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éa Rua dos Condes ¢ do Salitre, no intervalo das representagbes ou, ap6s a inauguragio do Teatro de S. Carlos em 1793, no intervalo das éperas sf b levadas & cena, Como era corrente na época, os programas desses concertos incluiam arias e duetos de épera, alternando com sinfonias ¢ concertos para un instrumento solista e orquestra, Nas raras vezes em que sio mencionados 05 autores das obras podemos verificar que a0 Jado de arias de compositores italianos como Cimarosa e Paisiello, ou em certos casos de compositores porte ‘queses, se ouviam também sinfonias de Haydn. Existem por outro lado indica- gles de que a autorizagiio de concertos piiblicos foi muitas vezes dificultada pela Intendéncia Geral da Policia que, nos anos em torno da Revolugio Francesa, receava qualquer tipo de iniciativa social que pudesse servir de pretexto a reunides de caracter politico. De dois concertos realizados em 1799 e 1800 pela prima donna ¢ violinis:a Luigia Gerbini, que havia sido contratada para 0 Teatro de S. Carlos, existe uma rara descrigao, feita pelo visitante succo Carl Israel Ruders, que merece a pena transcrever aqui: Luisa Gerbini, que chegou no Verdo passado, dava a principio concertos de rabeca, mas foi depois escriturada também como actriz Esses concertos realizavam-se no mesmo teatro, nos intervalos dos espeetéc- los, sempre com enchentes 2 cunha. Mademoiselle Gerbini € disciputa de Viout, 0s conhecedores dizem que é superior a todas as «virtuoses» conhecidas. A principio chamavam-the, nos carta7es, «oélebre professora», mas agora esics empolados epitetos de «célebre professora», «famosa senhoray outros foram postos de parte, ¢ nos cartazes lé-se simplesmente: «Esta noite Luigia Gerbini daré um concerto de rabeca», {Quando aparece em cea é sempre reid com muitas salva de palas, nas logo & primeira arcada fazse um tal incio entre os dois mil espectadores atentos que ndose pode imaginar mais profundo o sitnciodo proprio vacuo ‘Todos os olhos seguem avidamente 08 movimentos do arco. A menor pausa compe, age daca, um ou outro bravo, que invotuntariamente se escapa dos libios num murmirio abafado; mas quando a artista para para descan- sar, as palmas comprimidas estalam com uma violéncia que parece delino. i + Para além dos concertos piblicos, encontramos diversas referéncias a concertos privados e & pratica musical doméstiea nas casas da nobreza e da burguesia lishoeta durante a segunda metade do século XVII. Os diairios de William Beckford (1787-8) e do embaixador francés Marques de Bombelles (1786-8), por exemplo, [ornecem-nos abundantes testemunos dessa pratica no reinado de D. Maria 1. O primeiro conta por exemplo como foi tomar o pequeno almogo a casa do Marqués de Penalva a Santa Apolénia, e como ali ouviu Anténio Leal Moreira tocar cravo, ou como 0 jovem Marques tocava piano- forte de ouvido «with infinite taste»*, Durante a sua estada na Quinta do Ramalhao, em Sintra, Beckford teve muitas oportunidades de executar ele proprio ou de ouvir miisica de Joao de Sousa Carvalho, de Jerénimo Fran- cisco de Lima ou de Haydn excelentemente tocada, segundo ele, por ins:ru- Catt seal Ruders, Huger fom Portugal 1798-1602, Ls boa, Biblioteca Nacional, 181, p93 The Journal af Wallan: Beckford im Portegel ond Spain 1787-1788, Londees, Rupert Har-Davs, 1958, pfs 19 20 " dtacquis de Bombelles, Journal un ambassadeur de France au Portugal 1786. Pans, Presets Univer sitaires de France, 1979 (Fondation Csiouste Gul- benkian, Publications du Cente Culturel Porwugie), P. ICO: sobre © prética dos ‘concertos pabeas e prvae os nesta época ef. nds Manvel Catlos ge Brito, ‘Concervos publicos em Lishoae ne Porto os fines so sculo XVI. Estudos de Histiria da Misica em Bor. gel, Lisboa. Editorial stampa, 1989, pp, 16787 (Cf Koda Manuel Carreira, Reflesiin brogrifica sobre Juan Pedro Almeyda Mota V Encontro Nacional de Musicologia — Actas in Bolerim ds Assovacdo Por. uguesa de Edueacdo Musical 58 1988), pp. 62-66,¢ Flam betto Avil” Un enigma esvendado — a dencidade do compositor lod0 Pedro de Almeids Mota» Revista Portuguese de Muscoozia, Vol F990), ap 1setas ch Movar de Araujo, 4 Modtaha e0 Lunduna Seculo XVIII, $80 Pavia. Bicord rasa, 196, * Didnn de Wiom Beckford em Portage! « Espante, pt * Mosinhas dest tipo enene tramse na Gniea edigha moderna portugvesa deste reperéno, Modrmhar Lito -Brasieras, Uisboa, Fond Ho Calouste Gulbenkian, 1984 (Portgaize Musica XLV, mentistas da Real Camara postos & sua disposicdc pelos bons servigos do Marquis de Marialva e dirigidos pelo mesmo Jeronimo Francisco de Lima, ‘© Marques de Bombeltes, porsua vez, menciona comfrequéncia concertosem casa dos Marqueses de Pombal, de Marialva, de Benalva e de Alora, do ministro de Inglaterra, ou na prépria embaixada de Franga, assim como em casa de comerciantes franceses, ingleses e portugueses. Alguns desses concer- tos tinham um caracter bastante informal, participando ncles os donos da casa € 05 seus convidados, enquanto que outros eram executados por profissionais nos saldes e nos jardins, sendo acompanhados de bufetes e de ceias, ou servindo de prelidio a bailes. Bombetles afirma que omelhor concerto que lhe foi dado ouvir em Lisboa teve lugar em casa do cometciante cristo-novo Pessoa, tendo-se cantado o Stabat Mater de Pergolesiseguido de um concerto de flauta tocado por uma jovem brasileira’. Pelo que se refere & miisica para conjuntos de cdmara, que conheceu um especial desenvolvimento nos finais do século XVIII, sabemos que em 1780 colecgées de trios, quartctos, quintetos e serenatas instrumentais de Haydn e de Boceherini foram adquiridas para uso da corte, mas o tinico autor portu- gués de quartetos.de cordas desta época foi Jodo Pedro de Almeida Mota, que esteve ao servigo de varias catedrais espanholas ¢ posteriormente da corte de Madrid ¢ que € também autor de uma Passione di Gesii Cristo e de doze Divertimenti para canto ¢ pianoforte’, No repertério dos saldes aristocraticos e burgueses irk adquirir especial impor- ‘ncia a partir de 1770 um género de cangdio sentimentzl designado por modinha que parece ter sido originalmente importado do Brasil para a metrépole pela mao do poeta e cantor mulato Domingos Caldas Barbosa. A ela se encontra asso- ciado um outro género de cangao dangada de origem afto-brasileira, olundum, caracterizado pelo seus ritmos sincopados ¢ pela sua voluptuosidade’, A voluptuosidade ¢ aliés um aspecto da modinha que é normalmente sublinhado pelos escritores estrangeiros que a ela se referem, como o ja diversas vezes citado William Beckford: Quem nunca ouviu cantar modinkas ignora as mais volupluosase feitieiras ‘melodias que jamais existiram desde o tempo dos Sibaritas. Sao linguidos ¢ interrompidos compassos, como seo félego nos fallasse por excesso de enlevo © a alma anelasse despedir-sc-nos do corpo para se unir aquilo a que mais ‘queremos. Pueril e descuidadamente ganham-nos sorrateiras a alma antes que tenhamos tempo de a defendermos contra a sua enervante influéncia. Supomos estar ingerir leite ¢ estamos a ingerir veneno,* ira metade do século XIX ostilo musical da modinha serd cada vez mais influenciado pela 6pera italiana, havendo inclusive diversas modinhas que so evidentes parafrases de Arias de dperas de Bellini, Donizetti e Verdi. A partir dos finais do século XVIL a modinha comesou a difundir-se em edigdes impressas, em especial através de publicagdes periédicas como o Jornal de Modinhas dos editores Pedro Anselmo Maréchal e Francisco Domingos Mil- cent (1792-95). Entre os seus compositores contam-sc Marcos Portugal, Anté- hio Leal Moreira, o mestre de capela da Sé do Porto Anténio da Silva Leite (1759-1833) ou o guitarrista Manuel José Vidigal, Anténio da Silva Leite publicou em 1792 Seis sonatas de guitarra com acompa- nhamento de um Violino e duas Trompas ad libitum e é também autor de um Estudo de guitarra, publicado em 1795', ambos destinados a um instrumento do particular agrado das damas, semelhante ao cittern inglés c protétipo da actual guitarra portuguesa, que viria a ser o instrumento por exceléncia do fado. A modinha se tem atribuido aliés com alguma verosimilhanca o papel de antecessora do fado, género esse que niio aparece claramente definido antes do segundo tergo do século XIX, Um outro instrumento de cordas muito popular nesta altura éa chamada viola de cinco ordens (ou pares de cordas), para o qual Manuel da Paixdo Ribeiro publicou em Coimbra em 1789 uma Nova arte de viola, que ensina a tocalla com fundamento e sem mestre. Em 1799 publicowse igualmente em Salamanca um manual intitulado Escuela para tocar con per- ‘feccisn la guitarra de cinco y seis ordenes, da autotia do portugués Antonio de Abreu, Guitarrista e compositor foi também uma das mais curiosas ¢ misteriosas figuras da nossa miisica do século XVIII, 0 Abade Anténio da Costa (1714 1780p), 0 qual foi forcado a fugir do Porto em 1750, tendo posteriormente vivido em Roma, Venezac Paris, ¢ fixado finalmente em Viena, onde se tornou _atnigo do futuro Duque de Lafes, D. Joo Carlos de Braganea, e do compos f tor Gluck. O historiador inglés Charles Burney, que 0 conheccu naquela cidade, chama-the «a kind of Rousseau, but still more original», descrevendo- [, -0.como um misantropo que vivia pobremente e recusava qualquer oferta de F ajuda, 0 qual tocava muito bem guitarra espanhola (ou seja viola dedilhaca) embora num estilo muito peculiar e original. A misica de Antonio da Costa mereceu igualmente a atencdo do compositor e violinista Tartini, que viria a compor uma Sonata d Violino, e Basso ...] sopra lo stile che suona Il Prette dalla Chitarra Portoghese, e do grande mestre ¢ erudito musical Padre Giovanni Battista Martini. Originarios da biblioteca deste tltimo, conservam-se n0 Civico Museo Bibliografico Musicale de Bolonha as duas tnicas obras que hoje se conhecem do compositor, duas versdes do motete O vos omnes que sio insuficientes para ajuizarmos de um estilo que seria especialmente interessante na musica para viola dedilhada. As cartas que escreveu para os seus amigos Portugueses fazem referéncias curiosas, se bem que bastante criticas, & vida ‘musical ¢ social em Itdlia, em Franga ¢ na Austria, assim como a vida musical no Porto nos meados do sée. XVIIF, Da restante misica instrumental escrita na segunda metade do século X VILL p destaca-se a produco para instrumentos de tecla, entre os quais o pianoforte comeca jd a competir com 0 cravo, mesmo quando nao é ainda especifica- mente nomeado nos titulos das eomposigdes. Esse caricter pianistico é por cxemplo sensivel em Dodeci Sonate Variazioni, Minuetti per Cembalo, ou seja _ bara cravo, publicadas cerca de 1770 por Francisco Xavier Baptista (m. 1797), 38 Unicas obras para tecla que se publicaram em Portugal durante o século XVIII’, © mais notavel compositor de misica para tecla da segunda metade do 2S RST RIN UE NY "Ea, Tasimiada som peti 0 de Macano.Santiogs Kasiner, Lisboa, Insitto Portugués do Pateiméaio ulus, 198, Cr. Feenando Lopes Gags (ech), Cores do Abate And to da Cosi, Lisboa, Cae demos da -Seara Novas 1846, © Manuel Cerioe de Brito, A kindof Rowreau Dut sull- more original novos datos sobre 0 AbaGe Antonio da Costa Estos {ie Hist do Misica em Forge, Litboa, Editral stampa, 1989, pp. 1385, digo moderna: 12 Sanu tes para cave, Lisboa, Fu ‘ac Calouse Gulbenkian, 1981 (Portuglice Muried XXXVD. na CE Ra Vii Nery, ap. pp. 1089. Informagdo prestada por Jodo Pedro Alvatengs, da Biblioteca Nacional de Lisboa, século é porém 0 jai citado Jodo de Sousa Carvalho, autor de uma excelente Sonaia em Sol menor, se bem que subsistam dividas quanto a autoria de algumas outras sonatas que circulam com o seu nome. Neste campo pode ainda citar-se 0 nome de Frei Manuel de Santo Elias, organista do Convento dos Paulistas de Lisboa ¢ autor de trés sonatas. Entre os raros manuais para instrumentos de tecla desta época, que ensinam essencialmente a realizar acompanhamentos segundo a técnica do baixo con- \inuo numa altura em que essa técnica se encontrava jé em vias de desapareci- mento, devem mencionar-se as Regras de acompanhar para cravo, ow orgao|. de Alberto José Gomes da Silva (1768) 0 Novo tratado de musica metrica e rhythmica, 0 qual ensina a acompankar no Cravo, Orgéo, ou outro qualquer instrumento [...] do nosso mais importante teérico setecentista, Francisco Inacio Solano (1779). 5.2.4 O fabrico de instrumentos de tecla. A edigdio musical A factura de instrumentos de tecla adquire também especial importincia nesta época, destacando-se nomeadamente os cravos, clavicérdios e pianofortes construidos por Manuel e Joaquim Antunes, Matias Bostem, Henrique van Casteel e Manuel do Carmo, ou os érgios de Anténio Machado e Cerveira que ainda hoje sobrevivem em diversas igrejas do pa ‘Também a edicdo eo comércio musical conhecem nesta época um significative incremento, que € praticamente devido & actividade de um certo numero de estrangeiros. Além de Joo Baptista Reycend, comerciante de livros no Calha- riz que vendia também musicas, existiam nesta época em Lisboa pelo menos quatro lojas de misica: a Real Fabrica e Armazém de Musica dos jé citados Pedro Anselmo Maréchal ¢ Francisco Domingos Milcent (na Rua das Parrei ras, junto ao Largo de Jesus), que se cindiu em 1795 na Real Fabrica ¢ Impressio de Milsica de Milcent, na Rua de S. Paulo, ¢ na Real Impressao de Misica de Maréchal, no Chiado, ¢ as lojas de Jo8o Baptista Waltman c de Joio Baptista Weltin, ambos instrumentistas da Real Camara, respectiva- mente na Rua de S, Paulo eem frente da Igroja dos Martires. Cada uma destas lojas se especializava num certo género de misica. Assim Milcent promovia sobretudo a venda de miisica «ligeira», incluinde 0 mencionado Jornal de Modinhas, minuetes para guitarra de Manuel José Vidigal. etc. Maréchal, além de arias dos prineipais compositores italianos da época, em especial Paisieloe Cimarosa, e de composigées préprias, anunciava principalmente misica de tecla de Clementi, Haydn, Mozart ¢ Peyel, entre outros, Waltmann por seu turno vendia drias italianas, missas de Haydn, esinfonias de Mozart ou Pleyel em partitura de orquestra, devendo-se-Ihe também a publicagio de um Jornal de Modinhas Novas e a primeira edigio portuguesa de sonatas de Mozart’ Quanto a Weltin, vendia sobretudo instrumentos, incluindo flautas, clarine- tes, harpas e pianos. Bibliografia sugerida BRITO, Manuel Carlos de, Estudos de Histéria da Misica em Portugal, Lisboa, Editorial Estampa, 1989. BRITO, Manuel Carlos dee CRANMER, David, Crénicas da Vida Musical Portuguesa na Primeira Metade do Século XIX, Lisboa, (mprensa Nacional-Cass da Moeda, 1990, NERY, Rui Vieira e CASTRO, Paulo Ferreira de, Histéria da Misia (Sinteses da Cultura Portuguesa), Lisboa, Comissariado para a Europélia 91 Portu- gal/Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1991. Discografia sugerida Carlos Seixas: Sonatas de Orgdo, Gethard Doderer, Lusitana Musica/A Vor do Dono, 1981, 11CO7S-40567, LP. Sonatas para Cravo, José Luis Uriol, Portugalsom, 1988, CD870014/PS, CD. Concerto para Cravo, Sinfonia, Abertura, Janos Sebestyén, Orq, de Cémara Ferenc Liszt, Jénos Rolla, Portugalsom, 1986, 86002/PS, LP. Francisco Xavier Baptista: Sonatas, Cremilde Rosado Fernandes (Fortepiano), Portugalsom, 1986, 861001/PS, LP. A Guitarra Portuguesa nos Saldes do Séc. XVIII, Pedro Caldeira Cabral, Orfeu, 1983, LPP2, LP. Joo de Sousa Carvalho: Te Deum, B. Fournier, N. Okada, E. Grat, J. Elwes, M. Brodard, Coro e Orq, Gulbenkian de Lisboa, Miche! Corboz, Cascavelle, 1991, VELI016, CD. Testoride Argonauta, Von Magaus, Rayam, Meeuwsen, Hennecke, Akerlund, Oteh. Barroque du Clemencie Consort, René Clemencic, Nuova Era, 1990, 6928/28, 2CD. Joao Rodrigues Esteves: Missa a 8 Vozes, Ensemble Currende, Erik van Nevel, Accent, 1991, J+ cowl, cD, m Misica de Tecla do século XVII, Cremilde Rosado Fernandes (Piano de marten Lusitana Musica/A Voz do Dono, 1975, 11C073-40377, LP, Misica Portuguesa do Século XVI, Orq. de Camara de Lisboa, Jorge Matta, EMI Valentim de Carvalho, 1985, 1775711, LP. Misica Portuguesa Séculos XVIII-XX, Nova Filarmonia Portuguesa, Alvaro Cassuo Movie Play Classies, 1990, 3-11006, CD. Misica Sacra Portuguesa do Século XIU, Capela Lusitana, Gerhard Dodeter, Jo son, 1990, J-CDOIO1, CD. Portugiesische Cembalomusik des 18. Jahrhunderts, Cremilde Rosado Fesnantes (Cravo), TSW 79630a, LP. SORT NASIR 6. O Século XIX Objectivos da aprendizagem Quando terminar esta unidade, o aluno deverd estar apto a + Reconhecer que a partir da iiltima década do séeulo XVIII a vida musical portuguesa foi dominada pela actividade dos teatros de Opera ¢ pela influéncia italiana, + Tdentificar a importancia dos Teatros de S. Carlos ¢ S. Jodo na vida musical do século XIX. Descrever a actividade desses teatros. + Reconhecera importancia de Marcos Portugal no contexto da musica do seu tempo. + Definir o papel eo estatuto dos teatros da Rua dos Condes, do Salitre e do Bairro Alto como paleos de diversos tipos de teatro musicado. Caracterizar 0 repertério desses teatras. + Enunciar os nomes ea produgdo dos diversos compositores de Opera Portugueses, + Descrever 05 processos pelos quais a épera francesa ¢ alema penctrou ‘no meio musical portugues, a partir das iiltimas décadas do século XIX, + Explicara figura e obra de Joao Domingos Bomtempo na sua épocae ‘no ambiente musical de entao, + Definir os moldes em que apareceu o Conservatério e vonhecer a sua histéria. + Explicar a decadéncia das capelas das Sés e da produgdo de musica religiosa. + Deserever os modos como se processava o ensino da miisica em Portugal a partir de 1834, + Identificar os irmaos Francisco e Antéaio de Andrade como intérpre- tes consagrados internacionalmente. a G11 A hegemonia da épera italiana. Os Teatros de S. Carlos e de S. Joao A partir da tltima década do século XVIII, @ vida musical portuguesa vai ser , dominada pela actividade dos teatros de 6pera que surgem nas duas maiores «idades do pais e que irdo constituir o eixo central de toda essa vida musical ao longo do século XIX, colocando a misica instrumental, bem como as restan- tesmanifestagdes musicais, na posigtio de meros satélites da cultura operdtica italiana, assim como os compositores nacionais numa posigo de total subal- ternidade em relagdioa um género ea uma actividade musical em larga medida importados. A abertura, em Lisboa e no Porto, dos Teatros de S. Carlos (1793) e de S. Joio (1798) marca 0 aparecimento de casas de especticulo piblicas, decalcadas no modelo arquitecténico italiano, que iro funcionar, até ao final do século, de scordo com o sistema produtivo que essa mesma Itilia exportava para quase toda Europa, Construidos por sociedades de capitalistas ow subscrigdes piiblicas «de acgées — com base, respectivamente, nos planos do arquitecto José da Costa Silva, inspirado no San Carlo de Napoles que seria destruido em 1816, edo italiano Vicente Mazzoneschi — os teatros liricos de Lisboa ¢ Porto eram »_alugadosa empresirios que montavam toda a temporada e ditigiam a compa- hia lirica, formada na sua maioria por cantores italianos, recebendo simulta eamente um subsidio do Estado. No que respeita ao seu estatuto hierdrquico, estes dois teatros constituiam 0 stupo dos chamados teatros cle primeira, aos quais se vird juntar depois ce ,, 18460 Teatro D. Maria Il, uma vez que, tal como em Italia, a épera ocupavao ‘opo de uma piramide, na qual o teatro declamado, o teatro musicado ¢ outros g_ivos de espectéculos figuravam em planos sucessivamente inferiores, No interior proprio espectculo lirico existia ainda uma nova hierarquia que destinava oprimeiro lugar ao género sério, também denominado no século XIX melo- drama, seguido dos generos semisério e comico, ou buffo. “Contudo, no dominio do «theatro italiano (expresso usada pela imprensa da {poca para referir tanto o Teatro de S. Carlos como 0 Teatro de S. Joao, dentificando-os com o repertério que neles se cultivava) 0 caso portugués ‘presenta algumas diferencas relativamente ao modelo em que originalments sebaseava, jé que ndo parece existir, pelo menos a partir do inicio da segunda B tide do século, a referida hierarquizagdio de géneros, notando-se ‘apenas um edominio do melodrama ou opera seria. ‘E1198 0 repertério do Teatro de Sao Carlos era quase unicamente consti ldo por Speras comicas ou drammi giocosi, comegando a ineluir também a p fest dessa data opere serie, facto a que nao é estranha a presenca de um dos ‘mires cantores castrados de todos.os tempos, Girolamo Crescentini!. 0 g fico compositor portugués represemtado durante os primeiros cinco anos de ionamento do teatro € Anténio Leal Moreira, na altura seu director "As informages elas sos Teatros de Carlosede S. Judo entre 1793 ¢ 1824 foram prestadas por David Cranmer, que prepara sctualments uma te de doutoraments eadiada © ne iL Dav Cranmer. «Por. 1), Marcos Antone (68 Fomecabin Th New Grove Doran, of Opera, Lane ates. The Macenllan Pres. Lined, cn Jean-Paul Saou Mercos Panel nation. nba, Fundayio Caloune Gulbenkian, 98 p 48 musical, com o drama joco-sério em um acto A vingancada cigana (1794), cujo libreto é da autoria do poeta mulato brasileiro Domingos Caldas Barbosa, ¢ com o dramma per musica L’eroina lusitana (1795). A primeira dessas obras apresenta um curioso compromisso entre a forma e o estilo da dpera cmica italiana da época e uma veia popular de raiz nacional ou exdtica, em que os didlogos declamados alternam com 4rias, duetos, recitativos ¢ conjuntos vocais em estilo italiano, lado a lado com modinhas ou pegas populares como a cangao do negro Cazumba. Era também comum a inclusao de bailados entre os dois actos de cada épera (com especial relevo para os bailados de tema patristico)¢ por vezes, nos dias em que no havia especticulo de dpera, uma companhia dramitica apresen- tava teatro declamado em portugués, Em 1796 ¢ inaugurado um saldio no primeiro andar, designado hoje em dia por Salo Nobre, destinado 4 apresen- tagdo de oratérias e outras pegas de miisica sacra durante a Quaresma, altura em que no era autorizada a representagio de Speras. Em 1799 0 S, Carlos presenta pela primeira vez uma épera de Marcos Portugal (1762-1830), compo- sitor cujas obras se haviam ja celebrizado em toda a Itdlia e noutros paises da Europa’, Marcos Anténio da Fonseca Portugal fora aluno de Sousa Carvalho no Seminario da Patriarcal, onde se havia formado na tradig&o classica italiana ‘Tendo iniciado a sua carreira como ditector musical do Teatro do Salitre em 1785, partiu para Itélia sete anos mais tarde, tal como avontecera com muitos ‘outros musicos portugueses do século que findava, Ai,¢ao contrario dos seus antecessores, lanca-se de imediato numa bem sucedida carreira de compositor de Opera. A estreia em Florenca em 1793 da sua épera La confusione della , somighianza obtém um sucesso que é confirmado nos anos seguintes pela sua) a Tepetigdio em Dresden, Milo, Viena, Berlim, Hamburgo e Londres. Na pro. | Mi pria Itélia ndo haverd nenhum teatro importante, como por exemplo o Scala yl de Milo, o La Pergola de Florenca ou ainda La Fenice em Veneza, que nia Faby venha a assistir’ estreia de uma das suas operas, ¢a partir de 1798 elas irdo ser também representadas na Riissia. Anote-se que foi coma sua dpera Non irritar le donne, avero il sedicente Filosof; que, por desejo expresso de Napoledo, reabriu em Paris em 1801 o Thédite Italien. Pode dizer-se que Marcos Portugal é 0 compositor portugués de todo 8 tempos cuja obra conhecew uma maior difusao internacional, se bem qued sucesso europeu das suas 6peras se dleva também em grande parte a inclusiod ‘iias soltas das mesmas nos programas de concerto de algumas das mal célebres cantoras da época, como Angelica Catalani, que entre 1800 ¢ I esteve no Teatro de S. Carlos, ou de cantores para quem o compositor ha escrito um papel principal, de que é exemplo Elisabeth Billington com a éps Ferdinando nel Messico”. Ao estabelecer-se em Lisboa em 1800, Marcos Portugal substituiu 0§ cunhado Anténio Leal Moreira no lugar de director musical do Teatro Carlos, assumindo igualmente a direcgio da Capela Real. Nesses ca _ permanecerd, adaptando-se diplomaticamente a nova situagao politica criada pelas Invasbes Francesas, até partir para o Rio de Janeiro em 1810, onde ira F juatar-se 4 corte portuguesa, Recebido calorosamente por D. Joao VI, torna- E ~e primeiro director do Teatro de S, Joao, inaugurado em 1813, jé depoisda ‘ndependéncia brasileira ocupa 0 cargo de compositor de miisica do impera- ‘dor (1823), dedicando-se na iiltima fase da sua vida especialmente & musica ‘tligiosa. Durante 0 seu periodo brasileiro, Marcos Portugal abandonou a ‘idfissdo livre de compositor de dpera para passar & situagiio de miisico de ‘corte, jéentao fora de moda, enquanto que por outro ladoa sua personalidade ‘musical nfo parece ter evoluido ao longo da sua carrcira, tendo continuado a cultivar a tradigao operitica setecentista que havia aprendido em Italia, na F linha competente mas conscrvadora de um Domenico Cimarosa. ‘epertorio das Operas levadas a cena no Teatro de S, Carlos na primeira pleads do século XIX continuaré a ser dominado pelas produgSes italia- , quer do género sério quer do buffo, © por algumas Operas francesas, Kaniadas porém em italiano. Merece a pena salientar a primeira apresentagio Retire nis de uma opera seria de Mozart, La clemenza di Tito, na temporada de 1806, apesar de pela sua concepcao formal eestilistica esta produc mozartiana constituit uma verdadeira excepedo relativamente ao restante repertériodo chado depois da expulsdo dos franceses em 1808, 0 S. Curlos reabre na iporada de 1815-16, apresentando ao pablico lisbocta as primeiras éperas de sini, as quais dominardo todo o repertorio até 1824, data em que fazem asua sto outros compositores mais jovens como Giacomo Meyerbeer e Saverio cadante, Este iltimo trabalhou inclusiv€ no S. Carlos nos anos de 1827-28, “vendo virias 6peras para esse teatro. Encerrado de novo durante 0s anos guerra civil, apés a vitéria liberal o S. Carlos fard ouvir um repertério que ta basicamente nos trés grandes nomes da primeira metade do século XIX, iti, Donizetti e Bellini. Fntretanto o Conde de Farrobo tornara-se seu Fito propositadamente para o teatro litico de Lisboa as éperas Giovanna pia regina di Napoli (1840) ¢ Ines di Castro (1841). Uma nova viragem di-se com a estreia do Nabucco de Verdi, a qual inaugura um predominio das vetdianas que se mantera inabalavel ao longo de quarenta anos. Esse sminio foi alids reconhecido © comentado em varias fontes da epoca, p-ium panfleto anénimo de 1872 que lamentava assim a monotonia da a {0 Teatro de S. Carlos} F um theatro, quasi exclusivamente explorado pelas, operas de Verdi por serem as mais faceis e 4 m&o, Os grandes mesires Beethoven, Weber, nunca deram entrada n’este theatro! As Bodas dle Figaro, 1 Flauta encantada de Mozart, nunca se ouviram ci. Sempre Trovador, Fsempre Rigoleto, sempre Traviata!" "0 subd oo There des ros Aemprezacasfactas ma. IST pb Bi SSCS SRLS TALL DLE LEAT STE ILI IA "Ct Broz sana n° 33 nai ‘Nao obstante a severidade da critica, o nosso panorama apresenta-se como um, espetho do que existia em Itilia, onde o repertério ge:manico ¢raem geral mal aceite ¢ até 1871 munca se ouviu nenhuma produgo wagneriana. i No ano seguinte a inauguragao do Teatro de S. Carlos surgem no Porto, por iniciativa de Francisco de Almada e Mendonga, os primeiros projecios para a construgdo de um teatro lirico. O Teatro de , Joao — assim apelidado em homenagem ao ent&o Principe Regente e futuro D. Joao VI — seria inaugu- ado em 1798 e nas suas primeiras temporadas 0 repert6rio parece ter seguido as tendéncias j esbogadas pelo seu congénere de Lisboa. Tendo em vista 0 incéndio que © destruiu em 1908, a documentagao que possuimos acerca do seu fucionamento é escassa, Sabemos no entanto que em 1805, jé depois da morte de Aimada e Mendonga, passou para as maos de uma administragao, situagao em que se iria manter ao longo de quas¢ todo 0 século. A nivel do repertério e dos cantores, o S, Joo surge-nos como um parente pobre do S. Carlos, jé quea enorme falta de meios com que a administraco se debatia, incluindo um subsidio muito inferior do Estado, nao possibilitava a contrata~ ‘gio de cantores de primeira categoria, nem a monsagem de algumas Operas mais dispendiosas, como refere um jornal da época Quanto ao mise en scene, esté longe de poder satisfazer o publico, principal- mente as pessoas que viram a opera em Lisbos; porem 0s recursos de que dispdea empreza do Porto, nfo authorisam a quescexija oapparatoc pompa ‘com que na capital apparecem as operas. E sabida a desproporgao do subsi- dio e mesmo dos pregos d'entrada.' Durante todo 0 século XIX, periodo que equivale grosso modo ao da sua existéncia, 0S, Jodo manteve-se como a principal casa de especticulos do Porto, acumulando as fungdes de teatro lirica ede teatro declamado, jé que, ao contrario ‘do que aconteceu em Lisboa, nunca se construiu nessa cidade um teatro dedicado a este diltimo género. Uma dinica alternativa esporédica ao $. Joao ira surgir com o Palicio de Cristal, onde na temporada de 1869-70 se apresentou uma ‘companbia de pera italiana que levou a cena a estreia nacional da épera Dor Carlos de Verdi. A situagdo da nobreza portuguesa durante 0 Antigo Regime, que, excepgio feita & Casa de Braganga, viveu sempre dependente da corte, nfo favoreceu'o aparecimento de centros musicais privados ou de teatros particulares. O mals importante teatro privado portugues ird de Facto ser construido jé no primeir quartel do século XIX por uma familia burguesa nobilitada que pretendia copiare fausto das grandes casas senhoriais. Herdciro de uma enorme fortuna ¢ destacado apoiante do regime liberd Joaquim Pedro Quintela (1801-1869), filho do primeiro barao do mesmo now] — um dos capitalistas que fomentara a construgdodo Teatro de. Carlos} mais tarde Conde de Farrobo, nutriu desde cedo uma enorme paixao pq misica, tendo estudado canto ¢ varios instrumentos. Na sua Quinta d ie Laranjeiras, junto ao actual Jardim Zoolégico de Lisboa, mandau const um teatro, inaugurado em 1825 e destruido por um incéndio em 1862, do qual resta hoje apenas a fachada. O Teatro das Laranjeiras foi paico de espectaculos de épera em que participavam tanto cantores profissionais como amadores, portugueses ¢ italianos, incluindo o préprio Conde e outros membros da sua familia. Depois de um interregno imposto pelo periodo miguelista, as récitas Tecomegaram em 1833 e prolongaram-se até aos finais dos anos cinquenta, incluindo o scu repertorio, além de éperas de Rossini, Mercadante Donizetti e também de autores franceses, pequenas dperas de compositores portugueses, provavelmente cantadas em italiano, tais como O Sondmbulo de Anténio Luis Miré ou O salteador e Um passeio pela Europa de Joao Guilherme Daddi As not s relativas & existéncia de espectaculos liricos fora das duas grandes cidades do pais, além de vagas ¢ dispersas, datam jd da segunda metade do steulo XIX, sabendo-se apenas que em alguns teatros de cidades de provincia, como Lamego ou Aveiro, actuaram companhias de épera geralmente prove- nientes do Porto, Nos arquipélagos dos Agores e da Madeira, mais precisa- ‘mente em Ponta Delgada, Angra do Heroismo ¢ Funchal, temos noticia de trés teatros que tiveram também alguma actividade operatica’ 6.1.2 0 teatro musicado, a opereta e outros géneros afins Durante o primeiro quartel do século XIX, ¢ em paralelo com a actividade operitica do S. Carlos, 0 repertério do teatro musicado em portugués era cultivado em Lisboa nos Teatros da Rua dos Condes e do Salitte, activos ja desde 0 século anterior, ¢ ainda no Teatro do Bairro Alto, construido em 1814 to patio do Patriarca, em S. Roque. Ai se representavam, além de dramas tmutas vezes traduzidos de outras linguas, pecas ligeiras que tinham uma larga tradigio em Portugal, tais como farsas, entremezes ou comédias, todas eles com misica, ¢ ainda adaptacdcs portuguesas de dperas cémicas de autores italianos, ‘como por exemplo Paisiello, bem como serenatas alusivas aos aniversarios reais. AA diferenga entre as farsas e entremezes — alguns dos quais haviam sido _ fginalmente escritas por Marcos Portugal para o Teatro do Salitre ¢ as Comédias nao é muito clara, podendo apenas referir-se que os primeiros eram ‘ormalmente em wm acto, enquanto que as segundas tinham dois ou mais actos’, ‘Como dealbar da segunda metade do século vieram juntar-se a estes teatros ‘ulras casas de espectculos, como 0 Gindsio (1846), 0 Dom Fernando (1843) ¢ 0 Trindade (1867), que além do teatro declamado se dedicavam aos géneros da Fipera cémica, do vaudeville, da dpera burlesea, da burleta, da opereta da parmela, Por si s6, essas denominagdes nao nos permitem mais uma ve? ter Bia ideia segura acerca das caracteristicas dessas pegas, sabendo-se apenas fet muitas delas foram traduzidas ou escritas originalmente em portugues. 0 Be marca uma diferenca fundamental face ao repertorio do S. Carlos ¢ do py Jodo. " Mario Moreau, Contorer 4 Opera Povtupete, Vo. 1, Lisboa, Lsrana Be CE Antdmig Sona Rusts Drccioneis do Tieare Por ‘gees, Lisboa, Imprensa Liban da Siva, 1908 Intoemayaes presadss por anid Cranme ma Lass Combton, Frome cisco de $4 Noronha {arco dk Sent Anna. para es ds opera em Porte set (18607 107, Teabalbo fle Sintess apresentido & Faculdade de Créneias Sccise Humans. Lisboa dovisograai. 1990. Dos compositores portugueses que esereveram miisica para este repertério vasto e hoje totalmente esquecido, devem referir-se os nomes de Anténio José do Rego, Anténio Luis Miré (1815-1853), Francisco Alves Rente (1851-1891), Francisco de Sa Noronha (1820-1881), Jodo Guilherme Dadi (1813-1887), José CAndido (1839-1895) ¢ principalmente Joaquim Casimiro Jimior (1808-1862), autor de obras de grande sucesso como Um ensaio de Norma, A batalha de Monuereau, Opio e champanke e A filha do ar, entre muitas outras. Muitos esses autores trabalharam também para o teatro declamado, escrevendo niimeros de masica vocal ¢ instrumental para as pecas que continuavam a subir A cena nos teatros da Rua dos Condes ¢ do Salitre ¢ principalmente no Teatro D. Maria II, ‘A nivel da producio misico-teatral portuguesa do século XIX interessa ainda referir 0 intercdmbio entre os teatros portugueses e brasileiros, que possibilitou a familiarizagio dos nossos compositores com géneros estrangeiros como 0 vaudeville, servindo também de enquadramento para toda a actividade profis- sional de misicos como Francisco de S4 Noronha ¢ Anténio Maria Celestine (1824-1871)! Papel idéntico ao dos teatros secundarios da capital ter no Porto 0 Teatro Baquet, inaugurado em 1859. Nesse teatro Sd Noronha ¢ Antnio Maria Celes- tino tentaram criar em 1861 uma companhia de «Opera Cémica Nacional», apresentando ao piblico portuense traducdes de obras de Auber e Adolphe Adam, em alternativa as companhias espanholas que actuavam com frequéncia no mesmo paleo ou as de pera italiana que se apresentavam no S. Jodo. O iiltimo quartel do século vé surgit varias outras salasde espectaculo dedica- das A dpera comica ou & zarzuela, algumas das quais prolongario a sus actividade até ao inicio do século XX: Teatro D. Afonso (Porto, 1885), Teatro Carlos Alberto (Porto, 1897), Teatro Avenida (Lisboa, '888). Importante nesta época é 0 contribute de Augusto Machado (1845-1924), que escreveu um grande imero de operetas em portugués, como O espadachin do outeira ¢ A triste viuvinha, ¢ que tentou também criar uma tradicéo nacional de opereta baseada em temas histéricos, como por exemplo com Maria da Fonte. Em 1888 Ciriaco Cardoso (1846-1900) organizou também no Porto uma companhia de pera cémica que acabou tragicamente com o incéndio do Teatro Baquet ex 1888, vindo a retomar essa iniciativa em Lisboa em 1891 com a apresentagio da opereta O Burro do Senkor Alcaide, que obteve um brilhante sucesso. 6.1.3. As tentativas de eriagio de uma dpera nacional No seu conjunto, toda a actividade musico-teatral de que falimos atras apresentava-se aos compositores nacionais como uma alternativa de caracter mais ligeiro, ¢ até certo ponto subsidiario, & produglo de verdadeiras operas. renee ier mene su: Na realidade, ao ter sido excluido do projecto de reforma do teatro portugués evadoa cabo por Almeida Garrett, até a0 inicio dos anos sessenta o teatro lirico em Portugal conheceu raras tentativas de criagdo de éperas sobre temas de raiz nacional e ainda menos a ui pera, aco da lingua portuguesa em espectéculos de Além das obras de Anténio Leal Moreira, estreadas na iiltima década do século XVIII, das de Marcos Portugal, asestreias de outras 6peras de autores ortugueses durante a primeira metade do século XIX sio perfeitamente esporiidicas. Essas éperas tentam sempre, alids, integrar-se no restante reper- \orio através da escolha de temas e de libretos semelhantes aos ulilizados pelos compositorcs italianos — como é o caso de Egilda di Provenza, cantada no S Carlos em 1827 com miisica de Jodo Evangelista Pereira da Costa (1798-1832) —, assim como pela adopeao das convengées musicais italianas. Apartir de 1835 sero ouvidas no S, Carlos éperas da autoria de Antonio Luis Mir6, Manuel Inocéncio Liberato dos Santos (1805-1887) e Francisco Xavier Migoni (1811-1861), mas apenas duas delas, num conjunto de oito obras, se basciam em temas portugueses: Ines de Castro (1839) ¢ L'assedio di Diu (1841) ‘de Manuel Inocéncio Liberato dos Santos. Mesmo nestes casos parece prema- turo falar de uma verdadcira inteng%o nacionalista O tema de Inés de Castro, que durante o século XVIII fora jé transformadoem peta por autores das mais diversas nacionalidades, foi novamente alvo da atengdo dos compositores itatianos durante a segunda e terceira décadas do stculo XIX. Algumas dessas éperas, bascadas na sua maioria num libreto de Salvatore Cammarano, foram estreadas ou cantadas nos teatros lticos portu- gueses, seguindo depois a catrcira normal de qualquer pera italiana. O ‘etomar do tema por um compositor portugués aparece assim como o aprovei- famento de um episddio histérico acidentalmente portugués que, além de Possuir as caracteristicas essenciais & construgao de um libreto roméntico, ¢stava na moda entre os compositores italianos da épova, facto que A partida the garantia um certo sucesso. O finico exemplo relevante a mencionar, no campo das tendéncias nacionalistas, é @ drama lirico Os infantes em Ceuta, com masica de Anténio Luis Miré sobre libreto de Alexandre Herculano, representado na Academia Filarménica de Lisboa em I844, 2 margem dos circuitos comerciais da épera, o que o trans- forma numa excepeio, Francisco de Sa Noronha ¢ o primeiro compositor portugués a inspirar-sedirec- {lamente em fontes pré-existentes da nossa literatura roméntica, centrando-se fspecialmente na obra de Garrett, escolhe que nao parece desprovida de sentido se pensarmos na acgio deste escritor, apés a revolugdo de Setembro de {8M, como reformador do teatro nacional, A escolha, por parte de Noronha, 4: obras do fundacdor do romantismo literério portugues para arguments das suas Operas Beatrice di Portogalto (1863) ¢ L’arco di Sant’ Anna (1867) basein- ~* [undamentalmente, no factode ter assistido no Brasil tentativa de criagio 3s A SR I DSTO 136 de uma 6pera nacional através da instituigao da Imperial Academia de Mésica ¢ Opera Nacional. Do ponto de vista musical, S4 Noronha procura enquadrar- -se nas convengdes do melodrama italiano coevo, notando-se particularmente uma profunda influéncia dos modelos verdianos. Em 1865, precisamente no ano em que Noronha finalize a segunda das suas: Operas garretteanas, € anunciada & imprensa a composigéo do Eurico de | Miguel Angelo Pereira (1843-1901), baseado no romance homénimo de Alexan- dre Herculano, pera que s6 vir a ser estreada em 1870, seguindo-se no final do século as experiéncias de Alfredo Keil (1850-1907) com Donna Bianca (1888) ¢ Serrana (1899), Francisco de Freitas Gazul (1842-1925) com Fra Luigi di Sousa (1891) ¢, ja em 1907, o Amore e perdizione de Joao Attoio (1861-1930), eminente politico da época. O caso da Serrana do pintor e compositor Alfredo Keil, inspirada em Camilo Castelo Branco e tradicionalmente considerada comoa primeira 6pera nacio- nalista portuguesa, parece no se afastar tanto como seria de supor das outras produgées j4 mencionadas. Uma observagdo atenta da partitura permite concluir que a musica deve ter sido escrita sobre uma versio italiana do libreto portugues, o que a coloca em igualdade de circunstAncias com as 6peras de Sa Noronha, Miguel Angelo ou Freitas Gazul, podendo apenas afirmar-se que Serrana foi a primeira épera a ser impressa com texto em portugués. Apesar da suposta influéncia de compositores franceses como Massenet, a quem a obraé dedicada, Keil conserva ainda em Serrana alguns dos processos comuns 4 tradigao da dpera romantica italiana, nomeadamentea utilizagao de um coro de abertura para cada um dos actos. As supostas caracteristicas nacionais minsrersicr men ea seememiceen devem-se principalmente a adaptagdo de priticas populares como o Cantar a0 pt Desafio e 0 toque dos sinos, aliadas a utilizagdo de melodias que tentam sugerir ob certas cantigas do repertério tradicional portugués, Possuindo, tanto pela estru- de tura do libreto como pela sua escrita musical, muitas reminiscéncias da rep tradig&o romantica, Serrana aproxima-se ja no entanto da estética verista. nt obr HA outros compositores de dpera do final do século que.ndo demonstraram uma preocupagao de valorizar a temética nacional. Dentre estes, 0 caso sem Ent diivida mais interessante ¢ 0 de Augusto Machado, cuja formagao profissional alte ‘o distanciava do diletantismo dos seus contemporancos Keil e Arroio. A sua et mais importante produgdo operatica, Lauréane, estrada em Marselha em ae 1883 ¢ representada no ano seguinte em Lisboa na sua verséo italiana, parece feat estar muito proxima do estilo de Massenet, Nas suas obras mais tardias Na ‘Augusto Machado retoma contudo a tradig&o italiana, utilizando libretos de ‘asce Ghislanzoni e Leoncavallo nas dperas I Doria (1887), Mario Wetter (1898)e Le Be seq borghesina (1909), todas clas estreadas no Teatro de $. Carlos. Exemplos "pi, esporddicos so ainda os de José Augusto Ferreira Veiga, Visconde de Arneiro | “gene (1838-1903), autor de Speras como Dina la derelica, apresentada ao piblicodo > dap, S. Carlos em 1885, ou D. Bibas, obra inédita inspiradaem O Bobo de Alexandre} rada Herculano. Frederico Guimaries (1849-1918) escreveu Beatrice, estréada 0S. conse Carlos em 1882, ¢ Oscar da Silva (1870-1958) Dona Mécia, estreada no Colistuffe Cerca em 1901 SEES SSS SESS TEE NEN S Noentanto, todas estas obras constituiriam tentativas isoladas de intervir num campo rodeado de prestigio mas dominado por produtos importados —uma Yeeque a ambigdo maxima de um compositor portugués da época consistia na sStreia de uma épera — que mao permitiram nunca criar uma sélida tradigao de dpera portuguesa G14 A reacedo ao italianisma nos finais do século XIX: 0 wagnerismo e a influencia alema e francesa A partir dos anos oitenta do século XIX, o Te: tro de S. Carlos entra numa nova fase, caracterizada pela partilha do repert entre as produgdes italianas ¢ as i ‘neras francesas de Massenet, Gounod ou Delibes, cantadas no entanto em i italiano, ¢, muito especialmente, peas primeiras audicdes das Speras de Wagner yl Iniiada com Lohengrin (1883), a obra que melhor aceitagao encontrou junto ie de pablico lisboeta durante um largo periodo de tempo, a implantagio do i Bpertorio wagneriano é lenta, e, ma opinidio de Mario Vieira de Carvalho, ma relecte muito claramente a dependéncia dos teatros liticas portugueses face a aos talianos', Sé na temporada de 1892-93 ena seguinte, coma estreia de Der Ci. Maio View de Carvae i Mlegende Hollander e Tannhauser, comeca a verificar-se uma verdadeira ass pean pate als pilasio da obra do mestre de Bayreuth, assstindo-se paralelamente a um [0s Se Cos Hl Jecesso de revalorizagio hist6rica até aquela data inédito, com a reposigaode Camumares die erie Be, Stes ave ndo pestenciam ao repertério habitual, como por exemplo 0 Orfeo Patil felicia fa i Gluck ou Der Freischatz de Weber. Mas a aparente transformagio do ‘teres reo i Foertiro a que assistimos nesses anos vai ser rapidamente contrariada pela i oud de uma nova corrente operitica italiana, o verismo, com a audigie das tas de Giacomo Puccini, Ruggiero Leoncavallo e Pietro Mascagni sie piretamto, com a abertura do Coliseu dos Reereios em 1890 surgia uma onal foativa de facto ao Teatro de S. Carlos. Vocacionado para espectaculos de (es , incluindo 0 circo, a nova sale tinka também a possibilidade de propir a eae os muito mais acessiveis, facto que colocava pela primeira vez o dnico arela ori de Lisboa numa posigao de concorréncia. adi Bincira década do nosso século, a par do dominio italiano e de uma nova tos ag odo repertério francés, a presenca da obra de Wagner tende a afirmar- pet fia vez mais, coma audigao de Die ‘Meistersinger von Nurnberg em 1902, de mp i urd ise em 1908, e finalmente com a estreia de Der Ring des Nibelun- p1909, i prdximo do encerramento oficial do teatro apés a implantacio psblica. Dé-se eambém um outro acontecimento significativo na tempo- 1518-09, com o fim do monopétio das companhias italianas © per ia de uma hegemonia que marcara todo o repert6rio ao longo des pinto e vinte anos decorridos desde a fundagio do teatro lirico da or hie EEO CL Manuel Carknde Beto «David Cranmer. Cronos {4 Vida Maca! Portes tna Pramsea ota de Salo ATK, Lito, tmpreass acto Casa da Moeda 1900, 9.3 6.2 Asassociagdes de concertos, a pritica musical amadora ea misica instru- mental. Joao Domingos Bomtempo Em contraste com toda a actividade operdtica ¢ musico-teatral de que temos vindo a falar, @ masica instrumental e os concertos pablicos ¢ privados ao longo da primeira metade do século XIX parecem ter lido uma existén muito mais modesta e precéia. No entanto, a tradugdo recente de um con- Junto de crénicas publicadas no principal jornal musical alemao da época, & ‘Allgemeine Musikalische Zeitung de Leipzig, veio demonstrar que esses concer- tos — om especial aqueles que reuniam misicos profissionais ¢ amadores, tanto aristocratas como burgueses — tiveram mesmo assim mais importancia do que até hd pouco tempo se supunha. Entre 1816¢ 18240 jornal mencionaa realizagiio de concertos domésticos em casa de vario alemaes, Ingleses, suecos e portugueses, assim como de diversos aristocratas, incluinde os Marqueses de Abrantes, de Borba ¢ de Castelo Melhor, 0 Conde de Lumiares e 0 Bardo de Quintela. A critica mais interessante a essa pritica musical, mesmo se provavelmente algo exagerada e injusta,é de 1816 wo que | iudo indica da autoria de um misico profissional comereian Os portugueses, como todos os curopeus do Sul, possuem talento ¢ inelinagi paraa misica; mas s6 paraa sua propria|...] Para eles a misica serve paras mocionar ligciramente, para Thes fornecer estimulos agradiveis © para divertir; assim © querem a sua natureza, os seus hAbilos e a sua quase tout austncia de uma verdadeira formagao nesta arte, Deste modo, quase queslf gostam da melodia leve € um pouco superficial, que brinca com a alegra¢ com a tristeza. Exceptuando uqueles, muito poueos, que so verdadeirameat instruidos na arte dos sons, o resto acharia por exemplo as sinfonias, wbert ras € quartetos de Mozart, Beethoven, A. Romberg, ou até mesmo Hayt insipidos, magadores, até mesmo antagénicos; pelo contrario, o Klingki ‘oco de triviais aberturas italianas © outras composigées do mesmo esi acolhido com pazereretribuido com aplausosutdsos. Ningocm quer pensar enquantoescuta musica, nem mesmo seuer seni, mas some desejaestimular os setidos eer um delete superficial |... dx ques instrumentis,mesmo as maores. por exemplo asaberturas— dado wel se faz muito pouco uso de verdadeiassinfonias —,devam er qu i Alguma relaglo com a dane, et. st0 coniio so assobiads cae cescutadas em sossego, uma vez queo meio termo é poueo conhecido.eq pessoas ou ficam entusiasmadas ou indignadas:' A misica instrumental portuguesa deste periodo ¢ dominada pela fig pianista e compositor Joio Domingos Bomtempo (775-1842), 0 qual pei fica de certo modo as transformagdes ocorridas na passagem do século para o século XIX. Nenhum outro compositor parece ter tido um pa marcante mas também to isolado na nossa miisica, Tendo tentado con para por termo ao reinado exclusivo da 6pera, para a introducio entre imiisica instrumental de raiz germanica, boémia e francesa, e para a rf ensino musical segundo o modclo laico representado pelo Conservatoriodél 10s seus esforcos no parecem ter tido contudo um reflexo consequente douro. Ernesto Vieira! considera que os resultados da influéncia por ele txercida, sobretudo através da criago de uma sociedade de concertos — a Sociedade Filarménica — cm 1822, s¢ podiam ainda observar nos finais do stoulo X1X entre os misicos amadores que eram netos e bisnetos dos membres daquela Sociedade, mas reconhece por outro lado que ele nunca chegou a ser devidamente apreciado pela maioria do nosso piiblico, cuja predilegao pela misica teatral era invencive. Os qilinze anos que o separam do seu contemporaneo mais velho Marecs Portugal representam, mais do que a diferenga entre duas geragOes, o intervalo entre dois séculos, Enquanto Marcos estudou no Seminario da Patriarcal, onde se formaram todos os nosses principais compositores do século XVIII, Bomtempo tera obtido essa formag’o com seu pai, o oboista da Real Camara Francesco Saverio Buontempo, que fora professor do mesmo instrumento no Conservatério de S. Onofrio a Capuana em Napoles. Se em 1792 Marcos Portugal havia escolhide como destino a Italia, para af iniciar uma ber sucedida carreira de operista, é antes para Paris que Bomtempo se dirigira em 1801 — um ano depois de o mesmo Marcos regressar a patria coroado de éxito. Aoescolher Paris, Bomtempo pretendia obviamente triunfar como pianistae 4 compositor instrumental numa capital que ocupava jé entio um lugar cimeira na vida musical europeia. Em Paris comeca a publicar obras suas ¢ a apresenti-las em concertos que sao referidos em termos elogiosos pela imprensa francesa, embora surjam também opinides discordantes, como a da Allgemeine Musikalische Zeitung, que o comparou desfavoravelmente com os Pianistas Dussek e Kalkbrenner. Durante os dezanove anos seguintes a carreira de Bomtempo alternaré entre Paris, Londres — a outra grande capital internacional da misica europeia —e Lisboa, na procura de uma estabilidade profissional que as circunstancias politicas nao irdo favorecer. Ao contrario de Marcos, que, a semethanga do Seu contempordneo Paisiello, se foi sucessivamente adaptando as profundes mutagdes politicas do seu tempo, Bomtempo manteve-se toda a vida fiel a0 ideal liberal, decerto reforgado pelos seus contactos com as coldnias de emi- Brados portugueses em Paris ¢ Londres, e que o obrigou a viver cinco anes asilado no consulado da Russia em Lisboa durante o periodo miguelista O seu regresso a Portugal em 1814, no final das Guerras Peninsulares, é | brecedido pela primeira de varias operagées publicitarias que ira emprecnder & wordo com 0 novo modelo da profissio musical livre — um arti eneomidstico publicado no Investigador Portuguez em Inglaterra, o qual inclui txtractos de criticas francesas ¢ inglesas ¢ uma lista das suas obras publicadas tm Inglaterra. Datam provavelmente desta altura as suas primeiras tentativas saracriar em Lisboa uma sociedade de concertos, a exemplo da Royal Philarmo- "hie Society fundada em Londres dois anos antes. Novamente em Paris, ai compe € publica cerca de 1819 a sua obra mais conhecida, 0 Requiem dedicado meméria de Cam@es, com 0 qual se associa a diversas iniciativas nessa época empreendidas para celebrar 0 poeta. igo SALES * piecionariebegrepnica de imuscosporagueses tora ‘ebiogrophio a mica em Porngal, 2 Vol, Lisboa Typographa Mattos More 12 & Pinheiro, 1900. 1, p. 161 Osdadosbiogriient « telacionados com aeonte clmenot nsicasrterdos nesta unidade soci grande parte extraidos desta obra vo. Manvel Catlos de Brito ¢ David Cranmer, op cle, pss NAST EEE ETE TEE, A proclamacio da Constituigo de 1820 traz.o compositor de vez para Lisboa © permite-the apresentar algumas das suas obras sacras em ceriménias que, de acordo com as tendéncias da época, tém um significado mais politico do que religioso, tais como a Missa «em obséquio da Regeneragdo Portugueza», can- tada a 28 de Margo de 1821 na Igeeja de S. Domingos, na festa do Juramento das Bases da Constituigio, ou o Requiem, cantado a 18 de Outubro do mesmo ‘ano em meméria de Gomes Freire de Andrade e dos supliciados de 1817, ¢ de novo a 21 de Marco de 1822, juntamente com os Matturini de morti © as “Absolvicdes, nas exéquias celebradas aquando da trasladagao dos restos mor- tais de D. Maria | para a Basilica da Estrela, Um artigo publicado na Allge- meine Musikalische Zeitung refere-st a esta iltima execugdo nos seguintes termos: No conjunto, a musica de B. nfo deixa decorto de ter merseimento,'o que também é reconhecido pelos conhecedores, a0 entanto aqui ¢ além faz lembrar Mozart, entre outros; contudo, para o gosto que cm geral agui reina nfo & nada, porque nfo soa teatral ¢ @ Ja Rossini Depressa se transforma assim no compositor oficial do novo regime, reunindo ‘20 mesmo tempo & sua volta um grupo de amadores, na sua maioria comer- ciantes ¢ em especial estrangeiros, mas todos de tendéncias liberais, entre 05, ‘quais se destaca 0 jovem Bardo de Quintcla e futuro Conde de Farrobo, ¢ que integraram a orquestra reunida para as referidas exéquias. Consegue desta feita realizar 0 seu projecto de criagiio da Sociedade Filarmé nica, cuja actividade é proibida ao fim de quatro concertos, em resultado da Vila-Francada, mas ¢ retomada em 1824, por influéncia dos seus apoiantes 4 entre a alta nobreza ea burguesia, tanto liberais como absolutistas, desta fita ‘numa parte do palacio do Duque de Cadaval (no local onde hoje se encontraa estagdo do Rossio). A lista dos 271 subscritores era cncabegada pelo proprio Duque de Cadaval ¢ tanto na orquestra como entre os solistas vocais ¢ instrumentais os mésicos amadores apareciam lado a lado com os profisso- nais. O repertério incluia, além das obras do proprio Bomtempo, pecas de ‘camara de Boccherini, Hummel ou Pleyet, entre outtos, assim como sinfoniasde 6 Haydn, Mozart e Beethoven — incluindo a 5.* Sinfonia —, embora face w: escasso entusiasmo do piblico estas Giltimas acabassem por ser substituidas por sR A aberturas de Rossini, De novo interrompidos em 1824, por causa da Abriads, MMe 0 concertos da Sociedade Filarménica viriam a terminar definitivamente cn qm. ™ Margo de 1828, coincidinde com a dissoluao das Cortes por D. Miguel. fo A Com a vitéria liberal de 1834, Bomtempo seré aomeado director do nov Conservatério de Musica, posteriormente integravo como Escola de Misicam Conservatério Geral de Arte Dramética criado por iniciativa de Almeida Gi rett, Os altimos anos da sua vida divide-os entre asua actividade no Consen trio € saraus musicais no pago ¢ nas principais casas de Lisboa. AS Novembro de 1842 0 Conservatério celebrava as suas exéquias com 0 proprio Requiem ¢ com o Libera me a memoria de D. Pedro LV. ua "CF José Augusto Alege, Horna Fata de ca de Se de Evora, Lishos Fundagao Calouste Guibe: nkian, 1973 pp, 11-22, (Ct Exnesto Vieiasop cit vole. Ho Fertnate de Aled {sro ia tera em Part ‘ai, Vol IM, Porto, vrata Choatzagio-Lastors, 1970 Be oxt Augusio Alegria, 4 Copel v0 Caters dos Som fos Red bla Vigoss bea. Fundayao Calouste Gulbenkian. 1983. pp. o entendesse. Esta sobreposigao de fungies, que é jf sintoma de um processo de decadéncia, ilustra provavelmente a situagdo existente nowtras capelas catedrais j antes da revoluco liberal. Durante um certo periodo apés 1835, na Sé de Evora o ensino musical continuou a ser ministrado a alguns mocos de ‘coro, mas ao longo de quase todo o século XIX a componente musical dos servicos litrgicos passou a ser assegurada por misicos contratados para cada ocasiao! Na capital existia ainda a Capela da Patriarcal, criada por D. Joao V, tal como outra Capela na antiga Sé, ¢ alguns conventos, como por exemplo o dos Jerdnimos, ou, j& nos arredores da cidade, Mafra, possuiam uma Capela propria, Por outro lado, certas igrejas da cidade, zomo a da Graga ou a dos Martires, tinbam ao seu servigo mésicos, geralmente organistas, para assegura- rem a componente musical dos servicos litdrgicos. De qualquer modo, o ano de 1834 marca de facto 0 inicio da decadén definitiva da maioria das capetas, uma vez privadas dos dizimos que até ali as tinham sustentado, Apés a extingdo das ordens religiosas, muitos Trades, misicos passaram ao clero secular e foram ocupar postos nas Sés e igrejas de todo o pais, omesmo acontecendo com a Capela da Patriarcal, cuja dissolucio langou no desemprego alguns miisicos que nfo puuderam ser integrados na nova Capela da Sé. A propria Sé de Lisboa teve um funcionamento irregular a0 longo de todo o século XTX. Fm 18720 quadro dos capelies cantores tinha ccatorze lugares, dos quais cinco estavam vagos e quatro ocupados por clérigos que desempenhavam outras fungGes, restando por isso apenas cinco capelies ara assegurarem a componente musical de todas as celebracdes liturgicas Em Vila Vigosa, por exemplo, a Capela do Pago Ducal ainda foi funcionando durante cerca de mais trinta anos, embora muitas vezes impossibilitada de efectuar os pagamentos aos seus capeles cantores, vindo o seu iltimo bencfi- ciado # falecer em 1872" Toda esta situaglo no impediu, contudo, que se conserve ainda hoje uma ‘enorme quantidade de musica religiosa do século XIX nos Arquivos das Sés de Lisboa, Evora, Viseu, Castelo Branco ¢ Braga, entre outras, ou ainda na Biblioteca do Palacio Nacional de Maftae na Biblioteca da Ajuda. As aprecia- ‘g6es dos historiadores da nossa misica sobre as obras mais conhecidas desse imenso repert6rio tém sido de um modo geral negativas,insistindo especialmente na semethanga dessa misica com o estilo operatico italiano da época. No entanto, ‘© estilo italiano & comum a grande maioria da mésica religiosa europeia desde a segunda metade do século XVII, incluindo as obras dos grandes compositores, pelo que a componente italianizante sé por si nin pode ser encarada como singnimo de falta de qualidade, Observacdes como a a que adiante transcreve- ‘mos, incluida na Allgemeine Musikalische Zeitung. devem ser vistas nu perspec- tiva do protestantismo, onde o repertorio musical para uso litirgico foi muito menos contaminado pelo estilo profano: Em Portugal toca-se frequentemente misica nas igrejas: mas no misica de igreja; porque aquilo que tem esse nome € totalmente indigno da igreje; poder-se-ia mesmo, juntando-se-the um texto protano, introduzi-lo na dper comica, ...] Uma coisa & certa: missas como devem ser, e que na Alemania, { pelo menos naqueles sitios onde se sabe o que se quer, 0 sao realmente — tuis missas as pessoas em Portugal querem tdo pouco ouvi-las quanto as orques- tras querem c so capazes de as tocar.' fatima ligagdo do repertério litdrgico com o idioma operitico prende-se Einbém com o facto da formagao de muitos dos compositores ser agora feita jé to nasantigas escolas de masica religiosa entretanto extintas, como o Seming- i da Patriarcal ou o Colegio dos Santos Reis de Vila Vigosa, mas através do antacto empirico com os géneros musicais mais em voga, a pera e o teatro Fowsicado, Uma crénica datada de 1821 mostra-nos jé a enorme proximidade ie existia entre os vérios géneros musicais, 05 seus compositores e os seus Prvérpretes, a0 afirmar que «Os miisicos ao servico da corte esto também na sua joria a0 servico da Igreja Patriarcal e (A excepcao dos cantores) também no ato» pois neste contexto que clevemos inscrit a maior parte da produgao religiosa deautores como os ja citactos Joaquim Casimiro, sintomaticamente apelidado -0 Donizetti portugues», Francisco Xavier Migoni, autor de Speras represen- iadas no Teatro de $, Carlos, Angelo Carrero, que escreveu umas Matinas Pobre temas da dpera Robert le diable, Joao Guilherme Daddi, Francisco de Freitas Gazul e Miguel Angelo Pereira, entre outros. Apenas no caso de alguns ompesitores mais velhos, muitos deles ainda formados pelo Seminério da wwiareal, como Frei José de Santa Rita Marques e Silva (1780-1837), 0 alianismo do seu estilo pode ser visto de facto como uma heranga directado Piculo XVIL 64 0 ensino musical. A fundagdo do Conservatério ¢ as vicissitudes da sua historia Do mesmo modo que sucedeu com a musica religiosa, 0 ano de 1834 marca 0 inicio de uma nova época a nivel do ensino, essencialmente caracterizada pela perda do papel da Igreja e pela extingao do Seminério da Patriarcal em favor dc uma instituigéo mais moderna, decalcada no modelo francés posterior & Revolugdo de 1789. A exting&io das ordens religiosas e em geral a substancial iminuigao dos rendimentos da Igreja ocasionaram o encerramento de muitas sscolas catedrais e conventuais, passando o ensino da misica religiosa a ser tito nos Semindrios, embora a um nivel bastante mais elementar ¢ restringido ‘quase 86 a0 cantochdo, Em Coimbra, onde o Colégio da Sé funcionava anexo 420 Pago do Bispo ea Universidade desempenhou sempre um papel preponde- rante, o cargo de Lente de Muisica desta iltima foi sucessivamente ocupado na Fscimeira metade do século por José Mauricio (1802-1815), que foi também ‘mestre de miisica na Sé, Francisco de Paula Azevedo (1815-1837) ¢ Antonio Ploréneio Sarmento (1838). Durante o primeiro quartel de oitocentos o qua- do geral da misica ¢ do seu ensino na provincia é-nos descrito da seguinte forma: " Sanus! Carlor de Bato e David Cranmer, op cit pal id, p92. 13 SR TEE OSS "had .p 523 Emax Vita op cts hp ah [Jas cidades onde existe um bispo tem Semindrios de Musica e misica vocal © instrumental que poderd ser boa em certos casos. {...] Nos conventos encontram-se de vez enquando bons professores de misica: entre estes distingue-se aqui em Lisboa Frei José Marques [..] Nas cidades de provincia hha com frequéncia misica de igreja, mas as mais das vezes mal executad quando se quer ter algo de melhor mandam-se vir de 1S a 20 milhas de distancia os misicos e cantores de Lisboa.’ Em Lisboa, 0 ensino da misica encontrava-se mais diversificado, Na Sé, ‘mesmo depois de extinta a Patriarcal, continuou a haver uma aula de mésica que assegurava provavelmente a aprendizagem dos meninos de coro, dirigida por mestres como Luis Gonzaga Franga (1831), Gomes Pincetti (de 1810 a 1840), Jodo Jordani (de 1830 a 1860), Joaquim Casimiro, Domingos Bena- vente (de 1840 a 1876) ou Francisco Baptista Machado (de 1863 a 1877). Depois de 1833 a Casa Pia teve também a sua aula de misica cujo primeiro mestre foi José Teodoro Higino da Silva (1808-1873). Além destas, no Colégio dos Nobres cxistiu até 1838 uma aula de misica dirigida por Francisco Gazul (1815-1868). No entanto, até 1834 0 principal estabelecimento de ensino existente em Lisboa era ainda o Seminério da Patriareal que, como ja foi referido, minis- trav aos seus alunos uma preparacdo baseada nos modelos italianos do século XVIITe tendo sempre em vista a produgao teligiosa. No primeiro terco de oitocentos o Seminario teve ainda um niimero elevado de mestrese alunos, contando-se entre os primeiros nomes bastante prestigiados noutras areas que n&o ensino, como é 0 caso de Anténio Leal Moreira, Marcos Portugal, o clarinetista José Avelino Canongia (1784-1842) ¢ Joao Jordani (1793-1860), Além destes, ali ensinaram também outros nomes mais ligados ao dominio da mnisica religiosa, como Anténio José Soares (1783-1865) €0 j4citado Frei José de Santa Rita Marques ¢ Silva, Do grupo de alunos que frequemtaram 0 Seminario no primeiro quartel do século XIX faciam parte alguns dos que eram ali mestres & data da dissolugao e ainda personalidades de algum relevo na musica portuguesa das décadas seguintes como, por exemplo, 0 futuro empresirio de pera Ant6nio Felizardo Porto (m. 1863),€ 0acima citado Joo Evangelista Pereira da Costa Por decteto de 5 de Maio de 1835 foi criado um Conservatério de Miisiea, ligado & Casa Pia. Este diploma vinca ainda bastante bem os aspectos caritati- Vos daquela instituigdo, dectarando que «dentro do referido Conservatério haverd um Collegio de doze até vinte Estudantes pobres ...»', Estamos por- tanto mais préximos do modelo filantrépico dos canservatérios italianos dos séculos XVII e XVIII do que do tipo de escola musical laica que havia sido iniciado com a criagiio do Conservatorio de Paris. A ligagiio ao passado é ainda reforgada pelo facto ce, talvez por falta de meios humanos ¢ econémicos, 0 Conservatério ter recebido quase todo 0 corpo docente do extinto Seminario, apesar de os membros mais antigos, como Frei José Marques e Anténio José Soares, nunca terem chegado de facto a tomar Posse dos seus lugares'. Portanto, além da figura inovadora do seu primeiro director, Joao Domingos Bomtempo, que tinha tido a oportunidade de conhecer os mais modernos métodos pedagdgicos, nomeadamente através dos ‘seus contactos com o pianista e compositor Muzio Clementi, o novo estabele- cimento de ensino arranca com um corpo de professores cuja formago tinha sido adquirida no Seminario da Patriarcal, © que ndo possibilitava uma verdadeira renovagdo. $6 a partir dos anos cinquenta o Conservatério come- ard a poder incluir nos seus quadros docentes formados pela propria escola. Em Novembro de 1836, no ambito da reforma levada a cabo por Passos Manuel, foi criado em Lisboa um Conservatério Geral de Arte Dramatica, estabeleci mento de ensino piiblico concebido a imagem do Conservatoire National de Musique et de Déclamation que havia sido fundado em Paris no ano de 1795, © regulamento de 24 de Novembro de 1837, redigido por Almeida Garrett, refere-se ainda a um sistema de pensionistas que, na realidade, nunca chegou a setimplementado, O Conservatério de Musica da Casa Pia, criado quinze meses antes, oi integrado como Escola de Mésica no nove Conservatério, ao lado das escolas de declamagao, danga, mimica e gindstica especial, instalando-se a nova instituisdo a partir de 1837 no extinto Convento dos Caetanos. As vicissitudes que caracterizaram toda a histéria posterior do Conservatério surgem logo desde 0s primeiros tempos da sua existéncia, quando em 1841 foi apresentada as Cortes a primeira tentativa da sua supressio, sob a forma de juma medida econ6mica proposta por Anténio José de Avila, o futuro Duque de Avila”. Depois do afastamento de Garrett, ocorrido em 1842, no mesmo. ano da morte de Bomtempo, o Conservatério foi entregue a uma série de directores cujo papel em termos histéricos se afigura hoje irrelevante, até que, depois de 1845, 0 Conde de Farrobo assumiu a sua direcgio. Em 1863 ¢ violoncelista ¢ futuro empresério do Teatro de S. Carlos Guilherme Cossoul (1828-1880) foi nomeado director da Escola de Musica, da qual jé era profes- sor. Na opinio de Ernesto Vieira’, a sua acc%o como director Parece ter sido bastante louvével, introduzindo medidas de Ambito pedagégico mais moder. as, como a obrigatoriedade de todos os professores elaborarem programas ara as suas disciplinas, mas, por raz5es de sade, a sua acco duraré somente luns quatro ou cinco anos. Outros directores foram a partir de 1870 Duarte de Si edesde 1878 Luis Augusto Paimeirim, autor de uma importante proposta de renovaciio datada de 1883, Apesar de se ter mantido ao longo do século XIX como a tinica escola oficial de éensino da masica existente no nosso pais, o Conservatério nao parece ter conse- svido dar & maioria dos misicos que o frequentaram uma sélida formasio musical, tanto do ponto de vista pritico como teérico, forcando muitos dosnossos instrumentistas a tentarem completar a sua preparagio no estrangeito. Sio exemplos desta situagao o pianista Eugénio Mazoni (1831-1889), que trabalhou som Marmontel em Paris, ¢o fagotista Augusto Neuparth (1830-1887), que em 1852 partiu para Leipzig ¢ viria a sero introdutor do saxofone em Portugal, Outros misicos, como Francisco de Sa de Noronha, gozando jé do estatutode Concertistas, ao realizarem digress6es por varios paises da Europa e pelas "op. 147 "tp 185, * op 308, "Ct Lvsa Cymbron, op. ® Miguel Angelo Lamber- li, Portugal, Encycte he dela Musigueet Dich aired Conservative, Pa Librairie Deagrave, 1920, pms Américas — nomeadamente no Brasil —, procuravam simultaneamente esta- belecer contactos com outros colegas € professores dos seus respectivos instrumentos, a fim de se poderem aperfeigoar. Em relagio aos compositores o problema tera sido ainda mais agudo, ja ques6 no final do séeulo os vemos comegarem a tentar obter uma formagio mais sOlida no estrangeiro, como aconteceu por exemplo com Augusto Machado, que estudou com Lavignac em Paris cteve inclusivé contactos com Rossini,e de Alfredo Keil, o qual, apesar de nunca se ter assumido como profissional, partiu para a Alemanha a fim de estudar composigdo em Naremberga. Até essa altura, tudo indica que a aprendizagem dos nossos compositores era feita basica- mente de modo empirico, em contacto coma producio musical que os teatros. © as poucas associagdes de concertos apresemiavam, fenémeno que se torna Particularmente evidente no que respeita aos compositores que abordaram 0 énero operdtico. O contexto em que miisicos como Manuel Inocéncio Libe- Fato dos Santos, Francisco de $4 Noronha, Miguel Angelo Pereira e outros escreveram as suas obras é oda total auséncia de uma tradi¢Zo musico-teatral de cariz nacional, o que implicava a cépia dos modelos importados predomi- ‘nantemente de Itdlia, Hi ainda que ter em conta a nao integragao dos compo: tores portugueses no circuito comercial, o que significava a auséneia de um mereado de trabalho a nivel da dpera, e consequentemente de encomendas, bem como a busca prolongada de um teatro que estivesse disposto a levar cena as suas Operas. Mas a estreia de uma opera de um compositor nacional no A maior parte da informe slo agu: reunid eferentea editors faricame de ins- ras entradas individu sobre os mesimos inciidas ta obra citada de Erete Vieira 9 180 MOREAU, Mario, Cantores de Opera Portugueses, Vols, ¢ Il, Lisboa, Liv Bertrand, 1981/Venda Nova, Bertrand Esitora, 1987 SARRAUTE, Jean-Paul, Marcos Portugal. Ensaias, Lisboa, Fundago Calouste Gul- 3 benkian, 1979. Discografia sugerida Joo Domingos Bomtempo [Concerto para piano n° 3 em sol menor op. 7|, Nelta Maissa, Orquestra Sinfénica de Nuremberg, Kauspeter Seibel, Portugalsom, 1988, ‘CDS70011/PS, CD. [Concerto para piano n° 2 em fi menor op. 3}, Nella Maissa, Orquestra | Sinfénica de Nuremberg, Klauspeter Seibel, Portugalsom, 1987, CD860014/PS, LP. q Requiem, A. Pusat eric, H. Riess, C. Vogel, H.C.Polster, Coro e Orquestr | a Radio de Berlim (RDA), Heinz R8gner, Porcugalsom, CD870001, CD. [Quinteto em mi bemol op. 16. Serenata em fé maicr), Imre Rohmann, Quar teto Kodaly, Hona Prunni, Sexteto de sopros ¢ contrabaixo, Portugalsom,, J 1988, CD870006/PS. CD. Sinfonia n.° 2, Orquestra SinfSnica de Bamberg, Claudio Scimone, Discoteca Basica Nacional/A Voz do Dono, 1983, 11051-40619, LP. Sonatas de Piano op. 181, Arno Leicht, Lusitana Musica/A Voz do Dono, 1981, 1075-40565, LP. Misia Portuguesa Séeulos XVIIL-XX, Nova Flarmonia Portuguesa, Alvaro Cassi, 4 Movie Play Classes, 1990, -11006, CD. Romantismo ¢ Pés-Remantismo na Cidade do Porto. Misica para Plano. Joc\ Bello Soares, Comissio Executiva do Centeniio de Camilo Castelo Branco, 1991, CD. 7. Dos finais do Século XIX a actualidade Objectivos da aprendizagem Quando terminar esta unidade, o aluno deveri estar apto a Analisar os processos pelos quais o pélo central da vida musical portuguesa se deslocou do teatro lirico para a misica instrumental desde finais do sécule XIX. Explicar 0 aparecimento de Sociedades de Concertos ¢ suas actividades, Reconhecer © papel da Real Academia de Amadores de Musica na promogio e divulgacao musical. Caracterizar a aegdo de Bernardo Valentim Moreira de $4 enquanto violinista, maestro, pedagogo € musicégrafo. Justificar a importineia de José Viana da Mota como artifice da mudanga operada no inicio do século, tanto a nivel do ensino musical como do gosto do publico. Esclarecer a acgdo de Luis de Freitas Branco como «introdutor do modernismo em Portugal», Contextualizar as suas obras. Reconhecer as formas que no nosso pais assumiram as tendéncias impressionistas, nacionalistas e neocléssicas. Identificar os composi- tores que cultivaram essas tendéncias. Justificar a obra de Lopes Graga a luz cas tendéncias que representou. Descrever a politica musical do Estado Novo, Enunciar os compositores mais relevantes no panorama musical contemporiineo, Reconhecer o papel da Fundagio Calouste Gulbenkian na quebra do anterior isolamento no plano musical. ass 71 As tentativas de renovacdo da vida musical: as influéncias germanicas ¢ a misica instrumental Nao parecem existir dividas de que no panorama cultural portugués a década de seienta do século XIX marca 0 inicio de um novo periodo que tem como origem a abertura do pais ao exterior, através da ligago ferrovisria a Europa além-Pirinéus, No plano [ilds6fico e literdrio, a chamada «Geragéio de 70» tard um novo impulso aos meios intelectuais que esté associado a um conhe- cimento mais aprofundado e actualizado da cultura francesa. Uma das conse- quéncias desse proceso ird ser 0 desenvolvimento da investigagao historiza ¢ einolégica da misica portuguesa, ligado & divulgaglo entre nés das ideias postivistas, e raduzido na uctividade de nomes como Joaquim de Vasconcelos, Francisco Marques de Sousa Viterbo ou Ernesto Vieira. Nos ailtimos anos do séeulo surgem também alguns periddicos musicais inovadores pela relativa qualidade das suas componentes critica ¢ informativa, como o Amphion (1884) ¢ Arte Musical (1899)' Masa principal mudanga ocorrida na vide musical portuguesa parece residir nadeslocacao do seu pélo central do teatro lirica para a misica instrumental Esta mutasdo da-se principalmente nas duas maiores cidades do pais, j4 que em Coimbra, por exemplo, na cidade onde tradicionalmente se formava a fneligentzia portuguesa, nunca teré existido um piblico com dimensio sufi siente para permitir o desenvolvimento de uma actividade musical de cardcter . profisional,a qual se manteve sempre essenciaimente ligada ao meio boémioe sstudantil Um factor determinante dessa deslocagdo foi sem duivida a progressiva apro- imag dos misicos portugueses 4 misiea alema, Depois de Bomtempo, cuja ‘e720 como compositor instrumental permaneceu um fenémeno isolado até &0sfinais de oitocentos, a importagio da cultura musical germanica, conside- ‘da como sendo de qualidade superior face & cultura operdtica italiana eaos seusderivados, ira constituir uma ideia base da formacio dos misicos portu- ‘ieses que estabeleceram a ponte entre os séculos XIX e XX. A escolha da ‘Alemanha como destino de estudo comecaria a vulgarizar-se entre nds, prin- ; Spalmente entre os instrumentistas. No Porto, alguns dos maiores vultos de ftais do século, como Bernardo Valentim Moreira de Sa, Guilhermina Suggia ¢ imundo de Macedo, estudaram nesse pais, o mesmo acontecendoem Lisboa ‘om figuras influentes como Alexandre Rey Colago ou o maestro Victor ele proprio de nacionalidade alema ALL As associagdes de concertos como ponto de partida para o desenvelvi- mento da misica instrumental ietanto, o aparecimento de sociedades de concertos tinha-se acentuado a itdos anos sessenta. Em Lisboa a primeira iniciativa a assinalar é ada de Concertos Populares, fundada por Augusto Neuparth e Guilherme PTL Paulo Perera de Casto Historia Aiznce Sioneses vs Cul Porigues. Lis boa, Cusmssinico pare. a Europaina 9)-Portugal/ Irsprems Nuciol-Cise do Moga, 1991, 148 Iss " Joao de Freaas Branen, Misrona de Sanco Porte fguese, Linton, Pubbeasbes Europa-America, 1959 pp. (55159 > Toms Borba ¢ Fernando Lopes Graga, Dicndno de Miswcad, Vol Lisboa Eedgdes Cosmos, (962,09 Paulo Ferrera de Cast, op ait. 10. “Tomis Borba ¢ Fernando Lopes Gracasep. cit, Volt pp 910, “tod, Wo. 2.48 156 Cossoul (1860), logo seguida pela 24 de Junho (1870) ¢ pela Sociedade Concertos de Lisboa (1875). A Orquestra 24 de Junko foi dirigida por visi maestros estrangeitos como Barbieri, Colonne e Ruddorf, sendo de destacar; partir de 1878, a accdo do maestro Francisco Asenjo Barbieri, sob cuja dice este agrupamento interpretou obras significativas de compositores com Mozart, Haydn, Beethoven, Weber, Mendelssohn, Glinka e Saint-Saens Rag seu lado a Sociedade de Concertos de Lisboa dedicou-se especialmente i miisica de edmara, fazendo ouvir ao lado de «pegas de qualidade duvid obras de Haydn, Mendelssohn, Schubert ¢ Schumann’. No entanto, a importante instituigdo lisboeta de finais do século seria sem divida a Real ‘Academia dos Amadores de Musica. Fundada em 1884 por um grupo de melémanos, a Academia tinha eum ‘objectivo inicial difandir 0 «gosto pela boa misica» através do ensino, de concer tos ¢ de conferéncias?, Para a plena realizagio da actividade concertstca fl criada uma orquestra que contava inicialmente com sessenta € dois membros, sob a direcodo de Filipe Duarte, e com a qual viria mais tarde a trabalhar ¢ alemao Victor Hussla (1857-1899), © qual levaria a cabo uma significative acco de divulgagdo do repertério sinfonico oitocentista. Dirigiram ainda o agrupamento alguns maestros estrangeiros como André Goni e Guilherm ‘Wendling, os quais integravam o corpo docente da instituigio, e ainda, depois 1911, Pedro Blanch. Com a orquestra da Academia colaboraram alguns nom sonantes de cantores que visitaram o Teatro de 8. Carlos, como De Lucca ‘Angelis, Bellincioni e Kaschmann, bem como coneertistas nacionais(Vianad Mota, Guilhermina Suggia c Oscar da Silva) ¢ ainda varios amadores. > Paralelamente, a Academia desenvolveu uma importante acgio pedagésica, vindo a transformar-se numa espécie de Conservatério paralelo, como nol Paulo Ferreira de Castro’, sendode realcar mais uma vez a formacio germénica de varios dos professores que nela ensinavam. O periodo dureo desta institu itia terminar apés a Primeira Guerra Mundial, principalmente em consequén- cia do desaparecimento da orquestra, que era o pélo principal da sua activ dade concertistica‘. A Academia esteve também ligado Alexandre Rey Colac § (1854-1928), pianista e compositor macroquino naturalizado portugués que realizou a sua formagao pianistica no Conservatorio de Madrid e completou 1s seus estudos na capital francesa, partindo depois para Berlim. Ex 1887 fixou-se definitivamente em Lisboa, dedicaniio-se especialmente ao ensino, quer no Conservatério quer na Academia dos Amadores de Musica. Rey Colago fez ainda algumas incursdes no campo du composigao, sendo a parte mas | significativa da sua obra composta por dancas e melodias populares estilizadas e questo exemplo Fados, Bailarico, Jaleo, Malagueita, Jota, Pequenas Pecas para piano) ¢ Cantigas de Portugal (para vor ¢ piano) sempre dentro de um contexts estético nacionalista ainda de raiz romantica’ Nos anos imediatamente anteriores & Repiiblica 2 actividade concentistica dy capital portuguesa foi marcada pela visita de algumas das grandes orquestras estrangeiras, Por iniciativa de Miguel Angelo Lambertini, esteve em Lisboa em 1901 a Orquestra Filarménica de Berlim, dirigida por Nikish, tendo tis woltado de novo em 1908, desta feita sob a direccdo de Richard Strauss. ‘Seguem-se a Orquestra Colonne (1903), a Orquestra Lamoureux, dirigida por Camille Chevillard (1905) ¢ a Filarménica de Munique dirigida por Joseph Lasalle (1910), constando sempre de todos os programas os excertos mais populares das obras de Wagner. No final do século aumentou também consi- deravelmente 0 mimero de concertistas que visitaram Portugal, contando-se entre os mais destacados Pablo Sarasate, Annette Essipov e Anton Rubinstein’. Por esta poca Miguel Angelo Lambertini alimentou também a ideia de sriagfo de uma grande orquestra portuguesa que nunca chegou porém a coneretizar-se. A maior parte das tentativas de criagdo de séries de concertos sinfénicos vitia alias a ter um cardcter efémero, aparentemente por falta de um_ apoio sustentado a nivel sécio-econémico, o que explica também 0 facto de se terem sucedido a intervalos muito curtos. Mesmo assim, algumas delas chega- tama rivalizar na atencao do puiblico, como ¢ 0 caso da Orquestra Sinfonica de Lisboa de Pedro Blanch (191 1) ¢ da Orquestra Sinfénica Portuguesa de David de Sousa (1913), que deram origem a duas facgdes: a dos olanchistas e a dos davidistas. David de Sousa dirigiu nos seus concertos obras como La Péri de Paul Dukas, as Valses nobles et sentimentales de Ravel, ou a Danga Russa da Petruska de Stravinsky. Pedro Blanch, por sua vez, fez ouvir muitas obras do repert6rio classico, entre elas a primeira audig&o em Portugal da 9.* Sinfonia de Beethoven, com o Orfedo Donostiarra. No Porto, a influéncia germénica fez-se sentir de forma bastante acentuada, ‘raduzindo-se numa intensa actividade docente e concertistica cujos agentes mai direotos foram Bernardo Moreira de Sa, Raimundo de Macedo ¢ Guilhermina Suggia. Figura principal do meio musical portuense de finais do século pas- sado e das primeiras décadas do nosso, Bernardo Valentim Moreira de S4 (1853-1924) desenvolveu uma acco multifacetada enquanto violinista, maes- to, pedagogo e musicografo. Tendo estudado inicialmente violino no Porto ‘com Marques Pinto ¢ Nicolau Ribas, parte depois para Berlim onde trabalha com o grande violinista Joachim. Tal como a grande maioria dos miisicos da sua geragdo transforma-se num wagneriano convicto, Como violinista efectua digsessdes artisticas pela América do Sul, na companhia de Viana da Mota, Pablo Casals ¢ Harold Bauer. De regresso ao Porto, funda em 1874 a Sociedade de Quartetos, uma das Prmeiras instituigdes do género a existir em todo o pais, e nove anos mais tarde a Sociedade de Misica de Camara. Qualquer destas instituigdes deu a conhecer nos seus concertos um importante ntimero de obras do repertério clissico € romantico até ent&o nunca ouvidas em Portugal, o mesmo aconte- cendo com 0 Quarteto Moreira de S, criado em 1884. Formado, na primeira fase da sua existéncia, pelo proprio Moreira de S4, Henrique Carneiro, Ben- jamim Gouveia ¢ Joaquim Casella, em 1891 este Quarteto viria a integrar a jovem Guilhermina Suggia, realizando importantes primeiras audigdes em Portugal como a integral dos quartetos de Becthoven. Mas a mais importante das instituigdes fundadas por Moreira de S4 foi sem chivida o Orpheon Por- tuense (1891) que ainda hoje existe, embora praticamente sem actividade, 0 edd Frees Branca.op in pp SSS, " Tomis Borba © Fernando Lope Gragt, Vol. 2. pp 239 pp 59259, "thd pp. 182-183 qual promovia originalmente concertos corais e sinfénicos bem como de miisica de cdmara nos quais participavam misicos portugueses ¢ estrang 10s, tendo trazido ao Porto uma série de nomes importantes do pano internacional. Entre as miltiplas actividades de Moreira de S4 conta-se ainda de maestro, dirigindo os concertos da Associacao da Classe Musical dos Profes- sores de Instrumentos de Arco do Porto (1906), durante os quais possibilitow a primeira audicao portuguesa de algumas obras de Wagner. Moreira de Si foi também responsivel pela fundag’io em 1917 do Conservatérie do Porto, tendo elaborado um plano de estudos que, segundo Fernando Lopes-Graga, tera servido de base 4 reforma levada a cabo por Viana da Mota Conservatério de Lisboa dois anos mais tarde. Como musicografo as suas principais obras so uma Histéria da Misica, da qual se publicow apenas 0 primeiro volume, Desde os tempos pré-historicos até Palestrina (Porto, 1920),a 4 Histéria da Evolugéo Musical; desde os antigos gregos aié ao presente (Porto, 1924), as Palestras Musicais Pedagégicas em cinco volumes (Porto, 1912- +1917) e ainda os Anais do Orpheon Portuenese: contribuicdo para a Histériada’ Misica em Portugal’. Importante também para o desenvolvimento musical na capital nortenka foiz aco desenvolvida pela violoncelista Guithermina Suggia (1888-1950), a qual tinha levado a cabo uma brilhante carreira de concertista internacional antes de se reestabelecer na sua terra natal. Nascida no Porto, aos doze anos era chefe do naipe dos violoncelos da Orquestra Sinfénica do Orpheon Portuenesee um ano mais tarde integrava o Quarteto Moreira de Sé. Em 1901 parte para Leipzig onde estuda violoncelo com Julius Klengel, Pouco tempo depois integra} @ Orquestra do Gewandhaus, chegando mesmo a exibit-se como solista sob @ direcsio de Arthur Nikisch. Apresenta-se com Exito em varias capitais euro- peias ¢ trabatha com Pablo Casals, com quem alias esteve casada. Tendo-se- estabelecido em Londres, onde residiu varios anos, regressa depois ao Porto, retirando-se praticamente da vida artistica. Na sua cidade natal dedica-se ao ensino privadoe toca algumas vezes para instituigdes culturaise de beneficén- ccia. Um ano antes de morrer realiza ainda concertos em Lisboa, com a Orquestra Sinfénica Nacional sob a direceao de Sir Malcolm Sargent e grava o seu tnico disco — 0 Concerto de Lalo — com a Orquestra Sinfdnica de Londres ¢ 0 maestro Pedro de Freitas Branco ‘Também natural do Porto, Raimundo de Macedo (1889-1931), desenvolves uma acgio importante como pianista ¢ chefe de orquestra. Depois de ter “Me estudado no Porto, segue para a Alemanha, matziculando-sc em 1903 no Conservatério de Leipzig onde estudou com Ruthardt, Hans Sitt e Arthur Nikisch. Como concertista apresentou-se na Alemanha, em Portugal, no; Brasil e na Argentina, optando mais tarde por fixar-se no Porto. Ai funda em 1910 a Sociedade de Concertos Sinfonicos, a qual dirige durante oito anos. Em 1928 fixa-se em S, Paulo, cidade em que viria a falecer’. No Porto distinguiram-se ainda Oscar da Silva (1870-1958), Luis Costa (1879- -1960) ¢ Hernéni Torres (1881-1939), todos eles compositores ¢ pianistas de

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