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INTRODUÇÃO

Meditações metafísicas, ou, em outras traduções, Meditações sobre a filosofia primeira, que tem
como subtítulo nas quais são demonstradas a existência de Deus e a distinção real entre a mente e o
corpo, é o nome da obra de René Descartes escrita e publicada pelo autor pela primeira vez em
1641. Nesta obra encontra-se o mesmo sistema filosófico cartesiano introduzido no Discurso do
Método.

O livro é composto por seis meditações, nas quais Descartes põe em dúvida toda crença que não
seja absolutamente certa, real, factível, e a partir daí procura estabelecer o que é possível saber com
segurança.

Na primeira meditação encontram-se quatro situações que podem confundir suficientemente a


percepção, a ponto de invalidarem, seguramente, uma série de enunciados sobre o conhecimento. O
principal destes quatro argumentos é o do gênio maligno que tem a capacidade de confundir a
percepção e plantar dúvidas sobre tudo o que podemos conhecer acerca do mundo e suas
propriedades. Porém, mesmo podendo falsear a percepção, não pode falsear a crença nas percepções
- ou seja, ele pode contra-argumentar contra a percepção mas não contra a crença que incide sobre
as percepções. Descartes também conclui que o poder de pensar e existir não podem ser
corrompidos pelo gênio maligno.

Na Segunda Meditação encontra-se o argumento de Descartes acerca da certeza da própria


existência, certeza que prevalece sobre qualquer dúvida:

Convenci-me de que não existe nada no mundo, nem céu, nem terra, nem mente, nem corpo.
Isto implica que também eu não exista? Não: se existe algo de que eu esteja realmente
convencido é de minha própria existência. Mas existe um enganador de poder e astúcia
supremos, que está deliberada e constantemente me confundindo. Neste caso, e mesmo que o
enganador me confunda, sem dúvida eu também devo existir… a proposição "eu sou", "eu
existo", deve ser necessariamente verdadeira para que eu possa expressá-la, ou para que
algo confunda minha mente.

Em outras palavras, a consciência implica a existência. Em uma das réplicas às objeções que faz no
livro, Descartes resumiu a passagem acima em sua hoje famosa sentença: penso, logo, existo (em
latim: cogito, ergo sum)

O restante do livro, que não difere muito do precedente Discurso do Método, sendo porém mais
acessível, contém vários argumentos tais como os argumentos ontológicos para a existência de Deus
e a suposta prova do dualismo entre mente e corpo.

PRIMEIRA MEDITAÇÃO

Em 1641, aparecem as Meditações Metafísicas e para bem compreender a metafísica cartesiana é


necessário ler as Meditações.
1.° - Todos sabem que Descartes inicia seu itinerário espiritual com a dúvida. Mas é necessário
compreender que essa dúvida tem um outro alcance que a dúvida metódica do cientista. Descartes
duvida voluntária e sistematicamente de tudo, desde que possa encontrar um argumento, por mais
frágil que seja. Por conseguinte, os instrumentos da dúvida nada mais são do que os auxiliares
psicológicos, de uma ascese, os instrumentos de um verdadeiro"exército espiritual". Duvidemos dos
sentidos, uma vez que eles frequentemente nos enganam, pois, diz Descartes, nunca tenho certeza
de estar sonhando ou de estar desperto! (Quantas vezes acreditei-me vestido com o "robe de
chambre", ocupado em escrever algo junto à lareira; na verdade, "estava despido em meu leito").
Duvidemos também das próprias evidências científicas e das verdades matemáticas! Mas quê? Não
é verdade - quer eu sonhe ou esteja desperto - que 2 + 2 = 4? Mas se um gênio maligno me
enganasse, se Deus fosse mau e me iludisse quanto às minhas evidências matemáticas e físicas?
Tanto quanto duvido do Ser, sempre posso duvidar do objeto.

Descartes expressa sua insatisfação com o conhecimento adquirido nas instituições de ensino da
época (autoridade da bíblia ou do aristotelismo), expõe seu objetivo de alcançar algo de certo nas
ciências e, com isso, fundamentar a totalidade do saber humano; e propõe realizar essa cruzada
desfazendo-se de suas antigas opiniões para que recomece tudo desde os fundamentos. Daí, ele
apresenta sua dúvida como sistemática e hiperbólica, assim: (A) o que é provável será tomado como
duvidoso e (B) o que é duvidoso será tomado como falso. Direciona-se, então, aos fundamentos e
princípios de suas antigas opiniões, pois expor as dúvidas individualmente seria um processo
infinito.

Embora Descartes admita que tudo que aprendeu adveio dos sentidos, ele julga prudente não confiar
neles, pois eles podem nos enganar (por exemplo: caso do caniço na água), já que já o fizeram
alguma vez. Mostra que a loucura poderia servir de argumento para questionarmos situações
sensíveis normalmente não duvidosas (como eu estar olhando para várias pessoas agora), mas que
pensa ser melhor apresentar um outro argumento a seguir, a saber, que como podemos ter sonhos
tão “normais” quanto o cotidiano e tão “absurdos” quanto um dia de um louco, nos é impossível
distinguir o sonho da vigília. E, como nos é impossível distinguir o sonho da vigília, o que está se
passando agora pode ser ilusão (pois quando estamos dormindo tudo que nos representamos é
ilusão); contudo, também quando sonhamos tomamos aspectos da realidade, e só eles, para as
nossas representações. Então, se tudo for ilusão, vêm de algo verdadeiro -- o que o diferencia do
cético.

Descartes argumenta contra sua própria dúvida, mostrando coisas indubitáveis na natureza corpórea,
tanto no sonho, quanto na vigília, a saber, (Y): a figura, a quantidade, a extensão, o espaço, o tempo
(objetos da matemática) e outras coisas simples semelhantes. Ciências que tratam de coisas simples,
ou seja, (Y), como a Aritmética e a Geometria têm algo de indubitável, pois que em sonho ou
acordado elas não se modificam ("2+2=4" é sempre verdadeiro, seja sonhando ou acordado). Mas
duvida disso também, dado que poderia haver um Deus que poderia fazê-lo perceber tudo como
percebe, embora nada houvesse da forma que se apresenta. Postula também a possibilidade de Deus
o enganar no que julga saber com certeza, desacreditando até as matemáticas.[Argumento do Deus
Enganador]
Para quem não acredita em Deus, Descartes o supõe como uma fábula ou outro, mas afirmando que
quanto menos poderoso for o autor de sua origem, mais será provável que Descartes se engane
sempre. Decide, então, suspender seus juízos sobre o que houvera no passado tomado como
verdadeiro (suas opiniões), pois não há nada de que ele não possa duvidar atualmente. Embora suas
antigas opiniões sejam prováveis, elas são duvidosas; e, enquanto tais, prefere vê-las como falsas
para que não influenciem no seu reto caminho do conhecimento da verdade, colocando, assim Deus,
uma antiga opinião, como também duvidosa.

Faz, Descartes, uma ficção em sua teoria, supondo a não-existência de Deus e a existência de um
Gênio Maligno todo poderoso, que o enganaria em todas as coisas externas, nas matemáticas e no
seu corpo; entretanto este Gênio não pode impor nada à sua crença. Sendo assim, suspende seus
juízos para escapar às possíveis ilusões. Descartes, então, expressa seu temor frente à sua dúvida (a
dúvida metódica), pois que se não solucionada pode nos trazer mais obscurantismo que clareza, nos
levando ao mais profundo ceticismo.

SEGUNDA MEDITAÇÃO

2. - Existe, porém, uma coisa de que não posso duvidar, mesmo que o demônio queira sempre me
enganar. Mesmo que tudo o que penso seja falso, resta a certeza de que eu penso. Nenhum objeto de
pensamento resiste à dúvida, mas o próprio ato de duvidar é indubitável. "Penso, logo existo”. Não é
um raciocínio (apesar do logo), mas uma intuição, e mais sólida que a do matemático, pois é uma
intuição metafísica, metamatemática. Ela trata não de um objeto, mas de um ser. “Eu penso” é
muito mais que um simples acidente gramatical do verbo pensar).

O cogito de Descartes, portanto, não é, como já se disse, o ato de nascimento do que, em filosofia,
chamamos de idealismo (o sujeito pensante e suas ideias como o fundamento de todo
conhecimento), mas a descoberta do domínio ontológico (estes objetos que são as evidências
matemáticas remetem a este ser que é meu pensamento).

Descartes afirma que continuará com seu mesmo método, até que encontre algo de certo ou até que
tenha aprendido que não há nada de certo. Diz que tem direito de ter esperança de encontrar algo de
certo e indubitável para poder fundamentar um novo paradigma de mundo. Então, se pergunta se
após a dúvida descobrirá que de verdadeiro só há que “não exista mais nada certo”.

Procurando algo de certo, Descartes se questiona se pode invocar a certeza de Deus ou a existência
de si como indivíduo concreto, mas nada o exige. Todavia, eis que o Gênio Maligno o engana, por
isso não há dúvida de que ele (Descartes) é, pois somente enquanto pensa ser alguma coisa e apenas
mediante isso que pode ser enganado; “logo eu sou, eu existo” é sempre verdadeira quando
enunciada ou pensada.

Se questiona, então, pela natureza desse eu (a res cogitans), dizendo que examinará apenas o que é
dado, para que não se equivoque no conhecimento das coisas que afirma serem claras e evidentes.
Começa, então, o exame, partindo de suas considerações do corpo humano como máquina biológica
e da alma como um ar tênue disseminado no corpo. Descreve a natureza corpórea como tendo
extensão, podendo ser captada pelos sentidos, não tendo o poder de mover-se a si mesma, nem de
sentir, nem de pensar, já que essas são faculdades de apenas alguns corpos. Afirma que a res
cogitans não possui natureza corpórea, por força do Argumento do Gênio Maligno. Explicita alguns
atributos da alma dependentes do externo ao do corpo, chegando finalmente ao pensar, que é o
único que não pode ser separado dela.

Atentando para as coisas que lhes são conhecidas, procura a natureza da res cogitans; advertindo
para o caminho pela ou na imaginação, pois que essa última apenas se forma em detrimento de algo
externo que, pos sua vez, fora excluído pela dúvida. Ele destrincha a res cogitans em seus modos, a
saber, (Z): duvidar, conceber, afirmar, negar, querer, imaginar e sentir. Cada modo de (Z) remete ao
ator que os faz ou sofre; e, por mais que seja ilusório o que imaginamos ou sentimos, as respectivas
faculdades realmente fazem parte da res cogitans, pois que implicam em pensamento puro.

Descartes retoma o pensamento do senso comum, segundo o qual a res extensa é mais claramente
conhecida que a res cogitans. Começa tomando uma cera, apontando-a como exemplo de res
extensa com dadas características específicas. Ao aproximá-la do fogo, a cera se modifica em todas
as suas apreensões sensíveis, mas mesmo assim a identificamos. Não fazemos isso pela aparência
do corpo ou pela nossa capacidade de imaginar (que nos dá finitas quantidades de aparências), e sim
pela extensão, pois que a cera pode assumir infinitas formas além de nossa imaginação. Como na
imaginação não conseguimos as variedades de acordo com a extensão (infinito atual) que uma cera
pode assumir, é pelo entendimento que a capturamos dessa forma, donde pode ser confusa como no
caso da cera ou clara e distinta como no caso do estudo da res cogitans.

Generaliza o conhecimento das coisas no entendimento e não na apreensão sensível, dando o


exemplo dos chapéus que observa de sua janela e julga serem pessoas. Depois de verificar que não é
com a imaginação ou com os sentidos que se conhece, mas com o entendimento; liga o que não é do
entendimento aos animais e o que o é liga ao espírito humano. Afirma que se julga que a cera existe
pelo fato de ser observada por ele próprio, eis que ele também existe por observar a cera; que, nela
mesma, poderia nem existir, porque enquanto pensasse ver, tocar, sentir ou imaginar, pelo menos
ele existiria. É certo apenas que penso percebê-la. E o que foi dito da cera vale para toda res
extensa.

Diz que há tanto para se conhecer da res cogitans, advindo dela própria, que quase não seria
necessário citar a res extensa, pois o espírito é mais fácil de se conhecer que o corpo, pois que se dá
imediatamente: de toda res extensa de existência problemática, temos apenas idéias claras e
distintas. Termina a segunda meditação reafirmando dois pontos importantes que aprendera até
aqui, que serão analisados, por ele, com mais atenção na próxima meditação: Somente concebemos
os corpos pelo entendimento, não pela imaginação ou pelos sentidos; e conhecemo-los por concebê-
los pelo pensamento e não pelo fato de apreendê-los pelos sentidos ou pela imaginação.

TERCEIRA MEDITAÇÃO
3. ° - Nesse nível, entretanto, nesse momento de seu itinerário espiritual, Descartes é solipsista. Ele
só tem certeza de seu ser, isto é, de seu ser pensante (pois, sempre duvido desse objeto que é meu
corpo; a alma, diz Descartes nesse sentido, “é mais fácil de ser conhecida que o corpo”). É pelo
aprofundamento de sua solidão que Descartes escapará dessa solidão. Dentre as ideias do meu
cogito existe uma inteiramente extraordinária. É a ideia de perfeição, de infinito. Não posso tê-la
tirado de mim mesmo, visto que sou finito e imperfeito. Eu, tão imperfeito, que tenho a ideia de
Perfeição, só posso tê-la recebido de um Ser perfeito que me ultrapassa e que é o autor do meu ser.
Por conseguinte, eis demonstrada a existência de Deus. E nota-se que se trata de um Deus
perfeito,que, por conseguinte, é todo bondade. Eis o fantasma do gênio maligno exorcizado. Se
Deus é perfeito, ele não pode ter querido enganar-me e todas as minhas ideias claras e distintas são
garantidas pela veracidade divina. Uma vez que Deus existe, eu então posso crer na existência do
mundo. O caminho é exatamente o inverso do seguido por São Tomás. Compreenda-se que, para
tanto, não tenho o direito de guiar-me pelos sentidos (cujas mensagens permanecem confusas e que
só têm um valor de sinal para os instintos do ser vivo). Só posso crer no que me é claro e distinto
(por exemplo: na matéria, o que existe verdadeiramente é o que é claramente pensável, isto é, a
extensão e o movimento). Alguns acham que Descartes fazia um circulo vicioso: a evidência me
conduz a Deus e Deus me garante a evidência! Mas não se trata da mesma evidência. A evidência
ontológica que, pelo cogito, me conduz a Deus fundamenta a evidência dos objetos matemáticos.
Por conseguinte, a metafísica tem, para Descartes, uma evidência mais profunda que a ciência. É ela
que fundamenta a ciência (um ateu, dirá Descartes, não pode ser geômetra!).

Reafirma, Descartes, que é uma coisa que pensa, ou seja, uma coisa que (Z); onde aquilo que sente
ou imagina se encontra nela na medida em que é um modo de pensar. Diz estar certo que é uma
coisa pensante, pois que concebeu isso de modo claro e distinto e, portanto, verdadeiro. Enquanto
tomava o que vinha por intermédio dos sentidos como duvidoso, tomava como claras e distintas
suas idéias das coisas. Estas últimas estavam presentes no eu. Diz anteriormente ter pensado que
havia coisas externas, semelhantes às idéias e de onde elas provinham. Contudo esse pensamento
não tem fundamento.

Mostra que duvida de (Y) na medida em que supõe o Deus Enganador, mas quando se volta para o
que pensa conhecer claramente, se persuade a pensar que não é possível que seja enganado em (Y),
pois que não conseguiria conceber de outra forma. Resolve examinar, então: (i) se há Deus e (ii) se
ele é enganador; pois que dessas respostas dependem nossas certezas futuras. Divide, assim, seu
pensamento em gêneros, para verificar se neles há verdade ou falsidade.

A idéia é a representação ou a imagem das coisas. No sujeito ela é uma vontade, afecção ou juízo
(V/AF/J), pois este, pela ação do espírito, acrescenta algo à idéia que tem da coisa (Ex.: Eu quero...
Eu afirmo... Eu temo... etc.). As idéias em si mesmas e sem relações não podem ser consideradas
falsas, pois que, dessa forma analisadas, não são mais verdadeiras umas que as outras; quaisquer
que sejam elas. Nas afecções e vontades também não há falsidade; pois quando se quer, é verdade
que se quer. Afirma, no entanto, que, no juízo, o principal erro é julgar que as coisas externas são
similares às internas. Caso as idéias fossem apenas pensamentos sem relações com a res extensa,
nunca imputaríamos em erro.
De onde vêm as idéias, segundo o senso comum? (a): De si próprio (faculdade de conceber
pensamentos); (b): de coisas externas (ruído, calor etc.); (c): de ficções do espírito (quimeras).
Descartes afirma que não sabe, até aqui, de onde desses três vêm as idéias; mas sobre as que
parecem vir de (b), se pergunta “porque deve acreditar que são semelhantes às suas causas externas,
as idéias?” A resposta do senso comum ensaiada por Descartes é (α): Essa semelhança parece ter
sido ensinada pela natureza. (β): Essas idéias não dependem da vontade de quem as sente e são,
portanto, diferentes de quem a sente. O senso comum pensa, então, que a coisa externa sempre
imprime à idéia sua semelhança.

A crítica de Descartes a (α) é Cα1: Dizer que (α) é dizer que se está fundamentando algo em uma
inclinação, não na luz natural, que é a única faculdade para reconhecermos algo como verdadeiro ou
falso. Cα2: Como as inclinações não costumam levar mais ao bem que ao mal (ou vice-versa), elas
também se desclassificam na possibilidade de distinguir o verdadeiro e o falso. E crítica de
Descartes a (β) é Cβ1: Não depender da própria vontade não é um bom argumento, pois que as
inclinações não o dependem; podendo até haver uma faculdade que mo represente sem auxílio
externo. Cβ2: Se realmente viessem do externo, não implicaria que essas idéias se lhes fossem
semelhantes. (“L ser causa de M” não autoriza “M assemelha-se a L”)

Conclui, dizendo que, até agora havia acreditado nas coisas externas apenas por um ímpeto sem
fundamento.

Há alguma idéia em mim que tem valor objetivo? - se pergunta Descartes Se tomadas como formas
de pensar, todas, igualmente, provêm da res cogitans. Se tomadas como imagens representativas,
são diferentes entre si. As idéias que representam substâncias são mais perfeitas do que as que
representam modos ou acidentes, sendo das primeiras, deus, a maior. Atributos de deus: Qualidades
[DEUS]: infinitude, imutabilidade, eternidade, onisciência, onipotência e a criação de tudo que está
fora de Deus.

Fazendo uso do princípio de causalidade, afirma que na causa eficiente (causa que cria) deve haver
tanta realidade quanto no efeito (o que foi criado). Disso decorrem dois efeitos: (E1): O nada não
produz coisa alguma; (E2): O mais perfeito não decorre nem depende do menos perfeito. É válido
(E2), então, para as realidades atuais ou formais e objetivas, pois que para algo existir, deve ter
origem em algo que o contenha formalmente ou eminentemente. Assim, a causa deve ter tanta
realidade formal quanto à idéia o tem de realidade objetiva, sendo a realidade das idéias objetiva, e a
realidade das causas formal. Mesmo que idéias advenham de idéias, chegar-se-á a uma primeira,
cuja causa é como um padrão, “na qual toda a realidade ou perfeição esteja contida formalmente ou
em efeito” 1, donde as idéias podem facilmente não conservar essa perfeição. Conclui dessa forma
que, se percebe que tem idéias que não estão nele nem formalmente nem iminentemente, logo existe
algo que não é ele e que é causa dessas idéias, o que será agora examinado.

Exclui as realidades “animadas” (como homem, anima, anjo etc.), pois que podem advir das idéias
que tenho das coisas corporais e de Deus. As coisas corporais podem vir dele mesmo, porque
apenas (Y) é concebido clara e distintamente nelas. Exclui também as idéias das qualidades
sensíveis corpóreas (como o frio) que possuem falsidade material, ou seja, que podem representar
coisas que não existem e das quais somos carentes. Como essa falsa representação se aproxima do
não-ser, é possível que Descartes como ser imperfeito, seja seu autor. Quanto às idéias claras e
distintas que temos das coisas corporais, Descarte fala que substância, duração, número e
semelhantes, ou seja, (W1), são modos “como consideramos cada coisa enquanto ela continua
sendo” e, assim, podem também advir de si mesmo, a dizer, da própria res cogitans. Como (W2), a
dizer, a extensão, a figura, a situação e o movimento de lugar, são apenas modos da substancia e ele
próprio, como res cogitans, é uma substancia, é possível que (W2) esteja eminentemente nele.

As Qualidades [DEUS] são eminentes demais para se originarem no próprio eu (a res cogitans), pois
que o máximo de realidade objetiva que tem a idéia de Deus implica, no mínimo, o máximo de
realidade formal para a causa dessa idéia. Portanto Deus existe, pois só seria possível ter a idéia de
uma substância infinita se alguma substância infinita a tivesse causado. A existência de Deus acaba
com a hipótese do Grande Enganador, nos levando à existência de um Deus que nos garanta a
verdade das idéias claras e distintas da res cogitans. [PRIMEIRA PROVA DA EXISTÊNCIA DE
DEUS: (D1)]

A noção de infinito é anterior a de infinito, assim, a noção de Deus é anterior à noção da própria
natureza, pois só podemos conhecer o que nos carece mediante a idéia de um ser mais perfeito, do
qual podemos extrair um padrão comparativo. [SEGUNDA PROVA DA EXISTÊNCIA DE DEUS:
(D2)]

A idéia de Deus não é “materialmente falsa”, pois que é uma idéia clara, distinta e de maior
realidade objetiva possível. A idéia de Deus é verdadeira porque não se pode fingir que ela não nos
representa algo real. Tudo que Descartes concebe clara, distintamente e com alguma perfeição, está
contido na idéia de Deus. Basta, então, que se concebam em Deus todas essas coisas e ainda outras
ignoradas, de modo formal ou eminente.

Nesse ponto, um adversário diria: o poder de adquirir tais perfeições me imprimiu tais idéias. E a
resposta de Descartes é que essas potenciais perfeições não se aproximam da idéia de Deus perfeito,
atual e efetivo. O ser objetivo de uma idéia não pode ser produzido por um ser que existe somente
em potência, mas apenas por um ser forma e atual. O homem não pode ser perfeito como Deus, pois
que sempre pode aumentar seu conhecimento; o que, para Deus, é impossível.

De onde, Descartes questina, ele tiraria sua existência, se não houvesse Deus? E responde: (Γ): De
si mesmo; (Δ): Dos pais ou de outras coisas menos perfeitas. Se tivesse tirado sua existência de (Γ),
não duvidaria nem desejaria nem lhe faltaria perfeição alguma e, assim, seria Deus. Se tivesse tirado
sua existência de (Γ), não teria se privado de coisas de fácil aquisição (como alguns conhecimentos
que não possui) nem das de difícil aquisição (como as Qualidades [DEUS]). Dessa forma, havendo
uma qualidade não possuída por Descartes, surgiria de novo a idéia de Deus. Admitindo-se a
existência do eu sem nenhuma causa, ainda deveria existir Deus para que conserve esse eu, já que
ele ter existido em algum momento não implica que deva existir atualmente. Ele procura em si
mesmo o poder de criar ou de conservar (já que é o mesmo) a si mesmo no futuro, de produzir a si
próprio. Contudo, não o sente em si mesmo; donde deriva que ele depende de outro ser. Se, então,
depende de um ser externo, Descartes se pergunta se não seria de (Δ). Responde negativamente,
pois que a causa de sua natureza deve também ser coisa pensante e ter em si todas as Qualidades
[DEUS] atribuídas por Descartes próprio. Se essa causa tem origem de si mesma, ela é Deus e deve
possuir em ato todas as perfeições cujas idéias se lhe concebe. Caso tire sua existência de outra
causa diferente de si, perguntar-se-á por outras causas até que se chegue a Deus, pois terá que haver
alguém que conserve e mantenha o eu, a coisa pensante. Não é possível que as idéias de perfeição
não venham todas de Deus, mas venham de outras causas, pois a inseparabilidade das coisas
existentes em Deus é uma de suas maiores perfeições.

Se pensarmos na hipótese (Δ), diz Descartes, segue-se que, se eles, os pais, foram responsáveis pelo
nascimento de seu filho, isso não implica que eles o conservem atualmente ou que o tenham
produzido como res cogitans. Portanto, como o eu existe, e nele a idéia de um Deus perfeito; a
existência de Deus fica demonstrada. Não é pelos sentidos. Não é ficção, pois que se não pode
acrescentar ou diminuir nada. Então a idéia de Deus é inata. Deus, ao criar esse eu de que falamos,
colocou-lhe uma marca, donde é bem provável que conceba, a res cogitans, a semelhança entre ela e
Deus, por meio da faculdade usada pela res cogitans para se conceber a si mesma. Deus é o único
padrão de perfeição (pois as possui todas e não tem nenhuma carência que determine imperfeição)
que a coisa pensante, incompleta, almeja alcançar. Logo, Deus não pode ser enganador, porque esse
comportamento baseia-se na carência.

Afirma Descartes, que se deterá mais um pouco na contemplação do Deus perfeito e seus atributos,
antes de passar às outras verdades que se poderão inferir dessas até então. Afirma que a presente
meditação (a terceira), embora menos perfeita que a contemplação da Majestade divina (maior gozo
de outra vida), dá o maior gozo dessa vida.

QUINTA MEDITAÇÃO

4. - A Quinta meditação apresenta outra maneira de provar a existência de Deus. Não mais se trata
de partir de mim, que tenho a ideia de Deus, mas antes da ideia de Deus que há em mim. Apreender
a ideia de perfeição e afirmar a existência do ser perfeito é a mesma coisa. Pois uma perfeição não
existente não seria uma perfeição. É o argumento ontológico, o argumento de Santo Anselmo que
Descartes (que não leu Santo Anselmo) reencontra: trata-se, ainda aqui, mais de uma intuição, de
uma experiência espiritual (a de um infinito que me ultrapassa) do que de um raciocínio.

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