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E N T R E V I S TA

Cláudia Costin

A atual Secretária Estadual de Cultura, Cláudia Costin,


ex-GV, exerceu importantes funções na administra-
ção pública federal: na segunda metade da década
de 1990, foi Ministra da Administração e da Refor-
ma do Estado e Secretária de Estado da Adminis-
tração e do Patrimônio. Em dezembro de 1999,
assumiu a Gerência do Setor Público do Banco
Mundial, em Washington e, depois de rápida incur-
são pela iniciativa privada, voltou à cena pública. À
RAE-executivo, Cláudia fala sobre mudança organi-
zacional e sobre os desafios da gestão pública.
por Sérgio Goldbaum FGV-EAESP

Qual o quadro que a senhora Observa-se um quadro sucateado, fiscal, está há mais de dez anos sem
encontrou quando assumiu desmotivado, salários baixos, que fazer concursos públicos. Assim,
a Secretaria de Cultura? atraem poucos talentos, baixos inves- não há oxigenação da máquina e, ao
O que acontece com a má- timentos em treinamento e, sobre- mesmo tempo, por causa de medi-
C: quina pública estadual não é
muito diferente do que se encontra
tudo, processos de recrutamento e
seleção muito inadequados. A maio-
das para fazer frente à inflação, pre-
sente em um período não tão dis-
nas repartições públicas em geral. ria dos estados, por conta da crise tante, as carreiras foram sendo acha-

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tadas. O resultado é uma brutal
desprofissionalização. Algumas áre- O que acontece com a máquina pública estadual não é muito
as, entre elas a Cultura, exigem mais
flexibilidade na contratação. O an- diferente do que se encontra nas repartições públicas em
tigo Baneser, por exemplo, permitia boa parte do país: desprofissionalização e salários baixos,
tal flexibilização, mas também era
que não atraem talentos.
um dos caminhos em que transitava
o clientelismo. Para sanear o proble-
ma do clientelismo, as normas se
enrijeceram muito. Queria-se de mos gerenciando uma política pú- existe concorrência. Os movimen-
pronto acabar com mecanismos blica de caráter finalista. Nesse con- tos competitivos que acontecem na
escusos, mas às vezes iniciativas bem texto, há uma série de atividades em indústria não nos afetam. Não po-
intencionadas apresentam também curso que precisam ser conduzidas. demos abrir falência, mas estamos
efeitos indesejados. E esta é uma li- É como se estivéssemos consertan- extremamente engessados, e temos
ção importante: não basta o Estado do um avião em pleno vôo. Temos, movimentos de natureza política
ser honesto, ele tem de ser eficiente; nesse sentido, adotado uma estra- extremamente fortes. Na área da
a tentação tecnocrática de achar que tégia de “planefazendo”. Quer dizer: Cultura eles são ainda mais inte-
a norma aprisiona a cultura (organi- ao invés de primeiro planejar e de- ressantes. Quando atuava no Mi-
zacional) é muito grande. pois fazer, temos um sentido de di- nistério da Administração, por
reção e, ao mesmo tempo em que exemplo, muitas vezes precisava
Que medidas foram vamos andando, vamos corrigindo contrariar interesses e, nesse caso,
tomadas para reorganizar as orientações. sabia exatamente quem era o inter-
a Secretaria de Cultura? locutor e a quem estaria eventual-
Que tipo de dificuldades A senhora acredita que mente desagradando ou agradan-
e resistências a senhora essas dificuldades são do. Aqui, cada ator, cada músico,
enfrentou para implementar comparáveis ao que se cada artista plástico é uma voz, e a
essas mudanças? encontra no setor privado? maioria deles não é associada – a
No gover no federal, no Não são comparáveis, mas um sindicato, por exemplo. Eles
C: grande esforço de reforma
do Estado, os primeiros cinco me-
C: a solução é parecida. Não
são comparáveis porque os atores
não constituem, portanto, um ator
coletivo com o qual se negocia,
ses foram gastos verificando as mu- envolvidos são muito diferentes e com o qual se buscam soluções
danças que seriam necessárias na as possibilidades de saída são mais com base em consenso. A cada pas-
Constituição e planejando a reestru- restritas. No entanto, ao contrário so que se dá nessa área para me-
turação da máquina pública. Aqui do que pensa muita gente dentro lhorar a gestão, contrariamos inte-
não dá tempo, porque há emergên- de governos, a instabilidade pró- resses, e esses interesses são extre-
cias e não estamos discutindo a pria da máquina pública também mamente “vocais”, o que acaba por
estruturação das outras secretarias. existe no setor privado. A gestão é me exigir grande esforço de admi-
Aqui, e essa é uma diferença em re- um imperativo tanto no setor pú- nistração de mídia.
lação a meus desafios no Banco blico quanto no privado; o que
Mundial, no Ministério da Adminis- muda são os atores. Temos restri- Qual é o papel de um gestor
tração e um pouco na Secretaria de ções legais muito maiores no setor na administração pública?
Previdência Complementar, esta- público. Em compensação, não Que espaço ele ou ela tem

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E N T R E V I S TA : CLÁUDIA COSTIN

para imprimir uma este institui secretários, essa atitu- do, que vivem um tempo em uma
marca pessoal em seu de não visa simplesmente à admi- empresa e um tempo em outra, os
trabalho? Que limites nistração e à operação dos desejos empregados do setor público vivem
ele ou ela enfrenta? já consolidados e de diretrizes que todas as suas experiências profis-
Primeiro, estou convicta do estavam instaladas. Pretende-se sionais frustradas na mesma orga-
C: papel central da liderança.
O que faz diferença nos órgãos pú-
implementar um programa de go-
verno – na verdade, a base da con-
nização. A administração pública é
uma gaiola dourada, uma prisão de
blicos é um líder que consiga ter versa entre eleitores e eleitos. Não que não se pretende fugir, por ga-
visão, especialmente na situação tive nenhuma experiência que não rantir estabilidade, e onde, em uma
brasileira, um contexto de baixa ca- tenha funcionado dessa forma; nor- mesma organização, um funcioná-
pacidade instalada de formulação malmente, a máquina responde rio pode ter assistido a muitas in-
de políticas públicas. Estou falan- melhor do que o esperado. Ela só justiças e incoerências ao longo de
do de um líder que consiga formar responde mal quando você a des- sua vida, e, portanto, a exigência
uma boa equipe, motivar, dotar de preza, quando você traz sua pró- por coerência é muito grande.
entusiasmo e fazer as coisas funcio- pria turma e quando mantém uma
narem. Há uma tentação muito relação perniciosa com quem já es- A senhora considera que
grande, no caso da gestão pública, tiver na casa. o papel do líder no setor
de se trazer uma equipe de fora, público é comparável ao
não aproveitando os quadros exis- Fala-se muito em líder do setor privado?
tentes. Pode-se, nesse contexto,
colocar essa equipe para funcionar,
fazer um bom trabalho, mas que
resistência à mudança
no setor público, não?
De fato, uma das coisas so-
C: Acho, sim. Há nuanças e di-
ferenças, como eu já disse.
Gostaria de desfazer um mito aqui:
não se solidifica, pois não se usa a
máquina instalada. Então, se o lí-
C: bre as quais mais se fala é
sobre resistência à mudança, e ela
as pessoas acham que o líder no se-
tor privado não tem de pensar po-
der quer ser um “maestro”, ele tem é verdadeira, pois a situação insta- liticamente, no que se equivocam,
de saber qual parte da orquestra lada favorece algumas pessoas e por uma razão simples: ele também
pode renovar, mas cuidando para prejudica a outras. Quando se lida com processos de poder. No
manter uma condição de sustenta- muda uma situação já consolidada, setor público, os processos de po-
bilidade, pois em algum tempo vai as posições de poder alteram-se. Se der são mais claros. Por exemplo,
mudar o governo e a máquina tem somarmos a isso o medo natural quando recebo deputados com de-
de continuar operando. Assim, te- das pessoas em mudar, mesmo que terminadas expectativas, eu sei de
nho por prática manter a equipe seja para melhor, a situação agra- que partidos eles são, ou o que cada
que encontro, respeitando o estilo va-se. Por outro lado, se há um diá- um deles espera. Quando trabalha-
existente, renovando apenas a logo franco e uma postura de dis- va no Ministério da Administração
equipe do topo e os assessores de posição para ouvir, a resistência vai Pública, ou no Ministério da Fazen-
gabinete. Normalmente, ao expli- se esvaindo, especialmente se as da, eu já sabia, quando recebia os
citar as novas diretrizes, a máqui- pessoas perceberem coerência en- sindicatos, quais as bandeiras que
na reprograma-se e responde bem. tre o que se fala e o que se faz. O levantavam. Já no setor privado,
Esse processo é particularmente re- funcionário público tem alguns res- você muitas vezes tem de ter uma
levante na máquina pública, pois é sentimentos acumulados, o que é capacidade de leitura política do
a base da democracia: quando a po- até compreensível, pois, ao contrá- processo de negociação e de poder
pulação elege um governante, e rio de empregados do setor priva- que é bem mais complicado.

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O que está sendo
preservado e o que está O que faz diferença nos órgãos públicos é a existência de um
mudando com relação à
atuação e à administração
líder que consegue ter visão: um líder que consiga formar
da Secretaria Estadual uma boa equipe, motivar, dotar de entusiasmo e fazer as
de Cultura?
coisas funcionarem.
C: Todo meu esforço vai ocor-
rer no sentido de dar susten-
tabilidade ao que foi feito de bom
na gestão anterior, como o “Projeto bém o desaquecimento de setores função é transitório. Não se fica na
Guri”, que cria orquestras de crian- que competem com a Secretaria Es- secretaria para sempre, e nem se
ças em áreas de risco social, a Sala tadual de Cultura na atração de ta- deve almejar isso. A idéia toda é dar
São Paulo e outras iniciativas bem- lentos. Apesar disso, espero que sustentabilidade aos organismos
sucedidas. O meu perfil é muito esse desaquecimento não se man- que existem aqui dentro. Por ou-
centrado em gestão e, portanto, tenha, pois não posso simplesmen- tro lado, não temos de pensar em
minha preocupação no momento é te torcer para que a economia vá dar perenidade às políticas. Em
como transformar essas iniciativas mal para não perder meus quadros. uma democracia, o fabuloso é que,
interessantes em um corpo de polí- A situação que encontrei não era a cada quatro anos, um novo go-
tica pública. Olhando para a popu- sustentável, e é por isso que esta- vernante propõe novas políticas,
lação do Estado, temos hoje 37 mi- mos acelerando a constituição de que a população quer ver imple-
lhões de habitantes, e somente 500 Organizações Sociais para os mu- mentadas. A tentação de muitos di-
mil se beneficiam da arte consagra- seus, para orquestras e teatros, a rigentes públicos é criar mecanis-
da, o que nos coloca frente a um ver- fim de que tenham flexibilidade de mos para que suas políticas não se-
dadeiro apartheid social e a um remuneração e para que possam jam apagadas. Mas isso está erra-
grande desafio: como democratizar contratar talentos. Por outro lado, do! Temos de ter uma máquina for-
o acesso aos bens culturais. Nesse estamos desenhando um plano de te, mas com possibilidade de mu-
sentido, é fundamental promover a carreira para aqueles que ficam no dança de políticas. Não se pode ser
inclusão cultural, interiorizar a cul- corpo da secretaria, embora já es- megalomaníaco nem onipotente de
tura, melhorar a gestão da política tejamos “batendo no teto” da Lei achar que nossas políticas serão cor-
cultural e focar no beneficiário da de Responsabilidade Fiscal. Esta- retas para sempre. Temos de ter ins-
ação pública, o cidadão, e não nos mos dando maiores desafios para tituições estáveis e políticas que pos-
interesses dos produtores culturais. essas pessoas, que são muito moti- sam ser mudadas a cada quatro anos.
vadas com o que fazem e aqui per-
O que a senhora, como manecem, entre outros motivos,
gestora, tem feito para pelo desejo de crescer e aprender. Sérgio Goldbaum
Prof. do Departamento de Planejamento
atrair e manter os talentos
e Análise Econômica da FGV-EAESP
que compõem sua Como sua política vai Doutorando em Economia na FGV-EAESP
secretaria? ser mantida depois E-mail: sgoldbaum@fgvsp.br
No momento atual, o que que a senhora sair da
C: tem ajudado é a existência
de um grupo de gente entusiasma-
Secretaria de Cultura?
Essa é toda minha preocu-
da com a área de cultura, e tam- C: pação, pois esse tipo de

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