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Resumo
Muitas empresas implantaram o Sistema de Controle da Qualidade baseados na norma ISO
9000, buscando apenas o atendimento de requisitos para certificação, preocupando-se em
documentar processos existentes e gerar procedimentos, incentivando a burocratização, sem
resultados práticos que agregassem valor aos produtos.
Palavras-chave: Burocracia, ISO 9000, Certificação.
1. Introdução
As normas ISO 9000 foram lançadas em 1987, com o objetivo de definir mundialmente um
padrão para garantia da qualidade dos produtos das empresas. A organização responsável
pelas normas, a ISO (International Organization for Standardization), tem como política uma
revisão a cada cinco anos para que se mantenham atuais e consistentes com as exigências do
mercado. Como parte dessa política, em 1994, as normas sofreram uma atualização
superficial, se comparada com as mudanças da última revisão em 2000, a chamada ISO
9000:2000. Adotada por mais de 250 mil empresas em todo mundo, a ISO 9000 é considerada
um das mais influentes iniciativas do movimento da qualidade dos anos noventa (Pearch e
Kitka, 2000).
A nova revisão apresenta várias modificações e todas as empresas certificadas pelas normas
da série ISO 9000:1994 terão que fazer grandes mudanças em seus sistemas da qualidade para
manter a certificação (Kanholm, 2000).
A ISO 9000:2000 foi publicada em dezembro de 2000, atualizando a antiga norma ISO
9000:1994. A revisão foi feita a partir de dados coletados mundialmente para entender as
necessidades e a experiência dos usuários com ISO 9000:1994 e com sistemas de gestão da
qualidade genéricos, refletindo assim na nova norma diretrizes para que as empresas realizam
as atividades de seus negócios.
Segundo Seaver (1998), as sete maiores melhorias necessárias, segundo as respostas dessa
pesquisa, foram: linguagem e terminologia mais simples, facilidade de integração com outros
sistemas de gestão, melhoria contínua, uso da abordagem de modelo de processo para a gestão
da qualidade, melhor compatibilidade com a ISO 14000, ênfase na satisfação do cliente e
maior orientação para os negócios.
Dessa forma, a ISO 9000:2000 é baseada num modelo de processo que pode ser usado por
qualquer empresa seja ela de manufatura seriada, de processos químicos, ou prestadora de
serviços. Todos os requisitos da nova norma são escritos em termos genéricos e menos
prescritivos. Essa falta de especificidade torna a norma mais fácil de ser adaptada às
operações das empresas. A norma revisada representa uma evolução e um alinhamento com o
pensamento progressivo do campo da qualidade (Pearch e Kitka, 2000).
A mais visível mudança na norma ISO 9001:2000 é a nova organização das Seções, sendo a
reorganização baseada numa lógica diferente. Enquanto as 20 Seções da ISO 9001:1994
representavam uma lista linear de elementos, funções e atividades constituindo o sistema da
qualidade. A ISO 9001:2000 é organizada em 5 Seções baseadas no Planejar, Fazer, Verificar
e Melhorar, o ciclo PDCA (Kanholm, 2000). As cinco Seções são (ISO 9001:2000).
− Seção 4, Sistema de Gestão da Qualidade: requisitos gerais para o desenvolvimento e
documentação do sistema de qualidade;
− Seção 5, Responsabilidade Gerencial: contém a política da qualidade, objetivos da
qualidade, planejamento e administração do sistema da qualidade e revisões gerenciais;
− Seção 6, Gestão de Recursos: sobre recursos humanos, treinamento, instalações e
ambiente de trabalho;
− Seção 7, Realização do Produto: abrange todos os requisitos referentes ao controle do
desenvolvimento do produto, compras, produção (realização), verificação, entrega,
processo relacionados ou cliente (identificação e revisão das necessidades dos clientes e
comunicação com os clientes); e
− Seção 8, Medição, Análise e Melhoria: dedicada à medição das características do produto
e do processo, ao monitoramento do desempenho do sistema da qualidade e à busca da
melhoria contínua.
A Figura 1 ilustra o modelo de processo da ISO 9000:2000 e o relacionamento existente
entre as seções acima.
Os novos requisitos da norma ISO 9001:2000 trazem três melhorias (Pearch e Kitka, 2000):
− Inclusão da voz do cliente: as necessidades dos clientes são as entradas e a satisfação dele
é a saída. Dessa forma, as organizações certificadas vão precisar de métodos para
descrever e monitorar o que o cliente deseja para medir e analisar a satisfação dele;
− Melhoria contínua: não é mais suficiente medir a satisfação do cliente, mas melhora-la.
Além de medir e melhorar os processos internos; e
− Maior responsabilidade e envolvimento da gerência: cabe à gerência se responsabilizar
pelo início e revisão do ciclo de PDCA para assegurar a melhoria contínua e a satisfação
dos clientes.
A gerência tem um importante papel também na Seção 8, que requer tomar decisões sobre as
medidas-chave de desempenho e analisar os resultados das informações de fontes como
auditorias, feedback do cliente e analisar outras medidas de desempenho referentes aos
produtos, fornecedores e tendências.
A abordagem trazida pela Certificação pela Norma ISO 9000 na versão 1994, pelo seu foco
na qualidade dos processos relacionados e do produto final, levou as empresas a uma
preocupação excessiva com procedimentos e documentação, incentivando a burocratização
(excessivo controle e “papelada” na organização).
Este artigo tem como objetivo discorrer a respeito da burocratização das empresas oriunda do
processo de certificação pelos critérios da Norma ISO 9000 a partir de um enfoque
preocupado apenas com o cumprimento dos requisitos da norma e não como um sistema de
gestão capaz de contribuir para a competitividade da organização como um todo.
O desenvolvimento da pesquisa realiza uma revisão bibliográfica que identifica os
pressupostos teóricos da burocratização, que são posteriormente avaliados através de um
estudo de caso, que leva as principais conclusões e propostas de estudos complementares.
2. Fundamentos sobre a burocracia
Defini-se burocracia como a administração sujeita a hierarquia e regulamentos redigidos e
uma rotina inflexível, trâmites da burocracia; complicação ou morosidade no desempenho do
serviço.
O modelo burocrático foi proposto por Max Weber que segundo Foguel e Souza (1988) teve
sua origem devida:
− A fragilidade e a parcialidade das teorias Clássica e das Relações Humanas, que detinham
uma visão extremista e incompleta sobre as organizações;
− A necessidade de um modelo racional que envolvesse todas as variáveis da organização;
− O crescimento e da complexidade das organizações, passou a exigir modelos mais bem
definidos.
Complementam Foguel e Souza (1988) que a burocracia se baseia na racionalidade, isto é, na
adequação dos meios aos objetivos (fins), para que se obtenha o máximo de eficiência.
Para Wood (2000) o modelo burocrático ainda é bastante utilizado nas áreas de organização
& métodos e recursos humanos e atualmente , voltou a ser amplamente implementado através
das normas ISO série 9000 e com os sistemas integrados de gestão, espalhando controles e
procedimentos por toda a empresa.
Apesar de iniciativas no passado de eliminar a burocracia, como o Ministério da
Desburocratização, ainda nos governos militares brasileiros, este conceito que ainda está
bastante presente, principalmente como decorrência, ou suposto apoio à implantação dos
sistemas de garantia da qualidade baseados na norma ISO 9000.
Um dos problemas dessa abordagem espetaculosa é abordar à burocracia como um mal o que
pode gerar danosos efeitos colaterais. Exemplo: uma ação comum a que temos assistido nos
últimos anos é a redução dos níveis hierárquicos. Advoga-se que a existência de muitos níveis
dificulta a comunicação e torna os processos decisórios lentos, além de representar custos
intoleráveis. Resposta óbvia: cortar elos e enxugar a estrutura, reduzindo os níveis médios e
os cargos de staff. Problema diagnosticado, solução definida. Porém, depois de promover
enxugamentos descuidados, o que muitas empresas estão descobrindo é que os demitidos
levaram consigo competências importantes para os negócios. E essas empresas vão pagar caro
por isso.
Outra ação é acabar com a “papelada” (na linguagem popular, costumamos identificar
burocracia com papelada). Excesso de normas e procedimentos realmente tolhem a
criatividade e ajudam a promover uma cultura voltada para a passividade e para o status.
Para complicar ainda mais as coisas, é comum ouvir executivos ou empreendedores
reclamando da falta de controle e informação sobre as operações.
Segundo Foguel e Souza (1988) o modelo burocrático é identificado quando a organização:
estabelece normas e regulamentos; as comunicações são registradas; a divisão do trabalho é
racional, sendo definidos os cargos e suas funções; cada cargo inferior deve estar sob
supervisão do cargo automaticamente superior; os trabalhos devem ser executados conforme
os documentos estabelecem. Enfim busca-se a previsibilidade dos resultados através da
descrição detalhada dos processos através de normas. Por outro lado Hernandez e Caldas
(2001) descrevem que a burocracia não leva em conta a organização informal, nem a
variabilidade humana, cria a necessidade de registros todas as comunicações, faz que os
colaboradores fiquem voltados para o interior da organização, cria razões para que
colaboradores resistam as mudanças.
A questão central é a confusão que se faz entre o modelo burocrático e suas perversões. As
conseqüências negativas da burocracia — rigidez, alienação, baixo comprometimento e
lentidão — podem ser comuns às organizações burocráticas, mas não lhes são inerentes ou
exclusivas.
Na sua concepção original, a burocracia deveria servir para introduzir racionalidade à
organização do trabalho, um objetivo louvável e ainda válido (Wood, 2000). De fato,
nenhuma empresa, principalmente se for uma organização de grande porte, pode sobreviver
sem padrões mínimos de confiabilidade e reprodutibilidade. E esses dois requisitos traduzem-
se em normas, procedimentos, hierarquia e controle.
Wood (2000) cita que: “Construir burocracias melhores, como propõe o professor Paul Adler,
da Universidade do Sul da Califórnia, significa desenvolver sistemas, procedimentos e a
própria estrutura organizacional. Cada empresa, com suas peculiaridades, vai exigir diferentes
modelos e formas de controle. Ainda segundo Paul Adler, o que faz diferença não é o modelo
organizacional ser burocrático ou orgânico, mas se a empresa adota práticas coercitivas ou
facilitadoras, o que pode ocorrer em qualquer modelo organizacional”. As práticas coercitivas
inibem a criatividade e a participação e levam à apatia e à falta de comprometimento. As
práticas facilitadoras, por sua vez, estimulam o vínculo entre funcionários e empresa e
contribuem para atitudes empreendedoras.
Para enfrentar concorrentes aguerridos e tempos difíceis, é preciso flexibilidade e capacidade
de improvisação. Mas isso só é possível se houver uma sólida base, que também atende pelo
nome de burocracia. Apesar de questionada e de ter seus fundamentos mal entendidos, a
burocracia vem se consolidando nas últimas décadas, talvez ela ainda seja uma alternativa
para lidar com a complexidade e a incerteza deste fim de século e do início do próximo.
Concluí-se que a burocracia em si não é um mal, desde que seja facilitadora do processo
organizacional.
O quadro 1 estabelece um comparativo entre os “tipos” de burocracia que convivem nas
empresas.
Mello et al (2002) acrescenta que uma grande contribuição da versão 2000 das Normas ISO
9000 foi à preocupação com a qualidade por toda a empresa, com foco nos resultados e na
melhoria contínua, onde somente são exigidos procedimentos para 6 requisitos obrigatórios da
Norma (controle de documentos; controle de registros; auditorias internas; ações corretivas;
ações preventivas; e controle de produtos não conformes), contra os 20 procedimentos
exigidos para cada requisito da versão 1994.
4. Análise de uma indústria de manufatura do Sul de Minas
Com o objetivo de avaliar se a implementação de um Sistema de Garantia da Qualidade
fundamentado nas normas NBR ISO 9000 contribue para a burocratização da empresa de
maneira coerciva ou facilitadora, elaborou-se, fundamentado na revisão bibliográfica, o
protocolo de pesquisa:
Ao mesmo tempo, o comitê responsável pelas normas ISO 9000, percebendo esta “armadilha”
gerada pelos sistemas de garantia da qualidade moldados na versão da norma de 1994,
empreendeu esforços para a revisão 2000, que tem uma abordagem sistêmica, um foco no
cliente e na melhoria contínua, eliminando ou simplificando vários procedimentos, tanto a
nível quantitativo, como na forma de se documentar.
Este processo é bastante salutar, na medida que permitirá as organizações se estruturarem,
identificarem, documentarem e melhorarem seus processos de maneira mais simples, com
menos burocracia e com mais eficiência e produtividade.
Referências.
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