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Carlos Ferreira de Almeida

Introdução ao Direito Comparado

2ª Ed. Livraria Almedina coimbra 1998

Funções do direito comparado

 Funções utópicas e funções realistas


 Funções relativas aos direitos nacionais
 Funções relativas à uniformização e harmonização de direitos
 Funções relativas à construção de regras de aplicação subsidiária
 Funções de cultura jurídica

Funções utópicas e funções realistas

Alguns comparatistas acreditaram, ou acreditam, que o direito comparado dispõe de


virtualidades que ultrapassam a efémera verificação e explicação de semelhanças e diferenças
entre sistemas jurídicos, podendo contribuir para a descoberta de tendências universais ou
influenciar o devir das instituições. Constituiem exemplo de tais funções – apelidadas de
utópicas pela generalidade dos comparatistas – as seguintes:

 Verificação de tendências na evolução dos direitos (Kohler);


 Formação de uma ciência jurídica universal (Rabel);
 Descoberta de um fundo comum (direito comum da humanidade civilizada – Saleilles;
common core ou common ground – Schlesinger)
 Determinação de instituições ideais (Saleilles);
 Contribuição para uma melhor compreensão entre as nações (A. Tunc).

Segundo uma perspectiva mais céptica, que é também a mais divulgada, o direito comparado
só pode aspirar a funções ditas realistas. Como sucede com outras ciências, a investigação
pode dirigir-se a finalidades utilitárias (relativas aos direitos nacionais, à uniformização e
harmonização de direitos, à construção de regras de aplicação subsidiária) ou ter uma função
“pura”, de natureza cultural, em que está ausente qualquer objectivo pragmático.

Funções relativas aos direitos nacionais

Os resultados da comparação jurídica são frequentemente postos ao serviço do direito


nacional, com alguma das seguintes funções:

*melhor conhecimento do sistema jurídico e seus institutos, propiciado pela evidência de


originalidades ou de características afins a outros sistemas;

*interpretação de normas jurídicas, maxime quando tenham sindo inspiradas em estudos


comparativos;

*aplicação de regras de direito, com destaque para as de direito internacional privado e para
aquelas cuja aplicação dependa de reciprocidade ou que dêem prevalência ao direito mais
favorável;
*Integração de lacunas quando a liberdade do julgador possa apoiar-se em tendências
verificadas noutros direitos (Cfr. Art. 1 nº 2 do CC Suíço e art. 10 nº3 do CC Português).

*Instrumento de política legislativa (cfr. Por exemplo, estudos de Vaz Serra para o
anteprojecto “das obrigações em geral” do CC Português Vigente).

Algumas destas funções podem ser também desempenhadas pelo simples recurso a um ou
mais direitos estrangeiros. No domínio da política legislativa, esta utilização costuma ser
designada como “plágio feliz”. As funções próprias do direito comprado só começam quando a
criação, compreensão ou aplicação do direito é precedida de confronto conclusivo entre várias
ordens jurídicas.

O direito comparado é também meio eficaz para o corecto conhecimento e aplicação de


direitos estrangeiros. Sob esta perspectiva, os juristas que estudaram macrocomparação e
dominam os métodos comparativos ficam melhor preparados para:

*alegação e prova de direitos estrangeiros perante tribunais nacionais (principal razão


invocada para a sua inclusão nos curricula das universidades norte-americanas);

*negociação e interpretação de contratos internacionais ou redigidos numa língua estrangeira;

*participação em reuniões jurídicas internacionais e em litígios dirimidos perante tribunais


arbitrais internacionais;

*desenvolvimento de acções de cooperação jurídica, em especial as relativas à produção


legislativa.

Funções relativas à uniformização e harmonização de direitos

Direito uniforme (em sentido próprio e restrito) significa a existência de normas jurídicas iguais
em ordens jurídicas diferentes por efeito de um acto de direito internacional.

Em sentido amplo, o diretio uniforme abrange também a chamada uniformização interna em


Estadios dotados de ordenamentos jurídicos complexos (vg, Uniform Commercial Code, nos
Estados Unidos).

A uniformização pode ser de âmbito regional (amplamente usada, por exemplo, nos Estados
nórdicos) ou de vocação universal. Entre as organizações que têm por objecto preparar
convenções de amplitude mundial contam-se as seguintes:

*UNIDROIT (Instituto Internacional para a unificação do Direito Privado), fundado em 1926,


com sede em Roma;

UNCITRAL ou CNUDCI (Comissão das Nações Unidas para o direito comercial internaciol),
criada por resolução da Assembleia Geral de 1966.

O direito uniforme pressupõe estudos de direito comparado (microcomparação) relativos ao


instituto cuja unificação se pretende. A partir dos resultados obtidos, os Estados intervenientes
procuram soluções de comprpomisso que eliminem as diferenças verificadas.

O direito comparado mostra-se também útil como elemento de interpretação das convenções
de direito uniforme, na medida em que ajuda a compreender a origem e o alcance das
concretas soluções adoptadas, assim como o modo como são aplicadas em diferentes
jurisdições.
Objectivos próximos da uniformização são prosseguidos pela simples harmonização de
direitos, através da qual se eliminam contrastes mantendo algumas diferenças. São
instrumentos de harmonização as directivas comunitárias e as leis – modelo da CNUDCI.
Embora as primeiras se revistam de carácter vinculativo, que não existe nas segundas, têm em
comum o espaço de liberdade de que os Estados usufruem quando procedem à sua
transposição.

O papel do direito comparado na programação e preparação dos textos de harmonização é


semelhante ao que desempenha em relação às convenções de direito uniforme.

Funções relativas à construção de regras de aplicação subsidiária

Certos tratados internacionais prevêem a aplicação, a título subsidiário, de princípios gerais


comuns a diversas ordens jurídicas, que só podem ser detectados pela comparação entre essas
ordens jurídicas.

Funções de cultura jurídica

É porventura a mais importante e certamente a mais nobre das funções do direito comparado.

O direito comparado é ciência auxiliar de todas as disciplinas jurídicas. No limite, poderá dizer-
se – com Zweigert – que, sem direito comparado, não há verdadeira ciência jurídica.

O direito comparado é também ciência auxiliar de outras ciências que têm o direito por
objecto (por exemplo, História do direito), em especial daquelas cujo objecto não se
circunscreve, por natureza, a um direito nacional (filosofia do direito, sociologia do direito,
antropologia jurídica).

Mas o direito comparado é ainda meio de formação dos juristas em geral. Uma imagem
sugestiva qualifica como “ptolomaica” a concepção do profissional que só conhece a sua
própria ordem jurídica e como “coperniciana” a perspectiva do jurista que alargou os seus
horizontes através de uma visão comparativa do direito.

Chamando a atenção para que as concepções e soluções do direito nacional não são as únicas
concebíveis e nem sempre são as melhores, a formação comparativa contraria as tendências
para a auto-suficiência e o chauvinismo, o isolacionismo e o provincianismo.

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