqueiro transferir genes entre
espécies de organismos filogeneticamente distantes entre si. Apesar de as possibilidades
parecerem ilimitadas, questões de biossegurança e de bioética têm levado inúmeros
países a assumirem uma postura de prudência para a adoção desta nova tecnologia.
O questionamento sobre o impacto de produtos transgênicos na natureza e na saúde
de homens e animais levou à criação de legislações que regulamentam especificamente
os trabalhos e o uso de produtos transgênicos. No Brasil, a Lei de Biossegurança veio
justamente preencher uma lacuna existente na legislação para o setor biotecnológico,
principalmente no que diz respeito a manipulações genéticas em seres vivos. A exis-
tência de uma legislação específica possibilitou ainda a criação da CTNBio.
Palavras-chave: Biotecnologia; Impacto ambiental; Fluxo gênico; CTNBio; OGM.

INTRODUÇÃO perda crescente e irreparável de valioso anualmente em todo o mundo. A ativida-


patrimônio genético (Altieri, 1991). Muitas de agropecuária tem assumido um papel
Cerca de 10% a 20% do total de espécies
espécies de animais, plantas e microorga- preponderante na descaracterização de vá-
vivas do mundo encontram-se no Brasil,
nismos têm sido extintas sem ter sido co- rios ecossistemas. No Brasil, ecossistemas
o que o coloca entre os maiores no que se
nhecidas ou suficientemente estudadas como a Mata Atlântica, o Cerrado, a Ama-
refere à biodiversidade. Além do Brasil,
pelo homem. Devido a esta massiva inter- zônia e o Pantanal Mato-Grossense têm
outros países, localizados na faixa tropical
venção no ambiente, a taxa de extinção das suas áreas preservadas reduzidas ano após
e subtropical, possuem grande diversidade
espécies tem atingido proporções mil vezes ano.
biológica. Só na América Latina, Brasil,
superiores às taxas naturais (Raven, 1998). Dentre as inúmeras atividades rela-
Colômbia e México possuem cerca de 50%
Caso esta tendência se mantenha ao lon- cionadas com a agricultura, o processo de
da diversidade biológica de todo o mundo
go dos próximos anos, estima-se que, até o melhoramento genético tem contribuído
(Varella et al., 1999).
final do próximo século, três quartos das significativamente para esta perda de varia-
Hoje, estima-se que a população mun-
espécies existentes já tenham desapareci- bilidade, caracterizando um grande contra-
dial tenha alcançado o patamar de 6 bilhões
do do mundo (Raven, 1998). Muito além senso, já que o sucesso do melhoramento
de pessoas e, até o final do ano 2200, espera-
de ser apenas uma estatística trágica, isto é estritamente dependente desta variabi-
se uma população de mais de 10 bilhões de
representa uma grande ameaça para a lidade. O uso generalizado de cultivares
habitantes (James, 1998). Uma boa parcela
segurança alimentar da humanidade, pois melhoradas, adaptadas ao sistema de pro-
dessas pessoas vive ou viverá em países
todo o processo de melhoramento vegetal dução agrícola tecnificado, freqüentemen-
localizados nas regiões tropicais, justa-
e animal, seja ele promovido pelo método te, tem levado os agricultores a abando-
mente onde se concentra a maior parte da
convencional, seja pelo biotecnológico, ali- narem o cultivo de variedades locais, que
biodiversidade do mundo. Os centros re-
cerça-se justamente na existência da varia- acabam perdidas pelo desuso, caracteri-
manescentes de biodiversidade têm sofri-
bilidade genética. zando um franco processo de erosão gené-
do uma constante pressão provocada pela
expansão desordenada da agricultura, tica. Apesar de as cultivares melhoradas
AGRICULTURA E O apresentarem inúmeras vantagens para o
aumento da exploração dos recursos natu-
IMPACTO AMBIENTAL sistema de produção em larga escala, estas,
rais e crescimento de centros urbanos e
industriais. Dentre os inúmeros efeitos Com a crescente necessidade de expan- freqüentemente são oriundas de ancestrais
negativos advindos desta intensa ocupa- são da agricultura, milhares de hectares de muito próximos, apresentando uma base
ção e uso do planeta, pode-se destacar a flora e de fauna silvestres são destruídos genética muito estreita. Isto faz com que as

1
Engo Agro, M.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM-FECD, Caixa Postal 33, CEP 37780-000 Caldas-MG. E-mail: cancado@epamigcaldas.com.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.89-96, maio/jun. 2000


90 Biotecnologia

plantas cultivadas se tornem muito sus- e que hoje são consideradas improdutivas. (1990) a transferência individual implicaria
cetíveis às variações do ambiente e ao O aumento esperado da produtividade, até mesmo em um menor risco ambiental,
surgimento de novas doenças e pragas, com a utilização generalizada de plantas pois apenas uma característica seria mo-
fenômeno comumente conhecido como transgênicas, poderá atenuar o avanço da dificada, sendo bem mais fácil de ser mo-
“vulne-rabilidade genética” (Borém, 1999). agricultura para novas áreas, reduzindo a nitorada e controlada no ambiente. Mas a
Em contrapartida, as espécies locais são pressão sobre áreas ainda não exploradas grande vantagem do uso da técnica do
extremamente heterogêneas na sua compo- e que, atualmente, constituem valiosa fon- DNA recombinante, sobre o melhoramento
sição genética, abrigando a variabilidade te de biodiversidade. A qualidade de pro- convencional, é que na maioria dos casos,
genética necessária à resistência e tolerân- duto também é outro aspecto forte desta este último fica restrito apenas ao cruza-
cia a estresses bióticos e abióticos. tecnologia, do qual se espera uma grande mento entre as espécies filogeneticamente
O uso de cultivares melhoradas e de contribuição das plantas transgênicas, com próximas, devido à existência de inúmeras
espécies exóticas, originadas de outras re- grandes vantagens para o consumidor. Por barreiras que impedem cruzamento entre
giões e que foram introduzidas pelo homem outro lado, há uma intensa discussão sobre espécies muito distantes. Com o uso das
intencionalmente ou por acidente, pode os possíveis efeitos negativos da adoção técnicas biotecnológicas, isso deixou de
promover mudanças no perfil das espécies desta nova tecnologia sobre o ambiente e ser uma limitação. É freqüente encontrar
que colonizam um determinado ambien- a saúde do homem e de animais. nos dias de hoje, trabalhos na literatura, co-
te, e culminar com o desaparecimento de De qualquer forma, a tecnologia do mo os de Sheng & Citovsky (1996), Tinland
outras preexistentes, que são incapazes de DNA recombinante representou um gran- et al. (1994, 1995), Zupan & Zambryski
competir pelos seus recursos vitais com as de avanço para o melhoramento de plantas. (1995), Engströn et al. (1987) e Stachel &
novas espécies introduzidas. No caso de Muitas vezes, o trabalho desenvolvido pelo Zambryski (1986), que demonstram a trans-
animais, tem sido bastante comum a elimi- melhorista torna-se difícil e demorado, devi- ferência de genes entre espécies de filos
nação de espécies locais, ocasionada pela do à transferência na ocasião da hibridação distintos, como é o caso da introdução de
competição, parasitismo e pelo predatismo de inúmeras características sem valor agro- genes de bactérias (organismo procarioto)
de novas espécies introduzidas (Varella et nômico com a característica desejada. Isso no genoma de plantas (organismo euca-
al., 1999). ocorre com freqüência, quando se busca rioto). O melhoramento tem a sua disposi-
fonte de resistência em espécies silvestres, ção um vasto pool gênico, que teorica-
PLANTAS TRANSGÊNICAS pois estas apresentam inúmeras caracte- mente cobriria todos os genes disponíveis
Atualmente, com o advento da técnica rísticas que, num primeiro momento, não na natureza.
de DNA recombinante, é possível melhorar teriam valor para os objetivos do melhorista. No entanto, ao contrário do que se
espécies cultivadas pela introgressão de Geralmente, no processo de melhoramento pensava até recentemente, sabe-se hoje
genes de interesse diretamente no genoma. convencional, a eliminação destas caracte- que esta nova tecnologia não veio para
As plantas transgênicas surgiram a partir rísticas indesejáveis pode demorar vários substituir o processo de melhoramento
da técnica de DNA recombinante e podem anos e chegar a décadas, como ocorre com convencional. O isolamento, a clonagem e
ser definidas como plantas obtidas por as culturas perenes. Em alguns casos, o a transferência de novos genes para plantas
manipulação genética, com incorporação gene de interesse pode estar tão próximo a devem contribuir de forma fantástica, para
ao seu genoma de genes de outras plan- um outro de efeito negativo ou deletério que o desenvolvimento de novas cultivares
tas, que não se cruzam sexualmente com (nesse caso, diz-se que há uma ligação gêni- torne-se cada vez mais eficiente e rápido.
ela, ou mesmo genes provenientes de ca), que se torna quase impossível elimi- Os métodos biotecnológicos, apesar das
organismos tão geneticamente diferen- nar o efeito negativo deste gene na nova grandes potencialidades, não podem gerar
tes, como vírus e bactérias, daí a origem do cultivar, inviabilizando o processo de me- muitos resultados aplicados, quando des-
nome transgênico. O surgimento destas lhoramento para a característica em questão. vinculados dos programas de melhora-
novas plantas acabou por suscitar calo- Desta forma, com o uso da técnica do DNA mento convencional, devido à necessidade
rosa discussão sobre temas como biosse- recombinante, a partir do momento em que de cultivares agronomicamente adequadas
gurança e bioética. As opiniões polariza- um determinado gene seja identificado co- para receberem as construções gênicas.
ram-se entre os que são a favor e os que mo o responsável por uma característica Além disso, a transformação genética para
são contra o uso da técnica de manipulação desejável, ele poderá ser transferido direta- as características quantitativas, aquelas go-
genética em seres vivos. mente para uma nova cultivar, num prazo vernadas por vários genes e que freqüen-
Acredita-se que novas cultivares, mais significativamente menor. Com a transfe- temente estão associadas com o caráter de
bem adaptadas e eficientes, permitirão a rência do gene como uma estrutura indi- produtividade, ainda é tecnicamente difícil
atividade agrícola em áreas consideradas vidual, torna-se possível fazer modifica- de ser realizada pela manipulação direta de
inaptas para a agricultura, possibilitando a ções genéticas mais controladas, evitando, genes. Outro motivo é que muitos dos
reintegração ao sistema produtivo de áreas assim, o efeito negativo de outros genes. genes envolvidos com a produtividade
utilizadas de forma inadequada no passado Segundo Bill (1987) cita-do por Hoffman ainda não foram identificados. O sucesso

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.89-96, maio/jun. 2000


Biotecnologia 91

da transformação de plantas, observado f) o gene não deve ser excluído do ge- barradas em sua trajetória normal de de-
até o momento, tem-se concentrado justa- noma receptor. senvolvimento, mas sem dúvida, há uma
mente nas características de herança sim- Os riscos ao homem e ao meio ambien- grande necessidade de estudos sérios e
ples, ou seja, características governadas te, envolvidos com a liberação de um orga- detalhados sobre os possíveis impactos
por um ou pouco genes. nismo geneticamente modificado (OGM), que poderão advir com o uso generalizado
ainda são bastante imprevisíveis, jus- de OGMs. Tiedje, citado por Varella et al.
Fluxo gênico
tamente pela infinidade de combinações (1999), aponta alguns detalhes que devem
Fluxo gênico pode ser definido como a ser considerados no início de qualquer
genes/organismo receptor que a técnica
troca de alelos entre indivíduos, isto é, a pesquisa com plantas geneticamente ma-
oferece. Mas é importante observar que o
transferência de alelos de uma varieda- nipuladas e que levam em conta o risco po-
impacto negativo, que determinado OGM
de/espécie para outra (Borém, 1999). O pro- tencial da nova cultivar:
possa causar ao homem ou ao meio ambien-
cesso de troca de genes entre espécies filo-
te, está restrito às peculiaridades do gene a) potencialidade para se tornar uma
geneticamente muito distantes é muito raro
inserido e da planta-alvo da transformação. nova planta daninha;
na natureza, limitando-se a alguns casos
de bactérias e de vírus que são capazes de Isto impossibilita que o tema seja tratado b) potencialidade para amplificar os
transferir seus genes para outros orga- de forma generalizada, como vem ocorren- efeitos de plantas daninhas já exis-
nismos. Como conseqüência da adoção do até o momento. Em se tratando de plan- tentes;
generalizada de plantas cultivadas que tas transgênicas, cada caso é único, deven- c) potencialidade para causar dano a
foram geneticamente manipuladas, espera- do ser avaliado individualmente. espécies não-alvo;
se o surgimento de fluxo de novos genes O gene específico, assim como seu pro-
d) potencialidade para provocar dese-
oriundos dos mais diversos organismos, duto, a espécie transformada, seu tipo de
quilíbrio em ecossistemas;
para o interior dos sistemas agrícolas, e des- reprodução (autógama, alógama ou assexua-
da), as características do vetor de trans- e) potencialidade para promover a per-
tes, por sua vez, para o interior de ecossis-
formação, isto é, presença de outros genes da de recurso genético importante.
temas naturais (Varella et al., 1999). A partir
deste raciocínio, inicia-se uma das princi- nas construções, tais como os de seleção Ellstrand & Hoffman (1990) listaram
pais discussões acerca do uso das plantas para resistência a antibióticos, são alguns algumas estratégias para reduzir o risco de
transgênicas. dos pontos que devem ser considerados escape gênico:
A dispersão de genes de espécies culti- na ocasião da liberação de um OGM. A le- a) isolamento espacial: para espécies
vadas para espécies silvestres e plantas gislação brasileira (Brasil..., 1995), que trata com taxa de fecundação cruzada mui-
daninhas é potencialmente um problema da biossegurança e liberação destes orga- to elevada, o isolamento por distân-
ecológico de grande importância. Segundo nismos, questiona, além destes pontos, cia pode ser uma opção bastante
Borém (1999), a teoria disponível sobre o uma série de outras características que ela eficiente para prevenir o cruzamen-
assunto sugere que a dispersão de um julga importante para garantir a segurança to com espécies silvestres;
gene, no espaço e no tempo dependerá, no uso de OGMs.
b) métodos culturais de isolamento:
em parte, dos seguintes aspectos: A pesquisa e o desenvolvimento na área
de biotecnologia são encarados e reconhe- em certos casos, práticas simples,
a) vantagem competitiva do gene;
cidos pela comunidade científica nacional tais como plantio tardio ou anteci-
b) fluxo gênico; pado, para evitar a coincidência de
e internacional, como uma opção estraté-
c) integração do gene exótico no ge- florescimento com as espécies sil-
gica para garantir a segurança alimentar no
noma hospedeiro; vestres. Barreiras com outras espé-
futuro. Há uma expectativa de aumento de
d) probabilidade do movimento do ge- cies de plantas também podem in-
consumo de alimentos no mundo, não só
ne de um indivíduo para outro em terceptar o pólen produzido;
pelo aumento da população nos países po-
uma geração. c) métodos genéticos de isolamento:
bres, mas também pelo aumento da expec-
Ainda, segundo Borém (1999), várias tativa de vida nos países ricos. Especula- modificações genéticas das culturas
etapas são necessárias para que o fluxo se que a forma tradicional de cultivo, não podem ser utilizadas para isolá-las
gênico ocorra em condições de campo: conseguirá suprir esta demanda crescente reprodutivamente. Quando o produ-
a) os indivíduos devem ser compatí- (James, 1998). Desta forma, torna-se impe- to não for a semente ou o fruto, po-
veis sexualmente; rativo investir no desenvolvimento de no- dem-se utilizar genótipos genetica-
b) deve ocorrer coincidência temporal vas tecnologias. Países que não o fizerem mente alterados para ser macho-
e espacial dos indivíduos; agora, estarão em um futuro próximo depen- estéreis ou genes letais, que invia-
c) os híbridos devem ser viáveis; dentes de tecnologias externas e, portan- bilizam a germinação do grão de
d) a transmissão gênica deve ocorrer to, sujeitos a pagamento de royalties. Tam- pólen. A incompatibilidade genética
nas gerações seguintes; bém é certo que, apesar de toda a polêmica entre as espécies também pode ser
e) deve ocorrer recombinação gênica associada ao uso dos transgênicos, as considerada como uma forma de
entre os genomas; inovações tecnológicas não deverão ser isolamento.
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.89-96, maio/jun. 2000
92 Biotecnologia

A remoção mecânica de flores e a elimi- quele país do que em outra região do mun- não-manipulado. O consumidor deve ser
nação das espécies sexualmente compa- do, onde é considerada espécie exótica. informado disso porque adquirindo e con-
tíveis também são alternativas para impedir Não se acredita que espécies agronô- sumindo um produto, cuja constituição seja
o fluxo de genes (Dale, 1992). Existem outras micas geneticamente manipuladas possam diferente da original, ele estará sujeito ao
estratégias que poderão conferir uma maior vir a tornar-se um problema em ambientes risco de reações alérgicas por desconhe-
barreira ao escape de genes, tais como a silvestres. A maioria das espécies domesti- cimento (Castro, 1997). O Brasil, ainda não
transformação de cloroplastos, utilizando cadas, cuja sobrevivência depende em alto tem uma posição definida com relação a
a herança materna para expressar a carac- grau do ser humano, dificilmente sobre- este tema, mas, ao que tudo indica, deverá
terística. Desta forma, o pólen não trans- viverá fora de ambientes agrícolas. Além optar por uma rotulagem completa dos
mitiria o gene exógeno (Daniell et al., 1998). disso, na ausência de pressão seletiva, produtos geneticamente manipulados, à
No processo de fluxo de genes, ocorre como é o caso de plantas transformadas semelhança do que se observa na Europa,
a transferência de genes de uma população para tolerância a herbicidas, no ambiente independente ou não de estes produtos
para outra, podendo estes genes tornarem- silvestre a expressão do gene inserido não serem estritamente equivalentes àqueles
se estáveis ou não nas gerações futuras. conferiria nehuma vantagem adaptativa não-transgênicos. Embora isso seja possí-
Se os genes transferidos conferem alguma (Scholze, 1999). vel, já é prevista uma grande dificuldade
vantagem adaptativa em relação aos indi- técnica para rotulagem de todos os produ-
víduos selvagens, ele deve contribuir para Outras questões de tos de origem transgênica, assim como de
o surgimento de formas mais aptas a de- biossegurança seus derivados. Caso haja necessidade de
senvolverem-se no ambiente, do que as Dentro do tema de biossegurança de rastrear um determinado produto, desde
espécies silvestres. Isto assume importân- produtos transgênicos, há ainda outras sua produção até sua chegada ao consu-
cia, quando se trabalha com genes de resis- questões que estão sendo exaustivamente midor, haverá um acréscimo considerável
tência a doenças, resistência a herbicidas, debatidas, tais como a presença de genes no seu custo final, devido à complexidade
tolerância à seca e ao frio, entre outros de seleção que conferem resistência a anti- e ao custo desta cadeia de fiscalização.
(Doebley, 1990). Dessa forma, a possibi- bióticos nos OGMs. Apesar de a probabili- Não só as questões de biossegurança,
lidade de fluxo de genes entre espécies dade de transferência destes genes de plan- mas também as questões de bioética, de-
cultivadas e seus parentes silvestres tas para bactérias do solo ou da flora intes- vem ser avaliadas de forma criteriosa. Os
confere risco de introgressão de genes tinal de humanos e de animais ser bastante recentes avanços alcançados com a clona-
engenheirados em plantas silvestres e po- limitada, atualmente condena-se ampla- gem de mamíferos, dos quais cita-se como
de trazer como conseqüência, além da mente o uso deles em plantas destinadas exemplo mais famoso a criação da ovelha
eliminação de outras espécies, a criação de ao cultivo comercial. Há uma tendência em Dolly, gerada a partir de uma célula germi-
espécies de plantas daninhas de difícil substituir o uso destes marcadores de sele- nativa que apresentava o núcleo de uma
controle. Doebley (1990), estudando o fluxo ção por outros que não confiram vantagens célula somática (Wilmut et al., 1997), têm
de genes entre milho e teosinto (espécies adaptativas a microorganismos (Joersbo et levantado uma grande preocupação quan-
silvestres filogeneticamente próximas ao al., 1998). O uso de antibióticos de forma to a possibilidade de clonagem de seres
milho cultivado), observou por análises indiscriminada na população e na alimen- humanos e os princípios éticos que isso
moleculares a introgressão de genes de mi- tação de animais tem sido motivo muito envolve. É muito importante que esse tipo
lho em teosinto e vice-versa. Este autor maior de preocupação. Em inspeções feitas de preocupação seja extrapolado para a ma-
acredita que em algumas condições espe- em granjas de frangos nos Estados Unidos, nipulação genética de plantas. Hoje, ouve-
ciais, quando há ganho adaptativo para o encontraram-se bactérias resistentes inclu- se falar no desenvolvimento de tecnologias
teosinto e não há interferência com carac- sive ao antibiótico Vancomicina, último como a do Terminator, que impede a multi-
terísticas importantes de adaptação, tais recurso utilizado pelos médicos, quando plicação de novas sementes pelo produ-
como dispersão natural de sementes, o gene todos os outros tratamentos com antibió- tor, por inviabilizar a germinação daquelas
poderá ser transferido para a população de ticos falham (Folha..., 1999). Outra questão, oriundas de plantas geneticamente altera-
teosinto e estabilizar-se. No entanto, esta bastante discutida mundialmente, é a rotu- das (Crouch, 1998). Este é um típico exem-
espécie tem uma distribuição limitada ape- lagem de produtos derivados de OGMs. A plo do uso da tecnologia que visa apenas
nas no México e na América Central. Por- Europa tende a requerer que produtos/ali- criar uma estratégia de controle de merca-
tanto, o risco de fluxo de genes engenhei- mentos de origem transgênica, assim como do, sem ganhos significativos para a
rados para espécies silvestres seria mais todos seus derivados, sejam rotulados, in- sociedade como um todo.
crítico em regiões onde localizam-se os si- dependentemente se houve ou não altera-
milares silvestres, o que poderia ocorrer nos ção na composição final do produto. Em Lei de Biossegurança e CTNBio
centros de origem (Centros de Vavilov). Pa- outros países, como os Estados Unidos, a Embora no Brasil a discussão sobre
ra a soja, que apresenta seu centro de ori- rotulagem de um produto transgênico só biossegurança seja recente, diversos paí-
gem na China, há uma maior probabilidade se justifica, à medida que ele contenha algu- ses já vêm tratando do assunto a bastante
de fluxo gênico em espécies silvestres na- ma substância não-específica do produto tempo. Como exemplo de legislações exis-

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.89-96, maio/jun. 2000


Biotecnologia 93

tentes unicamente para tratar de biossegu- OGMs, visando proteger a vida e a saúde b) um representante de cada um dos
rança e bioética, podemos citar a Argentina, do homem, dos animais e das plantas, bem seguintes órgãos: Ministério da
onde existe a Comissão Nacional de Acon- como o meio ambiente. A existência de uma Ciência e Tecnologia, Ministério da
selhamento sobre Biotecnologia Agrícola legislação específica possibilitou ainda a Saúde, Ministério do Meio Ambi-
(Conabia), a Índia, com o Recombinant criação de uma comissão específica para ente, Ministério da Educação e Mi-
DNA Advisory Committee (RDAC) e a No- assuntos de biossegurança nacional, a nistério das Relações Exteriores,
va Zelândia com Interim Assessment Group Comissão Técnica Nacional de Biossegu- designados pelos respectivos mi-
(IAG). Nos Estados Unidos, a legislação rança (CTNBio). nistros;
de biossegurança é considerada uma das Dentre as inúmeras funções delegadas c) dois representantes do Ministério da
mais complexas do mundo. Várias insti- a CTNBio, algumas de maior importância Agricultura, sendo um da área vege-
tuições são responsáveis pela regulamen- estão listadas a seguir: tal e outro da área animal;
tação e fiscalização, sendo as principais a a) criar um código de ética para as ma- d) um representante de órgão de defesa
Food and Drug Administration (FDA), nipulações genéticas e estabelecer do consumidor;
National Institute of Health (NIH), United normas e regulamentos para todas
e) um representante do setor empre-
States Departament of Agriculture (USDA) as atividades que envolvam OGMs;
sarial de biotecnologia;
e Environmental Protection Agency (EPA). b) acompanhar o desenvolvimento e o
Na Comunidade Européia, de onde surgem f) um representante de órgão de pro-
progresso técnico e científico na
as maiores restrições ao uso de OGMs, cada teção à saúde do trabalhador.
biossegurança e em áreas afins, com
país é obrigado a possuir uma entidade o objetivo de resguardar a segurança A CTNBio possui comissões setoriais
competente para avaliar o cumprimento das da população e do meio ambiente; específicas, para apoiar tecnicamente os
normas de segurança biológica relaciona- órgãos de fiscalização já existentes e auxi-
c) estabelecer e coordenar as Comis-
das com a introdução de OGMs no meio liar na fiscalização e monitoramento das
sões Internas de Biossegurança
ambiente, entretanto, toda a legislação é atividades que envolvam OGMs ou deriva-
(CIBios), em instituições que desen-
supranacional, regulamentando as normas dos destes. Outra função destas comissões
volvam ou utilizem OGMs;
para todos os países integrantes da Comu- setoriais é a de elaborar pareceres técnicos
d) emitir parecer técnico sobre a libera-
nidade Européia. Ainda existem organiza- a respeito de pleitos solicitados a CTNBio.
ção de OGMs no meio ambiente e
ções internacionais, que promovem reco- As normas sumarizadas, para a liberação
exigir Estudo de Impacto Ambiental
mendações e normas relacionadas com as planejada no meio ambiente de organismos
(EIA), quando julgar necessário;
questões de biossegurança. Neste contex- geneticamente modificados, estão demons-
to, destacam-se diversas entidades, muitas e) emitir Certificado de Qualidade em
tradas na Figura 31.
delas ligadas à Organização das Nações Biossegurança (CQB) para institui-
Apesar de o ato da CTNBio constituir
Unidas (ONU), tais como o Programa das ções que desenvolvam ou utilizem
parecer conclusivo de caráter técnico do
Nações Unidas para o Meio Ambiente OGMs;
ponto de vista da biossegurança, não é,
(UNEP) e Organização das Nações Unidas f) emitir parecer técnico sobre qualquer entretanto, autorizável para determinar o
para Agricultura e Alimentação (FAO), liberação, importação, transporte, plantio de um vegetal transgênico, cuja
dentre outras (Varella et al., 1998). armazenamento, comercialização, responsabilidade é fundamentalmente da
No Brasil, a Lei no 8.974 (Brasil..., 1995), consumo ou descarte de OGM ou competência do Ministério da Agricultu-
mais conhecida como Lei de Biossegu- de produtos que contenham seus ra. No entanto, compete exclusivamente a
rança, só foi decretada e sancionada em derivados, tornando-o disponível a CTNBio determinar a paralisação de quais-
5 de janeiro de 1995, mas já em 1988, a órgãos de fiscalização e ao público quer atividades envolvendo OGMs, uma
Constituição Federal previa no seu arti- em geral. vez constatada a existência de riscos graves
go 225, a proteção e preservação do meio A CTNBio é composta de membros para a saúde do homem e dos animais, para
ambiente, colocando como responsabi- efetivos e suplentes, distribuídos da se- as plantas e para o meio ambiente (Scholze,
lidade do poder público a manutenção guinte forma: 1999). Além da interdição e também me-
do equilíbrio ambiental. A Lei de Biosse- a) oito especialistas de notório saber diante determinação da CTNBio, infrações
gurança veio justamente preencher uma científico e técnico, em exercício no à Lei de Biossegurança poderão ser pas-
lacuna existente na legislação do setor bio- segmento de biotecnologia, sendo síveis de multas e penas de reclusão.
tecnológico, principalmente no que diz dois da área humana, dois da área
respeito a manipulações genéticas de seres vegetal, dois da área animal e dois Certificado de Qualidade em
vivos. Os principais objetivos desta lei são da área ambiental. Todos são indica- Biossegurança (CQB)
normatizar e disciplinar o uso das técnicas dos pela comunidade científica e Este certificado é emitido pela CTNBio
de Engenharia genética na construção, cul- escolhidos pelo ministro da Ciência a toda empresa que deseja desenvolver
tivo, manipulação, transporte, comerciali- e Tecnologia a partir de uma lista qualquer tipo de trabalho no território na-
zação, consumo, liberação e descarte de tríplice de sugestões; cional, envolvendo OGMs ou seus de-
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94 Biotecnologia

tituída por um ou mais laboratórios ou outro de segurança, sempre em consonância com


tipo de infra-estrutura de funcionamen- as normas da CTNBio. Alguns pontos de
Proposta do pesquisador
responsável elaborada na forma to, tal como uma casa de vegetação ou um maior destaque da ação das CIBios estão
de projeto campo experimental. A emissão de um novo descritos a seguir:
CQB será necessária, sempre que houver a) requerer o CQB junto à CTNBio;
alteração de qualquer componente que b) avaliar e revisar todas as propostas
Avaliação pela CIBio
possa modificar as condições previamente de pesquisas em Engenharia gené-
aprovadas. A CTNBio, junto com os órgãos tica, manipulação, produção e trans-
de fiscalização dos Ministérios, realizará
porte de OGMs conduzidos pela
Envio à CTNBio vistorias anuais nas entidades, podendo,
entidade;
com base em seus resultados, revogar o
CQB previamente concedido. c) identificar os riscos em potencial
para os pesquisadores, para a co-
Publicação no Avaliação pela
Diário Oficial da comissão setorial Comissão Interna munidade e para o meio ambiente.
União específica de Biossegurança (CIBio) Comunicar aos pesquisadores e re-
Toda entidade que utilizar técnicas e comendar soluções;
métodos de Engenharia genética deverá d) determinar níveis de contenção e os
Parecer da CTNBio criar uma CIBio, além de indicar para cada procedimentos de segurança a se-
projeto específico um pesquisador prin- rem seguidos para todo trabalho
cipal, definido na regulamentação como experimental envolvendo OGMs;
Técnico Principal Responsável. A CIBio e) inspecionar, monitorar e atestar a
Decisão sobre a
proposta exercerá suas atividades com a autoridade segurança de laboratórios e outras
estabelecida na lei e deve ser constituída e instalações antes e durante a utili-
nomeada pelo responsável legal da entida- zação para trabalhos ou experimen-
Publicação no Diário Comunicação de. Cada entidade terá uma ou mais CIBios tos com OGMs. No mínimo, duas
Oficial da União à CIBio em função de sua estrutura administrativa inspeções anuais dessas instala-
e técnica. As entidades devem reconhecer ções serão realizadas para assegurar
Figura 31 - Procedimentos requeridos para o papel legal das CIBios e a elas assegurar que elas continuem tendo os reque-
liberação planejada de OGMs a autoridade e o suporte requeridos para o rimentos e padrões de contenção
no meio ambiente cumprimento de suas obrigações e para a relevantes;
implementação de suas recomendações,
f) rever a qualificação e a experiência
garantindo-lhes a supervisão dos traba-
rivados, seja ela destinada ao ensino, à do pessoal envolvido nas pesquisas
lhos. As CIBios são componentes essen-
pesquisa científica, à prestação de serviços propostas, a fim de assegurar que
ciais para o monitoramento e vigilância dos
ou à produção. O CQB será emitido às sejam adequadas para boas práticas
trabalhos de Engenharia genética, mani-
instituições que o solicitarem, mediante a laboratoriais;
pulação, produção e transporte de OGMs
aprovação do requerimento. Este deverá e para fazer cumprir a regulamentação de g) familiarizar os novos membros com
estar acompanhado de um projeto com a biossegurança. procedimentos de segurança, de
descrição detalhada da proposta de tra- A composição da CIBio incluirá pes- contenção e com o uso correto de
balho, assim como informações sobre soas com conhecimento e experiência ne- equipamentos.
instalações existentes, qualificação das cessários para acessar, avaliar e supervi- A CIBio ficará responsável por enviar
pessoas envolvidas, idoneidade financeira sionar os trabalhos com OGMs que estão à CTNBio a relação dos projetos de pes-
da instituição, além de outras informações sendo conduzidos na entidade. Ela deverá quisa em andamento ou a serem iniciados,
(finalidade do trabalho, tipo e grupo de ris- ter no mínimo três especialistas em áreas que envolvam OGMs, bem como a lista de
co do organismo etc.). A aprovação da compatíveis com a atuação da entidade e laboratórios, casas de vegetação e insta-
emissão do CQB levará em consideração, recomenda-se a inclusão de pelo menos lações para plantas e animais transgênicos,
principalmente, a competência e a adequa- uma pessoa leiga, funcionária da entidade especificando os níveis de contenção,
ção do quadro funcional e a infra-estrutu- ou não, e que esteja preparada para consi- conforme as normas da CTNBio. A CIBio
ra disponível, para que os trabalhos com derar os interesses mais amplos da comu- também deverá enviar relatórios à CTNBio,
OGMs possam ocorrer de forma segura e nidade. sempre que ocorrer qualquer tipo de aci-
responsável. O CQB será emitido apenas As principais responsabilidades da dente que envolva ou esteja relacionado
para uma proposta específica de trabalho, CIBio são elaborar e divulgar normas e to- com os trabalhos com OGMs.
ou seja, para uma Unidade Operativa dentro mar decisões sobre assuntos específicos O pesquisador responsável deverá es-
de uma entidade, podendo ser esta cons- no âmbito da instituição em procedimentos tar completamente familiarizado com os
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Biotecnologia 95

requerimentos da legislação de biossegu- saúde humana, para animais ou para o meio cercas, separadas de áreas de trânsito livre
rança, a fim de garantir que, na execução ambiente, o vetor utilizado não deve ser e, ainda, sejam totalmente fechadas, im-
de qualquer projeto que envolva o uso de capaz de sobreviver em condições externas pedindo a entrada ou saída de qualquer
OGMs, eles sejam obedecidos. O pesqui- a do laboratório. Isso serviria como uma organismo ou partícula. Devem possuir
sador responsável deverá, ainda, avaliar as garantia para impedir o escape acidental uma cabine de duas portas para a troca de
propostas de trabalho e verificar se estão desse gene para o ambiente externo. roupa antes e após a entrada no seu interior.
de acordo com a regulamentação de biosse- Os vegetais são classificados em qua- O ar deverá ser filtrado antes de sair do seu
gurança, fornecer informações, quando tro grupos, segundo o grau de risco que interior e o acesso deverá ser restrito uni-
solicitado, sobre os projetos da institui- podem apresentar para os seres humanos camente a indivíduos que estejam dire-
ção, garantir o uso das normas da CTNBio e para o meio ambiente. A seguir, há uma tamente envolvidos com os experimen-
e da CIBio nos projetos de pesquisa. Fica a descrição sucinta de cada grupo: tos em andamento. Todos os experimentos
encargo dele, encaminhar a proposta à ou materiais deverão ser esterilizados ou
a) Grupo de risco I: vegetais geneti-
CIBio, para que esta possa ser avaliada e inativados antes de ser descartados. A Fi-
camente modificados ou não, que
encaminhada à CTNBio. É de responsa- gura 32, (p.65) demonstra uma casa de ve-
apresentam um baixo nível de risco
bilidade do pesquisador responsável, zelar getação adequada a trabalhos com orga-
para o homem e para o ambiente;
pela segurança das pessoas que estejam nismos dos grupos de riscos I e II.
trabalhando no projeto com OGMs. Para b) Grupo de risco II: vegetais geneti-
Todo ambiente, onde haja manipulação
tanto, ele deve certificar-se de que todos camente modificados que são plan-
ou armazenamento de OGMs ou microorga-
tenham recebido treinamento apropriado e tas daninhas ou que podem cruzar-
nismos que apresentem risco à saúde do
que estejam conscientes da natureza dos se com elas; vegetais cujos genes
introduzidos representam o genoma homem e dos animais, além de ameaça ao
riscos potenciais do trabalho. Deverá ainda, ambiente, deverá ser corretamente iden-
garantir a boa manutenção dos aparelhos completo de um agente infeccioso
tificado por meio de símbolo apropriado
e da infra-estrutura e notificar imediata- não-exótico e vegetais associados a
(Fig. 33), à semelhança do que se pratica
mente a CIBio, todos os acidentes e doen- microorganismos com potencial para
produzir efeitos negativos no meio em ambientes onde há risco de contamina-
ças possivelmente relacionados com as ção por radiação. Como se pode perceber,
atividades com OGMs. ambiente;
a dificuldade de trabalho com organismos
c) Grupo de risco III: vegetais cujos
Classificação dos que apresentam um maior grau de perigo,
genes introduzidos representam o
experimentos com vegetais justifica-se pelo fato do enorme impacto
genoma completo de um agente que estes podem ocasionar ao ambiente
geneticamente modificados infeccioso exótico transmissível;
quanto aos níveis de risco vegetais ou microorganismos asso-
e de contenção ciados a eles, cujos genes introdu-
O nível de contenção de um experimen- zidos produzem toxinas para verte-
to deverá ter como base o nível de risco dos brados;
organismos envolvidos no experimento e d) Grupo de risco IV: agente infeccio-
ser determinado pelo organismo de maior so exótico que seja transmissível e
nível de risco, sendo este ou não um OGM. que tenha potencial para ser um pa-
Para mensurar o nível de risco que um tógeno sério para espécies cultiva-
dado organismo possa oferecer, serão con- das no país.
sideradas as seguintes questões:
Os princípios de contenção têm como
a) o DNA ou RNA transferido para o base o reconhecimento de que os organis-
organismo, ou seja, o gene em ques- mos usados não constituem uma ameaça
tão, assim como seu padrão de ex- para a saúde humana ou para a dos animais.
pressão no organismo-hospedeiro; A contenção anula ou minimiza a possibi- Figura 33 - Símbolo de biossegurança in-
b) o tipo de vetor (agente que carrega dicando risco biológico
lidade de um efeito danoso em organismos
o gene) de transformação utilizado; NOTA: Este símbolo deve estar fixado em lo-
e em ecossistemas fora da área experimental. cais bem visíveis, em ambientes onde
c) o organismo hospedeiro da cons- Como regra, à medida que aumenta o gru- haja manipulação ou armazenamento
trução gênica; po de risco, há necessidade de uma infra- de OGMs ou microorganismos, que
d) a quantidade de organismo envol- estrutura de contenção mais refinada. Para apresentem risco à saúde de homens e
vida; de animais, além de ameaça ao ambi-
trabalhos em casas de vegetação, o grupo
ente. O símbolo deve estar sempre
e) o local de realização dos experimen- de risco I exige apenas casas de vegetação acompanhado de informações sobre o
tos. simples. Já o grupo de risco III exige um microorganismo utilizado, classe de ris-
É interessante ressaltar que, para genes maior grau de segurança, necessitando que co, pesquisador responsável e telefone
que codificam produtos nocivos para a as casas de vegetação estejam isoladas por para contato em caso de acidente.

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96 Biotecnologia

ou ao homem, caso sejam expostos ao ra mais eficiente e racional, o princípio da Agrobacterium tumefaciens virulence
ambiente externo. É interessante relatar, precaução em momento algum deve ser proteins induced by the plant factor
acetosyringone. Journal of Molecular
que as normas de trabalho com organismos relegado a segundo plano. Para um país Biology, London, v.197, p.635-645, 1987.
do grupo de risco IV, em casas de vegeta- como o Brasil, que tem na agricultura uma FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 5 out. 1999.
ção, ainda não foram estabelecidas pela de suas principais atividades, desempe- HOFFMAN, C. A. Ecological risks of genetic
CTNBio e, portanto, é totalmente vetado nhando inclusive, importante papel social, engineering of crop plants: scientific and
qualquer tipo de experimentação com esses a opção pela adoção ou não de novas social anlyses are critical to realize benefits
organismos no território nacional. Vale lem- tecnologias que otimizam a atividade agrí- of the new techniques. BioScience,
Washington, v.40, n.6, p.434-437, 1990.
brar que essas normas são específicas para cola, assume importância estratégica. No
JAMES, C. Global review of comercialized
trabalhos com vegetais em casa de vege- momento, é importante que a discussão so- transgenic crops: 1998. Ithaca: ISAAA,
tação; já para trabalhos em contenção em bre a necessidade ou não de novas tecno- 1998. 30p. (ISAAA Briefs, 8).
laboratórios e com animais e microorga- logias não fique restrita apenas a questões JOERSBO, M.; DONALDSON, I.; KREIBERG,
nismos, as regras são diferentes. meramente políticas e econômicas, de- J.; PETERSEN, S. G.; BRUNSTEDT,
Apesar de todo este aporte legal e téc- vendo considerar-se também os aspectos J.; OKKES, F. T. Analysis of mannose
selection used for transformation of sugar
nico, o Brasil ainda não possui nenhuma sociais e ambientais envolvidos. beet. Molecular Breeding, Dordrecht, v.4,
cultivar de plantas transgênicas liberada p.111-117, 1998.
para cultivo comercial em território nacio- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
RAVEN, P. H. Biothenology, biodiversity, and
nal. Há proposta de uma moratória de cinco ALTIERI, M.A. How best can we use biodiversity in economic development: maximizing benefits
agroecoystems? Outlook on Agriculture, and minimizing risks. In: MEETING OF THE
anos, para que os efeitos dos produtos London, v.20, n.1, p.15-23, 1991. OPEN-ENDED AD HOC WORKING GROUP
transgênicos possam ser melhor avaliados. BORÉM, A. Escape gênico. Biotecnologia ON BIOSAFETY UNDER THE CONVEN-
No entanto, há centenas de liberações pla- Ciência & Desenvolvimento, Brasília, v.2, TION ON BIOLOGICAL DIVERSITY, 5,
nejadas no ambiente, conduzidas por insti- n.10, p.101-107, set./out. 1999. 1998, Montreal, Canada. [Proceedings...].
tuições de pesquisa públicas ou privadas, BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Lei Montreal, 1998. 12p.
unicamente com o caráter de avaliação do no 8974, de 5 de janeiro de 1995. Regulamen- SCHOLZE, S. H. C. Biossegurança e alimentos
ta os incisos II e V do § 1o do artigo 225 da transgênicos. Biotecnologia Ciência & De-
material no campo. Constituição Federal, estabelece normas para senvolvimento, Brasília, v.2, n.9, p.32-34,
o uso das técnicas de engenharia genética e 1999.
CONSIDERAÇÕES FINAIS liberação do meio ambiente de organismos SHENG, J.; CITOVSKY, V. Agrobacterium-plant
geneticamente modificados, autoriza o Poder cell DNA transport: have virulence proteins,
A moderna biotecnologia, a cada dia, Executivo a criar, no âmbito da Presidência will travel. The Plant Cell, v.8, p.1699-
vem-se tornando mais importante para o da República, a Comissão Técnica Nacional 1710, Oct. 1996.
da Biossegurança e dá outras providências.
homem como ferramenta útil para solução STACHEL, S.E.; ZAMBRYSKI, P.C. VirA and virG
LEX – Coletânea de legislação e juris-
de inúmeros problemas, nas mais variadas control the plant-induced activation of the
prudência, São Paulo, v.59, p.32-38, 1995.
T-DNA transfer process of A. tumefaciens.
áreas. São enormes os avanços obtidos nas CASTRO, L.A.B. Boletim informativo CTNBio, Cell, v.46, p.325-333, 1986.
últimas décadas pelo uso da biotecnologia Brasília, v.1, n.1, set./dez. 1997.
TINLAND, B.; HOHN, B.; PUCHTA, H.
na agricultura. O Brasil, apesar das severas CROUCH, M. L. How the terminaters: an Agrobacterium tumefaciens single-stranded
limitações financeiras impostas à pesqui- explanation for the non-scientist of a remar- transferred DNA (T-DNA) into the plant cell
kable patent for kiling second generation nucleus. Proceedings of the National
sa, tem assumido a postura de acompanhar seeds of crop plants. Washington: Edmonds Academy of Sciences, Washington, v.91,
e absorver os novos avanços que estão Institute, 1998. 31p. p.8000-8004, 1994.
sendo gerados a todo momento pela bio- DALE, P. J. Spread of engineered genes to wild TINLAND, B.; SCHOMACHER, F.;
tecnologia, assegurando, desta forma, sua relatives. Plant Physiology, Bethesda, v.100, GLOECKLER, V.; BRAVO-ANGEL, A. M.;
p.13-15, 1992. HOHN, B. The Agrobacterium tumefaciens
autonomia nesta área. Muito embora isso
DANIELL, H.; DATTA, R.; VARMA, S.; GRAY, virulence D2 protein is responsible for precise
seja importante, o país não tem negligen- integration of T-DNA into the plant genome.
S.; LEE, S. B. Containment of herbicide
ciado as questões de biossegurança e tem- resistance through genetic engineering of the The EMBO Journal, v.14, n.14, p.3585-
se preocupado com os possíveis efeitos chloroplast genome. Nature Biotechnology, 3595, 1995.
negativos que poderão advir com o uso New York, v.16, p.345-348, 1998. VARELLA, M.D.; FONTES, E.; ROCHA,
generalizado de produtos geneticamente DOEBLEY, J. Molecular evidence for gene flow F.A.N.G. da. Biossegurança e biodiver-
among Zea species: genes transformed into sidade: contexto científico e regulamentar.
manipulados. No que se refere à legislação Belo Horizonte: Del Rey, 1999. 301p.
maize through genetic engineering could be
de segurança para atividades que envolvam transferred to its wild relatives, the Teosintes. WILMUT, I; SCHNIEKE, A.E.; MCWHIN, J.; KIND,
OGMs, a Lei de Biossegurança brasileira é BioScience, Washington, v.40, n.6, p.443- A. J.; CAMPBELL, K. H. S. Viable offspring
considerada como uma das mais modernas, 448, 1990. derived from fetal and adult mammalian cells.
estando em conformidade com os mais ELLSTRAND, N.; HOFFMAN, C. A. Hybridiza- Nature, London, v.385, n.6619, p.810-813,
tion as an avenue of escape for engineered 1997.
rigorosos padrões de segurança praticados
genes: strategies for risk reduction. BioScience, ZUPAN, J.R.; ZAMBRYSKI, P. Transfer of
no mundo. Embora seja inquestionável o Washington, v.40, n.6, p.438-442, 1990. T-DNA from Agrobacterium to the plant
potencial oferecido pelas plantas trans- ENGSTRÖM, P.; ZAMBRYSKI, P.; MONTAGU, cell. Plant Physiololy, v.107, p.1041-1047,
gênicas para a prática de uma agricultu- M. V.; STACHEL, S. Characterization of 1995.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.89-96, maio/jun. 2000


Biotecnologia 97

Aplicação de marcadores moleculares


no melhoramento genético
Marcelo Abreu Lanza 1
Cláudia Teixeira Guimarães 2
Ivan Schuster 3

Resumo - O melhoramento genético tem sido um dos grandes responsáveis pelos


avanços na agricultura, com o desenvolvimento de cultivares superiores, quer pela
maior produtividade, quer pela melhor adaptação aos ambientes adversos. O sucesso
de um programa de melhoramento genético depende fundamentalmente de algumas
etapas como a escolha de genitores que produzam indivíduos com a melhor com-
binação de alelos favoráveis e a seleção de genótipos superiores em populações
segregantes. Uma potente ferramenta para auxiliar o melhoramento são os marca-
dores moleculares, que fornecem um número ilimitado de polimorfismos com base
no DNA e são independentes dos efeitos ambientais e do estádio fisiológico da
planta, permitindo a identificação precoce e precisa de indivíduos com uma melhor
combinação de alelos favoráveis. Os avanços nas técnicas moleculares, na bioinfor-
mática e na genética quantitativa têm contribuído de forma sinergística para o atual
nível de conhecimentos sobre a estrutura genética de várias espécies cultivadas e
silvestres. Assim, várias são as aplicações dos marcadores moleculares, tanto para
auxiliar programas de melhoramento, quanto em estudos de variabilidade genética,
identificação de cultivares, proteção dos direitos do melhorista, avaliação da pureza
genética de sementes, mapeamento genético e ampliação dos conhecimentos na
organização dos genomas.
Palavras-chave: Variabilidade genética; Genoma; Alelos; Polimorfismo.

INTRODUÇÃO Com o advento das técnicas de biologia áreas da bioinformática e da genética quan-
No início, os estudos genéticos eram molecular, tornou-se possível a manipula- titativa. A aplicação dessas técnicas para
realizados utilizando-se marcadores morfo- ção do DNA, que culminou no surgimento acelerar e monitorar os programas de me-
lógicos determinados por mutações simples dos vários tipos de marcadores moleculares lhoramento genético tem como conse-
em um gene particular, gerando alterações disponíveis atualmente. Os marcadores qüência grandes avanços no desenvol-
fenotípicas de fácil identificação no orga- moleculares apresentam várias vantagens vimento de variedades melhoradas.
nismo. Os marcadores morfológicos con- sobre os marcadores morfológicos por
tribuíram significativamente para o esta- fornecer um número ilimitado de polimor- MARCADORES MOLECULARES
belecimento dos princípios teóricos do fismos distribuídos aleatoriamente ao longo RFLP
mapeamento genético e das análises de de todo o genoma e por ser independentes Restriction Fragment Length Polymorphisms
ligação gênica. No entanto, o número redu- dos efeitos ambientais e do estádio fisioló- (RFLP) foi o primeiro marcador de DNA a
zido de marcadores fenotípicos disponíveis, gico da planta, permitindo a identificação ser utilizado na construção de mapas ge-
a ausência de ligação destes com caracteres precisa dos genótipos em estádios iniciais néticos na espécie humana (Botstein et al.,
de importância econômica e os efeitos dele- do desenvolvimento. O avanço das técni- 1980). Em pouco tempo, os marcadores
térios das mutações limitaram sua utilização cas moleculares tem sido acompanhado de RFLPs estavam entre os mais utilizados em
(Guimarães & Moreira, 1999). perto pelo grande desenvolvimento nas várias áreas da genética vegetal. A técnica

1
Engo Agro, M.Sc., Pesq. EPAMIG-CTTP, Caixa Postal 351, CEP 38001-970 Uberaba-MG.
2
Enga Agra, D.Sc., Pesq. EMBRAPA Milho e Sorgo, Caixa Postal 151, CEP 35701-970 Sete Lagoas-MG. E-mail: claudia@cnpms.embrapa.br
3
Engo Agro, D.Sc., Pesq. UFV-BIOAGRO, CEP 36571-000 Viçosa-MG.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.97-108, maio/jun. 2000


98 Biotecnologia

do RFLP baseia-se na digestão do DNA disponibilidade de sondas de DNA, que dos primers por meio da enzima DNA
genômico com enzimas de restrição. podem ser obtidas gratuitamente de insti- polimerase. Como cada ciclo é repetido
Os fragmentos gerados de DNA são tuições públicas internacionais. Sondas várias vezes, a amplificação do DNA-alvo
separados em gel de agarose e transferidos heterólogas também podem ser utilizadas ocorre em progressão geométrica, reque-
para membranas de nylon ou nitrocelulose, entre espécies ou gêneros afins. Outra rendo uma quantidade muito pequena de
onde são hibridizados com sondas de DNA, limitação é a sua complexidade técnica, o DNA-molde.
detectando seqüências genômicas homó- que requer laboratórios bem equipados e A facilidade, a rapidez e a sensibilidade
logas a elas. As sondas são seqüências de mão-de-obra especializada. dessa técnica possibilitaram o surgimen-
DNA marcadas com nucleotídeos radioati- to de uma nova geração de marcadores
vos ou quimioluminescentes. Após cada RAPD moleculares com base em PCR. O primeiro
hibridização, as membranas contendo os O advento da técnica de Polymerase deles foi o Random Amplified Polymorphic
fragmentos de DNA fixados são expostas Chain Reaction (PCR) (Mullis & Faloona, DNA (RAPD) (Williams et al., 1990) ou
a um filme de raios X e submetidas ao pro- 1987) e seus posteriores avanços, utilizando Arbitrarely Primed-PCR (AP-PCR) (Welsh
cesso de revelação. uma enzima DNA polimerase termoestá- & McClelland, 1990). O RAPD é uma va-
O polimorfismo é obtido, quando ocorre vel e termocicladores programáveis com riação da técnica de PCR que utiliza um
perda ou surgimento de sítios de restrição, elevada capacidade de processamento, im- único primer de dez nucleotídeos e com
que são seqüências específicas de quatro primiram grande automatização à síntese seqüência arbitrária. Portanto, para que um
a seis nucleotídeos reconhecidas pelas en- in vitro de DNA. A técnica de PCR consis- fragmento de DNA seja amplificado, duas
zimas de restrição utilizadas na digestão te na síntese enzimática in vitro de um regiões complementares ao primer devem
do DNA. Inserções, deleções ou outros segmento de DNA, delimitado por um par estar separadas por até 2.000 pb e em orien-
rearranjos, quando ocorrem entre dois sí- de primers de seqüências específicas de tações opostas. Com isso, são amplificados
tios de restrição, também alteram o tamanho nucleotídeos de fita simples. Primers são fragmentos de DNA, distribuídos ao acaso
dos fragmentos, que são detectados por seqüências curtas de DNA, que pareiam no genoma, sem a necessidade do conhe-
possuir uma região homóloga à sonda com o DNA-molde e servem de iniciadores cimento prévio da seqüência do DNA. A
de DNA. Esses fragmentos serão polimór- para a síntese in vitro de uma nova fita de detecção dos produtos de amplificação é
ficos, quando apresentar qualquer um DNA. As reações ocorrem em ciclos alter- feita em gel de agarose tratado com brome-
dos rearranjos genéticos já citados, sendo nados de temperatura, sendo que cada to de etídio e visualizado sob luz ultravio-
então utilizados na caracterização de in- ciclo do PCR envolve três etapas. Na pri- leta. As bases moleculares do polimorfis-
divíduos geneticamente diferentes. Os mar- meira, ocorre a desnaturação da fita du- mo de RAPD são mutações de ponto, ou
cadores RFLPs apresentam herança co- pla de DNA, posteriormente, os primers deleções no sítio de pareamento do primer,
dominante, sendo possível a identificação pareiam-se com as seqüências complemen- ou inserções entre os sítios de pareamen-
de genótipos homozigotos e heterozigotos. tares específicas que flanqueiam o sítio- to, deixando-os a uma distância tal que
Essa característica é uma das vantagens alvo, e então a nova fita de DNA é sinte- impossibilita a sua amplificação. O RAPD
do RFLP, uma vez que permite uma aná- tizada a partir das extremidades 3’-OH livres é uma técnica de fácil execução de custo
lise mais detalhada da ação gênica e da
interação entre alelos em estudos de ma-
peamento de características quantitativas
Ganho ou perda de sítios de restrição Inserção ou deleção entre os sítios de restrição
(Ferreira & Grattapaglia, 1998). Outra ou de anelamento de primers ou de anelamento de primers
importante vantagem dos RFLPs é o fato
RFLP – co-dominante RFLP – co-dominante
de representarem locos únicos em cada RAPD - dominante RAPD e AFLP – co-dominante (raro)
AFLP - dominante SSR – co-dominante
genoma e de possibilitar a utilização de
sondas heterólogas, permitindo o mapea-
mento comparativo entre espécies corre- GAATTC GAATTC GAATTC GAATTC
CTTAAG CTTAAG CTTAAG CTTAAG
lacionadas. A Figura 34 ilustra as bases
moleculares dos diferentes marcadores
moleculares e indica quando estes são GAATTC GAATTC GAATTC GAATTC GAATTC
CTTAAG CTTAAG
dominante ou co-dominante. CTTAAG CTTAAG CTTAAG

Uma grande limitação da técnica de


RFLP é a necessidade de construir biblio- sítio de restrição
tecas genômicas para a obtenção das sítio de anelamento de primer
sondas. Tal limitação é, em parte, superada
na maioria das culturas de interesse eco- Figura 34 - Bases moleculares dos marcadores de DNA
nômico, para as quais existe uma grande FONTE: Dados básicos: Paterson (1996).

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reduzido e aplicável a qualquer tipo de Microssatélites ou SSR para o desenvolvimento de mapas de liga-
organismo. No entanto, existem problemas Os genomas eucarióticos apresentam ção e para a identificação de indivíduos.
inerentes à reprodutibilidade dos padrões várias classes de seqüências repetidas e Em plantas, os microssatélites são muito
de amplificação, além do baixo conteúdo uma delas consiste em tandem de um a freqüentes e distribuídos ao acaso ao longo
de informação genética por loco, uma vez quatro nucleotídeos, sendo denominadas do genoma, sendo amplamente utilizados
que são marcadores dominantes. Este ti- microssatélites (Litt & Luty, 1989) ou Simple na construção de mapas genéticos. Os mi-
po de marcador possibilita a detecção de Sequence Repeats (SSR). A seqüência de crossatélites apresentam-se como uma das
apenas um alelo por locos, sendo que a DNA que flanqueia estas regiões contendo classes de marcadores mais promissoras
presença de uma banda no gel identifica repetições curtas são conservadas dentro para a ampla utilização nos programas de
indivíduos homozigotos dominantes (AA) de uma espécie, permitindo a seleção de melhoramento, uma vez que são marcado-
e heterozigotos (Aa), não permitindo a dis- primers de PCR que podem ser utilizados res co-dominantes e multialélicos (Fig. 35),
tinção entre eles. O homozigoto recessivo para amplificar os SSRs. O polimorfismo no fornecendo um elevado nível de informação
(aa) é identificado pela ausência da ban- tamanho dos fragmentos obtidos é devido genética por loco. Rongwen et al. (1995),
da. ao número diferente de repetições das se- utilizando sete primers microssatélites pa-
Os avanços no processo de seqüen- qüências simples. Os marcadores micros- ra caracterizar 96 genótipos de soja, en-
ciamento de DNA e os projetos de se- satélites tornaram-se rapidamente os mais contraram de 11 a 26 alelos por loco. Para
qüenciamento de genomas eucariotos têm utilizados pelos geneticistas de humanos, marcadores RFLP, Keim et al. (1989, 1992)
possibilitado um grande acúmulo de in-
formações no nível das seqüências de
DNA. Com isso, marcadores RFLP, RAPD
e informações de seqüências gênicas po-
dem ser convertidos em primers especí- )
ficos para ser utilizados em análises gené-
ticas detalhadas por meio da técnica de
PCR. Sondas genômicas de RFLP, utilizadas
no mapeamento do genoma humano, foram
os primeiros marcadores a serem seqüen-
ciados e amplificados com primers espe-
cíficos, sendo denominados Sequence
Tagged Site (STS) (Olson et al., 1989).
Quando as sondas a serem seqüenciadas
são obtidas de bibliotecas de cDNA, elas A
passam a ser denominadas Expressed
Sequence Tags (EST). Os fragmentos de )
DNA obtidos pela amplificação específica
das sondas de RFLP podem ser clivados
com enzimas de restrição, revelando um
tipo de marcador molecular conhecido
como Cleaved Amplified Polymorphic
Sequences (CAPS) (Konieczny & Ausubel,
1993 e Jarvis et al., 1994). Esses marcadores
apresentam as vantagens práticas do PCR, B
mantendo a natureza co-dominante e alélica
do RFLP. Marcadores RAPD também
podem ser seqüenciados e convertidos em Figura 35 - Padrões de amplificação de microssatélite
primers específicos para amplificação por NOTA: Figura 33A - Padrão de amplificação do microssatélite SSR7 em oito linhagens elites de
PCR. Tais marcadores são denominados milho resolvidos em gel 8% de poliacrilamida não denaturante discriminando oito alelos
diferentes. M é o marcador de peso molecular 25 bp ladder e o tamanho de cada um dos
Sequence Characterized Amplified Regions
alelos está descrito abaixo em pares de base (bp); Figura 33B - Padrão de amplificação do
(SCAR) (Paran & Michelmore, 1993) e
microssatélite Satt038 em uma população F2 de soja, segregando para resistência à raça 3
apresentam uma vantagem sobre o RAPD do Nematóide de Cisto da Soja, resolvido em gel de agarose 3%. Canaletas 1-4, plantas
que é a elevada especificidade da amplifi- homozigotas resistentes, 5-12 plantas heterozigotas, 13-16 plantas homozigotas suscetíveis.
cação, embora mantenham a sua natureza M é o marcador de peso molecular (DNA do fago Lambda digerido com EcoRI, HindIII e
dominante. BamHI).

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100 Biotecnologia

utilizaram de início 17 sondas de RFLP para na mesma reação de PCR. Os primers com- número de fragmentos polimórficos em
caracterizar 58 genótipos de soja e, poste- ponentes do multiplex não podem possuir um único gel de seqüenciamento. Como os
riormente, 132 sondas de RFLP para carac- homologia cruzada e devem amplificar primers utilizados nas etapas de ampli-
terizar 38 genótipos de soja. Apenas duas alelos de tamanhos diferentes. ficação são longos, em torno de 20 pb, a
sondas no primeiro experimento e três no especificidade das reações é aumentada
segundo apresentaram mais de dois ale- AFLP significativamente, quando comparada
los. O Amplified Fragment Length com o RAPD. Assim, o AFLP alia a van-
Pelo fato de serem co-dominantes, mar- Polymorphisms (AFLP) é uma classe re- tagem de explorar regiões genômicas
cadores microssatélites, quando ligados a cente de marcadores, que alia a especifi- arbitrárias, sem a necessidade do conhe-
locos de interesse, permitem obter infor- cidade dos sítios de restrição do RFLP à cimento prévio das seqüências do DNA,
mações sobre o tipo de ação gênica de praticidade da amplificação do PCR, apre- com a elevada especificidade da técnica de
interações entre diferentes locos. Marca- sentando-se como uma ferramenta pode- PCR. Uma das limitações do AFLP é o baixo
dores SSRs são altamente reproduzíveis rosa na caracterização de genomas e no conteúdo de informação genética por loco
e estáveis dentro de uma determinada mapeamento genético (Vos et al., 1995). A que, à semelhança do RAPD, também são
espécie, permitindo o intercâmbio de infor- técnica baseia-se na digestão simultânea marcadores essencialmente dominantes.
mações entre diferentes grupos de pesqui- do DNA genômico com duas enzimas de Como o AFLP é realizado em várias etapas,
sa, o que facilita grandemente sua utiliza- restrição, sendo EcoRI e MseI as mais incluindo a digestão do DNA com enzimas
ção na seleção assistida e na integração de usadas. Adaptadores específicos, com ter- de restrição, é uma técnica trabalhosa, que
mapas genéticos. minais complementares às extremidades necessita de DNAs genômicos de alta qua-
A técnica de SSR é de fácil execução e coesivas dos sítios de restrição, são liga- lidade e de um maior número de reagentes,
pode ser amplamente automatizada pelo dos aos fragmentos de DNA digeridos. São tornando-a também mais cara. Outro fato
fato de se basear em PCR. No entanto, o utilizados dois adaptadores específicos, que contribui para aumentar a complexi-
polimorfismo deve ser detectado em géis sendo um para cada sítio de restrição. Os dade do AFLP é que a resolução dos poli-
de alta resolução, em função das pequenas fragmentos digeridos e com os adaptadores morfismos precisa ser realizada em géis de
diferenças de tamanho entre os segmentos ligados a eles são submetidos a uma reação seqüenciamento, utilizando radioatividade
amplificados, em termos de pares de base. de PCR com primers pré-seletivos, cuja ou fluorescência, e nem todos os labora-
A maior limitação do método é a obtenção seqüência é complementar à dos adapta- tórios estão capacitados para trabalhar com
dos primers específicos que flanqueiam dores, acrescidos de um nucleotídeo arbi- tais metodologias.
as regiões altamente repetitivas ou os trário na sua extremidade 3’. A amplifica-
microssatélites. Esta etapa requer a cons- ção pré-seletiva é realizada com o objetivo APLICAÇÕES DOS
trução de bibliotecas genômicas enrique- de aumentar a proporção dos fragmentos MARCADORES MOLECULARES
cidas com os microssatélites de interesse, de interesse, com os sítios de restrição de NO MELHORAMENTO GENÉTICO
metodologias eficientes para o screening EcoRI e MseI, e de fazer uma seleção ini- Os marcadores moleculares possibili-
das bibliotecas e seqüenciamento de DNA cial desses fragmentos. Os fragmentos pré- tam várias aplicações e análises genéticas
em larga escala, necessitando de labora- amplificados são então submetidos às rea- com grandes oportunidades de utilização
tórios com uma infra-estrutura bastante ções de amplificação seletiva, utilizando no melhoramento genético.
especializada. Esta limitação está sendo primers com a mesma seqüência dos
vencida rapidamente, sendo que, para di- primers pré-seletivos acrescida de dois nu- Diversidade genética
versas espécies de importância econômica, cleotídeos arbitrários na sua extremida- e seleção de genitores
já existe no mercado um grande número de de 3’. A detecção dos fragmentos polimór- Os diferentes tipos de marcadores mo-
primers SSR, o que possibilita a utilização ficos é feita em gel de seqüenciamento, uti- leculares disponíveis apresentam uma
da técnica com a mesma infra-estrutura uti- lizando um dos primers seletivos marcados ampla capacidade de amostragem do ge-
lizada para o RAPD ou PCR convencional, com radioatividade ou com fluorescência. noma, sendo de grande potencial para a
necessitando apenas de cubas adicionais A Figura 36 (p.65) exemplifica um resulta- avaliação da diversidade genética, tanto
para eletroforese em géis de acrilamida. Com do de AFLP em uma população F2 de cacau, para aplicações filogenéticas e evolutivas,
isso, a técnica de SSR torna-se compatível utilizando primers fluorescentes, analisa- quanto para fins práticos em programas de
com RAPD ou PCR convencional, em ter- dos por meio do seqüenciador automático melhoramento genético e na manutenção
mos de custo. Além disso, como apenas ABI377 (Queiroz, 1999). de bancos de germoplasma. Os genótipos
um loco é amplificado em cada indivíduo, é Uma das vantagens do AFLP é o gran- são avaliados por meio dos marcadores e
possível utilizar primers multiplex no ma- de poder de detecção de variabilidade as bandas comuns a todos os indivíduos
peamento genético, tornando a técnica ain- genética, uma vez que a técnica explora são interpretadas como semelhanças gené-
da mais barata. Esta estratégia consiste na polimorfismos de restrição e de amplifi- ticas, e as não-comuns, como diferenças
utilização de dois ou mais pares de primers cação. Dessa forma, é resolvido um grande genéticas. Os resultados são codificados

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de forma que gere uma matriz de similaridade sicas, além de facilitar o acesso dos melho- existentes. Então, um sistema com base em
(ou dissimilaridade), que pode ser grafica- ristas às coleções. A caracterização de li- marcadores de DNA e que possa identificar
mente interpretada por meio de análise de nhagens de milho em grupos heteróticos um padrão único de combinação destes
agrupamento ou multivariada. é de fundamental importância na escolha marcadores, como uma “impressão digital”
A escolha dos genitores e o plane- dos genitores para a obtenção de híbridos (fingerprint), para cada variedade, torna-
jamento dos cruzamentos são etapas de com elevada performance agronômica. Me- se necessário para facilitar a proteção de
fundamental importância para o sucesso didas de distância genética por meio de novas variedades, e assegurar os direitos
de um programa de melhoramento (Borém, RFLP têm sido utilizadas na classificação de propriedade intelectual dos melhoristas.
1997). Estas etapas podem ser auxiliadas de linhagens de milho em grupos heteró- Com a utilização de marcadores multialé-
por meio dos marcadores moleculares, que ticos, bem como a alocação de novas li- licos e altamente conservados, como os
fornecem aos melhoristas informações nhagens de origem desconhecida nos dife- SSR, é possível obter um padrão único para
genéticas adicionais e mais detalhadas dos rentes grupos (Dudley et al., 1992 e Livini cada variedade. Rongwen et al. (1995),
genótipos, aumentando a probabilidade de et al., 1992). O monitoramento de cruzamen- utilizando sete marcadores de microssaté-
obtenção de cultivares superiores. A iden- tos em pomares de sementes de espécies lite, conseguiram distinguir 95 entre 96
tificação e seleção de genitores superiores florestais tem garantido uma combinação genótipos de soja. Os dois únicos genó-
são críticas em espécies perenes, como fru- genética favorável entre indivíduos sele- tipos que possuíam alelos idênticos nos
teiras e essências florestais, uma vez que o cionados (Ferreira & Grattapaglia, 1998). sete locos eram estreitamente aparenta-
tempo para obtenção de uma cultivar me- dos (93,4% de similaridade com base na
lhorada é bastante longo. Fingerprinting e proteção genealogia). Russell et al. (1997), estudan-
A caracterização molecular da diver- de cultivares do 11 locos de SSR em 24 genótipos de
sidade genética entre 38 cultivares de soja A caracterização de variedades, linha- cevada, encontraram três combinações de
brasileiras, por meio de marcadores RAPD, gens ou híbridos por meio de marcadores quatro SSR, que identificaram todos os
foi estreitamente correlacionada com dados de DNA tem sido de grande importância genótipos avaliados. Estes autores conse-
genealógicos, tendo grande utilidade na na proteção do direito intelectual do melho- guiram distinguir inclusive duas linhas
seleção de genitores para o Programa de rista, sendo utilizada como prova legal em irmãs, que possuíam distância nula, com
Melhoramento da Qualidade da Soja para processos jurídicos nos países em que já base na genealogia.
a Agroindústria da Universidade Federal vigoram as leis de proteção de cultivares. Marcadores moleculares, pelo fato de
de Viçosa (UFV) (Abdelnoor et al., 1995). Com a aprovação, no Brasil, da Lei de Pro- discriminarem a contribuição genética de
O estudo da diversidade genética entre ge- teção de Cultivares, Lei no 9.456, de 25 de cada genitor na sua descendência, podem
nitores de feijoeiro, utilizando marcadores abril de 1997 (Brasil..., 1997), o Serviço Na- ser utilizados para o controle da pureza
RAPD e proteínas de reserva, agrupou cor- cional de Proteção de Cultivares (SNPC), genética de sementes híbridas ou de linha-
retamente as cultivares em dois grupos de órgão vinculado ao Ministério da Agricul- gens, para a determinação da taxa de polini-
acordo com a origem evolutiva, permitindo tura, ficou responsável pelo registro e pro- zação cruzada em espécies autógamas e
uma caracterização mais detalhada dos ge- teção de novas variedades. Para que uma para a avaliação do tipo de fecundação
nótipos dentro de cada grupo (Vasconcelos variedade seja protegida, é necessário de- predominante em espécies ainda pouco
et al., 1996). A escolha de genitores mais monstrar que ela é diferente de qualquer estudadas. A capacidade de discriminação
divergentes, dentro de um grupo de linha- outra da mesma espécie. Atualmente, a dos métodos de fingerprinting molecular
gens-elite de soja, com base em marcadores proteção de cultivares é feita com base em depende do número de marcadores utili-
moleculares, gerou híbridos F1 mais pro- descritores morfológicos, tais como, colo- zados e da freqüência de cada loco dentro
dutivos (Miranda, 1998). Em programas de ração de flor e pubescência, hábito de cres- da espécie (Ferreira & Grattapaglia, 1998),
retrocruzamento, a seleção de genitores cimento, forma da folha, ciclo, resistência sendo necessário um estudo prévio da va-
doadores de genes de interesse que sejam a doenças, entre outras. Em espécies que riabilidade genética dos locos para cada
geneticamente mais similares aos genitores possuem uma base genética estreita, como espécie a ser avaliada.
recorrentes permite a recuperação mais é o caso da soja, em que as variedades são
rápida do genoma destes. Desse modo, o obtidas pela hibridação entre um grupo Análise de pureza genética
estudo da diversidade genética auxiliado elite de parentais geneticamente seme- de sementes
por marcadores moleculares pode direcio- lhantes, as novas variedades tendem a ser Da mesma forma como os marcadores
nar cruzamentos, favorecendo a obtenção muito semelhantes e muitas vezes indistin- com base no DNA são úteis na identifi-
de cultivares superiores. guíveis com base nestas características. cação de cultivares, tornam-se também uma
O estudo da diversidade genética den- Além disso, com o aumento do número de importante ferramenta na identificação das
tro dos bancos de germoplasma gera infor- variedades protegidas no banco de dados misturas varietais em análises de pureza
mações que têm como objetivo otimizar a do SNPC, torna-se cada vez mais difícil dis- genética de sementes, com a finalidade de
manutenção e o manejo das coleções bá- tinguir uma nova variedade daquelas já certificação ou fiscalização de sementes.

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102 Biotecnologia

Comumente, misturas varietais são iden- primers bem distribuídos no mapa genético destruição da planta, como é o caso de ne-
tificadas com base em características obser- da cultura. Além das sementes atípicas, são matóide do cisto em soja.
vadas na semente, na plântula e, em alguns também analisadas várias sementes do lote Além de monitorar a presença do gene
casos, com auxílio de eletroforese de pro- avaliado, para determinar a variabilidade de interesse, a genotipagem molecular dos
teínas da semente. Em soja, por exemplo, a intra-varietal, e ainda sementes de outras indivíduos permite a seleção daqueles mais
análise de pureza genética de sementes é variedades, que são utilizadas como con- semelhantes ao genótipo recorrente e com
feita comumente pela cor do hilo e do hipo- trole, principalmente quando as atípicas e melhor conversão na região próxima ao
cótilo e reação à peroxidase. Estes caracte- as do lote são idênticas. Tal estratégia, que gene introduzido. Desse modo, o número
res são pouco informativos, pois tanto a utiliza vários controles e uma amostragem de ciclos de retrocruzamentos necessários
cor do hipocótilo, quanto a reação à pe- dentro do lote de sementes, contribui para para a recuperação do genótipo recorrente
roxidase só permitem dois resultados pos- o aumento no tempo e no custo das aná- é reduzido de forma acentuada, acelerando
síveis, sendo que a combinação de ambos lises. Assim, surge a necessidade de obter o desenvolvimento de variedades melho-
classifica as variedades em quatro grupos uma caracterização molecular das varie- radas (Openshaw et al., 1994).
distintos. Cor de hilo apresenta um número dades das diversas culturas economica-
maior de resultados possíveis, represen- mente importantes, por meio de marcadores Identificação de marcadores
tados pelas diversas cores e tonalidades com base no DNA. Além de acelerar e re- associados a caracteres
de interesse
de hilo existentes. Entretanto, algumas duzir os custos das análises de pureza
variedades, em função de condições am- genética de sementes, este fingerprinting Grande parte desses trabalhos tem sido
bientais particulares, podem apresentar molecular será de grande utilidade nos desenvolvida associando-se marcadores
tonalidades diferentes da cor de hilo e, com processos de proteção de cultivares. Dessa moleculares a caracteres de herança sim-
isso, confundir a discriminação entre va- forma, bastará analisar as sementes atípi- ples, uma vez que as variações fenotípicas
riedades com cores parecidas. É o caso de cas com os primers que caracterizam a varie- são de fácil mensuração e análise. Linha-
variedades com hilo preto imperfeito, que dade e comparar os alelos obtidos com gens isogênicas são aquelas geneticamente
podem ser confundidas com as que pos- aqueles característicos da variedade. Além semelhantes (exceto na região genômica
suem hilo preto, ou mesmo hilo marrom. disso, com a utilização de DNA extraído da onde um gene de interesse foi introduzido),
O laboratório de Genética Molecular própria semente (McDonald et al., 1994), desenvolvidas por meio de ciclos suces-
de Plantas, do Instituto de Biotecnolo- os resultados podem ser obtidos em um sivos de retrocruzamentos. Pelo fato de
gia Aplicada à Agropecuária (BIOAGRO- espaço de tempo ainda mais curto, compa- essas linhagens apresentarem diferenças
BIOMOL) da UFV tem realizado, a pedido tibilizando seu uso com a análise para genéticas apenas na região de interesse,
da Delegacia Regional do Ministério da certificação de sementes. elas têm sido utilizadas com bastante
Agricultura e do Instituto Mineiro de Agro- sucesso na identificação de marcadores
pecuária (IMA), análises com base no DNA, Melhoramento genético ligados a genes de resistência em várias
para investigação de pureza genética em auxiliado por marcadores espécies de importância econômica, como
moleculares ao vírus TMV em tomate (Young et al.,
sementes de soja. Sementes consideradas
atípicas por possuírem hilo de coloração Retrocruzamentos auxiliados por 1988), a Pseudomonas em tomate (Martin
diferente do padrão definido para a varie- marcadores moleculares et al., 1991) e a Phytophtora megasperma
dade são submetidas à análise de DNA, Atualmente, a utilização de marcadores em soja (Diers et al., 1992).
com marcadores SSR e sementes da varie- moleculares em programas de introgressão Outra estratégia que tem revoluciona-
dade da qual as sementes atípicas foram de genes por meio de retrocruzamento é o do a identificação de regiões genômicas
obtidas. Os resultados têm demonstrado exemplo mais concreto de melhoramento associadas a caracteres de herança simples
que nem sempre a diferença na cor do hilo genético assistido por marcadores. Germo- é a técnica de bulks segregantes, Bulked
significa mistura varietal. Em alguns casos, plasmas não-adaptados têm sido utilizados Segregant Analysis (BSA), proposta por
sementes de hilo preto imperfeito encon- em programas de melhoramento com o obje- Michelmore et al. (1991). Essa metodologia
tradas em lotes de sementes de hilo marrom tivo de introduzir características de herança baseia-se na construção de dois bulks de
são geneticamente idênticas às sementes simples, como resistência a doenças. O uso DNA contrastantes para uma característica
do lote. O uso de marcadores com base no de marcadores moleculares ligados a genes fenotípica entre os indivíduos de uma po-
DNA constitui-se uma ferramenta auxiliar de interesse é de grande importância na pulação segregante. Cada bulk é constituí-
muito poderosa na análise de pureza gené- seleção de genótipos resistentes, princi- do de uma mistura de DNAs de indivíduos
tica de sementes, aplicável sempre que a palmente quando o programa de melhora- de uma população segregante com fenó-
caracterização visual permitir dúvidas. Até mento tem como objetivo introduzir dois tipo semelhante para a característica de
o momento, este tipo de análise tem sido ou mais genes de resistência, quando o interesse. Dessa forma todos os indivíduos
feita, explorando-se ao máximo a represen- fenótipo é de determinação complexa, ou que compõem um bulk compartilham uma
tatividade do genoma, pela utilização de quando o processo de avaliação requer a mesma região genômica que contém o gene

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Biotecnologia 103

de interesse e segregam para as demais ligados a genes de interesse fornecem um por intervalo possui uma maior precisão
regiões. Assim, o marcador que co-segregar ponto de partida para a clonagem de genes nas estimativas do efeito e da posição do
com os bulks tem uma grande probabi- que se baseia em mapa. QTL, uma vez que analisa cada centiMor-
lidade de estar ligado à característica gan (cM) do genoma mapeado. No entan-
avaliada, sem necessitar da genotipagem Mapeamento de to, é uma metodologia mais complexa que
de um grande número de indivíduos nem caracteres complexos necessita tanto da construção de mapas
da construção de um mapa genético sa- A maioria dos caracteres de importân- genéticos quanto da utilização de progra-
turado. cia econômica está sob controle genético mas computacionais específicos para as
Vários exemplos demonstram o sucesso complexo, envolvendo a ação de vários análises. Atualmente, novos modelos têm
da técnica de BSA, como a identificação genes, o que torna difícil sua manipula- sido propostos com o objetivo de aumen-
de marcadores RAPD e RFLP ligados a ção e compreensão. Regiões genômicas tar a resolução do mapeamento de QTL,
genes de resistência ao míldio em alface contendo locos gênicos associados a tais como o mapeamento por intervalo com-
(Michelmore et al., 1991, Paran et al., 1991 e caracteres quantitativos são denominados posto (Zeng, 1993, 1994), múltiplos QTLs
Paran & Michelmore, 1993). Alzate-Marin QTLs. Marcadores moleculares analisados (Jansen, 1993) e o mapeamento por inter-
(1996), utilizando a análise de bulks segre- por metodologias estatísticas implemen- valos múltiplos (Kao et al., 1999).
gantes, identificou marcadores RAPD liga- tadas em programas de mapeamento de Um dos problemas nas análises de QTLs
dos em fase de acoplamento e de repulsão QTLs têm possibilitado a dissecação dos é que o grande número de testes realizados
a genes de resistência a Colletotrichum caracteres complexos em fatores mende- dificulta o estabelecimento de níveis de
lindemuthianum, agente causal da antrac- lianos simples. O mapeamento de QTLs significância estatística, o que pode ser
nose do feijoeiro. De forma similar, foi iden- possibilita estimar o número e a localização uma fonte adicional de erro. Para aumentar
tificado um marcador RAPD co-dominante, de genes que controlam a variação feno- a confiabilidade dos resultados, foram
ligado ao gene que confere resistência ao típica de um caráter, a magnitude dos seus propostos testes de permutação não-para-
cancro da haste da soja (Carvalho, 1995). efeitos e as interações com outros QTLs. métricos, com base na reamostragem dos
Regiões genômicas que controlam outras A habilidade de detectar QTLs por meio dados originais (Churchill & Doerge, 1994
características importantes como amadu- de marcadores moleculares é função da e Doerge & Churchill, 1996). Os testes de
recimento do fruto e abscisão do pedice- magnitude do efeito do QTL, do tamanho permutação são procedimentos poderosos
lo em tomate, foram também detectadas da população em estudo e do nível de satu- na determinação de níveis de significân-
utilizando essa estratégia (Giovannoni et ração do mapa genético. cia para as associações dos QTLs com mar-
al., 1991). A estratégia de BSA também O mapeamento de QTLs baseia-se em cadores, pelo fato de se ajustarem a cada
pode ser utilizada na identificação de lo- testes de associação entre marcadores experimento, independentemente da distri-
cos controladores de caracteres quantita- moleculares e os dados fenotípicos por buição dos dados. Programas específicos
tivos - Quantitative Trait Loci (QTLs), que meio de várias metodologias estatísticas. para o mapeamento de QTLs contendo
possuam grande efeito sobre a caracterís- Os procedimentos mais simples para a algorítmos apropriados para implementar
tica de interesse (QTLs) de efeito maior. detecção de tais associações são os mo- vários dos procedimentos estatísticos des-
Utilizando esta estratégia, Schuster (1999) delos de regressão linear e análise de va- critos estão disponíveis para acesso públi-
identificou seis marcadores moleculares riância, que analisam a distribuição dos co, na internet, como QTL Cartographer
(quatro RAPD e dois SSR) associados à valores fenotípicos para cada marcador, (Program..., 2000) e MapManager QT
resistência da soja ao nematóide de cisto separadamente. Esta metodologia é de (Map..., 2000).
da soja (NCS). Estes seis marcadores mo- execução simples, bastante flexível e não
leculares formaram um grupo de ligação requer a construção de mapas genéticos. SAM
contendo um QTL responsável por 56% Uma limitação dessa metodologia é não A seleção de características simples,
da resistência à raça 9 e 39% da resistência permitir a identificação da posição do QTL com o auxílio de marcadores moleculares,
à raça 14 do NCS. Cervigni (1999) identi- e não estimar a magnitude do seu efeito. tem grande utilidade quando a caracte-
ficou dois marcadores SSR, flanqueando Uma alternativa para aumentar o poder rística é de difícil medição, ou quando se
um QTL que responde por 30% da resis- de detecção das associações e para esti- deseja selecionar para diversas caracte-
tência da soja à raça 3 do NCS (Fig. 35B). mar o efeito e a posição dos QTLs tem sido rísticas simultaneamente, como no caso de
A identificação de marcadores ligados o mapeamento por intervalo, proposto por piramidação de genes. No entanto, a sele-
a genes que conferem resistência a vários Lander & Botstein (1989). Tal metodologia ção assistida por marcadores (SAM) tem
patógenos permite monitorar e acelerar a utiliza o método da máxima verossimilhança sua maior contribuição na seleção de
introgressão destes genes em cultivares para estimar a posição mais provável e a características quantitativas. Associações
comerciais, além de possibilitar a pirami- magnitude do QTL no intervalo entre dois entre alelos de marcadores moleculares e
dação de dois ou mais genes de resistência marcadores ligados no mapa genético alelos de QTLs podem ser usadas para
em uma cultivar comercial. Marcadores (Lynch & Walsh, 1997). O mapeamento selecionar, indiretamente, alelos favoráveis

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.97-108, maio/jun. 2000


104 Biotecnologia

de QTLs. Para caracteres de baixa herda- experimentais permitem concluir que a o objetivo é melhorar a performance para
bilidade, a seleção fenotípica é realizada SAM pode ser utilizada para aumentar diversas características simultaneamen-
em gerações mais avançadas, pois a her- substancialmente a eficiência dos progra- te, o número de QTLs envolvidos em um
dabilidade e a acurácia estatística de esti- mas de melhoramento (Edwards et al., 1987, programa de melhoramento facilitado por
mar médias das progênies crescem com o Stuber et al., 1987 e Lande &Thompson, marcadores moleculares deve ser grande.
aumento no número de repetições, gera- 1990). A eficiência da seleção assistida por Devido à natureza intrínseca dos QTLs, e
ções, locais e anos de teste, o que leva a marcadores, comparada com a seleção fe- pelo fato de caracteres quantitativos serem
uma ampliação muito grande no número de notípica, é afetada por diversos fatores, tais controlados por um grande número de
plantas a ser avaliado. Sendo assim, os como a herdabilidade da característica, a genes de pequeno efeito, a seleção recor-
melhoristas devem optar entre produzir cobertura do genoma pelos marcadores, rente assistida por marcadores molecula-
estimativas mais precisas da média de um identificação de associação entre marcado- res é uma escolha apropriada para o me-
número menor de progênies ou amostrar res e QTLs, tamanho e número de famílias, lhoramento de populações. Através de
um grande número de progênies, com tipo de população e escolha do método de ciclos sucessivos de seleção e intercruza-
estimativas menos precisas. A SAM apre- seleção assistida por marcadores. A sele- mentos, a seleção recorrente favorece a
senta-se como uma alternativa eficiente ção, utilizando marcadores flanqueando o quebra de ligações genéticas, facilitando a
para permitir a seleção precoce de caracte- QTL, também é mais eficiente do que a se- recombinação entre genes e aumentando a
rísticas de baixa herdabilidade. A seleção leção com base em um único marcador. freqüência de alelos favoráveis nas popu-
precoce diminui o número de plantas a ser Edwards & Page (1994) obtiveram ganhos lações de melhoramento. O uso da seleção
analisado por família, permitindo a avalia- de seleção de 38% superiores, quando uti- assistida por marcadores moleculares per-
ção de um número muito maior de progê- lizaram marcadores flanqueando o QTL, em mite a identificação de combinações fa-
nies. A SAM é mais efetiva em gerações relação à seleção com base em um único voráveis de alelos, permitindo maiores
iniciais de seleção entre progênies de cruza- marcador, quando os marcadores estavam ganhos com a seleção. Xie & Xu (1998b)
mentos entre linhas endogâmicas (Stromberg longe do QTL (20% de recombinação). Com apresentaram uma comparação teórica en-
et al., 1994). Nestas gerações, a herdabi- 5% de recombinação entre os marcadores tre diversos métodos de seleção recorrente
lidade é baixa, pois o número de repetições e o QTL a vantagem foi de 11%. Lande & com base em famílias e seleção massal,
é limitado, e o desequilíbrio de ligação é Thompson (1990) propuseram a teoria do utilizando seleção assistida por marcadores
alto (Falconer, 1981). O paradoxo é que o índice de seleção, utilizando marcadores e seleção fenotípica. A seleção recorrente
poder de mapeamento de QTLs decresce, que maximizam a taxa de ganhos genéticos assistida por marcadores foi duas vezes
à medida que a herdabilidade abaixa, e é pela combinação das informações do poli- mais eficiente do que a seleção fenotípica,
menor justamente para características que morfismo nos locos dos marcadores gené- com famílias de tamanho pequeno, baixa
teoricamente sofreriam o maior impacto pela ticos com dados da variação fenotípica herdabilidade e alta proporção da variação
SAM (Lande & Thompson, 1990). Para entre os indivíduos. fenotípica explicada pelos marcadores (p).
evitar a detecção de falsas associações en- Este índice pode ser usado tanto para a Com o aumento da população, aumento da
tre marcadores e QTLs, um nível de signi- seleção individual, como para a seleção de herdabilidade e diminuição de p, a vanta-
ficância bastante alto é utilizado para linhas. Porém, a utilização deste índice gem da seleção assistida por marcadores
declarar associação entre um marcador e requer testes de progênies com repetições, diminuiu. Seleção assistida por marcadores
um QTL. A utilização de níveis de signi- para a obtenção dos valores fenotípicos. é mais competitiva com a seleção fenotípica
ficância bastante estringentes na escolha A seleção que se baseia apenas em marca- tradicional, quando a característica possui
dos marcadores aumenta a acurácia da dores pode ser utilizada e possui eficiência baixa herdabilidade. Se o objetivo do pro-
SAM e produz ganhos significativos desta semelhante ao índice, quando p (a pro- grama de melhoramento é maximizar a
sobre a seleção fenotípica. Trabalhos mais porção da variância genética aditiva da resposta por unidade de custo, a seleção
recentes tendem a utilizar a regressão múl- característica que é associada com o loco assistida por marcadores pode ser inferior
tipla do fenótipo aos marcadores, como o marcador) for maior que p>0,5 para carac- à seleção fenotípica, quando a herdabi-
método de identificar a associação entre terísticas de baixa herdabilidade. lidade é superior a 30% e o custo da avalia-
marcadores e QTLs, e estimar o efeito dos Muitas características de importância ção fenotípica por indivíduo é menor do
marcadores (Lande & Thompson, 1990, econômica são afetadas por vários QTLs. que a genotipagem do loco marcador (Xie
Zhang & Smith, 1992 e Gimelfarb & Lande, Além disso, em muitos casos, QTLs para & Xu, 1998a).
1994). Regressão múltipla é um procedi- diferentes características apresentam-se
mento computacionalmente mais simples ligados (Stuber et al., 1987, Edwards et al.,
CONSTRUÇÃO
do que o método da máxima verossimi- 1987, Jiang & Zeng, 1995 e Ribaut et al.,
DE MAPAS GENÉTICOS
lhança, produzindo resultados muito si- 1997). QTLs para produção de grãos em
milares (Lande & Thompson, 1990 e Haley milho, ligados em fase de repulsão, foram O marco inicial do mapeamento gené-
& Knott, 1992). mapeados por Graham et al. (1997). Como tico foi o reconhecimento do fenômeno da
Os resultados de estudos teóricos e na maioria dos programas de melhoramento, ligação genética explicado por Morgan
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Biotecnologia 105

(1910). Os primeiros mapas genéticos de tes em uma população de mapeamento, por grande variação entre organismos e dentro
espécies cultivadas (MacArthur, 1934 e meio de pacotes computacionais apropria- de um mesmo cromossomo. A quantidade
Emerson et al., 1935) foram construídos dos, como MapMaker (Lander et al., 1987) de DNA correspondente a um centiMorgan
antes mesmo do material genético ser atri- e JoinMap (Stam, 1993). Vários tipos de po- pode variar de 140 kb (1 kb = 1.000 pares de
buído ao DNA. O mapeamento genético pulações segregantes podem ser utilizados base), em Arabdopsis, a 2.000 kb em milho
baseia-se na hipótese de que a co-trans- no mapeamento genético, dependendo do (Lynch & Walsh, 1997). Embora a distância
missão de dois marcadores reflete a proximi- hábito reprodutivo da espécie, do objetivo genética seja altamente variável, a ordem
dade entre eles, uma vez que a probabilidade do estudo e do tempo disponível. A po- dos marcadores ao longo dos grupos de
de ocorrer permutas genéticas entre dois pulação F2 é bastante utilizada, uma vez ligação e a distância entre locos ortólogos
marcadores é menor, quanto mais próximos que pode ser obtida com apenas dois ciclos em diferentes espécies são extremamente
eles estiverem localizados. Tal fato torna de cruzamentos e representa todas as pos- conservadas (Paterson, 1996). Tal fato su-
possível ordenar linearmente a informação síveis combinações alélicas (AA, Aa e aa), gere que regiões contendo DNA repetitivo
genética ao longo dos cromossomos, tendo possibilitando a estimativa do mecanismo são uma das principais causas da grande
em vista que o genoma eucarioto é organi- de ação gênica e das interações com outros diferença no tamanho físico do genoma das
zado e transmitido como unidades lineares. locos. Linhagens recombinantes endogâ- plantas superiores.
Com o aumento da disponibilidade de mar- micas (RILs) são obtidas por meio de auto-
cadores genéticos e de metodologias es- fecundações sucessivas dos indivíduos OUTRAS APLICAÇÕES
tatísticas implementadas em programas F2 até atingirem níveis desejáveis de ho- DOS MAPAS GENÉTICOS
computacionais apropriados, existem atual- mozigose. As populações recombinantes
mente mapas genéticos saturados para a endogâmicas são também utilizadas na Mapeamento comparativo
maioria das espécies cultivadas. construção de mapas (Burr et al., 1988), com O mapeamento comparativo envolve a
A distância genética entre os locos é a vantagem de que os genótipos são per- análise das similaridades e diferenças na
medida em termos de freqüência de re- petuados em função do elevado nível de ordem dos genes ao longo dos cromos-
combinação, que é a probabilidade de homozigose, permitindo a avaliação feno- somos, entre espécies correlacionadas que
ocorrência de permuta genética entre dois típica em diferentes locais, a quantificação não podem ser cruzadas sexualmente. Pa-
marcadores. A distância de mapeamento, da interação genótipo x ambiente e o inter- ra isso, é necessário que os marcadores
expressa em centiMorgans (cM), é calcu- câmbio entre informações genéticas gera- genéticos sejam ortólogos, isto é, devem
lada com base na freqüência de recombi- das por diferentes grupos de pesquisa. possuir uma ascendência comum entre
nação por meio de funções de mapeamento A ausência de heterozigose é, em parte, espécies que não apresentam possibilida-
que corrigem as distorções entre a con- compensada pelos ciclos sucessivos de de de cruzamento sexual (Paterson, 1996).
versão das unidades. A função de Haldane autofecundação, que criam maiores opor- Estudos comparativos têm revelado uma
é a mais simples e admite que as permutas tunidades de ocorrer recombinação, em grande colinearidade entre os genomas,
genéticas ocorrem ao acaso e são indepen- comparação com populações F2. No entan- demonstrando que um número surpreen-
dentes. Já a função de Kosambi considera to, o tempo gasto para produzir esse tipo dentemente reduzido de rearranjos cro-
interferência parcial nos cálculos da dis- de população é bastante elevado, reque- mossômicos distingue espécies e gêneros
tância em centiMorgans. A interferência é rendo de cinco a oito ciclos de autofecun- correlacionados. Tal conhecimento possi-
o fato de que uma permuta genética afeta a dação. Populações de retrocruzamento bilita a troca de informações relevantes
ocorrência de outras em regiões adjacentes também podem ser utilizadas no mapea- sobre a função e a localização de genes
próximas a ela, considerando, desta forma, mento genético. entre espécies relacionadas, aumentando
a ocorrência de crossing-overs duplos. A O número de marcadores necessários a eficiência e o aproveitamento dos recur-
precisão na medida da distância genética é para construir um mapa genético depende sos investidos em análises genômicas.
diretamente proporcional ao tamanho da do tamanho do genoma, do número de cro- Para que os marcadores moleculares
população e ao número de marcadores mossomos e da freqüência de recombinação sejam utilizados em análises comparativas,
analisados. genética. Um mapa pode ser considerado eles devem representar locos únicos em
Para um marcador ser utilizado no ma- completo, quando o número de grupos de cada genoma. A maioria das análises de
peamento genético, ele deve ser poli- ligação obtido pela análise dos marcadores mapeamento comparativo realizadas até o
mórfico entre os indivíduos parentais e for igual ao número de cromossomos ga- momento baseia-se em marcadores RFLP.
apresentar uma segregação mendeliana méticos do organismo ou quando todos Os microssatélites, embora possam ser
esperada na progênie. Marcadores, cuja os marcadores genéticos mapeados esti- utilizados, ainda têm uso limitado nesse tipo
segregação é estatisticamente validada verem ligados, sugerindo que todas as de estudo.
pelo teste de Qui-quadrado, são agrupa- regiões do genoma estão representadas. Estudos comparativos têm estabelecido
dos e ordenados em cada grupo de ligação Não há uma relação geral entre a distância uma ordem comum entre genes em grande
com base nas análises de segregação des- genética e a distância física, existindo uma parte do genoma, que foi conservada ao

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.97-108, maio/jun. 2000


106 Biotecnologia

longo de milhões de anos no decorrer da CONCLUSÃO collinearity and compatibility.Trends in


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A utilização de marcadores moleculares
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com base em DNA proporcionou uma evo- UFV, 1997. 547p.
entre diferentes espécies de gramíneas le- lução muito grande na genética e no me-
vou Bennetzen & Freeling (1993) a suge- BOTSTEIN, D.; WHITE, R.L.; SKOLNICK, M.;
lhoramento de plantas nos últimos anos. DAVIS, R.W. Construction of a genetic linkage
rirem que as gramíneas fossem tratadas O principal objetivo foi fornecer uma map in man using restriction fragment length
como um sistema genético único. Guimarães idéia geral sobre as bases moleculares dos polymorphisms. American Journal of Human
et al. (1997), utilizando sondas genômi- marcadores de DNA e sobre suas principais Genetics, v.32, p.314-331, 1980.
cas de RFLP, encontraram uma grande coli- aplicações. Foram abordados os diferen- BRASIL. Lei no 9456, de 25 de abril de 1988. Ins-
nearidade entre os genomas de sorgo e tes tipos de marcadores moleculares, enfa- titui a Lei de proteção de cultivares, e dá outras
cana-de-açúcar, sendo observada uma con- tizando as vantagens e limitações de cada providências. LEX - coletânea de legislação
servação de um QTL associado ao floresci- e jurisprudência: legislação federal e mar-
um. É importante esclarecer que a utilização
ginália, São Paulo, v.61, p.1172-1184, 1997.
mento entre milho, sorgo, cana-de-açúcar de um tipo de marcador deve ser norteada
BURR, B.; BURR, F.A.; THOMPSOM, K.H.;
e arroz. Estudos realizados por Paterson et pelos objetivos a serem alcançados, pela
ALBERTSON, M.; STUBER, C.W. Gene
al. (1995) demonstram que QTLs associa- complexidade, diversidade genética da cul- mapping with recombinant inbreds in maize.
dos à altura de planta, à deiscência e ao tura e pela estratégia de melhoramento. Genetics, v.118, p.519-526, 1988.
tamanho de sementes são também conser- Assim, não existe uma técnica perfeita, e CARVALHO, G.A. Marcadores RAPD ligados
vados em arroz, milho e sorgo. Desta for- cada situação deve ser avaliada, para que a genes de resistência ao cancro da haste.
ma, o conhecimento gerado para uma espé- a escolha dos tipos de marcadores adap- Viçosa: UFV, 1995. 51p. Dissertação (Mes-
cie pode ser amplamente transferido para tem-se a cada uma delas. As possibilidades trado) – Universidade Federal de Viçosa, 1995.
outra correlacionada, contribuindo para um de aplicações dos marcadores moleculares CERVIGNI, G.D.L. Mapeamento de genes de
aumento sinergístico na identificação e clo- são inúmeras, desde a mais simples como resistência à raça 3 do nematóide de cis-
estudos da diversidade genética de espé- to da soja (Heterodera glycines Ichinohe).
nagem de genes em espécies de interesse Viçosa: UFV,1999. 52p. Dissetação (Mes-
econômico. cies até trabalhos mais complexos de clo- trado) – Universidade Federal de Viçosa, 1999.
nagem de genes com base em mapas de
CHURCHILL, G.A.; DOERGE, R.W. Empi-
Clonagem de genes com ligação. O grande desafio é tornar essas rical threshold values for quantitative trait
base em mapa técnicas mais eficientes, automatizando mapping. Genetics, v.138, p.963-971, 1994.
etapas com a possibilidade de analisar um
O mapeamento genético é uma impor- DIERS, B.W.; MANSUR, L.; IMSANDE, J.;
maior número de dados com rapidez e re- SHOEMAKER, R.C. Mapping Phytophthora
tante metodologia alternativa na clonagem
dução de custos. A combinação dos méto- resistance loci in soybean with restriction
de genes, principalmente quando o produ-
dos de melhoramento, das metodologias fragment length polymorphism markers.
to gênico não é conhecido. Nesse caso, o Crop Science, Madison, v.32, p.377-383, 1992.
estatísticas e das tecnologias moleculares
efeito fenotípico do gene é avaliado em
traz novas perspectivas para o conheci- DOERGE, R.W.; CHURCHILL, G.A. Permutation
progênies segregantes, com o objetivo de tests for multiple loci affecting a quantitative
mento genético e para a aceleração dos
identificar marcadores de DNA que flan- character. Genetics, v.142, p.285-294, 1996.
programas de melhoramento, bem como
queiam a região genômica de interesse. Em DUDLEY, J.W.; SAGHAI-MAROOF, M.
aplicações práticas nos processos de pro-
seguida, o mapeamento físico é utilizado teção de cultivares e de análises de pureza A.; RUFENER, G.K. Molecular marker
para clonar um fragmento grande de DNA information and selection of parents in corn
genética de sementes, entre outras. breeding programs. Crop Science, Madison,
que contenha o gene. A manutenção e
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Biotecnologia 109

Sistemas de proteção de cultivares transgênicas


Waldênia de Melo Moura 1

Resumo - As cultivares transgênicas são obtidas pela introdução de genes oriundos de


diferentes espécies e reinos, diretamente no genoma das plantas. Se por um lado essas
cultivares representam um grande avanço para o melhoramento genético, por outro,
podem contribuir para um verdadeiro monopólio no mercado de sementes, em
decorrência dos sistemas legais de proteção vigentes. O grande interesse em
desenvolver cultivares transgênicas diz respeito ao patenteamento de processos e
produtos biotecnológicos através da Lei de Propriedade Industrial (LPI), onde se
inserem as patentes. Teoricamente, o detentor da patente de um gene transgênico
poderia controlar todas as cultivares nas quais esse gene fosse introduzido. Por isso,
a fim de evitar o apropriamento de cultivares por detentores de patentes de genes,
instituiu-se, no Brasil, a Lei de Proteção de Cultivares (LPC). Ambas as leis, conferem
aos detentores de patentes e aos titulares das cultivares o direito de receber royalties
sobre a utilização e comercialização do material protegido ou patenteado. Portanto,
as cultivares transgênicas, de certa forma, podem ser resguardadas por duas leis, o
que, algumas vezes, tem gerado conflitos quanto à aplicabilidade delas. Entretanto,
é importante ficar claro que somente podem ser patenteados os processos e produtos
biotecnológicos que envolvam organismos geneticamente modificados e nunca a
cultivar transgênica obtida. Esta, por sua vez, será protegida apenas através da LPC,
após a emissão de parecer técnico conclusivo emitido pela CTNBio. E, para que as
sementes sejam comercializadas no país, é necessário registrá-las no Registro Nacional
de Cultivares.
Palavras-chave: Culturas transgênicas; Lei de Propriedade Industrial; Proteção de
Cultivares; Lei de Proteção de Cultivares; Royalties.

INTRODUÇÃO de patentes e do mercado de sementes. trangênicos vem crescendo de forma subs-


O uso da biotecnologia na obtenção Nessa guerra, vale-tudo para conquistar o tancial em diversos países, como nos Esta-
de plantas transgênicas trouxe uma nova mercado, até mesmo a divulgação de infor- dos Unidos, Canadá, China e Argentina.
dimensão ao melhoramento genético de mações, muitas vezes com pouco crédito e Estima-se que a área cultivada com plantas
plantas, desde o rompimento de barreiras falta de embasamento científico. Por outro geneticamente modificadas deva atingir 40
de cruzamentos, inclusive entre espécies lado, o movimento ecológico tem crescido milhões de hectares no mundo, no início
de diferentes reinos, até a possibilidade e confrontado o uso das cultivares trans- do século XXI.
de reduzir o tempo de obtenção de novas gênicas, debatendo aspectos importantes, As cultivares transgênicas despertam
cultivares. Esse avanço tecnológico apre- tais como a erosão genética e o desequi- grandes interesses econômicos para o
senta não só inúmeras vantagens, como líbrio ecológico, que podem ser provocados mercado de semente, em decorrência dos
também desvantagens, e tem gerado polê- pelo cultivo dessas plantas. Nesse pano- atuais sistemas de proteção vigentes, que
micas no mundo inteiro . Sendo discutido rama, os produtos cultivados de forma na- possibilitam a proteção de cultivares e as
desde os riscos da utilização dessas cul- tural, os orgânicos, vão também ganhan- patentes de processos e produtos biotec-
tivares para a saúde humana, até os even- do espaço no mercado e conquistando a nológicos relacionados com o desenvol-
tuais impactos que possam provocar ao sociedade, conseguindo diferenciação de vimento dessas cultivares, através da Lei
meio ambiente. Por trás dessa polêmica, preços, embora a produção em escala co- de Proteção de Cultivares (LPC) e pela Lei
existem também interesses econômicos, já mercial ainda seja pequena. Apesar de to- de Propriedade Industrial (LPI), respecti-
que empresas e países disputam o mono- do o alvoroço, e repúdio de alguns países, vamente. Essas duas leis são distintas,
pólio dessas novas tecnologias por meio principalmente os europeus, o cultivo dos embora exista uma interface entre ambas,

1
Enga Agra, D.S. Fitotecnia, Pesq. EPAMIG-CTZM, Vila Gianetti, 46, Caixa Postal 216, CEP 36571-000 Viçosa-MG. E-mail: waldenia@mail.ufv.br

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110 Biotecnologia

quando se trata de cultivares transgêni- tivares estrangeiras de países membros da e árvores, e quatro anos para outras espé-
cas. Entretanto, somente podem ser pa- UPOV no Brasil e vice-versa. A proteção cies.
tenteados os processos e produtos bio- de cultivares assegura ao seu titular o di- Cultivares que já estão sendo comercia-
tecnológicos que envolvam organismos reito de reprodução comercial delas du- lizadas há mais de um ano antes do pedido
geneticamente modificados, enquanto que rante o prazo de proteção. Fica vedado a de proteção podem também ser protegidas.
a cultivar transgênica só poderá ser pro- terceiros a venda ou a comercialização do Porém, somente para fins de derivação, isto
tegida pela LPC, após a emissão de parecer material de reprodução sem a autorização é, para obtenção de outras cultivares. São,
técnico conclusivo emitido pela Comissão do titular. Porém, a proteção recairá somente portanto, de domínio público, podendo ser
Técnica de Biossegurança (CTNBio). Por- sobre o material de reprodução das plantas, exploradas comercialmente sem o consen-
tanto, é de fundamental importância que ou seja, sementes, tubérculos, estacas etc., timento do titular. A cultivar a ser protegida
em programas de melhoramento, que visam e nunca sobre o produto final. O período deve apresentar os seguintes requisitos:
à obtenção de cultivares transgênicas, utili- de proteção é de 15 anos para as espécies ser distinta, homogênea e estável; fazer
zando-se processos ou produtos biotecno- anuais e de 18 anos para as videiras, árvores parte da lista oficial do Ministério da Agri-
lógicos patenteados, sejam devidamente florestais e ornamentais. Atualmente, so- cultura; observar os seguintes prazos: o
realizados contratos de parcerias, registra- mente nove espécies de plantas fazem parte período entre a primeira comercialização e
dos em cartórios e averbados no Instituto da lista oficial do Ministério da Agricultura, o pedido de proteção deve ter ocorrido até,
Nacional de Propriedade Industrial (INPI). sendo, portanto, passíveis de proteção no no máximo, dez anos. Ressalvando que o
Acredita-se que, com sistemas legais de país: algodão, batata, soja, feijão, milho, pedido de proteção deve ser feito até, no
proteção, as empresas públicas possam arroz, sorgo, trigo e cana-de-açúcar. máximo, um ano após a inclusão da espécie
adquirir novas fontes de recursos, uma vez O pedido de proteção de cultivares na lista oficial do Ministério da Agricultu-
que estes estão cada vez mais escassos no transgênicas segue os mesmos padrões ra. Nesse caso, o período de duração da
país. Obviamente, haverá também maior daqueles aplicados para as cultivares obti- proteção da cultivar deverá ser abatido do
competitividade entre os setores público e das por métodos de melhoramento tradi- número de anos que a cultivar já se en-
privado, e, com isso, espera-se maior pro- cionais, diferenciando, apenas, quanto ao contra no mercado, quando for emitido o
dutividade e qualidade de produtos para o fato de, no primeiro caso ter que apresentar certificado provisório.
consumidor. Apesar do pouco tempo que cópia do parecer técnico conclusivo emiti- O pedido de proteção de cultivares é
essas leis entraram em vigor no Brasil, já é do pela CTNBio. A Lei de Biosseguran- feito diretamente no SNPC, em Brasília, DF.
visível o grande interesse do setor privado ça (Brasil, 1999a) estabelece as normas e Este órgão é responsável pela emissão dos
na área de melhoramento genético, seja os procedimentos para o desenvolvimento, certificados de proteção de cultivares,
através da proteção de cultivares e bancos importação e comercialização de OGMs. Até títulos, e está vinculado à Secretaria de
de germoplasma, seja também pelos nú- o momento, nenhuma cultivar transgênica Desenvolvimento Rural do Ministério da
meros crescentes de depósitos de pedi- foi protegida no Brasil. No entanto, existem Agricultura, atualmente Secretaria de
dos de patentes de genes transgênicos e cinco pedidos de proteção de cultivares Apoio Rural e Cooperativismo. Para tal, é
de processos biotecnológicos associados de soja transgênicas da Monsanto arquiva- necessária a realização dos seguintes pro-
aos organismos geneticamente modifica- dos no Serviço Nacional de Proteção de cedimentos:
dos (OGMs). Neste contexto, este artigo Cultivares (SNPC), por determinação ju- a) formulários preenchidos com infor-
tem como objetivo retratar aspectos impor- dicial. mações sobre a origem genética da
tantes dos sistemas legais de proteção que Pode-se proteger para fins de explo- cultivar, método de melhoramento
envolvem as cultivares transgênicas. ração comercial a nova cultivar e aquela utilizado, nome do melhorista, obten-
essencialmente derivada, desde que preen- tor da cultivar (pessoa física e/ou
PROTEÇÃO DE chidos os seguintes requisitos: ser distin- jurídica), descritores mínimos (ca-
CULTIVARES X TRANSGÊNICOS ta, diferente de outra cultivar; homogênea, racterísticas fenotípicas, como altura
A Lei no 9.456, de 25 de abril de 1997 apresentar uniformidade nas suas caracte- da planta, resistência à doença, etc.)
(Pinheiro, 1997), foi regulamentada pelo rísticas; estável, manter a homogeneidade e outras informações;
Decreto no 2.366, de 5 de novembro de 1997. durante os sucessivos plantios; e fazer b) documento com a denominação da
Desde maio de 1999, a proteção de culti- parte da lista oficial do Ministério da Agri- cultivar. O nome da cultivar é gené-
vares, no Brasil, é feita em atendimento a cultura. Além disso, não poderá ter sido rico e, portanto, terá a mesma de-
essa lei e aos normativos da Ata de 1978 oferecida à venda, no Brasil, há mais de um nominação em todos os países onde
da Convenção da União Internacional para ano em relação à data do pedido de prote- for protegida, exceto onde houver
Proteção das Novas Variedades Vegetais ção, e não ter sido oferecida à venda em problemas com o idioma. Não é per-
(UPOV). Uma vez que o Brasil tornou-se outros países, com o conhecimento do mitido denominações de marcas re-
membro da UPOV, é possível proteger cul- obtentor, há mais de seis anos, para videiras gistradas e é possível denominações

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Biotecnologia 111

idênticas para cultivares, desde que, sobre a cultivar protegida: genes transgênicos, por já estarem adapta-
pertençam a espécies de plantas não a) quando o pequeno produtor, defini- das às condições ambientais brasileiras.
afins; do na lei, multiplicar a semente para Sabe-se que cultivares transgênicas desen-
c) testes para provar que a cultivar é uso próprio ou trocá-la, nunca ven- volvidas em outros países e introduzidas
distinta, homogênea e estável (DHE). dê-la; no Brasil podem apresentar problemas de
As orientações de como realizá-lo b) na pesquisa, desde que utilizada adaptação. Assim, a compra e proteção de
estão contidas nos formulários; como fonte de variação genética, bancos de germoplasmas e de cultivares
d) duas amostras vivas, representa- exceto o repetido uso da cultivar para nacionais estão sendo feitas maciçamente
das pelo material de reprodução da formação de híbridos ou para a cria- por empresas transnacionais, as quais,
planta. Por exemplo, no caso da soja ção de cultivares essencialmente também, detêm patentes de genes trans-
transgênica, devem-se apresentar derivadas. Nesses casos, é necessá- gênicos.
dois quilos de sementes. Uma amos- ria a autorização do titular da cultivar No período de 1o de janeiro de 1998, até
tra será utilizada para testes de ger- protegida, ou, mesmo, a negociação 10 de dezembro de 1999, foram emitidos
minação e a outra, para compor o da porcentagem de royalties que 152 certificados de proteção de cultivares,
Banco de germoplasma do SNPC; venha a receber, caso sejam obtidas incluindo-se os definitivos e os provisó-
novas cultivares. rios, sendo dez para fins de derivação (Qua-
e) pagamento de taxas: R$ 200,00 no
dro 1). Dentre as espécies passíveis de
requerimento, R$ 600,00 na expe- A LPC também criou mecanismos para proteção no Brasil, a soja, a cana-de-açúcar,
dição do certificado e anuidade de punição de abuso do poder econômico ou
a batata e o trigo apresentam o maior nú-
R$ 400,00 a ser paga durante todo o mesmo para manobras de mercado. Caso
período de proteção. O valor da anui- mero de cultivares protegidas, refletindo a
tais situações ocorram, o governo pode uti-
dade pode ser reduzido, desde que importância econômica e o maior dinamis-
lizar-se de dois mecanismos: emitir licença
o titular assine termo de fiel depo- mo dessas espécies. Já o café, um dos prin-
compulsória a terceiros ou determinar o uso
sitário da amostra viva, ou seja, que cipais produtos de exportação do Brasil,
público restrito, também usado em casos
se responsabilize pela manutenção não é passível de proteção, provavelmente
de catástrofes. Em ambos os casos, o titular
desta (valores equivalentes ao ano por se tratar de uma cultura perene e com
perde o direito de exploração da cultivar
2000); baixo retorno de royalties.
protegida por três anos, podendo essa
A soja sozinha já representa, aproxima-
f) manutenção de amostra viva durante determinação ser prorrogada por mais três
damente, 51% das cultivares protegidas no
todo o período de proteção da cul- anos. Durante esse período, o titular da
Brasil. Das 77 cultivares de soja protegidas,
tivar. cultivar receberá remuneração determinada
praticamente 70% estão sob o domínio de
pelo governo e, após retomar os seus direi-
Todos os formulários citados contêm empresas privadas. Atualmente, as culturas
tos, a duração da proteção será subtraída
orientações de como preenchê-los e podem
pelo número de anos de punição.
ser adquiridos no SNPC, sendo específicos
O direito de proteção pode ser can-
para cada espécie de planta. O pedido de QUADRO 1 - Números de certificados emitidos
celado, quando houver renúncia do titular no Brasil no período de 1o de ja-
proteção de cultivares no exterior, em países
ou dos seus sucessores, perda da homo- neiro de 1998 a 10 de dezembro de
membros da UPOV, ficará sujeito à lei da-
geneidade e da estabilidade da cultivar, 1999
quele país, tendo-se que pagar, inclusive,
ausência do pagamento da anuidade, não
as taxas exigidas e manter as amostras Titulares
apresentação da amostra viva quando Número de
vivas. Essa última exigência não se aplica a
requerida e, ainda, caso a cultivar apresente Espécies certificados Setor Setor
cultivares protegidas sem fins de exploração
impacto desfavorável. Após o término do emitidos privado público
comercial. Portanto, torna-se oneroso pro-
período de proteção, o direito do titular será (%) (%)
tegê-las em vários países.
extinto e a cultivar torna-se de domínio Batata 14 100 _
Uma vez que a cultivar está protegida,
público. Feijão 03 100 _
é proibida a sua venda, reprodução, im-
Trigo 14 79 21
portação, exportação etc. , sem autorização
CULTIVARES PROTEGIDAS Cana-de-açúcar 24 67 33
do titular. Caso isso ocorra, o infrator terá
NO BRASIL Algodão 06 67 33
o material apreendido, pagará indenização
Soja 77 57 43
e multa de 20% do valor da mercadoria. Apesar de ainda não haver cultivares
Arroz 09 22 78
Além disso, responderá por crime de vio- transgênicas protegidas no Brasil, é in-
Sorgo 03 - 100
lação dos direitos do melhorista. Caso haja teressante analisar, também, o aspecto da
Milho 02 - 100
reincidência, o infrator pagará duas vezes proteção de cultivares não-transgênicas,
o valor da multa. pois, de certa forma, elas constituem ma- Total 152 62 38
Não ferem os direitos de propriedade teriais promissores para a introdução de FONTE: Listagem... (1999).

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112 Biotecnologia

de soja, milho, canola e algodão transgê- certa forma, foram obtidas por empresas rados: os métodos e processos tecnoló-
nicos já possuem participação relevante na públicas. Estamos trabalhando para quem? gicos e a cultivar propriamente dita. No
agricultura de diversos países, como EUA, Países onde sistemas de proteção de cul- primeiro caso, enquadram-se as metodo-
Canadá e Argentina. A soja transgênica tivares existem há mais de vinte anos logias desenvolvidas para produzir essas
tolerante ao glifosato já ocupa 54% e 75% retratam um acentuado crescimento de cultivares, como, por exemplo, o isolamento,
das áreas cultivadas nos EUA e Argentina, investimento do setor privado na pesquisa, a clonagem e a transferência de genes
respectivamente. Antes dos sistemas de e em alguns casos, a extinção de empresas modificados para as plantas etc. Esses
proteção, o setor privado investia mais na públicas ou, quando sobreviveram, des- processos podem ser patenteados. Já as
produção de sementes de híbridos, o que, tinaram-se apenas às pesquisas básicas de cultivares transgênicas, obtidas por mé-
na prática, não deixa de ser um sistema auto-risco. Portanto, devemos estar alertos, todos patenteados ou não, não são passí-
natural de proteção, pois isso leva o pro- enquanto se debate a polêmica dos trans- veis de patente e sim de proteção através
dutor a adquirir sempre novas sementes. gênicos, as cultivares nacionais estão sen- da LPC.
Com relação aos titulares de cultivares, do protegidas por empresas transnacionais. Os depósitos de pedidos de patentes,
observa-se, no cenário nacional, um núme- Uma alternativa viável seria o apoio finan- que envolvam processos de modificações
ro bastante representativo de empresas ceiro do Governo Federal para a proteção genéticas, seguem os mesmos princípios
privadas nacionais e transnacionais e pou- de cultivares nacionais e bancos de ger- estabelecidos na lei para qualquer inven-
ca expressão do setor público, com exceção moplasma, resguardando-se, assim, o pa- ção. Podem ser efetuados não só na sede
da Embrapa (Quadro 1). No Brasil, basica- trimônio do país. do INPI, no estado do Rio de Janeiro, co-
mente o melhoramento de plantas é reali- mo também nas Delegacias e Representa-
zado por empresas públicas, estaduais e CULTIVARES ções Estaduais. Já os pedidos de proteção
federais. As cultivares até então lançadas TRANSGÊNICAS X PATENTES para as cultivares transgênicas somente
no mercado eram de domínio público, antes poderão ser efetuados no SNPC, em Bra-
da LPC entrar em vigor. Entretanto, culti- A Lei no 9.279, de 14 de maio de 1996
sília, DF.
vares nacionais estão sendo, de certa forma, (Brasil, 1999b), disciplina os direitos e obri-
Os pedidos de patentes devem ser so-
protegidas por empresas transnacionais. gações referentes à Propriedade Industrial.
licitados em formulários específicos, em
Como exemplo, citamos a Monsoy, perten- A proteção dos direitos relativos a esta Lei
três vias, contento: relatório com descrição
cente a Monsanto, que adquiriu as cultiva- abrange vários aspectos, dentre os quais a
suficiente, clara e completa do objeto do
res de soja da FT sementes, a Hoechst S. concessão de patentes.
pedido; reivindicação, definindo a matéria
Agrevo, que comprou o banco de germo- Patentes são títulos de propriedade para a qual a proteção é solicitada, estabe-
plasma de arroz no Sul do Brasil, e a Pioneer, temporários sobre uma invenção, modelo lecendo-se os direitos do inventor/ criador;
que comprou as cultivares de soja da Em- de utilidade ou desenho industrial con- desenho, não obrigatório; resumo, sumá-
presa Agropecuária Dois Marcos etc. Além cedidos pelo Estado aos detentores de rio da descrição técnica do pedido de pa-
disso, o processo de proteção é oneroso direitos sobre a criação, seja pessoa física tente; e comprovante de recolhimento. Há,
e, provavelmente, contribui para tal situa- ou jurídica. A patente confere ao titular o ainda, o pagamento das seguintes taxas:
ção, uma vez que os recursos destinados direito de impedir terceiros, sem o seu con- R$ 109,00, na solicitação do depósito, no
às universidades e empresas estaduais de sentimento, de produzir, usar, vender ou caso de pessoas físicas, microempresas e
pesquisa estão cada vez mais escassos. importar produtos patenteados. No âmbi- instituições de ensino e pesquisa, esse va-
Outro aspecto a considerar é a falta de uma to da biotecnologia, as patentes têm por lor cai para R$43,60 e R$75,00, na expedição
estrutura organizada dentro das institui- objeto os produtos ou processos biotecno- da carta patente (valores equivalentes ao
ções públicas para tratar exclusivamente lógicos, que abrangem as áreas de microbio- ano 2000). Além dessas taxas, pagam-se
dessas questões, e ser capaz de incentivar logia, bioquímica, imunologia e genética. também as anuidades, que são cobradas a
e participar ativamente de todo o processo Entretanto, para que seja requerido um partir do início do terceiro ano de depósito.
relacionado com a propriedade intelectual. pedido de patente, é necessário que o obje- A patente de invenção vigorará pelo prazo
Dos 152 certificados de proteção de to, produto ou processo, atenda aos se- de 20 anos e a de modelo de utilidade, por
cultivares emitidos no Brasil, 62 % estão guintes requisitos: novidade, utilização ou 15 anos, contados da data do depósito.
sob o domínio de empresas privadas, en- aplicação industrial e suficiência descritiva. A manutenção dos direitos do titular
quanto que os 38% restantes estão sob o Além disso, as invenções devem apresentar da patente depende de uma série de fato-
domínio das empresas públicas, desta- atividade criativa e os modelos de utilidade res, como: pagamento das anuidades e a
cando-se as culturas de batata, feijão, tri- devem decorrer de ato inventivo que resulte exploração efetiva do objeto patenteado
go, cana-de-açúcar, algodão e soja (Qua- em melhoria funcional no seu uso ou fa- (o que deverá ocorrer num prazo máximo
dro 1). bricação. de três anos a partir da concessão. Uma
Assim, observa-se no país o surgimento Em se tratando de cultivares transgê- vez iniciada a exploração, não pode haver
de empresas titulares de cultivares que, de nicas, dois aspectos devem ser conside- interrupção por tempo superior a um ano.
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Biotecnologia 113

À patente que não for explorada poderá no SNPC, como ficariam a pesquisa e o tecnologia empregada na obtenção das
ser concedida uma licença compulsória e, pequeno produtor, quanto aos direitos de cultivares. Por exemplo, cultivares trans-
caso essa não se revele suficiente por um utilização dessa cultivar? gênicas de soja terão valores de royalties
período de dois anos, poderá ser declarada Pela LPC, o pequeno produtor, definido diferenciados de cultivares de soja não-
a caducidade, extinção da patente decor- na lei, pode utilizar e produzir sementes para transgênicas; atributos que a cultivar ve-
rente da falta de exploração efetiva do obje- uso próprio da cultivar de soja transgêni- nha a oferecer, ou seja, acúmulo de carac-
to. Portanto, é importante a comercialização ca sem o consentimento do titular, não terísticas desejáveis, como resistência a
da patente feita através de licenças. Existem podendo, de forma alguma, comercializar doenças, pragas, melhor qualidade nutri-
três formas de licenças: a voluntária, que sementes. A pesquisa também foi resguar- cional etc.; e a oferta de cultivares no
licencia terceiros a fabricar e comercializar dada por essa Lei, portanto pode-se utilizar mercado, pois, quanto maior a oferta, gera-
o produto ou o processo; a compulsória, a cultivar de soja transgênica como fonte se competição e, conseqüentemente, há
que é uma forma de evitar abuso de poder de variação genética, sem o consentimento uma tendência de queda nos valores do
e a não exploração de patentes no prazo do titular, exceto no caso de usos repe- royalties, evitando-se assim o monopólio
previsto em lei; e a oferta de licença, que é titivos. de mercado. Portanto, ao considerarem-se
feita pelo INPI, com a autorização do titu- No entanto, argumenta-se que, quando os aspectos apresentados, os valores dos
lar. o pequeno produtor formar uma nova royalties podem variar não só entre as
No Brasil, já existem vários depósitos lavoura com sementes de soja transgênica espécies de plantas, como também entre
de patentes de invenção, envolvendo pro- colhidas no ano anterior e nela aplicar o cultivares da mesma espécie, indepen-
cessos e produtos biotecnológicos asso- herbicida, estaria ativando um gene paten- dentemente da tecnologia utilizada para
ciados aos organismos geneticamente teado e, portanto, deveria pagar royalties. obtenção delas. Ressalta-se, ainda, que a
modificados, os quais são publicados pe- Então, como poderíamos usufruir dessas LPC estabelece punição para os casos de
riodicamente pelo INPI, tais como, plantas cultivares? Será que o pequeno produtor e abuso de poder.
transgênicas que possuem teor aumentado a pesquisa, ao utilizarem-se da soja trans- No Quadro 2, é apresentado o efeito da
de amido, como uma fonte alternativa de gênica, estariam infringindo a LPI patentes? cobrança do royalties no custo final de
enzimas degradadoras lignocelulósicas, Qual das duas leis prevalescerá? Talvez a produção, de várias espécies de plantas.
expressando enzimas celulolíticas, com teor lei do mais forte e, provavelmente, esses Observa-se que maiores valores de royalties
melhorado de aminoácido contendo enxo- conflitos serão resolvidos somente na jus- são obtidos para espécies que apresentam
fre, que expressam genes de geminivírus; tiça. a semente com maior participação no custo
que apresentam controle de lagarta de mi- de produção, o que trará maiores retornos
lho via formação de limoneno; que apre- ASPECTOS ECONÔMICOS econômicos para os titulares e, certamente,
sentam resistências múltiplas a vírus e o DA COBRANÇA DE ROYALTIES terão programas de melhoramento genético
processo para sua produção; que produzem SOBRE AS CULTIVARES mais fortes.
poli-hidroxialcanoatos; resistência ao glifo- PROTEGIDAS Dentre as espécies citadas, a batata
sato etc. Obtenção de plantas transgêni- O royalty é uma taxa cobrada sobre a apresentou o maior retorno econômico e
cas; promotores; vetores para introdução venda do material de reprodução, semente, os maiores acréscimos no custo final de
de genes na planta, produto de expressão estaca, tubérculo, etc. e da cultivar prote- produção. Considerando-se a hipótese do
e kit de expressão etc. (Consulta..., 2000). gida, que é repassado ao titular da cultivar, royalty de 3%, e de acordo com Pinheiro
A grande maioria desses depósitos, quase seja ele pessoa física, seja pessoa jurídica. (1997) a participação de 35,5% da batata-
que exclusivamente, foi solicitada por em- Essa taxa é acrescida ao preço do mate- semente no custo de produção passaria
presas transnacionais, como a Monsanto, rial de reprodução da cultivar, elevando os para algo em torno de 36%, significando
Novartis, Pioneer, Nipon e outras. custos de produção e, conseqüentemente, um aumento de R$ 63,00/ha no custo de
Assim, as cultivares transgênicas es- o preço do produto final. Com isso, os produção. Quando tal acréscimo for di-
tariam protegidas de duas maneiras, ou seja, royalties serão pagos por nós, consumi- luído no custo por quilo do produto final
indiretamente, pela patente do gene, e dire- dores. Não devemos nos esquecer que, (24 t/ha), no Distrito Federal, teremos um
tamente, pela lei de proteção de cultivares. para a comercialização de sementes, ou acréscimo entre R$ 0,10 e R$ 0,15 por saca
A complexidade dessas leis acabam por outro material de reprodução, é necessário de 50kg. Buso (1998) cita vários exemplos
provocar dúvidas quanto a sua interpre- que a cultivar esteja registrada no Registro de valores de royalties cobrados em diver-
tação, deixando margens para uma série de Nacional de Cultivares (RNC). sos países, como seguem: na Holanda, o
questionamentos. Por exemplo, uma culti- A lei não estabelece valores de royalties valor médio do royalty é de US$ 0,02 por
var de soja transgênica, que contenha no a serem cobrados. No entanto, tal valor tem quilo de batata-semente, correspondendo,
seu genoma um gene patenteado confe- variado entre 3 e 5% do custo da semente. aproximadamente, a R$ 0,72 por caixa de
rindo resistência a um herbicida, e que O valor do royalties pode ser influencia- 30kg, ou aproximadamente a R$ 45,00/ha,
também tenha sido protegida e registrada do por vários fatores, destacando-se a o que resulta em um acréscimo em torno de

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114 Biotecnologia

QUADRO 2 - Efeito da cobrança de royalties no custo final da produção Aumento da parceria


Participação Acréscimo no custo final da produção de pesquisas entre
da Semente no os setores público e privado
Espécies Custo de Produção Royalties de 3% Royalties de 5%
É crescente o número de parcerias já
(%) % R$/ha % R$/ha existentes no país entre os setores público
Arroz de sequeiro 16,30 0,49 1,46 0,82 2,43 e privado após a entrada em vigor, no Brasil,
Batata 35,3 1,06 63,00 1,76 104,90 do sistema de proteção de plantas. Como
exemplo, a Monsanto e a Novartis, têm rea-
Feijão de sequeiro 19,84 0,60 3,00 0,99 5,00
lizado parcerias com várias universida-
Feijão irrigado 11,84 0,36 3,00 0,59 5,00
des, instituições de pesquisas ou mesmo
Milho (grão) 4,91 0,15 0,71 0,25 1,19 cooperativas. Com isso, cria-se, de um lado
Soja 11,33 0,34 1,35 0,57 2,25 a estrutura em pesquisas biotecnológi-
Cana-de-açúcar 4,54 0,14 1,68 0,23 2,80 cas e, do outro, um gigantesco banco de
FONTE: EMATER-DF, citada por Pinheiro (1997). germoplasma. Essas parcerias visam não
só o desenvolvimento de pesquisas con-
juntas para novas cultivares e realização
2% no custo de produção. Já no Chile, o sacionais, detentoras de patentes de pes- de testes de plantas transgênicas, como
valor do royalty é de 5% no preço final da quisas genéticas, o que pode levar a um também o licenciamento de produtos e
batata-semente. Considerando-se que a verdadeiro monopólio no mercado de se- processos biotecnológicos patenteados.
participação desse insumo contribui com mentes. Nesse contexto, a Monsanto já Ressaltamos que sempre devem ser
30% a 50% do custo de produção, os acrés- adquiriu diversas empresas, tais como, a celebrados contratos entre as partes inte-
cimos estarão entre 1,5% e 2,5%. No Brasil, Calgene, Asgrow, Dekalb e o setor de se- ressadas, para não haver dúvidas quanto
outras hortaliças em que o custo da semen- mentes da Cargill. No Brasil, comprou a à participação na parceria e no produto fi-
te ou outro material de reprodução repre- Agroceres, maior produtora de sementes nal obtido. Em se tratando de transgênicos,
senta pequena porcentagem no custo fi- de milho do país e o setor de sementes é importante que o contrato seja averba-
nal, o aumento seria insignificante. Por de soja da FT Pesquisas e Sementes Ltda. do no INPI e registrado em cartório, pois
exemplo: batata-doce (0,47%); alface (0,62% Além disso, fundiu-se com a gigantesca trata-se de um produto ou processo pa-
a 0,66%); cenoura (2,6% a 3,0 %); beterraba Holdens Foundation e empresas de bio- tenteado.
(4,8% a 5,9%) e abóbora japonesa (7,1%) tecnologia como a Agracetus, Ecogen e Direcionamento
(Buso, 1998). Delta Pine (Grain, 1997, citado por Kleba, do melhoramento genético
1998). A Monsanto, atualmente, disputa de plantas
IMPACTOS DAS PATENTES o mercado mundial com outra gigante, a Há de se considerar que as espécies de
E PROTEÇÃO DE CULTIVARES Du Pont, que, por sua vez, adquiriu 20% da plantas que trarão maiores retornos econô-
NA PESQUISA
Pioneer Hi-Breed, destacada empresa de micos oriundos da cobrança de royalties
Os impactos esperados com a utilização pesquisa biotecnológica (Almeida, 1998). terão prioridade no melhoramento gené-
de tecnologias patenteadas e a proteção Além da preocupação com o monopólio tico. Esse reflexo é observado pelo grandio-
de cultivares são vários, dentre os quais no mercado de sementes pela Monsanto, so número de cultivares de soja protegidas
serão destacados a seguir. está ocorrendo também um crescimento no nos EUA e, de certa forma, no Brasil, onde,
uso do herbicida Roundup, fabricado por já responde por 51% dos títulos emitidos
Maior investimento do ela, abalando, também o setor de pestici- num período de menos de dois anos.
setor privado na pesquisa das. Empresas, como a Cyanamid, a Du Outro ponto a se considerar é o ciclo
O interesse do setor privado no melho- Pont, a Astra Zeneca PLC e a Novartis estão da cultura. As espécies anuais serão mais
ramento genético é decorrente dos bene- em queda no mercado dos agrotóxicos, atrativas que as semiperenes e perenes,
fícios advindos da LPC e LPI. Os híbridos pois, com o crescimento do plantio de soja, pois, no primeiro caso, o produtor pagará
já possuem um sistema natural de prote- aumentaram também as vendas do Roundup. royalties todo ano ao adquirir sementes
ção, entretanto, as cultivares autógamas Como alternativa, a Astra Zeneca já tem para implantar a lavoura. Já no caso das
dependem fortemente de um estatuto legal autorização para comercializar, nos EUA, o culturas perenes, como fruteiras, espécies
de proteção para viabilizá-las economica- Touchdown, com fórmula similar à do florestais, café etc., o produtor pagará
mente (Carvalho, 1997). Esse crescimento Roundup. Por outro lado, a Norvartis está royalties somente na implantação das
também tem sido decorrente das aquisições trabalhando no desenvolvimento de plan- lavouras, as quais serão exploradas por
e fusões de empresas que detenham ger- tas resistentes a uma nova linha de pesti- vários anos, ou, então, caso ele resolva
moplasmas elites pelas gigantescas tran- cidas (Kilman, 1999). aumentá-las ou renová-las. Além desse

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Biotecnologia 115

aspecto, o melhoramento genético das divididos em 50% com os pesquisadores e BRASIL. Lei no 8974, de 5 de janeiro de 1995.
culturas perenes é mais demorado, quan- os licenciamentos das patentes respondem Regulamenta os incisos II e V do §1o do art.
do comparado com as culturas anuais e, por 30% a 40% da receita da universidade. 225 da Constituição Federal, estabelece
dependendo do modo de reprodução da Também no Brasil, várias universidades já normas para o uso das técnicas de engenharia
genética e liberação no meio ambiente de
espécie, pode-se levar até 30 anos para dividem os royalties com os professores e
organismos geneticamente modificados,
lançar novas cultivares no mercado, sendo pesquisadores. Na USP, a divisão é feita
autoriza o Poder Executivo a criar, no âmbito
pouco interessante investir nessas espé- ao meio, e parte dos recursos destinado à da Presidência da República, a Comissão
cies. De certa forma, elas ficaram prejudi- universidade é investida no núcleo de Técnica Nacional de Biossegurança, e dá
cadas, até mesmo pelo pouco período de pesquisa do inventor (Wolff, 1997). outras providências. Disponível site INPI.
proteção que a lei estabelece para essas Podemos, ainda, citar outros impactos URL: http://www.inpi.gov.br Consultado
espécies. Na verdade, a LPC deixa a desejar esperados com todo esse complexo de leis, em 25 nov. 1999a.
em muitos aspectos, ao tratar-se de plantas tais como a redução na permuta de germo- BRASIL. Lei no 9279, de 14 de maio de 1996.
perenes e de propagação assexuda. plasma, introdução de cultivares estran- Regula direitos e obrigações relativos à pro-
geiras no país, novas fontes de recursos priedade industrial. Disponível site INPI.
Surgimento de para pesquisa, maior competição entre os URL: http://www.inpi.gov.br Consultado
empresas prestadoras setores público e privado, e maior produ- em 25 nov. 1999b.
de serviço tividade e qualidade de produtos. CARVALHO, S.M.P. de. Proteção de cultivares
Já é possível encontrar, no Brasil, em- e apropriabilidade econômica no mercado
presas e/ou pessoa física disponíveis pa- CONSIDERAÇÕES FINAIS de sementes no Brasil. Cadernos de Ciên-
cias & Tecnologia, Brasília, v.14, n.3,
ra realizar tanto a patente de produtos e
Apesar de todos os benefícios aponta- p.365-409, set./dez 1997.
processos, como o pedido de proteção de dos, advindos dos sistemas de proteção Consulta das Revistas de Patentes, n. 1520,
cultivares. Surgirão, também, serviços para de cultivares transgênicas ou não, em de- 2000. Disponível site INPI. URL: http://
a realização de testes de DHE e manuten- corrência da globalização, observa-se que www.inpi.gov.br Consultado em 24 fev.
ção de amostras vivas em bancos de germo- os beneficiados serão sempre os que de- 2000.
plasma, pois muitas empresas não possuem têm o conhecimento e o poder, onde a pes- KILMAN, S. Biotecnologia revira setor de pes-
infra-estrutura para tal. Outro aspecto im- quisa tem prioridade no país. Nos países tidas. Estado de Minas, Belo Horizonte,
portante será o desenvolvimento de testes do Terceiro Mundo, essas leis tornam- 31 jun. 1999. p.14.
biotecnológicos a serem utilizados na se instrumentos poderosos para que em- KLEBA, J.B. Riscos e benefícios de plantas
distinção de cultivares. presas transnacionais apoderem-se dos trânsgenicas resistentes a herbicidas: o ca-
bancos de germoplasmas e cultivares so da soja RR da Monsanto. Cadernos de
Incentivo aos pesquisadores Ciências & Tecnologia, Brasília, v.15, n.3,
nacionais. Essas empresas, são também
Espera-se que, com a legislação vigen- p.9-42, set./ dez. 1998.
detentoras de patentes de genes transgêni-
te, os pesquisadores sejam mais valori- LISTAGEM nacional de cultivares protegidas
cos e processos biotecnológicos, forman-
zados e incentivados, uma vez que o pro- e registradas. Brasília: MA, v.1, n.5, nov.
do um verdadeiro monopólio no mercado
duto do seu trabalho poderá trazer grandes de sementes. 1999.
benefícios para as empresas, seja pela pa- O Brasil é um país que apresenta uma PINHEIRO, J. Informações sobre a Lei de
tente de produtos e/ou processos biotec- das maiores diversidades genéticas de flora Proteção de Cultivares (Lei no 9.456, de
nológicos, seja pela proteção de cultivares. 25 de abril de 1997). Brasília: Senado
e fauna do mundo. Portanto, se não houver
Entretanto, o pesquisador somente poderá Federal, 1997. 30p.
atitudes do Governo Federal, estaremos
usufruir desses direitos, se for estipulado WOLFF, M. T. A pesquisa científica e as pa-
fadados, em um futuro próximo, a pagar
em contrato. Caso contrário, todos os bene- tentes. Biotecnologia Ciência & Desen-
royalties para empresas transnacionais,
fícios pertencerão à empresa. Portanto, as volvimento, Brasília, v.1, n.1, p.16-17,
para consumirmos nossas próprias culti- maio 1997.
instituições devem rever seus contratos ou vares.
mesmo realizar contratos específicos. Wolff BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
(1997), comenta o incentivo dado aos pes- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
quisadores nas universidades e centros ALMEIDA, F.R. de F. A importância dos trans- INFORMATIVO TÉCNICO. Brasília: SNPC,
gênicos. Conjuntura Econômica, Rio de n.3, jun. 1999.
de pesquisa em diversos países, como na
Janeiro, v.52, n.11, nov. 1998, p.64-65. MOURA, W. M. Lei de proteção de cultivares:
Alemanha, EUA, Japão e Suíça. Nos EUA,
BUSO, J.A. Os impactos da Lei de Proteção questões práticas aplicadas ao cafeeiro. In:
foram criados centros de transferências
de Cultivares. In: SIMPÓSIO SOBRE SIMPÓSIO DE ATUALIZAÇÃO EM
de tecnologia que tratam dos direitos da GENÉTICA E MELHORAMENTO DE
ATUALIZAÇÃO EM GENÉTICA E
propriedade intelectual, dando apoio aos MELHORAMENTO DE PLANTAS, 2, PLANTAS, 3, 1999, Lavras. Anais... Ge-
pesquisadores. Especificamente na Univer- 1998, Lavras. Anais... Lavras: UFLA, 1998. nética e melhoramento do cafeeiro. Lavras:
sidade da Califórnia, onde os royalties são p. 47-64. UFLA, 1999, p.11-17.

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116 Biotecnologia

Cultivo de plantas in vitro e suas aplicações


Maria Eugênia Lisei de Sá 1
Geraldo Magela de Almeida Cançado 2
Clóvis Maurílio de Souza 3

Resumo - A propagação de plantas in vitro é um ramo da biotecnologia que já vem


sendo estudado há bastante tempo, com relatos de trabalhos desenvolvidos desde o
início deste século. Inúmeros avanços foram obtidos e, atualmente, seu emprego nas
mais diversas áreas de pesquisa ocorre de forma corriqueira. Essas áreas vão desde
o desenvolvimento de novas cultivares em processos de fusão de protoplastos e
transformação genética de plantas, até a limpeza clonal, com a propagação de plantas
isentas de vírus e outras doenças, tendo esta última, alcançado enorme destaque na
produção comercial de mudas de melhor qualidade fitossanitária.
Palavras-chave: Cultura de tecidos; Micropropagação; Melhoramento de plantas;
Limpeza clonal.

INTRODUÇÃO çadas. White (1934), em seus estudos, ela- da cultura de tecidos (Kogh et al., 1934
Os princípios teóricos da cultura de borou um meio líquido para o cultivo de e Miller et al., 1955). Essas substâncias, co-
tecidos de plantas foram propostos ain- ápices radiculares de tomate que permitia mo foi observado mais tarde, possuíam
da no século XIX, com as teorias de toti- o cultivo por longos períodos. Esse meio grande influência no padrão de desenvolvi-
potência de células vegetais, mas só no tinha em sua composição sais inorgânicos, mento de órgãos, tecidos e células vegetais.
início deste século, em 1902, é que real- sacarose e extrato de levedura, que eram Hoje, sabe-se que o correto balanço desses
mente apareceram os primeiros trabalhos responsáveis pela manutenção do desen- fitormônios, assim como o fornecimento
de Haberlandt, com o cultivo de tecidos volvimento das plantas. Ainda hoje, apesar adequado de nutrientes, pode determi-
somáticos de várias espécies de plantas de ter sofrido algumas modificações na nar o sucesso ou fracasso de um cultivo
(Kerbauy, 1997). Haberlandt não obteve sua composição inicial, como a troca do em particular (Huang & Murashige, 1976).
sucesso com seus experimentos, porém extrato de levedura por vitaminas, o meio Com o passar dos anos, a função de
previu o uso de cultura de células como White (White, 1937) é utilizado em vários cada constituinte do meio nutritivo foi
um meio elegante para o estudo de proble- trabalhos de cultura de tecidos de plantas. intensamente estudada, sendo bem conhe-
mas fisiológicos e morfológicos (Krikorian Murashige & Skoog (1962) desenvolveram cida atualmente. Apesar da existência de
& Berquam, 1969). um meio nutritivo denominado MS, em que diversas formulações de meios utilizadas
Hanning (1904), citado por Torres & os níveis de nutrientes inorgânicos tive- de forma geral em cultura de tecidos, a com-
Caldas (1990), utilizando algumas espécies ram como base a constituição do extrato posição dos meios nutritivos pode variar
de crucíferas, foi o primeiro a descrever na de folha de fumo. Dessa forma, estes auto- enormemente, dependendo da proposta a
literatura o cultivo de embriões imaturos res conseguiram reproduzir com maior que se destina o cultivo in vitro. Sendo
in vitro. Mais tarde, Knudson (1922) tam- fidelidade os níveis de nutrientes natural- assim, estudos prévios sobre as exigências
bém obteve sucesso com embriões de orquí- mente necessários para o desenvolvimen- nutritivas das plantas são necessários,
deas e, em 1925, Laibach, citado por Torres to das plantas. Atualmente, o MS é um dos sobretudo quando se trata do cultivo in
et al. (1998), conseguiu recuperar embriões meios mais utilizados em trabalhos de cul- vitro de novas espécies.
de híbridos incompatíveis de plantas do tura de tecidos, mostrando-se adequado
gênero Linum, dando os primeiros passos para as mais diversas finalidades. O desco- APLICAÇÕES DA CULTURA
para a utilização da técnica no melhora- brimento e a utilização de fitormônios, tais DE TECIDOS DE PLANTAS
mento genético de plantas e, desde então, como as auxinas e citocininas, também ti- Dentre todas as aplicações da cultura
inúmeras outras conquistas foram alcan- veram papel preponderante para o avanço de tecidos de plantas, sem dúvida, as de

1
Bióloga, M.Sc., Pesq. EPAMIG-CTTP, Caixa Postal 351, CEP 38001-970 Uberaba-MG. E-mail: eugenia@enetec.com.br
2
Engo Agro, M.Sc., Pesq. EPAMIG-CTSM-FECD, Caixa Postal 33, CEP 37780-000 Caldas-MG. E-mail: cancado@epamigcaldas.com.br
3
Engo Agro, D.Sc., Bolsista FAPEMIG/EPAMIG-CTSM-FECD, Caixa Postal 33, CEP 37780-000 Caldas-MG. E-mail: clovis@epamigcaldas.com.br

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.116-123, maio/jun. 2000


Biotecnologia 117

maior impacto foram as de utilização no sem considerar a manutenção de quanti- naíba, os projetos de pesquisa têm visado
melhoramento genético de plantas e na dades consideráveis de plantas por metro a otimização do processo de obtenção de
recuperação de genótipos livres de vírus e quadrado dentro dos frascos em labora- plantas em larga escala, tendo em vista o
outros agentes fitopatogênicos. No primei- tórios protegidas do ataque de pragas, custo ainda bastante elevado delas.
ro caso, a utilização da cultura de tecidos doenças e intempéries (Lee et al., 1995 e
no desenvolvimento de novas cultivares Kerbauy, 1997). Laboratórios que se dedi- UTILIZAÇÃO DIRETA
tem ocorrido das mais diversas formas, cam à multiplicação in vitro, em larga esca- DA CULTURA DE TECIDOS
algumas vezes, sendo responsável direta- la, de plantas de importância econômica NO MELHORAMENTO
mente pelo processo de melhoramento e, são denominados biofábricas. DE PLANTAS
em outras, apenas contribuindo em alguma O processo de biofabricação de plan- Uma grande vantagem da cultura de
etapa do processo. Já a utilização da micro- tas envolve basicamente cinco etapas tecidos é a possibilidade que esta oferece
propagação para limpeza clonal ganhou (Fig. 37, p.66): ao melhorista de plantas de explorar melhor
força ainda na década de 60, principalmen- a) seleção e desinfestação dos mate- a variabilidade genética. A utilização em
te devido à inexistência de produtos que riais que servirão como fonte de programas de melhoramento da variação
pudessem controlar viroses de plantas. No explante; somaclonal e da mutação induzida in vitro
passado, muitos genótipos de plantas de pode facilitar a obtenção de indivíduos
b) estabelecimento do explante em meio
grande potencial agronômico caíram em com melhor vantagem adaptativa a vários
de cultura;
desuso devido à baixa produção ocasio- estresses bióticos e abióticos. Aliado a
nada pelas altas taxas de contaminação por c) multiplicação dos propágulos atra-
isso, em muitos casos existe a vantagem
vírus, principalmente em espécies propa- vés de sucessivos subcultivos;
de poder exercer a pressão de seleção no
gadas vegetativamente. d) alongamento e enraizamento das plân- próprio ambiente de cultivo, culminando
Avaliações comparativas realizadas tulas in vitro; numa economia de espaço e de tempo para
com plantas de uma mesma cultivar de e) transplante para casa de vegetação o melhorista.
moranguinho, infectadas com vírus, mos- e aclimatação.
traram que aquelas livres destes patóge- Variação somaclonal e
nos, via cultura de ápices meristemáticos, Na área de plantas ornamentais, onde mutação induzida
eram duas vezes mais produtivas (Kerbauy, predominam plantas híbridas, gérbera, cra-
Um problema comumente observado
1997). Atualmente, a produção de matrizes, vo, tulipa, orquídea etc., a clonagem in vitro
em plantas cultivadas in vitro, principal-
a partir de meristemas isolados em conjun- de matrizes selecionadas tem permitido a
mente quando estas sofrem excessivo
to com o uso de cultivares resistentes, é a compatibilização de demandas específicas
número de repicagens ou quando passam
forma mais efetiva de evitar os danos cau- dos mercados interno e externo, com atribu-
pela fase de calo, é o surgimento de plantas
sados pelas viroses. tos importantes, como época de floração,
com característias morfológicas distintas
O cultivo in vitro também tem sido coloração, tamanho e forma das flores, nú-
da planta-matriz. O cultivo in vitro ocasiona
utilizado para a formação e intercâmbio de mero de flores/plantas, comprimento e
uma condição de estresse nas plantas, o
germoplasmas, produção de sementes sin- resistência das hastes florais, tamanho e que provoca distúrbios durante a divisão
téticas, microenxertia, estudo de biologia vigor das plantas (Kerbauy, 1997). celular, denominados variações somaclo-
vegetal, além de outras inúmeras aplica- No caso das espécies frutíferas, particu- nais. A princípio, o fenômeno foi encarado
ções. larmente abacaxi e banana, a expansão para como um problema para a produção de mu-
novas áreas de cultivo tem sido limitada, das micropropagadas, no qual se deseja
MICROPROPAGAÇÃO COMERCIAL principalmente pela oferta insuficiente de que todos os clones preservem com fide-
DE PLANTAS mudas, assim como pelo baixo padrão fitos- lidade as características da planta-matriz.
A produção comercial de plantas in sanitário (Borges et al., 1997 e Reinhardt, Porém, mais tarde, a variação somaclonal
vitro é uma prática já bastante utilizada 1998). foi vista pelos melhoristas de plantas como
em diversos países da Europa, Ásia, nos A biofábrica do Centro Tecnológico uma forma de explorar melhor a sua variabi-
Estados Unidos e, mais recentemente, no do Triângulo e Alto Paranaíba (CTTP) da lidade genética. As cultivares comerciais
Brasil. EPAMIG vem desenvolvendo projetos na de tomate ‘DNAP 9’, com alto teor de só-
A técnica da clonagem tem-se mostrado área de produção e comercialização de lido solúveis, e a cultivar de pimentão ‘Bell
de enorme importância prática e poten- diversas variedades de banana, uma vez Sweet’, com menor número de sementes
cial na agroindústria de flores, espécies que essa cultura tem-se expandido franca- no fruto, são exemplos típicos de seleção
frutíferas, florestais e olerícolas. O método mente em Minas Gerais, principalmente no de variantes somaclonais obtidos in vitro
baseia-se na produção de plantas mais Norte do Estado. Com relação à cultura do (Evans, 1987 e Morrison & Evans, 1988,
uniformes, sadias e a uma velocidade mui- abacaxi, que possui grande expressão na citados por Ferreira et al., 1998). Em am-
to maior do que os métodos convencionais, região do Triângulo Mineiro e Alto Para- bas as cultivares, apesar da ocorrência da
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.116-123, maio/jun. 2000
118 Biotecnologia

variação genética em seu genoma, todas Isolamento e fusão portanto, selecionar em meio de cultura,
as características agronômicas originais de protoplastos linhagens de células tolerantes a herbi-
foram preservadas. Uma variação bastante interessante da cidas, patógenos ou outros estresses, tais
A maioria das variações somaclonais técnica de cultura de tecidos vegetais é a como toxidez provocada por Al ou baixa
origina-se de distúrbios ocorridos durante regeneração de plantas a partir de proto- disponibilidade de nutrientes. A mutação
o processo de separação dos cromossomos plastos. O protoplasto nada mais é do que artificial também pode ser empregada em
duplicados na anáfase mitótica, ocasionan- a célula vegetal individualizada, desprovida protoplastos, da mesma forma que é utili-
do poliploidias, aneuploidias, quebras e das paredes celulares. A priori, protoplas- zada em tecidos e órgãos, sendo que nesse
pontes cromossômicas. Entretanto, algu- tos podem ser isolados de qualquer tecido caso, praticamente ficam anuladas as chan-
mas vezes, essas alterações não são herdá- vegetal, mas geralmente preferem tecidos ces de surgirem quimeras, já que as novas
veis, por não se manterem estáveis durante como o do mesófilo foliar ou de calos friá- plantas originam-se de uma única célula.
as divisões mitóticas, sendo denominadas veis. Em tecidos tenros, não lignificados, Uma utilização de protoplastos no me-
alterações epigenéticas. Alterações na se- há uma maior facilidade de isolamento, lhoramento de plantas, extremamente
qüência de nucleotídeos na fita de DNA, obtendo-se um maior rendimento no nú- elegante, tem ocorrido na produção de hí-
denominadas mutação de ponto, também mero de protoplastos viáveis (Nagata & bridos somáticos entre espécies diferen-
já foram descritas como sendo fruto da va- Takebe, 1970 e Nagao, 1978). A eliminação tes (Vieira, 1997). Inúmeros mecanismos
riação somaclonal (Evans & Sharp, 1983). das paredes celulares dá-se pela ação de naturais impedem a formação de híbridos
Da mesma forma que o cultivo in vitro enzimas pectocelulolíticas, que digerem os entre espécies por cruzamento sexual. Com
proporciona o aparecimento de variantes componentes das paredes celulares, libe- a possibilidade de fundir duas células
genéticos, mutações podem ser induzidas rando a célula vegetal que fica envolta ape- distintas, originando uma nova célula que
artificialmente por outros fatores. A inci- nas pela membrana celular. As células contenha a carga genética de ambas, to-
dência de raios ultravioletas e substâncias vegetais, nessa condição, podem ser mani- das as barreiras pré e pós-zigóticas são
mutagênicas diretamente sobre células, eliminadas. A fusão de protoplastos cria
puladas de várias formas, com aplicações
tecidos ou orgãos de plantas, podem ele- a possibilidade de formação de híbridos
em diversas áreas da pesquisa em vegetais,
var consideravelmente a taxa de mutações até entre gêneros diferentes. No Quadro 1,
mas é principalmente no melhoramento de
gênicas, cromossômicas e extranucleares. estão relacionados exemplos de hibrida-
plantas que vislumbram as maiores poten-
Apesar da indução artificial de mu- ções interespecíficas e intergenéricas que
cialidades da utilização de protoplastos.
tações já estar sendo utilizada in vivo há foram realizadas com sucesso.
A variação somaclonal, descrita anterior-
bastante tempo, sua aplicação in vitro Para que ocorra a fusão de protoplastos,
mente, também é observada nas culturas
mostrou-se mais atraente, pois permite podem ser utilizados diferentes mecanis-
de protoplastos, pois o próprio fato de man-
manipular em pequenos espaços grandes mos, quer seja por choques de corrente
ter em cultura um tecido desorganizado,
quantidades de células vegetais, o que elétrica, eletrofusão, ou mediado por um
durante um longo período, favorece o sur-
reduz consideravelmente os riscos dessa agente químico, como polietilenoglicol
gimento de variações genéticas (Carneiro
prática, visto que agentes mutagênicos (Vieira, 1997). No caso da eletrofusão, os
& Conroi, 1990). Nesse caso, a seleção de
podem causar câncer em humanos, além
determinada característica torna-se mais protoplastos são submetidos a um campo
disso, soma-se o fato de reduzir a chance
simples, devido à facilidade de impor uma elétrico de corrente alternada de alta fre-
de aparecimento de quimeras, presença no
pressão seletiva mais homogênea. Fica fácil qüência, que promove uma polarização, isto
mesmo indivíduo de tecidos geneticamente
distintos.
É interessante ressaltar que mesmo a QUADRO 1 - Híbridos somáticos produzidos por fusões de protoplastos
ocorrência de mutações deletérias pode
Entre gêneros Entre espécies
ser de grande valia, quando utilizadas em
estudos de metabolismo vegetal e de Solanum tuberosum + Lycopersicon esculentum Nicotiana tabacum + N. repanda
expressão de genes. O uso de agentes mu- Daucus carota + Aegopodium padagraria N. tabacum + N. rustica
tagênicos combinado com sistemas de D. carota + Petroselium hortense Solanum tuberosum + S. nigrum
seleção em cultura de tecidos vegetais, seja Citrus sinensis + Poncirus trifoliata Datura innoxia + D. discolor
para localizar mutações em cadeias biossin- Brassica oleracea + Sinapis turgida Brassica oleracea + B. campestris
téticas específicas, seja para identificar
B. oleracea + Moricandia arvensis B. napus + B. campestris
genótipos resistentes ou tolerantes a fa-
Nicotiana tabacum + Hyoscyamus muticus Oryza sativa + O. officinalis
tores causadores de estresse, oferece am-
Lycopersicon peruvianum + Petunia hybrida O. sativa + O. eichingeri
plas perspectivas para reduzir os custos
de determinados programas de melhora- Oryza sativa + Echinochlora oryzicola O. sativa + O. brachyantha
mento. FONTE: Dados básicos: Carneiro et al. (1998).

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.116-123, maio/jun. 2000


Biotecnologia 119

é, um hemisfério positivo e o outro negati-


vo, criando uma força de atração entre as
células adjacentes. Uma vez alinhados, os
protoplastos podem-se fundir, devido ao
surgimento de poros na membrana plas-
mática, ocasionado pela aplicação de pul-
Planta de Planta de
sos rápidos de corrente contínua de alta
tomate batata
voltagem, 500 V/cm, (Carneiro & Conroi,
1990). A Figura 38 ilustra um exemplo hipo-
tético da fusão de protoplastos de tomate
com protoplastos de batata. Embora essa Tecido do Tecido do
fusão já tenha sido descrita na literatura, mesófilo foliar mesófilo foliar
até o momento, não conseguiu um híbrido Digestão das
entre as duas espécies que seja capaz de paredes
produzir tomates e batatas ao mesmo tem- celulares por
po. Outra forma usada para promover a enzimas
pectocelulolíticas
fusão de protoplastos é a utilização de
soluções com elevada concentração de Protoplastos
cátions, 50 a 100 mM de Ca2+, e polietileno- isolados
glicol (PEG). A solução salina neutraliza a
repulsão causada pelas cargas negativas
da membrana, enquanto o PEG aumenta a
viscosidade do meio, promovendo a agre-
gação dos protoplastos (Aldwinckle et al.,
1982 e Vos et al., 1976). Após a fusão dos Mistura dos
protoplastos, obtêm-se vários tipos de cé- protoplastos
lulas em cultura: protoplastos não fundidos,
híbridos entre dois tipos de células e fusões
de células idênticas (Carneiro & Conroi,
1990). Por meio de corantes específicos, Alinhamento dos Polarização por corrente
consegue-se separar os híbridos de inte- protoplastos + - + - alternada (AC)
resse dos outros protoplastos.
Embora a técnica de hibridação somá-
tica seja bastante promissora, ela ainda Criação de poros na
Fusão dos
apresenta limitações que inviabilizam seu Membrana por pulsos de
protoplastos
corrente contínua (CC)
uso de forma generalizada. Para muitos dos
cruzamentos testados, verificam-se difi-
culdades para a regeneração do híbrido e Seleção dos protoplastos
para manter a estabilidade genética. Além híbridos e regeneração
das novas plantas
disso, muitos dos híbridos regenerados são
inférteis, só se multiplicando vegetativa-
mente (Pelletier et al., 1988). De modo geral,
as limitações tendem a ser maiores, à medida
que aumenta a divergência genética entre
os indivíduos envolvidos.

CULTURA DE TECIDOS
AUXILIANDO O
MELHORAMENTO GENÉTICO Híbrido somático
entre o tomate e a batata
Anteriormente, descrevemos a utiliza-
ção direta da técnica de cultura de tecidos
de plantas para gerar variabilidade genéti- Figura 38 - Fusão de protoplasto de mesófilo foliar de tomate (Lycopersicum
ca em programas de melhoramento. Agora, esculentum L.) com protoplasto de mesófilo foliar de batata (Solanum
iremos abordar o seu emprego como ferra- tuberosum L.), com a formação do híbrido interespecífico
Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.116-123, maio/jun. 2000
120 Biotecnologia

menta auxiliar para geração de novas cul- estigma e deposição do pólen diretamente pondendo de sete a nove anos de traba-
tivares. sobre o saco embrionário. O óvulo fecun- lho para o melhorista (Borém, 1998). Isso
dado é, então, cultivado artificialmente quando se trata de espécies anuais, pois
Resgate de embriões raros
dando origem ao embrião. De modo geral, em espécies perenes a expectativa de tem-
Uma das aplicações da cultura de teci-
o que se observa com mais freqüência é o po para obtenção de linhagens em homo-
dos que têm auxiliado muito programas de
cultivo do óvulo fecundado em associação zigose é muito maior.
melhoramento de plantas, é a de resgate
ao ovário ou parte dele. O tecido do ovário Uma forma de acelerar a produção de
de embriões. Devido ao intenso processo
é responsável pela produção e forneci- linhagens em homozigose seria por meio
de domesticação imposto pelo homem às
mento em quantidade adequada de várias da produção de plantas haplóides segui-
espécies de plantas cultivadas, muitos dos
substâncias essenciais para o desenvolvi- da da duplicação dos cromossomos, num
genes que conferiam tolerância e resistên-
mento do embrião. Dessa forma, evita-se o processo denominado haplodiploidiza-
cia a estresses bióticos e abióticos foram
labor de testar composições de meio. ção (De Buyser et al., 1985). Com o uso
perdidos. Uma das conseqüências da re-
dessa técnica, a partir de uma população
dução da variabilidade genética foi a
Produção de linhagens F1, podem-se obter, em apenas uma gera-
dificuldade, por parte dos melhoristas, em
duplo-haplóides ção, populações de linhagens em homo-
localizar fontes de resistência ou tolerân-
A produção de linhagens superiores, zigose perfeita, ou seja, que apresentam
cia em acessos da mesma espécie. Freqüen-
para formação de híbridos, necessita de um todos os seus loci em homozigose (Moraes-
temente, é necessário que o melhorista
longo período para que se possa atingir a Fernandes et al., 1998). Isso corresponde
recorra à variabilidade existente em espé-
cies silvestres para obter novos genes de condição de homozigose. Essa homozi- a um ganho de tempo fantástico para o
tolerância e resistência. Muito embora, em gose, geralmente, é alcançada após sete a melhoramento, facilitando enormemente a
alguns casos, o cruzamento sexual entre nove gerações de autofecundação, corres- obtenção de novas cultivares (Fig. 39).
espécies diferentes seja possível, ocorren-
do a fusão dos gametas e a formação do
embrião, não é raro o abortamento desse
embrião, devido a uma má-formação do en- MELHORAMENTO TRADICIONAL MELHORAMENTO
dosperma, barreira pós-zigótica. A técnica POR
HAPLODIPLOIDIZAÇÃO
de resgate de embriões em meio de cultura Cultivar 1 x Cultivar 2
AAbb aaBB Cultivar 1 x Cultivar 2
permite que este se desenvolva normal-
AAbb aaBB
mente, possibilitando a obtenção de hí- Genótipo da F1 AaBb
bridos interespecíficos, intra-específicos, Geração F1 AaBb
intergenéricos e, em alguns casos, até mes-
Gametas AB Ab aB ab
mo entre espécies de famílias distintas, Gametas AB Ab aB ab (micrós-
facilitando, sobremaneira, a busca do me- Genótipos da F2 AABB AaBB aaBB poros)
lhorista por genes de interesse. AABb AaBb aaBb
Para que o meio artificial utilizado em AAbb Aabb aabb
100 Cultura de
cultura de tecidos possa substituir o endos-
Freqüência de heterozigose (%)

90 anteras
perma na sua função de nutrir o embrião, é 80
necessário que todas as exigências nutri- 70

cionais do embrião sejam bem conhecidas. 60 Duplicação


Dependendo do estádio de desenvolvi- 50 espontânea ou
40 induzida por
mento, o embrião pode requerer apenas colchicina
30
os nutrientes inorgânicos e uma fonte de 20
carboidrato no meio de cultura, mas para 10
embriões muito jovens, freqüentemente, há 0 AABB AAbb aaBB aabb
F1 F2 F3 F4 F5 F6 F7 F8 F9 Plantas duplo-haplóides com
necessidade de suplementação do meio 100% de homozigose
Gerações
G õ
com fitormônios, antioxidantes, vitaminas, A B
além de outras substâncias necessárias ao
Figura 39 - Comparação entre o processo de produção de linhagens homozigotas por
desenvolvimento. O cultivo de embriões autofecundações (A) e o processo de haplodiploidização de micrósporos (B)
em meio artifcial também é utilizado fre- NOTA: Pelo método convencional são necessárias 7 a 9 gerações de autofecundação para se
qüentemente, quando existem dificuldades alcançar a homozigose, embora sempre permaneça uma pequena proporção de
heterozigose residual. Já no método da haplodiploidização, linhagens com 100% de
na ocasião da fecundação. Nesse caso, a homozigose são obtidas logo após a geração F1, proporcionando economia de tempo e de
fertilização se dá in vitro, com a eliminação custos.
das barreiras pré-zigóticas, eliminação do FONTE: Dados básicos: Moraes-Fernandes et al. (1998).

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Biotecnologia 121

A aquisição do tecido haplóide dá-se inicial. Essas características diferenciam embriões, por ser geneticamente idênticos
pelo cultivo de células germinativas, que embriões somáticos dos propágulos resul- à planta que lhes deu origem, permitem a
apresentam apenas a metade da constitui- tantes do processo de micropropagação e perpetuação de populações clonais por
ção genética da espécie. No caso de uma de organogênese (Guerra et al., 1998). meio de sementes (Guerra et al., 1998).
planta diplóide como o milho, cujo genoma Entretanto, embriões zigóticos diferem de No processo de fabricação de semen-
é composto por 20 cromossomos, suas embriões somáticos pela ausência nestes tes sintéticas, os embriões somáticos são
células germinativas só apresentam metade últimos da recombinação genética pro- encapsulados em hidrogel. A Figura 40 ilus-
desse número, ou seja, dez cromossomos. porcionada pela união dos gametas e pela tra um esquema de produção de sementes
Conseqüentemente, as plantas haplóides, ausência do endosperma. Dessa forma, a sintéticas, utilizando o processo de embrio-
originadas dessa célula germinativa, tam- embriogênese somática caracteriza-se por gênese direta, em que os embriões surgem
bém terão apenas dez cromossomos. Após ser uma propagação vegetativa. A forma- diretamente do tecido original, e a embrio-
a obtenção da planta haplóide, o restabe- ção de embriões somáticos ocorre de forma gênese indireta, na qual os embriões origi-
lecimento da diploidia ocorre de forma natural e um exemplo típico é a formação nam-se do tecido que se diferenciou na for-
natural ou por indução com colchicina, de embriões nucelares em citros. Esses ma de calos (Sharp et al., 1980, citado por
substância que inibe a polimerização das
fibras do fuso durante a divisão mitótica,
impedindo a migração dos cromossomos
(Nitsch, 1983). Dessa forma, plantas haplói-
des podem-se originar por dois processos Embrião
diferentes: processo gimnogenético, quan- Calo nucelar ou
do se originam de células reprodutivas do zigótico
sistema feminino e processo androgenéti-
co, quando se originam de células reprodu- Embriogênese
tivas do sistema masculino (Peters et al., Embriogênese Direta
1998). Para a produção de plantas haplói- Indireta
des, o cultivo de anteras é mais utilizado
do que o cultivo de ovários. As anteras pos- Formação
dos
suem um grande número de micrósporos,
embriões
podendo gerar centenas de novos indiví- somáticos
duos a partir de uma única antera, enquan-
to os óvulos apresentam apenas um saco
embrionário, podendo gerar apenas um
indivíduo por óvulo. Além disso, a res-
posta in vitro da cultura de óvulo ou ová- Retirada
rio é menos eficiente do que a cultura de dos
embriões
anteras e micrósporos (Peters et al., 1998).

Produção de sementes
Encapsulação dos Semente
sintéticas
embriões em Sintética
A possibilidade de produção de se- hidrogel
mentes sintéticas foi encarada com maior
seriedade, a partir do momento que os estu-
dos de embriogênese somática in vitro
começaram a evoluir. O termo embriogê-
nese somática é utilizado para descrever o
processo de formação de embriões a par- Origem a
tir de células somáticas ou haplóides. De uma nova
forma semelhante aos embriões zigóticos, planta
embriões somáticos apresentam uma es-
trutura bipolar, constítuida de um ápice
caulinar e de um ápice radicular, além de
apresentarem um sistema vascular fecha- Figura 40 - Produção de semente sintética pelos processos de embriogênese somática
do, sem conexão com o tecido do explante direta e indireta, a partir de embrião nucelar ou zigótico

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122 Biotecnologia

Schultheis et al., 1990). O material mais uti- d) sementes de algumas espécies de- pulsos elétricos ou uma solução de PEG
lizado para encapsular os embriões é o algi- teriorarem-se rapidamente, devido à proporcionam o aparecimento de poros na
nato de sódio, devido as suas proprieda- ocorrência de patógenos internos. membrana plasmática, permitindo que mo-
des gelificantes, baixo custo, facilidade de Embora para algumas culturas esta seja léculas de DNA penetrem no interior celular
uso e ausência de fitotoxidez (Redenbaugh uma alternativa adequada, para muitas (Gander & Marcelino, 1997).
et al., 1986). Há ainda, a possibilidade de outras a conservação de germoplasma in
adicionar vários componentes ao gel, tais vitro talvez não seja uma boa opção. Os REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
como sais minerais, carboidratos, regula- problemas vão desde o custo e o volume ALDWINCKLE, T. S.; AHKONG, Q. F.;
dores de crescimento, pigmentos opacos de trabalho elevado até o comprometi- BANGHAM, A. D.; FISHER, D.; LUCY,
etc., simulando a constituição do endosper- mento da integridade genética, devido à J. A. Effects of poly (ethylene glycol) on
ma. Como vantagens ao uso de sementes ocorrência de variações somaclonais. En- liposome and erythrocytes: permeability
sintéticas, podemos destacar a produção tretanto, devido aos grandes benefícios changes and membrane fusion. Biochemical
de um grande número de embriões somá- que esta técnica oferece, um intenso volu- and Biophysics Acta, v.689, p.548-560,
ticos dentro de um curto período, a necessi- me de pesquisa, na área de recursos gené- 1982.
dade de um espaço físico reduzido, a ma- ticos, está sendo desenvolvido unicamente ARAGÃO, F.J.L.; VIANNA, G.R.; RECH, E.L.
nutenção da identidade clonal, a produção com o objetivo de viabilizar a conservação Feijão transgênico. Biotecnologia Ciên-
das sementes independente de efeitos de germoplasmas in vitro. cia & Desenvolvimento, Brasília, v.1, n.5,
sazonais e a ausência de estruturas para p.46-49, mar./abr. 1998.
aclimatação de plântulas. Entretanto, a Transformação genética
BORÉM, A. Melhoramento de plantas. 2.ed.
técnica ainda possui algumas limitações, de plantas
Viçosa: UFV, 1998. 453p.
tais como a baixa resistência à dessecação, A cultura de tecidos também é um pas-
não-tolerância ao dano mecânico e a baixa so quase que obrigatório para a obtenção BORGES, A.L.; ALVES, E.J.; SILVA, S. de O.;
difusão de oxigênio e CO2 (Redenbaugh et de plantas geneticamente modificadas. SOUZA, L. da S.; MATOS, A.P. de;
al., 1986). FANCELLI, M.; OLIVEIRA, A.M.G.;
Apesar de atualmente estarem sendo de-
CORDEIRO, Z.J.M.; SILVEIRA, J.R.S.;
senvolvidos métodos de transformação
Conservação e intercâmbio COSTA, D. da C.; MEDINA, V.M.; OLI-
que não necessitam passar pela cultura de
de germoplasma VEIRA, S.L. de; SOUZA, J. da S.; OLI-
tecidos, até o momento, a grande maioria
As técnicas de cultura de tecidos de VEIRA, R.P. de; CARDOSO, C.E.L.;
das plantas geneticamente manipuladas,
plantas in vitro podem contribuir em todas MATSUURA, F.C.A.U.; ALMEIDA,
que já estão sendo utilizadas pelo homem,
as etapas do processo de conservação de C.O. de. O cultivo da banana. Cruz das
fez uso da cultura de tecidos. No caso de
germoplasma, incluindo coleta, indexação Almas: EMBRAPA-CNPMF, 1997. 109p.
transformação via bactéria Agrobacterium (EMBRAPA-CNPMF. Circular Técni-
para doenças, quarentena, multiplicação,
tumefasciens, há uma etapa de co-cultivo ca, 27)
caracterização, e avaliação, armazenamento
do tecido vegetal, discos foliares ou de
e distribuição (Withers, 1980). Para espécies CARNEIRO, V.T.C.; CONROI, T. Proto-
embriões, com a bactéria que contém o gene
que se propagam vegetativamente, a pre- plastos de células vegetais. In: TORRES,
a ser transferido (Gander & Marcellino,
servação de germoplasma requer altos A. C.; CALDAS, L. S. (Ed.). Técnicas e
1997). A bactéria infecta o tecido e transfe-
custos com mão-de-obra e disponibilida- aplicações da cultura de tecidos de plan-
re o DNA plasmidial, contendo o gene de
de de grandes áreas. Além disso, essas co- tas. Brasília: EMBRAPA-CNPH/ABCTP,
interesse para o genoma da planta. Pos-
leções estão sujeitas ao ataque de pragas 1990.
teriormente, o tecido vegetal é regenerado
e doenças. Para espécies que se propagam CARNEIRO, V.T. de C.; CONROI, T.; BAR-
em meio de cultura na presença de antibió-
através de sementes, apesar de ser a ma- ROS, L.M.; MATSUMOTO, K.G. Proto-
ticos ou herbicidas que permitem apenas
neira mais eficiente de conservação, esta plastos: cultura e aplicações. In: TORRES,
o crescimento das plantas transformadas.
não é sempre adequada, segundo Kartha A. C.; CALDAS, L. S.; BUSO, J. A. Cul-
No caso da transformação por biobalís-
(1981), devido ao fato de: tura de tecidos e transformação genéti-
tica, partículas microscópicas de ouro ou
a) algumas plantas não produzirem se- ca de plantas.Brasília: EMBRAPA-SPI/
tungstênio, com DNA aderido a sua super-
mentes férteis; EMBRAPA-CNPH, 1998. v.1, p.413-458.
fície, são disparadas a grande velocidade
b) algumas sementes permanecerem contra o tecido vegetal (Aragão et al., 1998). DE BUYSER, J.; HENRY, Y.; TALEB, G. Wheat
viáveis por apenas um curto pe- Posteriormente, as células que tiveram as androgenesis: cytological analysis and agro-
ríodo; moléculas de DNA incorporadas ao seu nomic performance of doubled haploids.
c) algumas sementes serem altamente genoma são recuperadas em meio de cultura Journal of Plant Breeding, Berlin, v.95,
heterozigotas e, dessa forma, não seletivo. No processo de transformação por n.1, p.23-34, 1985.
são adequadas para a manutenção eletroporação em protoplastos ou micrós- EVANS, D.A.; SHARP, W.R. Single gene
dos mesmos genótipos; poros, célula precursora do grão de pólen, mutations in tomato plants regenerated

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.116-123, maio/jun. 2000


Biotecnologia 123

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Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.116-123, maio/jun. 2000


124 Biotecnologia

Micropropagação de plantas:
histórico de uma empresa comercial
Márcio de Assis 
Marcos Paiva 2
Otávio Carlos Armani 3

Resumo - Abordam-se aspectos relativos à atividade comercial de uma empresa de


biotecnologia, bem como uma visão global do seu histórico, implantação, dificuldades
enfrentadas, estratégias e diretrizes. A preocupação com a atualização dos
procedimentos biotecnológicos, satisfação do cliente, investimento em capacitação
técnica e estratégias seguras de crescimento são marcas de uma empresa sintonizada
com as mudanças e exigências do mercado, cada dia mais globalizado.
Palavras-chave: Multiplanta; Biotecnologia; Matriz de planta.

INTRODUÇÃO ças, particularmente viroses. O volume de algumas universidades e centros de pes-


Desde o início do século XX, têm sido informações específicas sobre o assunto quisa do estado de São Paulo e da Embrapa
conduzidos trabalhos com o objetivo de cresceu intensamente nas décadas de 70 (Torres et al., 1998). Acompanhando a ten-
estudar e promover o crescimento de célu- e 80, quando foram instalados laborató- dência mundial, foram montados vários
las, tecidos e órgãos de plantas. Pouco rios de médio e grande porte em inúmeros laboratórios comerciais na década de 80,
sucesso foi alcançado nas primeiras dé- países, principalmente nos Estados Uni- dos quais dois podem ser considerados de
cadas, devido à carência de conhecimen- dos e na Europa Ocidental (Kitto, 1997). grande porte: Biomatrix S.A., em Teresópo-
tos de fisiologia e de nutrição vegetal, bem O enfoque principal continuou sendo a lis (RJ), e Bioplanta Ltda., em Paulínia (SP),
como de infra-estrutura adequada para produção de plantas ornamentais, embora por iniciativa de grupos empresariais liga-
execução das atividades. A partir da década a de fruteiras, hortaliças e espécies lenho- dos à agricultura. Ambos descontinuaram
de 50, ocorreram avanços consideráveis na sas tenham-se tornado significativas. Vários as atividades poucos anos após a implan-
descoberta, modo de ação e síntese de fitor- fatores contribuíram para a expansão da tec- tação, o que colocou em dúvida a viabili-
reguladores, o que permitiu a elaboração nologia: aumento substancial de informa- dade técnica e econômica da atividade,
de meios de cultura definidos e eficientes. ções científicas geradas, o que permitiu a diante dos investimentos efetuados e da
Dessa forma, foi possível detalhar e aper- elaboração de protocolos operacionais; nú- enorme expectativa que haviam gerado.
feiçoar o processo de multiplicação con- mero crescente de empresas fornecedoras Outros laboratórios de pequeno e médio
trolada in vitro (micropropagação), normal- de matérias-primas (reagentes, meios de porte foram instalados por empresas flo-
mente subdividido em três estádios: início cultura pré-elaborados etc.); equipamentos restais, canavieiras ou de hortaliças, prin-
das culturas, proliferação e enraizamento de apropriados para a atividade; moderniza- cipalmente batata, para dar suporte a traba-
brotações (Murashige, 1974 e Grattapaglia ção nas estruturas de estufas agrícolas e lhos de melhoramento genético ou com fins
& Machado, 1998). outros suprimentos, como bandejas, subs- comerciais.
A exploração comercial de plantas mi- tratos, fertilizantes, conjuntos de irrigação, Comparando com épocas anteriores, na
cropropagadas começou na década de 60, indispensáveis para a aclimatação e cres- década de 90, observou-se um crescimen-
com diversas culturas ornamentais, princi- cimento das plantas após a fase de labo- to moderado da atividade, à medida que
palmente orquídeas. A utilização da técnica ratório. algumas de suas limitações tornaram-se
foi impulsionada por conhecimentos adi- No Brasil, os primeiros trabalhos nessa evidentes. Desafios associados com uso
cionais obtidos na área de patologia, que área foram feitos na década de 50, mas o permanente de mão-de-obra qualificada,
demonstravam a sua eficiência na obtenção impulso definitivo ocorreu na década de baixo nível de automação, estratégia de
de plantas completamente livres de doen- 70, com a instalação de laboratórios em produção e logística de entrega de grandes

1
Engo Agro, M.Sc., Multiplanta Tecnologia Vegetal Ltda., Caixa Postal 511, CEP 377795-000 Andradas-MG.
2
Engo Agro, Ph.D., Multiplanta Tecnologia Vegetal Ltda., Caixa Postal 511, CEP 377795-000 Andradas-MG.
3
Engo Electricista, Multiplanta Tecnologia Vegetal Ltda., Caixa Postal 511, CEP 377795-000 Andradas-MG.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.124-126, maio/jun. 2000


Biotecnologia 125

quantidades de plantas de qualidade em país, é bastante conhecido. Planejar, insta- novação das mudas, pelo aparecimento de
curtos espaços de tempo, definição correta lar e expandir um ramo de negócios recente patógenos e pragas ou mesmo pelo esgo-
de mercado a ser atingido etc. constituem e de certa forma questionado apresentam tamento natural das plantas após o período
barreiras que têm inviabilizado iniciativas desafios ainda maiores. Para aumentar as de colheita, que se estende por vários me-
nessa área. A micropropagação apresenta chances de sucesso, foram inicialmente ses. Por isso, tornou-se prática comum a
riscos. Kitto (1997) destaca que a volati- estabelecidas as seguintes diretrizes: aquisição anual de matrizes sadias, esta-
lidade observada nesse ramo, como em a) aplicar corretamente as informações belecidas em bandejas, com substrato in-
qualquer outro empreendimento comercial, técnicas disponíveis, para ofertar ao dustrializado (Assis, 1999b) (Fig. 41, p.66).
está relacionada com um fenômeno que mercado produtos com caracterís- A oferta de novas cultivares e a difusão
ocorre mundialmente: passados cinco ticas inovadoras; de informações técnicas constituem fortes
anos, 80% de novos negócios não mais argumentos para que os produtores man-
b) dedicar tempo integral e adaptar mé-
existem e após dez anos, menos de 10% tenham vínculo permanente com a Multi-
todos eficientes de gestão empre-
continuam em atividade. Dispor de co- planta, sendo, atualmente, fatores deci-
sarial, para atingir objetivos e metas
nhecimento e estrutura para produção de sivos para a paulatina consolidação do
propostos;
plantas em larga escala não é garantia de projeto e o seu elevado nível de previsibi-
sucesso, devendo considerar que o pro- c) agir preventivamente; lidade comercial.
cesso como um todo é influenciado por d) consolidar uma imagem de con- Simultâneo ao projeto morango, foram
fatores econômicos e pelas oscilações nor- fiabilidade e segurança aos seus iniciados e progressivamente ampliados
mais observadas no ramo agrícola. públicos internos, funcionários, e programas de produção de mudas de ba-
externos, clientes, fornecedores, naneira e de batata-semente, também em
HISTÓRICO DA MULTIPLANTA prestadores de serviço, agentes de função de envolvimentos anteriores com
crédito e demais divulgadores em essas culturas e do seu potencial de mer-
A empresa Multiplanta foi constituí-
potencial, principalmente profissio- cado. A formação de mudas de bananeira
da em 1991, com o objetivo de produzir e
nais envolvidos com o assunto. em laboratório foi iniciada, no Brasil, em
comercializar plantas matrizes de moran-
meados da década de 80. O sistema apre-
gueiro, mudas de bananeira e sementes de RESULTADOS ALCANÇADOS senta algumas vantagens sobre métodos
batata obtidas por processos biotecno-
Visando o uso adequado dos recursos tradicionais, mudas oriundas de fraciona-
lógicos. A confiança nessa proposta era
humanos, materiais e financeiros, foram mento de rizomas, chifres e chifrinhos, pela
fundamentada na formação científica e
definidas prioridades para a implantação facilidade de manejo, transporte, ausência
gerencial de dois técnicos, Márcio de Assis
dos projetos comerciais. A produção de de patógenos e pragas, introdução rápida
e Marcos Paiva, com cursos de especiali-
plantas matrizes de morangueiro, necessá- de novas cultivares etc. (Fig. 42, p.66). Em
zação na área, atividades prévias em órgãos
rias para a formação de viveiros, foi esco- nível mundial, o aprimoramento constante
públicos e na iniciativa privada e na expe-
lhida por várias razões: nos processos de multiplicação e de con-
riência empresarial do outro integrante do
a) experiência prévia de aplicação da trole de qualidade, aliado à redução de cus-
grupo, Otávio Carlos Armani. A escolha
técnica à cultura e conhecimentos tos, tem sido essencial para a sua aceitação.
pelo município de Andradas (MG), entre
agronômicos adquiridos pelos téc- Isso também ocorre no Brasil, onde a cul-
outros fatores, foi em virtude da sua lo-
nicos citados, em empresas ante- tura apresenta vasta abrangência e tem
calização geográfica, fácil acesso, clima
riores; experimentado grandes transformações
privilegiado de altitude, ameno e seco,
tecnológicas nos últimos anos (Souza et
adequada infra-estrutura, fornecimento b) razoável nível de informações difun-
al., 1997).
estável de água e energia elétrica, bom dido entre os produtores acerca da
O terceiro segmento comercial sele-
sistema de comunicações, além da dispo- importância do trabalho, o qual tem
cionado foi a produção de sementes de ba-
nibilidade de mão-de-obra de qualidade. sido conduzido, desde 1979, pela
tata de alta qualidade fitossanitária. Com
Foram alugados, dentro do perímetro urba- Embrapa e esporadicamente por
esse objetivo, são empregadas técnicas
no, uma propriedade de 4 hectares, cuja outros laboratórios;
consagradas no país e no exterior há vários
sede foi transformada em laboratório e um c) e estilo inovador da maioria desses anos, como a cultura de meristemas, para a
prédio industrial, interligado com a mesma produtores receptivos a cultivares eliminação de vírus e outros organismos
finalidade. geneticamente melhoradas e de alta sistêmicos, a micropropagação, para o rápi-
qualidade fitossanitária, diante do do aumento de plântulas sadias; e o culti-
ESTRATÉGIA OPERACIONAL elevado custo de implantação e con- vo protegido em estufas, para obtenção de
O nível de dificuldades que uma em- dução das lavouras. sementes de base (classes genética, pré-
presa agrícola enfrenta, independente do O morangueiro, no Brasil, é explorado básica etc.), utilizadas para a instalação de
seu porte, para se manter em atividade no como cultura anual, sendo indicada a re- lavouras no campo (Assis, 1999a). Diante

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126 Biotecnologia

das dificuldades conjunturais enfrentadas estão ligados ao setor produtivo. A empre- todos modernos e mais eficientes de pro-
pela cultura da batata no país, o enfoque sa possui fornecedores de matérias-primas dução e controle de qualidade, melhoria no
prioritário do trabalho tem sido a produção e insumos apropriados, assim como for- sistema de micropropagação, de aclima-
de plântulas e de sementes pré-básicas, mas de embalagem e de transporte para tação e crescimento de plantas em estufas,
utilizadas por produtores e empresas que todos os pontos do país. A capacidade uso de processos sorológicos e marcado-
trabalham de forma programada para obter atual de produção situa-se na faixa de 200 res moleculares para detecção de patóge-
sementes de qualidade e baixo custo. mil plantas por mês. Desde o início das nos e monitoramento de identidade clonal;
atividades, vários setores são informatiza- aprimorar mecanismos para acompanha-
DESAFIOS ENFRENTADOS dos, produção, estoques, vendas, contábil- mento técnico e assistência a clientes;
financeiro etc. Devido às características adequar-se a uma nova ordem de negócios
A trajetória da Multiplanta, da implan-
da cultura do morangueiro (predominância que respeita a criatividade intelectual e
tação à atual posição de estabilidade, tem
de pequenos e médios produtores concen- protege materiais genéticos etc. Finalmente,
sido marcada por situações peculiares, ine-
trados por regiões), estabeleceu-se uma continuar atento a quaisquer fatores que
rentes aos diferentes momentos econômi-
rede de representantes para facilitar o aces- de alguma forma possam afetar o desem-
cos do país e aos estádios de evolução e
so e atendimento a eles. Este procedimento penho da empresa, preservando um estilo
absorção das tecnologias utilizadas. Além
é também aplicado à cultura da bananeira, ágil e flexível para rever posições e imple-
dos desafios técnicos normais para obter
para fornecimento de mudas a pequenos mentar novas iniciativas, sempre que isso
e ofertar produtos diferenciados, alguns
produtores dos perímetros irrigados. No se fizer necessário.
aspectos operacionais e gerenciais preci-
entanto, predomina o relacionamento dire-
saram ser também enfocados: REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
to, sendo a maioria dos contatos comer-
a) uso racional dos recursos para man- ciais feita com os sócios-gerentes da em- ASSIS, M. de. Novas tecnologias na propagação
ter o equilíbrio financeiro; presa. de batata. Informe Agropecuário, Belo
Horizonte, v.20, n.197, p.30-33, mar./abr.
b) habilidade para improvisar, adaptar
1999a.
ambientes e desenvolver equipa- PERSPECTIVAS
ASSIS, M. de. Sanidade do material vegetativo
mentos para a realização de trabalhos Embora os investimentos em divulga- na produção de mudas de morangueiro. In:
em laboratório. Por ser uma atividade ção e marketing efetuados ao longo dos SIMPÓSIO NACIONAL DO MORANGO,
recente no país, foi necessário aper- anos sejam modestos, percebe-se que a 1, 1999, Pouso Alegre. Morango: tec-
feiçoar um pacote de produção, prá- Multiplanta tornou-se conhecida e desfruta nologia de produção de processamento.
tico e econômico; de conceito positivo junto à classe pro- [s.l.:s.n.], 1999b. p.65-72.
c) seleção, treinamento e valorização da dutora e à comunidade técnico-científica. GRATTAPAGLIA, D.; MACHADO, M.A.
mão-de-obra; É crescente a demanda por seus produtos, Micropropagação. In: TORRES, A.
motivada pelos resultados alcançados e C.; CALDAS, L.S.; BUSO, J.A. Cultura
d) busca constante por insumos de me- de tecidos e transformação genética
lhor qualidade, em alguns casos de- pela popularização da tecnologia. Imperfei-
de plantas. Brasília: EMBRAPA-SPI/
senvolvendo-os em parcerias com ções ou dúvidas a respeito da performance EMBRAPA-CNPH, 1998. v.1, p.183-260.
empresas fornecedoras; de plantas micropropagadas têm sido su-
KITTO, S.L. Commercial micropropagation.
peradas, através de ajustes nos procedi-
e) persistência para a consolidação dos Hortscience, Alexandria, v.32, n.6, p.1012-
mentos de produção em laboratório e de 1014, 1997.
projetos;
modificações em práticas culturais efetua-
f) garantir a satisfação dos consumi- MURASHIGE, T. Plant propagation through
das pelos produtores. Para isso, tem con- tissue culture. Annual Review of Plant
dores, exercitando permanentemente tribuído o contínuo trabalho de pesquisa e Physiology, Palo Alto, v.25, p.135-166,
este fundamento de forma ampla e extensão, conduzido por órgãos públicos 1974.
efetiva. e a forma correta como novas empresas têm SOUZA, A.S. da; DANTAS, J.L.L.; SOUZA,
ingressado na área. F.V.D.; CORDEIRO, Z.J.M.; SILVA
ESTRUTURA ATUAL
O estádio de maturidade atingido pela NETO, S.P. da. Propagação. In: ALVES,
Em função dos recursos disponíveis e empresa, aliado a outros fatores observa- E.J. (Org.). A cultura da banana: aspectos
das características da atividade, optou-se dos atualmente, como a boa receptividade técnicos, sócio-econômicos e agroindus-
a produtos biotecnológicos, cenário econô- triais. Cruz das Almas: EMBRAPA-
por um processo de crescimento gradual e
CNPMF, 1997. p.151-195.
adequado ao mercado. Atualmente, dispõe- mico favorável e o vasto potencial agrícola
se de razoável infra-estrutura de laboratório, do país, estimula a sua gradativa ampliação. TORRES, A.C.; CALDAS, L.S.; FERREIRA,
A.T. Retrospectiva da cultura de tecidos
cerca de 500m2 de área total, sendo 200m2 Desenvolver estratégia segura de cresci-
de plantas. In: TORRES, A.C.; CALDAS,
de salas de crescimento com ambiente con- mento, para atender mercados cada vez L.S.; BUSO, J.A. Cultura de tecidos e
trolado (Fig. 43, p.66) e 5.000m2 de estufas mais exigentes e globalizados, continuará transformação genética de plantas. Bra-
para aclimatação e crescimento de plantas sendo um desafio. Algumas medidas pre- sília, EMBRAPA-SPI/EMBRAPA-CNPH,
(Fig. 44, p.66). Vinte funcionários efetivos cisam ser enfocadas, como: incorporar mé- 1998. v.1, p.11-20.

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.124-126, maio/jun. 2000


Biotecnologia 127

SISTEMA AGROPECUÁRIO EM FOCO

Foto: Erasmo Pereira


Márcio Amaral
Presidente da EPAMIG

RESULTADOS ALCANÇADOS
COM A INTEGRAÇÃO

Apresentar soluções parâmetros de pesquisa da fronteira agrícola de Minas e


tecnológicas para o complexo Empresa. utilização do cerrado, por meio
agropecuário tem sido, ao longo Os resultados destas de técnicas adequadas de
desses 25 anos, a principal atividades estão à disposição de produção, manejo, oferta de
atividade da Empresa de toda a sociedade, através da sementes, mudas e cultivares
Pesquisa Agropecuária de Minas maior oferta de alimentos, com adaptadas às suas condições.
Gerais (EPAMIG). A busca de qualidade e preços acessíveis. Novas tecnologias para grãos,
novas tecnologias, que Todo este trabalho de hortaliças e frutas que
garantam maior produtividade, pesquisa é compensado pela promovem a diversificação de
qualidade e lucros para o multiplicidade de resultados culturas e o conseqüente
produtor rural, define os obtidos, como ampliação da aumento da renda do produtor

Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n.204, p.127-128, maio/jun. 2000


128 Biotecnologia

rural, ampliam os benefícios recomendada pela Secretaria GOVERNO DO ESTADO DE


MINAS GERAIS
gerados pela pesquisa. de Agricultura, Pecuária e Governador: Itamar Franco

A manutenção de instituições de Abastecimento de Minas Gerais SECRETARIA DE ESTADO DE


AGRICULTURA, PECUÁRIA E
ensino voltadas para a (Seapa) de integrar os órgãos ABASTECIMENTO
Secretário: Raul Décio de Belém Miguel
qualificação profissional de que compõem o sistema
técnicos em Agropecuária agropecuário do Estado.
e Agroindústria melhoraram os Somente através da ação da
níveis de trabalho no campo. assistência técnica e extensão
Empresa de Pesquisa Agropecuária de
O constante melhoramento rural da Emater, no apoio e Minas Gerais - EPAMIG
Presidência
genético de bovinos e o repasse de tecnologias ao Márcio Amaral
Diretoria de Operações Técnicas
incentivo ao crescimento de produtor, das ações de Marcos Reis Araújo
outras atividades, como a fiscalização e controle dos Diretoria de Administração e Finanças
Marcelo Franco
piscicultura, elevam o padrão técnicos do IMA, visando maior Gabinete da Presidência
Eustáquio Amaral
produtivo de Minas Gerais. qualidade dos produtos e das Assessoria de Marketing
Luthero Rios Alvarenga
Associações com instituições ações de engenharia e Assessoria de Planejamento e
Coordenação
municipais para o motomecanização agrícola da Sebastião Gonçalves de Oliveira
Assessoria Jurídica
desenvolvimento regional e Ruralminas, que buscam a Marcelo José Alves
Assessoria de Informática
capacitação profissional, bem melhoria das atividades rurais, Mauro Lima Baino
Auditoria Interna
como a prestação de serviços é que o trabalho da pesquisa, Ronald Botelho de Oliveira
laboratoriais, repasse de o primeiro passo nesta Departamento de Pesquisa
Antônio Monteiro de Salles Andrade
tecnologias, treinamentos, cadeia de ações em prol do Departamento de Produção
José Braz Façanha
cursos, desenvolvimento da desenvolvimento da Departamento de Ações de Desenvolvimento
Francisco Lopes Cançado Júnior
agroindústria mineira e apoio agropecuária mineira, pode ser Departamento de Recursos Humanos
Dalci de Castro
ao pequeno produtor rural, são ampliado em múltiplos Departamento de Patrimônio e
Administração Geral
ações empreendidas pela resultados para o Estado. Argemiro Pantuso

EPAMIG em todo o Estado. A integração é fundamental


Departamento de Contabilidade e Finanças
Geraldo Dirceu de Resende
Estas ações contribuem para o sucesso de cada órgão e Centro Tecnológico-Instituto de Laticínios
Cândido Tostes
decisivamente para o tem como consequência Geraldo Alvim Dusi
Centro Tecnológico-Instituto Técnico de
desenvolvimento inerente, a efetiva atuação do Agropecuária e Cooperativismo
Maurício Antônio de Oliveira Coelho (Interino)
socioeconômico de todas as governo para o pleno
Centro Tecnológico do Sul de Minas
regiões mineiras, e vêm desenvolvimento da Geraldo Antônio Resende Macêdo
Centro Tecnológico do Norte de Minas
assegurando ao Estado agropecuária de Minas Gerais. Cláudio Egon Facion

o primeiro lugar na produção Este é o objetivo a ser Centro Tecnológico da Zona da Mata
Domingos Sávio Queiróz
de diversos gêneros alcançado por todo o Sistema Centro Tecnológico do Centro-Oeste
Miguel Celestino Paredes Zúñiga
agropecuários. Operacional da Agricultura, Centro Tecnológico do Triângulo e
Alto Paranaíba
Com a apresentação deste através da cooperação e João Osvaldo Veiga Rafael

perfil da EPAMIG, torna-se clara do trabalho conjunto de todos A EPAMIG integra o Sistema Nacional
de Pesquisa Agropecuária, coordenado
a necessidade percebida e os órgãos. pela EMBRAPA

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