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CARUARU-PE
2017
Leonardo Chagas Vieira
CARUARU – PE
2017
Leonardo Chagas Vieira
__________________________________________________
Profª Carolina Cavalcanti Falcão
Orientadora
_________________________________________________
Prof.
Examinador
_________________________________________________
Examinador
Externo
Para eles, que são a base da minha vida e
carreira, meus pais. Que tiveram toda a
paciência e dedicação do mundo para criar
um filho com imaginação demais. Vos amo
com todo o meu coração.
Agradecimentos
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 10
1.1 – OBJETIVOS ..................................................................................................... 14
1.1.1 – OBJETIVO GERAL ...................................................................................14
1.1.2 – OBJETIVOS ESPECÍFICOS .................................................................... 14
5. METODOLOGIA ................................................................................................... 49
8. REFERÊNCIAS .................................................................................................... 61
8.1 REFERÊNCIAS DIGITAIS ............................................................................ 63
9. ANEXO ................................................................................................................. 64
9.1 PERFIS DE TATUADORES MAIS SEGUIDOS EM PERNAMBUCO .......... 64
1. INTRODUÇÃO
10
compreensão de que uma marca na pele sempre assumiu significados, seja em suas
primeiras representações percebidas historicamente ou em seu contexto atual.
É possível também estabelecer uma conexão sobre como a tatuagem tem sido
realizada atualmente e como sua produção pode estar diretamente ligada ao exercício
das performances de gênero no corpo dos indivíduos. Sob essa perspectiva, apesar
de não ser uma regra geral, nota-se que tatuagens podem assumir “gêneros”. De
modo mais simples, pode-se dizer que algumas tatuagens ainda podem ser
consideradas como “de homem” ou “de mulher”. A problematização dessa concepção
é necessária para o desenvolvimento dos estudos sobre a tatuagem.
A relação entre tatuagem e comunicação, dentro desse projeto, permeia um eixo
temático considerado pouco abordado em seus campos de pesquisa. Esse eixo
consiste na ideia de que a tatuagem moderna/atual é resultado de uma produção
intencional e de autoria do indivíduo tatuado (corpo), que é considerado o autor da
tatuagem mesmo que outra pessoa (no caso, o tatuador) seja quem realize o processo
do “tatuar”. Desta forma, a escolha de como e do porquê os signos serão
representados dão à pessoa tatuada a autoria da mensagem, e essas decisões muitas
vezes acabam sofrendo influências diretas dos conceitos de gênero disseminados na
sociedade. Quando usado o termo “moderna” refere-se ao fato de que atualmente a
tatuagem difere dos significados e dos processos técnicos antes utilizados em sua
produção, em uma sociedade que não a vê mais com tanto impacto e já a reconhece
mais comumente na geografia epidérmica das pessoas.
De acordo com a pesquisadora Vanessa Novak (2012), em seus estudos feitos
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a popularização da tatuagem se
deve a diversos fatores, como os avanços tecnológicos, o crescimento e disseminação
do trabalho de tatuadores profissionais, o aumento do poder aquisitivo da população,
a influência da moda no cotidiano dos cidadãos e a disposição das pessoas de
investirem no próprio bem-estar (NOVAK, 2012). Dessa forma, a tatuagem é
classificada também como uma produção estética, tida como adorno ou acessório de
uma composição visual humana, geralmente baseada em conceitos de moda.
Desta abordagem inicial, têm-se três questões norteadoras da pesquisa: a)
Como a produção da tatuagem pode ser relacionada aos processos de comunicação?
b) De que forma a tatuagem possui relação com os conceitos de gênero? c) Como é
possível enxergar características de gênero em tatuagens presentes em perfis de
tatuadores pernambucanos?
11
Além dos estudos sobre gênero de Judith Butler (2003), essa pesquisa utilizará
estudos de Bourdieu (2003) para aprofundamento sobre questões do gênero no
âmbito da sociologia. Nomes como Bakhtin (2003) e Umberto Eco (1997) serão
referenciados pela contribuição das suas pesquisas quanto aos processos de
comunicação e linguagem. Priscila Novak (2012) e outros teóricos que dissertam
sobre a tatuagem também são incluídos na fundamentação teórica dessa pesquisa.
No primeiro capítulo será realizado um recorte da história das marcas
permanentes na pele. Esse ponto de partida é fundamental para a compreensão do
nascimento e da produção da tatuagem atual. Será também este um espaço de
discussão sobre o papel da tatuagem como instrumento de comunicação e sobre
como essa prática se estrutura de maneira possibilitar seu entendimento como
linguagem. Ainda podemos analisar a visão do corpo como mídia, capaz de suportar
elementos de produção de sentido.
A relação da tatuagem com os conceitos de gênero e sua função em grupos
humanos serão abordados no segundo capítulo. Além da sua relação direta com
composição identitária do sujeito tatuado, a tatuagem é muito mais do que um adorno
na pele. Ela cria situações claramente relacionadas a representação social. Já o
terceiro capítulo é dedicado a explicar o que é o Instagram e como se percebe a
tatuagem quando em uma fotografia.
Diante dessas abordagens, será observado onde as teorias e hipóteses se
cruzam com a prática real da tatuagem. Isso será feito através da análise das
fotografias disponíveis em perfis de tatuadores pernambucanos. Essa etapa ficará
responsável de exemplificar argumentos e ressaltar pontos importantes sobre a
produção da tatuagem nos homens e nas mulheres. Temos assim, como objetivo geral
da pesquisa, relacionar a bibliografia sobre o tema com a produção real da tatuagem
nesses perfis, a ponto de compreender onde é possível observar e problematizar
questões de gênero nessas marcas.
Esse trabalho de conclusão de curso foi realizado em caráter bibliográfico
juntamente com análise qualitativa; consistido em revisão bibliográfica, leitura de
livros, artigos científicos, teses, dissertações e análise de imagens de tatuagens
obtidas em perfis de tatuadores pernambucanos.
Nos últimos anos, crescem os estudos e publicações relacionados às
produções estéticas modernas e ao gênero, portanto esta pesquisa visa relacionar os
dois estudos em um cenário que identifica a tatuagem como um instrumento de
12
comunicação dotado de sentidos de gêneros, mesmo em um espaço onde cada dia
mais surgem variações desses conceitos. Dessa forma, o estudo sobre os sentidos
de gênero na tatuagem necessita de atualizações e recorte temático específico para
conferir a consistência entre a relação tatuagem-comunicação-gênero nos dias atuais.
Também colaborando com a ampliação da literatura em torno da relação tatuagem-
comunicação-gênero, abrindo caminhos para uma qualificada compreensão sobre
esse processo semiológico por meio de um estudo analítico entre a bibliografia
atualizada e a produção da tatuagem em perfis de tatuadores pernambucanos.
Particularmente, o interesse pelo estudo da tatuagem nasce a partir da
percepção da abundância de temas que podem ser abordados diante desse sistema
de signos que cada vez mais se estrutura conceitualmente como uma linguagem. Ao
considerar a produção e efeitos das marcas na pele, como uma manifestação cultural
e social, ao campo da comunicação, essa relação permite uma enriquecedora e
satisfatória composição de um saber acadêmico voltado a servir para futuros
estudiosos das áreas de comunicação e produções estéticas socioculturais modernas.
13
1.1 OBJETIVOS
14
2. TATUAGEM: DO ARCAICO AO MODERNO
Lise et al. (2009) assumem que essas marcações ornamentarias da pele são
observadas em múmias de pessoas que viveram entre 2000 e 4000 anos atrás,
entretanto essa prática pode ser encontrada antes mesmo desse período. De acordo
com Novak (2012):
No caso de Amunet, Novak (2012) ainda diz que não foram encontradas
evidências entre as inscrições no corpo dela e a mitologia egípcia ou suas possíveis
práticas como sacerdotisa na cultura que ela vivenciou. Mesmo assim, é preciso levar
em consideração que outros corpos mumificados supostamente dessa mesma época
e período também apresentam inscrições semelhantes, o que aponta para o fato de
que essas linhas e pontos marcados não estão nesses corpos por acaso.
Até então, a marcas na pele dessas múmias não apresentavam forma
complexas, se constituíam de pequenos pontos, traços curtos e finos, e a mínima
relação entre esses signos não era capaz de transmitir a ideia de que essas formas
geométricas podiam constituir alguma representação imagética ou mesmo algum tipo
de desenho. Essa característica só começa a ser observada em múmias que viveram
aparentemente por volta de 400 anos a. C., no Egito. É nesse período que se percebe
as primeiras representações imagéticas aplicadas à pele de modo permanente. As
imagens encontradas nessas múmias referem-se ao desenho de Bes, o deus das
17
festividades, que “tanto em tatuagens como em vasos e estelas (corpos não humanos)
é representado como um anão – cuja aparência lembra a de um macaco -, vestindo
pele animal” (NOVAK, 2012, p. 33). É relevante citar também que esses desenhos
representando Bes aparecem nas coxas das múmias de dançarinas e músicos.
Ainda segundo a autora, além desse caso, também é possível encontrar imagens
de animais selvagens e seres da mitologia tatuados em múmias do povo Cita,
nômades siberianos que supostamente viveram em uma época próxima às múmias
egípcias que possuem a representação de Bes na pele (cerca de 100 anos de
diferença entre um caso e o outro). Nota-se, portanto, que a produção da prática de
marcar a pele em meados de 2.500 já difere muito do que é observado nas múmias
mais antigas, como Ötzi. Novak denomina esse fenômeno como a tendência pela
“complexificação” da tatuagem (NOVAK, 2012)
A pesquisadora ainda cita em seus estudos outros dois tipos de ornamentações
permanentes na pele, dessa vez observadas em indivíduos vivos. O primeiro caso se
refere ao povo lapita.
1
. O termo “tatuagem” está entre aspas pois não existe uma definição para o termo quando na cultura
lapita. É preciso esclarecer que o termo “tatuagem” só surge em 1769, através de James Cook. Outros
casos como esse serão encontrados na fundamentação teórica desta pesquisa, quando se referir a
necessidade de usar o termo “tatuagem” como referencial para a prática citada.
18
Handy esteve sempre muito próxima dos nativos para realizar suas
pesquisas. Em uma ocasião, um tatuador (tuhuna patu tiki, como eram
chamados os profissionais da tatuagem) esclareceu que as figuras criadas
para tatuagens são diferentes das que ornamentam objetos, pois seria
inconveniente, por exemplo, comer em uma tigela estampada com imagens
criadas para o corpo. (NOVAK, 2012, p. 29)
19
Em outros cenários da história é possível começar a perceber que a produção
da tatuagem começa a ser limitada devido as intervenções políticas, culturais e/ou
religiosas. Esse argumento leva a compreensão de que as estruturas sociais, ao se
desenvolverem, estipulam também valores e costumes aos seus indivíduos, criando
uma espécie de “norma” às práticas em uso. O corpo começa a sofrer restrições para
receber as marcas permanentes, de maneira a se notar que algumas regiões da
epiderme passam a ser compreendidas como espaços onde as tatuagens não são
observadas.
Até o século IV, era permitido que gladiadores e mineiros tatuassem as mãos
e os pés. Por outro lado, em imagens pintadas pelo ilustrador John White por
volta de 1590, nativos norteamericanos exibem tatuagens no corpo inteiro,
exceto nas mãos e no rosto. No diário escrito a bordo da embarcação
Endeavour, em 1769, Joseph Banks aponta que todo o corpo dos taitianos é
tatuado, exceto o rosto. (NOVAK, 2012, p. 30)
O termo tatuagem “deriva do taitiano ‘tau’ ou ‘tatau’, que significa ‘ferida, desenho
batido’. Trata-se de uma onomatopeia relacionada ao som produzido pelo instrumento
utilizado para bater no tronco oco” (LISE et, al., 2010, p. 623). Já o termo inglês
“tattoo”, segundo os autores, foi introduzido pelo explorador inglês James Cook, em
1769; e posteriormente traduzido para várias línguas: tattowierung (alemão);
tattuaggio (italiano); tatouage (francês); tattooing (inglês moderno); e tatuagem
(português). É importante ressaltar que a tatuagem não foi conhecida a partir desse
termo na maior parte da sua história. “Antes de ser chamada de tattoo (ou similar), a
prática foi mencionada em registros escritos no Egito e nas civilizações greco-
romanas sob outras denominações” (NOVAK, 2012, p. 40).
Novak (2012) também cita o curioso fato de que Cook foi responsável pela
disseminação da tatuagem entre membros da nobreza europeia. Segundo a autora, a
tatuagem se popularizou nos portos britânicos através do seu alto índice de aceitação
por parte dos marinheiros. Esse fenômeno despertou o interesse dos nobres.
Outra manifestação importante da tatuagem que não pode deixar de ser citada
ocorreu no Japão. No século XVII, a tatuagem se populariza no Japão de modo
20
decorativo, depois de um período de proibição e negação que durou séculos. Esse
modo de fazer japonês do tatuar é um ponto muito relevante para a história da
tatuagem, uma vez que ela se consolida no país como uma prática que transmite
status, beleza e classe em ordens coletivas.
21
corpos dos marinheiros (no período que marca a expansão do comércio marítimo e
da estruturação dos grandes mercados e lógicas mercantis), a tatuagem começa a
dar indícios do seu papel comercial em sua história, fenômeno esse que tem sua
explosão com o desenvolvimento da indústria em várias regiões do mundo.
2
Essa modelização da tatuagem como aspecto de diferenciação de gênero nos povos nativos das Ilhas Marquesas
é explicada com mais detalhes no capítulo “Performance de gênero”.
22
fundamentais para a popularização da tatuagem no mundo todo, é preciso também
levantar uma questão: por que alguém se tatua?
Observa-se que no caso das múmias Ötzi e Amunet, as marcas na pele
condizem a uma situação possivelmente terapêutica ou relacionadas à pratica cultural
e religiosa, tendo alguma relação com uma possível busca por uma cura, equilíbrio ou
conexão com alguma ideologia divina ou mesmo mitológica. Essa afirmação já
evidencia a causa da “tatuagem” nesses corpos. No caso dos povos das Ilhas
Marquesas e das Ilhas da Melanésia é evidente o fato de que a prática da
ornamentação da pele é algo resultante das práticas culturais e sociais.
Em alguns povos, a marcação da pele de forma permanente se constitui um
processo extremamente doloroso. Há indícios de culturas em que a “tatuagem” era
feita em conjunto com cortes ou até mesmo queimaduras causadas (e esse tipo de
prática ainda existe, mas obviamente é realizada por pequenas parcelas da
população, uma vez que as culturas tradicionais e nativas diminuem cada vez mais
no cenário moderno). A relação com a dor é, em alguns casos, um dos fatores
fundamentais da motivação da tatuagem em alguns povos. É possível exemplificar
como um desses povos, os nativos de Samoa, na Oceania, onde a tatuagem é
sinônimo de bravura:
Outro caso onde fica evidente que a prática da “tatuagem” condiz, na verdade, a
uma condição para o convívio social é o povo maori:
23
A importante questão que se pode abordar nesse capítulo não diz respeito a
esses povos, quando há um contexto onde a prática de marcar a pele se baseia
estritamente (e obrigatório em alguns casos) em preceitos terapêuticos, religiosos,
culturais ou sociais, mas quando a tatuagem – através dos processos técnicos, e o
seu uso começar a constituir a representação da identidade do sujeito – começa a ser
reconhecida como um processo estético, de composição visual e de identidade em
um âmbito de liberdade para se marcar.
Antes desse processo, é preciso compreender que a prática de possuir marcas
permanentes na pele e outros adornos, em alguns povos, mesmo que sobre a
obrigação ou influência social, já podia ser entendida como também uma
manifestação de identidade. A pesquisadora Rafaela Melo, em seus estudos
realizados pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília, em 2007, aponta argumentos
para esse fenômeno. Segundo a autora, “a insatisfação com a aparência dentro de
culturas exóticas leva o homem ao auto-embelezamento, usando a tatuagem como
um fator de diferenciação.” (MELO, 2007, p.13). Araújo (2006) aponta de forma mais
detalhada esse processo, ao exemplificar que não só as tatuagens como outros
adornos, como piercings, são como uma “carteira de identidade” nas sociedades
tradicionais, de forma a transmitir características de um povo, nível hierárquico e
reconhecimento de tribo ou clã, apenas ao olhar tais pontos da composição visual do
indivíduo.
A autora do livro “O corpo como suporte da arte: piercing, implante, escarificação,
tatuagem”, Beatriz Ferreira Pires (2005), traz argumentos sobre a motivação da
tatuagem onde não há obrigação social, cultural ou influência externa. Ou seja,
quando a produção, signo escolhido, forma e local da tatuagem são resultados da
decisão não compulsória do sujeito. Ela afirma que na sociedade atual, as pessoas se
tatuam não por uma iniciativa social, mas pessoal; e, apesar da sociedade não ser
capaz de impor esse tipo de produção na pele, o indivíduo a adquire quando se sente
preparado para possuí-la (PIRES, 2005).
Diante dessa afirmação, nota-se que um indivíduo, atualmente, quando faz uso
de sua própria liberdade física, ideológica e cultural, assume total autoria das práticas
que correspondem a estética do seu corpo. Essa “liberdade” de produção, além de
fundamental para a percepção da tatuagem como um fenômeno social como pode ser
visto hoje, também traz para o seu contexto elementos de áreas em que pode se
24
referenciar, por exemplo a mídia, o entretenimento e até mesmo a publicidade. Além
de abrir espaços para a criação de gêneros estéticos da tatuagem3.
3
É sob essa perspectiva que se observa, por exemplo, a tatuagem japonesa hoje em dia. A prática extensa e
detalhada da tatuagem japonesa, como observada no período da sua popularização no Japão no século XIX,
acabou se tornando um gênero da tatuagem até hoje muito usado por praticantes da tatuagem.
25
apresentação pode ser alterada – de forma a modificar seu sentido ou transformá-lo
completamente – ou mesmo extinguida.
Por fim, é observado que atualmente a tatuagem assumiu um outro status,
atribuindo valores de distinção para os seus portadores diferente de como acontecia
e acontece com povos nativos e tradicionais. Por exemplo, a tatuagem hoje não é um
fator de diferenciação hierárquica ou de sexualidades. Ela sempre possibilitou a
distinção do sujeito tatuado, mas de maneiras diferentes em contextos, regiões e
períodos históricos. Sob essa perspectiva de que a tatuagem passou por um momento
de ressignificação no cenário social moderno graças ao desenvolvimento tecnológico
da sua prática, sua relação com produções da indústria do entretenimento, a sua
observância nas mídias de massa e digitais, além de outros meios, é importante ter a
compreensão de que uma marca na pele sempre assumiu significados, seja em suas
primeiras representações percebidas historicamente ou em seu contexto atual.
27
animal tão complexa quanto são complexas e plurais as linguagens que nos
constituem como seres simbólicos, isto é, seres de linguagem. (SANTAELLA,
1983, p. 10)
O autor considera o corpo uma “mídia primária”, aquela que se faz presencial,
tendo limitações de espaço e tempo muito restritas, fechadas ao “aqui e agora”. O
autor sugere que mesmo que existam mídias secundárias (com o espaço como limite
– livros, esculturas, cinema; que exigem a presença física do interlocutor para realizar
comunicação) e mídias terciárias (que transmitem os sinais sem necessidade de
suporte e necessitam de meios e equipamentos de transmissão de mensagens, como
a internet e televisão que podem transmitir mensagens fragmentadas), “a mídia
primária é o começo e o fim, sempre, de todo processo de comunicação" (BAITELLO
JUNIOR, 2005, p. 34).
Diante disso, é preciso então compreender que o corpo, para além do seu
potencial comunicativo, pode ter essa capacidade ampliada através do uso de
28
produções humanas e alterações comportamentais e estéticas, características essas
encontradas em todos os povos. Melo (2007) afirma que:
Em seu trabalho monográfico, Melo (2007) traz também uma citação da psicóloga
clínica, Maria Luíza Aparecida Curti, em um artigo publicado no site Domínio Feminino,
em 12 de abril de 2002:
“Penso que a tatuagem, seja ela qual for, encerra mensagens e quem a
“comete”, a faz para o outro. Se fosse para si mesmo, ninguém a faria nas
costas, no pescoço ou em qualquer outro lugar onde ela própria não pudesse
ver, porém, se está apenas transmitindo mensagens, não há necessidade de
enxergá-la.” (CURTI, 2002, apud Melo, 2007, p. 11)
A conclusão de Melo (2007) é a de que tatuagem, por ser um signo, uma forma
de comunicação muitas vezes inconsciente, permite que o desenho tatuado seja um
símbolo codificado. Uma espécie de “segredo visível”. (MELO, 2007, p. 11)
Exemplificando esse processo, podemos citar Pierce. O filósofo e linguista assume
em seu livro “Semiótica” (2000) que “a única maneira de comunicar diretamente uma
idéia é através de um ícone; e todo método de comunicação indireta de uma idéia
deve depender, para ser estabelecido, do uso de um ícone” (PIERCE, 2000, p. 64).
Melo (2007) argumenta que, mesmo que o indivíduo não saiba o motivo do símbolo
que ele escolheu para tatuar, de certeza existe uma identificação desse indivíduo com
esse ícone. “É uma forma inconsciente de mostrar aos outros um gosto pessoal”
(MELO, 2007, p. 19).
Esse ícone, quando analisado sobre a tatuagem, se constitui de um objeto
material: a tinta, disposta em formas na pele. A prática de se tatuar nada mais é do
que a técnica de inscrever de forma permanente na epiderme humana utilizando
pigmentação. Essa afirmação dá a tatuagem a característica de materialidade. Sobre
esse assunto, Novak (2012) afirma que:
29
características aparentes, é a materialidade da informação traduzida em
códigos próprios da tatuagem. (NOVAK, 2012, p. 32,33)
30
Embora a tatuagem não seja um texto limitado à função comunicativa na
cultura, os processos semióticos que a codificam podem passar por desvios
que podem ser construtivos ou prejudiciais. Na recodificação de uma pintura,
por exemplo, para torná-la um desenho tatuado, o tatuador age como um
tradutor de linguagens contínuas. A ação de tatuar recodifica os códigos
presentes na obra de arte para transmitir a informação contida nela, porém o
tatuador precisa reproduzir a imagem que foi concebida para a pintura, com
seus materiais e técnicas específicos. O tatuador necessariamente realiza
"desvios", pois não utiliza tinta acrílica, nem pincel, nem tela. Assim, quanto
à técnica da tatuagem, os ruídos produzidos na semiose provam que a
tradução entre linguagens contínuas nem sempre gera perda de sentido.
Porém, quando o desvio ultrapassa o nível técnico e atinge o nível da
informação que perpassa as linguagens em tradução, o ruído pode
comprometer as funções do texto da tatuagem. Toma-se como exemplo a
tatuagem que recorre ao código verbal, na qual a omissão ou a modificação
formal de um caractere pode distorcer todo o texto em semiose, tornando
ininteligível ou confusa, para o observador, a informação que se pretendia
comunicar através da tatuagem. (NOVAK, 2012, p. 59)
Portanto fica claro que, seja em qualquer contexto de qualquer cultura (território,
religião, período histórico, política, interesses sociais, causas, etc.), a tatuagem pode
ser compreendida como um texto dotado de propriedades definidas por matéria,
suporte e técnica. É mídia primária, é meio de comunicação, é arte, é memória, é
símbolo, ícone e texto.
31
“a tatuagem mobiliza olhares, reflete sentimentos, classifica e ordena subjetivamente
o fluxo intermitente de indivíduos que lhe servem de tela e que nela buscam distinções
simbólicas” (SABINO E LUZ, 2006, p. 252).
Para Pires (2005), a tatuagem é uma linguagem codificada que se baseia
fundamentalmente nos signos que apresenta em sua estrutura (significado, maneira
como foi feita, cores, etc), a partir do exercício da busca por referências.
Quando Braga (2009) diz que gênero é tudo o que é falado, escrito ou
desenhado, a maneira como isso é feito e a forma que é dada ao texto, podemos
entender a tatuagem também como um gênero textual/discursivo. O pesquisador é
conhecido por explorar a tatuagem (seja grafismo, desenho ou aforismo) como gênero
32
virtual, não verbal. Justificando a expressão “não-verbal” para imprimir a ideia de que
“mesmo quando a palavra se constitui tatuagem seu campo de significação pode
mudar ou ser ampliado, ou seja, deixa de significar apenas como palavra” (BRAGA,
2009, p. 136). Segundo Ribeiro e Pinto (2013):
Esse trecho dos estudos de Novak (2012) evidencia com clareza a relação da
tatuagem com o processo de decodificação da linguagem que ela estrutura no cenário
cultural. Fica claro compreender que somente quem faz parte dessas estruturas
33
sociais consegue entender os significados da tatuagem. Se um estrangeiro, em um
primeiro contato com os nativos de Samoa, se deparar com as “tatuagens” desse
povo, certamente ele não saberá o que elas representam quanto a sua função de
definir hierarquia e sexo, por exemplo. Ela ainda comenta:
Dessa forma, conclui-se que a tatuagem pode ser compreendida, dentro das
sociedades, como linguagem (pelo seu processo de estruturação quanto aos sistemas
de decodificação possíveis e por gerar condições de construção de identidade pessoal
e coletiva, que por sua vez, serão traduzidas por um indivíduo observador) e portanto
gênero (por compor características que criam uma espécie de “tipologia” das
tatuagens dentro do seu próprio universo).
34
3. SEXO, GÊNERO E IDENTIDADE: UNIVERSO DA TATTOO
Nas ilhas Marquesas, Langsdorff (1813, apud Gilbert, 2000) observou que as
tatuagens costumavam ser mais extensas do que em outras tribos, cobrindo
o rosto, as mãos, os pés e os dedos. Os desenhos tatuados consistiam em
formas geométricas que cobriam o corpo inteiro dos homens, enquanto nas
mulheres se localizavam nas mãos e nos pés. Assim, nessa cultura, as
porções de corpo tatuadas realçam a ideia dicotômica de gênero (feminino e
masculino), elencando a sexualidade como um sistema modelizante da
tatuagem. (GILBERT, 2000, apud NOVAK, 2012, p. 30)
4
Como já citado, Novak (2012) ainda afirma, em seus estudos outras modelizações da tatuagem encontrada
em alguns povos das Ilhas do Pacífico, como a tatuagem mediada por idade, posição hierárquica ou função
social, por exemplo.
35
constituía prova de hombridade, de forma que os homens desprovidos de
tatuagens seriam repelidos pela comunidade. (NOVAK, 2012, p. 31)
36
Assim, podemos considerar o corpo humano como vitrines de diferença
sexual, não por suas disposições biológicas apenas, mas socialmente construídas.
Ainda segundo ele, a força simbólica que a sociedade exerce sobre o indivíduo, exerce
também sobre os corpos. Dessa maneira, os corpos femininos e masculinos se
diferenciam quanto a uma série de movimentos, posições e posturas que traduzem as
diferenças pensadas e construídas sobre os gêneros.
Para Butler (2003), sexo é uma constatação natural e gênero é uma
construção social. A forma como uma pessoa se apresenta na sociedade não condiz
com as características do seu sexo, mas com o conjunto de elementos que a
sociedade atribui ao mesmo. A autora afirma que o gênero, durante a história das
sociedades, nem sempre se fez coerente com o sexo diante do seu contexto histórico
“porque o gênero estabelece interseções com modalidades raciais, classistas, étnicas,
sexuais e regionais de identidades discursivamente constituídas” (BUTLER, 2003, p.
20). Diante dessa constatação, Butler (2003) afirma que a “cultura se torna destino”.
De modo simplificado, argumenta que ninguém nasce homem ou mulher quando se
trata de gênero, mas traz para si, no decorrer do seu desenvolvimento pessoal,
interativo e de identidade, essas concepções que estão estabelecidas na sociedade e
na cultura que ela vivencia.
Um dos conceitos mais conhecidos e marcantes da filósofa estadunidense diz
respeito a performatividade do gênero. Como o termo já supõe, Butler (2003) afirma
que o gênero de um indivíduo se constitui de performance, ainda que o mesmo não
possua consciência de que está transmitindo informações do gênero com o qual se
identifica através de vários aspectos do seu comportamento e composição visual. Por
exemplo, o jeito como anda, como se veste, como fala e, consequentemente, como
se tatua.
Sob essa visão, é possível compreender o gênero como um conjunto de atos
que se repetem em um círculo regulatório de práticas sociais e estéticas altamente
rígidas, onde a identidade é resultado das expressões capazes de serem enxergadas.
Dessa maneira é criada uma espécie de padrão de gênero, que é o que a sociedade
enxerga atualmente como o universo masculino e o feminino.
Essa perspectiva da autora pode causar em muitos a sensação de que o seu
próprio gênero seria algo falso, constituído por questões sociais e não divinas (como
no caso dos cristãos que assumem que “Deus fez o homem e a mulher/ Adão e Eva”)
37
ou até mesmo biológicas (por afirmar que o sexo natural não possui relação com as
práticas do gênero das quais o indivíduo se utiliza). Entretanto, Butler (2003) diz que
um sujeito pode se identificar com essas práticas e elas construírem sua
personalidade e identidade, através da relação sexo-gênero-desejo. Quando o sujeito
se identifica conscientemente e voluntariamente nessa tríade, ele compõe sua
identidade.
A ideia de performatividade do gênero fica mais evidente ainda se analisarmos
a produção da composição estética quando voltada a destacar características de um
gênero específico. É o que acontece quando analisamos o fenômeno drag, homens
(de qualquer orientação sexual) que se “produzem” como mulheres por diversos
propósitos, como profissional ou mesmo por lazer, por exemplo. Nesses casos, o
indivíduo procura no conhecimento do “inventário feminino” peças, itens e trejeitos que
lhe auxiliem a se apresentar como pertencente ao gênero feminino. Essa “mecânica”
de representação evidencia que o ser humano cria repertórios de gênero, onde buscar
referências para atuar ou observar a masculinidade e a feminilidade.
38
identidade dentro do cenário em que as experiências são alcançadas. Segundo
Berger e Luckmann (2012):
39
como será sua representação imagética (objetiva ou mesmo subjetiva), é possível
imaginar que tais precedentes podem se basear na exemplificação ou nas abordagens
já experimentadas pelos indivíduos que a cogitam realizá-la. Em termos simples,
pode-se entender que existe uma relação entre o signo que será tatuado com os
fatores coletivos do sujeito, como gêneros, raças, posições em um grupo, etc. Ao
determinar limites para os seus significantes, tendo como resultado a composição de
um sentido, a tatuagem opera tanto para quem se tatua quanto para quem observa.
Se analisarmos novamente a “tatuagem” como uma prática com fins
terapêuticos ou medicinais, como se supõe que tenha acontecido há milhares de ano
no Egito, a produção do sentido pode ser exemplificada de forma clara. As marcas na
pele evidenciam que a “tatuagem”, nesses casos, funcionavam como intermédio entre
o plano real e a possibilidade de cura, seja pela capacidade humana ou divina. As
marcas na pele, nessa situação, funcionam como estratégia do indivíduo de
estabelecer uma possibilidade de cura ou satisfação, como uma trajetória até uma
recompensa, pois provavelmente, em sua cultura, esse tipo de prática gerava um
sentido completo suficiente para resultar nesse tipo de alteração física. Atualmente, a
produção da tatuagem é muito mais complexa, assim como os sentidos que gera.
Quando Novak (2012) diz que a tatuagem é um fenômeno que comunica uma
condição muito mais ampla do que a estruturalidade do texto cultural pode
corresponder, ela afirma que a tatuagem suporta uma função importante no consumo
de sentido em sociedade, pois transmite algo “digno de ser memorizado e
exteriorizado através da pele, na vida das pessoas que carregam tatuagens em seus
corpos. A tatuagem, nesse nível coletivo, gera sentido porque há uma porção de
pessoas que não se tatua” (NOVAK, 2012, p. 58).
Se voltarmos a pensar a tatuagem como gênero e considerarmos que
Bazerman (2009) entende como gênero os fatos sociais sobre os tipos de atos de fala
que as pessoas podem realizar e sobre os modos como elas os realizam, os gêneros
“emergem nos processos sociais em que pessoas tentam compreender umas às
outras suficientemente bem para coordenar atividades e compartilhar significados com
vistas a seus propósitos” (BAZERMAN, 2009, p. 31), a tatuagem pode ser considerada
um ponto de sentido entre as interações humanas. Sobre a produção atual da
tatuagem, Novak (2012) afirma:
40
Nas culturas contemporâneas ocidentais, a tatuagem ganhou visibilidade ao
sofrer modelização do sistema da moda. Em diversas culturas, a tatuagem é
percebida como uma cultura externa, peculiar, cuja linguagem se manifesta
nos textos da moda (mesmo os textos da contracultura, que de certa forma
também participam da moda). Textos que se pretendem inovadores em
algum sentido, isto é, textos modernos em relação à conjuntura do seu tempo,
traduzem textos da tatuagem, embora ela seja uma prática milenar 5. Assim,
movimentos sociais que buscam modernizar uma cultura, inserindo nela
elementos externos (de não-cultura e de anti-cultura, entre as quais a cultura
da tatuagem), se apropriam da prática de tatuar-se, diferenciam- se
coletivamente conforme os gêneros de tatuagem que caracterizam cada
grupo, e com isso modelizam o sistema semiótico da tatuagem de tal forma
que o próprio sistema se torna um signo - portador de significado integral -
naquela cultura. (NOVAK, 2012, p. 54)
5
Nesse trecho, Novak compara a prática da tatuagem da atualidade com a prática de marcação permanente na
pele observada em múmias do Antigo Egito. Essa relação é equivocada, pois por mais que elas se baseiem na
mesma prática de inserir pigmentos na pele, o contexto inteiro muda de uma situação para outra. A tatuagem
moderna não remete contextualmente, tecnicamente nem em relação ao sentido proposto nas marcas
observadas em Ötzi e Amunet, ou mesmo em outras situações, como no caso dos nativos das Ilhas do Pacífico.
Uma pessoa hoje, ao observar uma tatuagem no seu dia a dia, não estabelece, por exemplo relação dessas
marcas com um ritual divino ou mesmo hierárquico.
41
Os desenhos funcionavam como nomes próprios, possuíam um alto efeito de
memorização e eram reproduzidos como assinatura pessoal. Únicas em cada
indivíduo maori, mas semelhantes em sua técnica.
Ramos (2001), em sua tese de doutorado denominada Teorias da tatuagem:
corpo tatuado - uma análise da loja Stoppa Tattoo da Pedra, traz a análise das “novas
tribos” para mapear o fenômeno da tatuagem dentro das sociedades urbanas
modernas. A autora encontra em seus estudos o aparecimento evidente das
tatuagens em grupos de contracultura surgidos nos anos 60, “[...] Hippies, Punks, ou
Choppers – prenunciavam uma nova individualização, priorizado a liberdade política,
social e, principalmente, corporal” (RAMOS, 2001, p. 122). As tatuagens, dessa
maneira, agiam como vozes desses grupos para externar seus posicionamentos e
ideias à sociedade. Para Melo (2007), esse tipo de ação é completamente plausível.
A autora afirma que “ao mesmo tempo em que este quer ser reconhecido pela
singularidade, quer também sentir-se inserido em um grupo social por meio de
semelhanças. (MELO, 2007, p.13).
Um exemplo das afirmações acima, observando a tatuagem enquanto uma
prática de composição de identidade e transmissão de ideais, é supor que um cidadão
pacifista provavelmente nunca tatuará o símbolo da suástica nazista em sua pele. O
significado e sentido dessa marca não condiz com os ideais do indivíduo, o que
possivelmente afasta esse símbolo da composição visual que ele busca para si. No
senso comum, por exemplo, talvez seja mais compreensível que este indivíduo tatue
uma pomba branca, pois trata-se de uma convenção social e histórica (e até mesmo
da mitologia cristã) que esse símbolo referencie a paz e a harmonia. Diante desse
exemplo, portanto, já se observa que a prática da tatuagem se manifesta de uma
maneira para um conjunto de valores, e de outra forma para outro conjunto.
No século XX, a tatuagem passou a ser obrigatória entre os militares da
Inglaterra, que precisavam tatuar o brasão da sua divisão como demonstração de
engajamento para com a sua equipe. Esse fato curioso especifica que, em alguns
casos (mesmo que obrigatórios, como no caso desses militares), um mesmo signo ou
estilo pode ser recorrente em um coletivo humano. Compreender a tatuagem como
um processo cultural, requer relacionar essa prática com as outras práticas que o
indivíduo escolhe em seu contexto de cultura, o que nos leva a ideia de que os signos
tatuados têm relação direta com o “quem sou?” do indivíduo e “como me apresento?”.
42
Pierce (2000) afirma que o processo de dedução humana é um argumento
compulsório que se baseia, positivamente, na conclusão e admissão da sua
representação como um fato (para o indivíduo), mesmo que se constitua ícone. Essa
ideia é abordada por Melo (2007), que chega a exemplificar esse conceito ao assumir
que “ao olhar uma tatuagem com um desenho de uma Santa, deduzimos que a pessoa
tatuada seja religiosa, mas, se o desenho for de um monstro ou algo sombrio, logo
podemos deduzir que a pessoa seja agressiva.” (MELO, 2007, p. 12). Esse tipo de
observação é muito importante para estudiosos que pretendem analisar os discursos
das produções estéticas humanas, principalmente a tatuagem. Villaça, Góes e
Kosovski (2006) também possuem trabalho que reafirma esse argumento.
Com uma visão filosófica, os autores ainda argumentam que o homem tem uma
relação problemática com a própria imagem. Isso é responsável por fazê-lo retocar
seu corpo de múltiplas maneiras, seja por tatuagens, maquiagem, vestimentas,
cirurgias plásticas, ou mesmo mutilações e deformações.
Ribeiro e Pinto (2013), acrescentam a esse contexto alguns dos possíveis
motivos para se realizar uma tatuagem no século XXI. Segundo os autores, as
tatuagens podem ser motivadas por “puro modismo, inserção em determinado grupo,
homenagem, para expressar suas preferências, reforçar atitudes, religiosidade,
crenças, devoção, embelezamento, e estabelecer relações entre pessoas e ideais.”
(RIBEIRO E PINTO, 2013, p. 01). Essa última motivação, citada pelos autores,
exemplifica o uso da tatuagem como uma produção de identificação de coletivos
humanos.
43
Voltando a citar a conhecida organização criminosa japonesa yakuza, é
observado que a tatuagem serve como um instrumento de identificação e união entre
os seus membros, assim como uma prova de coragem e lealdade. Essa posição da
tatuagem como um aspecto em comum entre membros de coletivos humanos incita
também outra questão: existe uma coleção de temas ou características que
influenciam no resultado simbólico da tatuagem nesse tipo de relação entre os seus
portadores?
Antes de chegar a essa resposta, é preciso refletir um pouco sobre o conceito
de representação social. Esse termo, retirado da psicologia social, auxilia na
compreensão do que propõe esse capítulo quanto a construção da identidade do
indivíduo e como ele se utiliza dela para se manifestar e interagir com outras pessoas.
Para Moscovici (2003), o ato de representar, resumidamente, significa trazer o que
está ausente e apresentar coisas da maneira a satisfazer as condições de uma
coerência argumentativa, da racionalidade e da integridade normativa do grupo
(MOSCOVICI, 2003). No livro Representações sociais, de Moscovici (2003), é
possível encontrar discussões fundamentais para a compreensão do que é
representação social e como a tatuagem pode ser entendida nesse contexto.
44
mulheres e de homens apresentam tatuagens que acentuam as diferenças de gênero,
marcando sexualidades.” (NOVAK, 2012, p. 32)
Melo (2007) também traz esse argumento. A pesquisadora assume que quando
uma pessoa decide se tatuar (em um cenário moderno, onde seu corpo é livre e a
prática da tatuagem não remete a nenhum tipo de obrigação), essa ação implica em
uma estética que relaciona vários valores dentro dos conceitos sociais. Além disso, a
escolha dos signos que vão compor a tatuagem e o local onde tatuado podem não
mostrar somente a autonomia desse indivíduo, mas parte da representação para qual
o mesmo queira transmitir através do signo. Goffman (2014) afirma que:
Sobre esse argumento, de que o ser humano sempre está buscando construir
ou concretizar a sua identidade, as tatuagens podem ser observadas como um
instrumento nessa estratégia, pois além de serem usadas como representação de si
(vontades, desejos, ideais e até mesmo sua profissão ou hobbie), a tatuagem ajuda a
compor a singularidade de grupos ou mesmo do grande grupo “tatuados”, que se
refere as pessoas que se tatuam, de qualquer que seja a maneira que elas realizem
essa prática.
45
4. A IMAGEM DA TATUAGEM
Esse capítulo tem como objetivo responder duas questões fundamentais para a
análise que essa pesquisa propõe: O que é o Instagram e como as fotografias da
tatuagem podem analisadas enquanto fenômeno semiótico e social.
O Instagram, na verdade, é uma rede social que serve para nós postarmos
fotos. E como tal, podemos seguir outros membros e ser seguido por eles. As
fotos que postamos, possuem a opção “Curtir” e “Comentar”, para que outros
usuários digam o que acharam da imagem. A rede social foi criada em
outubro de 2010 pela dupla Kevin Systrom e Yosyp Shvab. Inicialmente, ela
era restrita apenas para usuários de iPhone, já que o aplicativo só era
compatível com o sistema iOS, da Apple. Em abril de 2012, porém, foi lançado
o aplicativo do Instagram para Android e, mais recentemente, o Facebook
adquiriu o Instagram por 1 bilhão de dólares! Com isso, a quantidade de
usuários da rede social cresceu exponencialmente. (GUIA DO PC, 2012)
Recuero (2005) vai mais além nessa definição. Para ela, uma rede social não é
apenas um espaço para postarmos algo, seguir e sermos seguidos. Essa visão traz
uma perspectiva muito limitada das interações possíveis numa rede virtual. A autora
considera como capital social o conteúdo transmitido em nessas redes.
O conteúdo de uma relação social refere-se àquilo que é trocado pelos pares
envolvidos nos processos de interação. A direção é entendida como uma
relação que pode ser dirigida a alguém específico ou ao grupo como um todo.
Por fim, o conteúdo de uma relação é aquilo que é trocado entre os pares
46
através das interações sociais, como a quantidade de informação,
sentimento, suporte, conhecimento e etc. (RECUERO, 2005, p. 02)
48
5. METODOLOGIA
Nessa etapa, serão feitas considerações sobre a seleção das imagens que serão
analisadas, o contexto no qual elas se fazem, a seleção propriamente dita e análise
dessas imagens e tatuagens, se utilizando de aspectos observados e aplicação de
aporte teórico comparativo.
50
6.2 IMAGENS SELECIONADAS
PERFIL 1: @rafamedeirostattostudio
Figura 1: Homem / Figura 2: Mulher / Figura 3: Mulher / Figura 4: Mulher /Figura 5: Mulher
PERFIL 2: @skazxim
Figura 1: Mulher / Figura 2: Homem / Figura 3: Homem / Figura 4: Mulher /Figura 5: Homem
51
PERFIL 3: @evertonirado
Figura 1: Homem / Figura 2: Homem / Figura 3: Mulher / Figura 4: Homem /Figura 5: Mulher
52
por Andrea Osório (2005), através de observação e análises em estúdios de tatuagem
do Rio de Janeiro, sobre os locais das tatuagens no corpo do homem e da mulher:
53
Deste modo, ao se servir do seu próprio corpo, a mulher tatuada, ao menos
neste caso específico, naturaliza uma ética estruturada culturalmente que a
constrói como ser-para-o-outro. A tatuagem parece então surgir como uma
espécie de adorno que realça e sensualiza determinados dotes físicos,
conferindo e reiterando à portadora o poder (ou o contrapoder) e o quantum
da sua feminilidade, construída como complemento e contraposição à
masculinidade que a define em oposição a determinada sensualidade
masculina que reside na musculosidade diretamente ligada à figura do
homem senhor de sua força e de forças alheias. (LUZ E SABINO, 2006, p.
259)
54
É possível perceber algumas convenções sociais e de signos atribuídas ao sexo
feminino nas tatuagens dessas mulheres. Osório (2005) discute sobre essa coleção
temática dos símbolos que comumente são vistos nos corpos femininos.
55
cultivar mais do que nunca a sua masculinidade e a sua virilidade,
caracterizando também a primeira crise da identidade masculina” (SILVA,
2000)
56
pensarmos pelo lado feminino, a mulher também sofre imposições e influências na
composição da sua aparência e comportamento, mas a abordagem das questões
feministas, em busca de equilíbrio e igualdade entre os sexos e gêneros, vislumbra
uma “abertura” para as produções estéticas ao disseminar o fato de que o corpo da
mulher pertence a ela e a ela cabe usá-lo como bem entender. Além disso,
compreender a crise de identidade citada por Silva (2000) como um processo ainda
atual do pensamento masculino e sob o argumento de que há uma necessidade da
reafirmação constante da masculinidade do homem para com o seu gênero e o seu
papel nas instituições da qual ele faz parte, devido a questões sócio históricas, há
também o entendimento de que as mulheres trilham um caminho oposto, do momento
em que alcançaram o espaço público até os debates atuais sobre posição e igualdade
de gênero e sexo. Culturalmente falando, a mulher moderna e feminista vai em direção
contrária às imposições que delimitam a composição da sua aparência, o que a
permite adentrar no universo da tatuagem e as características dessa produção sem
descaracterizar seu gênero.
Um ponto interessante na análise das fotos em geral é que em 4 das 7 tatuagens
dos homens é possível observar imagens que representam ossada humana ou
animal. Na figura 2 do perfil 2, há a caixa craniana bovina. Nas fotos 1, 2 e 4 do perfil
3, observasse nas duas primeiras a imagem clara de um crânio humano (na primeira,
somente uma lateral desse crânio), e na última, a forma de um crânio se mescla com
a forma de uma maçã. Essa observação abre margem para a percepção também, de
que há mais referências concretas e completas a seres reais na tatuagem dos
homens, se consideramos a representação dos crânios como uma referência ao ser
em si. Por exemplo, em 6 das 7 imagens é possível enxergar essa referência. Isso só
não é possível de ser visto na tatuagem 3 do perfil 2, por se tratar apenas de um olho
e não uma referência humana completa, como parte de um rosto, por exemplo, como
na figura 5, também do perfil 2. Para as mulheres, essa referência (concreta e
completa) só pode ser vista na foto 1 do perfil 3, onde há uma composição parcial de
um rosto humano, e na foto 3 do mesmo perfil, onde é possível ver o desenho de um
elefante, a cabeça de uma girafa e um golfinho. Em todo os outros casos de imagens
da tatuagem nas mulheres não há referência há seres reais. Na figura 5 do perfil 1,
mostra-se a uma cauda de um ser ou animal aquático, mas não é possível distinguir
se a representação é de um peixe, sereia ou outra referência.
57
Sobre a coloração das imagens, no perfil 1, todas as tatuagens se utilizaram
somente de tons de preto. Fora desse perfil, somente a na figura 5 do perfil 3 é
possível reencontrar esse padrão. Em relação as tatuagens coloridas, não é claro
observar as influências das cores nos resultados que remetem à pele masculina e a
feminina. Desse modo, as cores usadas nas tatuagens, para os dois casos, parece
ser resultado de uma decisão meramente estética, sem relação – nessa análise – a
discussão sobre gênero.
58
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
60
8. REFERÊNCIAS
BRAGA, Sandro. A tatuagem como gênero: uma visão discursiva. In: Linguagem em
(Dis)curso – Lem D, v. 9, n. 1, p. 131-155, jan./abr. 2009. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ld/v9n1/a07v9n1>.
_________. Sociologia. (organizado por Renato Ortiz). São Paulo: Ática, 1983.
Lise MLZ, Cataldo Neto A, Gauer JGC, Dias HZJ, Pickering VL. Tatuagem: perfil e
discurso de pessoas com inscrição de marcas no corpo. An Bras Dermatol.
61
2010;85(5):631-8. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/abd/v85n5/v85n05a06.pdf>.
LUZ, Ana Rosa. O Teleologismo de Aristóteles: A Teoria das Virtudes à luz da Ética
a Nicômaco. Revistas UFRJ: Itaca 27, 2015. <Disponível em:
https://revistas.ufrj.br/index.php/Itaca/article/download/2416/2065>.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes.
Rio de Janeiro: Vozes, 2014.
NOVAK, Priscila dos Santos. A tatuagem como sistema semiótico da cultura. Porto
Alegre: UFRGS, 2012. Disponível em: <
http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/67641/000871719.pdf>.
RAMOS, Célia Maria Antonacci. Teorias da tatuagem: corpo tatuado - uma análise
da loja Stoppa Tattoo da Pedra. Florianópolis: UDESC, 2001.
62
RODRIGUES, Ricardo Crisafulli. Análise e tematização da imagem fotográfica.
Ciência da Informação, v. 36, n. 3, 2008. Disponível em <
http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/1167/0>.
VILLAÇA, Nízia, GÒES, Fred, KOSOVSKI, Éster. Que corpo é esse?: Novas
perspectivas. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
• https://www.guiadopc.com.br/dicas/27087/instagram-como-usa-lo.html
• https://www.statista.com/chart/5194/active-users-of-social-networks-and-
messaging-services/
• https://olhardigital.com.br/noticia/saiba-quais-sao-os-10-apps-de-redes-sociais-
mais-usados-pelos-brasileiros/70474
63
9. ANEXO
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