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Um Dia Ruim

Isabel definitivamente era o tipo de mulher que dava em Ramon a vontade de estapeá-la até os dentes dela caí-
rem. Não, ela não era maldosa, mas conseguia ser irritante. Ela era uma repórter investigativa insatisfeita com o
que conseguiu até hoje com sua carreira. Ao invés de fazê-la se contentar, essa situação parecia forçar a sua cabeça
a tecer as mais insanas teorias da conspiração sobre ligações ilícitas entre vários empresários milionários, astros da
mídia e o governo. Ela já era suficientemente doida para ser trancafiada perpetuamente num quarto acolchoado
apenas por ter a ideia de invadir a mansão dos Bragança e Martins. Ramon, seguindo o raciocínio, seria mais doido
ainda por aceitar a ideia. Claro, a moça era persistente, e sabia ser persuasiva mesmo sem fazer uso do belo corpo
moreno. Ramon odiava esse tipinho. Mas Isabel era diferente. Ela parecia ter resposta para tudo, e era difícil con-
trapor seus argumentos. Por fim, ele acabou aceitando a ideia de infiltra-la na casa à noite nem que fosse apenas
para evitar que a moça levasse um tiro e fosse desovada num beco qualquer de uma favela qualquer. Ou talvez
coisa pior.
Ramon expirou pesado enquanto dirigia. Nem ao menos se esforçando para esconder seu descontentamento ou
preocupação. Tudo bem que a menina parecia ser do tipo inteligente, daquelas que não fazem besteira a toa, mas,
bom… Ela era uma mulher, oras! E quando elas põem algo na cabeça, nem mesmo o próprio Tupã poderia mover
essa ideia de lá! Pelo menos era nisso que ele pensava, tentando se confortar. A repórter tinha lá seus talentos. Mas
no tipo de negócio em que Ramon se mete, meros mortais simplesmente não têm chance. E essa lábia toda não
valeria de nada na frente das coisas que ele enfrenta. Ah, se ela pelo menos soubesse…
‚É por aqui que você falou que fica a falha da segurança?‛ Perguntou a morena ajeitando uma mecha tingida
em um castanho claro, sem se importar com a zanga na face de Ramon. Ela se referia a algo que ele deixou escapar
numa das conversas anteriores com a jovem. Ela o via como sua ‘fonte’, afinal. Ramon mencionou que uma parte
dos muros do terreno da mansão estava em reformas. Parece que seus patrões resolveram colocar novas câmeras
de segurança, ou aumentar a voltagem da cerca elétrica. Definitivamente, gente rica não sabia com o que gastar
dinheiro, ele concluiu para si.
‚Sim, é. Mas você fica aqui. Os cães devem estar soltos a essa hora da noite.‛ Talvez Isa nem tivesse ouvido di-
reito. Ela já estava do lado de fora do carro parado, mas ainda ligado e com os faróis acesos. A repórter parecia não
se incomodar com a chuva trovejante, apertando-se dentro do batido sobretudo de couro cáqui. Seus olhos conti-
nuavam fitos no muro. Foi então que a mão firme de Ramon puxou seu braço tentando lhe chamar a atenção. ‚Vo-
cê. Fica. Aqui. Entendeu?‛ Isa assentiu.
Escalar um muro desses nem seria tão difícil assim para Ramon. O treinamento da polícia e as décadas de mus-
culação serviram para alguma coisa afinal. Mas a chuva dificultava um pouco. Com um pouco de esforço, e muito
cuidado para acabar não escorregando lá em cima, ele conseguiu subir, olhar o chão. Ele não ouviu os latidos. Óti-
mo. Parece que alguém se esqueceu dos cães de guarda justo hoje. Ele então pulou para dentro do gramado, e nada
ainda. Tudo que ele tinha que fazer seria se certificar de que alguma atividade sinistra estava acontecendo na man-
são. Depois de ser desligado da força policial por ‚excesso de honestidade‛, Ramon não teve muita escolha senão a
profissão de segurança de granfinos ou leão de chácara. Pelo menos os Bragança e Martins pagavam bem. Ele pra-
ticamente só topou trazer a garota porque se os palpites dela estivessem certos, isso era algo muito sério. Muito
além do que a polícia costuma cuidar.
Os pensamentos de Ramon foram interrompidos com outro som seco de queda, o farfalhar de um tecido mo-
lhado. Ele se virou para notar Isabel atrás dele. O ex-policial de físico de ator de cinema de ação já puxava o ar para
uma bronca de horas quando Isabel o interrompeu. ‚Achei que tivessem cães. Não ouvi nada, então a barra estava
limpa. Resolvi te seguir.‛ Ramon odiava quando ela fazia isso. Ele tentou persuadi-la a voltar, mas seria impossível
escalar o muro de volta. O lado de dentro do terreno era mais baixo que o de fora, o que tornava o muro virtual-
mente mais alto daquele lado. Não tinha jeito. O negócio era aturar a garota esperta por mais tempo.
Foi só então que ele olhou para frente, e viu. Melhor, não viu. As luzes da casa estavam todas apagadas. O que
era estranho para o estilo dos patrões, que preferiam a casa acesa feito uma árvore de natal brega mesmo sem nin-
guém nela. Uma queda de energia, talvez, por causa da chuva. Mas isso teria acionado os geradores reserva. Ele foi
se aproximando com cuidado. Nem mesmo uma onça o teria ouvido ali. Então as luzes da casa piscaram rapida-
mente umas três vezes por um rápido momento, de uma direção para outra. Então ele entendeu. A energia elétrica
não havia sido interrompida. Estava sendo desviada. Ele então olhou para longe da mansão, na direção de uma
pequena casa não muito longe. Era onde os patrões guardavam os barcos, carros, jet skys e seja lá mais que outro
tipo de parafernalha em que esses playboys quisessem torrar seu dinheiro. A luz da ‚garagem‛ tremeluzia, mas
num tom muito mais forte que qualquer lâmpada moderna poderia gerar. Ramon torceu pra ser o filho dos patrões
que resolveu dar uma maldita festa do nada.
Correu pela mente de Ramon a ideia de fazer Isabel ficar por ali mesmo. Mas ele percebeu sozinho que não adi-
antaria. Uma festa sem o conhecimento dos seus zelosos pais colocaria o adolescente Julio parecer um pouco mais
rebelde que o mimado filho único dos seus milionários e superprotetores pais. Pelo menos daria pra tirar uns tro-
cados na coluna social ou com algum tabloide de fofocas. Seria melhor do que nada.
Ao se aproximar mais, Ramon reconheceu primeiramente o som de um atabaque. E a voz do pequeno Julio can-
tando alguma coisa. Parecia um ritmo tribal. O barulho da chuva atrapalhava distinguir as palavras, mas parecia
alguma desgraça de língua enrolada. Talvez alguma coisa que ele tivesse aprendido nesses cursos loucos que os
pais dele o enfiavam. Mas a sua mente de Heréu deu um estalo, por fim. Era tupi. E não eram palavras que traziam
boas lembranças para Ramon. Sem pensar mais, ele girou rapidamente, jogou Isa contra a parede, e espremeu o
pescoço dela com o cotovelo. Aterrorizada e engasgada, a jovem arregalou os olhos para ver o olhar de Ramon. Ele
não permitia brincadeiras. Não mais. ‚Você não sai daqui. Aconteça o que acontecer. O que quer que você veja.
Você me ouviu, garota?‛. Ela apenas assentiu. Ele então soltou o seu pescoço, mas agarrou seus dois braços, como
se não quisesse que ela fugisse dali. ‚Me ouviu? Sem brincadeiras, sem pegadinhas. Eu juro que se você sair daí eu
mesmo atiro em você, ouviu?‛.
Isabel não estava entendendo mais nada, mas viu quando Ramon puxou uma arma de sua calça. Ele provavel-
mente falava sério sobre atirar nela, então. Ele entrou na garagem por um basculante que alguém deve ter esqueci-
do aberto.
Lá dentro, a situação era pior do que o filho de Tupã imaginava. Havia um feitiço de invocação escrito no chão a
giz. Nos seus cantos, folhas de plantas sagradas, e no centro, os corpos inertes dos cães de guarda da casa. Suas
gargantas cortadas derramavam sangue que borravam o giz e quase regavam as plantas. Tudo conforme mandam
as instruções do ritual de invocação de luisons. Trabalho de pelo menos um mestre do Círculo Menor. A coisa es-
tava preta. E ia ficar pior. O uivo demoníaco estremeceu as paredes de madeira do lugar junto com o vento sibilan-
te da chuva lá fora. Foi então que a luz vermelha pareceu parir três lobos de tamanho impossível. Suas barrigas
eram recolhidas pela fome, bem como suas costelas aparentes. Músculos poderosos saltavam do pelo negro, en-
quanto o brilho de rubi daqueles olhos só davam menos medo do que as presas e garras que pareciam feitas de
ferro. No meio de tudo aquilo, estava Julio. Ramon se cansou de assistir. Ele pulou para dentro da cena, assustando
os luisons e Julio.
‚Parados! Pra longe do garoto, vira-latas!‛ Gritou o Heréu de Tupã apontando a pistola para o grupo. Realmen-
te, uma vez policial, sempre policial. ‚Fica calmo, Julio. J{ vou te tirar daqui.‛
Um dos lobos tomou a frente, ele pareceu rir um pouco com um som fino e então falou numa rouca voz. Como
a de quem não bebe nada h{ semanas. ‚Vamos ver o filhote de Deus tentar, irmãos.‛ Um dos lobos saltou por de-
trás, uma bocarra monstruosa aberta, mas isso não intimidou Ramon. Um tiro fácil bem no céu da boca do mons-
tro. A cria de Titã caiu com um latido fino. O outro parecia ser mais esperto, e aproveitou o primeiro tiro para ata-
car Ramon pelo lado. Ele só o viu quando já era tarde demais. O bafo de carniça da criatura estava sobre ele, que
jazia deitado, longe da sua pistola. A pata do luison apertava-lhe o peito, dificultando a respiração.
‚Heh,‛ riu de novo o lobo. ‚Vejo que trouxe uma oferenda, filho de Tupã. Fico tão comovido que começarei
quebrando o pescoço antes de comer o coração da filha de Guaraci.‛ Disse o lobo imenso após farejar o ar.
‚Do que você ‘t{ falando?‛ Então ele entendeu. ‚Porra, a Isa!‛ O surto de adrenalina da realização era tudo o
que Ramon precisava, ele agarrou a pata imensa sobre seu peito, e com força descomunal a torceu. Deu certo, o
luison saíra de cima dele. Mas o que restou já havia saído da garagem, destruindo a parede por trás de Isabel, que
caiu desacordada no chão. O luison saboreava o cheiro dela enquanto Ramon percebia que não teria tempo de bus-
car sua pistola. Foi então que um clarão de luz pareceu empurrar o lobo demoníaco para trás. Ramon também ficou
cego por alguns segundos, mas quando voltou a si, havia um pássaro vermelho sobre o corpo de Isabel. Ao seu
lado, um estranho e esguio lobo de pelo alaranjado e patas pretas.
‚Saudações, Ramon. Como você tem passado?‛ Perguntou-lhe educadamente o pássaro.
‚Isso l{ é pergunta que se faça, ‘puru? Porra, tem luison brotando de tudo quanto é lado nessa bagaça! Pelo me-
nos diz que o totó aí faz alguma coisa além de sentar no próprio rabo!‛
O lobo olhou para Uirapuru, e então se virou para Ramon e disse: ‚Se estivermos incomodando, podemos vol-
tar outra hora. Mas direi a Guaraci que você não nos deixou entregar os Legados de sua filha…‛ O lobo então fin-
giu se virar para ir embora. Ele sabia que seria impedido.
‚Ah, qual’é, Guar{? Desculpa aí. Mas diz aí. Que tu tem de bom aí pra Isa?‛
O lobo guará pareceu não se importar com a pergunta de Ramon. Ele apenas se virou para o corpo adormecido
e lambeu-lhe o rosto. Quando abriu os olhos, Isa olhava para a profundidade dos olhos resplandecentes do animal.
Era como olhar para um mar sem fim de sabedoria. ‚Isabel, filha do poderoso Guaraci. Atente ao que te direi, He-
réia do Sol. Tens ao teu lado o valioso aliado que é Ramon, mas para ser-lhe de ajuda, precisarás de teus Legados, e
dos dons que teu sangue lhe concede. A pedido de teu pai, eu a honro com uma das penas de seu majestoso cocar,
com a qual repelirás toda treva. E o arco do magnânimo jacarandá, cujas flechas têm sede pelo mal. Agora levanta-
te. Teu pai te criou para ser uma guerreira. Guerreie em nome dos gloriosos Nhanderú.‛
Isabel se levantou com uma sensação esquisita. Ainda sem saber o que fazia direito, ela pegou o arco que o lobo
lhe dera e apontou a flecha para o luison que sacudia sua cabeça, para repelir a luz de Uirapuru. Ramon tentou
adverti-la que aquilo não adiantaria, pois luisons são quase blindados por fora, mas a flecha simplesmente atraves-
sou o luison de um lado ao outro, e caiu. O susto de Ramon era óbvio, mas então ele se lembrou. ‚O Julio!‛
Isabel correu atrás dele, para impedi-lo. Era como se todo um mistério se resolvesse em sua mente. Tudo aquilo
que não fazia sentido antes era óbvio para o rio que corria na mente da repórter. ‚Ramon, espera!‛. Mas era tarde.
Julio era uma distorção do que sempre fora. Escamas lhe cobriam a pele, garras brotavam de seus dedos, e mais
impressionante ainda, uma cauda saía de entre as suas pernas. Foi com ela que ele levantou Ramon do chão pelo
pescoço, e o enforcava.
‚Tira burro. É claro que se o garoto estava aqui sozinho, ele não era a vítima. Foi esse safado quem invocou os
luisons em primeiro lugar. Alguém tem que fazer esses garotos parar de mexer com esses jogos…‛ Disse Isabel
para si mesma. Retirando a pena vermelha do bolso de seu sobretudo, uma luz imensa encheu os olhos amarelos
do que antes era Julio. Foi o bastante para soltar Ramon, que caiu e se manteve ajoelhado.
‚Então o moleque gosta de brincar com bichinhos? Saca só, garoto,‛ ofereceu Ramon, retirando uma faca feita
de osso, entalhada com motivos tribais pretos e vermelhos. ‚O meu é maior. BOIÚNA!‛ E fincou sua ponta no
chão. Em resposta ao chamado, uma gigantesca anaconda se ergueu do chão, engolindo Julio por inteiro, e então
voltando a se enterrar, destruindo o que restou da garagem no caminho.
‚E aí, est{ inteiro?‛ Perguntou Isabel, se oferecendo para levantar seu companheiro de luta.
‚Não. Acabo de perder meu emprego.‛
‚Não foi tão ruim assim. Ainda podemos dizer que o Julio fez isso tudo… Brincando com gasolina na garagem
dos pais.‛ A ideia era absurda, mas dado o estilo de vida extravagante dos Bragança e Martins, era prov{vel de
funcionar. Ramon pelo menos ficou pensando. ‚O que ajuda, mas você est{ certo. Seu emprego foi pelos ares. Mas
você ainda pode continuar me servindo como fonte. O que acha?‛
Agora sim seria uma ótima hora para socar o queixo de Isabel. Mas, pela primeira vez, Ramon gostou de ouvir a
inteligência da moça. Por fim, ele a cumprimentou à maneira Nhanderú.
‚Anauê.‛
‚Anauê.‛ Respondeu Isabel. A palavra simplesmente saiu. De alguma forma, a resposta simplesmente veio até
ela. Ela contabilizava tudo aquilo. Uma história que de tão incrível ninguém acreditaria, mesmo que houvesse pro-
vas. Uma roupa cara totalmente estragada por um ataque de lobo gigante. Um chato brutamontes reclamão que
agora era seu melhor aliado. Uma escova de salão totalmente arruinada. Um adolescente almofadinha adorador do
demônio devorado por uma serpente imensa. E uma unha quebrada. Até que o dia não foi tão ruim assim.
ANAUÊ!
O Que é “Anauê”? puristas ou que, por conhecerem mais a respeito, po-
dem vir a considerar esta amálgama uma ofensa a
qualquer um dos dois lados.
Anauê (saudação e grito de guerra tupi. Literalmen-
Embora a intenção original deste projeto tenha sido
te, quer dizer ‚você é meu irmão‛) é um suplemento
criar um panteão brasileiro apenas, foi encontrada uma
não oficial feito por fãs para o RPG Scion, publicado
impossibilidade de tratarmos deste país isoladamente
pela editora White Wolf.
quando o assunto é a cultura pré-colombiana da Amé-
Neste pequeno livro, você encontrará informações
rica Latina. Assim, vários ícones das culturas de países
sobre o panteão tupi-guarani, os Nhanderú. Seu históri-
vizinhos, em que a cultura indígena seja talvez ainda
co, seus principais deuses e lendas, além de uma suges-
mais intensa, também foram incluídos neste suplemen-
tão de cenário para território não só brasileiro bem co-
to, como sendo oriundos de um mesmo radical original.
mo de países vizinhos que compartilham desta mesma
O que, dada a ‚licença do milagre‛ de Scion, talvez não
cultura ancestral.
seja tão absurdo assim, já que provavelmente muitos
Deuses americanos não ligariam muito para tais crité-
O Que NÃO É “Anauê”? rios como a divisão política de países que só seriam
fundados pelos europeus vários milênios depois.
Este suplemento de maneira alguma visa conter re-

Conteúdo
gras já mencionadas no material originalmente publi-
cado pela White Wolf. Ou seja, os livros oficiais deste
RPG continuam sendo necessários. Em caso de contra-
Este livro contém várias informações que podem ser
dição entre as fontes oficiais e não-oficiais, recomenda-
úteis para Narradores e jogadores que queiram ambien-
mos fortemente que o Narrador siga aquilo que achar
tar suas aventuras ou as histórias de fundo de seus
melhor para a sua aventura, mas dando a devida prefe-
personagens mais relacionadas ao Brasil ou às nações
rência para os materiais da editora oficial.
sul-americanas onde a cultura tupi-guarani possui uma
Também não visa ser um registro preciso, histórico e
força mais intensa.
verídico das mitologias e/ou culturas dos povos indíge-
O Capítulo 1: Memórias aborda a História do Brasil
nas sul americanos. Todas as informações aqui citadas
do ponto de vista da cosmologia de Scion, relacionando
são oriundas de diversas fontes diferentes, e foram as-
a influência dos Nhanderú e de panteões próximos nos
similadas da maneira considerada melhor pelo ponto
períodos históricos mais importantes do país.
de vista RPGístico apenas. Qualquer informação aqui
O Capítulo 2: Os Nhanderú, detalha o panteão pro-
exposta de maneira alguma deve ser interpretada como
priamente dito, falando de seus deuses, características,
fato verídico ou sequer da opinião pessoal dos nossos
filosofia geral, Legados e sobre a sua Esfera exclusiva.
escritores. Apenas é uma forma de interagir com a cos-
O Capítulo 3: Terra de Vera Cruz, fala sobre a inte-
mologia de Scion através de um novo ponto de vista
ração dos Nhanderú com seu próprio território natal
apenas sugerido.
atual, outros panteões, e suas relações.
Entre outras licenças poéticas tomadas para adaptar
Por fim, o Capítulo 4: Moaruã, com o próprio nome
todo o vasto conteúdo mítico e religioso desta diversifi-
já diz, fala sobre o principal adversário dos Heréus dos
cada cultura, adotamos o próprio termo ‚tupi-guarani‛
Nhanderú e seus servos. As forças subordinadas a Mo-
unindo essas duas culturas, não tão semelhantes assim.
aruã: o Titã da Ambição.
Este e outros fatos podem desagradar jogadores mais
Capítulo 1: Memórias
“Esta terra, Senhor, (…) de ponta a ponta, é toda praia
parma, muito chã e muito formosa.”
Pero Vaz de Caminha, em sua carta
As Guerras Titânicas
Particularmente em regiões de maior dificuldade, o
sobre o descobrimento do Brasil
culto dos Curúpis começou a prosperar. Esses povos
passaram a venerar um dos antigos monstros titânicos,

O Início que de alguma maneira sobreviveu ao extermínio de


Tupã, em troca de poderes brutais e monstruosos. Este
No que os antigos consideram como o princípio dos novo ‚deus‛ passou a ser chamado apenas de Moaruã,
tempos, os Deuses destronaram os Titãs. Porém, uma hoje conhecido entre os Heréus dos Nhanderú como o
região do Mundo, numa grande terra além do mar dos Titã da Ambição.
Aesir e da Atlântida do Dodekatheon, ainda havia um Felizmente, nem toda a humanidade se rendeu ao
lugar onde a fúria titânica ainda caminhava livremente. falso Deus. Outros humanos, os Iapo Gú, se mantive-
Foi lá que o grande espírito divino, na forma do Deus ram leais aos Nhanderú, e por fim acabaram entrando
Tupã, desceu à Terra, e viu o Mundo dominado por numa guerra que quase destruiu a humanidade contra
aberrações odiosas, chamados Pamba’e Djagu{. Eles os Curúpis. Por fim, os Iapo Gú venceram, mas por
eram gigantescos monstros lagartos, que povoavam a muito pouco. Não fosse pela intervenção de poucos,
terra e a enchiam de ferocidade e brutalidade. Tupã mas preciosos Heréus, a situação teria sido bem dife-
então decidiu eliminá-los, lançando uma estrela fulmi- rente. Mesmo estando quase extintos, e sem seu precio-
nante (‚Djatchir Tata’i guatchú‛) sobre a Terra. Crendo so líder, o hábil comandante e guerreiro, chefe Caram-
tendo eliminado os monstros, Tupã então decidiu criar bá, morto em combate, a memória dos Curúpi ainda
os primeiros seres humanos, Rupave e Sypave (‚pai dos continuou viva através de seus parcos sobreviventes.
povos‛ e ‚mãe dos povos‛, respectivamente), na região Alguns outros Deuses e Panteões ainda dizem terem
que hoje equivale a Areguá, atual Paraguai. O casal teve tomado partido neste conflito, pelo lado dos Iapo Gú,
três filhos e várias filhas. como os Atzlánti. Os poucos documentaristas dos
Esses três filhos de Rupave e Sypave eram: Tumé Nhanderú dizem não haver como comprovar ou con-
Arandú, que foi um notável sábio e profeta; Marangatú, tradizer irrevogavelmente esta tese.
um benevolente e generoso líder além de bravo guerrei- Embora de maneira velada e em muitos casos in-
ro e Japeusá, que era a maçã podre dos três, tido como consciente, a veneração a Moaruã continua ativa até os
traidor, ladrão e enganador. Japeusá, porém, acabou dias de hoje, mesmo que para muitas de seus adorado-
cometendo suicídio. Esta ação acabou deixando a hu- res, todo este panorama seja desconhecido.
manidade num impasse, pois havia o tabu de não ter Moaruã também não seria a única preocupação dos
relações com sua irmã. Assim, foi necessário que Tupã Nhanderú. Outro espírito maligno também logo cha-
novamente intervisse, viajando até o mundo dos espíri- mou a atenção desses Deuses, quando Kerana, filha do
tos para trazer ao Mundo novas mulheres e homens, nobre Marangatú, foi perseguida e violentada pelo es-
com quem os filhos de Rupave e Sypave poderiam se pírito maligno Tau. Deste infeliz acontecimento, porém,
casar. Assim, o gênero humano se multiplicou. sete monstros nasceram. A Deusa Jaci, porém, tentando
Diz a lenda tupi que toda a humanidade se originou ao menos amenizar a situação, impôs a esses monstros
a partir do casal Rupave e Sypave, o que muitos outros de incalculável poder várias limitações, o que impede o
panteões discordariam. Mas, fato é que o povo humano Mundo de ser dominado ou destruído por eles.
em questão de gerações se espalhou por várias tribos, Também crê-se ter sido nessa época que a separação
algumas há muitos dias de viagem umas das outras. Os entre as placas tectônicas americana, africana e europeia
Deuses Nhanderú ainda eram presentes, mas cada vez se separaram, tamanho foi o impacto violento da térmi-
mais fracos, afetados tanto pelos crescentes desafios de no da guerra dos Iapo Gú contra os Curúpi.
conquista a terras cada vez mais inóspitas e selvagens;
quanto pelo acordo entre os Panteões de deixarem o
Mundo seguir seu próprio caminho, temendo retalia-
ções pelo Destino Selado. Os Nhanderú advertiram os
Homens quanto aos perigos que este distanciamento
provocaria, mas pouco adiantou.
Descobrimento e líderes de resistência brasileira contra o abuso das auto-
ridades sobre o povo fraco e oprimido, Lampião reuniu
para si um bando e em não raras histórias atacou, assal-
Colonização tou e destruiu propriedades dos abastados. Seja em
proveito próprio, por puro terrorismo sádico ou para
As várias tribos das nações tupi e guarani, ambas o- tirar dos ricos e dar aos pobres, as histórias se diver-
riginárias dos sobreviventes Iapo Gú e de remanescen- gem.
tes clandestinos dos Curúpi conviveram em relativa Verdade seja dita que cada país sul americano teria
paz por vários séculos. Um ou outro conflito invaria- tantos quantos heróis rebeldes, e até mesmo no próprio
velmente surgiu, de fato, mas nada que lembrasse nem Brasil também havia vários dentre os Inconfidentes e as
de longe a selvageria, violência e poderes manifestos várias revoltas contra os abusos do período regencial.
durante o conflito entre os adoradores dos Titãs e os Mas raramente se encontraria o mesmo tino tático, ca-
fieis aos Deuses. risma popular e belicosidade como em Lampião. Embo-
Assim, o povo das Américas se manteve distante das ra fosse um cristão professo, é provável que seu ichor
outras tribos em outros lugares do Mundo por muito fosse a fonte ou pelo menos um grande alicerce para
tempo. Tal qual não foi a surpresa dos nativo- toda a sua lenda.
americanos, porém, com a chegada dos primeiros na- Encurtando bastante a história, aos poucos, a Amé-
vegadores europeus, em meados do século XIV-XV. rica foi se libertando do jugo colonial, e entrou no con-
Neste momento, os Nhanderú já haviam se afastado texto contemporâneo da História. No Mundo Superior,
do Mundo, e se distanciaram ainda mais dos humanos os Deuses em choque viram os Titãs se libertarem.
por uma combinação de fatores. Primeiramente, porque

O Reinício Nhanderú
o próprio panteão Nhanderú foi anexado graças a um
acordo de forças a um ramo menor dos Atzlánti, do
qual só se desvencilharia muito tempo depois. Em se-
A priori, mesmo após a fuga dos Titãs, os Nhanderú
gundo lugar, Tupã, sempre orgulhoso, quis mostrar o
ainda continuaram muito tempo aliados e submissos
valor do seu povo como sendo digno de viver os desa-
aos Atzlánti. Aos poucos, porém, ficou evidente no
fios que lhes eram impostos mesmo sem a ajuda de seus
decorrer da nova guerra que novos poderes eram ne-
Deuses. Assim, mesmo os Iapo Gú acabaram se esque-
cessários, e que os Atzlánti se preocupavam mais com
cendo quase completamente dos seus Deuses.
os países da América Latina Ocidental, deixando prati-
O período de colonização trouxe muito da cultura
camente toda a parte atlântica do continente desguar-
europeia e africana para as regiões de exploração de
necida. Cansados de verem o sofrimento sem resposta
todo o continente americano. A europeia veio por in-
por parte de seus descendentes, o Nhanderú enfim
termédio dos colonizadores, afoitos em civilizarem o
resolveram entrar tardiamente no conflito contra os
continente selvagem e usufruir de suas aparentemente
Titãs.
infindáveis riquezas. A africana, porém, veio princi-
Por mais que isto significasse o rompimento com o
palmente por intermédio dos escravos, trazidos a uma
acordo com os Atzlánti, estes, pouco parecem ter feito
terra estranha para suprir a mão de obra que os nativos
caso, e muito se alegram em ter novos aliados. Os ou-
não conseguiam. Crê-se que este tenha sido o primeiro
tros panteões também parecem compartilhar da mesma
contato da cultura dos seguidores dos Nhanderú (e
opinião. Porém, a entrada dos Nhanderú e seus Heréus
Atzlánti, por consequência) com os seguidores dos Loa
neste novo conflito ainda é considerada excessivamente
e talvez dos panteões europeus, muito embora o pró-
tardia. E nem todos os desta opinião são meros mortais
prio distanciamento das culturas humanas com os pro-
naturais do Mundo. Não são raros os especialistas dos
pósitos de seus respectivos panteões torne esta afirma-
vários panteões que consideram os Nhanderú como
ção um tanto quanto incerta.
inexperientes e que podem acabar arriscando todo o
As aparições e interferências dos Nhanderú na His-
progresso conquistado até agora por causa disso.
tória humana durante todo este período talvez teria
Fato, com o notório recente desenvolvimento da cul-
sido até muito menor do que as já escassas atividades
tura e economia sul americana pelo Mundo, o poder
humanas dos outros panteões. Ainda assim, alguns
dos Nhanderú aumentou correspondentemente. Isto, é
Heréus conseguiram marcar seus nomes na história de
claro, provocou as mais diversas reações nos outros
maneira bastante efetiva. É o caso do quase lendário
panteões. O que será discutido mais a diante.
líder cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, mais co-
nhecido pela alcunha de Lampião. Um dos maiores
Capítulo 2: Os Nhanderú
Virtudes: Expressão, Lealdade, Resistência, Vingança

Os Nhanderú são os Deuses das nações pré-


Anhangá
colombianas, principalmente cultuados nas tribos oci- (Ou Ang, Anhãn)
dentais e austrais da América Latina. Considerados Anhangá é o Deus da caça, dos campos, protetor dos
‚irmãos‛ dos Atzl{nti pela proximidade por outros animais da mata e tido para muitos como uma assom-
panteões e algumas relevantes semelhanças, tanto os bração vinda do Mundo dos Mortos. Para os caçadores
Nhanderú quanto os Atzlánti refutarão esta afirmação tupis, uma entidade a ser respeitada e temida, pois ele
como no mínimo uma meia verdade. Os Nhanderú se poderia fazer toda sua principal fonte de alimentação
aliaram aos Atzlánti num regime de quase submissão fugir, o que poderia levar a grandes períodos de fome
por acreditarem que esta união traria força aos dois para as tribos. Com o tempo, tudo que acontecia de
lados e que seus ‚primos‛ astecas pudessem cuidar dos ruim passou a ser culpa de Anhangá, o que fez com que
territórios de ambos. Se houve ou não alguma insatisfa- os europeus que entrassem em contato com a cultura
ção que levou ao rompimento desta condição ainda é tupi posteriormente o associassem até mesmo ao de-
discutível, mas fato é que os Nhanderú recentemente mônio cristão. Nada mais longe da verdade, no entanto.
(entre 300 e 200 anos atrás) romperam seu vínculo para Ele é um Deus que muitos julgariam por caótico, mas
com os Atzlánti se tornando um panteão totalmente que age com fins de evitar que os homens usurpem em
independente. As relações entre os dois panteões conti- excesso da Natureza.
nuam boas, na medida do possível, apesar de tudo. Anhangá pode tomar várias formas, mas normal-
Embora tenham gerado uma vastidão de guerreiros mente prefere a de um veado branco, com olhos verme-
notáveis entre seus Heréus, os Nhanderú não se dizem lhos e uma cruz gravada na testa. E faz uso de ilusões e
como um panteão prontamente bélico, à maneira dos distrações para afugentar os homens gananciosos da-
Aesir ou dos próprios Atzlánti. De maneira geral, todo quilo que eles não devem ver muito menos possuir. De
o panteão entende que, dado o seu isolamento, os hu- todos os Deuses Nhanderú, Anhangá talvez seja o mais
manos para com os quais eles se consideram responsá- descontente com seu domínio depredado, poluído e seu
veis se afastaram de seus ideais originais e corretos. povo desgarrado e fraco, e pouco se esforça em conter
Dando ouvidos à voz da ambição, avareza e se entre- deste descontentamento. Ele também tende a ser voz
gando à mais diversa vastidão de vícios possíveis. inversa à de Jaci na cabeça de Tupã. Se Jaci suplica ao
Combater esta infecção é algo bem difícil, mesmo com o Deus do trovão para ser misericordioso e piedoso, A-
poder dos Deuses. Embora o sonho da ‚Única Tribo‛ nhangá normalmente lembra-o de que essas virtudes
pareça bem distante e irreal, os Nhanderú consideram em excesso podem levar ao sofrimento dos inocentes e
esta realização quase tão importante quanto o enfren- traição por parte dos perdoados. Embora seja um Deus
tamento com os Titãs propriamente dito. Para eles, uma caçador, Anhangá trata a Natureza como sua mãe, não
humanidade coesa e unida sob o mesmo propósito po- como uma mina infinita de riqueza e a si como seu pro-
de ser o exército ideal para vencer a batalha definitiva- tetor primário. Assim, é bem natural que ele seja fanáti-
mente contra as hostes caóticas. co pela sua conservação.
De maneira geral, os Nhanderú tendem se apegar Hoje, ele tem sido um líder de uma célula de eco-
aos métodos antigos, adotando vários instrumentos terroristas, um guerrilheiro de forças rebeldes na Ama-
primitivos como símbolos de seu poder. Porém, eles zônia, um ativista dos direitos indígenas ou até mesmo
enxergam o perigo que representa estar desatualizado um impossivelmente rico financiador de iniciativas
no Mundo atual. Portanto, embora prefiram atingir contra o desmatamento e grileiros.
seus objetivos ‚| moda antiga‛, eles não se queixarão se Os filhos de Anhangá são reconhecidos ao longe por
tiverem que se atualizar. De todos os panteões, os essa mesma obstinação, mesmo que escolham agir em
Nhanderú estão entre os mais abertos a experimenta- terrenos mais civilizados. Predadores natos, eles agem
rem e aprenderem novos meios. com inteligência e sagacidade para atingir seus objeti-
vos, seja numa luta contra uma cria de Titã, ou numa
disputa judicial.
Poderes: Força Épica, Destreza Épica, Raciocínio Épico,
Animal (veado), Escuridão, Guardião, Morte, Pe’A-
nama
Habilidades: Trato Animal, Atléticos, Briga, Mira, So-
brevivência, Arremesso
Rivais: Tupã; Arthemis, Set, Loki, Tlaloc, Susano-o
Jaci
(Ou Amanayara, Iaci, Djatchir)
Guaraci Jaci é a esposa de Guaraci, o Deus Sol, e mãe do oni-
potente Tupã. Ela é a Deusa Lua, e, como tal, é procu-

(Ou Kwara’sy, Coaraci) rada normalmente por aqueles que buscam inspiração,
tranquilidade e admiram sua beleza. Jaci também é
O mais antigo de todos os Nhanderú, Guaraci foi dona de um amor imensurável por toda e qualquer
quem criou o dom da Vida e o ensinou a seu filho Tupã, forma de vida, incapaz de causar a morte a qualquer
que o usou para criar os mortais. Ele é o Deus do Sol, o ser, por mais perverso que seja. Normalmente é ela
altivo e imperioso marido de Jaci, Deusa Lua. Ele ob- quem tempera a fúria de seu filho Tupã com um pouco
serva a todos de cima, com ar preponderante de realeza de sensatez. Foi ela quem impediu que os filhos mons-
e inquestionável superioridade. De sua morada na abó- truosos de Kerana fossem mortos pelos outros Nhande-
bada celeste, ele observa a tudo, e só intervém quando rú, permitindo que existissem, mas com poderes bem
algo realmente chama a sua atenção. De resto, ele espe- menores do que o que normalmente teriam.
ra que alguém da estatura adequada cuide do proble- Dona de uma beleza invejável em qualquer forma
ma. Todo esse distanciamento, porém, esconde um que adote, Jaci sempre se mostra distante e fria de tudo
amor ardente pelas belas criações humanas. e de todos. Para a frustração de muitos homens ao seu
Atualmente, Guaraci tem adotado os mais diversos redor. O que não a impede de exercer funções de ex-
disfarces, para atuar no máximo de campos possíveis tremo zelo e compaixão, como uma enfermeira no setor
da fascinante existência humana. Porém, onde quer que de emergências de um hospital, a zelosa porém severa
vá, ele sempre impõe sua irresistível aura de temor e supervisora de um colégio infantil ou até mesmo uma
respeito, por vezes, admiração. Ele é o jogador de fute- investidora em empresas que analisa tudo friamente.
bol astro do seu time; o presidente da empresa que Ela se dedica principalmente a lembrar os outros Deu-
ninguém consegue olhar nos olhos; o artista excêntrico ses (não só os Nhanderú) que a violência nem sempre é
cujas exigências beiram o absurdo, mas que ainda assim a resposta. Ela quase sempre acaba figurando nas histó-
são atendidas por um séquito de admiradores servis; o rias como uma Deusa simpática às súplicas de uma mãe
experiente médico residente que sempre tem a resposta por um filho.
para o diagnóstico impossível. Ele é o líder, inquestio- Os Heréus de Jaci acabam quase sempre sendo as
nável por poder ou admiração, sempre certo de sua principais ferramentas para levar este sentimento de
inata superioridade. Mas uma coisa é certa sobre seus amor, piedade e simpatia pelos mais sofridos. Eles pro-
personagens: A que quer que ele se dedique, ele o faz tegem os fracos e levam os oprimidos para onde pos-
com excelência. sam ter paz. Talvez seja este o seu maior problema: o de
E Guaraci não espera menos de seus Heréus. Exigen- quererem curar um Mundo que está sendo ferido por
te em seus feitos e intolerante quanto a falhas que tal- uma guerra eterna.
vez possam parecer insignificantes de início, seus filhos Poderes Associados: Manipulação Épica, Carisma Épi-
são educados a ferro e fogo em moldes de quase perfei- co, Água, Lua, Magia, Pe’Anama, Profecia
ção. Ele normalmente se mostra distante e severo para Habilidades: Atenção, Briga, Empatia, Integridade,
com seus Heréus, mas possui um amor que não ousa Ocultismo, Medicina
revelar a ninguém, pois entende que esse tipo de de- Rivais: Kerana; Tsuki-Yomi, Frigg, Arthemis, Ísis
monstração denota fraqueza. Seus Heréus quase sem-
pre manifestam esse mesmo ar de superioridade, que-
rendo ou não. São líderes naturais, o que pode levar a
alguns atritos com aqueles que possam não gostar de
Kerana
Originalmente uma humana, Kerana era filha do
tanto ego numa pessoa só.
poderoso chefe guerreiro Marangatú, filho direto de
Poderes Associados: Força Épica, Aparência Épica,
Rupave e Sypave. Kerana era uma jovem de imensa
Carisma Épico, Céu, Fogo, Pe’Anama, Sol
beleza, tanta, que isto atraiu a atenção do espírito ma-
Habilidades: Atléticos, Briga, Comando, Mira, Armas
ligno Tau, que a perseguiu e a violentou. Deste infeliz
Brancas, Ciência
acontecimento, nasceram sete monstros, cujo poder
Rivais: Apolo, Atum-Re, Baldur, Amaterasu, Quetzacó-
desimpedido poderia destruir o Mundo inteiro. Eles
atl
provavelmente teriam sido mortos pelos Nhanderú em
algum momento não fosse pela intervenção de Jaci, que mesmo até o Peru, chamada Peabiru (‚Caminho das
diminuiu seus poderes. Mortificada pelo sofrimento da Montanhas do Sol‛). Quando os sacerdotes cristãos
jovem, Jaci então permitiu que ela ascendesse ao nível chegaram à América, logo o identificaram com o Após-
de divindade menor dentre os Nhanderú, onde ela fi- tolo S. Tomé, pela sua natureza de ação e pela seme-
gura até os dias de hoje. lhança fonética.
O poder de Kerana em si não é grande ou temível. Sumé é sempre curioso e não resiste à possibilidade
Mas sim o poder de seus subordinados. Afinal de con- de aprender novas coisas, e tem vários amigos em ou-
tas, todos os seres monstruosos temidos até mesmo tros panteões, com quem adora trocar informações. Ele
pelos mais poderosos Nhanderú a chamam de ‚mãe‛. é hospitaleiro e viajante, quase nunca passando muito
O que provoca a desconfiança de muitos dos Nhande- tempo num só lugar (por vezes deixando algum Heréu
rú. Se ela realmente está do lado da Única Tribo ou se no caminho). Assim, ele é o palhaço de circo itinerante,
defenderá seus filhos caso se rebelem contra os Deuses o aventureiro de esportes radicais, o hacker que quer
ainda é uma pergunta sem resposta. toda a informação apenas para si ou o missionário via-
Atualmente, Kerana tem ocupado cargos que a per- jante, que leva conforto e iluminação aonde quer que
mitam gerar grandes poderes. Se ficarão ou não em seu vá.
poder é secundário, contanto que eles possam ser usa- Ele acredita no poder do conhecimento sobre qual-
dos para o bem da Única Tribo. Assim, ela tem sido quer outro tipo de poder, e assim quer que seus Heréus
uma física nuclear, uma jornalista política, instrutora de sejam mestres mais do saber do que da guerra. Ainda
artes marciais, ou uma professora fanática e exigente de assim, ele sabe que numa guerra, isto nem sempre é
pós-graduação. Qualquer que seja seu papel, ela é sem- possível.
pre quem cria quem tem o poder, e nunca a dona do Poderes Associados: Inteligência Épica, Raciocínio Épi-
poder propriamente dito. Dona de caprichos e requin- co, Fogo, Justiça, Mistério, Pe’Anama, Psicopompo
tes que a tornam um quebra-cabeças indecifrável, Kera- Habilidades: Acadêmicos, Comando, Ofícios, Ocultis-
na está longe de ser uma conquistadora amorosa, mas mo, Medicina, Ciência
todos os homens que ela deixa para trás são eternamen- Rivais: Anhangá; Toth, Hephaestus, Odin, Quetzácoatl,
te desolados pela sua lembrança. Amaterasu
Seus filhos Heréus são vistos como ferramentas para
os planos extremamente intricados e secretos de sua
mãe. Alguns ainda herdam o talento estratégico e ardi-
loso dela, mas a grande maioria é de agentes entre os
Tupã
objetivos divinos dela e do panteão (nesta ordem) e os (Ou Tupave, Tenondete,
empecilhos impostos pela condição existencial humana.
Por não ser de origem totalmente divina, Kerana é Nhanderú etê)
quem mais entende do Mundo mortal, afinal de contas. O soberano senhor dos raios dos Nhanderú é filho
Poderes Associados: Aparência Épica, Manipulação de Jaci e Guaraci. Foi ele quem deu forma às florestas,
Épica, Fertilidade, Pe’Anama, Saúde, Terra montanhas e rios. Ele criou a humanidade e lhes muniu
Habilidades: Empatia, Ciência, Ocultismo, Política, dos espíritos do Bem e do Mal, para que progredissem
Presença, Medicina cientes de ambos. Também foi ele que lançou do céu a
Rivais: Jaci; Loki, Sobek, Tlazoltéotl, Izanami estrela flamejante que extinguiu os Pamba’e Djagua da
Terra. Temido como autoridade e venerado ou invejado

Sumé por todo o seu poder, Tupã é incapaz de sentir algo


levemente. Sua fúria é destruidora, bem como o seu
amor é intenso. Ele sempre aparece descrito nos mitos
(Ou Pay Sumé, Pay Tumé, São Tomé) como um forte jovem índio de porte atlético, adornado
Sumé é o Deus do Conhecimento dos Nhanderú. Ele por penas e joias azuis, por vezes montado em seu veí-
teria surgido caminhando sobre as águas do Oceano culo astral, o Bairí.
Atlântico, não sabe ao certo de onde. Ensinou aos ín- Hoje, Tupã continua exibindo seu poder de maneira
dios o cultivo da mandioca, irrigação, criou leis de con- impressionante e temível, das mais diversas formas. Ele
vívio e o fogo. Ele viajou de tribo em tribo, ensinando é o temido chefe criminoso, o capitão de tropas que
as práticas místicas dos pajés, sendo considerado o perfila soldados com um olhar, o chefe que todos mais
primeiro a exercer esta função. Sempre viajante, porém, temem do que respeitam. Para os homens, um cara que
ele partiu do continente deixando para trás seu conhe- você quer ter como amigo, nem que seja para não ter
cimento, e foi embora, por uma estrada criada por ele como inimigo; e as mulheres sempre falam de seu i-
menso apetite sexual. Mas todas as pessoas que o co- gumas pessoas acabam julgando como arrogância ou
nhecem por algum tempo mantêm o mesmo testemu- crueldade. Mas os Heréus de Tupã são chamados para
nho a seu respeito: Se ele gosta de algo, ou de alguém, é um papel que não tolera falhas: a guerra contra os Titãs
pra valer. Suas paixões pelas pessoas ou coisas das e a instauração bem sucedida da Única Tribo.
quais gosta são intensas, e ofendê-las ou prejudicá-las Poderes Associados: Carisma Épico, Força Épica, Vigor
em sua presença nunca é uma escolha sábia. Épico, Céu, Guerra, Pe’Anama, Psicopompo
Seus Heréus compartilham deste senso de proteção Habilidades: Briga, Mira, Empatia, Presença, Coman-
e responsabilidade para com os que consideram dos do, Arremesso
seus. Alguns também herdam a autoridade, o que al- Rivais: Anhangá; Raiden, Zeus, Hórus, Thor

Nova Esfera: Pe’anama


Pe’anama significa literalmente ‚a Tribo‛. Basica-
Ex.: Isabel, a Heréia de Guaraci, precisa descobrir o rastro
mente, se refere ao objetivo dos Nhanderú de reunir
de uma cria de Titã que age pelas ruas de uma cidade onde
toda a humanidade sob uma mesma nação, tal qual ela
nunca esteve. Ela percebe que quem pode lhe dar as melhores
era antes de sua expansão e separação dos Deuses. Os
pistas são os adolescentes que andam de skate pelas ruas à
Nhanderú consideram esta visão de Única Tribo um
noite, mas eles certamente desconfiariam de uma estranha
requisito essencial para a obtenção da Ybymarã Eýma, a
fazendo esse tipo de perguntas. Ao usar Costume, ela rapi-
‚Terra Sem Males‛.
damente se torna ciente de suas gírias e costumes, conseguin-
do conversar e ganhar sua confiança mais facilmente.
Fala () O uso desta Dádiva não garante que o Heréu obede-
Pilha de Dados: Inteligência + Empatia cerá aos costumes do círculo social em que se encontra,
Custo: 1 Lenda apenas o torna ciente deles. Uma falha crítica na rola-
O dom da ‚fala‛ permite que o Heréu consiga en- gem de ativação desta Dádiva faz com que o Heréu
tender e ser entendido em qualquer idioma que ele entenda os costumes de maneira contrária.
queira. No caso de ser abordado por uma pessoa falante
de outro idioma que ele não conheça, ele não precisa
necessariamente saber que idioma é este para que, ati-
Comunidade ()
vada esta Dádiva, conseguir entendê-la e ser entendido Pilha de Dados: Manipulação + Empatia
pela outra pessoa. Custo: 1 Lenda
Sucessos adicionais na rolagem de ativação permi- A ‚comunidade‛ é o talento Nhanderú de aproxi-
tem ao Heréu entendimentos mais aprofundados e mar as outras pessoas do ideal de comunhão necessário
precisos a respeito da fala da outra pessoa. O uso de para a Única Tribo. Ao ativar esta Dádiva, o Heréu
sotaques, dialetos e gírias, ou até mesmo o uso desta precisa escolher pelo menos um alvo que precisa ser
Dádiva sobre um texto escrito podem requerer sucessos uma pessoa capaz de ouvi-lo e entendê-lo. Durante o
adicionais na sua rolagem de ativação, conforme o jul- resto da cena, enquanto não forem vítimas de demons-
gamento do Narrador. trações de hostilidade ou de perigo à sua integridade,
os personagens alvo não podem declarar ações que

Costume () ameacem o Heréu ou seus companheiros. O alvo ainda


deve ter Lenda inferior à do Heréu.
Pilha de Dados: Percepção + Acadêmicos O uso desta Dádiva sobre crias de Titã ou criaturas
Custo: 1 Lenda de origem não humana requer sucessos adicionais em
Ao acessar esta Dádiva, o Heréu se torna ciente dos sua rolagem de ativação. Bem como o uso desta Dádiva
costumes mais relevantes à cultura onde está inserido e sobre alvos adicionais. Cada alvo adicional requer mais
pode fazer uso deles para evitar o desagrado de seus um sucesso na rolagem de ativação.
anfitriões. ‚Costume‛ também pode ser usado em seu
próprio território, em círculos sociais aos quais o Heréu
não está habituado.
Dividir o Dom ()
Pilha de Dados: Nenhuma
Custo: 1 Lenda e 1 F. Vontade
Todas as pessoas são igualmente ricas na Única Tri- Dádiva e presente na cena. Ao fazer isto, ele pode ‚co-
bo, desde o mais alto chefe até o mais baixo cidadão, piar‛ para si uma pilha de dados referente a qualquer
extinguindo o conceito de ‚propriedade‛. Assim, o Habilidade possuída pelo alvo, conforme os padrões
talento de um deve ser compartilhado por todos. Ao estabelecidos para Dividir, e usá-la sempre que quiser
usar esta Dádiva, o Heréu precisa determinar um alvo. até o final deste dia. O Heréu pode refazer a rolagem de
Pelo restante desta cena, o Heréu permite que esta pes- ativação desta Dádiva para escolher outro alvo (ou o
soa use uma pilha de dados com quantidade referente a alvo que ele pretendia na tentativa anterior), após o
uma Habilidade sua como se a rolagem fosse feita pelo prazo de 5 instantes.
próprio Heréu. Ou seja, o alvo passa a usar a mesma Caso esta Dádiva seja usada em outro Heréu, cria de
soma de Atributo + Habilidade + quaisquer outros bô- Titã ou qualquer outro tipo de criatura sobrenatural, o
nus de que o Heréu usaria para a mesma tarefa pelo Heréu também pode copiar alguma propriedade sobre-
restante da cena. O alvo ainda deve gastar seus pró- natural do alvo, como o olhar petrificante de uma me-
prios pontos de F. Vontade e/ou Lenda, caso a rolagem dusa, uma Dádiva de algum outro Heréu ou até mesmo
assim requeira, e não o Heréu doador. a intangibilidade de um fantasma. Fazê-lo, porém, im-
plica na necessidade de sucessos adicionais além dos

Tomar o Dom () mencionados anteriormente, conforme a Lenda do alvo,


e o gasto de Lenda e/ou F. Vontade que o alvo usaria
Pilha de Dados: Manipulação + Presença + Lenda para usar este poder.
Custo: 2 Lenda Toda espécie de cria de Titã é imune aos seus pró-
O Heréu agora pode realizar o processo inverso de prios venenos ou quaisquer outros tipos de poderes
Dividir o Dom. Ele deve declarar um alvo cuja (F. Von- especiais que ela venha a possuir (não se pode petrificar
tade + Integridade + Lenda) não supere a quantidade de uma medusa copiando este seu poder, por exemplo).
sucessos que ele obteve na rolagem de ativação desta

Novos Legados
Relíquias Muiraquitã
“Eu andarei vestido e armado, com as armas de São Jorge. Relíquia  (2 Esferas)
Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, Os muiraquitãs são pequenos amuletos usados co-
tendo mãos não me peguem, mo pingentes normalmente no formato de pessoas ou
tendo olhos não me enxerguem animais como sapos, tartarugas, peixes, etc.; feitos de
e nem pensamentos eles possam ter para me fazerem mal.” pedra como a jade, madeira ou até mesmo argila. Eles
Oração a S. Jorge foram criados originalmente pela tribo de guerreiras
amazonas Icamiaba (literalmente, ‚aquelas que não têm
marido‛), que os davam como presentes aos homens
O Arco de Itaquê que eram bravos e dignos o suficiente para servirem de
seus consortes reprodutivos. Logo, ele se tornou um
Relíquia  (3 Melhoramentos de Item, 1 Poder
símbolo de virilidade e bravura. A magia dos muiraqui-
Único de 1 Ponto)
tãs permite ao usuário acessar as Esferas Guerra e Saú-
Itaquê foi um corajoso Heréu de Guaraci, chefe da
de.
tribo tocantim, guerreiro e líder muito honrado. Cego
após uma ferrenha batalha contra os tapuias, seu teste
para escolher seu sucessor foi que este teria que vergar
o seu arco. Apenas o heroico jovem Ubirajara, então
A Pedra de Sumé
integrante da tribo araguaia, consegue fazê-lo. O arco Relíquia  (2 Esferas, 1 Poder Único de 2 Pontos)
de Itaquê é basicamente um dai-kyu, com dano, alcance Esta Relíquia teria sido deixada pelo próprio Deus
e precisão melhorados em: +1L, 50 m e +1, respectiva- Sumé em sua passagem pelo Brasil enterrada, segundo
mente. Apenas alguém com a permissão do Heréu pro- alguns mitos, em algum lugar da Baía de Guanabara,
prietário do arco pode usá-lo, além dele próprio. ou nas matas amazônicas, onde várias tribos indígenas
ainda contam lendas sobre os guardiões de sua locali-
zação secreta. Nela, estariam gravados vários segredos
de magia, cura e ciência que nenhum mortal ainda esta-
ria pronto para conhecer. A posse e estudo contínuo de
sua intrincada linguagem permite ao Heréu acrescentar Caapora
sucessos iguais à sua Lenda em qualquer rolagem de Seguidor /Criatura  (Porco do Mato)
Inteligência que ele fizer e acesso à Esfera Psicopompo e Um imortal menor dedicado à confusão daqueles
Mistério. que se aventuram em suas matas, os caaporas são os
principais agentes de Anhangá dentro dos territórios

Criaturas, Guias e selvagens. Basicamente, um caapora é um humanoide


de pele avermelhada e crespos cabelos pretos. Sua prin-
cipal marca, porém, são os pés virados para trás, que
Seguidores eles usam para confundir qualquer um que resolva
seguir os seus rastros. Eventualmente, eles também
Boiúna podem montar javalis ou porcos do mato e, caso sejam
obrigados ao combate, fazem uso de lanças e flechas de
Criatura /Relíquia  (1 Poder Único de 1 Pon- madeira e pedra.
to) Caaporas podem variar bastante em suas caracterís-
Inicialmente um Pamba’e Djagua que sobreviveu à ticas mecânicas, mas o mais típico é possuírem Dádivas
destruição de Tupã enterrando-se no chão, Boiúna é de Caos e Fertilidade, além de Força, Destreza, Percep-
uma serpente gigantesca, com aproximadamente 30 m ção e Raciocínio Épicos e Truques correspondentes.
de comprimento. Mas ao invés de querer vingar sua Embora sejam excelentes combatentes, eles preferem
raça, Boiúna se aliou aos Nhanderú e passou a desem- simplesmente afugentar invasores em seus territórios.
penhar uma importante tarefa para o equilíbrio ecológi- Embora se pareçam bastante humanos, caaporas são
co da América do Sul. Com seus olhos de fogo, ele é uma espécie totalmente própria. Até mesmo alguns
quem inicia incêndios para que a vegetação possa se Heréus de Anhangá (com quem são ‚menos inamisto-
renovar nas regiões do Serrado, embora costume re- sos‛) pensam que não existem fêmeas, j{ que apenas os
pousar enterrado nas margens do rio São Francisco. machos da espécie conseguem ser vistos raramente nas
Apesar de sua aparência monstruosa e amedronta- matas.
dora, Boiúna é extremamente tímido, fugindo até mes- Tratando-se de um caapora montado, o porco do
mo do olhar de um simples humano. Porém, dada a mato segue os padrões de um javali nemeano (Scion:
gravidade que as outras crias de Titãs representam para Hero), sem Virtudes Negras.
sua amada natureza, ele está pronto para guerrear em

Iara
nome dos Nhanderú.
Boiúna é um indivíduo único de sua espécie, e por
isso é considerado um recurso extremamente valioso Guia 
aos Nhanderú. Portanto, tê-la como Criatura é uma A Iara original era uma índia de inigualável beleza,
honra concedida apenas aos Heréus que tenham pro- mas que nunca que mostrou atraída por nenhum de
vado seu valor e responsabilidade e sejam no mínimo seus pretendentes. Certo dia, enquanto admirava seu
de nível Semi-Deus. reflexo num rio, ela foi surpreendida por um bando de
Ao receber Boiúna como Criatura, o Heréu também malfeitores que a violentaram e jogaram seu corpo de-
recebe uma pequena adaga com adornos amazônicos. sacordado na água. Graças à intervenção de Kerana, ela
Ao cravar esta faca no chão, gastar um ponto de Lenda ressuscitou como uma figura bastante semelhante à
e chamar por Boiúna em alta voz, a criatura responde sereia europeia: mantendo sua forma humana original
ao chamado, brotando diretamente a partir de onde o da cintura para cima, mas tendo as pernas substituídas
punhal é cravado no solo. pelo ventre de um peixe. Depois deste fato, Iara passou
Mecanicamente, Boiúna é idêntico a um lindwurm a espreitar nas margens das águas, atraindo os homens
(Scion: Hero), além de ter o poder especial de seus o- com seu canto irresistível, e os devorando assim que
lhos de fogo (Alcance 100 m, Precisão 13, Dano 16A, VD mergulhavam.
Esquiva -, Velocidade 4. Requer o gasto de 1 Ponto de Hoje, há várias iaras espalhadas por todo o mundo.
Lenda) e ter Lenda 3. Capazes de caminhar entre os humanos disfarçadas
como mulheres lindíssimas, elas continuam a espalhar a
sina da Iara original… De certo modo. Elas não devo-
ram mais a carne humana no mundo civilizado (embora
ainda sejam capazes de fazê-lo, elas não preferem cha-
mar esse tipo de atenção indevida), mas abastecem sua
própria Lenda levando o infortúnio a qualquer um que
se apaixone por elas. Icamiaba
Toda iara também parece sofrer do mesmo distanci- Seguidora /Guia 
amento emocional que sua progenitora original, porém. A tribo Icamiaba se diferencia de todas as outras en-
O que não parece impedir que milhares de homens (e contradas no continente americano pela sua principal
mulheres) ainda caiam em suas ciladas amorosas. Elas característica: ela é totalmente formada por mulheres
podem variar bastante em aparência também, mas ape- guerreiras. Com um fervor talvez ainda maior que as
nas uma característica se mantém constante em todas as suas equivalentes amazonas gregas, as icamiabas repu-
iaras: os encantadores olhos verdes e a belíssima voz. diam a presença dos homens, e os veem apenas como
Caso queiram, elas podem tomar sua forma original, o instrumentos reprodutivos… Para gerarem novas ama-
que distorce seus rostos criando uma bocarra com den- zonas. Crê-se que o próprio Pedro Álvares Cabral teria
tes afiados (+2L para ataques de mordida) e transforma se encontrado com uma dessas guerreiras, e, inspirado
suas pernas numa cauda de peixe (permitindo plena pelo encontro, chamou a região em que o fato ocorrera
movimentação e negação de penalidades para ações e de Amazonas.
movimentos realizados debaixo da água). As icamiabas são índias hábeis em táticas de guerri-
Sempre que causar qualquer forma de sofrimento lha em terreno florestal, o que inclui o uso de arco e
emocional a alguém atraído por ela, a iara pode fazer flecha, camuflagem, borduna (uma clava indígena) e
uma rolagem de (Aparência + Empatia + Lenda) e reti- posicionamento grupal estratégico. Recentemente ape-
rar pontos de F. Vontade desta pessoa iguais à quanti- nas umas poucas parecem ter encontrado sucesso em
dade de sucessos de sua rolagem. A iara então ganha meios modernos de combate, o que incluiria estudo
Lenda na proporção de 1 ponto de Lenda para cada 2 formal de artes marciais e talvez uso de armas de fogo.
pontos de F. Vontade perdidos pelo alvo. Embora sejam mais famosas pelo seu talento bélico, as
Qualquer iara também é capaz de recuperar Lenda icamiabas também eram versadas em artes místicas e
consumindo carne humana, na proporção de 1 ponto de criação de algumas relíquias de menor poder, como é o
Lenda para cada 2 níveis de dano Letal que ela infligir caso dos muiraquitãs.
com um ataque de mordida sobre um humano ou He- Mecanicamente, uma icamiaba usa o padrão de a-
réu. Cadáveres não rendem este benefício. mazona mencionado em Scion: Hero. A única diferença
Apenas algumas iaras se aliaram até hoje aos Nhan- é uma predominância de aparência indígena na maioria
derú, porém. Por não serem crias de Titãs propriamente das integrantes da tribo (as atuais icamiabas por vezes
ditas, elas ainda conservam o livre arbítrio. Mas algu- podem ter sangue ‚jurua‛, não indígena). Considera-se
mas podem recorrer a seus antigos hábitos selvagens impossível ter uma icamiaba como Seguidora de um
em regiões mais ermas ou por se renderem aos seus Heréu, já que elas notoriamente preferirão trabalhar ao
instintos predatórios, o que permite que a influência lado de mulheres, mas é bem possível que uma delas
titânica corra livremente por elas. Neste caso, elas po- aceite ser Guia de um Heréu, se este mostrar a devida
derão até mesmo ser caçadas como se fossem crias de reverência e inferioridade diante dela.
Titã por qualquer Bando. No caso de escolherem vive-
rem em paz, uma iara pode seguir seu caminho como
bem entender. Apenas algumas se dedicam voluntari- Matim-Tapirê
amente à causa dos Nhanderú servindo de Seguidoras Seguidor 
ou Guias a seus Heréus. Esta espécie de criatura mítica parece ter mudado de
As iaras podem se reproduzir normalmente com forma ao longo dos séculos. Originalmente um pássaro
humanos ou Heréus. Apenas suas filhas se tornam ou- encantado, ele passou a ser identificado como uma fi-
tras iaras, porém. gura humana, um índio que pregava peça em seus se-
Toda iara tem Carisma, Manipulação e Aparência no melhantes. Por fim, adotou a forma de um menino ne-
mínimo em 4, além de possuírem as seguintes Virtudes: gro de uma só perna sempre acompanhado de um ca-
Ambição 4, Maldade 3, Ferocidade 2, Fanatismo 1 (iara chimbo e um gorro vermelho. Seu nome também foi
‚selvagem‛); Expressão 3, Lealdade 2, Resistência 1, alterado pela contínua latinização e algumas corrupções
Vingança 2 (iara leal aos Nhanderú). Toda iara também regionais | forma de ‚saci pererê‛. Mas por mais que
possui apenas um ponto de Lenda inicialmente. tenha mudado, uma coisa se mantém constante: sua
irresistível natureza de trazer a confusão e o caos à vida
das pessoas.
Na verdade, os matins podem tomar a forma huma-
na que bem quiserem, mas esta aparência é sua para
sempre. Raramente suas artimanhas trazem danos sé- que a maioria pode pensar, as mulas sem cabeça não
rios aos humanos, porém, mas costumam ser bem irri- são ferozes, e são bastante obedientes a seus donos He-
tantes. Todo matim sempre carrega um objeto que é o réus.
catalisador de seu poder. Sem ele, ele fica fraco e perde- Mulas sem cabeça possuem as mesmas característi-
rá um ponto de Lenda a cada hora sem ele. Caso ele cas que um cavalo, conforme mencionado em Scion:
perca todos os seus pontos de Lenda por causa disso, Hero, além de poderem possuir Dádivas da Esfera Fo-
ele morre, se desfazendo em cinzas em alguns instantes. go, o poder único detalhado abaixo e Lenda 2.
Se alguém conseguir capturar este objeto dele (que po- Ao gastar 1 ponto de Lenda, uma mula sem cabeça
de ser qualquer coisa, desde um relógio de pulso a um pode despertar seu rosto de mulher, que grita em hor-
par de sapatos), esta pessoa faz do matim seu servo, e ror assim que percebe sua nova condição. Todos na
ele fará de tudo para reaver seu objeto de poder. área audível deste grito devem então fazer uma rola-
Alguns dos matins, porém, se aliaram ou foram gem de F. Vontade + Integridade com dificuldade 6
submetidos ao comando dos Nhanderú. Esses, podem para não fugirem como puderem. Três sucessos ou
servir de Seguidores a Heréus. Ainda assim, eles detes- mais permitem que eles fiquem na cena, paralisados até
tam a ideia de serem servos, e farão tudo o que for pos- superarem o medo (gastando 1 F. Vontade assim que
sível para contrariar esta impressão. Assim, nunca é puderem agir). Seres com Lenda 3 ou mais podem gas-
sábio dar ordens arrogantemente a um matim, mas, tar 1 F. Vontade e automaticamente superar este efeito.
fazê-los se sentirem como importantes e indispensáveis Ao ganhar uma mula sem cabeça como Criatura, o
seres de inigualável poder é uma oferta que quase ne- Heréu também recebe um crucifixo dourado do tama-
nhum deles poderia recusar. nho de um pingente, que ele deve segurar e gastar 1
Todo matim tem acesso às Esferas Caos e Saúde, ponto de Lenda para chamar esta criatura, que emerge
sendo excelentes curandeiros e conhecedores das ervas de dentro de alguma sombra próxima.
medicinais e seus segredos.

Uirapuru
Mula Sem Cabeça Guia 
Criatura /Relíquia  (1 Poder Único de 1 ponto) Uirapuru era um jovem índio acometido pelos pro-
O termo em si é bem claro quanto à aparência desta blemas do amor. Ele havia se apaixonado irremedia-
criatura, mas um pouco impreciso. A mula sem cabeça velmente pela esposa de seu cacique, e, atribulado pela
possui o corpo de uma égua, na verdade, embora man- sua situação, orou a Tupã para que fosse transformado
tenha a característica de não ter cabeça, e sim uma fo- num pássaro que cantaria eternamente, na esperança de
gueira em seu lugar. Porém, em seu pescoço, logo abai- que sua amada o reconhecesse. O que nunca aconteceu.
xo da fogueira, fica o rosto de uma mulher, que parece Mesmo assim, Uirapuru continua a servir os Nhanderú
estar dormindo. como conselheiro imortal de seus Heréus. Como um
Até hoje os especialistas míticos discutem sobre sua Guia com vasta experiência e fascínio pela vida humana
capacidade de orientação, já que o rosto humano tam- contemporânea, ele não se limita não só a ter um vasto
bém não parece contribuir ativamente para isto. conhecimento sobre a cultura Nhanderú, mas também é
A origem dessas criaturas ainda é incerta, mas a ver- propenso a ser um especialista na arte do amor.
tente mais possível é que seja uma maldição que recaia Uirapuru possui os mesmos atributos da Ave (Pe-
esporadicamente sobre mulheres de pouco recato e quena) de Scion: Hero, além de ser capaz de falar, e
propensas a relacionamentos ilícitos, transformando-as possuir Carisma 3, Manipulação 2, Inteligência 3 e O-
nesses assustadores animais. Porém, ao contrário do cultismo 4 além das informações de seu padrão.

Cosmologia
Ybymará Eýma, ser apenas uma morada dos Deuses. Sim, é lá que as
grandes ocas dos grandes chefes Deuses Nhanderú
estão, mas não é algo destinado apenas a comportar
o Mundo Superior Nhanderú suas essências divinas. Ybymará Eýma também é um
lugar para onde vão as almas daqueles apreciados por
Ybymará Eýma (a Terra Sem Males) se difere dos esses mesmos Deuses. Deste modo, sendo ao mesmo
outros Mundos Superiores de outros panteões por não
tempo um Mundo Superior funcionalmente bem pare- cem à mesma tribo, e instintivamente, passam a se co-
cido com o Paraíso cristão. municar no idioma Tupi assim que a adentram.
Em sua aparência, Ybymará Eýma é uma grande flo- Em sua sociedade, conceitos como propriedade e di-
resta tropical. Com vegetação densa e verdejante e o nheiro simplesmente inexistem. Eles simplesmente não
clima quente e úmido. Os espíritos da floresta vagam têm utilidade lá. Tudo é de todos e compartilhar suas
livremente por lá, podendo ser ouvidos e sentidos como várias riquezas é algo tão natural para seus habitantes
barulhos dos animais silvestres. Esses espíritos animais quanto as roupas são para o homem moderno. As árvo-
são idênticos aos seus equivalentes aqui na Terra, po- res dão frutos que alimentariam o Mundo inteiro cente-
rém com sua aparência muito mais intensa. Isso quer nas de vezes, e os caçadores e pescadores sempre retor-
dizer que as araras possuem cores ainda mais vívidas e nam com abundância. De certo modo, a ideia de res-
intensas, o rugido da onça é ainda mais penetrante e a tringir algo como ‚de alguém‛ ou de trocar mercadori-
sombra das asas do condor em voo é muito mais impo- as seria risível para alguém que já vive lá há algum
nente, por exemplo. Todo espírito animal habitante de tempo. A Terra Sem Males simplesmente atende a todo
Ybymará Eýma é capaz de se comunicar com qualquer desejo de seus habitantes, sem deixar nada lhes faltar.
visitante humano, mesmo que este não tenha Lenda, Seja física ou psicologicamente.
mas seu nível intelectual está limitado ao equivalente De certa forma, é bem correto pensar que a Terra
de sua espécie. Sem Males é um reflexo do que o Mundo deveria ser.
Espíritos de humanos falecidos ainda podem habitar Pelo menos na visão Nhanderú. Em grande parte, o
Ybymará Eýma, compartilhando tudo que têm, numa objetivo mais cobiçado por todos os Deuses do panteão
‚Terra‛ utópica onde conceitos como propriedade pri- é criar uma sociedade idêntica no Mundo. O que já foi
vada, unidade monetária e posse são totalmente aliení- tentado e falhou diversas vezes.
genas. Porém, desde a fuga dos Titãs, a Terra Sem Ma-
les tem tido cada vez menos habitantes. São raríssimos
os casos de vítimas de ataques furtivos de ousadas e Pontos de Contato
furtivas crias de Titãs que assaltam a grande aldeia. Ao Antes da colonização da América, praticamente toda
passo que poucos hoje são capazes de encontrar o ca- tribo sul americana tinha um ponto de contato exclusi-
minho para lá. Em parte, por causa da confusão no vo para Ybymará Eýma. Isso permitia a qualquer indi-
Submundo causada pela fuga dos Titãs, mas também víduo que conhecesse os rituais certos não só contatar,
porque poucos ainda são atraídos pelos ideais Nhande- mas também caminhar por entre o Mundo Superior por
rú, e assim, não são chamados pelo panteão a habitar um determinado tempo. Porém, graças aos contínuos
com eles. Desses poucos, ainda há o risco dessa alma se extrativismo, urbanização e morte dos pajés, grande
perder no caminho para Ybymará Eýma, se tornando parte desses locais foi destruída. É possível ainda en-
errante pelo Mundo como um fantasma ou sendo devo- contrar os portais para o Mundo Superior, mas todos
rada por alguma cria de Titã espiritual. estão ocultos sob florestas virgens, ou guardados por
Nem todo ex-mortal que hoje habita Ybymará Eýma tribos hostis (com bons motivos) a estrangeiros.
é necessariamente um Heréu dos Nhanderú, ou sequer Esses portais, exceto que ativados pelo ritual ade-
um humano que devotou sua fé a esses Deuses. Vidas quando, só podem ser ativados na presença de um ser
dedicadas a atos de altruísmo, partilha e solidariedade, com Lenda. Caso contrário, ele poderia se passar tran-
ou até mesmo demonstrações isoladas mas relevantes quilamente apenas como uma estranha topiaria indíge-
desses valores em proporções intensas já são o suficien- na, galhos e ramos moldados na forma de um arco ar-
te para se tornar digno de um lugar na Terra Sem Ma- quitetônico. No caso raríssimo de um desses portais
les. O curioso, porém, é que, dada a infeliz dificuldade estar abandonado, é até provável que um Heréu se veja
de novos habitantes, grande parte dos ex-mortais que lá acidentalmente caminhando em Ybymará Eymá, após
habitam se tratam em sua esmagadora maioria de pajés, se perder na mata. Sua inconsciente passagem por bai-
caciques e guerreiros indígenas ainda do tempo da xo do arco o teria ativado, sem que ele sequer notasse.
colonização americana. De várias tribos diferentes, em- Excetuando-se tais portais, não há outro meio de
bora todos falem a mesma língua e possam compreen- transporte direto ao Mundo Superior Nhanderú. Con-
der e ser compreendidos por qualquer pessoa. As rarís- tudo, rituais antigos, dos tempos de Rupave e Sypave,
simas almas que conseguem pertencer à grande tribo podem permitir a comunicação com os espíritos natu-
após a morte também adotam as vestimentas, pinturas rais que ainda estão lá, ou com os habitantes do Mundo
corporais e demais costumes típicos de Ybymará Eýma. Superior.
Na Terra Sem Males, todos se lembram de que perten-
O único problema é encontrar alguém que os conhe-
ça. Apenas os pajés antigos conheciam esses rituais, e Teju Jaguá
todo o seu intrincado preparo. O primogênito dos sete monstros lendários, Teju Ja-
guá possui o corpo imenso de um lagarto, com a cabeça

Os Espíritos Naturais descomunal de um cão. Embora essa combinação pu-


desse resultar numa fera de poder imenso, a deformi-
Por mais que suas terras tenham sido consideradas dade do tamanho de sua cabeça o impede de ser ágil ou
sob a proteção Atzlánti durante muito tempo, os pe- de se mover rapidamente. Assim, ele normalmente
quenos porém valiosos aliados dos Nhanderú continua- passa grande parte do seu tempo protegendo grutas e
ram a proteger suas terras por conta própria. Na forma outras passagens subterrâneas e seus segredos.
de animais e plantas silvestres dotados de habilidades Raramente ele toma atitudes que prejudiquem os
lendárias, os espíritos naturais eram mensageiros, con- Nhanderú, mas nem por isso é menos temido por qual-
selheiros, informantes, soldados e por vezes, até mesmo quer um com um mínimo de bom senso.
amantes dos Deuses Nhanderú.
Todo espírito natural se originou, num momento ou
outro, de Ybymará Eýma. Mas muitos passaram tanto
Mbói Tu’í
tempo no Mundo natural que passaram a considerá-lo Não raramente confundido com a Criatura Boiúna,
seu verdadeiro lar. Mbói Tu’í é outra am{lgama animal monstruosa, com-
Para os olhos de qualquer mortal (Heréu ou não), binando o corpo de uma serpente marinha de centenas
um espírito natural é um animal ou planta totalmente de metros com a cabeça parecida com a de um papagai-
comum. Absolutamente nenhuma característica fisioló- o. Ao contr{rio de Boiúna, Mbói Tu’í normalmente
gica se difere das do animal que ele ‚imita‛. Eles são prefere os mares, ao passo que seu ‚primo‛ prefere ou
capazes de fala e intelecto de nível racional, mas não os terras continentais ou leitos de água doce. É ele quem
demonstram levianamente. Suas habilidades sobrena- vigia os mares para os Nhanderú, ou pode por vezes se
turais também são bem variadas, mas os exemplos mais revoltar gerando tempestades litorâneas, furacões fora
comuns são os lobos-guará, na verdade, uma espécie de de época ou outros desastres que podem desagradar
raposa; pés de guaraná e mandioca (plantas com ori- Deuses e humanos. Em sua defesa, ele diz agir contra o
gens Lendárias capazes de cura ou super-nutrição); e crescimento abusivo das indústrias poluentes ou da
várias outras espécies de pássaros. pesca predatória. Por mais que se defenda, porém, ele
O próprio Uirapuru é por vezes confundido com um nunca consegue tirar totalmente a suspeita de alguns de
espírito natural. Embora seja idêntico a um, Uirapuru é que ele talvez aja em benefício titânico em algumas
na verdade um humano que foi transformado em algo dessas ocasiões.
bem semelhante na prática a um espírito natural.
Monhai
Os Sete Monstros Lendários Monhai é uma imensa serpente de cor terrosa com
duas notáveis protuberâncias em sua fronte. Elas ser-
Quando Kerana foi violentada pelo espírito maligno vem como antenas, dando a ele um sentido de orienta-
e avatar de Moaruã, Tau, ela deu a luz a sete monstros ção e de tudo o que acontece ao seu redor, além de po-
de incrível poder. Graças à intervenção de Jaci, seis
derem emitir uma onda hipnótica.
deles não foram usados pelas forças titânicas contra os Ele normalmente vaga pelas campinas desabitadas,
Deuses. Seus poderes foram diminuídos, e várias limi-
caçando o que puder, embora raramente incomode
tações lhes foram impostas pela magia da Deusa Lua. humanos, ele é famoso por roubar objetos que ele con-
Porém, dotados do livre arbítrio, eles decidiram não
sidere importante quando seus donos se distraem.
servir aos Nhanderú, mas continuarem neutros na
guerra entre Deuses e Titãs. Por vezes, eles até tomam
um lado, mas raramente este posicionamento se man- Yaci Yateré
tém por muito tempo. Assim, é possível que um deles
O único dos filhos de Tau e Kerana que não possui
auxilie algum Heréu Nhanderú numa ocasião, e traba-
um aspecto monstruoso, Yaci Yateré é considerado uma
lhe para atrapalhá-lo depois. Se por nenhum outro mo-
divindade menor da sesta (cochilo da tarde). Yaci Yate-
tivo mais conveniente, apenas porque desejam fazer
ré possui o corpo de um índio pequeno, às vezes com
assim.
aparência de criança, com os cabelos louros e cachea-
dos. Ele sempre carrega sua vara mágica também usada
como bengala. É através dela que ele pode encantar as pelos Deuses Nhanderú. Único motivo pelo qual ele
pessoas a um profundo sono. Yateré normalmente usa ainda vive.
este poder sobre crianças que se comportem mal, ou
que estejam predestinadas a realizar grandes desgraças
no futuro (embora ninguém saiba até hoje que método Ao Ao
ele use para prever estas coisas). As que ele considera Ao Ao é uma fera quadrúpede de aparência seme-
realmente problemáticas são dadas como alimento a lhante à de um carneiro, mas com presas e chifres muito
seu irmão mais novo Ao Ao. afiados. Embora seja normalmente retratado como uma
Esta prática é imensamente incômoda a muitos He- besta devoradora de homens e hábil caçador, Ao Ao (e
réus que até hoje o perseguem sem muito sucesso. A- sua crias) raramente são os caçadores temíveis e preda-
lém de ardiloso e extremamente esquivo, Yaci Yateré dores que invadem os territórios indígenas como se
também consegue ficar invisível à sua vontade. pode imaginar. Na verdade, sua prole se mantém nas
montanhas, protegendo os poucos locais sagrados que

Kurupi ainda restam.

Além de Yaci Yateré, Kurupi é o único dos seus ir-


mãos a ter uma forma humanoide, mas obviamente Luison
monstruosa. De pele amarelada, olhos totalmente ne- O caçula dos sete monstros lendários foi o único que
gros, dentes pontiagudos e cabelo crespo desgrenhado, tomou totalmente o lado de seu pai, hoje servindo ex-
ele se move a pulos rápidos pelos galhos da mata como clusivamente ao Titã Moaruã. Este seu nome atual (o
um macaco. Vitimado por vários tipos de desejos incon- original se perdeu no tempo) possui origem europeia,
troláveis, ele está sempre faminto. Kurupi prefere se sendo derivado da coisa mais semelhante a ele que os
alimentar de animais recém-nascidos ou qualquer outra espanhóis conheciam: o lobisomem.
comida facilmente obtida. Assim sendo, ele raramente Luison é um perverso lobo com características hu-
ataca humanos, exceto que se trate de uma virgem, com manoides de proporções gigantescas, coberto de pelo
as quais ele também adora satisfazer seu desejo sexual. negro e de olhos vermelhos que brilham como brasas à
Embora seja selvagem, covarde e potencialmente a- noite. Ele e suas crias idênticas são um dos principais
gressivo, ele não é considerado inatamente maligno componentes de uma força de combate de Moaruã.
Capítulo 3: Moaruã, o Titã da Ambição
Ou: Sapo Demônio, Velha Serpente, Baipotchir (“rai- lentamente qualquer aproximação. Se a situação não for
va de gente”) revertida rapidamente (apenas removendo a pessoa de
‚dentro‛ de Moaruã), a vítima lentamente se junta ao
Moaruã teria sido um Pamba’e Djagua de imenso coro eternamente faminto e massivo de Moaruã para
poder antes dos outros Nhanderú chegarem à Terra. Ou sempre.
isso, ou meramente ele teria sido o único de sua raça
titância a sobreviver por algum outro casual motivo. De
toda forma, ele se dedica fanaticamente a destruir tudo
aquilo que os Deuses Nhanderú, os responsáveis pela
Crias de Moaruã
O Titã da Ambição possui vários servos. No passa-
chacina de seus semelhantes, admiram e construíram.
do, os Curúpis o serviram de bom grado, bem como
Ele ensinou ao homem a tomar as coisas para si, a-
muitos mortais tolos podem fazê-lo hoje em dia. Mesmo
fastando-os quase eternamente do anseio da Única Tri-
assim, a essência titância de Moaruã pode ser encontra-
bo. Também foi ele que criou as várias raças monstruo-
da também nos monstros que ele envia para roubar
sas para servi-lo e agirem em seu nome.
tesouros dos Deuses, ou meramente como massa de
Grande parte de seu poder selvagem tem sido con-
manobra na sua guerra contra os Heréus dos Nhande-
tida, visto que suas crias tendem a se manter afastadas
rú.
das regiões mais povoadas e urbanizadas, mas lá ele
Toda cria de Titã de Moaruã compartilha de caracte-
simplesmente age de formas mais sutis. O grande
rísticas reptilianas. O que quer dizer que, apesar da
monstro Moaruã se alimenta do desejo de possuir dos
aparência de algumas delas poder fazer alguém pensar
seres humanos, meros mortais ou Heréus. Sua é a cele-
que se trata de alguma espécie de mamífero (como é o
bração da fome, inveja e vanglória dos mortais uns para
caso dos Mapinguaris), todas elas são animais de san-
com os outros. Neste campo, mesmo o mais otimista
gue frio. Isso anula tentativas de localizá-las por senso-
dos Deuses deve admitir: ele tem marchado pratica-
res de calor, por exemplo.
mente desimpedido.
Esferas Prediletas: Animal (Répteis), Caos, Fogo, Psi-
copompo, Sol, Terra
Esferas Proibidas: Justiça, Saúde
O Padrão Teju
O padrão teju (‚lagarto‛ em tupi) se assemelha bas-
tante ao padrão nemeano apresentado em Scion: Hero.
Principais Características As diferenças são que o animal (ou ser humano) con-
serva seu tamanho, mas tem sua pele gradualmente
Os especialistas ainda debatem bastante sobre a na-
modificada para escamas. Elas variam em dureza, de-
tureza física de Moaruã. Mas a tese mais aceita é que ele
pendendo do tipo de animal usado na metamorfose,
seja algum tipo de monstro reptiliano, já que o correlato
mas todo teju gradualmente se torna mais ‚blindado‛,
mais comum feito aos Pamba’e Djagua é o que seriam
por fim acrescentando uma proteção natural de +2A/
dinossauros. Sua predileção para criar bestas de aspecto
2L/2C a qualquer outra que ele porventura já tenha.
pré-histórico também apoia esta teoria. Isto o diferiria
Cultos adoradores de Moaruã podem realizar este
bastante dos outros Titãs, que possuem um aspecto
ritual sobre animais ou seres humanos. Ou o próprio
mais propriamente metafísico do que concreto.
portador deste padrão pode transmiti-lo a qualquer
Estar em seu domínio é cair num labirinto carnoso e
semelhante da sua espécie através de envenenamento.
úmido de mãos que tentam agarrar e vozes cacofônicas
Felizmente, a vítima precisa primeiro morrer tendo o
que pedem. Por ajuda, por comida, por silêncio, por
veneno em suas veias (transmissível apenas pelas mu-
qualquer coisa que vejam. A temperatura em seu interi-
cosas do doador) para então sofrer a metamorfose e
or é sufocante, idêntico ao calor de um deserto. Mas o
ressuscitar como uma criatura totalmente pertencente a
principal perigo de se estar nos domínios do Titã é a
este padrão e dotada de Virtudes Negras. Algumas
sutil tentação de seu principal poder a ambição.
outras mutações reptilianas ou anuras são comuns, mas
Com o passar de alguns minutos ali dentro, cada in-
não universais, como caudas, membranas entre os de-
divíduo pode ser acometido por surtos cada vez mais
dos, olhos fendidos ou pálpebras translúcidas.
intensos de paranoia, desejos ou de total isolamento.
As Virtudes Negras típicas a animais ou humanos
Neste último caso, a pessoa simplesmente se encolhe
convertidos a este padrão são: Ambição 4, Maldade 2,
sobre tudo aquilo que toma como dela, repelindo vio-
Ferocidade 2, Fanatismo 3. Outra tendência que a víti- Mordida: Precisão 6, Dano 5L, VD Esquiva -1, Velocida-
ma desta transformação sofre é o voraz apetite à carne de 6
viva. Normalmente atacando animais agrários, mas Sugar Sangue (apenas com vítima incapacitada ou agarrada):
eventualmente pessoas também. Dano 2L, VD Esquiva - (o chupa-cabras pode usar o
corpo da vítima agarrada como escudo), Velocidade

Chupa-Cabras conforme o ataque de agarrar.


Absorção: 2L/2C
Uma criatura que atingiu o meio termo entre lenda Níveis de Saúde: -0/-1/-1/-2/-2/-4/Incapacitado
urbana e criatura mítica, esta espécie ganhou bastante VD Esquiva: 7 Força de Vontade: 2
atenção da mídia pelos idos dos anos 90 graças a miste- Lenda: 2 Pontos de Lenda: 4
riosos ataques a rebanhos de animais rurais em regiões
de Porto Rico, Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia,
Honduras, El Salvador, Flórida (EUA), Nicarágua, Chi- Mapinguari
le, México e Brasil. Mapinguaris são bestas ferozes, parecidas com bi-
Normalmente associado aos mitos de vampiros na- chos preguiças pré-históricos que podem chegar a até
tivo americanos ou com o sigbin filipino, os chupa- 2,5 m de altura. Dotados de garras afiadas e uma boca
cabras são crias de Titã bem ariscas e selvagens, mas vertical repleta de dentes afiados, eles normalmente
parecem não demonstrar a capacidade predatória ne- habitam as matas mais densas, se alimentando de
cessária para caçar animais que não sejam mais amea- quaisquer animais (ou homens) que possam caçar. Ao
çadores do que rebanhos de ovelhas, vacas, ou, como contrário de outros predadores, que normalmente se
seu nome sugere, cabras. mantêm escondidos até a hora do ataque, mapinguaris
De porte do tamanho de um pré-adolescente, um normalmente caçam sozinhos, anunciando sua presença
chupa-cabra adulto tem o corpo humanoide coberto de com gritos aterrorizantes e quebrando galhos e árvores
escamas verde escuras, grandes olhos que emanam um em sua investida sobre a presa.
brilho vermelho quando se sentem ameaçados e uma Eles tendem a fazer uso de sua imensa força bruta, e
boca com dentes serrados e uma língua bífida. Eles se não têm talento para táticas ou uso de instrumentos
movem pulando como cangurus, mas, embora costu- mais complexos além de suas garras e presas. Talvez
mem atacar em grupo, agarrando e sugando o sangue eles nem se deem conta, mas a maior arma de um ma-
de suas vítimas, parece lhes faltar táticas eficientes de pinguari é na verdade o seu cheiro, capaz de causar
ataque grupal. náuseas e desmaios sobre vítimas mais fracas.
Como raramente seus ataques vitimam humanos
primariamente, eles quase nunca chamam a atenção de Atributos: Força 7, Destreza 2, Vigor 6; Manipulação 0,
Bandos de Heréus mais preocupados com outras crias Carisma 0, Aparência 0; Inteligência 2, Percepção 3,
de Titãs mais ameaçadoras. Porém, se não forem con- Raciocínio 3
trolados, esses ataques podem afetar a economia de Virtudes Negras: Ambição 1, Maldade 4, Ferocidade 4,
toda uma sociedade pecuária, o que por sua vez pode Fanatismo 1
trazer problemas para toda uma sociedade. Habilidades: Atléticos 4, Atenção 4, Briga 4, Sobrevi-
vência 2, Presença 3, Fortitude 3,
Atributos: Força 2, Destreza 3, Vigor 2; Aparência 0, Poderes Sobrenaturais:
Manipulação 0, Carisma 0, Inteligência 1, Percepção 4, Odor Diabólico: Idêntico ao da Harpia, de Scion: Hero.
Raciocínio 2 Juntar-se à Batalha: 7
Virtudes Negras: Ambição 1, Maldade 2, Ferocidade 3, Ataques:
Fanatismo 1 Desarmado Leve: Precisão 7, Dano 8L, VD Esquiva -,
Habilidades: Atléticos 3, Atenção 4, Briga 3, Furtivida- Velocidade 4
de 2, Sobrevivência 3 Desarmado Pesado: Precisão 6, Dano 9L, VD Esquiva -,
Poderes Sobrenaturais: Velocidade 5
Odor Diabólico: Idêntico ao da Harpia, de Scion: Hero. Mordida: Precisão 6, Dano 9L, VD Esquiva -, Velocidade
Juntar-se à Batalha: 5 5
Ataques: Absorção: 2A/4L/6C
Desarmado Leve: Precisão 7, Dano 2C, VD Esquiva -, Níveis de Saúde: -0/-0/-1/-1/-2/-2/-2/-4/Incapacitado
Velocidade 5 VD Esquiva: 3 Força de Vontade: 3
Desarmado Pesado: Precisão 5, Dano 5C, VD Esquiva -, Lenda: 3 Pontos de Lenda: 9
Velocidade 6
Luisons mos métodos que ela usaria para qualquer um dos pro-
pósitos anteriores.
Luison foi o único dos sete filhos monstruosos de Seus integrantes dispõem tanto do desejo quanto
Kerana e Tau que escolheu servir a Moaruã integral- dos meios para satisfazer seus fins. Capazes de financi-
mente. Suas criassão lobos imensos, de pelo ralo preto, ar milhões com apenas alguns contatos e providenciar
deixando os poderosos músculos saltados à mostra e virtualmente qualquer fachada, documento ou prova
com olhos vermelhos que brilham no escuro. necessária para fazer o que quiserem, a Sociedade Levi-
Mecanicamente, eles são idênticos aos Fenrirs apre- atã, ainda que seja descoberta, se justifica como agindo
sentados em Scion: Hero, mas são capazes de se trans- em prol do bem maior e da segurança da Ordem Mun-
portar magicamente entre qualquer encruzilhada gas- dial como a conhecemos.
tando 1 ponto de Lenda. Apesar de poderem usar este Na verdade, o Círculo é uma mentira dentro de ou-
poder quando bem entenderem, raros são os luisons tra mentira. Muitos de seus integrantes pensam estar
que vivem em solo urbano. O mais comum é viverem integrando qualquer outro grupo de filantropia ou ex-
em matas próximas a cidades, caçando animais e seres celência, como a Maçonaria, algum Lion’s Club ou clu-
humanos sem chamar muita atenção. bes de cavalheiros semelhantes. De fato, muitos desses
grupos conseguem existir sem influência direta do Cír-

O Círculo Menor culo. E isso dificulta bastante a determinação de rela-


ções para com o Círculo. Afinal de contas, muitos mili-
onários ainda conseguiram chegar aonde chegaram de
“O que quer um homem com muito poder?
maneira honesta e justa sem integrar nenhum culto
Mais poder ainda.”
conspirador secreto adorador de Titãs. Mas o Círculo
- Oráculo, Matrix Reloaded
conta com agentes infiltrados em cada setor da socie-
dade e empresas que lhe sejam de interesse. Certamente
Durante praticamente toda a História da América,
que apenas a própria cúpula seleta faz ideia do segredo
sempre se criaram as mais diferentes suspeitas sobre
oculto por trás do Círculo Menor, mas grande parte dos
‚forças ocultas‛ atuantes em v{rios episódios importan-
seus agentes nem mesmo saberia da existência do termo
tes. Teorias de conspirações das mais variadas permei-
‚Círculo Menor‛.
am as conversas sobre eleições presidenciais, sucessos
O Supremo Grau-Mestre da sociedade secreta é al-
repentinos de astros da música e do cinema e compor-
guém que não é conhecido nem mesmo pelos outros
tamentos estranhos altos empresários ou magnatas dos
Grau-Mestres espalhados pelas grandes fortunas do
mais diferentes ramos. Certamente que relacionar todos
Mundo. Imagina-se que ele seja algum empresário, com
esses fatos a apenas um motivo ou ordem seria uma
poder e influência capazes de abalar o Mundo se ele
loucura, mas, conforme muitos suspeitam, há sim uma
assim quisesse, ou talvez um influente político, ou tal-
força oculta atuante em praticamente todo grande even-
vez até mesmo o próprio Tau. Em teoria, apenas ele
to histórico no Novo Mundo.
sabe que o grupo na verdade é uma fachada para reali-
O Círculo Menor consiste num grupo seleto de pou-
zar as ações pretendidas pelo Titã Moaruã no Mundo.
cos cavalheiros de posses e poderes consideráveis que
Se não o beneficiando diretamente, pelo menos distra-
age a favor da proteção dos seus integrantes e do contí-
indo ou eliminando Heréus ao longo do caminho. As-
nuo bem estar mundial. À visão dela, obviamente.
sim, atividade ilícitas, desastres ambientais, guerras
O Círculo talvez tenha sido a mais complexa criação
civis e outras catástrofes sociais, ecológicas e econômi-
de Moaruã, combinando sofisticação burocrática atual
cas (raramente alguma natural) é fruto das ações do
com o sempre crescente desejo humano pelo poder.
Círculo. Claro, tudo com um discurso previamente
Através de uma intrincada rede de sutis manipulações
preparado para evitar relações do fato com qualquer
de eventos menores, o Círculo consegue atingir resulta-
integrante da sociedade.
dos monumentais em nome do controle da Ordem
Seus integrantes, porém, não contribuiriam para
Mundial da maneira que ela quiser. Se alguém está no
com o grupo se não tivessem a chance de possuírem
comando de uma grande empresa, é porque eles que-
mais poder do que o que já têm. Por isso a sociedade
rem. Se este e não aquele presidente é eleito, é porque
secreta ostenta tanto poder para seduzi-los. Poder de
eles querem. Se um gênero musical substitui o outro
decidir o futuro de nações inteiras, ou meramente de
nas paradas de sucesso, é porque eles querem. E se
ditar os rumos que a arte e a cultura seguirão. Que tipo
algum integrante da própria Sociedade ameaça trair os
de música faz ou deixa de fazer sucesso. Como cada
demais e expor suas manipulações, ele é facilmente
pessoa pensará ou deixará de pensar. Essa é a promessa
removido de cena ou desacreditado. Usando os mes-
de poder que é oferecida aos candidatos a membros do rendidos a Moaruã em pessoa já não parecem tão sinis-
Círculo. Sempre parece uma tolice imensa recusar. tros assim. Mesmo os que usam ‚humanos insignifican-
Os encontros do Círculo são quase sempre reuniões tes. Indigentes de quem ninguém dar{ falta‛. Tudo
formais de senhores de terno discutindo negócios, ou parece ser um preço pequeno a pagar pelo poder que o
festas badaladas de celebridades com luxo abundante. Titã tem a oferecer. Os cânticos entoados em tupi são
Novamente, é preciso olhar o que ocorre por trás das meramente acompanhados pela maioria do Círculo.
cenas. À medida que se cresce no Círculo, o iniciado Poucos se dão ao trabalho de pesquisar o que suas le-
passa a fazer novas cerimônias, que parecem ritos de tras querem de fato dizer. Todos, louvores ao poder de
passagem e aceitação mediante os outros membros. Moaruã. Rituais mais bizarros envolvem até mesmo a
Uma mera formalidade. Esses rituais começam a tomar invocação de crias do próprio Titã, ou a realização de
formas mais sinistras a diante, porém, quando o inte- tarefas para provar o valor do membro. De qualquer
grante por si só já tem tanto poder (e já está tão cor- forma, todas essas ações contribuem para o crescimento
rompido pelo poder titântico da ambição) que raramen- vertiginoso do poder de Moaruã.
te se incomoda. Com o tempo, até mesmo sacrifícios
Capítulo 4: Terra de Vera Cruz
“Moro num país tropical, bicionam não só tomá-lo de volta, mas também torná-lo
abençoado por Deus o coração da Única Tribo.
e bonito por natureza.”
País Tropical, Jorge Benjor
História Mítica
Terras Natais Bem antes da chegada dos europeus ao continente,
os Nhanderú já estavam anexados aos Atzlánti, servin-
A priori, convém dizer que este capítulo não visa fa- do-os como uma espécie de panteão menor. Ao longo
lar exatamente do Brasil. Pelo menos não só do Brasil. dos séculos de colonização, porém, os Deuses agiram
Falar do território natal Nhanderú na verdade é falar de no meio da humanidade de maneiras diversas, porém
um apanhado de várias tribos sul americanas, bastante sutis. Em grande parte, o rumo da História se seguiu
variadas cultural, linguística e geograficamente. Mesmo sem grande influência ativa deles, embora a ação de um
as grandes nações indígenas dos tupis e dos guaranis ou outro Heréu pela América Colonial tenha sido com-
não possuíam divisas territoriais muito significativas provada pelos estudiosos cabíveis. É o caso de vários
quando comparadas às divisões políticas presentes. Isto daqueles que foram posteriormente considerados he-
porque os civilizadores do continente selvagem não róis por serem líderes ou participantes significativos
pareciam se importar muito com as divisas políticas dos movimentos de levante e libertação dos países ame-
anteriormente existentes. É verdade que muitas das ricanos.
divisas políticas da América do Sul se derivam de rios, Fato é, que quando os Nhanderú se separaram dos
montanhas e outros acidentes geográficos, mas outros Atzlánti, eles encontraram um mundo totalmente dife-
processos também afetaram essas divisões. Ao longo rente do qual deixaram. Eles acompanharam esta evo-
dos séculos, terras de tribos foram redivididas como lução, mas de longe e com visões nubladas da realida-
Capitanias, que foram anexadas em estados, que por de. O que deveria ser o centro do espírito de união da
sua vez, foram reunidas sob as várias bandeiras nacio- Única Tribo na verdade se tornou um país que reúne e
nais que hoje formam os países da América Latina. mescla todas as tribos do Mundo, sem na verdade ser
Como maior país da América Latina, o Brasil acaba uma espécie de ‚tribo nenhuma‛.
sendo berço de grande parte das nações indígenas tupi Outro fato inquestionável, é que por mais benéfica
e guarani, assim, o foco deste capítulo será, na medida ou lamentável que o contato com a Europa tenha sido,
do possível, o Brasil. Mas país algum consegue se esta- ela definitivamente mudou o continente americano
belecer ou ser compreendido sem entender seus vizi- para sempre. Povos indígenas inteiros foram dizimados
nhos também. ou quase extintos; o Cristianismo foi implantado como
O Brasil é conhecido por vários motivos no exterior. religião oficial de Norte a Sul da América; os idiomas
Como potência turística, seja pelas praias de todo o naturais do continente também quase entraram em
litoral (principalmente o Nordeste e o Rio de Janeiro), o desuso; entre outras mudanças. Mas ela também ajudou
Pantanal Matogrossense, ou até mesmo a Floresta A- a ‚encurtar‛ o Mundo. Com o contato com os negros
mazônica. Mas também é famoso por seu futebol, e por africanos, os Nhanderú em muito se simpatizaram com
um povo hospitaleiro e sempre convidativo. Claro, é a ideologia bastante similar dos Loa.
uma terra com problemas, como qualquer outra. Há um Ao longo dos séculos vários outros visitantes foram
abismo social incrível, como observado em algumas cada vez se fixando no território. Uns por admiração,
metrópoles, onde abastados e paupérrimos parecem outros obrigados. Mas ao longo de séculos, isto o tor-
dividir não mais do que o mesmo quilômetro quadra- nou um lugar extremamente diversificado e miscigena-
do. Também há a corrupção governamental, que acaba do.
afetando as vidas de seus milhões de cidadãos. E embo- Religiosamente, a imensa maioria do continente in-
ra tenda a também se manter em territórios mais me- teiro é professamente cristã. Apenas uma minoria quase
tropolitanos, a criminalidade também pode assustar inexistente diria abertamente ainda seguir o caminho
algumas pessoas mas sensíveis. dos Nhanderú. Mas eles não veem isso como algo ne-
Mas este é o território que os Nhanderú escolheram cessariamente ruim. Há muito no Cristianismo que
para si. E que, por mais que o tenham abandonado por ainda pode ser aproveitado para seu objetivo primordi-
muito tempo durante a união com os Atzlánti, eles am- al: a comunhão total entre todos os seres humanos, a
Única Tribo.
Lembranças Ancestrais liar de mortal também descobriu um modo bem eficaz
de ‚moldar‛ os Deuses. É o caso de Monteiro Lobato,
Mesmo em países onde a cultura indígena é muito José de Alencar, Heitor Villa-Lobos e vários outros inte-
mais intensa do que o Brasil, poucos seriam aqueles que lectuais, escritores, compositores de toda sorte de artis-
se lembrariam dos Nhanderú como Deuses propria- tas que criou no inconsciente dos seus espectadores
mente ditos. Que caminharam sobre a Terra gerando uma nova imagem para antigos mitos.
Lendas. Ainda assim, o espírito geral da ideia de Única
Tribo, criado pelos próprios Nhanderú, e dado como
orientação aos humanos por Tupã em pessoa, ainda é Terra de Todos
muito presente, quase que inconsciente nos corações Não é sabido ao certo se isso se deve a algum plano
dos brasileiros. Para muitos dos Nhanderú, este ensi- maior do Destino, a alguma lembrança subliminar uni-
namento ficou tão gravado nas almas mortais, que versal de Ybymará Eýma, mas fato é que o Brasil se
mesmo que não se lembrem dos Nhanderú propria- tornou um país onde todas as outras nações do Mundo
mente ditos, os humanos ainda se lembram das morais parecem se encontrar. Mas esta visão pode levar ao
gerais da lição. Crê-se que venha daí o curioso ‚xenofi- ponto de vista errôneo de que o Brasil seja apenas uma
lismo‛ que a sociedade brasileira sofre. Especialistas colcha de retalhos da cultura de outros países. Sim,
mais radicais dirão que isto se origina de uma mentali- grande parte da cultura tipicamente tida como brasilei-
dade colonial explorada e obrigada a acreditar que tudo ra é oriunda na verdade de outros lugares do Mundo.
que vinha da metrópole era naturalmente melhor que Mas a própria natureza combinatória dessas influências
qualquer outra coisa que pudesse ser criada na própria pode acabar atingindo resultados inesperadamente
colônia. Qualquer Nhanderú riria abertamente desta únicos e originais.
ideia.
Receber bem quem não é da sua tribo é uma manei-
ra de deixar esta pessoa propensa para ver o que a sua Relações Externas
tribo tem de bom a oferecer, e juntos compartilhar as O Brasil é um país pluricultural. Povoado inicial-
coisas boas de cada tribo. Se você recebe alguém bem mente por diversas nações indígenas, o país foi posteri-
em sua casa, é esperado que você seja bem recebido ormente colonizado por europeus (principalmente por-
também ao visitá-lo, por exemplo. Esta política de boa tugueses, holandeses e espanhóis) e sofreu grande in-
vizinhança deveria ser um alicerce de paz ao Mundo. fluência africana pelos escravos trazidos pelos mesmos
Para os Nhanderú mais antigos, este seria o principal europeus. Nos séculos seguintes, principalmente nos
caminho para os humanos conseguirem manter a Única séculos XIX e XX, o país ainda ganhou o acréscimo de
Tribo, por mais extensa e diversificada que ela fosse. Na imigrantes de vários outros países, principalmente da
verdade, diversidade e extensão não seriam problemas, Europa e Ásia. Não obstante, até mesmo hoje, vários
e sim benefícios para este fim. outros turistas também decidem se estabelecer no Bra-
sil, diversificando ainda mais a sua população e cultura.

Lembranças Posteriores Diferentemente de outros países de mesma plurali-


dade, o Brasil se destaca por ter também uma miscige-
Como uma terra de prolífera miscigenação, o Brasil nação bastante forte. Raros lugares (como o Bairro da
acabou tendo diversas outras influências posteriores. A Liberdade, em São Paulo, de população predominante
mescla da cultura Loa com o Catolicismo e com o saber nipo-brasileira) possuem uma etnia ou nacionalidade
que os nativos ainda mantinham dos Deuses sul ameri- predominante. O que há, portanto, são indivíduos des-
canos rendeu inúmeras novas lendas para o inconscien- cendentes de várias culturas ao mesmo tempo.
te coletivo que os Nhanderú sempre receberam de bra- Isto torna o país um ponto de encontro excelente pa-
ços abertos. É o caso do Negrinho do Pastoreio e da ra todo e qualquer panteão existente. O legado dos Loa
Mula Sem Cabeça, por exemplo, ambos inexistentes continua forte nas religiões afrobrasileiras, ao mesmo
antes da chegada dos europeus e dos escravos africa- tempo que um ou outro nipodescendente ainda pode
nos. cultuar os Amatsukami, o que de maneira alguma pare-
O Cristianismo de fato mudou bastante a face de al- ce perturbar o predominante Cristianismo. E isto é ape-
guns dos Nhanderú. Como a atribuição de um caráter nas uma redução grosseira de tamanha diversidade.
mais maligno a Anhangá. Sua contínua comparação ao No que tange as opiniões de cada panteão, porém, a
Diabo cristão acabou não o deixando maligno propria- história costuma ser um pouco diferente. De maneira
mente dito, mas muito mais furioso e selvagem do que geral, os Nhanderú não têm maiores aliados que os
era antes. Mais modernamente, uma espécie bem pecu- Atzlánti e os Loa. Os primeiros parecem não se esque-
cer do tempo de colaboração mútua, e ainda continuam
se ajudando, apenas com maior independência entre as
partes. Já os Loa compartilham da mesma priorização
A Saga Narrativa
com o bem estar da humanidade, mas o fazem com
maior liberdade e menos ‚fanatismo‛ que os Nhanderú
Brasileira
usam para conseguir concretizar sua Única Tribo. Se há Existem vários tipos diferentes de histórias a ser
algo em que os Nhanderú divergem dos Atzlánti, po- contadas. E se tratando dos variadíssimos gêneros míti-
rém, é em sua sede por sangue. Os Nhanderú reconhe- cos, isso não é diferente. Dentre esses gêneros, é possí-
cem o valor da bravura, coragem, e até mesmo o uso da vel notar as mais diferentes influências e vertentes que
violência numa guerra dessas proporções, mas o modo dão a cada uma dessas histórias ares comuns e próxi-
Atzlánti de guerrear por vezes soa bastante exagerado mos desta ou daquela ideologia ou cultura regional.
para os Nhanderú. Mas o que tornaria uma história ‚brasileira‛? Como
Outros panteões parecem ser mais distantes, mas os mencionado anteriormente, o Brasil é um país onde
mais próximos depois desses dois certamente seriam os praticamente toda e qualquer cultura existente no globo
Dodekátheon e os Aesir. Os Dodekátheon apreciam as não só está presente, mas também sujeita a interferên-
belezas naturais também admiradas e protegidas pelos cias e mesclas nos mais diferentes sentidos umas com as
Nhanderú; enquanto os Aesir questionam se o caminho outras. Isso acaba gerando a impressão de que qualquer
da ‚esperteza‛ Nhanderú é realmente algo útil no con- história que faça uso simultâneo de elementos culturais
flito de grande escala contra os Titãs. Por mais que os de várias outras culturas (principalmente as mais for-
Aesir reconheçam que nem todo problema ou desafio temente presentes na formação do esteriótipo brasileiro:
nesta guerra pode ser vencido com força bruta e bravu- portuguesa, africana e tupi-guarani) já soa bem abrasi-
ra em batalha, eles ainda julgam os Nhanderú como leirada.
uma força aliada, por isso bem-vinda, mas ainda inex- Ainda assim, algumas informações adicionais po-
periente e sem muitas provas reais de eficácia neste dem ser úteis para tentar dar o clima brasileiro a uma
conflito em que qualquer deslize pode ser fatal. crônica de Scion. Mesmo que ela nem sequer se ambien-
O impulso revolucionário típico e por vezes mais te ou faça uso de elementos culturais brasileiros propri-
instintivo do que irracional ainda é muito desdenhado amente ditos.
pelos Pesedjet e Amatsukami, que valorizam a tradição
e as leis como instrumentos vitais para a ordem. Um
meio eficaz para evitar o caos titânico. Os Amatsukami,
Uma Nova Jornada do Heroi
no entanto, são gratos pela hospedagem prestada pelo “Se for preciso, eu volto a ser caldilho
Brasil a muitos cidadãos japoneses após a Segunda por esta pampa que ficou pra trás.
Guerra Mundial. O que não os torna gratos, mas ao Porque eu não quero deixar pro meu filho
menos permite que seus deslizes ocasionais sejam per- a pampa pobre que herdei do meu pai.”
doados. Herdeiro do Pampa Pobre,
Outros panteões, como os Tuatha dé Dannan, os A- Engenheiros do Havaí
tlantis e a Burocracia Celestial ainda não tiveram muito
contato com os Nhanderú para terem uma opinião se- Nesse contexto, é importante explicar também que,
quer geral a respeito. dada a particular visão ética imperante nos Nhanderú,
Ao contrário de muitos outros panteões, o Cristia- sua visão do que passa a ser heroico também é seme-
nismo não parece ser uma preocupação incômoda para lhantemente peculiar.
os Nhanderú. Por mais que possa vir a se tornar um Os primeiros heróis nacionais puramente brasileiros
instrumento para o eficaz fortalecimento e crescimento começaram a surgir timidamente nos folhetins literá-
da Ordem da Glória Celestial, os Nhanderú prontamen- rios, muitos dos quais escritos por José de Alencar. É o
te defenderiam sua idelogia como difusora também de caso de sua trilogia indianista (Iracema, O Guarani e
muitos de seus ideais primordiais, como a igualdade e Ubirajara). Embora também tenha criado vários outros
solidariedade. Fato, à medida que ele também se torna personagens de origem não indígena, os escritos de
um meio de abuso, ele passa a ser combatido como Alencar soam hoje como os alicerces da cultura indíge-
qualquer outro discurso seria. Nestes casos, o Cristia- na (e, por conseguinte, Nhanderú) no imaginário popu-
nismo (ou qualquer outra forma de religião que o faça) lar. Em praticamente toda publicação indianista do
passa não a ser o inimigo, mas a contê-lo. século XIX, nota-se uma exaltação à beleza natural bu-
cólica e selvagem, e à inocência e bravura dos indiví-
duos nativo-americanos.
Isso só mudaria mais tarde, com Macunaíma, de teria muito mais páginas do que este pequeno livro.
Mário de Andrade (1938). Nele, temos uma visão mais Assim, é natural que muitos outros itens bem interes-
satírica do caráter ético nacional. O herói do título, Ma- santes da cultura brasileira e sul americana tenham sido
cunaíma, é descrito como o ‚herói sem nenhum cará- deixados de lado. Mas mesmo que todos eles estives-
ter‛. Seu tom cômico e por vezes {cido ilustra um cená- sem aqui representados, certamente ainda deixaríamos
rio onde a trapaça e a esperteza são essenciais para a escapar todo o regionalismo quase celular comum a
vitória do herói, ou sequer para sua sobrevivência. Se muitas regiões do país. Talvez você, Narrador, queira
isto já existia antes da obra de Andrade, ou se seu texto fazer uso de alguma lenda local, ou de algum costume
causou um Destino Selado de proporções nacionais conhecido ou praticado apenas em sua região; ou talvez
ainda é discutível, mas o fato é que esta é a mais clássi- um jogador queira que seu Heréu seja filho de algum
ca amostra de como a visão do herói brasileiro vai se outro Deus indígena não apresentado neste volume.
perpetuar durante muitos anos ainda. Nestes casos, não traremos mais tabelas de conver-
Mesmo longe dos salões das academias, a visão do são de dados, ou manuais frios de ‚Crie Sua Lenda
herói não muda muito. É o caso, por exemplo, do ar- Local‛. Fazê-lo de maneira justa novamente requereria
quetípico malandro carioca. O indivíduo que faz uso de um livro de tamanho considerável, inteiramente dedi-
esperteza, artimanhas e lábia para prosperar à custa dos cado a isto. Ao invés disso, o que faremos será apenas
outros. Não necessariamente pelo ou para o mal, mas dar diretrizes gerais de como proceder.
basicamente porque este é o único meio pelo qual lhe é Primeiramente, conversar a respeito sempre é o me-
possível sair vitorioso diante de tão gigantescas adver- lhor princípio. Qualquer Narrador estará mais propen-
sidades. Raciocínio bastante semelhante aos protagonis- so a aceitar um prelúdio de um Heréu que difira de
tas d’O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna. algo aqui mencionado se primeiramente consultado a
Chicó e seu companheiro João Grilo vencem seus opo- respeito. Isso também vale para Narradores que quei-
nentes na trama não pela força ou pela ocasional inter- ram apresentar algo regional novo aos seus jogadores.
venção de um poder maior. Eles fazem uso de figuras Ele não precisa estragar totalmente a surpresa, mas ao
de linguagem e sutis ardis para saírem de suas enrasca- menos perguntar o que o resto do grupo acharia de
das. uma história em determinados parâmetros pode evitar
Assim, não se espera de Heréus dos Nhanderú feitos que ele desagrade a todos, ou ‚reinvente a roda‛.
de grandiosa majestade ou proezas epopeicas em bata- Em segundo lugar, por as mãos na massa é essenci-
lhas atrozes, embora ainda sejam capazes de tais. A al. A Internet está cheia de coisas que podem ser úteis
figura de ‚herói‛ no inconsciente da maior parte das como material de pesquisa. Ler sobre o passado da sua
pessoas ligadas a eles ainda remete ao sujeito que fará cidade pode ser útil para tentar descobrir o que ela
uso não de força, mas de esperteza, e que ainda defen- pode ter de ‚m{gico‛. Pessoas famosas do passado e as
derá o mais fraco do abuso dos mais fortes, ou ainda típicas auras que pairam sobre elas (se foram heróis,
lutará em nome de algum valor universalmente admi- vilões, ou tiveram qualquer coisa de peculiar em suas
rável. trajetórias) também são imensamente importantes. Tal-
Todavia, o Mundo é um lugar maior do que parece, vez o seu personagem possa estar relacionado com
e sempre é provável que alguns Heréus consigam se alguém que teve uma morte trágica no passado, como
sagrar heróis seguindo outros caminhos. Este texto de um parente distante tentando investigar as assombra-
maneira alguma deve ser interpretado como uma res- ções na fazenda da família, e acaba se deparando com
trição que diga ‚Como Meu Heréu Nhanderú Deve um caso de investigação sobrenatural, tendo que trazer
Ser‛, apenas uma sugestão de como o inconsciente bra- paz a espíritos mortos-vivos.
sileiro encara o arquétipo do herói. Isso por si só já pode ser o suficiente para termos um
O conceito por si só é tão fugaz que até mesmo pro- cenário inteiro nas mãos. Mas você pode querer mais.
duções fictícias mais recentes, como Tropa de Elite con- Não raramente teremos visões discordantes sobre fatos
seguem fornecer outras alternativas com sucesso, com do passado. Casos em que os heróis de um lado são os
seus heróis atraindo admiração de seus espectadores vilões do outro são apenas o começo. Também é co-
mesmo destoando bastante dos conceitos anteriores de mum termos descrições diferentes da mesma lenda ou
heróis brasileiros. fatos que acontecem apenas em um dos relatos. A me-
lhor decisão a tomar nesses casos, não surpreendente-

Mais Elementos Brasileiros mente, é a que for melhor para o grupo. Aquela que
Narrador ou jogador acharem melhor naquele momen-
Um volume capaz de conter todos os elementos fol- to, para a determinada finalidade
clóricos do imaginário popular brasileiro certamente

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