You are on page 1of 32

Por que sou pró-vida?

Gabriel Garcia Ribeiro de Arruda


“Chegará o dia em que teremos que provar ao mundo que a grama é verde”
G. K. Chesterton
ÍNDICE

1. Aborto: uma questão de todos..........................................................................................................1


2. Aborto: uma questão religiosa?........................................................................................................1
3. Aborto: uma questão exclusivamente feminina?..............................................................................2
4. A visão pró-vida................................................................................................................................3
4.1 “É imoral o ataque à vida de um ser humano”...................................................................4
4.2 “O nascituro é um ser humano”..........................................................................................4
4.3 “Todo nascituro é pessoa” - a questão da pessoalidade......................................................6
5. Visões que defendem que a pessoalidade começa após o nascimento.............................................7
5.1 Princípio da Potencialidade................................................................................................7
5.2 Caracterização da pessoa por capacidade adquirida após o nascimento............................8
5.3 Críticas, réplicas e tréplicas................................................................................................9
6. Visões que defendem que a pessoalidade começa no momento do nascimento............................10
6.1 Reconhecimento social.....................................................................................................11
6.2 Localização espacial.........................................................................................................11
6.3 Forma humana..................................................................................................................12
6.4 Liberdade da mulher em se destacar do feto....................................................................13
6.5 Argumento Pragmático.....................................................................................................13
7. Visões que defendem o começo da pessoalidade durante a gestação.............................................14
7.1 Anseios conscientes..........................................................................................................14
7.2 Viabilidade........................................................................................................................16
7.3 Capacidade de sentir dor...................................................................................................17
7.4 Desenvolvimento do cérebro............................................................................................17
7.5 Nidação.............................................................................................................................18
7.6 Duas frequentes objeções pró-aborto................................................................................19
7.7 A visão gradualista............................................................................................................20
8. A posição pró-vida..........................................................................................................................21
8.1 A pessoalidade na visão pró-vida......................................................................................21
8.2 Confirmações científicas..................................................................................................23
8.3 Os absurdos decorrentes da sua negação..........................................................................24
9. A questão da liberdade da mulher...................................................................................................24
9.1 O violinista de Judith Thomson........................................................................................25
9.2 A questão das mortes por abortos inseguros.....................................................................27
10. Conclusão.....................................................................................................................................28
1. Aborto: uma questão de todos?

O aborto, enquanto problema moral – tendo, inclusive, implicações políticas – é sim uma questão
que deve ser discutida por todas as pessoas, independentemente de quaisquer distinções que possam
ser levantadas. A típica posição pró-vida defende que todas as pessoas, desde que aceitas as regras
de um debate filosófico (tais quais a boa vontade e compromisso primordial com a verdade) podem
discutir a questão – mesmo homens (objeção comumente levantada, e que será refutada adiante) e
mesmo aquelas que lucram com a promoção do aborto (fato é que o aborto, onde é permitido, se
torna um lucrativo negócio de médicos e instituições – a exemplo da gigante americana Planned
Parenthood).
Tal visão é defendida basicamente pois, se o aborto for imoral, o será para todos – homens e
mulheres, médicos e leigos, crianças e adultos. E, se moral for, deverá ser permitido e – por que
não? – tornar-se mais um dentre os serviços prestados por médicos.

2. Aborto: uma questão religiosa?

O aborto não é uma questão religiosa, mas sim um tema de moral 1, cabendo portanto à Filosofia.
Entretanto, aqui cabem algumas explicações adicionais: se o tema do aborto é uma questão
patentemente filosófica, por que tamanha insistência por parte dos que advogam no lado pró-aborto 2
em dizer que seus opositores estão tentando impor uma concepção religiosa?
Ocorre que, materialmente, a religião implica em consequências morais 3, embora formalmente os
argumentos que justificam essa moral não sejam, necessariamente, de cunho religioso. A título de
exemplo, um argumento patentemente religioso seria este:
P1: A Igreja é dotada de infalibilidade em matéria de moral
P2: A Igreja declara, no §2271 do Catecismo, que o aborto é imoral
C: O aborto é imoral.
Obviamente tal argumento se baseia em uma premissa problemática, de cunho religioso (P1).
Portanto, ele só poderia ser empregado em uma discussão na qual os interlocutores compartilhassem
dessa premissa.
1 O célebre Dicionário de Filosofia de Niccola Abagnano define, como primeira acepção do verbete “moral”, tendo
por segunda acepção “o objeto da moral”. Fato é que a questão do aborto é um problema moral, que deve orientar a
posição ética dos indivíduos, e que pode ser apreciado e discutido racionalmente, no âmbito filosófico.
2 Autodenominados “pro-choice” (pró-escolha)
3 Exemplo disso foi a incessante luta da Igreja Católica contra a escravidão – coisa tomada como comum na
Antiguidade, e aceita como “natural” por grandes filósofos, como Aristóteles. Exemplos dessa luta foram a bula
Sicut Dudum (1435), Sublimus Dei (1537), Veritas Ipsa (1537), Cum Sicuti (1591), Comissum Nobis (1639), dentre
outras.

1
Entretanto os argumentos comumente postos em pauta na tese pró-vida NÃO apresentam esse
cunho religioso – mas sim filosófico.
Outro grande problema na discussão do aborto é a comum desqualificação da tese pró-vida por ser
defendida por pessoas religiosas. Essa visão se baseia em quatro erros fundamentais, que serão
refutados a seguir:
(i) A religião é irracionalista – De fato, ao menos se tratando da religião mais presente no
Brasil, o cristianismo (mais especificamente o catolicismo), essa tese é completamente falsa.
A visão cristã não opõe a fé à razão 4, sendo que a moral é considerada, pela Igreja, como
objeto de apreensão da reta razão – na linha aristotélica – e não um estatuto sem nexo com a
realidade.
(ii) A desclassificação da tese por aquele que a defende – raciocínio falacioso, facilmente
identificável como um argumentum ad hominem que busca “envenenar o poço” 5, isto é,
remover a confiabilidade do interlocutor, apontando uma suposta parcialidade e consequente
desonestidade deste.
(iii) Na linha da falha anterior, mesmo se a objeção fosse minimamente válida (o que não é),
esta visão desconsideraria o considerável grupo de ateus contrários ao aborto.
(iv) Mesmo que não houvessem ateus pró-vida, estaria sendo ignorada a realidade de que os
argumentos usados na tese pró-vida não são baseados em pressupostos religiosos.

3. Aborto: uma questão exclusivamente feminina?

Outra contestação apriorística ao debate consiste na tentativa de fechá-lo como “assunto de foro
íntimo feminino”. De fato, em diversos povos da Antiguidade, o aborto era uma questão privada das
mulheres6. Entretanto, o ser não corresponde ao dever-ser. A escravidão, por exemplo, foi instituto
jurídico comum à imensa maioria dos povos da Antiguidade, inclusive ressurgindo no chamado
“Renascimento” - e é consenso que sua imoralidade é objetiva e permanente, sendo gravíssimo
atentado à dignidade humana.
Todavia, aqueles que sustentam tal posição não a defendem por um preciosismo histórico, mas sim
por considerar que o aborto, enquanto envolve o corpo da mulher, deve ser assunto apenas de
mulheres.

4 Para aprofundamentos no tema, conferir o terceiro capítulo da obra “Introdução ao Cristianismo”, de Joseph
Ratzinger, bem como a Carta Encíclica Fides et Ratio, de São João Paulo II.
5 Cf. WALTON, Douglas N. Lógica Informal. São Paulo: Martins Fontes. pp. 208ss
6 Para uma perspectiva histórica do aborto, cf. GALEOTTI, Giulia. História do Aborto. Lisboa: Edições 70

2
Tal raciocínio é quadruplamente falho:
(i) É uma petição de princípio7, ao pressupor que o aborto envolve apenas a mulher, para
concluir que deve envolver apenas a mulher, premissa discutível e com a qual o lado pró-
vida definitivamente não concorda: pois cremos que envolve também o corpo do feto.
(ii) Sua aplicação prática conduz a absurdos, pois mesmo que envolvesse apenas a mulher,
não seria assunto exclusivo das mulheres. Afinal, caso a mutilação genital feminina (prática
comum em alguns países) fosse considerada positiva pela maioria das mulheres, mesmo
assim tal prática manteria um caráter atentatório à dignidade da pessoa humana, sendo
profundamente imoral, ao ferir um dos mais basilares princípios da moral comum: a não-
agressão.
(iii) Desconsidera a grande quantidade de mulheres pró-vida
(iv) Desconsidera que 50% dos nascituros abortados são mulheres

4. A visão pró-vida

Para a visão pró-vida, o aborto não é uma questão moralmente complexa. Centralmente, o
argumento pró-vida se baseia num dos princípios mais claramente apreendidos da moral, que é o
Princípio da Não-Agressão: não se pode agredir um indivíduo inocente. Como esse argumento pode
ser defendido de duas formas, passaremos à apreciação da primeira forma 8, e, em seguida, da
alteração na segunda forma.

P1: É imoral o ataque à vida de um ser humano


P2: Todo nascituro é um ser humano
C: É imoral o ataque à vida de qualquer nascituro9

Abordemos cada uma das proposições do argumento:

7 Cf. WALTON, Douglas N, Lógica Informal. São Paulo: Martins Fontes. p. 71


8 Note-se que a formulação das preposições nas formas de “Todo ser humano tem direito à vida”, ou “É imoral o
ataque à vida de um ser humano”, ou até mesmo “Não se deve atacar a vida de um ser humano” são indiferentes
para o fim proposto, pois se alteraria apenas o modo como é enunciado a mesma ideia, sem prejuízo ao sentido.
9 A questão de “O aborto é um ataque à vida do nascituro?” será melhor discutida no decorrer do trabalho, entretanto
deixamos claro que a definição de aborto aqui adotada será próxima à de Dworkin: “matar deliberadamente um
embrião humano em desenvolvimento”(apud. KACZOR, supra., p.19). Dizemos próxima, pois será ampliada para
“feto” e “zigoto”, termos que, como pretendemos demonstrar ao longo do trabalho, não se radicam em qualquer
realidade fundamentalmente ontológica, mas meramente em padrões consensualmente adotados para fins de
descrição científica.

3
4.1 “É imoral o ataque à vida de um ser humano”
Tal premissa, considerada como autoevidente, se baseia na intuição natural de que não se
pode agredir a outrem, sem uma estrita justa causa, na qual o dano se dá de forma
meramente acidental, quando não outra alternativa: a chamada legítima defesa.
Entretanto, a exceção não elimina a regra, mas, ao contrário, demonstra-a. A legítima defesa,
considerada instituto de direito natural, justifica a regra ao mostrar que o dano provocado ao
outro ser humano não é o fim ou o meio da ação, mas a consequência indesejada de uma
ação de duplo efeito: se defender de um agressor (Efeito desejado) e machucá-lo (Efeito
indesejado).
Essa premissa comumente é aceita inclusive por aqueles que defendem a visão pró-aborto,
dadas as consequências lógicas de sua recusa. Se a Premissa 1 for inválida, então ataques
gratuitos aos outros passam a ser corretos ou, ao menos, amorais – o que incluiria guerras,
tortura, etc. Cremos que sua auto-evidência se faz óbvia, portanto.

4.2 “O nascituro é um ser humano”


Essa premissa também é aceita inclusive por aqueles que defendem o aborto, como Peter
Singer, David Boonin, Mary Anne Warren, dentre outros – pois é certamente verdadeira, e
verificável. De fato, como escreve Christopher Kaczor10, “embora muitas vezes a discussão
popular se canalize sobre a humanidade do feto ou do recém-nascido, do ponto de vista
científico, tais questões estão definitivamente encerradas”.
Entretanto, se faz útil explanar os argumentos pelos quais essa premissa pode ser provada.
Consideremos alguns deles:
(i) Biologicamente11, o embrião/feto é um ser humano em decorrência de seu DNA, o qual
define a espécie a qual ele pertence, bem como suas características únicas e irrepetíveis que
o individuam.
(ii) Considerando-se um indivíduo X, este indivíduo estabelece consigo mesmo uma relação
ontológica de identidade, sendo ele igual a ele próprio em qualquer momento de sua vida.
Ainda que seus acidentes12 13 mudem, sua substância14 – pela qual aqueles participam do ser

10 KACZOR, Christopher. A Ética do Aborto. São Paulo: Loyola. 2014. p.26


11 A abordagem biológica será detalhada quando sustentarmos que a pessoalidade começa na concepção.
12 Para aprofundamento na terminologia metafísica aqui adotada, sugere-se o livro Metafísica, de Tomás de Melendo
et. ali., publicado no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio”
13 Realidades mutáveis ou não, às quais convém ser em outro – participam do ser vinculados à substância.
14 Realidade que permanece e caracteriza a essência do ente – manifestando-se a partir de outras (acidentes), para o
observador, mas ocupando posição ontológica antecedente a estas, por participar diretamente do ser. É à substância
que convém a existência: o homem existe. Ao acidente (exemplo: altura de 1,7m) não convém diretamente a
existência (não se encontra por aí alturas de 1,7m...), mas convém radicar sua existência em uma substância.

4
– continua a mesma, sendo o ente15 o mesmo. Logo, ainda que ele cresça ou mude
fisicamente (acidentes), ele continua sendo o mesmo ser. Oras, se é de sua essência 16 ser
humano, a ele assim continuará a sê-lo, em qualquer momento em que se possa estabelecer
uma relação ontológica de identidade17 daquele indivíduo X na situação original com a
situação atual. Traçando-se os sucessivos momentos de sua vida, na linha contrária ao
desenrolar temporal, alcançar-se-ia o momento de seu nascimento, sua gestação, assim até a
fecundação. No zigoto ainda se traçaria essa relação ontológica de identidade (substancial,
por óbvio). Uma possível objeção de que se estaria procedendo a uma redução ao infinito
não provém, pois, note-se: no momento exatamente anterior à fecundação e à formação
daquele zigoto, a matéria que compôs o primeiro estágio daquele ente (o zigoto) estava num
espermatozoide e um óvulo. Note-se que o espermatozoide e o óvulo são diferentes entre si.
Logo, não haveria identidade ontológica daquele indivíduo X com essa realidade, pois um
ente X não pode18 ser igual a um ente Y e a um ente Z, se os entes Y e Z diferirem entre si.
Assim, portanto, prova-se de modo necessário a humanidade do feto e embrião, que se inicia
na fecundação.

Tendo ambas as premissas ampla aceitação, levanta-se a questão: se o nascituro é um ser humano, e
todo ser humano tem direito à vida, porque este não é reconhecido ao nascituro por parte dos
defensores do aborto?
A resposta é que, em geral, sustenta-se que o direito à vida não decorre diretamente da condição
humana, mas mais propriamente da condição de pessoa. Dessa forma, o argumento pró-vida poderia
ser representado dessa forma:

P3: Toda pessoa tem direito inalienável à vida19


P4: Todo nascituro é pessoa
C2: Todo nascituro tem direito inalienável à vida

15 Ente, a grosso modo, é tudo o que é. Não consiste em gênero, mas sim classificação que se aplica a tudo quanto
participe do ser, e mais propriamente ao próprio ser em si.
16 Todas as coisas que são, são algo. Essência é o termo que denota justamente esse “algo”. A essência de um ser
humano é “ser humano”, e pode ser definida como “animal racional” (gênero próximo + diferença específica)
17 Princípio da Metafísica e também da Lógica, segundo o qual um ente A é igual a si mesmo.
18 Decorrente do primeiro princípio da Metafísica, que também é o primeiro princípio da Lógica, a Não-Contradição.
19 Aqueles que defendem a liceidade da pena capital alteram a primeira premissa, tanto deste quanto do argumento
anterior, a fim de incluir a distinção fundamental de “inocência” para a garantia absoluta do direito à vida.
Entretanto, este ponto é irrelevante para a presente discussão, dado que seu oposto – culpa – no sentido moral do
termo pressupõe a capacidade de agir voluntariamente com responsabilidade pelos próprios atos, coisa da qual fetos
e embriões (na realidade até crianças, como veremos em breve) não são dotados.Consideramos, assim, que a
inclusão dessa distinção seria mero preciosismo e iria contra o intuito da brevidade desse texto.

5
Não havendo diferença fundamental da primeira premissa do argumento anterior para este, e sendo
amplamente aceita, passaremos diretamente à análise da relevância do critério da pessoalidade, e à
segunda premissa deste argumento – essa sim, objeto de discordância fundamental entre as diversas
vertentes pró-aborto, e a visão pró-vida.

4.3 “Todo nascituro é pessoa” - a questão da pessoalidade


Pessoa, antes de um conceito jurídico, é um conceito filosófico. Pessoalidade é a
caracterização de uma realidade como pessoa – e é justamente nesse ponto no qual subsiste a
discordância fundamental entre o lado pró-vida e o lado pró-aborto se funda justamente
nesse requisito. O primeiro grupo defende que todo ser humano é pessoa 20, enquanto o
segundo grupo postula a possibilidade de seres humanos não-pessoas.
A pessoalidade, a grosso modo, é o estatuto moral de ser sujeito. Entes impessoais são
objetos em relações morais, e não sujeitos21. Segundo a filosofia perene, a mais adequada
definição de pessoa é individua substantia rationalis naturae (substância individual de
natureza racional)22.
A grande questão nesse tópico é “Quando começa a pessoalidade?”, antes que “O que é
pessoalidade?”. Para tanto, abordaremos as diferentes respostas àquela questão23, iniciando
pelas usadas pelos defensores da moralidade do aborto – devidamente acompanhadas de
nossas objeções – passando, em seguida, à exposição de nossa visão, das críticas a ela feitas,
e das respostas a tais críticas.

20 Ambos reconhecem a possibilidade filosófica de pessoas não-humanas. Por exemplo, se aparecesse um ser de
espécie alienígena, nos moldes das tramas de ficção científica, pensando, falando ou coisa que o valha, sem dúvida
a ele caberia a condição de pessoa. É de se ressaltar inclusive a doutrina teológica da existência de pessoas
imateriais, tais como os seres angélicos (que seriam, segundo a tradição tomista, formas puras) e de Deus (no qual,
sob a ótica cristã, identificam-se três pessoas divinas). A noção de pessoalidade, na verdade, apesar de surgir no
epicurismo (segundo o supracitado Dicionário de Abbagnano, desenvolveu-se majoritariamente sob a Teologia
cristã.
21 Daí deriva a incoerência filosófica do estatuto da escravidão. Moralmente dizendo, há que se falar em pessoas, e em
objetos. Dar ao escravo uma posição intermediária entre pessoa e objeto, a fim de garantir-lhe alguns direitos é algo
filosoficamente insustentável. Pessoa, ou se é, ou não se é.
22 Cf. MELENDO, Tomás et ali. Metafísica. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciência e Filosofia “Raimundo Lúlio”,
pp. 125ss; GARDEIL, Henri-Dominique. Iniciação à Filosofia de São Tomás de Aquino. v.2 – Psicologia,
Metafísica. São Paulo: Paulus. Para uma breve perspectiva histórica da visão do conceito de pessoa, sugere-se o
verbete “Pessoa” do supracitado Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano.
23 Será adotada a mesma metodologia de Christopher Kaczor, na supracitada obra A ética do aborto, que teve função
iluminante na redação deste trabalho.

6
5. Visões que defendem que pessoalidade começa após o nascimento24

Alguns autores, a exemplo de Peter Singer e Michael Tooley, defendem que a pessoalidade do ser
humano começa após o nascimento.
Os autores que sustentam tal visão, partem da defesa da moralidade do infanticídio, com a qual se
justificaria a do aborto. Afinal, ao colocarem o surgimento da pessoa após o nascimento, o
assassínio daquela vida, desde que se desse antes desse momento, não seria reprovável.
Há 2 principais argumentos de tal visão, um dos quais ataca a visão pró-vida, e o outro sustentaria a
visão da pessoalidade como fenômeno posterior ao nascimento. Analisemo-los:

5.1 Princípio da potencialidade


Michael Tooley usa como argumento25, o raciocínio de que, se cientistas inventassem um
soro que transformasse gatos em animais racionais (logo, pessoas), nós não teríamos o dever
moral de injetar esse soro em todos os gatos que encontrássemos. De modo análogo, não
temos o dever moral de manter o nascituro sendo gestado (e, segundo ele, tampouco de
manter a vida de uma criança em sua primeira semana de vida fora do útero), pois ela é
apenas potencialmente uma pessoa, assim como os gatos o seriam em tal caso.
Esse argumento é pautado numa analogia, que poderia ser formalizada da seguinte forma:
P5: O nascituro/nato está em potência para a pessoalidade
P6: O gato26 está em potência para a pessoalidade
P7: Não temos o dever moral de aplicar o soro ao gato, fazendo-o pessoa
C: Logo, não temos o dever moral de manter a vida do indivíduo, fazendo-o pessoa
Tooley, defendendo que todos os argumentos pró-vida partem do princípio da
potencialidade, crê refutá-los com a analogia em pauta.
Entretanto, essa posição pode ser refutada de 4 formas:
(i) Nem todos argumentos pró-vida partem do princípio da potencialidade, sendo a
maioria acerca da atualidade da condição de pessoa do nascituro
(ii) Há um pressuposto não compartilhado pelo lado pró-vida nesse argumento: que o
nascituro/criança não é pessoa.
(iii) Ainda que o pressuposto fosse compartilhado por ambos os lados, o argumento

24 Embora tal visão seja minoritária, por conter defensores importantes (como Peter Singer), e pelo fato de que os
erros que a maculam se repetem em outras posições que serão analisadas mais à frente, tomamos por prudente
apresentá-la.
25 TOOLEY, Michael. Abortion and Infanticide. In: Philosophy and Public Affairs, 2(1) (Autumn) 37-65, 1972. Apud:
KACZOR, Christopher. A Ética do Aborto. São Paulo: Loyola. 2014
26 Pressuposta a existência do soro.

7
ignora uma distinção que invalida a analogia feita: o ser humano seria pessoa em
potência ativa27, enquanto o gato seria pessoa em potência passiva.
A potência ativa é a capacidade de atualizar-se por si só – o embrião, por si só, cresce
até se tornar um adulto. Já a potência passiva depende de um ato externo (ato
entitativo) para atualizar a perfeição para a qual ela está em potência. Exemplo disso
seria o bloco de mármore, que está em potência passiva para uma estátua,
dependendo de uma causa eficiente que o informe àquela estátua (causa formal).

5.2 Caracterização da pessoalidade por capacidade adquirida após o nascimento


Tooley e Singer defendem que o que caracteriza a pessoalidade é, na verdade, a capacidade
de compreender a si mesmo como sujeito. Singer28 coloca a necessidade de que haja
consciência da própria existência, ao longo de tempo e lugar diversos, com capacidade de ter
desejos e planos – sendo que a diferenciação da espécie humana dos demais animais seria
um “especismo”, espécie de visão discriminatória injusta com os demais animais.
Ambos sustentam que só há direitos, portanto, quando há desejos. Entretanto, estabelecem
exceções29 à regra, tais quais pertubações emocionais, a exceção de que a regra não se aplica
a quem uma vez estava consciente e agora não o está temporariamente, e desejos oriundos
de doutrinação.
Há diversas críticas possíveis a essa posição. Ressaltamos as seguintes:
(i) As exceções adicionadas por Tooley são exceções arbitrárias e ad hoc, formuladas
para evitar a inclusão de pessoas durante o sono, e casos do gênero, no rol de
“humanos não-pessoas”. Tais exceções não possuem qualquer sustentação lógica ou
relação que derive da regra geral por eles estabelecida de que a pessoalidade depende
da consciência de si.
(ii) A defesa do infanticídio, inerente a esta tese, parece, para a maior parte das
pessoas, claramente uma abominação moral.30
(iii) A crítica de especismo feita por Singer pode ser refutada pela experiência
prática, já que a primazia moral do ser humano aos demais animais numa situação de
socorro (exemplo: atropela-se uma criança e um cachorro, e só se pode socorrer a um

27 Para maiores explicações sobre os tipos de ato e potência, consultar o supracitado Metafísica, pp. 83ss
28 SINGER, Peter. Rethinking Life & Death: The Collapse of Our Traditional Ethics. New York: St. Martin's Press,
1994. Apud KACZOR, Christopher. A ética do aborto. São Paulo: Loyola. 2014. pp.28
29 TOOLEY, Michael. Abortion and Infanticide. In: Philosophy and Public Affairs, 2(1) (Autumn) 37-65, 1972. pp.
47. Apud: KACZOR, Christopher. A Ética do Aborto. São Paulo: Loyola. 2014, pp 28(9)
30 Aqui não se deseja fazer um argumentum ad populum, mas apenas ressaltar que se a tese clássica de que a lei moral
pode ser apreendida pela reta razão está correta, há forte peso contra esses argumentos.

8
deles); bem como a ojeriza natural do homem à prática de canibalismo e da
bestialidade dão testemunho da percepção natural do intelecto humano de que o
status moral do homem é diverso do dos demais animais.
(iv) A crítica de especismo feita por Singer pode ser refutada pelo fato de que a
igualdade moral entre homens e animais não contribui de modo necessário para a
defesa do aborto e infanticídio, podendo-se interpretar em sentido contrário: todos os
animais exigem respeito inclusive antes do nascimento.
(v) A definição apriorística de “especismo” como algo abominável que deve ser
evitado, de Singer, é mero lugar retórico, com o qual busca criar-se um título de
ódio31 para afastar-se tal visão sem considerá-la de modo imparcial

5.3 Críticas, réplicas e tréplicas


A visão de que a pessoalidade se inicia após o nascimento, minoritária mesmo no meio pró-
aborto, possui diversas falhas.
Em primeiro lugar, que ao se considerar como critério para a pessoalidade a compreensão da
própria existência, busca-se uma realidade de foro íntimo que deverá mais ser pressuposta
do que provada in factu. Há correntes filosóficas que defendem que a compreensão do eu se
inicia com o desenvolvimento da fala – logo, poder-se-ia matar o infante muitos meses
depois do nascimento (quiçá anos). Entretanto, dada a repugnância causada por essa tese,
seus defensores propõe de modo arbitrário um prazo menor para tolerância do infanticídio.
Para Singer, 1 mês. Para Tooley, 1 semana. E por quê? Não se sabe ao certo. O motivo dado
é que após certo tempo, nenhum pai desejaria mais matar o filho 32. Além de arbitrário, tal
limite não possui, portanto, nenhuma justificativa sólida.
Em segundo lugar, pode-se ressaltar que a tese de que a consciência ou a racionalidade são a
fonte de pessoalidade, gera um problema factual: as pessoas, ao dormirem, não são mais
pessoas. Tampouco o são aquelas em coma, mesmo que temporário, e o mesmo se aplica às
anestesiadas. Seria, assim, moralmente válido o assassinato de um sujeito sob anestesia
geral.
Em resposta a estas objeções, há a interpretação de que não se depende consciência (ou
autopercepção) atual, mas sim de uma capacidade de autopercepção imediatamente
exercível (pode-se acordar aquele que dorme, mas não pode se acordar um feto). Essa
resposta também é falha, pois exclui aqueles em coma temporário e anestesia geral, apesar
31 Cf. SCHOPENHAUER, Arthur. Como vencer um debate sem precisar ter razão. Rio de Janeiro: Topbooks. 2003.
pp. 174
32 Cf. TOOLEY, supra., pp. 64 e SINGER, supra., pp.163

9
de incluir as pessoas durante o sono comum.
Em uma terceira visão, seria necessário o aparato encefálico suficiente para a autopercepção,
e não meramente a autopercepção imediatamente exercível. Esse critério incluiria o
indivíduo em coma, mas não aquele no qual o coma fosse resultante de dano cerebral,
mesmo reparável. Considerando-se que a capacidade de ser reparar dano cerebral é uma
contingência da ciência atual, podendo vir a ser (e provavelmente sendo) mais desenvolvida
no futuro, a falha desse critério se torna mais patente. Por ele, um ser humano poderia ser
pessoa, deixar de sê-lo, e voltar a ser após uma cirurgia. Nesse meio tempo, seria lícito matá-
lo.
É notável o fato que essas visões, apesar de negarem a pessoalidade do feto pela
potencialidade ativa do mesmo, igualmente dependem de uma potencialidade de exercício
da razão para se justificarem, atacando a si próprias. Além disso, os critérios são totalmente
arbitrários. Assim como se pode escolher por critério “ter cérebro”, sob argumento de que é
uma condição necessária para a pessoalidade, poder-se-ia optar pelos critérios de “ter vida”
ou “ter natureza racional” que, igualmente, são condições necessárias à pessoalidade.
--
As arbitrárias exceções ad hoc levantadas por Tooley para a caracterização da pessoalidade
como decorrente de desejos mantém a fraqueza da tese: se, salvo naqueles casos, os direitos
dependem dos anseios e vontades do indivíduo, então por que há direitos inalienáveis? Por
que não tolerar que uma pessoa voluntariamente se faça escrava de outra? Por que não
aceitar a venda voluntária de pessoas?
Em terceiro lugar, há indivíduos humanos que, por acidente 33 são incapazes de atingir a
racionalidade. Nesse caso, eles nunca serão pessoas? Matá-los seria moralmente aceitável?
Eles são meros objetos?
Passemos agora à segunda visão proposta pelo lado pró-aborto.

6. Visões que defendem que a pessoalidade começa no momento do nascimento

Em geral, essa é a visão mais comum no mundo ocidental, apesar de não ser a mais comum no
Brasil. Ela é defendida, por exemplo, pela gigante americana de serviços de contracepção e aborto,
a Planned Parenthood. Nos EUA o aborto legal, inicialmente permitido apenas até a viabilidade do
bebê (pelo precedente do caso Roe vs. Wade) judicialmente foi ampliado até o momento do parto,

33 Entenda-se acidente no sentido filosófico.

10
sendo permitido inclusive o aborto de parto parcial34.
Há basicamente cinco vias de defesa dessa visão.

6.1 Reconhecimento Social


A pessoalidade só iniciaria no nascimento em decorrência do maior reconhecimento social
dado aos nascidos, em detrimento do nascituro. O maior pesar de uma mãe, e da sociedade,
pela perda de um filho já nascido em comparação ao de um filho ainda em gestação (aborto
espontâneo) seria exemplo da realidade dessa visão.
Cremos que tal visão é falha, e exporemos três motivos para tanto:
(i) Delegar a pessoalidade à vontade social não se conecta a qualquer realidade objetiva,
sendo mero critério subjetivista, fundado na mera vontade social, que é sujeita a mudanças e
a erros.
(ii) Justificam-se, conforme tal visão, crimes contra a humanidade tais quais o genocídio.
Ora, se uma sociedade não reconhece como pessoas um dado grupo de seres humanos (no
caso, os não-nascidos), seria tolerável o assassínio destes. Semelhante raciocínio pode ser
usado para defender o genocídio empreendido pelos nazistas, por exemplo.
(iii) Caso se compreenda tal argumento de modo a buscar-se o puro legalismo, tornando a lei
a autoridade que diz quando um ser é pessoa moral ou não, além de se confundir
pessoalidade jurídica com a pessoalidade moral, será considerado que a lei orienta a moral, e
não o inverso. Da mesma forma, deveria ser considerado como correto, o assassinato de
pessoas de uma dada minoria social, caso a lei assim dispusesse.

6.2 Localização espacial


A pessoalidade só se inicia quando o ser humano em questão estiver fora do corpo materno.
Enquanto estiver no útero, é pars viscerum matris, como o considerava o Direito Romano.
Essa visão nos parece patentemente falha, embora seja bem lógica: a diferença entre um feto
de 8 meses e um recém-nascido um pouco prematuro é praticamente nula. Com a tecnologia

34 “Com uma extremidade [fetal] inferior na vagina, o cirurgião usa seus dedos para soltar a extremidade inferior
oposta, depois o dorso, os ombros e as extremidades superiores. O crânio se aloja no orifício cervical interno.
Usualmente não há dilatação suficiente para ele passar através. O feto é orientado com o dorso ou a espinha para
cima. A este ponto o cirurgião destro escorrega os dedos da mão esquerda ao longo das costas do feto e “engancha”
os ombros com o indicador e o anular (com a palma para baixo). O cirurgião pega uma tesoura de Metzenbaum
curva sem corte na mão direita. Cuidadosamente avança a ponta curvada para baixo, ao longo da coluna e embaixo
de seu dedo médio, até sentir que contatou a base do crânio sob a ponta do seu dedo médio. O cirurgião então força
a tesoura na base do crânio ou no forâmio magno; tendo entrado seguramente no crânio, abre a tesoura para
aumentar a abertura. O cirurgião remove a tesoura e introduz um cateter de sucção no orifício e evacua o conteúdo
do cérebro. Com o cateter ainda no lugar, aplica tração ao feto, removendo-o completamente da paciente.”
(Gonzales v. Carhart) apud. KACZOR, supra., pp.57

11
atual, já se noticia bebês que nasceram de quatro meses de gestação, e sobreviveram graças
às incubadoras modernas. De fato, a distinção então de um feto durante grande parte da
gestação, e de tais bebês, é apenas a localização. É óbvio que, caso se matasse o bebê na
incubadora, tratar-se-ia de homicídio ou infanticídio, e não aborto. Por que dar um
tratamento tão diferente por mera questão espacial, portanto?
Além da crítica feita acima, a associação da pessoalidade com o nascimento em decorrência
da localização espacial também incorre em quatro outros problemas:
(i) O problema episódico, de que um feto fruto de fertilização in vitro teria,
inicialmente, sido pessoa (por ser concebido fora do corpo), em seguida perdendo a
pessoalidade (ao ser implantado no útero materno) e readquirindo-a posteriormente,
ao nascer.
(ii) O problema do critério de separação: o que é nascimento? A total separação? E se
o feto já tiver nascido parcialmente? Considerando-se que o trabalho de parto
facilmente pode chegar a horas de duração, sem dúvida este é um problema
importante a ser considerado.
(iii) A fragilidade ontológica: qual diferença há, para a pessoalidade, entre um minuto
antes do parto, e um minuto depois do parto? A localização, já o ensina Aristóteles 35 é
um dos nove predicamentos acidentais, não sendo parte, assim, da substância do
ente. Como basear a pessoalidade num critério tão frágil, que pode mudar sem
qualquer alteração substancial do ente?
(iv) A curiosa questão que pode ser levantada36: se o feto, por estar na mãe, ao ser
gerado numa placa de Petri (FIV), ele é parte da Placa, ou pessoa?

6.3 Forma Humana


Há quem sustente que a pessoalidade decorre da forma humana, que surgiria no nascimento,
pelo reconhecimento do bebê como ser humano.
Poucos sustentam essa posição hoje em dia, dada a facilidade de refutá-la. Vejamos:
(i) A forma humana começa bem antes do nascimento, como pode ser provado por
exames de ultrassonografia, ressonância magnética, etc. Na décima semana o feto já
tem toda a sua forma física atual, com dedos, face, etc.
(ii) Não se reconheceria pessoalidade a seres humanos que, sem dúvida, são pessoas:

35 Em seu tratado Categorias.


36 A priori, parece uma questão jocosa. Entretanto, seu questionamento é real e de difícil resposta na visão pró-aborto:
se a pessoalidade predica-se, e predica-se em função do acidente lugar, então como discordar de tal visão?Ambas
respostas contrariam ou o bom-senso, ou a lógica interna da argumentação analisada.

12
crianças, jovens e adultos com deformação física, seja de nascença, seja adquirida
(iii) Logicamente haveria uma gradação de pessoalidade, bem como há uma
gradativa apresentação de forma humana no desenvolvimento embrionário – o que é
um contrassenso, pois ou se é pessoa, ou não se é, tertium nom datur.
Passemos, pois, ao argumento mais comum para defender a pessoalidade a partir do
nascimento.

6.4 Liberdade da mulher em se destacar do feto


Dentre todos os argumentos pró-aborto, este é o mais usual, e não é baseado na visão do
início da pessoalidade, reconhecendo que o nascituro é pessoa. Portanto, abordaremos tal
argumento mais à frente, em separado.

6.5 Argumento pragmático


Outra justificativa para a visão de que a pessoalidade começa no nascimento se pauta em
colocar-se o marco inicial da pessoa humana naquele momento que for mais conveniente
para a sociedade (visão baseada na ética utilitarista). Então, considerando-se o problema da
superpopulação global, e da pobreza, admitir-se-ia o aborto como método de “planejamento
familiar”, limitando o crescimento populacional, e dando aos genitores o poder de controle
sobre a sua prole mesmo após a concepção.
A essa visão, podem ser levantadas as seguintes críticas:
(i) Adotar-se um momento t para marco inicial da pessoalidade, por mera
conveniência, não implica na moralidade desse ato. Por mais que seja convencionado
o momento a partir do qual o ser humano é pessoa, a mera convenção não altera a
objetividade dos fatos.
(ii) Para o mesmo fim, tão ou mais útil seria a permissão inclusive do infanticídio –
coisa que nenhum dos filiados ao posicionamento do nascimento como origem da
pessoalidade desejam (caso contrário, estariam no grupo que abordamos
anteriormente).
(iii) Moralidade do aborto seletivo: dado que o fator limitante do crescimento de uma
população é o número de mulheres, abortar-se (ou matar por infanticídio)
exclusivamente as mulheres seria tão ou mais efetivo que a legalização do aborto
para fins de controle populacional. Todavia, ninguém, mesmo dentre os defensores
do aborto, acha moralmente correto o aborto seletivo em função de gênero.
(iv) A premissa de que há um problema de descontrole populacional é problemática,

13
não sendo aceita unanimemente pelos debatedores do assunto.

As visões que colocam a pessoalidade conectada ao nascimento, como demonstrado, são falhas,
possuindo em comum as dificuldades de ausência de base real para justificação, bem como
justificando o infanticídio, ou criando problemas de pessoalidades transitórias, que vêm e vão.
Passemos, então à próxima visão pró-aborto.

7. Visões que defendem o começo da pessoalidade durante a gestação

No Brasil, a maior parte do movimento pró-aborto filia-se a esta visão, sendo comuns afirmações
como: “ninguém quer legalizar aborto aos nove meses!”37 ou “até os 3 meses o feto não é
humano!”38. Portanto, mostra-se de capital importância a cuidadosa análise da sustentação emprega
para esta tese. Passemos aos argumentos:

7.1 Anseios conscientes


Segundo esse posicionamento, a presença de desejos/anseios conscientes é o que
caracterizaria a pessoalidade do ser humano. Essa posição é próxima à visão de Tooley, já
abordada anteriormente, com pequenas mudanças, a fim de fazer com que o ponto chave
caia não após, mas sim antes do nascimento.
O desejo, desse forma, pode ser disposicional ou habitual, ou seja, não necessita estar
atualmente na consciência (assim se exclui o caso do paciente em coma temporário, bem
como do dormente). Pode ser ideal, mais do que real (excluindo-se desejos oriundos de
doutrinação, etc).
Considera-se, aqui, que para haver desejos é necessária uma atividade cerebral organizada
no feto. E sabe-se39 que isso ocorre cerca de 25 a 32 semanas após a fecundação. Logo, a
pessoalidade se daria em algum momento nessa faixa de tempo.
Como teses já analisadas anteriormente, esta também sofre de alguns erros:
(i) Dizer que desejos podem ser habituais e ideais é, novamente, uma exceção ad

37 Afirmação que, apesar de comum, demonstra ignorância da realidade ocidental. A ampla maioria do movimento
pró-aborto no mundo defende o aborto até o término da gestação, comumente sendo legalizado até um dado
momento da gestação, e posteriormente sendo ampliado por toda a gestação. Como falaremos mais à frente, a
legalização no esquema “tudo ou nada” é a mais coerente.
38 Novamente trata-se de desconhecimento fático. Além do já arguido no tópico 4.2, retomaremos o tema à frente.
39 BOONIN, David. A Defense of Abortion. Cambridge, UK: New York: Cambridge University Press. 2003. p.126
apud KACZOR, supra., p.61

14
hoc. Adota-se um critério mais e mais complexo, para remover os casos que
indesejadamente são pegos ou deixados de lado pelo critério na sua forma mais
simplificada.
(ii) Se a presença do direito depende do desejo, novamente caímos no problema da
negação de direitos inalienáveis – como a liberdade.
(iii) É possível40 imaginar-se pessoas sem desejos41, mesmo que por fruto de um
acidente (no sentido usual do termo – imagine alguém que danificou
irreversivelmente a área do cérebro relacionada com desejos) ou de experimentos,
etc. Nesse caso, tal indivíduo não seria propriamente uma pessoa, não tendo direito
algum.
(iv) Além disso a importância dos direitos seria proporcional aos desejos dos quais
eles emanam. Isso vai contra a tese amplamente aceita (e pressuposta) de que todas
as pessoas possuem direitos iguais (por exemplo, o direito à vida de uma pessoa em
depressão não é inferior ao de uma pessoa sem depressão).
(v) O marco escolhido é impreciso, estando em algum lugar indefinido entre 25 e 32
semanas, provavelmente variando de nascituro para nascituro, e, mesmo que se adote
a perspectiva mais garantista (25 semanas), há fetos que, nascidos antes desse prazo,
sobreviveram, e não há motivo para não crermos que, com o avanço da técnica, fetos
cada vez mais prematuros sobreviverão. Oras, a estes, mesmo numa encubadora,
seria negado o direito à vida, já que não seriam pessoas?
(vi) O fato desses indivíduos terem sensações não significam que têm desejos. Sentir
é uma atitude passiva, para a qual basta um sistema nervoso desenvolvido. Já o
desejo é algo mais complexo, exigindo outras faculdades, como a memória,
imaginação e vontade. Há quem diga que seres sem linguagem não têm desejos,
assim, essa visão sustentaria não apenas o aborto antes do parto, mas também o
infanticídio e o aborto durante o parto.

40 A importância de exemplos possíveis, embora talvez não existentes atualmente, decorre do fato de que a área de
atuação de um critério moral deve ser a mais vasta possível, isto é, em todos os mundos-possíveis (conceito de
lógica modal), aquele critério deve ser aplicado, sob pena de cairmos num relativismo moral, inviabilizando a
própria função orientativa e diretiva dos juizos morais e da ética.
41 Inclusive tais pessoas estão presentes em diversas tradições religiosas. Por exemplo, o budismo ensina que o
Nirvana é um estado no qual não há mais desejos. E todas as religiões abraâmicas ensinam que na beatitude celeste
todos desejos cessarão em decorrência de possuir-se o Sumo Bem.

15
7.2 Viabilidade
A postura de defender que só há pessoalidade do feto quando há viabilidade foi a empregada
no célebre caso Roe vs. Wade, que permitiu o aborto em todo o território dos EUA, como
justificativa de quando começaria o interesse estatal. O argumento 42 usado foi: “Com
respeito ao interesse importante e legítimo do Estado pela vida potencial, o ponto decisivo é
na viabilidade. Isto é assim porque o feto então tem a possibilidade de vida significativa fora
do ventre materno”.43
O argumento da viabilidade, de modo mais rigoroso, se pauta na ideia de que a pessoalidade
do feto tem por condição necessária e suficiente a viabilidade de sua vida fora do corpo
materno.
Critiquemo-lo:
(i) Tooley, pró-infanticídio, levanta uma ótima objeção contra esse argumento: se
houvesse como um feto aprender a falar, isso caracterizaria pessoalidade, sendo que,
se pudéssemos vê-lo falando, por algum exame como um ultrassom, ele já seria uma
pessoa. Logo, a dependência fisiológica não tem relação com pessoalidade.
(ii) Outro contra-argumento elencado por Tooley é a constatação de que gêmeos
siameses muitas vezes dependem um do outro para a sobrevivência, às vezes
dependendo ambos dos órgãos de um só e, no entanto, são duas pessoas.
(iii) A viabilidade está ligada a fatores contingentes, tais quais o estado da tecnologia
médica, e o local onde a mãe se encontra. Um feto pode estar viável numa grande
cidade, com UTIs neonatais, e se tornar inviável caso a mãe viaje para a zona rural.
Pela visão em análise, nesse caso o feto perderia a sua pessoalidade, e a readquiriria
caso a mãe voltasse à cidade grande.
(iv) Com o avanço da técnica, é possível que se desenvolvam encubadoras cada vez
mais avançadas, e que a viabilidade se dê cada vez mais cedo. Ora, o momento no
qual o feto se torna pessoa mudará só por isso? E mudará até que ponto? Caso um dia
se desenvolva um método de gestar o feto extra-útero, como na distopia de Huxley,
ele será pessoa desde o início, ou não?

Sendo a viabilidade mais um requisito arbitrário, com o gravame de pautar-se puramente em


contingências, passemos à análise do próximo argumento.

42 Citado apud KACKOR, supra., p.71


43 Note-se a extrema circularidade do argumento, que não prova absolutamente nada. Em outras palavras, ele diz “o
ponto decisivo é a viabilidade, porque é nela que o feto tem viabilidade”.

16
7.3 Capacidade de sentir dor
Outra visão comum no Brasil44 é a de que o aborto seria permitido enquanto o feto não
pudesse sentir dor. De modo mais evoluído, pode-se associar essa visão à concepção de que
a pessoalidade dependeria da capacidade de sentir dor do nascituro.
Assim, obviamente, enquanto não houvesse um sistema nervoso minimamente
desenvolvido, o feto não seria pessoa.
Novamente, encontramos diversos erros na sustentação dessa posição:
(i) Se sentir dor é condição necessária e suficiente para ser pessoa, insetos também o
são, logo, têm direito inalienável à vida.
(ii) Se sentir dor é condição necessária, mas não suficiente, quais são as outras
condições necessárias? A natureza humana? Se sim, então por que a arbitrariedade da
dor?
(iii) Se possuir natureza humana e capacidade de sentir dor são condições necessárias
e, somadas, suficientes para a caracterização da pessoalidade, como ficam as pessoas
incapazes de sentir dor45? Não são pessoas? Não possuem direito à vida? E os
anestesiados?
(iv) Qual é a profunda diferença ontológica da capacidade de sentir dor, para o ser
humano?

7.4 Desenvolvimento do cérebro


Também uma visão popular, o cérebro é visto por muitos como condição necessária para a
identificação de um ser humano com uma pessoa humana: é pessoa quando se tem cérebro.
Esse critério também se embasa no fato de que o critério para o diagnóstico de morte mais
comumente usado é o de morte cerebral. Se, não havendo atividade cerebral, o indivíduo
está morto, ao não haver cérebro também deveria estar: já que a ausência de cérebro, por
óbvio, implica na ausência de atividade cerebral. Este, inclusive, foi o método adotado pelo
Supremo Tribunal Federal para permitir o aborto em caso de gravidez de anencéfalos.
Porém a questão não é tão clara quanto parece. Tal visão sem dúvida é criticável, se não for
simplesmente inválida:
(i) A razão de morte ser identificada como morte cerebral46 é que a partir dela todos
os órgãos vitais começam a falhar iminentemente de forma inexorável. Entretanto
44 Também derivada de total desconhecimento da real problemática moral do aborto: pois, se lícito, a dor é indiferente
e, se ilícito, idem.
45 São conhecidos e descritos na Medicina casos de indivíduos com insensibilidade congênita e permanente à dor.
46 Desconsiderando-se aqui, para fins de não prolongar demasiadamente o ponto discutido, a possibilidade de que tal
caracterização seja dada por questão meramente utilitária, visando a factibilidade do transplante de órgãos.

17
esse fato está cada vez mais sendo questionado, pois o cérebro tem um papel mais
harmonizador que constitutivo (o coração, por exemplo, possui uma rede neural
própria que mantém a pulsação mesmo na morte cerebral). Há casos 47 de pessoas que
viveram mais de 15 anos após o diagnóstico de morte do córtex cerebral.
(ii) Ainda que a morte cerebral seja o melhor meio para se determinar a morte, isso
não implica que seja um bom meio para pressupor-se a vida. 48 O status do feto está
mais próximo ao de alguém em coma temporário – pois há uma potência ativa para
atividade cerebral que, se não for interrompida, culminará na existência dessa
atividade em ato; do que no caso do morto, que não possui qualquer potência para a
atividade cerebral, seja ativa, seja passiva.
(iii) Pode ser objetada qual a relevância de um cérebro para caracterizar uma pessoa.
É possível pensar-se em pessoas sem cérebros49, bem como há diversos seres com
cérebro, que não são pessoas. Portanto, não há um vínculo de necessidade, tampouco
de suficiência entre cérebro e pessoalidade.

7.5 Nidação
Dentre as visões de início da pessoalidade durante a fase gestacional, esta possui peculiar
importância, pois, se aceita, torna o aborto moralmente inadmissível, mas autoriza a
pesquisa com embriões produzidos por fertilização in vitro50, bem como o uso da chamada
“contracepção de emergência”51.
Pragmaticamente, é uma visão útil e muito comum. Entretanto, cabe analisá-la do ponto de
vista moral. Materialmente, essa visão consiste em afirmar que o embrião se torna pessoa
quando se implanta na parede do útero materno, antes disso não possuindo pessoalidade e,
47 Cf. SHEWMON, D. Alan. Is it Reasonable to Use the UK Protocok for the Clinical Diagnosis of 'Brain Stem
Death' as a Basis for Diagnosing Death? In: GORMALLY, Luke (org.), Issues for a Catholic Bioethic. London:
Linacre Center. 1999. p. 323. Apud KACZOR, supra., p.81
48 Salutar foi a frase proferida pelo Ministro Cézar Pelluso, no julgamento da ADPF 54, que permitiu o aborto de
anencéfalos, ao notar a incoerência do pedido de direito ao aborto com, dentre os embasamentos, o fato da curta
vida do bebê, e sua concessão com base na suposição de que este não tem vida pela ausência de córtex cerebral: “O
anencéfalo morre – e, se morre, é porque estava vivo.”
49 Seja como alienígenas de ficção científica – possíveis, ressalte-se, visto que não contradizem a lógica e a metafísica
– seja como seres imateriais da Teologia.
50 Discussão interessante sobre o tema se deu entre os Ministros Ayres Britto e o brilhante Menezes Direito que,
cremos, provou com notável aristotelismo o direito à vida dos embriões congelados frutos da Fertilização In Vitro
(FIV)
51 Que não é uma contracepção no sentido próprio do termo, pois age evitando a nidação. Semelhante efeito possuem
os contraceptivos orais combinados, como mecanismo de ação secundário – evitam ovulação e, paralelamente,
alteram o endométrio para impedir nidação caso o mecanismo primário falhe. Isso pode ser verificado na própria
bula desses contraceptivos. É curioso que certos autores, como Stephen Coleman argumentam que a defesa da
pessoalidade desde a concepção acarretaria aos pró-vida terem que ser contra tais contraceptivos, coisa que
teoricamente eles não aceitariam defender (o que é falso, pois grande parte dos pró-vida são contra tais métodos
contraceptivos), enquanto no Brasil há desconhecimento geral sobre o potencial abortivo de tais métodos.

18
portanto, direitos.
Ela costuma a ser sustentada por dois argumentos:
1 – A gravidez só é identificável a partir da nidação, quando o embrião implantado inicia a
produção do hormônio beta-HCG
2 – O embrião implantado está mais próximo de realizar seu potencial que o zigoto ainda
não nidado.
Os argumentos claramente não são sólidos. Vejamos por quê:
(i) A identificabilidade da gravidez não implica na existência ou não de pessoalidade. Em
outras épocas, a gravidez só era identificável pela mexida do feto, o que não alteraria a
realidade de que, em um dado momento, ou ele é pessoa, ou não é.
(ii) É possível se pensar em pessoas nunca implantadas num útero. Seja imaginando um
método artificial de gestação de embriões extracorpóreo, seja imaginando pessoas não-
humanas.
(iii) A proximidade temporal do embrião implantado ou não implantado de se tornar adulto
difere em dias. Ontologicamente, não há diferença. Ambos possuem a mesma potência ativa
para tornarem-se adultos.

Outros argumentos52 poderiam ser elencados aqui, paralelamente aos já apresentados. Entretanto,
por esse texto já se alongar mais do que o esperado (e desejado), e pela minúscula relevância e
solidez, optamos por omiti-los. Para aprofundamentos nessas visões, recomendamos a já citada obra
de Christopher Kaczor.

7.6 Duas frequentes objeções pró-aborto


Há duas objeções pró-aborto comuns a todos os argumentos que, por isso, serão respondidas
à parte:
1 – Há um considerável índice de mortalidade embrional, havendo certa chance
relativamente alta de aborto espontâneo ou ausência de implantação.
A resposta a essa objeção é simples: o tempo de vida de uma pessoa não altera o valor da
vida dessa pessoa. Se o embrião é pessoa, tanto faz sua vida durar um dia ou dez anos,
qualquer violação a ela será imoral. Se o embrião não for pessoa, violar sua vida é permitido
mesmo que ele viva por anos.

2 – O lado pró-vida aplica o termo embrião para se referir a zigoto, feto para se referir a

52 Por exemplo, o de aparência humana ou o da mexida.

19
embrião, e vice-versa!

Os nomes dados às diferentes fases do ente não alteram sua essência. Tais nomes são
empregados em virtude de características acidentais dos mesmos, que mudam ao longo do
tempo, e, por isso, são usadas para distinguir suas diferentes manifestações na linha do
tempo. Ontologicamente a nomenclatura adotada é irrelevante: caso eu chame meu bule de
chá de cãozinho, não será por isso que ele começará a latir.

7.7 A visão gradualista


Por fim, dentre as distintas posições que colocam a pessoalização do ser humano como
fenômeno que ocorre em algum momento entre a concepção e o parto, abordaremos a
chamada visão gradualista, ou processualista, que põe a pessoalidade não como um marco
divisório do tipo “tudo ou nada”, mas como um processo que ocorre aos poucos, com um
crescente grau de pessoalidade do nascituro, a culminar no parto, conforme ele se
desenvolve.
A teoria se baseia no raciocínio de que cada uma das etapas de desenvolvimento
embrionário vai se somando às anteriores, como diversos cordões que se juntam numa corda
única, dando robustez cada vez maior a essa corda.
O fato de que os direitos comumente são conquistados gradualmente ao longo da vida do
indivíduo daria ainda mais apoio a esta visão
Entretanto, cremos que essa visão é inadequada:
(i) Nem todas as coisas admitem gradação. Muitas, principalmente na Moral, são
questões de absolutos: o meio entre maar cem inocentes e não matar ninguém, é
matar cinquenta – e não é por isso que será mais justo.53
(ii) Os direitos como um todo costumam a ter gradação, mas não cada direito em
particular: aos 16 anos pode-se votar, aos 18, dirigir, etc. Entretanto, aos 8 não se
pode ter “meio-voto”, tampouco aos 9 “meio-direito de dirigir”.
(iii) Em especial o direito à vida é, necessariamente, absoluto.54
(iv) O status moral de pessoa não possui meio-termo. Ou se é pessoa, ou não se é.
(v) A posição gradualista deveria levar à conclusão de que uma criança de 8 anos é
menos pessoa que um adulto de 20, o que é um absurdo.
(vi) A posição gradualista poderia ser aplicada ao inverso, concluindo-se que na
53 O exemplo citado encontra-se em KACZOR, supra., p.85
54 Tendo em vista que ele é condição necessária, no âmbito moral, para demais direitos. Inclusive isso se encontra
declarado no artigo 5º da atual Constituição da República.

20
senilidade a pessoalidade começa a decrescer.
(vii) Diferentemente da conjunção de fios para formar uma corda, um conjunto de
argumentos inválidos não constitui um argumento válido.
Considerando devidamente abordada a visão gradualista da pessoalidade, agora passaremos
à visão adotada pelo meio pró-vida para, em seguida, respondermos as demais objeções pró-
aborto (inclusive a do ponto 6.4).

8. A posição pró-vida

Basicamente o pró-vida sustenta que a pessoalidade começa na concepção. Note-se que a definição
de pessoalidade apresentada no início deste texto, a de “substância individual de natureza racional”
não foi empregada até agora. Abordamos diversas visões de quando começa a pessoalidade, sempre
no sentido genérico e intuitivo de pessoa como sujeito moral, em oposição a coisa (res).

8.1 A pessoalidade na visão pró-vida


Agora, primeiramente será exposta uma breve explanação da definição clássica de pessoa e
sua aplicação na posição pró-vida.
Por “substância” se entende uma das dez categorias (predicamentos) aristotélicos, que se
opõe aos outros nove, que são denominados comumente de “acidentes”. Como já explicado
acima, à substância convém diretamente o ser, enquanto ao acidente convém o ser em outro
(ser numa substância, portanto). Todas as distinções de pessoalidade tomadas pelo lado pró-
aborto se pautavam em um acidente: seja lugar (quando se falou do nascimento), seja
quantidade (quando se fala do tamanho), seja relação (quando se fala de viabilidade), seja de
qualidade (quando se fala de forma humana, dentre outro), ação (pensamento), paixão
(sensibilidade à dor), etc.
O pró-vida entende que o fato de que todas as distinções feitas pelo lado pró-aborto se
encaixarem dentre os predicamentos acidentais aristotélicos e todas necessitarem de ajustes
arbitrários e ad hoc a fim de não compreenderem membros que não deveriam caber no
conjunto (colocando coisas no conjunto de pessoas) ou deixarem de fora membros que nele
deveriam estar (deixando pessoas no conjunto de coisas), não é uma mera coincidência mas
sim decorrência natural do fato que nenhum deles aborda realmente o que é ser pessoa. Ser
pessoa é, sempre e em todo caso, uma substância. Ser pessoa não é uma característica
acidental de um ente, mas sim algo de sua mais profunda intimidade ontológica, a própria
maneira pela qual o ente participa no ser.

21
Diz-se “individual” pois a pessoalidade, ao ser característica substancial do ente, se
identifica de modo perfeito com o próprio indivíduo (que é individuado pela matéria –
potência que limita o ato de ser que o traz à existência) em decorrência da unidade do ato de
ser, o qual atualiza toda a essência de forma una.
Por “natureza racional”, denota-se a característica que diferencia a pessoalidade das demais
substâncias, a saber, a racionalidade55. Deve-se deixar claro que mesmo o impedimento de
exercício da potência intelectiva denotada nessa caracterização não altera a realidade da
natureza racional do ente, tendo em vista que sua substância pode não se desabrochar em
plenitude em decorrência de características acidentais que a impeçam. Dizer que tal fato
altera a substância, removendo a racionalidade de sua caracterização faria tanto sentido
quanto dizer que uma planta doente, por deixar de apresentar crescimento vegetativo 56, deixa
de ser planta.
A posição pró-vida, portanto, defende o critério da pessoalidade no âmbito mais sólido e
mais objetivo57 de todos, que é o âmbito ontológico. Defendemos que o ser humano é, por
natureza, pessoa58, e que essa pessoalidade começa no justo momento de surgimento
ontológico daquele ser humano, no exato instante em que a união do espermatozoide com o
óvulo geram um novo ente, que é informado com uma forma substancial distinta das células
que o geraram, mas numa matéria que foi recebida dessas células.
Dessa forma, o mesmo argumento de identidade ontológica apresentado no tópico 4.2, ii,
prova, também, a pessoalidade do homem. Retomemo-lo, com outras palavras:

Dado um ente X. As características substanciais desse ente permanecem, desde seu


surgimento até seu fim (dado que a mudança substancial é a alteração da identidade
ontológica). Esse ente, portanto, possui uma relação de identidade consigo próprio,
em qualquer momento que sua essência permanecer a mesma. Oras, o primeiro
momento no qual essa relação de identidade pode ser estabelecida, caso X seja um
ser humano, é na concepção. Antes dela, haviam dois entes distintos, de essências (e
características substanciais, portanto) distintas. O ente X não poderia ser igual a esses

55 Decorrente, segundo Aristóteles, da alma intelectiva.


56 Que seria a perfeição própria de um ente dotado de alma vegetativa (frise-se: aqui não se aplica um senti religioso à
doutrina da alma, senão aquele clássico sentido já usado pelo Estagirita).
57 Deve-se lembrar que a ordem de apreensão é inversa à ordem do ser, sendo a ontologia a última ciência na
abstração, mas a primeira na realidade.
58 A definição de “animal racional” já o mostra de modo patente, dado que a racionalidade é uma característica das
pessoas. Logo, o homem se diferencia de seu gênero próximo (animal) pela diferença específica da pessoalidade
(implicação da racionalidade).

22
dois entes, dado que eles são distintos entre si.
A partir daquele momento inicial (a concepção), seria possível estabelecer a relação
de identidade ontológica com o ente em qualquer instante, até a sua morte
(separação e consequente perda da forma, por parte da matéria). Assim sendo,
essencialmente tal ente permanece o mesmo ao longo de toda sua vida. Se a
pessoalidade (como cremos que seja) é uma característica essencial (uma substância
essencial), o ser humano é uma pessoa desde a concepção até a morte.

Ao colocar a pessoalidade como característica essencial, não há absolutamente nenhum dos


inúmeros problemas que exigiam a formulação de critérios adicionais ad hoc nas visões pró-
aborto. Colocando-a como característica essencial do ser humano, todos os seres humanos
são pessoas, e o são igualmente. Da mesma forma não há perda da pessoalidade – exceto
pela morte. Além disso, nada se diz de “especista” (mesmo se o especismo for realmente
algum problema ético), pois dizer que todo ser humano é pessoa nada diz a respeito da
condição de seres não humanos, que poderão ou não ser pessoas.
E os dados da ciência apenas comprovam aquilo que é filosoficamente demonstrado.
Vejamos.

8.2 Confirmações científicas


O fato de a pertença à espécie humana ser inerente ao embrião é provado cientificamente, e
consenso na embriologia. A título de exemplos, citaremos três livros científicos
“A formação, a maturação e o encontro de células sexuais masculinas e femininas
são preliminares de sua união atual, numa célula combinada ou zigoto, que
definitivamente marca o início de novo indivíduo. Essa penetração do óvulo pelo
espermatozoide e o se juntarem e combinarem seus respectivos núcleos constitui o
processo da fertilização”59 (grifo nosso)

“Zigoto. Essa célula é o começo de um ser humano; resulta da fertilização de um


óvulo pelo esperma. A expressão “óvulo fertilizado” se refere ao zigoto.”60 (grifo
nosso)
“A embriologia moderna dispõe de conhecimentos extraordinários e um dos mais
59 AREY, Leslie Brainerd. Developmental Anatomy. 7. ed. Philadelphia: Saunders. 1974. p.55 apud KACZOR, supra.,
p..101
60 MOORE, Keith L. Before We Are Born. 2. ed. Washington DC: Carnegie Institution of Washington. 1987. p.9 apuda
KACZOR, supra., p.101

23
importantes textos de referência do mundo nessa área, adotado em inúmeras
faculdades de medicina, o de Moore e Persauit, ensina que o desenvolvimento
humano se inicia exatamente na fecundação (Embriologia clínica. Rio de Janeiro:
Elsevier, 7a ed., 2004). No mesmo sentido Jan Langman (Medical embryology.
Baltimore: Williams and Wilkins, 3a ed., 1975. pág. 3) e Bruce M. Carlson (Patten's
foundations of embryology. N. York: McGraw-Hill, 6a ed., 1996. pág. 3). Assim
também sustenta o Doutor Gerson Cotta-Pereira, destacado médico patologista,
Chefe do Serviço de Imunoquímica e Histoquímica da Santa Casa de Misericórdia do
Rio de Janeiro, em trabalho ainda não publicado e no qual descreve detalhadamente
o processo de reprodução ("O Exato Momento em que se inicia a Vida Humana e a
Terapia com as Células-Tronco").”61 (grifos nossos)

Tomando-se a pessoalidade por característica essencial do ser humano, a prova científica de


que o embrião é humano provará, por consequência, que ele é pessoa.

8.3 Os absurdos decorrentes de sua negação


A negação da pessoalidade de certos grupos humanos foi justificação para genocídios, para o
instituto da escravidão, e para a discriminação da mulher ao longo de diversas eras da
história da humanidade. Separar os nascituros, justamente aquele grupo que sequer possui
força física ou voz para se defenderem, e negar a pessoalidade deles com base em critérios
falhos e arbitrários (como demonstrados anteriormente) é considerado, pelos pró-vida, um
grave erro moral.

9. A questão da liberdade da mulher


Há, entretanto, um argumento pró-aborto que não depende diretamente da defesa de um critério
específico para a pessoalidade do feto. E tal argumento é precisamente este, o mais comum de
todos, que se pauta na questão da liberdade da mulher quanto ao próprio corpo.
Mesmo caso se considere que o nascituro é pessoa, aqui se objeta se o direito à vida dele sobrepõe-
se à vontade da gestante.
A visão pró-vida basicamente objeta esse argumento com a visão de que o direito à vida, enquanto
primeiro dentre todos os direitos, sobrepõe-se a qualquer outro direito, inclusive ao bem-estar da
gestante.
É necessário se esclarecer que não se trata, como propagado politicamente de modo retórico, de

61 Supremo Tribunal Federal – Ação Direta de Inconstitucionalidade nº3510 – Voto do Ministro Menezes Direito

24
uma “vontade de submeter a gestante”, ou “insensibilidade para com a condição da grávida”. A
abordagem pró-vida parte do pressuposto que há duas pessoas em questão, a mulher e o nascituro
(que em 50% dos casos também será uma mulher), e que se deve, em primeiro lugar, buscar
preservar a vida de ambos. A livre disposição da vida do nascituro por vontade da mãe
simplesmente neutraliza qualquer direito à vida que o feto possua. Oras, se o direito deste está
limitado à mera ação potestativa da mãe, de que adianta tal direito?
Entretanto, o lado pró-aborto possui algumas analogias para defender essa visão. Por questões de
espaço, e de proximidade entre os diversos argumentos, examinaremos apenas aquela que é a mais
célebre e mais usada62:

9.1 O violinista de Judith Thomson63


Judith Jarvis Thomson, em seu artigo “Uma defesa do aborto”, usa uma das mais célebres
analogias das teses pró-aborto: a do violinista.
Sucintamente, a analogia de Thomson é a seguinte: você foi sequestrado e ligado a um
violinista que tem uma doença raríssima, e que será curado se ficar ligado a você por nove
meses. Você é obrigado a ficar ligado a ele? E se fossem nove anos? E se fosse toda a vida?
E pede que o leitor se lembre que o direito à vida suplanta todos os direitos.
Obviamente a autora espere que o leitor pense um “não”, e então faz uma analogia com a
situação da grávida e do nascituro. A intenção é realizar uma reductio ad absurdum sobre a
primazia absoluta do direito à vida e, assim, justificar o aborto nos nove meses de gestação.
Em seguida, Judith Thomson propõe que um bom samaritano (em alusão à parábola
evangélica) permaneceria ligado ao violinista. Mas que ser um bom samaritano, o que é ser
heroico, não é uma conduta obrigatória, apesar de boa. E que nem toda conduta que não seja
boa, necessariamente é ruim. Quando num pólo temos um heroísmo, no outro teríamos uma
conduta tolerável a conduta daquilo que ela chama de “samaritano minimamente decente”.
Embora sedutora, tal analogia está permeada de falhas:
(i) A parábola do bom samaritano não propõe a ação do samaritano como conduta
heroica (nos textos evangélicos, tal conduta seria a do rico que queria ser perfeito,
caso tivesse vendido tudo o que tinha e dado aos pobres), mas apenas a conduta
correta a ser feita (não com grau de heroísmo). E isso não é uma questão religiosa,
mas mera interpretação de textos.
(ii) É falso o pressuposto de que quando num polo há uma conduta heroica, deve

62 Para demais analogias, argumentos e suas refutações, consultar o capítulo 7 do livro supracitado de Kaczor.
63 Abordada nas páginas 137 e seguintes do livro de Kaczor, que foram fonte da refutação aqui exposta.

25
haver uma meramente aceitável. Em muitos casos a opção moral se dá entre uma
conduta heroica e uma conduta absolutamente imoral. Exemplo: um ditador lhe dá a
opção de ser torturado até a morte, caso você não mate seus pais. Nesse caso só há
duas condutas possíveis, sendo uma heroica e a outra profundamente imoral.
(iii) A situação da conexão com o violinista é, na melhor das hipóteses, análoga à de
uma gravidez oriunda de estupro, mas não às gravidezes oriundas de relações
consensuais.
(iv) Desconectar-se do violinista em nada tem a ver com as formas de abortar. Uma
analogia adequada com o aborto seria provocar a morte do violinista, a fim de que
houvesse desconexão.64 Mais apropriadamente, a analogia deveria dizer destroçar,
triturar ou envenenar o violinista.
(v) A analogia ignora amplamente a perspectiva do violinista. E se houvesse como
ele se desconectar do sequestrado, com a consequência da morte deste? Ele seria
forçado a agir como “o bom samaritano”?
(vi) O mais grave defeito da analogia é que ela parte de uma petição de princípio,
sendo, portanto, inválida. É pressuposto que o violinista não possui direito de ficar
ligado ao sequestrado, e que a situação dele é análoga à do feto, estando embutida a
pressuposição, portanto, de que o feto não tem direito a permanecer ligado à mãe.
Essa proposição não é compartilhada pelo lado pró-vida, sendo, portanto, inválida a
prova que se paute nela. Simplesmente, então, não há analogia do caso do violinista
com o caso do feto – há uma falácia argumentativa na analogia.
(vii) Ao contrário do caso do violinista, tipicamente que busca o aborto não deseja
pura e simplesmente interromper a gravidez apenas, mas também encerrar a vida do
feto. Se houvesse como fazer a interrupção sem a morte do feto, em muitos casos se
optaria mesmo assim pela morte desse, o que é deixado como claro que não ocorreria
no caso do violinista. Há, portanto, um erro fático quanto à motivação do aborto,
nessa analogia.

Em geral, os argumentos a favor do aborto que não se pautam na pessoalidade falham ao


defender ou (1) que o feto é parte da mãe, ou (2) que o feto não possui direito algum, ou (3)
que o feto obstaculiza a vida da mãe a ponto de impedir o direito à vida desta, sendo tal
direito ampliado ao livre arbítrio pessoal.

64 Na verdade, apenas duas formas de aborto seriam próximas da desconexão com o violinista: a histerotomia e a
histerectomia (respectivamente, a cesariana e a remoção do útero), que são usadas na ínfima minoria dos casos.

26
No primeiro caso, obviamente a falha pode ser refutada ontologicamente e biologicamente.
A mãe não possui quatro pés, dois genomas diferentes, às vezes dois tipos sanguíneos
diferentes tampouco duas cabeças. Estar dentro do corpo materno não significa ser parte
deste.
O segundo caso geralmente toma uma petição de princípio, além de relativizar o direito à
vida do feto de tal modo que este fica, materialmente, sem direito algum.
O terceiro caso comete o mesmo erro do segundo, mas pela via inversa.
Passemos, por fim, à última questão levantada pelo lado pró-aborto.

9.2 A questão das mortes por abortos inseguros


É muito comum que se afirme que o aborto é “questão de saúde pública”, e que sua
proibição só gera mortalidade feminina. Argumenta-se também que a legalização deve ser
permitida pois a proibição não é dotada de eficácia. Deve-se ter atenção para que tal
argumento, a princípio racional, não se torne falacioso, em títulos de ódio (ex: “o
movimento pró-vida é femicida!”) ou um argumentum ad misericordiam (“vocês não têm dó
das mulheres?”). Como nesses dois casos anteriores não se trata de um argumento, mas de
mero jogo erístico, abordaremos exclusivamente os questionamentos racionais – e
importantes – sobre a visão pragmatista social de descriminalização.
Opõe-se a isto:
(i) A questão da mortalidade é irrelevante para a discussão do status moral do aborto.
Não se quer dizer que a mortalidade é irrelevante em si, mas sim para essa questão.
Se o aborto é algo moralmente lícito, será lícito seja a mortalidade entre as que o
praticam de 0 ou 100%. Se for ilícito, idem.
(ii) O combate da mortalidade por abortos “inseguros” não deve necessariamente ser
feito pela legalização destes, mas sim, no caso da imoralidade do aborto (o que
vimos que é o caso), pela prevenção e combate às práticas abortivas.
(iii) Usar de um meio imoral para um fim bom não torna a ação moral. Os fins não
justificam os meios.
(iv) Arguir a ineficácia da lei para a sua revogação pode ser usado para revogar-se
todos os dispositivos de Direito Penal que temos. Explico: se um dado ato
condenável nunca é praticado, não há necessidade de legislar proibindo-o. Se ele é
praticado – conforme o argumento da ineficácia – e proibido, tal proibição deve ser
revogada. Ora, assim não se precisa de leis, pois elas serão inúteis em ambos os
casos.

27
(v) Dizer que a ineficácia de uma lei penal deve implicar na sua revogação parte do
pressuposto – que não é compartilhado por todos! - de que a pena não possui
nenhuma função retributiva.
(vi) Sustentar que a desproporcional severidade do sistema penal entre as mulheres
ricas que abortam (e não são pegas) e as pobres que, teoricamente, ou morreriam no
processo ou seriam presas não justifica a moralidade do aborto.
(vii) A mesma sustentação acima posta justificaria também a revogação de todas as
normas penais, pois os ricos no geral possuem maior acesso a uma boa defesa que os
pobres (o fato dessa realidade não implica que ela seja boa ou adequada, claro).

A oposição do movimento pró-vida em relação a essa justificativa não implica numa


“perseguição” ou “ódio” às mulheres. Novamente, 50% dos abortados são mulheres. Se
(supondo-se que os números dados por quem milita pelo aborto são corretos) 1 milhão de
abortos ocorrem por ano no Brasil, o número de mulheres mortas não é de poucas centenas
dentre as que abortam, mas sim de mais de 500 mil. Um verdadeiro holocausto silencioso.
Cremos que a legalização obviamente não solucionará essa questão. O movimento pró-vida
é sim a favor das mulheres, com o diferencial que é a favor também daqueles que ainda não
nasceram.
Para as gestantes em situação de risco de procurarem o aborto, defendemos o apoio –
público e, principalmente, da sociedade civil organizada, para que ela tenha todas as
condições, não só financeiras mas também emocionais e sociais de levar a gravidez ao
término e, em certos casos, de poder inclusive recorrer ao parto anônimo como alternativa
ao aborto (ex: estupro). O aborto, na perspectiva pró-vida, como ato imoral que é, jamais
pode ser meio ou fim de ação alguma. Como todo ato que resulta em morte, o aborto sempre
é trágico.

10. Conclusão
Esse texto foi escrito inspirado em uma pergunta que me foi dirigida em uma aula: “Por que você é
contra o aborto?”
Meu intuito foi basicamente responder tal pergunta, dentro dos limites do aceitável, buscando não
uma prolixidade demasiada, mas sim o mínimo desenvolvimento necessário para responder a uma
questão tão importante, dada que envolve o primeiro dos direitos: a vida.
Espero, aqui, não apenas tê-la respondido devidamente, mas também ter apresentado as razões pelas
quais creio que o posicionamento pró-aborto é insustentável, sendo uma afronta à dignidade

28
humana e à recta ratio. Desejo também ter deixado claro que a visão pró-vida não implica em uma
pessoa amedrontada, repetindo incessantemente argumentos religiosos sem nexo. Mas sim em
alguém que busca, na medida de sua capacidade, contemplar o esplendor da verdade manifesto na
lei moral, cognoscível pela reta razão, e que tenta afastar a densa fumaça que às vezes parece cegar
o intelecto humano.
Espero, sinceramente, que esse texto seja útil para alguém. Que alguém o leia, e busque
compreendê-lo. Busque também atacá-lo, pois é só dessa forma que os argumentos se solidificam e
que as verdades não-evidentes são reveladas por ação humana.
E que todos não se prendam a visões pré-fabricadas, num “nós contra eles”, ou “mocinhos contra
bandidos”, mas saibam atacar a própria visão, a fim de testar sua solidez. Não devemos ter medo de,
honestamente, contestarmos a nós mesmos – pois a verdade não precisa de quem a defenda, ela
defende a si mesma. Se estivermos certos, aumentaremos nossa convicção. Se não, chegaremos
mais próximos de estar.

29

You might also like