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Na bela cidade do Tarrafal, dois jovens enfrentam um destino cruel.

Alberto, de
18 anos, e Sofia, de 17 anos, estão apaixonados, mas as suas famílias odeiam-se. Numa
tentativa de reaproximação, Edevaldo, de 19 anos, amigo de Alberto, organiza um
campeonato de paintball entre as famílias rivais.
No entanto, João, pai de Sofia, não suporta a ideia de ver a filha casada com
Alberto e convence José, primo desta, a trocar as balas de tinta por balas verdadeiras para
disparar contra Alberto, de modo a que pareça ter sido um acidente.
No dia da festa, a meio do jogo, José consegue aproximar-se de Alberto e dispara
na sua direção. Contudo, Edevaldo atravessa-se na frente e é fatalmente atingido pela bala
de José.
Destroçado com a morte do melhor amigo, Alberto, pede a Carlos, negociante de
armas, que lhe forneça algo com que tirar a vida de José. No entanto, Carlos tinha uma
dívida de gratidão a Zacarias, pai de Alberto e fornece-lhe uma arma de cartuchos secos,
inofensiva.
Passados uns dias, Alberto surpreende José ao sair de casa e dispara dois tiros na
sua direção. Assustado, José cai no chão ao ouvir os tiros, e Alberto, convencido do
sucesso, foge do local e esconde-se na Praia. José nada sofre, ficando absolutamente ileso.
Desesperada com a situação, Sofia pede ao seu confessor, o Abade, que a ajuda a
fugir para ir ter com o seu amado. O Abade elabora um plano genial e promete a Sofia
um soporífero que, após ingerido, a deixará num estado de morte aparente.
Infelizmente, o assistente do Abade, Tiago, secretamente apaixonado por Sofia,
adivinhando o plano do seu mestre, troca no último momento, o composto preparado pelo
Abade por um veneno fatal.
No dia combinado, o Abade coloca o veneno no chá de Sofia, convencido de que
se trata, apenas, de um forte soporífero. Sofia, sente-se mal e morre. Devastado com o
sucedido, o Abade avisa Alberto para se manter na cidade da Praia, mas este não obedece
e dirige-se à capela para uma última despedida.
O corpo de Sofia é colocado em câmara ardente na capela da família, ficando os
corpulentos Damião e Fernando de guarda ao corpo. A meio da noite, Alberto aproxima-
se da capela. Damião e Fernando, pensando tratar-se de um ladrão, surpreendem Alberto
e, enquanto Damião o imobiliza, Fernando desfere uma cacetada na cabeça de Alberto,
provocando-lhe a morte.
Analise a responsabilidade penal dos intervenientes.

José:
José é autor material de uma tentativa de homicídio contra Alberto. De facto, José tem
intenção de matar (dolo direto) e pratica atos de execução, pois dispara a arma na direção
de Alberto, nos termos do artigo 21º, número 2, alínea b) do C.P.
Contudo, o movimento inesperado de Edevaldo dá origem a uma falha na execução (ou
aberratio ictus), acabando José por acertar fatalmente em Edevaldo.
Para a Professora Teresa Beleza dever-se-á dar às situações de aberratio ictus exatamente
o mesmo tratamento que se dá às situações de erro sobre a identidade do objeto. Ou seja,
deve-se averiguar se existe distonia típica entre o objeto representado pelo agente e o
objeto efetivamente atingido e tratar a situação como se de um erro sobre o objeto se
tratasse.
Para a maioria da doutrina estas situações devem ter um tratamento em ordem a punir o
agente em concurso efetivo de crimes.
Tratando-se de um movimento inesperado de Edevaldo, fica afastada quer a negligência
consciente, quer o dolo eventual, tratando-se de um homicídio negligente art. 126º C.P.
Assim, José é responsável por um crime de tentativa de homicídio contra Alberto (art.
122º e 22º, nº1) em concurso efetivo ideal com um crime de homicídio negligente de
Edevaldo (art. 126º e 14º, al. b) )

João:
É instigador de um crime de tentativa de homicídio contra Alberto, pois determina José a
atentar contra a vida de Alberto, havendo início da execução (disparo da arma na direção
de Alberto), nos termos do disposto no artigo 26º do C.P.
Uma vez que o resultado não se consumou e que a aberratio de José fica além da
instigação de João, este será apenas punido pela tentativa (art. 122º e 22º, nº1)

Alberto:
Alberto é autor material de uma tentativa de homicídio contra José, pois pratica atos de
execução, ao disparar, com dolo direto uma arma, por duas vezes, na direção de José. Tal
ato de execução enquadra-se na alínea b), do número 2 do artigo 21º C.P., pois de acordo
com a ponderação das representações do agente, feita ex ante, disparar uma arma seria
idóneo a provocar a morte de José.
Contudo, trata-se de uma tentativa impossível, pois mesmo de acordo com um juízo ex
ante, feito pelo homem médio na posse de todas as informações relevantes, o meio seria
inidóneo para provocar a morte de José.
Aplicando o disposto no artigo 23º C.P. conclui-se que se trata de uma tentativa punível,
de acordo com a teoria da impressão, uma vez que a idoneidade do meio não era manifesta
para um observador externo. No entendimento da Professora Doutora Fernanda Palma,
este seria um caso de impossibilidade absoluta, ficando afastada qualquer punição.
Partilhamos da opinião da referida Professora. Entendemos, também, que fica afastada a
aplicação do artigo 132º do C.P. pois a arma tinha cartuchos secos.
Não analisaremos a questão do eventual crime de porte de arma por parte de Alberto. Em
todo o caso, a responsabilidade criminal extinguiu-se com a sua morte, nos termos da
alínea a) do artigo 102º do C.P.

Carlos:
É cúmplice da tentativa impossível de Alberto contra José, pois ao fornecer a arma do
crime, fornece dolosamente (sabe para que vai ser usada a arma) um contributo material
para a execução do mesmo.
Contudo, este ato de cumplicidade que é, aparentemente co-causal para a execução do
crime, não vem aumentar o risco de produção do resultado típico, pelo contrário vem
mesmo diminuir ou eliminar tal risco, ficando afastada, pelo menos de um ponto de vista
objectivo, a existência de cumplicidade.
Uma vez que Carlos sabia que a arma tinha cartuchos secos e a sua intenção era,
precisamente impedir o homicídio, fica então, definitivamente, afastada qualquer punição
de Carlos.

Abade:
É autor material de uma tentativa de ofensa à integridade física de Sofia, pois pratica atos
de execução, ao colocar o veneno no chá de Sofia, fica verificada a alínea c) do número
2 do artigo 21º C.P.
Por outro lado, no que respeita à ilicitude, estamos perante um caso de consentimento da
vítima, pois Sofia sabe quais são as intenções do Abade e aceita-as para poder fugir ao
jugo do pai. Nos termos da alínea e) do artigo 35º C.P. e do artigo 40º A do C.P., desde
que o consentimento seja prestado por maior de 16 anos, de forma livre e esclarecida e
que se trate de bens jurídicos disponíveis (mera integridade física simples) e que não haja
ofensa à dignidade da pessoa humana (instrumentação do que consente), fica excluída a
ilicitude desta tentativa, não sendo necessário avaliar se a mesma seria punível. Por outro
lado, Abade é ainda autor material de um crime de homicídio doloso consumado contra
Sofia. Contudo, Abade está em erro sobre os elementos do tipo, pois desconhece que está
a praticar uma ação de matar, erro este que, nos termos do número 2 do artigo 15º do C.P.,
exclui o dolo do tipo. É certo que fica ressalvada a negligência, no entanto, tendo o
composto sido preparado pelo próprio Abade, e não tendo este razões para desconfiar de
Tiago, não se vê que tenha sido violado qualquer dever de cuidado, não podendo Abade
ser responsabilizado por qualquer crime.
Tiago:
É autor mediato de um crime e homicídio doloso consumado contra Sofia, pois
instrumentaliza o Abade, induzindo-o em erro. Trata-se de um caso em que o autor
executa o facto através de outrem (artigo 25º, segunda parte), havendo, neste caso, dolo
direto, pelo que Tiago seria punido pelo artigo 123º, alínea a) do C.P.)

Damião e Fernando:
São co-autores de um crime de homicídio doloso consumado, uma vez que ambos tomam
parte direta na execução, de comum acordo (artigo 25º, terceira parte).
Não obstante, estão convencidos de que se trata de uma situação de legítima defesa
(legítima defesa putativa) de terceiros, sendo aplicável o artigo 15º, número 1. Além do
erro, existe um claro excesso de meios, pois para afastar Alberto, Damião e Fábio (ambos
corpulentos) não precisariam de o agredir com tal intensidade, bastando assusta-lo ou
afastá-lo do local. Este excesso não é motivado pelo erro, pois mesmo que Damião e
Fernando tivessem razão, o meio sempre seria excessivo, aplicando-se então o artigo 37º
C.P. Não se trata de um caso de excesso desculpante (asténico) art. 41º C.P., pois não
parece que um jovem sozinho possa provar medo ou susto a dois homens corpulentos,
que torne compreensível uma tal reação tão agressiva, sendo, por isso, ambos punidos
pelo artigo 122º C.P.

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