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O aporte da estética na categoria sentido no pensamento de Vygotsky.

Maria Regina Namura


Universidade de Taubaté

A partir dos fundamentos filosóficos e epistemológicos do pensamento de Vygotsky


identifica-se na “Psicologia da Arte” o elemento estético da categoria sentido evidenciando o
caráter estético-ontológico e não só epistemológico da análise do sentido. É possível
estabelecer a sintonia entre Vygotsky, Marx e Lukács e compreender o sentido como categoria
que responde pelo sujeito social e no social o sujeito individual explicitada em “A arte é o
social em nós”.
Imprimir uma epistemologia estético-ontológica na análise do sentido esclarece a
formação dinâmica, fluida e complexa do sentido sem reificar sua natureza subjetiva, mas
antes, concebe-la na dinâmica processual do universal, do individual e do particular,
expressando as motivações mais íntimas do sujeito cravado na dinâmica do real.

Palavras-chave: Psicologia da Arte, Estética, Sentido.

Contextualização do estudo

O caminho trilhado pela pesquisa para compreender a categoria sentido no


pensamento vygotskiano adotou o procedimento explicitado pelo próprio autor: a análise do
subtexto, isto é, perguntar pela gênese e intencionalidade dos textos. Esse procedimento
implicou na leitura de A Tragédia de Hamlet – o Príncipe da Dinamarca, a primeira monografia escrita
em 1916 (1999) e Psicologia da Arte publicada em 1925 (1998), obras pouco discutidas no cenário
acadêmico contemporâneo, a fim de encontrar um aporte teórico que revelasse o teor da categoria
sentido e iluminasse a polêmica instalada na Psicologia Social entre as vertentes do cognitivismo, do
construcionismo e materialismo histórico-dialético.
A categoria sentido pode ser apreendida ao longo da obra de Vygotski, mas encontra-
se melhor sistematizada no último capítulo do livro A Construção do Pensamento e da
Linguagem [1934-2001], intitulado Pensamento e Palavra, Vygotsky faz inúmeras referências
a poetas e obras literárias para mostrar que a reação estética suscitada pela arte é
imprescindível para a psicologia poder explicar o comportamento humano, e que o sentido,
objetivado em palavras, é a categoria mais importante da consciência: “o sentido real de cada
palavra é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos existentes na
consciência” [1934-2001, p. 466]. Ainda nessa obra o sentido aparece acoplado à linguagem e
ao pensamento, diferente da Psicologia da Arte em que aparece ligado à estética e à arte..
Na incomensurável contribuição que oferece à Psicologia a explicação da gênese e
da constituição das Funções Psicológicas Superiores, Vygotsky enfatiza a mediação da
linguagem (da palavra significativa) e as relações entre palavra e pensamento na configuração
da consciência. Essa construção tem promovido a interpretação do sentido como um
fenômeno lingüístico e minimiza a complexidade da categoria sentido que foi sendo
construída na análise da tragédia sobre Hamlet – O príncipe da Dinamarca [1916-1999] e
sistematizada na Psicologia da Arte [1925-1998].
Os fundamentos da psicologia da arte estão sustentados na tradição aristotélica da
tragédia, na reedição da tragédia shakespeariana e no simbolismo russo, e a formulação da
concepção psicológica da atividade artística - expressão máxima da atividade superior do
homem [funções psicológicas superiores] transpõe os limites puramente racionais, cognitivos
e objetivos da criação artística e da recepção da arte pelo expectador/leitor. Esse diferencial
está, entre outros elementos, no caráter da ação psicofísica da obra de arte sobre o fruidor
(recepção estética) e o criador da obra de arte em determinado contexto sócio-histórico – ou
seja, o sentido psicológico da reação estética.
Sem conhecermos as categorias que Vygotsky propõe na Psicologia da Arte [1925-
1998], especialmente a reação estética e a catarse, que vão desembocar na análise do sentido,
encaminham os leitores pelos caminhos da semântica e da lingüística e a herança estética, a
dimensão que supera o paradigma cognitivista permanece no subtexto, por ser revelada. Nessa
obra o sentido aparece acoplado à estética e à arte, diferentemente do texto Pensamento e
Palavra que aparece ligado à linguagem e ao pensamento.
Desse modo, pode-se inferir que a categoria sentido formulada explicitamente como
categoria psicológica em A Construção do Pensamento e da Palavra [1934-2001], tem sua
gênese na herança estética que trouxe para a psicologia, no subtexto das suas reflexões.
Chama a atenção também a formulação do sentido como a “soma de todos os fatos
psicológicos” [1934-2001, p. 465], da formulação que aparece na Psicologia da Arte como a
“síntese” psicológica, o que nos permite pensar que a categoria sentido tem implicações mais
profundas, que superam a atribuição de sentidos e significados da linguagem e da
comunicação humana, e não se fixa aos postulados da semântica das palavras, mesmo porque,
o próprio autor alerta seus leitores que sentido se separa da palavra, pode se preservar,
ultrapassar e até existir sem palavras.
Entretanto, os estudiosos de Vygotsky focam suas reflexões e discussões nas obras
psicológicas propriamente ditas e quando se referem à Psicologia da Arte o fazem como se
ela fizesse parte de um passado já superado que pouco tem a contribuir para a psicologia,
especialmente para a categoria sentido, e se fixam, unilateralmente, nas análises semânticas a
despeito da riqueza e diversidade das contribuições contidas naquela herança. É importante
destacar que a qualidade em ser do passado, imposta à obra Psicologia da Arte, não é a mais
adequada, pois o momento da sua produção e publicação ocorre em 1925, contemporânea,
portanto, do Significado da crise da psicologia e Psicologia Pedagógica publicadas em 1926;
há, portanto, uma interpenetração (intersecção) temporal na sua produção artística e na
publicação das obras psicológicas.
Além disso, os fatos históricos mostram que a arte nunca saiu do cenário de
Vygotsky, continuou interessado pelo teatro; na década de trinta há registros quanto à
publicação de um trabalho sobre a psicologia do ator, palestras proferidas e encontros com
diretores e cenógrafos, principalmente com Eisenstein “para discutir como as idéias abstratas
do materialismo histórico poderiam ser representadas em imagens de cinema” [Cole, 1979].
Quando nos mantemos atentos à trajetória intelectual de Vygotsky, rastreando a obra
Psicologia da Arte encontramos certa dissonância em relação à compreensão hegemônica e
interpretação exclusivamente semiológica da categoria sentido. O autor se empenhou em
instaurar, em sistematizar o campo da psicologia da arte, propondo categorias psicológicas
para analisar os fenômenos psicológicos que configuram o sentido na relação com a arte
literária, inaugurando nesse campo o que na atualidade é um tema recorrente na estética, a
recepção da arte. O pensamento dialético e a assunção do princípio da totalidade, sua imersão
na filosofia, sociologia, literatura, estética e na lingüística, entre outras áreas do
conhecimento, seus pressupostos filosóficos e epistemológicos desautorizam a discussão e
ênfase no enfoque lingüístico da categoria sentido. Ao contrário, levam a questionar o rumo
que se está dando para o estudo da categoria sentido na transição do século XXI que deixa de
apreender o caráter estético-ontológico da mesma.
Apesar da ênfase dada à atividade mediada pela linguagem, e do seu interesse pela
lingüística e pelos processos de significação que emergiam com muita força no espírito da
época, Vygotsky propõe esse caminho sem abandonar o materialismo histórico-dialético,
defendendo o estudo objetivo da consciência, ou seja, despregado das concepções idealistas e
naturalistas do sentido. Lembremos o destaque dos parágrafos finais de Pensamento e Palavra
ao postular que o sentido objetivado em palavras é a categoria mais importante da
consciência, o coroamento da ação do ser social.
Entretanto, parece que os próprios comentadores e o público leitor consideram esse
conhecimento como uma introdução a sua obra dando menor atenção aos prenúncios de uma
teoria das emoções esboçada na Teoria da Reação Estética, à especificidade que atribuiu ao
conceito de catarse (diferenciado da descarga de energia postulada pela versão psicanalítica),
e ao papel do estilo e da estrutura da obra literária, ou seja, a convenção estética do autor na
recepção da arte e transformação dos sentidos.
A percepção inicial de que o mais importante da migração de Vygotsky da arte para a
psicologia já foi dito e apontado, somado a limitação da língua e o acesso às obras ainda não
traduzidas, são restrições que nos levam a perguntar, o que nos permite fazer esse caminho. O
que nos autoriza, frente ao acesso limitado dos textos, fazer esse caminho e pretender
socializar ou elucidar a constituição do sentido, seu papel na configuração da consciência, na
compreensão do homem, construção do sujeito ou na construção de um “novo homem”, como
queria Vygotsky?

A análise de Hamlet na Psicologia da Arte vai na direção da crítica aos formalistas


russos, revela a análise da obra de arte concebida na sua literalidade, na distinção entre fábula
e enredo, na dialética forma/conteúdo, buscando superar a cisão e estática do pensamento dos
formalistas russos e propor o movimento. Estabelece um novo conteúdo ao conceito clássico
de catarse de Aristóteles, a dialética forma/conteúdo como modo de ser da obra de arte
(arcabouço, estrutura) cuja síntese seria a catarse (solução, oposição, contradição) na
Consciência do leitor

e para contribuir com essa força de resistência contra a banalização da vida e do sentido, a
estética pode contribuir com a concepção do sentido como constituinte do sujeito.

Propomos uma análise que possa nos conduzir para uma concepção social do
homem delineada pela Psicologia Social Crítica, que pretende resgatar o sentido nas suas
bases ontológicas (numa ontologia do ser social com propões Lukács) sem deslizar por
concepções transcendentais, idealistas e irracionalistas do homem, sem diluir o sentido nas
produções midiáticas, nem na exacerbação do individuo das concepções neoliberais e
instrumentalistas do homem. Modelos que apesar do discurso do reconhecimento e da
alteridade distanciam o homem da sua gênese social e da sociedade humana em que se
constitui, apelando para o individual enquanto elemento contingencial que se sobrepõe às
necessidades e carecimentos humanos.

Esta tendência tem propiciado a emergência e o interesse do sentido como elemento


fundamental, essencial do homem e da sua humanidade, mas ao mesmo tempo
autonomizando e reificando o sentido que resvala o fetiche.
A multiplicidade e complexidade dos fenômenos psicossociais estudados pela
mediação do sentido, ou através da eleição do sentido como matriz psicológica para a
compreensão do sujeito mostram-se atravessados por interesses políticos e éticos mas de
cunho estratégico e instrumental, como meio para se atingir os fins econômicos que
atravessam a sociedade do consumo e não a sociedade dos homens.
As formas de compreensão e as concepções de sentido são aparentemente
diversificadas (desde as concepções idealistas e transcendentais em oposição a concepções
materialistas economicistas) e empenham-se na eleição e defesa do sentido como a chave do
enigma para a compreensão do homem contemporâneo, mas deslocam para o sentido o que já
se discutiu e se construiu sobre o indivíduo. A falta de precisão e ausência de um método que
permita desvelar a natureza do que vem a ser o sentido e qual a sua configuração, parece repor
a mesma trajetória que elegeu o individualismo em vez da individualidade.
A diversidade e autonomização do sentido sem duvida está subsumida a uma
certa concepção de homem e sociedade. O benefício está em resgatar o individuo dos
escombros da objetividade das ciências duras, mas superar a fragmentação pelo caminho da
complexidade e da totalidade ainda é um passo a ser dado.
Retornar à Filosofia sem com isso retornar o sentido metafísico da vida mas
como idéia reguladora que permite considera-lo, bem como ao homem como um ser não
fragmentado pelas especializações, nem como uma mônada autosuficiente, mas como um ser
de relações na complexificação cada vez maior das sociedades modernas. Além do retorno à
filosofia a assumir o método materialista dialético como o instrumento de análise privilegiado
para destituir as aparências na busca da essência, caminhando do abstrato ao concreto pelas
mediações sócio-culturais.
Dentre as mediações a Arte – o sentido da arte, mutatis mutantis é o sentido da
vida. Desde uma concepção de arte que retrate os destinos humanos.
Em que a estética contribui?

O enfoque moderno relaciona o belo com a percepção sensorial.

Para Schiller a idéia de beleza não foge do mundo material visto que visa sua
transformação em expressão de liberdade, esta como realização da arte cria suporte e é o
passo intermediário necessário para a realização da liberdade política / não se pode realizar o
estado ético, ou seja, o estado da liberdade, se os seres humanos que constituem a sociedade
não realizarem antes a libertação em si. Para Schiller a essência da liberdade é antropológica e
não política. A qualidade política passa por um processo de evolução cultural dos indivíduos –
não se constrói sociedade ética alguma se o próprio homem não se tornar ético. (risco de cair
numa condição liberal?, mas abre perspectivas existenciais, supera dualismos e visões
unilaterais e essencialistas)
A perspectiva de Schiller aponta a transitoriedade da vida material vista como um
elemento fundamental da evolução humana e esse caminho “lhe é assinalado nos sentidos”. O
homem não existe para retornar a uma unidade perdida, mas para conquistar uma autonomia
antes inexistente que a partir da alienação e fragmentação da vida terrena tenta conquistar
uma nova plenitude, esta não permite o abandono do mundo exige a sua transformação. A
superação ocorre pelo impulso lúdico, uma nova postura existencial, o homem deixa de existir
simplesmente, visto que a existência se converte em criação perpétua.

A estética lukácsiana permite uma reflexão mais profícua da categoria sentido


enquanto núcleo da constituição do sujeito e da subjetividade na sua concreticidade e
historicidade. (categoria do realismo na Arte e na Ciência – mutatis mutanti na realidade
cotidiana - e a categoria da particularidade como central na teoria estética pois é mediadora da
singularidade e da totalidade) e é aqui obviamente, que se fundamenta a estética na
confluência do método dialético e histórico.

Os pressupostos da análise marxista-lukácsiana da Estética, permite um


aprofundamento na compreensão da análise do significado/sentido em Vigotski, afirmando
sua concreticidade e historicidade sem cair nos dualismos tradicionais da psicologia na
concepção do homem e constituição do sujeito; e ainda que, inevitavelmente relacionado à
semiótica em função do caminho vigotskiano da análise das Funções Psicológicas Superiores,
o sentido não se reduz a uma semântica (idealista ou des-construcionista) e nem está
subsumida à semiótica, mas pode sim, ter uma relação de inerência conforme pressupostos
lukácsianos em função da categoria particularidade enquanto mediadora da totalidade e da
singularidade.

Se a tese é compreender o “Sentido do sentido em Vygotsky”, considerando os


pressupostos teórico-metodológicos da Psicologia por ele proposta, a Análise do Sentido,
(sentido é mais ontológico do que epistemológico) agora pode ser encaminhado seguindo o
caminho da “ontologia do ser social” e da teoria da Estética de Lukács.

Nesta discussão pretende-se responder e clarear as proposições atuais da constituição


do sentido como (Análise do Sentido) ou produção do sentido (aqui como práticas lingüísticas
e etc)? Há referenciais ocultos divergentes nessas terminologias que conduzem para uma
questão essencial do homem e não apenas uma questão semântica?

Idealismo Realismo

Schiller (pós-kantiano quase Lukács – categoria do realismo e


hegeliano) totalidade enquanto fundamentos do social e
do humano
Metafísica, ontologia natural do ser
Particularidade, categoria central da
Semiótica e as des-construções estética / mediação entre universalidade e
singularidade.

Antropomorfização
Desantropormofização do sujeito
Shakeaspearenização (Marx)
Schillerianização (Marx)
Gênese social da arte e do sujeito
Realidade ontológica abstratamente sem cair no sociologismo.
concebida – humano universal idealista
Permanência e mudança,
Transitório sem ligação com as Continuidade e descontinuidade, processos
estruturas sociais e humanas (ou formalismo que revelam a contraditoriedade da
puro, simbolismo nas artes, estruturalismo sociedade moderna e da constituição do
puro nas ciências) sujeito.
Produção de sentido segue a
Produção de sentido enquanto realidade ontológica material e
produção de imagens e significados historicamente situada, forma e conteúdo
contém realidade concreta (síntese das
contradições e múltiplas determinações, não
perde a universalidade nem dilui a
singularidade.

Segundo Lukács a “grande arte” é fator fundamental da educação dos indivíduos


para a plena cidadania, incorporação de experiências mais diversificadas de auto-realização
humana, tanto no plano da vida publica quanto privada.

1967 – Arte e Sociedade : “a verdadeira grande arte repele tanto a concepção


sectária-dogmática segundo a qual a essência humana só pode se exprimir realmente na
atividade imediatamente social (como se a vida privada fosse um apêndice eventual e
desprezível) como o conceito burguês, derivado da alienação, segundo o qual o eu seria a
única base vital para a realização ou o fracasso do ser humano”

A grande arte nos dá um exemplo de como é importante o trabalho criativo –


nossa atitude, no plano político-cultural, se assimilarmos as lições do “grande realismo”, não
pode ser a cópia de modelos já existentes, a imitação do já feito: precisa ser a do incentivo à
inovação, a do estímulo à inovação.

A arte nos proporciona uma compreensão imprescindível de nós mesmos, pela via da
sensibilidade, que nunca é neutra ou imparcial. Nas imagens da arte, reconhecemos nossas
contradições, os problemas da nossa existência, somos sacudidos e desafiados a reagir, a
tomar posição.

A especificidade do valor estético – preservação contra as urgências de


atividades regidas por valores extra-estéticos e a inevitável inserção histórico-política da arte
nos esforços da ação transformadora pela qual os seres humanos marcam sua presença no
mundo.
(outro ponto para se propor a alternatica com Lukács -ontologia e não
epistemologia do ser ou teoria do ser e não do conhecimento / nitche e a ontologia do ser,
para chegar a espinosa e o afetivo-volitivo / desejo de Vygotsky))

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