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Responsável pelo Conteúdo:

Prof Ms Pascoal Fernando Ferrari

Revisora
Profa Esp. Vera Lidia de Sá Cicaroni
 Pensamento, linguagem e os interacionistas

 Pensamento, linguagem e a palavra escrita

 A interação social no desenvolvimento do


pensamento e da linguagem

Nesta unidade, vamos tratar do tema “Pensamento e linguagem: uma


visão interacionista”, abordando a visão interacionista a respeito do
desenvolvimento do pensamento e da linguagem humana.

Conhecer a visão interacionista é importante para que você


acompanhe as demais unidades da disciplina e compreenda como
essa forma de ver o mundo contribuiu para a área de conhecimento
na qual você pretende se graduar.

A ideia de correlacionarmos os conceitos Pensamento, Linguagem e Desenvolvimento


Humano suscita-nos diversos questionamentos. Sendo assim faremos, a princípio, uma breve
revisão histórica a respeito do surgimento da linguagem falada e da língua escrita.
Em seguida, estudaremos o pensamento e a linguagem dentro da dimensão interacionista
com base nas contribuições de Vygotsky e Piaget. Finalizaremos a unidade buscando entender
e refletindo sobre a importância da interação social no desenvolvimento do pensamento e da
linguagem.
Quanto às atividades propostas na unidade, é importante que você realize todas com afinco e
determinação. Teste seus conhecimentos respondendo às questões propostas, observe o que
você já sabe e o que precisa ainda saber e amplie seus conhecimentos lendo o material
complementar.

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Para o momento de contextualização, sugerimos que você leia o breve artigo, da
revista Nova Escola, “Concepções de linguagem alteram o que e como ensinar”. É um trecho
adaptado da reportagem “O papel das letras na interação social”, que também vale a pena ser
lido para ampliar os seus conhecimentos a respeito do tema.

A leitura do trecho citado é importante para que você entenda por que a prática diária
da leitura e da escrita, em atividades mediadas pelo professor, é fundamental quando se
considera a linguagem uma forma de interação social.

Logo abaixo do artigo, você encontrará links com os “10 capítulos essenciais da
produção de texto”. Nesses links você encontrará excelentes “dicas” sobre o que ensinar e
como ensinar. São sugestões que, certamente, farão você refletir sobre sua futura prática de
professor.

O artigo encontra-se no seguinte endereço eletrônico:


http://revistaescola.abril.com.br/producao-de-texto/concepcoes-de-linguagem.shtml

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Nesta unidade, estudaremos a construção do pensamento e da linguagem humana
com base em uma perspectiva interacionista. A matriz do conhecimento interacionista, na
Psicologia, está associada principalmente à teoria de Levi Vygotsky e Jean Piaget, além de
outros autores.

A ideia de correlacionarmos os conceitos Pensamento, Linguagem e


Desenvolvimento Humano suscita diversos questionamentos.

Pensamos em forma de palavras ou imagens?

Qual a importância
Como a linguagem e
da linguagem e do
o pensamento
pensamento para o
podem influenciar o
processo de
nosso
comunicação
desenvolvimento?
humana?

Qual a relação entre linguagem, pensamento e a educação?

São tantos questionamentos possíveis que poderíamos nos perder no meio de tantas
palavras e interrogações. Todavia, para podermos trocar ideias e chegarmos a alguma
conclusão ou construirmos conhecimento a respeito do tema, teremos que nos comunicar
através de uma linguagem. A Língua ou o sistema de comunicação e expressão verbal ou não
verbal permite que os indivíduos expressem suas ideias, seus pensamentos, suas emoções e
desejos. Esse sistema de comunicação, que se manifesta por diferentes maneiras de falar ou
escrever, está intimamente ligado à sua época e local de acontecimento. Para ressaltarmos a
importância da comunicação entre as pessoas, vamos fazer referência à história bíblica da
“Torre de Babel”. Você se lembra da história?

A história é encontrada em Gênesis e, segundo


sua narrativa, em toda a Terra, havia somente uma
língua. E, na planície entre os rios Tigre e Eufrates, na
antiga Mesopotâmia, foi construída uma grande torre
chamada Babel. O objetivo dessa construção era erigir
uma torre cujo cume chegasse até o céu, para que os
homens ficassem em igualdade com Deus. Essa
intenção aparece como uma afronta dos homens a
Deus. Desse modo, Deus parou a construção com uma
A Torre de Babel, por Pieter Brueghel grande ventania e depois castigou os homens, fazendo
Fonte: Wikipédia
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com que eles falassem várias línguas, a fim de que não se entendessem mais e não pudessem
voltar a construir uma torre com esse propósito. Essa história é usada para explicar a
existência de muitas línguas entre os homens.

A partir dessa narrativa, podemos ponderar sobre a importância da comunicação entre


os indivíduos e entre as diversas etnias. Certamente qualquer relação interpessoal pode “ruir”,
caso não haja algo que mantenha a relação, e a linguagem pode ser o elemento de união ou,
então, de separação.

Agora, pense na relação professor aluno e observe o quanto é importante falarmos a


mesma “língua” na escola. Para construirmos conhecimento a respeito de determinado tema,
é necessário estabelecer um processo de comunicação entre o professor e o aluno e também
entre os próprios alunos.

Nesse processo, devemos considerar que a língua que usamos para nos comunicar é,
em certo sentido, volátil e muda dependendo do tempo e do lugar. É o caso da internet, que,
paulatinamente, vem incluindo novas palavras e expressões ao nosso vocabulário cotidiano,
ou o caso das gírias, que também acrescentam palavras ao nosso repertório, ocasionando,
assim, uma mudança constante em nossa forma de expressão e comunicação, em nossa
forma de falar e escrever. Sendo assim, a escola e o professor devem ficar atentos às
mudanças ocorridas em nossa língua.

Quando o homem apareceu no reino animal, surgiu a necessidade de comunicação


entre os semelhantes. Essa comunicação iniciou-se com gestos, movimentos e expressões que
simbolizavam uma ideia e, posteriormente, associou-se a ideia a um respectivo som. Assim, a
ideia foi transformada em um som ou em uma palavra falada, mesmo que de forma
rudimentar. Ao longo do tempo, o homem foi criando palavras, frases, transmitindo oralmente
suas impressões, sentimentos, desejos e também suas histórias. Nasceu, então, a língua e, com
ela, podemos inferir, nasceu também a cultura humana.

Durante esse processo, surgiu a necessidade de grafar essas ideias e o homem passou a
fazer registros em suas cavernas, os quais são encontrados, até hoje, na Arte Rupestre. Arte
Rupestre é a denominação dada a desenhos e registros iconográficos feitos pelos homens pré-
históricos nas cavernas onde moravam; são representações artísticas realizadas há mais de
40.000 anos a.C., ainda no período Paleolítico. É a fase da História que precede a escrita.

Veja a imagem:

http://www.brasilescola.com/historiag/a-arte-rupestre.htm
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Paulatinamente, os homens foram vinculando esses símbolos entre si e construíram um
sistema de códigos, pelo qual se comunicavam. As diferentes etnias construíram códigos
próprios, tais como os sumérios, povo ao qual se atribui o advento da escrita.

Das paredes das cavernas, os homens começaram a escrever em pergaminhos de


couro e, mais tarde, os egípcios inventaram um “papel”, feito de uma planta chamada papiro,
o qual continha a escrita grafada e era armazenado em forma de rolos. Em 1456, Hans
Gutemberg inventou a imprensa e, assim, a língua escrita foi difundida em passo acelerado. A
educação apropriou-se, amplamente, dessa forma de comunicação, construindo-se sobre ela.

Iniciaremos nossos estudos a partir do pensamento de Lev


Semenovich Vygotsky, que nasceu em 1896, na Bielorrússia, e
morreu em 1934, e desenvolveu seus estudos na Universidade de
Moscou. Com o fim da chamada “Guerra Fria”, nos anos 1980,
entre Estados Unidos e União Soviética, seu trabalho expandiu-se
para todo o mundo e suas ideias propagaram-se com força na
educação contemporânea mundial.

Vygotsky e seus colaboradores investigaram, em


profundidade, o universo do pensamento e da linguagem, temática
que, por diversas vezes, é abordada pela Psicologia e que se revela
como um importante componente na formação de professores das
Fonte: Wikipédia
séries iniciais. Compreender as relações entre o pensamento e a
linguagem é fundamental para compreendermos o
desenvolvimento afetivo e cognitivo da criança e,
consequentemente, melhorarmos a prática educativa.

Com base na abordagem interacionista, partiremos da premissa de que pensamento e


linguagem se inter-relacionam de forma complexa e sofrem influências recíprocas, apesar de
serem fenômenos humanos distintos.

Com diferentes procedências, pensamento e linguagem são, inicialmente,


diferenciados. O pensamento não nasce com as palavras e a linguagem não nasce dentro de
uma lógica racional, porém, nos indivíduos, por volta de dois anos de idade, o pensamento e
a linguagem encontram-se e modificam-se. O pensamento amplia-se para a forma verbal (em
palavras) e a linguagem começa a se tornar racional e intelectualmente compreendida,
permitindo o aparecimento da comunicação entre os indivíduos por meio de palavras e frases.
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Com relação às crianças, veja o que Vygotsky diz a respeito do desenvolvimento do
pensamento e da linguagem:

Diálogo com o Autor

[...] Também no estágio inicial do desenvolvimento da criança, poderíamos, sem dúvida, constatar a
existência de um estágio pré-intelectual no processo de formação da linguagem e de um estágio pré-
linguagem no desenvolvimento do pensamento. O pensamento e a palavra não estão ligados entre si por um
vínculo primário. Este surge, modifica-se no processo do próprio desenvolvimento do pensamento e da
palavra (VYGOTSKY, 2001, p.369).

Observe que Vygotsky defende a ideia de que pensamento e linguagem são fenômenos
distintos e de que o desenvolvimento de ambos é modificado por sua própria influência.

Quanto à palavra, não podemos pensá-la destituída de significado. A palavra e seu


significado devem estar associados, todavia devemos considerar a mutabilidade do significado
da palavra. Por exemplo, quando crianças, muitas vezes, nomeamos as coisas de forma
particular e, com o decorrer do tempo, vamos atribuindo novos significados às coisas e às
próprias palavras. Segundo Vygotsky (2001): “O significado da palavra, uma vez estabelecido,
não pode deixar de desenvolver-se e sofrer modificações” (p.399).

Embasados pela teoria interacionista, podemos dizer que, apesar de objeto e palavra
formarem uma estrutura única, não podemos conceber essa relação como um simples vínculo
associativo entre palavra e seu significado. Essa é uma relação complexa e compõe uma
mutabilidade em seu desenvolvimento singular.

Vygotsky (2001) estudou com profundidade o tema, criticou os estudos anteriores aos
dele por não considerarem a questão da mutabilidade no desenvolvimento do pensamento e
da linguagem. Com muito respeito, faz observações sobre a obra de Piaget, principalmente no
que tange às questões do egocentrismo na infância. Também levanta questionamentos sobre a
teoria da Gestalt por não considerar a transformação do significado das palavras.

A Semântica, que é o estudo do significado das palavras de uma língua, dedica-se a


verificar as relações entre os signos e aquilo que eles significam.

A visão interacionista convida-nos a pensar no âmbito histórico-cultural; as


determinações que a cultura apresenta no desenvolvimento da linguagem e do pensamento
humano são inegáveis. Luria, um dos colaboradores de Vygotsky, relata sua pesquisa a
respeito das diferenças culturais de pensamento. Durante a pesquisa foram mostrados alguns
símbolos, círculos ou quadrados, aos participantes e foi-lhes solicitado que associassem esses
símbolos a algo e os agrupassem. Como exemplo, um círculo foi categorizado como um prato.
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A referida pesquisa, feita com um grupo de indivíduos analfabetos e um grupo de
indivíduos com certo grau de instrução, demonstrou diferenças entre eles. O grupo de
analfabetos, os quais viviam em aldeias remotas, tendia a um pensamento mais concreto,
advindo de uma experiência prática, enquanto o grupo de estudantes e trabalhadores,
advindos de vilas modernas, tendia a um pensamento conceitual mais abstrato, já que essas
pessoas tinham a capacidade de generalização mais acentuada (VYGOTSKY, LURIA E
LEONTIEV, 2005, p. 42 a 58). Observe algumas conclusões apontadas por Luria em sua
pesquisa:

Diálogo com o Autor

Esta tendência em contar com operações usadas na vida prática foi o fator controlador no caso de pessoas
analfabetas e que não tinham recebido qualquer educação. [...] Pessoas que, de alguma forma, eram mais
educadas empregavam a classificação categórica, como método de agrupar os objetos, ainda que tivessem
recebido apenas um ou dois anos de escolaridade (VYGOTSKY, LURIA E LEONTIEV, 2005, p. 50).

Quando nossos sujeitos adquiriram alguma educação e tiveram participação em discussões coletivas de
questões sociais importantes, rapidamente fizeram a transição para o pensamento abstrato (VYGOTSKY,
LURIA E LEONTIEV, 2005, p. 52).

As conclusões de Luria fazem-nos refletir sobre o quanto a cultura é presente no


desenvolvimento do pensamento e da linguagem humana. O ambiente cultural em que
vivemos age sobre nossa forma de pensar e, consequentemente, sobre nossa forma de agir,
influenciando o ambiente cultural que nos rodeia, compondo uma via de mão dupla, em um
processo constante e dialético.

Outro importante pensador que investigou o desenvolvimento


infantil e sua relação com o pensamento e a linguagem foi Piaget,
autor que estudaremos a seguir.

Jean Piaget foi um psicólogo suíço que nasceu em 1896 e


morreu em 1980. Desenvolveu sua pesquisa na Universidade de
Genebra, onde foi professor. Foi o precursor da ciência denominada
Epistemologia Genética, teoria do conhecimento embasada no
estudo da gênese psicológica do pensamento infantil. Sua teoria
aponta para o desenvolvimento humano por estágios, o que o
destacou na educação mundial.
Fonte: Wikipédia

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A Epistemologia Genética subordina o desenvolvimento do indivíduo a questões
sensório-motoras de fundo genético, o que acontece também em relação à linguagem e ao
pensamento. Para Piaget, o pensamento antecede a linguagem, que é definida apenas
como uma forma de expressão do pensamento, mas não a única.

Para Piaget, o que caracteriza o pensamento infantil é o egocentrismo. Dessa


propriedade é que irão derivar todas as outras características do pensamento da criança. A
marca egocêntrica que distingue o pensamento infantil é entendida como uma forma
intermediária ou de transição entre o pensamento autístico e o pensamento racional e
intencional.

Adrián Montoya, pesquisador brasileiro, fez alguns estudos a respeito da teoria


piagetiana e muito contribuiu para o entendimento dessa teoria. Veja, a seguir, o que ele diz a
respeito dos estudos de Jean Piaget:

Diálogo com o Autor

É nesse contexto de preocupação teórica que se realizam os primeiros estudos sobre o


desenvolvimento do pensamento e da linguagem da criança. A passagem do egocentrismo infantil para
a objetividade e para o pensamento lógico encontra-se, segundo esse autor, estreitamente relacionada
à linguagem socializada, isto é, à linguagem cujos termos e conceitos são compartilhados por todos os
membros do grupo, a qual possui uma estrutura lógica (MONTOYA, 2006, p.120).

Observamos questões importantes nesse pequeno trecho. A passagem do pensamento


egocêntrico para o pensamento lógico acontece mediante a linguagem socializada. É através
das trocas ou interações sociais, verbalmente definidas, que a criança consegue passar do
estágio pré-operatório para o estagio operatório concreto, que se estabelece aos sete anos.
Através da linguagem socializada é que poderemos compartilhar nossa cultura, nossos
pensamentos e afirmações.

Podemos inferir que o desenvolvimento humano está intimamente ligado ao processo


de socialização daquilo que pensamos por meio de uma linguagem verbal, que une o
pensamento às palavras. Podemos pensar por imagens, sentimentos, associando coisas, mas a
comunicação desses pensamentos, para que haja as trocas sociais, tem, nas palavras, um forte
veículo de difusão desses pensamentos.

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Montoya continua, ainda, com seus argumentos a respeito da teoria de Jean Piaget ou
da Epistemologia Genética:

Diálogo com o Autor

Na perspectiva da explicação do progresso, nessa fase, as pesquisas de Piaget (1923, 1924) mostram
que os fatores sociais e culturais são aqueles que promovem o desenvolvimento do pensamento. Assim,
quando ele se refere à sucessão evolutiva do pensamento “autístico” (individual e incomunicável) para
o pensamento “dirigido” (socializada, orientada pela adaptação progressiva dos indivíduos uns aos
outros), o progresso é atribuído à ação do meio social e da linguagem (MONTOYA, 2006, p. 120).

Neste momento, entendemos que Montoya ressalta a importância do meio social e da


linguagem na transformação do pensamento egocêntrico (autístico) em pensamento lógico
(dirigido), que compreende códigos e significados socializados.

Nesse período, que se refere ao pensamento lógico, a criança consegue estabelecer


corretamente as relações de causa e efeito e de meio e fim; consequentemente, ela é capaz de
sequenciar ideias ou eventos. É o período das construções lógicas, em que a criança
estabelece relações entre as coisas e com pontos de vista diferentes. Piaget aponta, em sua
pesquisa, para uma transição dos esquemas sensório-motores para os esquemas conceituais
da mente.

Outro aspecto interessante da teoria piagetiana é a questão da investigação feita sobre


a origem do pensamento. No período sensório-motor, que vai do nascimento aos dois anos de
idade, iniciamos com imagens mentais paradas, sem muita definição - inclusive pela
maturação gradual de nosso olho - que vão, aos poucos, ganhando movimento.
Posteriormente, palavras são aprendidas e já se misturam às imagens; com as palavras
nomeamos coisas e eventos que presenciamos, em um crescendo infinito e complexo.

Fazemos um movimento interno de passarmos de uma inteligência sensório-motora


para uma inteligência conceitual. A função simbólica da palavra também é considerada na
teoria piagetiana e engloba outros temas. Para aclararmos mais a questão, vejamos o que
Piaget diz a esse respeito:

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Diálogo com o Autor

Podemos, então, admitir que exista uma função simbólica mais ampla que a linguagem, englobando,
além do sistema de signos verbais, o do símbolo no sentido restrito. Pode-se dizer, então, que a origem
do pensamento deve ser procurada na função simbólica. Mas também se pode, legitimamente,
sustentar que a função simbólica se explica pela formação das representações [...] (PIAGET, 1972, p. 85).

Mas como a linguagem só é uma forma particular da função simbólica e, como símbolo individual é,
certamente, mais simples que o signo coletivo, conclui-se que o pensamento precede a linguagem e que
esta se limita a transformá-lo, profundamente, ajudando-o a atingir suas formas de equilíbrio através de
uma esquematização mais desenvolvida e de uma abstração mais móvel (PIAGET, 1972, p. 86).

Esses dois trechos remetem-nos a pensar sobre a natureza construtiva da aquisição


tanto do pensamento como da linguagem. Entretanto Piaget alerta que o pensamento
antecede a linguagem, a qual interfere na construção do pensamento. A representação e a
simbologia que criamos sobre coisas e acontecimentos merecem destaque em sua teoria.

Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos.

Carlos Drummond de Andrade

Você pode imaginar a diversidade linguística que a humanidade criou? Imagine a


quantidade de línguas e dialetos falados no mundo? E as variações de sotaques, que são tipos
de pronúncias relativas a uma determinada região, quantas existem no Brasil e no mundo? Se
possuímos inúmeras formas de falar uma mesma língua, como, então, grafamos ou
registramos essas formas de falar? Assim nasce a necessidade da língua escrita. Vamos pensar
um pouco na história da escrita.

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A escrita apareceu em várias culturas: na dos Sumérios, no Oriente Médio; na dos
povos Maias, nas Américas, ou ainda na dos povos Orientais, como os chineses.
Provavelmente a necessidade da escrita surgiu como imperativo do desenvolvimento da
economia e da sociedade. A primeira forma de escrita registrada é a escrita denominada
Cuneiforme, que surgiu por volta do ano 3500 a.C., na Mesopotâmia, desenvolvida pelo
povo Sumério.

Escrita Cuneiforme, feita em argila e muito usada, no comércio, pelo


povo Sumério, na antiga Mesopotâmia.

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=25247

Nesse mesmo período houve o surgimento da escrita Hieroglífica, no Egito Antigo.

A escrita Hieroglífica era feita em papiro, precursor do


papel, feito pelos Egípcios.

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=25247

Não podemos nos esquecer do povo Maia, na América, e do povo Oriental, como os
Chineses e Indianos, que também desenvolveram uma forma de representar e registrar as
palavras.

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Hoje escrevemos em tablets e, de forma virtual, registramos nossas palavras; ao mesmo
tempo, alguns povos ameríndios e africanos ainda não possuem uma língua escrita, o que
mostra a complexidade das sociedades atuais que ocupam o planeta. Aqui não há juízo de
valor ou afirmação de que um povo é mais evoluído que outros por ter um sistema de escrita;
trata-se apenas uma observação.

A língua de um povo revela-se como identidade. Construímos uma identidade


linguística, apesar da diversidade de sotaques; reconhecemos nosso idioma imediatamente
quando o ouvimos em qualquer lugar do mundo em que possamos estar.

O fato de grafar uma palavra não significa que ela passa a adquirir uma precisão
terminológica. Claro que um bom dicionário dará esclarecimentos sobre o significado da
palavra, mas, em nosso cotidiano, quando usamos a linguagem para uma comunicação entre
pessoas, será que temos o significado linguístico de cada palavra que falamos? E a pessoa que
ouve essas palavras, será que atribui o mesmo significado elas? Será que a entonação que
damos à palavra não modifica seu significado? E a palavra escrita, garante um entendimento
único? E a escola como faz para equacionar essas questões?

Na sociedade atual, o papel de ensinar a escrita e a leitura da palavra fica a cargo da


escola. A alfabetização pressupõe, além da decifração dos códigos da escrita e da
aprendizagem das letras e das palavras, a necessidade do uso social da alfabetização. A esse
uso social da escrita chamamos de letramento. Veja como o Referencial Curricular Nacional
para Educação Infantil (RCENEI) conceitua o que é letramento:

Letramento: produto da participação em práticas sociais que usam a escrita como sistema simbólico e tecnologia.
São práticas discursivas que precisam da escrita para torná-las significativas. Dessa concepção decorre o
entendimento de que, nas sociedades urbanas modernas não existe grau zero de letramento, pois nelas é
impossível não participar, de alguma forma, de algumas dessas práticas. (BRASIL, 1998, p. 121).

O texto refere-se a práticas discursivas tanto do ponto de vista oral quanto escrito. Uma
pessoa alfabetizada e letrada significa uma pessoa que, além de decifrar os códigos escritos da
linguagem, também é capaz de discernir os diversos usos da escrita, podendo diferenciar um
texto jornalístico ou informativo de uma poesia ou uma escrita escolar de um bilhete caseiro,
compreendendo a comunicação dessa escrita. E ainda, como diz Paulo Freire, sobre a
dinâmica da leitura das palavras e do contexto:

Diálogo com o Autor

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir
da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão
do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o
contexto. (FREIRE, 1989.p.09)

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Então podemos concluir que a alfabetização, razão primeira da escola, não pode
prescindir também do letramento, porque o uso social da escrita deve considerar a realidade
em que ela acontece, ou seja, podemos inferir que a palavra lida interfere na compreensão do
mundo e vice-versa.

A apropriação da escrita e da leitura das palavras não se resume a um ato mecânico ou


a um mero treino; é, antes de tudo, uma forma de construção de conhecimento. Requer uma
compreensão conceitual da palavra lida, como um passaporte para o mundo letrado.
Alfabetização e letramento são processos distintos, que podem, ou não, acontecer
simultaneamente, mas, certamente, são complementares entre si.

Freire (1989) vê a alfabetização como um ato político que enfrenta e supera a


ingenuidade de uma leitura não crítica da palavra. É a dimensão social do pensamento e da
linguagem, natural do ser humano. É a opção democrática da escola.

Ler uma palavra e compreendê-la é quase uma magia; apropriar-se do sentido da


palavra é como reinventá-la dentro da própria mente. Todavia, lembremos Drummond: talvez
a determinação de escrever a palavra nos impeça de conjugarmos tantos outros verbos.

A criança, após o domínio da fala, utiliza a linguagem oral -


mesmo que, no início, de forma singular - para brincar, comunicar-se
e expressar sentimentos e desejos; é através da linguagem que a
criança pode relatar suas vivências mais significativas, compartilhá-las
com outras pessoas.

Como já mencionado, pensamento e linguagem são fenômenos distintos, mas que se


encontram e se modificam mutuamente. O desenvolvimento dos dois fenômenos só é possível
nas interações sociais. É na interação social que surge a necessidade de comunicação e de
trocas de ideias, impulsionando-nos a utilizar a linguagem para a realização dessa
necessidade.

São as interações construídas por nossas vivências que nos permitem o incremento da
linguagem e do pensamento humano. Nesse sentido, a escola é lugar privilegiado para
desenvolvermos e incentivarmos a oralidade do educando, já que ele ainda não domina os
códigos da linguagem escrita ou a leitura das palavras.

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No processo de aquisição da oralidade, a criança passa por momentos diferentes: o da
fala e o da escuta. Ao professor, de forma interativa, cabe escutar a criança com atenção,
atribuindo sentido ao que é falado e reconhecendo que a criança necessita dizer algo. Além
do professor, a criança e seus pares também devem exercitar a escuta, para que haja um
processo de comunicação pleno e adequado. Proporcionar uma escuta atenta pode gerar
novos pensamentos, novas formas de pensar.

Em resumo, podemos caracterizar quatro competências linguísticas básicas. Veja o


fluxograma a seguir:

Sendo a língua um sistema de signos histórica e socialmente construído, a língua


possibilita aos indivíduos significar o mundo e a realidade que está a sua volta e requer quatro
competências básicas para seu domínio; demanda saber falar, escutar, ler e escrever esse
sistema de signos. Compreender e dominar um língua não é tarefa fácil, como descreve o
RCNEI em seu volume 3:

Diálogo com o Autor

Aprender uma língua não é somente aprender as palavras, mas também os seus significados culturais, e,
com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio sociocultural entendem, interpretam e
representam a realidade (BRASIL, 1989. P. 117).

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Ao lermos a passagem acima, percebemos a importância da cultura e das interações
sociais na construção e no aprendizado de uma língua. A forma como interpretamos a
realidade em que estamos inseridos é condição primordial para a construção e o uso da
linguagem.

Considerando as mudanças sofridas pela palavra, tanto do ponto de vista gramatical


quanto do semântico, podemos dizer que a língua, sob os pontos de vista histórico e cultural,
carrega certa identidade que incorporamos, uma identidade linguística que construímos com
base na língua que falamos.

Reafirmamos aqui que a escola é um espaço privilegiado para o exercício e o


desenvolvimento da linguagem, onde o trabalho com a linguagem oral e a linguagem escrita
se traduz na possibilidade de ampliação das capacidades de comunicação e expressão e de
acesso ao mundo das letras e conceitos pelas crianças.

A prerrogativa de ser um espaço privilegiado faz da escola, também, um espaço de


natureza democrática. A livre expressão da palavra deve estar no seu currículo, anunciando,
em primeira página, sua opção política. Essa opção político/profissional, no entanto, apenas se
valida em sua prática cotidiana, uma prática democrática na escola, como indica Freire (1989,
p.16): “Nem sempre, infelizmente, muitos de nós, educadoras e educadores, que
proclamamos uma opção democrática, temos uma prática em coerência com o nosso discurso
avançado”.

Para finalizar a unidade, vamos poetizar o texto, lembrando que, talvez, o melhor das
palavras faladas ou escritas, como nos ensinam as crianças, é que podemos delas nos
apropriar e com elas brincar como fazem os poetas e compositores, entre eles Chico Buarque
na música “Tantas Palavras”:
Tantas palavras

Que eu conhecia

E já não falo mais, jamais

Quantas palavras

Que ela adorava

Saíram de cartaz

Nós aprendemos

Palavras duras

Como dizer perdi, perdi

Palavras tontas

Nossas palavras

Quem falou não está mais aqui

Chico Buarque de Holanda

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Sugerimos, para complementar seus estudos, três músicas, para que você, ao ouvi-las,
possa refletir sobre a palavra e a linguagem. As músicas e as letras poderão ser encontradas
nos sites indicados abaixo. Clique no link e acompanhe a música e a letra de cada canção.
Observe que, nas letras, são inventadas algumas palavras; outras aparecem, mas com sentido
figurado. Ouça com atenção e reflita sobre as palavras e seus significados.

A primeira música é de Caetano Veloso e chama-se “Outras Palavras”. Você pode


acessá-la no site Letras e Músicas:

http://letras.mus.br/caetano-veloso/76613/

A segunda música é Chico Buarque de Holanda e chama-se “Tantas Palavras”. Acesse


a música no seguinte site:

http://letras.mus.br/chico-buarque/86061/

A última música também é de Chico Buarque e chama-se “Uma Palavra”. Acesse a


música no site:

http://letras.mus.br/chico-buarque/86075/

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BRASIL. Ministério da educação e do desporto. Referencial Curricular Nacional Para a
Educação Infantil: Conhecimento de Mundo. V. 3. Brasília: Mec/Sef, 1998.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. Coleção


Polêmicas do nosso tempo. São Paulo: Cortez, 1989.

MONTOYA, Adrián O. D. Pensamento e linguagem: percurso piagetiano de


investigação. IN: Psicologia em Estudo, Maringá, v. 11, n. 1, p. 119-127, jan./abr. 2006.
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PIAGET J. Seis estudos de Psicologia. Trad. Maria Alice M. D’Amorim e Paulo Sérgio L.
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