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Segundo uma perspectiva mais céptica, que é também a mais divulgada, o direito comparado
só pode aspirar a funções ditas realistas. Como sucede com outras ciências, a investigação
pode dirigir-se a finalidades utilitárias (relativas aos direitos nacionais, à uniformização e
harmonização de direitos, à construção de regras de aplicação subsidiária) ou ter uma função
“pura”, de natureza cultural, em que está ausente qualquer objectivo pragmático.
*aplicação de regras de direito, com destaque para as de direito internacional privado e para
aquelas cuja aplicação dependa de reciprocidade ou que dêem prevalência ao direito mais
favorável;
*Integração de lacunas quando a liberdade do julgador possa apoiar-se em tendências
verificadas noutros direitos (Cfr. Art. 1 nº 2 do CC Suíço e art. 10 nº3 do CC Português).
*Instrumento de política legislativa (cfr. Por exemplo, estudos de Vaz Serra para o
anteprojecto “das obrigações em geral” do CC Português Vigente).
Algumas destas funções podem ser também desempenhadas pelo simples recurso a um ou
mais direitos estrangeiros. No domínio da política legislativa, esta utilização costuma ser
designada como “plágio feliz”. As funções próprias do direito comprado só começam quando a
criação, compreensão ou aplicação do direito é precedida de confronto conclusivo entre várias
ordens jurídicas.
Direito uniforme (em sentido próprio e restrito) significa a existência de normas jurídicas iguais
em ordens jurídicas diferentes por efeito de um acto de direito internacional.
A uniformização pode ser de âmbito regional (amplamente usada, por exemplo, nos Estados
nórdicos) ou de vocação universal. Entre as organizações que têm por objecto preparar
convenções de amplitude mundial contam-se as seguintes:
UNCITRAL ou CNUDCI (Comissão das Nações Unidas para o direito comercial internaciol),
criada por resolução da Assembleia Geral de 1966.
O direito comparado mostra-se também útil como elemento de interpretação das convenções
de direito uniforme, na medida em que ajuda a compreender a origem e o alcance das
concretas soluções adoptadas, assim como o modo como são aplicadas em diferentes
jurisdições.
Objectivos próximos da uniformização são prosseguidos pela simples harmonização de
direitos, através da qual se eliminam contrastes mantendo algumas diferenças. São
instrumentos de harmonização as directivas comunitárias e as leis – modelo da CNUDCI.
Embora as primeiras se revistam de carácter vinculativo, que não existe nas segundas, têm em
comum o espaço de liberdade de que os Estados usufruem quando procedem à sua
transposição.
É porventura a mais importante e certamente a mais nobre das funções do direito comparado.
O direito comparado é ciência auxiliar de todas as disciplinas jurídicas. No limite, poderá dizer-
se – com Zweigert – que, sem direito comparado, não há verdadeira ciência jurídica.
O direito comparado é também ciência auxiliar de outras ciências que têm o direito por
objecto (por exemplo, História do direito), em especial daquelas cujo objecto não se
circunscreve, por natureza, a um direito nacional (filosofia do direito, sociologia do direito,
antropologia jurídica).
Mas o direito comparado é ainda meio de formação dos juristas em geral. Uma imagem
sugestiva qualifica como “ptolomaica” a concepção do profissional que só conhece a sua
própria ordem jurídica e como “coperniciana” a perspectiva do jurista que alargou os seus
horizontes através de uma visão comparativa do direito.
Chamando a atenção para que as concepções e soluções do direito nacional não são as únicas
concebíveis e nem sempre são as melhores, a formação comparativa contraria as tendências
para a auto-suficiência e o chauvinismo, o isolacionismo e o provincianismo.