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UBERABA: ENTRE ÁGUA E TERRAS FÉRTEIS.

Ingredientes necessários para


iniciar uma povoação

Uberaba surgiu em meio a terras férteis e um grande volume de água. Esses fatores
contribuíram para a formação do primitivo arraial no início do século XIX. Os primeiros
habitantes procuravam áreas com boa disponibilidade de água, perto de rios ou fontes
favoráveis aos seus interesses imediatos. O viajante Visconde de Taunay, que passou pelo
arraial ainda em formação, afirmou que a água "brota em toda a parte em rebentões (TAUNAY,
1928, p. 62)". A cidade foi construída serpenteando fontes e mananciais.
Em 1809, major Antônio Eustáquio de Oliveira foi nomeado pelo governo da Capitania
de Goiás, regente do Sertão da Farinha Podre. Com isso, ficou responsável pela organização
da ocupação e povoamento da região onde se localiza atualmente a cidade de Uberaba. Ele
mesmo edificou sua moradia, a Chácara Boa Vista, em 1812, às margens do rio Uberaba, local
onde se situa atualmente a EPAMIG (Empresa de Produtos Agropecuários de Minas Gerais).
Depois dele, muitos outros moradores edificaram suas moradias nas proximidades do mesmo
rio.
COMO OCORREU A URBANIZAÇÃO DA CIDADE? OS CÓRREGOS DERAM LUGAR
A RUAS E AVENIDAS?

Assim como aconteceu na maioria da cidades de colonização portuguesa, o alinhamento


das ruas da cidade, no século XIX, acompanhava o curso das águas dos córregos, rios,
nascentes e riachos.
Como podemos observar no mapa desenhado por Borges Sampaio em 1855, as
principais ruas mantiveram um traçado paralelo ao movimento das águas.

Números dentro dos quadrados: (1) Córrego das Lages; (2) Córrego das Bicas; (3) Rego dos Bois; (4) Rego dos Lemes; (5) Rego do Marinho;
(6) Rego do Comércio; (7) Córrego Santa Rita; (8) Rego do Capão; (9) Córrego do Barro Preto. Números dentro dos círculos: (1) Colina dos Estados
Unidos; (2) Colina da Boa Vista; (3) Colina da Misericórdia; (4) Colina do Barro Preto; (5) Colina da Matriz; (6) Colina Cuiabá
(TOTTI. p 13) SUPERINTENDÊNCIA DO ARQUIVO PÚBLICO DE UBERABA
No século XIX ainda não havia sido abertas as avenidas Leopoldino de Oliveira (onde
se situava o Córrego das Lages), Dr. Guilherme Ferreira (Córrego do Barro Preto e Dr. Fidélis
Reis (Córrego dos Ingleses).
A rua do Commercio, atual Artur Machado, era a principal via da cidade, onde se
estabeleceram comerciantes, banqueiros e os primeiros habitantes. Era o trânsito entre os
principais pontos, naquela época: a Igreja Matriz, hoje Catedral até a chácara do Padre
Zeferino, hoje rua Padre Zeferino. Sobre o Córrego das Lages, hoje Leopoldino de Oliveira, foi
construída uma ponte que permitia o acesso da população de um lado a outro da cidade, na
rua do Commercio.
As casas, de acordo com a legislação do período, deveriam ser construídas respeitando o
alinhamento da ruas e das calçadas públicas. Entretanto, alguns proprietários edificaram os
seus imóveis sobre regos ou nascentes. Depois de cercar a propriedade, erguiam muros por
onde faziam passar encanamentos com registros, para fornecimento de água. Cobravam para
isso. Dessa forma, a distribuição regular da água era feita por meio de fornecedores
particulares. Nas nascentes públicas, a Câmara também instalava registros em que era
contabilizada a venda da água. A legislação permitia isso, conforme podemos observar pelo
Código de Posturas aprovado em 1867:

§ 3° ao titulo 1°
Águas Potáveis
Artigo 30° Todos os proprietários que tiverem partes nos diferentes regos que conduzem agua
para o interior da cidade são obrigados ao encanamento da parte do rego que lhes tocarem,
penas de trinta mil réis de multa na falta de execução e o dobro na reincidência. Para impos a
multa desse artigo deverá ter tido aviso prévio ao proprietário, cujo aviso deverá proceder de
trinta dias a imposição da multa; (...)
Artigo 33° nos lados do encanamento se abrirá registros, que os proprietarios não poderão
aumentar, a Camara marcará a largura dos registros, e quantidade de agua que puder tocar a
cada um proprietário, tendo sempre em vista respeitar o direito de propriedade já adquirido;
Artigo 34° os registros serão inspecionados todos os meses, e aqueles que tiverem alargados
serão punidos com multa de dez mil réis, e no caso de reincidencia, com o dobro e obrigado a
estabelecer o registro a sua custa;
Artigo 35° a Camara fica obrigada ao encanamento das aguas que não forem de propriedade
particular, e poderá vender os aneis d’agua aqueles que pretenderem [...]
Atas da Câmara Municipal de Uberaba, nº 1, 1867. p 272v; 273

A população de Uberaba também utilizava, no século XIX, a água dos córregos que
atravessavam a cidade, situação sobre a qual versaram diversos decretos dos vereadores
tentando evitar a sua contaminação, ou, ao menos, minimizar os efeitos que a presença
humana normalmente traz sobre a natureza. Apesar do esforço da legislação, muitos
moradores despejavam o esgoto doméstico diretamente nos córregos, por meio de canos.
O presidente da Câmara dos Vereadores de Uberaba, Gabriel Junqueira, contratou o
engenheiro Dr. Ataliba Valle, da Escola Politécnica de São Paulo, para realizar um
levantamento sobre as condições sanitárias da cidade. Depois de uma série de pesquisas, o
professor chegou à seguinte conclusão:

as águas que atravessavam a cidade não são puras pois os córregos eram habitados até os
pontos mais altos da cidade, recebendo todos os despejos das casas, além da linha que limita
a bacia ser percorrida por estradas de rodagem, que com as chuvas levavam os detritos para
os córregos. (RELATÓRIO DE ATALIBA VALLE. 1898.)
Relatório do engenheiro Ataliba Valle - 1898
Cópia do relatório - Acervo da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba
Relatório do engenheiro Ataliba Valle - 1898
Cópia do relatório - Acervo da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba

No início do século XX até o ano de 1930 não havia sido construída uma rede de
água potável para a população e os poucos distribuidores particulares forneciam água a um
preço abusivo.
Córrego das Lages. Trecho da atual Avenida Leopoldino de Oliveira, 1918

Acervo da Superintendência do Arquivo Publico de Uberaba

Esse período coincidiu com a política de higienização instituída no começo do governo


republicano. As precárias condições sanitárias da cidade justificariam a expansão do aparelho
oficial de fiscalização higiênica. A remodelação do Serviço Sanitário deu-se ainda em 1892,
seguida pela edição do Código Sanitário de 1894 e as normas de 1896 e 1906, culminando o
reaparelhamento dos dispositivos de fiscalização com a reforma do próprio Código Federal,
aprovado em 1911, que definiu como sendo dos municípios a competência de adequação
sanitária das habitações. Quer do ponto de vista social, quer sanitário, a higiene domiciliar
passou a merecer detido exame dos poderes públicos.
O crescimento econômico da cidade, em 1922, em sintonia com tendências europeias
de pressupostos de civilização e organização urbana, levou a administração municipal a
elaborar o projeto de Saneamento, Planta e Expansão de Uberaba, aprovado por meio da Lei
Municipal nº 467. Tal projeto foi elaborado pelo engenheiro Saturnino de Brito e previa: a
instalação da rede de esgotos; a captação de água do rio Uberaba e a expansão,
embelezamento e alinhamentos obrigatórios para áreas não edificadas na cidade.
A realização do projeto de Saturnino de Brito interferiria diretamente nos córregos da
cidade, o que os tornaria excelentes fatores para o saneamento, funcionando como drenos
naturais, coletores de águas pluviais, ao mesmo tempo, embelezando a cidade.
O projeto previa a utilização das águas do rio Uberaba para o abastecimento da cidade.
A rede de distribuição projetada se estenderia por mais de 60 quilômetros de condutos
distribuidores nas ruas, com a finalidade de abastecimento das residências. Os tubos adotados
no projeto foram os de ferro fundido, devido ao menor peso, maior cumprimento útil e a grande
resistência às quebras no transporte, em decorrência da grande distância a ser percorrida
desde o porto de Santos.
Pelo projeto aprovado, as águas pluviais cairiam direto nos quatro cursos que cortam a
cidade. Esses cursos seriam convenientemente unificados na zona urbana tornando-se os
principais coletores no esquema do esgotamento pluvial da cidade devendo ocupar o centro ou
um dos lados de avenidas marginais, evitando de deixá-los como estavam, atravessando os
quintas das casas. A utilização dos córregos foi projetada com avenidas marginais e os canais
descobertos, como os de Santos/SP.

Canalização do Córrego das Lages.


Projeto de Saturnino de Brito, executado na Avenida Leopoldino de Oliveira

(PINHEIRO p. 25)

O projeto de Saturnino de Brito somente foi executado em 1937, durante a gestão do


prefeito Whady José Nassif. Depois disso, a empresa responsável realizou a canalização do
Córrego das Lages com calçamento, meios-fios e passeios, na Avenida Leopoldino de Oliveira,
no trecho entre as ruas Artur Machado e Segismundo Mendes, sendo os passeios de ladrilhos
e o calçamento da avenida de paralelepípedos. A abertura da Avenida Leopoldino de Oliveira
causou uma grande discussão do ponto de vista urbanístico.
Canalização do Córrego das Lages na Avenida
Leopoldino de Oliveira. Projeto Saturnino de Brito. 1950
Acervo da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba

Até 1949, as obras de melhoramentos de Uberaba continuavam com os calçamentos


de diversas ruas e inclusive as adaptações necessárias no projeto de Saturnino de Brito. Pelas
fotos da época, nota-se grande influência da obra realizada em Santos/SP, não só pela
configuração dos canais, mas também das pontes e para peitos.
Canalização do Córrego das Lages na Avenida
Leopoldino de Oliveira. Projeto Saturnino de Brito. 1950
Acervo da Superintendência do Arquivo Publico de Uberaba

Depois da década de 1960, a Sociedade dos Engenheiros de Uberaba passou a sugerir


modificações no canal da Avenida Leopoldino de Oliveira, em nome da modernização da
cidade, devido principalmente ao aumento do fluxo de veículos na cidade.
Avenida Leopoldino de Oliveira, cruzamento com a
Rua Artur Machado. Década de 1960
Acervo da Superintendência do Arquivo Publico de Uberaba

A partir da década de 1970, iniciaram-se as obras de cobertura das avenidas


Leopoldino de Oliveira, Santos Dumont e Guilherme Ferreira.
Canalização do Córrego das Lages.
Projeto da Sociedade de Engenheiros de Uberaba (SEU). 1970.
executado na Avenida Leopoldino de Oliveira
(PINHEIRO p. 25)

Avenida Leopoldino de Oliveira depois da canalização realizada


pela Sociedade de Engenheiros de Uberaba (SEU). 1980
Acervo da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba
[...] com a realização dessas modificações, ocorreram alguns problemas, como a inundação
das avenidas em determinados pontos da cidade, pois o escoamento ficou prejudicado, o que
não estava previsto. Foi necessário outro tipo de solução, como a execução de outra
canalização, paralela aos canais cobertos e exclusiva para águas pluviais. (PINHEIRO p. 13)

Avenida Leopoldino de Oliveira tomada pelas águas. 2010


Foto: Thiago Jones

As inundações passaram a acontecer mais regularmente depois da canalização que


cobriu a Avenida Leopoldino de Oliveira. Provavelmente, o projeto de Saturnino de Brito, que
previa a absorção das águas pluviais nos principais córregos da cidade, desde que mantendo
as avenidas canalizadas a céu aberto, como era antes de 1970, não foi lembrado pela Câmara
Municipal de Uberaba, naquela época.
Para minimizar os estragos ocasionados pelas inundações, teve início, em 2011, o
Projeto Água Viva, com objetivo de alargar os canais que estão sob as principais avenidas da
cidade, para aumentar a vazão de água. Além disso, foram colocados interceptores separando
água do esgoto nos trechos dos córregos nas avenidas em que foram realizadas as obras.
Ampliação do canal sob a Avenida Leopoldino de Oliveira . 2012
Foto: Enerson Cleiton

Apesar de todo o esforço de operários, engenheiros e da população da cidade, as


inundações continuam, bastando para isso um aumento do índice pluviométrico.
Atualmente toda a cidade é abastecida pela água recolhida pelo rio Claro, rio Uberaba,
além do lençol freático e é distribuída pelo Codau (Centro Operacional de Desenvolvimento e
Saneamento de Uberaba), por um moderno sistema de tratamento e distribuição. O esgoto é
recolhido pela rede de captação, transformando Uberaba numa cidade em que o saneamento
básico beneficia 100% da população.
O dia mundial da água, 22 de março, tem como objetivo alertar a população sobre a
importância da utilização consciente da água, observando que, ao seu entorno, muitas cidades
se desenvolveram.
Ocupação e expansão da marcha urbana em 100 anos na bacia do Córrego das Lages

Fonte: MORAIS apud CARVALHO. 2004

Além disso, como já acontece em muitos países, o tratamento e a reutilização do


esgoto se tornou uma alternativa para evitar a contaminação dos solos, rios e dos mananciais
ou possibilitar, também, a geração de energia. Essas perspectivas poderiam contemplar futuros
projetos de política pública que, seguramente, melhorariam as condições de vida das próximas
gerações.
Bibliografia

CARVALHO, Renato Muniz. Vida e morte de um córrego: a história da expansão urbana de


Uberaba, MG e do córrego das Lages. UFU.Uberlândia. 2004
PINHEIRO, Ana Paula Arruda Mendes. A Origem do saneamento e dos princípios
urbanísticos na cidade de Uberaba-MG. FAUPUCCAMP. Campinas. 1994
TAUNAY, Alfredo D'Escragnolle. Marcha das forças. São Paulo. Melhoramentos. 1928.

Fontes Primárias:
TOTTI, Gabriel. Álbum de Uberaba. Acervo do Arquivo Público de Uberaba. 1956.
VALLE, Ataliba. Relatório. Ataliba Valle, engenheiro, professor da Escola Politécnica de São
Paulo. 1898.
Atas da Câmara Municipal de Uberaba, Livros I e II. Acervo da Superintendência do Arquivo
Público de Uberaba. 1867
SEGUEM DOCUMENTOS ORIGINAIS UTILIZADOS NA PESQUISA

Posturas Municipais. 1867


Atas da Câmara Municipal de Uberaba, Volume I. p. 272 V
Acervo da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba
Posturas Municipais. 1867
Atas da Câmara Municipal de Uberaba, Volume I. p. 273
Acervo da Superintendência do Arquivo Público de Uberaba

Luiz Cellurale - Historiador


Superintendência do Arquivo Público de Uberaba

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