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Pedro Sales Luís Rosár io

(Des)venturas do

TESTAS 6.° ano


Es
Acomptaudo
nhado

ELEMENTAR, MEU CARO TESTAS

P
Autor:
P EDRO S ALES L UÍS R OSÁRIO nasceu em Lisboa onde
se licenciou em Psicologia na Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade Clássica. É
doutorado em Psicologia pela Universidade do Minho,
onde exerce funções de docência no Departamento de
Psicologia do Instituto de Educação e Psicologia.
O seu trabalho tem incidido na área da aprendizagem,
mais concretamente no estudo das abordagens dos
alunos ao estudo, na auto-regulação da aprendizagem e
na promoção do comportamento auto-regulatório dos
alunos dos ensinos Básico e Secundário.

Equipa do projecto de inovação educativa participada


do Colégio de Nossa Senhora do Rosário:
João Trigo, Fernando Cardoso, Henriqueta Vaz Vieira,
Marina Gonçalves, Maria José Pedro, Luísa Ribeiro,
Carina Guimarães, Margarida Rodrigues.

2006 – LIVRO AUXILIAR ISBN 972-0-21201-2


Execução gráfica: Bloco Gráfico, Lda. • R. da Restauração, 387 4050-506 PORTO • PORTUGAL
Seguindo a batuta do guru, “Nina, Nina…
(barulhos de papéis irrequietos e restos de
conversas paralelas participam também na
chamada telefónica) oooolha, para falarmos
melhor desse assunto, telefona mais tarde”,
e do chefe, “um por todos e todos iguais a
mim…”, lá estaremos todos na primeira linha
de todas as batalhas desvairadamente
educativas no mundo psi.
Venha a cilada… de frutas!
NOTA
Este segundo livro da colecção (Des)venturas do Testas,
dirigido aos alunos do 6.° ano, corresponde a um dos produtos
de um trabalho realizado no Colégio de Nossa Senhora do Rosá-
rio com um grupo de professores e de psicólogos (João Trigo,
Fernando Cardoso, Henriqueta Vaz Vieira, Marina Gonçalves,
Maria José Pedro, Luísa Ribeiro, Carina Guimarães, Margarida
Rodrigues).
Preocupados com a promoção de uma aprendizagem para a
autonomia, queríamos construir, no espaço do Estudo Acompa-
nhado, uma efectiva oportunidade para aprender a aprender,
incrementando as competências auto-regulatórias dos alunos.
4 O Testas nasceu numa dessas reuniões num parto sem dor.
Cresceu num ambiente de trabalho muito agradável e educativa-
mente nutritivo. O “Rosário” será sempre a sua escola.
A intervenção que propomos não se apresenta num formato
de programa. Constitui-se antes como um exemplo vivo da cola-
boração inovadora entre a investigação universitária e os docen-
tes do Ensino Básico. Não seria possível, nem teria sentido, fora
desta parceria.
Como terão oportunidade de verificar nas páginas seguintes,
divertimo-nos bastante ao longo das sessões de trabalho. Só
acreditamos na promoção das estratégias de aprendizagem de
uma forma concertada. Propomos, por isso, uma verdadeira
conspiração auto-regulatória, onde participem os pais, os profes-
sores e os alunos de uma forma activa e orquestrada. Neste tra-
balho contamos com todos, esperamos que ninguém falte à
chamada.
PRÉVIA
Juntamente com este livro, é distribuído um caderno de fichas,
que facilitará, quer em casa, quer na escola, o trabalho sugerido
ao longo da narrativa. Para facilitar a compreensão do modelo
subjacente a esta proposta de trabalho na área das competências
de estudo, sugerimos a leitura do livro Estudar o estudar, As
(Des)venturas do Testas. Narrativas auto-regulatórias na sala de
aula, onde, por um lado, explanamos o racional teórico subja-
cente a esta ferramenta de promoção do estudar e, por outro,
propomos pistas e sugestões concretas para a sua análise e exe-
cução. Pensamos que a leitura e estudo dos capítulos referentes
à estrutura desta proposta curricular (Des)venturas do Testas é
essencial para se poder trabalhar esta proposta auto-regulatória, 5
se a intenção do leitor for além da simples leitura lúdica.
Aprender matérias exigentes com humor, construindo, a partir
de uma narrativa, a nossa, é a proposta que sugerimos nas pági-
nas seguintes.

Boas autorias.

Uma última palavra para agradecer a toda a equipa da Porto


Editora que, militante e suadamente, construiu o dealbar destas
(des)venturas, mas também a todos quantos, com o seu suporte
emocional, lápis vermelho, paciência de Job, sugestões entu-
siasmadas, gargalhadas demoradas, olhares a meia haste, abra-
ços sonoros,… uff!, contribuíram para que o Testas fosse uma
realidade.

A todos o nosso muito obrigado.


Í N D Capítulo zero
Primeiro ano eT > 8

1.
uma pedrada no charco
Um por todos e todos por um > 12
A história da pedra > 18
6 Objectivos CRAva? > 24
Miolos de se lhe tirar o chapéu… > 31

2.
Desabafos de
um caderno
Insónias com cadernos diários I > 38
As insónias com cadernos diários voltam a atacar > 45
I C
3. E Sherlock Testas,
ao vosso dispor
O incrível mistério-do-cacifo > 54
Sherlock Testas > 62
Zoolistem-se! > 70

4.
Um por todos,
todos num 31
Um congresso de fábulas e contos populares > 78 7
Um gigante egoísta > 86
Cheeeese… > 96

5. De AaT
(T de Testas, é claro!) > 101

Capítulo
Adeus
Se queres conhecer o futuro, mãos à obra > 106

Testário > 110


Capítulo zero

Primeiro ano
ET

8
Olá.
Atenção! Esta é uma página para ser lida apenas pelos
leitores mais desleixados, descarados, deslavados, desme-
moriados, desmembrados, des qualquer coisa, que ainda
não leram a magnífica obra que lancei no ano passado.
Sim, no ano passado! (Que parte do “ano passado” é
que não entenderam?). Hoje celebramos o primeiro ano eT
(dãa, e de era, e T de Testas).
Eu podia contar-vos, outra vez, todas as histórias da
minha vida e do meu estudo, mas acho que nunca mais
acabávamos, por isso o melhor é vocês lerem as minhas
(Des)venturas e formarem a vossa própria opinião (vão gos-
tar bué, é claro!).
Mas quem ainda não leu o livro do 5.º ano não precisa de
9
ficar preocupado. As páginas seguintes narram algumas das
minhas aventuras do 6.º ano, que também são divertidas e
desnorteadas. Tenho a certeza de que vão compreender
tudo direitinho. Afinal, a minha vida é como um vidro crisal-
tino, ou será sesaltino? Bem, a minha vida é como esse
vidro, vocês sabem?! Aquele que quando se lhe dá um
piparote, faz um dling que fica a ressoar na sala durante um
tempão. Ah! Mas não façam como o Resto (o meu irmão de
estimação, que está no 1.º ciclo), que há dias, depois do
jantar, nos brindou com uma sinfonia de piparotes em
copos interditos. A meio do espectáculo, um toque mais
entusiasmado mudou a forma de um dos copos. O bocal
ficou, então, com duas covinhas tipo cinzeiro, estão a
ver?!... (Não, não estão…). Pouco depois, ouvimos um
berro feminino assustador que deu lugar a um outro con-
certo, mas desta vez em choro maior… (Boa Resto, os
desastrados unidos estão contigo.)
Bem, mas o melhor é parar por aqui e não me alongar
mais, para não atrasar a vossa leitura. Uma vez que nin-
guém me dá os parabéns, dou-me eu.

Parabéns Testas!
Feliz primeiro ano eT!

P.S. Quem leu o Testas para sempre (dãa, o livro do 5.º ano)
pode passar à página seguinte. (Desculpem lá só ter dito
isto no final deste pequeno capítulo...) Quem ainda não leu
o livro, também já pode virar a página (eh! eh! eh!).
10
E boa viagem. Não se esqueçam: apertem os cintos!
Ah! É verdade, se puderem, digam qualquer coisinha para o
meu mail (Testas@iep.uminho.pt). Fico à espera.
1
Uma pedrada
no charco
Um por todos
e todos
por um

12
Olá. Voltei à escola. O quê? Não se lembram de mim? Sou
eu, o Testas! No ano passado escrevi um livro: Testas para
sempre sobre as minhas (des)venturas no longo e árduo
caminho do estudo. A crítica foi óptima. Por exemplo, no
infantário lá da rua todos os miúdos gostaram imenso do
sabor das páginas… Sim, mas para além desse insignificante
pormenor, o livro tem uma capa muito nice que o Batman
copiou. Enfim, já não há respeito pelos direitos de autor.
Bem, aqui para nós, que ninguém nos ouve, já estava
um bocadinho farto das férias. Isto não se pode dizer em
voz alta, mas é verdade. Já dormi tudo o que tinha a dormir
para os próximos trinta anos, já sei de cor os programas
cinzentos da televisão e as cores das gravatas dos jornalis-
tas, já li três livros de aventuras e até vi
13
algumas telenovelas, o que é um sinal de
alarme preocupante. É o que vos digo, já
estava um bocadinho cansado de não
fazer nada.
É bom voltar a ver os amigos, já tinha algumas
saudades. Quero saber o que fizeram nas férias, o que é
que lhes aconteceu, brincar de novo com eles no recreio, rir
com as últimas anedotas, trocar os jogos mais recentes,
discutir truques...
A escola está na mesma, não mudou nada. Mas no pri-
meiro dia estamos sempre um bocadinho excitados. Fala-
mos alto, exibimos as novas mochilas e o material ainda a
cheirar a prateleira de supermercado. Não sei explicar bem,
mas estamos todos um bocado eléctricos. Os professores
da nossa turma não mudaram (bem, estão ainda mais anti-
gos) e, como eles dizem, “já nos conhecem de ginjeira” (é
sempre bom voltar à escola).
A novidade é que temos um novo colega, que veio de
França. Nasceu e viveu sempre em Paris, os pais foram para
lá quando pequeninos e decidiram voltar definitivamente
este ano. O Aramis, é assim que ele se chama (eh lée!…
tem nome de mosqueteiro!), fala um português engraçado
com acento nos erres. É muito diverrtido falar com ele. A
professora Engrácia, que continua a ser a directora de turma,
pediu-nos que o ajudássemos na Língua Portuguesa e que o
“ambientássemos” aos hábitos da nossa escola.
A Zélia, a delegada de turma do ano passado, fez de
cicerone na visita guiada à escola: bar, secretaria, papelaria,
14
centro de recursos, vocês sabem… Explicou-lhe como fun-
cionava tudo e mostrou-lhe os livros das disciplinas deste
ano. Eu disponibilizei-me para o ajudar no estudo.
Estudar deve ser igual em todo o mundo, por isso não
tive muita dificuldade em conversar com o Aramis acerca de
como se estuda e fazem os TPC, aqui, em Portugal. Não é
que eu saiba muito, mas, enfim, pelo menos, posso dar-lhe
uma ajudinha na Língua Portuguesa.
Falei-lhe das três fases que os professores do 5.° ano
nos ensinaram e que devem estar presentes em todas as
nossas actividades, quer sejam escolares ou não: a fase da
planificação, a da execução e a da avaliação.
Para lhe explicar, fiz como a professora Engrácia e contei-
-lhe a história do Ulisses e do ciclope, acentuando aquela parte
de furar o olho. Ele ficou logo todo entusiasmado com o que
aprendemos aqui na escola (eh! eh! eh!… obrigado, obrigado).
O Aramis não conhecia as fases pelos mesmos nomes –
planificação, execução e avaliação –, mas as expressões que
usava queriam dizer a mesma coisa (dãa, estavam em fran-
cês, não?), por isso avançámos rapidamente para outros
temas. Contou-me que vinha de Paris e que a cidade era
muito grande. Vivia perto da Eurodisney, a mais ou menos
30 quilómetros de Paris, e estudava numa escola lá perto.
Falou-me um bocadinho da Torre Eiffel, de como é grande e
bonita à noite, toda iluminada, dos jardins do Museu do Lou-
vre, das diversões da Eurodisney… falou muito, muito.
O Aramis colava muita saudade em cada vírgula dos epi-
sódios que contava. Concluiu que a vida é feita de chega-
15
das e partidas e que, por cada porta que se fecha, se abre
uma janela. Mas esta última frase soava a postal ilustrado
barato, não lhe vinha de dentro da alma. Talvez estivesse a
tentar convencer-se em voz alta ou a repetir uma frase feita
do avô, mesmo sem a entender muito bem, tal como eu
faço às vezes. Não sei, mas acho que o Aramis tem sauda-
des, muitas saudades, do que não pode viver.
Depois a conversa arrebitou e falámos da turma, dos
meus amigos, das nossas brincadeiras favoritas no recreio…
Quase sem querer, a questão surgiu:
– Sabes, é que eu tenho um problema aqui na turma… –
ele esperou delicado, para ver se eu continuava. – É que o
meu melhor amigo também se candidatou a delegado de
turma.
O Aramis não sabia o que fazia o delegado de turma e,
quando lhe quis explicar, verifiquei que também eu pouco
mais sabia do que ele. Bem, para lhe explicar chegava, mas
depois teria de me informar melhor.
– E porque é que isso te preocupa? – perguntou calma-
mente o Aramis.
– Não sei bem, mas é chato. Acho que um dos dois
devia desistir – respondi-lhe, um bocadinho embaraçado.
– Porquê? Ser adversário não é ser inimigo.
O Aramis tinha razão, mas as coisas não eram assim tão
simples.
– Eu sei que nos devíamos respeitar e ser amigos, mas é
difícil. Por exemplo, ele inventou um slogan que diz: “Se o
(de)testas, vota no Luís”. Estás a ver, é chato!
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– É original, mas concordo contigo, também acho que é
um slogan feio, sobretudo se vocês são amigos. E como é
que lhe vais responder? – perguntou-me curioso.
– Não sei, não quero insultá-lo, mas é o que me apetece.
Percebes?
– Desculpa lá dizer-te isto, mas acho que te estás a preo-
cupar mais com o Luís do que com o que queres fazer
como delegado de turma. No 5.° ano não aprenderam a
resolver problemas? – ele falava como um professor, mas
sem se armar.
– Sim, aprendemos, claro que aprendemos – senti um
bocadinho de vergonha e um leve aperto na barriga.
– A primeira coisa é pensar no que queres fazer como
delegado… – o Aramis parecia saber bem o que dizia.
– Isso eu sei, quero ajudar a resolver algumas coisas que
aconteçam na turma para o bem de todos.
– Vês, então é fácil. Pensa só nisso e faz também um
slogan. A ideia dele é gira. Tu podias pôr também uma pala-
vrinha antes de Testas, mas que fosse positiva. Deixa lá
ver… – o Aramis pegou então num lápis e foi rabiscando
várias tentativas no papel. Nesta parte da nossa conversa,
apercebi-me que estávamos na fase de execução da tarefa.
(Hello?! Deixa-te de filosofias e concentra-te no slogan.)
– Podíamos tentar com a palavra “(pro)testas”, a minha
irmã goza às vezes com isso, mas agora até podia dar jeito
– sugeri timidamente.
– Por exemplo, unindo as duas ideias dá: “(Pro)Testas
para o bem do 6.° A”. O slogan fica fixe, gostas? – O Aramis
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estava entusiasmado com o resultado.
Repeti mentalmente e em voz baixa: (Pro)Testas para o
bem do 6.° A. Soava-me bem. O trocadilho era parecido
com o do Luís, mas não dizia mal dele, não o atacava.
– Gosto muito, é positivo e diz o que eu quero fazer.
Muito obrigado, Aramis.
– Então a avaliação é positiva? – perguntou no gozo.
– Muito! Deste-me uma grande ajuda, nem sabes! Eu é
que te devia ajudar e foi o contrário.
– Um por todos e todos por um – disse o Aramis.
– Como os mosqueteiros? – perguntei.
– Como os mosqueteiros – respondeu, sorridente, o meu
novo amigo.
Fizemos um give me five e selámos a amizade.

CDT-ETEA-2
A história
da Pedra
18
Hoje, a professora de Ciências da Natureza começou a
aula de uma forma inesperada e fora do normal. Levantou
no ar um superboião de vidro vazio (o quê? Assim tipo
frasco de Tulicreme gigante?!) e perguntou quantas pedras
das que estavam na sua secretária caberiam lá dentro. Com
a tranquilidade e harmonia que caracterizam a minha turma,
começámos todos ao mesmo tempo a tentar adivinhar. As
respostas, estridentes, variaram entre duas e seis. Acho
que, por fim, entraram quatro pedras no superfrasco.
A pergunta seguinte foi ainda mais curiosa: “Acham que
o frasco está cheio?” Era óbvio que não cabiam mais
pedras, mas as respostas mais esclarecedoras que se ouvi-
ram foram uns “hum” ou ainda “hum, hum”, apoiados por
tímidos encolher de ombros. Acho que no fundo todos
hesitávamos entre pensar que a stora se tinha passado de
vez e acreditar que havia uma carta na manga, pedagógica,
é claro! (eu voto na primeira, é claro!).
A professora ofereceu à turma um risinho maroto, ao
mesmo tempo que despejava, de um saquinho que tinha
escondido na mala, umas pedrinhas de gravilha no super-
frasco.
A carteira da stora deve ser como a da minha mãe,
podemos lá encontrar de tudo, desde maçãs em forma de
lenços de papel a iogurtes magros, fora do prazo. De cer-
teza que, antes de haver mercearias, as pessoas se abaste-
ciam nas carteiras das senhoras...
“E agora, o frasco já está cheio?” – continuou o interroga-
19
tório. Intuímos que a resposta deveria ser negativa, mas
ninguém se atreveu a dizer nada. Em seguida, a professora
despejou areia da praia, que trazia noutro saquinho (estão a
ver, eu não vos disse?), e rapidamente os espacinhos livres
entre as pedras e a gravilha ficaram todos preenchidos.
A pergunta seguinte já a conhecíamos, a resposta é que
foi inesperada. Só faltava que a stora fizesse desaparecer
as pedras, a gravilha e a areia e as transformasse em Tuli-
creme. Talvez por isso o frasco fosse de tamanho familiar,
assim dava para toda a turma. Que generosa... (nice! Final-
mente uma stora ilusionista). Mas a continuação da adivinha
foi bastante mais vulgar. Consistiu em despejar um copo de
água, agora já da torneira (oooh…), naquela mistela inani-
mada.
“Que podemos aprender do que observámos?” – pergun-
tou sorridente a professora. Ficámos todos um bocadinho
confusos! (Um bocadinho é favor. Por favor, devolvam-me o
bilhete deste filme.) Aquela não estava a ser uma aula de
dar matéria, mas aos soluços lá começámos a falar. Algu-
mas das nossas sugestões foram ligeiramente ao lado, mas
os professores devem ter um acordo secreto: estão sem-
pre a dizer que se não errarmos nunca aprendemos e que o
erro não é um inimigo mas um amigo. (Não me posso
esquecer de decorar estas frases. Ficam sempre bem no
início dos testes, eh! eh! eh!…).
Bem, pelos vistos, as ideias principais do mistério-da-
-pedra podiam resumir-se a duas. As coisas mais importan-
tes devem ser as primeiras. Esta era a primeira lição que
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podíamos tirar. A segunda grande lição era que se encon-
trarmos a ordem correcta nas coisas que fazemos, há sem-
pre lugar para tudo. As duas estão muito relacionadas,
complementam-se, concluímos com a stora.
Se não colocássemos as pedras no frasco em primeiro
lugar, no fim, não caberiam todas. É curioso, mas o raio da
história até tinha razão. Lá em casa, quando arrumo a roupa
no armário à sorte “falta gaveta”, mas quando a arrumo
direitinha, tipo loja, já cabe toda. “Não é um problema de
espaço, mas de organização desse espaço.” (Bem, se a
stora o diz…).
Outro exemplo que discutimos foi o dos presentes de ani-
versário. Se não pensarmos nos presentes que queremos
comprar com o dinheiro da mesada, podemos gastar tudo
em guloseimas (porcarias, nas palavras da minha avó) e
quando chega a data (dia da mãe, dia do pai, anos do
Resto… É preciso explicar-vos tudo?…) já não temos
dinheiro para comprar nada. Bem, nos anos do Resto não faz
mal, mas nos anos dos meus pais é um bocadinho chato.
A professora também disse que se não fizermos os traba-
lhos de casa e estudarmos logo depois das aulas, ficamos
tão hipnotizados pelos desenhos animados e pelos filmes da
televisão que o tempo passa a correr. Estudar fica sempre
para depois, um depois que nunca chega. (Eh lée!… É pre-
ciso cuidado, a stora deve ter um binóculo para espiar o que
se passa nas casas dos alunos.)
Ficámos de pensar, como trabalho de casa, nas pedras
das nossas vidas (as coisas mais importantes, é claro!), na
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escola, em casa, com os amigos, e também em exemplos
para a gravilha, a areia e a água…
A professora sugeriu que discutíssemos o tema em casa
com os pais. Alguns colegas disseram que os pais não
tinham tempo para isso, ao que a stora lhes respondeu que
também os pais deviam pensar nas pedras da sua vida.
(Ups! Isto das pedras deve ser mesmo importante).
À tarde, depois das aulas, tentei fazer o TPC:

A história da pedra
Na minha vida as… são as seguintes:
pedras:
gravilha:
areia:
água:
Passei o enunciado do TPC e tentei fazê-lo, mas não con-
segui escrever nada sozinho. Quando esperávamos pelo
jantar, contei a todos a minha versão da história da pedra. É
claro que a Baleia Ambulante da minha irmã começou a
gozar e a falar à chinês, callegando nos eles, com as mãos
juntas, e a abanale a cabeça pala a flente. O meu pai per-
guntou-lhe porque é que a minha história lhe lembrava os
chineses. A táctica do meu pai nunca falha: em vez de gri-
tar ou ralhar, pergunta.
Já em português, e com o queixo colado ao pescoço, o
que no caso da minha irmã é uma prova de grande esforço
físico, respondeu muito baixinho: “por causa da moral da
história”.
Nesta parte do “filme” senti-me como o Resto: comple-
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tamente à nora. Mas o meu pai explicou que as histórias
têm sempre uma moral, uma espécie de conclusão, que
resume o mais importante. Era exactamente isso o que a
professora nos tentara explicar: que nos construíssemos
por nós próprios. (Eh lée!…, como é que me vou construir
a mim próprio? O que vale é que sou pequeno e devo gas-
tar poucos tijolos…) A minha irmã até tinha feito uma boa
associação. Afinal, talvez o cérebro dela não esteja tão
cheio de gelatina quanto o resto do corpo…
Durante o jantar, quando conversámos sobre as pedras
no frasco do Tulicreme, pedi ajuda para fazer o TPC. Não
queria levar a folha em branco, mas também não conseguia
pensar sozinho. Os professores da minha turma estão sem-
pre a dizer que primeiro devemos tentar estudar e fazer os
trabalhos sozinhos, e que se tivermos dificuldades podemos
e devemos pedir ajuda aos irmãos, aos pais, aos amigos… E
funciona. Depois desta conversa, com a ajuda de todos, foi
muito mais fácil completar o trabalho.
Acho que as “pedras” da minha vida são a minha família
e os meus amigos. Aqui cabem todos: os meus pais, os
meus avós, tios, primos, a malta do meu prédio, os amigos
da escola, até a Baleia da minha irmã. (Bem, depois de ela
entrar não há lugar para mais ninguém, mas enfim…)
A gravilha, por muito que me custe dizê-lo, por isso vou
escrever em voz baixa, é a escola. Se aprendermos bem
muitas coisas, podemos compreender melhor como é que
tudo acontece. Coisas interessantes, como, por exemplo,
porque é que as zebras andam sempre de pijama, porque é
23
que o Resto tem soluços intermináveis, porque é que a
Lua, à noite, nos persegue sempre que viajamos de carro…
Ou ainda coisas úteis do tipo: temos de usar boné quando
faz sol, para não ficarmos com a tola tipo frigideira, ou os
alimentos que devemos comer para não ficarmos doentes,
sobretudo nas férias. Sim, porque ficar doente durante as
férias é o pior que nos pode acontecer…
Se aproveitarmos o que nos ensinam na escola e apren-
dermos, podemos ver o mundo de forma diferente e cres-
cer também por dentro. Acho que esta receita não tem
funcionado muito bem comigo, talvez ainda tenha apren-
dido muito pouco…
Objectivos
24
CRA va?
Bem, mas vamos lá ao TPC que a Lua já boceja.
A areia da minha vida – esta foi uma contribuição da
minha mãe – são os meus objectivos. Objectivos são as
coisas que eu quero atingir e que orientam tudo aquilo que
faço. A minha mãe até usou um provérbio caseiro para me
explicar melhor. Disse-me que caminhar sem um rumo é
como disparar uma seta sem alvo. De facto, se não fizer-
mos pontaria para um alvo, podemos disparar as setas que
quisermos que elas nunca setam lá. (Uau! este exemplo vai
arrasar.)
Se os atletas não conhecerem as metas que têm de
atingir, como é que podem saber se o treino está a dar
resultado e o que têm de fazer para melhorar? (Boa, mãe!)
Alguns atletas treinam para atingir os mínimos e poderem
participar nos jogos olímpicos, outros treinam para bater os
recordes nacionais. Cada um tem os seus objectivos. O
Resto, por exemplo, anda a aprender a andar de bicicleta
sem rodinhas desde que nasceu. Talvez consiga antes de
acabar o 9.° ano...
Acho que a minha mãe ficou muito entusiasmada com o
seu exemplo da seta, mas o meu pai também. Fechou ligei-
ramente os olhos e os lábios, empurrando-os para a frente,
enquanto abanava a cabeça no sentido da cadeira de
baloiço, o seu gesto típico quando nos quer dizer, sem pala-
25
vras, que metemos um ganda golão.
Falámos de alguns dos meus objectivos. É engraçado,
nunca os tinha percebido como tudo aquilo que eu quero
fazer na vida. Não só coisas complicadas e difíceis que eu
só vou fazer quando tiver praí uns cinquenta anos em cada
perna: subir à Serra da Estrela sem oxigénio (estão a rir-
-se?… mas deve ser bué de difícil!…), ser o dono da Coca-
-Cola ou de uma fábrica de pastilhas elásticas (aí é que
seria… passava a vida a beber Coca-Cola e a mastigar pasti-
lhas até me doerem os maxilares!). Mas os objectivos tam-
bém podem ser coisas simples e que já fazem parte da
minha vida: por exemplo, arranjar a campainha da bicicleta,
poupar dinheiro para fazer um acampamento de Verão,
alcançar o recorde do novo jogo da Playstation, fazer um
puzzle com cinco mil peças, beber o copo de leite ao
pequeno-almoço de um só gole, atravessar meia piscina
debaixo de água (sempre com o meu pai a assistir), conse-
guir irritar a minha irmã cinquenta vezes num dia (neste
objectivo o Resto também participa, porque de pequenino é
que se torce o pepino!)… Para além destes objectivos, a
minha mãe, pacientemente, sugeriu outros relacionados
com o estudo (aqueles remédios todos sempre fazem
algum efeito…). Por exemplo, fazer sempre os TPC, estu-
dar mais, arrumar a minha secretária de modo que pareça
um bocadinho diferente de um armazém de velharias, ter
cadernos onde não seja possível provar restos de Bolicao
pré-histórico, entre outros exemplos.
Também não sabia que os objectivos, para funcionarem,
26
têm de obedecer a algumas regras. Alguns dos que escolhi
não são lá muito concretos e, por isso, não posso avaliar
com facilidade se os alcançarei. Por exemplo, “estudar
mais” não é um objectivo concreto. “Mais”, mas mais do
que quê? (Já estou a imaginar a piadinha da Baleia: “No teu
caso, um minuto já seria estudar mais…”) Se não marco
um tempo concreto para estudar, depois não posso saber
se cumpri o que tinha previsto. Depois de chegar a esta
conclusão, mudei este objectivo para “estudar uma hora por
dia”. Agora sei que este objectivo é concreto (sei exacta-
mente e sem dúvidas o que tenho de fazer: estudar uma
hora), realista (sim, se eu quiser, é possível estudar uma
hora. Bem, para ser sincero…) e avaliável (no fim do dia é
fácil saber se estudei ou não uma hora).
A regra dos objectivos é CRAva (dãa, não percebem?)
Concretos-Realistas-Avaliáveis…
Claro que posso sempre estar no quarto uma hora a ler
livros de quadradinhos em vez de estudar, mas isso, como
diz o meu pai, é problema meu. E acreditem, o crime não
compensa.
Concluí que os objectivos devem abraçar as pedras gran-
des e a gravilha da minha vida. (Uau! esta frase vai esma-
gar.)
A água que encharca todo o superfrasco são os nossos
comportamentos. Até podemos ter objectivos muito lindi-
nhos, mas se não fizermos nada para os alcançar, não os
atingimos. (Este lá-lá-lá, não é meu, mas fica bem aqui, não
acham?)
27
Um dia, vi um programa na televisão sobre o treino de
nadadoras olímpicas. Treinavam várias vezes por dia,
seguindo um plano que estava escrito num quadro, com
letra grande para todas poderem ler (talvez fosse um clube
de nadadoras míopes): tantas piscinas em estilo livre, tan-
tas a bater pernas, tantas em mariposa, eu sei lá!… Nada-
vam tanto que quase davam a volta ao Mundo!
Deve ser giro ganhar medalhas, receber palmas e ouvir o
hino nacional, e ter todas as televisões a chorarem de ale-
gria e a limparem, com lencinhos de papel, as imagens
transmitidas aos soluços (eh! eh! eh!… isso é que era
nice). Foi então que percebi que a vida das nadadoras não é
só receber medalhas e distribuir sorrisinhos Pepsodent. O
avô e o Edison (lembram-se? aquele que inventou a lâm-
pada…) estão sempre a dizer (devem ser muito amigos)
que, na vida, todas as coisas se conseguem com um por
cento de inspiração e noventa e nove por cento de
transpiração. Não é lá muito higiénico, mas deve ser
verdade.
Voltando às nadadoras olímpicas, nadar todas
aquelas piscinas ajuda-as a atingir as metas que
cada uma estabeleceu para si própria. Se não treinas-
sem e comessem tantas pizzas e guloseimas como a
minha irmã, só ganhavam os concursos para miss orca.
Quando queremos atingir um objectivo temos de pensar
nas coisas concretas que vamos fazer para o atingir (que
têm de poder ser avaliadas, já sei, já sei!). Isto é que são as
estratégias, que nas tarefas da escola se chamam “estraté-
28
gias de aprendizagem”, como disse a stora.
A Paula, a minha colega de carteira, deu um exemplo
macabro, mas que pode ajudar. Era mais ou menos assim:
se um aluno quer ter um 4 a História (objectivo, no meu
caso, superirrealista…), mas não está atento nas aulas
(comportamento que afasta do objectivo, mas é um bom
treino para os músculos da língua), não tira apontamentos
(comportamento que afasta do objectivo, mas poupa tinta e
evita o derrube de árvores) e quando chega a casa não
estuda, a não ser um bocadinho antes do dia do teste
(comportamento que o afasta definitivamente do objec-
tivo), se conseguir um 3, já é uma grande sorte (não atin-
giu o objectivo, mas acho que o pior é mesmo ter de ouvir
a centenária lengalenga: “Pois, tu não te esforças, olha a
29
tua irmã, o teu primo, o vizinho da prima, o sobrinho do afi-
lhado… todos bons alunos, todos aplicadinhos, blá-blá-
-blá”).
Para poder ter um 4 no fim do período é preciso fazer os
TPC, estar atento nas aulas, escrever os sumários e tirar
apontamentos na aula. Depois, já em casa, é preciso estu-
dar pelo livro e fazer esquemas e resumos para compreen-
der melhor a matéria (já sei, já sei, comportamentos que
aproximam do objectivo). Antes do teste, tentar responder
a perguntas que venham no fim do capítulo ou a perguntas
que a stora tenha dado na aula. Com todos estes comporta-
mentos que o aproximam do objectivo, talvez consiga tirar
um 4.
Não é lá muito agradável, mas no fundo, no fundo, tenho
30
de admitir que o longo (e árduo, uf!) caminho do estudo
passa por aqui.
Acho que finalmente percebi a ideia da professora de
Ciências: cada coisa na nossa vida tem pedras, gravilha,
areia e água, o que quer dizer que na nossa vida há coisas
mais e menos importantes mas que, na ordem certa, há
lugar para tudo. Na ordem certa...
Agora saber em cada caso o que é pedra e o que é areia,
acho que isso é muita areia prá minha camioneta.
Miolos de
se lhe tirar
o chapéu…
A minha mãe faz anos daqui a uns dias. Estamos perto do
Natal e o ambiente é de alegria e de luzinhas nas ruas, mas
sobretudo estamos perto das férias e dos presentes (yes!).
31
Cá em casa já fizemos o presépio e decorámos a árvore de
Natal. Toda a família participou, ao som de barulhentas músi-
cas natalícias. Retirámos dos armários as caixas onde estão
guardadas as figuras e desembrulhámos com cuidado cada
figurinha. Depois, voltámos a guardar as caixas e limpámos o
pó e o lixo. Primeiro, decidimos como e onde devíamos colo-
car a gruta e as figuras principais: S. José, a Virgem e o
Menino Jesus. O nosso presépio não tem burro nem vaca
porque, há vários séculos, num desses dias de construção
do presépio (tipo centro comercial em hora de ponta, estão a
ver? Não, não estão!), o meu pai deixou cair a vaca, que rapi-
damente ficou reduzida a pequeninos pedaços, sem cola-
gem possível. O Resto propôs nessa altura substituir o burro
e a vaca (sim, era chato deixar o burro sozinho) revezando-
-nos na companhia ao Menino Jesus. Ele estava a pensar em
presença física. Era bonito, mas impossível. O meu avô deu
um toque mágico na ideia e cada um de nós escreveu num
pequeno papel colorido um aspecto em que se ia esforçar
para melhorar a vida da família. Espalhámos os papelinhos
dobrados pelo presépio, esta seria a companhia que Lhe
faríamos. Resolvemos o problema e adoptámos
um projecto de Natal (tenho de confessar que gaspar@reis
me apetece sempre coscuvilhar o conteúdo magos.com
dos outros papelinhos, mas até hoje tenho
conseguido conter-me).
A partir desse ano, esta passou a ser
uma importante tradição de família (este
32
ano escrevi no meu papelinho que não ia

?!
Achas
que ele se Não sei,
despacha antes acho que
do próximo o melhor mesmo
Natal? é fazermos um
download dos
presentes!

33

CDT-ETEA-3
resmungar tanto com a minha mãe e que me ia esforçar por
colocar a roupa suja no cesto, mas não digam nada, OK?).
Os Reis Magos ficam sempre num local afastado do pre-
sépio, mas fazemos uma estradinha com areia para eles não
se enganarem no caminho. Já perderam a estrela uma vez,
não podem voltar a perdê-la… A nossa árvore de Natal é arti-
ficial e tem a idade da Baleia. Já está tão depenada que lhe
chamamos galinha. A árvore está mesmo velhinha, as bolas
e as fitas coloridas tapam um bocadinho os verdes em falta,
mas não importa, porque a galinha já faz parte da família e,
enquanto houver um bocadinho de verde, esta será a nossa
árvore de Natal.
Já escrevi uma carta a pedir os presentes de Natal, mas
sobre isso é melhor não falar agora porque tem várias pági-
34
nas e nunca mais acabava. É assim mais tipo lista telefónica,
estão a ver?
Bem, voltemos aos anos da minha mãe. Para preparar
tudo reunimos a tribo dos filhos: a Baleia Ambulante, que
ocupa quase todo o espaço da sala, o Resto e eu. Temos de
decidir o que fazer para que o dia corra bem. Esta deve ser
uma das poucas alturas em que estamos todos de acordo, o
presente é o de sempre: miolos. Eu explico: miolos é um
doce que inventámos para a minha mãe, por isso é que tem
um nome tão carinhoso. (Bem, a verdade é que foi a Ana
quem inventou o nome e o doce.)
A fórmula secreta dos miolos é 1, 2, 3. Uma lata de leite
condensado, dois pacotes de bolachas Belgas com cobertura
de chocolate e três pacotinhos de natas (mnham! mnham!).
Devo estar a ficar um bocado apanhado com as coisas
que falamos lá na escola. Quando estávamos a preparar os
anos da minha mãe lembrei-me que aquela era a fase da pla-
nificação dos miolos. Pensar nos ingredientes, no dinheiro
que tínhamos e no que precisávamos, quem ia comprar tudo
e quando. Por fim, em que altura é que íamos fazer os mio-
los para a minha mãe não descobrir… (Escola 1, Testas 0).
Combinámos tudo sem confusão. A minha irmã adiantava
o dinheiro e íamos os dois ao supermercado comprar tudo,
enquanto o Resto distraía a minha mãe com uma conversa
qualquer sobre a roda dos alimentos e a necessidade de
comermos sopas verdes, enjoativamente nutrientes, para
termos uma saúde de ferro. O Resto é bom nisto, põe um
arzinho de intelectual e faz um beicinho que resulta sempre.
35
A verdade é que comprámos tudo e fizemos o doce,
enquanto a mãe e o pai estavam a conversar na sala. A ajuda
dele é crucial, porque quando a minha mãe não nos vê nem
nos ouve durante dez minutos desconfia logo: ou estamos a
dormir, ou a cozinhar alguma asneira ou prestes a berrar. (Eh!
eh! eh!… desta vez enganou-se.)
Nestas alturas, quando temos de aproveitar bem o tempo,
parecemos um pequeno exército de formigas. Eu abro a lata
de leite condensado, a Baleia os pacotinhos de natas,
fazendo uns pequenos cortes de um lado e de outro sem
entornar, enquanto o Resto deita as bolachas na tigela esma-
gando-as com uma colher de pau, sem ser de mais (não dei-
xar rasto é fundamental…). Um dos segredos desta obra de
arte da culinária diz que as bolachas devem ser partidas, mas
de modo que se possam mastigar. Esta parte é muito impor-
tante. Por cima das bolachas, deitamos o leite condensado e
as natas, enquanto a colher de pau tenta envolver a mistela,
que vai adquirindo um tom acastanhado delicioso. No final,
como combinado, cada um pode comer uma colherzinha (eu
escolho sempre uma colher das da sopa) antes do doce ir
dormir, com muita pena de todos, no congelador da vizinha,
porque deve ser servido gelado. Enquanto estávamos a fazer
o doce, lembrei-me que aquela era a fase da execução dos
miolos e desejei então que a fase da avaliação, em que
íamos testar à vontade a sua qualidade, não tardasse muito.
É curioso, as três fases que os professores estão sempre
a repetir que devemos seguir em qualquer actividade funcio-
nam mesmo, até para fazer um doce. Se não pensássemos
36
em todos os pormenores, como, por exemplo, em comprar
com antecedência os ingredientes, quando estivéssemos a
fazer o doce podia correr tudo mal.
A mãe gostou muito dos miolos (pudera, estavam
mnham! mnham!) e naquele dia passámos a ser “queridos”.
Mas no dia seguinte, ao pequeno-almoço, depois das habi-
tuais guerrinhas com os flocos e as disputas pelo pão mais
branquinho, lá voltámos ao habitual “trastes”.
Enfim, não há nada como a rotina.
2
Desabafos
de um caderno
Insónias com
cadernos
diários I

O professor de EVT, que é


assim tipo torre descapotável, falou-
38
-nos sobre a importância da organização
de um caderno diário na nossa aprendizagem.
Para nos explicar, pegou no caderno da Fernanda, que na
mão dele ficava mais ou menos como um ratinho num
campo de futebol. Propôs que fizéssemos um texto sobre a
vida dos nossos cadernos diários intitulado: “Desabafos de
um caderno”. (Tchi!… no meu caso talvez seja melhor não
lhe perguntar nada...) Depois das aulas, quando me sentei
no autocarro, meio ensonado, pus-me a imaginar o que
diriam os meus cadernos diários. Acho que até sonhei.

– Olá! Sou um dos teus cadernos, um dos que têm cora-


gem e lata para te dizer o que todos sofremos na pele. Que-
ria dizer-te que a minha vida é uma desgraça. Sou composto
por umas folhas soltas, juntas numa divisória de uma capa
gigante. No início do ano, a capa ainda está nova e apresenta
um aspecto rijo e robusto, mas à medida que o tempo
passa (no teu caso basta uma semana), a mochila é atirada
para qualquer canto, lambendo qualquer chão. Posso dizer-te
que sou perito em solos: se alguma vez quiseres alguma
informação sobre o sabor das pedras do recreio, da tijoleira
ou do alcatrão, basta perguntares… Qualquer semelhança
entre mim e um caderno é pura coincidência… Cada vez
que voamos, a capa vai sofrendo mazelas, e as folhas, que
só estão presas por dois pequenos buraquinhos, vão-se ras-
gando ou perdendo na selva a que chamas quarto. Já dentro
da mochila, o contacto com restos de iogurte pegajosos,
bocados de pão do Jurássico, migalhas de bolachas que
39
davam para alimentar um bando de pássaros famintos…,
não é propriamente o melhor ambiente para se viver...
A minha cor, neste momento, é encardido. A minha mãe
bem me avisou para ter cuidado com as companhias… As
minhas páginas de papel, da melhor gramagem, apresentam
agora dedadas de gordura, folhas riscadas, desenhos e
rabiscos sem sentido que não tiveram um final, quase tantas
dobras quanto linhas, pedaços rasgados… Enfim, não tenho
tido propriamente um tratamento VIP. Acabar assim os meus
dias, quem diria?!…
Gostava de poder contribuir para a tua educação. Funcio-
nar como um verdadeiro caderno de apontamentos, que
regista a informação transmitida oralmente na aula, mas
também a do quadro. Oh, como eu gostava de ter os sumá-
rios organizados! Dizem que através deles é possível saber
como é que o professor vai organizar a aula. Sim, conhecer
os temas que vão ser desenvolvidos deve ajudar a seguir a
aula com mais atenção. Talvez dessa forma eu não tivesse
tantos buracos quanto um queijo suíço. Enfim, talvez noutra
vida, depois de reciclado...
Se eu conhecesse os sumários, organizava um índice,
com letra bonita, que facilitasse a consulta da informação,
como se fosse um livro. Acho que a “organização dos con-
teúdos”, como os professores lhe chamam, te poderia aju-
dar a memorizar e a estudar.
Se eu pudesse ser um caderno a sério, deixava uma mar-
gem do lado direito, aí de uns cinco centímetros, talvez até
fizesse um risco de cor diferente para a separar. Nesse
40
espaço poderias completar alguns apontamentos ou escre-
ver as dúvidas da matéria, os dias dos exercícios escritos e,
sei lá, tudo o que fosse importante. Não deixaria que escre-
vesses erros ortográficos e tentaria fazer com que a letra
fosse legível. Sim! porque de gatafunhos já eu estou farto.
Não se conseguem ler e não são bons para a “saúde do
estudo”, como diz a tua mãe.
Teria sempre em dia os trabalhos de casa e os exercícios
recomendados pelos professores, sem esquecer, é claro, os
resumos do teu estudo.
Bem, mas para isso era preciso que estudasses, e isso
é quase tão absurdo como acreditar no Pai Natal. Mas para
que é que estou prá’qui a lamentar-me. Nunca serei um
caderno, apenas um amontoado de folhas.
– É verdade, estás com um aspecto péssimo, devias cui-
dar melhor da tua imagem. Tenho pena de ti – comentou
um galante caderno roxo, impecavelmente forrado com
papel autocolante.
– Tu és?… – perguntei a medo, tentando esconder as
minhas manchas de gordura, pelo menos as maiores.
– Sou o caderno da Ana, ao seu dispor – disse, rindo-se
com as páginas todas.
– Ri-te, ri-te, porque não tens o meu problema – fui obri-
gado a conter-me para não lacrimejar, afinal, sou um caderno
bastante sensível.
– Desculpa, eu ouvi o que estavas a pensar em voz alta e
não me devia ter rido, desculpa. Talvez te possa ajudar? –
afinal, sempre mostrava um pouco de humanidade por
41
baixo de todo aquele lustro. Talvez não fosse um mau
caderno…
– Obrigado, mas como? O Testas não tira muitos aponta-
mentos, e o pior é que me trata mal, a mim e a tudo o que
está relacionado com a escola: canetas, lápis, livros de
texto… O que é que hei-de fazer? Para ti é fácil, porque a
Ana tira muitos apontamentos na aula, tem os sumários
sempre em ordem, faz índices para todas as disciplinas… E,
ainda por cima, quando chega a casa estuda, completa os
apontamentos, sublinha as ideias principais e os detalhes
que as apoiam. Faz sempre os TPC e ainda outros exercí-
cios que ajudam a compreender melhor os conteúdos que
os professores ensinam. É muito, muito estudiosa e arru-
madinha… – não pude evitar um suspiro de inveja.
– É, tens razão, tenho muita sorte com a minha dona –
disse o lustro ambulante.
– Sabes?! Afinal, talvez me possas ajudar. O Testas anda
muito atento às três fases do estudo e do trabalho que os
professores lhe ensinaram. Já ouviste falar? A da planificação,
execução e avaliação… – lançou-me um olhar espantado
como se eu estivesse a ensinar o padre-nosso ao vigário.
– Sabes como é que estas fases se aplicam ao caderno
diário e à tomada de apontamentos? É que se eu sou-
ber, talvez o possa ajudar melhor… – no fim da
frase baixei a minha voz, timidamente.
– Acho que é uma boa ideia – exclamou ani-
mado. – Tirar apontamentos é uma estratégia
de aprendizagem muito importante,
42
porque ajuda à concentração na
aula e obriga o autor a estar activo.
(Autor?! Aquele lustro todo deve ter-lhe
subido às páginas!) A organização do
material contribui para que os autores
possam compreender melhor os conteúdos
e obtenham melhores resultados – estava a
armar-se, falava como se fosse um sábio da
antiga Pérsia, mas a verdade é que eu é que tinha
pedido ajuda, por isso, come e cala… – Bem, como
ia dizendo, tirar apontamentos começa antes da aula.
Primeiro, revendo os apontamentos anteriores para saber o
que ficou incompleto ou se há alguma dúvida que deva ser
esclarecida pelos professores ou amigos. (Ui! ui! ui! saiu-me
43
na rifa um caderno-poeta.) Ler os apontamentos antes da
aula ajuda não só a saber em que ponto “terminou” a maté-
ria, mas também a preparar a aula seguinte.
O passo seguinte consiste em levar para a aula tudo o
que é necessário à disciplina: os livros, as fichas que vão ser
trabalhadas na aula, lápis, papel especial, caneta, de prefe-
rência sem estar tão roída que faça inveja a qualquer rato –
aquela era uma piadinha para o Testas – e, claro, chegar a
horas à aula para ouvir tudo desde o início: sumário, avisos,
datas…
O local onde o autor se senta também é importante.
Se não ouve ou não vê bem, tem de se sentar mais à frente.
“Lá atrás” é o passaporte para a desatenção… – nisto o
caderno-sabichão tinha razão. Quantas vezes o Testas fica à
44
janela, põe-se a olhar para o recreio, a pensar na morte da
bezerra e a aula e as informações importantes a passarem
ao lado! – O planeamento termina à entrada na aula. Se for
possível sentar-se sem continuar a suar tipo cavalo de cor-
rida… – outra! Ai, se ele não fosse de uma menina… – e
sem continuar as conversas e as tricas que começaram no
recreio, isso ajudaria a concentrar-se na aula.
As insónias
com cadernos
diários voltam
a atacar 45

Um solavanco brusco no autocarro acordou-me. Estava a


chover muito e o motorista fez uma travagem repentina,
acompanhada de uma lista de nomes pouco delicados para
a família do outro condutor. Olhei estremunhado à minha
volta e verifiquei que ainda faltavam algumas paragens até
chegar a casa.
Estava escuro. Ainda eram seis da tarde, mas com a
mudança da hora a noite cai mais depressa. O meu bafo no
vidro fez de quadro para desenhar, mas como estava com
sono só saíram uns riscos preguiçosos e sem sentido.
(Bem, a verdade é que mesmo que quisesse não sairia nada
de jeito.) Deixei-me adormecer, podia ser que ainda apa-
nhasse o resto do sonho…

– A próxima fase – continuou o caderno-sabichão – a da


execução, ocorre durante as aulas. Em primeiro lugar, deve
escrever-se o sumário e a data para não criar confusão e
facilitar o estudo posterior. Os apontamentos devem ser
legíveis. Não é preciso escrever tudo o que o professor diz,
isso é impossível. O autor deve ouvir mais do que escrever.
Se não entender algo ou perder uma sequência, o melhor é
deixar um espaço em branco e completar depois com a
ajuda dos colegas ou dos professores.
As ideias principais devem ficar grafadas, se possível, por
palavras próprias (olha, olha, agora escreve com agrafa-
46
dor!…) e com algumas abreviaturas para facilitar a escrita e
ser mais rápido. Tipo: c/ (com); qt (quanto); 1.° (primeiro),
pq (porque)…
– Desculpa interromper, mas acho que o Testas ainda
não é capaz de tirar apontamentos à medida que o profes-
sor fala…
– Sim, talvez tenhas razão – disse pensativo, enquanto
franzia as dobras da capa. – Mas não há problema, os profes-
sores do 5.° e do 6.° anos costumam escrever as coisas
mais importantes no quadro e ditam devagar. De qualquer
modo, é preciso estar muito atento e tentar escrever rapida-
mente, mas sem erros. Sabes? A única maneira de escrever
mais depressa e sem erros é… treinar em casa, no compu-
tador ou numa folha. Escrever, ler, corrigir. Voltar a escrever,
voltar a ler, voltar a corrigir, sem desistir… Mas não te preo-
cupes porque há tempo para tudo: há tempo para estudar,
mas também para jogar no computador, para brincar com os
amigos…
– Sim, isso eu sei, obrigado, mas como é que se conhe-
cem as ideias principais? – interrompi a medo.
– Num texto escrito ou na exposição dos professores,
pelo menos daqueles que organizam as matérias e preparam
as aulas, temos sempre três partes: o tema, aquilo que está
a ser desenvolvido ou explicado; as ideias principais, que
correspondem ao que está a ser dito sobre o tema; e, por
fim, os detalhes, ou seja, os dados que apoiam as ideias
principais. Vou dar-te um exemplo: a Ana escreveu um
pequeno texto, magnífico por sinal (claro!, como poderia ser
47
de outra maneira, presunção e água benta…), para a disci-
plina de Língua Portuguesa, chama-se Desafios:

Desafios

Há muito, muito tempo, lá longe, nas terras da


Ásia, havia uma região que se chamava Frígia. O rei,
de seu nome Górdio, após muitos anos de guerras e
convulsões, conseguiu a paz e preservou-
-a. Uma das medidas mais curiosas e intrigantes
que tomou consistiu em amarrar uma grossa corda
ao templo de Júpiter. O facto é que ninguém conse-
guia desfazer o nó, tal era o seu entrançado manue-
lino. O oráculo do templo decretou que o autor do
nó tinha sido grande em vida, e que aquele que o
conseguisse desfazer seria ainda maior. Terá o
mundo por reino – concluiu solene.
O nó tornou-se uma grande atracção sendo muito
visitado por turistas – havia sempre muita gente à
sua volta. Nas bancas vendiam-se bonés e T-shirts
alusivas e os turistas tiravam muitas fotografias com
o nó. À medida que os anos foram pas-
sando, este passou a simbolizar a metáfora
da impossibilidade. O nó górdio passou a
designar tudo aquilo que era inultrapassável, pelo
menos até que Alexandre, mais tarde conhecido pelo
cognome de “o Magno”, chegou à cidade e foi desa-
fiado para desfazer o famoso nó. Até então, ninguém
tinha conseguido encontrar as pontas da corda e por
48
isso o nó permanecia desafiador. Alexandre olhou-o
em silêncio rodeado por uma enorme multidão.
Todos se riam, recordando-lhe as inúmeras tentati-
vas falhadas de gente com o dobro do volume
dos seus bíceps. Mas enquanto os cães ladram,
a caravana passa. Alexandre ergueu a pesada
espada e, num golpe seco, feriu de morte a
velha corda, que abandonou o cerco à coluna do
templo. É assim – disse-o com a firmeza de um rei-
-guerreiro – que enfrento todos os nós de Górdio.

Neste texto, magnífico por sinal – que seca,


sempre a gabar-se – o tema é…
– O desafio – respondi, interrompendo-o.
49

CDT-ETEA-4
– Sim, as diferentes formas como podemos lidar com os
problemas da nossa vida. Olhando-os como obstáculos inul-
trapassáveis ou encarando-os como desafios que tentamos
resolver – eh lée!… que paleio, o Testas ainda tem umas
coisas a aprender… – Se compararmos com um edifício, o
tema é a casa e as ideias principais são os seus alicerces, a
sua estrutura. Num texto ou na aula correspondem a tudo o
que se diz ou escreve para compreendermos o tema. Neste
caso… – manhoso, esperou que eu respondesse. Mas eu
fui rápido, estava a aprender umas coisas com o Testas e
disse, num jacto:
– Primeira ideia principal: o rei Górdio da Frígia ganhou a
guerra; segunda: amarrou uma corda ao templo de Júpiter;
terceira: ninguém conseguia desatar o nó de Górdio e este
50
tornou-se um símbolo do que era inultrapassável; quarta:
Alexandre Magno visitou a cidade e foi desafiado a desatar o
nó. Apesar de gozado, cortou o nó com a espada. Acho que
são estas – respondi, tentando não me esquecer de
nenhuma das ideias.
– Isso, isso – disse, parecendo impressionado. – Essas
seriam as ideias principais que compõem a história. Os
detalhes são os factos e dados do texto que ajudam à sua
compreensão. Não são fundamentais, pois perceberíamos a
mensagem sem eles, mas ajudam-nos a compreender as
ideias principais. Por exemplo: que a Frígia fica na Ásia; que
o nó era uma atracção muito visitada; que havia bancas
para vender camisolas e bonés com o nó; que Alexandre
estava rodeado por uma multidão quando desfez o nó…
Numa casa, os detalhes são, por exemplo, as cores da tinta
da parede, o tipo de janelas, a forma das telhas…
– Mas há alguma forma de sabermos onde estão as
ideias principais? – continuei o interrogatório.
– Bem, não há certezas absolutas, mas as ideias princi-
pais costumam estar nos sumários, na introdução e na con-
clusão. Outra forma de identificação pode ser o número de
vezes que determinadas frases são referidas no texto, ou
os conselhos do professor durante a aula, tipo: “As causas
principais são…”; “Esta é uma razão importante porque…”;
“Como já vos disse…”; “Prestem especial atenção a…”. Nor-
malmente, estas indicações estão associadas a gestos
característicos do professor: levantar um dos braços, apon-
tar com o indicador, bater com os nós dos dedos na secre-
51
tária, mas também a oscilação da voz, levantando ou
baixando a intensidade do som, para que os alunos perce-
bam que aquilo que vai dizer é diferente e merece uma
atenção especial. E, claro, no quadro também costumam
ser escritas as ideias principais.
– Mas para tudo isso é fundamental estar muito atento na
aula, evitar as conversinhas para o lado, as brincadeiras com
papelinhos, as mensagens nos telemóveis, e o Testas… –
estava a pensar em voz alta, quando fui interrompido.
– Sim, claro, mas ainda não acabámos. Falta a terceira
fase, a da avaliação dos apontamentos tomados.
– Pois é, desculpa – já me doía um bocado a cabeça,
quero dizer, a capa, mas acho que me doía mais o orgulho.
Se o Testas tivesse dificuldades eu ainda compreenderia,
mas se não tem, porque é que não faz as coisas de forma
diferente, porquê?
– A fase da avaliação dos apontamentos começa depois
das aulas. Nem sempre os apontamentos são claros e, por
vezes, algumas frases ficam incompletas ou, mesmo, sem
significado. Por isso, o mais rapidamente possível, de prefe-
rência no mesmo dia, ou no dia seguinte, os apontamentos
devem ser revistos e corrigidos. Sobretudo se o autor
escreve devagar e dá muitos erros… Se tiver dúvidas, pode
resolvê-las nas aulas seguintes, com o professor ou os
colegas. Apontamentos completos e sem erros permitem
estudar melhor…
(Fim)

52
Acordei estremunhado a meio do sonho. Ainda bem que
moro na última paragem do autocarro. Tchi!… sonhei muito!
Esta conversa entre os dois cadernos foi um autêntico
pesadelo, mas devia-a ter gravado. Agora seria mais fácil
escrever o trabalho de casa. Acho que vou ter de pensar
nisto tudo, mas primeiro vou contar-vos a última piada do
Aramis. Sabem qual é a semelhança entre o Museu do Lou-
vre e o professor de EVT? Ambos têm a mona lisa… Dãa,
mona: tola; lisa: careca. É boa, não é?!…
3
Sherlock Testas,
ao vosso dispor
54 O incrível
mistério-do-cacifo
Hoje fomos atropelados por um acontecimento especta-
cular. No fim da aula, a professora de Inglês recebeu um
mail de outra escola pedindo ajuda para resolver um caso
difícil e bicudo. (Não pudemos deixar de olhar todos para o
Rodrigo, que tem umas orelhas tipo Dumbo, estão a ver?
Não, não estão… Coitado! Acho que até a stora olhou e a
cara dele virou sopa de tomate…) Ficámos orgulhosos e
agitados de contentamento com o desafio (que, como
sempre, foi recebido com a tranquilidade que tanto caracte-
riza a minha turma. Até já pensaram em instalar um detec-
tor de tremores de terra na nossa sala).
Em casa, podíamos pedir ajuda para resolver o mistério,
mas sem nunca revelar o nome dos suspeitos. A stora
disse que isso era segredo profissional. Revelar detalhes
poderia comprometer a investigação. (Claro que isto não se
aplica a vocês, mas, mesmo assim, não digam nada a nin-
guém, OK? Uau! Até parece um filme…)
Era preciso estar muito atento e tirar as notas mais
importantes o mais rapidamente possível, porque a mensa-
gem só podia ser lida uma vez, porque alguns segundos
depois a tinta desaparecia (era igual ao que acontecia nos
filmes, por isso devia ser verdade).
O caso era o seguinte: na E.B. 2,3 Padeira de Aljubarrota,
roubaram dois CD de música a um aluno do 6.° ano. Este
falou com o director de turma e contou a sua versão. Como
55
a conversa vinha gravada (algumas partes estavam em
código. Era difícil, o que é que pensam?), isto foi o que eu
consegui reter:

– Sérgio, conta lá o que te aconteceu.


– Professor, eu vim para a escola com a mesma mochila
que trago todos os dias. Dentro trazia os livros das discipli-
nas, o dossier, mas também dois CD de música para
emprestar ao Vítor.
– O que é que fizeste quando chegaste à escola? – (Boa,
esta pergunta é mesmo tipo filme policial.)
– Logo que cheguei fui direito ao meu cacifo, abri a
mochila e coloquei lá os dois CD, lembro-me perfeitamente.
Não estava ninguém perto de mim. Depois fui para as aulas,
pois estava a tocar. No recreio grande, quando fui ao cacifo
os CD tinham desaparecido. Vim logo, logo ter consigo,
sem falar com mais ninguém. O meu cacifo é ao lado do da
Gabriela. Acho que ela sabe o meu código, porque, uma
vez, estávamos a brincar aos códigos e ela disse o meu. Já
me viu abrir muitas vezes o cacifo, e pode… (Ah é? Hum…
tens razão. Eu também acho que foi ela…)
– Tens a certeza que trouxeste os dois CD para a escola?
– Tenho professor… é a minha mãe que me faz a
mochila (eh lée!… esta deve ter custado a dizer, quem diria
que ainda há pior do que eu?! Não me posso esquecer de
contar isto à minha mãe), mas eu lembro-me de colocar os
dois CD no cacifo.
– Sérgio, és um aluno calmo e até agora nunca causaste
56
problemas aqui na escola. Entretanto, achas que aconteceu
alguma coisa que possa justificar o roubo?
– Não, professor, nada.
– De quem é o outro cacifo ao lado do teu?
– É do António.
– Qual António?
– O Silva, professor.
– Estás a ver? Não podes estar a acusar a Gabriela sem
provas, há muitos alunos na escola: pode ter sido o António
ou outro aluno qualquer – (é, acho que o professor também
tem razão. Que grande salgalhada! Afinal, quem é que rou-
bou?...) – Alguém sabia que trazias os CD hoje?
– Não, nem o Vítor. Ele já me tinha pedido os CD há duas
semanas, mas eu tenho-me esquecido. Só ontem é que
me lembrei e queria fazer-lhe uma surpresa… Não! Ninguém
podia saber (eh lée!… até parece o Ulisses!). Ah! É verdade
professor, a Gabriela saiu hoje a meio da segunda aula para
ir à casa de banho, não sei se isso interessa…
– Estragaram-te a fechadura?
– Não. Está boa, abre com a chave.
– Obrigado Sérgio, podes ir para a aula.
– Obrigado eu, professor. (Bem podes dizer adeus aos
CD…)
Pouco depois, o professor chamou o António.
– António, o cacifo do Sérgio foi assaltado hoje de
manhã…
– Eu… ehhh… não fui eu professor… – (parecia nervoso,
muito nervoso). – Às vezes faço asneiras, e até já tirei algu-
57
mas coisas da pasta de colegas, mas fui castigado e devolvi
tudo. Desta vez não fui eu. (Oh! oh! oh! claro que é ele, é
ele o culpado!…)
Não me recordo do resto da conversa. Depois, o profes-
sor chamou a Gabriela e fez a mesma pergunta:
– Gabriela, o cacifo do Sérgio foi assaltado hoje de manhã.
O teu cacifo fica mesmo ao lado do do Sérgio, sabes de
alguma coisa?
– Como é que havia de saber?
– Podias ter visto alguém por perto, alguma coisa…
– Não, não vi ninguém. Também quem é que podia que-
rer aqueles CD? No primeiro tempo da manhã cheguei
antes do Sérgio, e saí para vir à casa de banho durante a
segunda aula. Pode perguntar à Rita do 6.° C, que também
estava na casa de banho. Até estivemos a conversar um
bocadinho, mas não diga nada ao stor de EVT…
– Obrigada, podes ir.

A apresentação do caso terminava aqui. E agora, que vai


fazer o professor? Quem é que tirou os dois CD? A per-
gunta ficou suspensa no ar. A partir daqui, cada um de nós
tinha de pensar e apresentar uma proposta de solução para
resolver aquele grave problema.
Quando saímos da aula já havia duas equipas bem defini-
das: de um lado, a que culpava o António, do outro, a que
acusava a Gabriela. Eu estava ainda um bocado confuso.
Falavam todos ao mesmo tempo e os argumentos eram
pouco sólidos (e geométricos! Eh! eh! eh!). Uns diziam que
58
a Gabriela era uma “sonsa”, que tinha ido à casa de banho
para nessa altura tirar os CD; outros respondiam que não.
Nos filmes, o suspeito principal nunca é o culpado. Tudo
indicava na sua direcção, por isso o culpado deveria ser
outro: o António. “Repara como ele respondeu muito ner-
voso às perguntas do stor… Porque é que se defendeu se
ninguém o acusou? Já tinha mexido uma vez no que não
era dele, porque é que não o podia fazer outra vez?”…
Fui para casa a pensar no assunto. Estava muito excitado,
queria resolver o problema, mas ainda não tinha as ideias
bem claras. O meu colega Bernardo vive no prédio ao lado
do nosso e, como podíamos resolver o problema em grupo,
convidei-o para ir lanchar lá a casa e trabalhar sobre o “Incrí-
vel mistério-do-cacifo”. Telefonámos à mãe dele, lanchámos
a correr e fomos tra-
balhar. Estava espan-
tado comigo próprio.
Nem me sentei a
ver televisão, nem
perdi tempo ten-
tando adiar a
hora de estu-
dar. A coisa era
tão esquisita que até o Resto veio perguntar se eu estava
doente… Como castigo, pusemo-lo em fuga atirando-lhe à
tola todos os ténis malcheirosos do quarto. (Só espero que
ele não saia à rua, o cheiro é tão intenso que ainda o confun-
dem com um queijo da serra ambulante…)
59
Depois destas interrupções, que nos distraíram da tarefa,
pensámos num plano de ataque ao problema. Primeiro, com-
parámos as nossas versões da história. Verifiquei que eram
muito parecidas (talvez os meus pais tenham razão, se calhar
até consigo estar atento nas tarefas da escola… Estava entu-
siasmado com o mistério-do-cacifo, deve ser este o truque
para me concentrar: entusiasmar-me!). Como estávamos um
bocadinho confusos e não sabíamos muito bem por onde
começar, decidimos seguir o kit de resolução de problemas
que aprendemos na aula de Língua Portuguesa.
Nessa altura, discutimos que os problemas podem ter
muitas caras. Desde aqueles que vêm nos livros de Mate-
mática (sempre pensei que só havia estes), aos poemas
que analisamos nas aulas, às asneiras que fazemos, pas-
sando pelas decisões que temos de tomar (tipo, vou àquela
festa de anos ou não, gasto as minhas semanadas naquele
CD ou não, como o chocolate ou sim…).
O meu pai explicou-me, um dia, que devemos estar
atentos às impressões digitais dos problemas. Quando fico
nervoso ou inquieto, entusiasmado, perturbado ou confuso,
então tenho um problema por resolver. (Lembrei-me logo
dos dias em que tenho Educação Física. Fico nervoso por-
que jogo sempre a aquecer o banco e, quando não, ainda
sou gozado por jogar mal… Bem, mas o melhor é não pen-
sar nisso agora.)
Tudo o que tenhamos que decidir ou resolver na nossa
vida é um problema, e para todos há um mapa que nos
ajuda a chegar com maior segurança ao tesouro... Esta era
60
uma oportunidade de ouro para testar se o guião que tínha-
mos aprendido na aula era de “aplicação universal”, como
defendiam os stores, ou se só se aplicava aos guiões da
escola, como pensávamos nós. Começámos pelo princípio.
O Bernardo foi o primeiro a ler:

“– Primeiro passo na resolução de problemas:


identificar o problema.
Pode ajudar perguntar: ‘Qual é o problema?’ O
objectivo desta fase é reconhecer o problema, clari-
ficá-lo. Isto significa ser capaz de perceber os dife-
rentes aspectos envolvidos, como, por exemplo, o
contexto em que ocorreu, o tipo de resposta pre-
tendida, a urgência desta… Pode ajudar atribuir um
nome ao problema. Aconselha-se a ler o enunciado
mais de uma vez e a tentar parafrasear o seu con-
teúdo, ou seja, recontar o problema por palavras
próprias. Nunca responder impulsivamente, sem
pensar.”

Lemos outra vez a mensagem e decidimos que o nosso


problema poderia ter como título: “O incrível mistério-do-
-cacifo”. Os factos que apurámos foram os seguintes:

Factos do problema:
“O incrível mistério-do-cacifo”

I. Sérgio leva dois CD para a escola;


II. Ninguém na escola sabe disso;
61
III. Deixa os CD no cacifo sem ser visto por
ninguém e vai para a aula;
IV. No recreio grande da manhã vai lá buscá-
-los e… não os encontra;
V. Os seus vizinhos de cacifo são a Gabriela
e o António;
VI. A Gabriela sai durante a segunda aula para
ir à casa de banho;
VII. O António já tinha mexido em coisas que
não eram dele e já tinha sido castigado por isso.
Sherlock
Testas

Tínhamos completado a primeira fase da resolução do


62 mistério-do-cacifo. O trabalho estava a correr bem. Merecía-
mos um descanso e… umas gomas. Fui ao meu esconderijo
secreto de gomas e outros objectos-de-açúcar-a-não-perder-
-de-vista, e depois de uma pausa doce, durante a qual con-
versámos sobre o novo jogo da Playstation, avançámos
para a fase seguinte da resolução de problemas. Desta vez
li eu:
“– Segundo passo para a resolução dos proble-
mas: identificação de possíveis hipóteses para a
resolução do problema. Isto significa pensar em dife-
rentes possibilidades de resposta para o problema
concreto. Esta é uma fase importante no processo
de resolução do problema. Nesta etapa, devemos
procurar diferentes possibilidades de resposta,
quantas mais melhor, para podermos considerar
todos os aspectos que envolvem o problema. Uma
única hipótese de resposta pode prejudicar a solu-
ção. Depois de elaborarmos uma lista com as dife-
rentes possibilidades de resolução do problema,
devemos pensar nos aspectos positivos e negativos
de cada uma das escolhas e nas possíveis conse-
quências de cada uma das hipóteses. Quer dizer,
pensar no que pode acontecer se cada uma das
hipóteses for a resposta para o problema.”

Esta fase era sem dúvida a mais difícil. Lembrámo-nos


logo daquilo que tínhamos discutido no recreio. Uns defen-
diam que o mordomo era sempre o culpado, enquanto
63
outros diziam que exactamente por isso não devia ser. Uma
coisa é certa: devíamos pensar bem antes de responder.
“Devemos verificar sempre o sentido das nossas respostas”
(mais outra máxima do stor). A propósito disso, recordámo-
-nos da resposta da Sara ao problema das vacas. A profes-
sora de Matemática leu na aula uma questão sobre vacas e
leite e, depois de apresentar os dados, perguntou quantas
vacas davam dois litros de leite por dia. Depois de muitas
contas, a Sara respondeu em voz alta: “sete vacas e meia.”
(Boa, Sara. Que metade, a da frente ou a de trás?). É, o
professor tinha razão, faz “sentido” perguntarmos sempre
qual o “sentido” das nossas respostas. Se a Sara tivesse
pensado na sua resposta com atenção, via logo que aquele
resultado não fazia “sentido”.
Bem, depois de nos rirmos um bocadinho (muuu, muuu),
tentámos elaborar uma lista com as nossas hipóteses de res-
posta:

1.ª hipótese: António


Aspectos a favor desta hipótese:
a. Tem o cacifo ao lado do do Sérgio;
b. Já roubou algumas coisas na escola;
c. Ficou muito nervoso com o interrogatório
do stor.
Aspectos contra esta hipótese:
a. Quando é que tirou os CD?
b. Como é que ele podia saber o código do
64 cacifo do Sérgio?

2.ª hipótese: Gabriela


Aspectos a favor desta hipótese:
a. Tem o cacifo ao lado do do Sérgio;
b. Saiu da sala a meio da segunda hora e
esteve a falar com a amiga na casa de
banho. Também podem ter sido as duas;
c. Uma vez disse o código correcto…
Aspectos contra esta hipótese:
a. Quando é que tirou os CD?
b. Saberia mesmo o código do cacifo do
Sérgio?
3.ª hipótese: Sérgio (Sim, porque é que não
podia ter sido ele? Afinal, a ideia não é quantas
mais hipóteses melhor?)

Aspectos a favor desta hipótese:


a. Conhece o código do cacifo, pode abri-lo
sem levantar suspeitas;
b. Fica com os CD e tenta assim que a escola
ou quem for acusado lhe dê outros;
c. Por que razão não disse a ninguém que
tinha os CD no cacifo?

Aspectos contra esta hipótese:


a. É um pouco forçado ter sido o Sérgio,
porque ele não costuma mentir nem
65
meter-se em confusões;
b. Se acusasse os colegas sem razão, per-
dia os amigos e metia-se em grandes
sarilhos na escola.

Bem, a verdade é que fizemos este esquema para as


diferentes hipóteses de solução do problema, mas não
chegámos a qualquer solução. Já estava tão predisposto
a desistir que me mostrei um bocado nervoso, mas o
Bernardo insistiu que podíamos ter deixado algum
aspecto importante pendurado. O Bernardo sugeriu então
que voltássemos ao princípio, fizéssemos um resumo
das informações que tínhamos organizado e pedíssemos
ao Resto que fizesse de juiz do caso. Claro que ele veio

CDT-ETEA-5
66

logo a correr e exigiu uma cadeira de honra, afinal, era


ele o juiz (engraçadinho, a armar-se em frente do meu
amigo. Não perdes pela demora…). O Bernardo contou a
história ao Resto por palavras próprias, enquanto eu o
seguia pelos meus apontamentos. A determinada altura
interrompi-o para lhe perguntar qual tinha sido a segunda
resposta da Gabriela. Leu os seus apontamentos, confir-
mou, e disse-me:
– A Gabriela respon-
deu: “– Não, não vi nin-
guém. Também, quem é
que podia querer aqueles
CD?”
– Estás a ver, Bernar-
do?! Se ninguém sabia
que o Sérgio tinha levado
CD para a escola, como é
que a Gabriela sabia dos
CD? Sim, como é que ela
podia saber que no cacifo
estavam dois CD?
O Bernardo ficou um
67
pouco pensativo e depois
respondeu com entusias-
mo:
– Boa Testas, desco-
brimos!!
Entretanto o Resto
olhava-nos sem perceber, enquanto nós, aos pulos, repetíamos
em voz alta: “Descobrimos! Descobrimos!” (Claro que ele não
percebia nada, aquilo eram cenas para maiores de 10 anos.)
Alguns minutos depois, decidimos continuar os passos da
resolução de problemas a fim de avaliarmos todas as hipóte-
ses com cuidado, confirmarmos o resultado e ver se pode-
ríamos descobrir mais algum dado novo. O Bernardo leu
pausadamente:
“– Terceiro passo: escolha de uma resposta.
Depois de analisar cada uma das hipóteses possí-
veis, os prós, os contras e as consequências da
escolha de cada uma, é preciso tomar uma deci-
são. Os diferentes passos que levam à escolha de
uma resposta devem ser justificados para garantir,
dentro do possível, que a resposta a que chega-
mos é a solução mais que provável do problema.”

Este último passo parecia-nos agora bem mais fácil. Vol-


támos a repetir a resposta que incriminava a Gabriela e pas-
sámos à derradeira fase. Desta vez li eu:

“– Quarto passo: avaliação da decisão. Nesta fase


68
verificamos todos os passos dados e analisamos a
resposta escolhida.”

Para nos certificarmos da nossa resposta fizemos uma


lista com o que poderia ter acontecido naquele dia. Tinha de
bater tudo certo:
I. O Sérgio chega à escola, deixa dois CD
no cacifo e vai para a aula;
II. No primeiro intervalo ou a meio da
segunda aula, quando saiu para ir à casa de
banho, a Gabriela abre o cacifo do Sérgio e tira
os CD;
III. No intervalo grande, o Sérgio dá pela
falta dos dois CD no cacifo;
IV. O professor interroga mais dois alunos:
o António Silva e a Gabriela. A Gabriela fala dos
CD, quando mais ninguém sabia que eles exis-
tiam, o que nos diz que…
V. Foi a Gabriela quem roubou os CD.

O resultado da nossa investigação tinha de ser enviado


por mail para uma morada indicada pela professora. Escre-
vemos um pequeno texto com as nossas conclusões e
assinámos, carregando os dois ao mesmo tempo no
“enter”. Depois, selámos o nosso trabalho com um sonoro
give me five. É bom trabalhar em equipa!
Quando o meu pai chegou a casa contei-lhe o caso.
Ficou contente e impressionado com a forma como segui-
69
mos, como ele disse, “correcta e pacientemente todos os
passos da resolução de problemas até chegarmos à solução
final”. Disse-me que eu era um verdadeiro Sherlock. Fiquei
a saber que esse tal Sherlock tinha sido um famoso detec-
tive inglês muito antigo, que resolvia todos os crimes,
mesmo os mais difíceis.
Nesse dia, digo-vos em primeira mão, nasceu o detec-
tive Sherlock Testas.
Enfim, Sherlock Testas, ao vosso dispor (ou só detective
Testas? Hum… depois vemos como fica melhor).
70
t e m - s e !
Z oo l i s
Fomos passar a semana da Páscoa a Arganil, a terra dos
meus avós paternos. Fica perto de Coimbra e é conhecida
pelas curvas difíceis do rali de Portugal e pelas suas casinhas
de xisto, que pintam de cinzento a paisagem daquela região.
Durante a viagem jogámos todos ao “zoologismos”. Não
conhecem?! Eu explico. Inventamos animais a partir dos que
existem (neologismos, zoologismos, estão a ver?…). Por
exemplo, sabem o que é um Leslho? (Hello?! É uma lesma
mais um coelho) E um Caracotruz? (Esta é fácil! É um
caracol mais um avestruz) E um Canurso? (Imaginem um
canário e um urso, uau!) E uma enorme Baguiça? (Esta é
muita nice e, claro, é da minha autoria! Basta juntar uma
baleia, eh! eh! eh!… e uma preguiça!) Depois de baptizar-
mos os novos animais fazemos de zoogislador e definimos
as suas características. Por exemplo: sabem o que faz uma
Baguiça durante o dia? Passa horas deitada nas rochas do
fundo do mar a apanhar banhos de água… E um Caracotruz?
Desloca a casa aos saltinhos e quando tem medo faz uma
cova no chão para se esconder, mas nunca consegue. E
se for um Canurso? Este enorme

71

urso castanho, ameaçador, afugenta os adversários com o


seu vozeirão de… canário. Estão a ver como este jogo é
divertido! Vá, de que é que estão à espera?… Zoolistem-se!
Gosto muito de ir passar férias a Arganil porque podemos
andar de bicicleta, tomar banho no rio Alva (claro, só no
Verão, no Inverno virávamos cubinhos de gelo!), passear na
mata e andar na rua com os meus amigos, à vontade, sem
qualquer controlo policial, quer dizer, maternal. Sujamo-nos e
ninguém nos ralha. Lá tudo é muito diferente, até a minha
mãe parece uma astronauta em câmara lenta. Deve ser do
ar, dizem que é puro…
O meu avó, o Resto e eu fomos comprar ovos e galinhas
ecológicas à quinta do Sr. Costa (a primeira vez que ouvi
falar de galinhas “ecológicas” cheguei a pensar que as gali-
nhas eram verdes e senti nojo, imaginei-me logo a comer
frango verde, blaghr!). Mas, afinal, estas galinhas por fora
são iguais às outras, a diferença está na alimentação natu-
ral, que as torna mais saudáveis. Deve ser como o segredo
que a raposa contou ao Principezinho: “O essencial é invisí-
vel aos olhos”…
Na visita à quinta do Sr. Costa também vimos porcos e
alguns patos. Quando estávamos a ver os patos (deve ter
sido da proximidade…), o senhor Costa colocou-nos um
desafio:
– Ai, andam na escola? Então vejam lá se resolvem este
72
problema: ontem quando fui dar de comer aos patos, contei
entre os porcos e os patos 54 pernas e 14 asas. Quantos
porcos tenho eu na quinta? (Eh lée!… este era mais um
problema bicudo. Mas onde estava a dificuldade? Disse ao
Resto que não se preocupasse, afinal, estava com o detec-
tive Sherlock Testas…).
Viemo-nos embora com o problema por resolver, mas
prometemos que, em breve, lhe responderíamos, ou não
fosse eu, Testas, o detective, ou Sherlock Testas? Bolas,
tenho de me decidir.
Quando chegámos a casa do avô fomos logo buscar
folhas e um lápis para cada um. Seguimos o mesmo
método da resolução de problemas. (Ainda bem que eu
tinha levado o caderno para fazer os TPC.)
Primeiro passo: ‘qual é o problema?’
– Fomos informados pelo espião atsoC que, numa quinta
próxima, se encontram em grave perigo porcos e patos. Pre-
cisávamos de saber quantos porcos e quantos patos havia
na quinta para podermos iniciar o plano secreto: “tiro ao
pato”. A única informação de que dispomos diz-nos que na
quinta temos 54 pernas e 14 asas. Missão urgente! – (Bem,
não era bem assim, mas não há nada como um bocadinho
de cor para que a vida tenha melhor sabor. Blaghr! até parece
um anúncio de caldos de galinha).
– Muito bem, muito bem – disse o Resto, que se sentou
logo na cadeira mais alta. – Afinal, sou o juiz ou não?

Segundo passo: listar as diferentes hipóteses de resposta.


73
Temos de tentar fazer boas perguntas. Os stores estão
sempre a dizer que uma boa pergunta é meio caminho
andado para a resposta.
– Vá pergunta, pergunta – insistiu o Resto.
– Quem é que tem asas?
– Os patos, essa é fácil – respondeu o Resto.
– O que é que isso quer dizer? – perguntei.
– Sei lá? Que podem voar… – sugeriu à Resto.
– Achas que sim? Dãa, se só os patos têm asas de quem
são as catorze asas?
– Dos sete patos! – respondeu triunfante. Afinal sempre
era meu irmão, não podia ser tapado de todo.
– Então escreve: catorze asas é igual a sete patos, que
têm catorze pernas no total – ditei em voz alta.
– Quantas pernas é que há no total?
74 – Cinquenta e quatro pernas – respondeu o Resto, de
lápis em riste.
– Então se já sabemos que catorze pernas são dos patos,
quantas pernas são dos porcos? – continuei a rabiscar na
folha, enquanto falava em voz alta. – Escreve: cinquenta e
quatro pernas, que é o total dos animais da quinta, menos
catorze pernas de pato é igual a quarenta pernas de porco.
E quarenta pernas de porco, quantos porcos são? (Eu fazia
as perguntas em voz alta para me ajudarem a pensar, e ao
mesmo tempo também permitir ao Resto seguir o meu
raciocínio. Quer dizer, ele já estava com os olhos um boca-
dinho trocados…).
– Se um porco tem quatro pernas e se temos quarenta
pernas no total, logo temos: 40, que é o total de pernas dos
porcos, a dividir por 4, que é o
número de pernas de cada um, é
igual a 10 porcos. Estás a seguir?
Resto, temos dez porcos! Temos
dez porcos!
– Temos dez porcos! Temos
dez porcos! – repetiu comigo,
mas com pouca convicção. Vi
logo que ele não estava a enten-
der nada e decidi então explicar-
-lhe tudo outra vez mas mais
devagar.
O meu pai conta-nos muitas
vezes a fábula da lebre e da tartaruga para nos ajudar a res-
75
peitar o tempo dos outros... Nem sempre o mais importante
é passar a meta em primeiro lugar. O que é mesmo, mesmo
importante é chegar à meta e, para isso, basta não desistir.

O passo seguinte era tomar a decisão e justificar a res-


posta. “Explicar a resposta do problema em voz alta, e por
palavras próprias, ajuda a detectar os erros no raciocínio.”
Parecia que estava a ouvir a stora na minha cabeça. (Não
vás ao médico, não!…)
Foi o Resto quem explicou tudo por palavras suas, ou
melhor, por perdigotos. Na quinta do senhor Costa temos
catorze asas, que são de sete patos, que têm catorze per-
nas (só espero que não haja nenhum pato perneta!). Ao
total das cinquenta e quatro pernas temos de retirar catorze
e ficamos assim com quarenta pernas. Se cada porco tem
quatro pernas, então na quinta temos dez porcos.
– Elementar, meu caro Resto. (Pelos vistos, era sempre
assim que acabavam os casos do Sherlock Holmes.) Comu-
nica ao nosso agente no local: cropos ezd. stopa tsee.

Estávamos tão ansiosos por responder ao senhor Costa


que obrigámos o avô a levar-nos de novo à quinta. Ganhá-
mos uma dúzia de ovos ecológicos, que nos souberam
muito bem.
Enfim, mais um caso resolvido pelo já famoso detective
Testas e pelo seu bravo assistente, Resto.
Nessa mesma noite, depois de rezarmos as nossas orações
e quando a luz já estava apagada, ouvi o Resto murmurar:
76
– Dicas…
– Hum?…
– Obrigado.
– De nada. Boa noite, Resto.

Senti o coração bem quentinho, mas desta vez já não tive


vergonha. Ao jantar, o avô disse-me que os homens tam-
bém choram, e que a verdadeira força está nos músculos da
alma, na capacidade de levarmos as coisas em que nos
metemos até ao fim. Aí é que se vêem os verdadeiros
homens e mulheres. Ainda bem, porque tenho uma lágrima
fácil e sou um bocadinho trinca-espinhas. Mas falamos disso
depois, porque agora estou cheio de sono. Boa noite.
4
Um por todos,
todos num 31
Um Congresso
de Fábulas
e Contos
Populares

78

– Testas, não percebi muito bem o que temos de fazer.


Explica-me lá outra vez… – pediu-me a Alice.
– Acho que essa é uma missão impossível! Tu não
entenderias nem que o inventor da escola te explicasse
tudo tintim por tintim, eh! eh! eh!… – disse mordazmente a
Fernanda.
– Que piadinha, vê lá se te caem os dentinhos – respon-
deu-lhe o João, com cara de poucos amigos.
– Vá, vá. O trabalho que temos de fazer é o seguinte.
Vou ler: “Nos dias 11 e 12 de Julho terá lugar na escola um
Congresso de Fábulas e Contos Populares. Cada grupo, for-
mado por quatro elementos, terá de escolher uma fábula
ou um conto tradicional e recontá-lo por palavras suas. Cada
trabalho deve ser apresentado num cartaz com as dimen-
sões de 1,50 por 1 metro,
com tamanho de letra visí-
vel a um metro de distân-
cia, e ser precedido por
uma breve ficha biográfica
do autor do trecho origi-
nal.”
– Eh pá! Este trabalho parece
79
difícil – queixou-se a Alice.
– Esta é a nossa parte do projecto. O meu primo está no
7.° ano e disse-me que a turma dele tem de organizar todo
o congresso: escolher o local, fazer os painéis para os nos-
sos cartazes, enviar convites, preparar o lanche… Por isso
não te queixes… – disse-lhe eu.
– Nem sei bem o que é um congresso – lamuriou-se o
João.
– Um congresso é uma reunião organizada para falar de
coisas… – a Alice, sempre eléctrica, nem me deixou acabar:
– Coisas?! Que coisas? – interrompeu-me determinada.
– Sei lá – respondeu o João, como sempre, fora de tom.
– O que é que vamos fazer, afinal? – perguntou em voz
alta a Fernanda.
Aquela conversa parecia de malucos.
– Sei lá, não conheço nenhuma fábula! – aquele “sei lá”
do João já me estava a irritar.
– Pareces um disco riscado – acabei por lhe dizer.
– E o que é isso de colocar o conto num cartaz? – per-
guntou a Fernanda.
– Eu acho que não sou capaz de fazer isso – queixou-se
mais uma vez a Alice.
– Mas isso o quê? – questionou, como não podia deixar de
ser, o João.
– Acho melhor perguntarmos à stora – sugeriu a Fernanda.
– Esperem aí, mas porque é que havemos de perguntar
à stora? – Eu nem queria acreditar no que estava a ouvir. –
Já nos explicaram tudo na aula, além disso, deram-nos o
80
texto que acabei de vos ler, o que é que querem mais? Só
se for um mapa para descobrir o esconderijo do nosso
cérebro…
Não sei se era pelo adiantado da hora, pois já eram cinco
e meia da tarde, mas ninguém dava uma para a caixa.
– Sei lá!… – murmurou mecanicamente o João.
Desta vez olhámos todos para ele como se o fôssemos
esganar.
– Está bem, eu não digo mais nada, mas acho que nos
falta aqui alguma orientação – lamentou-se.
– Pois, por isso é que somos um grupo de trabalho –
tentei explicar-lhe, apontando na direcção de todos.
Enchi o peito de ar e disse:
– Atenção malta: um, dois, três…
– UM POR TODOS E TODOS NUM 31 – gritámos todos em
voz alta, enquanto fazíamos uma onda, levantando alterna-
damente os braços.
– A propósito, há mais bolachas? – perguntou o João, tão
fora do contexto quanto um elefante em cima de uma bici-
cleta.
– Já comeste quatro pacotes! Mas vê lá, se não gostares
há ali umas bananinhas!… – respondeu-lhe a Fernanda.
– Ó pá, a sério, temos de fazer um trabalho de grupo
sobre um conto tradicional… – tentei chamar a atenção
para o nosso trabalho de projecto, mas sem grande convic-
ção de ser ouvido.
– O meu irmão anda no 7.° ano e disse-me que isso dos
trabalhos de grupo e dos projectos era um bocado treta. É
81
assim: vê-se o tema, cada um faz uma parte, depois junta-
-se tudo e apresenta-se aos professores. Assinam todos
na capa, talvez por isso seja um trabalho de grupo – disse a
Alice. – No nosso caso pode ser assim: um escreve o
conto, outro faz a ficha biográfica, o terceiro passa a com-
putador e o último compra a cartolina e cola as folhas.
– Temos todos de trabalhar? Que chatice, eu não me
importava só de assassinar…
– Nem penses João! – respondemos todos em coro.
– Eu acho que devíamos trabalhar em grupo a sério. Isso
de cada um fazer a sua parte é uma pizza tutti fruti, não é
nenhum trabalho de grupo. Aliás, é muito mais giro estar-
mos todos juntos. A verdade é que muitos trabalhos de
grupo e projectos que os alunos realizam são feitos mais ou

CDT-ETEA-6
menos como a Alice estava a descrever, mas podíamos
tentar outras maneiras.
– Então, Testas, como é que vamos fazer? – perguntou
desafiadora a Alice.
– Um, dois, três…
– SEI LÁ!… – gritámos todos ao mesmo tempo, enquanto
eu fazia de maestro…
– Não sei se isto é que é fazer um trabalho de grupo,
mas pelo menos é divertido – referiu, já animada, a Alice.
– Vocês vão ver como vai correr tudo bem. No final fes-
tejamos com um gelado, OK? – sugeri eu.
– Eu acho que devemos fazer este projecto seguindo as
três fases que os stores andam sempre a insistir: a fase do
planeamento, da execução e por fim a da avaliação.
82
– Boa, Testas. E quem é que lê o que escrevemos? –
perguntou a Fernanda.
– Posso ler eu – respondeu a Alice. – “Fase de planea-
mento: Nesta fase, os alunos devem analisar a tarefa com
detalhe, percebendo quais as suas especificações. O que
quer dizer que devemos compreender claramente a tarefa
que temos de fazer. O passo seguinte é o estabelecimento
de objectivos. Os objectivos finais devem ser divididos em
objectivos mais próximos e estabelecidos de acordo com
os recursos, pessoais e do ambiente, existentes para a rea-
lização da tarefa. Devem ser concretizados e avaliados. Por
fim, e depois de estabelecidos os objectivos, devemos
pensar num plano para os atingir. Por último, segue-se a
avaliação.”
– Qual é a nossa fase de planeamento? Planeamento,
mas de quê? – atirou o João para o ar.
– Bem, temos de escrever uma fábula ou um conto tradi-
cional e apresentá-lo num cartaz. Portanto, é isso que
temos de planear – respondi-lhe, num tom pouco simpá-
tico.
– Boa, então primeiro temos de escolher: fábula ou
conto? – perguntou a Alice, disposta a resolver rapidamente
o problema.
– Eu, conto. Tu? Conto. Alice? Conto. João? Fábula.
Temos três contos e uma fábula – concluí, imitando o estilo
das meninas da lotaria nacional.
– E que conto tradicional? – continuou a Alice, em veloci-
dade de cruzeiro.
83
– Eu gosto do Patinho Feio ou da Sopa de Pedra – propôs
a Fernanda.
– Não, não, eu acho que devia ser a Gata Borralheira –
contrapôs, irrequieta, a Alice.
– O Gato das Botas, o Gato das Botas… – afinal a Fer-
nanda já tinha outra opção…
– Meninas, por favor, decidam-se – disse eu, tentando
colocar alguma ordem no grupo.
– Eu não tenho ideias, mas acho que seria melhor cada
um pensar numa história e decidirmos depois – acrescentou
o João, com um bocejo que tornou a frase quase incom-
preensível.
– Não pode ser, porque depois não temos tempo para
escrever e preparar o cartaz. Daqui a três dias temos de
dizer à stora Engrácia qual é a nossa história e não vamos
ter tempo – avisei eu.
– Eu também acho. É melhor decidirmos já – a Alice veio
em meu auxílio.
– Eu proponho o Gigante Egoísta. É uma história engra-
çada, que o meu pai conta muitas vezes. Aliás, acho que
ele nos podia ajudar.
Depois de toda aquela confusão, decidi propor uma alter-
nativa. A tarefa parecia difícil, por isso, era melhor ter
alguém a quem pedir ajuda…
– Testas, tens o texto da história em casa? – perguntou a
Fernanda, já rendida.
– Tenho, posso trazê-lo amanhã. Tiramos fotocópias,
cada um lê e depois preparamos a nossa versão da história
84
em conjunto.
Não acabámos a reunião sem antes fazermos uma lista
das tarefas que devíamos realizar. Adaptámos para o nosso
projecto uma grelha que nos tinha sido sugerida nas aulas.
Ficou mais ou menos assim:
Planeamento do projecto
“Congresso de Fábulas e Contos Tradicionais”

Coisas a fazer Quem faz? Até quando?


Levar para a escola o conto
Testas Dia 18 de Junho
original

Tirar fotocópias Todos Dia 18 de Junho

Testas (pergunta 85
Saber o nome do autor Dia 17 de Junho
ao pai)

Dia 21 de Junho
Próxima reunião com o texto
Todos (em casa do
lido e sublinhado
João)

Procurar informações sobre o


Testas e
autor em enciclopédias ou na Dia 24 de Junho
Fernanda
Internet

Conseguir cartolinas e fazer


João e Alice Dia 24 de Junho
os desenhos
Escrever o novo texto do
Todos Dia 1 de Julho
Gigante Egoísta
Tudo pronto:
Corrigir a história Todos Dias 11 e 12
Corrigir o texto do autor Todos de Julho,
Imprimir a cores (onde?) Todos Congresso
Colar as folhas na cartolina Todos
Um gigante
86
egoísta
Foi mais ou menos assim que decorreu a primeira reu-
nião do meu grupo. A fase de planificação do nosso pro-
jecto tinha terminado. No dia seguinte tirámos fotocópias da
história original e relembrámos a leitura do texto, como
estava planeado, no dia da segunda reunião.
Como combinado, aparecemos todos à hora marcada em
casa do João. Antes de começarmos, ainda “alguém” se
alambazava com bolachas e groselha (eh! eh! eh!… Boa,
João), lembrei-lhes que estávamos agora na fase de execu-
ção. Naquela altura, desde que as bolachas e o sumo não
secassem, aceitavam tudo, até que eu era o Napoleão! Era
preciso portanto aproveitar o vento favorável.
Li em voz alta o que estava escrito no caderno para esta
fase: “Na fase da execução executam-se as estratégias de
aprendizagem necessárias para atingir os objectivos. É
muito importante controlar a eficácia das estratégias, o que
significa verificar se as estratégias utilizadas nos estão a
ajudar, e em que medida, a atingir os objectivos que deseja-
mos alcançar.”
Todos lemos a história do Gigante Egoísta, mas poucos
sublinhámos as suas ideias principais (era um início um boca-
dinho coxo, mas dias melhores viriam…). Nessa segunda
reunião, por sugestão da mãe da Fernanda, tentámos fazer
uma lista com as ideias principais, o que nos deveria facilitar
a tarefa de escrever a nossa versão do conto.
– Primeiro encontrar a carcaça, as ideias principais, e
87
depois enchê-la com carne, que são os detalhes. (Uau! Que
exemplo, onde é que a mãe da Fernanda trabalha, num
talho?)
A sugestão da mãe da Fernanda foi óptima. Depois de ler-
mos e relermos o texto, eis a lista das ideias principais que
escolhemos:

I. Um gigante vivia numa grande casa que


tinha um grande jardim;
II. O gigante fora viajar e os meninos, na
sua ausência, iam brincar para o jardim;
III. Quando o gigante voltou, expulsou os
meninos do jardim;
IV. Os meninos nunca mais puderam brin-
car no jardim e o Inverno instalou-se no jardim
durante muito tempo;
V. Os meninos passaram a chamar-lhe
Gigante Egoísta;
VI. Um dia os meninos voltaram a brincar
no jardim e a Primavera veio com eles;
VII. O Gigante Egoísta, comovido, ajudou um
menino que estava a chorar;
VIII. Os que tinham fugido voltaram e o
gigante deixou-os brincar no seu jardim para
sempre;
88 IX. O menino, que nunca mais apareceu no
jardim para brincar, voltou num dia de Inverno e
convidou o gigante a visitar o seu jardim;
X. O gigante morreu nesse dia.

Agora já estávamos todos mais bem preparados e mais à


vontade para escrevermos a nossa versão da história.
Depois de mais alguns pacotes de bolachas (a fábrica teve
de aumentar a produção nesse mês), alguns barris de gro-
selha, uma caixa de canetas roídas, um quilo de papa de
borracha verde, resmas de papel reciclado… Claro que o
texto final não saiu logo à primeira e ainda sofreu umas aju-
dinhas vindas do exterior… Quando contei lá em casa o
nosso projecto e os passos que estávamos a dar, os meus
pais acharam muito bem (obrigado, obrigado). Mas quando
pedi ajuda, puseram-se a assobiar para o ar, como se não
fosse nada com eles. Eu sabia que a pessoa ideal para me
ajudar era a Baleiinha – é que ela está sempre a ler e por
isso escreve muito bem. Acho que ela até queria, mas tam-
bém estava a desconversar… Os meus pais começaram a
apontar com a cabeça na direcção da Baleia Ambulante, e o
Resto, que nestas alturas escolhe sempre a equipa mais
forte, imitou-os. A cena era realmente de rir: pareciam uns
bonecos articulados a apontar todos na mesma direcção.
Entretanto, acho que para me facilitar a vida, a Baleia esten-
deu a mão dobrada na minha direcção, como fazem as don-
zelas dos filmes a preto e branco. Começaram logo todos a
gritar com aquela discrição que tanto caracteriza a minha
89
família: BEIJA, BEIJA, BEIJA… Até o vizinho do 4.° andar,
que é meio surdo, veio para a janela gritar: aleija, aleija…
Coitado, mas a intenção é que conta.
Isto é o D. Quixote e os livros de cavaleiros e donzelas a
subirem-lhe à barbatana dorsal, mas enfim… Lá disse as
palavrinhas mágicas. Vou escrevê-las em letra pequena por-
que tenho vergonha:
– Baleiinha – ela retirou logo a mão – digo, querida Ana, –
a manápula voltou a esticar-se na minha direcção – aceitais
ajudar este pobre servo no seu reles trabalho?
E foi assim que consegui a sua ajuda. O que eu não faço
pelos outros… Aqui fica a versão final, poupo-vos as (mui-
tas, demasiadas) versões intermédias…
O GIGANTE EGOÍSTA

Era uma vez um gigante, grande e feio como todos.


Tinha só um olho no meio da testa – pudera, era da família
dos ciclopes. O gigante vivia numa grande casa, rodeada
por um enorme jardim cheio de árvores. O jardim ficava
perto de uma escola e os meninos depois das aulas entra-
vam por um buraco do muro e aí brincavam até ao fim da
tarde, quando a tranquilidade era interrompida por gritos
estridentes: Manéeeeeeeeeeeel, baaaaaaaanho. Agora mul-
tipliquem isto por trinta ou quarenta nomes e outras tantas
ordens, e vão perceber porque é que os pássaros da zona
usavam todos tampões nos ouvidos.
Os meninos subiam às árvores, andavam de baloiço,
90 jogavam futebol na relva verde, à apanhada ou à caça ao
tesouro. O jardim era tão grande, que havia espaço para
todos poderem brincar como queriam. Ninguém se zangava
ou bulhava, cada um brincava onde e como lhe apetecia.
Muitos daqueles meninos não conheciam o gigante, ele
ainda não tinha uma página na Net (falha grave, ó gigante!).
Diziam na aldeia que ele havia partido há já muitos anos
para ir visitar um parente no Norte. Talvez não voltasse mais
e aquele jardim pudesse ser para sempre dos meninos da
aldeia…
Mas um belo dia, quando o Sol estava quase a despedir-
-se no horizonte e os meninos de partida para casa, o chão
começou a tremer. Nunca se tinha visto nada igual naquele
jardim. Um gigante tão grande que as árvores mais altas
pareciam pauzinhos de gelado a seu lado entrou de rom-
pante pelo jardim e, com uma voz de trovão, expulsou
todos os meninos. “Este jardim é meeeeu, todos fora
daqui!”. A sua voz era tão forte que as árvores ficaram des-
pidas e encharcadas de medo.
Os meninos fugiram todos e logo, logo o gigante tapou o
buraco do muro, impedindo novas brincadeiras no seu
reino. Já cá fora, em segurança, todos pensaram com tris-
teza no egoísmo do gigante e começaram a chamar-lhe:
“gigante egoísta, gigante egoísta”, mas, como isso não o
perturbou, pararam.
O gigante entrou em casa e foi dormir. O sono de
gigante é como ele: muito grande, por isso quando acordou
já o Inverno vivia no jardim. O vento soprava forte, aba-
91
nando os vidros das janelas mais fraquinhas, a neve cobria
de branco a relva e o granizo tamborilava no telhado
ensaiando novos sons. O gigante raramente saía de casa.
Bebia bebidas quentes e vestia cada vez mais casacos,
mais parecia um superchouriço, mas o frio, o vento e o gra-
nizo não abrandavam. Tentava dormir e ler, mas o Inverno
parecia nunca mais partir.
“Não percebo porque é que a Primavera tarda tanto”,
pensava o gigante, olhando pela janela o tapete branco.
O jardim não conheceu aquela Primavera, nem aquele
Verão. As aulas tinham recomeçado e a vila preparava-se
para as vindimas, mas no jardim do Gigante Egoísta o
branco continuava a pintar a paisagem. Estava furioso, não
sabia explicar o que acontecia e, sobretudo, não havia nin-
guém a quem culpar. O Inverno tinha decidido ficar. Parecia
impossível, mas era verdade.
Um dia, deixou de ouvir o som do vento e o sol entrou
timidamente pela janela do grande salão. “Finalmente, a Pri-
mavera!”, pensou de imediato. Abriu a porta que dava para o
jardim e sentiu o cheiro das flores primaveris e o chilrear dos
pássaros que tinham voltado a habitar no seu jardim depois
de tão longa ausência. Mas, sobretudo, o gigante voltou a ver
e a sentir as muitas crianças que se baloiçavam nas árvores e
corriam aos gritinhos umas atrás das outras. O vento tinha
feito um pequeno buraco no muro e as crianças, cansadas de
não poderem brincar no jardim, forçaram a entrada.
O gigante ficou comovido. Durante aquele longo Inverno,
chegou a pensar que talvez a razão daquele mistério esti-
92
vesse no seu comportamento egoísta, mas não quis acredi-
tar em tal. Agora estava certo de que o que ouvira tantas
vezes do outro lado do muro – “o gigante é egoísta, o
gigante é egoísta” – era verdade.
Sentou-se silencioso no fundo do jardim e ao longe viu
um menino, talvez dos mais pequeninos, que tentava subir
a uma árvore. A árvore bem o tentava ajudar, mas depois
de cem anos a sua flexibilidade já não era a mesma. O
menino não conseguia subir e já estava tão cansado de ten-
tar que desistiu e chorava aos pés do tronco. O gigante
sentiu pena do menino e foi ter com ele. Mas os outros,
quando sentiram o chão tremer, fugiram de medo.
O gigante ainda lhes disse que podiam ficar e brincar à
vontade, mas ninguém o ouviu. Estavam surdos, só ouviam
93

Olá! Eu sou
o Gigante
Egoísta.
E tu?
Eu
não!
o seu medo. O menino pequeno não viu o gigante. Só
quando abraçou o tronco da árvore sorriu e agradeceu.
(Esta é a parte em que entram os violinos, tzing, tzing…)
Os outros, quando viram o gigante com o menino ao colo,
vieram a correr e a Primavera, que tinha sustido a respira-
ção sem saber o que ia acontecer, regressou outra vez ao
jardim, mas desta vez para ficar.
Os meninos voltaram a brincar livremente no jardim. No
fim da escola lá vinham em bandos e o gigante ajudava-os a
todos. Brincava, curava pequenas feridas, animava ou aju-
dava a fazer as pazes… Era estranho, tinha só um olho e
era muito grande, afinal era um ciclope, mas nem tudo o
que é diferente é negativo.
O gigante perguntava sempre por aquele menino pequeno.
94
Mas ninguém o conhecia, talvez morasse longe ou estivesse
doente…
Numa manhã de Inverno, o jardim estava novamente
coberto de neve e o vento brincava às escondidas com as
árvores. O gigante olhou distraído pela janela e viu aquele
menino sentado no chão, perto da mesma árvore. Saiu rapi-
damente e abraçou-o. Reparou, então, que o menino sorria,
mas estava ferido nas mãos. O gigante quis conhecer o cul-
pado para o castigar com severidade, mas o menino res-
pondeu-lhe, com tranquilidade, que aquelas eram feridas do
amor.
– Quem és tu? – perguntou-lhe, confuso, o gigante,
enquanto se ajoelhava no chão para se aproximar do
menino.
– Um dia deixaste-me brincar no teu jardim, hoje vens
visitar o meu – respondeu-lhe o menino, inundando-o com
o azul do seu olhar.
Quando nessa tarde as crianças vieram brincar, encontra-
ram um sorriso gigante, imóvel no chão, junto daquela
árvore. Estava coberto de flores que eles não conheciam e
que hoje, milhares de anos depois, ainda continuam a cres-
cer e a perfumar aquele local.
FIM DA HISTÓRIA

95
96 Cheeeese…

Gostaram? Depois de escrevermos a história o nosso


projecto estava quase no fim, mas ainda não estava con-
cluído. Decidimos que a ficha biográfica do autor da história
– a propósito, o seu nome é Óscar Wilde (acho que tam-
bém foi ele quem escreveu a história do Príncipe Feliz,
aquela que nós representámos na festa do fim de ano, no
ano passado) – ficaria em tópicos, tipo bilhete de identi-
dade. Esta ideia foi da Baleia, mas não deixava de ser uma
boa ideia… Era mais fácil e já estávamos pros em ideias
principais.
O bilhete de identidade ficou assim:

e (para os
Fin g a ll O ’ F la h ertie Wills Wild
NOME : Ósca
r
ilde)
am os Óscar W
ig
chi, é mesmo
TO : 15 d e O ut ubro de 1856 (t
CIMEN
DATA DE NAS
muito antigo!)
também
da R ep úb lica da Irlanda, eu
LOCAL : Dub
lin (capital ao atlas)
o sa bi a on de era, mas fui ver

tos…
, R et ra to de D orian Gray, Con
OBRAS : Salom
é
em paz’,
ui es ca t In Pace, ‘descanse 1900.
RIP (R eq
on al ) : 3 0 d e Novembro de
na versão naci curar na
r m a i s in f or m ações pode pro
ab e
Quem quiser s alquer coisa diga
m, OK?).
m qu
Net (se enco nt ra re
97

Depois do texto escrito, imprimimos uma cópia no centro


de recursos da escola e entregámos tudo à stora Engrácia
na data prevista (dãa, 1 de Julho). Enquanto esperávamos a
correcção do trabalho, o João e a Alice foram trabalhando
nos desenhos da cartolina. Quando o trabalho voltasse corri-
gido gastaríamos algum tempo nas correcções, mas se a
cartolina já estivesse pronta, poderíamos cumprir o prazo
final e ter tudo pronto para o dia do congresso.
Correu tudo bem e ficámos todos contentes com o
resultado. A cartolina não era das melhores, mas a história
estava boa e era muito bonita.

CDT-ETEA-7
Na aula de Área de Projecto anterior ao congresso, cada
grupo apresentou e discutiu o seu conto, disse o porquê da
escolha e qual a moral da história…
Este trabalho de projecto foi organizado em conjunto
com a área de Formação Cívica, onde também apresentá-
mos e discutimos a nossa versão da história. A professora
Engrácia perguntou-nos, e ao resto da turma, se também
agíamos como o gigante nos jardins da nossa vida (olha,
olha, logo eu que sou um gigantone de 1,41 m…). Falámos
do respeito pela diferença, da solidariedade, tudo com
exemplos tirados da nossa história… Foi muito bom, nem
sabia que o nosso conto tinha tanto sumo. Eu gosto dos
trabalhos que ultrapassam as fronteiras das disciplinas e
podem ser “analisados de muitas maneiras”, como dizem
98
os profes. Na escola devia ser mais vezes assim.
O congresso correu bem. Estávamos todos um bocado
nervosos, cada grupo tinha de ficar perto do seu cartaz e
dar algumas explicações, sobre a história ou o autor, aos
visitantes mais interessados. Vieram muitos pais, professo-
res e alunos de outras escolas (os do 7.° ano passaram-se,
devem ter mandado convites até para o imperador do
Japão). As pessoas em geral gostaram da nossa versão da
história, acharam-na “engraçada” (não sei se isso é bom
sinal…).
Mas o que teve grande sucesso foi a visita, inesperada,
do Gigante ao nosso cartaz. O meu pai apareceu de surpresa
no congresso vestido de Gigante Egoísta. Vinha mascarado
com um carapuço com um olho, parecia um verdadeiro
ciclope. O guarda-roupa (serapilheira da melhor qualidade)
foi desenhado e elaborado pela minha avó, que também não
quis deixar de participar no projecto.
Um grande cartaz anunciava que o dinheiro angariado nas
fotos de família com o Gigante Egoísta seria entregue a
associações de apoio a crianças. O Gigante distribuiu mui-
tos passe-bem, beijinhos e abraços pela multidão de fãs e
tirou montes de fotografias.
A Baleia enquadrava as vítimas no quadradinho da
máquina, dizia cheese (para as pessoas sorrirem, mas acho
que quase toda a gente pensou que ela se chamava assim,
pudera!) e disparava uma fotografia instantânea (onde é
que terá conseguido a máquina?). O Resto e a minha mãe
cobravam o dinheiro das fotografias.
99
Correu tudo bem, muito bem, sobretudo graças à ajuda
do Gigante, mas, talvez por isso, no meu grupo não chegá-
mos a avaliar o nosso projecto (bem, sempre comemos o
gelado). Quando numa aula posterior ao congresso nos per-
guntaram pela fase de avaliação do projecto, não soubemos
o que dizer. Pelos vistos, nesta fase devíamos avaliar se os
objectivos a que nos tínhamos proposto tinham sido atingi-
dos, se as estratégias para os alcançar tinham sido bem
escolhidas e pensar em algumas sugestões de alterações.
Isto é importante porque, como discutimos naquela
altura, tudo na nossa vida é um projecto: terminar o ano
lectivo (ainda bem que falta pouco), ir a um acampamento
(uau!), aprender a andar de patins, reduzir o consumo de
água, melhorar o comportamento, falar melhor inglês,
navegar na Net, fazer uma pratada de miolos (mnham!
mnham!)…
Amanhã vamos entregar o dinheiro que juntámos à asso-
ciação e espero termos contribuído para melhorar, nem que
seja pouquinho, os projectos de vida daquelas crianças…
Entretanto, o meu próximo projecto são as férias. Des-
culpem, mas vou ter de o planificar…

100
5.
De A a T
(T de Testas, é claro!)

101
102
103
104
105

de Testas, é claro!
C apítulo
Adeus
Se queres conhecer
o futuro,
mãos à obra
(Frase do meu pai para a T-shirt dos meus anos, mas acho
que foi engano, era para o Dia Internacional do Trolha…)

106
O 2.° ciclo está a acabar. Foi giro escrever nestas páginas
algumas das coisas que fiz nestes dois anos (só algumas,
há muitas mais aventuras, mas as más-línguas dizem que
não são contáveis…).
Aprender pode ser divertido sempre que o quisermos. Se
pensarmos que não conseguimos, se baixarmos os braços,
se escolhermos abandalhar em vez de estudar (ao menos
tem a mesma terminação…), a nossa vida pode ficar mais
enroscada que a casca de um caracol. Acreditem, porque eu
sei do que falo!
Planificar, executar e avaliar pode parecer uma seca, às
vezes até é, mas é muito útil. E a verdade, aqui que nin-
guém nos ouve, é que costumamos planificar, executar e
avaliar tudo aquilo que é importante para nós. Um amigo
107
meu joga futebol num clube e durante a época passada
nunca se esqueceu do equipamento para jogar nem dos
objectos de higiene necessários para tomar banho no bal-
neário, e olhem que parece uma lista de supermercado:
duas camisolas, dois pares de meias, calções, caneleiras,
chinelos, champô, gel de banho, toalha, escova… mas das
coisas da escola nunca se lembrava.
Antes de cada treino pensava no que precisava de levar e
no final avaliava. No primeiro treino não levou chinelos, não
sabia que eram precisos. Nesse dia emprestaram-lhe uns
para tomar banho. Na vez seguinte, já levou chinelos, não
queria ficar com pé-de-atleta.
O que ele fez não foi planificar, executar e avaliar as suas
decisões? Estão a ver o que quero dizer? Ter os cadernos
diários em dia, fazer os TPC, ou estudar para os testes será
diferente?
Quem é que não é capaz de estar uma ou duas horas a
jogar computador? Mas agora ficar concentrado enquanto
estuda, por vezes nem dez minutos aguentamos. O que vos
quero dizer é que aprendi ao longo destes dois anos que não
é tanto por falta de capacidade, mas mais por falta de
esforço, de interesse e de saber como estudar bem que
muitas vezes não nos esforçamos mais, não melhoramos as
notas, nem crescemos por dentro. Pelo menos falo por
mim, por isso escrevi estas páginas.
Tudo pode ser divertido e engraçado quando nos entu-
siasmamos, até o estudo. Experimentem e verão.

108
Até qualquer dia.
Agora adeus, que tenho umas férias para apanhar…

FIM
(Mas tenho pena, já sinto um bocadinho de saudades…)
Não se preocupem,
porque depois das
férias, no 7.° ano,
I’ll be back!

109
TESTÁRIO

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