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1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS E TEÓRICOS DA ÉTICA DE TOMÁS DE

AQUINO

Filósofo medieval, Tomás de Aquino1 está inserido num contexto de


retomada da filosofia de Aristóteles e de forte presença da filosofia de Santo
Agostinho, pois a ética medieval é marcada por duas fases. Sendo a primeira fase
caracterizada pela filosofia de Santo Agostinho, e a segunda pela inserção da ética
aristotélica através da difusão de sua obra Ética a Nicômaco.2
Segundo Guiseppe Abbà3, na transição da Idade Antiga para a Idade Média,
surge um novo modo de fazer filosofia, devido ao advento do Cristianismo que
contrapõe o modo de fazer filosofia dos filósofos ditos pagãos.4 Assim como para os
pagãos, a filosofia para os filósofos cristãos também era investigação da sabedoria,
escola de vida e gênero de vida. Porém, para os cristãos, as investigações
filosóficas estavam ligadas aos textos canônicos, às Sagradas Escrituras, que é
entendida como palavra em que se revela a verdade e a sabedoria do único Deus

1 Tomás de Aquino, filósofo e teólogo italiano, sem dúvida foi o maior filósofo da escolástica
medieval. Era filho de Landolfo, conde de Acerra, e Teodora Caracciolo. Nascido no castelo de
Roccasecca, perto de Aquino, em 1224/25. Estudou inicialmente sob orientação dos monges
beneditinos da Abadia de Montecassino e, em 1244, ingressou na Ordem dos Dominicanos. Um ano
depois vai para Paris, onde continua a formação teológica com Alberto Magno. De 1248 a 1252,
permanece em Colônia, ainda dedicado aos mesmos estudos, até que volta para Paris e prossegue
as atividades universitárias, culminando pela obtenção do título de doutor em teologia, em 1259.
Nesse ano retorna à Itália e leciona em Agnani, Orvieto, Roma e Viterbo. De 1269 a 1272, exerceu
em Paris as funções de professor. Retornando à Itália, veio a falecer no convento dos cistercienses
de Fossanova, no dia 7 de março de 1274, com apenas 49 anos de idade. Teve uma vida
inteiramente dedicada à meditação e ao estudo. [Cf. MATTOS, Carlos Lopes de. Sto. Tomás: vida e
obra. In: BARAÚNA, Luiz João et al. Sto. Tomás de Aquino; Dante Alighieri; John Duns Scot;
Willian of Ockham. 2. ed. São Paulo: Abril Cultura, 1979, p. VI.]
2 Cf. VAZ, H. C. de Lima. Escritos de Filosofia IV: introdução à ética filosófica 1. São Paulo:

Edições Loyola, 1999, p. 199-200.


3 Professor de Filosofia Moral e de Retórica e Comunicação na Faculdade de Filosofia da

Universidade Pontifícia Salesiana (Roma). Doutor em Filosofia Moral pela Universidade Pontifícia
Salesiana.
4 Cf. ABBÀ, Guiseppe. História Crítica da Filosofia Moral. Trad. Frederico Bonaldo. São

Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2011, p. 94.
pessoal e transcendente. “Para os filósofos cristãos, o pensamento humano se
encontra sempre depois da revelação divina, que está sempre antes”.5 Em virtude
disto, os filósofos cristãos reivindicavam para a filosofia cristã a honra de ser a
verdadeira filosofia.
Assim, o confronto entre os filósofos pagãos e os cristãos era inevitável. Isso
levou os filósofos cristãos a adotarem uma atitude crítica e de discernimento frente
às filosofias pagãs.
Isso ocorreu, sobretudo, com as filosofias então dominantes, o
estoicismo e o neo-platonismo [sic]. Ambas as filosofias eram escola
de vida e de virtude, pese a que não distinguissem nitidamente, ao
modo de Aristóteles, a ética como disciplina filosófica específica.6

As críticas, modificações e complementações que os filósofos cristãos


proferiam acerca das propostas da filosofia pagã estavam entorno da vida beata e
do seu apogeu na gnose de Deus e das virtudes por ela requeridas. 7 Os autores
cristãos contavam, para atrair membros às comunidades cristãs na nova vida beata
e nas novas virtudes, com algo que os pagãos não imaginavam – a lei divina contida
nos livros do Antigo e do Novo Testamento. Pois a lei divina era entendida como
instrução indicada por Deus acerca do modo de viver nas comunidades cristãs.8
Para seguir o enfoque da filosofia moral, é importante recordar os traços
principais do pensamento de Santo Agostinho, pois seu pensamento foi
determinante para a sucessiva ventura do pensamento moral cristão.

1.1 Santo Agostinho

O pensamento patrístico encontra a sua sistematização e conclusão na


grandiosa síntese filosófico-teológica de Santo Agostinho (354-430), o maior
pensador da Igreja antiga.9
Convertido ao Cristianismo traz consigo uma ampla bagagem de experiência
filosófica-religiosa. Familiarizado com o pensamento da antiguidade, principalmente
com os neoplatônicos, neopitagóricos e estoicos. Agostinho, então, transmite uma

5 Cf. ABBÀ, 2011, p. 94.


6
ABBÀ, 2011, p. 95.
7 Cf. Ibid., 2011, p. 95.
8 Cf. ABBÀ, op. cit.
9 Cf. SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia I: Antiguidade e Idade Média. Trad.

Luís Washington Vita. São Paulo: Mestre Jou, 1966, p. 169.


parte do pensamento antigo ao medieval, transpondo o pensamento antigo e
inserindo na nova experiência cristã.10
Do ano de sua conversão, em 386, a 430, ano de sua morte, Santo
Agostinho produziu uma imensa obra que constitui a mais importante herança
literária da Antiguidade tardia.11 A filosofia que Agostinho utilizou na elaboração da
teologia era platônica, mais precisamente a de Plotino. Seus inúmeros fragmentos
inseridos por Pedro Lombardo, nas “Sentenças”, assegurou sua influência nas
escolas do século XIII.12
O início de sua formação filosófica se dá com o início de sua conversão. Aos
19 anos faz leitura do diálogo Hortensius de Cícero, e do Protrético de Aristóteles.
Foi com essas leituras que o amor pela sabedoria despertou em Agostinho.13 Ao se
aprofundar nas leituras de livros filosóficos, Agostinho começa a perceber a
fragilidade da doutrina do maniqueísmo – “que se gabavam de ensinar uma
explicação puramente racional do mundo, de justificar a existência do mal e de
conduzir seus discípulos à fé unicamente por meio da razão”.14 É nesse contexto
que ele insere profundas reflexões morais sobre o costume e a lei moral, a lei divina,
a natureza como norma e as faltas morais.15
Estando em Milão, Agostinho passa a conviver com o círculo neoplatônico,
fazendo assim, leituras dos livros neoplatônicos, e abandonando definitivamente ao
maniqueísmo, criticando o ceticismo e por fim aderindo à teoria do conhecimento e à
metafísica neoplatônicas.16 A partir de sua conversão, consagra-se ao estudo e
meditação da Sagrada Escritura, seguindo seu mestre Santo Ambrósio, e ao
conhecimento e assimilação da tradição teológica cristã. Fazendo uma interpretação
dos textos paulinos que ensinavam a absoluta gratuidade da graça, Agostinho
demonstra uma preocupação com o problema da graça e do livre-arbítrio.17
Em suas obras, o corpo doutrina apresenta uma estrutura especificamente
teológica, mas que estão integradas organicamente articulações filosóficas.18 Toda a

10 Cf. SCIACCA, 1966, p. 169.


11 Cf. VAZ, 1999, p. 182.
12 Cf. GILSON, Etienne. A existência na Filosofia de S. Tomás. São Paulo: Duas Cidades,

1962, p. 13.
13 Cf. VAZ, 1999, p. 183.
14 GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins

Fontes, 2001, p. 143.


15 VAZ, 1999, p. 183.
16 Cf. VAZ, op. cit.
17 Cf. VAZ, 1999, p. 184.
18 Cf. VAZ, 1999, p. 185.
parte filosófica de sua obra exprime o esforço de uma fé cristã que procura levar o
mais longe possível a inteligência do próprio conteúdo, contendo traços do
neoplatonismo, em particular de Plotino.19
Segundo Henrique de Lima Vaz, as obras de Agostinho são ricas em
ensinamentos de natureza ética, tanto teóricos quanto práticos. O ponto principal
das grandes linhas da Ética de Agostinho é a categoria fundamental de ordem. Pois,
a ideia de ordem ilumina a experiência interior e a contemplação do mundo exterior,
que são as duas fontes imediatas do saber para Agostinho, assim como, procede
das duas fontes últimas que alimentam esse saber – a tradição da filosofia antiga e a
tradição bíblico-cristã.20
À ideia de ordem está articulada a ideia de fim. Pois a ordem estaticamente
considerada enquanto ordenação dos elementos no todo é fim em si mesma. Em
seu dinamismo ela orienta o ser submetido à sua norma para um fim que transcende
a simples ordenação dos seus elementos e no qual ele encontra sua plena
realização.21
Agostinho toma da narração bíblica da criação do homem, numa dimensão
histórica, a ideia de beatitude. Segundo a condição da imagem de Deus que orienta
a vida humana no sentido da beatitude definitiva em Deus.22

A idéia [sic] de beatitude (beatitus, beata vita), herdada em seu


conceito, a saber, em sua preeminência ética e em sua significação
teleológica, da filosofia antiga, e repensada em profundidade à luz da
revelação bíblico-cristã da historia como lugar da salvação e da
perda do ser humano, torna-se uma idéia [sic] diretriz que
acompanha passo a passo o itinerário ético-soteriológico do
pensamento agostiniano [...].23

Discutindo a relação entre beatitude e verdade, Agostinho tece a obra


Contra Academicos, para uma refutação do ceticismo, juntamente com a obra De
beata vita, onde dedica a discutir sobre a beatitude. O tema da beatitude está
presente em todo o desenrolar do pensamento de Agostinho.24

19 Cf. GILSON, 2001, p. 146.


20 Cf. VAZ, 1999, p. 185-186.
21
Cf. VAZ, 1999, p. 188.
22 Cf. VAZ, 1999, p. 189.
23
VAZ, 1999, p. 189. [grifos do autor]
24
Cf. VAZ, 1999, p. 189.
Defendendo e explicando a doutrina cristã frente à filosofia pagã, Santo
Agostinho enfrenta o problema da vida beata e resolve “mediante a transformação
cristã da vida beata”.25
Vida beata foi definida, por Agostinho, como a união da mente a Deus no
conhecimento, no amor e no gáudio da Verdade divina e do Bem divino. Da mesma
forma, a noção de virtude foi posta a modificação, onde a virtude principal torna-se a
caridade para com Deus e para com os próximos. As quatro principais virtudes
pagãs platônicas e estoicas (prudência, justiça, fortaleza, temperança) foram
transformadas em outras tantas virtudes cristãs concebidas como modos e
expressões do amor, daquele amor reto que ama Deus, as pessoas, as coisas
criadas segundo o grau de bondade que lhes pertence. 26

Para viver a nova vida beata era preciso um conhecimento


apropriado, o conhecimento que o próprio Deus tem de si mesmo e
da ordem das criaturas. Tal conhecimento, presente em Deus ao
modo de uma lei eterna, é comunicado por via de iluminação a cada
mente humana, no modo de um conhecimento inato das razoes
eternas segundo as quais são regulados os atos da vontade. A lei
eterna, além disso, é conhecida, por via de revelação, na lei escrita
do Antigo e do Novo Testamento.27

A ética agostiniana da vida beata, das virtudes e da lei divina predominou


pela teologia medieval nas escolas monásticas do século XII e nas universidades do
século XIII, graças a Pedro Lombardo, com suas Sentenças.28
Vale lembrar que entre Santo Agostinho e os primeiros autores propriamente
medievais, há dois filósofos de significativa importância pela influência ao longo da
primeira Idade Média: Boécio (480-524) e São Gregório Magno (540-604). Enquanto
Boécio, no seu De consolatione philosophiae, propõe uma ética da felicidade e do
bem, típica ética aristotélica, a influência de S. Gregório deve-se, sobretudo, ao fato
de ter sido um dos grandes promotores do monaquismo no Ocidente, depositário da
vida intelectual e da sua conservação e difusão na alta Idade Média. A sua forte
influência no terreno da moral e da espiritualidade deve-se à grande difusão dos
comentários ao livro de Jó.29

25 ABBÀ, 2011, p. 95.


26 Cf. ABBÀ, 2011, p. 96
27
ABBÀ, 2011, p. 96.
28
Cf. ABBÀ, 2011, p. 96.
29 Cf. VAZ, 1999, p. 200-201.
Pode-se dizer que as ideias éticas dos primeiros séculos medievais vinda
dos escritos de Agostinho, Boécio e Gregório Magno floresceram principalmente
pela “teologia monástica”, que até o século XII era a expressão mais alta da vida
intelectual europeia.
No século XI, Santo Anselmo (1033-1112) é quem propriamente inicia a
reflexão ética na Idade Média. É sobretudo a partir da sua reflexão sobre o livre
arbítrio que os problemas éticos começam a ocupar um lugar cada vez mais
importante na literatura filosófico-teológica medieval. Em seu diálogo, na obra De
libero arbitrio, Anselmo revela uma grande profundidade metafísica. Na sua
essência, a liberdade da vontade do ser racional não consiste em fazer o que quer,
mas em querer o que deve. Essa tese essencial ecoa na doutrina de Santo Tomás
sobre liberdade.30
Abelardo (1079-1142) é porventura o maior representante da ética medieval
antes da fase aristotélica, é o anunciador de uma nova fase, constituindo o que se
pode chamar de fase pré-aristotélica. Ele retoma a tradição alexandrina do elogio à
filosofia pagã, principalmente por esta conferir o primado à ética e ao problema
moral do fim do homem. Também coloca a intenção no centro do ato moral, mesmo
tratando de questões de moral teológica. Na esteira de Anselmo, a ética abelardina
inscreve-se nas éticas do bem, prolongando, no início do pensamento propriamente
ético medieval, a doutrina agostiniana da vita beata. A sua ética deixa sem solução o
problema dos atos intrinsecamente bons ou maus, abrindo caminho ao subjetivismo
moral. Este tópico clássico em torno dos fatores da moralidade dos atos terá uma
solução equilibrada na ética de Santo Tomás. 31
Desta forma, se introduz o pensamento ético de Aristóteles no Ocidente
latino, mas com um ritmo muito lento. São três Éticas atribuídas a Aristóteles (Ética a
Nicômaco, Ética a Eudemo e Magna Moralia), mas a de maior influência é referida à
Ética a Nicômaco. Sendo Santo Alberto Magno (1206-1254), mestre de Tomás, o
maior intérprete latino de Aristóteles no século XIII. Essa influência da Ética a
Nicômaco no desenvolvimento da ética medieval dá origem a duas correntes
distintas (teológica e filosófica), da qual a corrente filosófica visa recuperar a tradição
aristotélica da eudaimonia. 32

30 Cf. VAZ, p. 202.


31 Cf. Ibid., p. 203.
32 Cf. Ibid., p. 204.
Retomar-se-á, então, ao enfoque aristotélico da ética.

1.2 Ética Aristotélica

Foi Aristóteles33 o primeiro filósofo a elaborar uma disciplina filosófica


específica denominando-a ética. Sua elaboração se deu em duas etapas, a primeira
em 347 a.C., com seu primeiro curso de ética, do qual resultou a obra Ética a
Eudemo; e num segundo momento, em 335, quando retomou o curso de ética, com
algumas modificações, do qual resultou no obra Ética a Nicômaco.34
A ética como disciplina filosófica surgiu para dar respostas aos problemas
práticos da vida na sociedade. Com métodos próprios, Aristóteles tenta evitar os
problemas em que se caia com a proposta dos Sofistas.35
Aristóteles foi aluno na academia platônica, e lá familiarizou-se
profundamente com o método que se seguia e com o pensamento platônico.36 Mas a
ética de Aristóteles se distingui da ética platônica, ressaltando sua originalidade,
principalmente no que tange à definição de seu objeto e o método seguido nas
investigações.37 Rejeitando a teoria da Ideias de Platão, assim como a univocidade
do inteligível, Aristóteles adota a plurivocidade do objeto da inteligência e, deste
modo, uma concepção analógica do objeto da epistheme.38
Das propostas platônicas, Aristóteles tem dificuldade em reconhecer a
proposta que consistia na separação (chorismós) entre as ideias e as realidades
sensíveis. “Interpretando as ideias platônicas segundo o chorismós conduz,
Aristóteles foi feliz ao observar as aporias às quais o chorismós conduz.”39

33 Filósofo grego, nascido em Estagira, Colônia jónica na Macedônia, no ano de 384 a.C. Filho
de um médico de Nincómaco, médico de Amitas II, rei da macadonia. Com a idade dezessete anos
da morte do seu pai, vem por sugestão do seu tutor Próxeno, para ir a Atenas ingressar a academia
de Platão, do qual seria aluno. Depois de algumas divergências com a academia platônica, funda o
Liceu, onde os estudos divide-se em dois tipos de ensino um de manhã destinado aos alunos, era
mais complexo e profundo e outro era a tarde destinado ao público em geral e menos científico,
dando um contributo original para a filosofia em diversas áreas, através de seu vasto pensamento.
Também foi responsável pela a sistematização da primeira biblioteca. Morre exilado em Cálcida, em
322. [Cf. BLACKBURN Simon. Dicionário oxford de filosofia. Tradução de Desidério Murcho. et al.
Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1997. p. 24.]
34
Cf. ABBÀ, 2011, p. 65.
35
Cf. ABBÀ, 2011, p. 65.
36
Cf. VAZ,1999, p. 109.
37
Cf. VAZ,1999, p. 113.
38
Cf. VAZ, op. cit.
39
ABBÀ, 2011, p. 71.
Introduzindo as ideias nas realidades sensíveis, e excluindo o chorismós,
Aristóteles abriu o caminho para um método filosófico diverso. Desta forma, o ser
humano, que é constituído segundo uma forma natural própria, é capaz de conhecer
o que são as coisas, é capaz de conhecimento verdadeiro; e assim, todas as
realidades sensíveis são naturalmente cognoscíveis. 40 Na sociedade, isso significa
que o ser humano tem a capacidade de ter opiniões verdadeiras sobre assuntos
humanos, como as opiniões práticas.
“O homem aristotélico não deduz mais por via de anamnese o conhecimento
das realidades físicas e dos assuntos humanos, mas sim por via de abstração da
experiência sensível, que consta também das ações humanas”.41 Neste caso, a
heterogeneidade e a multiplicidade dos saberes assumem o lugar da
homogeneidade e da unicidade, de acordo com os objetos conhecidos e conforme a
relação que os saberes têm com o seu respectivo objeto.42
Divergindo também de Platão, onde o mesmo tem uma concepção de que o
conhecimento das ideias é incindivelmente teórico e prático, para Aristóteles isso já
não pode ser assim: com relação ao saber humano, as realidades sensíveis tem em
si mesmas o principio dos seus movimentos, e as obras humanas têm o seu
princípio não em si mesmas, mas no ser humano. Assim, o saber com relação às
coisas naturais é teórico, com relação às coisas produzíveis é poiético, com relação
às coisas praticáveis é prático.43
A diferença nos objetos e na relação dos saberes com os seus objetos reflui
sobre os saberes mesmos, para designar os quais Aristóteles introduziu a
denominação de filosofia teórica e filosofia prática. As duas buscam a verdade, o
conhecimento de como as coisas estão e a causa de por que estão assim.44 Para a
filosofia teórica a verdade é fim em si mesma, e para a filosofia prática a verdade é
ulteriormente ordenada à obra a ser feita aqui e agora. O saber prático não é fim em
si mesmo, mas em vista de outro, da ação.45

40
Cf. ABBÀ, 2011, p. 71
41
ABBÀ, 2011, p. 71.
42
Cf. ABBÀ, 2011, p. 72.
43
Cf. ABBÀ, op. cit.
44
Cf. ABBÀ, 2011, p. 72.
45 Cf. ABBÀ, op. cit.

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