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Perspectivas auto-etnográficas em pesquisas com dança contemporânea1

Sandra Meyer
UDESC / Santa Catarina

Resumo: A etnografia e a auto-etnografia permitem ao artista da dança associar a


experiência do dançar à pesquisa acadêmica a partir do desenvolvimento de modos de
investigação voltados às necessidades da prática artística. Na pesquisa com dança (e não
sobre dança) as reações somáticas do pesquisador são consideradas como dado
etnográfico, evocando uma consciência da própria experiência em campos como as
salas de ensaio e espaços de apresentação de performances. Sylvie Fortin (1994) refere-
se à empatia cinestésica, em que a pesquisa interpela a corporeidade do pesquisador. A
auto-etnografia intensifica a perspectiva êmica em direção à construção de
conhecimento na passagem entre os fazeres artísticos e os fazeres acadêmicos.

Palavras-chave: Auto-etnografia; Prática do artista; Pesquisa com dança.

Introdução

A dança é uma área de conhecimento relativamente recente no Brasil se a


vislumbrarmos no ambiente acadêmico. Nos últimos anos as universidades têm se
confrontado cada vez mais com a presença de artistas e pesquisadores que buscam
investigar seu próprio trabalho ou de outrem. “No quase deserto teórico” que envolve a
arte da dança, argumenta Christine Roquet (2011)2, os pesquisadores de dança quase
sempre constroem seus argumentos contaminando-se de áreas afins. Considerando que
o campo científico em dança é ainda jovem e vem buscando suas próprias “insígnias de
nobreza” teóricas, seus pressupostos epistemológicos não foram suficientemente
problematizados, descritos e registrados (ROQUET, 2011, p.13)3. Trata-se aqui menos
                                                                                                               
1
Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014,
Natal/RN
2
Professora do Departamento de Dança da Universidade Paris 8, França. Embora a análise da autora seja voltada para a
cultura da dança em seu país, esta reflexão não se restringe à realidade francesa.
3
Christine Greiner, no texto Arte na universidade para germinar questões e testar procedimentos (2006), alerta para
o fato de que antes dos anos 1980, quando se falava em ensinar dança na universidade, havia a ideia de que arte não
se aprenderia neste tipo de instituição. O treinamento técnico que parecia o instrumental necessário e suficiente para
dançar estava nas academias de dança, ateliês e cursos. Com o aumento considerável de cursos de graduação em

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da análise de espetáculos e mais precisamente da pesquisa acerca do corpo, do
movimento, do gesto dançado, enfim, do fenômeno próprio do dançar. Diante de razões
de toda ordem - éticas, sociais, culturais e políticas - que fundamentariam no ocidente a
recusa em valorizar as práticas gestuais e corporais em detrimento do exercício do
logos, “é indispensável para o bailarino, artista do gesto, refletir, falar, nomear seu
próprio trabalho”. É um esforço político que ainda tem de ser plenamente reconhecido,
conclui Roquet (2011, p.14), pois “trata-se de aprender a ‘ler’ sobre si mesmo e sobre os
demais os diversos modos como um gesto pode se organizar”.
Aproximar-se do campo da pesquisa em dança (e não somente sobre dança) a
partir da corporeidade do artista-pesquisador tem sido um dos desafios mais instigantes
na atualidade. A implicação dos próprios pesquisadores em práticas de dança impõe
desafios epistemológicos e metodológicos, seja no âmbito universitário ou não. Não é
mais um pesquisador desincorporado. A dimensão incorporada da experiência e o
deslocamento das noções de sujeito e de objeto nas práticas contemporâneas em dança
despojam identidades e interioridades essencialistas e fixas. Inclui vivências no campo,
em campo e com o campo. A noção de embodiment nas artes do corpo, a presença a
partir da condição de fenômeno temporal corporificado, em continua conexão com o
meio, pressupõe a experiência e os desafios de sua compreensão e descrição.
A dança contemporânea aventura-se em criar (e problematizar) um corpo para si
mesmo (o que não exclui o outro). A figura do artista pesquisador de sua própria
poética, ou a fusão entre intérprete e coreógrafo, é iniciada no século vinte por meio das
danças solos, conduzidas especialmente por mulheres4. Em La danse en solo. L'identité
à l'épreuve Annie Suquet (s/d) especula que “o corpo do solista clássico [balé] é
idealmente unificado. O do solista moderno se descobre plural”. Neste sentido,
experimentar a aventura de um corpo para si e sondar a sua própria corporeidade
propiciou a abertura ao heterogêneo, fundado de forma geral em práticas de
improvisação. Este exercício da diferença promoveu a possibilidade de investigação de
um corpo mais experienciado e menos idealizado. Tudo acontece na carne do artista. O
solo moderno não é uma investida narcisista, mas a experimentação dos limites da
identidade.
Diante da perspectiva experiencial em dança no âmbito acadêmico, como o artista

                                                                                                               
dança no Brasil, a dança ganha espaços importantes para a sua consolidação como área de conhecimento, em sua
diversidade.
4 Leia-se Isadora Duncan, Loie Fuller, Mary Wigman, Ruth Saint Denis, Valeska Gert, Eros Volúsia, dentre outras.

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pode refletir sobre práticas as quais está implicado? O que significa ter como “objeto”
de pesquisa o seu próprio trabalho? Ou, sendo artista, voltar-se para o fazer de outro
artista? Sustenta-se ainda a ideia de “objeto” e de um pretenso distanciamento do
sujeito? Nem demasiada empatia, nem demasiada distância. O equívoco pode estar no
significado de distanciamento, especialmente na pesquisa em arte. A distância que
devemos investigar, de acordo com o filósofo Bruno Latour, não é entre observador e
observado, mas entre a experiência de mundo antes e depois da pesquisa. Portanto,
“nem a distância nem a empatia são bons indicadores de que se fez boa ciência; é-o
apenas este critério: será que temos, agora, alguma distância entre o novo repertório de
ações e aquele com que começamos?” (LATOUR, 2008, p. 52). Para serem de fato
úteis, distância e empatia não podem se esquivar de um critério importante, no sentido
de ajudarem, ou não, “a maximizar a ocasião para que o fenômeno em estudo proponha
as suas próprias questões, contra as intenções iniciais do investigador” (p. 52), por conta
de sua implicação com o universo de pesquisa.

Dar voz ao que não a tem

As questões propostas pela pesquisadora Sylvie Fortin (2009) em seu estudo


sobre a auto-etnografia na pesquisa em dança nos apresenta perspectivas para lidar com
esta circularidade entre observador e observado no artigo Contribuições possíveis da
Etnografia e da Auto-etnografia para a pesquisa na prática artística: “se a pessoa que
conduz a investigação é indissociável da produção de pesquisa, porque, então, não
observar o observador? Porque não olhar a si mesmo e escrever a partir de sua própria
experiência?” (FORTIN, 2009, p. 82). Como transformar uma experiência dançada em
material para compor uma possível epistemologia do dançar? Explicitar os saberes
operacionais implícitos à produção de uma obra ou situação artística permite a
visibilidade e a legitimidade do conhecimento que emerge da experiência, uma
investigação que se realiza em territórios de prática artística, ou seja, em ateliês, salas de
aula, espaços de ensaio, teatros e demais lugares de interação entre artistas e público.
Como salienta a antropóloga Theresa Jill Buckland (2013), até as últimas
décadas do século vinte, os estudos etnográficos em dança eram, em sua maioria,
direcionados à práticas distantes do ambiente cultural e geográfico do próprio
pesquisador. Este deslocava-se para territórios alhures, tanto física quanto
conceitualmente, para observar culturas distantes do mundo eurocêntrico. A partir da

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década de 1990, as perspectivas etnográficas começaram a enfatizar o movimento do
corpo, em detrimento de uma visão objetiva da dança, incluindo experiências pessoais,
tanto do pesquisador quanto do pesquisado. Buckland (2013, p.147) nos interpela:
“Onde deverá ser posicionar, agora, no século vinte e um, em um campo cada vez mais
– geográfica, social e culturalmente – móvel, o campo da Etnografia da Dança?” O foco
das etnografias desde então tem incluído campos mais transitórios, em torno de
comunidades de dança que organizam novas modos de se mover como ato de escolha, e
não como marca de nascença, como destaca Buckland5.
As pesquisadoras francesas Isabelle Launay e Isabelle Ginot, no texto Uma
fábrica de anti-corpos (2003), chamam a atenção para o fato de que na sala de aula de
dança (extensivo aos espaços de performance) há uma filosofia e uma ética emergente.
As práticas em dança revelam modos de subjetivação, de invenção de conceitos e de
técnicas, maneiras próprias de estar junto que, em sua grande maioria, não ganham
visibilidade nem são devidamente observadas e problematizadas. “O que significa dar a
voz àquilo que ainda a não tem?” Eis o que Latour (2008, p. 51) entende como papel da
ciência. A ideia é que estas praxis filosóficas possam ser devidamente acompanhadas e
registradas, no sentido de comporem um campo epistemológico concernente ao ato de
dançar, de mover-se no mundo, de compor com o outro. Complemento com as palavras
de Launay e Ginot; “(…) a escola de dança é, por excelência, o local de transmissão de
todas as representações da profissão de dançarino, como também o lugar onde se define,
implícita ou explicitamente, certa ideia da dança e da corporeidade que a produz” (2003,
p. 2).
A bailarina e professora Monica Dantas insere a pesquisa de prática artística como
aquela realizada pelo próprio criador da obra ou situação artística, ou por um outro
artista que se coloca como pesquisador. “A pesquisa em dança não deve afastar o
pesquisador da experiência da dança”, de acordo com Dantas (2007), evocando
Hanstein (1999), pois no seu âmago vislumbra-se o ato de dançar e a experiência da
dança, que são singulares para cada dançarino. Há uma impregnação entre corpo e
conceito, entre fazer e conhecer na experiência do dançar que desloca sobremaneira a
relação entre prática e teoria. Praticam-se conceitos em uma sala de ensaio. Teorias
emergem de um fazer. Se faz urgente romper com a lógica bipartidária que perpetua a

                                                                                                               
5 Sharing the dance [Compartilhando a dança], de Cynthia Novack (1990), sobre Contato-Improvisação, foi uma dos
primeiros estudos etnográficos publicados sobre uma comunidade construída a partir de um modo de se mover, e que
evidenciou valores norte-americanos (BUCKLAND, 2013, p.148).

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ideia de que a teoria pertence aos que pensam e a prática aos que fazem.
Quando um artista investiga a prática de outro artista, ele o faz a partir de um
ponto de vista de artista e isto influencia as diversas etapas da sua pesquisa (FORTIN,
2006). Desta forma, a pesquisa de prática coreográfica: (a) explicita os saberes
operacionais que são implícitos a cada fazer coreográfico; (b) apresenta uma
problemática intrínseca à dança como prática artística e (c) busca referenciais teóricos e
metodológicos compatíveis com esta abordagem (DANTAS, 2007).
A pesquisa em dança interpela a corporeidade do pesquisador (FORTIN, 2006). A
experiência da “observação” ressoa, antes de tudo, no corpo do pesquisador/artista. E se
torna mais complexa quando a pesquisa é voltada para uma prática própria, o que
implica numa não separação entre observador e observado. A cinestesia torna-se então
um componente fundamental da pesquisa em dança (FORTIN, 2006; FROSCH, 1999).
As vivências corporais do próprio pesquisador são consideradas como dado etnográfico,
uma vez que a aprendizagem em dança (e não somente) se faz através do sistema
sensório-motor, nas relações entre o olhar, o ouvir, o tocar, o sentir e o mover-se. As
pesquisas acerca do sentido do movimento empreendidas por artistas como Bonnie
Cohen, a idealizadora do Body-Mind Centering e filósofos como Alain Berthoz,
professor do Collège de France, por meio de experiências e experimentos de pesquisa
diferenciados, comprovam que não contamos somente com cinco sentidos, mas alia-se a
estes um “sexto sentido”, formado pelos captadores sensoriais do sistema muscular,
ósseo, articular e do sistema vestibular. Como não há, de acordo com Alain Berthoz
(1997), praticamente, nenhum dispositivo sensorial que não se encontre conectado a
sinais motores, a ação seria, também, organizadora da percepção, e não somente a sua
resultante. Segue-se o tempo todo da ação à percepção e da percepção à ação,
considerando que não são processos separados temporal e hierarquicamente. Perceber já
é, afirma Berthoz, de alguma forma, agir, pois a percepção já é uma ação simulada.

Experiências auto-etnográficas entre corpo e escrita

A maioria das pesquisas pós-positivistas possuem naturalmente caráter


etnográfico, pois são efetuadas segundo o ponto de vista dos participantes (FORTIN,
2009). A auto-etnografia (e a auto-biografia) permite uma abordagem menos

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universalizada do ato de dançar. Trata-se de uma escrita do eu que permite o ir e vir
entre a experiência pessoal, singular, e suas dimensões culturais e sociais6.
Interpelado sobre a auto-biografia em seu solo Sobre expectativas e Promessas
(2013) por ocasião do “Diálogo - Pesquisa biográfica em dança”, o coreógrafo
Alejandro Ahmed descreveu-a como um vestígio, uma espécie de “genealogia não
narrativa” que não expõe em uma sequência linear os fatos pessoais7. O diretor do
Grupo Cena 11 Cia de Dança nomeou a sua auto-etnografia em forma de dança solo
como uma “genealogia da experiência” do corpo no tempo e no espaço. Um mergulho
onde se intensifica o tempo, o envelhecimento, a entropia, num devir-dança. Auto-
biografia como “mapa de vestígios que traz a desordem do não pertencimento”,
complementa Ahmed. Próxima à genealogia foucaultiana, a proposição de Ahmed
difere da história tradicional e da busca pela origem, pois revela processos de
subjetivação de um sujeito que não é unitário e marca a singularidade dos
acontecimentos.
A auto-etnografia e a auto-biografia, pensada no campo da dança, demanda em
um ater-se não somente à seleção de documentos, entrevistas, observação de campo,
mas às experiências do pesquisador como um tipo de dado etnográfico. As artes da
presença requisitam um afastamento da visão descorporizada da ciência clássica,
diminuindo o hiato entre ciência e experiência. Como descrever a textura sensível de
um acontecimento? A auto-etnografia pode propiciar uma chave para a problematização
da circularidade entre fazer e conhecer, entre observar e descrever a experiência própria
do dançar, propiciando o que Thereza Rocha aponta como a busca por “regimes de
dizibilidade imanentes à dança” (2012, p.27).
Um sua dissertação de mestrado, a bailarina Maria Carolina Vieira (2013)
apresenta a questão primeira de seu trabalho: “como construir um discurso com os
processos de cognição produzidos na experiência artística, já que ontologicamente
processos cognitivos são singulares e ultrapassam o dizer? Como explicitar no fazer
escrita um conhecer próprio do fazer dança?” A escrita da dissertação dialoga com os
processos do conhecer do corpo e da dança na perspectiva da intérprete das danças do
Grupo Cena 11 Companhia de Dança, sediado em Florianópolis, e do Peeping Tom

                                                                                                               
6
Dentre pesquisadoras no Brasil que recorrem à pesquisa etnográfica no campo da dança estão Suzi Weber (2010) e
Monica Dantas (2005; 2007) professoras da UFRGS. O Departamento de Dança da Universidade de Quebec no Canadá
(Université du Québec à Montreal, UQAM) é uma importante referência, sendo o local onde Sylvie Fortin leciona.
7
Declarações realizadas na mesa “Diálogo Pesquisa biográfica em dança”, no dia 20 de maio de 2014, durante o Festival
Múltipla Dança, no Auditório do CDS/UFSC, em Florianópolis.

  6  
Company, com sede em Bruxelas, nas quais tem atuado8. Para dar conta dessas questões
encontrou na perspectiva etnográfica proposta por Fortin (2009) a possibilidade de
explicitar o conhecimento que está implícito na prática, o que ajuda a criar uma
compreensão da mesma: “a prática artística será melhor compreendida se colocada em
relação ao pensamento e ao agir dos praticantes” (FORTIN, 2009, p. 78). O que está em
jogo é um ponto de vista descritivo de sua participação nos processos criativos do
Grupo Cena 11 Cia. de Dança e na companhia de dança-teatro Peeping Tom Company,
segundo Vieira:

Trabalharei com “dados empíricos provenientes de uma presença


sobre o campo” [grifo da autora] (FORTIN, 2009, p. 79) mas
observo que posso dizer em campo, pois como dito acima, na
pesquisa artística o campo é a sala de ensaio, onde eu me inseri,
estendendo-se a meu ver ao próprio palco.

Considerações finais de uma escrita artista

Ao abordar o contínuo entre criação e teorização, a pesquisadora Thereza Rocha


(2012) fala da escrita artista, e não artística, que é o texto emergente da própria obra de
arte, uma escritura que se dá em sala de aula e em cena e só lá pode se manifestar, a
“constituição de um pensamento, de uma fala, de um dizer que emerge da própria
dança” (p.27). Ao propor uma estética da produção, e não da expressão e da
contemplação, o filósofo Luigi Pareyson (2001) salienta a ordem prática e inventiva da
arte, pois enquanto é feita, inventa um modo próprio de fazer. O artista não inventa
somente um objeto artístico, mas a legalidade interna deste, a qual ele mesmo se
submete. Este modo próprio de fazer é singular, é um fazer que, enquanto se faz,
inventa o por fazer e o modo de fazer.
Seguem os desafios: como falar da experiência do outro e descrevê-la? Como
escrever a partir de sua própria experiência? Como observar o observado, sendo a
pessoa que conduz a investigação indissociável da produção da pesquisa? Como
“teorizar” a própria pesquisa artística, trabalhar na diferença e manter o rigor em lugar

                                                                                                               
8
Foram dois anos de aulas e ensaios com o grupo Cena 11 na criação do espetáculo Carta de Amor ao Inimigo e
apresentações com o espetáculo Guia de ideias correlatas. Desde 2011 atua na Peeping Tom com os espetáculos 32
Rue Vandenbranden (Rua Vandenbranden no. 32) e Vader (Pai).

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de uma ilusória universalidade? Como esta epistemologia auto-etnográfica ajuda a
teorizar o corpo e a dança desde seus próprios modos?
No relato de um pesquisador sobre sua experiência em dança se delineiam
também as relações com os membros da comunidade de dança e em geral. O caráter
individual se insere nas coletividades a que o pesquisador pertence. A etnografia, numa
perspectiva antropológica, de acordo com Theresa Buckland, não pressupõe resultados a
priori, no sentido de pré-determinação do foco das investigações, embora não possa
prescindir de todo de informações pré-existentes antes de iniciar uma pesquisa. Esta
atitude de abertura permite que o trabalho de campo nos ensine, no sentido de facilitar a
descoberta de novos insights (BUCKLAND, 2013).
Pensar a dança como campo de conhecimento autônomo implica levar em conta
a experiência e o saber da dança propriamente dita, em metálogo com outras áreas de
conhecimento. O metálogo, seguindo a perspectiva de Gregory Bateson (1972), aciona a
conversação entre diferenças de procedimentos, contaminação e reinvenção cruzada de
problemas, questões e modos de funcionamento, em oposição ao diálogo (entre duas
posições ou duas áreas) e seus aspectos conclusivos. Enfim, não se trata somente de
deslocar um conceito proveniente da filosofia ou da ciência sobre a prática em arte,
tentando explicá-la a partir de um pressuposto anterior ou exterior a ela. Mas pensar os
conceitos/fazeres próprios de dança, que fazem parte da história da dança, e que é
expressão desta, em metálogo com outros saberes. Mas a história aqui é feito a
genealogia foucaltiana, que não busca a origem, mas segue os traços feito uma
cartografia. É construída com a memória, passo a passo. Uma teoria que emerge da
prática, ou uma prática que se faz teoria. Buscar o lugar da produção de conhecimento
em dança ou de dança, e não somente sobre dança se faz necessário.

Referências

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of Chicago Press, 1972.
BERTHOZ, Alain. Le sens du mouvement. Paris: Éditions Odile Jacob, 1997.
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