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EXPERIÊNCIA DE GRUPO NO TEATRO: O MODO OPERATIVO AND (M.

O_AND) E A
BUSCA PELO FAZER JUNTOS

Vinicius Medeiros dos Santos1

RESUMO

A discussão do fazer teatral se inscreve, desde a década de 70, cada vez mais no
campo ético. Diante disso, diversas respostas a essa problemática, que também está
presente em outros campos artísticos, surgiram, dentre elas o Modo Operativo AND. A
investigação da aplicação das ferramentas-conceito e dos conceitos-ferramenta desse
modo operativo à criação teatral pode indicar possíveis rumos para a práxis, ética e
ontologia do trabalho em grupo.

PALAVRAS-CHAVE: criação, ética, colaboração.

INTRODUÇÃO E DISCUSSÃO

Desde o final do século XIX e início do século XX a arte teatral vem redefinindo
seus contornos. O século XX é profundamente marcado, em sua primeira metade, por
experiências europeias contundentes - Stanislavski e seu método, Meyerhold e a
biomecânica, Brecht e o Teatro Épico, Grotowski e o Teatro Laboratório/Pobre/Ritual,
Artaud e o Teatro da Crueldade, Eugênio Barba e a Antropologia Teatral - e, em sua
segunda metade, pelas reverberações dessas proposições na América do Norte (Actor’s
Studio, Living Theatre, Robert Wilson, o desenvolvimento da Performance Art na década
de 60) e nas criações brasileiras do Teatro de Arena, Teatro Oficina, Boal e o Teatro do
Oprimido, CPC (Centro Popular de Cultura), Antunes Filho e o CPT (Centro de Pesquisa
Teatral), entre outros.
A maior parte dessas experiências está localizada em três eixos: 1) produção de
técnicas de criação e ensaio para o intérprete/performer; 2) produção de novas estéticas e
novos regimes sintáticos do material cênico; 3) produção de novas relações com o público
e novas visões sobre o papel do mesmo no espetáculo teatral. Se até então a autoridade
máxima sobre o espetáculo era o autor/dramaturgo, essa enxurrada de renovações e

1
Graduando, Bolsista de Iniciação Científica pela Fundação Araucária. FAP/UNESPAR, Bacharelado em
Artes Cênicas. essenaoeoemaildovinicius@gmail.com
questionamentos abre lugar para o estabelecimento da figura do diretor enquanto gênio
criativo. Segue-se a isso, entretanto, a percepção do abismo existente entre a posição do
diretor e todo o resto das funções criativas (dramaturgia, cenografia, interpretação,
iluminação, etc.). Na década de 70 surgem grupos que propunham o fazer coletivo como
resposta. Luis Alberto de Abreu (2003), dramaturgo brasileiro, narra, em seu texto
intitulado Processo colaborativo: relato e reflexões sobre uma experiência de criação, que
esses grupos geraram questões contundentes, pois, dentre outros muitos problemas, “não
havia prazos, muitas vezes os objetivos eram nebulosos e se a experimentação criativa
era vigorosa, não havia uma experiência acumulada que pudesse fixar a própria trajetória
do processo”. Nas décadas de 80 e 90 a criação colaborativa surge, solidificando-se no
Brasil, como aponta Stela Fischer (2003), em grupos como o Teatro da Vertigem.
A problemática do fazer teatral se desloca, portanto, do eixo estético para o eixo
ético. Esse processo, que não é exclusivo do teatro e ressoa com retumbância na arte
contemporânea, leva a diversas proposições. Dentre elas se localiza o Modo Operativo
AND (M.O_AND). Engendrado pela antropóloga carioca Fernanda Eugênio e o dançarino
português João Fiadeiro, o M.O_AND se caracteriza por ser um jogo de perguntas e
posições onde o objetivo é esquivar-se das respostas e ideias para possibilitar aos
jogadores seguir vivendo juntos. Dentro do jogo propõe-se a ação de re-parar e reparar,
sendo a segunda já um desdobramento da primeira; algo inesperado nos interrompe, nos
para e entramos ativamente, então, em “modo espera” (re-paramos) para poder reparar
“no que há à volta, nos fatores de situação cujas inter-relações emergem enquanto teias
de um imenso e envolvente mapa vivo” (EUGENIO & FIADEIRO, 2013). Esse
posicionamento ético desativa o saber, as narrativas de “fim-causalidade” e “fim-
expectativa”, para ativar o sabor, a auto-implicação no evento, a “des-cisão” entre sujeito
e objeto de experiência. Instaura-se, assim, um evento, a Primeira Posição, que
inaugurará o jogo. Disso, fazendo-se o “inventário das propriedades-possibilidades”,
advém a Segunda Posição, a qual se relacionará com alguma(s) das possibilidades
abertas pela Primeira Posição. Ganham relevo, aí, certas relações, sugerindo um Plano
Comum, e a Terceira Posição adquire a responsabilidade de “dar-se conta” dele e "dar-lhe
corpo”, “realizá-lo”. Encontra-se um jogo a ser jogado juntos, o qual só pode funcionar se
os gamekeepers se dispuserem a “adiar o fim”, “aceitar o fim” e “antecipar o fim”. No meio
de tudo isso se insere, a todo tempo, o questionamento de “como não ter uma ideia?”, ao
qual deve-se evitar responder, mas sim buscar navegar pelo mapa que vai se mostrando.
É, como dizem os autores, “trabalho de mapas, trabalho etnográfico, trabalho de
reparagem”. Por fim, produzem-se três mapas: o do O quê (etnografia do encontro), o do
Como (artefato do encontro) e o do Quando-Onde (retribuição do encontro).
O que é proposto pelo Modo Operativo AND é justamente um modo de operar que
só pode se dar por meio do compromisso ético de se viver com o outro, de fazer com o
outro, abrindo mão do distanciamento e do controle proporcionados pelas ideias e pela
genialidade (relação sujeito-objeto), pelas pressuposições e pelos saberes, para encontrar
e criar com esse outro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No momento, a ferramenta proposta pelos dois autores está sendo investigada


pela dança, pela programação (por meio de um aplicativo), pela pedagogia, pela
performance e pelo teatro (e provavelmente por outras áreas). O desafio que se coloca
agora para o autor é o de aplicar esse jogo ao teatro, e tal desafio se desdobra em dois:
transversalizar o jogo para a prática de criação cênica e para a práxis, ética e ontologia do
fazer juntos no teatro.

REFERÊNCIAS

ABREU, Luis Alberto de. Processo colaborativo: relato e reflexões sobre uma experiência
de criação. Cadernos da ELT, Santo André, ano I, n. 0, p. 33-41, 2003.

EUGÊNIO, F.; FIADEIRO, J. Jogo das perguntas: o Modo Operativo "AND" e o viver
juntos sem ideias. Fractal Revista de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 221-246,
Maio/Ago. 2013.

FISCHER, Stela Regina. Processo colaborativo: experiências de companhias teatrais


brasileiras nos anos 90. 2003. 231 f. Dissertação (Mestrado em Artes) - Instituto de Artes,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 2003.

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