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COMBATER NA SOMÁLIA OU NO AFEGANISTAO NUM CONTINGENTE MILITAR PRIVADO: US$ 250 POR MÊS A US$ 1.000 POR DIA.
direito de poluir; um fica mais difícil para os pobres e de classe média. de mercenarios estrangeiros
sistema de financiamento que dispõem de recursos Não só se agravou a em guerras talvez sirva para
de campanhas eleitorais modestos. Quanto mais o defasagem entre ricos e poupar a vida dos nossos
que chega perto de permitir dinheiro pode comprar, pobres como a cidadãos, mas corrompe o
a compra e venda das mais importante é a mercantilização de tudo significado da cidadania 6
eleições. afluência (ou a sua falta). aguçou a desigualdade e Os economistas
Essas formas de Se a única vantagem da aumentou a importância costumam partir do princípio
utilização do mercado para afluência fosse a do dinheiro. de que os mercados são
fornecimento de saúde, capacidade de comprar O segundo motivo que nos inertes, de que não afetam os
educação, segurança iates, carros esportivos e deveria levar a hesitar em pôr bens neles trocados. Mas
pública, segurança férias no exterior, as tudo à venda é mais difícil de não é verdade- Os
nacional, justiça penal, desigualdades de renda e descrever. Não se trata mais de mercados deixam sua marca.
proteção ambiental, riqueza não teriam grande desigualdade e injustiça, mas da Às vezes, os valores de
recreação, procriação e importância. Mas, à tendência corrosiva dos mercado são responsáveis
outros bens sociais medida que o dinheiro mercados. Eles podem ser pelo descarte de princípios
praticamente eram passa a comprar cada vez corrompidos por essa prática de
O QUE O DtNHElRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO O MERCADO MORAL
que, não vinculados aos pessoas que merecem Terceirizá-los significa da situação de ter uma
mercados, devem ser respeito e tratamento aviltá-los, tratá-los dc economia de mercado para a
respeitados. condigno, e não como maneira erraclx de ser uma sociedade de
Naturalmente, podc haver instrumentos de lucro e mercado.
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discordância em torno dos objetos de uso. A diferença é esta: uma
princípios que valem a pena Algo semelhante pode ser Esses exemplos ilustram economia de mercado é uma
e das motivações a respeito. dito a respeito dos bens e uma questão mais ampla: ferramenta -— valiosa e
Assim, para decidir o que o práticas que nos sao algumas das boas coisas da eficaz — de organização de
dinheiro pode — e não pode valiosos. Não colocamos vida são corrompidas ou uma atividade produtiva.
— comprar, precisamos crianças à venda no degradadas quando Uma sociedade de mercado é
saber quais valores mercado. Ainda que os transformadas em um modo de vida em que os
governarão as diferentes compradores não mercadoria. Desse modo, valores de mercado
áreas da vida cívica e social. maltratassem as crianças para decidir em que permeiam cada aspecto da
A análise dessa questão é o compradas, a existência de circunstancias o mercado faz atividade humana. E um
tema deste livro. um mercado de crianças sentido e quais aquelas em lugar em que as relações
Eis aqui uma prévia das estaria expressando c que deveria ser mantido a sociais são reformatadas à
respostas que pretendo promovendo uma maneira distância, temos de decidir imagem do mercado.
propor: quando decidimos errada de tratá-las, As que valor atribuir aos bens O grande debate que está
que determinados bens crianças não são bens de em questão — saúde, faltando na política
podem ser comprados e consumo, Irras seres que educação, vida familiar, contemporânea diz respeito
vendidos, estamos merecem amor e cuidados. natureza, arte, deveres ao papel e ao alcance dos
decidindo, pelo menos Ou, então, vejamos a questao cívicos e assim por diante. mercados. Queremos uma
implicitamente, que podem dos direitos e das obrigações São questões de ordem economia de mercado ou
ser tratados como da cidadania. Sc você for moral e política, e não uma sociedade de mercado?
mercadorias, como convocado a participar de apenas econômicas. Para Que papel os mercados
instrumentos de lucro e uso. um Juri, não poderá resolvê-las, precisamos devem desempenhar na vida
Mas nem todos os bens contratar um substituto, E os debater, caso a caso, o pública e nas relações
podem ser avaliados dessa cidadãos tampouco tern o significado moral desses pessoais? Como decidir que
maneira] 'S O exemplo mais direito de vender seus votos, bens e sua correta bens podem ser postos à
óbvio são os seres humanos. embora não falte quem esteja valorização. venda e quais deles devem
A escravidão era ultrajante ansioso por comprá-los. Por E um debate que não ser governados por outros
por tratar seres humanos que não? Porque ocorreu durante a era do valores que não os de
como mercadorias, postas à consideramos que os deveres triunfalismo de mercado. Em mercado? Onde não pode
venda em leilão. Esse cívicos não dcvcm ser consequência, sem que nos prevalecer a lei do dinheiro?
tratamento não leva em encarados como propriedade déssemos conta, sem mesmo São as questões de que
conta os seres humanos de privada, mas como Lima chegar a tomar uma decisão este livro procurará tratar.
forma adequada — corno responsabilidade pública. a respeito, fomos resvalando Como elas envolvem visões
O QUE O DtNHElRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO O MERCADO MORAL
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polêmicas da sociedade ideal animosidade e o vazio do equivocada. Na capa da com uma margem de
e da vida ideal, não posso discurso público. Essas Economist, o semanário mais de dois para umo21
prometer respostas duas situações não são britânico campeão da A crise financeira
definitivas. Mas pelo menos totalmente alheias entre ideologia de mercado, projetara os Estados
espero provocar um debate elas. via-se um manual de Unidos e boa parte da
público a respeito e O primeiro obstáculo é economia desfazendo-se economia global na mais
estabelecer um contexto desafiador. Na época, a num lodaçal, sob o título: grave crise econômica
filosófico para sua analise. crise financeira de 2008 "O que deu errado na desde a Grande
foi considerada um economia . Depressão do início da
autêntico veredito moral A era do triunfalismo década de 1930 e lançara
O papel dos mercados
sobre a adoção acrítica de mercado tivera um fim no desemprego milhões
Ainda que concordemos com dos mercados que devastador. Certamente de pessoas, Mas não
o fato de que precisamos prevalecera em todo o viria, então, um momento levou a uma fundamental
enfrentar as grandes espectro político durante de reavaliação moral, um reavaliação dos
questões relativas à três décadas. O quase período de sensato mercados. Pelo contrário,
moralidade do mercado, colapso de instituições reexame da religião de sua consequência política
você pode ter lá suas dúvidas financeiras outrora mercado. Mas não foi mais saliente nos Estados
quanto à capacidade do poderosas de Wall Street assim que as coisas se Unidos foi a ascensão do
discurso público nessa e a necessidade de encaminharam, movimento Tea Party,
esfera. E a socorro maciço à custa O espetacular fracasso cujas ideias de
dos contribuintes dos mercados financeiros hostilidade ao governo e
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E
pareciam indicar que viria não amorteceu muito a total adesão ao livre
uma pronta reavaliação confiança nos mercados mercado deixariam
dos mercados. Até Alan de maneira geral. Na Ronald Reagan
dúvida procede. Qualquer Greenspan, que na ruborizado. No outono de
verdade, a crise
tentativa de repensar o papel qualidade de presidente financeira deixou mais 2011, o movimento
c o alcance do mercado deve
do Federal Reserve, o desacreditados os Occupy Wall Street
começar pelo
banco central americano, governos do que os originou manifestações
reconhecimento de dois
oficiava como grão- bancos. Em 2011, certas de protesto em cidades de
sérios obstáculos,
sacerdote da religião pesquisas indicavam que todo o território
Um deles são os
triunfalista de mercado, o público americano americano e em várias
persistentes poder e
admitiu estar em "estado culpava antes o governo partes do mundo. Seu
prestígio do pensamento
de choque e descrença" federal do que as alvo eram os grandes
de mercado, mesmo
pelo fato de sua confiança instituições financeiras de bancos e o poder
depois do mais grave
na capacidade de Wall Street pelos corporativo, assim como
fracasso dele em oitenta
autocorreção do livre problemas econôn-ucos a crescente desigualdade
anos. O outro é a
mercado ter-se revelado enfrentados pelo país— da renda e da riqueza.
O QUE O DtNHElRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO O MERCADO MORAL
Apesar da diferença de Essa perigosa situação muitos aqueles que confrontos sectários,
orientação ideológica, os do discurso público é o acreditam demais, de muitas vezes insistimos em
militantes do Tea Party e que os cidadãos deixem
segundo obstáculo a um maneira por demais
do Occupy Wall Street suas convicções morais e
debate a respeito dos agressiva, nas próprias
davam igualmente voz a espirituais para trás ao
uma indignação populista limites morais do convicções, querendo entrar na arena pública.
contra o socorro às mercado. Numa época impô-las aos outros. Apesar da boa intenção,
instituições financeiras em que o debate político Tenho para mim que se contudo, a relutância em
em crise. 22 aceitar na política
consiste essencialmente trata de uma leitura
Apesar dessas vozes argumentos sobre os ideais
em pugilato verbal na equivocada do transe em
de protesto, nossa vida de vida abriu caminho para
televisão a cabo, que nos encontramos. O o triunfalismo de mercado
política continua
acusações partidarias no problema na nossa e a constante ascendência
basicamente infensa a um
rádio e refregas política não é uma do raciocínio
debate sério sobre o papel mercadológico.
ideológicas no plenário questão de convicções
e o alcance dos mercados. À sua maneira, o
do Congresso, seria morais de mais, mas de
Democratas e pensamento mercadológico
difícil imaginar um menos. Nossa política é também priva a vida
republicanos continuam
debate público ponderado tão exaltada pública de fundo moral. O
discutindo, como sempre
sobre questões morais interesse do mercado
fizeram, sobre impostos, 18 decorre em parte do fato de
polêmicas, como a
gastos e déficits EA não julgar as preferências a
maneira correta de que atende. Ele não quer
orçamentários, só que
com espírito ainda mais atribuir valor a por causa do seu essencial saber se determinadas
procriação, filhos, vazio, em conteúdo moral ou maneiras de avaliar os bens
partidário e muito pouca
educação, saúde, meio espiritual. Ela não é capaz de são preferíveis a outras ou
capacidade de inspirar ou mais condignas. Se alguém
ambiente, cidadania e enfrentar as grandes
convencer. A desilusão questões que importam a estiver disposto a pagar por
com a política aumenta outros bens. Mas creio sexo ou por um rim e um
todos,
entre cidadãos cada vez que esse debate é O vazio moral da adulto se dispuser a vendê-
possível e que haveria de política contemporânea tem lo, a única pergunta que o
mais frustrados com um
revigorar a vida pública. algumas explicações, Uma economista faz é:
sistema incapaz de
delas é a tentativa de banir "Quanto?" Os mercados
atender ao bem público Há quem veja na
do discurso público a não apontam o polegar para
ou enfrentar as questões animosidade de nossa cima ou para baixo. Não
questão dos ideais. Na
que realmente importam. política um excesso de esperança de evitar discriminam entre
conVicção moral: são preferências louváveis ou
O QUE O DtNHElRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO O MERCADO MORAL
condenáveis, Cada parte você concorde que a
envolvida num trato decide compra e a venda de certos
por si mesma que valor bens os corrompem ou
atribuir aos objetos degradam, será
trocados. forçosamente porque
Essa oposição isenta de acredita que certas
julgamento em relação aos maneiras de lhes atribuir
valores está no cerne do valor são mais adequadas
pensamento mercadológico do que outras. Não faria
e explica boa parte do seu sentido
interesse. Mas nossa
relutância em considerar os 19
argumentos morais e
espirituais, nesse
movimento de adoção da
lógica de Inercado, veio a
cobrar um preço alto:
privou o discurso público
de energia Ilioral e cívica, e
contribuiu para a política
tecnocrática e gerencial que
hoje aflige muitas
sociedades, Um debate
sobre o limite moral do
mercado nos permitiria
decidir, como sociedade,
em que circunstancias os
mercados atendem ao bem
público e quais aquelas em
que eles são intrusos.
Também contribuiria para
revigorar a política e abrir
espaço para ideais
concorrentes na arena
pública. Pois de que outra
maneira poderia ter curso
esse tipo de debate? Caso
O O DINH EIRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO
falar da corrupção de determinada atividade — a criação de filhos,
por exemplo, ou a cidadania — se não acreditarmos que certas
maneiras de ser um pai ou um cidadão são melhores do que outras.
São avaliações morais dessa natureza que estão por trás das
poucas limitações ao mercado que ainda podemos constatar. Não
permitimos que os pais vendam os filhos ou que os cidadãos vendam
os votos. E um dos motivos disso, para ser franco, comporta nada
mais nada menos do que um julgamento moral: acreditamos que
vender essas coisas significa uma maneira errada de lhes atribuir
valor, cultivando atitudes negativas.
A análise dos limites morais do mercado torna inevitáveis tais
questöes. Ela requer que pensemos juntos, em público, como atribuir
valor aos bens sociais que prezamos. Seria absurdo esperar que um
discurso público de maior robustez moral fosse capaz de levar,
mesmo nas melhores condições, a algum consenso em torno de cada
questão polêmica. Mas certamente teríamos aí uma vida pública mais
saudável. E estaríamos mais conscientes do preço que pagamos por
viver numa sociedade em que tudo está à venda.
Ao pensar na moralidade do mercado, pensamos antes de mais
nada nos bancos dc Wall Street e seus imprudentes desmandos, em
hedge funds, operações de salvamento financeiro e reforma
normativa. Mas o desafio moral e político que boje enfrentamos é
mais capilarizado e mais prosaico: repensar o papel e o alcance do
mercado em nossas práticas socms, nas relações humanas e na vida
cotidiana.
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O QUE O DINHEIRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO INCENTIVOS
Autorizações de poluir negociáveis
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O O DINH EIRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO
O O DINHEIRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO as fábricas de papel de jogar lixo tóxico na água; exigir que as
fábricas instalem filtros em suas chaminés. E se essas empresas não
Na época, escrevi um artigo na página de opinião do New York atenderem aos padrões exigidos, multá-las. Foi o que os Estados
Times criticando a proposta do esquema de permuta. Preocupava-me Unidos fizeram
o fato de que a autorização para que determinados países 74
comprassem o direito de poluir seria como permitir que as pessoas INCENTIVOS
jogassem lixo na rua. Deveríamos estar empenhados em fortalecer, e
não em debilitar, o estigma moral associado aos atos de poluição do ao longo da primeira geração de leis ambientais no início da década
ambiente. Também parecia preocupante que se esses países de 1970 48 Essas normas, escoradas em multas, eram uma maneira de
pudessem comprar o direito de se eximir da obrigação de reduzir fazer com que as empresas pagassem pela poluição que geravam. E
suas emissões estaríamos comprometendo o sentimento de sacrifício tarnbém comportavam uma mensagem moral: "E uma vergonha
compartilhado necessario para uma futura cooperação global na lançar mercúrio e amianto em lagos e regatos, e poluir o ar com uma
questão ambiental 'h fumaça sufocante. Não é apenas perigoso para a saúde: não é assim
O Times recebeu uma verdadeira avalancha de cartas indignadas que se trata o planeta.' Houve quem se opusesse a essas norrnas por
em sua maioria de economistas, alguns deles colegas meus em não gostar de qualquer coisa que aumentasse os custos da industria.
Harvard. Eles afirmavam que eu não entendia as virtudes do Outros, no entanto, sjmpáticos à necessidade de proteção ambiental,
mercado, a eficiência do comércio ou sequer os mais elementares buscavam maneiras mais eficientes de consegui-la. Com o aumento
princípios da racionalidade econômica 46 Em meio àquela torrente de do prestígio do mercado na década de 1980 e à medida que a lógica
críticas, tambem recebi um e-mail de solidariedade do meu antigo econômica ganhava em ascendência, alguns partidários das políticas
professor de economia na uniersidade. Ele entendia a tese que eu de defesa ambiental começaram a se mostrar favoráveis a abordagens
tentava sustentar, escreveu. Mas também me pedia um pequeno mercadológicas na tentativa de salvar o planeta. Pelo seu raciocínio,
favor: que eu não revelasse em público a identidade da pessoa que não se deviam impor padrões de emissão de gases a todas as fábricas;
me havia ensinado economia. pelo contrário, ser 1a o caso de estabelecer um preço pela poluição e
Até certo ponto, reconsiderei desde então meu ponto de vista permitir que o mercado fizesse o resto.49
sobre a permuta de direitos de emissões poluentes embora não pelos A maneira mais simples de estabelecer um preço pela poluição é
motivos doutrinários externados pelos economistas. Ao contrário do oneráIa com impostos. Um imposto sobre emissões poluentes pode
que acontece quando alguém joga lixo pela janela do carro, a ser visto antes como uma taxa do que como uma multa; mas se for
emissão de dióxido de carbono não é em si mesma condenável. E o elevado terá a virtude de fazer com que os poluidores paguem pelo
que todos nós fazemos ao expirar. Nada há de intrinsecamente dano causado. Precisamente por esse motivo é que é politicamente
errado em lançar CO na atmosfera. O que é condenável é faze-lo em difícil pôr em prática uma política dessa natureza. Assim foi que os
excesso, no contexto de um estilo de vida baseado no desperdício de dirigentes acabaram adotando, no caso da poluição, uma solução
energia. Esse estilo de vida e as atitudes em que se escora é que mais acomodada em relação ao mercado: a permuta de direitos de
devem ser desestimulados e mesmo estigmatizados 47 Uma das emissão.
maneiras de reduzir a poluição é atraves da regulamentação Em 1990, o presidente George Bush transformou em lei um plano
governamental: exigir que os fabricantes de carros atendam a altos de redução da chuva ácida, causada pelas emissões de dióxido de
padrões relativos à emissão de gases; proibir as empresas químicas e enxofre nas usinas de energia a carvão. Em vez de estabelecer limites
fixos para cada usina, a lei a autorizava a poluir até certo ponto, a permitam a outros países poluir menos), prejudica duas normas:
partir do qual ela poderia comprar e vender essas licenças com consolida uma atitude instrumentalizante em relação à natureza e
empresas congêneres. Desse modo, uma empresa poderia reduzir suas solapa o espírito de sacrifício partilhado que pode ser necessário para
emissões ou comprar direitos extras de poluição de uma connpanhia gerar uma ética ambiental global. Se os países ricos puderem pagar
que conseguira poluir menos do que lhe permitia a sua cota.50 para se livrar da obrigação de reduzir suas emissões de gás carbônico,
As emissões de enxofre diminuíram e o esquema de permutas foi a imagem do viajante no Grand Canyon pode afinal de contas fazer
considerado um sucesso 51 Até que mais tarde, ainda na década de sentido. Só que agora, em vez de pagar uma multa por jogar lixo, o
1990, rico viajante pode jogar sua lata de cervqa impunemente, desde que
contrate alguém para limpar o lixo no Himalaia.
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E verdade que os dois casos não são idênticos. O lixo é menos
O QUE O DI NHEIRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO fungível do que os gases do efeito estufa. A lata de cerveja no Grand
Canyon não
a atenção voltou-se para o aquecimento global. O Protocolo de Kyoto
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sobre as mudanças climáticas colocava os países diante de uma
alternativa: podiam reduzir as emissões dos gases do efeito estufa ou INCENTIVOS
pagar a outro país para fazê-lo. A lógica desse tipo de abordagem é que
reduz o custo do cumprimento da lei. Se for mais barato substituir pode ser compensada por uma paisagem imaculada a meio mundo
lâmpadas de querosene em aldeias indianas do que diminuir as de distância. Em contraste, o aquecimento global é um dano
emissões nos Estados Unidos, por que não pagar pela substituição das cumulativo, Do ponto de vista do céu, não importa quais os lugares
lâmpadas? do planeta que mais emitem gás carbônico.
Apesar desse estímulo, os Estados Unidos não aderiram ao acordo Moral e politicamente, no entanto, de fato importa. Permitir que
de Kyoto e as posteriores negociações sobre a questão do clima global os países ricos paguem para se eximir de mudanças significativas
fracassaram. O meu interesse, no entanto, está menos voltado para os em seus hábitos de desperdício reforça UMA atitude errada: a de
acordos em SI mesmos do que para a maneira como ilustram os custos que a natureza é um depósito de lixo para os que puderem pagar. Os
morais de um mercado global na questão do direito de poluir. economistas muitas vezes partem do princípio de que a solução para
No caso do pretendido mercado das autorizações de procriação, o o aquecimento global é simplesmente uma questão de conceber a
problema moral é que o sistema leva certos casais a subornar outros adequada estrutura de incentivos e conseguir que os países se
para abrirem mão da chance de ter um filho. Isso corrói a norma do colïlprometam com ela. Mas fica faltando aí um ponto crucial: as
amor paterno e estimula os pais a encarar os filhos como bens normas têm sua importância. Para uma efetiva ação global a
alienáveis, mercadorias a venda. O problema moral no caso de um respeito das mudanças climáticas pode ser necessario que
mercado global de autorizações para poluir é diferente. Nesse caso, a encontremos o caminho para uma nova ética ambiental, um novo
questão não está num suborno, mas na terceirização de uma obrigação. conjunto de atitudes em relação ao mundo natural que
Ela se manifesta de maneira mais aguda num contexto global do que compartilhamos. Qualquer que seja sua eficiência, um mercado
num ambiente doméstico. global do direito de poluir pode tornar ainda mais difícil o cultivo
Com a cooperação global em jogo, a autorização para que os países de hábitos de contenção e sacrifício compartilhado exigidos por
ricos se eximam de reduções significativas no seu consumo de energia, uma ética ambiental responsável.
ao comprar de outros o direito de poluir (ou pagar por programas que
O QUE O DI NHEIRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO
rejeitar a solucão de mercado condenável das caçadas de conservação natural. Ou a venda do direito de cacar ala
espécie. A resposta depende propiciará os benefícios que se os caçadores estão errados
O QUE O DINHEIRO NÃO COMPRA: OS LIMITES MORAIS DO MERCADO
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