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formagio germénica, Oscar da Silva e Hernani Torres estudaram ambos no Conservatério de Lei ‘onde este tiltimo chegou a ser professor, enquanto Luis Costa estudou com Viana da Mota, Stavenhagen e Busoni, Também David de Sousa (1880-1918) fez a sua formagao em Leipzig e deu concertos com 0 agrupamento portugues conhecide por Troupe Gounod na Alemanha, Rissia ¢ Inglaterra, antes de criar em Lisboa a ja referida Orquestra Sinfénica Portuguesa. 7.1.2 José Viana da Mota e a renovagao da vida musical e do ensino ‘Simbolo do germanismo na misica portuguesa, José Viana da Mota (1868-1948) é, sem divida, 0 artifice da verdadeira mudanga operada nas primeiras décadas donosso século, tanto a nivel do ensino musical como do gosto do pibblico, através da sua miltipla actividade de pianista, compositor, pedagogo e musicégrafo, Nascido na ilha de Sdo Tomé, Viana da Mota veio ainda crianga para 0 continente, passando a residir em Colares, préximo de Sintra. Apresentado | por seu pai ao Rei D. Fernando Tle & Condessa de Edla, ¢-Ihe atribuida uma bolsa para estudar na Alemanha depois de finalizar os seus estudos no Con- ) servatério de Lisboa, Em 1883 Viana da Mota parte ent0 para Berlim, tendo F sido decisivos para a sua formagdo pianistica ¢ musical os contactos que estabeleceu com Carl Schaeffer, Hans von Biillow e ainda com Liszt, com E quem teve ligdes em Weimar no tiltimo ano de vida do compositor (1885). Na sua obra Musica e Musicos Alemaes, Viana da Mota descreve as primeiras impressdes da sua chegada A Alemanha ¢ a sua opiniio face ao repertério ' germanico, em que se reflectia a precdria formagao de um jovem miisico portugués recém-formado pelo Conservatério de Lisboa: Quando fui para Berlim pouca musica conhecia além da literatura para 0 instrumento ao qual me dedicava, € mesmo dessa apenas uma pequena parte, De misica orquestral tinha ouvido as Sinfonias de Beethoven n."5,6¢7[.~ de Wagner sabia apenas vagamente que era compositor extravagante que tina escrito uma opera chamada Tannhawser, na qual 0 Gnico trecho que prestava era uma marcha. De musica de cAmara s6 tinha tocado e ouvido a Sonata 2 Kreutzer, 0 1. trio de Beethoven e outro de Mendelssohn. © resto desconhecia tudo por completo. Nunca tinha ouvido um quarteto.’ ‘Terminados os estudos, fixa residéncia em Berlim, cidade a partir da qual ‘efectua frequentes rournées pela Europa e pelas Américas, associado a artistas como Eugene Ysaye, Pablo Sarasate, Amalia Joachim ¢ Marcela Sembrich, tendo sido também colaborador do pianista e compositor Ferruccio Busoni. A Primeira Guerra Mundial viria a surpreendé-lo no auge da sua carreira pianis- ‘ca, obrigando-o a deixar Berlim e a aceitar um lugar no Conservatério de ‘Genbve, onde lecciona até 1917. Se enquanto pianista Viana da Mota revelava bem marcantes da sua formagdo germanica, enquanto compositor partin stética do romantismo alemo, ¢ nomeadamente da influéncia de Liszt e de Wigner, para a criago de um estilo nacional através da ideia da recriagao do * ance MasicosAlemaes RecordagSes, Ensaio. Cri 22, Vo. 1, Coimbra, Caim- bra Eaitora, 29 ed revista sumentad, 197, p. 14 19 CF. Paulo Ferreira de Cas- 110,09... 138, Joo de Freitas Branco. lana do Mota eonmbutco para cestda das persone Indede eda ua obra, Lsbos, Funacao Calouste Gulden bean, 271987, p. 170 Paulo Fer ep ct BAS 2 de Castro, * Jobo de Freitas Branco, Histina de Misc: Ports esa, p 8, nosso folclore musical’. Na sua monografia sobre o pianista e compositor portugués, Jotio de Freitas Branco considera que «o nacionalismo da sit imisica eo de Dvorak ou de Grieg saem do mesmo conceitos |...) Conceito muité itocemtista, resume-se ele na integragdo de temas populares (ou populariaa. dos) na arte estabelecida de compor ou instrumeatar»’. E portanto neste” contexto que devemos analisar toda a sua obra, desce as pequenas pegas para piano aos lieder, ou, principalmente, & Sinfonia «A Pétria»,a primeira sinfonig bitematica a ser escrita por um compositor portugués depois de Bomtempo., | simultaneamente, um simbolo do ressurgimento musical inspirado pelo Ul mato de 1890’, Os tiltimos anos da guerra dao inicio a uma nova etapa na vida de Viana da Mota: a do regresso definitive a Portugal em 1917. Apos ter sido nomeado director do Conservatério de Lisboa, elabora conjuntamente com Luis dé Freitas Branco uma importante reforma do ensino musical (1919) destinada a instituigio que dirigia. Além dos programas estabelecidos por Moreira de Si para o recém-criado Conservatério do Porto, esta é a primeira reforma de fundo levada a cabo no ensino da misica em Portugal desde Joao Domingos Bomtempo. Ao longo de quase um século, este tinha sido apenas alvo de pequenas reajustamentos ou ent&o de projectos que nunca chegaram a coneretizar-se. Por exemplo, a nivel das escolas primérias, com a reforma de 1878 0 canto coral tinha passado a fazer parte dos curricula, ¢ logo no inicio do séeulo, em 1901,uma reforma levada a cabo pelo entao primeiro ministro Ernesto Hintze Ribeiro favorecia a ideia ji defendida pelo Conde de Farrobo e por Alfredo Keil da criagdo de teatros s6 para épera portuguesa. No Conservatério o nimero de alunos cresceu significativamente nos primeiros anos da direcgao de Viana da Mota*. Na origem deste crescimento poders ter estado, além das novas alician- tes do sistema de ensino, o aumento das necessidades de misicos instrument tas para os teatros ¢ outras instituigdes. Por outro lado o Conservatério teré alargado nesta altura a sua vertente de formacio de amadores que ainda hoje continua anactonicamente « manter, especialmente ao nivel de uma popula- so feminina de cuja educagao burguesa fazia parte aaprendizagem do piano. Embora Viana da Mota fosse ainda nessa altura o director da Escola, a reforma quese Ihe seguiu em 1930, de cardcter bastante retrégrado, ndo era da sua responsabilidad Acco reformadora de Viana da Mota centrou-se principalmente na oposigao 4 cultura da épera italiana que tinha dominado toda a masica portuguesa dos séculos X VIL e XIX, em favor do repert6rio instrumental de raiz germanica. Um texto seu de 1917 & esclarecedor a este respeito: No ensino veal oesudo limita-sequaseexclusvamente literatura dramé- tiea, deixando de parte, ou em todo o caso cultivando diminutissimamente a literatura de concerto, infinitamente mais rica, mais importante c mais séria. Mas a funesta preponderncia da Opera em Portugal favanda hojeconsie. rar esse género como o mais elevado da misic co dnico que valha pena cstudar para um cantor. A suprema amigo de um compositor em Portugal é fazer uma épera, Triste prova da intelectualidade dos nossos cantores ¢ amadores de musica, que se extasiam com fragmentos de éperas, revelando por isso que nem a parte mais valiosa da prépria literatura dramitica com- preendem, que é composigdo de uma personagem, de um drama, Em lugar disso contentam-se com os pezzi lirci, que & como quem arranca um dede de uma estétua, uma orelha de outra, e julga possuir nesses pedagos a obra de atte © encerramento dos teatros de S. Carlos em Lisboa ¢ do S. JoR0 no Porto, longe de ter sido um prejuizo, foi um grande beneficio para a musica em Portugal, porque nos livrou dessa perniciosa influéncia e susciton os concer- tos sinfénicos, que sem a falta da dpera nao se teriam provavelmente sustentado,! ‘Osesforgos de Viana da Mota para o desenvolvimento da musica instrumental © para a criagdo de um novo gosto a nivel do piblico portugués compreendem também a fundagao de uma Sociedade de Concertos de Lisboa (1917) a qual se seguirao muitas iniciativas semellrantes. E o caso da Sociedade Nacional de Misica de Camara (1919), da Filarmonia de Lisboa (1921) criada por iniciativa de Francisco de Lacerda e do Renascimento Musical (1923), fundado por Ivo Cruz. A longo prazo, a acco ¢ influéncia no seu préprio pais de todas estas personalidades que estudaram no estrangeiro, e especialmente na Alemanha (em Berlim ¢ em Leipzig), terd sido mesmo assim insuficiente para gerar uma massa critica a0 nivel do ciclo ensino-produgdo-consumo-critica que permni- lisse alterar radical ¢ duradouramente o nosso panorama musical, face aos condicionalismos estreitos, tanto culturais como sécio-econdmicos, do prin- cipio do século ¢ das primeiras décadas do Estado Novo. Por outro lado, se figuras como Moreira de Si, Alexandre Rey Colago ou Viana da Mota represen- ‘am um novo perfil de misico culto, em contacto com os melhores espiritos do seu tempo e socialmente respeitado, a profissio musical em geral continuou aparen- temente a ndo gozar de grande prestigio, como j4 acontecera no século XIX Entretanto o Teatro de S. Carlos nao se mantinha totalmente inactivo. Texdo as temporadas normais sido interrompidas em 1912, serdo depois retomadasem 1919 por iniciativa da Sociedade de Propaganda de Portugal, a quem o governo {de Sidénio Pais entregara o teatro. O empresério Ercole Casali organiza en:ao uma série de temporadas no Ambito das quais serdo realizadas varias estrcias nacionais, como Parsifal de Wagner (1921), Boris Godunov de Mussorgsky (1923), Der Rosenkavalier de Richard Strauss (1924), ou Pelléas et Mélisande de Debussy (1925). Nesses anos foram também apresentadas algumas produgies de compositores portugueses, tais como Soror Mariana (1918) de Herminio do [Nascimento (1890-1972) ou O Serdo da Infanta (1913), Crisfal (1920) ¢ Belkiss (1928) da autoria de Rui Coelho (1892-1986), que havia estudado em Beriim com Max Bruch e Humperdink. (Cit em Jove de Freitas Branco, Vane da Mota-com- Iribuigdo para erudo da ra personalidade eda suo ora, Lisboa, Fundagbo Calouste Gulbestian, 2/1987. pL 161 6 Pavlo Ferceira de Cast, 0p. 11, BAIS Tomas Borbs ¢ Fernando Lopes Gragisep ci, Vol. ps “thd 9 58 7.1.3. Luis de Freitas Branco ¢ a introdugéo do modernismo em Portugal Coube a Luis de Freitas Braneo (1890-1955), simultaneamente compositor, pedagogo e musicégrafo e, em conjunto com Viana da Mota, uma das figuras ais importantes do panorama musical portugués na viragem do sécuto, o papel de aproximar a msica portuguesa das correntes estéticas europeias mais moder- nas da época’, Este facto valeu-lhe a denominagao ce «introdutor do moder- nismo em Portugal»’, mas a sua obra foi ainda insuficientemente estudada para se poder avaliar com rigor a posi¢do que ela realmente ocupa na historia da nossa miisica. Nascido em Lisboa, e demonstrando um precoce talento para a mésica,estuda com Augusto Machado, Tomas Borba ¢ Luigi Mancinelli, este tltimo um maestro que se encontrava.ao servigo do Teatro deS. Carlos. Entre 1907. 1908 escreve um poema sinfnico cujo titulo revela influéncias isztianas, Depois de uma leitura de Antero de Quental. Conhece as teorias de Vincent d'Indy através do compositor Désiré Paque que entdo residia em Lisboa e entre 1910¢ 1915 desloca-se algumas vezes ao estrangeiro, completando a sua formagao com. 4 Gabriel Grovlez em Paris ¢ Engelbert Humperdinck em Berlim. Datam deste. 4 periodo algumas composigdes que reflectem a influéncia das mais modernas correntes da miisica europeia, como o impressionismo francés ¢ 0 atonalismo schénberguiano, entre elas 0 poema sinfénico Paraisos Artificiais, inspirado na obra homénima de Baudelaire, cuja estreia em 1913 foi mal recebida pelo piblico,e Vathek, Variagdes Sinfénicas sobre wm tema oriental, obra datada de 1914 que David de Sousa se recusou a dirigir, s6 vindo a ser estreada muitos anos mais tarde Regressado a Portugal em 1915, desenvolve uma importante acco pedagéeica, colaborando com Viana da Mota na reforma do Conservatério. Depois de 1919 | passa a ocupar o lugar de professor das cadeiras de Harmonia ¢ de Ciénci ‘Mubicais, tornando-se também subdirector daquele estabelecimento até 1924, Na vida do compositor, o periodo seguinte corresponde a0 inicio da composi. ‘ho de algumas obras de caricter marcadamente nacionalista, de que so ‘exemplo as duas Suites Alentejanas, de uma série de quatro Sinfonias cscritas respectivamente em 1924, 1926, 1943 ¢ 1952, ede outras obras de raiz neoclis- sica e inspiragdo renascentista como os Madrigais Camonianos. ‘Além da publicaglo de varios trabalhos musicogrificos ¢ da realizagao de conferéncias, Luis de Freitas Branco exerceu também a actividade de eritio musical em periédicos como Didrio lustrado, Monarquia, Correio da Manki, 4 Didrio de Noticias, Didrio de Lisboa O Século, Em 1929 fundou a revista Ane Musical, da qual foi director até a sua extingao em 1948. ty Muito considerado pela facgio anti-salazarista da musicografia portuguesa, acgdio de Freitas Branco foi avaliada por Fernando Lopes-Graga como ade ‘um opositor a0 dominio da épera, «cultivando as formas orquestrais ¢ &, cdmara»’, Lopes-Graga realca ainda a importancia das primeiras obras do compositor, colocando-as a par do movimento de rerovagio cultural empreen- ido nos alvores da Repiiblica nos campos das artes plisticas e das letras por figuras como Amadeu de Sousa Cardoso, Almada Negreiros, Fernando Pessoa ¢ Mario de Sa Carneiro. Sintomatica da leitura ideoldgica de esquerda que Lopes-Graga faz da figura de Luis de Freitas Branco € a auséncia de qualquer mengio & passagem do compositor pelo grupo monirquico do Integralismo Lusitano, da qual resultaram abras como a oratéria As Tentagdes de S. Frei Gil (1911), sob texto de AntSnio Correia de Oliveira, eo poema sinfnico Viriaro! Ocritico e musicégrafo Jodo de Freitas Branco propunha para a obra de seu pai uma divisdo em trés linhas de forga’ + a primeira partindo do poema sinfénico Depois de uma leitura de Antero ¢ abrangendo quase todas as obras da primeira fase (ciclos de cangies, Paraisos Artificiais, Vathek, Quarteto de cordas e Prekidios para Piano), + @ segunda compreendendo as obras de designagdo clissica (nomea~ damente as Sonatas para violoncelo ¢ piano e para violino e piano); + eaterceira a linha nacionalista, que deve por sua vez ser subdividida em duas. A primeira é influenciada, como ja dissemos, pelo Integra- lismo Lusitano (poema sinfénico Viriato, de 1916), enquanto que & segunda reflecte o espirito da politica cultural preconizada na reforma do Conservatério (Suites Alentejanas). Embora as obras do primeiro periodo correspondam & fase de maior origina- lidade na produgdo do compositor, elas representam vias estéticas que nao’ viriam a ser objecto de uma exploragio posterior, Se é certo que, por exemplo, ‘no poema sinfonico Paraisos Artificiais se poderéo apontar algumas influén- cias de Debussy, trata-se de um caso isolado no conjunto da sua produgio. Na realidade, 0 aspecto mais notério no conjunto da obra do «introdutor do modcrnismo em Portugal» parece ser 0 ecletismo, que é paradigmatica ou profeticamente intencional no caso de Vathek, j& que cada variagio é tratada segundo uma técnica ¢ uma concepedo estética diferentes. Por outro lado, a sua miisica dever pouco a utilizagdo directa de temas folcléricos, excep- twando 0 caso das Suites Alentejanas. As wobras de designagio classica» datam todas elas da segunda década do stculo — 1 Sonata para violino e piano (1907), Quarteto de cordas (1911), Sonata para violoncelo e piano (1913), Concerto para violino e orquestra (1916) —¢ filiam-se ainda nos principios da escola classicizante franco-belga de César Franck, «sem repiidio da sua forte componente romantica e com assimila- sfode um Gabriel Fauré no caso da Sonata para violoncelo e piano. A Primeira Sinfonia, estreada em Lisboa em 1925, representa, na opiniao de Joly Braga Santos, «um dos primeiros exemplos, na misica europeia, do regresso as grandes formas clissicas, apés a revolugdo impressionista». Para Joo de Freitas Branco, ela ¢ 0 resultado de um empenhamento consciente numa reaccio a0 debussysmo que para o compositor seria a atitude estética necessaria no momento, empreendido através de um retorno ao sinfonismo do século XIX’. Id, pp. SAU383 ® Adriana Latino, «Las de Freitas Branco (2 panel Doletn da Asscingio Por: tuguesa de Educagao Mast. cal, 65 (1990), pp. 38 te Repare-se contudo que no caso portugués se tratava, mais do que de um verda- deiro retorno, de uma necessidade de criar, de certo modo a posteriori, uma tradicdo sinfénica que, salvo 0s casos isolados de Joao Domingos Bomtempo ede Viana da Mota, nunca havia chegado a existir. 7.1.4 Tendéncias impressionistas, nacionalistas ¢ neocldssicas na misica portuguesa Na primeira metade do século XX hi um grupo relativamente grande de compositores que se tenta aproximar das varias correntes existentes na musica europeia e para os quais, um pouco 4 semethanga do itinerdtio definido por Luis de Freitas Branco, Parise iré tornar o principal centro de formacao, logo seguido de Berlim. Um dos mais importantes nomes da musica portuguesa do principio do século, principalmente pela dimensio internacional da sua carreira, é 0 do maestro e compositor Francisco de Lacerda (1969-1934), natural da itha de S, Jorge (Agores). Tendo estudado no Conservatério de Lisboa, onde ensinou entre os anos de 1891 e 1895, partiu nesse tltimo ano para Paris com uma bolsa de estudo, inscrevendo-se inicialmente no Conservatério ¢ a partir de 1897 na Schola Cantorum, onde prossegue os seus estudos ce composigaio com Vine cent d'Indy, que o iniciaré também na diteceao de orquestra. Durante esses anos convive com figuras importantes do meio musical parisiense, como Charles Widor, Romain Rolland, Manuel de Falle, Isaac Albeniz, Albert Roussel ou Eric Satie. Passa uma grande parte do ano de 1899 nos Acores, dedicando-se 4 recolha de melodias populares e a partir de 1900 comega @ assistir na Alemanha aos Festivais de Bayreuth, roteiro inevitavel da maioria dos miisicos do seu tempo, trabalhando ao mesmo tempo com os inaestros Artur Nikisch e Hans Richter. Em 1904 assume a diree¢o dos concertos do Casino deLa Baule, iniciando assim uma carreira que o levard a dar a conhecer o repertério do Grupo dos Cincoe de outros compositores russos, assim como as obras dos contemporaneos franceses, nos coneertos da Kursaal de Montreux, ou a dirigir os Grandes Concertos Clissicos de Marselha (1912-1913 ¢ 1925-28). Em 1913 € convidado para acompanhar a companbia de bailado de Diaghilev numa digresséo a América, convite que se vé forgado a declinar, sendo substituido pelo maestro suigo Emest Ansermet, que havia sido seu aluno. Entre 1913 e 1921 encontra-se praticamente radicado nos Acores, fazendo recothas de misica folelérica e dedicando-se a composigao. Posteriormente tentard fundar em Portugal uma orquestra, a Filarmonia de Lisboa; mas dado o falhango dessa iniciativa parte de novo para Franga, onde dirige audigoes de grandes obras, como as Paixdes ¢ 0 Magnificat de Bach, O Requiem Alemao de Brahms ou o Parsifal de Wagner. Em 1928 volta doente para Lisboa, onde, embora impossibilitado de dirigir, continua a sua actividade de investigador da misica popular portuguesa ¢ de conferencista. ‘Como compositor parece ter sido bastante influenciado por Debussy, sendo autor dos poemas sinfénicos Almourol e Alcdcer, de miisica de cena para A Intrusa de Maetertink, © de diversas obras para piano, de entre as quais se destacam as Trente six histoires pour amuser les enfants d'un artiste. Noentanto oseu mais importante contribute € sem diivida a colecgdo de Trovas para canto ¢ piano, algumas das quais existem também em versio para orquestra’, No Porto a personalidade central deste periodo & Claudio Carneiro (1895- 1963), 0 qual estudou com o compositor francés Lucien Lambert, radicado naquela cidade, trabalhando posteriormente em Paris com Charles Widor ¢ Paul Dukas e vindo a tornar-se professor do Conservatério da sua cidade natal. A sua produgio inclui uma vasta componente vocal, assim como obras, para piano (Bailadeiras) ¢ de camara (Quarteto de Cordase Sonata para violino piano), Devem ainda mencionar-se algumas obras sinfénicas como Prelidio, Corale Fuga, titulo de inspiragdo franckista estreado em Paris noano de 1923, Portugalesas, ¢ 0 bailado A Nau Catrineta. Inspirado sobretudo pela misica francesa dos anos vinte e trinta, Cléudio Carneiro temtou também no entanto algumas incursées no campo do dodecafonismo’, Compositor ¢ chefe de orquestra, Frederico de Freitas (1902-1980) estudou inicialmente no Conservatdrio de Lisboa. A sua formago no estrangeito foi breve, resumindo-se apenas a uma viagem de estudo a Paris durante os anos vinte, Em 1935 torna-se director de Orquestra da Emissora Nacional eem 1940 funda a Sociedade Coral de Lisboa, com a qual emprecnde uma significativa actividade concertistica, interpretando obras como a 9.* Sinfonia de Beetho- ven, o Magnificat de Bach, a oratéria Elias de Mendelssohn, ou o Messias de Handel. Dirigiu ainda a Orquestra do Conservatério do Portoc a Orquestra da Emissora Nacional. Como compositor a sua producto & muito variada bastante desigual, tendo-se dedicado simultaneamente ao repertorio erudito e 0 repertério ligeito, No primeiro caso cultivou © modalismo ¢ o politona- lismo, chegando mesmo a aproximar-se da atonalidade em obras como a Sonata para violino e violoncelo ou 0 Quarteto concertante, Na opinigo de Lopes-Graca, a sua miisica deve bastante ao nacionalismo, apoiando-se direc- tamente em certos casos na misica popular portuguesa, principalmente nos seus bailados escritos para o grupo Verde Gaio, de que é exemplo Dana da Menina Tonta’. Sem diivida um dos mais promissores miisicos portugueses dos inicics do nosso século, Anténio de Lima Fragoso (1897-1918) morreu com vinte e um anos apenas, vitima da pacuménica —tal como Amadeu de Sousa Cardoso, a grande esperanca portuguesa no campo das artes pldsticas — logo apés ter terminado 0 Curso do Conservatério em Lisboa, Assuas obras mais significa- tivas, eseritas sensivelmente entre 1915 ¢ 1918 (Petite Suite, Prelidios, Noctur- nos e Sonata para piano, Cangdes do Sol Poente sobre poemas de Antonio Correia de Oliveira, Fétes Galantes e Poémes Saturniens sobre textes de “Tomis Borba e Fernando Lopes Gragayop ett, Vol.2, pp. 8941, * paulo Ferreira de Castro, op. tt, p14, * Tomis Borba ¢ Fernando Lopes Graga,op. ci, Vol 1, p. $40-54 16s aE Verlaine para canto piano, Suite Romantica para violino e piano e ainda um Trio para piano, violino e violoncelo) revelam-nos um compositor de grande talento, préximo das influéncias impressionistas (rancesas, nomeadamente de Debussy ¢ Fauré', Representantes de uma estética mais neoclassica ¢ conservadora so Armando allie José Fernandes (1906-1983) e Jorge Croner de Vasconcelos (1910-1974). 0 primeiro estudou no Conservatério de Lisboa, partindo em 1934 para Paris como bolseiro, onde até 1937 estudou piano e composigo com Alfred Cortot, Nadia Boulanger, Paul Dukas e Igor Stravinsky. A partir de 1942 cxeroeu a actividade exclusiva de compositor para o Gabinete de Estudos Musicais da Emissora Nacional. Em 1953 entrou como professor de Composigao para 0 Conservatério, cargo que $6 viria a abandonar apés a jubilagao. O espitito neoclissico da sua obra nao exclui a utilizagao de uma linguagem bastante ‘ctomitica, assim como de temas populares, Escreveu muita misica de camarae tum bailado para o grupo Verde Gaio, Quanto a JorgeCroner de Vasconcelosé autor de uma obra reduzida, tendo-se dedicado especialmente a docéncia. A sua formagio tinka também tido lugar na capital francesa, onde seguiu os cursos da Ecole Normale de Musique, sob a direcgao de Paul Dukas, Nadia Boulanger, Igor Stravinsky e Alfred Cortot. Principal aluno ¢ herdeiro do neoclassicismo de Luis de Freitas Branco é contudo Joly Braga Santos (1924-1988), que além da formacio adquirida com aquele estudou por periodos relativamente curtos em Veneza ¢ em Roma. A sua obra, predominantemente sinfénica, desenvolve-se de inicio segundo duas vertentes: + ado modatismo com raizes na polifonia portuguesa antiga; + ¢ a da influéncia da miisica popular portuguesa, em especial do Alentejo. A partir de 1962 evolui para um cromatismo bastante livre, chegando a atingir a dissolugdo da tonalidade. Entre as suas obras mais importantes contant-se seis sinfonias (escritas entre 1947 ¢ 1972) ¢ ainda trés éperas: Viver e Morrer, Mérope ¢ Trilogia das Barcas, esta iltima cantada rezentemente no Teatro de ft S. Carlos Mat» Recapitulando o que ficou dito, o principal pélo de referéncia dos compositores de que temos vindo a falar radica-se claramente na misica francesa, da escola de César Franck a Vincent D'Indy, de Fauré a Debussy e Ravel, de Poulenc a Past Dukas. Seguindo uma linha iniciada por Luis de Freitas Branco nos anos vinte, muitos desses compositores abordaram também 0 neoclassicismo; outros aindt sempre de forma bastante pouco sistematica e consistente. Por outro lado, @ tacionalismo, com recurso aos temas do folelore portugués, parece ter sido também um objectivo que os nossos compositores nunca perderam de vista, tendo ehegado em alguns casos a realizar trabalho de campo para recolha dos materiais em que viriam a inspirar-se, Seo conjunto da sua produgdo apresenta um cardcter bastante caleidoscépico nem sempre esteticamente coerente, esse facto parece resultar em lerga aedida dos seus esforgos no sentido de criarem um repert6rio de mésica instru- F mental, ¢ em especial de misica sinfénica ¢ de cémara, para o qual no existia cnlre nés uma tradi¢ao anterior em que se pudessem apoiar, 12 A miisica no pertodo do Estado Novo 12.1 Fernando Lopes-Graca ea derradeira tentativa de criagdo de uma misica nacional Pertencente & mesma geracdo dos compositores anteriormente referidos & figura de grande destaque no panorama da musica nacional deste século, Femando Lopes-Graga nasceu em Tomar em 1906, Em 1923 matriculou-se no Conservatério de Lisboa, onde fez 0 Curso Superior de Composigio e contac- tou com Viana da Mota. Matriculou-se também na Faculdade de Letras, fsbandonando-a em 1931 numa atitude de protesto que dard infcio a um longo percurso de oposicdo ao regime salazarista que o conduziu por varias vezes & pristo. Nos anos de 1934-35 realizou pela primeira vez em Portugal audicdes de mmisica para piano de Paul Hindemith € de Arnold Schénberg, escrevendo flunbém os primeiros ensaios publicados por um autor portugués sobre estes ompositores. Em 1937 parte para Paris a expensas suas para estudar compo- ipdo, orquestragdo e um pouco de musicologia cem 1938 comeca a harmonizar angies populares portuguesas, enveredando por um folclorismo na linha de Béla (ke de Zoltan Kodaly que viria a ser uma das principais linhas de forca da ss orientagio estétic a 1940 ganha pela primeira vez 0 prémio de composigio do Circule de ura Musical ¢ no ano seguinte é um dos fundadores da Sociedade Sonata. #'n0S anos cinquenta (1954), a sua situago politica agrava-se, sendolhe rado, por decisao ministerial, o diploma de professor do ensino particular, Pcto que o forea a abandonar a Academia dos Amadores de Miisica onde Wolvera uma significativa accéo pedagdgica. Promove entao a publica- f° do Diciondrio de Miisica, iniciado por Tomés Borba ¢ completado por ele prio, € em 1960 edita com Michael Giacometti o primeiro volume da sportante recolha discografica Antologia da Musica Regional Portuguesa. Em pi3 reassume as fungbes de director artistico da Academia dos Amadores de TSF ee 67 " Maro Visita de Carvalho, (0 Esseneal sobre Femands Lopes Graco, Lisboa. Limprensa NacionalCasa da Moeda. 1989, p 7. = fd p88. 1974 assume a presidéncia da Comissao para a Reforma do Ensino da Misica © em 1984 assiste em Moscovo & primeira interpretagdo fora de Lisboa do Requiem pelas vitimas do fascismo em Portugal. Na obra de Lopes-Graca o cardcter nacional decorre principalmente do contacto directo com as fontes da misica popular, a que Mario Vieira de Carvalho dd nome de «¢misica ristica»', Esta tendéncia folclorisia ou mesmo nacionalista, se entendermos esse termo num contexto jé distante daquele em que fora utilizado durante o século XTX, parece ter estado sempre presente na obra do compositor, intensificando-se a partir dos anos trinta quando comeca a trabar nar nas primeiras harmonizagdes de cangdes populares portuguesas, basea- das ainda nas transcrigées efectuadas pelo estudioso inglés Rodney Gallop. Jé ‘Ros anos quarenta, com a realizagio de trabalho de campo na Beira Baixa, Lopes-Graga envereda por um folclorismo de raiz bartokiana, em que 0 material recolhido €é utilizado como impulso criadore fonte de inspiragdo, mas ndo abdicando totalmente também da ideia de salvamento de um repertdrio em vias de extingao, Para além de uma inegavel maestria a nivel da escrita vocal que s¢ encontra patente na enorme quantidade de cangées populares harmonizadas, o contacto coma nossa musica popular possibilitou ao compo- sitor uma assimilagao de elementos populares no ambito do seu proprio vocabulirio musical Hi na obra de Lopes-Graca a influéncia de outras correntes e compositores, como Debussy, Ravel, Falla ¢ Stravinsky. A influéncia de Ravel é particular- mente nitida no 2." Concerto para Piano e Orquestra, cujo segundo andamento se intitula «Homenagem a Ravel» ¢ evoca o andamento homénimo do Con- certo em Sol deste autor. Pode dizer-se que a carreira de compositor de Fernando Lopes-Graga foi, cm toda a sua vida, extremamente condicionada pela posicao politica que adoptou, tendo sido alias o tinico da sua geragio que assumiu uma atitude de inequivoca oposi¢do ao regime. A sua posigéo face 20 acto criativo pode-se resumir no entanto no seguinte excerto de uma entrevista concedida a Mario Vieira de Carvalho: «Aquilo em que aposto é na liberdade (liberdade na responsabilidade) da criago, na possibilidade infinita de renovagio damiésica, sim, masa margem de dogmas ede Falazes imperativos histéricos. Enquanto autor de uma importante obra ensaistica, Lopes-Graga representa também um tipo de artista intelectual que encontramos noutros compositores curopous do nosso século também em alguns portugueses como Viana da Mota ¢ Luis de Freitas Branco, embora enquadrados num contexto mais romantico. 7.2.2 A progressiva internacionalizagdo da vida musical no pés-guerra: arédio, a reabertura do Teatro de S. Carlos, as sociedades de concertos ¢ ot festivais Depois do golpe de estado de 1926, o panorama musical portugués viria a ser marcado pelo aparecimento da ridio, com a criagao da Emissora Nacional em 1933, ea fundago do grupo de bailado Verde Gaio, um veiculo de propaganda cultural do novo regime cuja ideia principal era a estilizagio de dangas populares portuguesas. Outro aspecto que marcou profundamente a cultura portuguesa da primeira fase do periodo salazarista foi a Exposigéio do Mundo Portugues, realizada em 1940 para comemorar 0 oitavo centendrio da funda- cio de Portugal. Em resultado da desconfianca do regime em relagio as manifestagoes artist 25 ndo patrocinadas por ele préprio, principalmente aquelas que se encontra- ‘vam ligadas a associagdes internacionais — como por exemplo a Juventude Musical que viria a ser introduzida em Portugal em 1947 — assim como da institui¢do da censura na imprensa, 0 pais tende a isolar-se das correntes artisticas e culturais mais vanguardistas da Europa contempordnea. ida a Emissora Nacional esta a criagdo da Orquestra Sinfénica que funcio- nava adjunta a esse organismo (1934), a qual existiu até 1989 e que viria a ser substituida, juntamente com a Orquestra Sinfénica do Porto, pelo projecto controverso da Régie Sinfonia. Na sua primeira fase. a Orquestra contou coma colabora¢do do maestro Pedro de Freitas Branco (1896-1963), que se tinha evidenciado no panorama nacional e internacional, sendo em 1932 convidado por Ravel para dirigir um concerto onde estavam incluidas varias estreizs de obras deste compositor. Entre nés dedica-se especialmente & divulgacto de obras fundamentais do repertério contempordineo, sendo deveras interessant- {es os seus programas dos Concertos Sinfinicos de Lisboa, onde no inicio dos ‘anos trinta se ouviram entre outros 0 Pdssaro de Fogo, Fogo de Artificio ea 2,* Suite de Stravinsky, os Dois Retratos ea Rapsédia para piano de Béla Bartok, com © compositor ao piano, 0 Bolero ¢ os Concertos para piano de Ravel, a suite de O amor das trés laranjas de Prokofieff, a Pacific 231 de Honegger, as Saudades do Brasil de Milhaud, etc. Também nos concertos da Divulgecao Musical, promovidos por Ema Romero da Camara Reis, se ouviram nos znos trinta e quarenta obras como o Pierrot Lunaire de Schénberg, Das Marienleben de Hindemith, © Octeto © 0 Concerto para dois pianos de Stravinsky, bem como composigdes de Satie, do Grupo dos Seis, de Barték, de Kodaly, etc. Em 1934, por iniciativa de Elisa de Sousa Pedroso, é fundado o Circulo de Cultura Musical, uma associagio de concertos que fara ouvir a0 pitblico de Lisboa os mais destacados nomes da miisica portuguesa ¢ também da cena internacional como Prokofiev, Casella, Poulenc, Honegger ¢ Hindemith. Por iniciativa de Ivo Cruz, que viria a ser nomeado director do Conservatério Nacional em 1938, criaram-se em Lisboa a Sociedade Coral Duarte Lobo (1931), ea Orquestra Filarménica de Lisboa (1937) enquanto no Porto écriada em 1947 a Orquestra Sinfénica do Conservatério, que viria mais tarde a ser sotegrada na Emissora Nacional, Em 1951 éfundadaa Pré-Arte, organizagaio de concertos ligada ao Conservatério de Lisboa, tendo em vista a descentrali- ago da cuftura no nosso pais, ¢ em 1942 um grupo de intelectuais em que se destacava a figura de Fernando Lopes-Graga cria ainda a Sociedade Sonata, * paulo Fercera de Castro, op cut, p18. especialmente virada para a divulgagdo da miisica contempordnea, tanto portuguesa como estrangeira. Sob o impulso de Anténio Ferro, surge em 1942 um Gabinete de Estudos Musicais ligado a Emissora Nacional, um dos poucos organismos que, em conjunto com o grupo Verde Gaio, iria constituir um incentivo & criagio musical entre nés através de encomendas a compositores entre Os quals sé destacam Rui Coelho, Jorge Croner de Vasconcelos, Frederico de Freitas, Armando José Fernandes c Claudio Carneiro. Na opinido de Paulo Ferreira de Castro’, as obras resultantes destas encomendas, nomeadamente os bailados, sio em termos estéticos aparentadas com um modernismo moderado, sempre proximo das tendéncias foleloristas. Com as comemoragdes de 1940 esté ainda relacionado um facto de importan- tes consequéncias para a nossa vida musical: a reabertura do Teatro de S. Car- los, que se encontrava encerrado desde, 1927. Apés as obras de restauro iniciadas em 1938, o teatro reabriu com a pera D. Jodo IV de Rui Coelho, pasando a partir de 1946 a ser directamente administrado pelo Estado. Virado para um piiblico que compreendia grosso modo a elite social da época, © Teatro de S. Carlos teria a possibilidade, gragas a factores de natureza econémica mas também de natureza politica, de apresentar a esse piblico algumas das maiores vedetas da cena lirica intemacional. Quanto ao reperts- rio, manter-se-& sempre numa linha bastante conservadora, raramente incluindo produgées comtemporaneas. Em 1963, por iniciativa da FNAT, Fundagdo Nacional para a Alegria no ‘Trabalho, é criada uma companhia portuguesa de Spera, que passaria a estar sediada no Teatro da Trindade, a qual viria a oferecer aos jovens musicos portugueses algumas perspectivas de carreira, sem no entanto ter logrado estabelecer uma tradigao lirica nacional. Ha um niimero importante de intérpretes portugueses ou radicados em Portu- gal cuja carreira coincide em parte com o perfodo do Estado Novo, entre eles os cantores Tomés Aleaide, Guilherme Kjélner, Arminda Correia ¢ Judith Lu Freire, as pianistas Helena Moreira de S4 e Costa, Maria da Graga Amado da Cunha, Sérgio Varela Cid, José Carlos Sequeira Costa, Marie Antoinette Lévé- que de Freitas Branco ¢ Nella Maissa, 0s violinistas Vasco Barbosa, Leonor Prado ¢ Antonino David, ou o violinista e maestro Silva Pereira ‘Também a musicologia histérica conhece a partir dos anos trinta um importante desenvolvimento, com os trabalhos de Manuel Joaquim, Mario de Sampaio Ribeiro e, principalmente, Macario Santiago Kastner. Entre as mais importan- tes publicagdes periddicas portuguesa contam-se a Arte Musical, retomada em 1958 como érgao oficial da Juventude Musical Portuguesa, tendo como director Joao de Freitas Branco, ea Gazera Musical, publicada a partir de 1950 por um grupo de misicos ¢ de intelectuais entre os quais se encontravam Fernando Lopes-Graca e Joo José Cochofel. 7.3 Dos anos sessenta aos nossos dias Oisolamento das décadas de trinta a cinquenta comegarda ser quebrado pela progressiva abertura do pais ao exterior e, no plano musical, pela vulgarizagio dos mass media, a radio, a televisio ¢ o cinema, Mas sem diivida um dos mais importantes factores de mudanga na miisica portuguesa a partir dos anos sessenta foi 0 estabelecimento entre nés da Fundagdo Calouste Gulbenkian (1956) e, principalmente 0 incremento dado ao seu Servigo de Miisica por Maria Madalena de Azeredo Perdigio. ‘Uma das primeiras iniciativas da Fundagdo no campo musical foram os Festivais de Musica Gulbenkian (1957-70), no Ambito dos quais vieram a Portugal alguns nomes cimeitos da cena internacional, como Herbert ven Karajan, Em 1962 foi criada a Orquestra de Camara Gulbenkian, que a partir de 1971 passou a chamar-se apenas Orquestra Gulbenkian, Ainda nos anos sessenta a Fundagio Gulbenkian viria a desenvolver uma notdvel actividade de divulgagio da miisica portuguesa do passado, insti- tuindo a colecg4o Portugaliae Musica, na qual tém vindo a ser publicadas algumas das obras mais significativas dos nossos compositores dos séculos XV1.a XVIIL, ¢ promovendo a gravacdo em disco de obras como um dos Te Deum compostes por Joao de Sousa Carvalho ou a dpera La Spinalba de Francisco Anténio de Almeida. Mais recentemente, a Fundagio tem também subsidiado gravagdes de obras de autores portugueses executadas por grupos estrangeiros. Atrayés do seu sistema de bolsas de estudo 2 Gulbenkian tem tido um papel relevante na formacio da maioria dos mésicos portugueses da nova geracao, bem como de um certo mimero de investigadores no campo da musicologia. No Proprio edificio da Fundagio tém lugar desde 1970 temporadas regularcs de concertos, com a participagao de artistas nacionais e estrangeicos, bem como as Jornadas de Miisica Antiga (desde 1980) ou os Encontros de Méisica Contem- pordinea (desde 1977). No dmbito destes iltimos Encontros a Fundago desen- volveu uma politica de encomenda de obras aos compositores portugueses. A partir de 1983, viria a ser instituido no Centro de Arte Moderna um Servigo de Animagao, Criagdo Artistica e Educagdo pela Arte que promove também concertos e actividades musico-teatrais, No inicio dos anos setenta o Teatro de S. Carlos foi objecto de uma tentativa de renovacio, principalmente a nivel do repertério, levada a cabo por Jodo de Freitas Branco apés z morte de José de Figueiredo, o director nomeado por Salazar em 1946. Em 1980-81 0 Teatro passou a funcionar como empresa piiblica, tendo como presidente José Serra Formigal, depois de ter sido dirigido por Joao Paes, No inicio dos anos oitenta formou-se também a Orquestra Sinfénica do Teatro de S. Carlos assim como uma companhia residente que passaria a funcionar como suporte da grande maioria do reper- torio levado cena, conjuntamente com algumas vedetas internacionais, mes Que nos ltimos anos tem visto a sua participagio nas temporadas de épera ma "hd. p18 sd. reduzida ao minimo. No momento presente mantém-se uma total indefinigio anivel governamental sobre 0 futuro do nosso dinico teatro lirico, que chegou a estar ameacado de extingao. No que diz respeito & criagdio musical, os anos sessenta marcam uma ruptura 4 acentuada com panorama das décadas anteriores. Embora continuem acti- vos alguns dos nomes ja citados, como por exemplo Joly Braga Santos ou | Fernando Lopes-Graga, sto compositores como Vietor Macedo Pinto (1917- -1964), Fernando Correia de Oliveira (n. 1921), Maria de Lurdes Martins 3 (0, 1934), Filipe de Sousa (a. 1827) ou Filipe Pires (a. 1934) que numa primeira fase fazem a ponte entre as 4 referidas tendéncias neoclassicas e outros processos ¢ escrita mais préximos da vanguarda curopeia'. Sera principalmente a partir os cursos de miisica contemporanea realizados em Darmstadt na Alemanha que os compositores portugueses da geragdo de sessenta comegar’o a renovar ‘© panorama da composicao entre nds, contando-se entre estes Alvaro Cassuto, Filipe Pires, Jorge Peixinho, Constanca Capdeville ¢ Alvaro Salazar. Filipe Pires (n. 1934) estudow no Conservatério do Porto e entre 1963 ¢ 1969 frequentou os Cursos de Darmstadt, trabalhando também em Berlim. Em 1972 tealiza um estagio na ORTF em Paris, especializando-se em misica electroacistica com Pierre Schaeffer. Também Alvaro Cassuto (n. 1938), que havia feito a sua formago com Artur Santos ¢ Fernando Lopes-Graga, Frequentou os Cursos de Darmstadt e estreou-se como compositorem 1959 no Festival de Sintra, optando por um «dodecafonismo mais ou menos rigoroso»", mas viria a dedicar-se principalmente & direcgao de orquestra. A figura principal do movimento vanguardista portugués dos anos sessenta é no entanto Jorge Peixinho (n. 1940). Tendo frequentado os Cursos de Darms- tadt desde 1960, estudou com Boris Porena e Goffredo Petrassi na Accademia di Santa Cecilia de Roma ¢ posteriormente, como bolseiro da Fundagio Gulbenkian, com Pierre Boulez, Karthcinz Stockhausen ¢ Luigi Nono. Tem desenvolvido uma intensa actividade de compositor, fundando em 1970 0 Grupo de Miisica Contemporanea com o qual se apresenta frequentemente em piiblico. Entre as suas obras mais significativas contam-se CDE, Quatro Pecas para Setembro Negro, Elegia a Amilcar Cabral, As Quatro Estagées, Ma fin est mon commencement ¢ Miisica em Agua e Mérmore. Outro dos compositores portugueses que frequentaram os Cursos de Darms- tadt ¢ Emanuel Nunes (n. 1941) 0 qual desenvolve « sua actividade entre Parise @ Alemanha, com algumas passagens por Portugal, nomeadamente no ambit dos Encontros de Miisica Contemporainea da FundagZo Gulbenkian. Das suas obras destacam-se Degrés para trio de cordas, Litanies du feu et de la mer para piano, Grund para flauta e fita magnética e Quodtiber para solistas ¢ orquestra. O seu universo sonoro encontra-se bastante marcado pot Stockhausen. Spee bene UPN PEPER MEIN MT, Abra de Constanga Capdeville (1937-1992) comecoua ser conhecida nos anos sessenta com Diferencas sobre umt Intervalo e Momento I. Enveredando depois pelo campo do happening ¢ do teatro musical (instrumental, vocal e fisico), com Libera me, Double, Don't Juan, Doppiomagio ou Amen para uma auséncia, criou em 1985 0 grupo Colecviva com o qual levou a cabo espectaculos com obras da sua autoria. ‘Também Alvaro Salazar (n. 1938) constituiu no Porto 0 seu proprio agrupa- mento, a Oficina Musical, com o qual tem apresentado um importante reper- trio de obras contemporaneas portugueses, incluindo também as da sua autoria, de entre as quais se devem destacar Glosa e Fanfarra sobre uma Faniasia de Antonio Carreira, Palimpsestos, Ludi Officinales, Quadrivium & Taleae. A sua actividade extende-se também ao dominio da dirces30 de orquestra e da docéncia, Entre os compositores da geraciio de sessenta deve- mosainda mencionar Candido Lima (n. 1939) ¢ Anténio Vitorino de Almeida (n, 1940), A geragdo mais jovem pertencem nomes como Anténio Pinho Vargas, Paulo Brandao, Joao Pedro Oliveira, Anténio Sousa Dias ¢ Alexandre Delgado Pélos de descentralizagdo da vida musical tém constituido nas iltimas décadas diversos Festivais de Vero, entre os quais se destacam o Festival da Costa do Estoril, o de Sintra, dos Capuchos, do Algarve, de Viana do Castelo, dos Agores ¢ da Madeira, Apesar das sucessivas reformas de que os Conservatérios tém vindo a seralvo desde 0 inicio dos anos setenta, o ensino parece continuar a constituir 0 problema de fundo da miisica portuguesa, traduzido sobretudo na caréncia de | un niimero suficiente de professores qualificados para cobrirem as necessida- desdo pais, a par naturalmente da crise de instituig6es t&o importantes como as orquestras sinfonicas ou 0 Teatro de S. Carlos. Em 1980 foi criado um Departamento de Ciéncias Musicais na Universidade Nova de Lisboa onde sio leccionadlos cursos de licenciatura ¢ de mestrado, ¢ em 1983 duas Escolas Superiores de Miisiva, respectivamente em Lisboa ¢ no Porto. Mais recente- mente a Universidade de Aveiro comegou também a leceionar uma licencia~ ‘ura em Musica, Bibliografia sugerida BRANCO, Joao de Freitas, Alguns aspectos da miisica portuguesa contemporinea, Lisboa, Edigdes Atica, 1960, CARVALHO, Mario Vieira de, 0 Essencial sobre Fernando Lopes-Grace, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1989, m3

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