You are on page 1of 51

Ministério da Justiça

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE


Gabinete do Conselheiro Fernando de Magalhães Furlan

PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10


Representante: Primo Schincariol Ind. Cervejas e Refrigerantes
Advogados: Vinicius Camargo Silva e outros
Representada: Companhia de Bebidas das Américas - AmBev
Advogados: Carlos Francisco de Magalhães, Gabriel Nolasco, Thomas Macrander e
outros
Relator: Conselheiro Fernando de Magalhães Furlan

RELATÓRIO

SUMÁRIO:
I. DO OBJETO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO ................................................................................... 2
II. DA PRÁTICA REPRESENTADA ................................................................................................................ 2
III. DA INVESTIGAÇÃO PELA SDE ............................................................................................................ 6
A) DA REALIZAÇÃO DE INSPEÇÃO..................................................................................................... 6
B) DOS DEPOIMENTOS .......................................................................................................................... 8
C) DA SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES INICIAIS.......................................................................... 8
D) DA REALIZAÇÃO DA PESQUISA IBOPE ...................................................................................... 10
E) DA REALIZAÇÃO DA PESQUISA DE CAMPO ............................................................................. 14
i. DA PESQUISA DE CAMPO NO DISTRITO FEDERAL.................................................................. 14
ii. DA PESQUISA DE CAMPO EM SÃO PAULO ............................................................................ 15
iii. DAS CONCLUSÕES SOBRE A PESQUISA DE CAMPO ........................................................... 16
F) DA SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES .................................................. 16
G) DA ELABORAÇÃO DE ESTUDO ECONÔMICO ........................................................................... 18
IV. DAS MANIFESTAÇÕES DAS EMPRESAS CONCORRENTES ......................................................... 19
V. DA DEFESA, DOS ARGUMENTOS E DAS MANIFESTAÇÕES DA REPRESENTADA .................... 22
A) DAS PRELIMINARES LEVANTADAS ............................................................................................ 22
B) DA DEFESA DA REPRESENTADA, DO MÉRITO E OUTRAS INFORMAÇÕES
APRESENTADAS ........................................................................................................................................... 27
C) DOS PARECERES E ESTUDOS APRESENTADOS PELA REPRESENTADA ..................................... 31
D) DAS ALEGAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 38
VI. DA OPINIÃO DOS ÓRGÃOS PARECERISTAS .................................................................................. 39
A) DAS CONCLUSÕES DA SEAE ......................................................................................................... 39
B) DAS CONCLUSÕES DA SDE ........................................................................................................... 39
i. NO QUE TANGE ÀS PRELIMINARES ............................................................................................ 39
ii. NO QUE TANGE AO MÉRITO ..................................................................................................... 43
C) DAS CONCLUSÕES DA PROCADE ................................................................................................ 46
D) DAS CONCLUSÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ....................................................... 49
E) DAS CONCLUSÕES ACERCA DA CONEXÃO .............................................................................. 50
VII. DA CONFIDENCIALIDADE E DA INSTRUÇÃO COMPLEMENTAR .............................................. 51
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

I. DO OBJETO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

1. Trata-se de Processo Administrativo instaurado contra a Companhia de Bebidas


das Américas (AmBev) com vistas a apurar os programas de fidelização “Festeja” e “Tô
Contigo”, a utilização da marca AmBev como marca de combate e a publicidade produzida
em resposta à campanha de marketing iniciada pela representada como condutas passíveis de
enquadramento como infrações contra a ordem econômica previstas no artigo 20 I, II e IV c/c
com art. 21, IV, V, VI e XI, todos da Lei nº 8.884 de 11 de junho de 1994.
2. De acordo com a Secretaria de Direito Econômico - SDE, haveria “fortes
indícios de que os programas de fidelização „Tô Contigo‟ e „Festeja‟ [possam] vir a ser
considerados infrações à ordem econômica em razão de prejudicar (sic) a livre concorrência,
dificultando o acesso de novas cervejarias ao mercado e criando dificuldade ao
funcionamento dos concorrentes já estabelecidos por meio da exclusividade dos pontos de
vendas e da predação por meio da renúncia de receitas.”(fl. 673 ).
3. O Processo Administrativo foi instaurado com base na Nota Técnica do
Departamento de Proteção e Defesa Econômica – DPDE, de 27 de julho de 2004 (fls.
666/674) acolhida integralmente pelo Secretário de Direito Econômico1.
4. Ressalte-se que o presente Processo Administrativo abrangeu incidentalmente a
apuração de eventual descumprimento do Termo de Compromisso de Desempenho firmado
pela AmBev com o CADE quando da aprovação do Ato de Concentração nº
08012.005846/1999-12, que constituiu a empresa a partir do agrupamento das cervejarias
Brahma e Antarctica.
5. Concluída a instrução, a Secretária de Direito Econômico decide pela remessa
do Processo ao CADE para julgamento2, sendo este distribuído ao Conselheiro Abraham
Benzaquen Sicsú na 438ª Sessão de Distribuição Ordinária, em 14 de março de 2006 (fl.
4535). Posteriormente foi redistribuído a este Gabinete em 18 de janeiro de 2008 (fl. 4678).
6. Após pareceres da Procuradoria do CADE – ProCADE
(fls. 4681/4728) e do Ministério Público Federal – MPF (fls. 4762/4774), chegaram os autos
conclusos em 17 de dezembro de 2008.
7. Traz-se o processo a julgamento em 22 de julho de 2009 na 449ª Sessão
Ordinária de Julgamento, transcorridos dois anos e quatro meses de tramitação neste
Conselho.

II. DA PRÁTICA REPRESENTADA

8. As investigações tiveram seu início a partir de representação (fls. 02/41) da


cervejaria Primo Schincariol Ind. de Cervejas e Refrigerantes S/A (Schincariol) contra
práticas da AmBev. Conforme relatado pela SDE (fls. 4454/4458), os principais pontos
alegados pela representante foram os seguintes:

1
Despacho nº 853, de 12 de agosto de 2004 do Secretário de Direito Econômico (fl. 675).
2
Despacho nº 143, de 08 de março de 2007 (fl. 4582).
2
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

a. que a Representada tem pautado o seu processo de expansão por meio de


aquisições de outras empresas do setor, no Brasil e no exterior, o que
vem resultando em processo crescente de dominação de mercado
relevante, não fundado na maior eficiência do agente econômico, mas na
concentração horizontal e vertical e na prática de ilícitos
anticoncorrenciais;

b. que as condutas anticoncorrenciais praticadas pela Representada são: (i)


agressivo programa de fidelização, acompanhado de bonificações
diversas, descontos casuísticos e em muitos casos de acordos de
exclusividade; (ii) predação através da utilização de marcas de combate;
e (iii) abuso do poderio econômico através da veiculação de propagandas
com intuito preponderantemente vexatório ao concorrente;

c. que o Programa de Fidelidade “Festeja” orientava os pontos de venda


(PDVs) a abaixar os preços da cervejas da Representada em no mínimo
R$ 0,11 durante todos os dias úteis da semana e em R$ 0,21 nos finais de
semana, impondo a esses PDVs preços e margens de lucro menores com
claro intuito de afastar e combater a Nova Schin que estava em processo
de lançamento e de entrada da nova marca no mercado;

d. que o Programa Festeja, por suas características, enquadra-se no inciso


XI do art. 21 da Lei n.º 8.884/94;

e. que o Programa Festeja não fora suficiente para conter o avanço da Nova
Schin, então a Representada lançou o Programa “Tô Contigo” em
novembro de 2003, que seria caracterizado pelo oferecimento de
vantagens desproporcionais aos pontos de vendas, escolhidos
criteriosamente em face de sua importância e volume de vendas;

f. que o Programa “Tô Contigo” concede um ponto a cada caixa de 24


unidades das principais marcas fabricadas pela AmBev adquirida pelo
PDV participante do programa e os pontos acumulados podem ser
trocados por prêmios listados no catálogo que integra o material de
divulgação do programa;

g. que, em contrapartida à inscrição no Programa “Tô Contigo”, os pontos


de venda precisam assinar um termo de compromisso no qual se
comprometem a dar exclusividade total às cervejas produzidas pela
AmBev, bem como ao seu merchandising, “não podendo haver qualquer
tipo de material [...] que divulgue as marcas ou campanhas de outras
companhias de cerveja” (fls. 11).

h. que os arranjos contratuais da forma apresentada têm o claro intuito de


limitar e prejudicar a concorrência, uma vez que, no período de
novembro de 2003 a março de 2004, houve incremento de participação
de mercado das cervejas da Representada e diminuição das empresas
concorrentes;

i. que o programa “Tô Contigo” se enquadraria nos incisos IV, V e XI da


Lei n.º 8.884/94;

j. que o CADE reconhece a possibilidade de infração à ordem econômica


quando empresa detentora de posição dominante no mercado relevante
3
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

abusa desse status ao aliciar exclusividade da clientela com a concessão


de descontos;

k. que os programas de fidelização praticados pela Representada constituem


barreiras artificiais à entrada de novos concorrentes. Ao criar programas
de fidelização e bonificação, a AmBev estaria utilizando seu poder de
mercado para impor a exclusividade de seus produtos e dificultar a venda
de cervejas concorrentes. O objetivo para a imposição de tais barreiras
seria o aumento dos preços dos produtos após a redução da
concorrência;

l. que os pontos de venda se vêem obrigados a adquirir produtos da


Representada em razão da posição dominante dessa empresa. Como não
é razoável aos pontos de venda deixar de comercializar as marcas líderes
de mercado, estes buscarão vender cada vez mais essas marcas para
acumular pontos com o intuito de trocá-los por prêmios;

m. que a concorrência entre os pontos de venda é acirrada e apresenta


margens reduzidas, assim o ponto de venda que não aderir ao Programa
“Tô Contigo” estará em latente desvantagem competitiva em relação aos
demais. Essa situação faz com que o programa de fidelização da empresa
dominante seja não apenas atrativo, mas também impositivo;

n. que foram juntadas aos autos notas fiscais que comprovam a concessão de
descontos por parte da Representada a título de bonificação pela
participação dos pontos de vendas nos programas de fidelização;

o. que a utilização de marcas de combate pela Representada, como a


Antarctica, pode se constituir em ilícito concorrencial, conforme
jurisprudência européia e norte-americana que aponta para casos em
que firmas dominantes fizeram ataques pontuais consubstanciados em
redução de preços, não necessariamente abaixo dos custos, mas
suficientemente baixos a ponto de prejudicar a lucratividade da empresa
incumbente, em resposta à entrada de novos concorrentes no mercado
relevante; e

p. que o uso da marca de combate Antarctica aliada aos programas de


fidelidade leva à conclusão de que está ocorrendo uma tentativa de
eliminar a concorrência.

9. Por fim, a representante solicitou a adoção de Medida Preventiva pela SDE,


com a determinação da cessação das práticas denunciadas.

10. Além de diversos documentos (fls. 170/480), a representante juntou os


seguintes pareceres à sua representação:

(i) parecer econômico emitido por Lúcia Helena Salgado, sobre os efeitos
da operação de aquisição do controle acionário da AmBev pela Interbrew
e sobre a concorrência no mercado brasileiro de cerveja, datado de maio
de 2004 (fls. 62/134); e

(ii) parecer econômico emitido por Alessandro Vinicius Marques de


Oliveira, sobre elasticidades-preço da demanda por cerveja no Brasil,
4
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

também datado de maio de 2004 (fls. 135/169).

11. Em nota técnica, o DPDE recomendou a abertura de Processo


Administrativo, em desfavor da Representada, a partir das seguintes considerações:

a) que as condutas descritas pela representante foram iniciadas após a


aprovação do Ato de Concentração n.º 08012.005846/99-12 que resultou
na criação da AmBev, uma empresa que reuniu as principais marcas de
cervejas produzidas pelas empresas anteriormente concorrentes,
Antarctica e Brahma, o que alterou significativamente as relações
concorrenciais no mercado de cerveja no Brasil em razão do alto grau de
concentração dali resultante (cerca de 70% do mercado);

b) que o CADE firmou Termo de Compromisso de Desempenho (TCD) com


a AmBev para, dentre outras medidas, proibir que essa empresa imponha
exclusividade de venda aos pontos de vendas. Por esse motivo, deverá ser
verificado se o Programa “Tô Contigo” pode ser considerado uma
imposição de exclusividade e não uma das hipóteses excludentes
previstas na cláusula 2.5.1 do TCD;

c)que os programas de fidelidade da Representada podem caracterizar


infração à ordem econômica, na medida em que prejudicam a livre
concorrência ao dificultar a entrada de novas cervejarias no mercado e
ao criar dificuldades ao funcionamento dos concorrentes por meio da
exclusividade de vendas;

d) que também deverá ser apurado um possível abuso de posição dominante


pela AmBev em detrimento da liberdade de ação dos pontos de venda que
comercializam seus produtos, conduta prevista nos incisos V e XI do art.
21 da Lei n.º 8.884/94;

e)que há indícios fortes de que a redução de preços da marca de cerveja


Antarctica está relacionada com a concorrência com as marcas
Schincariol e Kaiser. Assim, a investigação deve apurar se o
comportamento dos preços da marca Antarctica é apenas parte de uma
proposta de concorrência agressiva por parte da Representada ou se há a
tentativa de domínio e falseamento de mercado por meio da predação;

f) que a investigação deve apurar se as recentes propagandas veiculadas


pela AmBev que fazem referências indiretas ao produto da Schincariol
ultrapassam os limites de possíveis danos privados e têm a possibilidade
de causar danos concorrenciais por meio do falseamento da
concorrência;

g) que conclui pela existência de fortes indícios de infração à ordem


econômica a justificar a abertura de Processo Administrativo para
apurar a ocorrência de condutas tipificadas no art. 20, I, II e IV, c/c art.
21, IV, V, VI e XI, ambos da Lei n.º 8.884/94. (fls. 660/668).

12. Quanto ao pedido de concessão de Medida Preventiva, em razão da


complexidade das questões trazidas, o DPDE recomendou a sua apreciação somente após o
recebimento da defesa prévia da Representada.

5
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

13. Aberto o processo administrativo, a Representada foi devidamente notificada


para apresentação de defesa, por meio de ofício (fl. 680). Por sua vez, a SDE solicitou a
manifestação da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda
(SEAE/MF) sobre os fatos investigados, nos termos do art. 38 da Lei nº 8.884/94 (fl. 681).

III. DA INVESTIGAÇÃO PELA SDE

A) DA REALIZAÇÃO DE INSPEÇÃO

14. Em nota técnica juntada aos autos (fls. 2461/2462), o DPDE sugeriu a
realização de inspeção na sede da empresa AmBev em São Paulo, como instrumento de
instrução processual previsto no art. 35, §§2º e 3º, da Lei nº 8.884/943. Considerou o DPDE
que, para o caso em tela, a inspeção se mostrou especialmente adequada, pois objetivava o
mapeamento de todos os dados e informações provavelmente disponíveis na sede da empresa
que pudessem vir a subsidiar a instrução do processo.
15. Em 22 de março de 2005, o Secretário de Direito Econômico deferiu a
realização da inspeção por meio do Despacho nº 221/2005 (fl. 2463).

16. Segundo o relatado pela SDE em seu parecer:

Conforme manda o art. 35, §2º, da Lei nº 8.884/94, a Representada foi


notificada da realização de inspeção com uma antecedência de pelo
menos 24 horas. Assim, a notificação foi enviada ao representante legal
da Representada no dia 23.03.2005, tendo sido recebida nesse mesmo
dia, às 09:08 min. (fls. 2464). A notificação foi também enviada à
Representada no dia 23.03.2005, tendo sido recebida nesse mesmo dia, às
09:17 min. (fls. 2458). Conforme consta no auto de inspeção de fls. 2472,
esta somente se iniciou no dia 24.03.2005, às 09:25 min, tendo
respeitado, portanto, o prazo de 24 hs previsto na Lei.

Às fls. 2470, consta despacho do Sr. Secretário de Direito Econômico


designando o Sr. Ricardo J. Theil, perito em informática, e seus
assistentes para acompanhar a inspeção e auxiliar os técnicos da SDE na
obtenção de cópias de documentos e arquivos eletrônicos.

3
Art. 35. Decorrido o prazo de apresentação da defesa, a SDE determinará a realização de diligências e a
produção de provas de interesse da Secretaria, a serem apresentadas no prazo de quinze dias, sendo-lhe
facultado exercer os poderes de instrução previstos nesta Lei, mantendo-se o sigilo legal quando for o caso.[...]

§ 2o Respeitado o objeto de averiguação preliminar, de procedimento ou de processo administrativo, compete ao


Secretário da SDE autorizar, mediante despacho fundamentado, a realização de inspeção na sede social,
estabelecimento, escritório, filial ou sucursal de empresa investigada, notificando-se a inspecionada com pelo
menos vinte e quatro horas de antecedência, não podendo a diligência ter início antes das seis ou após às
dezoito horas.

§ 3o Na hipótese do parágrafo anterior, poderão ser inspecionados estoques, objetos, papéis de qualquer
natureza, assim como livros comerciais, computadores e arquivos magnéticos, podendo-se extrair ou requisitar
cópias de quaisquer documentos ou dados eletrônicos .(Redação dada pela Lei nº 10.149, de 21.12.2000).

6
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

Às fls. 2471, consta termo de compromisso assinado pelo Sr. Ricardo J.


Theil, comprometendo-se a manter o sigilo de todas e quaisquer
informações eventualmente obtidas durante a realização da diligência.

Às fls. 2472/2475, consta o auto da inspeção4 realizada na sede da


Representada5, com a descrição dos procedimentos adotados para a
cópia dos documentos físicos e eletrônicos selecionados durante a
realização da diligência. Como forma de comprovar a não-alteração dos
arquivos eletrônicos copiados durante o procedimento de inspeção,
foram feitos hashes, criados a partir do algoritmo MD5. O algoritmo
MD5 (Message-Digest algorithm 5) é um algoritmo criptográfico de 128-
bits amplamente utilizado para a identificação de arquivos eletrônicos.
Este algoritmo cria, a partir de um conjunto definido de dados, uma
“impressão digital” de tamanho fixo (32 caracteres originados de
valores hexadecimais) que se altera na hipótese de qualquer alteração no
conjunto de dados original.

Posteriormente à inspeção, foram realizados os procedimentos relatados


às fls. 2522/2523 e 2526/2529 que confirmaram a identidade dos hashes
das imagens copiadas e de cada um dos arquivos copiados com os
arquivos que permaneceram em poder da Representada.

Cabe ressaltar que, durante a realização da inspeção, a SDE não copiou


todos os arquivos do servidor da Representada, em razão da intervenção
da AmBev que alegou que os funcionários da SDE queriam copiar
arquivos que exorbitariam o escopo da investigação. Diante da recusa da
Representada em permitir que esse volume de informações fosse copiado,
a SDE, para evitar a lavratura de auto de obstrução de inspeção e, com
isso, atrasar as investigações, julgou ser mais eficaz acolher a negativa
da Representada e, juntamente com os representantes da AmBev,
selecionou quais subdiretórios seriam copiados. Os diretórios copiados,
com o consentimento da AmBev, totalizaram cerca de 20 gigabytes.

Outros procedimentos adotados relativos à inspeção constam no


Apartado Confidencial nº 01. (fl. 4416/4417)

17. Por meio de ofício (fl. 2.496 dos autos), a SDE intimou a representada para
que apresentasse manifestação sobre os documentos e arquivos eletrônicos copiados
durante o procedimento de inspeção, no prazo de 30 (trinta) dias. A representada foi
também intimada a especificar as provas que pretendia produzir. A resposta da
representada está descrita mais adiante neste relatório.

4
O Auto de Inspeção foi assinado pelos Srs. Arthur Badin, então Chefe de Gabinete da SDE, Carlos Maurício
Mirandola, técnico da SDE, Ricardo Theil e Rodrigo Santo Lima, respectivamente perito e assistente, Pedro de
Abreu Mariani, Diretor Jurídico da AMBEV, Martim della Valle e Juan Gambetta, Técnicos de Informática da
AMBEV.
5
Rua Dr. Renato Paes de Barros, nº 1.017, no 3º andar (parte), conjuntos 31 e 32, e no 4º andar (parte),
conjuntos 41 e 42, do Edifício Corporate Park, Itaim Bibi, São Paulo, SP.
7
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

B) DOS DEPOIMENTOS

18. Nos dias 28 e 29 de março de 2005, funcionários da SDE realizaram reuniões


com proprietários de bares e mercearias que comercializam cervejas, para obter
informações sobre as características do Programa “Tô Contigo”, nas cidades de
Uberlândia/MG, Uberaba/MG e Araxá/MG. As respectivas atas de reuniões foram juntadas
aos autos às fls. 2401/2418. Para a SDE, de acordo com alguns dos proprietários ouvidos:

 haveria a imposição de exclusividade, ou a limitação na comercialização


de marcas concorrentes para a participação no Programa “Tô Contigo”;

 a participação no programa permitiria a compra de produtos a preços


diferenciados; e

 no caso de adesão ao Programa “Tô Contigo”, os vendedores de


produtos AmBev fiscalizariam os freezers de propriedade do PDV em
busca de marcas concorrentes.

C) DA SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES INICIAIS

19. Por meio do despacho de fl. 3788, o Secretário de Direito Econômico


intimou a Representada a especificar as provas que desejava produzir, arrolando
testemunhas, caso desejasse fazer uso desse meio de prova, no prazo de 05 (cinco) dias.

20. Em relação à especificação das provas que desejava produzir, a Representada


listou a produção de pareceres e estudos para a demonstração da licitude e dos efeitos
concretamente produzidos no mercado por suas condutas. Embora tenha mencionado a
produção de prova oral, a Representada não apresentou rol de testemunhas. Por esse
motivo, a SDE declarou a preclusão do direito da Representada (fls. 3866/3867). Quanto à
apresentação de pareceres e estudos econômicos, foi concedido prazo de 45 (quarenta e
cinco) dias para a sua apresentação (fls. 3804/3805).

21. Em seguida, a SDE encaminhou à Representada ofício datado de 24 de


fevereiro de 2006, solicitando esclarecimentos sobre a possibilidade de o Programa “Tô
Contigo” aplicar algum tipo de sanção aos PDVs que não fossem exclusivos, à luz do
material copiado durante o procedimento de inspeção (fls. 3952/3953).

22. A versão pública da resposta da Representada ao referido ofício foi juntada


às fls. 3973/4009. A Representada informou, em síntese feita pela SDE (fls. 4436/4437), o
seguinte:
i. o Programa “Tô Contigo” foi implementado em duas fases distintas no
que tange às características dos PDVs participantes;
ii. a primeira fase foi iniciada em outubro de 2002 e terminou em março de
2004 e nessa fase o programa foi oferecido somente aos pontos de venda
que, por opção, comercializavam apenas os produtos AmBev e não
ultrapassou 4% dos PDVs no Brasil;

8
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

iii. a segunda fase se iniciou em março de 2004 e o programa foi ofertado


também a PDVs que ofertavam outras marcas além de AmBev e atinge,
atualmente, cerca de 12% dos pontos de venda do Brasil;
iv. que o Programa “Tô Contigo” não está vinculado a outras iniciativas
comerciais da empresa;
v. que não há e nunca houve qualquer tipo de sanção aos PDVs que vendem
outras marcas e aderiram ao Programa “Tô Contigo”;
vi. que, na primeira fase de implementação do Programa “Tô Contigo”, se
algum ponto de venda participante do programa passasse a
comercializar outras marcas de cervejas, era desligado porque não mais
se enquadrava no perfil almejado pela Representada nessa fase e, por
isso, o programa era cancelado em relação a esse PDV;
vii. que esse cancelamento não se constitui em sanção no entendimento da
Representada;
viii. que, na segunda fase de implementação do Programa “Tô Contigo”, a
distinção deixou de existir, o que tornou aquela regra irrelevante;
ix. que, independentemente das etapas de implementação do Programa “Tô
Contigo”, esse programa nunca previu sanções aos PDVs que não
comercializassem apenas produtos da AmBev;
x. que a Representada não irá se manifestar sobre os arquivos referidos no
ofício em tela porque são inservíveis ao presente feito e porque o presente
feito não teria sido saneado;
xi. que a concessão de refrigeradores a PDVs não está vinculada ao
Programa “Tô Contigo” e não constitui benefício desse programa (fls.
3.980);
xii. que os descontos em preços para PDVs que aderiram ao programa em
relação aos outros PDVs variam, no máximo, entre 1,4% e 3%; e
xiii. que o Programa “Tô Contigo” é um negócio jurídico unilateral, com
obrigações apenas para a AmBev, portanto não há qualquer imposição
acerca de exclusividade para o PDV.

23. A SDE encaminhou ofício datado de 11 de outubro de 2006 à Representada


com vistas a prosseguir na instrução do presente feito (fls. 4.020/4.022). A resposta da
Representada ao referido ofício foi juntada em apartado confidencial.

24. Em audiência no dia 13 de dezembro de 2006, advogados e consultores da


Representada foram informados acerca de aspectos específicos que não haviam sido
devidamente esclarecidos na visão da Secretaria, em síntese (fl. 4438/4439), a saber:

 eventual negociação de contratos de exclusividade de vendas no âmbito do


Programa “Tô Contigo” como forma de elevar os custos das empresas
rivais;

 possível conjugação do Programa “Tô Contigo” com outros vários


programas de bonificação, desconto e exclusividade conduzidos pela
Cervejaria, de modo a impor ou induzir de modo não competitivo a
fidelização dos canais de distribuição de cervejas; e

9
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

 possível não-linearidade do Programa “Tô Contigo” em função das


condições exigidas para a filiação ao programa e das retaliações
vinculadas ao não oferecimento de sua renovação.

D) DA REALIZAÇÃO DA PESQUISA IBOPE

25. Em continuação à instrução, a Secretaria entendeu necessário verificar a


forma de execução do Programa “Tô Contigo”, sob a ótica do ponto de venda. Desse modo,
em 18 de dezembro de 2006, após elaboração de questionário e coleta de orçamentos, a
SDE selecionou o Instituto Ibope para a realização de pesquisa de campo, na cidade de São
Paulo, com 180 pontos de venda.

26. Segundo a SDE, “a escolha da localidade, bem como do número de perguntas


e o tamanho da amostra, levou em consideração o uso parcimonioso de recursos públicos, a
celeridade da investigação e a qualidade da pesquisa.” (fl. 4439). A amostragem foi
realizada a partir de sorteio, entre relação de pontos de venda dos canais tradicional e bar
que comercializam bebidas e outros produtos, no município de São Paulo, aos quais a SDE
teve acesso.

27. Naquela pesquisa, o Ibope fez, além da identificação do entrevistado


(incluindo grau de instrução, cargo, etc.) e do ponto de venda (localização, bairro,
dimensão do estabelecimento, etc), treze perguntas, abaixo transcritas (fls. 4176/4178):
P01) Em primeiro lugar, gostaria de saber, quais destas marcas de cerveja são
comercializadas aqui neste estabelecimento? (VÁRIAS OPÇÕES)

01( ) Skol
02( ) Brahma
03( ) Antarctica
04( ) Nova Schin
05( ) Kaiser
06( ) Sol
07( ) Itaipava
08( ) Outras - AmBev (Bohemia, Stella Artois, Caracu, Kronenbier, Labatt
Blue, Polar, Miller, Quilmes, Serra Malte, Original, Serrana, Puerta Del
Sol)
09( ) Outras Não -AmBev
98( ) Nenhuma destas/ Não comercializa cerveja
99( ) Não sabe/ Não opinou

P02) O(a) sr(a) já ouviu falar do Programa “Tô Contigo” ou o(a) sr(a) nunca
ouviu falar dele? (UMA OPÇÃO)

1( ) Já ouviu falar
2( ) Nunca ouviu falar 9( ) Não sabe/ Não opinou
(...)

10
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

P03) Este estabelecimento participa ou não participa do Programa “Tô


Contigo” da AmBev? (UMA OPÇÃO)

1( ) Sim, participa  FAÇA PERGUNTAS 04 A 08 E ENCERRE


2( ) Não participa ----------------------- |
9( ) Não sabe/ Não opinou------------- | PULE P/ P09

## SOMENTE PARA QUEM PARTICIPA DO PROGRAMA “Tô Contigo”


(CÓD. 1 NA P03) ##
P04) Há quanto tempo, aproximadamente, este estabelecimento participa do
Programa “Tô contigo” da AmBev? (USE DOIS DÍGITOS)

|____|____| ANOS |____|____| MESES

99( ) Não sabe/ Não opinou

P05) Pelo que o(a) sr(a) sabe ou ouviu falar, o programa “Tô Contigo” exige
ou não exige exclusividade de vendas das marcas de cerveja da AmBev?
(UMA OPÇÃO)

1( ) Exige
2( ) Não exige 9( ) Não sabe/ Não opinou

P06) E pelo que o(a) sr(a) sabe ou ouviu falar, o programa “Tô Contigo”
estabelece ou não estabelece algum limite para compras de cervejas de
marcas concorrentes da AmBev? (UMA OPÇÃO)

1( ) Estabelece
2( ) Não estabelece 9( ) Não sabe/ Não opinou

P07) Pelo que o(a) sr(a) sabe ou ouviu falar, para este estabelecimento entrar
no programa “Tô Contigo”, o vendedor ofereceu ou não ofereceu algum
desconto de preços e/ ou bonificação em produtos? (UMA OPÇÃO)

1( ) Ofereceu
2( ) Não ofereceu 9( ) Não sabe/ Não opinou

P08) Alguns comerciantes dizem que vender marcas de cervejas concorrentes


pode criar dificuldades para a renovação do programa ou das condições
comerciais com a AmBev. Pelo que o(a) sr(a) sabe ou ouviu falar, vender
marcas concorrentes de cerveja cria ou não cria dificuldades para a
renovação do programa ou das condições comerciais com a AmBev ? (UMA
OPÇÃO)

1( ) Cria
2( ) Não cria 9( ) Não sabe/ Não opinou

### SOMENTE PARA QUEM NÃO PARTICIPA DO PROGRAMA “Tô


Contigo” (CÓD. 2 OU 9 NA P03) ###
P09) Pelo que o(a) sr(a) sabe ou ouviu falar, este estabelecimento já participou
do programa “Tô Contigo” e hoje está fora, ou ele nunca participou deste
programa? (UMA OPÇÃO)

11
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

1( ) Sim, já participou  FAÇA P10 E PULE PARA P.12

2( ) Não, nunca participou  PULE P/ P11

9( ) Não sabe/ Não opinou  PULE PARA P.12

### SOMENTE PARA QUEM JÁ PARTICIPOU DO PROGRAMA “Tô


Contigo” (CÓD. 1 NA P09) ###
P10) Por qual motivo este estabelecimento DEIXOU DE PARTICIPAR do
programa “Tô Contigo”? Mais algum? Algum outro? (ESPONTÂNEA –
VÁRIAS OPÇÕES - EXPLORE BEM)

### SOMENTE PARA QUEM NUNCA PARTICIPOU DO PROGRAMA “Tô


Contigo” (CÓD. 2 NA P09) ###
P11) Por qual motivo este estabelecimento NUNCA PARTICIPOU do
programa “Tô Contigo”? Mais algum? Algum outro? (ESPONTÂNEA –
VÁRIAS OPÇÕES - EXPLORE BEM)

### SOMENTE PARA QUEM NÃO PARTICIPA DO PROGRAMA “Tô


Contigo” (CÓD. 2 OU 9 NA P03) ###
P12) Pelo que o(a) sr(a) sabe ou ouviu falar, o programa “Tô Contigo” exige
ou não exige exclusividade de vendas das marcas de cerveja da AmBev?
(UMA OPÇÃO)

1( ) Exige
2( ) Não exige 9( ) Não sabe/ Não opinou

P13) E pelo que o(a) sr(a) sabe ou ouviu falar, o programa “Tô Contigo”
estabelece ou não estabelece algum limite para compras de cervejas de
marcas concorrentes da AmBev? (UMA OPÇÃO)
1( ) Estabelece
2( ) Não estabelece 9( ) Não sabe/ Não opinou

28. O resultado da pesquisa encomendada ao Instituto Ibope foi juntado aos


autos às fls. 4123/4175, sendo que, no entender da SDE, os resultados apontaram que (fls.
4441/4442):

1. 67% dos pontos de venda conheciam o Programa “Tô Contigo”


(de um universo relevante de 97%);

2. 52% dos pontos de venda participavam do Programa “Tô


Contigo” (idem);

3. dentre os partícipes do Programa, 49% dos pontos de venda


entrevistados afirmou que o Programa exigia exclusividade de vendas de
cervejas da Representada (idem);

4. desse mesmo universo, 25% afirmam que o Programa impõe


limites para compra de cervejas de terceiros fabricantes (idem);

5. desse mesmo universo, 70% declarou ter recebido incentivos em


preço para ingressar no Programa (de um universo relevante de 100%);

6. desse mesmo universo, 34% acreditam que a venda de marcas

12
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

concorrentes lhes cria dificuldade para a renovação do Programa ou nas


condições comerciais negociadas com a Representada (de um universo
relevante de 92%);

7. entre os que não participam do Programa, apenas 8% já haviam


participado (de um universo relevante de 90%);

8. quanto à venda de marcas efetivamente realizada pela empresa,


nota-se uma intensa presença das marcas da Representada, vis a vis as
principais marcas concorrentes.

29. Por fim, na opinião da SDE, cruzando as informações prestadas pelo Ibope
(figura acima) com a pergunta relativa à vinculação do Programa a contratos de
exclusividade, seria possível aferir ainda que (fl. 4444):

 dentre os pontos de venda que não possuem o Programa “Tô Contigo”,


19% declararam adquirir apenas cervejas da Representada;

 dentre os pontos de venda que possuem o Programa, mas afirmam que


este não está vinculado à exclusividade de vendas, 26% declararam
adquirir apenas cervejas da Representada; e

 dentre os pontos de venda que possuem o Programa e sustentam a


existência de exclusividade de vendas, 56% declararam a venda apenas
de marcas da Representada.

13
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

E) DA REALIZAÇÃO DA PESQUISA DE CAMPO

30. Com o objetivo de compreender melhor o funcionamento do Programa de


Fidelidade “Tô Contigo”, servidores do DPDE6 realizaram enquete, em que entrevistaram
proprietários/funcionários de pontos de venda de cerveja no Distrito Federal e na Grande
São Paulo, escolhidos de forma totalmente aleatória. Ressalva o DPDE que:

as referidas entrevistas não possuem validade estatística, mas ilustram de


forma bastante detalhada como os pontos de venda interpretam a oferta
do Programa “Tô Contigo” na sua execução. Questões quantitativas
foram objeto de análise de pesquisa estratificada encomendada por Esta
Secretaria ao Instituto Ibope e devidamente juntada aos autos.

31. Para documentar a diligência, a SDE produziu, às fls. 4180/4183, um


relatório das visitas com sumário na seção seguinte.

i. DA PESQUISA DE CAMPO NO DISTRITO FEDERAL

32. Em 19 de outubro de 2006, o DPDE realizou entrevistas com


proprietários/funcionários em vários pontos de venda de cerveja do Distrito Federal, o que
teria conduzido às seguintes constatações 7 (fls. 4180/4182):

Dos pontos de venda situados no Plano Piloto (16 casos), verificou-se a


ocorrência de celebração de contratos formais de exclusividade de
vendas com a Ambev (quatro casos), além da existência de pontos de
venda que apenas comercializavam marcas de cerveja da Ambev, embora
não estejam vinculados a qualquer programa da empresa (quatro casos).

Os demais pontos de venda entrevistados (com exceção de dois que


desconheciam o Programa) participam, já participaram ou lhes foi
oferecida a filiação ao Programa “Tô Contigo”. Desse total, cerca de ¼
(4 casos) informaram que a exclusividade de vendas ou a limitação de
compras de marcas de cervejas concorrentes é condição para a
participação e continuidade no Programa. Essas respostas foram obtidas
nas cidades-satélites do Distrito Federal (em que foram visitados 8
casos), regiões nas quais a concorrência por preços no ponto de venda –
observada pela presença ostensiva de anúncios com tal informação
dentro e fora do estabelecimento – parece ser mais acirrada.

6
Sra. Alessandra Viana Reis, Sra. Fabiana Ferreira de Mello Tito, Sr. Ravvi Augusto de Abreu Coutinho
Madruga, Sr. Juan Perez Ferres e Sra. Marcela Campos Gomes Fernandes.
7
1. Terapia Bar – Asa Norte; 2. Feitiço Mineiro Restaurante – Asa Norte; 3. Talher Brasil – Asa Norte; 4. BSB
Grill – Asa Norte; 5. Capitão Caverna – Sudoeste; 6. Marujo – Asa Sul; 7. Franguinho – Guará; 8. Quiosque do
Ceará – Guará I; 9. Fausto e Manoel Choperia – Sudoeste; 10. Quiosque Vôo Livre – Cruzeiro; 11. Monumental
– Asa Sul; 12. Restaurante do Machado – Sudoeste; 13. República Grill – Asa Sul; 14. Buteco.com.br – Asa Sul;
15. BSB Grill – Asa Sul; 16. Califórnia – Taguatinga Norte; 17. Adega da Cachaça – Taguatinga Norte; 18. Casa
da Codorna – Guará I; 19. Tucunaré na Chapa – Sudoeste; 20. Spaço Bar e Restaurante – Asa Norte; 21.
Amnésia – Taguatinga Centro; 22. Mercado Municipal – W3 Sul; 23. Park Chopp – Guará; 24. Azeite de Oliva –
Asa Sul

14
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

Dos ¾ (10 casos) que refutaram a presença da exigência de exclusividade


atrelada ao Programa “Tô Contigo” (quase todos no Plano Piloto), a
metade (5 casos) de fato eram exclusivos Ambev. Ou seja, em cinco casos
onde faria sentido requerer a exclusividade, isto não ocorreu – mesmo
número de casos em que a exclusividade o foi.

Com relação a retaliações pela venda de marcas concorrentes, pontos de


vendas que participam ou já participaram do Programa “Tô Contigo”
(13 casos) relataram que um dos benefícios do Programa é a concessão
de descontos nos preços de aquisição da cerveja ou de bonificação (6
casos).

Quanto à existência de retaliações outras que não a simples perda do


sistema de pontuação e resgate de prêmios em caso de desvinculação ao
Programa, dois casos relataram a perda efetiva de descontos nos preços
de aquisição de cerveja ou de bonificações em caixas em função da não
renovação do Programa (de um total de três pontos de venda que
participam ou já haviam participado do Programa e que declararam que
o programa exigia exclusividade de vendas). E outros 4 casos (de um
total de 11 casos que possuíam o Programa) indicaram algum tipo de
retaliação (fim de desconto, bonificação ou retirada de
materiais/equipamentos).

ii. DA PESQUISA DE CAMPO EM SÃO PAULO

33. Em 27 de outubro de 2006, o DPDE realizou entrevistas com


proprietários/funcionários de pontos de venda de cerveja em três regiões de São Paulo –
Rio Pequeno, Vila dos Remédios e Vila Madalena 8, o que teria conduzido às seguintes
constatações (fl. 4182/4183):

Das áreas visitadas, os servidores encontraram vários pontos de vendas


que firmaram contratos formais de exclusividade com a Ambev na Vila
Madalena (4 de 8 casos), o que sugere o perfil premium desses contratos
de exclusividade, corroborando a impressão já extraída no Distrito
Federal.

Do restante (15 pontos de venda), sete não participava do Programa nem


havia participado. Dos oito pontos restantes, dois alegaram inexistência
de exigência de exclusividade (um era exclusivo de fato, outro não). Seis
alegaram haver tal exigência ou que a limitação de compras de marcas
de cervejas concorrentes é condição para a participação e continuidade
no Programa. Todas essas respostas positivas foram obtidas na Vila dos
Remédios e em Rio Pequeno, mais uma vez regiões onde a concorrência
via preços – observada pela presença ostensiva de anúncios com tal

8
1. Lanchonete Pizzaria Alves – Vila dos Remédios 2. Bar Lanche Pingue Pongue – Rio Pequeno 3. Lanchonete
Pathiner – Rio Pequeno 4. Lanterna – Vila Madalena 5. Zeppelin Madalena – Vila Madalena 6. Bia Restaurante
– Rio Pequeno 7. Salve Jorge – Vila Madalena 8. Bar Adega – Vila dos Remédios 9. Lanchonete Recanto dos
Avestruz – Rio Pequeno 10. Lanchonete Amilka – Vila dos Remédios 11. A Preciosa – Vila dos Remédios 12.
Bar e Restaurante Mocolo – Rio Pequeno 13. Bar e Lanchonete Carlinhos – Rio Pequeno 14. Bar e Lanchonete
MC – Rio Pequeno 15. SP de 4 – Vila Madalena 16. Astor – Vila Madalena 17. Oficina de Pizzas – Vila
Madalena 18. Bar do Betinho – Vila Madalena 19. Bar do Sacha Dog – Vila Madalena.
15
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

informação dentro e fora do estabelecimento – parecia ser mais acirrada.

Com relação aos benefícios do Programa, dos oito pontos de venda


relevantes que participavam ou haviam participado do Programa (e,
portanto, tiveram contato direto com sua execução), cinco alegaram
haver descontos de preços ou bonificação atrelada ao Programa (note-se
que foi uma preocupação dos servidores checar o nexo causal desses
descontos). Por esse motivo, explicaram que, na medida em que outros
pontos de venda localizados próximos a eles aderem ao Programa “Tô
Contigo”, se sentem pressionados para também aderir, para que tenham
condições de oferecer preços competitivos naquela área.

Quanto às retaliações, quatro pontos de venda (dos seis que alegaram


exclusividade) indicaram a perda (ou ameaça de perda) dos benefícios
outros que o sistema de pontuação e prêmios concedidos caso vendessem
marcas outras.

iii. DAS CONCLUSÕES SOBRE A PESQUISA DE CAMPO

34. Em suma, a partir da enquete de campo, a SDE concluiu que:

a. parcela significativa dos pontos de venda visitados de fato


vendiam apenas cervejas da Representada, seja por aparente decisão
autônoma do ponto de venda, seja por decisões eventualmente
incentivadas por contratos de exclusividade de vendas, programas de
fidelidade ou políticas de preço específicas conduzidas pela empresa;

b. dentre os pontos de venda que participaram, participam ou se


defrontaram com oferta efetiva para filiação ao Programa “Tô Contigo”,
parcela significativa interpretou a filiação como requerendo
exclusividade de vendas;

c. do ponto de vista do estabelecimento revendedor de cerveja, a


participação no Programa com muita freqüência se confunde com a
concessão de descontos de preços;

d. parcela minoritária, mas não desprezível, acreditava na existência


de possíveis retaliações outras que a perda de pontos em função da não
renovação do Programa. (fls. 4446/4447).

F) DA SOLICITAÇÃO DE INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES

35. Em audiências realizadas em 22 de dezembro de 2006, 3 de janeiro de 2007 e


11 de janeiro 2007, a Representada apresentou à SDE informações acerca da dimensão e
das práticas de preços conduzidas pela empresa no âmbito do Programa “Tô Contigo”. Em
síntese feita pela SDE, a empresa reafirmou que:

a. o Programa “Tô Contigo” não era um contrato de exclusividade


de vendas;
16
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

b. o Programa não tem qualquer relação com concessão de


descontos de preço ou bonificação de volume;

c. a não-renovação do Programa de alguns pontos de venda deve-se


a motivos gerenciais (como fechamento do ponto de venda, não interesse
do ponto de venda na renovação, volume inferior ao requisitado pelo
Programa), não estando assim relacionada a eventuais descumprimentos
de cláusulas tácitas de exclusividade de vendas; e

d. os preços ao varejo praticados pelos pontos de venda filiados ao


Programa “Tô Contigo” não se elevaram em função da fidelização
ocasionada pelo Programa.9 (fls. 4444/4445)

36. Em 11 de janeiro de 2007, a SDE emitiu ofício em que solicitou à


Representada:

(...) a relação completa dos pontos de venda desfiliados do Programa


“Tô Contigo” nos anos de 2004, 2005 e 2006, por ano, na cidade de São
Paulo/SP, com os seguintes dados para cada ponto de venda: data da
desfiliação; “Tô Contigo” praticado nos 06 (seis) meses anteriores e
posteriores à desfiliação (...);

(...) manifestação sobre os seguintes documentos juntados aos autos: (i)


pesquisa Ibope, realizada com pontos de venda da cidade de São
Paulo/SP; (ii) relatório sobre levantamento feito por funcionários da
SDE junto a pontos de venda do Distrito Federal e da Grande São Paulo;
e (iii) nota econômica sobre restrições verticais e exclusividade em
mercados de bens diferenciados emitida pela SDE.” (fls. 4116/4117).

37. Em 16 de janeiro de 2007, a Representada apresenta relação dos pontos de


venda desligados do Programa de 2004 para 2005 e de 2005 para 2006 na região gerencial
chamada por ela de SPC (São Paulo Capital, que inclui a cidade de São Paulo e alguns
municípios próximos), com os respectivos preços médios praticados pela empresa nos seis
meses anteriores e posteriores a essa não-renovação. Tal documentação foi juntada em
apartado confidencial.

38. Com vistas a sustentar sua argumentação, a Representada apresentou uma


série de mapas acerca da distribuição numérica dos pontos de venda filiados ao Programa
“Tô Contigo”. Nessa petição, a Representada também apresentou estimativa do impacto do
Programa em termos de fechamento de mercado.

39. Em audiências realizadas em 15 e 22 de janeiro de 2007, formalizadas em


petição juntada aos autos às fls. 4244/4281, a Representada apresentou uma série de
informações qualitativas e quantitativas acerca dos documentos e indagações apresentados
pela Secretaria. Ressalta a SDE que o Sr. Pedro Mariani, representante da AmBev, e o Sr.
Gustavo Rezende, consultor da Representada, confirmaram que os preços considerados já
incluíam bonificações outras eventualmente praticadas pela empresa, que não os prêmios
ofertados no âmbito do Programa.

9
Tais argumentos foram formalizados nas petições protocoladas em 16 de janeiro e 22 de janeiro de 2007.
17
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

40. Para verificar informações fornecidas pela Representada, nos dias 18 e 19 de


janeiro de 2007, servidores da SDE10 visitaram cerca de um décimo da amostra de pontos
de venda que teriam sido desligados do Programa “Tô Contigo” na cidade de São Paulo/SP.
Esse levantamento de campo permitiu verificar, na opinião do órgão instrutório, que um
terço dos pontos de venda visitados ainda se encontrava filiado ao Programa “Tô Contigo”
11
. Para a Secretaria, essa constatação, em princípio, invalidaria a comparação da evolução
de preços entre pontos de venda filiados e desfiliados do Programa tal como houvera
proposto a Representada.

G) DA ELABORAÇÃO DE ESTUDO ECONÔMICO

41. Em 11 de janeiro de 2007, foi juntada aos autos pela SDE nota econômica
elaborada pela Coordenação Econômica daquela Secretaria, acerca da viabilidade teórica
para aumentos de custos de rivais em função de negociação de acordos de exclusividade de
vendas (fls. 4102/4113).

42. O objeto pretendido pela Secretaria com sua disponibilização é o de


demonstrar, ainda que de forma teórica, sob quais condições práticas, a exclusividade de
venda (tácita ou explícita) conduzida por empresas com posição dominante poderia elevar
artificialmente os custos de empresas rivais e, em decorrência, gerar perdas de bem estar
social sob uma avaliação estritamente estática. Segundo a SDE, esta análise se insere em
avaliação mais frequentemente associada à investigação de práticas verticais, de
fechamento de mercado e monopolização.

43. Para tanto, a SDE adotou modelo teórico, fundamentado em literatura


econômica mais usada sobre o tema, em que se assumem como hipóteses: (i) existência de
diferenciação vertical de produtos no mercado a montante; (ii) diferenciação horizontal de
produtos no mercado a jusante, decorrente de custos de deslocamento ou switching costs na
migração de pontos de venda por parte do consumidor; (iii) funções de demanda unitárias;
e (iv) assimetria nas estruturas de mercado nos dois elos. Sob tais hipóteses, o modelo
analisa sob quais condições estruturais as estratégias de fechamento dos mercados
downstream (à jusante) poderiam provocar perdas de bem estar à sociedade, na forma de
preços majorados ao consumidor e menor contestação de mercado.

44. Para a Secretaria, as conclusões do estudo econômico apontariam que:

a. em mercados com elevada assimetria entre os elos upstream e


downstream, e sensível diferenciação de produtos no primeiro mercado,
pode ser um equilíbrio crível e estável a busca por contratos de
exclusividade de vendas;

b. o efeito dessa estratégia seria elevar o custo implícito de aquisição da

10
Srs. Juan Pérez Ferres e Fabiana Tito.
11
Ressalta a SDE que tal resultado foi comunicado verbalmente à Representada, em reunião realizada em 22 de
janeiro de 2007 em São Paulo/SP, com seus consultores econômicos, advogados, na presença da Secretária
Interina de Direito Econômico.
18
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

cerveja rival (excluída), ao obrigar o consumidor a migrar de ponto de


venda para adquirir sua cerveja preferida (inclusive ao agregar
switching costs ao consumidor);

c. o resultado esperado dessa prática seria, tudo mais constante, uma


elevação dos preços médios ao consumidor final e um aumento artificial
da diferenciação de produtos (preços) percebida pelo consumidor – ou
um recuo na participação de mercado da empresa “excluída”;

d. essa estratégia seria tanto mais provável (e rentável) quanto maior a


proporção de pontos de venda aderidos à exclusividade e quanto mais
evidente for a “clusterização” desses pontos de venda (em termos
geográficos ou de hábitos do consumidor); e

e. inexistindo switching costs (no elo downstream) ou diferenciação de


produtos, a relação vertical não traz perdas estáticas de bem estar social.
(fls. 4445/4446)

45. Concluída a instrução processual, o DPDE emitiu nota técnica, aprovada por
despacho da Secretária Interina de Direito Econômico, com conclusões preliminares sobre
o feito. Por meio do despacho de fl. 4229, publicado no DOU em 08 de fevereiro de 2007,
a Representada foi intimada a apresentar suas alegações finais.

IV. DAS MANIFESTAÇÕES DAS EMPRESAS CONCORRENTES

46. À fl. 1572, as empresas Cervejaria Petrópolis S/A, Cervejarias Cintra Ind.
Com. Ltda., Cervejaria Sul Brasileira Ltda, Cervejaria Belco S/A, Cervejaria Malta Ltda,
Novo Malte S/A e Cervejaria Ribeirão Preto Ind. Com. e Dist. de Bebidas Ltda.
peticionaram conjuntamente com o objetivo de denunciar as práticas comerciais da
AmBev, em especial, aquelas levadas a cabo a partir de 2003. A respeito do Programa “Tô
Contigo”, as empresas alegaram que tal programa de fidelidade funcionaria da seguinte
forma:

A AmBev utiliza seu poder econômico (oferece dinheiro em muitos casos,


bonificação de produtos, prêmios, etc) e faz com que os pontos de venda
façam a adesão as seu programa de fidelização, embutindo contrato de
exclusividade de gaveta e via única que fica com a AmBev. O contrato
tem uma multa pesada e a AmBev ameaça com a multa e com processo os
pontos de venda que manifestarem interesse em sair do programa. Com
esse programa todas as outras marcas do mercado que não pertençam à
AmBev são expulsas dos pontos de venda. Existem casos em que a AmBev
compra os produtos concorrentes que estão nos pontos de venda para
jogar fora o líquido e colocar suas marcas. No mesmo sentido o ponto de
venda não pode fazer publicidade de qualquer marca de cerveja e é
decorado e pintado com as cores e propagandas da AmBev. Vale
ressaltar, ainda, que o programa “Tô Contigo” é de abrangência
nacional e atinge os pontos de venda de maior volume de vendas, o que
impede exposição e inibe completamente a pedida de cervejas de todas as
outras marcas. (fl. 1574) (grifos da SDE).

19
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

47. A Schincariol apresentou petição às fls. 1646 e seguintes, afirmando em


síntese da SDE, que, entre dezembro de 2003 e dezembro de 2004:

1. as práticas da Representada reduziram a participação de mercado


da cerveja Nova Schin em 20%;

2. as práticas da Representada também reduziram a participação de


mercado da cerveja Kaiser em 20%;

3. no mesmo período, as marcas da Representada elevaram sua


participação em 8,5%, tendo a marca Antarctica aumentado sua
participação em 56,37%;

4. a distribuição ponderada de sua marca de cerveja sofreu


decréscimo de 13,16%, enquanto que as marcas AmBev sofreram
acréscimos percentuais; e

5. a AmBev elevou sistematicamente seus gastos com vendas e


marketing, incluindo despesas em razão dos programas de fidelização
implementados. (fl. 4418).

48. Com a sua petição, a Schincariol apresentou os documentos abaixo


mencionados. Às fls. 1649/1715, foi juntado parecer econômico contendo análise adicional
a respeito dos impactos sobre o mercado brasileiro de cerveja da aquisição do controle
acionário da AmBev pela Interbrew de autoria de Lúcia Helena Salgado, datado de
dezembro de 2004. Às fls. 1716/1737, foi juntado novo parecer econômico intitulado
“Análise Empírica da Conduta Anticompetitiva em Mercados de Cerveja no Brasil” de
autoria de Alexandre Vinícius Marques de Oliveira, datado de setembro de 2004.

49. A Schincariol também juntou diversas reclamações de pontos de venda sobre


a conduta da AmBev, bem como compromissos assinados por comerciantes sobre as
formas utilizadas pela AmBev para obter exclusividade de vendas, com as seguintes
alegações:

1. Antônio de Freitas Barbosa, comerciante em Uberlândia/MG: em


2004, quando passou a realizar distribuição direta, a AmBev criou
restrições a alguns PDVs, exigindo que comercializassem os seus
produtos com exclusividade;

2. Fernando Antônio de Queiroz, comerciante em Uberaba/MG: é


participante do Programa “Tô Contigo”, deseja trabalhar com outras
marcas, mas vem sendo pressionado pelo gerente, supervisor e
vendedor da AmBev, para não comercializar outras marcas de cerveja,
havendo inclusive ameaça de perder material, preço ou suporte
prometido pela Representada;

3. Jussara E. Ribeiro, comerciante em Uberaba/MG: alegou que também


estava sendo pressionada a ser revenda exclusiva da AmBev;

4. José Donizete Inácio, comerciante em Araxá/MG: alegou que está


impedida de trabalhar com a marca Nova Schin em razão do Programa

20
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

“Tô Contigo”, sob pena de perda de material em comodato e do preço


especial obtido na compra da cerveja; e

5. Dagomir Ribeiro e Nilza de Castro: termos de compromisso


estabelecendo exclusividade total para as cervejas AmBev em troca de
bens em comodato e bonificação.

50. A Schincariol peticionou novamente (fl. 2.039) para complementar sua


representação com a apresentação de novas informações. Como subsídio às alegações de
descumprimento do TCD e de prática anticompetitiva por parte da Representada, a
Schincariol trouxe aos autos (fls. 2053/2397):

a) centenas de declarações firmadas por pontos de venda espalhados por


todo o território nacional, que expressamente declaram que o programa
„Tô Contigo‟ traz consigo contrato de exclusividade, impedindo a venda
de cervejas de outras marcas. As declarações também provam que a
AmBev promove a retaliação e a punição de pontos de venda que
descumprem o compromisso de exclusividade ou que buscam desligar-se
do programa. Os depoimentos são diversos e retratam inúmeras formas
de sanção impostas pelo agente dominante a pontos de venda espalhados
por todo o território nacional;

b) dezenas de Atas Notariais e Declarações de vontade firmadas por


pontos de venda junto a Cartórios lotados em diversas regiões do país,
que exalam fé pública e retratam os mesmos fatos narrados no item „a‟
supra;

c) diversas degravações de depoimentos de pontos de venda;

d) cópias de contratos de exclusividade;

e) rol exemplificativo, com relação e fotografias de pontos de venda


recentemente assediados por AmBev para firmar contratos de
exclusividade, em troca de expressivos valores de dinheiro, bonificações
e material, o que demonstra a intensificação das práticas predatórias e o
emprego cada vez maior de dinheiro e bens para a consecução de tal
propósito;

f) reportagem com supermercadistas de Santa Catarina retratando a


deslealdade competitiva e, novamente, as formas de retaliação de AmBev
aos pontos de venda que não sucumbem aos seus reclamos;

g) anúncio em jornal realizado por ponto de venda desesperado, que não


aderiu às imposições da AmBev e foi retaliado;

h) documentação de reforço do programa „Tô Contigo‟ e de lançamentos


de outros programas assemelhados.

51. Às fls. 4031/4069, constam ofícios enviados pela SDE a empresas


concorrentes da Representada, solicitando informações eventualmente colhidas por suas
equipes de campo sobre as características do Programa “Tô Contigo” e seus possíveis
efeitos anticoncorrenciais.

21
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

52. Em resposta de fls. 4053/4075, a Schincariol afirmou sobre o Programa “Tô


Contigo” que:

Após a adesão do ponto de venda, este passa a ser fiscalizado pela equipe
de vendas da Representada que exige além do cumprimento das normas
constantes do Regulamento, exclusividade na aquisição das marcas da
Representada (mediante contrato escrito ou ameaça verbal de
desligamento, corte de fornecimento, perda de benefícios ou execução
contratual) ou diminuição no volume de compra de marcas concorrentes
(dependendo da área geográfica e da necessidade, sempre relacionada
ao fenômeno tempo-espaço-necessidade de intervenção)” (fls. 4117)
(grifos no original).

53. As respostas da Cervejaria Petrópolis e da Kaiser foram juntadas aos autos às


fls. 4056/4076 e 4077/4081, respectivamente. Em suas respostas, as duas empresas se
referem aos contratos formais de exclusividade de vendas firmados pela Representada com
PDVs. A Kaiser também traz alegações quanto à ocorrência de suposta exploração abusiva
do portfólio de marcas da Representada e à imposição de condições comerciais aos pontos
de venda, como preço de revenda da cerveja ao consumidor final, sem referências
específicas ao Programa de Fidelidade “Tô Contigo”.

54. Às fls. 4546/4547, consta petição da cervejaria Petrópolis, que comercializa a


Cerveja Crystal, informando que a Ambev continuaria praticando exclusividade de vendas
e para comprovar tal alegação, junta notificação extrajudicial.

V. DA DEFESA, DOS ARGUMENTOS E DAS MANIFESTAÇÕES DA


REPRESENTADA

A) DAS PRELIMINARES LEVANTADAS

55. Instaurado o processo administrativo, a SDE oportunizou defesa à


representada. A defesa da Representada foi juntada às fls. 710 e seguintes, oportunidade em
que algumas preliminares foram levantadas.

56. Com relação aos procedimentos adotados pela SDE, a AmBev, às fls.
786/787, criticou a instauração de Processo Administrativo, tendo alegado a inexistência de
indícios suficientes para a sua abertura e requerido a sua conversão imediata em
Averiguações Preliminares. Afirma também que é incabível a medida preventiva no caso e
ainda que o fosse, eram inexistentes os requisitos legais (fumus boni iuris ou periculum in
mora) para adotá-la, desconstituindo a necessidade de tal medida.

57. À fl. 2453, peticionou a Representada solicitando a concessão de 30 (trinta)


dias adicionais para apresentar manifestação sobre o conteúdo dos documentos e arquivos
eletrônicos copiados durante a inspeção.

58. Depois de decorrido o prazo de 60 (sessenta) dias para a Representada se


manifestar sobre o conteúdo dos referidos documentos, a AmBev alegou que não poderia
emitir qualquer comentário acerca do conteúdo dos documentos copiados pelas seguintes
razões: (i) haveria irregularidades no procedimento de inspeção; (ii) não estariam presentes
22
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

os requisitos para que um arquivo eletrônico possua valor probatório; e (iii) os arquivos
copiados não necessariamente refletiriam orientações ou atos comerciais efetivamente
existentes e poderiam não ser de responsabilidade da Representada.

59. Diante dessa resposta, a SDE enviou o ofício de fls. 2503/2504 à


Representada contendo os seguintes questionamentos:

1. Existem documentos/arquivos eletrônicos juntados aos autos os quais a


Representada não reconhece tratarem-se (sic) de documentos que diriam
respeito às suas atividades? Em caso afirmativo, informar quais.

2. Existem documentos/arquivos eletrônicos juntados aos autos que não


estavam nas dependências ou computadores da Representada antes da
realização da inspeção?

3. Existem documentos/arquivos eletrônicos juntados aos autos os quais a


Representada não reconhece sua autenticidade ou autoria? Em caso
afirmativo, informar quais.

60. Em resposta ao referido ofício, a Representada afirmou que: “A


Representada desconhece a existência de documentos e/ou arquivos eletrônicos que tenham
sido juntados aos autos e que não estavam na sede da Representada antes da realização da
inspeção da SDE” (fl. 2585). Nessa resposta, a Representada alegou também, em síntese,
que (fls. 2.506/2.511):

1. a AmBev não poderia emitir qualquer comentário acerca do conteúdo


dos documentos apreendidos pela razões apontadas acima;

2. os arquivos são dados eletrônicos privados, de manipulação incerta,


com conteúdo contraditório, linguagem imprecisa, entre outros
defeitos, que não refletem as opiniões e/ou posições da empresa;

3. não houve saneamento do processo em tela, o que impede a


Representada de se manifestar sobre os documentos e arquivos
eletrônicos colhidos na inspeção;

4. não há como reconhecer ou negar a autoria dos documentos e/ou


arquivos eletrônicos colhidos porque: (i) não haveria como afirmar
categoricamente que o conteúdo dos arquivos copiados durante a
inspeção representa a manifestação de vontade de um empregado da
empresa no exercício de suas funções, implicando a responsabilidade
da Representada; e (ii) seria impossível afirmar que o conteúdo dos
arquivos eletrônicos representam manifestações de vontade da direção
ou uma política administrativa e empresarial da empresa.

61. Em petição juntada aos autos às fls. 2.522/2.579, a Representada sustentou,


em síntese feita pela SDE (fls. 4422/4426), que:

1) não há como se manifestar sobre o conteúdo dos arquivos eletrônicos e


documentos colhidos em inspeção porque esta conteria vícios causadores
de nulidades processuais;

23
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

2) a SDE deu um “salto” processual ao passar o presente feito de


Procedimento Administrativo a Processo Administrativo;

3) deveria ter sido instaurada Averiguação Preliminar em caráter sigiloso no


presente caso, para garantir fundamentalmente a garantia de liberdade
da Representada;

4) a imputação pública de ilícito concorrencial a empresas acarreta sérios


prejuízos à sua imagem e reputação, mormente empresas de capital
aberto como a AmBev;

5) o despacho de instauração seria inválido pela falta de indícios suficientes


nos autos a corroborar a instauração do presente Processo
Administrativo, impondo-se sua anulação sem recurso ao CADE por falta
de previsão legal;

6) teria havido inversão da ordem natural dos atos processuais, uma vez que
ocorreu início da fase instrutória com a realização de inspeção antes do
encerramento da fase postulatória que deveria ter ocorrido com a
prolação do despacho saneador, o que teria causado prejuízos à
Representada na limitação do seu direito ao contraditório e à ampla
defesa;

7) até a inspeção realizada na AmBev, todas as operações de busca e


apreensão realizadas pela SDE referiam-se a investigações de práticas
horizontais;

8) o ato que determinou a inspeção seria nulo e desmotivado porque para


condutas verticais é inadequada a utilização de documentos internos
para verificar a intenção do agente;

9) a operação não foi de inspeção, mas de verdadeira busca e apreensão,


porque uma inspeção se caracterizaria apenas na observação, enquanto
o que ocorreu foi a extração de cópias de documentos físicos e
eletrônicos;

10) a inspeção seria um meio de prova altamente invasivo da privacidade da


Representada e desproporcional em relação ao resultado que se
pretendeu alcançar por afetar diretamente direitos fundamentais
constitucionais (CF 1988, art. 5º, incisos X, XI e XII);

11) a SDE teria violado o princípio da proporcionalidade ao não justificar a


imprescindibilidade da inspeção;

12) existiriam inúmeras alternativas à inspeção para que a SDE pudesse aferir
a conduta da Representada, como o envio de ofícios à Representada ou a
institutos de pesquisa;

13) a nota técnica que sugeriu a realização da inspeção não teria justificado a
sua necessidade, pois deveria ter demonstrado que a prova que se queria
obter pela inspeção era necessária e que não seria alcançável por
qualquer outro meio senão pela inspeção;

14) a SDE deveria ter especificado quais dados seriam úteis à instrução do
24
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

feito na nota técnica que sugeriu a inspeção;

15) o servidor Carlos Mauricio Sakata Mirandola não teria sido designado
pelo Sr. Secretário de Direito Econômico para participar do
procedimento de inspeção;

16) também havia três pessoas de uma empresa privada a serviço da SDE;

17) a SDE coletou cerca de 11 gigabytes (GB) de dados dos servidores da


Representada, incluindo-se aí a caixa de correio eletrônico de sete
funcionários. Depois de dois meses da realização da inspeção, a SDE
devolveu cerca de 10 GB, o que significa que a SDE considerou que 90%
dos dados coletados eram impertinentes à investigação;

18) a inspeção, da forma que foi conduzida pelos servidores da SDE,


ultrapassou os limites dessa diligência e feriu direitos fundamentais
protegidos pela Constituição Federal, como sigilo das correspondências
e dados bancários, o que a torna nula e maculando de nulidade todos os
atos praticados em decorrência dela;

19) a SDE violou a garantia do art. 5º, XI, da CF, ao entrar na sede da
Representada sem o respectivo mandado judicial;

20) a delegação de competências disposta no art. 19, § 3º, da Portaria MJ


849/2000 é ilegal e inconstitucional por não existir previsão legal para
tanto na Lei 8.884/94;

21) os dados coletados na inspeção, por constituírem-se basicamente de


arquivos eletrônicos, são inservíveis como meio de prova, pois podem ser
alterados, comprometendo-se um dos dois requisitos para sua
legitimidade; no caso, a integridade. O outro requisito é a autenticidade;

22) não há como aferir a autenticidade dos dados contidos nos servidores da
Representada e que é impossível afirmar que correspondem às
manifestações de vontade da direção ou política da empresa;

23) no mérito, resta juridicamente prejudicada qualquer manifestação da


Representada acerca dos documentos e arquivos eletrônicos colhidos em
inspeção, em razão das preliminares argüidas;

24) pronunciar-se-ia apenas sobre os documentos trazidos aos autos pela


representante;

25) os depoimentos colhidos pela SDE são de baixo valor probatório porque
não foram utilizados procedimentos metodológicos específicos; e

26) o processo deve ser saneado e que requer a produção de todos os meios de
prova admitidos em direito, especialmente a produção de pareceres e
estudos, de prova oral e documental.

62. Em outro momento processual, a AmBev assim se manifesta com relação à


pesquisa Ibope-SP, em síntese apertada (fls. 4203/4213):

 “há uma indefinição quanto à base utilizada para a escolha da amostra


25
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

da pesquisa”, em função da possível existência de um viés qualitativo em


sua composição;

 “o tamanho da amostra escolhida, de 180 estabelecimentos, não permite


uma avaliação por quebras”;

 “mesmo para uma avaliação do resultado total, desconsiderando as


quebras, a margem de erro é de, pelo menos, 11% para cima ou para
baixo (ou seja, uma amplitude de variação de 22%), o que torna qualquer
assertiva a respeito dos resultados da pesquisa inconclusiva”;

 quanto às perguntas do questionário, estas seriam “indutivas e subjetivas,


resultado em respostas imprestáveis para conclusões acerca de fatos
concretos”;

 indício dessa “equivocidade dos termos empregados em diversas


perguntas” seria o fato de que pela pergunta 8, “58% entendem que o
programa não cria dificuldades pela comercialização de outras marcas
de cerveja”, percentual que excede os 49% que afirmam haver
exclusividade; e

 por fim, “a pesquisa realizada pelo Ibope deve ser interpretada com
extrema cautela”, “carece de qualquer validade” e seu resultado “não
pode ser utilizado para se inferir conclusões a respeito de possíveis
efeitos nocivos do Programa “Tô Contigo” sobre o mercado”. (síntese da
SDE fl. 4448)

63. Em seguida, sobre as conversas mantidas por servidores da SDE com pontos
de venda em São Paulo e Brasília, a Representada, por meio de seus advogados, menciona:

1. “que o documento é totalmente inconclusivo e imprestável para ser


admitido como meio de prova minimamente válido”;

2. que há uma “indefinição” sobre o critério de amostragem adotado pela


Secretaria;

3. tratar-se-ia de pesquisa com “elevado grau de subjetividade, pouco


transparente quanto à base e às perguntas utilizadas, nebulosa descrição
dos resultados e que, portanto, contempla, a priori, marcantes
inconsistências”;

4. não teria havido nenhuma alteração na oferta de equipamentos ou nos


preços praticados aos pontos de venda em função da participação ou não
no Programa, tanto para os estabelecimentos visitados pela Secretaria
em São Paulo como em Brasília; e

5. a escolha dos pontos de venda selecionados para participar do programa


seria aleatória, conforme “mapas” com pontos de venda filiados e não
filiados ao Programa das áreas escolhidas pela SDE juntados aos autos
(em apartado confidencial), de modo que “o consumidor não incorre em
qualquer custo de deslocamento adicional para encontrar pontos de
venda não Tô Contigo” (síntese da SDE, fl. 4449)

26
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

64. Em sede de alegações finais12, no que se refere às preliminares, a AmBev


renova os argumentos já trazidos aos autos e já relatados, quanto à alegada nulidade
absoluta e impossibilidade jurídica de utilização do material copiado no procedimento de
inspeção.

B) DA DEFESA DA REPRESENTADA, DO MÉRITO E OUTRAS


INFORMAÇÕES APRESENTADAS

65. Em sua defesa, inicialmente sustenta a Representada que o mercado


concorrencial em questão é dinâmico, com forte flutuação das participações de mercado
por seus agentes. Acrescenta que a Representante é um player robusto no mercado, e não
pode ser apresentada como “fraco, prestes a ser aniquilado pela forte AmBev”.

66. No mérito, a defesa aborda as acusações na seguinte ordem: (i) Programa


Festeja; (ii) Programa “Tô Contigo”; (iii) utilização da cerveja Antarctica como marca de
combate; (iv) campanha de marketing; (v) documentos adicionais juntados pela
representante; e (vi) pedido de Medida Preventiva. Essa mesma ordem será obedecida na
sumarização dos argumentos trazidos pela Representada, a ser feita nos parágrafos a seguir.

67. De acordo com a AmBev, o programa “Festeja” teria caráter sazonal


(duração máxima de 90 dias, de outubro a dezembro), com baixo índice de cobertura (10%
dos PDVs) e com benefícios ao consumidor e ao ponto de venda. Ao primeiro porque
poderia adquirir produtos com desconto, e ao segundo por receber material publicitário
específico que lhe permitiria alavancar suas vendas.

68. Sustenta que inexiste causalidade entre o programa em questão e a campanha


“Experimenta!” da Schincariol, vez que o “Festeja” se deu em outubro de 2002, antes de se
ter noticia da criação da cerveja NovaSchin. Também, afirma que o programa não gera
impactos sobre a cerveja NovaSchin da Representante, dado o seu caráter sazonal, e que
promoções, liquidações, bem como outras alterações temporárias da política comercial são
estratégicas e concorrencialmente lícitas.

69. As contrapartidas dos PDVs que desejassem participar do Programa Festeja


poderiam ser de três tipos: i) redução mínima de R$ 0,11 no preço da cerveja ao
consumidor durante toda a vigência da promoção, sendo necessário o final 9 (nove
centavos) no preço praticado; ii) redução mínima de R$ 0,21 nos finais de semana, sendo
necessário o final 9 (nove centavos) no preço praticado; iii) redução nos preços praticados
para pedidos de 03 (três) unidades de cerveja.

70. Por fim, concluiu a Representada que “A AmBev, portanto, não concede
nenhum desconto ao ponto de venda e nem tem influência sobre as suas margens e, assim,
sobre o preço final do produto ao consumidor” (fl. 741, grifos no original).

71. Acerca do Programa “Tô Contigo” a Representada sustentou sua licitude e

12
A Representada apresentou tempestivamente suas alegações finais em 13 de fevereiro de 2007, juntada aos
autos às fls. 4359/4383.
27
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

suas características pró-competitivas. O programa teria sido criado para aumentar o nível
de satisfação dos PDVs e não como reação ao lançamento da cerveja Nova Schin, visto que
seu lançamento foi anterior ao início da comercialização dessa marca.

72. O Programa “Tô Contigo” seria um programa de fidelidade no qual os PDVs


participantes poderiam trocar pontos (01 caixa de cerveja vendida = 01 ponto) por prêmios
diversos, não havendo metas de volume.

73. A participação dos PDVs no Programa “Tô Contigo” não se confundiria com
os contratos de exclusividade assinados pela AmBev com diversos PDVs. Da mesma
forma, os prêmios recebidos em razão da acumulação de pontos no Programa “Tô Contigo”
não se confundiriam com os investimentos realizados pela AmBev em razão dos contratos
de exclusividade firmados. Esses contratos de exclusividade estariam autorizados pelo
CADE, pois teriam sido firmados em razão de investimentos relevantes e do interesse dos
PDVs, preenchendo os requisitos alternativos previstos na cláusula 2.5.1. do TCD.

74. A respeito da exclusividade de vendas, a Representada alegou que:

O „Tô Contigo‟ não impõe ao PDV qualquer determinação para que


produtos concorrentes não sejam adquiridos [...] não é um programa de
exclusividade, estando o ponto de venda livre para comercializar todas as
marcas concorrentes que desejar [....], dentre outras características não
exige exclusividade e não prescreve qualquer sanção na hipótese de saída
do PDV (fl. 752, grifos no original)

75. A Representada argumentou ainda que:

Outra característica do „Tô Contigo‟ que necessita uma ênfase constante


é que ele não obriga o PDV a uma permanência de tempo mínimo para
que este, então, possa fazer jus aos seus pontos e prêmios [...] o
estabelecimento participante que entender por bem se desligar do
Programa „Tô Contigo‟ tem o direito de trocar os seus pontos por
prêmios e a AmBev, por sua vez, compromete-se (se o PDV assim
desejar) a continuar fornecendo-lhe cerveja pelo mesmo preço e
condições oferecidas anteriormente (fl. 753, grifos no original)

76. A Representada também defendeu que o Programa “Tô Contigo” não criaria
dependência do PDV ao programa:

Além de não criar qualquer barreira à saída do ponto de venda do „Tô


Contigo‟, o programa também [...] não cria qualquer substancial
dependência comercial entre o estabelecimento e a AmBev [...] Os
prêmios não geram dependência para o funcionamento do ponto de
venda.[...] Ou seja, como não há regra para a utilização desses prêmios,
os mesmos mantêm-se igualmente complementares para bebidas de
marcas da AmBev e para bebidas que não sejam de marcas pertencentes
à AmBev. (fls. 754/755, grifos no original).

77. A Representada sustentou ainda que os prêmios do Programa “Tô Contigo”


não se configuram como renúncia de receita, visto que custaria apenas cerca de R$ 0,02 por
garrafa. Esse nível de desconto não poderia ser considerado como renúncia de receita nem
como fator capaz de influir significativamente a escolha dos PDVs.
28
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

78. Na verdade, argumenta a AmBev, o programa seria pró-competitivo, pois


permitiria que outras empresas continuassem a vender seus produtos nos PDVs
participantes e, também, criar programas similares. Após o lançamento do programa, a
Kaiser (Clube Kamarada), a Schincariol (Clube Schincariol de Vantagens) e a Frevo teriam
adotado programas semelhantes.

79. Após apresentar sua defesa do Programa “Tô Contigo”, a Representada


iniciou seus esclarecimentos acerca da acusação sobre: 1) uso da marca Antarctica como
marca de combate; 2) a lesividade da campanha de marketing; 3) os documentos
posteriormente juntados pela Schincariol, resumidos pela SDE nos seguintes termos (fls.
4412/4413):

1) [...] A acusação não seria verossímil porque a marca Antarctica não é


uma marca temporária, sendo que seus preços seriam, em média, 10,6%
superiores aos da Nova Schin e, ainda, seriam superiores ao seu custo
variável médio. Por fim, argumentou que a marca Antarctica sempre teve
margem de contribuição positiva e que a redução na diferença de seus
preços em relação aos preços da Nova Schin deveu-se mais em razão da
elevação dos preços da marca concorrente (15%) do que à redução dos
preços da marca Antarctica (5%).

2) [...]De acordo com a Representada, a propaganda é benéfica aos


consumidores, sendo que a utilização de campanhas vexatórias foi, na
verdade, prática da empresa Schincariol, tratando-se, de qualquer modo,
de querela privada e não de ilícito antitruste.

3) [...] A AmBev declarou que o vídeo degravado pela representante não


é verídico, pois a AmBev não ofereceu proposta de exclusividade ao PDV
mencionado; o referido PDV comercializa marcas concorrentes, não
participa do programa “Tô Contigo” e, em documento acostado à defesa,
o PDV afirmou ter deixado de vender a marca Nova Schin por sua livre
vontade. Acerca desses novos documentos, a AmBev também contesta as
razões apresentadas pela Schincariol para a perda de mercado de suas
marcas. Na verdade, a perda teria se dado pelo aumento de preços da
marca Nova Schin, em conjunto com a redução nas despesas de
publicidade.

80. Por último, a AmBev procurou distanciar o Programa “Tô Contigo” das
práticas da empresa Coca-Cola Company, analisadas pela Comissão Européia. As
diferenças entre os dois programas residiriam na não-exigência de exclusividade de vendas,
não-exigência de aquisição de quantidade percentual mínima ou estoques mínimos do
produto e política de descontos lineares, sem a presença de metas de venda.

81. Às fls. 1635/1636, foi enviado ofício à Representada requisitando


informações adicionais sobre o Programa “Tô Contigo”, cuja resposta foi juntada aos autos
às fl. 1642 e seguintes. Em suas informações, a Representada reafirmou que não exige
qualquer tipo de exclusividade dos participantes do Programa “Tô Contigo”. No que se
refere às quantidades de cerveja a serem adquiridas pelos PDVs, afirmou que não é exigido
consumo mínimo, porém o programa não é destinado a revendas que consomem menos de
5 caixas de cerveja/mês.

82. Com relação à petição que respondeu ao procedimento de inspeção, a


29
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

Representada argumentou quanto ao mérito que:

a) o Programa Festeja foi sazonal (outubro a dezembro de 2003), tendo


respeitado a liberdade de escolha do ponto de venda e com baixo
índice de cobertura (10% dos PDVs);

b) em relação ao uso da Antarctica como marca de combate, esclarece


que não vende e nunca vendeu qualquer uma de suas marcas a
preço abaixo do custo variável médio;

c) a disputa publicitária é objeto de auto-regulamentação pelo CONAR,


sendo que são benéficas do ponto de vista estritamente
concorrencial;

d) o Programa “Tô Contigo” é desenvolvido junto aos PDVs com vistas


a fazer com que eles valorizem e diferenciem o serviço AmBev
como o melhor dentre os fornecedores do varejo;

e) a estratégia comercial da Representada no que tange ao


relacionamento com o ponto de venda deveria ser melhorada em
razão de resultados de estudos que apontaram o serviço dessa
empresa como insatisfatório ou pouco satisfatório;

f) a partir dessa constatação, a AmBev iniciou estudos para o


desenvolvimento do Programa “Tô Contigo” que se baseia em duas
“âncoras”: (i) o PDV ganha pontos ao comprar caixas de cervejas
da Representada e troca esses pontos acumulados por prêmios,
tendo um limite de 600 pontos/mês, não havendo metas de volume
para a premiação; e (ii) confere oportunidades para o PDV se
desenvolver comercialmente por meio da oferta de descontos em
assinaturas de canais esportivos de televisão paga e outras
vantagens oferecidas no portal de compras Magazine Luiza;

g) o Programa “Tô Contigo” não guarda relação com o lançamento da


Nova Schin, pois foi criado em outubro de 2002, enquanto aquela
cerveja foi colocada no mercado em setembro de 2003;

h) até março de 2004, o Programa “Tô Contigo” atingiu apenas 5% do


universo dos pontos de vendas do Brasil;

i) a partir de março de 2004, a Representada tomou o cuidado de


informar aos novos PDVs que fossem aderir ao Programa “Tô
Contigo” que a pontuação não pressupõe nenhuma alteração na sua
liberdade de comercializar produtos de empresas concorrentes;

j) enviou carta aos PDVs informando que a participação no Programa


“Tô Contigo” não pressupõe a comercialização de produtos
fabricados apenas pela AmBev (cópia às fls. 2.653);

k) os PDVs consultados pela AmBev declararam exatamente o

30
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

contrário ao alegado pela representante, quanto à exigência de


exclusividade e à existência de preços diferenciados no Programa
“Tô Contigo”;

l) as declarações de PDVs juntadas aos autos pela representante foram


obtidas por meios escusos.

83. Quanto à verificação de campo feita por servidores da SDE no que se refere à
lista de pontos de vendas que teriam se desligado do Programa “Tô Contigo”, a
Representada informou ter contratado a empresa Ernst & Young para auditar a correção e
veracidade dos dados apresentados à SDE. Por fim, juntou em apartado confidencial
Auditoria da Ernst & Young que trata da verificação de informações de seleção de PDVs
na Grande São Paulo registradas no sistema de gestão “Tô Contigo” durante os anos de
2005 e 2006. Com base na auditoria realizada, a Representada alega que os números
apresentados seriam válidos e refletiriam inexistência de diferenças de preços entre os
pontos de venda participantes e os desligados do Programa “Tô Contigo”.

C) DOS PARECERES E ESTUDOS APRESENTADOS PELA


REPRESENTADA

84. Antes de protocolar sua defesa, a Representada requereu a juntada aos autos
(fls. 683 e seguintes) de parecer econômico de autoria de César Costa Alves de Mattos, que
concluiu que o Programa “Tô Contigo” não teria caráter anticompetitivo e seria compatível
com o TCD firmado pela AmBev. De acordo com o parecer, o programa “não contraria o
TCD e não pode ser identificado como uma forma velada de imposição de exclusividade”
(fl. 686). As conclusões contidas nesse parecer foram baseadas nos seguintes pressupostos:

a. O programa não possui qualquer exigência de exclusividade;

b. Sua cobertura é reduzida, abrangendo cerca de 12% dos PDVs e


12% do volume de cerveja no Brasil;

c. Não é exigida ou induzida a compra casada de produtos;

d. Não existem mecanismos de indução endógena à exclusividade, pois


não são concedidos descontos na aquisição de cervejas ou outros
produtos AmBev ou a concessão de caixas de cervejas como
prêmio;

e. As regras de premiação são lineares em relação ao consumo;

f. Não há desvantagens em termos de preço, prazos de entrega, ou


desconto nos produtos entre os pontos de vendas que participam e
os que não participam do programa;

g. Não há a ampliação de custos de troca, pois não há restrições para a


participação do PDV em programas similares de outras cervejarias:
“ou seja, o PDV pode ser „infiel‟ o quanto quiser no Programa de
31
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

Fidelidade do „Tô Contigo‟, sem que a „traição‟ ao parceiro


(AMBEV) gere penalidades” (fl. 695); e

h. Não há exigência de permanência mínima, prática de preços


predatórios ou externalidades de rede.

85. Às fls. 1587/163313, a Representada apresentou nova manifestação aos autos,


com pareceres que demonstrariam a conformidade concorrencial do Programa “Tô
Contigo” frente às legislações concorrenciais dos EUA e da União Européia. A suposta
aderência do Programa “Tô Contigo” à legislação norte-americana foi constatada pelo
escritório Cravath, Swaine & Moore LLP, contratado pela Representada para emitir
opinião. Para chegar às suas conclusões, o escritório se baseou nas seguintes informações:

1. o programa foi oferecido a cerca de 10% dos clientes AmBev;

2. existe bonificação linear de 1 ponto para cada caixa de cerveja


adquirida;

3. não há a obrigatoriedade de compra de volumes mínimos;

4. não há exigência de exclusividade; e

5. o custo do programa é de aproximadamente 1,4% do preço da


cerveja vendida aos clientes. As margens brutas desses pontos de
vendas é de 30%, mantendo-se acima de 20% após os descontos.

86. Com base nessas informações acerca do programa, o parecer levantou os seguintes
pontos:

1. não existe caso na jurisprudência norte-americana sobre programa


idêntico ao apresentado;

2. é possível encontrar casos semelhantes se o programa for entendido


nesses termos: empresa com grande participação de mercado
oferecendo descontos não-predatórios para grandes consumidores
sem a exigência de exclusividade;

3. o caso Concord Boat Corp. v. Brunswick Corp foi julgado como


lícito, não obstante a ré detivesse 75% do mercado e seus descontos
chegassem a 3%. Da mesma forma que o programa da AmBev, o
caso Concord Boat não exigia exclusividade dos clientes; e

4. programas de fidelidade muitas vezes demonstram o vigor do


mercado.

87. A aderência do Programa “Tô Contigo” à legislação européia foi defendida

13
Em resposta ao ofício de fl. 2400 da SDE, a Representada apresentou, às fls. 2422/2435, versões corrigidas
das traduções apresentadas na petição de fls. 1587/1633.

32
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

pelo escritório Clifford Chance, contratado pela Representada para emitir opinião. De
acordo com as informações fornecidas pela AmBev acerca do programa, o mencionado
escritório chegou à seguinte conclusão:

Os aspectos chave do Programa da AmBev são consistentes com a lei


sobre programas/descontos de fidelidade. (...) o programa não é
discriminatório, pois oferece benefícios padronizados a todos os
membros. Não há a exigência de exclusividade, nem os clientes ficam
obrigados a adquirir produtos da AmBev por um longo período de tempo.
Finalmente, o programa somente se refere a cerveja e não tenta impelir
vendas aumentadas de outros produtos da AmBev. Os descontos não
estão vinculados a compras mínimas. (fl. 1591).

88. A Representada apresentou nova petição às fls. 1980-2019, na qual foram


juntados dois pareceres: (i) um econômico, de autoria de João Manoel Pinho de Mello e
Vinicius Carrasco, que buscou avaliar a evidência econométrica contida no parecer
econométrico juntado aos autos pela Schincariol (fls. 1995/2003); e (ii) outro jurídico,
proferido por Celso Fernandes Campilongo, sobre o Programa “Tô Contigo” (fls.
2004/2025).

89. O primeiro parecer critica o modelo econométrico apresentado pela


Schincariol que, em razão de problemas metodológicos, como viés de estimação e erro na
estimação de parâmetros e da conduta, não serviria como prova de conduta predatória por
parte da AmBev. Em seguida, o autor do parecer questiona a própria eficácia da utilização
de modelos econométricos para o mercado em tela.

90. Por sua vez, o parecer de Celso Fernandes Campilongo (fls.1998/2019) opina
que o “Tô Contigo” não representa barreira à entrada ou ao funcionamento de concorrentes,
pelas seguintes razões: (1) não haveria fechamento de mercado, porque ausentes a
imposição de exclusividade e criação de dificuldades para deixar o programa, podendo os
PDVs participantes sair a qualquer tempo, sem imposição de penalidades, e sendo o
acúmulo de pontos pautado em regra linear (“uma caixa, um ponto”) ainda trocável por
prêmios, bem como não presentes a dependência ou complementaridade entre prêmios
ofertados pelo “Tô Contigo” ao negócio dos PDVs/ e (2) não haveria exclusão de
concorrentes, tanto assim, que se constata a entrada de novos quatro players no mercado.

91. Mesmo potencialmente, para o parecerista, o programa não seria capaz de


dificultar o funcionamento dos rivais ou provocar fechamento do mercado, por representar
apenas 1% de desconto por garrafa, ter alcance limitado a 12% dos PDVs com presença da
AMBEV e vender produtos em valor superior ao dos concorrentes. Ademais, não se
constituiria desconto por fidelidade, mas mera promoção de venda, porque os prêmios não
redundam na aquisição do mesmo gênero.

92. Em analogia a teste da Comissão Européia14, o parecerista vê nele prova


prática de que “em nenhuma jurisdição” o “Tô Contigo” seria censurado, porque, além de
transparente, não exige consecução de metas ou parcela mínima das provisões totais do
PDV, e não há sujeição a comparações com volumes adquiridos anteriormente. A decisão
da Comissão Européia no caso Coca-Cola não se aplicaria ao Programa “Tô Contigo”, pois

14
Cf. Caso Coca-Cola, pp. 2015/2016 dos volumes públicos.
33
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

as condutas proibidas não são praticadas pela AmBev, a saber: (i) exigência de
exclusividade; (ii) descontos vinculados a metas de compras; (iii) exigência de volume
mínimo ou percentual das provisões do PDV; (iv) desconto vinculado à performance
passada; (v) desconto por performance não transparente; e (vi) regras de saída obscuras.

93. Por fim, o parecerista considera que o “Tô Contigo” é instrumento válido a
envolver a qualidade do produto e “marketing” respectivo, mas também a qualidade de
atendimento ao cliente, a promoção dos produtos no PDV e a política de preços (incluindo
os descontos). Não vê abuso na postura da AMBEV, que, ao contrário, enfrenta
concorrência eficiente, em face da qual se vale de práticas competitivas como reduções de
preços na forma de promoções. Em conclusão, diz que foram observadas todas as cautelas
na elaboração do “Tô Contigo”.

94. A Representada juntou ainda parecer econômico de lavra de Afonso Arinos


de Mello Franco Neto, às fls. 3.814/3.866 dos autos. É analisada a dinâmica produzida por
programas de fidelidade: em particular, o potencial de concentração de compras por ponto
de venda; e suas potenciais eficiências, principalmente quando o diferencial reflete
diferenças de custos logísticos. São também ressaltadas as particularidades do Programa
“Tô Contigo”, que distribui prêmios e não descontos ao ponto de venda. Ao final, o parecer
busca medir a não-linearidade implícita do programa, concluindo pela inexistência de
qualquer indício de predação ou incentivo econômico endógeno à exclusividade decorrente
das práticas ali sintetizadas.

95. Para o parecerista, como não haveria qualquer complementaridade específica


das mercadorias oferecidas em prêmio com produtos da AMBEV, não existiria razão para a
configuração de qualquer indução de compras por venda casada. Ainda, o regulamento do
“Tô Contigo” não abrangeria a imposição ou coação do PDV participante a conceder, em
contrapartida, preferência ou exclusividade de fornecimento de quaisquer produtos à
Ambev.

96. O parecer ainda defende que o “Tô Contigo” não teria o condão de gerar
preços médios e marginais implícitos que pudessem induzir uma concentração significativa
das compras dos PDVs em produtos Ambev 15. Para o parecerista Franco Neto, a taxa de
cobertura do “Tô Contigo” seria de apenas 12% do mercado e fração irrisória dos inscritos
no programa tenderiam a concentrar seu fornecimento em produtos AMBEV. Em
continuação, o preço marginal implícito do produto do “Tô Contigo” seria
sistematicamente superior ao preço dos produtos da Nova Schin, para qualquer quantidade,
razão pela qual o parecerista afasta a possibilidade de existência de preços predatórios.
Assim, conclui que o “Tô Contigo” não teria quaisquer das características reconhecidas na
literatura como necessárias para que programa de descontos pudesse incentivar a
concentração ou a exclusividade no fornecimento dos clientes inscritos, e por isso, não teria
provocado qualquer efeito anticoncorrencial.

97. Em petição de fls. 3867/3895, a Representada juntou os seguintes pareceres


aos autos:

15
O maior desconto implícito alcançável no preço médio dos produtos do “Tô Contigo” seria de insignificantes
3%, destacando-se ademais que o desconto só é crescente até o limite de 3% para as primeiras caixas adquiridas
por ano
34
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

1. parecer da lavra de Calixto Salomão Filho, às fls.


3.896/3.920;

2. pesquisa de satisfação do Programa “Tô Contigo”


elaborada pela empresa Research International, às
3.921/3.933;

98. O parecer de Calixto Salomão Filho conclui pela não-ocorrência de ilícito


concorrencial na forma em que fora moldado o Programa “Tô Contigo”, partindo do
pressuposto de que esse programa de fidelização não impõe em momento algum a
exclusividade de vendas aos PDVs aderentes. Após digressão teórica sobre a cláusula de
exclusividade como espécie de negociação compulsória, sua avaliação concorrencial,
requisitos de aplicação e sua interpretação, o parecerista diferencia tais práticas da disputa
pelo ponto de venda por meio de programa de fidelidade, principalmente no que se refere à
extensão dos efeitos pró-competitivos.

99. Analisando o caso concreto, descaracteriza o Programa “Tô Contigo” como


conducente a exclusividade em sentido estrito, pois estariam ausentes na sua configuração a
compulsoriedade e o propósito de dominação. Para o parecerista, “a exigência de fidelidade
integral para permanência no programa não aproxima a prática de exclusividade, não só por
ausente o elemento imposição como também porque não emerge propriamente nenhuma
obrigação de não adquirir produtos concorrentes”. Mesmo economicamente, para Calixto
Salomão, não existiria incentivo a aceitar o programa de fidelidade. Ainda, não haveria no
“Tô Contigo” indício de discriminação, tal como premiação distinta, tampouco indício de
preços predatórios. Portanto, o “Tô Contigo” seria pró-competitivo e não violaria a cláusula
2.5.1 do Termo de Compromisso de Cessação firmado.

100. A pesquisa de satisfação do Programa “Tô Contigo” elaborada pela empresa


Research International constata, em síntese, que:

 marcas da concorrência teriam sido vendidas pelos participantes do


Programa “Tô Contigo” e seria baixo o número de estabelecimentos que
dizem não ter liberdade de escolher seus fornecedores de cerveja (6%);

 80% estariam satisfeitos ou muito satisfeitos com o programa “Tô


Contigo” e 97% pretenderiam continuar participando dele.

101. A Representada traz ainda a opinião de Einer Elhauge, que se manifesta em


três oportunidades:

1. Memorandum for Ambev: Antitrust and Competition Analysis of


the “Tô Contigo” Program (fls. 3.934/3.938) e respectiva
tradução para o português, às fls. 3.939/3948, anexo à petição de
fls. 3867/3895, de 09 de novembro de 2005

2. Memorandum on SDE Note on Ambev‟s “Tô Contigo” Program


em apartado confidencial, anexo às alegações finais de 13 de
fevereiro de 2007 (fls. 182/190).

3. Memorandum on the SDE Opinion Entitled “Review of the


35
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

effects of the program on competition” (fls. 4566/4604 e


respectiva tradução (4605/4643) anexo à petição datada de 28 de
dezembro de 2007 (4559/4565).

102. Em resumo, os pareceres exarados por Einer Elhauge partem da hipótese de


que o Programa “Tô Contigo” exige exclusividade dos PDVs participantes, concluindo,
mesmo assim, por sua licitude do ponto de vista concorrencial. Para ele, a análise
apresentada pela SDE não comprovaria quaisquer efeitos anticompetitivos advindos do
Programa. Não teria se comprovado substancial fechamento de mercado capaz de aumentar
os custos dos rivais.

103. Para o parecerista, rivais igualmente eficientes poderiam vencer o alegado


desconto por fidelidade ou poderiam concentrar vendas para superar eventual efeito sucção.
Para ele, quando um programa alegadamente anticompetitivo dura o tempo que já durou o
“Tô Contigo”, a ausência de quaisquer indícios de reais efeitos anticompetitivos sugere
fortemente que o programa não é anticompetitivo, porque se assim fosse, haveria de ter se
manifestado no mercado.

104. Segundo Elhauge, a análise deveria abranger também a venda de cervejas


por outros canais que não o bar, os quais fazem parte do mesmo mercado relevante. Em
análise conservadora, o suposto fechamento do mercado relevante seria diminuto, menor
que 10%. Em termos puramente teóricos, o “Tô Contigo” não seria ilegal tanto sob uma
teoria de não linearidade de preços referente à geração de efeitos no mercado de cerveja
upstream (à montante) quanto sob uma teoria de clusterização referente à geração de
efeitos nos mercados locais varejistas downstream (à jusante). Por fim, conclui que o “Tô
Contigo” teria diversos benefícios pró-competitivos não considerados pela SDE.

105. A Representada se manifestou às fls. 4191/4213 e, em anexo a tal petição,


juntou Nota Técnica elaborada pela Tendências Consultoria Integrada, denominada
“Avaliação do Modelo da SDE sobre Contratos de Exclusividade Envolvendo Varejistas”
(fls. 4215/4221, doravante „Nota Técnica Tendências‟) e parecer elaborado pela LCA
Consultores, denominado “AmBev - „Tô Contigo‟: Críticas à nota teórica elaborada pela
SDE” (fls. 4222/4228, doravante „Parecer LCA‟), com referência à Nota Técnica
disponibilizada pela Coordenação Econômica da SDE. Em breve resumo feito pela SDE
(fls. 4450/4452), a Representada alega que:

1. a premissa de “clusterização” alegada pelo modelo seria inválida;

2. a formação de clusters seria impossível nesse mercado, seja pela


não concordância de alguns pontos de venda em se tornarem exclusivos,
seja pela possibilidade de entrada de novos pontos de venda;

3. as premissas adotadas pelo modelo não são válidas no caso em


tela, uma vez que (i) “o programa „Tô Contigo‟ não se confunde com
contrato de exclusividade”; (ii) “O exame da distribuição do „Tô
Contigo‟ em diferentes áreas amostrais demonstra uma clara inexistência
de clusterização”; (iii) “A AmBev não concede transferências lump sum
ao PDV participante do „Tô Contigo‟”.

4. “a AmBev não concede descontos diferenciados para pontos de


venda fora e dentro do „Tô Contigo‟”; e
36
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

5. os preços médios dos pontos de venda desfiliados do Programa é


“simplesmente insignificante” em relação aos preços precedentes, de
modo que não há indícios de eventual retaliação em função de suposta
cláusula de exclusividade.

106. Segundo a Nota Técnica Tendências, resumida pela SDE (fls. 4450/4451):

1. haveria equívocos na função de utilidade adotada e na dedução


matemática do modelo, implicando condições mais restritivas que as
originalmente avaliadas;

2. a distribuição espacial de pontos de venda não confirmaria a hipótese de


formação de clusters, adotada no modelo e que “aumenta
dramaticamente a eficácia do fechamento de mercado”;

3. uma distribuição espacial aleatória de pontos de venda levaria o custo de


deslocamento dos consumidores das marcas rivais a níveis desprezíveis,
tornando improvável a prática e fornecendo as mesmas condições; e

4. a modelagem seria confusa e de notação pouco precisa, questionando seu


emprego como “evidência conclusiva de que o fechamento de mercado
por meio do estabelecimento de pontos de venda exclusivos seja uma
„estratégia dominante‟ no segmento downstream do mercado de bebidas
no Brasil” e a capacidade de uma aplicação direta deste à realidade
brasileira.

107. Na opinião do Parecer LCA, sumariado pela SDE (fls. 4451/4452):

1. o modelo considerado pela Secretaria não seria um equilíbrio


estável, em função do custo de oportunidade crescente dos pontos de venda
em se manterem fiéis;

2. não confirmam as hipóteses de exclusividade e formação de


clusters e presença de transferências lump sum associadas ao Programa,
tornando não aplicável o modelo teórico desenvolvido;

3. em relação à configuração de clusters, haveria “dificuldades


teóricas em aceitar a hipótese”, bem como não haveria “elementos
concretos que indiquem, na prática, uma organização dos PDVs “Tô
Contigo” em clusters”. Mais especificamente, com relação aos aspectos
teóricos, a dificuldade decorreria:

i. de “custos marginais crescentes para incluir todos os


PDVs de uma área dentro do programa” – o que
excederia o ganho da Representada com a prática para
qualquer mercado com mais de três pontos de venda;

ii. da possibilidade de entrada de novos pontos de venda – o


que reduziria o ganho da Representada com a prática; e

iii. da falta de estabilidade do cluster, uma vez que a única


estratégia dominante seria o fechamento de todo o
cluster.

37
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

4. o alcance de mercado do Programa “Tô Contigo” seria muito


reduzido para impor prejuízos, alcançando somente cerca de 2% dos pontos
de venda se os dados do Ibope fossem considerados;

5. o desenho do programa exclui ou torna pouco atrativo pontos de


venda com volumes muito pequenos e muito grandes, tornando improvável o
fechamento;

6. não se verificariam transferências lump sum na relação entre a


Representada e os pontos de venda aderidos ao Programa “Tô Contigo”; e

7. o paper não fornece substrato teórico suficiente para embasar o


enquadramento do programa “Tô Contigo” como uma conduta com efeitos
anticoncorrenciais.

108. Após as alegações finais, a Representada junta em apartado confidencial


(fls. 191/201) o documento “Comentários da LCA sobre a Nota Técnica da SDE:
Alegações Finais” de fevereiro de 2007 que, em linhas gerais, comenta pontos da Nota
Técnica e reforça os argumentos já apresentados.

D) DAS ALEGAÇÕES FINAIS

109. A Representada apresentou tempestivamente suas alegações finais em 13 de


fevereiro de 2007, juntada aos autos às fls. 4359/4383. No mérito, a Representada alegou a
inexistência de infração à ordem econômica em relação a todas as condutas analisadas no
presente feito. Segundo síntese feita pela SDE (fls. 4453/4454), a Representada alegou que:

a. Nunca vendeu cerveja Antarctica abaixo do seu custo variável médio, o


que tornaria insólita qualquer acusação de predação;

b. O Programa “Tô Contigo” não violaria o disposto na cláusula 2.5 do


Termo de Compromisso de Desempenho celebrado com o CADE, porque
esse seria um programa de natureza de negócio jurídico unilateral, tendo
em vista que os pontos de vendas estariam livres para adquirir a
quantidade de produtos que desejarem e poderiam se desligar a qualquer
momento do programa, sem a perda dos pontos acumulados ou qualquer
outro tipo de sanção;

c. O Programa “Tô Contigo” não implicaria possibilidade de aumento de


preços pela Representada ou qualquer outra diminuição de bem-estar
para o consumidor;

d. Que os preços praticados efetivamente pela empresa aos pontos de venda


desfiliados do Programa demostram que estes não sofreram retaliações
comerciais por essa razão – dados estes auditados e confirmados pela
Ernst&Young;

e. O custo do deslocamento para o consumidor não seria afetado pela


existência do Programa “Tô Contigo”, sendo que seria impossível

38
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

qualquer tentativa de elevação de preços em mercados locais com base


na diferenciação de marca ao consumidor;

f. O desconto do Programa “Tô Contigo” seria linear porque 01 (uma)


caixa de cerveja corresponderia 01 (um) ponto de desconto e a
participação dos pontos de venda não estaria vinculada a qualquer
solicitação de exclusividade;

g. O valor de desconto de 3% apresentado na nota técnica da SDE estaria


viciado porque não encontraria qualquer correspondência com a
realidade orçamentária do Programa “Tô Contigo”;

h. O valor de desconto de 3%, utilizado pelo Prof. Afonso Arinos em parecer


juntado aos presentes autos, teria sido calculado: “sob hipóteses
extremamente conservadoras e, assumidamente, sem correspondência
com o mundo real”;

i. O valor de desconto de 3% seria o maior desconto implícito alcançável no


preço médio dos produtos do Programa “Tô Contigo”;

j. Mesmo que houvesse não-linearidade no Programa “Tô Contigo”, esse


não seria capaz de excluir rivais do mercado; e

k. Não existe base em teoria econômica para a assertiva de que um


percentual de fechamento deva incluir bares que decidam comprar todos
seus produtos da Representada.

110. Ao final de suas alegações finais, a Representada solicitou o imediato


arquivamento do presente Processo Administrativo.

VI. DA OPINIÃO DOS ÓRGÃOS PARECERISTAS

A) DAS CONCLUSÕES DA SEAE

111. A SEAE/MF encaminhou expediente informando que não se manifestaria no


feito, nos termos do artigo 38 da Lei 8.884/94 (fl. 1641).

B) DAS CONCLUSÕES DA SDE

i. NO QUE TANGE ÀS
PRELIMINARES
1. DAS PRELIMINARES GERAIS

112. A Nota Técnica DPDE de 09 de novembro de 2005 (fls. 3774/3787), que


fundamenta o despacho nº 874 da SDE, versou sobre as preliminares, de modo a sanear o
processo. Após relato de todas as preliminares suscitadas pelas requerentes em suas defesas
39
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

e manifestações posteriores nos autos, aí incluindo as relacionadas ao procedimento de


inspeção, o Departamento centra sua análise nas provas constantes dos autos até aquele
momento. A SDE entendeu pelo indeferimento de todas as preliminares arguidas por falta
de amparo legal.

113. Em primeiro lugar, a abertura de Processo Administrativo prescindiria da


promoção de Averiguações Preliminares, sempre que estiverem presentes fortes indícios de
infração à ordem econômica, nos termos do art. 30 da Lei nº 8.884/94. A valoração dos
indícios necessários seria juízo discricionário do Secretário de Direito Econômico, que, no
caso em tela, julgou que a representação já continha indícios suficientes para a abertura
imediata de Processo Administrativo ao mesmo tempo em que considerou que não estavam
plenamente configurados os requisitos para a concessão da Medida Preventiva.

114. Na opinião da Secretaria, “[c]aso não reste dúvida da conduta e os fatos


estejam totalmente provados, o dever da SDE é encerrar a instrução processual e sugerir a
condenação. Na verdade, estando preenchidos os requisitos acima, a condenação pelo
CADE é mera questão de tempo, visto que os órgãos da administração pública têm o poder-
dever de cumprir o disposto na legislação.” Assim, a SDE indeferiu o requerimento de
conversão da investigação em Averiguações Preliminares.

115. A SDE também desconsiderou a preliminar de que o Processo


Administrativo foi instaurado sem que a Representada se manifestasse. Para a Secretaria, a
Representada foi recebida em audiência em 31 de maio de 2004, teve a oportunidade de se
manifestar nos autos (petição juntada às fls. 564 e ss.). Sua manifestação foi analisada e
relatada na nota técnica que motivou a abertura do presente processo. Por fim, não haveria
qualquer exigência legal para tanto.

116. Para o órgão instrutório, a arguição de nulidade de atos processuais em


razão da ausência do saneamento do processo também não merece prosperar. O art. 18 da
Portaria nº 849/2000, então vigente quando da emissão da nota técnica de saneamento,
estabelece, em seu caput, apenas que o saneamento e a coleta de provas ocorrerá após o
prazo para a apresentação de defesa da Representada. Ainda, as diligências realizadas não
teriam trazido qualquer prejuízo ao amplo direito de defesa da Representada.

2. DAS PRELIMINARES REFERENTES À INSPEÇÃO

117. Para a SDE, não assiste razão à Representada quando questiona o


procedimento de inspeção, pois não há qualquer vício no procedimento utilizado, que se
mostraria válido, eficaz e razoável. Uma vez iniciada uma investigação, caberia à SDE
apurar os fatos pelos meios legais que lhe são permitidos – aí expressamente incluído o
procedimento de inspeção.

118. Ressalta a Secretaria que “discutir se a intenção dos agentes é relevante para
a investigação de restrições verticais que violam a concorrência é matéria de mérito e não
de preliminar e, portanto, não merece ser aqui analisada” (fl. 4428), mas investigar a
intenção dos agentes em qualquer investigação teria guarida nos arts. 20 e 27 da Lei
8.884/1994.
40
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

119. A SDE esclarece que “a motivação para a realização do procedimento de


inspeção surgiu da disparidade das informações apresentadas pela Representada [...]
especialmente quanto aos requisitos necessários para participar dos programas de
fidelização objeto da investigação do presente processo” (fl. 4428/4429). Na opinião do
órgão, a execução da inspeção seguiu integralmente todos os critérios estabelecidos na Lei
8.884/1994, inclusive quanto à notificação com 24 horas de antecedência (fax contendo a
notificação sobre a inspeção às fls. 2458/2469). Dessa forma, não mereceria prosperar a
alegação da Representada.

120. Quanto à preliminar de ilegalidade na extração de cópia de documentos


físicos e eletrônicos durante a inspeção, a SDE frisou que se trata de ato previsto pela
legislação e, portanto, independe de autorização judicial. Alega a SDE:

O reduzido volume de dados e a forma como foi realizada a cópia


demonstram cabalmente que a inspeção efetuada foi restrita e que não se
confundiu, em momento algum, com execução de mandado de busca e
apreensão, até porque a diferença entre inspeção e busca e apreensão
não está no tipo ou teor de documento apreendido, mas na forma de
executar cada procedimento, como segue. (fl. 4430).

121. Sobre o argumento trazido pela Representada de que, em algumas


jurisdições citadas, seria necessária a expedição de mandado judicial para a realização do
tipo de operação realizada, defende a SDE que a comparação com os procedimentos
adotados em outros países é descabida, pois cabe às autoridades antitruste brasileiras
aplicar a legislação brasileira.

122. Na opinião da Secretaria, a alegação de nulidade em razão das pessoas que


participaram da inspeção também não deve prosperar. Em primeiro lugar, não haveria
qualquer previsão legal acerca da nominação dos agentes que irão efetuar a inspeção, o que
foi feito com caráter de mera cortesia para auxiliar a identificação dos servidores quando
do comparecimento desses à sede da empresa. Segundo, não enseja qualquer vício
reorganizar à equipe que participará do procedimento, com vistas a melhor atender ao
objetivo da diligência. Por fim, há que se ter em conta a presunção de imparcialidade dos
servidores públicos e que, se houvesse algum questionamento acerca do servidor Carlos
Maurício Sakata Mirandola, único servidor não identificado anteriormente, esse já teria
sido feito após meses da realização da diligência.

123. Para a SDE, as mesmas conclusões se aplicam em relação ao


questionamento dos peritos contratados pela SDE para o cumprimento das atividades
técnicas na área de informática. Os peritos foram contratados em razão de sua expertise
para assegurar a autenticidade dos dados a serem copiados e firmaram compromisso de
sigilo junto ao órgão instrutório. Assim, a SDE conclui que os peritos atuaram como
assistentes técnicos, tendo sido uma garantia adicional à Representada.

124. Nesse tocante, mais adiante à fl. 4457, a SDE acrescenta que não houve
publicação do despacho sobre contratação dos assistentes técnicos em computação porque
o procedimento de inspeção foi implementado da forma a mais discreta possível para
assegurar o seu bom andamento e também para preservar a imagem da empresa
Representada. A Secretaria esclarece que, após a inspeção, foram tornados públicos os
despachos do Secretário de Direito Econômico, relativos a esse procedimento e que consta
41
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

despacho do Chefe de Gabinete do Secretário à fl. 2.477 justificando a não-publicação,


naquele primeiro momento.

125. A SDE descarta a preliminar com relação à extensão da duração da inspeção


após as dezoito horas, pois tal fato teria ocorrido tão-somente em razão da extrema lentidão
da rede de informática da Representada. Como as restrições legais se refeririam apenas à
hora de início da inspeção, não haveria qualquer ilegalidade na extensão temporal da
inspeção.

126. Com relação à alegação da Representada de que na ocasião da realização da


inspeção, teria havido violação do sigilo bancário e de correspondência de seus
funcionários, a SDE deduz que se trata de alegação impossível de análise, visto que a
Representada não indicou quando e como houve tal violação, além de ter acompanhado
todo o procedimento de cópia de documentos. Mesmo que tais saldos supostamente
estivessem no mesmo arquivo eletrônico que as provas copiadas, sendo impossível sua
retirada sem que houvesse prejuízo à integridade do arquivo, tais informações não foram
analisadas pela SDE.

127. Com relação à suposta violação de correspondência, também não haveria


qualquer veracidade nas alegações formuladas pela Representada, segundo a SDE. A uma,
porque os arquivos de e-mail dos funcionários teriam sido voluntariamente entregues pela
Representada à SDE sem oposição da Representada. A duas, a ausência de
questionamentos a respeito da legalidade do procedimento se estende à lavratura do auto de
inspeção, momento oportuno para a Representada se manifestar acerca de eventuais vícios.
A três, porque o e-mail de trabalho poderia não só ser utilizado como veículo de
comunicações pessoais e, portanto, passível de proteção legal como também como
instrumento de trabalho, não sendo abrangido pela proteção constitucional. A quatro,
ressalta a SDE porque deu oportunidade à Representada para manifestação sobre os
documentos oriundos da inspeção, mas a representada restou inerte e não indicou qualquer
documento ou arquivo que seria pessoal e não de trabalho. Por último, os e-mails já lidos e
mantidos abertos seriam análogos à correspondência aberta, portanto, não passíveis da
proteção constitucional argüida.

128. Com relação à ausência de assinatura ou certificação digital não permitiria a


identificação da sua autoria ou a autenticidade do seu teor, argumenta a SDE que o
procedimento eletrônico de coleta dos dados prova a autenticidade. Ainda, a Representada
não teria apresentado qualquer questionamento em relação a tal método. Por último,
argumenta que o procedimento de acesso e permissão da IBM garante que os dados não
foram alterados antes da cópia.

129. Com relação ao conteúdo dos documentos, conclui que a natureza dos
arquivos eletrônicos e documentos obtidos durante o procedimento de inspeção também
não permitiria identificá-los como mera elocubração teórica, pois se referem a reuniões
passadas, ordens hierárquicas e análises sobre comportamentos de mercado.

130. De todo o exposto, a SDE conclui que a inspeção realizada foi válida,
eficaz, razoável, proporcional e motivada para o caso em tela. Por isso, afasta todas as
preliminares arguidas e recomenda ao CADE que as indefira.

131. Às fls. 3796/3803, a Representada alega que o presente Processo


42
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

Administrativo não estaria saneado porque as seguintes preliminares não teriam sido
apreciadas: (i) inobservância do rito processual adequado, ao transformar o Procedimento
Administrativo diretamente em Processo Administrativo; (ii) necessidade de prévio
saneamento do processo antes da realização da inspeção; (iii) ilegalidade da operação de
inspeção por sua inadequação como meio de prova da conduta investigada; (iv) ilegalidade
da operação de inspeção por sua violação ao princípio da proporcionalidade; (v) ilegalidade
da operação de inspeção por flagrante ofensa a direitos fundamentais constitucionalmente
protegidos; e (vi) ilegalidade da operação de inspeção pela inobservância dos limites legais
para o exercício do poder de polícia.

132. Às fls. 4278/4281 e às fls. 4454/4457, a SDE declara que não somente
analisou todas as preliminares argüidas pela Representada, como devidamente as rebateu
com fundamentos legais. Em suma, a SDE, então, conclui e, ao mesmo tempo, recomenda
a este CADE que:
a. afaste a preliminar de constrangimento ilegal à Representada pela
instauração imediata de processo administrativo;
b. indefira preliminar de nulidade de atos processuais em razão da
ausência do saneamento do processo;
c. não considere a preliminar de inadequação e desproporcionalidade da
operação de inspeção como meio de prova;
d. indefira preliminar de ilegalidade dos procedimentos adotados na
inspeção; e
e. desconsidere a preliminar de invalidade e incapacidade probatória dos
arquivos eletrônicos e papéis apreendidos durante a inspeção.

ii. NO QUE TANGE AO MÉRITO

133. A SDE apresenta parecer datado de 07 de março de 2007, assinado pelos


coordenadores, Ravvi Augusto de Abreu Coutinho Madruga e Fabiana Ferreira de Mello
Tito, pela coordenadora-geral da CGSI, Alessandra Viana Reis e pelo então coordenador
econômico do DPDE, Juan Peréz Ferres (fls. 4405/4532).

134. O parecer foi aprovado pelo então diretor interino do DPDE, Marcel Medon
Santos e encaminhado ao CADE por despacho em 08 de março de 2007 pela Secretária
Interina de Direito Econômico, Mariana Tavares de Araújo (fl. 4533).

135. A SDE definiu os mercados relevantes à montante como de cerveja em


âmbito regional e à jusante como (i) cervejas nos canais tradicional e bar, como proxy do
consumo frio de dimensão geográfica local, entendido como o (s) bairro (s) de entorno dos
PDV‟s.

136. Segundo a Secretaria, no que tange às práticas verticais, haveria fortes


evidências nos autos de que Programa “Tô Contigo” constitui programa de descontos não-
linear, carreado por empresa com posição dominante no mercado de cervejas.

137. No entender da Secretaria, vários documentos constantes dos autos


(apresentações de slides da AMBEV, gráficos de evolução de mercado, planos de estratégia
43
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

comercial, tabelas de filiação, todos de conteúdo confidencial) indicariam fortemente que


os pontos de venda seriam excluídos do Programa “Tô Contigo” (ou não renovados) caso
descumprissem as obrigações de exclusividade de vendas ou de share AmBev de 90%. De
acordo com a SDE:

Os arquivos eletrônicos copiados durante a operação de inspeção


realizada na sede da Representada indicam que o monitoramento de
adesões e do cumprimento das condições para que um ponto de venda
participe do Programa “Tô Contigo” é feito por meio de fiscalizações
constantes.(fl. 4479).

138. Ainda, na opinião da SDE:

Esse plano de ação evidencia que a exclusividade de vendas é um dos


requisitos para participar do Programa “Tô Contigo” e que esse não é
dirigido somente para os pontos de venda que, mesmo antes de sua
entrada no programa, já comercializavam apenas as cervejas da Ambev.
(fl. 4471)

139. A não-linearidade do programa teria restado evidenciada na exigência de


exclusividade ou na imposição de limites de compra de cervejas concorrentes (exigência de
um share AmBev de 90%), o que ficou demonstrado não somente nos documentos
copiados durante a inspeção realizada na sede da AmBev, mas também nos depoimentos de
pontos de venda juntados os autos e nas conversas realizadas por servidores da SDE junto a
pontos de venda. Nesse sentido, aponta a SDE que:

De fato, os depoimentos indicam que a exclusividade de vendas é uma


condição para a participação no Programa “Tô Contigo”, sendo que
essa exigência pode ser flexibilizada, para alguns pontos de vendas, por
meio da permissão para que adquiram pequenas quantidades de marcas
de cervejas concorrentes. (fl. 4485/4486).

140. Para a SDE, os resultados da pesquisa IBOPE seriam bastante expressivos,


indicando que dos pontos de venda entrevistadas que participavam do programa “Tô
Contigo”, quase 50% entenderiam o Programa como requerendo exclusividade de vendas.

141. Da não-linearidade do Programa decorreria que a oferta de descontos e/ou


prêmios vinculados à cláusula de exclusividade ou a limitações à compra de marcas de
terceiros requereria dos competidores descontos sensivelmente maiores que os ofertados
pela empresa líder para restabelecer as condições iniciais do mercado. Tal desequilíbrio
seria tanto maior quanto maior fosse a assimetria de porte das empresas envolvidas,
precisamente a situação do mercado de cervejas no país.

142. De acordo com o argumentado pela SDE, políticas desse tipo


proporcionariam reduções no grau de contestação do mercado downstream por parte das
demais empresas cervejeiras, com prejuízos à livre concorrência (e possíveis aumentos de
preço ao consumidor final) ou, em um caso potencialmente mais agudo, a saída de
competidores igualmente competitivos do mercado upstream.

143. Para a Secretaria, não se trataria propriamente de imposição de


exclusividade de vendas ou de limitação de compras de produtos concorrentes por meio de
44
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

qualquer forma de coerção, mas da imposição de estrutura de benefícios e dos requisitos de


participação do Programa “Tô Contigo”. Dessa feita, ocorreria prejuízo à livre
concorrência, ainda que os concorrentes no mercado upstream fossem igual ou mais
eficientes.

144. Quanto ao alcance dessa prática, para a SDE, o Programa “Tô Contigo”
abarcaria nos últimos doze meses até junho∕2006 volumes significativos dos cinco
mercados geográficos de cervejas do país, volumes que precisariam ser somados aos
contratos de exclusividade formais celebrados pela Representada para avaliar a dimensão
do mercado não contestada.

145. A Secretaria ademais considera que o tamanho do Programa “Tô Contigo” é


endógeno, isto é, principalmente a própria Representada determinaria o seu alcance, sendo
que seu potencial de expansão seria significativo. A SDE considera que sob o share médio
da AmBev no mercado, a não-linearidade já seria bastante aguda, mais ainda consideradas
estratégias de reação não coordenadas dos demais concorrentes.

146. Assim, para a SDE, (i) o Programa “Tô Contigo” possuiria potencial de
arrefecimento da concorrência, fechamento de mercado e de elevação dos custos de rivais;
(ii) o alcance do Programa e a decisão sobre para quem oferecer filiação (ou desfiliação) é
da Representada; e (iii) o alcance e as condições do programa são de difícil verificação e
comprovação in loco por parte da autoridade antitruste. Além disso, documentos copiados
durante a inspeção indicariam que o Programa “Tô Contigo” não seria implementado de
maneira uniforme junto aos pontos de vendas, podendo ser flexibilizado em suas exigências
para a adesão (exclusividade de vendas ou share AmBev de 90%, etc.), em função do perfil
do ponto de venda e outros aspectos. Esse fator de não-uniformidade também dificultaria o
seu monitoramento pela autoridade antitruste.

147. Para fundamentar teoricamente tais conclusões, a SDE se utiliza de modelos


adotados pela literatura sobre restrições verticais (Tirole, 1988; Motta, 2004), segundo os
quais a imposição de restrições verticais sobre um mercado a jusante por parte de um
agente oligopolista poderia se constituir em estratégia efetiva de exercício de poder de
mercado (elevação de custos de rivais).

148. No entender da SDE, além dos efeitos concorrenciais negativos associados à


não-linearidade, a negociação sistemática de contratos de exclusividade de vendas em
mercados locais com as características verificadas no setor de cervejas traria preocupações
como a redução na concorrência em diferentes mercados downstream por meio da
estratégia de formação de clusters de venda exclusivos AmBev com elevação potencial de
preços relativos nesse mercado.

149. No entanto, após análise efetuada, optou por não lhe imputar essa conduta.
Na opinião da SDE, a não ocorrência dessa estratégia pode ter decorrido da ação coibitiva
da presente investigação, permanecendo o potencial de que o número de adesões ao
programa volte a crescer, com efeitos deletérios sobre a concorrência.

150. No que se refere à denúncia de descumprimento do Termo de Compromisso


de Desempenho, a SDE entende que as ações da Representada não podem ser identificadas
como uma coerção à liberdade de ação dos pontos de venda e, por conseguinte, não podem
ser tratadas como uma imposição de exclusividade – ponto vedado à empresa pelo TCD.
45
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

151. Em relação às práticas horizontais analisadas por este processo


administrativo, a Secretaria conclui que não há evidências mínimas que configurem a
prática de predação nesse mercado e considera que eventual publicidade pejorativa à
concorrente ministrada pela Representada, independentemente de dano privado, não teria
condições para causar prejuízos à livre concorrência, pela inexistência de poder de mercado
nessa seara.

152. Por fim, quanto às considerações gerais do Programa “Tô Contigo”, a SDE
considera que “a Representada testou os limites entre uma conduta concorrencial agressiva
– algo louvável aos olhos [da SDE] – e o exercício abusivo de posição dominante.”
Entende também que a AMBEV se excedeu ao adotar um programa não linear de preços
junto aos pontos de venda e tornou possível uma estratégia de elevação artificial de custos
de empresas rivais, ambos com potencial prejuízo à livre concorrência. Por fim, sugeriu ao
CADE a condenação da Representada nos termos do art. 20, I, e art. 21, IV, V e VI, ambos
da Lei 8.884/94.

153. Para eliminar os aspectos anticompetitivos do Programa “Tô Contigo”, a


SDE sugeriu ao CADE a imposição das seguintes alterações:

 que o Programa “Tô Contigo” seja uniformemente oferecido a todos


os pontos de venda que atendam aos seus requisitos de participação;

 que, nos requisitos de participação, sejam excluídas quaisquer


exigências de exclusividade de vendas ou de limitação de compras de
outras marcas de cerveja;

 que a renovação do programa seja automática, exceto se os volumes


mínimos requeridos para a participação não forem alcançados, se o
programa for desconstituído pela Representada ou mediante expressa
recusa do ponto de venda em renovar; e

 que seja determinada a divulgação de esclarecimentos públicos, de


forma a impedir que a Representada exija contrapartidas veladas no
âmbito do programa ou de qualquer outra política comercial nos mesmos
moldes.

C) DAS CONCLUSÕES DA
PROCADE

154. Instada a ser pronunciar por este Conselheiro-Relator, a Procuradoria do


CADE apresenta parecer às fls. 4681/472816.

155. O parecer ProCADE nº 578/2007 (fls. 4681/4716) de 19 de outubro de 2007,


da lavra da Procuradora Federal Karla Margarida Martins Santos, foi aprovado

16
À fl. 4544, o então Procurador-Geral do CADE, Arthur Badin, acusa seu impedimento para oficiar nos autos
em razão de atos praticados às fls. 2475 e 2482. O Procurador-Geral Interino recebeu a Representada e seus
pareceristas em reunião em 05 de dezembro de 2007 (fl. 4558).
46
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

parcialmente pelo Despacho nº 14/2008/PG/CADE do Procurador-Geral Substituto


Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo (fls. 4717/4728).

156. De início, o parecer descreve a representação feita por parte da Schincariol e


a resposta inicial da AMBEV, bem como cita os documentos anexados por ambas as partes
para, em seguida, relatar a instauração do processo administrativo. Posteriormente, resume
as alegações de defesa da Representada, o pedido de produção de provas e os pareceres
juntados pela AMBEV.

157. Logo, o parecer tece considerações sobre as diversas manifestações de


terceiros nos autos. Leciona que a participação de terceiros demonstra “a efetividade do
acesso à coletividade às matérias sob análise do CADE” devendo a autoridade, por
intermédio do Conselheiro-Relator, verificar o interesse individual e coletivo que os
terceiros buscam defender para definir a adequação do seu comparecimento (fl.
4689/4690). Por fim, conclui que a intervenção das empresas cervejeiras “atende aos fins
visados pela lei 8.884/94 haja vista que [elas] prestam auxílio na busca da verdade real,
como partícipes do segmento, importante ao exercício da atividade judicante deste
Conselho” (fl. 4689).

158. Em seguida, a Procuradora Federal cita os demais documentos colacionados


aos autos tais como pareceres juntados pela AMBEV e Schincariol, manifestações dos
pontos de venda e pesquisa IBOPE juntada pela SDE.

159. Descreve a irresignação da AMBEV quanto à inspeção e cita as preliminares


alegadas e os documentos juntados. Analisando as preliminares, a ProCADE é da opinião
de que “houve observância de todos os requisitos legais e aos princípios constitucionais do
contraditório e da ampla defesa a partir de sua instauração” (fl. 4699). Afirma a ProCADE
que havia indícios mais do que suficientes , nos termos do art. 239 do CPP17, que aliados ao
poder de mercado da representada justificavam a instauração imediata do Processo
Administrativo (fl. 4703).

160. Tece o parecer, a continuação, considerações sobre a inspeção


administrativa realizada na sede da AMBEV, pugnando pela sua total regularidade tanto no
que se refere à notificação quanto à condução do ato e manuseio dos dados, nos estritos
termos do art. 2º da Lei 9.784/99. Para a Procuradoria, não se verifica “a existência de
qualquer vício ou ilegalidade que pudesse tornar imprestável qualquer providência adotada
pela SDE na realização da inspeção.” (fl. 4707).

161. Nesse sentido, entende a Procuradoria que “o devido processo legal foi
observado com rigor na fase instrutória e que a SDE viabilizou a todo o tempo a
manifestação ampla da Representada aos fatos nele narrados, estando o mesmo pronto para
ser objeto de análise pelo e. Plenário do CADE” (fl. 4701).

162. Chegando ao mérito, inicialmente a ProCADE ilustra o parecer com o


panorama constitucional e legal que fundamenta a política de defesa da concorrência bem
como pondera os fins que se deve ter em conta na aplicação da lei. Logo, traça um quadro
comparativo de jurisprudência internacional que, a seu ver, seriam passíveis de analogia ao
17
Art. 239. “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize,
por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.”
47
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

caso em questão. Em especial, os casos Roche, julgado na Comunidade Européia em 1979,


em que havia desconto de fidelidade num contexto de caracterização de poder de mercado,
apesar da ausência de coação; Hilti AG julgado em 1989, em que havia políticas
discriminatórias e seletivas, apesar de haver preços acima dos custos; Van den Berg Foods,
julgado em 1998 em que não havia exigência de exclusividade no fornecimento, mas sim
no estoque dos produtos; e LePages‟s Inc. v. 3M, nos EUA, em que não havia
exclusividade mas pequenos descontos por diversidade na aquisição. Ainda, cita a
Procuradora que a OCDE indica preocupações com descontos e redução na transparência
dos preços.

163. Por fim, a ProCADE opina que o conjunto probatório indica que “a
Representada tinha ciência de seu poder de mercado e que sua ação concertada poderia
surtir efeito anticompetitivo” (fl. 4715) e sugeriu a condenação da AMBEV por abuso de
poder econômico.

164. Por sua vez, o Despacho nº 14/2008/PG/CADE (fls. 4717/4728), de início,


discorre sobre a relação entre o Processo Administrativo e o TCD. Afirma que as
obrigações referentes ao TCD são específicas e autônomas, mas que a conduta investigada
pela SDE pode ter relações com tais obrigações, o que faculta à Secretaria a possibilidade
de investigação conjunta, como se verifica no presente caso.

165. O arrazoado do Ilustre Procurador Geral Substituto identifica a


prejudicialidade externa do presente processo em relação ao julgamento do cumprimento
do TCD. Portanto, para a ProCADE, só após o julgamento deste Processo Administrativo,
o TCD poderá ser devidamente analisado pelo Conselho.

166. Nesse tocante, a ProCADE adianta sua opinião, caso o Plenário concorde
com seu parecer no que toca ao mérito. Para ela, não teria havido violação ao Termo, pois a
exclusividade vedada pelo TCD não seria a mesma atrelada à não-linearidade reprovada
pela SDE. Enquanto que a vedação do Termo visaria impedir efeitos nocivos na relação
AMBEV/PDV, a conduta reprovada pela SDE e pela ProCADE apresentava-se como
benéfica aos PDVs, mas propiciava efeitos anticoncorrenciais.

167. Quanto ao mérito, o Despacho adita ao parecer que a ampliação do


programa empurraria as concorrentes para canais inferiores de distribuição ou exigiria
superação das vantagens ofertadas com aumento de custo. Para a ProCADE, a conduta se
concretiza seja pelo propósito objetivamente visado de impedir a “invasão” do PDV, seja
pelo risco objetivo de se aumentar os custos dos concorrentes para contrabalançar os
descontos.

168. Em conclusão, a ProCADE opina pela: a) suspensão da análise do


cumprimento do TCD até julgamento definitivo do Processo Administrativo; b)
inexistência de descumprimento do TCD; c) condenação da AMBEV por infração à ordem
econômica pela intenção objetiva de limitar a concorrência e pela adoção de programa não-
linear de preços junto aos pontos de venda (PDVs), tornando possível estratégia para
elevação dos custos das empresas rivais, nos termos do art. 20, I e art. 21, IV, V e VI da Lei
8.884/94.

48
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

D) DAS CONCLUSÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

169. O Ministério Público Federal apresenta parecer às fls. 4810/4822, de 12 de


dezembro de 2008, da lavra do Procurador Regional da República José Elaeres Marques
Teixeira.

170. Após relato do processo, o parecer analisa o teor do Processo


Administrativo nº 08012.002474/2008-24, instaurado contra a AMBEV a partir de
representações da AFREBRAS, CERVEJARIA IMPERIAL e CERVEJARIA KAISER, em
que se apuram os efeitos anticompetitivos da introdução da Garrafa AMBEV 630.

171. Argumenta o representante do Ministério Público Federal que tanto na


conduta apurada no PA nº 08012.003805/2004-10 quanto naquela apurada pelo PA nº
08012.002474/2008-24 a AMBEV pretendeu:
(i) fidelizar pontos de venda – PDV‟s de modo a que passassem a vender
exclusivamente produtos AMBEV;
(ii) aumentar os custos dos rivais;
(iii) fechar mercado para os concorrentes junto aos PDVs

172. Assim, segundo o MPF, haveria nexo causal e identidade de causa petendi
caracterizada pela particularidade de que ambos os processos teriam por fundamento o
mesmo fato jurídico, o que teria o condão de constituir a conexão entre ambos nos termos
do art. 103 do CPC. Por isso, pugna o Ministério Público pela reunião das causas por
razões de economia processual, já que não há decisão de mérito do CADE em nenhum
deles. Requer o envio dos presentes autos para a SDE e recomenda a prevenção na pessoa
deste Conselheiro-Relator para ambos os processos.

173. Analisando especificamente o caso concreto, o MPF não acolhe as


preliminares levantadas pela AMBEV, pelas razões expostas no parecer da SDE (fl. 4819).
No que tange ao mérito, o parecer sustenta que os dados carreados nos autos demonstram
que o programa de fidelidade “Tô Contigo” busca influenciar o mercado downstream de
varejo nos canais bar e tradicional ao exigir exclusividade ou limitação da compra de
cervejas das marcas concorrentes.

174. Para o MPF, os documentos originados da inspeção fazem menções a


desfiliações e não renovações ao programa como forma de combater o crescimento de
marcas rivais junto a alguns PDVs. Por sua vez, a pesquisa de campo encomendada pelo
DPDE ao IBOPE e os contatos mantidos por servidores do DPDE junto a PDVs
corroboram a percepção de exigência de exclusividade para participar do programa. Para
serem capazes de competir, os rivais da AMBEV seriam obrigados a oferecer descontos
marcadamente maiores, o que diminuiria a contestabilidade do mercado de cervejas,
gerando lesão à ordem econômica.

175. Entende o Ministério Público que não foram confirmadas pela instrução
quaisquer violações ao termo de compromisso de desempenho firmado junto ao CADE por
ocasião da criação da AMBEV. Ainda, julga que “a denúncia de predação por meio da

49
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

venda de cervejas da marca Antártica abaixo do custo médio bem como o suposto uso de
propaganda enganosa não foram confirmados pelas investigações” (fl. 4822).

176. Por fim, opina o Ministério Público preliminarmente pelo reconhecimento


da conexão e, no mais, pela condenação da representada e pela adequação do “Tô Contigo”
de acordo com as alterações propostas pela SDE.

E) DAS CONCLUSÕES ACERCA DA CONEXÃO

177. Por meio do Despacho nº 49/FMF/2008, foi a ProCADE instada a se


manifestar acerca da conexão suscitada pelo MPF. Em 19 de janeiro de 2009, o órgão emite
opinião da lavra do Procurado Federal Daniel Gustavo Santos Roque (fl. 4799/4809). Após
minucioso trabalho, a Procuradoria do CADE considera que:
a) Não haveria conexão entre as representações deduzidas em ambos os feitos,
visto que a simples caracterização de semelhantes infrações à ordem econômica por
uma mesma empresa não pode ensejar a conexão quando as relações jurídicas (causa de
pedir próxima) emergem de fatos absolutamente distintos;
b) Ainda que se pense de forma diversa, a reunião de processos constituiria efeito
não obrigatório da conexão, que somente se legitimaria caso fossem atingidas as
finalidades deste último instituto: evitar decisões contraditórias e prestigiar os princípios
da economia processual e da razoável duração do processo, este último de matiz
constitucional;
c) Não haveria conveniência, tampouco necessidade, de se promover a reunião
dos processos destinados a apurar fatos tão distintos, visto que eventual reunião não
teria o condão de impedir que decisões diferentes fossem proferidas pelo Conselho em
cada caso, sem prejuízo à coerência tampouco à racionalidade dos entendimentos
adotados;
d) A reunião de processos também não encontraria guarida nos princípios da
economia processual e da razoável duração dos processos, dada a cabal diferença de
estágios procedimentais verificada em cada um dos processos, o que conduziria a atraso
injustificado do presente caso, em prejuízo ao interesse concernente ao célere
julgamento dos casos que são submetidos à autarquia.

178. Complementa a ProCADE que “com tais considerações também não haveria
que se falar em prevenção, na forma do art. 106, visto que tal instituto constitui critério
destinado a determinar o Relator competente no caso de reunião dos feitos.”

179. Assim, esta relatoria acatou os argumentos da Procuradoria, em detrimento,


data venia, do entendimento do Parquet e, por meio de Despacho nº 01/FMF/2009,
homologado no Plenário em 04 de fevereiro de 2009, não foi aceita a preliminar de
conexão sendo consequentemente afastada a hipótese de prevenção.

50
PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08012.003805/2004-10

VII. DA CONFIDENCIALIDADE E DA INSTRUÇÃO COMPLEMENTAR

180. Em petição de fls. 4537/4541, a Companhia de Bebidas das Américas-


AMBEV solicita a reelaboração da versão pública da Nota Técnica DPDE/SDE (fls.
4405/4532), o indeferimento de pedidos de cópias do documento bem como a expedição de
ofício ao terceiros que obtiveram cópia da Nota Técnica.

181. Alega a representada que existem na versão pública referências aos


documentos e dados advindos da inspeção realizada na AMBEV em 24.03.2005, sob sigilo
conforme deferimento anterior da SDE, por se tratarem de informações sensíveis com base
no art. 44, item II, IV e VI da Portaria MJ/849/00. Destaca que, apesar da retirada da
integralidade dos mesmos, os conteúdos podem ser inferidos a partir do descritivo contido
nos itens relacionados pela representada.

182. Por meio do Despacho nº 02/ABS/2007, homologado pelo Plenário em 21


de março de 2007, foi indeferido o pedido de concessão de confidencialidade. O Plenário
considerou que não há nada na versão pública da SDE, especificamente nos itens 95, 130,
131, 202-204, 206-208, 212, 215-262, 264-265, 301, itens (a) e (b), 310-312, 318-319, 326,
317 itens (d) e (e), 329, 331-332, 338, 358 itens (a) até (k), rodapés 12, 16 e 17 que possam
causar danos à imagem da representada ou prejudicá-la comercialmente, pois não têm o
condão de revelar dados econômico-financeiros, segredos comerciais ou estratégias de
administração e gestão da representada.

183. Por meio de diligências complementares de rotina, solicitou-se o valor dos


faturamentos da AMBEV no Brasil no ano de 2003 (fl. 4730 e fl. 4758), especificamente
referente ao segmento de cervejas, bem como os valores dos impostos pagos no ano de
2003, discriminadamente o ICMS e o Imposto de Importação. Em resposta aos ofícios (fls.
4738/4739) a Representada solicitou confidencialidade de parte dos dados apresentados, os
quais foram juntados em apartado.

184. Por fim, este Conselheiro-Relator recebeu no dia 29 de junho de 2009 os


patronos e consultores econômicos da Representada em reunião no Plenário18, que versou
sobre os aspectos econômicos da conduta (fl. 4824).
É o relatório.

Brasília, 14 de julho de 2009.

FERNANDO DE MAGALHÃES FURLAN


Conselheiro-Relator
18
A reunião contou com a participação do economista Sérgio Aquino de Souza, do Conselheiro Olavo Chinaglia
e de representantes dos Conselheiros Vinícius Marques de Carvalho e Paulo Furquim de Azevedo.
51

You might also like