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Novas Midias na Arte Contemporanea colegao MUNDO DA ARTE 181. imagem gerada em computador usada para anunciar a instalagao Dal Vivo de Laurie ‘Anderson na Fondazione Prada em Milao. Com 0 advento de tecnologia digital, ocorreu uma mudanca fundamental na criacao e percepsao de imagens. Agora, a imagem poderia ser criada a partir de némeros (digitos 1 e 2) e man pulada como jamais ocorrera 4. ARTE DIGITAL No final do século XX, pode-se afirmar que a percepeao sim- plista do desenvolvimento da arte moderna, em fungao de “movi. mentos”, nao é mais cabivel. O uso de desenvolvimentos tecnolé- gicos como novos meios de expresso para fazer arte, entre outras raz6es, tornou inaplicdvel essa maneira de ver as coisas — exata- mente como, no final do sécu-o XIX, etapas de evolucao estilistica (classic'smo, romantismo etc.) ndo mais serviam como classifica~ gOes e descrigdes da arte que tivessem alguma utilidade. Os“ mos” comuns associados a arte deste século (cubismo, surrealismo, conceitualismo etc.), que se referem as praticas “intra-arte”, nas quais um movimento reage ao anterior, chegaram ao fim, e hoje qualquer descricdo de produgZo de arte que nao dé espago ao tec- nolégico esta incompleta. Nao ha “ismo" associado a arte digital, um termo que se refere a imagem computadorizada. A alianga oca- sionalmente conturbada entre arte ¢ tecnologia amadureceu: a marcha inexoravel do mundo >ara uma cultura digital (ou compu- tadorizada) inclui a arte em seus passos. A arte digital é um meio mecanizado cujo potencial parece ilimitado. Segundo 0 escritor ¢ curador George Fifield:“A possibilidade de reposicionar e combinar sem esforco imagens, filtros e cores, dentro do espaga sem atrito ou gravidade da mem6ria do computador, da aos artistas uma liberda- de para criar imagens jamais imaginadas.” Oasaio de Walter Benjamin, The Work of Art in the Age of Me- chanica! Reproduction [A obra de arte na era da reprodugéio mecani- ca], escrito em 1936, continua sendo uma referéncia essencial em qualquer tentativa de desenvolver uma linguagem para abordar questées de arte na era tecnalogica. Para Benjamin, a tecnologia, sobretudo a da camera fotografica e cinematografica, levantou questdes de autoria e da prdpria singularidade do objeto de arte cuja“aura” se perde na reproducao. Se uma imagem pode ser facil- mente reproduzida, onde fica a arte? A questo de “reproduzir” imagens com cdmeras fotogréicas ou cinematograficas tem pouco a ver com as capacidades agora radicalmente novas de criar uma obra que nao tenha referencial em um mundo nao digital; de fato, que nac tenha referencial no mundo tridimensional como 0 conhe- cemos. A“reproducao” é para o mundo digital o que o balao de ar quente foi outrora para a aviagéio. Ao usar a tecnologia digital, os artistas agora conseguem intraduzir novas formas de “producao”, nao de “reproducao”. A “realidade virtual”, por exemplo, um dos resultacos mais enigmaticos da tecnologia digital, nao é uma mera traducdo de dados em imagens de tamanho natural que imitam a Leura hac err tesa sco s = Ss S E oC q 3 g a g £ gq 8 Ss e 5 S E & a i 3 g < eo g = Ez a oO g oO a 3 =] So 3 Fondazione Prada 20195 Mis parweo 8, Tel, 02.64670216/0202 Fax 02.64670258 164 NOVAS MIDIAS NA ARTE CCNTEMPORANEA realidace; é a propria realidede. De acordo com o arquiteto e criti- co Paul Virilio:”Estamos entrando em um mundo onde nao havera uma, mas duas realidades: a real e a virtual. Nao ha s mulacao, mas substituigao.”O argumento de Benjamin sobre a reprodutibilidade, presciente quando ele o apresentou no final dos anos 30, refere-se a“aura”e singularidade do objeto de arte e também esta relacionado As representagdes de espago por meio do uso das leis de perspecti- va, uma preocupagio dos artistas desde 0 século XV.“Perspectiva” e“repradutibilidade”, para Benjamin, sio conceitos relacionados & representacao do real; mas nao existem mais idéias incontestaveis do“rea.". O mundo digital, que vai além da mera auséncia de linea- ridade -ntroduzida na arte pelo cubismo, esta se tornando uma nova realidade para a qual ainda precisa ser desenvolvida uma lin- guagem estética e critica. ‘A tecnologia digital, cuja ferramenta basica é o computador, abrange todas as areas da arte contemporanea tecnologicamente envolvida, de filmes a fotografia, musica sintetizada, CD-ROMs e muito mais. O novo poder que a tecnologia digital confere 4 ima- | gem a torna infinitamente maleavel. Antigamente, a informacao vi- sual era estatica no sentido de que a imagem, embcra passivel de edigio em filme ou capaz de ser incorporada a outras em uma montagem, era fixa. Uma vez transferida para a linguagem digital no computador, pode-se modificar cada elemento da imagem. No computador, a imagem transforma-se em “informacao", e todas as | informacdes podem ser manipuladas. “Pela primeira vez na hist6- ria", diz Peter Weibel, diretor do Institute for New Media em St delschule, Frankfurt-am-Ma‘n,“a imagem é um sistema dinamico.” Este capitulo nao pode abordar todo 0 Ambito da tecnologia di- gital em todas as formas de arte. Fle tentard apenas enfatizar aque- las praticas computadorizadas que varios artistas representativos esto usando para produzir uma arte que afasta nossas definigoes ainda mais da tela, em dirego a mundos inimaginaveis no inicio do século XX ou mesmo quando ele ja passava da metade. Tao grande é a velocidade com que novas formas de arte digital esto sendo criadas que, quando este livro for publicado, o trabalho dis- cutido podera parecer ultrazassado, e seu mérito, esmaecido. Os dias de manifestos e previsdes se foram. Quaisquer declaragGes so- bre“a maneira como as coisas serao” estarao ultrapassadas quando forem impressas, ou mesmo enviadas por correio eletronico Referindo-se ao computador eletronico totalmente digital, que foi introduzido em Moore College of Electrical Engineering na Fi- ladélfia em 1946, Charles Steinback, diretor do Centro Internacio- nal de Fotografia, em Nova York, escreve: . . . Cerca de 45 anos apés sta introdugao, esta maravilha tecnolégica ascumiu incontaveis fungdes na cultura — colocanéo-se no centro do que poderiamos denominar a segunda transformagao tecnolégi- ca, uma mudanga da era industrial para a era eletronica. Ela ¢ © 7 cusesemeeememeeeeemmmmmemmamnmnmmamsmmmnmmmmsssmee il ARTE DIGITAL 165 combustivel que nos leva das restrigdes do mundo analégico ao po- tercial especulativo aparertemente ilimitado de um universo digi- tal em expansao. Em arte, os conhecimentos visuais nao mais se limitam ao“ob- jeto”. Eles precisam abranger 0 universo fluido, sempre mutavel, que existe dentro do computador e 0 novo mundo que o computa- dor facilita: um mundo artist:co interativo que pode ser virtual em sua realidade e radicalmente interdependente em sua incorporacaio do “espectador” 3 finalizaco da obra de arte. Quando Duchamp sugeriu que a obra de arte dependia do espectador para que este completasse seu conceito, mal sabia ele que, até final do século, algumas obras de arte (por exemplo, filmes interativos) depende- riam literalmente do espectador, nao apenas para completé-las, mas para inicid-las e dar-Ihes contetido. “Irterativo” surgiu como o termo mais abrangente para descrever © tipo de arte da era digital. Artistas interagem com maquinas (uma intera¢io complexa com um objeto“automatizado, mas inteligente”) para criar uma interacao posterior com espectadores que ou criam a arte em suas maquinas ou a manipulam ao participar de rotinas pré- programadas, as quais poder variar (até agora, apenas de forma limi- tada) de acordo com os comandos, ou simplesmente movimentos, do espectador. Na instalagao interativa Lovers (1995), do grupo japonés Dumb Type, os movimentos dos espectadores diante de um sistema visual a laser acionavam imagens pré-filmadas de atores que cami- nhavam em sua direcdo e dirigiam-se a eles. Fora do museu, video games como” PacMan”,”Battlezone”,“ Frogger” e“ Maneater” ensina- ram meios interativos de expresso a uma geracao de adolescentes ¢ seus pcis. As quest6es estéticas sao abundantes, como aconteceu com a videoarte, porém, como ocorreu com 0 video agora presente em to- das as exposig6es intemacionais de arte contemporanea, se 0s artis- tas aplicarem sua tenacidade ¢ esses meios, a arte surgira. Arte computadorizada E dificil exagerar quanto nos distanciamos das telas de pintura no finel do século XX. A are digital tem raizes nao tanto em aca- demias de arte quanto em sistemas de defesa militar. A Guerra Fria entre 9 Ocidente e 0 extinte bloco comunista fomentou avancos tecnolégicos répidos durante os anos 50 e 60, principalmente na pesquisa e no desenvolvimento de inteligéncia computadorizada, O primeiro computador digital do mundo, o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Cemputer, mais ou menos do tamanho de uma garagem grande), foi apresentado na Universidade da Pen- silvinia em 1946; e em 1951 foi patenteado o primeiro computador eletrénico comercialmente disponivel (UNIVAC), capaz de proces- sar informagdes numéricas e textuais. Centros de pesquisa, quase 168 182. Michael Noll, Gaussian Quadratic [Quadratica de Gauss], 1963. As primeiras manifestacoes da arte computadorizada assemelham-se freqientemente a atstracoes geométricas. Paginas seguintes: 183-86. Lillian Schwartz, Pixilation, 1970, 166 NOVAS MIDIAS NA ARTE CONTEMPORANEA sempre apoiados pelo governo, promoveram intensas investiga- ges exzerimentais em tecnologia computadorizada, algumas das quais envolvendo musica e arte. Como muitos desses investigado- res eram, acima de tudo, cientistas sem interesses vocacionais ar- tisticos, os padrées estéticos da chamada arte computadorizada inicial sio questionaveis. O americano A. Michael Noll, freqiiente- mente mencionado como um dos primeiros artistas digitais”, jun- to com os alemaes Frieder Nake e Georg Nees, é um desses casos. Como jovem pesquisador dos Laboratérios Bell em Nova Jérsei, onde trabalhava em qualidade de transmissao telefénica, comecou a produzir imagens abstratas, geradas pelo computador, como Gaussion Quadratic [Quadratica de Gauss] (1963), que ele conside- rou sugestivo do cubismo de Picasso. Em 1965, a galeria Howard Wise de Nova York, no que se considerou a primeira exposigao de- dicada 3 arte computadorizada (de fato, Nake e Nees tinham expos- to publicamente alguns meses antes na Galeria Niedlich em Stutt- gart), aoresentou Computer-Generated Pictures [Imagens geradas por compu-ador], incluindo varias obras de Noll e de seu colega Bela Ju- lesz. O titulo da exposigao surgiu porque nem todos os envolvidos consideravam “arte” o que estavam fazendo com as imagens com- putadorizadas. Varios dos prmeiros trabalhos de Noll basearam-se em pinturas de outros, inclusive Mondrian. O prépric Noll questio- nou o froblema estético da arte computadorizada inicial:“O com- putador s6 foi usado para ccpiar efeitos estéticos”, escreveu em 1970,"facilmente obtidos corr 9 1uso de meios de expresso conven- cionais... O uso de computadores nas artes ainda tem que produzir algo que se aproxime de exper-éncias estéticas inteiramente novas.” Embora o desejo de“uma experiéncia estética inteiramente nova” talvez seja uma meta demasiadamente utdpica, Noll expressou uma preocupacao que persistiu nas duas primeiras décadas de arte com- putadorizada. De fato, foi apenas no final dos anos 90 que 0 padraio estético tornou-se elevado nessa forma artistica. Frank Popper, au- tor de Art of the Electronic Age [Arte da era eletronica] (1993) que foi fruto de ampla pesquisa, considera que pouquissimos exemplos de arte computadorizada surgidos antes de meados dos anos 80 valem a pena ser citados. Lembrando de seus predecessores construtivistas (por exemplo, os escultores Alexander Archipenko e Naum Gabo), que corsideravam a maquina como sua parceira na arte, os primei- ros artistas de computador pareciam atraidos pela imagem futuris- ta ou mecanica, como se a arte da maquina tivesse que apresentar certa semelhanga com a prdpria maquina. Embora isto possa ser na- tural, a arte pode ter certa semelhanga com ela, como comprovam as formas geométricas bem de inicio da arte computadorizada. Uma das dificuldades tanto no desenvolvimento quanto na avaliacio da arte computadorizada é que os artistas que eram ou Jogo setiam famosos nao usaram essa forma em suas obras de arte. Ao contrario da videoarte, cujos primeiros praticantes incluiram 187. John Whit télogol, 1961 Catalog 170 NOWAS MIDIAS NA ARTE CONTEMPORANEA Bruce Nauman, Richard Serra e John Baldessari, a arte computado- rizada nao péde contar com artistas tao famosos. Isto ocorreu, em parte, or causa do sentimen-o antitecnoldgico existente entre os expoer ies da contracultura e os artistas de meados dos anos 60 e 70. Varios grupos ecoldgicos e antinucleares protestavam contra experimentos governamentais em tecnologia e energia nuclear, fato que pode ter obscurecido a experimentagao artisica com a te nologia do computador. Além disso, nao havia um computador simples de usar, se comparado a Portapak da Sony ou a cdmera manual, alternativas acessiveis para os onerosos equipamentos co- merciais de filmagem. O microcomputador nao comecou a apare- cer na mesa do usuario médic antes dos anos 80. Er comum com Michael Noll, varios dos primeiros praticantes de arte computadorizada eram associados as instituigbes de pesqui- sa, especialmente os Laboratérios Bell nos Estados Unidos. O ci- neasta experimental Stan Vanderbeek e a artista Lillian Schwartz tra- balhavam 14 com o engenheiro Kenneth Knowlton, produzindo o que agora 6 considerado obra seminal de arte computadorizada. Dois exemplos sao Poem Fields [Campos de poema] 1964, de Vander beek, um filme em que imagens abstratas geradas por sistema digi tal sucedem-se rapidamente, ¢ Pixillation, um filme de Schwartz, de 1970, também composto de imagens absiratas programadas. Mesmo antes, acineasta John Whitney desenvolvera um computador analé- gico mecanico que produziu Catalog [Catalogo] (1961). Um curta-me- tragem composto por imagens abstratas computadorizadas, Catalog foi criado com antiquados ecuipamentos militares de computacio. 185-86) 188. Michaé! Gaumnitz, Portrait of Jean-Luc Godard |Retrato de Jean-Luc Godard] (1986) da série Sketches, Portraits and Homages [Esbocos, retratos e homenagens], 1985-89 Além de filmar imagens abstratas, alguns dos primeiros artis: tas de computador tentaram reinventar a imagem animada to co- nhecida dos cinéfilos desde os filmes de Disney. A animagao sem- pre teve seus praticantes da chamada alta arte. O filme animado de 1967, Hummingbird [Beija-flor], do american Charles Csuri, feito em colaboragio com o programador James Schaffer, nostrava uma imager do passaro dissolvendo-se, depois sendo reconstituida, tudo por meio de um programa de computador. A animagao con- tinua a desempenhar um papel importa da. Segando o que artistas como o sul-africano William Kentridge demonstram em video e filme, a animagéo pode ser 0 Iécus para uma extraordindria experimentacao contextual e formal. Entre 198: e 1989, 0 artista francés Michaél Gaumnitz criou uma série de ani maces pessoais no computador intitulada Sketches, Portra Homages [B: facilmente disponiveis de colar, apagar, deslocar e multiplicar, 0 ar tista desenvolveu uma “paleta eletrénica”, com a qual improvisou te na arte camputadoriza- s fs and bocos, retratos e homenagens]. Utilizando as técnicas temas relacionados as lembrangas pessoais. uso inovador da tecnologia por artistas, também evidente nos primérdios da videoarte, levou a avangos significativos na prépria tecnologia. Em meados dos enos 70, os artistas Manfred Mohr, John Dunn, Dan Sandin e Woody Vasulka desenvolveram um software para a criacdo de imagens bi e tidimensionais. Os compositores Herbert Brun e Lejaren Hiller inventaram ferramentas musicais para o computador, que antecederam os sintetizadores de teclado atualmente usados por miisicos de todas as linhas 189. Vera Molnar, Parcours (Maquette pour un environnement architectural), 1976 A técnica da repeticéo para evocar aspectos temporais e gestuais, quase sempre vistos na arte minimalista, ¢ fecilmente acessivel com a tecnologia digital. As repetic6es aparentes de Molnar, de fato, contém leves variacdes que sugerem a mao da artista trabalhando. 172 NOVAS MIDIAS NA ARTE CONTEMPORANEA, Vera Molnar, considerada uma pioneira em arte computadori- zada, infundiu uma sensibilidade minimalista nas imagens compu- tadorizadas, em obras complexas, altamente controladas no com- putador, como Parcours (1976), que primeira vista parece uma série de esbogos feitos com linhas répidas. Ela usa o computador para expancir seu repertorio em direcéo a uma vanguarda que transfor- ma“o acidental ou aleatério em subversivo a fim de criar um cho- que estético e romper com o sistematico e o simétrico”. Emora outras inovagdes tenham ocorrido na arte computado rizada entre meados e final dos anos 70, é consenso geral que ela enfraqueceu-se apés o primeiro surto de energia no iricio da década de 70. Nos anos 80, os compvtadores tornaram-se mais acessiveis e comeyaram a ser usados por um amplo espectso de artistas, in- clusive aqueles cujo trabalhc principal era realizado em outros meios ce expresso. Em seu livro Digital Visions: Computers and Art, ARTE DIGITAL 173 a escri:ora americana e curadora independente Cynthia Goodman, embora enfatizando 0 trabalho de varios artistas ja mencionados aqui, também inclui a obra de David Hockney, Jennifer Bartlett, Keith Haring e Andy Warhol, que tinham usado o computador, de uma maneira ou de outra, no desenvolvimento da arte. Embora isto demonstre 0 uso do computador por uma variedade de artistas, nao significa que qualquer r0vo meio de expresso, para ser vali- dado, tenha que ser associado a artistas ja conhecidos. A maior disponibilidade de microcomputadores nos anos 80 trouxe consigo um crescimento da arte computadorizada, que in- clui uma ampla faixa de grificos computadorizacos, animagio, imagers digitalizadas, esculturas cibernéticas, shows de laser e eventcs cinéticos e de telecomunicagio, e todo tipo de arte intera~ tiva que requer o envolvimento do espectador/participante. As ins- talacdes Iuminosas programadas do alemao Otto Piene (1928-), 190. Otto Piene, Olympic Rainbow [Arco-iris olmpico), 1972. A luz (inclusive o laser) é controlada e manipuada por computadores, como outrora pelo artista na tela 174 NOVAS MIDIAS NA ARTE CONTEMPORANEA um inovador, e as esculturas de arte performatica de laser ao ar li- vre dos artistas americanos Norman Ballard (1950-) e Joy Wulke (1948-} sao absolutamente notaveis. A abstragao ainda esta muito viva na arte computadorizada. Edward Zajec, de modo muito semelhante a um coreégrafo, cria imagens computadorizadas qe se desdobram segundo os ritmos de um roteiro musical do compositor Giampaolo Caral. O resulta- do, Chromas (1984-87), é uma mistura de imagens abstratas, com predorrindncia do azul, que s2 curvam, apontam e giram de acor- do com uma partitura musical. O artista francés Miguel Chevalier, que diz ter sido influenciado por Mondrian, Warhcl e Nam June Paik, cria imagens ordenadas seqiiencialmente que, as vezes, lem- bram c interior de um sistema macigo de cabos telefonicos, Anth- ropometry [Antropometria] (190), de sua autoria, 6 uma série de li- nhas en camadas complexas, misturadas com cores, que parecem um mapa de um universo digital. Outros artistas criam 0 que pode ser denominado imagens computadorizadas hiper-reais, oriundas da fantasia ou da natureza. The Evolution of Form [A evolucao da forma] de William Latham (1990), a qual ele se refere como uma “escultura computadorizade”, é uma série de formas complexas, 19-94 191. Miguel Chevalier, Anthropometry [Antiopometrial 1990. As linhas graficamente compostas nesta imagem computadorizada sugerern 0 intermindvel sisterna de cabos elétricos necessarios Jara 0 funcionamento de computadores em todo 0 mundo. i i ™ semelhantes a conchas marinhas hibridas. Ele inspira-se nos pin- tores surrealistas Salvador Dali e Yves Tanguy em sua busca de for- mas que possam ser manipuladas, remodeladas (ou “entalhadas”, em escultura virtual) no computador. Fotografia alterada digitalmente O uso cada vez maior do microcomputador desencadeou uma era nia qual muitos artistas podiam pegar material de uma fonte ba- sica (uma fotografia) e manipula-lo usando a linguagem computa- dorizada. As fotografias sao traduzidas para a linguagem do com- putador por meio de um scanner, que realiza um processo novo e 196. Lera Lublin, Memory of History Meets Memory of the Computer [A meméra da historia encontra a rreméria do computador, 1985. 178 NOVAS MIDIAS NA ARTE CCNTEMPORANEA simples no qual uma imagem bidimensional é transformada em linguagem bindria matematica (ou digital) do computador. O ma- terial primério (a fotografia) torna-se maleavel porque agora con- siste apenas em digitos distintos. E interessante que, apesar da natureza abstrata de varias das pri- meiras obras notaveis de arte computadorizada (Noll, Whitney), a imagem representativa voltou com forca total com a arte digitalmen- te alterada nos anos 80, quando artistas exploraram supertficialmente as poss'dilidades mecanicas de técnicas de imagens computadoriza- das. Vérias imagens digitalmen-e manipuladas da Mona Lisa de Leo- nardo da Vinci, por exemplo, apareceram nas obras de Jean-Pierre Yvaral e Lillian Schwartz. Synthesized Mona Lisa [Mora Lisa sinteti zada] (1989) de Yvaral, mistericsamente semelhante a um retrato de Chuck Close, consistia em uma reconstituicao estrutural do famoso rosto beseada em andlise numérica. Mona/Leo de Schwartz (1987) combina, no mesmo fotograme, metade do rosto de Mona Lisa com metade do rosto de Leonarde da Vinci. Esses artistas, encantados com a capacidade do computador para reativar uma imagem obvia- mente conhecida, talvez estejam praticando a “arte da apropriagao” (comum na obra dos anos 80 de Sherry Levine e otros), mas, a0 dar-Ihe um toque tecnolégico, tentam, segundo Popper, “criar fend- menos visuais nos quais a figuracdo e a abstragao nao mais se opdem”. Memory of History Meets Memory of the Computer [A mem6- ria da historia encontra a memoria do computador] de Lera Lublin (1985) é outro exemplo de imegens hist6ricas artisticas atualizadas. Aqui a artista escaneia imagens de pinturas classicas da Virgem Ma- ria e de Menino Jesus no computador e depois as manipula para ilustrar intengdes sexuais ocultas nos quadros. O artista americano Keith Cottingham (1965-) apéia-se exclu- sivameate em manipulagées digitais de imagens em toda sua obra BRE at att ree Ui ie Ghee Letty 198 197. Lillian Schwartz, MonaiLeo © permite 205 artistas traduzir fotogratias ‘ou qualquer material impresso inguagem digtal de ador e manipular a 198. Jean-Pierre Yverl Synthesized Mona La (Mona Lisa sintetizada], 1989. A andlise numérica permitiu a reconstituicdo do famoso rosto de Da Vine! nesta imagem digital a. Em suas fotogréti Fictitious Portraits Si dos retratos fotograficos e dos tradicionalmente pirtados. Come: gando com uma fotografia ¢ aplicando as ferramen‘as de monta- gem e pintura digital, ele cria imagens compostas que, embora pa- regam, a primeira vista, fotografias normais, confundem os limites de raga, sexo e idade. Uma série mais perturbadora de fotografias digitais foi feita pelo americeno Anthony Aziz (1961-) e o venezue- lano Sammy Cucher (1958-) no projeto em que trabalharam jun tos, The Dystopia Series [A série distopia] (1994). Criticando alguns avangos tecnoldgicos em fotografia (“com o fim da verdade em fo- tografia veio a perda correspandente de confianca”; e, dizem eles, “cada imagem, cada representagao, é agora uma fraude em poten- cial”), eles usaram fotografias normais de pessoas e apagaram, di- ‘otograiies coloridas construidas digitalmente, cries (1992), ele abordou os mitos que vé por tras gitalmente, olhos e bocas, criando assim cabecas desumanizadas. O artista britanico Victor Burgin (1941-) procura afinidades com a pintura tradicional em sua obra, sobretudo em termos da pratica de claro-escuro (fazendo com que o contraste de luz e som- bra aprimore um efeito tridimensional). Seu interesse em semisti- 199. Kei ingharn, titulo (Tria), pintura digital, Cottingham propri natureza da re relatos ficticios". “Emr 200. (abaixo) Chip Lord, Central Market, Los Angeles, dezembro, 2006/Sony Electronics, 3300 Zanker Road, San Jose, California, agosto, 1994 da série Awakening from the Twentieth Century [Despertar co século XxX], 194-95. Usando uma idéia do filme Bladerunnes O cacador de anardides, Chip Lord combir digitalmente imagens de todo o mundo em cenérios que representam um futuro que “reconhece a existéncia do passado e do presente como Componentes de continuidade cultural” 182 NOVAS MIDIAS NA ARTE CONTEMPORANEA cae psicanilise também é 6>vio em sua fotografia desde 1971. Vol- tou-se dara imagens digitalizadas nos anos 90, em obras como An- gels Novus (Street Photography) (Fotografia de rua], 1995, um trip- tico de impressdes digitalizadas, no qual a imagem central de uma mulher (fotografia tirada pelo artista em 1980) tem seu contraste manipulado e é, depois, flanqueada por duas fotografias manipula das de bombas caindo de avides na Segunda Guerra Mundial. O artista americano Chip Lord (1944-) fez uma série elaborada de impress6es digitalizadas denominada Awakening from the Tiven- tieth Century [Despertar de século XX] (1994-95), nas quais ele combina coerentemente, no computador, imagens de um vendedor de peixes e motonetas com propagandas no Japao e, no México, um padre em um festival local e um homem vendendo sapatos em uma esquina, na tentativa de oferecer uma visao mundial de pes- soas“esquecidas pela revolucao da comunicacao". Os artistas usam freqiientemente 0 computador para“modifi- car” suas fotografias, ou seja, alterar digitalmente a fotografia origi- nal para representar uma realidade diferente. A japonesa Mariko Mori (1967-) fotografa-se em trajes que ela desenha, para sugerir criaturas surrealistas. Em Birth of a Star [Nascimento de uma estre- la] (1925), apés manipular digitalmente sua imagem, ela aparece como uma boneca de plastico'pop star, parecendo ao mesmo tem- po horripilante e misteriosa. O artista canadense Jeff Wall (1946-) representa os artistas fo- tograficos que usam a tecnologia digital para expandir as possibili- dades visuais de seu trabalho. Ele usa 0 computador para fazer 201. (acima) Victor Burgin, Angelus Novus (Street Photography) [Fotografia de rua}, 1995, Neste tript co fotografico digital, Burgin quer nos fazer ver um “anjo” no ce flanqueado por dos dois lados. Na verdade, 0 rosto da jovem, selecionado de uma foto tirada pelo artista anos antes, posiciona-se entre vistas aéreas de bombardeos 4a Segunda Guerra Mundial 202. Jeff Wall, A Sudden Gust of Wind ( er Hokusai) [Uma suibita ajada de vento (@ maneira de Hokusai)], 1993. Com a tecnologia digital, os artistas podem criar narrativas ficticias que tm uma relacao minima com as fotocra quimicz mente processadas. 186 NOVAS MIDIAS NA ARTE CONTEMPORANEA montagens que “nao poderiam ser feitas de outra maneira”, ele diz. Em A Sudden Gust of Wind [Uma stibita rajada de vento] (1993), por 2¢2 cexemplo, ele cria o que parece ser um fotograma congelado de pa- péis e objetos voando pelos cres, com uma rajada de vento. ‘Como em qualquer meio de expresso em que a tecnologia de- sempenha um papel importante, o trabalho mais dindmico ocorre quando a tecnologia acompanha as visdes dos artistas ou os artistas, acompanham a tecnologia. Em pintura ou escultura, o que muda na arte sé0 os conceitos e 0 uso dos materiais. Com a arte teenolégica, © proprio meio de expresso muda radicalmente quando a tecnolo- gia muda. O entusiasmo que Muybridge sentiu ao ser capaz de cap- tar o movimento com sua“ cronofotografia” é agora substituido por um entusiasmo em alterar a realidade, em transformar o real em ilu- sério, Para alguns criticos, a arte computadorizada nao possui a pro- fundicade de interesse que cles associam, por exemplo, & pintura abstrata, Consideram-na monétona, ou como a halografia, muito superficial em seus truques. ‘0 critico fotografico americano A. D. Coleman, reagindo & maioria do que viu em Montage 93, Festival Internacional da Imagem, realizado em Rochester, Nova York, em 1993, disse: “De maneira geral, temos sinos, apitos e botdes para apertar: tudo aqui zumbe, tilinta, cintila, liga e desliga.” Arte da Web A tecnologia muda rapidamente e, com isso, o campo do artis ta expende-se. E possivel que uma nova vanguarda esteja surgindo no que chamamos de Arte Interativa, que aqui se refere & arte na Web, e arte computadorizada, que requer a participacao do es- pectador para se completar. Também é possivel que tal interagio possa degenerar em mero entretenimento. Apés certo tempo, pou- co a separa de apenas mais um evento de alta tecnologia, impelido pela tecnologia e nao projetado e concebido artisticamente. Em parte, isto é uma funcao do nimero de pessoas (artistas ou nao) que agora trabalham com as novas tecnologias. Se, de acordo com © especialista em arte com meios de comunicagéc de massa, Ti- mothy Druckrey, havia 5000 artistas com paginas pessoais na Inter- net em 1995, entao, por volta do ano 2000, esse ntmero pode ter explodido, atingindo valores de seis digits. Mesmo este niimero talvez seja conservador, considerando-se, segundo o US Depart- ment of Labor Statistics, que o uso da Internet em odo 0 mundo, atualmente, dobra a cada cem dias. Embora seja injusto apressar a avaliacao critica da arte interativa em seus estagios atuais, vale a pena considerar duas areas principais no final do século XX: arte na Web e instalacdes interativas, incluindo-se os primeiros experi- mentos em realidade virtual. Aarte especificamente desenvolvida para a Web é um fendme- no tao recente que o museu Guggenheim em Nova York, reconhe- 203. John Simon, Every Icon [Todo icone}, 1997. A “grade”, historicamente reverenciada, ‘tomnou-se 0 ponto de partida preferido para varios artistas de ‘computador. Simon a usa como tum ldcus para uma sucesso interminavel de truques visuais calculados. Given: ‘Am icon described by a 32 X 32 grid. Allowed: Any element of the grid to be colored black or white. Shown: Every icon. ARTE DIGITAL 187 cido por seu envolvimento com novos meios de expresso, langou seu primeiro projeto artistico para a Web apenas no verao de 1998: 0 trabalho do artista nova-iorquino Shu Lea Cheang, BRANDON, que é vm exame de questées culturais e sexuais. Embora outras instituiges, sobretudo a Ars Electronica em Linz, na Austria, e 0 Centro de Arte e Meios de Comunicagao de Massa em Karlsruhe, Alemanha, tenham apresentado projetos para a Web em conjunto com seus festivais internacionais desde meados dos anos 90, é bom lembrar que a Web (www) foi langada somente em 1989. Projetada pelo cientista inglés de informatica Timothy Berners-Lee, seu obj tivo inicial era auxiliar a comunicagao internacional entre fisicos trabalhando para o European Laboratory for Particle Physics. Antes disso, redes semelhantes tinham sido usadas exclusivamente por jes governamentais e universidades de pesquisa envolvi- das em projetos militares. Aarte na Web, embora cada vez mais sofisticada, incorpora em grande parte imagens desenvolvidas fora do computador e depois nele introduzidas por um scanner ou equipamento digital de video. Alguns artistas, contudo, por sua prépria conta ou encarregados por museus e centros de arte, estéo desenvolvendo trabalhos que realmente envolvem o computador como meio de expressao. Entre eles, destaca-se o americano John Simon, cujo Every Icon [Todo ico- ne] (1997) aborda a linguagem computadorizada dizetamente em um esquema conceitual que da a impressao de levar a“arte tempo- ral” aos seus limites. Ele criou uma grade quadrada de 32 por 32 quadrados, contendo um total de 1024 quadradinhos. Esses qua- dradinhos alternam-se constantemente entre luz 2 sombra em Owner: John. Simon, Je Eddon Number: Anists Proof Startirg Tine: January 14, 1997,21:00:00 203 204-7. (direita, de cima para baixo) Tony Oursler, Constance Delong e Stephen Vtiello, Fantastic Prayers [Preces fantasticas}, 1995, 208-11. (mais & direta, de cima para baixo) Chery! Donegan, Studio Visit Visita ao estudio], 1997, Donegan convida aqueles que visitam sua pagina na internet a entrar em seu estidio onde ela se envolve em confrontag6es com as ferramentas de seu trabalho, resultando em uma “visita a0 estudio” digital e pés-moderna 188 NOVAS MIDIAS NA ARTE CONTEMPORANEA. combinag6es infinitamente diversas, uma linha de cada vez. S6 a li- nha superior possui 4,3 bilhdes de variacdes, que levariam 16 me- ses para aparecer em um computador operando continuamente. A segunda linha levaria seis bilhdes de anos, e assim per diante. Con- siderando-se a tela como Josef Albers ou Agnes Martin, ambos ci- néticos, 0“jogo artistico” de Simon, no qual ele convida 0 especta- dor a coservar a grade enquanto ela acende e apaga, nunca pode ser completado, mas vai bem longe na visualizagao de uma idéia do infinite. Na época em que este livro foi escrito, Every Icon podia ser encontrado em www.numeral.com/everyicon. html Simon auxiliou outros artistas conceituais, Jenny Holzer, La- wrence Weiner e a equipe de Kolmar e Melamid, a colocar sua arte na Web, Holzer pée uma série de afirmativas provocantes on-line em Please Change Beliefs [Por favor, mude suas crengas] (1998). Cada frase (“amar os animais uma atividade substituta”,”o assas- sinato tem seu lado sexual”) pode ser selecionada, gerando outra frase. Cada pagina na tela mostra, na parte inferior, “Please Chan- ge Beliefs” [“Por favor, mude suas crengas”], Ecoando a prépria ‘obra em outros meios de expresso, Lawrence Weiner, como Hol- zer, apresenta afirmativas expressivas que também podem ser sele- cionadzs, gerando outras, com 0 objetivo de exemplificar seu en- volvimento com “realidade” e “paisagens oniricas’. A equipe russa de Kolnar e Melamid criaram The Most Wanted Paintings [As pin- turas mais desejadas] (1997) que comecaram com uma pesquisa on-line, feita com pessoas de diversos paises, as quais se perguntou © que gostariam, ou no, de wer em um quadro. Baseando-se nas preferéncias expressadas, os artistas entao fizeram pinturas que fo- ram exibidas on-line. Uma seqiiéncia de banalidades intencionais permeia cada uma dessas obras na Web. O Dia Center em Nova Yerk patrocina um projeto continuo de trabalhos de artistas da Web. O primeiro, Fantastic Prayers [Preces fantasticas], encomendado er 1995 ao grupo americano de cola- boradores formado pela escritora Constance DeJong, o videoartis- ta Tony Oursler e 0 mtisico Stephen Vitiello, é um labirinto de tex- tos, sons e imagens fragmentados, girando em torno de uma terra imagindria, Arcédia, cujos“moradores desconhecem lugares e épo- cas” até que uma voz misteriosa perturba sua serenicade. Ao entrar nesta pagina de navegacao aparentemente intermindvel (www.dia center.org), encontra-se um labirinto de conexdes que variam de bocas desencamadas de Oursler, das quais irrompem frases (“gos- tei de elguns”), a uma parte de O livro tibetano dos mortos, todos acessiveis com um mero clique do mouse. Apés varios cliques, 0 ponto de partida parece perdido para sempre, enquanto a associa~ ao livre substitui qualquer senso de narrativa linear. Na mesma pagina encontra-se Studio Visit [Visita ao estudio] (1997) da videoartista americana Cheryl Donegan, um esttidio vir- tual de idéias, pinturas digitais, video e apresentagdes graticas. Do- 208-11 190 NOVAS MIDIAS NA ARTE CONTEMPORANEA negan capta aqui o mesmo sen-ido de brincadeira artistica que ca- racteriza seus videos single-channel. Aqui a artista coloca-se dentro de grandes espirais de cores primérias, protegida por uma touca de banho e coberta por tiras de videoteipe. As imagens intercalam-se (elas néc“metamorfoseiam” umas nas outras como nos filmes) & medida que o visitante clica sobre elas. O Museu de Arte Contemporanea de Montreal patrocina uma pagina na internet contendo cezenas de links para arte na Web (www.media.macm.ge.ca). Um exemplo (www.obsolete.com/ artwork) reage ao uso disseminado do ensaio de Walter Benjamin sobre arte na era mecnica. Intitulada Walter Benjamin: The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction [Walter Benjamin: A obra de arte na era da reprodug&o mecanica] (1998), a pagina consiste em palavras e niimeros piscardo tao rapidamente na tela que o vi- sitante nao consegue lé-los. O artista ou artistas anénimos que criaram a obra acrescentam a seguinte nota explicative na parte in- ferior da tela do computador:“uma traducao para leitores que nao entendem o original”. Evidentemente acreditam que a velocidade da reprodutibilidade aumentcu tanto desde Benjamin que até suas palavras, quando reproduzidas, tém pouco significado. Outras pa- ginas de arte na Web, patrocinadas pela instituigao, incluem www. caiiamind.nsad.newport.ac.uk iniciada pelo artista e educador Roy Ascott no Center for Advanced Inquiry in the Interactive Arts, Uni- versidade do Pais de Gales, “Gallery 9” na pagina do Walker Art Center (www.walkerart.org) 2 na pagina do Instituto de Arte Con- tempordnea em Londres, www.ica.org.uk. A pagina, na Internet, de The Art and Science Collaboration (www.asci.crg) também contém varios links para artistas da Web em todo o mundo, inclu- sive aqueles na Polonia e Hungria, bem como uma amostra de nova art2 na Web, constantemente atualizada. Em sua pagina (www.sgg.ch/mullican), o artista americano Matt Mullican oferece pinturas, desenhos e “pictogramas”, como ele os denomina, que sio figuras computadorizadas simplificadas, inspiradzs em art déco, que podem ser acessados clicando-se nos circulos em uma grade (a grade, pelo jeito, 6 um formato pratico para a arte na Web). O artista britdnico Jake Tilson, que tem uma antiga fascinago pelos aspectos técnicos de reprodugao e produ- cdo artistica, usa a Web para suas confrontagdes com a aleatorie- dade e a fragmentagao. Sua pagina (www.thecooker.com), um 213 projeto continuo iniciado em 1994, contém uma variedade eston- teante de associagdes humoristicas em nove projetcs de arte na Web. Macro Meal [Macrorrefeicio] (1994) permite ao visitante pas- sear pelo globo“escolhendo” o desjejum, almogo e jantar em listas de paises, acompanhadas por imagens de video de um restaurante tipico e sons que poderiam ser ouvidos em seu interior. ‘Apés ver varios projetos de arte da Web, nao resta duivida que © design grafico tem uma fungo essencial no desenvolvimento 212, Matt Mullican, imagem da obra na pagina da Web Up to 625 produzida para documenta x, 1998, ARTE DIGITAL 191 desta forma artistica. Com a indefinicéo das fronteiras entre arte trabalho manual, artistas especializados em compucagao gréfica, especialistas em caligrafia, layout e imagens multidimensionais aju- dam artistas visuais de outras areas a se adaptar ao computador. O artista americano Peter Halley representa esta nova geracao. Ex- ploding Cell [Célula explosiva] (1997), que pode ser visto na pagina do Museu de Arte Moderna de Nova York na Web (www.moma, org), consiste em nove quadrados que explodem”em uma seqiién- cia cale'doscépica de cores. Razorfish, criado em 1995, 6 um am- biente g-afico que somente poderia existir na Web. O curador ame- ricano Aaron Betsky descreve o projeto artistico do Razorfish, RSUB, como “um mundo que mistura formas estaticas € dindmicas, que estende em camadas, textos, imagens e campos abstratos de forma aparentemente aleatéria, dando forga as mensagens que apresen- tam coletivamente”. Razorfish é uma sofisticada carteira de com- pensaco para expressao na Web. A leitura, percebe-se com freqiiéncia, ressurgiu como um ele- mento essencial da experiéncia da arte interativa. O computador e a Internet, ao menos neste momento, so dependentes de palavras e exigem uma apticiio de leitura que nao é exigida pelos meios vi- suais de comunicagao de messa, principalmente pela televisio. O artista elemao Frank Fietzek aborda as ambigiiidades de aprender a ler em The Blackboard [O quadro-negro] (1993). Fietzek colocou um monitor em trilhos afixados a um quadro-negro, Enquanto sur- 213. Jake Tilson, selecdo de telas da pagina The Cooker, 1994-99, ra Internet (http://www. thecooker.com). Tilson, que no pasado usava todo tipo de objet trouvé em seu trabalho, levou sua sensibilidade pata 0 computador, onde combina imagens de suas viagens pelo mundo em uma experiéncia interativa para os visitantes de sua pagina na Interret. Por exemplo, eles podem “pedir” o desjejum em varios restaurantes do mundo ¢ ouvir 0 sons naquele restaurante especifico, enquanto permanecem sentados diante do computador. 192 NOVAS MIDIAS NA ARTE CCNTEMPORANEA, gem palavras no monitor, c espectador pode movimentd-lo pela superficie do quadro-negro. As palavras desaparecem no espaco escuro do video que, para o espectador, segundo o critico e curador Rudolf Frieling, é comparavel a “imaterialidade do leitor solitario que navega pela Internet”. “Ainda estamos lendo”, ele questiona, “ou estamos olhando imagens que aparecem e desaparecem antes que tenhamos tempo de captar seu significado potencial? Nossos olhos gercorrem continuamente 0 mundo que nos circunda em busca de informacGes ocultas e pistas para uma compreensao me- Ihor de sua superficie castica.”A perspectiva existencialista de Frie- ling da interacdo com a Web, inclusive a arte que nela se encontra, aborda a impermanéncia radical da interatividade. Depois de enga- jada, a maquina, forca efetivamnente a obediéncia ac seu requisito estrutural de“continuar se movimentando”. Nao se pode perma- necer estatico com a tela interativa da Web. Ela simplesmente fe- chard assim que o provedor decidir que o usuario esta inativo ha muito tempo. O que quer que seja que esteja na tela desaparece em uma escuridao desconhecida. A tinica maneira de evitar o fecha~ mento Zorcado é continuar clicando em mais links e correr o risco de esquecer o ponto de partida. Performances ao vivo também estdo acontecendo na Web, onde o tempo e 0 espaco nao sao separados pela distancia geogra- fica. Um conjunto de artistas do Canada, Australia, Havai, Austria, Alemanha e Argentina participou de Oudeis, uma versao atualiza- da da Odisséia, durante o Ars Electronica Festival de 1997 em Linz, na Austria. Conectados pela Web, artistas em cada um desses pai- ses contribuiram com aspectos da apresentacao geral. A Franklin Furnace de Nova York, fundada por Martha Wilson, e durante dé- cadas um local para performace experimental, fechou suas portas em 1997 ¢ converteu-se em um local virtual de performance que apresenta novas formas de ferformance em horarios especificos apenas na Web. Vale a pena repetir que a arte na Web, por mais complexa que te- nha se tornado, ainda 6 muito primitiva. Clicar em grande parte dela € como assistir aos primeiros filmes sonoros com seus textos ou co- mentarios introdutérios, por escrito, resquicios do cinema mudo. Mesme assim, levantou-se « dificil questao do prego a ser cobrado pela arte da Web quando o Walker Art Center de Minneapolis rece- beu uma doago dos arquivos do servigo de arte on-line “ida’web”” A pagina, que parou de divulgar nova arte na Web por falta de recur- 50s, tir’ha, a principio, feito contato com a casa de leildes Christie's para tratar de sua venda, mas a casa de leildes nao aceitou. Arte digital interativa Além de atividades come “clicar” e“navegar’ na Internet, que sio, de fato, formas de interacdo com a tecnologia computadoriza- jake tilson: | eee 214, Marcel Ducharrp, Rotary Glass Plates (Precision Optics [in motion) (Placas de vidro rotativas (Otica de precisdo fem movimento))], 1920. ‘O mecanismo giratério de Duchamp é um exemplo primitivo de “arte interativa” O espectador torna-se um participante ativo da arte. ARTE DIGITAL 195 da, varios artistas no final do século criaram obras, quase sempre em larga escala, que sao realmente participativas. Existem varios exemplos de participago do espectador com a maquina no cino- ne da arte contemporanea - Rotary Glass Plates (Precision Optics) [Placas de vidro rotativas (Otca de precisao)] de Duchamp, feita com Man Ray em 1920, requer que o espectador lige a maquina 6ptica e fique a um metro de distdncia, Os eventos do Fluxus e os Happenings dos anos 60 envolviam a participacao dc piiblico, mas a nova arte interativa no é controlada pelo artista da maneira como eta, digamos, Eighteen Happenings in 6 Parts [Dezoito Happe- nings em 6 partes] (1959) de Kaprow, com instrugdes rigidas para 0 participantes. Artistas interativos como os americanos Ken Fein- gold, Perry Hoberman, Lynn Hershman-Leeson, Karl Sims, Jeffrey Shaw, Grahame Weinbren, o japonés Masaki Fujihata ¢ os alemaes Bernd Lintermann e Torsten. Belschner, para citar adenas alguns, incentivam positivamente os espectadores a criar narrativas ou as- sociagdes com as obras interativas. De fato, elas sao planejadas com este objetivo em mente. Obviamente, o contetido disponivel para escolha permanece nas maos do artista, mas o que os participantes fazem com ele tem muitas variagdes. O rigor conceitual (embora também brincalho) de um evento do Fluxus (por exemplo, Mirror [Espelho], 1963, de Mieko Shiomi, que requer que o artista “fique em pé ra praia com as costas para o mar. Segure um espelho dian- te do rosto e olhe. Caminhe de costas para 0 mar e entre na agua”) 6 substituido por uma profusio de possibilidades limitadas apenas pelo tempo que o participante tem para dedicar-se obra. Critica~ mente, a interatividade introduz uma nova tarefa para aqueles que tentam avalid-la. Timothy Druckrey afirma, sem rodeios: “Se as imagens tém que se tornar cada vez mais experimentais, entao deve-se desenvolver uma tecria de representagio que responda pela transagao provocada pela participacao.” Questées de representagZo sao evidentes na obra do artista americano Bill Seaman e do polonés Tamas Waliczky. Em sua obra, Seaman tenta criar vinculos tecnolégicos com formas historicas ar- tisticas como 0 triptico, geranco para o espectador/participante ex- periéne:as poéticas semelhaates a apreciagdo de pirturas, mas de uma forma interativa. Passage Set/One Pulls Pivots ai the Tip of the ‘Tongue (1995) € uma instalagao interativa, apresentada como um triptico, no qual trés projecdes permitem ao espectador pressionar “pontos criticos”, ou textos destacados, que geram outros textos ¢ imagens, resultando em um poema espacial que, segundo Seaman, reflete a sobreposicao ou colis’io de espacos psicoldgicos. Em vez de simolesmente acamar imagens de modo aleatérin, a instalagao de Seaman permite uma leitura seqtiencial, bem semelhante ao ato de ver uma pintura ou ler um poema. Waliczky joga com a perspec- tiva em sua instalagéo de 1994, The Way [O caminho]. A medida que os espectadores aproximam-se da tela de projecéio colocada na 215-17. Bill Seaman, trés telas de Passage Set/One Pulls Pivots at the Tip of the Tengue, 1995. Nesta instalacao interativa, visitantes apertam "pontos riticos”, areas destacadas na tela, que geram outras imagens ‘em um desdobramento continuo de textos e imagens fragmentados. ARTE DIGITAL 197 extremidade de um longo corredor, as imagens na tela, acionadas pelos movimentos dos espectadores, recuam, invertendo a expe- riénciz normal de perspectiva ‘Alm disso, a interatividade proporciona, acs artistas preocu- pados com questdes sociais, a oportunidade de envolver os espec- tadores de forma bastante acentuada. White Devil (1993) [Deménio branco], do artista americano Paul Garrin, coloca os espectadores no meio de um“bairro” imaginario. A medida que passam pela ga- leria, cmeras de vigildncia acompanham seus movimentos e caes horriveis surgem nos monitores de video para as Hershman-Leeson, cujo projeto Lorna (1979-83) foi o primeiro vi- deodisco interativo, cria obras de arte interativas que abordam questiies feministas de forma bastante direta. Em Room of One's Own: Slightly Behind the Scenes (1992), ela criou um’ espetculo eré- tico” no qual o prdprio ato de olhar a instalagao vertical desenca deia uma série de imagens relacionadas 4 representagdo (quase sempz erética) de mulheres em meios de comunicagao de massa O espectador torna-se um“aoyeur” & medida que seu olhar ativa imagens relacionadas a uma cama, telefone ou peca de roupa, tudo armazenado em videodiscc ssustd-los. Lynn 218. Lynn Hershman-Leeson, Room of One's Own: Slightly Behind the Scenes, 1990-93, Para Hershman-Leeson, tecnologias digitais "So a paisagem do presente As técnicas digitais melhoram ainda mais a credibilidade de imagens manipuladas, mesmo quando 880 bizarras e indubitavelmente atificiais” Na instalacao interativa Childhood/Hot and Cold Wars (The Ap- pearance of Nature) [Infancia/Guerras quentes ¢ frias (A aparéncia da natureza)}, 1993, do artista americano Ken Feingold, um globo repousa em uma mesa de férmica colocada que contorna um rel6- gio antigo. A face do reldgio, centudo, também é uma tela sobre a qual sao projetadas imagens de video, de dentro do relégio, quan- do o espectador gira o globo. O mesmo espectador pede controlar © fluxo ce imagens (centenas delas, de banais a horripilantes, sele- cionadas de imagens de TV dos anos 50 e 60). Segundo Feingold: “O espectador-participante interage com os programas computa- dorizados e a parte elétrica da obra, controlando a velocidade e a diregao do videolaser, o movimento dos ponteiros do relégio, e re- tardando a reprodugao de audio digitalizado.” Nestes exemplos, em que cada um depende de imagens de vi- deo anteriormente filmadas, é evidente que a videoinstalagao tor- nou-se dindmica, reduzindo 0 grau de separacao entre o artista e 0 espectador, Contudo, a autoria nao desapareceu. O artista agora se tornou um facilitador da experigncia da arte com a obra interativa passandp a ser, de certa forma, uma extensdo da educacéo, uma aprendizagem criativa com perticipacao ativa Alguns artistas, no entanto, sao irredutiveis no que diz respei- to a contestar a autoria. Karl Sims, formado em biotecnologia pelo Massac-asetts Institute of Techaology, dedicou varios anos ao de- ARTE DIGITAL 199 senvolvimento de uma arte gréfica computadorizada que lembra a teoria de selecao natural de Darwin Em. duas instalagdes interativas complexas, Genetic Images [Ima- 222 gens genéticas] (1993), mostrada primeiro no Centro Pompidou em 22 Paris, e Galdépagos (1995), que esté em exposigdo permanente no In ter-communication Center em Téquio, Sims permite aos especta- dores criar suas préprias “formas de vida artificial” que “crescem” dentrc do computador em uma simulagao répida dos prinefpios darwinianos. Em Galapagos, 12 monitores, dispostos em semicircu- lo e equipados com pedal, mostram uma “criatura” tridimensional 219, 220. Ken Feingold, Chilahood/Hot and Cold Wars (The Appearance of Nature) UInfancia/Guerras quentes e frias (A aparéncia da natureza)], 1993. Feingold considera 0 espectador um partcipante. Nesta instalacao interativa, 20 tocar o glaba sobre a mesa, 0 espectador da inicio a uma torrente de imagens representativas da cultura dos anos 50 e 60, projetadas a partir do interior do rel6gio. rl Sims, jpagos, 1995. Inspirado pela ja de selecdo natural de in, Sims criou um sistema em que organismos “genéticos’ parecem se desenvolver dentro de seu ambiente no computador O espectador escolhe uma 202 NOVAS MIDIAS NA ARTE CONTEMPORANEA gerada pelo computador. O espectador escolhe um deles, pisa no pedal e todas as outras telas se apagam. MutagGes aleatorias da criatura escolhida surgem no monitor e continuam a transformar- se em novas geracoes de imagens genéticas. Sonata (1991-93), uma experiéncia labirintica em cinema inte- rativo do sul-africano Grahame Weinbren, permite que o especta- dor, ao tocar sensores infravermelhos no monitor, explore niveis de imagens filmadas que entrelacam personagens de um conto de Tolstdi (“A sonata de Kreutzer”), de um estudo de caso psicolégico de Freud (“Homem-lobo”) e da historia biblica de Judite e Holo- fernes como representada em pinturas do século XV até os dias de hoje. O espectador pode retomar a qualquer uma das outras hist6- rias enquanto outra ¢ mostradz e criar uma narrativa. Sentado em um cube de aco aberto com um tinico monitor e um grande con- tdiner metélico envolvendo 0 maquindrio, o espectador, segundo Weinbrea, participa “de uma colaboragéio com o cinzasta a cada momento... permitindo a apresentaco dos mesmos eventos de varios pontos de vista”. Alem disso, a tecnologia interativa também foi introduzida no mundo da danga. Na Conferéneia Internacional de Danga e Tecno- logia de 1999 na Universidade Estadual do Arizona, varios coreé- grafos aoresentaram tecnologia sensério-motora”, na qual 0s mo- vimentos de dancarinos ou perticipantes leigos ativam iluminagoes de limpadas fluorescentes que, por sua vez, criam padroes basea- dos no movimento. Em Light Lance [Danca de luz] (1999) de Seth Rifkin, por exemplo, 0 movimento humano torna-se a base para uma”tecnodanga” em que os pedrdes luminosos, e nao o individuo que danga, passam a ser 0 foco. Este tipo de participacao s6 pode ser superado por outra forma de interatividade: a Realidade Virtual. Realidade tual Em Realidade Virtual (RV), 0 aspecto ainda passivo de observar a tela é

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