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fOICf eoROO

As lnovatões
lecnoló~icas ea
luta Operária

[~uar~o n1~uqueruue .•.


A FOICE E O ROBÔ:
AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
E A LUTA OPERÁRIA
EDUARDO ALBUQUERQUE

A FOICE E O ROBÔ:
AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS
E A LUTA OPERÁRIA

Página 7 Artes Gráficas Ltda.


Capa: Eri Gomes

Foto: Lewis Hine

Foto da capa: Lilian Lucchesi

Diagrarnação: Adelaide Jóia

Edição: Alvaro Alencar

1990
Direitos desta edição reservados à
Página 7 Artes Gráficas Lida.
Rua Pedroso de Morais, 608/61
São Paulo - Capital

Aos meus pais ...


ÍNDICE

Prefácio xv
Introdução xix

CAPÍTULO I: AS FQRÇAS MOTRIZES


DO PROGRESSO TECNICO 1

PRIMEIRA PARTE:
A LEI DO VALOR E O PROGRESSO TÉCNICO 1
1- O modelo para uma economia mercantil simples 1
II- O modelo para uma economia mercantil capitalista 7
III- O capitalismo dos monopólios 15
IV- O capitalismo tardio e a era das multinacionais 20
V- Conclusão 28
Notas do Capítulo I / Primeira Parte 29

SEGUNDA PARTE:
A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E O
PROGRESSO TÉCNICO 31
I- As mudanças na organização e no
instrumental do trabalho 31
1) Cooperação 31
2) Divisão do trabalho e manufatura 32
3) A maquinaria e a indústria 33
4) A grande indústria e a
"organização científica do trabalho" 36
II- As particularidades da automação
com base na microeletrôrúca 36
1) A dupla origem da automação
vii
com base na microeletrônica
1.1- A contribuição do taylorismo/fordismo 37 e os ciclos . 79
1.2- As bases técnicas 37 2) As ondas longas da taxa de lucro e os ciclos 81
1. 3- As necessidades do capital e 39 3) As ondas longas e os sistemas tecnolóip.c~s 82
a aplicação da informática à produção v- As ondas longas do desenvolvimento cap1tahsta 84
2) Os produtos da automação 40 J) A polêmica na explicação das ondas longas 84
com base na microeletrônica 2) A explicação marxista das ondas longas 86
Notas do Capítulo I / Segunda Parte 43 3) Uma periodização:
45 as ondas longas na história do capitalismo 89
TERCEIRA PARTE: A ACUMULAÇÃO DE CAPITAL
E A QUEDA TENDENCIAL DA TAXA DE LUCRO 4) As ondas longas e a ação "progressivamente
1- A acumulação de capital e 46 minada" da lei do valor 92
a composição orgânica do capital VI- As ondas longas e as revoluções tecnológicas 93
1) A questão da composição do capital 46 1) As condições sucessivas para
2) O debate sobre a elevação da 47 a eclosão da revolução tecnológica 94
composição orgânica 2) As fases da revolução tecnológica . 95
II- A lei da queda tendencial da taxa de lucro 47 3) Revoluções tecnológicas, sistemas de máqumas
1) A queda da taxa de lucro 50 e organização do processo de trabalho 97
2) Por que tendência? 50 Notas do Capítulo I / Quarta Parte 99
3) As causas contrariantes 51
III- As críticas à lei da queda tendencial 52 CAPÍTULO II: A AÇÃO DAS FOJ{ÇAS
1) Okishio 55 MOTRIZES DO PROGRESSO TECNICO
2) Bresser Pereira 55 NOS PAÍSES DEPENDENTES 101
3) Coriat & Boyer 57 I- A especificidade da acumulação
60 nos países dependentes 101
IV- A lei e a dinâmica cíclica da economia capitalista 61
Notas do Capítulo I / Terceira Parte II- As ondas longas e os países dependentes . 104
65 1) As mudanças na estrutura do mercado mundial 105
QUARTA PARTE: OS CICLOS INDU§TRIAIS, AS 2) Os diferentes patamares tecnológicos
ONDAS LONGAS E AS REVOLUÇOES e a "apropriação" das inovações 112
TECNOLÓGICAS 3) A sofisticação e o dinamismo da
1- As crises periódicas 66 divisão internacional do trabalho 114
II- O ciclo industrial 66 III- O patamar tecnológico internacional e
1) Os esquemas da reprodução do capital 68 os países dependentes 115
e as crises IV- O atraso tecnológico permanente 123
2) Os esquemas da reprodução: 69 V- A dinâmica da dependência renovável 128
um momento transitório de equilíbrio VI- Algumas particularidades da difusão
3) Os ciclos e a variação da reprodução 73 do progresso técnico nos países dependentes 131
III- As fases do ciclo 75 VII- Um ciclo deformado 136
IV- Os ciclos industriais e as ondas longas 76 J) As mudanças na dinâmica cíclica
1) A tendência decrescente da taxa de lucro 78 dos países dependentes 136
viii 2) As alavancas estatais do ciclo 138
IX
3) O ciclo e a dependência 139 3) O complexo eletro-eletrônico 202
4) O atraso tecnológico e os "saltos" no ciclo 141 4) Papel e celulose, petroquímica 203
5) O amortecimento dos efeitos 5) Perspectivas 203
aceleradores e multiplicadores 142 VII- A presença limitada da automação com base na
6) A não gestação de tecnologias e microeletrônica e o atraso reconstatado 205
o que falta no ciclo 144 VIII- Algumas questões sobre as causas da ~fusão dos .
Notas do Capítulo II 146 equipamentos de automação microeletrôrnca no Brasil
208
Notas do Capítulo IV 214
CAPÍTULO III: OS CIC,LOS DO, CAPITALISMO
BRASILEIRO· UMA RAPIDA SINTESE 149 CAPÍTULO V: A CRISE BRASILEIRA NA
I- Os ciclos pós-1930 149 DÉCADA DE 1980, PERSPECTIV A DE UM NQVO
II- As principais mudanças dest.e CICLO DE CRESCIMENTO E A INTRODUÇAO
processo de desenvolvimento 152 DE INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS 217
III- Qual economia a "onda da microeletrônica" I-A dimensão da crise dos anos 1980 217
vai encontrar? 158 II- A queda dos investimentos no períod? rece~te e o
Notas do Capítulo III 161 crescimento dos gastos com automação mdustnal 223
III- A retomada do crescimento econômico: o debate
CAPÍTULO IV: A PRESENÇA DA AUTOMAÇÃO inter-burguês e as condições para a retomada
COM BASE NA MICROELETRÔNICA NA antes e depois de Collor 231
INDUSTRIA BRASILEIRA 163 1) A ausência de um projeto hegemônico e as
I- Introdução 163 várias visões de representantes das classes
II- A indústria de informática no Brasil 164 dominantes nos anos oitenta 231
III- A indústria microeletrônica 166 !.!-Reis Veloso: por um novo 1974 232
IV- A produção de equipamentos de 1.2- Bresser: a mudança do padrão
automação industrial 177 de investimento 233
1) Controladores lógico programáveis (CLPs) 179 1.3- Simonsen e FGV: privatização e
2) Máquinas-ferramenta com capital estrangeiro 235
controle numérico (MFCN) 181 1.4- A "nova política industrial"
3) Róbôs industriais 184 do governo Samey 237
4)CAD 187 2) O que é possível para o capitalismo brasileiro
5) Controle de processos 189 fazer no atual estágio da fase depressiva
V- Algumas observações sobre o atual estágio da da onda longa? 240
indústria nacional de informática e seu impacto sobre 3) A crise e a presença do movimento operário
difusão dos EAMEs no parque industrial brasileiro J90 na cena política 245
VI- A presença e a distribuição de equipamentos 4) O pós- Collor: o plano, a recessão e
de automação com base na microeletrônica pelo a chamada Integração Competitiva 248
parque produtivo brasileiro 198 4.1- O plano Collor e a correlação de forças 248
1) O complexo têxtil/vestuário/calçados 199 4.2- A preservação do grande capital e
2) O complexo metal/mecânico 200 a amplitude da recessão 250
X XI
4.3- O movimento operário e a recessão 252 III- A necessária articula9ão entre a 304
4.4- Neoliberalismo, hegemonia nas classes luta na empresa e na sociedade 304
dominantes e a discussão da retomada 1) Um novo código de trabalho . 306
do crescimento 254 2) Formação educacional e tecnológica 307
IV - Conclusão: algumas questões sobre um novo 3) A jornada de trabalho .
ciclo e nele a presença das novas tecnologias 258 IV- o contrO1e operán
·o e popular da. econoillla,
Notas do Capítulo V 260 a superação da crise atual ~ um proJeto 309
. od mização tecnológica
de m e . to dos trabalhadores e as
CAPÍTULO VI: OS PRINCIPAIS IMPACTOS DA v- A situação do _mo~:~tação da resposta operária
condições para a 1mp ~ 320
INTRODUÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS à automação e à robottzação 323
SOBRE OS TRABALHADORES 261 Notas do Capítulo VII
I- Introdução 261
ODO"BLADE
II- Os impactos específicos a um país dependente
III- Os principais impactos da introdução
das inovações tecnológicas
262

264
CAPÍTUI;? 'J1l: 2Etlttz°fiiE RIOBALD(_) ? 325
RUf~Ec!pit~ como barr~ir~ ao progresso tecnológico
326
1) Aumento de produtividade 264 II- As burocracias e a limitação do
2) Emprego e jornada de trabalho 265
330
progresso tecnológico .co como
3) Mudanças na estrutura ocupacional 273 _ 0 desenvolvimento tecnológi
4) Controle sobre a produção 277 111 333
pressuposto do socialismo
5) Novas políticas de "recursos humanos" 279
6) Condições de trabalho 280
7) Automação e chantagem empresarial
contra o movimento operário 281
8) Capacidade de luta do movimento operário 282
IV- Conclusão 285
Notas do Capítulo VI 288

CAPÍTULO VII: ELEMENTOS PARA A


ELABORAÇÃO DE UMA RESPOSTA OPERÁRIA
À AUTOMAÇÃO E À ROBOTIZAÇÃO 291
I- A disputa pelo controle da utilização
das novas tecnologias 291
1) A necessidade da abolição do
"segredo" empresarial 292
2) O poder de veto 294
3) Um programa básico 295
4) A importância multiplicada da auto-organização 298
II- O antes, o durante e o depois da
introdução das inovações 300
xii
PREFÁCIO

A mais pennanente e essencial das características do capitalismo


é a que contrapõe de um lado trabalhadores e do outro capitalistas
numa rede de inter-relações e confrontos em que às estratégias de
dominação e exploração do patronato correspondem estratégias de
resistência e luta operária.
Nascidos do mesmo movimento, como innãos inconciliáveis e
reciprocamente detenninados, capital e trabalho partilham destinos
simétricos - a riqueza de um é resultado da apropriação do trabalho do
outro. O trabalho assalariado, a classe operária-em-si é uma criação do
capital, da mesma fonna que a acumulação de capital, a riqueza
capitalista são materializações do trabalho não-pago, da exploração do
trabalho.
Quando o capital emerge da terra arrasada que é a sua acumu-
lação primitiva, ele encontra trabalhadores dispersos, funcionando
segundo regras corporativas. A intervenção do capital neste sentido
terá dois momentos. Num primeiro momento ele agrupa estes trabal-
hadores dispersos, organiza-os, enquanto corpo coletivo de tra-
balho, criando a classe operária-em-si por meio da cooperação.
O outro momento da intervenção patronal já é reação à resposta
operária. Confonnada enquanto classe-em-si, o proletariado inventou
a solidariedade de classe, descobriu a força do coletivo, contrapôs-se
enquanto classe ao capital. A reação do patronato é a divisão do
trabalho, a fragmentação daquele corpo coletivo que se mostrou
organicamente capaz de confrontar a dominação do capital.
Sobre isto muito já se escreveu e é ainda tema polêmico. Há
posições como a Stephen Marglin, que insistem no caráter fun-
damentalmente político da divisão de trabalho, ou seja, a divisão de
xiv trabalho seria sobretudo estratégia de dominação com implicações
XV
r

político-ideológico essenciais. Ora, se é evidente a dimensão política


da estratégia da fragmentação do trabalho, "trabalho em migalhas"
não se yerca de vista o ~ado essencial do processo capitalista de revolução. · di ai
Neste processo, os trabalhadores descobrem que a luta sm c
produzir, a busca da ampliação da mais-valia, o aumento da produ- não é o fim último do movimento, descobr~m também que terão que
tividade do trabalho que é o móvel fundamental tanto da divisão do buscar sistemática e permanente a reapropnação do saber que se lhes
trabalho q~anto da cooperação q~e a precede. O capital organizou o retirou: que terão que buscar se apropriar do melhor da cultur~ do seu
corpo colettvo de trabalho porque isto sobretudo significava aumentos tempo, posto que a cultura é patrim~nio comum da ~umamdade, _e
na escala d~ produção e da produtividade do trabalho. Quando este finalmente, que terão que buscar dommaros novos proJetos tecnológi-
corpo colettvo do trabalho se ergue como um gigante, confronta o cos em curso.
poder patroi:al, a estratégia capitalista será a sua desarticulação, o livro de Eduardo Albuquerque, A Foice e o Robô: as ino-
buscando rettrar-lhe os elementos que alimentavam a solidariedade e vações tecnológicas e a luta operária, é um útil e oportuno esforço
a luta operária. Isto se deu através da divisão de trabalho que é tanto no sentido de apontar algumas questões fundamentais do nosso tempo
estratégia de dominação política quanto de aumento da mais-valia. como o são as referentes às relações entre o capital e o trabalh~ no
Os 9ue insistem n~ disjuntiva, ou se divide o trabalho por razões campo específico da produção e_apropriaçã~ da~ novas tecnologias.
~conôm1cas, ou exclusivamente, por razões polfticas, na verdade são São muitos os méritos do livro. Em pnmeiro lugar destaque a
mcapazes de entender rigorosamente o significado da dialética do
~apitai ~ trabalho que é tanto luta econômica, quanto luta política,

importância e atualidade do tema, generalizaçã? da aplicação da
microeletrônica na estrutura produtiva contemporanea. Em segundo
ideológica e cultural, como nos ensinou Gramsci. lugar, o livro tem outro grande mérito ao apo~tar a ~tu~lidade desta
A dialética entre capital e trabalho, a luta de classes não é questão para o Brasil, para o movimento oper~no bras1Ie!ro, apesar do
realidade circunscrita à fábrica, é realidade que penetra t~os os enonne descompasso entre a realidade da m1croeletrômca em países
espaços da vida social sob o capitalismo. No plano econômico, ela se capitalistas centrais e a brasileira. . .
põe _como tensão _permanente entre as estratégias de dominação Neste sentido, o livro mostra a necessidade do movimento ope-
polfttca e econôm1ca da força de trabalho por parte do capital e rário brasileiro organizar para se defender da estratégia patronal e
estratégias de resistência do trabalho. apropriar-se destas novas tecnologias. .
A história do capitalismo poderia se rescrita como a história desta Bem escrito e fluente, o livro traduz uma problemática frequen-
tensão permanente, das disputas destas estratégias conflitantes. Num temente tratada com hermetismo com clareza e objetividade, reali-
polo a introdução da maquinaria, a grande indústria moderna a zando assim uma das tarefas que o autor pretende fundamental para o
Revolução Industrial. No outro a resistência operária, o movime~to enfrentamento dos atuais desafios colocados pelas novas tecnologias
dos "quebradores de máquina", o luddismo, a busca da garantia do - a produção de instrumento para o efetivo controle operário sobre as
emprego e do salário a~ravés de aç~o direta e destrutiva contra o capital forças produtivas. .
fixo _crescente. Dep~1s, a sofisticação das estratégias patronais:a O objetivo do livro é a análise do processo de produção e difusão
ampliação da expropnação do saber operário através do taylorismo· a da indústria microeletrônica na indústria brasileira tanto do ponto
estratégia de dominação global do fordismo. ' vista de seus impactos sobre a produtividade, quanto sobre o mercado
. A resposta operária mudará a qualidade da luta política. o prole- de trabalho, sobre a estrutura salarial, sobre a jornada e qualificação do
tan_ado descobre após a exp)osão /uddista que o que está em jogo é trabalho.
mais que o emprego e o saláno. Descobre a inconveniência do projeto o que se quer no livro é apontar, à luz das experiências acumu-
burguês com relação aos seus interesses históricos e imediatos. Este ladas nos países centrais, as principais consequ~ncias, par~ o tra-
é o momento fundamental em que de classe-em-si, o proletariado balhores, destas novas tecnologias baseadas na m1croeletrômca.
toma-se. .classe-para-si,
. forja um novo projeto social, o socialismo, Ao lado de um exame criterioso da tendência do processo de
constltm novos mstrumentos de luta, o partido, e sonha e organiza a implantação da microeletrônica na indústria brasileira, que é a parte
xvi central do livro, há também uma minuciosa exposição da massa
xvii
! teórica que infonna toda a análise em que se destacam a teoria marxista
do valor e a teoria da onda longa na perspectiva de Kondratiev. . INTRODUÇÃO
Ao !i11al: o texto abre-se para reflexões prospectivas nas quais se
busca v1sual1zar o papel da novas tecnologias na construção do
socialismo.
Livro oportuno e importante, A Foice e o Robô, deve ser saudado
por seus méritos e pela postura libertária de sua proposta."

João Antonio de Paula


Professor do Departamento de Economia e
do CEDEPLAR/FACE/UFMG
Para a definição da postura do movimento dos trabalhadores
Belo Horizonte, agosto de 1990. frente ao desafio da automação e da robotização, é necessária a
compreensão dos elementos que impõem a dinâmica do processo de
inovação tecnológica e uma visão do caráter contraditório de todos
esses avanços realizados.
No processo de construção de uma nova sociedade, libertária,
socialista, pluralista e anti-burocrática é indispensável a utilização de
todos os avanços que à humanidade conquistou. A elevação da
produtividade do trabalho é essencial para a viabilização de pré-
condições mínimas para a construção desta nova sociedade. Mais do
que tudo, o crescimento do tempo livre é essencial tanto para a prática
política real, direta, das amplas massas trabalhadoras como para o seu
pennanente processo de enriquecimento educacional e cultural. A
socialização das infonnações acumuladas, a criação de acessos reais
e democráticos a todo o património científico e tecnológico da
humanidade, tudo isso são pressupostos mínimos para a construção de
uma sociedade nova.
Até hoje o capitalismo utilizou-se dos avanços tecnológicos de
uma fonna tal que eles se tomam socialmente perversos aos traba-
lhadores. O controle empresarial, monopolista, dos avanços tecnológi-
cos é responsável por essa utilização. Tecnologia controlada pela sede
de lucros consome as energias do trabalhador, ataca o meio-ambiente,
degrada as condições de vida em centros urbanos.
As consequências perversas do controle capitalista da inovação
tecnológica não podem impedir a percepção da potencialidade de sua
utilização alternativa.
O essencial é o controle sobre o processo de inovação tecnológica.
Por isso, julgamos necessários a superação de verdadeiros "becos-
sem-saída" teóricos que fonnulações do tipo Robô: ruim com ele,
xviii
xix
pior sem ele (titulo de um livro de Paulo Roberto Feldman) podem No quinto capítulo, parte-se para uma discussão sobre a crise
e~tabel~cer. Essas formulações extremamente fatalistas, passam à 'brasileira e as perspectivas de uma retomada estável do crescimento
distân~ia do que deve ser o tema central da formulação do movimento económico. Isto porque é inteiramente essencial discutir o ritmo e a
o~rário: como estabelecer condições para que a utilização dos robôs amplitude da introdução das inovações a partir de sl!a vinculação com
seJa boa, favorável? o comportamento dos investimentos na economia. E a partir do que se
. Nosso trabalho quer contribuir para essa formulação. Indo inclu- dará com o investimento que compreenderemos as possibilidades do
sive um pouco mais longe. O movimento operário brasileiro deve processo de automação e robotização da indústria brasileira.
acrescentar uma acusação às classes dominantes nacionais: além de O sexto capítulo sumariza os principais impactos das novas
a~rasadas dopc_mto de vista social elas são retrógradas do ponto de tecnologias sobre os trabalhadores, sendo uma política dos traba-
vista tecnolog1~0. Não conseguem modernizar o país. A moderni- lhadores frente ao desafio da automação. Política que com bina ele'
zação tecnológica do país é uma tarefa a mais do revolucionário mentos defensivos contra os problemas do controle empresarial da in-
p~e~so de construção do socialismo no país. Não se constrói o trodução das inovações com ftcns de intervenção geral na sociedade,
socialismo sem automação, robótica e informática! com uma proposta de construção do socialismo.
?presente trabalho inicia-se pela abordagem do tema das forças E, no capítulo final, os pressuposto básicos que orientam essa
motnzes do progresso t~cnico ?ª sociedade capitalista. Neste capítulo política estão discutidos: o capital passou a seruma barreira (em escala
I, busca-se !azer um~ sistematização das teorizações marxistas sobre mundial) ao desenvolvimento pleno da tecnologia (e da ciência) e a
o tema, partindo da discussão da lei do valor e chegando ao debate das construção do socialismo é uma necessidade para que a humanidade
o~das longas do desenvolvimento capitalista. A partir deste referen- avance, utilizando de todos os recursos que ela própria já desenvolveu.
cial: ~mpreenderemos a relação entre a dinâmica de longo prazo do A revolução social e política em nosso tempo tem papel de livrar a
capitalismo, as revoluções tecnológicas e o estabelecimento do pa- humanidade da burguesia e da burocracia que entravam esse desen-
tamar tecnológico internacional. volvimento pleno.
No segundo capítulo, operaremos uma transição, indagando
sobre as relaçõe~ entre o patamar tecnológico internacional e a ação
das forças motnzes do progresso t~cnico nos países dependentes. Eduardo Albuquerque
Depreen~e-se daí um conJunto de parucuJaridades do desenvolvimento
tecnol~gico nos país_es que não estabelecem o patamar internacional.
. .Felta essa mediação, passa-se à discussão do tema no Brasil.
Iniciando I?Clo capítuJo III, onde são sintetizados os grandes dados do
desenvolvtme~to dos últimos cinquenta anos com o objetivo de situar
qual a economia a onda microeletrônica vai encontrar.
. Já no capítulo IV, trata-se da identificação da presença de
rnovaç~s nesta economia lesada pelos últimos cinquenta anos de de-
senv~lvtmento capitalista. E feita uma tentativa de estabelecer a
amplitude e_ a abrangência da automação microeletrônica no país.
Ne~ta tentativa, o enfoque pretendeu ser abrangete, apontando desde
a situação da indústria microeletrônica strictu sensu (a indústria
produt?ra do~ circuitos integrados), passando pela indústria de in-
formática nacional e chegando à produção de máquinas e equipamen-
tos baseados na microeletrônica. O brutal atrasado tecnológico é
constatado.
XX xxi
CAPÍTULO I:AS FORÇAS MOTRIZES DO PROGRESSO
TÉCNICO

PRIMEIRA PARTE: A LEI DO VALOR E O PROGRESSO


TÉCNICO

I- O modelo para uma economia mercantil simples

A produtividade do trabalho: é isto que a inovação tecnológica


impulsiona. Embora não seja correto considerar as mudanças na
produtividade do trabalho como reflexo exclusivo das inovações
tecnológicas, é indiscuúvel que o ponto de partida essencial para
compreender o processo de inovação tecnológica é exatamente a
discussão da produtividade do trabalho.
Estudar o significado social e económico da produtividade do
trabalho é indispensável para a própria compreensão da sociedade
humana em geral e da sociedade mercantil capitalista em particular.
Nas sociedades mercantis - caracterizadas pela existência de
empresas isoladas, privadas, que produzem ,para a troca, para o
mercado, onde a vinculação entre as unidades de produção for-
malmente autónomas se dá através da ação inconsciente e a posteriori
do mercado - o movimento do valor é um reflexo do desen-
volvimento da produtividade do trabalho (1). E, dirá Isaak Rubin,
"a lei do valor é a lei do equilíbrio da economia mercantil" (2).
Quais as relações entre a produtividade do trabalho e o valor?
Para uma compreensão mais precisa desta relação é necessário a
apreensão da teoria do valorem suas várias dimensões, fugindo da sua
versão "fisiológica" ou "economicista". Para tanto, três perguntas
sobre o valor devem ser respondidas: 1) qual a sua substância? 2) qual
a sua forma? 3) qual a sua magnitude?
As duas primeiras perguntas se referem ao aspecto qualitativo do
valor (forma e conteúdo - a substância). Segundo Marx a economia
clássica descobriu o conteúdo do valor, o trabalho, mas deixou de se
1
perguntar por que aquele conteúdo se revestia daquela forma. A comunidade socialista. Fruto de uma decisão consci~nte, prévia, dos
forma-valor, dirá Isaak Rubin, "é a forma mais geral da economia órgãos de planejamento socialista, o trabalho é social desde a pro-
mercantil: é característica da forma social adquirida pelo processo de dução, não depende da troca para se transformar de priv.ado em social
produção a um determinado ruvel de desenvolvimento histórico" (3). como na economia mercantil e, logo, não é trabalho abstrato.
Intimamente relacionada à forma mercadoria: na economia mercantil Quanto ao trabalho fisiológico, é evidente que ele é um pressuposto
"o trabalho social necessário para a produção de um determinado para O trabalho abstrato: todo trabalho requerum dispêndio de energia
produto não é expresso diretamente em unidade de trabalho mas mental e muscular. Mas é infruúfera a tentativa de se estabeleceruma
indiretamente, na 'forma valor', na forma de outros produtos q~e são igualdade entre o trabalho fisiológico e o trabalho abstrato.
trocados por esse determinado produto. O produto de trabalho trans- Primeiro porque se esquece d~ definição do tra?alho enqi:anto
forma-se numa mercadoria; possui valor de uso e a 'forma valor' uma categoria histórica e social, existente em determinado ambiente
social. Assim, o trabalho social é reificado, adquire a forma, isto é, a social. Segundo, porque não se explica como dispêndios extrema-
forma de uma propriedade aderida às coisas e que parece pertencer às mente desiguais de energia produzirã_o? mesmo valor: Por exempl<;>:
coisas em si" (4).
0 dia de trabalho de um operário especializado pode sengualado a dms
Qual a distinção entre a forma valore o valor de troca? O primeiro dias de um operário sem qualificação, ainda que no primeiro caso o
é a forma social do produto de trabalho como uma propriedade dispêndio de energia seja a metade. . .
abstrata, que é uma forma de intercambialidade: já o valor de troca é Para a nossa discussão, centrada na produtividade do trabalho,
a forma que já possui uma expressão concreta. essas distinções são inteiramente essenciais e fornecem elementos
O conteúdo, a substância do valor é o trabalho: nisto todos para se evitar uma compreensão estritamente "naturalista" ou "eco-
concordam. Mas, qual trabalho? Qual o trabalho que "cria" valor? nomicista" da questão.
Marx explicita o duplo caráter do trabalho (e considerará esta Definido o aspecto qualitativo do valor, sua forma e seu conteúdo,
caracterização como um dos pontos fortes d'O Capital): trabalho podemos passar ao aspecto quantitativo, à sua magnitude. A magni-
concreto e trabalho abstrato. Esse duplo caráter expressa a diferença tude do valor é uma determinação quantitativa do trabalho abstrato, do
entre o processo técnico-material e sua forma social. Na economia trabalho que cria valor. Essa determinação quanti~tiva é_influenciada
~ercantil, o trabalho privado de indivíduos (produtores) isolados se por: J) quantidade de tempo de trabalho; 2) su~ intensidade; ~) sua
vinculará pela troca a todo os outros produtores mercantis; será na qualificação; e 4) quantidade de produtos produzidos em uma urµdade
troca que o trabalho se tomará social, cada produto será igualado como de tempo.
um valor às outras mercadorias. Para que essa igualdade se dê, cada Modificações no valor dependem de modificações na quantidade
trabalho concreto deve transformar-se em geral ou abstrato, reduzir- de trabalho necessário para produzir determinada mercadoria. N:ão do
se ao que há de comum entre todos eles. trabalho individual mas da quantidade média de trabalho. "Tempo de
~ tra~alho_ que "cria" valor é o trabalho abstrato, que é um trabalho socialmente necessário é aquele requerido para produzir um
conceito histónco e social, na medida em que é indissociável o valor de uso qualquer, em condições normais de produção e com o
trabalho abstrato da troca, da forma como se vinculam os diferentes grau médio de destreza e intensidade de trabalho imperantes na
produtores em sua economia mercantil. "Na economia mercantil, a sociedade".
transformação do trabalho privado em social coincide com a transfor- Após essa definição Marx dará um interessante exemplo.que, de
mação de trabalho concreto em abstrato" (5). passagem, lança luz sobre a discussão anterior em relação ao trabalho
Definido o trabalho abstrato, duas confusões devem ser afastadas. fisiológico: quando da introdução do tear.ª vapor, na I~glate1;a, o
A redução do trabalho abstrato a socialmente igualado ou a fisiologi- volume de trabalho necessário para produzir uma tela fm reduzido à
camente igualado.
metade. No entanto, o tecedor manual inglês, que continuava a
Se todo trabalho abstrato é socialmente igualado, nem todo despender o mesmo tempo de trabalho para produzir a mesma tela,
trabalho socialmente igualado é abstrato. Exemplo: o trabalho em uma teve o produto de seu trabalho individual reduzido à metade de seu
2
3
valor anterior. Antes, uma hora de seu trabalho individual se igualava tividade maior), conseguindo produzir mercadoria_s cujo valor indi-
a uma hora de trabalho social: agora, essa mesma hora de trabalho vidual é inferior ao valor de mercado e obtendo assim lucros extraor-
individual passa a representar metade da hora de trabalho social. dinários. .
. A partir daí, Is~ak Rubin explicita uma relação extremamente Isaak Rubin, em uma passagem extremamente preciosa para a
IIIlportante P.ara o obJetode nossa pesquisa: "a magnitude do tempo de nossa pesquisa, sintetizará: "toda empresa capitalista tenta introduzir
trab~ socialmente necessário é determinada pelo nível de desen- as últimas melhorias técnicas para reduzir o valor de produção
volVIIIlento ~ forças produtivas,''compreendidas, num sentido amplo, individual em comparação com o valor médio de mercado e obter a
como a totalidad~ de elementos de produção materiais e humanos". (7) possibilidade de extrair superlucro. Empresas com tecnologia atrasada
Neste estágio da exposição sintética da teoria do valor, já pode- tentam reduzir o valor individual de seus produtos, se possível até o
mos dar uma resposta à primeira pergunta aqui formulada sobre a nível do valor de mercado; de outra maneira, elas estão ameaçadas pela
relaçã? ~ntre a produtividade do trabalho e o valor. Quanto menor a concorrência de empresas mais produtivas e se vêem frente ao colapso
produttv1da?e do tt:abalho, quanto maior o tempo de trabalho gasto econômico".
para produzi-la, ma1oro valor da mercadoria. "A grandeza do valor de E, Rubin conclui, adiantando uma relação também extremamente
uma mercadoria varia na razão direta da quantidade e na razão inversa importante para nossa pesquisa, que será discutida mais-~di~te, ~ntre
da produtividade, do trabalho que nela se aplica". (8) 0 progresso técnico e a concentração da produção: a v1tóna da
~gora, uma nova pergunta de interesse básico para a nossa produção em grande escala sobre a pequena, o a~ento do p~ogresso
pesqmsa deve ser feita: qual o "motor primeiro do progresso técnico técnico e a concentraçlK) da produção em empresas ma10res e tecnl~ente
na sociedade capitalista"? Por que se busca a elevação da produ- mais perfeitas, são a consequência de venda de mercadonas no
tividade do trabalho? mercado segundo seu valor médio de mercado, independentemente do
Para respondê-la um novo elemento da teoria do valor deve ser valor .individual". (9) ·
apresentado nesta discussão: a oposição entre o valor individual e o Mas como se dá a determinação do valor de mercado?
valor social (ou de mercado). Atra~és de um processo, que se dá no mercado, de conflito entre
As mercadorias não são produzidas em condições idênticas. Em vários produtores-vendedores, em concorrência, pois é na troca que o
sua análise, Marx divide, didaticamente, as empresas em três tipos: as trabalho individual se transforma em socialmente necessário. Segundo
de alta, as de média e as de baixa produtividade. O valor de mercado Marx, o valor de mercado se aproximará do valor individual das
é definido pelo tempo de trabalho socialmente necessário. O valor mercadorias produzidas pelo tipo de empresa que lança a massa
individ?al expressará o tempo de trabalho individual, praticado em dominante de produtos: se as empresas de alta produtividade lançam
determmada empresa de acordo com suas condições particulares de a parcela mais significativa das mercadorias de determinado ramo de
produção. Na economia mercantil, as mercadorias são negociadas produção, então o valor de mercado se aproximará do ~alorindividual
se!!1Jndo ~ v~~r so_cial médio e não de acordo com as suas pro- dessas mercadorias. Na expressão usada por Rubm, o valor de
pnedades mdiv1duais, com o seu valor individual. ·mercado ,se aproximará do valor individual das mercadorias pro-
Daí, o produtor individual buscará produzir suas mercadorias duzidas nas empresas com o nível de produtividade mais difundido.
co1? um valor individual inferior ao valor de mercado, social. Porque A partir dessa definição, toma-se fácil perceber que o valor de
assim estará se capacitando a obter um lucro extraordinário, um mercado não é um dado, ele é passível de alterações, que significarão
superlucro. E p_ara conseguir isso, esse produtor deverá produzir em a quebra de um determinadb equilíbrio e o estabelecimento de outro.
melhores condições técnicas, com menores dispêndios de trabalho Aumento da força produtiva do trabalho que se toma generalizado em
individual.
um ramo altera as condições de equilíbrio Ileste ramo de produção,
Está aí o motor primeiro do progresso técnico na sociedade modificando,então, o trabalho socialmente necessário e o valor de
capitalista: tomando as diferenças de produtividade do trabalho, as mercado.
empresas podem auferir vantagens de produção (dada sua produ- Aqui, duas observações são necessárias.
4
5
1
1

1
- produtividade do trabalho • trabalho a~strato -
A primeira é sobre o que leva um produtorindividual a lançar mão valor - distribuição do trabalho social
~e _melhoramentos técnicos na sua empresa: é para obter uma produ-
?e.
tivida?e trab:t!ho J?aior, para conseguir produzir mercadorias de No modelo técnico de uma economia mercantil simples, por-
valor mdiv1dual infenor ao de mercado, que ele se habilita a auferir tanto, a produtividade do trabalho afetará as condições da distribuição
superlucros. do trabalho social de uma maneira direta, dl_ferenteme~te do_ qu~ se
_A segunda quest~oé sobre a generalização de melhores condições passará no modelo t~rico de uma economia mercanti1-cap1tahsta,
~~cmcas_ ~ara o ~nJ~to de um ramo de produção, alterando a como veremos a seguu.
pr?du~v1dade mru.s difundida" e, portanto, estabelecendo um novo
equillbno, detenninante de um novo valor de mercado. Estabelecido II· O modelo para uma economia mercantil capitalista
este ~ovo equilíbrio, o iniciador do processo de inovação deixará de
aufenr s~perlucros, na medida em que o valor individual de suas A teoria do valor é uma análise teórica de Ullla sociedade onde se
mercado?as terá se tomado o valor de mercado (ou terá se aproximado pressupõe apenas a existência de um ti pode relações de produção~ntre
~ub~t'.'°cralmentedonovo valor de mercado). pois a sua produtividade pessoas: as relações de produção entre produtore~ de merc~dona~-
mdiv1dual será agora igual à mais difundida. Ao passarmos para a análise de uma economia mercanti1-cap1ta-
Evidentemente que essas observações, importantes para a com- lista, além da relação entre produtores merc'.'°~s, novos press~postos
preensão de elementos da di.:1âmi~a imposta pelas inovações tecnológi- devem ser acrescidos: a relação entre capitalistas e operános e ~
~as, não podei_n nos levar a imagmar um esquema linear, de continua relações entre distintos grupos de capitalistas. Para analisar essas tres
movação técmca a ru:vel individual e posterior(e automático) espraia- dimensões, teremos de passar a uma fonnulaç~o ~ais ~brange~te, a
mento pela economia. Na verdade, há um conjunto de fatores que UJil estágio diferente de abstração: é necessário discutir a teona do
atuarão, pos~ibilitando ou não a quebra de um detenninado equilíbrio
e o ~sta~lec1mento de um novo (o volume da produção, ·a necessidade preço de produção.
E evidentemente, dado o objeto especffico desta pesquisa, deve-
SOC!al, mterações entre o estado da tecnologia que detennina o valor mos ~rguntar pelas relações entre a produtividade do trabalh? e o
e a demanda que pode viabilizar, ou alterações nela etc). preço de produção, entre a produção segun~o me1;1to~es condições
Um bom exemplo desta não-linearidade do progresso técnico está técnicas e a dinâmica mais global _da economia capitalista. .
~xaia_mente na relação entre este e as crises. Isaak Rubin ressalta que Tratamos agora de uma sociedade mercantil onde há um s1_ste~a
... a mtrodução de novos métodos técnicos de produção que reduzem de capitais distribuídos, capitais que se encontram em equilfbno
o_va_Ior_dos produtos ocorre com frequência em condições de crise e
dimmmção de vendas" (10).
dinâmico. Para que a produção de mercadorias tome-~e ~rod~ ão em7
grande escala é necessário que ela assuma a fonna c~p1talista: ... certa
Como veremos adiante, na discussão da dinâmica cíclica da acumulação de capital em mãos de produtores pamculares de merc~-
economia capitalista, o desenvolvimento da produtividade do tra- dorias constitui condição preliminar do modo de produção especi-
balho OCO!'fe ~~s saltos. Aqui, compreendemos a lógica que leva a um
produtor mdiv1dual ~ lançar a mão de inovações tecnológicas para ficamente capitalista" (11).
Na economia mercantil simples, o organizador da produção é o
melh~rar as sua condições na concorrência capitalista. Mais adiante, produtor direto, que é simultaneamente o proprietário d~s meios de
pesquisaremos o que possibilita a generalização de um certo, de um produção (por ora, um instrumental de t~b_alho bastante simples e de
novo p_atamar tecnológico para o conjunto de um ramo (ou parque)
produtivo. Momentos distintos, porém interrelacionados, de um pequeno valor).As alterações ?ª p~odut1v1~ade d? trabalho (e, IX?r·
tanto, no valor das mercadonas) mfluencrará diretamente na dis-
mesmo processo. tribuição de trabalho: o produtor mudará de esfera de produção.levando
Para concluir, resta a apresentação (no esquema de Rubin) das consigo o instrumento de trabalho. A distribuição de trabalho tem um
relações básicas entre os conceitos que desenvolvemos nesta parte:
7
6
caráter básico; a distribuição do instrumento de trabalho tem por sua veJainento da taxa de lucro.
vez, um caráter secundário, derivado. ' A taxa média de lucro é calculada dividindo-se a mais-valia
~a :eonomia me~cantil capitalista, o organizador da produção é global pelo capital global. Assim, há uma extrema unificação da classe
o capitalista e não _mais o produtor direto. O instrumental de trabalho capitalista para a definição dessa taxa, uma expressão da unidade na
terá_ se desenvolv1do, as forças produtivas terão mais valor serão meta de conseguir coletivrunente a maior taxa de exploração possível
C?P1~- _Neste mod_elo, a distribuição de trabalho será regulada pela (e viável) contra a classe operária. Marx exemplifica esse fato com
distr1bwção d~ capital._Será a transferência de capital (e, portanto das afirmação de que a um capitalista que aplica apenas capital constante
forças _Produtivas, .do mstrumental de trabalho) que levará à trans- (será o dono de uma fábrica inteiramente robotizada, algo pouco
ferência_ de trabaJ!1o.. Rubin. lista três diferenças básicas entre a pensável nos tempos de Marx?) o interesse pela taxa global de mais
eco~omia mercantil sunples e a mercantil capitalista: J- diferenças valia será o mesmo de um capitalista que só empregue capital variável.
técrucas (peque~ produção e grande produção); 2- diferanças sociais Essa observação sobre a equalização da taxa de lucro e o es-
(9ue classe organiza a produção) e 3- diferentes motivações (o artesão tabelecimento da taxa média é extremrunente importante para a
VIS~va a sua sobrevivência, o capitalista quer o valorização de seu compreensão das mudanças que o capitalismo virá a sofrerem função
capital). (12) de seu desenvolvimento, como veremos na próxima parte.
Na economia mercantil capitalista o preço de produção cumprirá A equalização da taxa de lucro se dá num processo simultâneo à
a função de um centro de equilíbrio. O preço de produção desempe- formação dos preços de produção, tendo runbos como pressuposto a
nhará na economia capitalista a mesma função que o valor de mercado concorrência entre capitais. "Mediante essa continua emigração e
desempenha no modelo da economia mercantil simples. imigração, numa palavra, mediante sua distribuição entre as diferentes
O que é o preço de produção? esferas, conforme suba ou desça a taxa de lucro, ele (o capital)
_o preço de p~uç~o é igual aos custos de produção mais a taxa ocasiona tal relação entre oferta e procura, que o lucro médio nas
média de lucro ?1ultiplicada pelo capital investido. diversas esferas da produção se toma o mesmo e, por isso, os valores
A taxa média de lucro tem aqui um papel essencial. Os capitalistas se transformrun em preços de produção" (14).
não recu~rarão, ao lado d~s valores_-capital consumidos na produção No capítulo de seu livro que trata da "Transformação da mais-
de determrnadas mercadonas, a mais-valia produzida na sua própria valia em lucro", Rosdolsky apresentará o desenvolvimento do ra-
esfeT? de ~rodução. A alfquota de um capitalista na mais-valia global ciocínio de Marx que desde os Grundrisse (antes mesmo da redação
ser~ idêntica à alfquota que o seu capital representa em relação ao de sua teoria do valor) já levantava essa ausência do retomo da mais-
capital global investido. valia "produzida" por detenninado capitalista para ele próprio. Rosdolsky
. O que det~rmina_ a existência de uma taxa média de lucro e não apresentará uma citação de Marx, onde ele mostra a maneira como a
v~as tax~ difere~ciadas? A concorrência entre capitais e merca- classe capitalista distribuirá a mais valia global, afirmando que os
donas. A li_vre movunentação dos capitais pela economia. Marx dirá capitalistas participarão nela " ... de maneira uniforme, segundo a
que ~.equal1zação d~ taxa de lucro se realizará tanto mais rapidrunente: proporção da magnitude de seu capital em vez de fazê-lo segundo as
1) quanto mais móvel for o capital, isto é, quanto mais facil- mais-valias criadas realmente pelos capitais nos diversos ramos de
mente puder ~er tra_nsferido de uma esfera e de um lugar para outro, e negócios. O lucro maior - procedente do sobretrabalho real dentro do
2) quanto mais rapidamente a força do trabalho puder ser lançada de ramo de produção, isto é, originado na mais valia realmente produzida
uma esfera P:U:ª a outra e de um local de produção para outro" (13). - é rebaixado ao nível médio pela concorrência, enquanto o déficit de
_:"ª~ condições da economia mercantil-capitalista, dada a con- mais-valia em outro rruno de negócio é elevado a este nível médio
C?rrencia entre capitais, não existirão condições para a existência de graças à retirada de capitais do mesmo ... Isto se produz mediante a
diferentes taxas ?e lucro. Ocorrendo essa diferença, iniciar-se-á um relação entre os preços nos diversos rrunos de negócios, os quais em
processo de ~oyimentação do capital, que se transferirá das esferas de um caso caem para abaixo de seu valor e em outro se elevam acima
menor lucratividade para as de maior lucro. o que retoma O ni- do mesmo" (15).
8 9
Comoestáditoaí éamovimentaçãO d .
1
!

que detenninará que ~ distribuição da e_cap:, a s~a di_stribuição, retrições necessárias, paraopi;eço de produção) encerra um superlucro
maneiraenãooutra. Eestadistribuição:ts-y a ~eJa fe11a de uma para os que produzem nas mel,hores condições de cada esfera particu-
da fonnação de um lucro médio. mais-valia é consequência lar da produção. Excetuados~'s casos de crises e superprodução em
Para tanto, é necessário que h · d . geral, isso vale para todos os p ços de mercado, por mais que possam
mercadoriasprodu ·d . ªJª esviosemrelaçãoaovalordas se desviar dos valores de m reado ou dos preços de produção de
tar) esses desvios zV1eJ~ams.o Pi::ço de produção deverá conter (possibili- mercado. Pois o preço de me cado implica que se pague o mesmo
. os isso no quadro abaixo. preço por mercadorias da me~a espécie, embora essas sejam pro-
duzidas em condições individu · s muito diferentes e, por isso, possam
QUADRO! ter preços de custo muito dife entes" (17).
Capitais Embora haja a desigualdje individual entre a mais-valia real-
Valor Mais- Taxa Preços de Desvios dos mente produzida e o lucro apro riado porum detenninado capitalista,
trabalho valia
dos
média de produção preços de haverá uma igualdade entre a ais-valia global produzida e o lucro
lucro dos pro- produção total apropriado pelo conjunto os capitalistas. Assim como, embora
produtos
du.10s com relação haja desvios a nível de produtor;s entre o valor das mercadorias e o
aos valores preço de produção, a soma de t:G'.os valores produzidos se igualará à
I. 80c + 20v 120 20 22%
soma de todos os preços de prddução.
122 +2
II. 70c + 30v 130 30 22% 122
Há a "transferência de m~is-valia" neste processo? Rubin é
III. 60c + 40v - 8
140 40 22% 122
bastante enfático: há a transfetpncia do capital, que possibilitará a
IV. 85c + 15v - 18
115 15 22% 122 +7
equalização da taxa de lucro. A 11/ais-valia não se transfere, não é a sua
V. 95c +5v 105 6 transferência que faz esse nivel~mento da taxa de lucro. Rubin ainda
22% 122 + 17
390c + 110v
ressalva que a noção de "translx\rdamento" do sobretrabalho de uma
610 ll0 ll0% esfera a outra é incorreta, pois estaria baseada na concepção de "valor
610 o
78c + 22v como um objeto material que possui a característica de um líquido".
22 (pg 257).
Estaria essa concepção em desacordo com a citação anterior de
poss~e!t~~i1:~~~ã~ :;c:er 1ue o capitalista V, cujo capital Marx (que fala de uma "distribuição" da mais valia entre capitalistas)?
condições técnicas) obterá um preçi~e ;r~t~to está_ em melhores Na verdade, a solução para aquestão de como se disiribuirá amais
seus produtos, enquanto O capitalista III ( uç o supenor ao valor de valia na medida em que ela é apropriada pelo capitalista de uma dada
empresa, pode ser tentada de uma maneira análoga à do produtor
~:~~ã~~~~i:)0v;;!;0~::~::~~~· co~ ~~:1~:~eªs:~~~~i:; mercantil da economia simples, que produzia em melhores condições
Neste ponto uma · · b técnicas. Lá não havia transferência do valor de uma unidade a outra;
preço de produção e O ~~;~~r~; n:s~;~~bs:repodarelação entre o havia, sim, a criação de possibilidade de que aquele produtor auferisse
quadro acima fica evidente ue a ª 0 e ser fe!la: no um superlucro, ao vender a sua mercadoria ao valor de mercado
melhores condições técnicas ti
s empresas que produzem em
que na economia mercantil rodm yantagens (assim como o produtor
embora a produzisse cm um valor individual bem menor. Esse fato era
compensado por um outro produtor que lançava mercadorias a um
vimos). Na conclusão de se~ ca:f1~~i:~r:l~~res cindições, como já valor individual até mesmo superior ao de mercado.
em lucro médio (cap X vol III) M . rans onnação do lucro Agora, nas condições de uma economia capitalista, com outras
esse ponto de vista·.. ~o d~ ' ai:" msere uma nota onde confinna mediações e maior complexidade, o que há é um processo similar, que
1
de mercado (e tudo·~ que ;it~;imebntov erificou-secomoovalor se dá com o preço de produção. Capitais com composição orgânica
1O so re e1e vale também, com as superior produzem mercadorias com um valor individual menor,
11
r 7

inferior ao preço de produção. Eles, portanto, se habilitam a receber trabalho com a viabilização dos lucros extraordinários. A candidatura
um. supe'.lucro ou um lucro extraordinário. Não há "transferência" de à capacidade de produzir em condições de a~feri~ superlucros (ou
mais-valia, confirmando a. posição de Rubin. Como quem produz lucros extraordinários) é um motor para a dinâmica de progresso
mercad?nas com um valor mdiv1duai superior ao preço de produção técnico existente na sociedade mercantil capitalista.
se candidata a uma perda, essa compensará (em termos soeiais) E, nas condições da soeiedade mercantil capitalista, a int~ução
ganho do produtor e~ melhores condições técnicas, garantindo assim0 de uma inovação tecnológica que dê a um P'.°'1Utor determma.do
~ue a soma do COnJunto das mais-valia gerada pela sociedade seja superlucros, trará outras consequências para o funcionamento econômico
igualada.
geral: a pergunta que se faz é sobre como será ~staurado um novo
. O problema que leva a esta "visão" sobre a transferência de mais- equilíbrio após a desiquilibração causada pela mtrodução de uma
valia é a fo.rma c?mo o problema aparece: j â que não há uma identidade determinada inovação tecnológica. . . . •
entre a mais-valia extorquida por um determinado capitalista e O lucro Há uma formulação feita por EmestMandcl no livro Cap1tahsmo
~ue ele i:::almen.~e auf~.re, já q.ue há uma compensação entre as Tardio que vai nessa linha. Racioeinando com superlucro que a
. sombras . e as. faltas de mais-valia entre diferentes capitais, a introdução de uma inovação tecnológica possi~il_ita, e consta~ando
1mpress~ unediata é a que haja essa transferência. De fato, o que há que mesmo em uma situação de completa mobiltdade de capital o
é um conJunto de fenómenos que se dão no proeesso de formação de nivelainento da taxa de lucro não é imediato, Mandei distinguirá três
preço, no proce~so da transf?rmação do valor em preço de produção, momentos nesse proeesso de "desequilibração" e "reequilibração".
proeesso que é simultâneo à mtensa mobilidade de capital este sim se No primeiro, logo após a introdução da inovação, o inovador obte'.á
tran~ferindo de uma esfera a outra e determinando a taxa de Ju~ro um superlucro: "a mercadoria mais barata, fabric~da com tecnoloipa
média.
mais moderna é inicialmente produzida e vendida ao preço SOCJai
':' formação da taxa de lucro média, como vimos, é de interesse médio de produção e dessa maneira assegura ao possuidor um
colettvo d~ classe capitalista. Mas, ao lado da formação dessa taxa de superlucro". O segundo momento se inicia com a percepção de outros
lucro méd!o, há a preoeupação do capitalita individuai em melhorar as capitalistas desta situação, o que leva a um aumento da produção deste
suas condições para a concorrência intercapitalista. ramo aumentando a sua oferta e causando uma diminuição no preço
. E esta observação tem para nós um grande interesse. Durante a pago' pelo mercado. Já há aí uma queda de lucro extr.aordinário
disc~ssão sobre a equalização da taxa de lucro (Cap. X, Vol III d'O inicialmente auferido. No terceiro momento haverá a migração de
Capital!, Marx afirmará:" ... o interesse especial que um capitalista, capitais para o setor, determinando a generalização do novo patamar
ou o capital de d~terminada esfera da produção, tem na exploração dos tecnológico estabelecido pela inovação recém-introduzida. Quando
trab<:1hadores diretamente empregados por ele está limitado a obter essa inovação passa a ser de uso comum pelo setor produtivo, quando
me<;fiante sobre.trabalh? excepcional ou mediante redução do salári~ uma nova composição orgânica média for estabelecida nesta esfera da
abaixo da média, ou ainda mediante produtividade excepcional do produção (em função desta generalização), haverá uma alteração do
trabalh~ em~regado, um lucro superior ao lucro médio". preço de produção. Aí o preço de produção será inferior ao e.xistente
Mais adiante, Marx insiste que" ... a produtividade específica do antes do espraiainento da inovação pelo ramo. Estabelecido este
trabalho numa ~fera específica ou numa empresa individual, específica "novo equilíbrio" entre os vários ·capitais em concorrência, está
dessa esfera,. só interessa aos capitalistas que participam diretamente definido o novo preço de produção, um preço mais próximo do valor
dei~ na medida em que ela capacita a esfera individual cm face do individual das mercadorias produzidas pelo produtor-inovador que
capital g!obal ou o capitalista em face de sua esfera, a realizar um lucro inicialmente revolucionou o valor no ramo.Terá sido obtido, através
extraordinário" (19).
de uma concorrência intensificada, um novo nivelainento da taxa de
São coloeações cristalinas para a compreensão da simultaneidade lucro. Evidentemente, durante todo esse " ... período intermediário, a
da form.açã? do lucro médio e a busca da realização de lucros inovação técnica permite efetivamente a realização de superlucros"
extraordinános e sobre a relação da elevação da proàutividade do (18).
12
13
Aqui, devemos recolocar uma pergunta, já feita anteriormente, . tre a produtividade do trabalho e a distribuição do trabalho.
quando tratávamos de situação semelhante no modelo de uma eco- direta e~ssa relação causal existe, mas ela é indiret~, pressuIJ?e ~
nomia mercantil simples: o que leva à consolidação de um processo Nesta, . diári O esquema de Rubm é o seguinte.
existência de elos mterme os.
de espraiamento de uma determinada inovação tecnológica, a ponto de
viabilizar o estabelecimento de um novo patamar tecnológico? produtividade do trabalho - trabalho abstrato -
Colocada essa pergunta, é interessante voltar ao Quadro I.1 e valor _ preço de produção -
obsevar uma questão a ela relacionada: a empresa que produz nas distribuição de capital •
piores condições técnicas (em outras palavras, a que emprega mais o
capital variável em relação ao constante) só conseguirá continuar no distribuição de trabalho social
mercado quando a demanda pelas mercadorias do ramo de produção
Outra conclusão importante a ser anotada a ~artir ~as ?iscuss~s
for tal que, superando a oferta, eleve o preço de mercado para acima
do preço de produção. Quando isso não ocorrer, as dificuldades para
que essa empresa continue no mercado serão grandes. Inversamente,
feitas diz respeito a uma dinâmica qu~ a econom1~ cap1:1i;ª
centralização e a concentração de ~apltal. Co~o v1mo~ ) tfrão uma
~:ict!
em uma situação de crise (quando a oferta superar a demanda), o preço melhor condição técnica (os de ma1~rc~r::sii.!~i;~ da :xa de lucro
de mercado será levado a um montante inferior ao preço de produção posição mais vantaJosa na economia. m grau
e, neste caso, a empresa que produz em melhores condições será a que ssibilitaessadinâinica de favorecimento das empresas co~~ ara a
terá melhores possibilidades de sobrevivência. Essa observação é útil : produtividade mais elevado. Daí, estarão ~elhorprepara ida~e de
para a nossa discussão sobre a dinâmica cíclica da economia capita- concorrência capitalista as empresas que u~~reã~e~:~~izaçãodo

:~~:z:~~:~~~~~;~~~ç~on;~~: t~i~~~~~i::Íc~e;~;~~~;~~ad~~:
lista, quando acrescentaremos mais dados para responder à pergunta
colocada.
Sobre a relação entre a produtividade de trabalho e o preço de possibilita o estabelecimento ª ax tá · do desenvolvimento
produção, este é afetado de d\laS maneiras: através da taxa média de roccsso terminará por estabelecer um novo es gio . nto da taxa
lucro ou através dos custos de produção. ~apitalista, onde tanto a concorrência con:io o estati;clec1~ee veremos a
A taxa média de lucro será alterada por mudanças na taxa de mais- média de lucro conhecerão uma nova sltuação. E o q
valia; alterações na produtividade do trabalho do setor produtor dos seguir.
meios de subsistência terão repercussões aí, diminuindo ou aumen-
tando o trabalho pago. III _ o Capitalismo dos monopólios
A taxa média de lucro também será afetada por alterações na
A tendência à centralização e coi:cc~tração de caf~i/J~~~:~~
produtividadedotrabalhoporqueelaimplicaem mudanças na relação
entre o capital constante e o capital variável. pela dinâmica inerente à livre cmcorrenc~ (e ria:1:~ade· uma nova
Quanto aos custos de produção, a produtividade do trabalho os
modificará a partir de alterações de produtividade na esfera produtora ;~~?:;:;: ~~:~~~~r~ªJ~~~~~~~~:. ~~nJoq~gar_ ao ~onopólio
dos meios de produção utilizados no ramo (cai o valor do maquinário
utilizado, por exemplo). f
e\o i;e~r~~º~!! f:~;;i~~i~i~~~c~~:r;~~~~~~~al e descn-
É por influenciar o preço de produção que a produtividade de volvimentJtecnológico é impo~nte: a~a~i~~~~~~~ªi~~~~~;~e~;
trabalho influenciará a distribuição de trabalho na economia mercantil deremos elementos fundamentais que e e . . ntal
capitalista. E como havíamos visto, a distribuição do trabalho será "livre concorrência". o desenvolvimento da téc~~a, ~~:~~~:~nou
1
~~z
consequência da distribuição do capital. Chegamos assim a uma
diferenciação mais completa entre a economia mercantil simples e a ~;r~:b!:· ~~~:!riisd' ~edo1~:~:~~!ai~~ ;l:~!rie~~::c~
economia mercantil capitalista. Naquela, havia uma relação causal estabelecimento de uma unt a e P ·
15
14
isso.limita a lei do valor. Daí a afirmação de Preobrajensky acerca do
uma limitação evidente à concorrência, cria um obstáculo: detentores seu funcionamento: a lei do valor está "bastante minada na própria
de grandes somas de capital (ou grupos e empresas que tenham acesso sociedade burguesa graças ao poderoso desenvolvimento das tendências
a elas) são em número cada vez mais limitado. monopolistas do capitalismo contemporâneo" (22).
A t~cn?l,?gia_ termina assumindo um papel de barreira à "livre Vejamos mais de perto essa atuação "minada" da lei do valor. Na
concorren~ia (é Importante lembrar a citação que apresentamos de discussão do modelo para uma economia mercantil capitalista, de-
Isaak Rubm, a qual associava a vitória da grande produção sobre a monstrou-se como o valor influenciava o preço de produção, que por
pequ~na com o aument_o do progresso técnico). Há outras questões sua vez atuava sobre a distribuição de capitais: a operação da lei do
relacionadas à t':c~ologta que operarão criando barreiras: controle de valor pressupunha um conjunto de elos intermediários. Agora, mais
patente! (~msutuido por uma capacidade de ação jurídica e de do que elos intermediários, uma alteração qualitativa tem lugar: a lei
mt':rferencia Junto ao Estado que os grandes grupos estabelecem com não atua livremente.
mais d':senvoltura),. n~cessidade de formação de mão de obra com De onde vêm as limitações à livre operação da lei do valor? Vimos
determm_adas especializações para lidar com as novas máquinas anteriormente os pressupostos para a sua livre operação; agora,
tecnologias. e gostaríamos de nos debruçar de forma especial sobre uma limitação:
Esta fase do capitalismo, a dos monopólios conhecerá uma nova as barreiras à livre movimentação de capitais. Como foi visto, essa
forma de "<:p':ração" da lei do valor. Quais 'as condições para a livre movimentação era essencial à equalização da taxa de lucro, que
operação mais mtegral da lei do valor? Ela pressupõe a espontaneidade por sua vez era essencial à determinação dos preços de produção
~as.relações de produção (característica encontrável. de uma forma (chegamos a dizer que eram dois momentos de um mesmo processo).
llini:_ad~, é verdade · nas condições do capitalismo da livre con- Com a chegada à fase do capitalismo dos monopólios, alguns pré-
7.orrencia)._ E, Pre~brajensky destaca que para a lei do valor atuar de requisitos passam a ser necessários para que o capital possa atingir
modo m'.11s tot~ é necessário: 1) plena liberdade de circulação de certos setores; em particular, o volume de capital requerido passa a ser
merca~on~ (n?mterior do país como no mercado mundial); 2) que 0 crescente (graças inclusive às exigências colocadas pelo desenvolvimento
operáno seJa hvre vendedor e o capitalista um livre comprador da tecnológico): isto quebra a capacidade da concorrência intercapitalista
força de trabalho enquanto mercadorias; 3) que a ingerência do estado realizar a migração de capitais em direção a setores onde a taxa de lucro
no p~ocesso de produção seja mínima e poucas as empresas de está mais elevada. Por conseguinte, há uma quebra no processo de
propnedade est~tal e 4) que não haja regulamentação dos preços por equalização da taxa de lucro. ·
parte das or~arnzações monopolistas dos próprios empresários (20). Não havendo a livre movimentação de capitais, é dada às grandes
PreobraJe~sky ressalta que "estas condições ideais de liberdade empresas que sustentam a não-entrada de novos capitais no seu setor
de concorr~ncia nunca existiram a escala mundial porque as barreiras a capacidade de determinar (dentro de certas condições) os seus
alfandegánas entre as economias nacionais, a ingerência do Estado no preços. A possibilidade de estabelecer um preço monopolista deter-
proc~ss? ,?e produção ... significavam uma certa llinitação da con- mina o recebimento por esse setor de um lucro suplementar, de um
con:encia .. Esclarece que o período relativamente mais perfeito para superlucro. Como o monopólio e o oligopólio dominam este novo
a ação da lei do valor ~01 a época do capitalismo clássico, que precedeu período da economia, não há mais a equalização da taxa de lucro (pela
a etapa dos monopólios, a etapa imperialista (21). inexistência da livre movimentação de capitais), havendo sim uma
. Com o ?es_en~olvimento das tendências monopolistas do capita- tendência à formação nos setores oligopolizados e monopólicos de
lismo, os pnncipais ramos de produção se vêm invadidos por trustes uma taxa de lucro superior.
oc?rre uma fusão dos trustes mais importantes com o capital bancário' A formação de superlucros ou lucros extraordinários (acima da
~ li'?erdade de concorrência é suprimida porque um truste control~ média) já existia na fase anterior da economia capitalista, mas Labini
mteIT_amente um dete:ininado ramo de produção, ou ela é diminuída anotará uma diferença essencial com relação àquela fase: "existe,
pelo mteresse do capital bancário em evitar "brigas" entre empresas porém, uma diferença essencial entre os dois tipos de lucro: os de
que ele controla ou empresta importantes somas de dinheiro. Tudo 17
16
concorrência são devido , · ,
são, ao contrário devid~a /:os e sã? transitórios; os do oligopólio determinação de preços, cabe apontar que continua válida a consta-
nentes" (23). ' acterfsucas estruturais e são perma- tação de que a soma dos valores produzidos deve ser igual à soma dos
Vários autores avançarã O .d preços obtidos pelas mercadorias vendidas. Também a somadas mais-
duas taxas de lucro· uma do no senu O de formular a existência de valias extorquidas à soma das mais-valias individualmente obtidas
monopolizado Evide te setor monopolizado e outra do setor não pelos empresários. A novidade é a requalificação da distribuição, da
sendo maior d~ que a ~o ~:i~i~:
De onde advém esses lucros po za
~~~a do~etor monopolizado
.º· e. suas expensas.
maneira como ela opera: é aí que o monopólio repercute, introduzindo
novos elementos na fonnação dos preços e na apropriação dos lucros.
essas grandes empresas conse e;traor_dinários, permanentes, que A partir dessas eolocações, podemos compreender a relação
papel da tecnologia na m direm · Aqm, devemos voltar a tratar do extremamente contraditória que os monopólios terão com o progresso
sustentados por con,diçõee ª em que esses superluctos têm de ser tecnológico. Já vimos até onde ele chega a detenninar a existência
s concretas por vant d ..
essas empresas em relação às de . e' . agens a qumdas por mesma do monopólio. Uma vez estabelecido, uma vez criada uma
. mais. omodizLabini "pod diz
que os maiores lucros são devidos a , . fi . : . ' e-se er empresa gigantesca, rica em recursos, é fácil imaginar a facilidade que
empresas. Mas deve-se im . maior e ciencia daquelas ela terá para multiplicar esse- progresso técnico. Recorramos nova-
maior eficiência apoiada d:~~~mente acrescen:arque se trata de uma mente ao estudo do Labini, para clarear este aspecto:" ... a grande
não a 'habilidad , d . ª eSlável em diferentes tecnologias empresa oligopolfstica, considerada individualmente, pode ser (e
. e os empresános que as dirigem" ( 24) '
A capacidade tecnológica d · frequentemente é) tecnicamente mais inovadora do que uma empresa
que habilita a auferir os lucrose ~;tra gr:d; ~mpresa é mn elemento (necessariamente pequena) que opere em concorrência. Na realidade
posição monopólica de um t aor n nos, agora, dada a sua pode fazer até milagres: nos seus laboratórios, pode desenvolver
palavras para atin · ' . - ª orma permanente. Ou, em outras pesquisas de alto nível científico e também pesquisas de grande valor
nível de ~apacitaçfort:rii:â;ic:(;ºP?lic~ (ou oligopólica) um certo prático; com a mais ampla disponibilidade financeira e crédito fácil de
mobilização de capitais acima da ;;~m)pé ~a:m uma capacidade de que dispõe, pode realizar investimentos que pequenas empresas em
Aqui cabe uma e a m spensável. concorrência não teriam a possibilidade de realizar" (25). E esses
capitalismo: a lei do ~j~~na obJervação sobre o valor nessa fase do investimentos devem ser feitos para defender suas posições, pois
termina por determinar . ~tua e uma forma mmada, mas atua. Ela algum invento revolucionário pode chegar a abalar essa posição
(que jamais têm uma lim_1tes concretos para a ação dos monopólios monopólica.
produção em larga ~:~:t;d~~e ieJtuação inteiramen_te arbitária). A No entanto, há um outro lado, originado das especificidades da
pressupõe uma concentração
custo menor. Mas o mon.
l n ? n_ielhores .c?~dições técnicas
. e capitais e poss1b1!1ta um preço de
nova fase. Em primeiro lugar, dada a própria dimensão dos inves-
timentos necessários para viabilizar uma detenninada unidade produ-
acima do valor das me~~ó:o ~ue impus~rpreços irrealistas, muito tiva baseada em uma determinada tecnologia, não é interessante para

cas, que encontram espaço no


de preços do monopólio em
.~r:;~:~d~.s
reaparecimentodemercado~a~n: pr?ciuz1das,_ poderá ~iabilizar o
O
e~ P:0 res ~ondições técni-
pe O meal1smo da política
a grande empresa oligopolística que um novo invento (ou um novo
produto) venha a detenninar a obsolescência daquela unidade antes da
inteira amortização dos investimentos que ela necessitou. Isso age
economia monopolista é c6~i~t~o. ~a vtdade: o ~ncionamento da como um evidente fator limitante de um progresso técnico mais
ressaltam adicotomiaen r e" rec a~ dest~ tipo, que apenas contínuo. Pode-se afmnar que os monopólios, em situações como
e as limitações concretast:u~ :~:feº ?nqms!ado pelos monopólios estas, são levados a botar um."freio" no progresso técnico.
nent~ara preservar a posição mon~p&f:ae~~gi:g~;~~~~r· perma- E podem fazer isso, em inúmeras situações, dado o montante de
um apanhado geral vista a form - d · capital que será necessário para qualquer outro "empreendedor"
ciadas, a existência de ba'rreiras à 1· açao _e taxas de lucro diferen- realizar o progresso técnico. Esse freio ao progresso técnico pode ser
portanto, a capacidade relativa - iv:e mov,1mentação de capitais e, em relação aos inventos e descobertas da própria empresa como aos de
mas rea - dos monopólios na outras empresas menores ou de inventores autónomos (um bom
18
19
. . d nodo posterior à
exemplo desse freio é a disputa entre o engenheiro Tuckere as grandes . ção das empresas no capitalismo o pe
orgaJJJZa
indústrias automobilísticas, cuja história- mencionada por Mandei no segunda Gr3;fide _Gue_rra._ . uma mudança quantitativa, com.ª
seu livro Tratado de Economia Marxista - ganhou as telas em um As mulunac1onais si~fi~am ara a sobrevivência de um oli-
filme de Coppola. ampliação dos recursos e~i:idos ~ mudança qualitativa, de~~rrente
Um outro elemento que contribuiu para freiaro progresso técnico gopólio ou de um monopóli~, e~ como uma organização ~ca, _da
nessa fase é a inexistência daquele efeito que vimos quando da análise da ampliação de sua esfera. e aç º: ai As repercussões na dinâmica
do esquema da economia mercantil capitalista, que mostrava a dinâmica . na! ara a arena mtemacion · . . · na!
arena nacio P . . . aísescapitalistasenadiv1sãomternacio
de generalização de uma determinada inovação tecnológica, determi- económica dos pnn':1-~ais P
nando um novo patamar técnico. Primeiro, porque para que uma do trabalho são dec1s1vas. italismo dos monopólios será
empresa banque um salto tecnológico é necessário que tenha recursos O país que melhor expressou;~:?mer dirá que ..... a empres_a
e porte para tanto.Segundo, porque quando uma grande empresa a base desta nova fa~- S~p~e tân~a um fenómeno norte-amen-
apresenta uma inovação ela não será, como antes, seguida por uma muJtinacional é, em pnmeira ms c·onalnorte-americana,criadano
multidão de "imitadores": poucos terão os recursos para essa imitação. cano. Sua precursora é a empresa na .~ 0 norte-americano desen-
Terceiro, porque muito do progresso que vem de pequenas empresas final do século XIX_, quando ?alca~1 du:al para cidades múltiplas e
ou de inventores autónomos pode ser"barrado" pelas grandes empre- volveu uma estratégia comerci em
sas, ameaçadas (direta ou indiretamente) por essas inovações tecnológi- âmbito continental" (26)... ão dos empresários europeus foi.ª
cas. Hymer mostrará que ··· ª reaç ltinacionais e não tentar impedi-
Poderíamos dizer que se na fase da livre concorrência a conse- de se unir ao sistema de empresas ;11u m seu texto datado de 1970, uma
quência de uma inovação tecnológica era a sua difusão pela economia, lo".Quantoa0Japão,Hymerprev1a,e resas no sistema das empresas
assistiremos na etapa monopolista a restrição desta difusão. (ou, em progressiva integração de sulas ~:~ezmaiornaorganizaçãoativada .
outras palavras, a presença das inovações persiste, o que surge são multinacionais,e" ... umpape ca ,. um estágio multinacional em
elementos restritivos à sua difusão tal qual se processava na etapa di. visão internacional do trabalho , . a. . ado um ciclo 1· á percorrido
do portanto 1Il1Cl ' •
concorrencial do capitalismo). d
relação às ven as, ten . européias, que termmava no
Esta a relação contraditória estabelecida entre os monopólios e o pelas empres~ norte-amencanas e
progresso técnico: nunca tantos recursos foram centralizados e postos investimento dire~o. (27) d Um levantamento apresentado
à disposição da humanidade para o desenvolvimento da tecnologia e Previsão inteiramente acerta .ª·titulado "Toe Global 1000: the
da produtividade do trabalho (basta pensar nos laboratórios das pela Business Week de 17n/~9 ,!11 loca 353 corporações america-
grandes empresas, no desenvolvimento do ensino técnico e científico) world's most valu~ble comp~;~~ºem temios de capitalização, as
mas, pela primeira vez na história do capitalismo, surgiram meios que nas na lista e ?45 Japones'.'5, . ram 47% do valor total enquanto as
freiam a propagação do progresso técnico. Fatos como a colocação corporações Japonesas aungi 2 491 (28)
3
consciente de inovações de "quarentena", ou a espera de momentos americanas represen1'.1v~ apenas ·ar:·H ·er, três aspectos rela-
mais lucrativos para sua implementação são exemplos importantes do A empresa mulun~ciona! t~rá, ? c~al, a produção capita-
caráter assumido pelo capitalismo em sua nova fase. cionados: movimentos mternac~nais~e rei tradicionais do Estado
lista internacional e a erosão os ? ;s de capital compreendem
IV - O Capitalismo tardio e a era das multinacionais nacional. Os moviment?s inte~~~~ndesenvolvimento das finanças
tanto os investimentos diretos c 'talistainternacionalassinalava
A tendência à concentração e à centralização do capital se acentua internacionais. Quanto à prtuç~oc~~~uitos países em uma estrutura
durante a etapa dos monopólios, determinando um salto de qualidade ..... a incorporação d~ ~ão- e-o ra undialmente". (29)
nas grandes empresas, que passam a se organizar como empresas produtiva empresanal mte~rada mod ão é decorrência da dimensão
multinacionais. As empresas multinacionais serão a forma básica da Essaintegraçãomundialdapr uç 2~

20
Industry), um dos mais expressivos agen~es. Sej~ !ealizando inves-
e da dinâmica dos grandes monopólios à escala nacional, mas também timentos em racionalização de setores mdustnais ameaçados ou
pressupõe um patamar de evolução tecnológica para viabilizar-se. As ulneráveis à recessão, organizando a ação das grandes corporações
grandes empresas transnacionais não podem prescindir do planejamento ~32), atuando sobre os processos de t;ansferência d~ tecnologia ~33),
global, ~mado possível, segundo Hymer, pela revolução aeronáutica investindo em pesquisa e desenvolvimento, ou aruculando proJetos
e eletrômca. (30) industriais e tecnológicos d: lo?ga :riaturação. .
Comp~™:do as características essenciais das empresas da atual Talvez a economia capitalista Japonesa represente hoJe, melhor
f'.ase do capitalis~o com aquelas das empresas típicas do período da do que qualquer outra, a articula9ão e~tre as _grandes corporações e.º
livre concorrência, constata-se uma dinâmica de crescente "sociali- Estado típico do capitalismo tardio. Os mve~umentos govemam:ntais
~ação º?jetiva do trabalho". O planejamento atinge agora o nível subsidiando as grandes empresa:- nas pesquisas de alta tecnologia ~ão
mtemac10nal no interior das grandes em presas, o que estàbelece novos atualmente muito mais expressivos no Japão. Segundo um analista
elementos para a ação, ainda mais minada, da lei do valor: atinge um norte-americano citado pela Business Week, enquanto o governo
novo gr~u a contradição ~ntre a anarquia da produção em escala social norte-americano não financia pesquisas de ponta por serem de :1110
e o crescimento do planeJamento no interior de unidades cada vez mais risco o governo japonês investe exatamente por serem excessiva-
:implas. A ponto de exigir, como nunca antes, um razoável grau de ment~ arriscadas para a iniciativa privada (o analista comentava
mtervenção do Estado e o desenvolvimento de várias fonnas de ação investimentos em tecnologias de produção de_ chips). (34)_ .
coordenada e compartilhada entre as grandes corporações e o Estado. Outra característica da nova fase, esta de importante significado
Este novo estágio na relação entre Estado e grandes corporações para o objeto de nossa pesquisa, é a aplicação sistem~tica da <:iência
é uma das características distintivas da presente fase do capitalismo. à produção. O que era um esboço. na etapa ant_enor do sistema
O Es~ado é levado a assu_mir novas funções pelas exigências que a capitalista - a criação de ~aboratón~s ~e pes~uisas nas gran?es
própna evolução da plaruficação no interior das grandes empresas empresas e o início da submissão da c1encia aos mteresses do capital
coloca no sentido do desenvolvimento de uma programação econónúca. _transfonna-se em característica distintiva da nova fase.
O Esll;dodeve_ desenvolver essa programação económica para garantir Mandei ressalta que esse marco não significa, nos períodos
um c!Ima mais seguro para os grandes investimentos típicos deste anteriores a inexistência de invenções cientificamente induzidas ou
período. As empresas precisam de mais segurança para trabalhar com que as in~enções se processassem de uma m~e!ra inteiri:mente
o longo pr~o, prazo de m~turação de seus investimentos principais. independente do capital. M~s é apenas ~ob o cap1talisn:o tardio que
Os m_ecarusmos de garantia estatal ao lucro privado conhecem um " ... a organização sistemática da pesquisa e desenvolvimento como
cr~scimento nessa fase. Subvenções diretas e indiretas ao lucro um negócio específico, organizado numa base_ capitalista - em _outras
pnvado aparecem. E o investimento estatal nos setores estratégicos palavras, o investimento autónomo (em. cap!lal fixo e salár.io dos
toma-se também essencial. trabalhadores) em pesquisa e desenvolvimento - ... se mamfestou
Um exemplo dessa intervenção estatal é encontrado nos Estados plenamente". (35) . ,
u~.~os, ond: a conjun~ur,a c?ada pela política imperialista da "guerra os dados citados por Mandei são mteressantes. O numero de
fna detennmou a existencia de uma corrida annaruentista penna- laboratórios de pesquisa industrial nos Estados Unidos no início da
nente, financiada pelo Estado-comprador de annamentos. Para tanto, Primeira Guerra Mundial era inferior a 100. Em 1920 havia aumen-
vulto~os gastos são realizados, chegando a atingir quase 14% do PNB tado para 200 e em 1960 o número de laboratórios controlados por
amencano na década de 1950 (31). No recente período do governo empresas atingiu o número de 5400.
Reagan, o peso dos gastos militares foi o responsável por boa parte da
recuperação económica conseguida após a recessão de 1980/1. Em relação aos gastos com pesquisa e desenvolvimento há um
Mesmo no Japão a intervenção estatal é chave. Embora não se dê enonne aumento. A tabela abaixo mostra essa evolução para os
através de gast?s militares, a eco_n?mia japonesa teve na ação do Estados Unidos.
Estado, em parucular do MITI (Mimstry of Internacional Trade and
23
22
para as inovações tecnológicas. "O radar, a miniaturização de equi-
TABELA 1
pámentos eletrônicos, o desenvolvimento de novos componentes
Gastos com pesquisa e ~senvolvimento nos Estados Unidos eletrônicos, na verdade mesmo as primeiras aplicações da matemática
(em bilhões de dólares) a problemas de organização econômica - a "pesquisa operacional" -
todos tiveram suas origens nos anos de guerra ou na economia
ANO armamentista". (39)
GASTOS Vistas as características essenciais da presente fase do capita-
lismo, podemos fazer a pergunta sobre onde se localiza agora o motor
1928 00,1 do progresso técnico.
1953 05,0 Em primeiro lugar, radicalizando as características monopólicas
1959 12,0 do período precedente (atingindo a escala mundial), as grandes
1965 empresa multiplicaram a sua capacidade de pesquisa e desenvolvimento.
14,0 Esse são realizados por laboratórios ou departamentos de uma grande
1970 20,7 transnacional ou são desenvolvidos por associações de duas ou mais
1975 23,5 grandes empresas. As repercussões sobre a já citada aceleração da
inovação tecnológica são evidentes. ·
Fonte: O Capitalismo Tardio e RAP, Vol. 4, Fábio Erber Contudo, o crescimento da concentração aguça também o aspecto
limitador ao progresso técnico que os monopólios já demonstravam:
Já O Japão, que em 1975 gastou US$ 5 6 bilh . estão aumentados os elementos que dão condições a esses grandes
t:-n.nvolvimento (36), em 1988 investiu US$ 73,6 ~~~ =~;~~i: grupos para ditar o ritmo das inovações. O controle sobre o capital e
a tecnologia caminha junto com a capacidade de definição das linhas
mestras da pesquisas cientifica e tecnológica: os investimentos em
cresi~~t!e~:v~rim~s~: !~!~~:mam inevitável um razoável pesquisa são definidos segundo os critérios de um pequeno número de
Considerando essa característica\! · ali . capitalistas e diretores, visando responder à busca de maior lucra-
caçãosistemáticadaciênciaàprodução ~~::te smo ta;dio, a apli- tividade. O que nem sempre é a linha mais necessária ao progresso
?ªaceleração da inovação tecnoló<rica ~esta fase~~prea eaceerleasraçraãozõeds cientifico e muitas vezes a menos proveitosa. Estabelece-se uma nova
movação tecnoloó · é "' · ··· a contradição entre o gingantismo dos recursos científicos colocados à
ciência à produção~(~S) um corolário da aplicação sistemática da
disposição da humanidade e o seu desperdício, dada a definição
tism Outra característica distintiva do capitalismo tardio é o armamen- privada da sua utilização. Muitas vezes investe-se muito até mesmo
desa'::e::inte (o ~al nem depois da ofensiva de GQrbachov pelo para planejar a obsolescência e nada para buscar avanços reais. O
A relação entriarece armost~deum arrefecimento significativo). controle do grande capital sobre o desenvolvimento tecnológico
0 impõe limitações e deformações ao ritmo do progresso técnico.
d . progresso técruco e o armamentismo não pode ser
. escon;1derada. ~~dei ressalta que a aceleração da atividade de Em segundo lugar, é desenvolvida a capacidade da intervenção do
:~~:alo esteve mttmamente relacionada com a Segunda Guerra Estado no sentido de impulsionam progresso técnico. Houve, em um
e com o rearmamento do pós-guerra. primeiro momento - durante a Segunda Guerra e nos pós-guerra- uma
tendência predominante desta intervenção ser relacionada com os
desc~~:t:[~::~~ armame?tis(a teve uma relação dupla com as gastos militares, direta ou indiretamente, a ponto da evolução tecnológica
~º~1~:~dt~sas desc~be~~~~g:~:a~~::~º;e:n~~s~:!~n: chegar a ser considerada um -subproduto do armamentismo perma-
o vunento armamenusta começou a criar as pré-condições nente. Situação típica dos EUA e do curto período de sua hegemonia.
24 Hoje, especialmente pelo papel que a economia japonesa cumpre, há
25
também uma política mais direta de articulação entre a ação gover- Analisando o período inicial da dominação docapitalismo_ameri-
namental e a evolução tecnológica, dada a divisão de trabalho finnada
no pós-guerra entre os EUA e o Japão, a qual dispensava o imperia-
ano no sistema imperialista, discutindo algumas caracterísu~as
c se rocessava na "arena da economia mundial", Preobraiens Y

lismo japonês de realizar investimentos significativos no campo ~~:maJa a atenção para o fato do capitalismo americano_ ultrapassa'. os
militar. .. outros capitalismos não somente por seu podeno econômico
Intennediado ou não pelo investimento militar, o Estado passa a uciversal e por seus imensos recursos creditícios sob a fonn_a ~ercan-
cumprir um papel central no desenvolvimento tecnológico. Nova- til e monetária, mas também por sua técnica, por sua p~uu v1dade de
mente veremos uma relação contraditória com este desenvolvimento: rabalho mais elevada". O padrão tecnológico desenvolv1d_o no centro
impulsiona pelos recursos colocados à disposição de pesquisas; mas ~ais dinâmico da economia capitalista impõe-se à economia com~ um
distorce o seu rumo, pelo tipo de prioridade que impõe, seja a militar, todo. Preobrajensky conclui que" ... na realidade, os Esta?os Urud~~
seja a derivada dos interesses das grandes corporações (que incorpora submetem o mundo inteiro principalmente através da Je1 do valor .
as contradições discutidas anterionnente). (42) · li
A grande capacidade de ação dos grandes grupos monopólicos, a Agora, a lei do valor começa a se volt~ contra o c~p1ta smo
presença decisiva do Estado - salvando o lucro privado, praticando americano. Não é por outro motivo o crescimento do _nu"'.ero _dos
políticas anti-crise -, o gigantismo das estruturas financeiras, ca- defensores de medidas protecionistas nos Estados Urudos. a livre
racterísticas centrais do capitalismo tardio, impõem limites à ação da concorrência à escala internacional os ameaça! Essas_m~danças est~o
lei do valor. no centro da definição da presente crise, onde o conflito mtenmpena-
Mas ela está presente. Uma presença deslocada, requalificada. lista tem um papel chave, como veremos adiante.
Para Mandei, como o Estado burguês tardio tem menos influência É verdade que essa passagem da ação da lei do valor p_ar~ a aren~
sobre a empresa multinacional do que tinha sobre os monopólios mundial também tem uma dinâmica de crescente bloqueio. segu'.a
nacionais do período anterior, a arena para a vigência da lei do valor mente a sua ação não é tão livre hoje quanto era no período descnto
se alterou: " ... assim como o crescimento das forças produtivas r Prebrajensky. Apesar de presente e se mo~trar ~1v~, como no
sobrepuja o Estado nacional, também sobrepuja gradualmente o papel :emplo da indústria automobilística, as nações i_mpei:iahstas ~nt~
do Estado no controle do ciclo industrial ... Quanto mais os monopólios acertar ações no plano mundial para conter a dinâmica da cnse.
pensam que se subtraíram à lei do valor em nível nacional, tanto mais melhor demonstração é a atuação relativamente coordenada /~s
tomam-se sujeitos a ela em nível internacional". (40) principais bancos centrais para conter as repercussões do eras e
De fato, atualmente assistimos, por exemplo, a indústria japonesa wall Streetem outubro de 1987. a
de automóveis sucateando nada mais, nada menos, do que a norte- A lei do valor está presente, mas à sombra. Dá moStfll:5 que atu~
americana, exatamente porque produzem em melhores condições mas sofre bloqueios. Tenta o seu retorno, para como ant_es imporco
técnicas, com maior produtividade do trabalho, podendo bancar a crise a sua realidade. Aqui, um ensaio sobre a crise de nosso tempo
preços mais baixos etc. nos chama a atenção para uma característica marcante das muda~?.as
O capitalismo radicaliza, em sua fase tardia, tendências já visua- operadas com a lei do valor que, bloqueada, força o seu ~torno. d..
lizáveis na fase monopólica, quando a internacionalização crescia. impossível retorno, posto que implicaria na autopenal1z~ç!o. o
Preobrajensky já insistia que " ... o desenvolvimento dessas ·ta1 na perda do seu pseudo-controle que exerce sobre sua din~ca.
tendências (as tendências monopolistas) implica inevitavelmente, ~ru~ração da crise, com a onda de inovações e penal1~ações ex1gi?as
apesar da existência fonnal da livre concorrência, a limitação e a para tal não está sequer colocada no horizonte do sistema. A ação
transfonnação ulteriores da ação da lei do valor não mais no interior , sanead~ra' da crise esbarra nos limites impostos pela adaptação-
de economias nacionais isoladas, onde os monopólios já atingiram um resistência do capital monopolista e do Estado, pela sua recusa
alto desenvolvimento, mas na arena da economia mundial em seu persistente à automutilação". (43) .
conjunto". (41) Todas estas transfonnações devem ser compreendidas como
26 27
parte da própria lei do valor, indecifrável sem o seu conteúdo e o seu
movimento didático. Prebrajensky sintetizou isso em sua análise dos Notas do Capítulo I / Primeira Parte
monopólios: " ... a lei do valor está atingindo a etapa de sua própria
transformação e de seu desaparecimento gradual através desta mesma
lei do valor" (44). (!) Rubin, A Teoria Marxista do Valor, pág. 198
Ainda veremos o que há para além da barreira do valor!
(2) Rubin, idem ·
(3) Rubin, idem, pág. 129
V - Conclusão (4) Rubin, idem, pág. 130
(5) Rubin, idem, pág. 145
A discussão da lei do valor em suas várias fases, mostrando os (6) Marx, Karl, O Capital, Vol. !, pág. 46
bloqueios criados pela sua própria dinâmica, buscando suas relações (7) Rubin, idem, pág. 189
com o progresso técnico esclarece qual a vinculação que podemos (8) Marx, Karl, O Capital, Vol. !, pág. 47
fazer entre eles: o progresso técnico orbita, como um satélite, em tomo (9) Rubin, idem, pág. 191
à dinâmica imposta pela lei do.valor. As mudanças dos propulsores do (I0)Rubin, idem, pág. 229
progresso técnico são determinados por transformações na dinâmica (] !)Marx, Karl, O Capital, Vol. l, pág. 725
mais global. O centro dinâmico da economia capitalista é o detonador, (12)Rubin, idem, pág. 244
o impulsionador e o irradiador do progresso técnico. O progresso (13)Marx, Karl, O Capital, Vol. lil pág. 150
técnico leva a marca desse centro, portando inclusive as suas dis- (14)Marx, Karl, idem, Vol. lll, pág. 180
torções e deformações. (15)Marx, Karl, Grundrisse.
As alterações que vimos na economia capitalista, transitando do (16)Rubin, idem, pág. 258
estágio da livre-concorrência entre pequenas empresas até a sua fase (]?)Marx, Karl, O Capital, Vol. Ili pág. 152
tardia, com o monopólio das grandes transnacionais, expressam e (18)Mandel, Emest, O Capitalismo Tardio, pág. 63/64
determinam as transformações na lei do valor. (19)Marx, Karl, O Capital, Vol. Ili, pág. 151
A dinâmica do progresso técnico será imposta por aquilo que (20)Preobrajensky, A Nova Econômica, pág. 171
definiro modo de atuação da lei do valor. Será definida pela resultante (21)Preobrajensky, idem, pág. 172
do conflito entre a lei do valor e o que estiver bloqueando o seu (22)Preobrajensky, idem, pág. 181
funcionamento. (23)Labini, Oligopólio e Progresso Técnico, pág. 66
(24 )Labini, idem, pág. 66
(25)Labini, idem, pág. 155
(26)Hymer, Stephen, Empresas Multinacionais e a
Internacionalização, pág. 71
(27)Hymer, Stephen, idem, pág. 74
(28)Business week, 17 .07 .89
(29)Hymer, Stephen, idem, pág. 95/96
(30)Hymer, Stephen, idem, pág. 71
(3 l)Business week, 11.12.89 . .
(32)Ichiyo, Muto, Class Struglle and Technolog1cal lnnovation,
pág. 11 a 23 .
(33)Freeman e outros, Unemployement and Technical Innovalton,
pág. 173
28 ')Q
SEGUNDA PARTE: A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E
O,PROGRESSO TÉCNICO

(34)Business week, 05.02.89


(35)Mandel, Ernest, O Capitalismo Tardio, pág. 181
(36)Erber, Fábio, RAP, Yol. 4, pág. 18
(37)Gazeta Mercantil, 9.12.89
(38)Mandel,Ernes~ idem, pág. 175
(39)Mandel,Ernest, idem, pág. 177
(40)Mandel,Ernest, idem, pág. 392
(41 )Preobrajensky, idem, pt'g. 119
(42)Preobrajensky, idem, pág. 178
(43)Paula, J?ão Ant?nio de, A Crise do Nosso Tempo, pág. 119 I • As mudanças na organização e no instrumental do trabalho
(44)PreobraJensky, idem, pág. 119
É indissociável a relação entre a organização do trabalho e o
instrumental existente. É uma relação onde um sempre determina os
limites e as potencialidades do desenvolvimento do outro.
Esta relação envolve diretamente o proletariado, o que determi-
nará um caráter não neutro desse desenvolvimento: a sua capacidade
de luta sempre será um elemento que estará na conta dos proprietários
dos meios de produção para impor inovações e reestruturações no
processo de produção. A lógica patronal é sempre a de quebrar os
mecanismos de resistência que os trabalhadores desenvolveram frente
a cada forma específica de organização do processo de trabalho.
Fazendo uma rápida síntese, será necessário passar por quatro
fases, antes de abordar as /!Specificidades da automação com base na
microeletrônica: discutir-se-á a cooperação, a manufatura, a indústria
e a grande indústria.

1 - Cooperação
É a primeira forma de organização do trabalho sob o capitalismo.
O modo de produção capitalista só começa quando um mesmo capital
emprega um grande número de trabalhadores. "A atuação simultânea
de grande número de trabalhadores, no mesmo local, ou se se quiser,
no mesmo campo de atividade, para produzir a mesma espécie de
mercadoria sob o comando do mesmo capitalista constitui, histórica
e logicamente, o ponto de partida da produção capitalista". (1)
Inicialmente ela não representou, de fato, mais do que o emprego
de um grande número de trabalhadores em um mesmo local: os
31
métodos de trabalho continuavam os mesmos. A mudança que há nas tendências da manufatura em proveito da acumulação capitalista. Um
condições materiais de produção (que Marx chamará de revolução) obstáculo importante era o fato de que " ... a habilidade manual
será a utilização em comum de depósitos, instrumentos, recipientes. constituía o fundamento da manufatura e que o mecanismo coletivo
O custo de uma oficina para 20 pessoas é menor que o de 1Ooficinas que nele operava não possuía nenhuma estrutura material independen-
de 2 pessoas. Há uma economia que decorre da utilização em comum tes dos trabalhadores". A partir disso, " ... lutava o capital constante-
dos meios de produção no processo de trabalho. mente contra a insubordinação do trabalhador ... Por todo o período
É criada uma força produtiva nova, a força coletiva. manufatureiro estendem-se as queixas sobre a falta de disciplina dos
trabalhadores". (3)
A manufatura criou necessidades de produção que entraram em
2 - Divisão de trabalho e manufatura choque com a sua estreita base técnica. A superação desta estreita base
A manufatura é a forma clássica da cooperação baseada na divisão germina a partir de uma de "suas obras mais perfeitas" que foi a oficina
do trabalho. Marx aponta sua dupla origem. para a produção de ferramentas.
Ela se origina da concentração em uma mesma oficina de traba- Essa oficina produzirá máquinas, que eliminarão a necessidade
lhadores de offcios diversos e independentes. Um exemplo é a manu- técnica de fixar um trabalhador especializado a uma operação parcial
fatura de carruagens: ela emprega o costureiro, o serralheiro, o por toda a vida.
coreeiro. Estes, passando a se ocupar exclusivamente da feitura de
carruagens perdem o domínio do antigo oficio em toda a sua extensão. 3 - A maquinaria e a indústria
A manufatura passa de uma combinação de ofícios independentes a Se na manufatura o ponto de partida para revolucionam modo de
um sistema que divide a produção em diversas operações especiali- produção foi a força de trabalho, agora, na indústria, o ponto de partida
zadas. será o instrumental de trabalho.
A manufatura se origina também do emprego em uma mesma O período manufatureiro desenvolveu os primeiros elementos
oficina de trabalhadores de um mesmo ofício. Inicialmente a merca- científicos e técnicos da indústria moderna.
doria era produto de um único arúfice, que executava todo o processo. A máquina da qual parte a revolução industrial substitui o
Ela passará a serum produto social de um conjunto de trabalhadores, trabalhador que maneja uma única ferramenta porum mecanismo que
onde cada um executará ininterruptamente uma única tarefa parcial. ao mesmo tempo opera um certo número de ferramentas idênticas ou
Neste período há o processo de decomposição da atividade do semelhantes àquela, e é acionado poruma única força motriz, qualquer
artesão nas diversas atividades que a compõem. Há um processo de que seja a sua forma.
divisão e subdivisão do trabalho, que determinará um salto na Quando aumenta o tamanho da máquina-ferramenta, a exigência
produtividade do trabalho e uma desvalorização da força de trabalho. de um motor mais possante vai surgindo. A força humana é pequena,
A produtividade dependerá não só da virtuosidade do trabalhador além de ser inconstante. As forças motrizes legadas pelo período
parcial na execução única e dedicada de sua tarefa específica, mas manufatureiro (animais de tração, vento, água) são irregulares ou com
também da perfeição de suas ferramentas. Haverá nesta fase, a partir pequena capacidade de aproveitamento na época (a força hidráulica
da especialização do trabalhador em sua tarefa, um processo de exige mecanismo de transmissão).
diferenciação das ferramentas, adaptadas àquelas tarefas específicas. Só com a segunda máquina a vapor de Watt, a máquina rotativa
Sintetizando esse período, dirá Marx que" ... o período do manu- de ação dupla se encontrou um motor que produzia sua própria força
fatureiro simplifica, aperfeiçoa e diversifica as ferramentas, adap- motriz, consumindo para isso carvão e água, com potência que poderia
tando-as às funções exclusivas especiais do trabalhador parcial. Com ser inteiramente controlada. Utilizável portanto nas cidades, concen-
isso cria uma das condições materiais para a existência da maquinaria trando lá a produção em vez de dispersá-la pelo interior.
que consiste numa combinação de instrumentos simples" (2). Marx sintetiza esse processo em um parágrafo de 'O Capital':
No entanto, vários obstáculos se opunham à plena realização das "Depois que os instrumentos se transformam de ferramentas manuais
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em f~rramentas incoryioradas a um aparelho mecânico, a máquina revolução industrial.
mot~z, .º motor, adqmre uma forma independente, inteiramente livre Dentre as consequências do sistema fabril sobre os trabalhadores,
dos 1t11;1tes da_ força humana ... Uma máquina motriz, um motor, pode três se destacam.
agora 1m~uls10nar ao mesmo tempo muitas máquinas ferramentas. A primeira é a possibilidade do capital apropriar-se de forças de
Com o numero das máquinas-ferramenta impulsionadas ao mesmo trabalho suplementares (incluindo mulheres e crianças), na medida em
tempo, aumenta o tamanho do motor e o mecanismo de transmissão que há um processo de desqualificação do trabalho. Há, assim, um
assume grandes proporções". (4) processo de desvalorização da força de trabalho. . .
A produção mecanizada encontra a sua forma mais desenvolvida A segunda é a possibilidade de prolongamento da Jornada de
no sistema orgânico de máquinas-ferramenta combinadas que rece- trabalho: simplificado o trabalho, diminuíndo o esforço físico ne-
bem t<J??S os seus m_ovimentos de um autómato central e q~e lhes são cessário e incorporadas forças de trabalho suplementares, a extensão
transmitidos IJ?f 11;e10 do mecanismo de transmissão. Surge então, no da jornada de trabalho conhecerá limites menores. Abre-se um período
lugar da máquma isolada, o que Marx chamou de monstro mecânico. de lutas do movimento operário para a fixação dos limites dessa
A revolução no processo de produção de um ramo industrial jornada. . .
acaba se propagando a outros ramos. A terceira é a intensificação do trabalho: a partir do estabeleci-
A mecanização de .fiação toma necessária a mecanização de mento de limites à jornada de trabalho, o capital buscará absorver
tecelagem. Ambas ocasionam a revolução química e mecânica no maior quantidade de força de trabalho. A jornada de trabalho terá os
br~nqueamento, na estampagem, na tinturaria. A revolução da fiação seus poros preenchidos, tomando-se mais densa e compacta: haverá
exige a produção de algodão em escala maior: a descaroçadeira de assim um maior dispêndio de trabalho, obtendo-se uma elevada tensão
algodão aparece. da força de trabalho. Duas maneiras de intensificar o trabalho foram
A revolução na indústria e na agricultura toma necessária uma o aumento da velocidade da máquina e o aumento da maquinaria a ser
~volução nas condições gerais do processo social de produção: o vigiada pelo trabalhador.
siste1!1a de tran~porte é progressivamente adaptado à essas novas Na discussão de maquinaria, da indústria, Marx chama a atenção,
condições, surgmdo os navios a vapor, vias férreas, transatlântico, em vários momentos para a luta de classes, de como esta força a classe
telégrafos etc. capitalista a investir em avanços técnicos para recompor seu controle
A indústria se apodera de seu instrumento característico de sobre o processo de trabalho ou melhorar as suas condições de
p~ução e passa a rroduzirmáquinas com máquinas:" ... só assim ela exploração.
~;ou sua base técmca adequada e ergue-se sobre seus próprios pés". Discutindo a dinâmica da intensificação do trabalho buscada pelo
capital, como reação à pressão pela limitação da extensão da jornada,
. . Desaparece, as~im, a base técnica em que se fundamentava a Marx afirmará que" ... quando a rebeldia crescente da classe trabal-
divisão manufature1ra do trabalho, na medida em que " ... com a hadora forçou o Estado a diminuir coercitivamente o tempo de
ferra_menta que se transfere à máquina segue a virtuosidade desen- trabalho, começando porimpor às fábricas propriamente ditas um dia
volv1d~ pelo trab':1h~dor em seu manejo. A eficácia da ferramenta normal de trabalho, quando portanto se tomou impossível aumentar a
emancipa-se dos limites pessoais da força humana". (6) produção de mais-valia prolongando o dia de trabalho, lançou-se o
f!á _uma alteração no velho sistema de divisão de trabalho: a capital, com plena consciência e com todas as suas forças, à produção
espec1aliza9ão_dei~ará de ser a de manejar uma ferramenta parcial da mais valia relativa, acelerando o desenvolvimento do sistema de
durante a vida mteira e passará a ser a de servir por toda a vida a uma máquinas". (8) . ,,
máquina parcial. "Na manufatura, os trabalhadores são membros de Mais adiante, discutindo "a luta entre o trabalhador e a máquma
um mecanis~o vivo. Na fábrica eles se tomam complementos vivos Marx traz um dado interessanússimo para aniquilar qualquer idéia de
de um mecamsmo morto que existe independente deles". (7) uma técnica neutra, de um desenvolvimento tecnológico que paire
A produtividade do trabalho tem um enorme salto em função da sobre as classes em luta. Segundo ele " ... poder-se-ia escrever toda
34 35
uma história das invenções, feitas a partir de 1830, com um único outra forma de expressar essa inescapável dinâmica da sociedade
propósito de suprir o capital de armas contra as revoltas dos trabal- capitalista.
had~res". (9). E cita a seguir uma série de máquinas e inovações Dentro desta dinâmica geral devemos buscar captar qual a especi-
surgidas em vlftude de greves: máquinas de fiar automática máquina ficidade da evolução das máquinas baseadas no desenvolvimento da
de estampar tecidos, de engomar a urdidura. ' informática: ela eleva a uma potência inédita as possibilidades do
Os avanços na técnica na sociedade capitalista são avanços no desenvolvimento da maquinaria. Esse desenvolvimento toma possível
con~~e capitalista do processo de trabalho, são formas da classe tecnicamente a criação de unidades de produção que dispensam o
capitalista retomar um controle perdido pelo desenvolvimento de trabalho humano: é possível afirmar que não há atividade produtiva
novas formas de luta dos trabalhadores. que não seja tecnicamente substituível por máquinas (é necessário
separar a possibiliodade técnica da viabilidade económica e política da
4 - A ~ande indústria e a "organização científica do trabalho" generalização dessa possibilidade técnica, o que será discutido mais
A partir do desenvolvimento da indústria abre-se uma dinâmica adiante).
de aum_entodas u~dad~s ~e produção, da concentração e centralização Por essa particularidade, deve ser analisada em um item específico
do capital (como Já foi visto): há o surgimento da grande indústria. a aplicação da informática e da microeletrónica às atividades económi-
Cresce o número de trabalhadores colocados em uma mesma cas em geral e à produção em particular.
empre~a. !sto coloca problemas novos para a classe capitalista: a
ger~nci~ científica surgirá do empenho no sentido de aplicar métodos 1-A dupla origem da automação com base na microeletrônica
racionais aos problemas complexos e crescentes do controle do Tal qual todo avanço no desenvolvimento da maquinaria e da
processo de trabalho nas empresas em expansão. organização do trabalho, o salto representado pela automação com
A gerência científica atuará em duas áreas básicas. base na microeletrónica não tem nada de neutra ou linear: é fruto e
A prim~ira é a da organização do processo de produção em si, síntese de complexos e contraditórios processos onde os interesses da
dado? cres=ento de sua complexidade e o avanço da capacidade de acumulação de capital e a presença da luta de classes deixam as suas
planeJar esse processo. A segunda é o do conhecimento do processo marcas.
de trabalho para melhor controlá-lo, visando ampliar a intensidade do A automação com base na microeletrónica é filha de um duplo
trabalho. processo. Por um lado, ela é possibilitada por todo o movimento de
O taylorismo será, também, uma resposta do capital ao cresci- intensificação do trabalho que foi o taylorismo e o fordismo: ele
mento do sindicalismo. (10) possibilitou a organização do trabalho de uma forma tal que era um
:raylor e Ford serão os nomes que melhor representam o desen- pré-requisito fundamental para a aplicação da informática à produção.
volvimento desse processo de controle e intensificação do trabalho Sem esse processo não haveria condições do desenvolvimento da
criando.ª "organização científica do trabalho". Suas principais ca: moderna automação e da robótica. Poroutro lado, os avanços técnicos
ractei:sticas ser~o apresentadas adiante, ao se tratar da contribuição do do pós-guerra eram uma base também indispensável para esse salto:
tarlonsmo/fo:dismo ao desenvolvimento da automação com base na todo um conjunto de inventos estava "à disposição" e era poten-
micro-eletrómca. cialmente aplicável à produção.

II • As particularidades da automação com base na microeletrônica 1.1 - A contribuição do taylorismo/fordismo


O legado da organização capitalista do processo de trabalho é uma
A su_bstituiç~o de trabalho vivo por trabalho morto, a introdução base necessária para o desenvolvimento tecnológico recente.
?e ?Jáq~mas e sistemas de máquinas cada vez mais complexas, é O que fez o taylorismo?
mdissociável da ~rópria din_âmica de acumulação de capital: a ele- Atendendo à pressão permanente do capital em prol da intensifi-
vação da composição orgânica do capital (como já foi visto) é uma cação do trabalho, a "gerência científica" levou-a ao paroxismo,
36 37
buscai:do reduzir ao mfuimo os tempos perdidos em movimentos não
produtivos dos trabalhadores.
Quais são os princípios do taylorismo? mas pelo controle"... que a gerência conseguiu, de um só golpe, sobre
O primeiro é o da "dissociação do processo de trabalho das o ritmo da montagem, de modo que podia agora dobrar e triplicar o
~specialidades dos trabalhadores. O processo de trabalho deve ser índice a que as operações a serem excutadas deviam obedecer e assim
mdependente do ofício, da tradição e do conhecimento dos traba- submeter seus trabalhadores a uma intensidade extraordinária de
lha?ores. Daí por diante' deve depender não absolutamente da ca- trabalho". (14)
pacidade dos trabalhadores, mas inteiramente das políticas geren- O desenvolvimento obtido pelo taylorismo/fordismo quebrou
ciais". (11) uma barreira importante que abriu a possibilidade para a automação.
.O segundo princípio é o banimento de todo trabalho cerebral da Na síntese de H. Braverman sobre os efeitos da gerência cientifica,
ofi':lla e ~ua passagem para os departamentos de planejamento e de isso fica bem demonstrado:" ... a concepção prévia do projeto antes de
proJetos. E a separação _da concepção do trabalho de sua execução. posto em movimento; a visualização das atividades de cada traba-
Isso pressupõe um meticuloso estudo, pela gerência e pelos depar- lhador antes que tenham efetivamente começado; a defmição de cada
tamentos de planejamento, de todo processo de trabalho, identifi- função, o modo de sua execução e o tempo que consumirá; o controle
cando cada movimento executado pelo operário. Tomando conheci- e verificação do processo em curso uma vez começado; e as quotas do
mento (expropriando o "saber operário") do conjunto do trabalho, é resultados após a conclusão de cada fase do processo - todos esses
possível tr':°sformar o complexo em simples, decompor o processo aspectos da produção foram retirados da fábrica e transferidos para o
em um conJunto de ações simples e, a partir daí, organizaro processo escritório gerencial. Os processos físicos são agoraexcutados mais ou
como um todo. Assim, o processo de trabalho é estudado, planejado menos cegamente, não apenas pelos trabalhadores que o executam,
e controlado ~la gerência. Aos trabalhadores será apenas comunicado mas com frequência também por categorias mais baixas de emprega-
o ~esultado di~so tudo: " .._. so~ a forma de funções simplificadas, dos supervisores. As unidades de produção operam como a mão,
onentadas pormstruções simplificadas o que é seu dever seguir sem vigiada, corrigida e controlada por um cérebro distante" (15).
pensar e sem compreender os raciocínios técnicos ou dados subiacen- A imagem de Braverman, sintetizando a "organização cientifica
tes" (12). , do trabalho", indica a abertura de uma possibilidade: a mão pode ser
O terceiro princípio é o da utilização do monopólio do conheci- uma mão mecânica e o cérebro um cérebro mecânico.
~ento obtido pela gerência e pelos departamentos de planejamento O domínio sobre tempos e movimentos é uma base necessária,
··· para controlar cada fase do processo de trabalho e seu modo de porém, não suficiente para a automação completa: alguns movimentos
execução". (13) são complexos, significando a execução de trajetórias determinadas.
A d~composição de um trabalho complexo a operações simples, É necessário aguardar o desenvolvimento da robótica em si para
o co~ec1mento do pr?cesso de trabalho a ponto de ser possível o seu viabilizar a capacidade de reprodução de trajetórias.
planeJame:ito, a defimção dos seus tempos e ritmos, tudo isso é uma Criando essa base necessária, o movimento pela intensificação do
pontenúsSima base para a sua automatização: o que é conhecido e trabalho abre a possibilidade de seu oposto: a abolição do próprio
controlado é programável. trabalho ... Afinal, uma tarefa simplificada e decomposta, que será
O fordismo será o mais destacado descendente do taylorismo. "O executada porum trabalhador como um movimento único e repetitivo
elen_iento chave da nova organização de trabalho era a interminável (como faz Carlitos na fábrica dos Tempos Modernos) é facihnente
esteira transportadora, na qual os componentes do carro eram trans- mecanizável...
portados e que à medida que passava com paradas periódicas, os Será a partir dos limites e das potencialidades do legado taylo-
homens excutavru:n operações simples". A linha de montagem ideali- rista/fordista que se erguerá a automação com base na microeletrônica.
zada_ I?<'.r Ford s1gmfigou uma fantástica elevação da produção, Passemos a microeletrônica.
poss1b1htada não apenas pela mudança na organização de trabalho
38 1.2 - As bases técnicas
Durante a Segunda Guerra Mundial haverá um grande desen-
volvimento da eletrónica e o surgimento do computador eletrônico. que as lutas operárias desenvolvendo táticas específicas para enfrentar
Este, um monstro de válvulas, será desenvolvido por encomenda do a "organização científica do trabalho" e aprendendo a lutar nas
Departamento de Defesa dos Estados Unidos, instalado no campo de condições por ela imposta, colocarão em cheque progressivamente a
treinamento de tiro da sua Força Aérea. A era do processamento eficácia deste sistema. Passa a ser uma necessidade para a burguesia
eletrônico de dados estava inaugurada. a superação dessa nova limitação.
Já estamos em um penodo caracterizado pela inovação tecnológica Além disso, a persistência da dinâmica de intensificação do
permanente. trabalho e da busca de redução de custos localizará os limites que a
A partir daí há uma rápida evolução da eletrônica em si, que "organização científica do trabalho" apresenta para a acumulação
passará dos primitivos computadores baseados nas válvulas (1951/ capitalista. Em primeiro lugar, há um custo que é criado pelo tempo
1958), aos baseados nos transístores, semi-condutores (1959/1965), em que o produto circula na linha de montagem sem ser trabalhado.
chegando em 1965 à era dos circuitos integrados (que viverá uma Em segundo lugar, há o custo de estocagem que o produto em curso
dinâmica de integração crescente a partir de 1972, passando pela LSI de transformação constitui. Em terceiro lugar, há uma desigualdade de
- Large Scalle Integrated - e chegando à VLSI - Very Large Scalle carga de trabalho sobre os vários postos de trabalho da linha fordista.
Integrated) e à era da microeletrônica. E, finalmente, em quarto lugar é uma organização do processo de
Ao mesmo tempo em que há o desenvolvimento do hardware dos produção muito pesada para ser modificada em função de necessi-
computadores, o software se sofistica: a programação pode cobrir dades do mercado, é uma linha de pouca flexibilidade.
várias áreas de atividade. Desenvolve-se o chamado firmware: a Para superar essas limitações, é que se lança mão da nova
lógica de seu programa já vem fisicamente acoplado ao hardware. São automação, baseada no emprego da robótica e da eletrônica. Ela se
circuitos integrados, já planejados e produzidos para comandar uma centrará em dois objetivos centrais: 1) tentar obter a mais alta taxa de
determinada tarefa. engajamento das máquinas e dos homens, reduzindo os tempos
O tratamento eletrônico de informações pode ser generalizado e mortos e os tempos improdutivos de circulação; tomando mais densa
tem um grande desenvolvimento. e compacta o processo de trabalho, integrando melhor as diferentes
A aplicação deste desenvolvimento à unidades de produção é sequências produtivas; e 2) dar maior flexibilidade à linha de pro-
tecnicamente viabilizado: é fácil, imaginarum mecanismo eletrónico, dução. (16) Os ganhos de produtividade são consideráveis.
devidamente programado, comandando a ação de uma máquina de Raciocinando e discutindo o fim de um processo de acumulação
base hidráulica ou pneumática. baseado no taylorismo e no fordismo, Oliver Pastré identificará uma
Sendo praticamente um subproduto da fase inicial. da economia crise do trabalho: " ... a imposição de um trabalho mais e mais
armamentista, a base técnica da moderna automação se encontra parcelarizado (produto do taylorismo) termina levando ao absen-
disponível desde o final da década de 40. A utilização produtiva destas teísmo, ao turn-over e a um desenvolvimento de problemas e até
novas tecnologias se iniciará pela indústria química, já no início dos mesmo de sabotagem". Frente a essa "crise do trabalho" a " ...
anos 50. informatização seria uma tentativa de racionalização. entre outras".
(17)
1.3 - As necessidades do capital e a aplicação da informática O parque industrial do Japão é o que está mais avançado na
à produção utilização das tecnologias baseadas na informática: como uma ilus-
Com.a base técnica à disposição e com a organização do trabalho tração das razões do processo, seria interessante uma rápida discussão
em uma situação que viabilizava a sua aplicação, serão as necessidades sobre esta situação.
do capital que determinarão a conjugação desses dois elementos que Em um interessantíssimo estudo intitulado Luta de classe e
fornecem a base para o surgimento da automação baseada na microe- inovação tecnológica no Japão desde 1945, Muto Ichiyo vai mostrar
letrônica. como no interior de um pacto com o imperialismo americano há um
A luta de classes se faz presente: será principalmente nos anos 60 longo processo de erosão da força dos trabalhadores e a evolução do
40 41
É necessário ainda pensar no desenvolvim~nto de _in,:lú~trias
poder das "corporações". No quadro deste processo, uma preocupação como a nuclear: é uma exigência mínima, fisiológica, a eX1Stencia de
particular da burguesia era a erosão da força dos trabalhadores no local proc"essos de produção contínuos e automáticos, livres do contato
de trabalho, no interior da unidade de produção. O autor afirma que o direto por mãos humanas.
gerenciamento japonês conseguiu impedir o crescimento da mi- Há ainda outros impulsos em prol da auto_mati~ção dados pela
litância na fábrica através" ... do que poderia ser chamado de 'abor- elevação da demanda. Um exemplo é a teleforua: esuma-se que se as
dagem pós-taylorista' (post-taylorist organic approach), cujo objetivo telefonistas continuassem a fazer às chamadas toda a população norte-
era eliminar e não conter a força dos trabalhadores na fábrica". americana deveria trabalhar para atender à demanda daquele país...
A introdução de processos com novas tecnologias (ampliando a
composição orgânica do capital), à medida em que despertava a 2 _ Os produtos da automação com base na microeletrôni':11
resistência fez com que se introduzisse " ... um novo tipo de controle Há em primeiro lugar o computador, as máqu~as resP?nsáveis
do trabalho para superar tal resistência". Este ataque contra a resitência pelo processamento eletrónico de dados. ~ utilização Já quase
operária vinha acompanhado de uma série de derrotas do sindicalismo universal (particularmente após o desenvolvtmento do micro, d~s
mais reivindicativo para a ala direita do movimento sindical japonês, mini e dos superminicomputadores), cumpre desde tarefas estn-
enfraquecendo ainda mais a militância no interior das fábricas. Assim, tamente administrativas (folhas de pagamento, e<:ntole de_ pessoal,
durante os anos 1960 a massiva acumulação de capital"... se deveu, balanço financeiro) passando por funções relativas à circulação
em muito, à quebra da força dos trabalhadores na fábrica. O grau do (controle de estoque~ e do processo de comerci~zação), articulando
sucesso obtido pela gerência ·na desmobilização da resistência ope- a lógica do processameno eletrónico entre vários setores e depar-
rária foi tal que puderam se sentir livres para implementaras inovações tamentos (como nos bancos, onde gerencia bancos de dados, f~
tecnológicas, expandir a escala da produção e ainda obter mais valia atualizações em tempo real de saldos, administra a transferência
extra para ser reinvestida. E, inversamente, estas inovações tecnológi- eletrónica de fundos) e chega até a integrarpl~ejamento e ~rodução,
cas e a racionalização do sistema de trabalho tenderam a desintegrar articulando a informatização de toda uma urudade económica.
ainda mais a solidariedade da classe trabalhadora". (17a) Em segundo lugar, há os automatismos ~specfficos. do, se!or
É uma boa mostra das relações entre as necessidades do capital, industrial, onde uma distinção básica deve ser feita entre as md~stnas
as mudanças tecnológicas e derrotas do movimento operário. de processo continuo e as de processo descontinu?: há uma desigual-
Um outro aspecto que pressiona pela utilização da informática e dade no desenvolvimento dos ritmos de automauzação n~le. (_19!
da microeletrónica são as exigências que os padrões novos de pro- Nas de processo continuo, que são indústrias como a siderurgica,
dução industrial vão colocando. Uma indústria, como a aeronáutica, a petroquímica e a nuclear, a produção é feita através de um fluxo: um
exige grande precisão na elaboração de seus vários componentes e na produto básico entra no processo de produção, .é processado e chega
junção deles: com o controle completo da concepção do trabalho é ao Estado fmal depois de passar por uma série de alteraçõe~ conhe-
possível automatizar sua execução. Foi exatamente buscando superar cidas e dominadas. Na indústria petroquímica será um coniunto de
a dificuldade de uma máquina em produzir hélices de helicóptero reações fisjco-químicas que ocorrerão d~rante o processo de pro-
respeitando determinados limites de tolerância, que um engenheiro dução· é necessário conduzir essa cadeia de reações, tendo um
contratado pela Força Aérea dos Estados Unidos teve a idéia de utilizar conju~to de instrumentos que meçam as caractei:sticas do produto.nas
um computador para orientar a máquina: ele havia usado computa- várias fases (segundo a sua temperatura, estágio das reações ffsic~-
dores para calcular o posicionamento dos furos e desenvolveu a idéia químicas). Nessas indústrias, a automatização se desenvolveu pn-
de usar o próprio computador para dir~tamcnte posicionar a máquina- meiro. O estudo da automatização do setor é? estudo do.controle d~
perfuratriz. Foi assim a origem do controle numérico usado nas processos (que envolve instrumentação, marupulação de mformaçõe
máquinas-ferramenta. (18)
e controle automático). .
Processos que exigem precisão não dispensam a aplicação da Nas indústrias de processo descontínuo, a automatização é um
informática à produção.
43
42 J
problema mais complexo_ por9ue envolve a reprodução de trajetórias N1>tas do Capítulo I / Segunda Parte
no espaço. Através de traJetónas no espaço, ditadas às ferramentas, é
que são obtidas as modificações na matéria em que consistem as
operações de produção. Estas indústrias deverão esperar" ... a década
de 70 - precisamente os robôs - para que os benefícios tirados dos
programas de informática e de eletrónica nas indústrias de processo
contínuo se traduzissem em novas formas de automatização". (20) (l) Marx, Karl, o Capital, vol. I pg 370
Nas indústrias de processo descontínuo serão utilizados os seguin-
(2) Marx, Karl, idem, pág 392
tes equipamentos: manipuladores, autômatos programáveis, máqui-
(3) Marx, Karl, idem, pág 421
nas-ferramenta com controle numérico e robôs.
(4) Marx, Karl, idem, pág 431
Em se tratando de indústrias, há ainda o CAD (Computer Aided
(5) Marx, Karl, idem, pág 438
Design) e o CAM (Computer Aided Manufacturing). A integração de .
(6) Marx, Karl, idem, pág 480
ambos origina o CIM (Computer lntegrated Manufacturing). Há
(7) Marx, Karl, idem, pág 483
ainda o FMS (Sistema Flexível de Manufatura).
(8) Marx, Karl, idem, pág 467
Passando a outros setores da atividade econômica "atingidos"
pela informática, há os editores de texto (que afetam a indústria (9) Marx, Karl, idem, pág 499 T hni ue et la dinamique
(10) Coriat, Benjamin e Boyer, R., La ec q
gráfica/editorial e jornalística), os leitores óticos (serviços postais,
compensação de cheques, comércio), os bancos eletrônicos. longue de l'accumulation, pTág 3~ lh e Capital Monopolista, pág 103
(11) Braverman, Harry, ra a o
Na verdade, a lógica digital se espalha pelo conjunto dos setores
da sociedade. Tratamos da gênese deste processo a partir da produção (12)idem, pág 107
e dos avanços da técnica, fundidos pelas necessidades da acumulação. ( 13)idem, pág 108
Os resultados desse processo vão muito além dos elementos que o (14)idem, pág 131
gestaram: afinal, a própria microeletrônica é uma indústria que busca (15)idem, pág 113 •
(16)Coriat, B., La robotique, pág .. 60/66A tomation and Economic
ampliar o seu mercado e propagar a sua lógica. Isso não permite que ·n J R Microeletron1cs, u .
qualquer setor de atividade econômica fique imune a ela. (17)Tam e, . ., r numerically controlled machine tools m
Development: the case o
Brazil, pág. 35/6 . · 31/34
(17a)Ichiyo, Mito, C S and TI m Japan, ~ag. .
(18)Pastré, Olivier, L'lníormatisation et I emplo1, pág.47
(19)Coriat, B, idem, pág. 10
(20) idem, pág. 8/1 O

44 j 45
. . d I contínuas revoluções nos próprios
TERCEIRA PARTE: A ACUMULAÇÃO DE CAPITAL E A
QUEDA TENDENCIAL DA TAXA DE LUCRO
produção capitalista, da ª pe as .
métodos de produção, pela desvalonza~~ :~J
m revinculada a elas do
e pela necessidade de
capital disponível, peladluta ~~~:~~scala meramentecomo meio
melhoraraproduçãoe eamp , ., '
de manutenção e sob pena de ruma . (1)

1 - ~ qu~stão da composição d~ :~~olvimento das forças


rodtti:~:{~~f!~c~~~!~ãã~ ~a composi~ãtalo ~srtag~~~i ~gupit!
P d, · ai do processo cap1 1 ·
como uma ten e1_1cia ger afi ção é interessante que se proble-
teóricos têm quesuonado essa rma •
matize esse tem.~. i ão do capital tem de ser apreciada sob
Para Marx ... a compods ç . t do valor é determinada pela
I - A Acumulação e a composição orgânica do capital .
d01s pectos Do ponto e vis a • ·
as · . ai divide em constante, 0 valor dos meios

Discutiu-se até agora, tentando passar pelas várias fases da


história do capitalismo, o fantástico desenvolvimento das forças
~~ºfr'.:Uiã~e 't:~~1:r.~ ~?~~ ::::i: ~:~~~~:~~~
salános. Do ponto . e vis m
s~:;~s~dâ!
em meios de produção e força de
produtivas. No tópico sobre "a lei do valor e o progresso técnico", é produção, todo capital se de:°ã ~determinada pela relação entre a
O
possível destacar duas características elementares do modo de pro- trabalho viva;_ essa co;::f°~ç pregados e a quantidade de trabalho
massa dos meios de pr uç em O d Chamo a primeira com-
dução capitalista: 1 - a permanente pressão para buscar produzir nas
melhores condições técnicas; 2 - a vitória da produção em grande necessária para eles serem e:;ipreg~o~\ a segunda de composição
0
escala sobre a produção em pequena escala. posição de ~ompo~ição seguf °. :~tr~ ambas. Para expressá-la,
Ao tratar das mudanças na organização e no instrumental de técnica. Ha est~e1ta correi~i~~ undo o valor, na medida em que
trabalho, identificou-se a utilização cada vez mais intensa de sistemas chamo a composição do cap . _ ~écnica e ref'He as modificações
de máquinas de complexidade crescente (aponto de ser uma possibili-
dade real o funcionamento de grandes unidades de produção com um
pequeno número de trabalhadores, vide o CIM -Computer Integrated
é determinada pela compos1çao
desta, de composição orgâ1ca d~::~~am~
Propositalmente os g1: os aci
. ai" (2) ~
atenção para a relação
posição orgânica. Pois será
Manufacturing). entre a composição técmca e a ~o~ .
af algumas críticas mc1dirão.
Há uma lógica inerente ao capitalismo que é a de utilizar cada vez justamente que . há história do capitalismo a elevação
mais "trabalho mono" em relação ao "trabalho vivei". Em outras Do nosso ponto ~e vi st a, . na sso ue se expressa tanto do
palavras, a utilização de mais capital constante em relação ao capital da compos!ção org~mca do capital, p_r~eios~e produção postos em
variável. A simples comparação entre uma indústria têxtil semi- ponto de vista técmco (cadadve: ~:ho menor em termos relativos)
artesanal da fase inicial do capitalismo com uma ultramodema e movimento por uma força e ra ro rcionalmente a utili-
robotizada indústria automobilística típica da era do capitalismo como de ponto de vista de valor (cresce p po .á el) Basta para
'tal constante em relação ao van v · '
tardio comprova essa "lógica". zação de c_ap1 . t pensar na já citada comparação entre a
Não é demais insistirna caracterização desse impulso de acumu- comprovansso, sunp1esmen e bili ti a
lação do sistema capitalista e sua relação dialética com as permanentes velha indústria têxtil e a ultra~modema automo s c .
revoluções nos meios de produção. Marx, ao discutir esse "impulso à · -o orgânica
acumulação", esse "impulso à ampliação do capital" e à produção de 2 - O debate sobre a elevação da compos1ça fi que" a
Questionando essa afirmação, Coriat e Boyer a rmam ...
mais-valia em escala mais ampla" ressaltará que" ... isso é lei para a
47
46
composição técnica do capital c nh
questão está aberta quanto à co~ ec~u uma ele~ação secular, mas a Outro aspecto da crítica de Bresser é uma pretensa suposição por
valor do capital ao ".alor da força ::~~~~~~.~~ª· que relaciona o Marx de uma taxa de mais-valia constante. É uma crítica antiga, que
Já Bresser Pereira dirá que " é . Rosdolsky já havia respondido à Bortkiewicz, apontando inúmeras
posição orgânica doca ital ··· pre~so não C?nfundir a com- situações que Marx havia trabalhado com a hipótese de taxa crescente
mais adianteesclarecerf ue;:<>m a composição téc~ca do capital" e de mais-valia. Bresserimagina uma situação onde os salários estariam
rd
que a produtividade do t~balh~:~;e ªde: ~rx sabia perfeitamente subindo. Evidentemente os salários podem subir simultaneamente
com a composição técnica d va mais et'.1111ente relacionada com a mais-valia, ou o gasto total com salários ao se empregar mais
o que unifica a crítica d~ re _com a composição orgânica". (4) trabalhadores pode também crescer (crescendo o capital variável). No
a quebra da "estreita correlação" ontt &lBdoyer à de Bresser Pereira é entanto, o que é fundamental é que a afirmação do aumento da
material. en reo ª odovaloreoladotécnico, composição orgânica do capital querenfatizaro aumento proporcional
É possível fazer essa quebr ? A 1 . do capital constante em relação ao capital variável e isso não exclui
mostraráquedesdeadiscussãoda~e eitui:3 atenta da obra marxista que ambos cresçam em termos absolutos.
se destacar a relação entre a dupla na~cado~a há uma pi::ocupaçãoem Já na afirmação de Coriat e Boyer, o que é mais curioso é a ênfase
de uso e valor de troca) com O d reza a mercadona (como valor no caráter secular da elevação da composição técnica do capital e o
sob o aspecto técnico-materi::f' lo ca~er do trabalho (considerando silêncio sobre qual seria a tendência secular da relação entre o valor do
presente ao definir a diferen e social) .. Essa preocupação está capital e o valor da força de trabalho. O questionamento feito à
variável· " as ça entre capital constante e capital elevação da composição orgânica de capital será feita citando peque-
· ··· mesmas partes do ca ·ta1 d
processo de trabalho se distingu pi • que O ponto de vista do nos movimentos (por exemplo: a expansão das mudanças técnicas
1
vos, em meios de pn'ictu ão e fo;m em e ementas objetivos e subjeti- permanentes para o setor de meios de produção que era inicialmente
processo de produzir m!s valia ça d~ t~abalho, do pon~o de vista do largamente artesanal). Argumenta com esses movimentos limitados
e capital váriável". (5) 'se diS!ínguem em capital constante no tempo para desmentir o que se deu no largo prazo... Voltaremos a
A não ser que Bresser esteja ro d esses movimentos mais adiante..
°
capital constante é impossf 1 P pon uma nova definição para Pelas críticas levantadas, não se provou sernecessário abandonar
trabalho esteja rel~cionada co':: ..iu ste~tardque a produtividade do a formulação clássica da elevação "secular" da composição orgânica
"capital constante". A confusã d s ~ews e produção" e não com o do capital. Não é necessário reescrever o item 2 do Capítulo XXIII de
definir o que seu veréadefiniçã~d eM resser se esclarec~ quando vai O Capital (Lei Geral da Acumulação Capitalista), que trata do
de Capital " é a rela e . arx para a composição orgânica "Decréscimo relativo da parte variável do capital com o progresso da
como ele t:u;Í~ veze/!º e:re O capital constante e o capital variável, acumulação e da concentração que a acompanha" ...
a força de trabalho empr::eadae ~ã~ ~ rt;lação entr~ capital constante e Sintetizando, o que é realmente essencial na colocação de Marx
f
técnica do capital" (6). cortlu \ªúllll?aémedidapelacomposição sobre a relação entre a composição técnica de capital e a composição
aspecto material do aspecto do !; asJlffi é dupl~: não diferencia o
colocar o capital constante em or a composi~ã? de capital (ao
orgânica são três pontos: 1) eles são proporcionais; 2) o crescimento
da composição técnica do capital tende sempre a ser maior que o da sua
constante dos meios de produção ambof e não disungue o capital composição orgânica (isto se deve à sistemática desvalorização dos
parte do capital por di'
.
°
por n saber encarar uma mesma
,crentes pontos de v· t . elementos do capital constante) e 3) em última instância, se a
defirnção do próprio Marx A 1 is a, como é feito na composição técnica do capital sobe, a composição orgânica subiria
fundamental, que é a rela ão o azeressas C?nfusões: Bresser perde o inevitavelmente.
capital: aquela determinfes~:~::aco~posição téc_ruca e orgânica do Podemos ir adiante, passando a discutir a relação entre a elevação
E não é demais insistir- determ. re ete as ~odificações daquela. da composição orgânica do capital e a queda da taxa de lucro. "Queda
diferentes de identidade. · mar e refleur são relações bem da taxa de lucro e acumulação acelerada são, nessa medida, apenas
expressões diferentes do mesmo processo, já que ambas expressam o
48
49
desenvo)vimento da força produtiva". (7) menos nas esferas decisivas da produção, implicando portanto em
E a unportância desta discussão é óbvia pois " a ta modificações na composição orgânica média do capital global de urna
é a força impulsionadora da produção capitalista" A... xa de lucro detenninada sociedade.
que acontece com ela é vital para compreender ~ ló~rncapdree".são do No exemplo, Marx considera (para efeito didático, seguramente)
corno um todo. b· o sistema
a taxa de mais-valia constante. Mas sempre charnará a atenção para a
pennanência da queda da taxa de lucro mesmo com a taxa de
II • A Lei da queda tendencial da taxa de lucro exploração crescente (é só fazer um outro esquema para comprovar
isto).
1 • A queda da taxa de lucro · Vários exemplos serão dados relacionando a queda da taxa de
Na sua discussão sobre "a lei enquanto tal" M . lucro com número igual ou crescente de trabalhadores (ou seja, com
de um esquema hipotético. arx começa a partir urna massa de mais-valia igual ou crescente). A atenção é chamada
A taxa de lucro foi exausti di . para o que é fundamental na lei que é, como já foi visto, o decréscimo
Volume III do Capital. Ela é dife;~e~!eta scdutida _na S~ção I do relativo do capital variável em relação ao constante:"... a relação se
A ta d · ali xa e mais-valia modifica não porque a massa de trabalho vivo cai, mas porque a massa
xa e rnrus-v a é a relação entre o trabalh ã .
otrabalhopago(v).Ernoutraspalavras atax d _on ~-pago(rn)e de trabalho já objetivado que ela põe em movimento sobe. A dimi-
entre a massa de mais-valia e a massa de sal~ e mais-val1aé a relação nuição é relativa, não absoluta, e de fato nada tem a ver com a grandeza
de lucro é a relação entre a massa d . oalispaga(rn/v). Já a taxa absoluta do trabalho e do mais-trabalho postos em movimento. A
·mvesti'do (!'=m/C), sendo que o capital
e rnais-v
global é a e o capital global
. queda da taxa de lucro não nasce de urna diminuição absoluta, mas de
pagos com o investido em capital constante (C =~s~~) dos salános urna diminuição relativa do componente variável do capital global, de
Tomando como dado e constant . . · sua diminuição comparada com componente constante". (8)
~::~!\;~~~~a~~it~!~'.~~ ~~~::~t;1~!~~:::e~t~: ::::: Em toda a discussão, Marx não deixa de relacionar essa lei da
sociedade capitalista com o progresso técnico: " ... a tendência pro-
gressiva da taxa geral de lucro a cair é, potanto, apenas urna expressão
Se c = 50, v = l 00, então 1' = 100/150 = 66 2/3% peculiar ao modo de produção capitalista para o desenvolvimento
Se c: 100, v = 100, então l' = 100/200 = 50% progressivo da força produtiva do trabalho social" (9). Essa obser-
Se c:::: 200, v = 100, então l' = 100/300 = 33 1/3% vação é importante para atentar a todos os aspectos da "turbulenta"
Se c - 400, v = 100, então 1' = 100/500 = 20% relação entre o progresso técnico e a queda da taxa de lucro. Por ora,
é importante ressaltar a relação causal entre um (o progresso técnico)
Como se vê, à medida qu 1· ai e outra (a queda da taxa de lucro).
em relação ao capital variá:e~c~i.; t const~teernpregadoaumenta
medida que a composição orgânic,/:ªciu~ ª na taxa d~ lucro. À 2 - Por que tendência?
lucro. Assim fica claro que toda a tentativa d1 ai c~sce, cai ª. taxa de Até agora discutimos aspectos que indicam a queda da taxa de
elevação da composição doca ital é equestionaravalidadeda lucro corno consequência do aumento da composição do capital e do
capitalista. A prova da não I
P~Pf
tionarnento da queda da taxa de l~cro co:::;:ª ção para o ques-
um ~m rnenodaeconomia
desenvolvimento da força produtiva.
Mas por que a queda tendencial?
da invalidade da lei da qu~:~:\i::~:. composição é a demonstração Na introdução do capítulo que trata das causas contrariantes,
Na sua demonstração Marx mais adiante fi Marx brincará que, se tornar em consideração o fantástico desen-
observada no esquema ~a tendência real a nnará ser a te~dê~cia volvimento das forças produtivas".:. ainda que somente nos últimos
ocorrendo não apenas em esferas isoladas d~ªpf:1uãção cap1tal1sta, 30 anos" (imaginem hoje, nos últimos 150 anos .. ), a dificuldade
uç o mas em pelo deixará de ser a de explicar a queda da taxa de lucro e passará a ser a
50 51
1
1

de esclarecer porque a queda não foi maior ou mais rápida ... A


conclusão é que" ... deve haver influências contrariantes em jogo, que
cruzam e superam os efeitos da lei geral, dando-lhe apenas o caráter
.
compreender o mec~sm~fi ª
d
ªi
ão das causas contrariantes).
do trabalho (uma das formas de
A primeira é a mtens1 caç o alho . vimos na parte sobre a
de uma tendência, motivo pelo qual também designamos a queda da elevar o grau de exploração do trab ). árias épocas (com
taxa geral de lucro como uma queda tendencial" (10). · . balh O papel que teve em v
organização do tra . o, mo ela é um elemento que prepara a
A primeira questão a ser compreendida está ligada à relação destaque para o taylonsmo) e co . ário e automatização de processos
contraditória que várias causas da queda da taxa de lucro têm com a introdução de inovações no maqum
lei, pois muitas vezes a mesma lógica que determina a queda da taxa
de lucro estabelecerá fatores contrariantes a essa queda. Atuarão pré-existentes. . od ã d invençõesnoprocessoprodutivo(ou
A segunda é a mtr uç o e odu ão)
gerando a queda ao mesmo tempo em que criam condições para inibir
utilização pioneira de m::ios ;étc:~:o'::;ais ~vançados antes deles
essa queda. Os fatores contrariantes agem inibindo mas não anulando
a tendência à queda," ... as mesmas causas que geram a tendência à Quem _emprega m;t ?.s :.P~axa de lucro subir (auferirá um
se generalizarem ver a su rrência tenha equalizado isso.
(11). da taxa do lucro também moderam a realização dessa tendência"
queda superlucro, como vimos) até que a con~~ditório da utilização dessas
Interessante ressaltar O aspecto co~ tivo· num primeiro momento
Para iniciar a compreensão da ação das causas contrariantes basta inovações, de invenções no processo p n~ ~egundo aceleram a sua
inibem a queda da ta~~. de~~~!~ colocada a questão se e~~ as
tomar a fórmula do cálculo da taxa de lucro e experimentar algumas
variações possíveis (de uma maneira bastante esquemática).
A fórmula é a seguinte: l' = m /(e+ v). queda. Ma~ ~rgunta. ..d da taxa de lucro, ainda que em últtI!!a
causas que lillbem a que a bém se incluem as elevações da mais-
Reduzironumerador(c + v = C) é aumentar l '. Seja reduzindo o instância sempre acelerem, tam rárias mas sempre recorren-
capital constante ("barateamento dos seus elementos"), seja redu- valia acima do nível geral, que são tempo de rodução em benefício
zindo o capital variável (reduzindo salários) ou combinando os dois. tes,quesurgemoraneste:an~qu~~::~s ~te antes' de terem se
A ampliação da massa de mais-valia (m) permanecendo constante
do cap~talista que se u za de~e ser respondida afirmativamente"
o numerador proporciona o aumento da taxa de lucro (o que seria generalizado. Essa pe_rgu!lta .s de uma vez destacarmos a
obtido com o prolongamento da jornada de trabalho, por exemplo).
(12). Essa citação se JUSllfica para ~~esso técnico e a taxa de lucro:
complexidade das relações e~tre_ ~ ~~!ência da lei enquanto tal, mas
A taxa de mais-valia é igual a m/v (logo, m' = m/v em= m'v).
Substituindo isso na fórmula geral da taxa de lucro encontraremos 1'
= m' (v/C). Essa fórmula demonstra que a elevação da taxa de mais-
determina a sua queda~ ª. pnP: da embora quando faça isso
valia pode contrariar a queda da taxa de lucro. Mas é importante que
tem a possibilidade de lll?1
~ ª s~a '/;e . a'_ essa queda. Não há nada
termine por acelerar - em ultima ms ncr
se tenha consciência do limite do aumento dessa taxa (a duração da
jornada de trabalho e a parte dessa jornada necessária para reproduzir de linear nessa relação... d elementos do capital constante.
a própria força de trabalho). A terceira é o barateament~ ;s à Seção do 3• Volume de O
Marx inicia essa parte se refenn ° 1
bre "Economia no emprego
3 - As causas contrariantes Capital onde existe,,todo um cap:~~~t:~'economia nas condições de
No capítulo sobre as causas contrariantes, Marx discutirá 6 delas; do capital constante (n~udal ~~ "economia na geração de força e em
trabalho à custa do tra~a a otr , dos excrementos da produção" e
elevação do grau de exploração do trabalho, compressão do salário edificações", "aprove1tamen o,,
abaixo de seu valor, barateamento dos elementos do capital constante,
"economia mediante inve.~ções ). tr .ante" são interessantes: um
superpopulação relativa, comércio exterior e aumento do capital por
ações. Dois aspectos dessa causa cona Z1ucro em um ramo industrial
diz respeito a como a ~levação da tax rodutiva do trabalho em outro
Vamos nos debruçar sobre apenas algumas delas, que têm uma se deve ao desenvolvimento daif?rça ~ na indústria produtora de
relação direta com o tema geral do trabalho (e que também permitem
ramo. Exemplo: ~m ,de~nvêo ~Im~~~tará um "barateamento do
52 máquinas para a mdustna t x a
53
:;l!Pita1 constant~" dessa indústria elevando assim a sua taxa de lucro. rn · As críticas à lei da queda tendencial
_E o desen_volvunento da força produtiva do trabalho em sua repar-
tiçã? extenor, que ~e fornece meios de produção, mediante a qual Roman Rosdolsky afinna que "... dificilmente exista outro princípio
aqw o valor do capital constante empregado pelo capitalista é relati- do edifício teórico econômico de Marx que a crítica acàdêmica e não
vamente reduzido, sendo, portanto, awnentada a taxa de lucro" (13). acadêmica rechace tão unanimimente como sua lei da queda tenden-
O ?utro aspecto trata da diferença entre o crescimento da massa cial da taxa de lucro" (15).
de capital constante, e do valor de seus elementos. Com o desen- Nwn apêndice intitulado "A crítica mais recente da lei marxiana
vo!vimento da força produtiva haverá não só a produção de máquinas, da queda da taxa de lucro", Rosdolsky responderá às críticas então
~~ca9ões etc,_mas a sua produção se dará em condições melhores, formuladas por Sweezy, Robinson, Bortkiewicz, e Moszkowska.
dimrnurndo assim o valor de seus elementos. · Variam entre a acusação de que Marx havia concebido essa lei
. Assim, " ... o mesmo desenvolvimento que eleva a massa de preswnindo a taxa de mais-valia constante à desconsideração (dos
capital const_ante em relação ao variável diminui, em decorrência da críticos) da existência de limites ao crescimento dessa taxa (como já
rorça produtiva de trabalho aumentada, o valor de seus elementos, e vimos). Acusam Marx de separar arbitrariamente os fatores que
Jm~de portanto que o valor do capital constante, embora crescendo causam a queda da taxa de lucro dos que a contraditam, concluindo dos
conti~ualmente, cresça na mesma proporção que seu volume material, primeiros a lei dos segundos as causas contrariantes (vimos na parte
ou S?Ja, que o volume material dos meios de produção postos em anterior a estreita ligação entre o que causa e o que inibe a queda e o
!l'ovunento pela mesma quantidade de força de trabalho. Em casos tratamento dado por Marx que as articulava ao invés de separá-las).
isolados, a massa dos elementos do capital constante pode até aumen- Acusam-no de não levar em consideração o progresso técnico bara-
tar, enquanto seu valor permanece igual ou até mesmo cai" (14). teando o capital constante (transcrevemos longas citações de Marx
. . Os exemplos acima são muito interessantes para exemplificar a .sobre isso). Críticas devidamente respondidas por Rosdolsky (que usa
~d~ia de que o ~esmo processo que detennina a queda da taxa de lucro fartas citações da obra de Marx).
unhe a sua realização.
O que pretendemos aqui é discutir algumas críticas "novas"
Desta rápida smtese, o que é fundamental é a compreensão da (embora nada originais) formuladas por Okishio, Bresser e Coriat &
queda da taxa do lucro (co~o consequência da acwn ulação de capital), Boyer.
da ação das causas contranantes, da interação extremamente contra-
ditória e multifacetada entre ambos e o caráter tendencial da queda da 1- Okishio
taxa de lucro. Não podemos perder de vista o elemento dinâmico da Nebuo Okishio é citado tanto por Bresser como por Coriat &
compreensão da queda da taxa de lucro como tendência. Boyer em suas críticas à lei.
E entender esse caráter tendencial é compreender a complexidade O argumento de Okishio é o de que os capitalistas ao investirem
do fenômeno com o qual estamos lidando. Justifica um comentário de se guiam pelo custo e não pela produtividade a serobtida (insinuando
Gyorgy _L~kács, extraído de sua "ontologia do. ser social": " ... a que para Marx é por esse critério que se guiam os capitalistas). Bresser
tend_enc,ahdade enquanto fonna fenomênica necessária de wna lei na tem em seu livro um capítulo dedicado ao "Progresso técnico e o
totalidade concreta do ser social, é consequência inevitável do fato de teorema de Okishio" onde ele reproduz um trecho do trabalho "Tech-
que nos encontramos aqui diante de complexos reais que interagem de nical changes and the rate of profit" onde Okishio diz que " ... os
modo complexo, frequent~ment? passando por amplas mediações, capitalistas escolhem uma nova técnica de produção acima de tudo de
com outr~s compl~xos reais; a lei tem caráter tendencial porque, por. acordo com critério de custo. Mesmo que haja técnicas que aumentem
s~a ~rópna essência, é resultado desse movimento dinâmico-contra- fortemente a produtividade do trabalho, elas não serão introduzidas a
ditóno entre complexos" (14a).
não ser que reduzam os custos de produção... Portanto devemos aceitar
A c~mplexidade da tendência é algo muito além do que um limite a conclusão de que cada inovação técnica adotada pelos capitalistas
matemático ou uma resultante física.
nas indústrias básicas necessariamente awnenta a taxa de lucro a não
54
55
ser que a taxa de salários cresça suficientemente (para impedir esse m~cações finais causadas pela introdução das inovações em algum
aumento)" (16). ponto do sistema económico, sendo "visualizável" a queda da taxa de
Coriat & Boyer apoiam-se no trabalho de Okishio, que segundo lucro. Esse processo é o que Okishio não vê ao enfatizar apenas a
eles " ... mostrou que quando a introdução de novas tecnologias de elevação da taxa de lucro imediata à introdução da inovação. Marx
produção se faz baixando os custos de produção, a difusão dos chama, novamente de uma maneira explícita, atenção para essa
processos correspondentes conduz em definitivo à uma alta da taxa de dinâmica (esse trecho é continuação imediata da citação anterior):
lucro e não à sua queda" (17). depois de constatar que o procedimento de produção adotado pelo
A resposta a Okishio deve ser dada em dois aspectos. O primeiro capitalista inovador está acima da média do social, conclui dizendo
diz respeito ao que motiva o capitalista a investir. que" ... mas a concorrência generaliza-o e submete-o à lei geral. Então
Toda a discussão feita na Parte I (A lei do valor e o progresso se inicia o descenso da taxa de lucro - talvez primeiro nessa esfera da
técnico) tentou esclarecer o que leva o capitalista a buscar métodos produção, e depois se equaliza com as outras -, o que é totalmente
mais avançados, mais produtivos: não é a produtividade em si, mas o independente da vontade dos capitalistas" (18). Esse processo da
que ela pode habilitá-lo a atingir o que é a capacidade de produzir as queda da taxa é iniciado por ação dos capitalistas e prosseguem apesar
suas mercadorias com um valor individual inferior ao valor de e independente da sua vontade, não é uma decisão voluntária e
mercado e, portanto, auferir um "lucro extraordinário" (na economia premeditada de alguns capitalistas...
mercantil simples um valor individual inferior ao valor de mercado; Essa distinção entre a introdução da inovação e as consequências
na economia mercantil capitalista, um valor individual inferior ao para além do curto prazo é importante para a compreensão do caráter
preço de produção). Essa discussão é suficiente explícita no próprio tendencial da lei. O próprio Luckács chama atenção para este ponto,
Capital: "... nenhum capitalista emprega um novo método de pro- destacando que "... a taxa de lucro, em sua queda tendencial, é
dução, por mais produtivo que seja ou por mais que aumente a taxa de certamente o resultado final de atos teleológicos individuais, ou seja,
mais-valia, por livre e espontânea vontade, tão logo ele reduza a taxa de posições conscientes, mas seu conteúdo, sua direção etc, produzem
de lucro. Mas cada um desse novos métodos de produção barateia as o exato oposto do que era visado objetiva e subjetivamente por esses
mercadorias. Ele as vende portanto originalmente acima de seu preço atos individuais. Esse fato fundamental, elementar e necessário, da
de produção, talvez acima de seu valor. Embolsa a diferença entre os existência e das atividades histórico-sociais dos homens se apresenta,
seus custos de produção e o preço de mercado das demais mercadorias, também nesse caso, sob uma forma que pode ser verificada de modo
produzidas a custos de produção mais elevados. Pode fazê-lo porque exato: quando as relações económicas são compreendidas em sua
a média do tempo de trabalho socialmente exigido para a produção totalidade dinâmica e concreta, toma-se evidente, a cada passo, que os
dessas mercadorias é maior que o tempo de trabalho exigido pelo novo homens fazem história, mas os resultados do decurso histórico são
método de produção. Seu procedimento de produção está acima da diversos e frequentemente opostos aos objetivos visados pelos ineli-
média do social" (18). mináveis atos de vontade dos homens individuais" (14a).
O segundo aspecto se relaciona com a taxa de lucro. Em todo o Voltando à nossa discussão, fica demonstrado em ambos aspec-
trabalho ficou claro que a introdução de inovações obterá "lucros tos abordados as limitações do teorema de Okishio e o seu insucesso
extraordinários" (na expressão de Rubin) ou "superlucros" (na expres- para derrubar a "rechaçada" lei de Marx. Nesse ponto, é necessário
são de Marx). Mas a introdução da inovação não passa de um primeiro esclarecer que o próprio Bresser Pereira considerará que o teorema de
momento da dinâmica do desenvolvimento das forças produtivas. Okishio "perde validade" ...
Uma vez introduzida uma inovação, todo um processo é detonado, na
medida que um determinado "equilíbrio" do processo económico terá 2 - Bresser Pereira
se rompido e haverá todo um conjunto de modificações, reequilíbrios Passemos assim ao que para Bresser tem validade em seu
que levarão a economia como um conjunto mais amplo a atingir um "reexame" da lei.
"novo patamar de equilíbrio". E será então aí que serão observadas as Na sua "conclusão mais geral", ele aponta o centro de seu
56
57
reexame: " ... abaixa da taxa de lucro não é uma necessidade inerente deste ensaio. Corresponde ao progresso técnico poupador de capital".
do desenvolvimento capitalista, na medida em que a composição (22) (Desnecessário repetir que Marx não tratou apenas dois parágrafos...).
orgânica do capital não é necessariamente crescente. A elevação da A produção de máquinas mais baratas a partir de um determinado
composição técnica do capital pode ser contrabalançada pela redução momento foi considerado na formulação original da lei (transcreve-
dos preços relativos dos bens de capital em função de um progresso mos várias citações que tratam disso): e isso "modera" a tendência à
técnico poupador de capital". (19) queda da taxa de lucro. Está sendo dado um novo nome - "progresso
Esse é o elemento chave do "reexame" de Bresser. Há três tipos · técnico poupador de capital" - para este sub-tópico da causa contra-
de progresso técnico: o poupador de trabalho, o neutro e o poupador riante barateamento dos elementos do capital constante que trata da
de capital. reposição de máquinas antigas por novas. Até aí nenhuma novidade.
O progresso tecnológico poupador de trabalho seria dispendioso Este tópico talvez tenha uma validade muito limitada: ele t~ta
de capital (é o tipo de progresso técnico que substitui homens por apenas da substituição de máquinas antigas por novas mas máqumas
máquinas, mecanização); é este tipo de progresso técnico que" ... em de uma mesma geração, de uma mesma "idade tecnológica". Por
sua análise Marx geralmente pressupõe"; logo, é de se esperar a sua exemplo: substituir uma máquina ferramenta tradicional por uma
previsão da elevação da composição orgânica de capital e a inevitabili- máquina ferramenta com controle numérico significa passar de uma
dade da queda da taxa de lucro. Bresseré compreensivo com o teórico máquina mais barata para uma mais cara (e que será manejada w~um
alemão:" ... no século passado, quando Marx realizou sua análise, as número menor de operários). E como desde o tempo de Marx Já se ·
inovações tecnológicas provavelmente tinham caráter principalmente passavam várias gerações de máquinas (vapor, mecânica, elétrica,
dispendioso de capital"... Mas o tempo passa e as coisas vão mudando com controle computadorizado) Bresser se encontra numa posição
de figura ... melhordoqueMarx para percebem significado da "baixado preço dos
"À medida, entretanto, que a industrialização avança e que o elementos do capital constante" como uma "contratendência" que
progresso técnico se concentra não mais na substituição de mão de inibe mas não anula a tendência à queda ...
obra direta - trabalhando com ferramentas - por máquinas, mas na Se o "progresso técnico poupador de capital" tem algum.peso
substituição de máquinas menos eficientes por máquinas mais eficien- real, como explicar, então, que a dinâmica de acumulação, concen-
tes e, portanto, mais baratas, o progresso técnico médio da economia tração e centralização de capital prossiga (mesmo na "segunda metade
vai deixando de ser dispendioso de capital para se tomar neutro e em do século XX nos países centrais"... ) a ponto da empresa típica da atual
seguida poupador de capital. Este processo também se acelera na. fase do capitalismo ser a grande corporação transnacional?
medida em que os bens de capital deixam de ser produzidos arte- Se o "progresso técnico poupador de capital" dá o tom na
sanalmente, para serem produzidos industrialmente, de acordo com dinâmica capitalista recente, como explicar que "a introdução das
critérios de eficiência e, potanto, de introdução de inovações tecnológi- inovações tecnológicas cada vez mais sistemáticas" tenham lugar nas
cas cada vez mais sistemáticas". (20) grandes empresas e não nas pequenas?
O progresso tecnológico só levará ao crescimento da composição Se o "progresso técnico poupador de capital" tem alguma vali-
orgânica no caso de ser "dispendioso de capital", dirá Bresser, que dade na dinâmica real da economia capitalista, por que não se assistiu
ainda acrescenta que esse é um caso" ... improvável a partir da segunda em algum momento (desta metade do século e em um país central)
metade do século XX nos países centrais" (21 ). algum sinal de uma inversãÓ no "decréscimo relativo" do capita,
Numa primeira apreciação, a critica de Bresser parece ser mais variável em relação ao constante? Por que cresceu o desemprego
uma da série das que hiper-valorizam aspectos da causa contrariante estrutural nos países centrais em plena segunda metade deste século?
"barateamento dos elementos do capital constante". O próprio Bresser Bresser apresenta um conjunto de gráficos na página 145 de seu
vai reconhecer que" ... já a 'baixa do preço dos elementos do capital livro onde indica que a composição orgânica do capital ficou estável
constante', que Marx tratou em apenas dois parágrafos, é a contra- desde 1945, apesar do progresso técnico típico dos países centrais ser
tendência fundamental, que examinamos nos primeiros capítulos ou o "neutro" ou o "poupador de capital"... O mais estranho é que com
58 59
a composição orgânica estável... a taxa de lucro cai ... capital é indiscutfvel (até mesmo na indústria brasil~i~a de auto~óve!s
A conclusão desta discussão pode ser posta nos seguintes termos: isso ê perceptfvel; na indústria da construção civil, o maqumáno
onde progresso técnico poupador de capital é apenas sinônimo de utilizado é muito mais numeroso hoje do que tempos atrás). Além
"barateamento de elementos do capital constante" é válido; onde ele disso, é importante considerar que a disc~ssão so~re a elevação da
é mais do que isso, perde a sua validade. Logo, não possui a composição orgânica do capital diz respeito à sociedade como um
legitimidade que Bresser quer lhe atribuir para justificar a sua con- todo, trata-se da composição do capital social (qu~ é a m_édia geral das
clusão mais geral de que "a composiçãô orgânica do capital não é composições médias de todos os ramos, os q~ais obviam~nte terão
necessariamente crescente" e que" a baixa da taxa de lucro não é uma uma composição bastante heterogênea e de~igual). AsSim_, o que
necessidade inerente do desenvolvimento capitalista". ocorre em um ramo isolado não pode caractenzar a economia como
um todo.
3 - Corial & Boyer Quanto à dinâmica de longo prazo da taxa de lucro, Boyer &
Passemos ao questionamento de Coriat & Boyer: eles consideram Coriat tentarão integrá-la ao esquema dos "regimes de acumulação":
"A 'lei' tendencial da queda da taxa de lucro mal colocada pelas teorias durante o "regime taylorista" a taxa de lucro teve ~a queda, m~
e pela história". durante o "regime fordista" esta taxa teve alta. Essa discussão é m~s
t uma crítica mais "cautelosa". Dirão que o conceito da lei da apropriada para a parte que vai tratar da dinâmica cíclica da economia
queda tendencial "é hoje fortemente contestado". Colocarão as críti- capitalista. .
cas de Okishio Gá discutidas aqui), cálculos de Kuznets (que indicam O que unifica o conjunto das críticas à lei da queda t:ndencial da
altos e baixos da taxa de lucro. "sem que se possa discernir tendências taxa de lucro é a incompreensão de seu caráter de tendência. T?ma-~e,
seculares"). então, elementos tópicos, isolados, que compõem a ~ua din:lnu~a
. Há, no entant~, um aspecto onde desenvolvem o seu ques- tendencial exacerba-se o seu papel: abandona-se o conJUnto, a totali-
tton_amento: é a dúvida sobre a elevação da composição orgânica do dade, tom~-se uma parte como o todo. E essa I?Crda da visão de
capital. Ela vem de dois lados. Primeiro, do já discutido: houve conjunto da lei obscurece a percepção da sua dimensão e da sua
alteração na composição técnica, mas do ponto de vista do valor "a vocação.
questão está aberta". Segundo: uma certa dúvida sobre a generalização
do que eles chamam "modelo da indústria têxtil inglesa do tempo de IV - A Lei e a dinâmica cíclica da economia capitalista
Marx", que seria algo como o modelo de mecanização (substituição do Após a sua exposição da "Lei enquanto tal" e das suas "Causas
trabalho morto por trabalho vivo). Nem todas as indústrias teriam contrariantes" Marx irá discutir (no capítulo XV) os "Desdobramen-
seguido esse modelo: as indústria de processo (petróleo, siderúrgica) tos das contradições internas da lei". E esses desdobramentos ~rão
s~. já as indústrias de montagem não (automobilística, construção uma resultante (que será personagem principal do _capítulo): as crise~.
crvil etc). Essas aumentarão a sua produtividade pelo controle sobre A relação entre a queda da taxa do lucro e as cnses é apontada, pois
o trabalho (taylorismo) e não pela mecanização. Isso nega a validade " ... à medida que a taxa de valorização do capital global - a tax_a de lucro
da "previsão" de Marx da extensão do modelo da mecanização para o - é o aguilhão da produção capitalista (assim como a valonzação do
conjunto da indústria, dirão. Esta aparenta ser a base para um outro capital é sua única fmalidade), sua queda retarda a formação de novos
argumento do questionamento da "lei":" ... além disso a relação entre capitais autônomos, e assim aparece co_mo_ ameaça para o desen-
o trabalho vivo e o trabalho morto pode permanecer constante à longo volvimento do processo de produção cap1tal1sta; ela promove super-
p~o pela ~imples condição que os ganhos de produtividade pro- produção, especulação.crises, capital supérfluo, ao lado de população
gndem sensivelmente ao mesmo ritmo do conjunto do sistema" (23). supérfua". (24)
Para polemizar com esses argumentos, é necessário considerar Desdobrando as "contradições internas da lei", Marx apontará
que se nas indústrias de processo o grau de automação é muito elevado, uma questão decisiva para a compreensão das crises: a distinção entre
nas indústrias de montagem o aumento da composição orgânica de as diferentes fases do processo global de produção capitalista. O
60 61
primeiro ato do processo é a produção da mais-valia (a produção das repetibilidade das situações de crise, daí o seu caráter periódico.
mercadorias nas quais o "mais-trabalho extraível está objetivado"). O ''A produção capitalista procura constantemente superar essas
segundo ato é venda da massa das mercadorias produzidas: sem esse barreiras que lhe são imanentes, mas só as supera por meios que lhe
segundo ato a exploração do trabalhador (a extorsão de mais-valia) antepõem novamente essas barreiras e em esca1íl mais poderosa" (27).
não se realiza para o capitalista. É a realidade da taxa de lucro, da sua moviméntação, das crises que
Esta sep~ção, esta dife~nciação entre fases distintas do processo engendra, que se construirá a dinâmica global do modo de produção
glo~al_está diretamente relac10nada com detenninações distintas para capitalista.
os lim1t1:s dessas fases:" ... as condições de exploração direta e as de · Marxtratoualeidaquedatendencialdataxadelucrocomoamais
sua realização não são idênticas. Divergem não só no tempo e no importante da economia política. Por sua composição na teoria
espaço, mas também conceitualmente. Umas estão limitadas pela marxista, ela pode ser o ponto de partida para a compreensão da
f<>rça produtiva da sociedade, outras pela proporcionalidade dos dinâmica longa do capitalismo. Por ela, podemos compreender a
dif~rentes ramos da produção e pela capacidade de consumo da pennanente busca da superação das barreiras "imanentes" e a criação
sociedade". Daí uma contradição básica: "... quanto mais, porém, se de novas e mais potentes barreiras. Essa tonnentosa e infernal busca
desei:ivolve a força produtiva, tanto mais ela entra em conflito com a é chave para a compreensão da dinâmica cíclica da economia.
estre1'.a base sobre a qual repousam as relações de consumo" (25). Esta é a dimensão que os críticos da "lei" perdem, ao absolutizar
Co~tam, por tanto, a expansão da produção e as condições para sua o que é tópico, eternizar o que é momentâneo, ao perderem a visão de
valonzação. conjunto, a visão do "conflito simultâneo de agentes antagônicos".
N~ interior d7s~: conflito mais geral (o que em última instância Deixam de se perguntar sobre o resultante do conflito, amesquinham
det:nn.ma a possibilidade e a neces&idade das crises no processo o significado histórico dessa resultante.
capitalista) agem todas as contradições, todas as tendências e contra- A discussão da lei da queda tendencial da taxa de lucro indica que
tendências que discutimos neste tópico. Os "agentes antagônicos" a arena para a sua compreensão· é o funcionamento no longo prazo do
atuarão uns contra os outros. E de uma.maneira simultânea: 1 -com capitalismo. A lei é um instrumento, uma ferramenta potentíssima
o des~nvolvim 7nto da força produtiva desenvolve-se a composição para essa análise. ·
supenordo capital, causando a diminuição relativa do capital variável Daí a grandeza da elaboração teórica de Marx. Tendo conhecido
em _relação ao constante; 2 - estimula-se, com o aumento global do "apenas" o capitalismo de seu tempo(!) desenvolveu essa elaboração
capital, <> ªll?1ento real da população trabalhadora, ao mesmo tempo cujo sentido vai ficando cada vez mais explícito à medida em que as
em que se ena uma superpopulação relativa; 3 - "com a queda da taxa várias fases do capitalismo vão passando.
de lucro cresce a massa dos capitais e, lado a lado com ela transcorre Pornão ter essa dimensão, Bresserna conclusão de seu "reexame"
uma desvalorização do capital existente, que retém essa q~eda e dá à da lei, será forçado a afirmar que" ... desde meados do século passado,
acumul~çã<> do valor-capital um impulso acelerador''. (26) entretanto, essa tendência (da queda da taxa de lucro) não se efetiva a
Penodicam7nte esse conflito entre a ação simultânea dos vários não ser ciclicamente, na medida em que uma série decontratendências
agentes antagôrucos desaguai:á, explodirá, nas crises. . de ordem econômica, tecnológica e institucional atua em sentido
. Os vários agentes antagônicos (que se enfrentam contraditória e contrário à tendência básica" (28).
Simultaneam~nte! são ~esultado da dinâmica do próprio modo de O que ele esperava? Uma queda linear da taxa de lucro? Mas ela
~rodução capitalista. VImos como as tendências e as causas contra- é uma queda tendencial! Para nós, o que é mais interessante é que
1:antes à queda da ~x~ do lucro nascem do interior do próprio fun- Bresser não consegue negar o essencial: a manifestação cíclica da
CI<>namen~o ~o capitalismo como tal. Os conflitos que desaguam nas queda da taxa!
cnses penodicamente _são part~ inextirpável da lógica capitalista. o Levar essa compreensão até o limite é discutir a relação da lei da
que causou as contradições cuJa solução foi uma crise pára de atuar: queda tendencial com as grandes fases do capitalismo.
daí o caráter momentâneo da "solução" encontrada na crise. Daí a Podemos facilmente constatar que a luta entre as tendências e as
62
l 63
contratendências não se processa de uma maneira linear; o que se dá
em uma fase do capitalismo não será necessariamente repetido na fase
seguinte. Vimos como há um conjunto de causas contrariantes,
contratendências, que tentam barrar a imposição do que é tendencial. Notas do Capítulo I / Terceira Parte
Óbvio que, à medida que as etapas do desenvolvimento capitalista se
sucedem, os instrumentos de contraposição à queda tendencial se
desenvolvem, se sofisticam, fazem com que a luta entre a tendência e
as contratendências se manifeste de uma forma peculiar, talvez até
mesmo característica daquela fase. É incontestável que o capitalismo (1) Marx, Karl, O Capital, vol Ill/1,pág. 185
de hoje possui instrumentos mais sofisticados, para enfrentar as
"barreiras" e a "escala mais poderosa" com que elas se apresentam, do (2) idem, vol l, ~ág._ 71 3 R bert Marx la technique et la
que possuia "no tempo de Marx". As políticas económicas se desen- (3) Coriat, Beniamm e Boyer: 0 • '
8
volvem, tópicos de planejamento económico são postos para fun- dynamique longue d_e l'ac~umLulation, pái:;.!lação e crise, pág. 38 e 40
(4) Bresser Pereira, Lutz, ucro, acu .
cionar, o Estado intervem cada vez mais para tentar impedir que a
(5) Marx, Karl, vol I, p~g._235
dinâmica capitalista expresse "livremente" o que lhe é inerente, (6) Bresser Pereira, Lmz, idem, pág. 41
"natural".
(7) Marx, Karl, vol III, pág. 183
A questão que se levanta, na conclusão de toda a discussão sobre
(8) idem, pág. 167
a lei da queda tendencial da taxa de lucro é a seguinte: não seriam os
movimentos largos de expansão e depressão da produção capitalista, (9) idem, pág. 164
(10) idem, pág. 177
não seriam as ondas largas do desenvolvimento capitalista resultantes
(11) idem; pág, 180
da luta entre as tendências e as contratendências da queda da taxa de
lucro? (12) idem, pág. 178
(13) idem, pág. 64
É o que tentaremos discutir na próxima parte.
(14) idem, pág. 179 . . á 64
(14a) Luckacs, Gyorgy, On tolog~ do ~~:~;~~~ ~;-EI Capital de
8
(15) Rosdolsky' Romao, 0 enes1s y e 8
Marx, pág. 440 "tado Luiz Bresser Pereira, Lucro, acumulação
(16) Okishio, Nobuo, c1 em
e crise, pág. 65 ·d ág 39
(17) Coriat, Benjamin e Boyer, Robert, t em, p .
(18) Marx, Karl, idem, ~ol !11/1, pág. 198
(19) Bresser pereira, Lmz, idem, pág. 253
(20) idem, pág. 48
(21) idem, pág. 50
(22) idem, pág. 84 ·d á 38
(23) Coriat, Benjamin e Boyer, Ro~rt, t em, p g.
(24 ) Marx, Karl, idem, vol Ill/1, pag. 183
(25) idem, pág. 185
(26) idem, pág. 188
(27) idem, pág. 189 . .
(28) Bresser Pereira, Luiz, idem, pág. 255
64
QUARTA PARTE: OS CICLOS INDUSTRIAIS, AS ONDAS
LONGAS E AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS
crises, de crises gerais do mercado mundial oriundas do próprio
processo de produção". Ricardo poderia explicar as crises de 1800 a
1815 pelo encarecimento do trigo em virtude de más colheitas, pela
depreciação de bilhetes de banco etc; as crises posteriores a 1815
poderiam ser por ele explicadas como causadas pela escassez de
cereais, pelo aumento do preço dos grãos etc. Mas " ... !'s !e~ômenos
históricos posteriores, em particular a quase regular penodictdade das
crises do mercado mundial, não pennitiram aos sucessores de Ricardo
a negação dos fatos ou a interpretação deles como casuais" (2).
I - As crises periódicas Oestudodessascrises,abuscadasuaexplicação(comoveremos)
foi importante para o avanço das concepções de Marx sobre a
dinâmica cíclica da economia capitalista e o papel das crises nela:
N;ts sociedades pré-capitalistas, as crises se apresentavam sob a Desde a fonnação do mercado mundial do capitalismo industrial,
fonna,de destruição material dos elementos da reprodução ampliada segundo Mandei, já ocorreram 21 crises de superprodução. Tomando
ou simples: eram consequência de catástrofes naturais ou sociais. As por base a data da eclosão da crise no país dominante do mercado
crises nas sociedades pré-capitalistas eram crises de subprodução de mundial (Inglaterra antes da Primeira Guerra Mundial e Estados
valores de uso. Unidos depois), ele apontará as seguintes datas: 1825, 1836, 1847,
Na_s sociedades capitalistas a destruição material dos meios de 1857, 1866, 1873, 1882, 1891,1900, 1907,1913,1921,1929, 1937,
produção é consequência e não causa das crises. E elas se caracte- 1949, 1953, 1958, 1961, 197'º, 1974/5 e finalmente a recessão
rizarão por sobrarem mercadorias, que se tomam invendáveis por generalizada de 1980/2. (3)
insuficiência da capacidade de compra da população: as crises na · A concorrência periódica das crises econômicas é uma ca-
sociedade capitalista são crises de superprodução de valores-de-troca. racterística inalienável do capitalismo. Discutiram-se na parte anterior
Para Marx e Engels, desde 1848 está evidente o caráter periódico alguns aspectos que relacionam a crise com a queda da taxa d~ lucro.
das crises no capitalismo Gá identificadas como de superprodução), Já naquela discussão chamava-se atenção para o que detennmava a
quando no Manifesto do Partido Comunista mencionam explici- possibilidade geral das crises: o duplo caráter da mercadoria (valor-de-
tamente " ... as crises comerciais que, repetindo-se periodicamente, uso e valor-de-troca), analisado exaustivamente por Marx no Capítulo
ameaçam cada vez mais a e)\istência da sociedade burguesia. Cada Ide O Capital. A crise tem uma função objetiva no capitalismo: é um
crise destrói regularmente não só uma grande massa de produtos já momento onde a lei do valor se impõe.
fabricados, mas também uma grande parte das próprias forças produ- Se essa é a causa mais profunda das crises periódicas, há um
tivas já desenvolvidas" (1 ). A contradição entre o desenvolvimento conjunto de contradições, de ações simultâneas de agentes antagôni-
das forças produtivas e as relações de produção é indicada como a cos que se expressará (que desaguará) na eclosão da crise. P~ndo das
causa da superprodução. contradições inerentes à mercadoria, passando por contradições de
A ocorrência das crises, de várias delas foi um dado importante nível mais complexo, as crises periódicas são um momento em que o
sobre o qual se debruçaram não apenas Marx e Engels, mas economis- conjunto das contradições da sociedade burguesa vêm à tona.
tas das mais variadas correntes de pensamento. Nas suas "Teoria sobre O objetivo da discussão nesta parte é a pesquisa do que ocorre
a mais-valia", no capítulo XVI, quando discute a Teoria de Ricardo e entre as crises: além de levaniar mais elementos e mediações sobre a
as crises, Marx situa uma diferença entre Ricardo e seus "sucessores", sua detenninação, buscar-se-á aprofundar a compreensão dos ciclos
apontando que " ... o próprio Ricardo, a bem dizer, nada conhecia de econômicos.
66
l
Il - O Ciclo industrial expansão da produção com os limites do consumo dos trabalhadores
e 2) a reconstituição do capital fixo (ou a atividade do investimento).
Entre as crises ocorrem um conjunto de flutuações económicas: Como ressalta Mandei " ... as duas idéias estão presentes na obra de
a crise é um momento do ciclo, da dinâmica cíclica da economia Marx, pela simples razão que para ele a causa das crises reside ao
capitalista. mesmo tempo na concorrência capitalista - o caráter irregular dos
Numa obra acadêmica sobre os ciclos económicos será sugerida investimentos capitalistas - e no atraso que a 'procura solvável' das
a caracterização dos "ciclos inter-crise", que teriam a duração média · massas deve necessariamente tomar sobre a capacidade global da
de 8 e 6fl anos (oscilando de 7 a 10 anos). O cálculo dessa duração sociedade" (7).
média tomará por referência os dados dos Estados Unidos. Esses
ciclos serão chamados de Juglar (nome cunhado por Schumpeter em 1) Os esquemas da reprodução de capital e as crises
homenagem ao economista francês que em l 860publicou um trabalho É importante buscarintegraros "esquemas" da reprodução nesta
sobre as flutuações económicas e as crises). (4) discussão, porque esses esquemas possibilitam ampliar a compreen-
Esses seriam os ciclos clássicos. são global do processo do capital, acrescentando novos elementos que
Para Marx e Engels, a compreensão mais profunda do ciclo "desequilibram" permanentemente a harmonia do desenvolvimento
industrial se desenvolverá nos anos seguintes à redação do Manifesto, capitalista.
anos de várias crises importantes em vários países da Europa. A Até o momento em que Marx desenvolve a discussão em tomo
suposição inicial deles é a de que o ciclo seria de 6 ou 7 anos. (o que dos esquemas de reprodução, no 2º volume de O Capital, era
os leva a errar algumas previsões sobre períodos de eclosão de novas indiferente para a sua análise se a produção era de roupas, máquinas
crises). Pesquisando a formação do pensamento económico de Marx, etc. Com a introdução dos esquemas, Marx buscará acrescentar um
Mandel diz que, será durante o estudo da crise de 1857-8 que eles novo elemento na análise que rompe com essa indiferença: esse
descobrem pela primeira vez as relações entre a duração do ciclo e a elemento é importante para viabilizar a análise do movimento do
duração de reprodução do capital fixo. Ele faz uma observação a esse capital em sua totalidade.
propósito a Engels na sua carta de 2 de março de 1858 ... Assim, o A preocupação com a introdução deste modelo "simples e abs-
círculo está fechado e Marx e Engels corrigem no sentido do ciclo trato" (8) é a de possibilitar uma "etapa de análise" onde se integrem:
decenal a suposição errónea de um ciclo sexenal adiantado sete anos a- produção e a circulação, b- reposição do capital consumido na
mais cedo" (5). produção, c- o consumo da mais-valia pelos capitalistas e do salário
Essa descoberta da relação entre a duração do ciclo e a reposição pelos trabalhadores. .
. e renovação do capital fixo será utilizada e confirmada por vários Para viabilizar isso, Marx divide o conjunto da produção social
autores: Schumpeter, por exemplo, vinculará explicitamente os "ci- em dois setores: I- Meios de produção: mercadorias que por sua
clos de Juglar" aos movimentos do investimento. forma entram no consumo produtivo (os produtos que repõem o
Em O Capital essa idéia será reafirmada e desenvolvida: " ... capital, viabilizando a reprodução social); II- Meios de consumo:
podemos admitir que para os ramos mais importantes da indústria mercadorias que por sua forma entram no consumo individual da
moderna, esse ciclo de vida (do capital fixo) é atualmente de 10 anos classe capitalista e da classe trabalhadora (essa seção será desdobrada
em média. Desde já está claro, que em virtude desse ciclo de rotações em um setor que produz os meios de subsistência e outro que produz
conexas que abarca uma série de anos e no qual o capital está preso por artigos de luxo).
sua parte fixa, forma-se uma base material das crises periódicas em A partir dessa divisão Marx expõe os esquemas.
que os negócios passam por fases sucessivas de depressão, animação Primeiro os da reprodução simples: um esquema onde não há
média, auge, crise" (6). acumulação de capital, mas apenas a reposição do que foi gasto na
Podemos destacar aqui a combinação de dois fatores que determi- produção (um esquema incompatível com o modo de produção
nam o aparecimento das crises: 1) o conflito entre a tendência à capitalista, portanto). A totalidade do produto anual se divide (como
68 69
cada mercadoria isoladamente) em e + v + m (e se pressupõe m/v = A fórmula geral do equilibrio da reprodução ampliada pode ser a
100%). seguinte (fórmula proposta por Buk:arin):
Os esquemas da produção simples ficam assim:
cll + Bcll = vi + AI + Bvl
1) 4.00.0 e + 1.000 v + 1.000 m = 6.000
li) 2.000 e + 500 v + 500 m + 3;000 Onde: Bcll porção adicional de capital constante
AI porção da mais valia consumida improdutivamente
As trocas se processarão da seguinte maneira: a- troca de 500 v + Bvl porção adicional de capital variável
500 m da seção II por 1.000 em meios de consumo (troca no interior
da seção II); b- troca dos 1.000 v + 1.000 m da seção I por 2.000 em A exposição desses esquemas têm para a discussão dos ciclos e
meios de consumo (II); meios de produção trocados por meios de das crises uma grande importância: eles alargam a visão da complexi-
consumo (troca entre as seções I e li) e c- troca recíproca entre os dade do funcionamento da economia capitalista, ampliando os pressupno;-
capitalistas do setor I dos meios de produção que devem repor os tos para o seu hipotético equilíbrio.
desgastes, 4.000 c (troca no interior da seção I). Assim, além da necessidade última da realização da produção da
Na reprodução simples I (v + m) = li c. mais-valia (com a venda das mercadorias), é também necessário haver
A reprodução ampliada é a reprodução com acumulação de a reposição e renovação do capital constante (em termos materiais e
capital: ao contrário da reprodução simples (onde toda a mais;valia_é em termos de valor) e essa reposição se dá exigindo um equilíbrio entre
consumida improdutivamente pelos capitalistas) parte da mais-valia as duas seções da produção social: deve haver uma interação entre a
será investida na produção, viabilizando a acumulação. produção extra de meios de produção e a produção extra de meios de
No esquema da reprodução ampliada o agrupamento funcional consumo. Para essa reposição (que se dá aos saltos, na medida em que
dos elementos será diferente, possibilitando que a parte da mais-valia o capital fixo não é reposto materialmente após cada ciclo de pro-
se transforme em elemento de capital adicional, constituindo assim a dução) é necessário o desenvolvimento de mecanismos que viabi-
base material da reprodução em escala ampliada: lizem a aplicação da mais-valia que não se transforma em renda, em
fundos que possam ser utilizados no momento dessa reposição: aí o
1) 4.000 e + 1.000 v + 1.000 m = 6.000 papel do sistema de crédito etc.
li) 1.500 e + 750 v + 750 m = ~ Após listar um conjunto de condições para a reprodução ampliada
9.000 Marx ressaltará que " ... todos esses pressupostos indispensáveis se
determinam reciprocamente, mas só podem se efetivarporintennédio
Os 1.000 m não serão integralmente consumidos improdutiva- de um processo muito complicado que envolve três processos de
mente, sendo que 500 m serão destinados à acumulação, determi- circulação os quais embora independentes entre si, se entrelaçam uns
nando assim o novo ciclo será: com os outros. A complexidade do próprio processo aumenta as
possibilidades de um curso anormal" (9).
1) 4.400 e+ 1.100 v + 1.100 m = 6.600 No entanto é necessário ter claro que, de maneira alguma, é
li) 1.600 e + 800 v + 800 m = ~ inevitável a existência do "curso anormal"; abstraindo da forma
9.800 capitalista de reprodução Marx dirá, ao tratar da reposição do capital
fixo na reprodução simples, que" ... o problema se reduz ao seguinte:
Na reprodução ampliada, a hipótese de I (v + m) = IIc é inviável. a magnitude da parte que se extingue, do capital fixo, a ser substituída
Aqui, a relação se dará entre I (v + m/x) e IIc. Marx indicará que a materialmente, muda de um ano para outro. Se é muito grande num
primeira pode ser igual, maior ou menor que a segunda, mas que ano, será seguramente menor no ano seguinte. Não diminui, por isso,
sempre I (v + m/x) deve ser maior que II (c + m). a massa de matérias primas, produtos semi-acabados e matérias
70 1 71
auxiliares, necessária para a produção anual dos meios de consumo, assumido que os esquemas representam um momento de equilíbrio
desde que não variem as demais circunstância; por conseguinte, a sim; mas de um equilíbrio transitório.
produção global dos meios de produção teria no caso de aumentar e, Não há dúvida que a desproporção no desenvolvimento dos
no outro, de diminuir. Só se pode remediar isso por meio de uma setores e ramos de produção tem a sua contribuição no surgimento das
contínua superprodução relativa: produzindo-se capital fixo em quan- crises. O papel dos esquemas é apontar essa possibilidade e integrá-
tidade maior que a qiretamente necessária e, sobretudo, estoques de la no conjunto de fatores que detenninam as crises. Marx falará
matérias-primas etc além das necessidades anuais imediatas (o que é explicitamente de eventuais crises pelas desproporções,' mas apontará
válido especialmente para os meios de subsistência). Dessa maneira, inequivocamente que essas crises são parciais. (11)
a superprodução equivale ao controle da sociedade sobre os meios
materiais da própria reprodução. Constitui, entretanto, fator de anar- 2) Os esquemas da reprodução: um momento temporário de
quia, na sociedade capitalista" (10). equilíbrio
Os "esquemas" da reprodução para funcionar pressupõem um O processo capitalista é basicamente desequilibrado e "desequili-
conjunto de condições que significam uma abstração em relação ao brador". Assim, o equilíbrio na reprodução representa um momento
funcionamento real e concreto da economia capitalista. Pressupõem a temporário da sociedade capitalista. Rosdolsky defende que os esquemas
imutabilidade das condições em que começaram a atuar: a quebra de de reprodução são válidos por pequenos intervalos, lapsos onde as
qualquer pressuposto inicial, a introdução das influências pertuba- mudanças constantes no modo de produção são interrompidas e
doras do funcionamento concreto da economia capitalista (aumento quando a expansão da pf(l(lução se dará sobre uma base técnica dada.
da composição orgânica de capital, revoluções no valor etc) os quais Neste intervalo, demonstra-se a possibilidade da reprodução ampliada
inviabilizam a sequência de ciclos representados por esses esquemas. ". .. mediante a adequação recíproca das indústrias dos meios de
É fundamental essa compreensão para que se utilize em nossa produção e dos meios de consumo, e com ela também a possibilidade
pesquisa esses esquemas com o que é a sua contribuição específica da realização da mais-valia". (12) Para imaginar essa possibilidade é
para a compreensão dos ciclos e de suas crises: os esquemas indicam indispensável a exclusão do progresso técnico.
os milhares de pontos onde a "hannonia" do desenvolvimento capita- A inclusão do fator progresso técnico (que se expressa no
lista pode ser quebrada, traçam um verdadeiro roteiro dos pontos onde aumento da composição orgânica do capital e da taxa de mais-valia)
o desequilíbrio da produção capitalista pode se expressar. Ao invés de nos esquemas de reprodução significa que "... as condições do
sero que as interpretações "harmonicistas" dos esquemas pretendiam equilíbrio da reprodução se transfonnam em condições da pertubação
provar (a possibilidade infinita e equilibrada do capitalismo), esse do equilíbrio" (13).
roteito (inicial) dos vários pontos onde as influências perturbadoras Por que isso?
atuam vai pesquisar como esse sistema-onde o equilíbriopennanente Vejamos um exemplo (tomado da discussão de R<isdolsky) (14)
é impossível - estabelece condições para a sua evolução. a partir da fónnula de equilíbrio de Bukarin ( cll + BcII =vi+ AI+
Perder de vista essas considerações podem levar à exacerbação de Bvl).
um ou outro elemento desequilibrador da hipotética hannonia "indi- Partindo do seguinte diagrama:
cada" pelos esquemas. Por pressupor a inexistência de alterações
qualitativas durante a sua operação (apenas alterações quantitativas 1) 840c + 420v + 210A + 140Bc + 70Bv
ocorreriam), a proporcionalidade nas relações e nas trocas entre os li) 600c + 300v + 150A + 100Bc + 508v,
setores I e II dos esquemas parecem ser uma característica que não
pode faltar à economia capitalista: a partir daí é fácil compreender
porque proliferam interpretações que apontavam desproporcionali- supõe-se que haja progresso técnico, modificando a composição
dade entre os setores e ramos de produção como a grande causa das orgânica do capital a ser acumulado (passa de 2: 1 para 3: 1), o que dará
crises. Esse equívoco é possível por um erro metodológico: não é origem ao novo diagrama:
72 73
s,ubstituam pornovos os antigos meios de trabalho, antes de chegarem
1) 840c + 420v + 210A + 157,5Bc + 52,5Bv ao fim de sua vida. São sobretudo catástrofes, crises que obrigam as
li) 600c + 300v + 150A + 112,5Bc + 37,5Bv empresas a renovar antecipadamente maquinaria e instalações em
grande escala social" (15).
Assim, de um lado da fónnula teremos 712,5 (600cIJ + l 12,5Bcll) O progresso técnico perturba o equilíbrio (e a harmonia) do
e de outro teremos 682,5 (420vl + 210A + 52,SBv), sobrando, desenvolvimento capitalista, contribuindo para que as crises ocorram,
portanto, 30 unidades de mercadorias invendáveis. mas as crises são um momento importante para viabilizar saltos no
Havendo o progresso técnico, o aumento da composição orgânica nível tecnológico de parques produtivos: embora sejam diversos e
do capital a ser acumulado, significa uma queda relativa no número de díspares os momentos em que se aplica o capital, a crise será um
novos trabalhadores a serem empregados (se não houvesse essa elemento unificador e catalizador dessa aplicação, pois constitui" ...
elevação na composição orgânica, esse número seria maior). Assim, sempre o ponto de partida de grandes investimentos novos e fonna
a ampliação do consumo será inferior às novas mercadorias pro- assim, do ponto de vista de toda a sociedade, com maior ou menor
duzidas, em decorrência da ampli:Jção da produção detenninada pela amplitude, nova base material para o próximo ciclo de rotações" (16).
acumulação. O esquema de reprodução fica perturbado. Essa discussão sobre a inclusão do progresso técnico nos esquemas
Um outro elemento de perturbação dos esquemas de reprodução da reprodução é importante como contestação às hipóteses (fonnula-
relacionados com o progresso técnico diz respeito a algumas particu- das pelos teóricos do "austro-marxismo": Bauer etc) sobre as indi-
laridades da renovação do capital fixo. Já vimos a importância desta cações dadas por esses esquemas da possibilidade de um funcionamento
renovação para a duração dos ciclos, na medida em que é a duração harmónico do capitalismo: toda tentativa de integrar o progresso
média do capital fixo que será a "base material" para a duração dos técnico inviabilizou os esquemas apresentados por Marx. A conclusão
ciclos. No entanto, a sua renovação não tem nada de estática: dada a a ser tirada é a oposta à da "harmonia": Rosdolsky aponta isso,
característica fundamental do modo de produção capitalista de revo- afirmando que "... sem dúvida, as pcrtubaçõcs do equilíbrio da
lucionar pennanentemente a sua base produtiva, as máquinas que se reprodução provocadas pelo progresso técnico só parecem demons-
desgastam não devem apenas sersubstituidas, mas devem ser repostas trar, em primeira instância, que o curso da produção capitalista deve
em um nível tecnológico mais avançado, máquinas velhas devem ser levar, sempre renovadamente, a crises, e dessa maneira à substiruição
repostas por máquinas mais modernas. É fácil prever que ao final de de um equilíbrio temporário dado por um novo equilíbrio, igualmente
cada ciclo haja "perturbações" detenninadas por essa renovação do temporário" (17).
maquinário em um patamar tecnológico superior.
Ao mesmo tempo, o progresso técnico detennina o que Marx 3) Os ciclos e a variação da reprodução
chama de "desgaste moral": mesmo antes de esgotadas fisicamente Os esquemas de reprodução, além de representarem um equilíbrio
muitas máquinas devem ser substituídas por outras mais novas. O temporário da produção global capitalista, variam muito em função
"desgaste moral" e as contingências que ele impõe detenninam das diferentes fases do ciclo industrial. Não há sequer garantia, na
perturbações adicionais ao equilíbrio dos esquemas de reprodução (e sociedade capitalista, de que existia uma sequência regular de "repro-
ao ciclo individual do capital fixo, na medida em que ele não duções ampliadas": em alguns momentos pode ser determinado que
necessariamente se completa). sequer a reprodução simples seja atingida, com a sociedade tendo
As crises têm uma relação com esses problemas da reposição do perda de sua base material. Começar-se-á o novo ciclo com uma
capital fixo: dado o caráter dessa reposição (aos saltos, após o seu posição inferior ao anterior, com um estoque de capital menor do que
desgaste físico etc) há dificuldades para uma rápida generalização do o precedente.
progresso técnico, uma rápida difusão das novidades geradas pelo Essa observação é importante para que se integre na dinâmica
progreso técnico. Marx observa que" ... notadamente quando se trata cíclica da economia capitalista a possibilidade da alternância episódica
de transfonnações decisivas, a luta da concorrência força que se entre a reprodução ampliada, a simples e a inferior à simples. Marx
74 75
consumo duráveis terão uma queda maior que os demais (os não e os
explicita essa possibilidade" ... o pressuposto da reprodução simp!es sémi-duráveis) .
... é incompatível com a produção capitalista, o que não exclm a Na virada para a recuperação económica, o desemprego e os
possibilidade de, no ciclo industrial de 1Oa 11 anos, aparecer um ou salários baixos, os preços baixos de maquinaria e das matérias-primas,
outro ano com produção global inferior à do precedente, não se as taxas de juros baixas (aliados ao fim dos estoques que se acumu-
verificando nem mesmo reprodução simples em relação ao ano laram na fase de expansão e que se "consumiram" na depressão)
anterior" (18). estimulam os investimentos do setor de bens de consumo.
Na recuperação económica, os pedidos de máquinas feitos pelo
III- As fases do ciclo setor de bens de consumo restabelecem a produção no setor I, o de bens
de produção. O desemprego é reduzido. O princípio do multiplicador
Entre as crises, um conjunto de flutuações econômicas, o boom entra em cena. A taxa de lucro eleva-se (aumento da taxa de mais-valia,
e a depressão etc. Graficamente, pode ser expresso assim: contrata-se pessoal ocupando a capacidade industrial ociosa - o que
significa uma queda na composição orgânica - etc). A expansão da
Gráfico 1- O ciclo capitalista produção (por ser lenta a princípio) não eleva a taxa de juros, o que
combinado com a elevação da taxa de lucro impulsiona os investimen-
tos (é um momento do ciclo onde os empresários renovarão o capital
fixo, utilizando-se de uma fração crescente de seus lucros).
Produção Na fase de auge, de prosperidade, há uma migração dos
industrial capitais-dinheiro para o setofde bens de produção (entra em cena o
princípio de acelerador), havendo uma atividade febril do setor. Com
0 crescimento da absorção damão-de-obra desempregada, aumenta a
.crise procura de bens de consumo, que estimulará novos investimentos.
Uma vez estabelecido o pleno emprego, o acúmulo dos pedidos novos
expansão
e velhos de equipamentos determina o primeiro ponto crítico do ciclo:
depressão recuperação seria o momento da indústria de bens de consumo deter a expansão da
produção. Ao invés disso, a produção crescerá (como resultado da
compra de novos equipamentos, racionalização da produção etc). Há
0 aumento da taxa de juros (começa cair a taxa de lucro dos em-
presários). Os capitalistas do setor de bens de consumo têm difi-
culdades para perceber o equilíbrio exato entre a oferta e a procura de
seus produtos.
Na crise, na virada para a depressão, há a dificuldade de venda
das mercadorias produzidas. Os preços não são reduzidos. As indústrias
procuram os bancos para mais créditos e há uma grande alta na taxa
O que se dá em cada uma dessas fases? Qual a lógica interna do de juros. Há uma queda nos pedidos de bens de produção (parte do
ciclo industrial? capital dinheiro destinado aos investimentos deverá ser usado como
Na depressão cessam os investimentos, o que significará uma capital circulante). A produção do setor de bens de consumo estanca
grande queda no setor de bens de produção. Nessa fase há ~ma queda e retrocede antes que isso ocorra no setor de bens de produção: este é
também nas indústrias de bens de consumo, queda detennmada pela
0 segundo ponto crítico, a superprodução no setor de bens de
existência de desemprego, rebaixamento de salários etc (mas apesar produção. O desequilíbrio atinge o crédito. Empresas fecham as
dessas limitações ao consumo, ele continua existindo). Os bens de
76 l 77
portas. Desemprego. Cai o lucro, a produção. ( 19) seguinte:
B
De uma forma bem sumária, estes são os principais pontos das
várias fases do ciclo na economia capitalista. Exemplo I:

IV - Os ciclos industriais e as ondas longas A


Exemplo II:
Um ciclo não é igual ao outro, e entre as várias crises conhecemos
diferenças substanciais. Essa observação nos traz a necessidade de No exemplo I, vemos que o período da expansão, da prosperidade
pesquisar a existência de movimentos mais largos na economia (A) é maior que o período da depressão (B): é o que se passa na fase
capitalista que imporiam aos ciclos e às crises determinadas ca- ascendente da "curva de desenvolvimento capitalista". No exemplo II
racterísticas. se encontra o oposto: é o que se vê durante as fases declinante de tal
Esses movimentos largos na dinâmica da economia capitalista curva (22).
foram constatados empiricamente a partir do estudo estatístico de Evidentemente, várias das características de cada uma das fases
séries de preços e produção por vários teóricos: " ... a existência de do ciclo industrial se manifestarão diferentemente, de acordo com a
flutuações de uma outra amplitude (50 anos) será avançada por alguns fase da dinâmica longa que estiver ocorrendo: é fácil imaginar que a
precursores, em particular pelo economista russo Parvus, discípulo de renovação do capital fixo em um novo patamar tecnológico não se dá
Marx, em 1886, pelos economistas franceses Jean Lescure em 1912 e homogeneamente em todos os ciclos industriais, por exemplo.
1914, Albert Aftalion em 1913 e François Simiand em 1931, e pelo É também muito fácil perceber a diferença entre uma crise
economista holandês J. Van Gelderen também em 1913". O eco- "normal" e uma grande depressão!
nomista russo N. D. Kondratiev apresentará em 1922 uma grande 1) A tendência decrescente da taxa de lucro e os ciclos
síntese dos estudos sobre a existência de movimentos longos e Como foi visto na parte anterior (a parte III), a queda da taxa de
articulados de preços e da produção. (20) Ver-se-á mais adiante como lucro é tendencial e existe uma luta permanente entre os f~tores que
há uma grande unanimidade com relação à existência desses movimen- levam a essa queda e aqueles que a ela se contrapõem. E bastante
tos. possível que em certos momentos prevaleçam uns ou outros. E lá
Esses movimentos largos começaram a ser pesquisados após ter supúnhamos que a arena para essa luta era larga, era uma possível
ficado evidente o fenómeno das crises periódicas e após a economia dinâmica longa na história do capitalismo.
capitalista vir a conhecer uma grande depressão ao final do século Desenvolvendo essa idéia é necessário imaginar a diferença que
XIX. existiria no interior de um ciclo industrial que se dá quando o que
E é observando 16 ciclos que Trotsky apontará diferenças entre predomina são os fatores que se contrapõem à queda da taxa de lucro,
eles, situando fases de crescimento vagaroso, de prosperidade e com outro ciclo que se dá numa situação de queda da taxa.
estagnação. No seu informe ao Terceiro Congresso da III Inter- Quando as contratendências são predominantes, é fácil admitir
nacional, Trotsky pergunta como se combinam as flutuações cíclicas que em uma fase de recuperação económica de um determinado ciclo
com esses movimentos de largo prazo ("curva do desenvolvimento a elevação da taxa de lucro atingiria um ponto onde impulsionasse
capitalista") e responde afirmando que " ... em períodos de desen- investimentos de uma maneira mais rápida do que num ciclo subor-
volvimento capitalista as crises são breves e de caráter superficial, dinado apredominância das tendências à queda. No primeiro caso, o
enquanto as fases de prosperidade têm longa duração e alcance ciclo passaria mais rapidamente da fase de recuperação para a de auge,
profundo. Nos períodos de declínio capitalista, as crises têm um de prosperidade. . .
caráter prolongado enquanto as fases prósperas são efêmeras, super- Quando as tendências à queda são predommantes, .deve ser mais
ficiais, especulativas" (21). rápida a entrada em ação do que haverá ao início da queda da taxa na
Expressando graficamente essa diferença nos ciclos, teríamos o
78 79
virada ?e uma conjuntura em um novo patamar tecnológico de 2) As ondas longas da taxa de lucro e os ciclos
prospendade para uma de crise. Períodos em que a tendência dá o tom, períodos em que as
A renovação de capi~ fixo em ~m ~ovo patamar tecnológico e contratendências predominam: são fases distintas de um mesmo
o aumento do estoque social de maqumana variar-lo de um ciclo para movimento - um movimento de marés ascendentes e descendentes,
o outro. Um período de alta expansão deles significa período de um movimento ondular-, de uma mesma onda longa.
mudan_ça tecnológica (o que é expressão de aceleração na acumulação A dinâmica longa do capitalismo (que tomam a forma de ondas
de capital). O que está longe de se idêntico em todos os ciclos. longas) é em última instância expressão do movimento da taxa de
A _forma do ci~lo (igual ao exemplo I ou ao II) será assim lucro: são as ondas da taxa de lucro. Dependendo da fase em que estão,
determma?a J?Or qu~s fatores estiverem agindo de uma maneira mais determinam a forma dos ciclos industriais.
forte e mais smcroruzada: os que induzem ou os que se contrapõem à Essas ondas longas mantêm, assim, uma relação com os ciclos
queda da taxa de lucro. industriais que é distinta da que considera o ritmo longo da economia
Ê possível_ fazer e,ssa articulação entre a queda tendencial da taxa como simples somatório dos ciclos industriais. Essa mediação através
de lucro e _os ctclos? E ~ecessário articular a lei da queda tendencial do movimento da taxa de lucro permite clarear como a onda longa
co~ o~ creios e as cnses mediando com a dinâmica longa do determina características específicas de cada ciclo.
cap1tal1smo? Ou será que os ciclos industriais deveriam ser dire- Marx não teve a oportunidade de analisar dados que apontassem
tamente explicados pela lei da queda tendencial? para a existência dos movim_entos longos da economia capitalista:
As crises são um momento de conflito entre as tendências e as como vimos, os primeiros estudos datam de 1896 e 1913. Não é
contra~endências, P?is durante a crise há uma violenta desvalorização necessário aqui discutir o caráter post{estum do conhecimento.
do capital, que func10na como uma poderosa contratendência à queda Podemos lembrar as palavras de Marx sobre Ricardo e as crises
?ª ~axa de lucro. O moviment_o da taxa de lucro tem uma relação periódicas...
mdiscutível ~ma eclosão da cnse, mas esse mesmo movimento sofre Porém, Marx conclui a sua análise do processo global da pro-
uma determmação para além do ciclo industrial em si dução capitalista com a formação da taxa de lucro (após essa pesquisa
. Se os movimen1:0s da taxa de lucro determinasse~ os ciclos e as Marx discutirá a distribuição do lucro por suas diferentes formas-
cnses ~ n~da deten_mnassem para além deles, os movimentos longos lucro empresarial, juros, renda funcionária) e termina esta com a
d? ca~Italismo sen~ uma mera somatória dos ciclos menores e a discussão da "lei da queda tendencial" ("a lei mais importante da
?mâm1~~ longa podena ser construída por pura analogia com os ciclos moderna economia política", dirá Marx (23)). Podemos por aí inferir
~dust~ais. O_ q_ue n~o é possível porque a própria explicação dos que a lei da queda tendencial é algo para além da análise dos ciclos
~cios mdustnais exige algo que os determine, que cause as suas clássicos (estes analisados - topicamente - no 2º volume de O
diferenças. Capital)?
~ mediação da dinâmica longa do capitalismo - para a explicação De fato, a discussão da "lei" tem uma dimensão mais abrangente
dos ct~los e da responsabilidade da oscilação da taxa de lucro na do que as do ciclos industriais: Rosdolsky analisará a relação da lei
dete~ação de suas c~racterísticas - é necessária já que será ela que com "a tendência do capitalismo à derrocada". Rosdolsky, com todo
explicará porque o mov1mento da taxa de lucro no curto prazo é tal ou o seu rigor metodológico, indica qual o cenário para a discussão da lei
qual. A pergunta_ que deve ser feita passa a ser: por que em certos da queda tendencial: as perspectivas de longo prazo do capitalismo.
períodos predommam os fatores que facilitam a queda da taxa e em Marx com sua análise do capitalismo, discutindo com as desco-
out":'s predominam os que dificultam? Respondido isso, ter-se-á bertas da economia política, desenvolveu a análise da queda do lucro,
explicado porque em certo ciclo a taxa de lucro sobe com facilidade preparando um instrumental teórico que seria usado posteriormente,
(d~terminando ao ciclo uma forma de grande prosperidade e pequena para algo que ele não pode "ver'', para algo que um estágio mais
cnse). e porque em outro ciclo a taxa sobe com muita dificuldade avançado do capitalismo deveria mostrar.
(ampliando a fase de depressão e diminuindo a prosperidade). Análise dos ciclos e das crises (dispersa e não sistemática pornão
80 81
ser um objeto de análise de O Capital) e a indicação histórica da mentará que o sistema econômico não pode digerir uma 'major new
tendência do capitalismo à sua derrocada: esses os pontos legados por technology' do dia para noite ou mesmo em uma década: "as respostas
Marx (a marcha para a derrocada não era vista como linear, como requiridas são muitas, variadas e sempre têm intervalos de tempo
vimos, ele falará sobre "barreiras superadas" e "novas barreiras, grande" (46). Após analisar a eletrônica como um 'novo sistema
obstáculos maiores" no processo capitalista). Rosdolsky falará da tecnológico' (e como veremos adiante, um sistema tecnológico típico
"espiral" do desenvolvimento capitalista: as contradições do modo de da 4a. onda longa), Freeman citará estudos empúicos sobre a difusão
produção capitalista que se manifestam nas permanentes pertubações de tecnologia que sugerem que "trinta anos não é um período incomum
do equilíbrio dos "esquemas de reprodução" e na queda tendencial da para que as inovações revolucionárias sejam difundidas pela maioria
taxa de lucro que elas mesmas estimulam"... se reproduzem em um da população potencialmente adotadora, e este período pode ser
plano cada vez mais elevado até que finalmente a 'espiral' do maior" (47).
desenvolvimento capitalista chegue a seu fim" (24). O período de difusão dos novos sistemas tecnológicos pode ser,
Algo media os ciclos industriais e a derrocada final: a queda da assim, relacionado com a onda longa. O espraiamento pelo conjunto
taxa de lucro não se dá de uma maneira linear, mas sim aos saltos, da economia de uma nova base técnica fornece uma base importante
expressando um movimento conflituoso entre suas tendências e para a compreensão do fenômeno da onda longa. Por isso, como
contratendências (que por sua vez expressarão uma interação entre a veremos adiante, a discussão sobre as revoluções tecnológicas tem
luta de classes e a dinâmica do capitalismo), movimento que se tanta importância para o estudo das ondas longas: elas estarão no início
expressará nas ondas longas do desenvolvimento capitalista. As ondas de todo o processo que leva ao surgimento de um conjunto de
longas fazem a mediação entre os ciclos e a derrocada final do inovações revolucionárias que determinará essa alteração radical na
capitalismo (as ondas longas podem ser a forma concreta da "espiral" base técnica da economia.
de que fala Rosdolsky). A partir da compreensão da relação entre mudanças na base
técnica e onda longa é possível lançar mais luz em. um ponto da
3) As ondas longas e o sistemas tecnológicos relação entre os ciclos industriais e as ondas longas: a anatomia
Estamos nesta parte buscando relacionaras ciclos industriais e as diferenciada dos ciclos. Quando os ciclos coincidem com uma fase
ondas longas, procurando situar os elementos distintivos destas duas expansiva da onda longa eles terão uma fase de crescimento maior
expressões da dinâmica capitalista. porque estará ocorrendo uma renovação de capital fixo mais intensa
Ao situar os ciclos industriais, encontramos a renovação do na economia. (Aqui além da reposição do desgaste físico, estará se
capital fixo com a base material para a sua existência, como o elemento dando a tal renovação 'moral') Quando está se processando uma
definidor da própria duração deste ciclo. Qual será esta base para a mudança da base técnica da economia, quando mais recursos econômi-
duração das ondas longas? Esta base material deve ser mais ampla. cos estão sendo utilizados para modernizar o parque produtivo adap-
Freeman propõe que essa base sejam os "novos sistemas tecnológi- tando-o à nova base técnica, a intensidade dos gastos em novas
cos": estes seriam "constelações" de inovações, mais ou menos máquinas será mais consistente, "esticando" a fase do ciclo gerada
relacionadas entre si e não agrupamentos acidentais de inovações num pelas repercussões na economia com um todo dos gastos com esses
ano ou década particular. Para Freeman, " ... se quisermos fazer produtos da última revolução tecnológica, minorando os impactos da
progresso na compreensão dos vmculos entre inovações e ondas fase depressiva da cada ciclo. A tonalidade da onda longa terá, assim,
longas", a questão mais importante a ser eluciada é o" ... nascimento, deixado a sua marca na anatomia do ciclo.
o crescimento e a maturidade de indústrias tecnológicas" (45). "A Uma vez operada essa difusão, tendo já se processado as repercus-
introdução de uma 'majornew technology' (nova tecnologia principal sões da instalação da nova base técnica na economia (que coincide
ou fundamental) no sistema econômico pode tomar décadas e afetar com a transição da onda longa de expansiva para depressiva), o ritmo
muitas indústrias, mas o processo tem aspectos cíclicos que podem da renovação do capital fixo cairá, (com uma grande queda da reno-
originar o fenômeno da onda longa" (45). Freeman insistirá e argu- vação moral), passando a prevalecer uma dinâmica de racionalização
82 83
e cortes nos custos de produção etc, o que repercutirá na diminuição , Esta polêmica reaparece periodicamente. Schumpeter ao discutir
da consistência dos períodos de crescimento dos ciclos industriais e, os "ciclos longos" atribuirá um papel extremamente central aos cachos
portanto, no "esticamento" das fases depressivas desses ciclos. de inovação tecnológica existentes na origem de cada expansão (o
conceito de inovação em Schumpeter é rico, pois trata de novos
V- As ondas longas do desenvolvimento capitalista produtos, novas técnicas, nova estrutura de mercado, nova organi-
zação da indústria). No entanto, abre espaço para uma interpretação
Como vimos, data do final do século XIX (1896) a primeira muito determinista do ponto de vista da tecnologia, e alguns que se
menção à dinâmica longa do capitalismo. Podemos afirmar, agora, inspiram nas formulações schumpeterianas a desenvolvem. Bresser
que há uma grande unanimidade sobre a existência dessa dinâmica. Pereira seria um exemplo disso.
Schumpeter admitiu a existência dessa dinâmica e chamou os chama- Na polêmica mais recente (início dos anos 80), com os novos
dos "ciclos longos" de "ciclos de Kondratieff' (homenageando o elementos colocados em debate, poderiam ser desdobradas várias
economista russo). vertentes explicativas da teorias das ondas longas. Só para termos uma
Após a crise do boom do pós-guerra assistiu-se uma verdadeira mostra dessas diferentes teorias é interessante comparar duas resenhas
corrida aos estudos das ondas longas, havendo um sem número de sobre o tema.
colóquios, publicações, novas pesquisas etc. De uma maneira um Na resenha introdutória da coletânea Long waves in the world
tanto bem-humorada, em um texto de 1983 Mandei observará que é economy (organizada e editada por C. Freeman) intitulada "Recent
" ... divertido constatar que as ondas longas do desenvolvimento Jong-wave theories - a criticai survey": o autor apontará qua~ro
capitalista também produzem ondas longas na credibilidade das diferentes enfoques, de acordo com a explicação dada por cada teona:
teorias sobre as ondas longas, assim como ondas longas dessas teorias a) escassez e abundância de iniciativa empresarial, colocando aqui
mesmo" (25). E mencionará que Paul Samuelson era um dos últimos autores como Schumpeter e, mais recentemente, Mensch e Klink-
a aderir à lista (crescente) dos defensores dessas teorias. necht, que atribuirão um papel praticamente exclusivo à inovação
Os estudos conteporâneos sobre as ondas longas podem ser tecnológica como motor de desenroivimento económico; b) escassez
divididos em dois tipos básicos: os indutivos (que pretende evidenciar e abundância de capital, onde sjtuará os trabalhos de Mandei e
os ciclos longos a partir de tratamentos estatísticos variados, criando Forrester (este usando métodos de simulação por computador e
uma base empírica indiscutível para as flutuações longas) e os analisando a dinâmica de crescimento porum método que atribui um
dedutivos (que partindo da hipótese da existência dos movimentos papel crucial ao setor de bens de capital); c) escassez e abundância de
longos, buscam pesquisar a sua explicação). A lista de ambos não é trabalho, onde os trabalhos de C. Freeman centrarão a atenção nos
pequena (26). Assim, não há porque não passar a discutir as diferentes movimentos na relação entre os movimentos dos investimentos e do
abordagens explicativas para as ondas longas. emprego; e d) escassez e abundância de estoque de alimentos e
matérias primas, apontando aqui a teoria de Rostow. (27)
1) A polêmica na explicação das ondas longas Já em Les théories des crises économiques, Bernad Rosier,
Nos anos vinte deste século, a polêmica maior foi entre Trotsky tratando da renovação de abordagem teórica dos ritmos longos, citará:
e Kondratieff. Trotsky discordou da analogia que Kondratieff fazia a) a escola francesa do CME (capitalismo monopolista de Estado) e da
entre os "ciclos longos" e os ciclos industriais, defendendo que o superacumulação de capital (Paul Boccara); b) os economistas radi-
movimento longo não tinha a mesma "naturalidade" que os ciclos cais americanos e as bases institucionais da acumulação (D. M.
clássicos e que em sua determinação interviriam fatores extra-económi- Gordon etc); c) Mandei e os sistemas de máquinas e d) C. Freeman e
cos decisivos. Daí o termo "ciclo" não ser indicado para a dinâmica os paradigmas técnico-económicos (28).
longa do capitalismo: esta, ao contrário dos ciclos clássicos, não Evidentemente após cada resenha, o respectivo autor buscará
poderia ser explicada apenas em termos da dinâmica do modo de apontar as convergências entre vários aspectos das diversas teorias e
produção capitalista. esboçará uma síntese entre elas. O problema é que as resenhas por
84 85
vezes reduzem muito a abrangência da análise original de cada autor. de Kondratieff) que vêm a passagem de depressão para expansão como
Mas, dados os limites de nosso trabalho, é suficiente uma vista de pré-determinada, como automática, tão automática como a inversa.
olhos na abrangência das elaborações atuais sobre a dinâmica longa do Pela explicação marxista, a elevação súbita e de longo prazo na
capitalismo. taxa média de lucro, após cerca de 25 anos de declínio firme," ... não
pode ser deduzidas das leis de movimento do modo de produção
2) A explicação marxista das ondas longas capitalista por si mesmas. Ela não pode ser deduzida da operação do
Polarizando com as teorias mono-causais, sejam as que analisam 'capital em geral'. Ela pode ser compreendida somente se levamos em
as ondas longas como produto mais ou menos automático das ino- conta as formas concretas do desenvolvimento capitalista em um
vações tecnológicas, sejam as que enfatizam a determinação das ondas determinado ambiente. E isso implica num conjunto de fatores não-
por fatores psicológicos e monetários, a explicação marxista pesqui- econó,tnicos como guerras de conquista, expansões e contrações da
sará as flutuações na taxa de lucro como a causa das onda longas. área de ação do capitalismo, competição inter-capitalista, lutas de
Mandei di~ que" ... nós acreditamos que as ondas longas expansivas classe, revoluções e contrarevoluções etc. Essas mudanças radicais no
resultam damteração entre variáveis multiplas e parcialmente autóno- ambiente geográfico e social no qual opera o modo capitalista de
mas que levam a uma elevação súbita e forte da taxa média de lucro produção detonam, por sua vez, o ascenso das váriaveis básicas do
e uma repentina e rápida expansão do mercado mundial" (29). crescimento capitalista (e elas podem levar ao ascenso da taxa média
A vantagem dessa abordagem é a de ser o lucro o que faz o de lucro)" (31).
capitalismo funcionar. Seria essa abordagem monocausal? Evidente- Uma vez iniciada, a onda longa passa a ser movida pelas leis
mente que não, pois vimos na discussão sobre a queda da taxa de lucro internas do movimento do capital, que determinarão a longo prazo o
os inúmeros fatores (custos da matérias-primas, situação do mercado declínio da taxa de lucro (onde a elevação da com posição orgânica tem
?J,Undial, taxa de mais-vali~, composição orgânica do capital etc) que um papel central): há assim a transição da fase expansiva para a fase
mteragem em sua determrnação: o movimento da taxa de lucro é .depressiva da onda longa, fase na qual as contratendências à queda da
síntese da interação de um grande número de fatores ("parcialmente taxa atuarão de uma maneira mais fraca e desincronizada.
inte~-ralacionados, mas parcialmente autónomos uns dos outros"). Paul Singer apresentará um questionamento dessa análise do
Assim, a causa das ondas longas é determinada por esse grande mecanismo da passagem das ondas longas com tonalidade expansio-
número de fatores, ao mesmo tempo em que " ... reflete o modus nista para as com tonalidade de estagnação: seu argumento (exposto
operandi global do sistema, está suficientemente próxima do coração de uma maneira cautelosa) se centrará na questão da composição
do sistema para possibilitar a compreensão de porque mudanças orgânic~ do ~apital. A hipótese apresentada por Singer é a de que a
naquele fator podem precipitar mudanças na maneira como o sistema composição orgânica aumentará no momento da renovação tecnológica,
como um todo cresce ou deixa de crescer" (30). " ... mas, com o passar do tempo, a produção da nova máquina é
Ao lado da caracterização das ondas como causadas pelas flutuações aperfeiçoada e sua escala é enormemente ampliada, o que acarreta o
da taxa média de lucro, a explicação marxista destaca duas outras seu barateamento. Portanto, é precisamente no longo prazo que a com-
características (também muito interrelacionadas): o papel dos fatores posição orgânica do capital não tem que aumentar. Por esse raciocínio,
extra-económicos e a questão das revoluções tecnológicas. as revoluções tecnológicas devem ter acarretado aumento da com-
O papel dos fatores extra-económicos é chave na transição de uma posição orgânica\ sobretudo no período de sua implantação, isto é,
º?da l?ng_a depressiva ~a~ expansiva. Esta intervenção exógena à durante a onda longa com tonalidade expansionista, sendo provável
dinãm1ca mtema do cap1tahsmo na inflexão da onda depressiva para que na fase seguinte, durante a onda longa com tonalidade de
e~pansiva determina a assimetria das ondas longas, na medida em que estagnação a composição orgânica tenha tendido a declinar" (36).
a inflex~o de onda long~ expansiva para depressiva será causadas por Essa crítica de Singer se situa no interior de sua visão que
fato_res mte~os_ao fun_c1onamento económico capitalista. Assim, há considera "ortodoxa" a formulação do aumento da composição orgânica
aqm uma polem1ca básica com todas as interpretações (a começar pela do capital (ele falará de dados convincentes que não a indiquem) e que
86 87
, 3) Uma periodização: as ondas longas na história do capita-
lismo
já discutimos antes. Nesse ponto, basta relacionar a discussão anterior É bastante consensual, entre os que reconhecem a existência das
com a crítica de Singer: é bem possível que haja, logo após a ondas longas (ou dos Kondratieff etc), que estamos hoje na fase
implantação da renovação tecnológica, o seu barateamento (o que depressiva da quarta onda. Pela periodização apresentada por Mande!,
pode até ser um pressuposto para a sua generalização). No entanto, a as fases seriam as seguintes:
generalização da aplicação do novo maquinário na estrutura produtiva 1- fim do século XVIII e a crise de 1847: período caracterizado
(apesar de mais barato do que as máquinas pioneiras da nova geração pela difusão gradativa da máquina a vapor de fabricação artesanal ou
tecnológica) não poderá causar outro efeito que não a diminuição manufatureira por todos os ramos e regiões industriais mais importan-
relativa do capital variável empregado em relação ao capital global. tes). Essa foi a onda da própria revolução industrial.
Especialmente se estamos em período de revolução tecnológica, 2- crise de 1847 e início da década de 90 do século XIX: período
quando o conjunto da produção social estará sendo "atingida" pelas da livre concorrência. A revolução de 1848 e a descoberta das minas
novas máquinas. Assim, durante a onda com tonalidade expansiva a de ouro na Califórnia trouxeram uma ampliação qualitativa do mer-
composição orgânica aumentará, contribuindo para a atuação mais cado mundial. É o período caractedzado pela generalização da máquina
forte dos elementos que levam à queda da taxa de lucro: e estes terão à vapor de fabricação mecânica como a principal máquina motriz. Essa
um papel chave exatamente na virada da onda longa de expansiva para foi a onda da primeira revolução tecnológica.
depressiva. Durante e após essa virada, os investimentos terão mu- 3- início de 1890 e a Segunda Guerra Mundial: período imperia-
dado de tónica, inicialmente da expansão da produção para racionali- lismo clássico, do capital monopolista. As principais características
zação e posteriormente tenderão a cair (diminuindo o ritmo de do imperialismo explicarão a súbita elevação da taxa de lucro depois
introdução de novas máquinas e de renovação do capital fixo), e (como de 1893. Há a aplicação generalizada dos motores elétricos à combus-
veremos no próximo tópico) as medidas de "racionalização" da tão a todos os ramos da indústria. Essa, a onda da segunda revolução
produção serão preponderantes: dada uma estrutura produtiva, os tecnológica.
capitalistas tentarão tirar o melhor proveito dela (diminuindo a mão- 4- iniciado na América do Norte em 1940 e nos outros países
de-obra ocupada, intensificando o trabalho etc). Neste sentido, também imperialistas em 1945/8: o que detonou essa onda foi a derrota
aqui dificilmente a composição orgânica pode cair. lústórica sofrida pelo movimento operário internacional nos anos 30
Passando às revoluções tecnológicas, elas se relacionarão com a e 40 (fascismo, guerra mundial, guerra fria, macartismo etc) que
onda longa expansiva de uma maneira subordinada à elevação da taxa possibilitou uma elevação significativa da taxa de mais-valia. Período
de lucro: essa elevação habilitará o capital a encontrar uma reserva de do capitalismo tardio, caracterizado pelo controle generalizado das
invenções não-aplicadas ou marginalmente utilizadas que servirão de máquinas por meio da aparelhagem eletrónica. Essa, a onda da terceira
recursos materiais para um aumento na taxa de inovação tecnológica. revolução tecnológica. (32 e 33)
Quando essa revolução ocorre ela é por si só de longa duração, como É necessário ressaltar dois aspectos adicionais relacionados com
veremos adiante. a periodização das 4 ondas longas.
Evidentemente, a elevação da taxa de lucro - viabilizada por O primeiro diz respeito à existência, em cada uma delas, de um
fatores extra-económicos- possibilitará que o capital-dinheiro previa- polo hegemônico: uma nação que dominará o mercado mercantil, um
mente acumulado seja utilizado produtivamente: antes dessa elevação país que funcionará como um centro de gravidade da economia
da taxa de lucro, esse capital fugia da aplicação produtiva, espantado mundial, coesionando-a. Essa hegemonia se reflete no papel domi-
pelas medíocres expectativas de lucro. Com a elevação da taxa de nante que sua moeda terá, permitindo uma expansão efetiva das trocas
lucro esse capital poderá ser reorientado para o investimento produ- mundiais. Inglaterra até o período de 1920/9 e Estados Unidos depois:
tivo (e que se somará aos fortes acréscimos da mais-valia gerada por estes, os polos hegemónicos na lústória do capitalismo (34).
uma economia que recupera sua dinâmica). O segundo diz respeito à algo que desenvolveremos no Capítulo
89
II: cada onda longa tem a sua forma específica de articulação do
mercado mundial (e isso nos interessará quando fonnos discutir os
países dependentes).(35)
Expressando graficamente tudo isso, teremos o seguinte esquema:
GRÁFICO Ili • Expansão Capi-
GRÁFICO li - Expansão capitalista
talista (Hegemonia dos EUA)
(Hegemonia da Grã-Bretanha)
1917 1973
1814 1870 1920 1974
1820 1875
(Passagem à
hegemonia Crise do petr61eo
americana) Crise do do/ar
Maio68 Crise do sistema
1' Guerra Crise da Vietnã financeiro
Mundial Libra internacional

Mobilização Concentração Crise de 29


operária (EUA)
(EUA)

1
Aço Alumínio Eletrônica 1
Ferrovias Autom6vel Rob6tica 1
tecelagem Máquina à vapor Eletricidade Telemática
Máquina à vapor
como motor organização Construção naval Bio-Tecnologia 1
sindical Motor à combustão· Energia nuclear 1
(França) 1
2'Guerra 1
Revolução de Mundial 1
1848 (França) 1
V 1
1789
Fim da transição
/is
1850
1900
Expansão
1900
Expanção.
colonial
1945
China
• Importação de trigo lugus/ávia
pré capitalista colonial Leste Europeu
e matérias-primas
- Divisão mun-
dial do trabalho
91
90
4) As ondas longas e a ação "progressivamente minada" da lei ,VI- As ondas longas e as revoluções tecnológicas
do valor .
Após a visualização global das ondas longas e de s':u~ diferentes A relação entre as ondas longas e as revoluções tecnológicas é
períodos, é importante observar a vinculação entre as di~untas ondas praticamente Ullânime. A polêmica existe em tomo do papel das
e as diferentes formas de operação da lei do valor (que fot api:esentada mudanças radicais na tecnologia na deflagração da nova onda (ou
na Parte I deste capítulo - A lei do valor e o progresso técruco).. novo "ciclo Kondratieff'): há várias correntes de interpretação que
A discussão da Parte I buscou apresentar as diferentes maneiras apontam wn completo automatismo no ciclo longo, definindo que a
de atuar da lei do valor acompanhando os períodos indi~ados pelas depressão determina o aparecimento de inovações tecnológica e que
várias ondas longas. Assim, nas duas primeiras ondas, a lei ?perai:á de estas determinam'a superação da depressão e o início da expansão.Na
uma maneira mais livre, na medida em que a economia. é amda nossa discussão sobre as ondas longas e a taxa de lucro buscamos
predominante regida pela "livre-concorrência". Na t':rcem~ ~nda polemizar com as visões "tecnologicamente detenninistas", atribu-
longa, com o avanço do capitalismo em dir~ção à sua fase tmpenalista, indo às revoluções tecnológicas um papel chave, porém, subordinado
a ação dos monopólios minará bastante a lei do valo;. E na quarta onda aos movimentos da causa das ondas longas.
longa, na fase do capitalismo tardio, com a amp~açã? da. ação dos Essa polêmica é extensa e viva, mas não é o nosso objetivo
monopólios (que ganham a característica de multinaetomus), c~m .ª desenvolvê-la aqui. Para os objetivos deste trabalho, é necessário
crescente intervenção do Estado na economia, com a crescente limi- apenas apontar a relação global entre os movimentos longos e as
tação da ação das "forças do mercado", o bloqueio da lei do valor se mudanças radicais e generalizadas da base tecnológica da produção:
desenvolve muito. essas mudanças radicais, as revoluções tecnológicas são indispensáveis
Essa observação é importante para anotar as difemças ~ntre cad~ para a determinação do patamar tecnológico internacional (patamar
onda. Discutimos neste capítulo não só a operação dif:renciada da lei tecnológico que, como veremos no próximo capítulo, se apresentará
do valor (relacionada com estruturas d~ mercado <!iferentes), mas como dado para os países dependentes). As revoluções tecnológicas
também as diferenças relativas à orgaruzação e ao mstrum_ental do estão na origem do estabelecimento dos "novos sistemas tecnológi-
trabalho. No próximo capítulo tentaremos deta~a; as. diferentes cos" que se relacionam com as ondas longas, como vimos no item
articulações do mercado mundial. Cada onda é uruc~, !rrepe~vel. IV.3. Julgaremos perfeitamente possível a integração das contribuições
Adicionando-se os fatores extra-económicos, tão essenc1a1s ~a virada de Freeman com as de Mandei.
da depressão para a expansão, conheceremos também diferentes Como foi visto na periodização das ondas longas, cada onda se
aspectos políticos em cada período. Cada onda tem a sua marca, relaciona com uma revolução tecnológica (com exceção da primeira,
reconhecível, típica. . que se articula com a própria revolução industrial). Essas revoluções
Labini, por exem pio, critica Schumpeter um pouco por isso. Em significam uma profunda mudança da base tecnológica da produção
seu estudo sobre Oligopólio e progresso técnico, ele afinna que capitalista, indicando que se o modo de produção capitalista existe
Schumpeter raciocina muito nas condições d? capitalismo conco;IBn· com a condição de revolucionar pennanentemente a sua base produ-
eia!, onde o empresário inovador atuaria efetivamente ..Nas condições tiva, isto não se dá de uma maneira homogênea: essas revoluções
do capitalismo dos trustes, a coisa não é bem assim: a º?da de também têm seus altos e baixos, sua dinâmica, sua maneira desigual
inovações detonada pelo empresário empreend~dor que é segw?~ por de se processar.
wn enxame de imitadores pode não ocorrer, pois os recursos exigidos Uma revolução tecnológica tem um aspecto global, atingindo-no
para se bancar wn salto tecnológico ~ã? mai?res e m~itas vezes só mínimo - os principais ramos da produção económica e/ou criando
acessíveis a uma grande em presa. Labiru questiona, asstm, a operação novos. As modificações devem atingir as máquinas (tanto as máqui-
do ciclo tal qual apontada por Schumpeter dada a transição~ uma f~se nas motrizes, as de transmissão e as máquinas-ferramentas) ini-
não mais concorrencial do capitalismo. E um rico debate, Ilustrativo cialmente, propagando-se posterionnente aos demais setores da pro-
da especificidade e da particularidade de cada onda longa (48). dução e da atividade económica (transportes, comunicações, serviços

92
etc). . . • . d- modificações nas condições da acumulação de capital, nas
Para que haja essa revolução, é necessáno a eXIsli:ncia de um expectativas de lucro e uma expansão de mercado previsível, que
estoque de inventos ainda não utilizados (mas em condições de ser justifiquem gastos massivos para as inovações radicais;
aplicado na produção): e este estoque não existirá sem progressos na e- efeitos combinados da implementação das inovações radicais,
ciência. Mas, como isso se dá? elevando as taxas de lucro e acelerando o crescimento econômico
(acumulação de capital), que lançam a revolução tecnológica no
1) As condições sucessivas para a eclosão da revolução sentido real do termo" (39).
tecnológica . . Essa síntese precisa a distinção entre a ocorrência da invenção e
Os movimentos da acumulação de capital também intervirão na de sua aplicação à produção (inovação). O trabalho de Mensch (citado
dinâmica da ciência (de uma maneira mais direta na aplicada do que por Mandei) traz interessantes dados sobre outra distinção. Mensch
na básica) e no próprio ritmo das invenções. Há evidências empíricas constatou evidências de "cachos" de inovações básicas ocorrendo
desse movimento (37) e uma extensa discussão da articulação entre as durante os anos de 1820, 1880 e 1930 (durante as ondas depressivas).
ondas longas e as invenções e as inovações. · Os gastos para as primeiras aplicações massivas disso só ocorreriam
Kleinknecht, por exemplo, concluirá um estudo indicando que dez anos depois, após a virada para onda expansiva.
" ... durante os tempos de prosperidade alguns projetos de inovação Uma observação final deve ser feita: a maneira como o estoque de
semi-acabados serão annazenados; nos períodos de crise, poderá &:r invenções será desenvolvido, ficando à disposição do capital para a
interessante reassumir o trabalho nesses projetos porque as alternati- sua aplicação à produção pelas várias fases do capitalismo. Ao se
vas de curto prazo não estão atraentes" e " ... que ?ur~te os períodos discutir a "lei do valor e o progresso técnico", buscou-se apresentar as
de alto risco e incerteza, as firmas podem ser rac10nais, ordenando a alterações que se processam nessa dinâmica. A transição de uma fase
seus departamentos de pesquisa & desenvolvimento iniciar projetos de operação mais livre da lei do valor à outra onde os monopólios e o
de duração mais longa" (40). Estado a bloqueiam fortemente tem alterações importantes na maneira
É uma hipótese razoável a de que durante os períodos de queda na como a própria atividade científica se dá.
taxa de lucro haja incentivo geral para a redução de ~us~os e que, nessa Na fase inicial do capitalismo, as invenções (que abriam espaço
busca, pesquisas seriam incentivadas para descobnre mventar méto- para as novas tecnologias) vinham de uma maneira mais empírica e
dos que façam esses cortes nos custos. Já durante os períodos de pragmática: a experimentação dos artesões somadas a séculos de
prosperidade há a atmosfera para os g:andes inve_stim~ntos que experiências dos cientistas naturais criavam a base para os avanços na
aplicarão os inventos desenvolvidos antenormente. D1~cuundo esses . tecnologia. Numa fase posterior, a contribuição dos artesões é mais
movimentos, Mandei apontará que " ... pode-se co?cluir q~e h~ uma indireta: o trabalho vai ficando mais mecanizado e há a intervenção da
alteração rítmica entre a intensificação das pe~quisas ~ o ~cio das observação experimental dos engenheiros.
inovações básicas (durante a onda longa depresSIva) e~ ID\~ns1ficação Será no período entre as duas guerras que uma tendência histórica
das inovações radicais (durante a onda longa expansiva) (38) .. do capitalismo começou a se realizar integralmente: à da transfor-
Pesquisando a relação entre os cachos de invenções e o non.o mação do trabalho científico em um trabalho diretamente assalariado
longo da acumulação (discutindo o trabalho de Mensch Stalemate m pelo capital, desenvolvendo vínculos diretos entre o progresso cientifico
tecnology), Mandei apresentará uma tentativa de sínte~e do que e a emergência de novas tecnologias.
seriam as condições sucessivas para a revolução tecnológica:
a- propensão para a ciência pura; . 2) As fases da revolução tecnológica
b-uma ruptura importante nas invenções, levando a um :ºnJu~to Uma vez detonada a revolução tecnológica, a dinâmica do
de invenções fundamentais capazes de mudar toda a tecnologia báSica processo de inovações se dará de acordo com uma certa lógica (que é
da produção; motivo, também de um vivo debate).
c- propensão para a inovação radical; Para compreender essa dinâmica, é necessário distinguir as
94 95
i
inovações básicas e inovações de aperfeiçoamento assim como as produtividade do trabalho acima da média poderão auferir superlucros
inovações de produto e as de processo. (rendas tecnológicas), o que será um motor para a própria renovação
As inovações básicas _são as que caract~rizarão uma verd~deira radical da base tecnológica (ver a parte I deste Capítulo, "A lei do valor
revolução tecnológica, as movações que cnam novos ramos mdus- e o P:Ogresso t~ci_uco"). Já a s:gunda fase da revolução tecnológica,
triais, novos produtos, novos processo de produção. As inovações de ?ª
l?Calizada nas ~zinhanças v1r~da da onda de expassiv a para depres-
aperfeiçoamento pressupõem uma base tecnológica dada, sobre a qual siva, se caractenzará pelos mvestírn entos de racionalização e pela vul-
algumas mudanças menores (que não alterem essa base tecnológica) garização das inovações.
se darão. Em geral, elas estarão relacionadas com fases onde a busca Tendo ocorrido um largo processo de generalização da nova base
dos cortes nos custos é uma motivação. técnica, o valor social d~-mercadorias passará a ser detenninado pelas
o esquema de Mensch, embora extremamente det_enninista, empresas que estão utthzando a nova base técnica, o que leva ao
mostra essa sucessão. Nele, durante a depressão a economia se toma desaparecimento das rendas tecnológicas. (43) :
estruturalmente madura para as inovações básicas ocorrerem em
enxames (ou cachos). Após a ocorrência desses exames de inovações _3) Revoluções tecnológicas, sistemas de máquinas e organi-
básicas haverá a difusão das inovações de aperfeiçoamento (que, na zaçao do processo de trabalho
análise de Mensch, levarão a economia para ciclos de crescimento). Já foi vista na parte II deste Capítulo ("A organização do trabalho
Assim que as inovações de aperfeiçoamento são "truncadas" por e o progresso técnico") as mudanças e o relacionamento existente
meras pseudo-invenções, o ciclo de crescimento se descelera (41). entre o instrumental de trabalho e a organização do trabalho. É
Já o estudo de Van Duijn buscará articular os ciclos de inovação necessário agora relacionar essas alterações com as várias fases da
(inovation /ife cyc/es) com as fases da onda longa. Apresentará uma onda longa.
tabela interessante, relacionando a propensão à inovação com as fases Cada revolução tecnológica leva a um detenninado sistema de
da onda:(42) máquinas. Voltando à periodização das várias ondas longas, pode-se
situar 4 sistemas distintos:
Tipo de depressão recuperação prosperidade recessão · a- máquinas à vapor, operadas por operários especializados e
inovação produzidas artesanalmente;
b- máquinas movidas por motor à vapor e produzidas por máqui-
inovação de produto + ++++ ++ + nas (industrialmente);
(novas indústrias) c- linha de montagem, movida por motor elétrico;
inovação de produto +++ +++ + + d- produção de fluxo contínuo, integrado por sistemas semi-
(indústrias existentes) automáticos (viabilizados pela eletrónica).
inovações de processo +++ + ++ ++ Cada sistema de máquinas se articulará com uma detenninada
(indústrias existentes) organização do trabalho: uma vez estabelecido um novo sistema, a
inovações de processo + ++ +++ ++ organização do trablho deverá ser adequada a ele. Uma vez es-
(setores básicos)(*) tabelecida essa nova articulação, acompanhando o ritino cíclico da
dinâmica económica e sua relação com a luta de classes, chegará o
OBS: (*) setores como aço, refino de óleo etc. momento onde o capital tentará reorganizar o processo de trabalho,
buscando fundamentalmente a sua intensificação (uma maneira de
Mande! dividirá a revolução tecnológica em duas fases. Na fazer crescer a taxa de mais-valia).
primeira, a elevação massiva dos investimentos será responsável por ~ur3:1te a fase expansiva da onda longa, ter-se-á a mudança do
ela. Aqui, dada a detenninação do valor social das mercadorias pelas maqumáno: nessa fase - dada a elevação da taxa de lucro - não é tão
finnas de composição orgânica mais baixa, as empresas que têm uma urgente para a burguesia mudar o processo de trabalho para além do
96 07
___.......________
requerido pela a nova base técnica.
Já durante a fase depressiva, com a passagem da predominância Notas do Capítulo I / Quarta Parte
dos fatores que levam à queda da taxa de lucro (inclusive com o
esgotamento dos "su perlucros tecnológicos"), há um grande incentivo (1) Marx e Engels, Manifesto do Partido Comunista (Textos, vol II,
para mudanças profundas no processo de trabalho, conseguindo com pág.26)
a sua intensificação uma contribuição para a elevação da mais-valia. (2) Marx, Teorias da mais-valia, vol III pág.933
Como foi visto na parte II, também, há a necessidade dos capitalistas (3) Mandei, La Crise 1974/82, pág.37 e 214
quebrarem a capacidade de resistência dos trabalhadores com as (4) Estey, John A., Tratado sobre los ciclos economicos, pág.24/5
mudanças no processo de trabalho, na medida em que essa capacidade (5) Mandei, A formação do pensamento econômico de Karl Marx,
deverá ter se desenvolvido muito durante a fase expansiva da onda pág.79/80
(quando o movimento operário terá aprendido a lutar nas novas (6) Marx, O Capital, vol II, pág.194
condições de produção). A generalização das modificações na organi- (7) Mandei, idem, pág.SI
zação do trabalho se dará durante a fase depressiva da onda, embora (8) Rosdolsky, Genesis y estructura de El Capital de Marx, pág 501
durante a fase expansiva sejam realizados os experimentos básicos (9) Marx. idem, pág.528
que darão origem a essa "revolução" na organização do trabalho. (10) idem, pág.499
Evidentemente essa revolução na organização do processo do (11) Rosdolsky, idem, pág.525
trabalho pode abrir espaço para inovações técnicas impo_rtantes, sendo (12) idem, pág.553
uma espécie de base para uína próxima revolução no sistema de (13) idem, pág.553
máquinas. (um exemplo disso é a hlpótese sobre a relação entre o (14) idem, pág.543
taylorismoe a automação micro-eletrónica nas indústrias de produção (15) Marx, idem, pág.178
em série, apresentada na parte II deste capítulo). (16) idem, pág.194
Finalmente, uma rápida observação sobre a questão do emprego. (17) Rosdolsky, idem, pág.554
Freeman observará que" ... no início de uma fase de boom da onda, a (18) Marx, idem, pág.554
ênfase será na rápida expansão de novas capacidades para conseguir (19) Mandei, Tratado de economia marxista, pág.326/335
uma boa porção do mercado: este investimento tem um forte impacto (20) Rosier, Bernard, Les théories des crises économiques, pág.25
positivo na geração de novos empregos. Com o amadurecimentos das (21) citado por Mandei em Capitalismo Tardio, pág.87/8
novas indústrias e da tecnologia, as economias de escala são incenti- (22) Veria, Catherine, Régularités et crises du capitalisme, pág.17
vadas e há uma pressão para mudar para inovações que representem (23) citado por Rosdolsky, op cit, pág.421
economias de custo nos processos tecnológicos. Aumenta a intensi- (24) Rosdolsky, idem, pág.554
dade de capital e o crescimento do emprego diminui ou mesmo pára" (25) Mandei, Explaining the long waves of capitalist development
(49). Segundo o autor, esse padrão se encaixa bem no que se deu no (capítulo 14 da coletânea organizada porC. Freeman, Long Waves in the
período posterior à Segunda Guerra Mundial nos países da Europa world economy, pág.195)
Ocidental e EUA. (26) Na lista podem ser citados: Freeman, Long Waves in the world
economy, 1983; Rosier, Les théories des crises économiqnes (onde são
citados vários encontros e colóquios internacionais sobre o tema); Coriat e
Boyer, num artigo traduzido pela revista do Cebrap.(Novos Estudos nº
12) O Retorno de Schum peter, citarão uma extensa bibliografia
(27) Delbeke, Joe, Recent long-wave theories - a criticai survey, in
Freeman, op cit,pág.1/12
(28) Rosier, Bernard, idem, pág.91
(29) Mandei, Explaining the long waves of capitalist development,
98
pág.198
1
(30) Mandei, idem, pág.198 ,CAPÍTULO Il: ~ AÇÃO DAS FO~ÇAS MOTRIZES DO
(31) Mandei, Long waves of capitalist development, pág.21/2 PROGRESSO TECNICO NOS PAISES DEPENDENTES
(32) Mandei, idem, pág.22/23 e 105
(33) Mandei, O capitalismo tardio, pág.83/4
(34) Veria, idem, pág.17/8
(35) Veria, idem, pág.13 (com ligeiras modificações, especialmente a
que identifica os anos 1973n4 como ponto de virada da quarta onda longa,
colocando assim 1968 como parte da fase expansiva da onda)
(36) Singer, Paul, na Apresentação da edição brasileira de O capital-
ismo tardio, pág.xvii
(37) Freeman, idem, cap. 3, 4, 5 e 6
(38) Mandei, Long waves of capitalist development, pág.40 O Brasil não faz parte do conjunto dos países que detenninam a
(39) Mandei, idem, pág.42 dinâmica do capitalismo mundial, expressa nas ondas longas anali-
(40) Kleinknecht, A, Observations on the schumpeterian swarming sadas no capítulo anterior. Pornão participar deste conjunto, as forças
of innovations , in Freeman, op cit, capág.4, pág.59 motrizes do progresso técnico atuarão aqui de uma fonna específica,
(41) Mensch, G e colaboradores, Changing capital values and the diferenciada em relação à analisada nos países capitalistas avançados.
propensity to innovate, in Freeman, op cit, capág.4, pág.31 Por que há essa diferença, como as ondas longas impõem sua
(42) van Duijin, J, Flutuations in innovatios over time, in Freeman, dinâmica aos países dependentes e, a partir daí, as características
op cit, cap. 3, pág.19 essenciais da relação entre esses países e o patamar tecnológico
(43) Mandei, Long waves of capitalist development, pág. 25/6 e internacional: essas as questões que se busca responderneste capítulo.
57/9
(44) Mandei, idem, pág.43/8 1- A especificidade da acumulação nos países dependentes
(45) Freeman, C. e colaboradores, Unemployment and Technical
Innovation, pág.65 A discussão do capítulo anterior nos mostrou as pennanentes
(46) Freeman, idem, pág.!01
mudanças de liderança no desenvolvimento capitalista mundial. Muitos
(47) idem,pág.124 países antes atrasados chegaram à vanguarda tecnológica em uma fase
(48) Labini, Oligopólio e Progresso Técnico, pág.152/3
posterior. Os processos de industrialização estão longe de serem
(49) Freeman, idem, pág.21 sincrónicos. Conhecemos na história inúmeros casos de industriali-
zações retardatárias de países que mais tarde vieram a conhecer
posições de liderança na ordem internacional: o Japão e a Alemanha
são dois exemplos bem ilustrativos.
O atraso nos processos de industrialização não significa, por-
tanto, uma automática condenação à pennanente ausência de um
seleto clube de países que dão o tom do sistema capitalista mundial.
Nem todo país que se desenvolveu industrialmente com atraso se
transfonnou em país dependente. Mas nenhum país dependente
conseguiu se tomar membro do clube dos mais industrializados, dos
que estabelecem a dinâmica do desenvolvimento industrial.
Uma ilustração interessante do papel da subordinação aos países
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capitalistas centrais na gênese do "subdesenvolvimento" é a com-
paração entre o Japão e a China. Em vastas fases de sua milenar
1 , Ao lado dessa dilapidação, há um contraste decorrente do atraso
do desenvolvimento capitalista nacional e a situação internacional: os
história, a China esteve adiante do Japão, chegando durante a fase final recursos existentes no país conheciam alternativas de aplicação exter-
da Idade Média a ter um "avanço global e decisivo no campo nas, contribuindo para retardar a existência de condições nacionais
tecnológico sobre o ocidente" (1). No entanto, na transição ao capita- para o processo de acumulação capitalista. Tudo isso determinou um
lismo, o Japão, embora sob o impacto da ação das potências ociden- problema para a acumulação de capital: a dificuldade para ser al-
tais, conseguiu preservar a sua independência e se distanciar do sub- cançado um montante de capitais mínimo que viabilizasse a realização
desenvolvimento. Já na China, em meados do século XIX a "expansão de investimentos produtivos.
imperialista européia começou a atacar o comércio e as manufaturas A incipiência e a insuficiência de capitais é, então, uma decorrência
tradicionais chinesas" (2), inicialmente por meios comerciais e depois da situação da espoliação nacional, de dependência económica. O
por meios militares. A derrota militar da China foi um exem pio usado controle direto ou indireto da economia nacional pelas potências
pelo representante americano no Japão para conseguir dos japoneses imperialistas impõe restrições à superação desta incipiência.
concessões em termos de comércio: aqui o contato com o capital O caráter retardatário destes países e sua relação com a insufi-
terminou sendo "negociado". A pressão do imperialismo sobre o ciência da acumulação de capitais não pode ser vista de uma maneira
Japão foi uma das marcas de sua transição ao capitalismo: ela se deu estática. Afinal, o desenvolvimento nos países capitalistas mais
impulsionada por fatores exógenos, que galvanizaram as condições avançados não cessa: muitas vezes um determinado país atinge um
herdadas do período anterior para transformá-las. certo porte de acumulação de capitais em um momento que esse
A diferença essencial está no fato de no caso do Japão a inde- montante já não é mais tão significativo, se comparado com o padrão
pendência ter sido preservada, enquanto na China ela foi quebrada. Por vigente nos países avançados. Quando se atinge, por exemplo, o nível
isso um país conseguiu avançar em termos de desenvolvimento de acumulação típico da fase das pequenas empresas nos países
capitalista e o outro foi condenado ao subdesenvolvimento. Tratando atrasados, já terão os países avançados centralizado e concentrado
do desenvolvimento industrial japonês desde 1868, André Gunder seus capitais em grandes empresas.
Frank o atribui ao "status não colonial e independente do Japão" (4). Essas características estruturais apontam para alguns elementos
Mais adiante n;ssaltará que "a única área importante na Ásia, e centrais para a compreensão do processo de acumulação nos países
certamente na Africa e na América Latina ... (que) ... foi capaz de dependentes: em primeiro lugar é um processo subordinado a uma
empreender um desenvolvimento capitalista próprio foi o Japão" (5). dinâmica exógena, que impõe uma determinada divisão internacional
A causa central da especificidade do processo de acwriulação dos do trabalho e define a inserção das economias nacionais; em segundo
palses "subdesenvolvidos" é o seu passado colonial: esses países l~gar é um processo de acumulação estruturalmente limitado, dada a
financiaram o processo de "acumulação primitiva" dos países cen- dificuldade de superação das debilidades da capacidade nacional de
trais. Para Marx,".,. as descobertas de ouro e de prata na América, o financiamento, no longo prazo, do desenvolvimento económico. e
extermínio, a escravização das populações indígenas, forçadas a industrial.
~rabalhar no interior das minas, o início da conquista e da pilhagem das Em termos da lei do valor, estamos tratando de llliI conjunto de
Indias Orientais e a transformação da África num vasto campo de países que sofrem os impactos das "ondas da lei do valor mundial"
caçada lucrativa são os acontecimentos que marcam os albores da era (expressão usada por Preobrajensky). Assim,. além .de 'portar as
da produção capitalista. Esses processos idílicos são fatores funda- características típicas da sua maneira de operar nos países avançados,
mentais da acumulação primitiva". Mais adiante ele acrescenta que" ... como discutimos no capítulo anterior, ela terá uma característica a
as riquezas apresadas fora da Europa pela pilhagem, escravização e mais nos países dependentes: ela operará de uma maneira "distorcida"
massacre refluíam para a metrópole onde se transformavam em pelo impacto sofrido nas fronteiras de uma economia nacional distinta
capital" (6). Essa dilapidação de recursos nacionais deixou marcas das que geraram a "onda".
históricas nos países dependentes. Até aqui discutimos o processo de inovação tecnológica como
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uma consequência do processo de acumulação, até certo ponto espe-
l m,os multiplos esclarecimentos para a dinâmica da difusão do pro-
lhando as suas características essenciais. Um processo de acumulação gresso técnico nos países dependentes.
dependente com as especificidades aqui apontadas terá também
características similares na dinâmica das inovações. Ao mesmo 1) As mudanças na estrutura do mercado mundial
tempo, a maneira como a lei do valor opera (a partir das suas "ondas Assim como cada onda longa tem uma estrutura de empresas e um
mundiais") também nos indica como o progresso tecnológico se padrão de concorrência típicos, uma base tecnológica predominante e
comportará. Quais são, portanto, as questões centrais para a pesquisa uma forma específica de operação da lei do valor, cada onda conhecerá
da dinâmica do progresso tecnológico nos países dependentes? Em uma forma mais ou menos típica de articulação do mercado mundial,
primeiro lugar, os países dependentes se defrontam com um patamar uma determinada divisão internacional do trabalho. Caracterizá-las
tecnológico internacional dado, definido pelos países capitalistas com precisão é uma questão complexa. O que será tentado aqui é a
avançados. Em segundo - uma decorrência imediata - os países de definição de características essenciais, centrais, de cada fase e a
acumulação dependente conhecem uma realidade de atraso tecnológico percepção das mudanças mais gerais.
permanente. Em terceiro lugar, as forças motrizes do progresso Como já vimos, no início do capitalismo as colónias financiaram,
técnico atuarão de uma forma indireta; mediada, mitigada. E, em pela pilhagem de suas riquezas e matérias primas, a acumulação
quarto lugar, considerando que o progresso técnico se gesta, se cria, primitiva. Para Marx," os diferentes meios propulsores da acumulação
nos países avançados e que apenas se propaga, se difunde, nos países primitiva se repartem numa ordem mais ou menos cronológica por
dependentes, oobjetoda pesquisa será não mais a lógica de sua criação diferentes países, principalmente Espanha, Portugal, Holanda, França
mas sim a lógica de sua difusão. e Inglaterra". Ao falar sobre a colonização holandesa ele considerará
Definidos estes pontos, devemos discutir a partir da dinâmica das a Holanda como a "nação capitalista modelar do século XVII" (7). Há
ondas longas as possíveis interações e articulações que elas es- no período colonial a formação de grandes sociedades comerciais que
tabelecem para a determinação da difusão das inovações tecnológicas monopolizavam o comércio de produtos (e essas sociedades eram
nos países dependentes. poderosas alavancas de concentração de capital) e " ... as colónias
asseguravam mercado às manufaturas em expansão e, graças ao
II- As ondas longas e os países dependentes monopólio, uma acumulação acelerada" (8).
É digno de nota que mesmo neste longo período de gênese da
O capitalismo começou a se desenvolver a partir do preenchimento ordem capitalista houve a ocorrência de "exportação de capitais".
de um pré-requisito essencial: o surgimento do mercado mundial. O Durante o século XVI, por exemplo, Caio Prado Junior fala que" ...
desenvolvimento do sistema impôs mudanças substanciais na estru- somas relativamente grandes foram despendidas nestas primeiras
tura deste mercado, sempre determinadas pela dinâmica das metrópoles. empresas colonizadoras do Brasil. Os donatários, que em regra não
A estrutura do mercado mundial vai se tornando mais complexa, com dispunham de grandes recursos próprios, levantaram fundos tanto em
uma sofisticação crescente da divisão internacional do trabalho. Nesta Portugal como na Holanda ... A perspectiva principal do negócio está
sofisticação da divisão de trabalho, papéis diferentes vão sendo na cultura da cana de açúcar" (9).
atribuídos aos _países coloniais, aos países dependentes. O próprio Assim, ao lado do que era o mais típico desta fase pré-capitalista
subconjunto dos países dependentes se toma mais diferenciado. - a pilhagem das riquezas das colónias - encontramos elementos da
Por outro lado, as ondas longas têm em sua detonação a ocorrência exportação de mercadorias e mesmo de capitais pelas metrópoles.
de revoluções tecnológicas que estabelecem o patamar tecnológico Nas duas primeiras ondas longas (1789-1900), há uma mudança
internacional de cada etapa. Esse patamar é diferente em cada onda e do papel dos países atrasados que passam a ser predominantemente
tem relações também diferentes com os países dependentes. exportadores de matérias-primas e de meios de subsistência. Este
Da discussão da evolução da estrutura do mercado mundial e das papel predominante é compreensível na lógica da acumulação ditada
diferenciações dos vários patamares tecnológicos internacionais trare- pelas grandes metrópoles pois cumprem uma função de baratear
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r
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elementos do capital constante e do capital variável. É a contribuição


do comércio exterior à oposição à queda da taxa de lucro. Neste para as exportações imperialistas (expansão que elevou a disputa
período, há o desenvolvimento de especializações nacionais entre 'i interimperialista, a ponto de ser uma das razões principais da eclosão
vários países da América Latina: a Bolívia como exportadora de da I Guerra Mundial). Essas características tipificarão um "novo
estanho, o Chile com o cobre, o Brasil com o café. estágio do capitalismo", segundo Lênin: o imperialismo.
Já os países centrais passam a ter, nessa relação, um papel O desenvolvimento do comércio internacional é impressionante.
preponderante como exportadores de mercadorias. Como _afirma Expressão da expansão das forças produtivas (tanto pelo lado do
Francisco Foot e Victor Leonardi, "... não se pode subestunar o aumento generalizado da produção nos vários países como pelo lado
impacto provocado pela verdadeira enxurrada de mercadorias inglesas do desenvolvimento dos transportes e das telecomunicações), esse
que invadiu o país já na primeira metade do ~éculo XIX, con~rmando desenvolvimento multiplica a internacionalização da economia. As
a plena integração do Brasil ao mercado mundial d a ~ .. ~c'!?1ente modificações são notáveis: além do crescimento do comércio exterior,
todos os tipos de mercadoria eram de procedêncta estrangelfa (10). há novas formas de organização da economia mundial, com o surgi-
Se a predominância na relação entre os países avançados e mento de trustes internacionais, sindicatos internacionais, consórcios
atrasados era essa, cabe ressaltar a existência de outras, como a bancários e mudanças na circulação mundial do capital.
presença de investimentos diretos (para o desenvolvimento de ferro 0 As mudanças na circulação mundial de capital são uma decorrência
vias que viabilizassem o escoamento das matérias primas exportadas). da formação de excedentes nas metrópoles. A exportação de capital
Há ainda repercussões no interior do país das atividades típicas do passa a ser uma característica deste estágio do desenvolvimento
período: por exemplo, as atividades de exportação de pr?<1u!os ~orno capitalista. Em seu estudo sobre o imperialismo, Bukarin, após
açúcar estimulavam o desenvolvimento de uma pequena mdustna que demonstrar que o capital se emprega no estrangeiro porque busca uma
produzisse os equipamentos para aquela produção. taxa de lucro mais elevada, afirma que" ... esbarramos, assim, com a
Este período é de expansão significativa do comércio inter- exportação de capital em quase todo o itinerário da evolução do
nacional. Tanto entre as "nações desenvolvidas" (" ... no decorrer da capitalismo. Ora, apesar disso, a exportação de capital adquiriu,
década de 1870, uma quantidade anual de cerca de 88 milhões de sobretudo nos últimos decênios, uma importância que jamais teve.
toneladas de mercadorias foi trocada entre as nações mais importantes, Pode-se dizer que se trata aí, até certo ponto, da criação de um novo
com paradas com as 20 milhões de 1840") como entre a Inglaterra e" as· tipo de ligação económica entre países, tanto cresceu a importância
regiões mais atrasadas ou remotas do mundo" (entre 1848 e 1875 essas dessa forma de relacionamento económico internacional". A super-
trocas se multiplicaram por seis vezes) (11). produção de capital é um pressuposto para a sua exportação, explicita
O mercado mundial, pressuposto do capitalismo, se desenvolveu · Bukarin antes de acrescentar três questões: 1) a massa de capital a
consideravelmente. Já em seu tempo, Marx observava que " .. , a procura de formas de aplicação é considerável e conhecerá uma
ampliação do comércio exterior, embora tenha sido na infância do circulação e uma acumulação em um ritmo sem precedentes, para a
modo de produção capitalista sua base, tomou-se, em seu progresS<?, qual contribuem o progresso técnico, o "desenvolvimento surpreen-
pela necessidade intrínseca desse modo de produção, por sua necessi- dente dos transportes e o aperfeiçoamento dos meios de circulação cm
dade de mercado sempre mais amplo, seu próprio produto" (12). geral"; 2) a cartelização crescente das economias nacionais determi-
Já na fase do capitalismo dos monopólios, típica da terceira onda nam algumas perdas de vantagem para aplicações locais e "desse
longa, há três processos simultâneos: 1) um enorme_crescim_ento do modo, todo o processo lança o capital para além das fronteiras do país"
comércio mundial, um desenvolvimento da.economia mundial; 2) o e 3) o aparecimento de "elevados direitos aduaneiros" àexportaçãode
desenvolvimento da acumulação de capital nas principais nações mercadorias, dos quais a exportação de capitais escapa (13).
capitalistas, a ponto de formar excedentes que permitiram a multipli- A exportação de capitais abre a possibilidade do capital im peria-
cação da exportação de capitais das "metró~les"i 3) uma nova lista controlar diretamente o processo de acumulação em países que
expansão colonial em busca de fontes de maténas pnmas, mercados começam a se industrializar. Na fase anterior, dada a insuficiência do
excedente de capital acumulado nas nações industrializadas, a limi-
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tação da afluência de capitais estrangeiros impedia a existência desse sµperados pela mudança tecnológica para os países em vias de
controle direto. desenvolvimento" ( 15). Para fugir de legislações rigorosas em termos
Evidentemente esse afluxo de capitais aos países atrasados permi- de controle ambiental, por exemplo, alguns ramos industriais se
tirá um impulso ao seu desenvolvimento capitalista. É nesse período, ~estocam para os países atrasados, onde a legislação é muito pouco
entre 1870 e 1930, que a Argentina se industrializaria, por exemplo. ngorosa neste tema. As mudanças são profundas. Refletem-se no
Esse afluxo de capitais terá consequência sobre os países avançados, desloca_rne~to da concentração das exportações dos países imperialis-
na medida em que possibilitará aumentos nas exportações de merca- tas: no início do século XX eram os bens de consumo, carvão e aço;
dorias. passarão agora a ser máquinas, veículos e bens de capital. Essa
Os países dependentes são, portanto, urna unidade mais diversi- mudança na concentração das exportações estimula o interesse dos
ficada: já existirão países com urna razoável industrialização (corno a grupos imperialistas na industrialização dos países dependentes.
Argentina), países em processo de maturação das condições de um . Essas mud_anças têm boa parte de sua origem na empresa rnulti-
processo de industrialização acelerada (o Brasil pós-30), outros nac10nal. Analisando-a mais de perto, veremos que se há algo que
continuando especializados na exportação de determinada matéria- ~uda, ?á _também algo que permanece: o controle dos processos de
prima (Bolívia) e outros reduzidos a um estatuto inteiramente colonial mdustnahzaç~o depen?ente. Para Stephen Hymer, " ... a expansão de
(vastas regiões da África). uma empresa mtemac1onal compreende um duplo movimento. Por
A diversificação do conjunto dos países dependentes será maior um lado, difunde capital e tecnologia. Por outro, centraliza o controle
na quarta onda longa, iniciada em tomo da II Guerra. estabelecendo_un:a rede int~grada verticalmente, na qual as diferente~
Agora, a internacionalização da economia atinge o seu grau mais áreas se_espe~ializam em diferentes níveis de atividade" (16).
elevado da história do capitalismo: a própria célula organizativa da Mais adiante, Hymer situará que os grandes executivos das
economia é a empresa multinacional, transnacional, com unidades de subs!diárias das multin~cionais, embora cumpram um papel social e
produção distribuídas por diversos países. Se a célula já é internacion- político extremamente importante no país onde se instalaram têm
alizada, o que dizer das demais componentes do sistema: a presente "... un:a posição ~ecundária dentro da estrutura da empresa, ;, em
mundialização das finanças é urna demonstração viva disto. autondade e honzontes, estão circunscritos a níveis .inferiores de
Nesta fase, há o interesse dos países centrais em uma certa tomada de deci~s". Em consequência, destaca o autor, "... os gover-
industrialização dos países dependentes. ?ºs com. os quais trat~ tendem a. assumir a mesma perspectiva
A grande expansão das empresas multinacionais no pós-guerra !ntermediána dos adrnirnstradores, Já que esta é a única fonte de
" ... deu origem a uma nova tendência na internacionalização do capital, mformações e idéias que têm acesso". E conclui afirmando que não há
que se manifestou na substituição parcial de capitais de empréstimo nenhuma garantia que os países atrasados consigam conhecimento
pelos investimentos diretos, e um deslocamento adicional da explo- para " ... aplicar a ciência e a tecnologia aos problemas da miséria
ração quase exclusiva das matérias-primas no início do século para um degradante" (17).
espectro produtivo mais diversificado, onde as indústrias rnanu- A resultante deste processo é uma divisão internacional do
fatureiras crescem de importância, particularmente as de bens de t~aba~ho mais complexa. A distância entre as extremidades desta
consumo duráveis e de capital" (14). As empresas multinacionais se divisao permlle um desenvolvimento mais amplo de situações inter-
instalam em inúmeros países e articulam a sua produção dividindo mediárias e p~ena de nuanças. Entre países avançados, exportadores de
funções entre as matrizes e suas filiais. A instalação dessas empresas capital e serviços e produtos de alta tecnologia, e os países atrasados,
nos países dependentes estimula urna dinâmica de desenvolvimento exportadores de matérias primas, há um sem número de matizes
de outras empresas que lhes dêem suporte, forçam o desenvolvimento possíveis. O ~onjunto formado pelos países dependentes é cada vez
da infra-estrutura econômica etc. A divisão internacional do trabalho mais heterogeneo: os graus de desenvolvimento industrial de cresci-
se altera, chegando a ocorrer'que " ... os países desenvolvidos deslo- mento econômico são extremamente desiguais. '
quem modalidades técnicas de fabricação e os equipamentos já Há um consenso generalizado sobre essa desigualdade entre as
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7

várias correntes e instituições que têm como campo a economia são que pode ser mais ou menos bem sucedida em razão de fatores
mundial. políticos, sociais e de relação com o próprio imperialismo; existem as
Até mesmo o FMI fará uma divisão rudimentar: identifica os consequências da estagnação em um país dependente (não necessa-
países de "renda média" (Brasil, México e Argentina), às vezes riamente uma regressão) que o leva a se afastar do patamar dos países
tratando-os de "países-não-tão-pobres"; e os países de "baixa renda" centrais dado o avanço nos últimos (o "fosso" aumenta af). Mais
(países da África Sub-Saariana, como o Sudão, Zaire, Kênia) (18). adiante veremos a dinâmica da renovação da dependência. Evidente-
Mandei, avaliando as mudanças dos últimos vinte anos, as mente essa dinâmica só pode ser compreendida a partir da constatação
alterações da inserção dos países atrasados na ordem capitalista das mudanças estruturais que Mandei indica.
internacional, considerará que se tratam de mudanças quantitativas e Nesta linha de raciocínio, Pierre Rousset, discutindo a diversi-
qualitativas, e proporá uma nova subdivisão entre os "países subde- dade das formações sociais do terceiro mundo, proporá uma divisão
senvolvidos": "na categoria geral dos países dominados pelo imperia- mais complexa: um primeiro subconjunto seria composto pelos países
lismo, uma subdivisão deve ser feita entre os países semi-industriali- mais atrasados (que não estariam sequer"maduros"para um processo
zadose os países semi-coloniais no sentido tradicional do termo" (19). de revolução permanente); um segundo composto pelos países depen-
Justificando essa subdivisão, o autor apontará o que mudou e o dentes, agora divididos em duas categorias como proposto por Mandei
que não mudou nesta relação entre esse novo subconjunto e os países (os semi-industrializados e os semi-coloniais clássicos) (21).
imperialistas. Como novidade, indicará o peso preponderante da Partindo de um outro horizonte teórico, em um trabalho do
indústria na atividade económica, o peso do proletariado (urbano e "Centre d'Estudes Prospectives et d'Informations lntemationales",
rural) no conjunto da população economicamente ativa, o significado intitulado Produção e comércio de bens manufaturados: quais
das exportações de produtos industrializados em seu comércio exte- mudanças no mapa mundial, Brigitte Jousselin terá uma visão
rior, uma renda per capita dez vezes maior que a dos países mais próxima, sugerindo que "entre os países do Sul, os modos de inserção
pobres. Entretanto, continua existindo a dominação financeira, a são bem diferenciados e se distinguem três categorias de países"; I) os
dependência tecnológica, as relações subordinadas no plano di- países importadores de produtos manufaturados e que praticaIJlente
plomático e militar, a persistência da questão agrária etc. Na categoria não os exportam: todos os países da OPEP, o Oriente Médio e a Africa
de países semi-industrializados dependentes, Mandei incluirá países do Norte não-OPEP cujas importações dependem das rendas da ex-
como o Brasil, México, Argentinà, Coréia do Sul, Taiwan, SingJlpura portação); 2) países exportadores de matérias primas diferentes do
(como casos transitórios, com uma posição à parte, colocará a Africa petróleo, são países que "melhoram regularmente sua inserção inter-
do Sul, Egito, Índia, os países exportadores de petróleo). nacional, quer dizer, mostram uma capacidade crescente a satisfazer
Debatendo com essa caracterização, o marxista mexicano Sérgio sua demanda interior e começam a exportar produtos manufaturados":
Rodriguez questionará uma formulação de Mandei sobre a irreversi- Austrália, África do Sul, países não-petroleiros da América Latina,
bilidade desta semi-industrialização. Rodriguez diagnosticará uma Ásia; 3) países que são exportadores de produtos manufaturados:
situação de "regressão económica e social no México", e no interior Brasil e os países da Ásia "em rápido desenvolvimento" (22).
de um processo geral de reconversão (que o autor diferencia de Mais do que precisar qual a melhor categorização, o essencial está
modernização), em particular a partir da estratégia das multinacionais, na própria complexidade das questões suscitadas pelas características
verá uma " .. .lenta transformação de um país semi-colonial e semi- centrais do desenvolvimento do mercado mundial imposto durante a
industrializado em um país semi-colonial de fábricas de montagem". sua quarta onda longa: a diversificação dos países dependentes é
De fato, a irreversibilidade não é um dado. A crise atual demons- indiscutível. Percepção global importantíssima para se evitar qualquer
tra a possibilidade de verdadeiros "sucateamentos" de indústrias impressionismo acerca de um desenvolvimento nacional vultoso
nacionais no terceiro mundo. Há uma dinâmica que deve ser melhor possibilitado nesta fase. Ao mesmo tempo, nos fornece uma visão das
pesquisada: existe a pressão interna, das classes dominantes nacionais potencialidades e dos limites do desenvolvimento nos países depen-
no sentido de defenderem as posições industriais conquistadas, pres- dentes, tanto do ponto de vista de sua dinâmica como de sua estrutura.
11 O 111
2) Os diferentes patamares tecnológicos e a "apropriação" tinham um peso maior das inovações de produto (automóveis, tele-
das inovações fones, rádios etc.), elas eram " ... de várias maneiras mais facilmente
Cada onda longa, a partir das revoluções tecnológicas que estão 'apropriáveis': geraram um rápido aumento da produção nos países
em sua detonação, estabelece um patamar tecnológico internacional inovadores, e criaram por todo o mundo novas demandas dadas as
diferente. Isto foi exaustivamente exposto e discutido aqui. Agora mereadorias existentes" (25). Sendo mais "apropriáveis", essas novas
d~ve ser ressaltado que a dinâmica das mudanças não está apenas nos tecnologias se difundiram menos do que as dos Kondratievs preceden-
diferentes patamares; as tecnologias típicas de cada patamar se tes. O aumento do peso do conhecimento científico contido nessas
dif~renciarão quanto às suas possibilidades de difusão, em função das inovações é uma das razões desta maior apropriabilidade.
vanações das respectivas "apropriabilidades". A existência simultânea de tecnologias mais complexas, de maior
Uma determinada tecnologia é "apropriável" porum país inova- "apropriabilidade" e, portanto, demenorfacilidade para se difundir ao
dor quando ele é bem sucedido na manutenção do conhecimento lado das tecnologias antigas (típicas de patamares tecnológicos de
técnico em suas fronteiras, impedindo a sua "livre" difusão pelos ondas passadas), abre condições para um cenário internacional mais
outros países não-inovadores. O grau deste controle mede a dimensão diversificado. E o exposto por Freeman: " ... o crescimento econômico
da "apropriabilidade" de uma dada tecnologia (23). mundial durante a fase ascendente do terceiro Kondratiev foi rápido.
Freeman monta um interessantíssimo quadro histórico a esse A sua causa principal não foi a difusão internacional de algumas das
respeito. Lembrando da "simplicidade" (engenhosa) das tecnologias tecnologias principais do terceiro Kondratiev, mas a crescente inter-
da revolução industrial (associada ao primeiro Kondratiev), mostra dependência da economia internacional com o crescimento das expor-
como a difusão destas tecnologias se deu pela emigração de técnicos tações de matérias-primas e das importações de manufaturados nos
e empresários ingleses (que se estabeleceram inicialmente na Bélgica países periféricos ... ou a tardia difusão de algumas das principais
e na França, mais tarde criando subsidiárias na Alemanha e na Rússia). tecnologias dos dois primeiros Kondratievs em alguns países de
O governo inglês chegou a " ... proibir tanto a emigração de industrialização retardatária" (25).
trabalhadores qualificados como toda exportação de máquinas para Para as tecnologias principais da quarta onda longa, discutiremos
conservar com a indústria britânica o monopólio sobre as novas no capítulo IV as características essenciais da microeletrõnica. Não há
técnicas. Sabe-se que neste mesmo período os industriais franceses, como negar que a "apropriabilidade" cresce na presente onda.
senão os poderes públicos, esforçavam-se para aliciar trabalhadores Analisando os diferentes patamares tecnológicos, é possível
ingleses ou para procurar clandestinamente desenhos das máquinas" deduzir que a dinâmica em relação à sua difusão é a da crescente
(56). "apropriação", é a do crescente controle - pelos países e, acrescente-
Além da simplicidade das novas tecnologias de então, elas eram se, pelas firmas - da inovação, de sua difusão. Isto é devido ao fato do
basicamente "inovações de processo" (tratavam da produção ou do progresso tecnológico estar ainda sendo realizado sob a égide da
t~ansporte de bens já existentes como ferro, têxteis etc.) Daí a concorrência (entre nações e grandes empresas) e não sob o impulso
dificuldade da Inglaterra em se "apropriar" delas. Em uma observação da livre cooperação.
bastante útil para o objeto deste capítulo, Freeman cita um estudo que O acesso dos países dependentes ao patamar tecnológico inter-
mostra q~e aq~elas inovaçõ~s poderiam se difundir para" ... qualquer na~ion~, dada a crescente "apropriabilidade" das tecnologias princi-
país 9ue Já e~ti~esse pr?duz1:1do ferro, têx\eis ou roupas ... - seja ela pais, vai se tornando cada vez mais difícil à medida que as ondas
Suécia ou ~ussia, Brasil, China, Japão ou India. Note-se, por exem- longas se sucedem. As estratégias para ter acesso a elas têm de levar
plo, que a India abriu a sua primeira fábrica têxtil moderna na década esse dado em consideração.
de 1850, e seus primeiros trabalhos modernos com ferro nos anos A "apropriação" das novas tecnologias chegou a um ponto tal que
1870" (24). o domínio e a dependência tecnológica são eficazmente administra-
Na segunda onda longa, a situação foi aproximadamente similar. das: é por essa ótica que devemos iniciar qualquer discussão sobre
Já no terceiro Kondratiev, quando as tecnologias principais "transferência de tecnologia".
112 113
1

típicas das ondas anteriores (ferro, siderurgia é da segunda), e, ao


3) A sofisticação e o dinamismo da divisão internacional do mesmo tempo, inovações (novos materiais) típicas da quarta onda ao
trabalho se desenvolver incidem sobre a vida de uma nação cujo papel na
Esse problema internacional nos fornece um instrumental rico divisão internacional do trabalho está fixado desde a primeira onda
para a discussão da dinâmica das forças motrizes do progresso técnico longa (os exportadores de matérias primas). Ê uma dinâmica global
no chamado terceiro mundo. Necessária para não se ter uma visão que na relação entre os países centrais e os dependentes combina
impressionista de movimentos importantes em um ou outro país. elementos de uma ação direta com os da indireta; assiste a uma
Na presente fase da quarta onda longa, temos diante de nós uma intervenção mais ativa ou mais passiva dos países dependentes no
estrutura da periferia capitalista extremamente diversificada, produto interior de uma dada divisão internacional do trabalho.
fundamental da complexa divisão internacional do trabalho imposta Esse é o dinamismo multifacetado que vamos tratar de analisar
pelos países imperialistas. As oportunidades de avanços entre os com mais detalhe a seguir.
países dependentes se multiplicam, dado o interesse e a necessidade
que os países centrais chegam a ter em relação à transferência de Ili- O patamar tecnológico internacional e os países
indústrias etc. dependentes
No entanto, não podemos deixar de cotejaressa "multiplicação de
oportunidades" com a dinâmica da crescente "apropriabilidade" das O patamar tecnológico internacional é estabelecido pelo (ou
tecnologias: ao mesmo tempo que o avanço do patamar internacional pelos) país(es) lfder(es) de cada fase do desenvolvimento capitalista
ocorre, há um controle ampliado sobre as tecnologias principais, mas mundial. Os países atrasados se defrontam com esse patamar como um
as condições para o acesso às tecnologias de ondas passadas são dado, como resultado de um processo exógeno cuja dinâmica lhes
"facilitadas" ou até mesmo "incentivadas". escapa.
Ê uma dinâmica que simultaneamente "estimula" e "bloqueia" o O atraso em relação ao patamar tecnológico, no entanto, é
desenvolvimento econômico. Para ilustrar o primeiro caso, dando um diferenciado, se observamos as diferentes possibilidades de aproxi-
exemplo de uma ação direta, podemos colocar a produção de ferro: em mação, as diferentes consequências dos processos de alcançamento
1950 o terceiro mundo não representava mais que 6,5% da produção tecnológico (catching up process).
mundial, mas em 1982 atingiu 26,7% desta mesma produção. Já no Uma é a resultante dos processos de alcançamento nos países
segundo caso, podemos citar o desenvolvimento tecnológico nos "atrasados não dependentes". Na discussão anterior vimos como em
países centrais, com a produção de fibras sintéticas, adoçantes artifi- várias ondas longas existiram países "retardatárias" que conseguiam
ciais, produtos derivados da evolução da biotecnologia, o crescimento romper esse atraso, a partir de um processo de difusão das tecnologias
da reciclagem de materiais usados etc., todas essas questões tendo um de ponta da respectiva fase. Ê o caso dos processos da França, da
impacto tal no comércio mundial que leva à queda da participação dos Bélgica no primeiro Kondratiev; o da maioria da Europa, do Japão e
produtos de base (produtos agrícolas e matérias-primas): em 1960 dos Estados Unidos no segundo; da Europa e do Japão no período pós-
totalizaram 45% das trocas e em 1985 apenas 17,5%. Essa queda tem segunda guerra. A existência de expressivos recursos nacionais para
uma incidência significativa nas cotações destes produtos, com reper- a viabilização da difusão, assimilação e domínio sobre um certo
cussões sobre as economias que vivem de sua exportação (26). Neste número de tecnologias (que vão desde o montante de capitais mobil-
caso, há um exemplo de uma repercussão indireta da ação dos países izável, a capacidade da ação das burguesias e de seu Estado, o tipo de
centrais sobre o terceiro mundo. fonnação técnica e cultural das classes trabalhadoras, o poder de
São dois fenômenos que convivem e se relacionam, tomando-se barganha para a obtenção de efetiva transferência de tecnologia etc.)
compreensíveis pelo movimento das ondas longas: a dinâmica é 'são elementos explicativos desta capacidade dos países não-depen-
imposta pelos países centrais (domínio das tecnologias típicas da dentes.
quarta onda), que repassam para os países dependentes indústrias Esse processo de aproximação do patamar internacional esteve na
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origem de alguns processos de crescimento económico no pós-guerra: lógica da discussão anterior. Os países retardatários não dependentes
foi o que ocorreu na Europa e no Japão. Freeman mostrará que " ... a possuem essa capacidade de assimilação: não se trata de um processo
mera existência de um enorme 'hiato tecnológico' entre os Estados de mera difusão.
Unidos e a Europa foi suficiente para deslanchar um processo de O atraso em um ramo ou setor pode ser alterado, diminuído e até
crescimento económico impressionante se comparado a qualquer mesmo superado. Uma ilustração disto pode ser feita com as disputas
padnl'.o histórico". Esse processo se viabiliz.ou pela "massiva destruição atuais na "corrida" da moderna biotecnologia.
de capital na Europa (durante a guerra) e pelas especializações O Japão está atrasado neste setor, mas. tem a. capa~i?ade de
científicas e tecnológicas existentes na maioria dos países europeus". detonar um processo de alcançamento (setonal): f01 decidida uma
Uma massiva transferência de tecnologia se deu, com os Estados ousada ação combinada entre"o governo (via quatro ministérios) e as
Unidos pretendendo mas não conseguindo controlá-la. grandes corporações da área química e farmacêutica. No início do
Quanto ao Japão, Freeman definirá a existência de um gigantesco próximo século, pretendem já estar na liderança deste setor (29).
processo de alcançamento, que determinará um "super-Kondratiev Por que isso é possível? Aqui está a diferença com o~ países
boom", quando ocorreu a difusão da maioria das inovações tanto da dependentes. Há uma "massa" de elementos que uma economia como
quarta como da terceira onda longa. Buscando as razões para essa a japonesa acumulou que viabilizam "aproximações e ultrapass~gens"
expansão, Freeman dará destaque à preocupação do Japão com os como essa: desde uma capacidade "estatal-corporativa (no sen~do das
"mecanismos de transferência de tecnologia". Embora essa preocu- grandes corporações)" de definir orientações para o d~senvo_lvimento
pação isoladamente não explique o conjunto da expansão nipónica, é tecnológico, incluisive no médio e longo prazo, co?di~õe~ cientffic:15
importante anotar o peso dado à efetiva absorção das tecnologias de (acúmulo em profissionais e recursos humanos) e mdustnas capacit-
ponta. adas a absorver essas tecnologias. Recentemente, desenvolveram até
Os atrasados não dependentes se diferenciam dos dependentes mesmo a capacidade de intervir no mercado do país mais desen-
pela consequência de um processo de alcançamento tecnológico: volvido no setor (os EUA), com conhecimento suficiente para com-
aqueles conseguem atingir o patamar internacional. Já os países prar algumas indústrias pequenas mas altamente inovadoras (eles
dependentes, uma vez detonado um processo de alcançamento, não sabem o que comprar... ).
logram concretizá-lo: o processo se limita a uma "aproximação" do Num país dependente, há falta de recursos para bancar o início
patamar, a uma diminuição do "hiato tecnológico". desse processo, ausência de uma significativa "massa crítica" para
A ausência desta clara distinção é um problema da posição obter a "absorção" do "estado de arte" e uma falta de participaç~o no
apresentada por Bob Rothraw em seu estudo sobre os processos de campo internacional, que beira a ignorância sobre como relacmnar
"atualização tecnológica". Ele trata de uma maneira um pouco indis-
criminada o processo ocorrido em países centrais e em paises do
terceiro mundo (28). Ele acerta quando descreve a existência das
l com os centros de criação e desenvolvimento da tecnologia em
questão.
Os países dependentes conhecerão uma relação com o patamar
repercussões sobre o crescimento económico no terceiro mundo tecnológico internacional caracterizada porum movimento de aproxi-
destes processos de "atualização tecnológica", mas não destaca um mação e afastamento. Aproximação e afastamento porque estamos
elemento essencial que é a condenação prévia ao fracasso do processo lidando com duas formações que se desenvolvem, que têm "vida".
de alcançamento. A dependência apresenta a sua conta e determina os Nos momentos de revolução tecnológica nos países lideres, o afas-
limites deste processo. tamento é inevitável, imposto pelo avanço do patamar dos países
Há aqui um elemento novo na nossa discussão. Insistimos até centrais. A discussão das próprias revoluções tecnológicas, feitas no
agora na diferença essencial entre o processo de gestação, de criação capítulo I, explicita este movimento. Outra possibilidade de afas-
das inovações tecnológicas nos países centrais e o de sua difusão nos tamento é a regressão económica e industrial em algum país: são
dependentes. A esta dicotomia entre gestação e di~usão deve ser chamados processos "sucateamento" de parques industriais, fi:uto de
acrescentado um tópico: capacidade de assimilação. E a decorrência uma política económica regressiva (o exemplo é a Argentina na
116 117
década de 70). fél1,il para a aplicação das últimas palavras em tecnologia: a ines-
O objeto de nossa atenção será o processo de aproximação: nele, capável dinâmica de elevação da produtividade, partindo de um
se combinam as pressões externas e as solicitações internas aos processo de racionalização e intensificação do trabalho, será um
países dependentes, em prol do progresso técnico. estímulo forte para a aplicação de novas máquinas (e "respectivos"
Quanto mais complexa a estrutura industrial e econômica do país, métodos e organização do trabalho) disponíveis.
quanto mais avançado seu estágio da acumulação capitalista, maior a Mesmo que de uma maneira concentrada no tempo, os mesmos
solicitação interna pelo progresso tecnológico. Ou melhor, maior o elementos que atuaram no sentido de se desenvolver um novo método
peso das pressões internas na interação combinada com as pressões de trabalho, uma nova máquina, uma nova tecnologia nos países
externas por esse progresso. avançados poderão se reproduzir aqui, pressionando para que se
Numa situação em que o desenvolvimento industrial e econômico aplique no parque do país dependente o que foi criado no país
do país é frágil, incipiente o fundamental do desenvolvimento será avançado.
definido pela pressão externa, basicamente pelo interesse e pelas Enfim, atingindo um certo patamar, o desenvolvimento industrial
necessidades dos centros dinâmicos da economia mundial. A dinâmica nos países dependentes inaugura uma dinâmica interna de pressão
interna do desenvolvimento capitalista será muito frágil: as "ondas da para aproximações do patamar tecnológico internacional.
lei do valor mundial" atuarão praticamente sozinhas, sem encontrar Outra combinação que deve ser vista é a que ocorre quando há um
barreiras ou constrangimentós. A pressão externa é ofundamental peso grande de produtos industrializados na pauta de exportações de
porque a própria economia do país dependente é um mero produto do um país dependente: neste caso, as exigências e os padrões definidos
capitalismo mundial. Discutindo a hlstória econômica do Brasil, pelo mercado mundial atuarão diretamente sobre a indústria do país ou
Francisco de Oliveira dirá que " ... não há dúvida que a expansão do sobre importantes setores dela.
capitalismo no Brasil é impensável autonomamente, isto é, não Esta é, por exemplo, a motivação que levou uma grande multi-
haveria capitalismo aqui se não existisse um sistema capitalista nacional instalada no Brasil, a Volkswagen, a iniciar a introdução de
mundial. Não há dúvida, também, que em muitas etapas, princi- robôs (de pintura e soldagem) em sua linha de produção. Segundo um
palmente na sua fase agrário-exportadora, que é a mais longa de nossa gerente de produção da empresa " ... com este sistema visamos, sobre-
hlstória econômica, a expansão capitalista no Brasil foi um produto da tudo, evitar problemas de acabamento, já que os veículos serão
expansão do capitalismo em escala internacional, sendo o crescimento exportados" (31).
da ecpnomia brasileira mero reflexo daquela" (30). Essa combinação entre uma dinâmica interna e uma pressão
A medida que o capitalismo se desenvolve, que a estrutura externa na detenninação do processo de difusão das inovações tecnológi-
industrial e econômica vai ficando mais complexa, maior, o cresci- cas nos países dependentes definirá uma outra característica: do ponto
mento da economia vai deixando de se rum mero reflexo da economia de vista da economia dependente esse processo não é apenas passivo.
mundial: a "solicitação interna" passa a aumentar o seu peso. Ele será um processo que combina elementos ativos - determinados
O estabelecimento de um parque industrial abre uma série de pelos centros dinâmicos da economia nacional - com elementos
necessidades para a economia. A possibilidade de instalação de passivos - determinados pelos interesses dos centros dinâmicos da
indústrias que complementem as já existentes é óbvia. A necessidade economia mundial.
(prévia e posterior à instalação daquele parque) da construção de uma A existência desses elementos ativos, frutos da dinâmica interna
infra-estrutura mínima é um fator interno importante. dos países dependentes é que determinarão a possibilidade de um
Sendo atingido um determinado nível de desenvolvimento indus- descompasso entre o ciclo económico de um país dependente e o dos
trial necessidades mais sofisticadas vão se colocando: desenvolvimento países imperialistas. A aplicação no parque produtivo nacional do que
do setor de comunicações, aprimoramentos nos serviços financeiros já está testado e implementado nos países centrais sempre possibilitará
etc. a obtenção de um certo crescimento econômico, mesmo quando a
Uma estrutura industrial mais complexa é um campo potencial dinâmica da economia mundial não for essa.
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Tratando das transfonnações que se processaram na economia longa, por exemplo) e elas são predominantemente passivas, desde um
brasileira desde 1930, quando a indústria passa a ser o setor-chave da ponto de vista dos países dependentes.
economia brasileira, Francisco de Oliveira ressalta que a crise dos Já nas fases descendentes, em particular em suas fases mais
anos 30 do capitalismo mundial poderia levar a economia brasileira agudas, o "interesse" dos países centrais em estimular o desen-
tanto à estagnação (como se deu em muitas economias latino-ameri- volvimento da periferia se rebaixa profundamente, chegando mesmo
canas) como ao crescimento. Esta ocorreu porque " ... existiam con- a passar a ocorrer uma verdadeira inversão no fluxo de capitais (como
dições estruturais, intrínsecas, que poderiam alimentar tanto a acumu- na presente crise da dívida externa dos países do Terceiro Mundo).
lação como a fonnação do niercado interno. É claro que estavam à Discutindo as "brechas" para o desenvolvimento dos países
disposição no mercado mundial as técnicas e os bens de capital dependentes, Stephan Hymer mostra o alívio que a concorrência entre
necessários para que se desse, internamente, o salto em direção à grandes grupos oligopolfsticos pode oferecer a eles e lembra que
industrialização. Mas, o que se quer frisar, é o que os atores atuaram " ... como assinala Gunder Frank em sua análise do desenvolvimento
deliberadamente em busca de ampliação e consolidaçí!o de estruturas do subdesenvolvimento, é, ironicamente, nos períodos de cris_e no
capazes de propiciar crescimento" (32). centro que os países subdesenvolvidos conseguem dar os passos mais
Desde então, a expansão do capitalismo no Brasil já não era mais importantes para superar seu desenvolvimento" (34). Freeman vai
"mero reflexo" das condições imperantes no capitalismo mundial, nessa mesma linha, afinnando que " ... mais do que outro aconteci-
sendo possível à economia nacional crescer mesmo em condições mento, a fase depressiva do terceiro Kondratiev, em particular a
desfavoráveis da conjuntura internacional. Discutindo a aceleração da depressão de 1930, lançou luz nas vantagens cruciais do alcançamento
industrialização nos anos de JK (entre J 956/60), Francisco de Oliveira (catching up), da industrialização e da importação de tecnologia; e os
afinnará que " ... é difícil reconhecer uma estratégia do capitalismo perigos de se apoiar excessivamente na exportação de produtos
internacional em relação à aceleração da industrialização brasileira; primários, isto para todos os países que negligenciaram as opor-
foi nas brechas do policentrismo, com a reemergência dos países do tunidades domésticas de desenvolvimento da manufatura durante a
Mercado Comum Europeu e a do Japão, que a estratégia nacional fase ascendente do terceiro Kondratiev" (35). Ele apontará para vários
encontrou viabilidade" (33). países da América Latina a detonação bem sucedida de processos de
A partir da percepção dos elementos ativos e passivos na dinâmica "substituição de importações" durante esse período.
de aproximação dos países dependentes ao patamar tecnológico Mais adiante, ao discutir a fase descendente da presente onda
internacional, é interessante uma tentativa de situar essa dinâmica em longa e os impactos sobre os países recentemente industrializados
relação às "subidas" e "descidas" das ondas longas. (newly industrialized countries), Freeman retoma aquela linha, dizendo
Nas fases ascendentes das ondas longas, a predominãncia da 1 que para eles" ... a fase descendente do Kondratievpode ser vista como
aproximação dos países dependentes é ditada pelos próprios países
centrais, uma vez que é a sua própria expansão económica que está em
• uma pausa benvinda na taxa de avanço da fronteira tecnológica ou da
fronteira da produtividade, abrindo a possibilidade de que eles ve-
jogo: anote-se aqui as consequências nacionais de um processo de nham no futuro a se tomar membros do seleto grupo dos líderes
exportação de capitais (típico da terceira onda longa) e de instalação tecnológicos e económicos" (36).
de subsidiárias de multinacionais (típico da quarta onda longa), ambos Não nos parece ser tão sim pies a questão, na medida em que ela
com forte incidência na fase ascendente da onda. Afinal, é durante a não é apenas tecnológica e o autor parece subestimar o peso da
sua fase ascendente que a estrutura do mercado mundial é moldada e subordinação nacional e da dependência. A fase descendente apre-
a divisão internacional do trabalho rearranjada. senta tanto a pausa no avanço da fronteira tecnológica como o peso da
Nestas fases das ondas longas, os países dependentes conhecerão dominação imperialista sobre os atrasados: os constrangimentos
todas as "novidades" que o novo período imporá à sua participação na externos ao desenvolvimento nacional chegam ao seu ponto máximo,
economia mundial. É um momento onde há alterações importantes na medida em que os países dependentes são chamados a "contribuir"
(vide as mudanças na produção mundial de ferro, na quarta onda para a superação da crise nos países avançados. Qual é a lógica das
120 121
capitalista mundial pode ser "conquistada" e saltos podem ser dados:
polfticas do FMI senão esta? parece estar aqui a diferença fundamental entre a política de um país
Mas, parece evidente que dada a paralisação (pelo menos tem- como a Coréia do Sul e o Brasil. Lá há uma ação tal que até mesmo
porária) da evolução da fronteira tecnológica, oportunidades se abrem produtos típicos da quarta onda longa já são produzidos pelos co-
para os países dependentes: é um momento de uma possível aproxi- reanos (circuitos integrados) enquanto a paralisia do Brasil é notável
mação mais acelerada do patamar tecnológico internacional, é um (como veremos adiante).
momento de se tirar proveito da agudização dos conflitos inter- Nas fases ascendentes, a inserção passiva no mercado mundial
imperialistas típicos desse período para melhorar posicionamentos não descarta a possibilidade de desenvolvimento à escala nacional nos
nacionais. países dependentes. Contudo, a existência de polfticas articuladas,
Todavia, essa melhora só pode ser consequente a uma mudança ativas, possibilita um melhor aproveitamento da expansão da eco-
radical na postura do país dependente: é o momento onde o processo nomia mundial, um melhor posicionamento nacional para o momento
deve ter a predominância de elementos ativos na busca da inserção da reversão da tendência expansiva.
renovada na economia internacional. Seja para se defender da inten- Já nas fases descendentes da onda, a inserção passiva na divisão
sificação da espoliação nacional, seja para disputar um novo papel na internacional do trabalho pode comprometer as possibilidades de
ordem internacional. Deixados a si mesmos, sem uma política ativa, desenvolvimento nacional. A existência da busca de uma inserção
a tendência maior dos países dependentes é a de sofrer intensamente ativa na ordem mundial é quase um pré-requisito para uma aproxi-
a crise e conhecer uma paralisia no seu processo de desenvolvimento mação do patamar internacional. A combinação de uma política
e aproximação do patamar internacional: a pausa na fronteira tecnológi~ ofensiva, ativa de desenvolvimento nacional com a paralisia do
internacional pode ser acompanhada da pausa na retaguarda. Está aqui avanço da fronteira tecnológica internacional, pode abrir espaço para
a explicação de porque é suicida uma política neoliberal em um país significativas aproximações do patamar internacional. O que pode
dependente durante uma fase descendente de uma onda longa! viabilizar a conquista de posições importantes para uma melhor
É verdade que as fases descendentes das ondas longas são participação no próximo ciclo expansivo.
esclarecedoras quanto às limitações dos países dependentes: na ter-
ceira onda longa, pela queda da demanda por matérias-primas e pelas IV- O atraso tecnológico permanente
dificuldades à exportação de mercadorias; na quarta onda, pelas
repercussões de uma recessão na economia norte-americana sobre os A situação de atraso tecnológico permanente, a que estão sub-
países que intensificaram a sua industrialização com um peso grande metidos os países dependentes no interior da ordem capitalista mun-
para as atividades de exportação em direção ao mercado americano. dial, é uma decorrência das características da "acumulação depen-
Em um ou outro momento, a crise colocou dificuldades aos países dente", capaz de viabilizar aproximações do patamar tecnológico
dependentes. Mas essas crises, as longas depressões abrem "fissuras" internacional mas incapaz de alcançar este mesmo patamar.
no centro que se constituem em uma condição necessária porém não O atraso tecnológico permanente é consequência tanto do fato da
suficiente para mudanças na periferia. gestação do progresso tecnológico determinante do patamar inter-
Uma outra questão é decisiva (e se relaciona com o que sugerimos nacional estar presente entre os países capitalistas avançados, como da
no início desta parte): a complexidade da industrialização, das articu- inexistência de condições para a assimilação do conteúdo da fronteira
lações das classes dominantes locais.jogam um papel decisivo para se tecnológica em cada período. Essa distinção é necessária para não
explorar essa situação (evidentemente isso é uma questão t~~'.11 realizar-se uma confusão com os países retardatários não-dependen-
essencial para uma sociedade dirigida pelos trabalhadores, que 1rucia tes: neles, o atraso tecnológico não é permanente (ou melhor, pode não
a sua transição ao socialismo, condição que multiplicará as chances de ser).
aproveitamento destas brechas). É necessária uma ação política coor- O conceito atraso tecnológico permanente só pode ser com-
denada, a articulação de políticas industriais, tecnológicas, financeiras preendido ao se considerar o seu dinamismo. É impossível uma
para o aproveitamento desta situação. Uma inserção ativa na ordem 123
122
compreensão estática deste conceito. Porque ele trata de realidades em
movi1'.1ento constante, pos~ibilidades amplas de novas posições. Dada exterior: isto nos dá wna pista de algumas mudanças, onde o peso do
a movunentação da fronteira_ tecno!ógica, wna movimentação linear, controle das tecnologias cresce mesmo com a existência de um certo
e tomando-a como refe~ênc1a báSica para este conceito, é possível grau de industrialização no Terceiro Mundo.
entende~ porque wna realidade profundamente transformada, altamente Isto é claramente visível na tabela abaixo.
modenuzada se comparada com o seu próprio passado, será consi-
derada atrasada: o referencial que se estabelece não é o passado de wn TABELA li
determinado país dependente, mas o presente da nação líder da
dinâmica capitalista mundial. Distribuição mundial dos gastos de P&D,
To1'.1em~s um exemplo para os dias de hoje: ao mesmo tempo em produto industrial e exportações - em % - 1973
~ue se 1dentlfica uma mudança considerável em wna economia
retardatária que alcançou um.a maturidade industrial em termos de PAÍSES P&D Prod.lnd. Export.
uma indús~ri~ eletrome~ânica, em que se analisa as profundas impli-
cações socuus, econômtcas e políticas de uma alteração deste porte, Desenvolvidos 97,1 92,4 80,7
estaremos comparando-a com a realidade imposta por um patamar Econ."socialistas" 30,6 24,3 1o, 1
agora fundado na microeletrônica e identificando o atraso que perma- Econ.capitalistas 66,5 68,1 70,6
nece. Muda, mas permanece. Essa dinâmica de alteração e per- Em desenvolvimento 02,9 07,6 19,3
manên~a será discutida no próximo ponto, quando trataremos de um
corolán~ de uma economia em evolução num quadro do atraso Fonte: Extraído de Fábio Erber, Desenvolvimento tecnológico e
tecnológico permanente: a renovação da dependência espécie de intervenção do Estado, Rev. Administração Pública, n.4
"outro lado" da permanência do atraso. '
Os l~ites estruturais da acumulação dependente impedem que os Interessante anotar que há, ainda, uma concentração entre os
países seJam gesta~ores de progresso técnico. A persistência dos países capitalistas avançados: entre os países da OCDE, cinco (EUA,
problemas de financiamento do desenvolvimento económico de médio Alemanha, Japão, França e Reino Unido) respondiam " ...por quase
e lon~o prazo m~tém esse_s limites. O avanço continuado das 90% dos gastos totais de P&D e dos gastos em P&D industrial" (36a).
fronteuas tecnológicas, ampliando as exigências para ser atingido Essa concentração atinge os países dependentes, na medida que
cria wna dinâmica infernal nos países dependentes: sempre estarã~ a existência da tecnologia não significa a sua disponibilidade.
chegando a wn lugar de onde os países centrais já estarão saindo. "Um país subdesenvolvido não se defronta com mercados livres
Como essa evolução não é linear e se expressa também na nos quais possa vender mercadorias, comprar tecnologia e tomar
crescente preocupação com o controle das tecnologias modernas emprestado capital. A reserva básica do conhecimento tecnológico,
(cre~cente~ente "aprop~áveis"), a dependência tecnológica passa a • capital e acesso aos mercados se encontra em um sistema de fusão de
ser, mclus1ve, um dos pilares da dominação imperialista. grandes companlúas privadas fora de seu controle. Para obter o que
.~o decorrer das o~das longas, assistimos a uma progressiva deseja, deve regatear e negociar com estas empresas, assim como com
part:1c1pa9ão d~ conh~c1mento científico na definição do progresso os governos nacionais e as instituições internacionais que as respal-
tecn~lógico. Vunos amda o papel dos gastos em pesquisa e desen- '\, dam" (37): assim Stephan Hymer sintetiza o ponto de partida dos
vo)vunento na fase do capitalismo tardio, participando da "aceleração países atrasados na busca de seu progresso. E como diz Jacques Perrin
da inovação tecpológica". E qual a relação destes gastos com os países em seu pequeno livro sobre transferência de tecnologia: " ... os deten-
d~pe_;1d~ntes? E possível identificar wna brutal concentração desses tores da tecnologia não têm nenhuma vocação para compartilhá-la"
disr_e~dios nos países centrais. Uma concentração que supera a (38).
part1c1pação deles em termos de produção industrial e comércio Dada a realidade do atraso tecnológico e o controle exercido pelos
124 detentores da tecnologia, a questão central passa a ser a transferência
125
de tecnologia. domínio tecnológico ao país hospedeiro está descartada.
As restrições são enormes. Até mesmo proibição de vendas, de O interessante é que até mesmo na relaç~o intra-firma o ~ntrole
exportação de certos produtos existe: é o caso dos supercomputadores, é preservado, realizado através da transferência de uma ca~~cidade de
de alguns tipos de circuitos integrados etc. planejamento suficiente para dar conta das responsabilidades da
Quando é possível a compra de tecnologia, ela não significa subsidiária. É também um padrão de aprendizado limitado, parcial
necessariamente a aquisição de seu controle, do seu domínio. Além (43).
disso, "... o mercado de tecnologia é um mercado difícil. A dominação Quanto às joint-ventures, a manutenção ~o ~ntrol.e não é menor:
que exerce o vendedor é devida, em grande parte, à falta de infor- a maior participação acionáriade setores na':1-omus (pnvados ou ~ão)
mações do comprador sobre o que deve comprar e a que preço. Os não assegura que haja uma mudança da matnz quanto à sua definição
contratos globais de compra de tecnologia reforçam a dominação do de manutenção do controle tecnoló~co. ~ando a~join!-ventures são
vendedor". Esta a conclusão de Jacques Perrin após analisar a ex- firmadas por imposição de uma polfüca nac_ional, a m.atnz ~e chegar
periência brasileira, argelina e sul-coreana de compra de tecnologia a vender mais caro os serviços tecnológicos à fihal, utilizando-se
(39). inclusive da prática de superfaturar esses ser-.:iços (envolven~.º inclu-
Pela legislação brasileira, a compra de tecnologia é dividida em sive assistência técnica etc.). Paulo Bastos Tigre afirma que mesmo
cinco tipos: 1) assistência técnica, 2) licença de fabricação e/ou quando os acionistas locais detêm 51 %, na~a ?arante que e~sta
permissão para utilização de patente, 3) licença para utilização de interesse em promover uma efetiva transferencia de tecnologia a
marcas registradas, 4)serviços de engenharia e 5) elaboração de engenheiros e técnicos locais". Lev~~~· como hi~tese, "que mesmo
projetos (40). a participação majoritária nas subsidiánas estrangeiras das empresas
A transferência de tecnologia via licenciamento tem um aspecto multinacionais não confere necessariamente controle sobre operações,
duplo. Por um lado, quem exporta a tecnologia precisa de desenvolver políticas empresariais e transferência de tecnol_ogia" (~).. . .
junto ao seu freguês a capacidade de utilizá-la, senão pode comprome-. Já quando as joint-ventures são estabelecidas por !IllC'.auva da
ter a própria reputação internacional de uma determinada marca ou própria multinacional (buscando acesso a um mercado apeutoso, ou
produto: " ...assim, o importador de tecnologia deve ser capaz de pelo procurando parceiros que viabilizem sua entrada em certos países) a
menos manufaturar os bens e/ou operar os processos de acordo com situação não parece ser diferente. .
as especificações, seguindo o que o licenciador deve ensinar ao Na verdade, uma análise um pouco detalhada da estrat~gia ~as
licenciado sobre como fazê-los" (41). Por outro lado, o licenciamento multinacionais para os países dependentes demonstrará uma dinânuca
não assegura mais do que um aprendizado parcial ao licenciado, um de transferência de unidades de produção, de unidades de prestação de
tipo de aprendizado que " ...ao mesmo tempo assegura as rendas do serviços que aplicam o conhecimento tecnológico desenvolvido alhures.
licenciador e a continuidade deste relacionamento. Este controle Uma rápida análise dos gastos em pesquisa e de.senyolvimento
técnico é reforçado por medidas legais: quando ela é bem conhecida, realizadas nas subsidiárias será seguramente auto-exphcauva, quando
a tecnologia não é vendida mas alugada -o dono da tecnologia não abre comparada com o padrão de gastos das matrizes. Os gastos com P&D
mão da sua propriedade sobre a tecnologia, apenas permite ao licen- nas subsidiárias é muito baixo.
ciado o seu uso por um determinado período, sob certas condições, A dificuldade do acesso à tecnologia disponível, o preço pago por
sendo que algumas delas podem ser restritivas (proibição de expor- ela, a manutenção do seu controle apesar ~a sua utilização, tudo isso
tações, contrapartida de importações etc.)" (42). contribui para que o atraso tecnológico seJa perm~~n.te.
Outro mecanismo de "transferência de tecnologia" são os inves- o atraso tecnológico toma permanente a possibilidade de deto-
timentos diretos realizados pelo capital estrangeiro, incluindo-se aí as nação de processos de alcançamento nos países dependent~s: esta é a
joint-ventures. Em termos das subsidiárias estrangeiras, o domínio base dos vários saltos que o desenvolvimento das economias depen-
das transnacionais é total: os investimentos são realizados de acordo dentes podem conhecer. Saltos em duplo s~ntido: tanto como um
com os interesses de seu planejamento global, onde a concessão de "surto" de crescimento, como uma não repeução de todos os passos
126 127
anterionnente trilhados pelas economias centrais. em relação à própria situação de dependência: ela se requalificou, se
Apesar de todas as restrições conhecidas pelos países dependen- renovou.
tes, " ... a acumulação é potencializada pelo fato de se dispor, ao nível Toda a modernização que aconteceu não passou de uma reno-
do sistema mundial como um todo, de uma imensa reserva de 'trabalho vação da dependência.
morto' que, sob a fonna de tecnologia, é transferida aos países que Analisando-a mais de perto, fica clara essa caracterização. Um
recém estão se industrializando. Assim, na verdade, o processo de bom exemplo seria o desenvolvimento da siderurgia brasileira: há
reprodução do capital 'queima' várias etapas..." (45). aqui uma verdadeira "evolução da dependência tecnológica" (47).
Essa queima de etapas, esta potencialização da acumulação traz Inicialmente a dependência se evidenciava pelo peso das importações
resultadosquepodemimpressionareconfundirobservadoresdesaten- de produtos siderúrgicos. Posteriormente (a partir dos anos 1930/
tos. Para melhor compreender essa dinâmica é hora de analisar as 1940) há o desenvolvimento da produção interna, com os grandes
mudanças na dependência. complexos se apoiando em tecnologia importada, seja pela aquisição
de equipamentos ou de serviços.
V- A dinâmica da dependência renovável Durante a década de 1970, cresce a produção interna de equi-
pamentos para a indústria siderúrgica, desenvolve-se " ... uma ca-
É o outro lado do atraso tecnológico pennanente. pacidade de absorção das técnicas importadas, que pode chegar até
Ao contrário dos retardatários não-dependentes, os processos de mesmo à emergência de uma certa capacidade interna de criação
alcançamento tecnológico na· periferia têm um limite ·que é a inca- tecnológica em algumas usinas ... e o surgimento de um pequeno grupo
pacidade de atingir o patamar tecnológico internacional. Embora esse de firmas de engenharia .. especializadas em siderurgia Tais fcnômenos
limite não seja atingido, substanciais aproximações deste patamar são revelam uma certa mudança relativa no núcleo central da dependência
realizadas: é este o ponto de partida para compreender a "renovação da tecnológica cujo centro de gravidade iende cada vez mais a se localizar
dependência". na compra de tecnologias 'não-incorporadas' (serviços de engenharia,
Um painel histórico de um capitalismo como o brasileiro é uma assistência técnica etc.) crescentemente sofisticadas, seja diretamente
boa mostra dessa renovação: de um país basicamente agro-exportador para a fabricação de produtos siderúrgicos, seja para a produção de
chega a um país exportador de produtos manufaturados, inclusive equipamentos para a indústria do aço" (48).
bens de capital. A tentação para se diagnosticar um saldo para além do Esse "deslocamento do núcleo central da dependência" apontado
subdesenvolvimento é grande: é o que faz Antônio Barros de Castro. para o caso da siderurgia é uma idéia essencial para a compreensão da
Em seu livro A economia brasileira em marcha forçada, após renovação realizada. Entre importar os produtos e chegar a produzir
analisar os impactos dos grandes investimentos do II Plano Nacional equipamentos para a mesma indústria vai uma ampla mudança. Nela,
de Desenvolvimento - feitos desde 1974 e que influíram no cresci- há o desenvolvimento de capacidades tecnológicas internas. Isto já
mento econômico dos anos de 1984 e 1985 -conclui que " ... o parque havia sido detectado quando da discussão sobre a transferência de
manufatureiro aqui existente não mais cabe -sequer como caso-limite tecnologia via licenciamento: alguma capacidade é adquirida. Con-
- dentro do perímetro do subdesenvolvimento" (46). Na avaliação de tudo, essa capacidade vem relacionada com três questões: 1) ela é uma
Barros de Castro, o Brasil sequer seria o "mais desenvolvido dos capacidade limitada, fruto de um aprendizado parcial; 2) ela expressa
subdesenvolvidos": a barreira da dependência teria sido ultrapassada. uma "sofisticação" da dependência, agora se concentrando mais no
O fundamental nesta discussão é considerar que o salto de controle da tecnologia "em si"; 3) essa capacidade mesmo limitada, é
desenvolvimento econômico que ocorreu significou um maior aca- transferida quando a fronteira tecnológica se movimentou (seja no
bamento na estrutura industrial do país, a sua modernização (com setor em questão, seja pela perda da importância estratégica deste setor
efeitos importantes na ampliação de seu dinamismo e no peso da em detrimento de algum outro mais novo).
'pressão interna' na combinação discutido no item anterior), mas isso Esses comentários extraídos do exemplo da siderurgia são impor-
se deu no contexto da dependência. É verdade que alterações se deram tantes para o debate com a proposição de Antonio Barros de Castro:
128 129
1evolução da produção siderúrgica é crucial para a sua nova caracteri- países recentemente industrializados. Apresentando inúmeros dados
cação do país, dando uma expressiva contribuição ao que ele identifica sobre o domúrio destes países sobre tecnologia (capazes de apresentar
10mo "ganhos de divisas". Ao lado dela, Barros de Castro aponta um adapt.ições em processos e produtos desenvolvidos em outros lugares,
'avantajado núcleo" da economia brasileira, composto pelos setores tudo isso baseado em processos de aprendizagem, acumulativos),
le energia, metalurgia, química e bens de capital, portanto componen- consideram que esses países chegaram a um bom nível tecnológico, e
es essenciais do "parque manufatureiro que não cabe sequer como concluem surgerindo que está emergindo uma nova divisão inter-
:aso-limite no perímetro do subdesenvolvimento". nacional do trabalho, baseada nas capacidades técnicas por eles
Vejamos a indústria de bens de capital: as mudanças não são desenvolvidas (49). Já a teoria da dependência ressalta as limitações
nenos expressivas. Em 1970; a participação dos bens de capital nas da persistência da importação de tecnologia etc.
mportações atingiu 37,7% enquanto em 1982 ela caiu a 16,9%. Na discussão, Fábio Erbcr mostrará como o acento apresentado
~uanto à porcentagem dos bens de capital no total das exportações, ela poruma escola - a IIS - está nas novas capacidades desenvolvidas nos
1obe de apenas4,5% em 1970para 16,5% em 1982. Essa mudança é países periféricos, enquanto a outra escola insiste nos vínculos impos-
>em captada por Barros de Castro. Entretanto, não consegue situar tos por uma tecnologia fundamentalmente importada. Há um· certo ·
:om precisão outras novidades, importantes para a defmição da exagero da primeira escola com relação a este desenvolvimento:
tltrapassagem ou não do limite do subdesenvolvimento: " ... a indústria apesar de grande, ele dificilmente poderia ser considerado suficiente;
,rasileira de bens de capital adquiriu um domínio considerável sobre na escola da dependência, há até mesmo uma certa perplexidade acerca
odo um conjunto de atividades de planejamento e manufatura para do que o sistema capitalista mundial possibilitou à sua periferia em
1ma gama de produtos, baseada na tradição metalúrgica do Brasil e em termos de industrialização. Uma exagera as possibilidades do desen-
irocessos de cópia-e,adaptação. Mas, as evidências disponíveis su- volvimento tecnológico local e a outra as suas limitações. E racioci-
ierem que esta trajetória de desenvolvimento tecnológico é limitada nando a partir da dinâmica cíclica chega a uma interessante conclusão:
: que a indústria brasileira tende a se apoiar em tecnologia importada " ... podemos apontar uma outra similaridade entre eles (os teóricos da
,ara produtos novos e mais complexos" (51). Também aqui na IIS) e os autores da teoria da dependência: se os últimos sofreram por
ndústria de bens de capital há um "deslocamento do núcleo central da não colocar apropriadamente as oportunidades abertas pela fase
lependência". expansiva (boom) do ciclo, os primeiros parecem não ter api;eciado
O movimento é duplo: ao lado da modernização, do maior plenamente as implicações da presente fase de declúrio" (51 ). E como
1cabamento do parque produtivo nacional, há a sofisticação dos se essas formulações trabalhassem apenas com fotos tiradas em certos
necanismosda dependência. Uma rede mais complexaesutil é tecida. pontos da onda longa, perdendo assim o dinamismo e as mudanças que
A não percepção deste "duplo movimento", simultâneo e com- ela encerra: daí a necessidade e a riqueza do conceito da renovação da
>inado, trouxe várias interpretações interessantes do processo vivido dependência. Nos altos e baixos do desenvolvimento tecnológico na
JOrum conjunto de países dependentes como o Brasil, Coréia do Sul, periferia, uma barreira nâo é quebrada: a da dependência. Em todo este
Índia etc., durante a quarta onda longa, quando passaram a ocupar uma processo, há o que muda e o que fica.
JOsição de destaque na nova estratificação criada no "mundo subde- Embora renovada, a dependência permanece.
;envolvido". A partir daí há polêmicas interessantes.
Uma delas é a exposta por Fabio Erber em seu texto para VI- Algumas particularidades da difusão do progresso técnico
liscussãointitulado Technological dependence and learning revis- nos países dependentes
ited: o autor coloca lado a lado as formulações da teoria da de-
,endência e a elaboração intitulada incremental indigenous school
'.escola do aprendizado incremental)- IIS. Esta, analisando os casos de A primeira particularidade está no fato da criação, da gestação do
inúmeras firmas da América Latina, Índia, Coréia, apresenta uma progresso tecnológico se localizar alhures. As forças motrizes do
posição extremamente "otimista" quanto às possibilidades destes progresso são exógenas. Os países dependentes são colocados em
130 131
contato com tecnologias já desenvolvidas, "disponíveis" no mercado patamar para a fronteira tecnológica interna, pode ser realizado a partir
mundial. de um esforço, de uma negociação, determinada por interesses específicos
Uma inovação tecnológica em um país dependente é um novo da acumulação capitalista do país. Ou apenas a partir das estratégias
produto ou novo processo que se difunde dos países avançados para mundiais de empresas multinacionais.
os mais atrasados. O processo de modernização tecnológica nos países Essa fronteira tecnológica interna será estabelecida por algum
dependentes inicia-se saltando várias fases que estão na gênese de uma processo dentre os analisados no tópico sobre o atraso tecnológico
revolução tecnológica: estágios como o de desenvolvimento da ciência permanente: " ... usualmente a partir de empresas estrangeiras, rara-
pura, invenção e inovação estarão ausentes. Distingue-se o processo mente via compra strictu sensu de tecnologia por parte de empresas
frente aos países avançados por começar pela sua difusão. É um nacionais e, mais frequentemente, via licenciamento ou subsidiárias"
processo incompleto. (54).
Ou melhor, o processo de difusão de uma inovação tecnológica Uma vez estabelecida uma nova fronteira tecnológica interna,
num país dependente começa pela obtenção do acesso à tecnologia. estará sendo detonada uma dinâmica endógena de alterações no
Seria difusão se o processo fosse automático e uma vez criada a nova parque produtivo/de serviços do país. Esse parque nunca fica ileso a
tecnologia ela iniciasse o seu curso para eis demais países. A discussão estas alterações. O que pode variar é a dimensão do impacto causado
feita sobre a crescente "apropriabilidade" das tecnologias indica que pela inovação introduzida. Até mesmo a mera compra de um equi-
se nunca foi assim, cada vez o é menos. Os países dependentes se pamento mais sofisticado tem seu impacto: é necessária uma mão-de-
defrontam com uma tecnologia cujo acesso terão de negociar. Acesso, obra capaz de operá-lo, alguns serviços de assistência e manutenção
portanto, sempre retardado. Às vezes, retardado por toda uma onda técnica têm que ser fornecidos, vários serviços auxiliares são requeri-
longa. dos. Um efeito pequeno, mas presente. Muito maior será o impacto da
Feita essa observação sobre a diferença entre a mera difusão e o implantação de uma unidade de produção deste mesmo equipamento
acesso, estamos de acordo com as colocações de Fábio Guimarães, que nacional: todo o maquinário para a sua construção pode ser produzido
buscando distinguir os processos de inovação ocorridos nos países no país, as exigências de formação profissional são muito maiores,
desenvolvidos e nos de industrialização recente, afinna que " .. .naqueles unidades de produção auxiliares poderão ser construídas para fornecer
as etapas schumpeterianas de invenção-inovação e difusão apresen- produtos e componentes necessários etc.
tam-se nessa ordem..." mas nos países de industrialização recente Ao ressaltar as possibilidades de evolução tecnológica existente
" ... as etapas schumpeterianas aparecem em geral alteradas em sua nos países recentemente industrializados, insistindo (com certo exa-
sequência. O processo tem início via de regra pela fase de difusão, gero) nas várias hipóteses de aprendizado e criação de capacidades
quando são introduzidas as inovações na estrutura interna da pro- tecnológicas internas, os teóricos da "escola de aprendizado incre-
dução" (53). mental" (!IS) dão uma contribuição importante ao debate. Alterações
A sequência deste processo será um processo de aprendizado e de da fronteira tecnológica interna têm repercussões: ao ressaltarem esse
inovações secundárias. aspecto, eles têm razão e demonstram um ponto muitas vezes subesti-
A entrada de uma inovação tecnológica será patrocinada pelo mado. Erram ao não precisar os limites desse aprendizado interno e sua
centro dinâmico da economia nacional. É esse centro que determina conformação à divisão internacional de trabalho ditada pelo imperia-
a aproximação máxima que o parque produtivo/de serviços terá com lismo.
o patamar tecnológico internacional: em outras palavras, será aí que A partir da alteração da fronteira tecnológica interna, o processo
se estabelecerá a fronteira tecnológica interna (54). de difusão pela economia nacional também é diferente do que tem
Essa fronteira interna poderá ser definida, como vimos, a partir de lugar nos países capitalistas desenvolvidos.
pressão externa ou de solicitação interna. Num país como o Brasil, há A primeira razão desta diferença está em um fenômeno bastante
uma combinação entre ambos, dada a complexidade da estrutura comum nos países dependentes: há apenas a utilização da nova
econômica. Assim, o acesso a uma tecnologia.estabelecendo um novo tecnologia (não há a sua produção interna). Ela é a consequência das
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progresso técnico.
limitações do processo de acumulação nacional (que não coloca vastos , A compreensão das "marolas" é importante para a discussão da
recursos à disposição do desenvolvimento econômico), da pobreza da dinâmica cíclica das economias dependentes e também para nos
estrutura produtiva do país. Essa limitação do processo de acumulação fornecer elementos para uma política de modernização tecnológica em
deixa marcas profundas na economia e na sociedade. O sistema uma sociedade dirigida pelos trabalhadores: o pequeno vigor da
educacional é um exemplo disso: o seu papel é o de mero formador de propagação do progresso técnico demonstra o tamanho do esforço
uma mão-de-obra mais ou menos especializada, às vezes de formação consciente que deve haver para que ele seja mais intenso.
de alguns "aprendizes" no manuseio de tecnologias mais avançadas Definida a diferença da dinâmica de difusão em relação aos países
que são ou serâo utilizadas no país. E a ausência de formação hegemônicos do capitalismo mundial, é necessário apontar as va-
profissional pode ser um entrave à evolução tecnológica (Freeman, riações nas "marolas" do progresso técnico: elas estâo intimamente
por exemplo, considera que uma das prováveis causas da queda da taxa relacionadas com as altas e baixas do ciclo econômico, da dimensão
de crescimento da Inglaterra durante o terceiro Kondratiev, quando ela dos investimentos globais da economia. Não é possível dissociar a
deixa de ser país líder, é o seu atraso na educação técnica e na difusão das inovações da dinâmica cíclica da economia.
massificação do ensino superior, ao lado da falta de vínculos entre suas Em um momento de expansão econômica, de aplicação e matu-
instituições científicas e a indústria) (55). Particulannente na era da ração de grandes investimentos, dois fenômenos podem se fazer
microeletrônica, não podemos subestimar as deficiêndas da política presentes: 1) o acesso a nova tecnologia disponível no mercado
educacional, científica e tecnológica. internacional, estabelecendo um avanço da fronteira tecnológica
Introduzida uma nova tecnologia, a sua propagação é restrita, a interna; 2) uma certa renovação da base técnica da produção, com as
sua difusão pela economia é contida. Isso contribui para a criação de necessidades de modernização da indústria criando um mercado
verdadeiros "bolsões" de progresso tecnológico, destacados do con- interno para uma produção nacional de inovações (que pode ter um
junto do parque produtivo. Uma característica típica das economias desenvolvimento parcial). Há nessa fase um processo de difusão do
dependentes que se industrializaram será aguçada: a desigualdade, a tipo "novo ciclo", quando a economia conhecerá uma ampliação de
convivência estratificada do "moderno" com o "antigo". sua desigualdade interna e um espraiamento restrito típico da "maro-
Mesmo quando a introdução de uma inovação venha acom- la".
panhada de sua produção interna, a sua propagação, a sua difusão, se Na fase de recessão ou estagnação, a tonalidade das alterações da
dará de uma forma mais limitada. A segunda razão para as diferenças produção se darão no campo da racionalização da produção. No
do padrão de difusão em relação aos países desenvolvidos está na fundamental será uma fase onde máquinas e equipamentos mais
pobreza da base técnica previamente construída, que tomará "mo- modernos poderão participar da racionalização ou repor o que tiver se
dernizável" apenas parte do conjunto do parque produtivo, talvez no desgastado. O mercado para a produção de inovações é mais restrito.
máximo o seu setor mais dinâmico. Nos países dependentes, os fatores O quadro da difusão das inovações será do tipo "pequenos ajustes".
que facilitam a propagação e a difusão do progresso técnico são mais Os elementos chaves para a compreensão da difusão das ino-
débeis do que os que limitam essa mesma propagação. vações tecnológicas serão encontrados na análise da combinação da
Como sintetizar a diferença entre a difusão do progresso técnico dinâmica de aproximação do patamar tecnológico internacional (da
nos países avançados e nos dependentes? Onde as forças motrizes do capacidade nacional de conquistar acesso à tecnologia disponível)
progresso técnico atuam diretamente, a sua propagaçao é feita por com os fluxos e refluxos dos investimentos duranteocicloeconômico.
ondas. Por aqui, onde as forças motrizes atuam indiretamente, de uma Cada ciclo deixa a sua marca na fonnação social dependente, na
forma mediada, sua difusão é mitigada: a forma de sua propagação estrutura do parque industrial. Cada ciclo terá uma fronteira tecnológica
será a marola (uma onda "reflexa", originada pelo movimento de interna delimitada, uma dada difusão para o conjunto da produção. O
outros corpos, sem um dinamismo próprio, com uma amplitude resultado destes ciclos sucessivos, das várias "marolas" do progresso
menor). técnico, será a existência de várias "camadas" de tecnologias de
Ao falar dos países dependentes estamos tratando das marolas do
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:~f;~::~~aj~::nt~~:~~~::i?ilidJde de o início da intro- s6cio-econômica dos países atrasados.
1c~ e U?1ª fase se darem um , Nas duas primeiras ondas longas, a transmissão da dinâmica dos
momento em que a difusão das t
1
ainda nã? tenha se completado. ecno og:ias típicas da fase anterior países centrais era bastante automática. Paul Singer, discutindo os
ciclos de conjuntura nos países subdesenvolvidos afirma ser" ...not6rio
Por isso no Brasil c · . , .
diferenciada ~mo · onvive1!1 rnd uStrj as de produtividade tão que na economia subdesenvolvida, que não adquiriu inteiramente
têxtil de elevada utili~::i~::=~a robotizada e uma indústria características capitalistas, o ciclo de conjuntura é induzido de fora
vivem o robô e a foice como co . ª ores mal remunerados. Con- para dentro" (57). Na sua obra sobre a indústria brasileira, Wilson
A esta desigualdade de nf '!1° mstrume~tos de trabalho. Suzigan precisa essa "indução", quando ao tratar do desenvolvimento
deve ser adicionada a desigual~~~ de m?J~rruzação e p~odutividade, industrial anterior à Primeira Guerra Mundial, mostra que " ... as
dependentes é sem e soei · 0 atraso social dos países indústrias desenvolvidas nesse período eram diretamente afetadas por
cujo sentido é em ~:::;o;;ron~do Jºm a introdução de tecnologias mudanças na política econômica, particularmente na política mo-
problemas sociais em partic':It 0 ~ e mão-de-obra. Os irresolvidos netária, e por crises econômicas e financeiras internacionais, as quais
aproximação d ' aro O emprego, se intensificam a cada eram imediatamente transmitidas á economia interna através de crises
zação neste fin~P~tamar tecnológico. A problemática da moderni- no setor exportador" (58).
impactos da autom:ç~~~ :da longa é bastante preocupante: os À medida que a economia de um país como o Brasil, por exemplo,
expressiva expansão anual da país de desempregados e com uma vai deixando de ser "um mero reflexo do capitalismo mundial" (para
ser minimizados 1 . população econômica ativa não devem usar a expressão de Francisco de Oliveira para a longa fase agrário
pe o movunento operário M · di . . exportadora de nossa economia), o ciclo passa a terum peso maior de
mos as nossas alternativas para u lí . · ais ª. ante, discuure- determinantes internas.
preocupação da moderniz ã ma po ~ca operária que combine a
Afinal a b . aç o tecnológica com o avanço social O ciclo vai passar a expressar tanto os "impactos das ondas
, urgues1a das nações d d · mundiais" como a articulação que as classes dominantes nacionais
planos. epen entes é retr6gada nestes dois
desenvolveram para responder às insuficiências e às incipiências do
processo de acumulação dependente. Como foi visto na parte I deste
Vll- Um ciclo econômico deformado capítulo, o papel do Estado, dos investimentos públicos, para a
superação da acumulação privada nacional, se combinam com uma
Todas as diferenças entre a a ul expressiva presença do capital estrangeiro. O modelo de acumulação
dependentes (base para as distin :m ação nos países avançados e capitalista existente no Brasil desde 1930 se funda na articulação
tecnológica) determinarão a anito s 7ntre os pr~s~s de inovação tripla: pequena participação do capital privado nacional (que vai
Sob o impacto das "ondas. da 1 1. nua també?1 ~Stínta dos ciclos.
ciclos "nacionais" nos paí
deformação.
J do valor mundial se estabelecem os
ses ependentes. Este impacto impõe a sua
crescendo pelas facilidades que encontrará), grande presença do
Estado, importante papel complementar do capital estrangeiro.
Essa articulação possibilita uma dinâmica cada vez menos
"meramente reflexa". O papel do capitalismo internacional persiste
1) As mudanças na dinâmica cíclica dos países dependentes influenciando a dinâmica nacional: é agora uma influência mais
mediada, mas presente e decisiva. A rigor, nenhum país está livre dos
Durante toda a discussão das ondas lon as e o impactos da dinâmica mundial e mesmo das mudanças econômicas
tes, ficou explícita a possibilid d d g. . s países dependen-
entre a dinâmica econômicados a e a ocorrenc1a de descompassos em países centrais (veja-se as repercussões das mudanças nos EUA
Talvez até seja o fenômen países avançados e a dos dependentes. sobre a economia japonesa e vice-versa). A dimensão e a qualidade
mais provável quanto mai~ ~:ssco~um. ~sse descompasso é tanto desta influência sobre os países dependentes é superior, embora o
s6cio-econômica dos países atrasaed ornan o complexa a formação próprio desenvolvimento destes países tenha forçado a sua requalifi-
os. cação. As particularidades da acumulação dependente estarão gra-
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vadas na anatomia de seu ciclo. os investimentos estatais sempre estiveram presentes na criação
das condições de todos os ciclos expansivos da economia ?rasileira
2) As alavancas estatais do ciclo pós-1930: seja investindo na infra-estrutu~, como en~rgia, tr_ans-
A dimensão da inteivenção estatal não é fortuita ou casual: ela é porte, telecomunicações; seja na produção de msumos bás1~s; seJano
un_ia ''.solução nacional'.' às limitações da acumulação capitalista. incentivo à ação do capital privado (nacional ou estrange1~) ª!rav~s
Pnmeuu, porque o descompasso entre a acumulação nos dois conjun- de incentivos, subsídios, estímulos à implantação de mulunac1onais
tos de ~aíses é tal que o ~querido par_a garantir a reprodução ampliada etc. É um Estado inteiramente privatizado. Um dado dem?nstra o
de capital é sempre mais do que o disponível na economia nacional. peso desta participação: em 1979 a fonnação bruta de cap1~l ~xo
Afinal, os países dependentes" ... ingressaram na era industrial quando contou, no Brasil, com uma contribuição do Estado que atmgiu a
~ b?5eS técnicas e fu_ianceiras já eram relativamente complexas, significativa taxa de 43,7% (61).
unplicando grandes dimensões de plantas e elevadas exigências Com todo esse peso no conjunto da economia, é evidente que os
tecnológicas" (59). . investimentos estatais terão uma grande influência em vários pontos
As dificuldades para o financiamento privado do desenvolvimento do ciclo: sua contratação pode contribuir para acentuar uma fase
são enonnes. Foram pouco frutíferos os esforços realizados pelo depressiva, sua reativação pode auxiliar a recuperação do crescimento
Estado para desenvolver em uma economia como a brasileira um económico e a sua aceleração pode exacerbar a fase de auge (62).
sistema financeiro privado capaz de bancarinversões de longo prazo. O peso da inteivenção estatal se expressa em outra cara~te:fstica
Para Maria Conceição Tavares, embora o sistema fmanceiro nacional distintiva das economias dependentes (semelhantes à brasileira): o
tenha desenvolvido as funções de criação de crédito e de intenne- papel de políticas económicas governamentais _na detonação _d_a fase
diação financeira (após a refonna de 1965), não viabilizou a ca- recessiva do ciclo. Analisando a recessão postcnor ao golpe militar de
paci~ade de gerir _e direcionar " ... os volumes de capital-dinheiro 1964, Paul Singer afinna que " ... a depressão, ~m cujo início nós
aglutmado_s no sentido de dar suporte aos movimentos de acumulação entramos, terá fonna diversa da do ciclo clássico. E que o processo não
real, espeCialmente quando se trata de avançar capital para projetos de está sendo desencadeado por um mecanismo coletivo, como o mer-
grande porte e largos prazos de maturação" (60). cado, mas é comandado conscientemente pelos que puxam as alavan-
Ess~ incapacidade de financiamento, além de exigir uma solução cas da política económica" (63). O mesmo se repete agora, com a
como a mteivenção do Estado, influi no perfil do ciclo: esta inca- implantação do Plano Collor: a refonna monetária e os controles
pacidade poderá detenninar a extensão da transição entre uma fase de governamentais sobre a economia têm a clara intenção de impor uma
recessão (ou mesmo uma fase de recuperação económica) para a razoável redução do nível da atividade económica, um~ recessãg
expan_são económica. Aqui, ao contrário do ciclo dos países centrais, necessária. segundo os figurinos do FMI - para debelar a mflação. E
os efeitos "saneadores" da recessão não viabilizarão uma "revoada" de um outro aspecto da "politização" do ciclo: uma decisão política pode,
capitais antes ociosos para a produção, pois eles são débeis, incipien- abruptamente, transfonnar uma estagnação em recessão.
tes. A nova expansão pressupõe a definição dos novos e massivos
investimentos que financiarão o seu deslanchamento: enquanto a 3) O ciclo e a dependência .
economia fica "marcando passo" neste ponto, aguardando tal definição A dependência se renova, já vimos. Essa ren?vação tei:i m-
alonga-se esta parte do ciclo. ' fluência sobre como a inevitável "conta" da subordinação nacional
Ressalte-se que essa definição, especialmente porque é uma será apresentada. . .
definição de uma massa de investimentos estatais, tem uma detenni- Na fase agrária-exportadora das economias subdesenvolvidas ela
nação política: acertos em tomo da política hegemónica no interior das impacta diretamente a economia nacional via o setor exportador: por
classes ?ºminantes são p~e~supostos para viabilizar este relançamento. ali a crise de lá chegava aqui.
Há, assim, uma forte pohuzação das detenninantes do ciclo: alguém À medida que os laços de dependência se sofisticam, a sua relação
deve manejar as alavancas da ação estatal. com o ciclo muda. Da dominação comercial ela passa à dominação
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financeira e tecnológica, mas continua atuando como um "constrangi- µção do dólar repercutiu nas economias que exportavam fundamen-
mento externo" em várias fases do ciclo. talmente para os EUA.
O capital estrangeiro tem um peso importante na solução nacional A dependência "deforma" o ciclo ao impo_r essa brutal ~ans-
para o financiamento da acumulação: é um dos três pilares que a ncia de recursos para o exterior que caractenzou a econor~ua do
sustentam. Seus movimentos são, assim, importantes para o ciclo, ferê . Mundo na década de 1980: a estagnação econôm1ca da
Terceiro · ão do fluxo de
influenciam inclusive os "mecanismos internos" da dinâmica cíclica. década foi fundamentalmente causada ~r essa invers " .
Entre 1947 e 1962 (um período de expansão da economia brasileira), ca itais É um violentíssimo "constrangunento externo. UTIIJ<?St? ao
. ~o f~nômeno certamente desconhecido nos países unpenalistas
o capital estrangeiro tinha o seu aspecto central no " ... fornecimento de
tecnologia, isto é, pela acumulação prévia que podia ser rapidamente fc~rd exceção dos obrigados a pagar as reparações_ de guerra, como a
Alemanha depois da Primeira Guerra, quando env10u algo entre 2 e 3
incorporada". Neste período a contribuição quantitativa era pequena
pois a poupança externa nunca passou a 5% da poupança total (64). '*0
de seu PNB para os países vencedores ... ). .
As consequências da dependência finance1~ vão além da 1m-
.
No ciclo l 967fi3 há uma aceleração do endividamento, fruto de
" ... uma convergência de uma situação de grande liquidez inter- ição de uma recessão ou uma estagnação ao cicl? do paí~ depen-
nacional com a de um ciclo expansivo interno, onde a demanda por ~te: a dilapidação de recursos nacio~ais aguça a rncapac1dade de
crédito em moeda doméstica exercida pelo setor privado crescia a financiamento do crescimento econôm1co e estende a fase de e~tag-
taxas elevadas e onde as características institucionais do sistema nação, contribuindo para adiar a chegada da recuperaçã?. Além disso,
financeiro interno faziam com que parcela crescente dessa demanda dado o papel do capital estrangeiro como fonte de financiamento d~ste
fosse atendida, independentemente do estado das contas externas, por desenvolvimento, a sua fug~ co!1trlbui p~ra a manutenção da_ cn~e,
operações que envolviam a entrada de recursos externos" (65). frustrando até mesmo seus ü1genuos/cfmcos adv?gados ~ac1?na1~,.
Como consequência da mudança da onda longa para depressiva, que responsabilizam a ausência de "abertura ao capital m~!Unac1?nal
noiníciodadécadade 1980ofluxoseinverte: acrisedadívidaexterna la rsistência da crise: este fluxo tem uma determinação rnter-
passa afazer parte do cotidianodos países do terceiro mundo. Calcula- :ci:al e é relativamente indiferente à propaganda e às vantagens
se que nos anos de 1986fi, vários países da América Latina transfe- menores abertas em países do terceiro mundo.
riram às nações credoras de 5 a 6% de seus respectivos PIBs. Apenas
em um ano (1986), o Brasil transferiu nada menos que US$ 12 bilhões. 4) O atraso tecnológico e os "saltos" no ciclo .
. -:" dependência financeira, desenvolvida neste período (e que tem Ao se defrontar com um patamar tecnológico dado, estabelecido,
unplicações sobre o desenvolvimento industrial, ao impor exigências os países dependentes podem conseguir o acesso a algumas tecn?lo-
de contra partidas na importação de determinados equipamentos como .as disponíveis e detonar um processo de alcançamento tecno_lógico.
requisitos para a captação de recursos, dentre outras) apresenta a sua ~sse processo pode ser responsável por outra deformação do c1clo,_ ao
"conta". Impacto duplo sobre o ciclo econômico: em primeiro lugar, possibilitar a obtenção de elevados índices de crescimento econôm1co
ao impor uma sangria de recursos a uma economia que possui uma ou O estabelecimento de um elevado "pico" no ciclo. . .
incapacidade estrutural de financiar o desenvolvimento; em segundo, Francisco de Oliveira justifica essa possibilidade,_ ao_ discutir.ª
por determinar, especialmente via FMI, a implementação de polfµcas · brasilei· ra " pelas suas relações com o cap1tahsmo mais
economia , ··· · ã
econômicas que combinando a restrição do mercado interno com o maduro" ela pode contar com " ... formas concretas de rnvers o que
incentivo às exportações contribui para novas exposições à dinâmica upam previamente trabalho", o que" ... potencializam ~normement:;
econômica imediata dos países centrais. A recuperação econômica : a unidade de inversão (isto é, elevam a relação capital-produto)
dos anos de 1984 e 1985 foi puxada pelo aumento das exportações, o (66). . al
que coloca a economia nacional susceptfvel de sentir imediatamente Discutimos anteriormente o efeito dos processos de cançamento
os efeitos de uma recessão nos EUA, que levará à queda das expor- nas economias "atrasadas". Vimos como nos países depend_ente_s, ele
tações brasileiras, motor daquela recuperação. A própria desvalori- era responsável por aproximações do patamar tecnológico rnter-
141
140
nacional. A expressão dessa aproximação em termos de ciclo é a
obte?ç~ode altas taxas de ci:escimentoem sua fase expansiva. No caso
brasileiro, as taxas de cresetmento foram superiores à média em geral
obtida nos países capitalistas avançados. Af estão os verdadeiros
saltos que a acumulação dependente pode dar. Evidentemente dada a o primeiro éa inexistência de certos equipam~nto! no parqu_e
distância dos países avançados, os saltos - por maiores que sej~ - não nacional (ou pelo atraso do parque ou pela ~fistica~ao d~ eqm-
os alcançam. Esses saltos, viabilizáveis pelo atraso, demonstram a amento): a solução é a importação do que Já está d1spomvel. no
possibilidade de polfticas que sustentem taxas de crescimento estáveis ~ercado mundial. Essa importação quebra o esquema cláss!co,
por largos períodos: há muito para ser percorrido na evolução económica pois os efeitos aceleradores são transferidos para ? exterior,
e social e não deixa de ser um dado importante para situar a necessi- mitigando a sua repercussão sobre a econo.nua n~c1?na_l e re-
baixando o potencial de crescimento do c1clo, d1nunumdo a
dade e a viabilidade de transformações revolucionárias nas sociedades
dependentes! persistência do crescimento sustentado. .
Mesmo quando há a produção interna de bens ~e ~apita!, a
· O processo de alcançamento tecnológico não pode ser isolado de
limitação desta produção é um limite para o e_feito multiplicador: as
algum~ carac~rísticas centrais da acumulação nos países dependen-
tes: a base des_1~~ da econ?mia (a persistência de um quadro de repercussões sobre o conjunto do ciclo ~ parcial. .
A economia brasileira conheceu dms momentos dife~n:es com
acumulação prumtiva financiando o desenvolvimento capitalista), a
super-exploraç~o dos.trabalhadores, inúmeras formas de ampliação da relação a este limite. Para José Serra, até 196_9 ª,Parte pn?c1pal dos
extorsão de mais-valia etc. O resultado da combinação da aplicação efeitos aceleradores" canalizou-se para o extenor' . Já a p~r de 1970,
das tecnologias avançadas com as características da nossa formação a situação muda: "a produção nacional (de ~ns de capital) cresceu
sócio-económica é contraditório, bem representado pelo que ocorreu tanto quanto as importações correspondentes (68).
durante o "milagre brasileiro": a poesia de Caetano Veloso expressa A explicação do porquê deste problema em relação à produção
interna de bens de capital, segundo José Serra, é dada por: 1) elevada
bem essa contradição, ao falar da "força da grana que ergue e destrói
coisas belas" (Caetano fala de São Paulo, uma boa síntese do processo complementariedade entre a produção doméstica e as_im_portaçõe~ de
de "crescimento e pobreza" gerado naquele ciclo). bens de capital; 2) estreiteza do parque PTO?u~or J~ mstal~do, 3)
. . A tecnologia avançada ao ser incorporada fará com que a produ- dificuldades de natureza tecnológica para substttuu~mtas das impor-
tações (contribui para isso a pauta fragmentada das unportações que
tividade dê saltos. Mas essa elevação de produtividade não será não indica a ultrapassagem da escala mfuima de produçã~ de ~án~s
transferida aos trabalhadores; servirá, ao contrário, para ampliar a taxa bens); e4) outros fatores como a maior propensão das m_ultlnacronais
de exploração da força de trabalho, fornecendo excedentes internos a importarem as máquinas e os equipamentos que precrsam (69).
para a acumulação. Como afirma Francisco de Oliveira," ...o diferen- A conclusão neste ponto é a de que" ...se é ver~ad~ qu? a compra
cial entre salário real - produtividade constitui parte do financiamento de equipamentos, v.g., de tecnologia acumulada, gue1ma. etapas de
da acumulação" (67).
acumulação ela também reduz o circuito de realtzação mtema ?º
5) O amortecimento dos efeitos aceleradores e multiplica- capital, 0 q~e tem, entre outras, ~ co~sequência d~ tomar º. efeito
dores multiplicador real da inversão mais ba1~0 que o efeito po~n~:U que
Dada a estreiteza do parque produtivo nacional, a ocorrência de seria gerado no caso de uma realização interna total do capital (70).
uma fase de retomada económica, que no ciclo clássico representa um Essa diferença com relação ao ciclo clássico pode ser melhor
aquecimento da demanda por bens de consumo e repercute na dinâmica visualizada a partir da comparação do peso das indústrias de bens de
geral ampliando a demanda por bens de capital (máquinas e equi- capital nos respectivos parques industriais de países av3?çados e do
pame?t~s P,ªra. as indús:rias de bens de consumo e, depois, para a Brasil. o Brasil, diga-se de passagem, era em 1982 o maior produtor
própna mdustna de eqmpainentos), esbarra em bloqueios e limites. de bens de capital entre os países dependentes.
142
aíses centrais é causa da ausência de várias
TABELA Ili , do ctesem?°!I~d~ nosd~ ciclo nos países desenvolvidos: as etapas de
etapas hoJe J P1ca_s to experimentação inexistirão nos países
Participação da indústria de bens de capital no total do valor criação, desenvo1v1men ,
adicionado pelo conjunto da indústria, para o Brasil e um
número selecionado de países desenvolvidos - 1960 e 1974 - em depe~:~teJ~_caráter inc~mpleto que imF ~~~~~f:t~ta;e~~~
porcentagem vamente a difusão das m;vaç::is:O~ ~ue a favoreça), debilita
cultu~ e de um_a f~rr:;aç ~ar melhoramentos ou pequeno~ ajust_es
País 1960 1974 inclus1veacarac1da e e;:.d alhures Esse impacto negativo dis-
nas tecnologias d~senvodv1 ·asclo caracierizando-se como uma limi-
Estados Unidos 38,1 92,7 tribui-se pelo conJunto o c1 ,
Japão 31,7 48,5 tação de sua dinâmica.
Alemanha 38,2 39,0
França 37,3 39,2
Inglaterra 41, 1 40,5
Itália 29,9 36,5
Brasil 9,2 14,5
Fonte: TauiléJR, La diffusion de l'automation flexible dans un
nouveau pays industriei (71)

O menor tamanho da indústria nacional de bens de capital impede


que ela aqui desempenhe o mesmo papel asswnido nos países avançados.
Compreende-se porquê do "amortecimento" dos efeitos multiplica-
dores e aceleradores: são consequências de uma "internalização
parcial" do ciclo.
A dimensão da indústria de bens de capital não pode ser vista
apenas pelo seu lado quantitativo: qualitativamente, os bens mais
sofisticados não são os produzidos internamente. O que tem repercus-
sões sobre a evolução tecnológica, pois esta indústria" ... atua como o
principal 'locus' para a difusão das inovações pelo sistema econômico"
(72). A renovação do maquinário desgastado ou a expansão da
capacidade de produção nem sempre se fará com equipamentos de
última geração: dada a sua nãó produção interna, o acesso a eles pode
ser mais diffcil.

6) A não gestação de tecnologias e o que falta no ciclo


Falta a capacidade de criação de tecnologias, o que dá ao ciclo um
caráter incompleto. Numa fase como a caracterizada pela "aplicação
sistemática da ciência à produção", a inexistência de algo comparável
aos grandes laboratórios das multinacionais e de gastos do montante 145
144
Notas do Capítulo II (31)Dados e ldéias, 65 (outubro de 1983)
(32)Oliveira, Francisco, idem
(33)idem
(34)Hymer, op cit, pág. 86
(35)Freeman, op cit, pág. 172
(36)idem, pág. 183
g~~::~~~'. ~~f' Linhagens do Estado Absolutista, pág. 632
(36a)Erber, Fábio, Rev Administração Pública, 4
(37)Hymer, op cit, pág. 89 •
(38)Perrin, Jacques, Les Transferts de Technolog1e, pág. x1
.
(3)idem, pág. 487 ·
(4) Frank, Andre Gunder Acum la • D (39)idem, pág. 78 • • , .
volvimento, pág. 181 ' u çao ependente e Subdesen- (40)Tigre, Paulo Bastos, Computadores Bras1Ie1ros: Industria,
(5)idem, pág. 188 Tecnologia e Dependência, pág. 41 ! •
(4J)Erber, Fábio, Technolog,cal Dependence and Learnmg Rev1s-

(6)~arx, K, O Capital, vol l, pág. 868 820
(7)1dem, pág. 868/9 ' ited - TD 34 (IEJ-UFRJ), pág. 12
(8)idem, pág. 871 (42)idem, pág. 14/15
<9)Prado Junior, Caio, História Econômica do B • (43)idem, pág. 15
t~ó~~:~:l~:úf!/ª
g~\~:~:::~i~~o~
(l2)Marx, K, idem, vol III· p
e/o ;:::;~á;~!2nrasil
'P g.
69
(44)Tigre, Paulo Bastos, idem, pág. 35
(45)Oliveira, Francisco de, op cit
(46)idem
1:!;:::~Ji?:~::
zação no Brasil
~undial e o Im~eri~lis~o, pág. 87/89
' mpresas Multmac10na1s e a lndustriali-
(47)Borges, Cândido, O Desenvolvimento da Automação na Side·
rurgia Brasileira • O caso USIMINAS, Relatório de Pesquisa, versão
preliminar
(15)Faznzylber Fernando Relle · b . . (48)idem
dades econômicas da democr;tizaçã:oes so re os hm1tes e potenciali- (49)Erber, Fábio, op cit, pág. 9/10
(16)Hymer, op cit, pág. 75 (50)idem, pág. 31/32
(5 l)Erber, Fábio, The Capital Goods lndustry and the Dynamic of
(l 7)idem, pág. 84 Economic Development in LDC · The Case of Brazil, IEI 48, IEI, pág. 27
(18)The Economist, 26.09.87 a 10. 87 pág 83184 (52)Erber, Fábio, Technological Dependence and Learning Revis-
(!9)Mandel, Ernest Semicolonial co' t :
ized Dependent Countries, pág. 6 un ries and Semi-Industrial- ited, TD 34
(53)TD 98, pág. 26/27
in Qg~'.~~%~ques, Ser.gio, Méxique: Régression Socio Economique•.. ,
(54 )idem, pág. 27
(55)Freeman, op cit, pág. 170
g1\~~~~~~;~r;Í11he Chinese Revolution, vol II, pág. 4 (56)Destannede BemisG., Relations Économiques lnternacionales,
Dalloz, Paris, 1977 (citado por Jacques Perrin em Les Transferts de
<23)Freeman, Unemployment and Technological Innovation, pág.
167 Technologie, pág. 17)
(57)Singer, Paul, Ciclos de Conjuntura em Economias
(24)idem, pág. 167/168 Subdesenvolvidas, in Desenvolvimento e Crise, pág. 132
(25)idem, pág. J 72 (58)Suzigan W, A Indústria Brasileira, pág. 350
(26)Gabrier;C-·Turbulence d M ·é ., (59)Serra, J~sé, Ciclos e mudanças estruturais na economia brasi-
(27)Freeman, idem, cap 9.1 s es atl res prem1ere, in Jnprecor263
(28)Rothraw, Bob, pág. J 12 leira (60)Tavares,
no pós-guerra
Maria Conceição, O sistema financeiro brasileiro e o
(29)Business Week, 26.02.90
dual~:Oliveira, Francisco, A economia brasileira: crítica à razão ciclo de expansão recente
(61)Reichstul, H. P., Investimento Estatal 1974-80: ciclo e crise
147
146
(62)idem
(63)Si~ge~, Paul, op cit, pág. 142
CAPÍTULO ill : OS CIÇLOS DÇ CAPITALISMO
~:Jg~:~:~l~~c~~~e, op cit BRASILEffiO: UMA RAPIDA SINTESE
nos anos setenta ., sobre o endividamento externo bras'J .
(66 . .
)Oliveira, Francisco de .
1 e,ro

(67)idem • op cu
(68)Serra, José op cit
(69)idem '
(70)Oliveira, Francisco de .
(71)!3rber, Fábio, TD! 48 ~~f
(72)1dem, pág. 4 ' ·
e;~

I - Os ciclos

O ano de 1930, momento da fase depressiva da terceira onda


longa, será um marco na formação sócio-econômica do Brasil. A
Revolução de 1930marca " ... o fim da hegemonia agrário-exportadora
e o início da predominância da estrutura produtiva de base urbano-
industrial". O estabelecimento dessa nova hegemonia é crucial para
" ...introduzir um novo modo de acumulação, qualitativa e quantitati-
vamente distinto, que dependerá substancialmente de uma realização
parcial interna crescente" (1).
Essa ruptura criará condições para uma nova dinâmica da eco-
nomia nacional, viabilizando a existência de descompasso entre a
situação nacional e a internacional. O vácuo aberto pelo colapso das
relações externas possibilita nesta nova adequação das relações de
produção. Paul Singer relaciona esta "transformação estrutural" e o
descompasso dos ciclos: " ...o importante a salientar é que a economia
subdesenvolvida pode reagir à depressão induzida do exterior me-
diante a intensificação do processo de transformação estrutural. Na
medida em que este processo avança, a economia vai se tomando
menos vulnerável às repercussões do ciclo em outras economias. O
Brasil se recuperou da depressão dos anos 30 muito antes que as
economias dos países industrializados" (2). A mudança de hegemonia
na sociedade brasileira viabilizou a entrada do país em um ciclo
expansivo mesmo quando a economia internacional estava deprimida.
As taxas de crescimento industrial já na década de 30 são
expressivas. A partir de 1933, ela se acelera: entre 1933 e 1936 atinge
148 um crescimento anual de 10%; entre 1937 e 1939, chega a 6% ao ano.
149
."Essas taxas anuais de crescimento fiz
rndustrlal dobrasse na década d eram com que a produção ' Não é objeto deste trabalho a discussão de cada um destes ciclos:
notável em vista da crise ue tine 1930, 0 que é um desempenho neste capítulo queremos apontar as mudanças dos últimos cinquenta
econômica mundial" F01. q ª ipu O setor cafeeiro e da depressão anos para localizar qual foi a estrutura industrial construída, estrutura

em capacidade de produção um crescunento
instai d baseado "...pnncipaimente
. .
que receberia as inovações tecnológicas baseadas na microeletrônica
1930" (3). ªª durante a pmpria década de (como veremos no próximo capítulo).
Da década de 1930 até dé Mas algumas observações devem ser feitas. A primeira é sobre a
conhecerá um conjunto de~- tada de 1980, a economia brasileira violência deste processo de acumulação (consequência da sua dimen-
predominante, com as altas ~~~s, 0nde a ~nalidade expansiva é são e sua velocidade): esse processo se deu a uma velocidade muito
manutenção dessas elevadas mé~ de cresCimento econômico. A maior do que a do desenvolvimento da burguesia como uma classe
transfonnação que sofreu a econo .s será fl:Sponsável pela brutal dominante capaz de estabilizar a sua dominação utilizando-se dos
modificações impressionantes nã mia e a SOCiedade brasileiras. São
amplitude, mas também pela si apenas _pela sua extensão, pela sua
agrário-exportadora passa a um a velocidade. De uma economia
mecanismos "clássicos" da democracia burguesa (partidos sólidos,
instituições com credibilidade etc). A existência de cinco regimes
políticos diferentes nestes úlrimos cinquenta anos é uma expressão da
complexa, exportadora de Produtofaís cofm uma estrutura industrial instabilidade da dominação burguesa no país (1930/37, 37/45, 45/64,
capital). manu aturados (inclusive bens de 64/85, 85/??).
A década de 1980 será a re Essas mudanças do regime não podem ser isoladas dos grandes
crescerumamédiade 8 70/, a versão desta dinâmica: depois de dilemas da acumulação capitalista nacional. Por exemplo, a crise que
2,5% a taxa anual de ~re;~-::i~entre 1971 e 19,80,cairáparaapenas antecedeu o golpe militar de 1964 não foi condicionada por fatores
°
depressivadaquartaondalon n do PIB (4). E no interior da fase exclusivamente econômicos. Para Francisco de Oliveira, a queda de
de acumulação capitalista exfs~::~~erá~:sgotamentodopadrão investimentos em 1963 é decorrência da nova realidade da luta de
mos de~te esgotamento no capítulo V~s e a cada de 1930 (tratare- classes, com o colapso do pacto populista: " ... a inversão cai não
VeJamos na tabela abaixo dados . porque não pudesse realizar-se economicamente, mas sim porque não
cíclica na economia brasileira.
. agrupados da movimentação poderia realizar-se institucionalmente" (5). O regime político instau-
rado a partir daí atuará promovendo um conjunto de mudanças na
TABELA IV economia (reforma fiscal, financeira etc) e assegurando, via repressão
Crescimento do PIB e da _ . política, condições para a imposição de uma política de arrocho
.
por períodos (1947 1988froduçao mdustrial
, em porcentagem
salarial brutal, que veio a ser um dos pilares da elevação da taxa de
lucro que viabilizou o chamado ''milagre brasileiro".
PERÍODO PRODUÇÃO /CRESCIMENTO A segunda observação é sobre o padrão de financiamento deste
INDUSTRIAL CARACTERÍSTICA processo de crescimento. No período 1947/62, a participação dos
DO PIB
DO PERÍODO investimentos estatais foi decisivo (tanto na infraestrutura de energia
1947/1955 9,0 e transportes, como na produção de insumos básicos, na criação de
1955/1962 6,8 ALTA
9,8 7,1 fortes incentivos e subsídios fiscais, creditícios e cambiais ao inves-
1962/1967 2,6 ALTA timento privado); o capital estrangeiro entrará massivamente na
1967/1973 3,2
12,7 SEMI-ESTAGNAÇÃO produção de bens manufaturados destinados ao mercado interno
1973/1980 11,2
7,6 ALTA (especialmente a partir de meados de 1950). No ciclo 1967/73, após
1981/1988 7,1
2,0( ALTA as mudanças impostas à economia, e após a recessão desencadeada,
2,5
ESTAGNAÇÃO ver-se-á uma retomada dos investimentos públicos em 1967 e só
Fonte: FIBGE (• posteriormente a chegada dos investimentos privados (estrangeiros e
150 > Falta O dado para 1988
151
?acionais). Segundo José Se .. . . TABELA VI
JU!l~ da indústria de transfonn~ ... tanto ?s mv~sumentos no con-
reaguam de fonna defasada co como os mveSlimentos estrangeiros
só depois de 1968 e 69" (7) 'N ~;çando a crescer de fonna contínua Repartição da população economicamente ativa por
e os investimentos do II Pl~oªN c~da de 1970 este padrão persiste setores e sub-setores (1950-1980)
melhor expressão da manutençã adcional de Desenvolvimento são ~
o este padrão. SETORES 1950 1970 1980
n• % nº % nº %

primário 10.252.839 59,9 13.087.521 44,3 3.109.415 29,9

secundário 2.427.364 14,2 5.295.417 17,9 10.674.977 24,4


ind. transf. 1.608.309 9,4 3.241.861 11,0 6.858.598 15,7
ind. constr. 584.644 3,4 1.719.714 5,8 3.151.094 7,2
II- As principais mudan dO outras ind. 234.411 1,4 333.852 1,1 665.285 1,5
ças processo de desenvolvimento
terciário 4.437.159 25,9 11.174.276 37,8 20.012.371 45,7
Quais os resultados deste processo? distrib. 1.581.233 9,2 3.415.359 11,6 5.926.848 13,5
1) Mudança da estrutura do Prod ·
temente, da repartição da popula ã uto Inte?Jo Bruto e, consequen- prest.serv. 1.781.041 10,4 3.925.001 13,3 7.089.709 16,2
Partindo d . ç O economicamente ativa· soe.e adm. 911.317 5,3 2.683.904 9,0 4.857.061 11,1
e uma economia ag ári · outros 163.568 1,0 1.150.012 2,9 2.138.753 4,9
dustrial ultrapassará a agrícola e rala-exportadora, a produção in-
mais recentes, veja a tabela abai:.v orno ano de 1956. Para dados
TOTAL 17.117.361 100,0 29.557.224 100,0 43.796.763 100,0

TABELA V Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1980

PIB: distribuição por setor de afIVI"dad (


e em%)
SETOR 1970 2) Um desenvolvimento industrial desigual, privilegiando os
1975 1980 setores "dinâmicos" em detrimento dos "tradicionais":
Agricultura 11,7 A heterogeneidade deste desenvolvimento será intensificada. É
Indústria 11,4 13, 1
35,4 36,8 verdade que os setores "dinâmicos" para a economia nacional em
Serviços 34, 1 tennos internacionais não eram mais os centrais, os setores de
52,9 51,8 52,8 "ponta". A indústria automobilística, típica da terceira onda longa,
chegará ao Brasil no final da década de I 950. Em tennos nacionais, no
Fonte: IBGE entanto, o processo se dá de uma fonna tal que o desenvolvimento do
Já quanto à PEA a tabel . setor de bens de consumo durável (que será o "carro-chefe" do padrão
mostrando que a participação d: ss:~~~:d~o~:e um quadro geral, de acumulação típico dos anos 1950) se desenvolverá antes dos ramos
1950 para 25% em _ · s n passa de 14,2% em e indústrias do setor não-durável (têxteis, calçados, alimentos) terem
1980
alcançado níveis de produtividade mais próximos da média inter-
152
153
TABELA VIII
nacional (7).
O processo de desenvolvimento capitalista no Brasil foi alterando Valor adicionado por setor, como porcentagem do valor
~ apro~a9ões setoriais dos respectivos patamares tecnológicos adicionado total na indústria de transformação
mtemac1omus.
A tabela abaixo mostra como o desenvolvimento se deu ampli- SETOR 1949 1959 1970 1975 1980
and? o peso dos setores _de bens duráveis e bens de capital em
detrimento dos não-duráveis e da construção civil (antes considerados Tradicional 55,0 37,9 31,2 25,3 23,9
como setores tradicionais). Têxtil 22,1 12,3 9,9 6,2 6,4
Vestuário 4,2 3,5 3,3 3,3 3,8
Prod.Aliment. 14,7 12,0 10,2 7,7 7,4
TABELA VII Bebidas 3,7 2,4 1,7 1,2 0,8
Edição e lmp. 3,4 2,7 3,3 3,3 2,4
Taxa média anual do crescimento da produção industrial Outros 6,9 5,0 2,8 3,6 3,1
e da construção civil, por períodos, em porcentagem
Dinâmicos-A 34,2 37,3 38,4 42,3 41,5
Const. Total Produção industrial Min.não-metál 7,4 6,0 5,0 5,0 4,3
Período civil da bens bens de bens in- bens não Metalurgia 9,4 9,2 10,5 12,6 11,7
ind. duráveis capital termed. duráveis Papel/papelão 2,6 3,2 2,9 2,8 3,0
Borracha 3,2 4,6 2,8 2,5 1,8
47-55 5,5 9,0 17, 1 11,0 11,8 6,7 Química 7,3 10,0 9,3 12,4 14,9
55-62 5,1 9,8 23,9 26,4 12, 1 6,6 Farmacêutico 2,7 2,3 3,9 3,0 2,0
62-67 2,8 2,6 4, 1 2,6 5,9 0,0 Outros 1,6 2,0 4,0 4,0 3,8
67-70 9,8 11,9 21,7 13,5 13,7 0,8
70-73 12,0 13,5 25,5 22,7 13,2 9,1 Dinãmlcos•B 8,9 22,5 26,7 28,3 30,0
73-76 12, 1 9,1 10,3 13,0 8,7 4,8 Mecânico 3,1 4,9 8,3 12,6 12,6
76-80 6,2 6,4 8,6 3,4 8,0 4,1 Mal.Elétrico 2,6 5,8 7,3 7,4 7,7
Mat.Transp. 3,2 11,8 11,1 8,3 9,7
47-80 5,6 8,5 15,3 12,8 10,5 5,8
Outros 2,3 2,3 2,5 4,1 4,6
Fonte: IBGE, Censos Industriais
Fonte: IBGE, Censos Industriais

3) Uma economia com uma forte participação do Estado e do


capital estrangeiro:
Analisando dados mais desagregados, embora só do Estado de · O tripé Estado-capital estrangeiro-capital privado nacional con-
São ~au!o, perceberemos a queda do setor tradicional que em 1949 stitui-se na base da acumulação capitalista nacional. A pesada inter-
contnbuía com 55,0% do valor adicionado pela indústria de transfor- venção do Estado na economia foi a solução encontrada aos problemas
mação e que em 1980 cairá a apenas 23% deste total. estruturais que impediam a solução do financiamento do crescimento
no longo prazo.
155
Em 1970, um estudo sobre a propriedade dos maiores estabeleci- Para o próprio autor, contudo, o grau de concentração real deve ser
mentos industriais encontrou a seguinte distribuição com respeito à superior ao encontrado, pois há firmas importantes que estão ausentes
participação das empresas na produção: 50, l % vinha de empresas de do "Quem é quem" (Rede Globo e IBM), os dados estão muito
capital estrangeiro, 33,6% de empresas privadas nacionais e 16,6% de aglomerados (o que pode ocultar alguns monopólios ou oligopólios
empresas públicas (8). em subsetores de atividade) etc.
Em 1988, segundo a publicação "Melhores e maiores" da revista Os resultados encontrados estão na tabela abaixo.
Exame, o tripé se distribuía pelos setores, em termos do número de
empresas participantes das 500 maiores, da seguinte maneira: as TABELA IX
empresas privadas nacionais eram 42,4% do total, as privadas estrangei-
ras 31,6% e as estatais 26,0%. Esse dado deve ser cotejado com um
outro, participação nas vendas: em um gráfico que lida apenas com o Concentração de vendas (tipo de concorrência) por
setor privado, a participação das multinacionais em número de propriedade de capital, em porcentagem dos setores de
empresas atinge a 29% enquanto a sua participação em termos de atividade (1982)
vendas sobe a 42,3% (9).
Além disso, a nível mais qualitativo veremos uma concentração TIPO Estatal Nacional Multin. Misto· Soma
do capital estrangeiro nos chamados setores dinâmicos da economia
(automobilístico, informática, farmacêutico, plástico, autopeças etc, Monopólio 16 1 3 - 20
onde têm o predomfuio; ou metalurgia, máquinas e equipamentos, Oligopólio - 4 7 14 25
eletroeletrônica, onde embora não tenham predomfuio são expres- Mercado imperf. - - - 14 14
sivos) (10). Livre concorrência - - - 41 41

4) Uma economia altamente oligopolizada: Soma 16 5 10 69 100


Característica presente desde o processo de expansão dos anos
1950: o padrão de acumulação baseada na indústria de bens duráveis Fonte: Mattos, Antonio Carlos Marques, A inflação brasileira
trouxe "em sua gênese um regime de concorrência oligopólica, com
larga predominância do capital estrangeiro" (11). O processo de
evolução econômica só intensificou essa característica, seja pelo A concentração é tal que em entrevista ao Jornal do Brasil,
padrão de investimento dominante (principalmente o estatal e o Marques Mattos declarou que apenas 1,7% das empresas registradas
estrangeiro), seja pelo resultado de políticas econômicas como a no país controlam mais da metade de todo o mercado industrial
recessão pós-1964, cujas falências de pequenos e médios empreendi- brasileiro (13).
mentos abriram espaço para o aumento da concentração de capital. Um estudo realizado no âmbito da UNICAMP e noticiado pela
Além disso, o padrão de empresa e de concorrência vigente na a:Jal Gazeta Mercantil vai na mesma linha: "O Produto Interno Bruto
fase do capitalismo atribui um papel extremamente restrito à livre- (PIB) é três vezes maior do que o de duas décadas atrás, mas é bem
concorrência, o que teria de se refletir numa economia como a menor o número de proprietários de capital existente. Apenas duas
brasileira. centenas de grupos empresariais têm o poder de direcionar os rumos
Um estudo realizado pelo professor Antonio Carlos Marques de toda economia". Descrevendo melhor as características desses
Manos (da FGV), trabalhando com as informações do "Quem é quem" grupos, afirmam que esses duzentos grupos que tinham ''a propriedade
editado pela revista Visão (versão 1983), constatou que dos 76 setores de US$ 100 bilhões que hoje movimentam diariamente no open
de atividade listados pela revista, apenas 41 % deles se regeriam pela market. Tais grupos possuem duas características básicas de identi-
"livre concorrêcia" (12). O estudo analisa a concentração das vendas. dade: operam com altíssimos níveis de liquidez e mantêm sólidas
156 157
posições na área de exportações. Dispõem de plena autonomia para a clusão sobre as políticas de 1974 a 1984 dirá que " ... a indústria deste
fixação de preços internos, pois funcionam como oligopólios. E, na país, além de apresentar sinais ostensivos de competitividade inter-
condição de exportadores, constituem-se numa fonte primária de nacional, teve as suas deficiências estruturais literalmente superadas"
expansão de liquidez na economia, sobre a qual o governo federal (19).
pouco pode interferir" (14). A posição de Antonio Barros de Castro enriquece o debate ao
Essa capacidade de definição de preços, a propósito, explica boa apontar, com razão, todo um conjunto de transformações significati-
parte da saúde financeira das grandes empresas. Analisando o cresci- vas que sofreu a economia brasileira. Depois de conhecer todo um
mento das 50 maiores empresas privadas do país, a revista Exame vai período (até 1973/4) cujo crescimento foi liderado pelo setor de bens
indicar que "... boa parte deste desempenho, no entanto, é conse- de consumo duráveis, Barros de Castro vai insistir nas consequências
quência da recuperação de preços e não do aumento da produção" (15). da "estratégia de 1974" (sintetizada no II PND): " ... como resultado do
Outro dado relevante é a existência de 32empresas brasileiras (21 conjunto de programas integrantes da opção de 1974, a capacidade de
privadas e 11 estatais) num seleto clube dos que ultrapassam o produção de petróleo e eletricidade, de insumos básicos, e de bens de
faturamento de US$ 1 bilhão (em todo o mundo, segundo a revista capital foi, como sabemos, drasticamente ampliada". Acrescenta
Fortune, são 630 as empresas que ultrapassam essa marca) (16). ainda " ... o surgimento de uma constelação de institutos de pesquisa,
5) Um brutal processo de concentração de renda: empresas de engenharia, de consultoria etc, em maior ou menor
Esse estudo citado pela Gazeta Mercantil constata (ou recons- medida capacitados a recondicionar e recriar processos técnicos e
tata) a concentração ocorrida, particularmente no período pós-64. produtos... " (20). São considerações muito importantes para precisar
Segundo o jornal, " ... há exatos 28 anos, a participação relativa do a situação da economia brasileira: " ... amadurecidos os principais
~balho na renda nacional era de 60% e a contribuição do capital resultados da marcha forçada empreendida a partir de 1974, emerge,
situava-se em tomo de 40%, conforme um •diagnóstico• da economia a meados dos anos 80, uma outra economia" (21).
da época, montado pelo economista Mário H. Simonsen, que asses- Sim e não. Sim porque a economia brasileira nunca foi tão
sorava o então ministro do Planejamento, Roberto Campos". Agora, complexa, com uma industrialização tão ampla, penetrando em setores
s_egundo dados do governo federal analisados pelo DIEESE, a estima- que muitos adeptos da teoria da dependência não acreditavam ser
tiva era a de que em 1988 "... a participação do trabalho na renda possível o seu desenvolvimento (como o setor de bens decapitai). Não
nacional foi de 38% e a do capital se situou em 62% - uma completa porque as "deficiências estruturais" não foram literalmente superadas:
inversão do quadro de 28 anos atrás" (17). como vimos, desenvolveu-se a produção dos bens de capital mas não ·
Essa brutal transformação mostra quem financiou o processo de a dos equipamentos mais sofisticados e de conteúdo tecnológico
enriquecimento dos duzentos grandes grupos que "controlam a eco- maior: o próprio Barros de Castro afirma que as empresas de enge-
nomia". Ao mesmo tempo, apontam para o esgotamento das políticas nharia. têm uma capacidade de recriar e recondicionar mas não de criar
sustentadas no arrocho salarial: um limite, quase físico, está sendo ou gestar processos té_cnicos e produtos.
alcanç~do. Se comparado com a distribuição nos países desenvolvidos, Na conclusão de seu primeiro capítulo, ele dirá algo que merece
a g~a~1dade do quadro fica nítida: lá, segundo Walter Barelli, a ser discutido: " ... tampouco caberia aqui discutir, como a indústria
participação do trabalho na renda oscila entre 70 e 75% (18). recém-montada neste país enfrentará a onda tecnológica centrada na
microeletrónica. Esta é uma questão que ameaça - e estimula -
III- Qual economia a "onda da microeletrônica" vai encontrar? quaisquer das estruturas industriais fundadas na eletromecânica" (22).
Ora, uma economia que se toma "outra" em "meados da década de 80",
quando a presença da microeletrónica já tem peso indiscutível na
O legado deste ciclos económicos é grande: os dados do cresci- economia mundial e que se funda apenas na base eletro-mecânica
mento económico (e de seu custo social) são impressionantes. Mas até (base típica da terceira onda longa), é uma economia com um atraso
onde ele chegou? Antonio Barros de Castro, em sua polêmica con- indiscutível. Tem uma deficiência estrutural evidente que é a sua
158 159
incapacidade nos setores de ponta, a sua reconhecida distância da
fronteira tecnológica internacional. É wna mostra que o pelÚiletro do
subdesenvolvimento se mantém insuperado.
O objeto de nosso trabalho é exatamente discutir como a "indústria
recém-montada neste país enfrentará a onda tecnológica centrada na
microeletrônica". Quatro observações devem ser feitas: 1) o país Notas do Capítulo m
enfrentará a onda da microeletrônica com wn parque industrial
avançado em termos da "eletromecânica" (mas com importantes
deficiências, mesmo nesta base técnica); 2) o atraso inicial é grande,
oquepodecomprometeratémesmoa"indústriarecém-monta:da",que
depende de inovações para se manter; 3) o despreparo para receber a (!)Oliveira, Francisco de, op cit, pág. 10
nova onda é grande, sendo necessário pesados investimentos até (2)Singer, Paul, op cit, pág. 134
mesmo para a qualificaçâo profissional e 4) para além da mera (3)Suzigan, W., op cit, pág. 64 e 66 • . •
tecnologia, o Brasil recebe a onda da microeletrônica em wn quadro (4)BDMG, Diagnóstico da E<;onom1a Mme1ra, vol I, pág. 13
de wna profunda crise nacional, de um esgotamento do padrão de (5)O1iveira, FranciS<:o de, op c1t, pág. 51
acwnulação vigente desde 1930, em uma crise similar à vivida nos (6)Serra, José, op cit , B ·1 ·
(?)Borges, Maurício, Algumas Hil?óte~s ~bre a Cr!SI\ ras1 _eira,
anos 30 (esgotamento de um padrão de acumulação à escala nacional (8)Possas, Mário, Empresas Multmac,ona,s e Industr,abzaçao no
que se combina com wna longa depressão da economia mundial). Brasil
(9)Exame, Maiores e Melhores 1989, pág. 48
(IO)idem . . .
(ll)Borges, Maunc10, op cu _ • •
(12)Mesquita, Antôcio Carlos Marques, A Inílaçao Brasileira, pág.
251/253
(13)Jomal do Brasil, 08.10.89
(14)Gazeta Mercantil, 27 a 29.05.89
(15)Exame, idem, pág. 37
(16)idem, pág. 37
(!?)Gazeta Mercantil, 27 a 29.05.89
(18)idem , F d
(19)Castro, António Barros de, A Economia em Marcha orça a,
pág. 81
(20)idem, pág. 79
(21)idem, pág. 82
(22)idem

i60
CAPÍTULO IV: A PRESENÇA DA AUTOMAÇÃO COM
BASE NA MICROELETRÔNICA NA INDÚSTRIA
BRASILEIRA

1- Introdução

A finalidade deste capítulo é o de fazer um apanhado geral,


bastante swnário, da presença atual das inovações tecnológicas baseadas
na microeletrônica na economia brasileira. Esse apanhado visa com-
por um quadro que possibilitará tanto a discussão do impacto social da
automação com base na microeletrônica, como uma discussão de
perspectivas (que buscará relacionar a dinâmica de crescimento
económico com o ritmo de introdução de inovações).
Esse levantamento é feito a partir de estudos, pesquisas e. artigos
publicados na imprensa espe_cializada. Pretende-se aqui apenas re-
sumir e sintetizar os dados levantados.
A idéia é fazer uma síntese que envolva tanto a avaliação da
introdução das inovações como a capacidade da economia nacional de
produzf-las. Há uma relação entre a capacidade de produzir as ino-
vações e a capacidade de utilizá-las, que discutiremos adiante.
Por isso discutiremos inicialmente a situação da indústria micro-
eletrônica em si, passando para a produção nacional de equipamentos
de automação baseados na ME (deixando de discutir a automação
bancária, comercial e de escritórios) e, finalmente, buscaremos situar
a disseminação desses equipamentos pelos vários setores da economia
nacional. Onde for possível apresentaremos dados e estatísticas
internacionais para se ter uma melhor dimensão do processo de
162 introdução dessas inovações no país.
163
II • A indústria de informática no Brasil milhões, a sua limitação é evidente (3). Segundo o presidente da IBM,
Rudolf Hohn, o faturamento da indústria de informática nos Estados
~e~do a Associação Brasileira da Indústria de Computadores Unidos representava 2,8% do PNB (4). Em 1989 os Estados Unidos
~ Perlféi:-cos (:"13_ICOMP), o faturamento da indústria brasileira de faturaram US$ 185 bilhões, o Japão 158 bilhões e a Europa 125
~mmática atingiu, em 1989, 1,3% do PIB, totalizando US$ 5 1 bilhões (4a).
b~ões. Na décad_a, o setor cresceu 514% em termos reais. Na tabeÍa Um dado também relevante é o peso de apenas uma multi-
abaixo, esse crescun~ntop<J<;ie ser visualizado, anotando-se também 0 nacional, a IBM, no faturamento nacional: em 1989 ela alcançou US$
peso crescente das rndustnas de capital nacional no faturamento 1 bilhão (cerca de 20% do mercado nacional, embora não passe de
global do setor (1). 1,7% do faturamento mundial da corporação, que em 1988 atingiu
TABELA X US$ 60 bilhões) (5).
Faturamento da indústria brasileira* Os dados sobre a informática no Brasil ainda carregam impreci-
sões e contradições, a depender das fontes. Algumas comparações
ANO Empresa ficam dificultadas. Mas, é interessante uma visão sobre a divisão deste
Empresa Total faturamento da indústria entre os vários ramos que a compõem. A
de capital de capital
nacional tabela abaixo foi retirada de uma compilação anual realizado pela
estrangeiro revista Dados e Idéias (6).
1979 190 Para a nossa discussão é importante a dimensão de dois sub-
1980 640 830 setores em particular: 1) o da automação industrial, que participou
280 580 860
1981 370 com 3,17% do faturamento e, 2) o de peças e componentes, que
1982 670 1.040 alcançou 2,29% do total. Esses dois setores serão analisados nas
558 950 1.508
1983 687 próximas partes deste capítulo.
1984 800 1.487
952 881 1.833
1985 1.400 1.278 TABELA XI
1986 2.678
2.081 1.311 3.392
1987 2.378 1.638 Participação de cada subsetor na receita total (1988)
1988 4.016
2.948 1.480 4.428
1989 3.600 Setores Receita Cz$ mil Percentual
1.500 5.100 ..
Computadores 662.552.007 47,95
* Em US$ milhões Fonte· SEI Comun.dados 70.039.052 5,06
** Dados preliminares · Comercializ.e
. Esses dados demonstram a rapidez da expansão do mercado Ass.Técnica 11.927.561 0,86
nacio?al, co1;1 as taxas de crescimento superando as do conjunto do Peças e Componentes 31.763.978 2,29
setor _rndustrtal e do PIB e, inclusive, estando acima das médias de Automação ind. 43.823,364 3,17
c~escunento de países avançados (a média nos Estados Unidos tem Periféricos 116.999.234 8,46
sido de 5 a 7% ao ano) (2).
Software e Consul-
No entar_ito, não ~á porque se impressionar com a dimensão do toria 25.953.773 1,87
mercad? nac1on'.11 de informática. Mesmo somando a importação de Birôs 251.085.470 18,17
bens d~ informática (na medida em que a indústria nacional não atende Suprimentos 93.184.877 6;74
ao conJunto das necessidades do país), que em J988 atingiu a US$ 976 Outros 74.022.572 5,35
164
165
Bras~araé nceocemssprá~nd~r auldinâmica da indústria de informática do
• no vmc ar a polftica integrados são os componentes básicos para indústrias como tele-
onde a "reserva demercado"tem umpape1odvetm~ental para o setor, comunicações, computação, equipamentos para a automação indus-
comov e ermmante.Essareserva trial, bancária e comercial etc.
Abaixoe::os, se estende aos _equipamentos de automação industrial'.
• os uma cronologia da extensão da reserva. o papel estratégico da microeletrônica é indiscuúvel, particu-
larmente no presente estágio da revolução tecnológica baseada exa-
TABELA XII tamente na microeletrônica.
E o Brasil não possui essa indústria. A meta traçada pelo CONIN
Cronologia da .ext~nsã_o da reserva de mercado para a de até 1990 implantar aqui essa indústria não será cumprida. O país
industria da informática não domina todas as fases do processo de fabricação do circuito
integrado. E, a persistira presente polftica ou sendo ela substituída por
PRODUTO/COMPONENTE uma outra de inspiração neo-liberal, a perspectiva é a da manutenção
ANO DA RESERVA desse atraso.
Mic~o e minicomputadores A ausência desta capacidade de produção de circuitos integrados
Eqwpaf!l~ntos para controle de processos
1977 é acompanhada da pequenez da indústria e da característica de -
Supermm, 1980 mesmo na etapa da produção do chip onde há domínio tecnológico
Comandos numéricos 1981 "nacional" - utilizar métodos e técnicas superadas e ultrapassadas.
Componentes semicondutores 1982 Sobre esses "pés de barro" nada sério pode ser construído.
Instrumentação 1983 Observando o panorama internacional, a nossa situação fica ainda
Computar Aided Design (CAD) 1983 mais dramática: o dinamismo do desenvolvimento da microeletrônica
Robos Industriais 1985 é espantoso e um dos principais conflitos entre as nações imperialists
1985 se trava justamente aí.
O desenvolvimento da microeletrônica é resultado dos avanços
Fonte: SEI da eletrónica em geral (basta pensar na necessidade de se dar passos
A seguir, vamos discutir especialmente dois setores. o de adiante no sentido tecnológico para possibilitar o avanço da compu-
tação, inicialmente baseada em gigantescos computadores à válvula)
~~1:°~~n~s por ser o que está en_globando a produçã~ mie:~: e da física do estado sólido (com todo o desenvolvimento dos
chips, as;~~/;::;~ªf~ºJ~çã? ndac1?nal de ~ircuitos integrados, de semicondutores). A partir destes avanços, a dinâmica da miniaturi-
industrial . m ustna e informática; e o de automação zação apresentou progressos impressionantes. O microprocessador do
desses , .para pesqwsar as características da produção naciÓnal início dos anos 70 foi um marco decisivo: a partir dele praticamente
setor ci~:~~:~s. Udma vez iden~ficado o aspecto quantitativo do todos os processos industriais e de escritório se tomaram passíveis de
tiva dos sub-setores' J;e ~i~~~ir=~ª:a~:~::S:n~~is qualita- automatização e controle. "O significado do micro-processador foi a
drástica redução do custo do hardware de uma revolução técnica que
III- A indústria rnicroeletrônica já estava se processando nos anos 50 e 60. Ao mesmo tempo, ele
aperfeiçoou o desempenho de muitos produtos e sistemas eletrónicos
e tomou possível a introdução de outros tantos" (2).
A indústria microeletrônica tem assim um papel inteiramente
bras;ei~ ~nto mai~ s:ns~vel _do desenvolvimento da informática chave nas atuais mudanças na base técnica das várias economias
projetos~ d=~ug~~md;lstna m1croeletrônica e o desenvolvimento de nacionais.
ana, os computadores de um país serã
~;~as montagens, meras adaptações de outros modelos. Os ~i~~:f~: A rapidez do seu desenvolvimento (ela que é um produto úpico
da presente onda longa) é facilmente detectável e expressa o seu
167
caráter dinâmico. No gráfico exposto a seguir, é possível teruma visão
geral do processo de desenvolvimento da microeletrônica até O ano de nrente os progressos constantes realizados na concepção de compo-
1975. nentes (da indústria eletrônica) os tomam cada vez menores, mais
rápidos e mais baratos. Os progressos realizados a esse nível tomam
GRÁFICO IV rapidamente obsoletos os produtos finais. Os componentes são ao
mesmo tempo objeto de inovação e causa de inúmeras outras ino-
Processo de desenvolvimento da vações" (8).
microeletrônica Recentemente, veio a público o anúncio da produção de um
Componentes por superchip que em um quadrado de silício com 1,5 polegadas de lado
polegada cúbica concentrava 4 milhões de transistores, alcançando a velocidade de 200
500.000 inlegração de milhões de operações por segundo, velocidade típica de alguns
escala mul'to ampla supercomputadores que hoje ocupam o espaço de uma sala. Esse
50.000 circuitos integrados superchip foi desenvolvido pela Motorola e pela JRW, tendo o
e/etron-beam projeto gasto, durante os dez anos de sua execução, US$ 1 billhão,
10.000 financiado pelo Pentágono (o programa se chama VHSIC- Circuitos
MOS Integrados de Velocidade Ultra Rápida). Segundo a notícia não terá
5.000
aplicação prática imediata (9).
1.000 Outra notícia informava que a IBM e a Siemens estabeleceram um
circuitos integrados acordo para o desenvolvimento de chips de memória de 64 megabits
250 (64 milhões de bits), 64 vezes maior do que as memórias utilizadas
100 micro-circuitos atualmente (10).
Essas notícias mostram não apenas o avanço da microeletrônica
mas também o investimento que grandes grupos e nações fazem para
50 disputar o mercado mundial de circuito integrado que envolveu US$
62, 7 bilhões, segundo estimativas, em 1989. O gráfico abaixo mostra
10 a evolução das vendas mundiais deste estratégico produto.
tranceptores com componentes
sub-miniaturizados
tubos sub-miniaturizados com
GRÁFICO V
componentes sub-miniaturizados Vendas mundiais de chips (em bilhões de dólares) (11)
tubos miniaturizados e componentes convencionais 62,7
tubos e componentes convencionais
19 O 1950 1960 1970 38,3
1980 30,8

1
Fonte: Freeman, C., Unemployment and Technical change, pág. 119
Não h~ a menor dúvida acerca da continuidade e do dinamismo do
desenv?lVIIIlento do setoi: até os dias atuais. Num trabalho de 1986,
produzido para um ~rg:1;11si_no de assessoria do governo francês, os 1~1%11~1~1~1~1-1ffl1~1~
autores tratando das mdustrtas de informação dirão que " ...evidente-
Fonte: Business Week, 5/2/90
168
169
Por esse mercado se trava uma disputa acirrada. flexibilizadas.
Apesar dos esforços em contrário, o Japã? desde 1986 está_na
É um setor extremamente sensível às mudanças gerais que estão
frente dos Estados Unidos na produção de chips. O gráfico aba:ixo
se processando na economia mundial: pela situação dessa indústria,
mostra como a produção japonesa passou de apenas 20% em 1979 a
pode-se constatar o declfuio da hegemonia tecnológica americana.
quase 50% em 1988, e como a americana fez o_percurso inverso,
Basta observar a tabela abaixo, onde estão colocadas as seis principais
respectivamente com 60 e 30% do mercado mundial. O ano_de 1985
firmas de semicondutores, segundo o total de vendas de chips em
é O ano do empate (em 41 % da produção) e da mudança da liderança
1986: (11)
mundial.
TABELA XIII GRÁFICO VI
Principais firmas mundiais de semicondutores
Participação na produção mundial de chips
Firma Vendas de chips
(em US$ bilhões)

NEC (Japão)
Hitachi (Japão)
Toshiba (Japão)
Motorola (EUA+Japão)
Texas lnstruments (EUA)
2,6
2,3
2,28
2,02
1,8
60

40
-
- EUA

,,- .
-----
...,,,,,.
!!!!--'..e=-"'"'"-----
l - - - - - - - - - -...-,.....
~ - ---
Philips (Holanda) 1,4 -
_... '1AP'fô'
20
Fonte: Mandei, Emest, La conjoncture
économique au début de 1988 (lmprecor, n. 262) 1•1•11a1m1*1~1a1m1•1•
Fonte: Business Week, 5/2/90 (13)
Como se pode observar, apenas uma companhia é inteiramente
americana na lista.
Para tentar preservar a ameaçada liderança americana no setor, o
governo vetou, em 1986, que a corporação japonesa Fujitsu absor-
vesse o trust Fairchild, do setor de semicondutores. O governo
americano incentivou a fonnação de consórcios entre fabricantes do
país para o desenvolvimento da tecnologia própria.
Boa parte dos esforços dos Estados Unidos nas negociações no
GATT foi no sentido de preservar as suas posições no mercado - tão
importante - de semicondutores. Em julho de 1986 se chegou a um É uma ultrapassagem consistente. O gráfico abai~o mostra co~o
acordo onde os Estados Unidos tentava evitar o dumping japonês. As a produção americana de equipamentos para a fabncação de chips
dificuJdades que os Estados Unidos enfrentam mesmo depois deste também ficou para trás: de 90% do mercado mundial em 1979, os
acordo levaram-à tomada de uma série de medidas protecionistas Estados Unidos caíram a apenas 20% em 1988.
(tomadas em abrtl de 1987 chegando a taxar a importação de alguns
produtos da eletrônicajaponesa em 100%), posterionnente um pouco
171
170
GRÁFICO VII
Japão ultrapassará os Estados Unidos nas vendas mundiais de compu-
Mercado mundial de stepping aligner equipment tadores.
usado na manufatura do chip O ritmo desta indústria é alucinante. Por exemplo, hoje existe
uma linha de pesquisa sobre a utilização de técnicas de impressão dos
100%F:.:.::.-:.--::..-=._-::_------------ circuitos integrados utilizando Raios-X. A IBM planeja gastar apenas
neste projeto US$ 1 bilhão até 1995, quando esta técnica deverá estar
pronta para entrar na produção. Só que a IBM é a única corporação
americana a investir nesse projeto. Enquanto isso, no Japão maisde
uma dúzia de programas de pesquisa sobre a produção de chips com
Raios-X estão em curso. A Business Week acusará a ausência de fi-
nanciamento govemameal como a causa desta debilidade americana:
poucas empresas têm, por si só, a capacidade de bancar projetos de
porte tão grande.
Hoje, à escala mundial, a indústria microeletrônica é um campo
1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 de disputa entre gigantes. Seja pelo aporte de capital que ela requer,
seja pela velocidade das mudanças que ela impõe e sofre. É um dos
Fonte: Business Week, 23.12.89 (1 4) melhores exemplos de uma das principais características do capita-
lismo tardio: a aceleração das inovações tecnológicas. É muito
Essa perda de pos· ã d · . curioso (e deveria ser estimulante para um batalhão de ortodoxos da
indústria tão estratém iç O O p~cipal país imperialista numa
1
, . . .,.ca como a m1croeletrônica tem criado
: em1ca mteressant~ nos Estados Unidos. A revista Business
v1u~~u~:ol:té:ia de capa ~ma questão: "Toe future of Si!icon
W~~: moda neoliberal) ver o setor mais avançado da indústria americana,
até a pouco símbolo do poder tecnológico do capitalismo americano
- o Vale do Silício - pedir proteção do Estado, pedir um novo rela-
cionamento entre a indústria eletrónica e o governo ... para enfrentar
assumido pela rev7s~~::i ª high-tech policy?". O ponto de vista o capital japonês ... e salvar a indústria americana de alta tecnologia ...
do Rea an d a crença na mera ação do mercado da era Esta discussão mostra o ridículo dos que propõem a "abertura ao
das ind~stri~ :nd_e uma política de inte~enção do Estado em defesa capital estrangeiro" como fonna de modernizar uma economia depen-
Silício) O risco ~n~~~~e3'.tatecnologia(concentradasno Vale do dente como a brasileira. Se o mercado está ameaçando sucatear a
. . es a m ustna ser sucateada pela concorrência do
economia americana, o que poderia prometer para a brasileira? Na
~:,ne:~~f:~1et Segund? Andrew Grove, presidente da Inte~ discussão de alternativas, mais adiante, voltaremos à esta questão.
cose~ cada c u ºm:,co~tmuarão a possibilitar avanços tecnológi-

!~e~~::~~~~~;a ~!:~ªa~:~:~~i~~~~~~;r:i~~~r~s1:sc:ii:
computadores quera 'd O O ramo eletrôruco, mclumdo os super-
O mercado brasileiro de circuito integrado é estimado em US$
495 milhões em 1988. Ou seja, 0,8% do mercado mundial.

pensáveis · ' pi amente estã0 se tomando ferramentas 1·ndis


na engenharia e ·ê · . •
como uma ind, tri d na ~1 ncia. O nsco de entrarno século XXI A tabela abaixo mostra a evolução do mercado nacional, bem
loucura d' us a e semicondutores de segunda linha é uma como a participação da produção local na produção total: em 1989
' izem os papas do V ale do Silício
As perdas de posição do capitalismo ~ericano neste c apenas 34,3% dos circuitos vendidos foi produzido localmente (15).
se !eflettr em possíveis novas perdas de posição. Segundo ~!~s:~
~~o, o Departamento de Comércio dos EUA prevê que em 1993 o
173
J. transfonnação do quartzo (óxido de silício) em silício metalúrgico;
2-'silício ultrapuro; 3- monocristal; 4- o monocristal é fatiado produ-
zindo-se lâminas; 5- polimento das lâminas; 6- projeto dos circuitos
TABELA XIV integrados; 7- produção das máscaras necessárias para o circuito
integrado (são necessárias várias máscaras para cada circuito), essas
Estimativa do mercado naciona de Cis máscaras é que possibilitarão a "inlpressão" de dispositivos eletróni-
(valores equivalentes a US$ milhões F O B). .. cos na lâmina; 8- difusão; 9- encapsulamento e 10- teste .
O monocristal é importado. O Brasil detém 90% das reservas
Tipos Origem 86 87 88 89
mundiais de quartzo. Em 1987 ele era exportado in natura à base de
90 91
deCI US$ 1 o quilo e importado, já beneficiado, como monocristal a um
custo de aproximadamente US$ 120 o quilo (16).
Digitais Prod. loc: 27 38 70 115
Com relação ao projeto, segundo a SEI esta etapa seria dominada
175 265
Importação 137 142 150 165
pela Itaucom e pela Vértice Sistemas (empresa do grupo SID). A
190 190
FINEP, através do coordenador de seu programa PBMicro (Programa
Total (1) 164 180 220 280
Básico de Microeletrônica), Ricardo Jabace, considera essa capacidade
365 455
Crescimento . 9,7% 12% 27%
de projeto muito limitada.
30% 25%
CI • Digitais A produção de máscaras está "a cargo do Centro Tecnológico de
Infonnática, já que não despertou o interesse da iniciativa privada"
Lineares Prod. loc: 21 26 35 (17).
55 80 115
Total (2) 162 162 180 215
Quanto à difusão, duas empresas, a SID e a Itaucom, ainda se
250 290
Crescimento . 0% 11% 19%
preparam para dominá-la. A SID assinou em outubro de 1988 um
16% 16%
CI • Lineares contrato de transferência de tecnologia com a Philips (tecnologia
CMOS duas micra e bipolar avançado), estimando investimentos da
Total (1 )+(2) 326 342 400
ordem de US$ 30 milhões em 1989. Já a Itaucom projeta construirum
495 615 745
Taxa de eras- . 5% 17% 24%
complexo microeletrônico em Jundiaí, tendo solicitado ao BNDES
24% 21%
cimento anual um financiamento de US$ 335 milhões, que concordou em financiar
US$ 165 milhões. Só a unidade de difusão custará US$ 200 milhões.
Para viabilizar esse projeto, a empresa considera necessária uma
*Pr~ução local: Fabricaçã~ ex~utada total ou parcialmente no país escala de produção que equivale a "todo o mercado nacional para esse
(fabncação compreendendo. proJeto, processamento físico-químico componente".
montagem, testes, identi?cação).Fonte: Grupo de Microeletrônica .' Para tanto, alguns acertos eram importantes, como por exemplo,
GME • Secretarta Especial de Infonnática o de compatibilizar as regras de projeto da CPqD da Telebrás para que
Fonte: INFO , 7/89 todos os circuitos possam rodar na unidade de difusão a se rim plantada
pelo grupo(l 8).
Observando_ mais de perto a produção se constatará que ela é Apesar desses anúncios, a cautela é importante. Em 1987 havia
apenas uma fabncação executada parcialmente no país. três empresas responsáveis pela produção nacional de Cls: ltaú, SID
Qual é º. pr<X:esso d~ produção dos circuitos integrados? e Elebra. A Elebra foi absorvida pelo Itaú. O atraso do programa
. _A ~aténa pnma básica de toda a indústria micro-eletrônica é 0 microeletrônico era tal que em 1987 a Avibrás começou a investir em
s~ÍC1?· J:' do seu processamento industrial que será produzido 0 uma fábrica de chips (ela foi pressionada a isso, na medida em que o
c1rcU1to mtegrado. Sua produção passa pelos seguintes passos: governo americano proibiu a venda de alguns componentes ne-
174 175
IV-A produção de equipamentos de automação industrial
cessários à sua linha de mísseis alegando que eles seriam "reexporta-
dos" para p~ses não-alinhados). A Avibrás alegava ainda que os chips A SEI estima que até o final de 1988 a base instalada de
então planeJados para serem produzidos em 1990 já estavam obsole- equipamentos e sistemas de automação industrial alcançava mais de
tos(l 9). Entretanto em janeiro de 1990 a Avibrás pediu concordata US$ 1 bilhão(24).
preventiva(20). Ela chegou a pedir à FINEP financiamento para a Já um estudo realizado pela "InterBusiness Consultoria Empre-
construção de uma fábrica de difusão de Cis, conseguindo a liberação sarial Ltda" chega a uma cifra menor: US$ 748 milhões, distribuídos
de US$ 30 milhões para a compra de equipamentos, recursos que conforme a tabela a seguir.
sequer foram procurados. Já em junho de 1989 o CPqD tentava junto
à FINEP o repasse desse financiamento buscando viabilizar a cons- Tabela XV
trução dessa unidade. Em outubro de 1989, o Ministério das Comu-
nicações definiu as diretrizes para a microeletrônica definindo uma Evolução da base instalada de equipamentos
~a d_e financiamento para uma unidade difusora piloto pela inicia- e sistemas de automação industrial no país
tiva pnvada, aumentando a destinação dos recursos do CPqD para a (em milhões de dólares)
área.
Para o pesquisador da USP Antonio Zuffo "não se pode fazer ANO Proc.lnd Proc.lnd Total
microele_trônica da forn:ia empírica como se está fazendo hoje. É Discreto Contínuo
necessário ter um planeJamento integrado, fruto de uma política de
gov~rno, que eleve a microeletrônica a uma área prioritária, ga- até 1984* 65 75 140
~tlndo a continuidade de investimentos". Antonio Zuffo sugere 1985 28 47 75
ainda que como nenhum grupo capitalista forte se interessou em 1986 52 71 123
inves_tir em uma linha de difusão, que esta fosse implantada com o 1987 78 92 170
au~o do governo. Mesmo com a implantação anunciada das linhas 1988 98 142 240
?~ ctµ'~são da SID e da Itaucom, o pesquisador achava importante essa Total 321 427 748
llllCiatlva governamental, principalmente quando se pensar em pro-
duzir circuitos com maior integração. Zuffo argumentava pergun- (*) estimativa, incluindo desde os primeiros
tando: "quem nos garante que, por terem vendido uma vez as suas equipamentos importados cm 1969
tecnologias, estas empresas façam o mesmo com tecnologias mais
avançadas?"(2 l). Fonte: InterBusiness Cons.Emp
Quanto à montagem (encapsulamento do silício), só se consegue
encapsular os circuitos mais simples: em 1987 se tratavam de chips Estes dados parecem estar subestimados. Comparando estas
que conde_nsam dois mil transístores por centímetro quadrado, usados informações com as fornecidas pela SOBRACON para os anos de
para televisores e videocassete(22). 1987 e 1988 (respcctivamente US$ 285,9 milhões e US$ 327,0
. ? ~sultado desta análise das várias etapas da produção do milhões) (25), aumenta a credibilidade do dado fornecido pela SEI.
CJrcUJto integrado lança luz à afinnação feita por um estudo apresen-
tad? pel_a COBRA em 1987, o qual apontava "que 95% dos chips Para 1989 a ABCPAI estimava que o faturamento do setor de
nac10na1s, atualmente, são importados"(23). Os fracassos pennanen- automação industrial deverá se situar em tomo de US$ 400 mi-
tes de uma "política" confusa para está área tão estratégica indicam lhões(26).
que nos últimos anos não houve uma mudança qualitativa neste
quadro.
177
i7C
Para comparar com a situação mundial .
'Vejamos a tabela abaixo: , Por esses dados, pode-se estimar a base instalada de equipamen-
Tabela XVI tos de automação industrial no país em aproximadamente US$ 1,4
bilhões.
Mercado de aut'?mação industrial para 1989 Se há incongruência entre as avaliações do parque já instalado, no
(em bilhões de dólares) terreno das projeções a disparidade é maior. Nos últimos anos houve
wna constante superestimação do potencial de crescimento do setor de
PAÍS automação: é comwn ler nas publicações da área empresários falando
MERCADO
da frustração de expectativas etc. Talvez tenha havido uma subesti-
Estados Unidos mação dos impactos da crise em geral sobre o setor.
Japão 11,6 Apesar de controversas, é interessante observar as previsões que
RFA 10,7 estão sendo feitas. Segundo estudos da "Biechuetti Consultoria
Inglaterra 4,5 Empresarial" serão gastos US$ 2 bilhões entre 1989 e 1993. Lideram
França 2, 1 esses investimentos o setor químico com uma participação de 27%
Itália 2,3 destetotal,ometalúrgicoeautomobilísticocom 14%cadaeodepapel
2,0 e celulose com 11 % (27).
Já a InterBusiness Cons. Emp., após ouvir 1.100 pessoas entre
Fonte: BNDES, Automação Industrial.
usuários, fabricantes, especialistas etc, estima que a demanda de bens
Suporte à competitividade(26)
de automação industrial atingirá US$ 800 milhões em 1992(28).
Trabalhando estes gastos com0 · Voltaremos ao tema das previsões quando tratarmos da relação
a seguinte relação: proporção do PIB encontraremos entre a modernização tecnológica e a retomada do desenvolvimento
económico.
Tabela XVII Vejamos agora como essa base instalada de US$ 1,4 bilhões se
distribui entre os vários equipamentos de automação com base na
Relação entre O me d d microeletrônica (EAME).
e o PNB ou O PIB d/:;1
,
° e ª?tomação industrial
guns pruses, em porcentagem 1- Controladores lógicos programáveis (CLPs)
PAIS Substituindo os tradicionais relés no controle de máquinas e
Relação AI/PIB(PNB) processos industriais, os CLPs são usados nas indústrias de processo
Estados Unidos(*) contínuo e nas indústrias automobilísticas e de máquinas-ferramenta.
Japão(*) 0,275 O crescimento do número dos CLPs instalados no Brasil está
RFA(*) 0,563 retratado no gráfico abaixo: em 1971 não atingia a 50 e em 1986 se
Brasil(**) 0,501
0,114 estimava já terem ultrapassado a 1600 unidades.

C:lPNB de 1986 (L'état du monde)·


( ) PIB de l988, US$ 350 bilhõcs '

Fonte· BNDES L''t t d


. ' e a u monde e Conjuntura Econômica

178
179
'
,,
.

GRÁFICO VIII
, Os CLPs fabricados no Brasil podem ser divididos em dois
Total CLP's instalados por ano subgrupos. No primeiro, os de grande porte: todos são produzidos por
empresas nacionais que utilizam o licenciamento de tecnologia. Estão
1300 aí empresas como a Metal Leve (tecnologia Allen Bradley), Villares
(Hitachi), Maxitec (Siemens), dentre outras. Já no segundo grupo,
1200 estão os CLPs de pequeno e médio porte: estes são usados em
1100 máquinas e processos mais simples e são produzidos com tecnologia
própria, nacional.
1000 Segundo Tauile, os CLPs são um dos equipamentos de auto-
900 .
mação com base na microeletrônica mais difundidos na indústria
brasileira, embora o mercado atingido seja apenas uma pequena
800 .
parcela do potencial. Previa que "... a difusão deverá ampliar-se
700 significativamente na medida em que sejam realizados novos inves-
600 timentos nos setores de insumos básicos (siderurgia, química, ci-
mento, etc.) que constituem o principal mercado para os CLPs(3 l).
500
400 2-Máquinas-ferramenta com controle numérico (MFCN)
Comecemos com uma comparação com dados internacionais, de
300 acordo com a tabela abaixo.
200
TABELA XVIII
100
1971 População de MFCN (segundo país e ano)
1975 1978 1981 1984
PAÍS (ano do dado) QUANTIDADE
Fonte: Tauile, J.R., Automação e ~ompetitividade: uma avaliação
das tendenc,as no Brasil (IEI 111),pág. 8 Estados Unidos (1980) 60.000
Nãodispomosdonúmerod ·d d . Japão (1981) 25.030
e 1987. Pelo faturamen e um ª es vendid~s nos anos de 1986 Alemanha Federal (1978) 10.000
milhões e US$ 34 milhõe to.;pr~sentado, respecuvamente US$ 27 Grã-Bretanha (1978) 8.000
vendas(29). s, J entlfica-se um crescimento de 25 % nas França (1978) 6.000
Jáem 1988 ofaturamento Brasil (1980) 700
um total de 6 17 ·i cresceu 51 ,06%, tendo sido vendidas Argentina (1981) 325
milhões(30). ' m1 ' representando um faturamento de US$ 51,3
Fonte: Tauile,J.R., Automação e competitividade: uma avaliação
O mercado para os CLPs é v 1 .
pelos comandos elétricos u tuoso, mas conunua dominado das tendências no Brasil (!E! 111)
o diferencial de preços e~i~los aparelhos de lógica fixa. A razão é
convencionais: este diferencial ! controladores programáveis e os
0 A primeira máquina foi importada em 1968 pela Ford. Será em
180 naotem tomadoatraenteaopçãoCLP. 1975 que a indústria Romi comercializará uma máquina produzida
nacionalmente (mas com CN importado).
181
rei ~daª tí~o de comparação, é interessante, com dados de 1980
d acionarº. numero de máquinas-ferramenta convencionais instala~ e demonstra a existência de um "gargalo" a uma retomada estável do
as no Brasil (550.000) com o número de MFCN (698) crescimento económico: em julho de 1985 indicava-se a existência de
abaix~;volução do número de MFCN no Brasil é apont~da na tabela um verdadeiro boom no mercado nacional das MFCNs: por exemplo,
uma máquina que normalmente demorava cinco meses para ser
entregue estava então tendo uma demora estimada de 9 a 10 meses. A
TABELA XIX Romi, por exemplo, tinha previsto para 1985 uma produção de 100
MFCNs e em agosto previa que poderia chegar a 150 unidades. Não
N• de MFCNs no Brasil, por origem e ano de instalação podemos dissociar esse boom da conjuntura de recuperação económica
nos anos de 1984 e 1985.
ANO NACIONAIS IMPORTADOS TOTAL A explicação dos empresários para esse boom levanta três aspec-
n• cresc{%) tos. Primeiro, "que com a crise muitos empresários desfizeram-se da
maquinaria obsoleta e agora estão substituindo-a por apenas uma ou
1973
1974
- 33 33 - duas máquinas com controle numérico, capazes de ampliar em cerca
11 24 35 de 20 vezes a produção de uma máquina convencional". Segundo,
1975 2 6, 1
39 41 17, 1 "uma parte surpreendente desses clientes é constituída de pequenas e
1976 8 45 micro-empresas de serviços de usinagem para terceiros: os fabrican-
1977 53 29,3
17 46 63 18,9 tes de maquinaria agrícola do interior de São Paulo são os principais
1978 32 53 clientes desses fundos de quintal". Terceiro, "clientes de maior porte
1979 85 34,9
40 34 74 das MFCNs são a indústria automobilística, auto-peças e vários tipos
1980 62 13,0
32 94 27,0 de indústrias voltadas à exportação"(34).
1981 69 55 A distribuição do parque de MFCNs indicam que em 1980 62%
1982 124 31,9
120 30 150 21,0 dos usuários eram empresas de capital estrangeiro; em 1983 (este dado
1983 150 30 é para o Estado de São Paulo, que tem 74,5% dos usuários do Brasil)
1984 180 20,0
253 53 306 48% dos usuários eram da indústria mecânica, 21 % da indústria de
1985 413 70,0
60 473 54,6 material de transporte, 13% do setor de material elétrico e de comu-
nicação e 10% do setor de metalurgia(35).
Fonte. Stemer, C.E., Ana1s_do II CONAI, SP, 11/85, Com relação à tecnologia para a produção das MFCNs, repete-se
citado por Tauile (IEI 111). o esquema visto para os CLPs: os comandos numéricos mais simples
são feitos com tecnologia nacional (como faz a empresa MCS), mas
Assim, em 1985 atingiu-se um total de 1711 MFCN . ai d os comandos e as MFCNs mais sofisticados são produzidos com
no país Os d d s rnst a as
· ª
em 1986 foram ac
os para a produção nacional de MFCNs · di
d . m cam que
tecnologia licenciada (Romi - Alley Bradley; Maxitec - Siemens;
rescenta_ os 833 urudades no estoque total(32) DIGICON - Mitsubishi).
Em 1987 .tioram vendidas 1018 MFCN · . · Tauile concluirá que o estágio atual da difusão das MFCNs é
mento de US$ 197 8 milhões Já 1988s, atingmdo um fatura- modesto, apontando para uma situação de aprendizado da utilização
passando a US$ 223 5 milhõe . em , o faturam~nto cresce,
cializad~ cai a 742 ~nidades(t3ras o numero de máqurnas comer- da tecnologia e relacionando a sua utilização mais industrial em
setores onde a atividade de exportação exige o cumprimento de
. ta!Assun, no início de 1989 o Brasil tinha quase 4 500 MFCN determinadas exigências técnicas (indústria automobilística, de au-
ms adas. · s
topeças, aeronáutica e de armamentos).
1 82A indústria de MFCNs é sensível às mudanças do clima económico O preço destes equipamentos é considerado por Tauile como o
maior entrave a sua difusão. Enquanto uma máquina-ferramenta
183
TABELA XXI
tradicional custa 20% a mais que o similar importado, umaMFCN tem
o seu preço 3 vezes maior que o similar importado e o CN nacional Mercado Mundial de Robôs
atinge um preço 5 ou 6 vezes maior que o importado(36). (em mil unidades)
Uma avàliação realizada pelo BNDES em 1985 apontava que a
" ... indústria de máquinas tem gargalos de produção em tipos mais 1985 1989
avançados de equipamentos, como os automatizados ou com co- PAÍS 1981
mando numérico, ou ainda computadorizados". Essa avaliação é 36,0 110,4
semelhante aos dos próprios dirigentes da ABlMAQ, que colocavam Japão 8,4 55,2
EUA 3, 6 14,4
que "... a modernização do parque industrial brasileiro passa pela 8,4 26,4
modernização de nossas fábricas de máquinas e equipamentos. Preci- Alemanha Oc. 2,4 9,6
Reino Unido 0,6 2,4
samos reaparelhar-nos e investirem novas tecnologias para podermos 2,4 8,4
corresponder à altura, nos diversos ramos industriais"(37). França 0, 5
Fonte: Computerworld,january 4, 1988.

3-Robôs industriais O rinci al usuário no Brasil é a indústria automobilfsti~a: para


Os primeiros foram importados pela indústria automobilística em
1983. Em 1985 a estimativa era da existência de 30 robôs pro-
aos dados df 1985 ela utilizava 75% dos robôs do país. VeJamos a
gramáveis do tipo universal(38). A tabela abaixo mostra a evolução tabela abaixo:
recente. TABELA XXII
TABELA XX UNIDADES INSTALADAS
USUÁRIOS
Número de robôs instalados por ano e faturamento em 10
Volkswagen
milhões de dólares 8
Ford 2
GM 1
ANO UNIDADES FATURAMENTO Mercedes Benz
Asea (bens de capital) 1
1986 33 2,9 1
IBM 1
1987 28 5,1 Soltronic (BC)
1
1988 12 2,0 USP 1
Unicamp 1
Fonte: SOBRACON (39) SENAI
28
Total
Fonte: Conjuntura Econômica, 02/87 (40)
Encontramos assim um total de 103 robôs instalados no parque
industrial brasileiro. A tabela a seguir dá um quadro da situação SEI convocou as indústrias nacionais a
mundial. Em dezembro de 1984 a
185

184
apresentarem projetos de fabricação de robôs (sob o regime de reserva ,mercado nacional de robôs é lenta e aguardava para os próximos4 anos
de mercado): 23 se apresentaram e 16 foram aprovados. uma difusão da "cultura da robótica"(46). .
Estes se dividem entre dois grupos. O primeiro composto pelos Parece evidente o contraste entre a euforia inicial com a robónca
projetos mais sofisticados de robôs multifuncionais ou universais, que nacional e o quadro atual, consolidad? após a ~uc::ssão de frustrações
são projetos com licenciamento de tecnologia no exterior (Villares - de expectativas, as dificuldades técrucas, as limitações de preço e o
Hitachi; Mentat - Siemens; DF Vasconcelos/Prologo - ASEA; MCS/ quadro global de crise económica.
Taunus - Reis). Esses projetos são os adequados para a demanda da
indústria automobilística e mecânica. 4-CAD
O segundo grupo, o dos robôs mais simples, são projetos que os primeiros foram importados no início ~a década de 80.
optaram por um desenvolvimento de tecnologia própria (BCM/ Em 1984 estavam instalados no país 40 sistemas. Em 1985 os
Engemaq, Mixertech, Petersen, Engesa, Zivi, etc.). Tauile ressaltará sistemas de médio e grande porte atingiram um total de 70 e os de
que" ... alguns projetos apresentados por empresas do segundo grupo pequeno porte chegaram a um número entre 50 e 70(47).
são referidos a equipamentos que têm características de manipula- Jáem 1986foramproduzidos40CADsdegrandeporte, 18 CADs
dores de sequência fixa, não programáveis, e que portanto não terminais gráficos e J92 CADs baseados em microcomputadores(48).
poderiam ser classificados rigorosamente como robôs(41). Em 1987 os sistemas CAD/CAM baseados em micro_s venderam
No início de 1988, apenas 3 das 16 empresas aprovadas para a 540 unidades (US$ 20,8 milhões) e os de maiorport: totallzaram US$
produção de robôs haviam efetivamente realizado a entrega de mais de 8,2 milhões (não há a informação do número ~endido). .
uma unidade: a DF Vasconcelos, a Villares e a Ipso(42). Em 1988 os sistemas de menor porte totalizaram 619 urud~des e
A perspectiva de crescimento da robótica nacional, segundo os US$ 20,8 milhões. Já os de grande porte renderam US$ 9,? m;ll_i~es
empresários do setor, depende da expansão de seus principais merca- e significaram a venda de 81 sistemas (embora a expectanva 1rucral
dos: indústria automobilística, indústria mecânica e indústria ele- fosse de 151 unidades colocadas)(49).
trônica. A crise afeta bastante o setor: vimos que em 1987 foram Ainda em t 988 a SEI alterou as regras de impo~ação d~s. CAD
vendidos 28 robôs, mas as projeções indicavam a colocação no de grande porte, com preço FOB acima de US$ 35 mil, perm:nndo a
mercado de 87 unidades. Neste ano, a Villares tinha planejado vender sua liberação sem estar condicionada à apr:sentaç~o ?e pro.ietos de
12 robôs mas até outubro não havia passado de 3 unidades(43). Essa nacionalização. O resultado dessa decisão foi duplo: mume_ras e_mpre-
frustração de expectativas fêz com que a Villares deixasse de apostar sas nacionais fecharam contratos com fabricantes internac1ona1s para
alto em seu projeto de robótica, adiando o seu projeto de robôs de distribuição e comercialização dos sistemas de grande porte (Scopus
grande porte(44). com a Sun, Villares com a IBM, Edisa com a Hewlett Packard ~te.) e
A queda na venda de robôs em 1988 é atribuída ao alto preço dos 0
volume de importações se elevou expressivamente (271 urudades
robôs quando comparados ao custo da mão de obra no Brasil. Para um em t 988 e 534 até novembro de 1989)(50). Essa mudança de regra
técnico da área de automação industrial da General Motors, justifi- deve ser responsável pela quebra nas expectativas de vendas das
cando a não utilização de um único robô na linha de montagem do estações de maior porte no ano passado. .
Monza, "no caso do Brasil, em que o equipamento substitui apenas um A distribuição dos usuários do CAD se dá de uma maneira
homem, a mão de obra ainda é barata e o limite máximo de retorno de semelhante à dos países desenvolvidos: como podemos ~:r na tabela
um investimento é de cinco anos, o produto ainda é inviável". Alguns abaixo os CADs se concentram nas indústrias d~ mate1'.~s de trans-
especialistas consideravam que os usuários em potencial da robótica porte, eletrónica e de máquinas e equipamentos mdustna1s.
ainda estavam em fase de "sondagem". Um usuário de robô citou as
dificuldades que o próprio fabricante teve na instalação do produto,
como um exemplo da falta de domínio sobre a tecnologia(45). Um
superintendente da DF Vasconcelos considerava que a maturação do
186 187
TA BELA XXIII 'Tauile aponta que " ... a utilização de software desenvolvido no
exterior permite reduzir os recursos humanos e materiais e o tempo
Empresas com sistemas de CAD próprios de médio e necessário para colocar os novos produtos no mcrcado"(52).
grande porte por setor de origem (1985) A recente mudança de regras da SEI determina uma segmentação
do mercado entre os CAD de pequeno e médio porte, atendidos por
SETOR N2 DE EMPRESAS % produtos nacionais, e os de grande porte, aberto à importação. Essa
mudança foi justificada pelo Chefe do Departamento de Automação
Máquinas e equipamentos ind. 7 15 Industrial da SEI: "a necessidade de novas regras deve-se ao próprio
Material de Transporte 13 28 avanço tecnológico da área, que propiciou o aumento do desempenho
Eletrônica 10 21 dos grandes equipamentos acompanhado de uma forte redução de
Têxtil 1 2 preços devido à forte competição intcmacional"(53). Na verdade é
Serviços de Engenharia 2 4 uma mudança importante na política de resciva de mercado do setor.
Birô de Informática 2 4 Não há por que não adicionar às explicações dessa mudança a
Instituições de Ens.e Pesquisa 10 21 incapacidade das empresas nacionais cm produzir as estações de
(Públicas e Privadas) trabalho mais avançadas, mesmo com o licenciamento de tecnologia.
Outros 2 4
5-Controle de processos
TOTAL 47 100 São os sistemas necessários ao controle dos processos industriais
nas indústrias de fluxo contínuo (petroquímica, siderúrgica, nuclear,
Fonte: Dados & ldéias, 06/87. papel e celulose, cimentos, não ferrosos etc,), atingindo outros setores
como geração de energia elétrica e telecomunicações
Até 1983 seis empresas estrangeiras comercializavam sistemas Num estudo preparado pela SEI no ano de 1980, concluía-se que
também importados, com a Intergraph e a Computeivision na lide- 70% do mercado de sistemas de controle de processos no Brasil era
rança (sendo responsáveis por mais de 60% das unidades utilizadas). composto por empresas estatais, com destaque para Elctrobrás, Pctro-
Em novembro de 1984, a SEI lançou uma convocatória para que brás, Sidcrbrás, Nuclcbrás e Tclcbrás(54),
a indústria, nacional apresentasse projetos, o que foi feito por 18 Há nesse setor uma dinâmica dupla: 1) nas antigas unidades de
empresas. As empresas estrangeiras só houve a opção de licenciar a produção os controle de processos convencionais são substituídos
sua tecnologia para as empresas nacionais, o que foi feito por pelos digitais; 2) as novas unidades já são construídas com os sistemas
Intergraph, Calma, CDC, Hewlett-Packard; já a Computeivision e a digitais,
Gerber se recusaram a fazer esses licenciamentos(51). Para o departamento de automaçào industrial da SEI, o mercado
Mais uma vez, a divisão dos vários setores da indústria de CAD de controle de processos abrange cerca de 60% do mercado nacional
indica a relação entre produtos mais sofisticados e tecnologia licen- de automação industriaL
ciada e entre produtos mais simples e tecnologia própria. Dado o peso do setor estatal neste mercado, é bastante pcrceptfvel
No setor dos sistemas de grande e médio porte (onde atuam o impacto da perda de capacidade e investimento do Estado sobre o
empresas como Villares, A. Donato, Sisgraph, Compugraf, Multicad ritmo de crescimento do setor.
e Edisa) todas licenciaram tecnologia estrangeira. O Sistema Digital de Controle Distribuído (SDCD) é o principal
No setor dos CAD de pequeno porte, a SEI exigiu que só o equipamento de controle de processo, É um produto de relativa
software pudesse ser desenvolvido no exterior, sendo o hardware sofisticação, Em 1983 a SEI autorizou a 5 empresas a licenciar
obrigatoriamente nacional. No entanto nem todas as empresas que tecnologia para produzi-los: DFV-Prologo (tecnologia Asca-succa),
atuam nesta faixa optaram por desenvolver um software próprio. Elebra (Leets), Ecil (Yokogawa), Unicontrol (Fisher) e Villarcs
188 189
responder de uma fonna razoável a um futuro novo ciclo de inves-
(Hitachi e, em 1987, Honeywell-empresa que é líder mundial na timentos, que ocorrendo em um novo patamar tecnológico requererá
fabricação dos SDCD). Posterionnente, entrou no mercado a COMSIP uma introdução mais ampla dos bens da infonnática no parque
(empresa que tem como acionistas a Norquisa, a COPENE). produtivo?
Em 1985 foram vendidos 9 SDCDs e, em 1987, 64. A resposta é negativa. Esse balanço negativo pesa para difusão
Em 1988 o mercado de SDCDs era estimado em US$ 77 milhões das inovações tecnológicas no parque do país: a pequenez, o atraso e
pela InterBusiness Consultoria (mais da metade do conjunto dos a dependência tecnológica detenninaram, e muito, o porque da baixa
proces~os co:i,únuos e cerca de 32,4% do mercado de automação difusão das inovações no Brasil. Não háem nossa abordagem qualquer
mdustnal estimado pela mesma pesquisa). ilusão na possibilidade de um país ter, por si só, a capacidade de se
Nas estimativas da ABCPAI, em 1989 os SDCDs tiveram um abastecer dos bens de infonnática, quanto mais um país dependente
bom desempenho, alavancado pelas encomendas do setor papel e como o Brasil. Mas, não há a menor dúvida que a inexistência de uma
celulose(56). Até 1991 a Villares deve inaugurar uma nova unidade indústria séria de infonnática impacta negativamente o desenvolvimento
industrial para produzi-los (encaminhou ao CONIN pedido de incen- indusllial no presente estágio do desenvolvimento capitalista. São
tivos fiscais). indispensáveis um domínio mínimo; uma capacidade tecnológica
básica capaz, de pelo menos, viabilizar operações de transferências
V- Algumas observações sobre o estágio atual da indústria efetiva de tecnologia; um conhecimento e uma capacidade de desen-
nacional de informática e seu impacto sobre a difusão dos volver internamente o conjunto do ciclo da tecnologia microele-
EAMEs no parque industrial brasileiro trônica; uma comunidade de pesquisadores, técnicos e mão de obra
com fonnação suficiente para tocar projetos, participar de intercâmbios
Avaliada a indústria de infonnática em geral e os seus subsetores internacionais; e a existência de um parque industrial que diminua um
"microeletrônica" e "produção de equipamentos para a automação pouco a caráter defonnado do ciclo económico do país, facilitando o
industrial", constata-se que: 1) é um setor pequeno; 2) a concentração acesso, a utilização e a difusão das novas tecnologias.
da capacidade produtiva desta indústria é em bens de menor sofisti- No fundamental, esses elementos praticamente inexistem na
cação te~nológica; 3) existe uma segmentação nesta indústria, onde a realidade brasileira.
tecnologia nac)onal está presente apenas em bens mais simples, Não podemos subestimar essa avaliação. O padrão de desen-
~ca;id~ os mfils complexos para a tecnologia importada; 4) esta volvimento imposto pela ascenção da microeletrônica à posição de
mdustna tem um sustentáculo frágil, dada a incapacidade nacional na uma indústria estratégica apresenta uma série de novidades. Não
P:OO~ção. da "matéria prima básica" de todo o setor, que são os podemos raciocinar como se este nosso atual atraso fosse igual ao
cucmtos Integrados. Portanto, o que há é um quadro de carência de atraso dos anos 30: no capítulo II foi visto como as novas tecnologias
atraso e dependência tecnológica. vão tendo uma maior "apropriabilidade" por quem a desenvolveu,
Na área da microeletrônica e da infonnática, a estratégica década como é cada vez mais difícil atingir o domínio dessas tecnologias. O
d~ !980 também foi perdida. Empresários do setor dizem que não, esforço que o país deve fazer hoje para superar seu atraso (atraso que
utilizando-se das taxas de crescimento do setor e comparando-as com ampliou-se na última década) é muito maior do que o feito em outros
as da economia nacional. Embora aquelas tenham sido significativa- ciclos do desenvolvimento económico, quando o padrão tecnológico
mente sup_eriores, não podemos nos apegar apenas aos números, era menos sofisticado.
temos de situá-la dentro de algumas perguntas: Houve investimentos A gravidade da situação presente pode ser sintetizada em um
na área a ponto de capacitar o país a acompanhar a evolução tecnológica dado: o Brasil sequer tem o direito de compraro bem de alta tecnologia
em curso no mundo ? O "fosso tecnológico" diminuiu na última que julgue necessário, há restrições sérias que obstruem esse acesso.
década? O parque industrial construído até o final da década de 70 foi Segundo o secretário geral do Itamaraty, Paulo Tarso Lima" ... hoje
modernizado ? Ou, uma pergunta menos ambiciosa mas não menos nem o governo brasileiro, nem seus institutos de pesquisa, nem a
importante: houve um desenvolvimento do setor que o habilitasse a 191
190
forriori, empresas aqui instaladas podem adquirir um supercomputa- investimentos industriais em automação etc. Ressalte-se um reflexo
dor dos EUA ou no Japão _(os únicos disponíveis), sem se sujeitarem da queda da capacidade de investimento estatal: na área de telecomu-
ao cnvo dos países do fabncante, detentores do poder discriminatório nicações investia-se 1 % do PIB em 1977 e em 1987 aplicou-se apenas
de sustar a ve~da. Nos casos raros em que a operação é autorizada, o 0,5 %. As telecomunicações estão com o sistema congestionado,
gov~mo brasileuo vê-se obrigado a assumir compromissos, por ameaçando entrar em colapso até o final de 1991. Essa crise no setor
escnto, quanto ao uso que será feito do equipamento. E assim como das telecomunicações afetará significativamente a infonnática, uma
o supercomputador, muitos outros bens de alto conteúdo tecnológico vez que a comunicação de dados e a telemática são tendências fortes
têm sua venda ao Brasil ( e a vários países) estritamente controlada" no desenvolvimento do setor. Paulo Roberto Feldman, em um tom
(57). A justificativa para esse controle são os interesses da "segurança alannista, alerta que" o sistema de telecomunicações vai acabar com
mundial"...
a infonnática" (59). Mais do que um alerta, essa discussão acrescenta
. A. Petrobrás adquiriu um IBM 3090 com a condição de ser argumentos sobre a necessidade de um caráter integrado para desen-
penodicamente submetida a uma auditoria sobre o seu uso. Recente- volver a microeletrônica no sentido amplo. E, não esqueçamos, as
mente, o INPE adquiriu um supercomputador da NEC dando a telecomunicações para se desenvolver dependem da microeletrônica
garantia que o utilizaria apenas para suas projeções meter~ológicas. cada vez mais.
Além_ desses obstáculos ao acesso aos bens de alta tecnologia, há Destacamos muito a indústria microeletrônica neste capítulo.
grandes difi_culdad~s nos processos de transferência de tecnologia. Intencionalmente apresentamos muitos dados para comparannos com
Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Administração da USP a situação mundial e insistimos, repetidamente, nas consequências da
mostrou que "as empresas norte-americanas de infonnática do setor de ausência desta indústria. As repercussões sobre o conjunto da indústria
in_fonnática estão dispostas a transferir know-how a parceiros brasi- de infonnática são diretas.
!euos _desde que não se trate de tecnologia estratégica, o retomo do Para comprovar isso basta tomar o exemplo da indústria nacional
mvesumento compense e essa operação não envolva riscos de no de microcomputadores (talvez a maior"estrela" da política de reserva
futuro a companhia brasileira tomar-se forte competidora com base na de mercado, que é extensiva à produção dos mini e supennini): a tão
tecnologia absorvida, como aconteceu com o Japão" (58). falada produção nacional depende da importação de circuitos integra-
Essas duas restrições ao desenvolvimento tecnológico brasileiro dos', como vimos. E esses serão responsáveis por nada menos do que
lanç~ questões que terão de ser respondidas na fonnulação de uma 44,6 % do custo total dos microcomputadores. Na área da automação
polftica de mod~mização tecnológica do nosso parque industrial: J) bancária, tomando-se o exemplo dos tenninais de caixa, esta partici-
como nos relacionar com os países que dominam a tecnologia de pação cai para 41,2 %. (60)
f~nna que ~ssai:no~ abso_rvê-la efetivamente; 2) qual o perfil e a Se a essa dependência de importações no setor onde a produção
dim~nsão d~ mdµstna nacional de infonnática que deve ser desen- é nacional adicionamos a completa incapacidade de produção dos
vol~1da aqm para mmorar essas imposições e pressionar os países computadores de grande porte (onde sequer há uma "tecnologia
~ap1tahstas avançados no sentido de flexibilizarem suas políticas de nacional" de montagem desses computadores) não podemos dci)\arde
impedimento à uma efetiva cooperação tecnológica à escala inter- questionar possíveis reduções na dependência tecnológica. E ne-
nacional?
cessário concordar com uma observação de Peter Evans: " ... obser-
Essas p~rgu~tas deverão ser respondidas no capítulo VII, quando vando-se a combinação da dependência de computadores estrangeiros
estaremos discut1n~o alguns elementos de uma resposta operária ao de grande porte de seu respectivo software de sistema operacional, da
desa:io da automaçao. Agora, devemos passar a discutiroutros pontos dependência da tecnologia importada de silício em todos segmentos
da situação atual da infonnática nacional, buscando debater com do mercado e da aparente necessidade de importar tecnologia dos
aqueles que superestimam as "conquistas" brasileiras no setor. supenninis, o grau em que se 'reduziu' a dependência é, no mínimo,
O quadro atual da crise brasileira afeta a infonnática de várias discuúvel" (61)
fonnas: inexistência de investimento significativos na área, poucos Se passannos para áreas como a da produção de robôs, a Vilares
192
193
como vimos usa um licenciamento simples da técnica " ... o que Essa relação é que coloca a necessidade de discutir (pelo menos
equivale a comprar as máquinas mas sem os seus segredos... Do Japão em linhas gerais) o Plano Nacional de Informática, na medida em que
vieram modelos com a marca Hitachi que aqui são copiados, o que ele é considerado por muitos como o principal motor para a con~tru5ão
para a ciência nacional tem tanto valor como comprar a máquina lá dessa indústria nacional de informática (e para outros é o pnncipal
fora" (62) entrave da modernização tecnológica do país).
E a "ciência nacional" tem contribuições deste quilate na área de O mecanismo de reserva de mercado (o ponto principal e mais
CAD/CAM, SOCO, Comandos Numéricos etc. polêmico do PNI) protege, na verdade, algumas empresas nacionai~ da
O atraso e a dependência presentes na indústria brasileira de concorrência estrangeira. Evidentemente como toda empresa capita-
informática repercutirão para a economia como um todo, pois trata-se lista que se preze, as empresas aqui instaladas e devidamente prote-
do setor sobre o qual se apoia a modernização industrial. Cria-se um gidas pela reserva não deixarão de concorrer entre si. Essa con-
"gargalo" para o processo de desenvolvimento industrial e um corrência se soma a uma característica nacional da acumulação de
"multiplicador do atraso". Uma das confirmações disto foi vista capital que é limitação estrutural da capacidad~ de fi:ianci~ento
quando constatou-se o efeito do alto custo dos equipamentos nacio- privado de empreendimentos vultuosos. E édeste llpo de mvesttmento
nais sobre a difusão das inovações tecnológicas, obstaculizando-as. que a indústria microeletrônica necessita. Segundo Edson Oytz, o
As declarações e os dados empíricos nesta linha são numerosos. investimento para se montar uma fábrica de chips é da ordem de US$
Um gerente geral de uma indústria do ramo microeletrônico calcula 1 bilhão .Conclui daí que na área damicroeletrônica, os investimentos
que "seja qual for a dimensão da automação das linhas fabris, nenhum são muito pesados e que o mercado nacional não suporta (65). .
empresário gastará menos do que US$ 200 mil, mas conforme a Mesmo a fábrica de componentes que a Itausa pretende constnur
complexidade do projeto os investimentos poderão atingir a ordem de não foge a esta caracterização. O BNDES arcará com quase 50 % do
US$ 10 milhões" (63). Esse custo desestimulou muitos investimentos funcionamento: a empresa solicitou ainda a utilização de incentivos
em m?<1ernização no setor de a~topeças. Um industrial por exemplo, fiscais. Tudo isso para construir uma fábrica de uma tecnologia
plane3ou gastaruma certa quantta em um plano de automação mas ao bastante atrasada e que não dá nenhuma segurança na continuidade do
fazer uma consulta sobre quanto teria de investir e constatando que avanço da microeletrônica brasileira para etapas mais sofisticadas,
seria o triplo do previsto, desistiu da idéia. O consultor acusou a como lembrava o professor Antonio Zuffo, da USP.
obsolescência como o principal responsável pelo alto custo: segundo Ao lado dessa limitação, a concorrência vem ao lado da irracio-
ele um supermini brasileiro custa US$ 400 mil e um estrangeiro (mais nalidade e da anarquia na produção... Exemplos: entre as empresas
avançado tecnologicamente) apenas US$ 100 mil. Entre outras.razões nacionais de informática existem 31 fabricantes de interface, 51
porque "... a tecnologia nacional de base de informática não supre fornecedores de micros de 8 bits, 25 de modem assíncrono, mas existe
completamente as necessidades do setor'' e como exemplo cita o custo uma grande carência nas áreas de produção de capacitores e circuitos
de um componente que nos Estados Unidos é de US$ 1 e chega ao integrados. Outro dado bastante revelador: de " ... cada 100 enge-
Brasil por US$ 3 ou 4. (64) nheiros que atuam na área de informática, 70 estão concorrendo entre
O risco para explicação desta situação é cairnum círculo vicioso: si, desenvolvendo o mesmo trabalho em empresas diferentes" (66)
os produtos são caros porque não há demanda suficiente para ampliar Há assim na política nacional de informática umacombinaçãosui
a escala da produção, como não são acessíveis esses produtos eles não generis entre a escassez e o desperdício: os poucos recursos são
permitem o estabelecimento da escala de produção... O mercado aplicados irracionalmente, disputando áreas já "ocupadas" e se ausen-
seguramente não romperá esse círculo, como veremos. tando em áreas desocupadas ... Ao seguir o "mercado" (reservado) e
De qualquer forma, não pode haver margem de dúvida sobre o não um plano que aponte para prioridades e viabilize a concentração
papel facilitador que uma indústria de informática forte e avançada de recursos à escala necessária nem o atraso e nem a dependência são
teria sobre a modernização do parque industrial brasileiro (talvez fosse superados. É curioso que o mesmo Congresso Constituinte que aprova
mais do que isso, um fator estimulador). " o princípio da reserva de mercado derrote uma emend.a apresentada
194 195
pelo PT que propunha "a utilização intensiva do planejamento em acrescentar o lado das grandes corporações ~ulti~acionais. yimos
escala pública e privada" para a expansão, entre outras, "dos aparatos que elas podem simplesmente se negar a licenciar _detennmad~
eletrónicos, da infonnatização... " (67) tecnologias como fonna de pressionar o país por situações mais
A polêmica em tomo da política de infonnática aponta para a favoráveis. Há outras fonnas de ação, ainda.. .
existência de 3 posições distintas: 1- as que apostam na reserva de Se na batalha entre os "gigantes" o capital vai sempre achando
mercado para a ação do empresariado nacional; 2- as que apostam no maneiras de se movimentar (as medidas protecionistas '.°1:°adas pel~s
mercado sem reserva, confiando basicamente na ação do capital Estados unidos são respondidas pela implantação de filiais estran~ei-
imperialista e 3- as que não apostam no mercado (com ou sem reserva) ras no solo americano), certamente em um país como o Brasil a
buscando definir uma política que rompa com a ausência da planifi- realidade dos seus objetivos deve ser mais fácil.
cação económica e com dependência, através da estatização do setor o licenciamento de uma tecnologia não é "grátis"; mas !~bém
da infonnática e do desenvolvimento tecnológico baseado numa significa a entrada de uma mercadoria em um merca?o prmbido: A
transferência efetiva (não imperialista) da tecnologia de ponta (o que realização de joint-ventures e de_ o~tras fo:1°a~ de_ associação de capital
deve estar articulado com uma política industrial económica global, (mesmo com o capital impenalista mmontá?o)_ é uma fonna de
que discutiremos mais adiante, no capítulo VII). influenciar, de uma maneira mais ou menos mdireta, os rumos ~e
Nosso ponto de partida é o de que com ou sem reserva, o mercado empresas nacionais (especialmente porque o controle da tecnologia
não é capaz de conseguir superar o atraso da indústria brasileira no está com a grande corporação). Neste sentido a estratégia da IBM do
setor. A ação livre das forças de mercado imporá a plena realização da Brasil é bastante interessante. Ela pretente, desde 1987, fechar de_ 4 a
~visão internacional do trabalho tal qual ditada pelos centros im peria- 8 associações com empresas nacionais e, através delas prod~ztr o
listas. E nela um setor chave como a eletrónica em geral (com destaque máximo de produtos compatíveis com a sua marca: é um~ maneira de
par~ as_ indústri~s de infonnação, óbvio) não pode fugir a regra: a assegurar de uma maneira um pouco indireta o predomínio da corpo-
mdustrta eletrômca é considerada a indústria mais internacionalizada ração no mercado, na medida em que a sombra de sua marca estará
(a razão trocas sobre produção é a mais elevada de todos os setores "rondando" o país, ficando assim a IBM com " ... a cert~za que as
industriais: mais de 40 % em média) e ela é também a indústria mais empresas brasileiras como a Petrobrás e a Vale do Rio Doce e
multinacionalizada. Ao mesmo tempo, a complexidade da indústria é multinacionais como a Volkswagen se manterão finnes na com~r~ de
tal que nenhuma empresa pode funcionar sem se abastecer no exterior seus produtos caso operem aqui com equipamentos compatíveis .
(nem a IBM ou as finnas japonesas escapam dessa regra de se Nesta polêmica entre as duas variantes de sol~ção de mercado
abastecer fora de seu grupo). "Essas características da indústria parece haver uma divergência fundamentalmente t~ttc~: o probl~m~ é
explicam um grande número de casos onde se assiste a uma verdadeira qual a melhor maneira, qual é o método que o capitalismo brasileiro
decomposição internacional dos processos produtivos: nas diferentes usa para ocuparuma posição mais avançada nas mudanças deco~e~tes
etapas da produção dos diversos produtos eletrónicos pode-se dizer da crise e dos avanços tecnológicos. No final das contas, essa divisão
que muitas vezes os NICs realizam a montagem dos produtos que são internacional do trabalho não é questionada. Todo o progle~a se reduz
bastante intensivos em mão de obra, enquanto aos países desen- a como se inserir de uma maneira mais vantajosa nela. E e_vidente que
volvidos se reservam as etapas mais elaboradas tecnologicamente" para romper com ela é necessário um projeto i:olftico e social· que traz
(68). embutido uma polftica industrial e tecnológic~ · que pa_rta do ques-
Mesmo com a reserva de mercado, essa imposição dificilmente é tionamento radical da presente ordem económica mundial. .
quebrada. Já vimos alguns elementos que demonstram a limitação Há indícios de recuos de vários ferrenhos defensores da polfnca
dessa política: estreiteza da capacidade de financiamento do capital de reserva de mercado. Talvez, após terem tentado oc~par t~os os
nacional, efeitos da concorrência entre as empresas nacionais pelo espaços possíveis ao alcance da capacidade doempre_sanado na~10~al,
mercado, a ausência de planejamento que articule uma polftica passam a uma posição mais "realista" do ponto de vista do cap1tal1sta
industrial com a de desenvolvimento tecnológico etc. É necessário brasileiro. Um exemplo disso é o presidente da ABICOMP, Edson
196 197
Fregni (presidente da Scopus) que diz " ... o que o país não tem
condições de produzir, pode-se importar, licenciar multinacionais
para fazer aqui ou se encontrarum meio-tenno com trabalhos conjun- 1. o complexo têxtil/vesturu:io/c~ç~do_s
tos entre o empresariado nacional e o estrangeiro" (69). Neste complexo a difusão é amda msignificante.
A tônica do governo Collorneste campo será o de favoreceruma No setor têxtil, é mais moderno o setor voltado para a exportaç~o
maior"abertura" ao capital estrangeiro, com um enfraquecimento dos (que responde por 30 % da produção do setor)_. Embora seJa o mais
mecanismos da reserva. No próximo capítulo veremos a limitação de moderno, a utilização das EAME não é cons1dei:ada fundam~ntal,
uma alternativa de cunho neoliberal para gestar uma política de dado inclusive a pequena difusão deles no própno merca?o mter-
evolução tecnológica na era da microeletrônica. nacional O que favorece a introdução da ME é a necess1d~de _de
Identificadas as limitações das duas posições baseadas no mer- melhor qualidade para concorrer no exterior (também CO?t?bm a
cado, é necessário ressaltar a importância da terceira posição nesse busca de mais controle da produção e a elevação da produtiv1da:.
debate, posição muitas vezes pouco presente nas discussões. Contra a introdução dos EAME estão o seu custo elevad~, as_ -
Dada a inseparabilidade da polftica para os setores tecnologi- culdades de importação (na medida em que pou~a~ 1;lAMEs texte1s são
camente de ponta que esta da política industrial gera, a discussão desta fabricados no Brasil), os baixos salários e a poss1bilid~de de concorrer
terceira posição será feita mais adiante, articulada com uma crítica no mercado interno com equipamentos menos sofis_ucados. .
mais geral do modelo de desenvolvimento e industrialização capital- No setor de confecção e vestiário, segundo Tauile, não se previa
ista do país. a curto prazo uma difusão rápida das EAME. Argumenta que co~o
nos países desenvolvidos, a utilização delas se concentrará no dom!:{1º
VI- A presença e a distribuição de equipamentos de automação da gestão da produção e da otimização do corte. Os CADs requen os
com base na microeletrônica pelo parque produtivo brasileiro são simples e podem ser produzidos localmente. O que favorece.ª sua
difusão é a simplificação das tarefas de preparação, econonna de
Os estudos e os levantamentos para identificar de uma fonna mais matéria prima, economia no trabalho qualificado para preparação,
precisa a presença destes equipamentos pelos vários setores indus- maior flexibilidade para lançamento de novos modelos. .
triais do país tem proliferado. Citaremos os que vamos trabalharnesta Em um outro trabalho, Geraldo Assouline tr~tar:1 em c~nJunto a
parte: 1) uma pesquisa da OIT, coordenada por Tauile (IEI-UFRJ), indústria têxtil e vestuário, apontando as consequencias s?fndas pelo
publicada em meados de 1987; 2) uma pesquisa do DIEESE para a setor em consequência de sua.abertura ao mercado mundial. De 1968
caracterização da automação em 14 setores industriais (foi realizada a 1981 a intensidade do trabalho terá aumentado, pass~do de 4 para
uma entrevista com o economista Mário Salerno, um dos coordena- 30 o número de teares supervisionados por um operário (no mesm?
dores deste levantamento); 3) um trabalho do BNDES; 4) um estudo período sofrendo os efeitos combinados da recessão e da mode~:-
da "Interbusiness Consultoria Empresarial" (amplamente citado no zação o número de operários empregados pelo se torno Estado de o
trabalho do BNDES); 5) várias revistas, com dados tópicos. Paulo' passa de 120.000 a 65.000). Ele identificará em algumas
No entanto, o quadro levantado está !onde de ser completo e em resas gastos importantes com a infonnatização: a SP '?1~argat'.15
acabado, ou menos insento de contradições: há uma diversidade de im gortou um CAD em 1984 e o setor de fios e fibras da Rhodia mvestiu
fontes de infonnação, critérios, definições etc. em J982 e 84 um total de US$ 7,3 milhões (70). .
O quadro geral pode ser sintetizado da seguinte fonna, tomando Em meados de 1987, uma empresa (SulfabriJ) estava tennmando
por base o estudo realizado para a OIT (que se centra nos complexos de instalar o seu CAD e outras duas faziam planos para avançar na
têxteis/calçados, metal/mecânico e eletro/eletrônico), sendo comple- automação industrial (Ferreira Guimarães e Teka).
mentado pelos outros levantamentos e concluído por um estudo de Já no setor de calçados, também intensiva em m~o de obra, não
perspectivas setor a setor. há difusão nem de CAD. O que pode ~s.timular a ~ua difusão é a ~usca
de precisão, a possibilidade de flexibi!ldade da hnha de pro~ução ~ a
198 redução dos custos de corte; o que desencoraja é a natureza megu ar
199
do couro que exige o corte manual.
Em 1987 .á ·d ·fi de teste final de veículos, sistemas de controle (em tempo real) dos
setor. Segund~ :~v~~ ;:;isalf~:,!ntere~~e para~ automação no fluxos de produção e estoques intennediários etc. Tauile argumenta
95% de s od
t e,as, a ... Metnxer que dirige
plena ca~=J~ad~ç!o reara o s; couro-calçado está trabilllando em
contrai d m pe os até outubro", estava utilizando
que a indústria (incluindo os fornecedores de autopeças) consegue
"níveis de produção bem próximos do nível internacional da mesma
indústria". Embora a difusão não tenha um nível internacional, já
medido~:~!t~:;ram:ve1s para. máquinas de pintura em couro e atingiu um nível que é significativo. Foram as indústrias pioneiras na
cas e superfície em couro (71).
utilização de robôs e as MFCNs são cada vez mais usadas (espe-
2- O complexo metal-mecânico cialmente na indústria de autopeças para caminhões).
No setor de produçã d á . O aprendizado atual indica que as futuras linhas usarão cada vez
produtor das MFCN é o e m gumas-ferramenta, que além de mais EAMEs e de uma maneira mais eficaz e seletiva. Essa, por sinal,
empresa que em 1985s um dos .pnncipais. usuános,
· encontra-se a tem sido a tática das montadoras, que têm evitado de automatizar
unidades). era a ma10r usuána das MFCNs (com 80 linhas de produtos antigos. A introdução de um novo modelo da
fábrica da Ford (Bairro do Ipiranga, São Paulo-SP), o caminhão
cas) ;:!pe~s ~asémáquinas_-ferramenta tradicionais (eletro-mecâni-
ncia reconhecida mundialmente As . . Cargo, motivou a construção de uma nova linha que criou 300 novos
rasque atuam n~ setor (19 de um total de 102) se :~p::i~~ge,- empregos. Se a linha fosse mais convencional, menos automatizada,
~~r:?;~ dt9~iupoip:~~~tods mais complexos e sofisti~ados e re:o~~
0
teria criado 1.000 novos empregos, segundo a Comissão de Fábrica
(73).
As .empresas consideram ª produção de MFCNs no Brasil
q d - . · Favorece a difusão no setor a qualidade maior, melhor controle da
MFCNs dada I . ue a pro u.çao exige o emprego das produção e maior flexibilidade sobre as linhas. Contra a difusão, opera
a comp ex1dade do prod t fi d
operações difi il . u o, a nnan o que certas o custo dos robôs e o fato das linhas existentes terem um bom nível de
uma MF con1c m_entelpodenam ser executadas repetitivamente por
venc10na . No setor é ainda im rt produtividade
anterior como usuário de uma MF po ante a experiência Já o setor aeronáutico não deve nada às indústrias do mesmo
o uso para aprendizagem é . d. CN para que possa vir a fabricá-la: mercado. Usa MFCN desde a metade da década de 1970 e CAD desde
m 1spensável.
O que favorece a difusão no setor é a aran . . . o início de 80. A necessidade de precisão e qualidade desta indústria
qualidade das peças complexas a flc "bTi d dtia de precisão, a (ela é também exportadora) exige a utilização das novas tecnologias.
(que são rapidamente reconversí~eis). n~i: ade os e9mp:rnent:_is Por seruma indústria do Estado tem facilidades para a importação de
~::::i ~e;.~~~: ;r~~;:i:r~: ~~~~~ra (r:ti~!!s~:~t~ªi;)e;~~~ equipamentos, segundo Tauile, estando assim próximo das fronteiras
tecnológicas internacionais (74). Em 1987 a Embraer planejava
cion~i ~~:aª~~~~~~!:~c~ até 1980 eram usados métodos tradi-
comprar setenta estações gráficas, objetivando a colocação de todo o
projeto de aviões no CAD (o que exigirá pelo menos cem estações).
integração com o merc:di~ os _anos 80 houve o início de uma maior "O tempo gasto com o projeto de aviões é três vezes menor que o
as exporta ões de aut . undi al, au_mentando consideravelmente manual". Para o projeto do AMX foram gastos US$ 5 milhões na
introduçãoçdas EAM~mfvf1s. A relas;ªº entre e~sas exportações e a compra de CADs.
dos robôs de . t s c ara e explicita. Explicando a introdução
Segundo a revista Dados e Idéias para o setor de material de
produção da Vo1km ura e sfioldagem, o gerente de planificação de
swagen a 1nnava que" com . . transportes (automobilística, aeronáutica e naval), as estações de
evitar problemas d b · ·· esse sistema, visamos trabalho CAD/CAN "já se estabeleceram defmitivamente como ferra-
e aca amento na medida ,
exportados" (72). ' que os ve1culos serão mentas indispensáveis" (75).
Háas· · Éimportanteressaltarqueénestecomplexo(naáreademecânica)
.t ds1m uma mtrodução de novas tecnologias· robós MFCN
SIS emas e máquinas de tran rt fl · · · ' s, que os primeiros projetos no sentido de implementação do CIM
spo e ex 1veis, sistemas automatizados
200 aparece: a Massey Perkins destinou US$ 15 milhões para um plano,
201
de um segmento nacional da indústria que adotará como modelo a
que bus~ª:11. integrar os sistemas de CAD com a automação industrial tecnologia digital. Essa "nacionalização" tem sido feita por empresas
que se tn1C1a onde atualmente microcomputadores são usados no resultantes da associação de capital internacional com grupos fi-
controle de comando numérico. A Volkswagen (que já tem 24 robôs) nanceiros do país. Segundo Tauile " ... um grande número de equi-
está usando um sofistic<1do sistema de sincronia de produção, que pamentos de telecomunicações com sistemas digital e/ou com base
avançando na integração dos sistemas caminha também no sentido do ME foi desenvolvido e produzido pela indústria, com rúveis tecnológi-
CIM. cos não muito distintos do internacional" (77). Os problemas são a
. Já na siderurgia os investimentos na informatização são signifi- dependência, a defasagem em termos de custos e a qualidade.
cativos. Ess~ se~or~ considerado um dos mais informatizados do país, Em termos do grau de difusão das EAMEs (que não é alto) nesta
é-~ dos pnnc1pais mercados para os sistemas digitais de controle indústria, eles se concentram em projeto e teste.
~stnbuíd~, .c~mo vimos. A CSN foi a primeira empresa a usar
sistemas digitais de controle de processo computadorizado: em 1972 4- Papel e celulose, petroquímica
~pli:nt~u. "... seu primeiro sistema... para controlar a mistura do; Destaque deve ser dado ao setor papel e celulose e o petroqufmico
pnnc1pais 1nsumos (minério de ferro e carvão) em gusa". Hoje usa 11 No caso de papel e celulose os investimentos para modernização
computadores para transformar o ferro gusa em aço, 50 para a vieram combinados com uma elevação das exportações. A digitali-
produção a quente e 30 para a produção a frio. zação dos processos se dá particularmente no setor celulose (o
Também utilizam informática na produção (ou já estão implan- processo é de produção de um único produto). A difusão das SDCDs
tan~o o controle di~tal de processos) empresas como a USIMINAS, tem se ampliado e a tendência é a manutenção desta propagação (78).
Cos1pa, CST, Aces1ta, Belgo-Mineira, Eluma Mendes Junior Pains Como vimos, a demanda deste setor foi um dos grandes responsáveis
e Dedini. ' ' pela performance do setor de automação industrial em 1989.
A Petrobrás é o maior usuário. nacional de computadores (79).
3) O complexo eletro-eletrônico Utiliza-os desde a pesquisa de subsolo, passando pela construção das
Não usa EAME de maneira significativa por falta de escala. O plataformas de exploração marítima e chegando à informatização dos
levantamento_realizado pela Dados e Idéias vai indicar que no setor processos de refino e produção de combustíveis. A Petrobrás foi a
eletro-eletrômco os gastos com informática se concentram na re- primeira empresa brasileira a utilizar um supercomputador.
taguard~ (c~ntT?le de estoques, administração e finanças etc). No setor petróleo/petroquímica e derivados, 69,9% dos gastos
Na mdustria de computadores as em presas nacionais passaram com automação se destinaram aos SDCDs (80).
entre 79 e 85 d': 23% do mercado para 50%. Tauile considera que o
atr~o tecnológico é pequeno (menor no setor de micros, um pouco 5- Perspectivas
maior quando se trata dos minis e periféricos). No entanto, ele Esta discussão não pode ser isolada da dinâmica económica mais
ressaltará que quanto a projetos e produção, a distância da fronteira geral. Há uma certa tendência destas projeções das empresas de
tecnológica aumenta: os rúveis de automatização são muito baixos. consultoria de superestimar as possibilidades desta difusão, voltamos
Argumenta que são muitos modelos, nada é feito em escala daí a a dizer, consequência imediata da subestimação da crise atual (ou da
impossibilidade de automatizar (76). ' fase de baixa no ciclo económico atual). O certo é que sistematicamente
A partir de 1987, a indústria nacional de informática "por questão essas avaliações têm sido superdimensionadas.
de ~obrevivência" começa a dar passos para alterar a sua produção: Tomado esse cuidado, é interessante observar os resultados
eqmpamento~ de CAD, sistemas de teste de qualidade computadori- encontrados pelo "Estudo Setorial do Mercado Brasileiro de Auto-
zados e máqUIIlas ferramentas começaram a ser usadas. Isso aliado à mação Industrial", contido na próxima tabela. Os dados que ele traz
busca de racionalização da própria produção. são já uma prova desta superestimação de tendência aqui apontada: as
Na indústria de telecomunicações a situação é parecida com a de estimativas para 1988 e 1989 foram desmentidas pela realidade, o que
computadores. Desde 1974 que o governo estimula o desenvolvimento 203
202
foi constatado pela própria empresa autora da projeção.
r 1
,,1 internacional de difusão é mais lenta do que a de outros setores e
indicará um início de difusão no Brasil, onde uma empresa de ponta
TABELA XXIV J tinha realizado investimentos de US$ 6,5 milhões em processos
digitalizados) (81 ). Papel e celulose cai do quinto para? sétim? lugar,

j
Setor usuário 1988 1989 1990 1991 1992 química e produtos derivados se mantém no sexto e a siderurgia sobe
do sétimo ao quinto lugar.
Agroind. 29,02 36,24 53,50 83,09 105,46 Inúmeros setores (petróleo e petroquímica, siderurgia, geração de
Cimento, cer. eletricidade) são diretamente dependentes dos investimentos estatais,
e vidro 6,75 12,13 14,78 19,50 24,80 o que aponta as variações que são passíveis de oco?"er nesta projeção,
Eletroeletrônico 30,52 50,50 58,16 75,36 92,20 para além da própria dinâmica cíclica da econorma.
Geração/dist. A expectativa de pesquisadores do DIEESE é a de que os setores
energia .
11,96
'I
15,08 22,57 35,20 45,06 mais susceptíveis à introdução de novas tecnologias seriam: petróleo/
Metal-mecânico 114,58 153,15 195,79 263,02 445,53 petroquímica, papel e celulose, automobilística, mecânica e, com uma
Papel e cel. 28,19 28,68 40,79 53,30 65,97 sensibilidade menor, têxtil e calçados.
Petrol/petroq. 104,95 129,77 184,77 283,85 352,00
Plástico/bor. 15,27 16,53 19, 16 25,52 44,62
Química/deriv.
VII- A presença limitada da automação com base na
Siderurgia
21,69
18,27
36,94
20, 12
44,76
43,33
59,06
67,72
74,79
86,98
f microeletrônica e o atraso reconstatado
Têxtil e vest. 5,40 11,23 13,84 18,07 22,47
Transporte
Mineração
6,00
7,91
9,00
7,91
13,68
9,45
19,53
12,39
27,57
15,54
1 Da discussão feita se verifica tanto a presença dos EAMEs como
a limitação de sua difusão (que se relaciona com os limites da produção
Metalurgia 6, 12 nacional destes equipamentos).
10,92 15, 14 20, 13 25,83
Não ferrosos
Serv. públicos
7,40
7,58
7,64 13,74 19,72 24,64 f O Brasil durante a fase expansiva da quarta onda longa da história
do capitalismo conheceu um crescimento industrial elevado caracteri-
10,44 17, 14 27,05 35,39
Construção 5,28 10,74
zado pelo completo predomínio das tecnologias típicas da on~a '.onga
14,13 18,48 23,02
Editor./gráfica
Armazenagem
1,74
1, 18
3,52 4,25 5,57 6,95 1 anterior (as eletromecânicas, embora não chegassem a constitmr um
parque industrial completo típico deste período, vide a pequ~na
2,05 2,78 3,73 4,83 dimensão do setor de bens de capital). Mas durante a fase depressiva
Total 429,81 572,59 781,76 1110,29 1523,65
1 da onda, não conseguiu domínio das tecnologias que caracterizam a
presente fase do capitalismo. Seja do ponto de vista qualitativo, seja
-1
Fonte: Interbusiness Consultoria Empresarial - Estudo Setorial do ponto de vista quantitativo, o atraso tecnológico permanece e a
de Mercado Brasileiro de Automação Industrial condição de dependência persiste.

Nesta projeção, o setor metal-mecânico está na liderança em 1988


1 É verdade que, embora limitada, a presença dos EAMEs na
economia brasileira é irreversível. Isto aumenta o caráter desigual do
e a mantém até 1992. O segundo lugar também não se altera: é do setor sistema económico e coloca questões fundamentais para a discussão:
de petróleo e petroquímica. O terceiro sofre uma alteração: em 1988 a tendência de qualquer retomada mais global dos investimentos na
é do setor eletroeletrônico que trocará de posição com o quarto lugar, economia brasileira causará uma elevação do grau de difusão dos
o setor da agroindústria. Aqui há um dado pouco ressaltado que é a EAMEs, o que determina consequências importantes para o fun-
privilegiada posição da agroindústria (a pesquisa do DIEESE fará um cionamento da economia e da sociedade como um todo (trataremos
levantamento da indústria de alimentos, demonstrando que a média disso adiante).
204
205
_l
A constatação aqui feita dá uma certa dimensão da situação geral
da indústria brasileira no que toca à participação da microeletrônica Bebidas 76 1 68
como um indicador do nível tecnológico. Evidentemente que outros Fumo 9 61
elementos participam da determinação deste nível. Para completar Editorial e gráfica 35 2 42
essa avaliação, é interessante visualizar um quadro geral dos vários Diversas 72 3 38
segmentos industriais: a tabela abaixo situa o "fudice de atualização Indústria 61 13 53
tecnológica" desses segmentos, fudice apurado pela FGV a partir de Bens de consumo 52 12 52
informações prestadas pelas empresas -em outubro de 1978-quanto ao Bens de capital 50 15 53
ramo industrial de sua atividade e que é " •.. representativo do peso Material de const. 73 8 51
relativo dos produtos principais das empresas que consideram seu Outros consumos intermediários 68 14 54
ramo tecnologicamente atualizado, no faturamento de seu ramo
industrial". Como a pesquisa só pergunta por produtos já produzidos A = IAT índice de atualização tecnológica em %
B = Exportação/faturamento em %
no país, deixando de lado produtos mais sofisticados ausentes, inclu-
C = % de empresas
sive por incapacidade técnica das indústrias, é cabível considerar que Fonte: Sondagem Conjuntural - FGV/IBR.E/PEC/CEI.
o IAT deve ser menor do que o apurado pela FGV: a forma como a
pesquisa foi realizada disfarça um pouco o tamanho do atraso. Uma comparação final (que deve ser vista com cautela porqu~não
temos acesso a uma visão mais geral e dos métodos de cada pe~qmsa):
Tabela XXV entre o fudice de atualização tecnológica e os setores que mais usam
equipamentos de automação industrial, uma pesquisa da SOBRA-
Atualização tecnológica* CON, noticiada pela revista Dados & Idéias, enco~trou os setores
indicados a seguir na Tabela XXVI, à frente dos quais colocamos _os
Segmentos A B e IATs correspondentes (em nível mais desagregado, segundo a pesq1Usa
Produtos de minerais não-metálicos 73 2 55
publicada na Conjuntura Económica).
Metalúrgica 87 19 65
Mecânica 40 9 48 TABELA XXVI
Material elétrico e comunicações 66 3 60
Material de transp. 53 17 51 Setores que concentram a utilização de e_qui~amentos_d~
Madeira 47 21 28 automação industrial e seu índice de atuahzaçao tecnolog1ca
Mobiliário 44 o 47
Celulose, papel/papelão 79 28 65 SETOR IAT
Borracha 48 21 58
Couros e peles lnd. Aut (montadora) 46%
76 9 61 lnd. Aut (autopeças) 70%
Química 60 6 74
Farmacêutica e vet. lnd. Aeronáutica 98%
37 3 46 lnd. Bélica não consta
Perfumaria, sabões e detergentes 88 o 52 lnd. Química 60%
Produtos de matéria plásticos 68 1 54 lnd. Siderúrgica 95%
Têxtil 28 15 37 lnd. Petrolífera 49%
Vestuário e calçados 50 30 50 lnd. Alimentícia 60%
Alimentares 60 21 60
206 Fonte: Dados e Idéias, 04/87 e Tauile,J. R.
207
A co~cl~são é que ser_lídern~ utilização nacional de equipamen- Como o estoque de inovações é gestado nos centros dinâmicos da
tos _não significa estar mais próxuno da fronteira tecnológica inter- economia mundial e então colocado "à disposição" do mercado
~ac10n'.11. _o caso _das montadoras da industria automobilística é mundial, defme-se como passivo o primeiro aspecto da difusão.
ilustrativ~. como VImos é ela a maior usuária nacional de robôs e no Já internamente à economia nacional, iniciativas têm de ser
en~fl? a~ge um I~T bastante baixo. Poderíamos acrescentar O c'.iso deflagradas para conquistar o acesso ao estoque de inovações. As
~mCNdustrta mecânica que mesmo sendo a maior usuária nacional de aproximações do patamar tecnológico dependem, ponanto, deste
s tem um IA T que atinge apenas 40% aspecto "ativo". E essas iniciativas partem, dos centros dinâmicos da
economia nacional. Pesquisando-se quais são estes setores, estaremos
descobrindo os segmentos que estarão na dianteira dó processo de
~ - Algumas questões sobre as causas da difusão dos introdução dessas inovações.
eqmpamentos de automação microeletrônica no Brasil
De fato, pelo que atestamos neste capítulo, são exatamente os
setores que estiveram, à frente da dinâmica do desenvolvimento
Identific_amos no Brasil a existência de um parque razoavelmente capitalista que tomaram a iniciativa para trazer ao país as inovações.
complexo e _rntegrado, mas limitado ao padrão industrial típico da No setor multinacional é compreensível a disponibilidade exis-
eletromecânica. _Esse p~rque conheceu uma baixa difusão de ino- tente para repercutirem nas unidades instaladas no país, as mudanças
~ações '.ecnológicas típicas da industria de padrão microeletrônico à escala mundial das grandes corporações. Além das facilidades de
d e~sa ::ação de atraso generalizado, identificou-se uma razoáveÍ acesso às tecnologias e modelos de organização e processo de trabalho
Ee~igu ade na difusão das inovações baseadas na microeletrônica instaladas em unidades mais avançadas, a unidade instalada no Brasil
st
.xi em algumas "pon'.as" ou "ilhas" na economia brasileira, expres~ deve ter um nível tecnológico no mínimo compatível com o do
s1vas para o padrão nac10nal embora atrasadas em relação ao mundial restante da corporação: senão, há o risco da multinacional perder as
Constatamos as diferenças no setor industrial o consideráveÍ vantagens que ela obtem com a distribuição mundial das tarefas de seu
atras~ na ~stratégica_ industria de bens de informática (incluindo a processo produtivo. Ao mesmo tempo, as exigências que o acesso
P~na rmcroeJ~trôruca). No setor de serviços, não discutido neste mais fácil ao mercado mundial impõe determinam um padrão que
tra ~o. a desigualdade persiste, bastando comparar o setor fi- deve ser respeitado na produção da subsidiária nacional.
nanceiro com o res'.ante. ~ automação bancária é a mais avançada e a Como vimos, a industria automobilística nacional é a grande
automação comercial praticamente inexiste. Nas telecomunicações a usuária nacional de robôs. Há uma polêmica sobre as razões da
presença é modesta. •
introdução de robôs. Segundo a Comissão Especial de Automação da
. Identificada essa desigualdade, questiona-se por que a difusão de Manufatura da SEI, ela está relacionada com uma exigência de
rnovações tomou essa forma, por que ela se deu em cenos setores e não produção em um padrão mundial. Já o autor de Funções da robótica
~m outros. Estamos nos perguntando sobre as forças motrizes das no processo de acumulação: o caso brasileiro, Darli R. Vieira,
movaç~s ell? uma economia como a brasileira. preferirá uma explicação "exatamente contrária". Segundo Darli, " ... o
. A dinâmica da economia internacional coloca o Brasil no subcon- fator decisivo ... continua sendo o desejo de compensar (leia-se
Junto dos país~s que não gestam o progresso técnico. Contudo essa reduzir) os diferentes custos" (82).
mes~a di~âm1ca coloca-o no subconjunto que está apto a' uma Essa explicação baseada na redução de custos passa um pouco a
~ vel difusão das novas tecnologias. Aliás, para a economia margem de questões importantes, como o montante dos investimentos
nac~al preservar posições anteriormente alcançadas na divisão inter- requeridos e a ampliação da composição orgânica do capital que
nac10nal do trabal?º· ~la é forçada a realizar algumas aproximações do estabelecem, habilitando as empresas a disputar maiores "porções" da
patamar tecnológico mternacional
massa de mais-valia produzida socialmente. Em países como o Brasil,
"pa. ~o c~~o ~o ~rasil há uma combinação singular entre os aspectos onde a mão de obra a ser deslocada é muito mal remunerada, o poder
ss1vos e ativos" da difusão.
explicativo da "redução de custos" é ainda menor. A rigor, todo o ciclo
208
209
de desenvolvimento do período do milagre económico onde as
multinacionais participaram com indústrias "capital-inte~ivas" se- · Outra linha de explicação é a requerida por alguns setores c~jo
ria pouco entendido se nos limitássemos à questào de "reduçã~ de desempenho, por si só, impõe a utilização das modernas tecnologias:
custos" para ente?der as políticas de investimentos das empresas. é O caso das telecomunicações. ~ão há ~?1º ~ infraestrutu:a cobrada
O porquê da mtrodução dos robôs na indústria automobilistica é
pelo estágio em que economia brasileira Já chegou, dispensar o
algo mais complexo. Não podemos subestimar a necessidade de concurso dessas tecnologias digitais, para suportar a demanda atual.
atender às exigências impostas pelos padrões mundiais: há uma o dilema é a existência ou não de investimentos para o setor; não há
relação explícita entre a introdução das novas máquinas e o aumento dúvida que, uma vez realizados, dar-se-ão no novo patamar. Es~a
do peso das exportações na produção das automobilísticas; há ainda demanda envolve, inclusive, o atendimento à demanda de comum-
a participação das subsidiárias nacionais na produção dos "carros cação de dados. . .
mundiais" que_determinou reflexos similares. Além dessa questáo, há Quanto à automação bancária, o cresc1ntento astronómico do
a relação da mtrodução das novas tecnologias como uma arma setor (expressão do papel do capital financeiro na economia na~onal)
patronal para reagir às conquistas dos trabalhadores daquelas indústtias e o padrão de concorrência entre os grandes conglomerados Impu-
uma reação "ajustada" a uma nova correlação de forças naquel~ nham a necessidade de uma boa retaguarda de processamento ele-
empresas e na sociedade. trónico de dados. E essa retaguarda criou condições para a expansão
. Já no setorest~tal, onde o destaque é o setor siderúrgico, há a sua · no setor financeiro da automação de serviços, agências etc, ace~e~~o
dimensão (o Brasil tem o sétimo lugar na produção mundial) e as a competição pelas inovações. O campo é tão grande que ?s prmCI~ais
mudanças na divisão internacional do trabalho, onde o peso da conglomerados estão investindo pesado no setor da informática,
produção ~os países mais desenvolvidos caiu em função, também, de consolidando ou fortalecendo empresas a eles vinculadas (Itaú e
uma política de transfei:enci:i I?ªra país~s dependentes de partes Bradesco), conseguindo dar um novo fóleg? à informática no Brasil.
crescentes da produção s1derurgica mundial. Há historicamente um E, finalmente, não podem ser esquecidas as marcas que.º co-
processo de progressiva <::3P~citação tecnológica da siderurgia nacional, mando militar do Estado deixaram no próprio processo e_c?nóm1co. ?
onde na presente fase é mdispensável uma utilização cada vez mais brazilianist Alfred Stepan (autor de estudos sobre os militares brasi-
intens_a das novas tec~ologi?5, O peso das exportações terá aqui um leiros) apontará o grande esforço que os m~tares brasileiro~ fiZ::Ta?1
papel Importante_ ~:U:ª mcenavar a introdução das inovações, tentando durante a ditadura militar para o estabeleCJmento de uma mdustna
manter a ~m petJtJv1dade conquistada pela indústria nacional quando nacional de armamentos, para a montagem de um verdadeiro "co:n-
· o padrão amda não era baseado na microeletrónica. A tentativa de plexo industrial militar''. Stepan cita dados da International Defense
?Janute~ção ~a competitividade é uma outra forma através da qual a Review que colocava o Brasil em 1982 como o quinto exportador
mternaCJonalIZação da economia influencia um ritJno nacional da mundial de armamentos (83). Oóvis Brigagãoencontra US$ 2 bilhões
modernização tecnológica. como o valor atingido pela exportação de armas (10% do total das
. No setor petroq_uí!11i';O, a digitalização dos processos é impul- exportações brasileiras) (84). Considerando que em J970_ o país
s10nad~ não pelas exigenCJas de exportação, mas pela necessidade de praticamente nào exportava ·armamentos, é possível' 1d~ntificar o
e~p~d!r a prod~ção de um setor estratégico, contribuindo para a gigantismo e a rapidez do crescimento ?este seto~.. Cresc1ntento ~e
dimm~1ção das Importações. A tendência predominante à escala forma alguma dissociado de uma polftica. ~os milltare_s: como diz
mtJ?dial faz com que as novas plantas instaladas já o seja num patamar Stepan, " ... quase todas as organizações militares almeJ~, um .~to
mais moderno, o que termina repercutindo para as unidades ante- grau de autonomia nacional na produção de armame~tos . E_ ··:é
riormente instaladas. notório que os militares brasileiros saíram da burocrac~a-autontána
Já num se~or d~mina~o pelo c~pital P?vado nacional, o de papel com a mais poderosa indústria armamentista _d? ~erce~ro i:nu~do. e
e_celulose, a dinârmca da mtroduçao das movações é acelerada pela como a única burocracia-autoritária com uma s1gimficatJva mdustna
virada do setor para as exportações. de exportação de armamentos'.' (85). ..
210 Com essa intervenção denvada do peso m1btarno aparato estatal,
211
. ral ue determina o atraso
tecnológicas. No interior da s:f~u:~ta~ram a desigualdade de
inaugura o país mais uma das características marcantes do capitalismo generalizado, distintaS são.as r cional Isso nos afasta de qualquer
tardio: o papel do complexo militar industrial na vida económica. E, apioximação do patamar mte1;11a a ca~sa desta difusão. Esse sim·
também aqui, valerão (de uma forma, como sempre, mitigada) as tentativa simplista de d1;t~m!ulações de "políticas" para superar
relações entre este complexo, ensino e pesquisas para a aplicação de !ismo está por trás de v as o unho "monotemático", como por
inovações tecnológicas. Afinal, é a indústria bélica uma das mais ~ atraso tecnológico que têm =n~ficammoctenüzaçãoquaseex~lu-
avançadas do ponto de vista tecnológico. Por isso, ao discutir a exemplo as propostas dos qu; formular corretamente uma polfuca,
dinâmica nacional do desenvolvimento tecnológico, não podemos . ente com exportação. ara
deixar de apontar o dedo militar na questão. s1vam ário uma visão mais abrangente.
é necess
Não é poroutro motivo que a região de concentração da indústria
bélica, São José dos Campos e cercanias, é conhecida como o "Vale
da Tecnologia". Lá existe uma razoável integração entre as empresas
da indústria aeronáutica e bélica com os institutos de formação (como
o CTA) e de pesquisa (o CTA, através de seu Instituto de Atividades
Espaciais, transferiu para a Empresa Brasileira de Material Bélico
tecnologia para um míssil a ser usado em caças-bombardeiros).
No geral, o conjunto da indústria bélica se baseia em um padrão
tecnológico mais elevado, não dispensando, portanto, o uso das
inovações tecnológicas. Daí o peso da utilização das estações gráficas
na EMBRAER, o uso das MCFNs para a produção de armas etc. O
exemplo da Avibrás é pelo menos ilustrativo: para a produção de
certos tipos de míssil, é indispensável um domínio da tecnologia
microcletrônica que abarca inclusive a produção de chips, o que levou
a Avibras a pensar em investir na indústria nacional de circuitos
integrados.
Ainda no tema da "herança militar'', não pode ser esquecida a
influência dos "imperativos da segurança nacional" e das necessi-
dades da "comunidade de informações" no desenvolvimento da
informática nacional: o processamento eletrónico dos dados da repres-
são política foi um dos estímulos para a criação dos cursos de ciência
da computação nas universidades brasileiras... Novamente, isso também
não é uma criação brasileira: a interferência militar é tão elevada no
setor que até mesmo uma linguagem de uso "comercial" ( a Commom
Business Oriented Language, COBOL) foi desenvolvida por enco-
menda do Departamento de Defesa dos Estados Unidos ...
É impensável discutir toda a política de informática do país sem
levar em consideração os militares. A SEI era diretamente vinculada
ao Conselho de Segurança Nacional e o CONIN tem a presença dos
ministérios militares em sua composição...
Identificamos um conjunto de fatores que determinam a difusão 213
para as "pontas" da economia brasileira que utilizam as inovações
212
Notas do Capítulo IV (37)Gazeta Mercantil, 19/8/85
, (38)Tauile. IEI 111, pág.27
(39)Gazeta Mercantil. 09.03.89
(40)Conjuntura Económica, 02/87
(4l)Tamle, IEI 111, pág.31
(42)Dados & Idéias, n• 120, 05/88
(43)Folha de São Paulo, 7/10/87
(!)Gazeta Mercantil, 17 a 19.02.90 (44)Dados & Idéias, pág. 67, 08/87
{2)Senhor, n• 323, 26.05.87 (45)idem, 06/88
(3)Gazeta Mercantil, 7 a 10.10 89 (46)idem, 06/89
(4)Senhor, 23.11.88 · · (47)Tauile, IEI 111, pág. 39
(4a)Da?os & Idéias, 01/90 (48)Dados & ldéias, 06/87
{5)Busmess Week, 17.07.89 (49)Gazeta Mercantil, 09.03.89
{6)Dados & Idéias, 08/89 (50)idem, 11 a 13/11/89
{7)Freeman, C., Unemploym t d T . (Sl)SEI, Relatório da Comissão Especial Sobre Controle de Processos
(8)idem, pág. 112 en an echnical Change, pág.119 (52)idem
{9)Gazeta Mercantil, 01.05.90 (53)Folha de São Paulo, 28/9/88
(IO)Gaz~ta Mercantil, 25.01.90 (54)Dados & Idéias, 04/89
{l l)Busmess Week 5 2 90 (56)Gazeta Mercantil, 3/1/90
(12)Mandel, Emest' L~ Con · t , • (57)Jomal do Brasil, Coluna do Castelo, 26/12/89
(Inprecor, n• 262) ' Junc ure econom,que au début de 1988 (58)Gazeta Mercantil, 23/11/89
{13)Business Week 23 12 89 (59)Gazeta Mercantil, 28/12/89
(14)Business Week' 23·12·8 9 (60)Dados & Idéias, 05/87, pág.34
(15)INFO, 07/89 ' . . {6l)Evans, Peter, Informática: a metamorfose da dependência
(16)Folha de São Paulo 1 7 87 (Revista Novos pstudos CEBRAP n• 15, pág.30)
(17)INFO, 07.89 ' .. (62)ISTO E, 31/12/86, pág.58
{l8)Gazeta Mercantil, 22.05.87 (63)Dados & Idéias, pág.41, 07/87
(19)Gazeta Mercantil 6 1 90 (64)Gazeta Mercantil, 19/6/87, pág.11
(20)Folha de São Paulo ·20 7 88 (65)Correio Brasiliense, 12/4/87, citado em Piragibe, Célia, Subsídios
(21)INFO, 07.89 ' .. à primeira avaliação do PLANIN (primeiro relatório do projeto), pág.28
(66)Dados & Idéias, pág.67, 08/87
gi~i~~~~rli~é~;/0\n~~rmática na Hora da Revisão (67)idem, 06/88
(24)Dados & Idéias: 04:89 (68)Tauile, IEI 11 !, pág.39
(25)Gazeta Mercantil 9 3 89 (69)Dados & Idéias, 06/87
(26)Gazeta Mercantil' 3 ·1·90 (70)Assouline, G., Mutações Industriais
(26a)BNDES ' . . (71)Dados & Idéias, 04/87, pág.140
(26b)Conjuntura Económica 30 6 89 (72)Tauile, IEE 111, pág.78
(27)Dados & Idéias, 07/89 ' · · (73)Tauile, J.R., La diffusion de l'automation flexible dans un
(28)Dados & ldéias, 08/89 nouveau pays industriei (quelques reflexions à propos du cas brésilien),
(29)Dados & Idéias, 06/8 7 e 01188 Anais du Seminaire l nternational: Automation Pro grammable et conditions
(30)Gazeta Mercantil d' usage du travai/ (04/87)
(3I)Tauile, J.R., Automação e C .. (74)idem
tendências no Brasil (IEI l l l) , ,gmpetmdade: uma avaliação das (75)Dados & Idéias, 04/87
(32)Dados & Idéias, 06/87 pag. (76)Tauile, op cit
(33)Dados & Idéias, 06/8 7 e 01188 (77)idem
( 34))Gaz~ta Mercantil, 22/07/85 e 19/08/85 (78)DIEESE, Papel e Celulose, versão preliminar
(35 :ramle, lEI 111, pág. 18 e (79)Dados & Idéias, 11/12 - 1988
19
(36)1dem, pág. 24 (80)Dados & Idéias, 12/89
214 215
(8l)DIEESE, Alimentos
pág.54 Vieira, Darli Rodrigues,
(82) · Funçao
• da robótica no processo... ,
CAPÍTULO V: A CRISE DA ECONOMIA BRASILEIRA NA
(83)Stefan ' Alfred, os mi·i·•tares: da abertura à Nova República
pág. 95 DÉCADA DE 1980, PERSPECTIV A DE UM NOVO CICLO DE
CRESCIMENTO E A INTRODUÇÃO DE INOVAÇÕES
{84)Brigagão, Clóvis; O mercado d . .. ' TECNOLÓGICAS
mento e Ação Política, pág.l1 4 e segurança m Militares: Pensa-
(85)Stepan, Alfred, idem, pág.93 e 95

1- A Dimensão da crise dos anos 1980

Como vimos no capítulo III, será na década de oitenta que as taxas


de crescimento da economia brasileira conhecerão um recuo: já virou
"lugar comum" a referência aos anos oitenta como a década perdida.
Uma longa estagnação da economia brasileira, que se combina com a
onda longa depressiva na economia mundial (e é, em certa medida,
determinada por ela).
O início dos anos 1990 parece manter o ritmo: como veremos no
item VI deste capítulo, uma recessão importante estará presente.
O novo governo herdou uma crise profunda, multifacetada,
global. Uma crise econômica, social, política: uma crise nacional.
O resultado eleitoral não foi capaz de, por si só, alterar significa-
tivamente o quadro de início de crise de regime vivido pelo país.
Neste capítulo, vamos apresentar alguns elementos dessa he-
rança, os vários "arremedos" ou "rascunhos" de projetos esboçados
pelas classes dominantes para a superação da crise e, finalmente, o
significado e as primeiras ações do governo Collor.
A crise econômica não é superficial nem passageira: é uma crise
que expressa o esgotamento de um modelo econômico, de um padrão
de financiamento do desenvolvimento capitalista baseado no capital
estrangeiro, na intervenção do Estado para subsidiar o lucro privado
(direta ou indiretamente) e no papel secundário do capital privado
nacional. Essa crise deteriorará o já precário quadro social do país.
216 Essa crise econômica e a consequente estagnação que impôs à
217
A queda nos investimentos é a principal responsável ~la retração
dos índices do crescimento econômico durante a década. E também o
econOmia levaram a que o Brasil passasse da oitava colocação entre principal "gargalo" da atual crise: assim a retomada da capacidade de
os maiores PIBs do mundo para a nona: em 1986 a Espanha ultrapas- investimento é o elemento chave para qualquer recuperação estável e
sou o Brasil. consistente do crescimento econômico no país.
Para dimensionar a crise atual, é necessário apresentar alguns Essa significativa queda dos investimentos está relacionada com
dados, que aprofundam a visão da dinâmica econômica recente, a crise do padrão de acumulação "clássico" da economia brasileira. A
completando a formada inicialmente no capítulo 3 (onde se mostrou persistência da incapacidade estrutural do capital privado nacional em
a evolução do PIB). financiar a acumulação capitalista combina-se com um duplo processo:
Em primeiro lugar, a situação dos investimentos (formação bruta a perda da capacidade de financiamento do Estado e a inversão do
de capital fixo como porcentagem do PIB): como se vê na tabela fluxo de recursos externos.
abaixo a queda é expressiva. É através principalmente do peso da dívida externa sobre a
economia nacional que se sentirá as repercussões da crise que se abate
sobre os países imperialistas (expressão das cont~adições abertas _pela
TABELA XXVII mudança da tonalidade da onda longa de expansiva para depressiva).
Será a partir do início da década de 80 que se iniciará a reversão
Taxa de investimento do fluxo de recursos entre os países dependentes e os imperialistas. Em
(FBCFIPIB, preços constantes de 1980) função das condições internacionais, do aprofundamento da crise do
sistema financeiro internacional os empréstimos estrangeiros passam
ANO TAXA a ser inferiores ao pagamento de juros. O resultado dessa revers~o é
uma maciça transferência de recursos financeiros para o extenor.
1970 20,3 Inicialmente essa transferência de recursos financeiros refletiu-se na
1971 21,0 redução das reservas internacionais do país, mas a partir de 1983, com
1972 21,9 a geração de superávits comerciais, passou-se à uma brutal trans-
1973 23,2 ferência de recursos reais, que pode ser vista na tabela abaixo.
1974 24,1
1975 25,2
1976 TABELA XXVIII
24,5
1977 23,2 Transferência de recursos reais ao exterior
1978 23,2
1979 22,4 ANO TRANSFERÊNCIA DE REC. %PIB
1980 22,5 REAIS US$ MILHÕES
1981 20,1
1982 18,8 1980 - 5.289 -2, 1
1983 16,0 1981 - 1.001 -0,4
1984 15,7 1982 - 1.868 -0,6
1985 16,2 1983 4.902 2,3
1986 18, 1 1984 11.842 5,6
1987 17, 1 1985 11.395 5,2
1986 11.100 4,3
Fonte: Anuário Estatístico do Brasil, IBGE, 1987.
219
Fonte: Nogueira Batista Jr P, Transferência de Recursos
Rev. Econ. Pol., 25, pg.16
E o abalo na capacidade de investimento do Estado no Brasil tem
. E~se sentido do fl~xo também será constatado em relação aos repercussões que ficaram claras no capítulo II: só para ressaltar o papel
mvesttmentos estrangeiros: ocorre um verdadeiro "desinvestimento" desse investimento, é interessante lembrar que durante a década de 70
estrangeiro no Brasil. o setor público respondeu por um pouco mais de 40 % da formação
bruta de capital fixo (em 1975 terá o setor público participado com
TABELA XXIX 10,3 % do PIB na formação bruta de capital fixo) (2).
O esgotamento da capacidade de financiamento do Estado nos
Investimentos diretos e remessas anos 80 é resultado de uma combinação entre o seu papel histórico de
de lucros e dividendos (US $ milhões) bancar os investimentos de longo prazo (suprindo a deficiência
estrutural da burguesia brasileira) e de financiar o lucro privado
DISCRIMINAÇÃO 1983 1984 1985 1986 (através de subsídios, incentivos fiscais, sustentando a especulação
financeira e a própria corrupção) com uma dinâmica recente: a da
1) Investimentos 664 1.077 710 70 "estatização" da dívida externa. Tudo isso determina a existência de
diretos (liq) uma gigantesca dívida externa: tendo crescido em 1986 US$ 15
2) Conversão de emp. 425 731 537 400 bilhões atingirá ao final daquele ano US$ 79 bilhões. (3).
em investimento A situação da poupança do governo expressa de uma maneira
3) lnv. direto novo (1-2) 239 346 170 -330 bastante inequívoca o peso do serviço da dívida interna (paga-se juros
4) Remessa de lucro 759 796 1.059 1.100 e correção monetária por ela ... ) sobre as suas contas.
e dividendos {liq)
5) Entrada liquida -519 -450 -886 -1.430 TABELA XXX
de divisas (3-4)
Poupança do governo em conta corrente
Fonte: Nogueira Batista Jr. P, Transferência (conceito contas nacionais) em% do PIB
de Recursos -Rev. Econ. Pol. 25, pag.14
DISCRIMINAÇÃO 1970 1975 1980 1985
Esse conjunto de dados é bastante claro: o envio de recursos da
~relem de 5% do PIB _é uma séria restrição à capacidade de inves- A. Receita Tributária Bruta 26,0 26,3 24,2 22,2
ttme!lto de uma eco?omia_como a brasileira. Considerando que o nível B. Transferências 9,3 11,8 14,0 20,5
máximo da taxa de mvesttmentos alcançada foi de 25 % do PIB (vide Juros da Dívida Interna 1,4 1,2 1,9 10,9
Assitência e Previdênci.a 8,2 7,0 7,6 7,1
a Tabela XXVII), essa transferência significa praticamente 20 % dos Subsídios 0,8 2,8 3,6 1,6
recu_rsos necessários à manutenção de uma taxa de crescimento que Outras 1/* -1,1 0,8 0,9 0,9
esteia d~ acordo com a média histórica do país. C. Receita Líq. do Gov. (A-B) 16,7 14,5 10,2 1.7
Assun, com relação a uma das principais fontes de financiamento D. Despesa Corrente do Gov. 11,3 10,7 9,0 9,7
da acumulação no país há mais do que a mera ausência: há a espoliação Salários e Encargos 8,3 7,5 6,2 6,8
dos recursos do país. Compras de Bens/Serviços 3,0 3,2 2,8 2,9
Já o investimento estatal também se viu profundamente debili- E. Poupança em Conta (C-D) 5,4 3,8 1,2 -8,0
tado na década de 80. A "redução dos gastos públicos" é um tema Corrente
permanente dos discursos dos mais variados setores das classes
220 Fonte: IBGE
nn•
• 1/: Resultado líquido de transferências composição dos gastos globais das empresas: isto determina um
diversas menos outras receitas. esgotamento da capacidade da superexploração dos trabalhadores em
gerar "novas" fontes de "financiamento" do lucro. Um estudo feito
No Plano de Consistência Macroeconómica, editado durante a pelo IBGE em 1986 revelou que no setor industrial o peso da mão de
gestão de Bresse~ Pereira no Mirústério da Fazenda, será retirada a obra na composição do custo total é de cerca de 5 %. Um peso
correção monetária dos encargos da dívida interna: os juros da dívida
atingirão assim 3,7 % do PIB. (5). reduzido.
Uma outra pesquisa que com parou a relação salários/produto
Somando a esse processo de diminuição da capacidade de poupança industrial de 40 países, encontrou para o Brasil a menor relação: 17 %.
do setor pú?lico_ está a situação das empresas estatais, cuja partici- Menor do que outros países latino-americanos, inclusive, cuja média
pação na dinârmca da estatização da dívida externa determinou a encontrada foi de 27 %. E se comparado com países capitalistas
mupção de uma crise financeira nas suas administrações. Analisando avançados, ver-se-á que na Alemanha esta relação é 3 vezes maior: 50
?s ga~tos das empresas estatais, verse-á que de 1980 a 1985 os % (10).
mvesumentos po~ elas realizados cairão de l 00 para 68,8 enquanto os Já havíamos visto no capítulo III o peso dos salários na renda
encargos financeiros aumentarão de 100 para 326,5 (16).
Essa perda da capacidade de investimento do governo e das nacional.
Enfim, há a quebra do padrão de acumulação: o Estado incapa-
estatais tem inequívoca repercussão na taxa final de investimento· citado para desempenhar sua função neste proces_so, o fluxo _de
~~ estimativ~ publicada pelo IEI-UFRJ (7) para o ano de 1987 recursos externos invertido a persistência da incapacidade do capital
mdicava a Part_icipaç_ão do investimento público atingindo 6,3 % do privado para o investimento de médio e longo prazo. Daí, a crise
PIB, ficando o mvesumento privado responsável pelos 10,3 % restan-
tes. económica e a estagnação.
Ao lado da deterioração da capacidade de investimento do Estado
~ da tr~sferência de recursos reias para o exterior, há a persistência da
II- A queda dos investimentos no período recente e o
:ncap~Cidade do capital privado nacional de bancar projetos de crescimento dos gastos com A.I.
mvestimento de vulto e longo prazo. Em 1987, o governo apresentou
estudos sobre uma espécie de ajustamento do sistema financeiro A queda do nível de investimentos na presente década terá um
~acional _(patrocinado pelo_ ~~co Mu?dial) onde se mencionava que conjunto de consequências. A primeira delas é a inexistência de
... considerando as deficiencias venficadas no sistema financeiro expansão da capacidade produtiva do pafs. Mesmo os anos em que se
?acional, especialmente no que concerne à inexistência de adequados deu o crescimento económico (por exemplo em 1984 e 1985) este se
mstrumentos de captação de recursos para financiamento de médio e deu muito mais pela reocupação da capacidade ociosa da indústria
longo prazo, deverse-ia realizar estudos direcionados para a reformu- gerada pela recessão dos anos anteriores do que pela existência de um
lação da atual estrutura bancária ... " (8). novo conjunto de investimentos.
_No processo económico, os problemas estruturais somam-se à
conJuntura onde a ~xa de_lucros (c?mo porcentagem do património) A tabela abaixo, com dados do principal Estado industrial do país,
das empresas de capital pnvado nacional caiu de30,9 % em 1978 para São Paulo, dá uma mostra de porque foi possível o país crescer com
11, l % em 1985 (9): guardadas todas as reservas com relação ao uma taxa de investimento em queda: a capacidade ociosa diminui
cálculo destas taxas de lucro, a queda detectada é sem dúvida um nestes anos.
elemen~o que alimenta e se alimenta da ociosidade e especulação
financeira.
· . Outro el~m~nt? que deve ser ressaltado em relação ao capital
pnvado é a dimmmção relativa do peso dos gastos com salários na
222 223
na composição da formação bruta de capi~ fixo, com o respectivo
TABELA XXXI . aumento do peso do item construção civil. E importante lembra_r que
a queda da participação das máquinas e equipamentos ~em combina~a
Uso da capacidade instalada (São Paulo) com uma queda geral na taxa de investimento, ou seJa, é uma que a
dupla.(12)
ANO USO DA CAPACIDADE(%)
TA BELA XXXII
1975 82,6
1976 84,0 Formação bruta de capital ~xo:
1977 82,3 participação percentual por item
1978 82,5
1979 83,6 CONSTRUÇÃO MÁQUINAS E
ANO
1980 84,4 CIVIL EQUIPAMENTOS
1981 79,1
1982 76,1 58,0 40,7
1983 71, 1 1970 42,4
1971 56,6
1984 74,0 41,7
1985 76,5 1972 57,1
59,3 39,6
1986 79,6 1973
58,8 40,0
1987 78,3 1974
57,5 41,2
1975
Fonte: Conjuntura Econômica 59,0 39,4
1976
61,4 37,0
1977
Como pode ser visto, a capacidade ociosa que vinha caindo desde 60,9 37,6
1978
1981 passa a crescer a partir de 1984. A explicação desta expanção 63,3 34,9
1979
econômica e industrial combinada com a queda da taxa de investimen- 61,6 36,3
tos é este aumento da taxa de uso da capacidade instalada. Tendência
1980 34,3
1981 63,9
que persistirá nos anos seguintes (em 1985 o PIB cresceu 8,3 %, a 63,9 34,3
indústria 9,0 % e a taxa de investimentos passou de 15,5 para 16,0 % 1982
66,8 31,9
do PIB). . 1983 31,5
A inexistência de um novo surto de investimentos contribui para 1984 67,4
1985* 29,5
a permanência do atraso tecnológico pregresso, ao mesmo tempo em 27,6
que deixa de possibilitar à economia brasileira a consecução de novas 1986*
1987* 27,3
aproximações do patamar tecnológico internacional: as indústrias de
"ponta" continuam ausentes do país. . .
Fontes: ConJuntura Econom1ca e IBGE/
Há ainda um envelhecimento do maquinário existente no parque Anuário Estatístico 1987/8 (dados com )
industrial: com um elevado índice de capacidade ociosa não há
estímulo para se renovar capital fixo. Um dos significados da queda
dos investimentos é uma diminuição na renovação do maquinário. A "queda dupla" da participação do item "máquinas e equié
Isto pode ser observado na tabela abaixo, onde é possível se amentos" pode ser melhor visualizada na tabela abaixo, quando
constatara queda relativa do peso do item "máquinas e equipamentos" P 225
224
feita uma relação entre o item e O PIB
também cadente taxa de investimentos. Isto terá um impacto tanto na
TABELA XXXIII indústria brasileira de bens de capital - que tendo atingido um índice
(base fixa) de 136,06 em 1980 chegará a um índice 88,10 em 1985 -
. Relação entre valor do item "máquinas e como a importação desses bens que, de um índice 100 em 1980,
eqmpamentos" e o PIB total dores ectivo ano passará para 53,17 em 1985. (13)
porcentagem (proporção calculad: para "preç~:1 Estes dados são uma nova prova importante da diminuição da
correntes") renovação do maquinário na indústria brasileira (e, portanto, um sinal
de uma obsolescência crescente do parque produtivo instalado. Em
ANO editorial, a revista Conjuntura Econômica interpretará aquela dimi-
RELAÇÃO
"MAQ. EQUIP/PIB" nuição do item de máquinas e equipamentos na participação da
formação bruta de capital fixo como um indício de que" ... o inves-
1970 7,7 timento nos setores de ponta está, portanto, se reduzindo a uma
1971 8,4 velocidade maior que o investimento global" (14). Dado o volume
1972 8,5 requerido para investir na "ponta", isso pode ser verdade.
1973 8,5 O que poderia ser comentado aqui é a agudização de uma
1974 9, 1 limitação estrutural da indústria brasileira que é a estreiteza da
1975 10,0 indústria brasileira de bens de capital: à medida em que a demanda
1976 8,8 desses bens cai, os incentivos ao investimento no setor também caem
1977 7,9 impossibilitando o avanço no sentido da superação de problemas
1978 8,2 estruturais da indústria brasileira. Isto terá um impacto importante no
1979 7,9 atraso da automação industrial, na medida em que ela é, em boa parte,
1980 8,0 um subsetor dos bens de capital. E é impensável um avanço significa-
1981 7,7 tivo da automação industrial sem um aumento considerável e persis-
1982 7,0 tente na demanda interna de máquinas e equipamentos, viabilizando
1983 5,4 inclusive a modernização de sua produção.
1984 5,2 A partir dos dados até aqui levantados, a presença pequena
1985 4,9 (porém crescente, como foi visto no capítulo 4) dos equipamentos de
1986 5,1 automação com base na microeletrônica passa a ser uma questão
1987 5,4 importante: é um indicador do potencial da presença dos equipamen-
tos modernos em um novo ciclo de investimentos.
fonte: IBGE, Anuário Estatístico 1987/8
Avaliando os investimentos realizados no período 84-86 é possível
indicar tanto que são menores do que os do período pré-recessão como
É uma variação signifi · que têm uma característica diferente: segundo Suzigan eles são " ...
participação do item "má u~!va: de. lO,O % ~? P~B em 1975, a
metade em 1985 (4 9 %)
nossa pesquisa.
1 e eqwpamentos cairá a menos da
' 0 • ssa queda é plena de significados para a
intensivos em tecnologia e orientados para modernização e aumento
da produtividade da indústria". Esses investimentos estão sendo feitos
" ... predominantemente para a expansão da capacidade produtiva em
1 Antes, uma observação sob plantas existentes, por meio de máquinas e equipamentos tecnologi-
,econômico, dos anos 84 e 85: ela;: da recuperação. d? ~rescimento camente mais avançados, automação de processos, eliminação de
da participação do item "má . eu c~m a pers1stencia da queda gargalos etc" (15).
226 qumas e eqmpamentos" no interior da
Essa característica diferente dos (poucos) investimentos feitos
227
deveserpensadaemconjuntocom .
~IJ!Pame~tos de automação microe~!=cterísttca da utilizaç~odos
trtais avaliados no capítulo 4 . á . aem algunssetoresmdus- máquinas deve incentivar um crescimento da venda das mais moder-
esses equipamentos com a fin~dn: en_ipr~sas estavam comprando nas, P,OiS a tendência é comprar o que há demais avançado no mercado.
cando ganhar uma certa intimid da e pnnCipal de aprendizado, bus- E da observação destas duas variáveis e de sua interrelação,
perlodo futuro Tardi a. e com a tecnologia "típica" de um portanto, que clarearemos o ritmo e a intensidade do processo de ino-
· · ª ou não, a difusão das tecnO1 · tilº vações (e, naturalmente, a análise deve avançar para a pesquisa
cenário mtemacional deverá oc é ogi.as u 1zadas no
daquilo que facilita e/ou dificulta a alteração de cada um dos dois
A nossa questão deve ser o ?.~~~ti.~ue~;nsamd~~itasei.:ipresas.
aspectos).
Questões cujas respostas são . ' .º qul\'1 o e o como".
timentos e da mudança _ ou aju~eparávei~ da dinâmica dos inves- Na economia brasileira, de imediato, podemos ver um elemento
Aqui, um comentário sobre am~nto - . a estrutura industrial. importante: com o item "máquinas e equipamentos" participando com
novas tecnologias. Nota-se no ~s mveStlmentos e os gastos com aproximadamente 5 % do PIB, conhecemos um gasto com automação
~ueda da taxa de inves~ent: odo recente, a c~~binação entre a industrial na casa dos US$ 400 milhões. A recuperação de um fudlce
'máquinas e equipamentos" no ~t ª _qu~da~ da parttCipação do item de gastos em torno de 10 % do PIB (obtido em 1975) determinará, no
mas se observa a eleva ão a enor a ormação bruta de capital núnimo, a duplicação dos gastos com automação industrial, atingindo
industrial (vide item IVç do c~s~luta dos gastos com automaçã~ assim a casa dos US$ 800 milhões. Já a manutenção de fudlces
presente (de 1985 a 1987 uma P_tu~ V),. ~levação pequena mas próximos a 5 % (consequentes da estagnação continuada dos inves-
O que pode ser deduzido de::aç o pos~ttva de 127 %). timentos) impõe limites bastante rígidos ao aumento dos gastos com
uma retração de investimentos m ~~ocesso. 1) Mesmo no quadro de automação (eles podem crescer-e possivelmente crescerão-mas a um
automação, os gastos com racion ru: m-se o a~me~to dos gastos com ritmo muito inferior aquele).
Esses comentários visam ressaltar a vinculação entre a dinâmica
ser desprezados; 2) a parti i ã aliza_ção do Já existente não podem
tos mais modernos no in;rici~çd o relativa das máquinas e equipamen- dos investimentos e do ritmo de inovação tecnológica. Porisso a nossa
3) algumas inferências sob ~ gasto geral deve estar aumentando· discussão a seguir se preocupará com a questão da retomada estável de
no quadro de uma ampliaç~:\:n:~~ en~re;s gastos com automaçã~ investimentos na economia brasileira: essa questão é essencial para a
e equipamentos podem ser feitas· za a os gastos com máquinas nossa pesquisa.
Dois processos devem ser ob'.:111ª acompanhará a outra. Voltando aos investimentos realizados nos primeiros anos da
mento dos gastos com automa ã ervados r~ se definir o cresci- década de 1980, em particular os pós-recessão 1981/2, veremos uma
ampliaçãodo peso relativo das m1 °·. Um pn~eiro, qualitativo, é a outra questão que pode ser explicada pela característica distinta
daqueles (poucos) investimentos . O aumento do peso dos gastos com
microeletrônica em relaçã à quma~ e eqmpamentos baseadas na
~te ?bjetivo que é dete~i~a~';venc1on:us. Nesse aspecto há um equipamentos mais modernos será um dos fatores que explicará
difundirem "marolas" nos pelo fato do progresso técnico se porque em 1986, dentre os setores que tinham atingido elevados níveis
dor do ciclo Dificilm países dependentes e pelo caráter deforma- de utilização, estivessse o de " ... bens de capital seriados, princi-
. ente a economi b ·1 ·
existente nas economias a d ª rasi e1ra alcançaria a relação palmente máquinas e equipamentos com controle numérico computa-
da ampliação dos inves~~~~o:S(eUm seg~ndo, quantitativo, trata dorizado" (16).
equipamentos) em geral Esse aumen:é <}a~1~ular, em máquinas e Este dado demonstra a extrema debilidade do setor mais moderno
gastos com as máquina~ de "ti ,, . ec1S1vo para a expansão dos dos bens de capital (não sustenta um pequena elevação da demanda)
mantida a relação entre máq ~o mais moderno. Ou seja, mesmo mas reafirma o crescimento do peso dos bens baseados na microele-
ampliação global dos asto umas m?<le~as e tradicionais, uma trônica em relação aos convencionais e a tendência a persistir esse
mento da demanda o~ más ~om maqumáno determinará um cresci- aumento do peso dos bens modernos em um novo ciclo: é esse o ponto
interrelação entre es~es doii~:as mo~emas. ~videntemente, há uma fraco da indústria nacional de bens de capital. Essa debilidade deve
228 cessos. a ampliação com os gastos em significar uma diminuição ainda maior da ação do chamado efeito
multiplicador: se ele já é "moderado" pela pequenez da produção
229
pelo ciclo de crescimento aIJterior. A ausência de investimentos não
na~va dos.bens de capital, o será ainda mais pela localização exterior renova tudo o que se desgata e não atualiza capacidades de atendi-
da mdústna capaz de atender a uma demanda que se sofistica. mento a aumentos de demanda já presentes e/ou inteiramente pre-
. ~ão é um despropósito considerar que a retomada de índices de visíveis.
~vesttrnen~o em tomo de 25 % do PIB (com a respectiva elevação do O congelamento da aproximação do patamar tecnológico inter-
1'.em_ máqumas e equipamentos na fonnação bruta de capital fixo) nacional abre a possibilidade da concretização de um novo afas-
s1gruficru:á, não o retomo da velha demanda de bens de capital mas, 0 tamento dele: qualquer movimento daquele patamar não será acom-
esta?Clecunentode~ademandaqueterádesermaisatualizada,mais prumado aIJtes da superação de todos os problemas que impedem o
PIÚXIma_do patam~ Internacional. E dada a inexistência de planejamento deslanchamento de um novo ciclo de investimento na economia
~conônnco comb!nada com o atraso tecnológico será uma demanda brasileira. Outra possibilidade de afastamento é algum processo de
matendível pela mdústria brasileira (e isto já estabelece o caráter "sucateamento" do parque industrial instalado no país, como aconte-
defonnado de um possível novo ciclo). ceu no Chile e na Argentina recentemente, Júpótese bem menos
Para que essa.demanda futura pudesse ser atendida, um vultoso provável dada a maior força da burguesia brasileira e de sua ca-
plano~~ est~be)e=ento de um conjunto de indústrias que represen- pacidade de "bargruma" junto à burguesia internacional.
tam~ _md~strias de base da era microeletrônica" (ao lado de novos A dimensão da crise tem feito com que vários "projetos" de sua
matenrus, b10tecnologia etc) deveria estar sendo feita já: e isto está superação tenham sido apresentados pelos _mais variados setores ~a
longe de ocorrer.
burguesia brasileira. E em todos esses PT?Jet~s o ~ma da mO?enu-
A crise atual afetará também outros aspectos do parque produtivo zação tecnológica tem sido um dos centrais. Discutir esses proJetos e
do país que vão se acumulando como problemas que cobram solução as várias alternativas de modernização apresentadas é importante para
para a g~~çã~ de ~m ?ovo ciclo de crescimento econômico. situar as possibilidades de um novo ciclo e as limitações de todos esses
A ~wção Significativa dos investimentos públicos terá impacto projetos em relação à uma possível modernização, bem como o seu
sobre a infraestrutura do país: por um lado, o envelhecimento e 0 significado social.
desgas_te do setor de transportes, por exemplo; por outro, há
0
apa~c~ento de novos gargalos em setores básicos como energia III- A retomada do crescimento econômico: o debate interbur-
elétnca, Impulsos básicos etc.
guês e as condições para a retomada antes e depois de Collor
A q~eda dos gastos públicos vai afetar também o setor de ensino
e pesqmsa: é sempr~ um dos primeiros setores onde há cortes de
verbas. Isso tem um Impacto no futuro ciclo, na medida em que os DuraIJte toda a "década perdida" o debate sobre aretOJil~daest~ve
problemas como o da especialização da mão de obra (fundamental se presente. Iniciativas governamentais foram tomadas. E ilustrativo
é previst~ a maior utilização de novas tecnologias), desenvolvimento sintetizar algumas das principais posições burguesas nesse de?ate,
da capacrda~e d~ oper~ção de tecnologias mais sofisticadas etc, são tanto para localizar as respectivas limitações, como para ampliar a
afetados. A mex1stencia ou a pequena dimensão de pesquisas reali- compreensão do momento atual, pois, como veremos, o projeto que o
zadas com~ que é a "ponta" do progresso tecnológico consolidam e novo governo está defendendo parece se compor de inúmeras peças
agravam a situação de dependência. destes vários "esboços" de projeto que serão aqui apresentados.
Assim, no ge_ral, pode ser dito que há um congelamento do
processo de aprox11:1ação do patamar tecnológico internacional du- 1) A ausência de um projeto hegemônico e as várias visões de
rante o perfod_o d~ cnse por que passa o Brasil hoje, congelamento que representantes das classes dominantes nos anos oitenta
não é contradi'.óno com a presença de traços de novas tecnologias no As dificuldades em se encontrar uma saída para a crise contribuí-
parque produtivo~exatamente por serem traços, não detenninam um ram para que durante a década de 1980 inexistisse U?J projeto burguês
processo de ap~ox1mação do patamar internacional). A crise dificulta capaz de hegemonizar o conjunto das classes dommantes, selruido a
que o parque Já mstalado seja pelo menos preservado no nível atingido sua unidade. Ocorreu a multiplicação de alternativas, esboços de
230 231
propostas e visões diferenciadas dos vários representantes mais ou industrialização instalando a indústria de ~º?1-Ponentes digitais para a
menos diretos das classes dominantes do país. Depois da experiência eletrônica, substituindo importações e uuCiando exportaç~s ~
dos "Cruzados" e dos Planos de Bresser Pereira, conheceram-se ufmica fina, gerando uma nova _expansã? em l_ll:°'?'l~ca,_ Sl·
candentes ou discretos pronunciamentos de antigos ministros como ~erúrgica e introduzindo a lógica da informánca nas mdustrtas básicas
Simonsen e Reis Veloso, a FGV através da sua revista Conjuntura
Econômica listaya sugestões todo mês; a conversão da dívida foi · · 'd~de n~,rner~adom·
(18).A lógica da manutenção da con;_pe1111v1 , ter
. •
saudada por muitos como a grande saída e o governo Samey lançou nacional é o que impulsiona aquela • informa1!Zação das rndu~trtas.
bombasticamente uma "nova política industrial". Conciliar exportações e crescimento econôm1C? é ~e~: para isso a
O nosso tema de pesquisa, a modernização tecnológica, é pre- exportação de recursos reais não pode ser excessiva, ~tando-a ~ 2,5
sença garantida em qualquer uma dessas visões: como ponto de % do PIB (o que implica em pagar de 60 a 70 % ?ºs serv1ç?s ~a dívida).
partida para a superação da crise sempre se colocará o avanço A liderança é proposta para as empresas pnvadas, pnnCipalrnente
tecnológico. O problema sempre será a indicação de como realizá-lo ... a nacional, ressaltando a função "estritamente" complementar do
Outro tema onipresente é a constatação do esgotamento das Estado-empresário. . •
formas clássicas de financiamento do crescimento econômico no país. Podemos considerar esse projeto como um aJuste attvo (com
O que varia é o diagnóstico da causa e praticamente todos falham ao iniciativa interna) à nova divisão internacional do trab~o.
precisar com renová-las; velhas receitas ganham uma tintura nova. A As suas limitações começam por não haver expliCitado quem
profundidade da crise se expressará na estreita margem de manobra da assumirá a instauração do novo estágio de industri~zação. Se for para
burguesia brasileira durante esse momento da crise internacional: há repetir 1974, o Estado e os capitais estrangeiros ten~ um papel chave
reflexos no país da ausência de uma clara direção hegemônica da e não a empresa privada nacional. Não há comentános·sobre como o
burguesia internacional, engalfinhada em agudas e crescentes dispu- Estado pode recuperar a sua capacidade de financiamento e os recursos
tas interimperialistas. reais continuam saindo e não entrando no país: Ao rnes1!1o tempo, a
1.1- Reis Veloso: por um novo 1974 empresa privada nacional demonsi:o~ ~ sua mapetência por áreas
Diagnosticando a escassez de poupança e a queda de investimen- como a indústria de componentes digitais: os mais ferrenho~ defen-
tos, expressa a preocupação de que o país" ... começa a desatualizar- sores do modelo "reserva de mercado:• reco~ecem _que na rn1croele-
se tecnologicamente (17). Fazendo declarações pela "modernidade trônica a ação do capital privado nac10nal é JilSufiCient~.
progressiva", entra no rol dos que têm uma referência no modelo Além de não resolver o problema chave do finanCiam~~º. (ele-
Coréia e Taiwan. Segundo ele, esses países tiveram o seu 1974 mas vando a taxa de investimento), a lógica da busca da cornpell;tiv1da~e
não pararam aí: com o seu 88 chegam a "competir em alta tecnologia no mercado externo impõe urna submissão à determinação JIDpena-
com os Estados Unidos". Para se realizar isso no Brasil é necessário lista da divisão internacional do trabalho, coisa qu~ países _co1;10 a
um acordo entre todos os "modernos" do país (políticos, economistas Coréia e Taiwan fazem muito bem (e que um certo JIDpress10msrno
e empresários) que viabilize um novo estágio de industrialização, uma com eles obscurece a visão - vide a discussão no Capítulo 2 sobre a
elevação da taxa de investimentos, a definição de novos setores para Incremental Indigenous School e a C~rt:i~). . .
a exportação de manufaturados e a execução de programas básicos de Há, no geral, uma confiança na possibilidade da ~petição atuali-
alimentação e educação. zada do que deu resultados positivos para a estratégia burguesa em
Num artigo anterior, Reis Veloso havia precisado o que consi- 1974: só que o mundo mudou (a onda virou depressiva) eo Estado está
derava esse novo estágio de industrialização. O modelo era o de 1974, bem abalado para representar hoje o papel de ontem.
quando houve uma mudança estrutural, atingindo-se um novo estágio 1.2· Bresser: a mudança do padrão de investi!11ento
de industrialização onde se passou de importador a exportador de Em um texto de abril de 1987 Bresser Pereira apresentará
produtos siderurgicos, petroqufmicos, papel e celulose, alumfuio e argumentos que devem ter sido levados em conta durante a sua gestão
bens de capital. Em 1987 dever-se-ia partir para um estágio de no Ministério da Fazenda.
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Nele, Bresser apontará a deterioração da capacidade de poupança , esteve e não vai para onde deveria ir ... se pretende sustentar (ou
do Estado e a transferência de recursos reais da economia. Polemizará, liderar) a gestação de um novo ciclo de investimentos. •
no entanto, com quem baseará a sua polftica na busca da recuperação 1.3- Simonsen e a FGV: privatização e capital estrangeiro
da capacidade de poupança do Estado para que ele volte a desempe- Um artigo publicado por Mário Henrique Simonsen na revista
nhar o seu papel histórico na acumulação capitalista no país. Para Veja (nº 997, 14/10/1987), intitulado "o risco de optar pelo atraso" e
Bresser, uma certa recuperação da capacidade é importante mas" ... é uma carta do JBRE - "Como sair da estagnação" - publicada pela
importante, entretanto, tentar não retomar ao padrão de investimento Conjuntura Económica de 01/1988 vão na mesma linha de raciocínio
que prevaleceu desde os anos 50 e que teve o seu último momento na e de proposta.
estratégia do II PND" (19). A idéia mestra do artigo "Como sair da estagnação" é a do
A explicação para esse "não-retomo" é a diferença entre o Brasil esgotamento do padrão de desenvolvimento existente no país desde os
80 do Brasil dos anos 50, 60 e 70: duas diferenças básicas são o elevado anos 30. A industrialização se baseava na transferência de renda de três
endividamento do Estado e a capitalização do setorprivado. Identifica fontes: da agricultura, dos assalariados (pela inflação) e do setor
uma tendência à ampliação do papel das empresas privadas (nacionais externo (através de empréstimos e de inversões de capital de risco).
e estrangeiras) e o fim do que ele chama de "acumulação primitiva" ("o Enquanto esse esquema de transferência de renda funcionou, argu-
complexo sistema de subsídios que foi essencial no primeiro estágio menta o artigo, foi possível"... o projeto de desenvolvimento baseado
do desenvolvimento industrial brasileiro"). Um problema central é a na proteção total da indústria nascente seguir sem percalços" (21 ).
existência de uma taxa de lucro "suficientemente atrativa para estimu- A partir do momento em que isso não é m'?s possível ~dada a
lar" os investimentos das empresas privadas. Concluirá dizendo que inflação e a dívida pública; esgotamento da capacidade da agncultura
" ... já existe no Brasil um estoque básico de capital que permite que de transferir renda e fim da contribuição da poupança externa), toma-
o investimento e o crescimento sejam baseados na mais-valia relativa, se necessária uma "nova fórmula de crescimento". Esta "nova fórmula"
isto é, nos lucros regularmente realizados no mercado por um setor deve ser: 1- não inflacionária; 2- aberta ao exterior e 3- baseada na
privado que incorpore sistematicamente progresso técnico" (20). relação risco/ retomo. Considera-se que a matriz económica herdada
A pressão para a incorporação do progresso técnico virá da "nos capacita a saltar para o futuro". . . .
dependência das exportações em relação à competitividade inter- A política cambial é vista como de c~c1:u !IDportâncra e. é
nacional da indústria. proposta a "liberdade cambial" (com uma pf!IDe1ra etapa de câmbio
A idéia mais explicita e presente em suas argumentações é a da diferencial). .
existência do tal estoque básico de capital que possibilita a mudança No campo interno propõe-se: 1- transformar a poupança que gira
no padrão de investimento com um papel mais discreto do Estado. No a curto prazo no mercado financeiro em poupança real: "f?nnentado~a
entanto, os dados que Bresser aponta não são sólidos: A prova da de investimento"; 2-corrigir a despoupança do setor publico e3- atra1r
capitalização do setor privado é uma melhora no endividamento geral a poupança externa. O artigo afinna que assim será possível crescer a
das empresas (que cai de 57,1 % dos ativos em 1980 para 46,3 % em uma taxa de 7 % ao ano.
1985). Se o padrão de investimento mudou foi em função do que ele · Para concretizar esses pontos, sugere-se a transformação do PIS
corretamente diagnostica como deterioração da capacidade de poupança em efetiva participação dos empregados nos lucros da empresa como
do Estado, o seu elevado endividamento. Talvez a situação financeira uma forma de estímulo ao financiamento privado a longo prazo dos
melhor das empresas seja mais um elemento do diagnóstico do investimentos. Para o setor público, dever-se-ia buscaro equilíbrio do
problema do que uma indicação de solução: Bressernão trabalha com orçamento público através do tratamento das empresas estat~s t'.11
a hipótese do setor privado assumiros investimentos de vulto (energia como as privadas, sendo que as estatais que não fossem ~1áve1s
hidroelétrica, aço, metais não-ferroso, que ele julga necessários) e fechariam as portas (as viáveis continuariam no setor público ou
reconhece que o setor privado concentrará seus novos investimentos seriam adquiridas pelo setor privado). Quanto ao capital externo,
nas indústrias orientadas para a exportação ou seja: fica onde sempre consideram que" ... a poupança externa absorvida por um país é hoje
234 235
fWJção crescente de sua integração nos mercados regional e mundial", por legislações. . . .
cabendo portanto romper com a "opção estatizante e isolacionista" Como veremos adiante, a liberalização das condições de atuação
feita pelo país. de capital internacional poderá significar um aumento do fluxo para o
Responsabiliza a fuga de capitais verificada no país pela multipli- exterior ao invés do almejado aumento dos investimentos estrangeiros:
cação de obstáculos económicos, políticos e institucionais que o a disputa interimperialista é a que mobiliza o gigantes~o m?.viment?,
Brasil coloca ao estabelecimento de um "clima adequado aos inves- dos capitais pelos países centrrus e não há nenhum caminho natural
timentos estrangeiros". O mercado deve apontara saída neste caso: ele. desses capitais em direção ao Brasil.
"sinaliza" para a conversão da dívida externa. Propõe, então, o Em segundo lugar, a mágica solução da privatização de estatais
estabelecimento de um programa de 5 a 10 anos " ... objetivando pararesolvero problema do déficit público é de pouco impacto P?rque
reduzir substancialmente a dívida externa brasileira, através de sua não são as estatais as principais responsáveis por ele. A políllca de
conversão em capital de risco e em mercadorias exportáveis, pelos privatização não ataca nem o peso da dív_ida externa ner:n o da dívida
valores de mercado" (22). interna. Os próprios problemas financeiros das estatais são _conse-
Neste projeto a necessidade urgente de" ... se reciclar tecnologi- quência da política de estatização da dívida externa. Essa políuca_ não
camente" deve ser atendida pela abertura da economia: aumento dos gera novos investimentos, na medida em que não se está expandindo
gastos com royalties e outros itens relacionados à "absorção de a produção: ela, na verdade, apenas atende inter':sses do capital
tecnologia" (que em 1987 alcançaram US$ 55 milhões), aumento da privado ansioso por adquirir algumas estatais !,ucrauvas. .
entrada de capitais etc. Assim, essa política não ataca os "gargalos da pres~nte c1_1se, não
O artigo de Mário Henrique Simonsen vai na mesma linha. Para resolvendo os problemas que impedem a retomada dos mvest1mentos
evitar o risco da estagnação, é necessário um funcionamento mais livre no país.
das leis de mercado, acabando, com o capitalismo cartorial que 1.4- A "nova política industdal" do governo Sarney
protege as empresas de prejuízo e da concorrência e com a política do No mês de maio de 1988, o governo Sarney anunciou com certa
"Estado-faz-tudo"; a venda de algumas estatais (com a realização de pompa a instauração de uma "nova polftica industrial". Esta "nova
um programa de privatizações); a conversão da dívida externa ("trans- política" era resultado de uma avaliação do fim do modelo de
formar credores em sócios") e o aumento do espaço para as multi- industrialização baseado na substituição de importações e no esgo-
nacionais. Nesse ponto, Simonsen faz uma crítica dura da Lei de tamento de padrão de financiamento do setor pú?lico. O modelo_ ~a
Informática e uma entusiástica defesa do papel das multinacionais: substituição, baseado no fechamento do mercado mtemo e na ~art1ci-
elas trazem "capital, tecnologia e geram empregos" (23). Para Simon- pação do Estado, origina distorções como o não desenvolv1men'.o
sen, o desenvolvimento tecnológico é praticamente sinónimo de pelas empresas de tecnologia própria. "Fatos novos" no cenáno
multinacionais: " ... que o país deve procurar dominar a tecnologia internacional, como a Revolução Tecnológica exigiam ações como a
moderna é ponto àcima de qualquer discussão. Só que a solução nova política industrial. .. .
positiva não é reinventar a roda, expulsando as multinacionàis que O objetivo da "nova política" será, _então, o de ... c_nar as pré-
desenvolvem essa tecnologia". condições para a retomada dos invesllmentos numa direção mo-
A solução defendida pela FGV e por Simonsen tem um primeiro demizadora e de evolução autónoma da iniciativa privada" (24).
problema que é o do papel do capital estrangeiro: além de agudizar a O documento governamental considerará a iniciativa privada
dependência do país, subordinando-o passivamente à divisão inter- como o agente dinâmico, é explícito na defesa da intensificação da
nacional do trabalho imposta pelo imperialismo, têm uma avaliação privatização de empresas estatais e, ao esti1!1ul_ar o ~.um-:nt~ d~ nível
extremamente ingênua da disposição do capital estrangeiro em vir de investimento na economia, é claro na ausencia de ... discnmmação
para o Brasil. A diminuição desse fluxo é muito mais um problema no que se refere à origem do capital, seja nacional~~ estrru:ig~(ro" (25).
vinculado à crise internacional e às mudanças do fluxo de capitais pelo Com relação à dívida externa, falará da ... poss1bihdade de
mercado mundial do que uma consequência dos "obstáculos" criados utilização dos instrumentos de conversão da dívida externa".
236 237
Definirá como objetivos da polftica o aumento da eficiência e da ,automobilistica fez queixas sérias da perspectiva de liberalização das
produtividade e a capacitação do desenvolvimento tecnológico importações de automóveis ...
autônomo. Há vários comentaristas que levantam a questão de como se
Os instrumentos básicos da política são: 1) uso de incentivos combinará o crescimento das importações de bens de capital e
fiscais como instrumentos de dinamização dos investimentos (de- tecnologia com a manutenção da atual política de pagamento dos
dução do IP! para a compra de máquinas e equipamentos, depreciação serviços da dívida externa: com esse aumento de importações pensam
acelerada de máquinas e equipamentos, redução do IPI para a compra· que o superávit comercial não poderia ser mantido no atual patamar,
de componentes para a indústria de alta tecnologia); 2) redução da prejudicando a geração dos recursos que seriam transferidos para
intervenção do Estado (fechando alguns órgãos como a STI do MIC, pagar os juros.
o Consider etc), reorganizando o CDI (que coordenará a política É ainda colocado que tendo em vista os baixíssimos gastos com
industrial) e criando os Programas Setoriais Integrados (PSI), os pesquisa (os gastos do Min. de Ciência e Tecn. em 1988 atingem
Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial e Programas somente O, 7% do orçamento da União de 1988) (27), os incentivos para
~speciais de Exportação; 3) liberalização de importações e 4) incen- a ampliação destes gastos não são relevantes. ·
tivos para pesquisa e desenvolvimento industrial (dedução do IR para Relacionando essa "nova política" com os "gargalos" que iden-
gastos com pesquisa e desenvolvimento, deduções para a compra de tificamos na presente crise económica, podemos dizer que ela não
royalties, assistência técnica e científica para as indústrias de alta aponta para a sua superação, O problema chave é o das fontes do
tecnologia ou de bens de capital não seriados). financiamento da retomada dos investimentos: a "nova política" se
As reações dos empresários e economistas a esta política foram limita a alguns incentivos e à retirada de alguns obstáculos a esses
positivas: em geral, saudaram-na como um passo em direção à investimentos. No entanto, os determinantes da queda de investimen-
modernização, ressaltaram o fim do peóodo de substituição de tos durante a década de 80 não são apenas essa falta de incentivos e a
importações. A liberalização das importações é vista como tendo burocracia. Para a ampliação dos gastos com pesquisa e tecnologia,
vindo de encontro aos interesses da indústria nacional que necessita não bastam algumas alterações fiscais: sem um plano governamental
importar equipamentos para ganhar competitividade no mercado pesado (a exemplo do que é feito nos países capitalistas centrais),
mundial. dificilmente haverá uma alteração substancial nos gastos nesta área.
No entanto, poucos dias após a publicação desta política, alguns No geral, esta política parece caminhar em direção a uma readap-
setores industriais (especialmente o segmento produtor de bens de tação passiva às mudanças recentes da divisão internacional do
capital) começou a levantar considerações cólicas à liberalização das trabalho, facilitando a movimentação do capital mulpnacional (que
importações, na medida em que os vários produtos estrangeiros que teria mais facilidade de ajustar a~ suas plantas industriais aqui
têm similar nacional passariam a ter grandes vantagens, prejudicando instaladas à função que lhes atribuem no esquema de trabalho da
assim a indústria nacional. Os empresários começaram a pedir "cau- corporação), facilitando a modernização do setor exportador da eco-
tela" nas mudanças tarifárias para as importações, porque se a redução nomia brasileira (possibilitando que elas possam comprar os equi-
das taxas for excessiva, "... tomando acessível qualquer tipo de máquina pamentos que precisam e que a produção nacional não atende de
estrangeira, a tecnologia deste setor, adquirida nos últimos 30 anos imediato) e localizando o patamar do desenvolvimento tecnológico
desaparecerá" (26). como o do alcance do domínio das tecnologias necessárias para que o
A liberalização das importações é considerada como positiva para parque produtivo atinja esse novo ajustamento à divisão internacional
quem está em condições de competir mas argumentam ser prematura do trabalho. Isto é detectável pela liberalização dos gastos com
para alguns setores que desprotegidos não suportariam a concorrência royalties e assistência técnica sem esta medida estar vinculada a um
estrangeira. Dado o atraso tecnológico dos vários ramos e segmentos plano mais acabado e global de capacitação científica e tecnológica do
industriais do país (visto no Capítulo 4), é bom perguntar que setor se país.
considera apto para enfrentar essa concorrência. A própria indústria A política de privatização é muito menos uma política de retomada
238 239
d~s investimentos do que uma polftica de favorecimento do capital o que envelheceu e tainbém de estabelecer algumas indústrias de_ base
pnva??• que sonha em se apossar de algumas estatais rentáveis. da nova fase da indústria mundial (como o mais acabado dos proJetos,
E ii;_te~ssante notar que não é feita qualquer menção à redução da o de Reis Veloso, sugere). E nos parece que nenhum dos projetos
transferencia de recursos ao exterior como uma fonte de aumento da burgueses se debruça sobre essa questão chave: o "gargalo" da falta de
capacid_ad~ de investimento do país: isto demonstra o caráter inteira- investimentos não é solucionado.
mente lirmtado dessa política para viabilizar qualquer retomada mais Todos os projetos, com maior ou menor ênfase, destacain um
estáv!!l dos investimentos no país. papel importante para os capitais e recursos estrangeiros. No enw:ito,
E nece~sário ressali:ir que o lado "modernizante" dessa política nenhum deles (mesmo os mais "internacionalistas" do ponto de vista
terá alguns tmpa~tos reais, que têm relevância para a nossa pesquisa. do capital) buscain avaliar o que se passa na movimentação presente
Segurainen_te ,as importações de bens de capital e equipainentos mais dos capitais pelo mundo e portanto têm uma posição incorreta sobre
modernos (~numeros com base na microeletrônica) tenderá a se elevar a viabilidade de uma retomada dos investimentos estrangeiros em uma
~ando segu1m~nto à tendência que constatainos nas discussões ante~ dimensão suficiente para viabilizar a retomada do crescimento econômico
nores de ainphação do peso relativo de máquinas e equipainentos com do país. A subestimação da dimensão da crise internacional e do
base na. mic_roelet~ônica em relação ao total dos gastos com os caráter dependente da economia brasileira é responsável por esse erro
convenc10nais. Facilitar a importação significa mais entrada dos bens (poderíainos dizer que é exatainente durante a crise que o caráter
menos produzidos internamente -que são exatainente os mais sofisti- dependente vai ser sentido com mais vigor!).
~ados tec1:ologicainente- e uma certa pressão sobre o preço dos bens o primeiro grande erro é sobre a "disposição" do capital estrangeiro
Já prO?uz1d_os no país. Este, como os fabricantes de comandos em vir massivamente para os países dependentes. Toda a argumen-
numéncos, Já s~ empenham em reduzir os seus próprios preços, que tação de que deve se flexibilizar e liberalizar as legislações relativas
seg~ndo o presidente?º SINDIMAQ " ... no início do processo de ao capital estrangeiro deixa de fazer uma pequena perguni:i: havendo
fabncação eram de seis vezes o preço dos similares estrangeiros e
agora já baixarain três vezes"(28).
1 essa maior liberdade de movimento, qual será o fluxo mais provável
desse capital? Alguns economistas responderão que com uma maior
~ode-se avaliar, assim, um efeito que facilita o aumento do peso
! liberalização aumentar-se-á a fuga dos capitais dos países ?ependen-
relativo dos bens com base na microeletrônica na composição futura tes, aprofundando assim a transferência de recursos em direção aos
da f?~ação bruta do capital fixo, mas a dimensão absoluta dessa países imperialistas e não o que é defendido por todas as propostas
participação é inseparável da dinâmica global dos investimentos, burguesas de superação da crise. Stanley Fischer, do MIT, afinnará
!anto,pelo !~do do seu aumento global como pelo lado do aumento do que" ... a liberalização conduzirá certamente à mais e não à menos fuga
item máqum_as e _equipainent~s" no geral da fonnação de capital. E de capitais" (29). .
essas duas vanáve1s estão associadas à retomada geral dos investimen- Há assim, uma mudança persistente e duradoura na direção do
tos, que como vimos, não tem uma resposta concreta no novo "plano" fluxo internacional de capitais entre os países imperialistas e depen-
apresentado pelo governo Samey. dentes, mudança relacionada com alguns aspectos da dinâmica inter-

, 2J O que é possível ~ara o capitalismo brasileiro fazer no atual


estag10 da fase depressiva da onda longa?
Qualquer retomada estável e sustentada do crescimento económico
?º p~s não depende apenas de um retomo às taxas históricas de
~vestimento da economia brasileira: dado o envelhecimento da
' nacional da crise. A partir da virada da tonalidade da onda longa (que
em tomo dos anos de 1974 e 1975 passa de expansiva para depressiva),
a superação das várias recessões internacionais têm se dado d~ uma
maneira distinta. Na primeira fase (entre 1974 e 1979) a cns~ se
caracterizou por se centrar nos países i1:1perialistas e n~o se _combmar
com uma crise generalizada no terce1ro mundo (cuJa cnse se es-
mfraestrutura produtiva, dado o maior afastamento do patamar tabeleceria em tomo de 1981): assim, foi possível uma saída pelo lado
t~cnológico internacional, a retomada do nível histórico dos inves- da demanda, utilizando-se de um crescimento do mercado mundial
timentos deve ser combir.ada com investimentos capazes de renovar (terceiro mundo, países da OPEP e mesmo as economias planificadas)
240 241
que vai funcionar como um "mercado de substituição". Os emprésti-
mos fáceis desse período são parte dessa dinâmica. . d ·tais impactará as economias
direção do fluxo internacionf :.ci~rise nos Estados Unidos, a
Já no período 1979/82, a crise que começará nos Estados Unidos dependentes de urna outra ?1:11i~tivas do governo no sentido de
no ano de 1980 vai se expandir em 1981/2 para os outros países desvalorização ~o dólar,.: lillC •cano repercutirão em economias
imperialistas e se combinará com a crise nos países do terceiro mundo, diminuir o déficit comerei amen 'ericanoumpesoirnportante.
que não poderão funcionar mais como "mercado de substituição". É que têm naexportaçãoparaorner~ª?? amdemonstra a fragilidade dos
a primeira vez que há um caráter mundial da crise (que afetará também A médio prazo, eles tendem a c:rà !~emização da economia para
os países de economia planificada). É o período onde começa a projetos que dão um p~pel cen~ nais Essa política teve sucesso na
reversão do fluxo dos financiamentos internacionais, que param de disputar os mercados mternaciolític~imperialista: com as mudanças,
chegar aos países do terceiro mundo.
década de 80 porque era ess~ªpo lítica exportadora parecem se e n-
No período 1983/1987, há uma recuperação económica apoiada os elementos do sucesso ª po tido ode ser percebida, na
basicamente pelo déficit públi,co americano, que sustentará a demanda fraq~ecer. Algum~ rnudanç;tines:d~~~riaJ" ~que é definida de uma
interna nos Estados Unidos. E um período onde há uma supervaJori- medida em que a ~ova po ca rn rocesso de negociações com o
zação do dólar, um fator que contribuirá para a expansão das impor- maneira bastante arttculada com u p d das un· portações
tações da economia americana. Esse impulso importador dos Estados . . · a alguma retorna a ·
FMI • enuncia mcentivos par dro ue a nta conjunto das
Unidos será decisivo para sustentar o superávit comercial de eco- Esses elementos compõem um qua ~ ·oho período de crise
O
nomias como a brasileira. As exportações, como vimos, foram o fator limitações da política ~e "abertura para o ex n
básico que alimentou a recuperação económica dos anos de 1983 e
1984. do capitalismo rn~n~tente retornada expressiva dos investirnen~os
Frente a uma
estrangeiros, me . av a1·iai: a política
é necessário aí de conversão da dívida
É um peifodo de aguçamento das contradições interimperialistas,
onde dada a produtividade maior de economias como a do Japão e da externa em investimentos prod~ti:s.~~ lxt:~a é antes de mais nada
Alemanha, elas receberão essa nova demanda criada pelo déficit Essa política de co~versão : vido capital estrangeiro sobre a
público americano. A dinâmica de financiamento desse déficit deter- 1
uma maneira de ampliar o _con rodi~ ente do Citicorp, " ... no Brasil
minará uma política financeira que atrairá capitais de todo o rn undo em economia nacional: como diz u~ rn !tivo muito melhor do que um
direção a economia americana, que passará a ser a maior devedora a participação em uma empresa uvinte anos constantemente rene-
mundial. O Japão passará a posição de maior credor internacional. empréstimo ao Banco Central, de s"(31) Éumapolíticaque
Na fase atual (aberta com o crashdeoutubrodel987), é previsível gociável e à taxas de juros cada vez menore investimentos, mas
uma contra-ofensiva dos Estados Unidos com a queda do dólar no fundamental não gera re~ursos novo:lr~~:~sempreendirnentos já
(buscando revenero seu déficit, com queda de importações e aumento
amplia a Pai;ticipação d~ cart~a~~~::~ternacionaJ conquistar novas
de exportações), contra-ofensiva limitada dado o caráter estrutural de existentes. E uma m_aneira o Embora não estejam no centro da
seu déficit comercial: a queda da produtividade da economia ameri- fatias de mercados unportantes. do dos países do terceiro mundo
cana não possibilita o aproveitamento da queda do dólar na dimensão . . · en·alista os merca s . d
disputa mter-unp • . aranti-los é O estabelecimento . e
imaginada pelas autoridades americanas. A batalha principal entre os são disputados e ui:na rr_i~eira de g Assim a política de conversão
capitais se trava pelos mercados dos países imperialistas. A esta altura,
associações de capit~,Joánt-ve~~:;:periali~ta para a atual situação
os países do terceiro mundo, além de pela crise não poderem desem- da dívida é uma política . cap
0
afses do terceiro mundo, é
penhar o papel de mercado de substituição, estão condenados ao de impagabilidade da dívida exte:pt~~ro dos laços da dependência,
pagamento dos serviços de suas dívidas. Só o Brasil, México, Vene-
uma consolidação
tranfonnando ou mesfinmoanceiro
o vínculo um_a para o controle direto do capital no
zuela e Argentina transferiram entre 1982 e 1985 US$ 48 bilhões para
os Estados Unidos (30).
interior da economia nacional. . lógica clara: um
Assim, a presente crise internacional além de estabelecer a A política da conversão da dívida tem uma rande
242 exemplo são os capitais japoneses, que têm demonstrado um g 243
interesse nos setores de mineração e energia em suas operações de
conversão. No Brasil, seguramente a eletrónica deverá estar entre , A partir desse ponto de vis~, é poss~v':I div_idir as e~tratégias da
essas prioridades. burguesia brasileira como um aJuste à divisão mtemaCJonal do tra-
Já as operações de conversão para investimentos novos envolvem balho mais ou menos passivo: umas querem barganhar um papel a
a participação do Estado, que lançará títulos da dívida pública para partir de iniciativas tomadas internamente e que apontem para a
pagar os títulos da dívida externa (cotados em dólar). Ou esses novos ocupação pelo capital nacional do máximo espaço possível que ele
mvestimentos são pouco significativos e não afetam o montante da está habilitado para ocupar e outras deixam de lado esta iniciativa
dívida pública e seus serviços, ou esses investimentos têm im- interna, optando por uma adequação mais automática ao que o capital
portância e ampliando a dívida interna impactarão a economia brasi- internacional "quer" da economia brasileira.
leira agudizando um de seus "gargalos" mais importantes. A situação da economia internacional determina o espaço para_ a
Desnecessário comentar que as operações da conversão, abrindo superação da crise da economia brasileira. No entanto, é neces~áno
um novo filão de negócios para o capital financeiro, aumentará a observar que a existência de um projeto claro _e c_iue hege~omze o
especulação, as negociatas e, neste sentido, a própria fuga de capitais. conjunto das classes dominantes é um fator que limita a capaCidade da
burguesia brasileira de "tirar proveito" da crise internacional. .
Não parece, assim, ser uma política de conversão da dívida uma
fonte de financiamento capaz de impulsionar um novo ciclo de É razoável pensar que em um momento em que as contradições
crescimento. interimperialistas se acirram, cresce o número de brechas para a
Em relação ao capital estrangeiro, é necessário concluir pro- "conquista" de novos espaços por economias dependentes. Para que
c?rando raci?ci~ar em termos da presente fase da onda longa depres- se aproveite essas brechas duas condições básicas devem estar presen-
~1va. Em pnme1ro lugar, há uma disputa interimperia!ista forte e tes: uma vontade política de enfrentar o endurecimento dos laços de
mtensa, onde cada nação e cada multinacional busca se posicionar da dependência, gerando uma capaci?ade de ação mais ~pia par~ o país
melhor maneira possível para os embates e os conflitos. O fim da (que hoje significa antes de mais nada uma política otens1va _em
h~gemonia ameri_cana ': o _não estabelecimento de uma nova hegemo- relação à dívida externa) e a existência de u~ agressivo proJeto
1:1ª no campo do 1mpe_nal1smo aprofundam a gravidade e as perspec- político económico que lance o país em um no~o c1cl? ?e crescun1;nto.
tivas da duração da_c~se, na medida que as possibilidades de coope- A inexistência de um e outro é que determma adi visão de proJetos
ração entre os cap1ta1s para a superação da crise é por definição burgueses atuais entre os de ajuste mais ou menos passivo à divisão
impossível. internacional do trabalho que se desenha. Isto expressa bem algumas
Nesse contexto, cada nação e cada empresa multinacional tenderá limitações estruturais da gestão burguesa do país, que tanto a incapa-
tirar o melhor proveito possível de posições que já conquistaram no cita a resolver os problemas históricos do Brasil como o condena a
mercado mundial para financiar a busca de melhores posições e mais uma situação de atraso.
recurso~ para a disputa. Daí a pressão sobre os países dependentes para
~sf':nr recursos para_ os centros imperialistas e daí a cobrança de 3) A crise e a presença do movimento operário na cena política
mais libe~dad~ de movimentação internacional do capital. Para que Identificada a profundidade da crise e as dificu_Jda~es q~e a
~a multinaCJonal trace sua estratégia, ela deve contar com a possi- burguesia tem encontrado para superá-la é necessá~o disc?tir _as
bilidade de explorar da melhor maneira tal ou qual filial, estabelecer relações do movimento operário com ela: há uma combmação médita
1 na história brasileira entre uma crise em aprofundamento e um
no~as ponta~ em-vários mercados, utilizar filiais que devem se tomar
mais pr~uti_vas para poder conquistar um determinado mercado movimento operário e popular no qual a política de indepe_ndência ~e
~strange_1ro. E uma luta para um ajustamento às mudanças da divisão classe é hegemónica em seu setor organizado. Essa combmação c~a
mtema~onal do traba)ho, que essa própria movimentação do capital um grave problema para as classes dominantes que não JXJ?em mais
determma. E é esta lógica que determina o pontencial "modemizador" contar com um setor do movimento operário de peso sufiCJente para
do capital estrangeiro. realizar uma política de conciliação e de defesa dos interesses bur-
244 gueses em seu interior.
245
. ~sta situação na correlação de forças entre as classe
i:a~!:~ par~ 0 exame das possibilidades de superação da ~~~/;f ~ Fonte: DESEP, CUT
de dispu~::;:ianie_~ podclae-s~ afumar que se vive no Brasil um período
. . sru a crise, onde se confrontam de um lad0 Uma mobilização desta dimensão é um problema para a efeti-
vários projetos burgueses em busca da definição de 'uma h • ~s vação de qualquer política burguesa.
clara e de out . egemoma Mais do que lutas isoladas, o movimento operário esboçou várias
volvim~nto e acroum, ulumandmo~vunento operário e popular em desen-
,orças e experiência tentativas de greve geral (07/83, 12/86 e 08/87), que são elementos
dos ~:s~tado desse proc~sso (que não é imediato) depende, assim, importantes para a construção de uma dinâmica unitária mais sólida.
0
ramentos da cnse económica mas também do 6 . O êxito da greve geral contra o Plano Verão (03/89) explicita o avanço
proc_esso de desenvolvimento político d; classe trabalhadcir~ p~o dessa dinâmica.
me?ida em que este processo for limitado, as classes dominantes t~rãi O nível atingido pelo movimento se caracteriza por já ter al-
m~s espaço e fôlego para impor a sua saída da crise Quanto mai cançado a capacidade de inviabilizar algumas políticas apresentadas
sólido o avanç? político da classe trabalhadora, maior~s dificulda s pelas classes dominantes. O melhor exemplo dessa característica foi
para a burguesia. O resultado eleitoral d.e 1989, com os 31 milhõe/J! a recusa feita pela CUT e pelo PT de apoiar uma proposta central da
votos eám Lula, expressa a força dessa alternativa dos trabalhadores política da "Nova República" quando de sua instauração: o pacto
que est sendo construida. social. O encaminhamento daquela política daria um bom fôlego para
197314 as classes dominantes.
abert~ em di'.111te, com o fundo período contra-revolucionário
• vem o movunento operário e 1 . A situação presente do movimento operário é o de estreitar a
espa9os na. ce?a polí~ca. do país. Da ie~g~:~ac~~q~~:~~t~sm~; margem de manobra da burguesia: ela não tem mais as mãos
~posições smdi~ais e smdicalistas autênticos, à fundação do PT !da inteiramente livres para fazer o que bem entende na sociedade
E UT, o que se veé um a~mento da presença política dos trabalhadores brasileira.
di~s~ proceJ:'o é combmado inicialmente com a crise e O fim d~ Para impor o seu projeto de superação da crise, as classes
a ura r:1 tare, posteriormente, com a nova forma de domina ã dominantes precisam derrotar um movimento que lhe estreita a
bur~esa unposta _no país, a chamada "Nova República". ç 0 margem de ação. Para impor a sua saída da crise, deverá a burguesia
alterar a atual correlação de forças em seu favor.
:!f:i~t~:~~~:~~
. que o movimento operário acumulou nos últimos 15
dar a capacid~de de lutai: para defender 0:~:us
do pela dimensão dos movunentos grevistas desde
1979 , como mostra a tabela
é
Essa alteração da correlação de forças pode se dar de várias
maneiras (embora não seja a hipótese mais provável a de um golpe
abaixo. militar), sendo que em todas elas a condição objetiva tem um papel
chave. O movimento operário e popular após dez anos de ascenso
Tabela XXXIII começa a viveruma situação de impasse, com o esgotamento do estilo
de ação que prevaleceu até então: é necessário um salto de qualidade,
Número de grevistas por ano que signifique uma capacidade de ação mais unificada (extravazando
Ano a dinâmica mais corporativa das lutas) e mais politizada (capacitando-
Trabalhadores em greve nº de greves se a enfrentar a política apresentada pelo governo e capitalistas e
1982 695.930 apresentar alternativas a ela). Esse salto expressará a aquisição de uma
1983 147
3.187.130 330 nova capacidade de luta, novas energias que alimentarão um novo
1984 1.616. 790 ascenso geral do movimento de massas (que transformará a corre-
1985 443
6.071.214 676 lação de forças em favor dos trabalhadores, dificultando a saída
1986 8.254.140 burguesa da crise). A inexistência desse salto poderá abrir espaço para
1987 1267
12.047.000 1052 que o movimento entre em refluxo, colocando em risco as conquistas
246 de duas décadas de lutas.
247
Aoutraalternativadealte ã da
uma ofensiva burguesa em di rai oà correlação de forças poderia ser dos gabinetes de Delfim Neto; Luiz Gonzaga Beluzzo, artífice do
do movimento operário E reto cooptação de setores expressivos Cruzado; Antonio Kandir, membro da equipe de José Serra. O plano
amadurecimento da co~sJ:~ciatemati~a é menos provável, dado o é urna síntese das diversas experiências gestadas pelas classes domi-
entre os principais setores da di ãcl~s1sta ~ mesmo revolucionária nantes nas últimas três décadas. Tudo sob a batuta desta outra
O O
(PT e CU1) e dada a incapacid:e mo~ento dos trabalhadores "síntese" chamada Collor, o Presidente que foi da ditadura, da "Nova
de vulto que viabilizem O a . d da burguesia em fazer concessões República"...
seus projetos. pom e setores de peso do proletariado a Tudo isso para aplicar a mais velha das terapias anti-infla-
Essa rápida discussão sobre . cionárias ortodoxas: a recessão. Expressando uma característica inar-
completa a lista dos elementos ne o mo~unento operário e a crise redável da nossa fase do capitalismo, o Estado administra e impõe uma
burguesiadeumnovociclodecres ~essários para a_viabilização pela recessão à sociedade. O autoritarismo de sua implementação chega a
uma retomada significativa de in cr~ento econôm1co sustentado por desrespeitar até mesmo uma constituição montada para servir as
hegemônico no interior da bur;'!~~e~)tos: l)_adefi?içãodoprojeto classes dominantes. A inconstitucionalidade das medidas aponta até
financiamento que garantam • a eX1stênc1a de fontes de onde Collor pode ir.
ciclo (que envolve a recuper:;~~~otà altu_ra das exigências do novo O Plano, produto de uma conjuntura de elevada polarização
retomada dos investimentos e r e ~anciamento do Estado e uma social, aprofunda a dinâmica de confronto. Esta é urna diferença
correlação de forças em favor d:~~~geir?s) e 3) ur:ia alteração da substancial com o finado Cruzado. O Plano que Zélia assessorou é
de manobra na cena política guesia que amphe a sua margem diferente do por ela comandado, exatamente pela maneira como
4) O pós-Collor· o pla~o - encara a correlação de forças existente na sociedade. No Cruzado, a
Competitiva • 'ª recessao e a chamada Integração tentativa de pôr fim à inflação baseou-se na compreensão da existência
O resultado das eleições de 1989 10sta
. de urna dada situação do movimento operário, que crescia nas lutas
história política do país. 0 ovem ~r~ ~m novo momento na pelos reajustes trimestrais; ao mudar as regras do jogo, buscou-se
vamente para a implementa~ão d o C?llor im':1a-se partindo ofensi- congelar a correlação de forças existente, impedindo a continuidade
combate à inflação • ...:cula o projeto neoliberal. O seu plano de da melhora desta correlação em detrimento da burguesia. Jáno Plano
=u -se com esse p · t · .
novo momento essa mudan d . roJe o, smteazando esse Collor, embora parte da presente correlação (disfarçando a perda
crise. ' ça e qualidade na disputa da saída da salarial no primeiro mês, utilizando-se do marketing sobre as "perdas
De um lado as classes do · de 10% da sociedade"), tem como meta alterar a correlação de
eleitoral, contando com a ex m;n~tes, com o fôlego da vitória forças atual, em detrimento dos trabalhadores, transferindo para o
governo, ainda não refeitas d pec ativa da população com o novo plano da luta de massas a derrota sofrida no plano institucional.
angustia do "esta é a nossa úfti:~t~:a vo;;ção do Lula e sofrendo a A derrota do movimento operário é um pressuposto essencial para
operário e popular, com uma . ance : Do outro, o movimento a viabilização do Plano Collor. Aqui reside a explosividade da
brasileira, com a força da CUT J'osição smgular na cena política conjuntura aberta com a sua decretação: ele começa a ser aplicado a um
0
Popular, com uma dinâmica d' es~m penh? do PT e da Frente Brasil movimento em condições de resistir e pretende, durante a sua vigência,
da última década, que a derro~ac:~:tunento impressionante ao longo impor-lhe urna derrota.
choque nasceu o Plano Collor torai abala mas não abate. Deste As analogias feitas pela imprensa burguesa podem serinstrutivas.
4.1. O Plano Collor e a ~orrelação de~ Em 1948 na Alemanha, quando a reforma monetária que "inspirou" os
E um plan · ,orças economistas ora "colloridos" foi realizada, existia nada mais nada
É um plano m~s abran?ente que o Plano Cruzado
° CUJOS arquitetos d · . ·
para sustentá-lo: Mário Henri u . enunciam a aliança estabelecida
menos de que um exército de ocupação presente e o movimento
operário esmagado pela ditadura nazista e pela guerra. A reflexão
publicamente desmanchand q e Simonse~ nas sombras e bastidores sobre os pressupostos para a viabilização daquele plano de estabili-
248 .,. • lbrah"1m Ens,
o-se em elomos· . egresso•
zação traz dados preciosos sobre a guerra de Collor: ela não é urna mera
249
figura na luta contra a inflação, é o que pretende muver contra os ao capital estrangeiro, não há dúvida, Collor fez "tudo que seu mestre
setores organizados e combativos no país. mandou"! Radicalizou vários pontos da política industrial do Sarney.
. Na guerra contra a inflação, a maior arma de Collor é a recessão, Já o sistema financeiro nacional mantêm-se firme, assumindo
Sllilultaneamente causa e consequência de uma derrota dos traba- novos papéis, que talvez compensem algumas perdas ~om o pacote.
lhadores. Caus~, pelo desei:riprego que impõe, pela desarticulação dos Os leilões de conversão de cruzados novos em cruzeiros terão um
setores combativos, pela gigantesca chantagem que faz a cada traba- papel central na economia daqui em diante. Os bancos estar~o ativos
~ador. Consequência, por significar a quebra de importantes meca- nele, intermediando os clientes, e com toda a sua capacidade de
rusmos ?e defesa do movimento, a sua incapacidade de imporpolíticas
alternativas eficazes.
adaptação, cobrando pelos novos _serviços prestados, quem sa~
mesmo estabelecendo um verdadeiro mercado paralelo de cruzeiros ,
ª:~
4.~- A preservação do grande capital e a amplitude da com uma taxa dupla para o deságio. Há, ainda, um ponto que merece
recessao toda a nossa atenção: os bancos estão "obrigados" a comprar os
O centro do marketing "collorido" é a afirmação sobre as perdas certificados de privatização. Em que condições? Em que volume? Para
de I? % d~ população e os ganhos de 90 %. Mais uma farsa, mais uma adquirir quais estatais? A que valor? Na verdade, o capital d~ si~tema
do Pinóqmo. Não podemos cair no impressionismo frente às pirotec- financeiro nacional é o mais habilitado a participar do tão reivmd1cado
nias colloridas e à propaganda global. (pela burguesia) processo de privatização; daí o estímulo (qu_al
E~ uma entrevista ao jornal Em Tempo de abril de 1990, compulsório não sabemos, ainda) a adquirir as ambicionadas estatais.
Maulic10 Borges desmente essa versão collorida: a burguesia se Pelo que declarou o Secretário Geral do Ministério da lnfraestrutur~,
p~parou bem para o pacote, conseguiu se resguardar razoavelmente, Paulo Ximenes, a privatização das siderúrgicas começa pelas mais
pois formou estoques, está com dinheiro aplicado no exterior(particu- rentáveis, Usiminas e Tubarão. Com os recursos aí obtidos vão sanear
l~e'1:te o setor mais dinâmico do peliodo recente da economia outras para posterior privatização. Ase confirmar essa linha, os bancos
brasileira, o setor exportador, praticamente contumaz do subfatura- estão perante um apetitoso negócio ...
mento de suas vendas, responsável por uma parte considerável da A dimensão das perdas da grande burguesia nacional e inter-
e~onomia "submersa" - calculada pela FGV em cerca de US$ 50 nacional deve ser relativizada. O mito criado pela pirotecnia collorida
bilhões). sobre a indignação da direita com o pacote deve ser combatida com os
Para Maulicio não é o grande capital o principal sacrificado do elementos aqui apresentados e com uma afirmação do insuspeito
pac~te: quem realmente perdeu com o confisco foram os setores Amaral Neto (uma direita de muito pouca sofisticação), que chamava
médios. E o grande capital internacional, terá sido atacado? Pelas a atenção de alguns milionários que reclamavam: "Com º. Collor
("!"suspeitíssimas"!) declarações do Secretário do Tesouro dos EUA, vocês perderam um pedaço do jardim da mansão. Com os pet1stas no
Nicholas Brady, ao contrário, "as medidas colocam o Brasil em uma poder vocês iam perder a própria cama" (JB, 18/03/90). O pacote
posição voltada ao "mundo moderno" (Folha de São Paulo, 17 .03.90). requer das classes dominantes, um mínimo de visão para além do curto
Para ~sessores do Departamento de Comércio dos EUA," as medidas prazo e a resguardada grande burguesia tem consciência disso.
anuciadas por Collor sintonizam-se com as reivindicações do Depar- Com essa timidez com o grande capital, impõe perdas dos
tam~nto" (FSP, 17 .03 .90). Os banqueiros ingleses e americanos assalariados, dos pequenos proprietários e pequenos empresários, dos
elogiaram o pacote. setores intermediários, que são muito maiores. Collor arrochou bas-
Ao lado das concessões em termos do comércio internacional tante os limites dos saques de contas correntes, cadernetas de poupança,
(liberação das ~i:ortações, fim dos subsídios às exportações), a em parte - talvez - como estratégia para a negociação no Congresso,
adoçã_o do câmb10~vre, a volta às negociações com o "elogioso" FMI, se preparando para algumas "concessões". Mas, o essencial é com-
º. cai:ital estrangeiro marcou um ponto importante na Medida Pro- preender que há uma relação direta entre a timidez no tratament? com
v1só?ª. 155, que autoriza a conversão de títulos da dívida externa o grande capital e a ousadia em que as camadas mterrnedr~nas da
brasileira em ações das estatais em processo de privatização. Quanto sociedade e as melhorremuneradas dos trabalhadores foram atmg1das.
250 251
Também a dimensão da recessão imposta pelo pacote é consequência fortes razões para achar que não. O que costuma acontecer é que as
direta da timidez do "confisco" dos que realmente ganharam com a empresas aproveitam esses momentos de crise para rearranjar a
inflação. E a recessão imporá perdas draconianas para os 90% que produção" (33).
Collor diz beneficiar, e aí com as perdas reais de emprego e salário. Os processos clássicos de intensificação do trabalho têm lugar:
4.3- O movimento operário e a recessão aumento das horas-extras, aumento do ritmo de trabalho, reorgani-
O movimento operário, frente à ameaça (cada vez mais real e zação do funcionamento das fábricas. Foi no quadro daquela recessão
palpável) de uma recessão, deve desenvolver as seguintes preocu- que, reagindo à forte contração do mercado interno, um conjunto de
pações: 1) a elaboração de uma política de defesa frente às conse- setores industriais voltaram-se para o mercado externo como alterna-
quências da depressão económica (estabilidade no emprego, am- tiva para o escoamento da produção. Essa reorientação teve por
pliação de direitos sociais dos desempregados, abertura da contabili- consequência -para manter a competitividade dos produtos brasileiros
dade das empresas) e de luta por medidas antirecessivas (garantia da no mercado mundial - a necessidade de uma certa modernização do
manutenção de um patamar mmimo de investimentos, penalização parque industrial, particularmente nas grandes empresas multinacio-
dos grandes grupos económicos, plano de obras públicas etc), ambas nais. Foi nesse processo que ocorreu a primeira "marola" de difusão
articuladas com a nossa alternativa global de combate à inflação de inovações tecnológicas com base na microeletrónica.
simultâneo ao desenvolvimento de um projeto democrático e popular; Esse duplo processo, a reorganização da produção (para enfrentar
2) defesa de direitos democráticos, em particular da organização, o mercado externo) e a modernização (para enfrentar a recessão)
incluída a por local de trabalho; 3) toda atenção para a ação dos grupos engendrou uma elevação da produtividade em diversos setores da
económicos no sentido de "utilizarem-se" da recessão para avançar na indústria do país.
racionalização da produção e na criação de condições para a intro- Durante o Congresso Nacional da Indústria, realizado em novem-
dução de inovações de uma forma desfavorável ao conjunto dos bro de 1984 o economista Adroaldo Moura da Silva declarou que" ...
trabalhadores. houve algo positivo na profunda crise que abalou a economia brasi-
Este último aspecto merece nossa atenção, dada a suf relação com leira: as empresas reestruturaram-se e adotaram novos métodos de
o avanço das inovações no parque produtivo do país. E interessante produção". No mesmo Congresso, o então vice-presidente da FIESP,
relembrar o que foi muito destacado no período de recessão económica Paulo Francini, apresentou o dado.de que a produtividade das indústrias
no início da década de 1980: o movimento de racionalização económica paulistas havia crescido 23% em relação à média observada em 1980
foi grande. (34).
Acompanhando as consequências mais dramáticas da recessão, Durante a recessão que agora está se abrindo, não há porque isso
como o aumento do desemprego, um processo menos visível mas não se repita.
igualmente de importânica fundamental desenvolveu-se no setor A combinação de desemprego e um certo tipo de racionalização
industrial do país. A crise é um período em que todos os setores da é praticamente inevitável. Se ele vai representar uma intensificação
indústria encontram-se perante condições mais difíceis e são obri- maior ou menor da difusão de inovações tecnológicas na economia
gadas a melhorar ao máximo a sua competitividade no mercado(ou o brasileira é outra questão, decorrente da capacidade ou não da retomada
que sobre dele ... ). É um período onde cada indústria faz um esforço do crescimento da economia no médio prazo.
particular para elevar a sua produtividade. Em um artigo intitulado" A Uma retomada significará uma taxa de difusão mais ampla, mais
automação gera o desemprego ou o desemprego gera a automação", do significativa.
DIEESE, explica-se que " ... as empresas justificam as demissões A investigação deve, portanto, passar para a existência ou não
invocando uma redução da produção. O problema, então, é o seguinte: dessa capacidade de retomada. Longe de nós qualquer afirmação sobre
se as empresas que demitiram funcionários alegando capacidade a incapacidade estrutural permanente para essa retomada do ciclo
ociosa voltassem a produzir o mesmo tanto de antes das demissões, expansivo. Não se trata disso. A questão é saber se as classes
será que o número de empregados também voltaria a sero que era? Há dominantes já acumularam as condições essenciais para a detonação
252 253
deste novo ciclo. Aí parece estar o essencial: as classes dominantes não procuram
4.4- Neoliberalismo, hegemonia nas classes dominantes e a alguém com um projeto que lhes entusiasme, mas alguém que
discussão da retomada do crescimento apresentando viabilidade simultaneamente esteja disposto a lhes
Um elemento que estava ausente até o final do governo Samey era servir, a encaminhar o que definirem.
um projeto hegemónico no interior das classes dominantes, capaz de Neste sentido, o exemplo da Argentina é ilustrativo: o peronista
unificá-la tanto em termos do "para onde ir" no terreno econômico, Menen já está encaminhando um programa de privatizações distante
como em termos do enfrentamento com o movimento operário, das tradições do próprio peronismo.
obtendo assim uma alteração da correlação de forças em seu favor A ausência de um projeto global apresentado pelas classes
(uma condição sine qua non para a retomada). O número de candida- dominantes coincide com a existência de inúmeras tentativas de
turas burguesas nas eleições presidenciais expressa a falta de uma elaboração, arremedas de propostas que demonstram tanto o que estã_o
hegemonia minimamente construída. pensando (fragmentariamente) as classes dominantes, como as limi-
No final de 1989, antes do primeiro turno das eleições estava tações que estes esboços possuem para indicar um processo de
claro, ao lado desta ausência de um projeto unificador, hegemonizador superação da crise da dimensão da atual.
de parecias significativas das classes dominantes, a existência de um Foram esses os arremedas de projetos que discutimos até agora.
movimento dos trabalhadores com uma presença política e orgânica Já no segundo turno uma mudança começa a se esboçar: as
inédita na história do país. circustâncias (leia-se: confronto político-eleitoral com Lula) fez com
Esses dois elementos não são questões levantadas apenas pela que as classes dominantes conseguissem se unir contra o PT. Uma
esquerda. Ela já se faz presente no pensamento de setores das próprias união mais anti-Lula do que pró-alguma-coisa. As classes dominantes
classes dominantes. A Gazeta Mercantil promoveu um fórum com as têm demonstrado uma capacidade de se unificarem em tomo de
principais lideranças empresariais do país e apresentou uma conclusão objetivos tópicos e por pequenos períodos de tempo: foi assim no
significativa: "Há uma' angústia pela falta de um projeto nacional, Cruzado, no segundo turno das eleições, agora no plano goven:amen-
mas há, também, uma clara consciência por parte da elite de que tal de combater a inflação às custas de uma recessão. Qual a solidez da
ela está sentada sobre um barril de pólvora', constatou o eco- unidade atual? Até quando dura? Já é suficiente para viabilizar
nomista Paulo Nogueira Batista Júnior, assessor do fórum empresa- simultaneamente a administração do plano e o combate ao movimento
rial" (Gazeta Mercantil, 19 e 20.08.89). operário? Até que ponto o projeto "neoliberal" já é o hegemónico
Essa ausência de projeto global das classes dominantes explica a dentro das classes dominantes?
dispersão inicial das candidaturas que representam (ou buscavam As eleições, desde um ponto de vista da disputa den'tro das classes
representar) alternativas burguesas, expressa a debilidade das pro- dominantes, significaram a vitória de um projeto de cunho neoliberal,
postas apresentadas .por essas candidaturas. E explica também a de "integração competitiva" no mercado mundial. Esse projeto ganha
dinâmica da definição das classes dominantes: elas não podem se uma grande vantagem momentânea, mas não significa necessa-
definir a partir do que elas não têm (projeto). Um interessante exemplo riamente que vai unificar o conjunto da classe para além do curto
disto é uma reunião que Fernando Collor realizou com representantes prazo. O plano Collor de combate à inflação articula-se com esse
dos 43 maiores conglomerados empresariais do país (Volkswagen, projeto. Mas dois testes são essenciais: 1) ele terá de aproveitar da
Ford, Votorantim, Pão de Açúcar etc). Nela, os ernpresários de- vantagem e demonstrar ser capaz de impor a retomada; 2) tem de
clararam que se impressionaram mais com a habilidade política de que ganhar a confiança de novos setores burgueses para o longo prazo.,
com suas propostas. "Não parece dispor de um programa administra- Vejamos mais de perto esse projeto apresentado por Collor. E,
tivo sólido, bem preparado", resumiu um dos empresários (GM, 9/6/ assim como o seu Plano, uma espécie de síntese de vários elementos
89). Isto não impediu a citada reunião de concluir que Collor se tomou das políticas (ou dos esboços de projeto) discutidos anteriormente
uma opção concreta. Apoio foi oferecido, compromissos futuros (tem elementos da política industrial de Samey, tópicos da visão de
sondados... Bresser, muito da contribuição de Simonsen).
254 255
O que significa? formações tecnológicas exigem investimentos pesadíssimos apenas
Collor fez em sua posse uma longa defesa do modelo da ,:;hamada para criar uma indústria que viabilize o espraiamento de uma nova
"integração competitiva" do Brasil na economia internacional. As base técnica pelo parque produtivo do país. Afinal, estamos tratando
linhas mestras deste modelo são: 1) abertura da economia ao capital de um relacionamento do crescimento económico em uma época
estrangeiro; 2) dependência dos grandes conglomerados trasnacionais dominada pela rnicroeletrónica, pelos novos materiais e pela bio-
na promoção do progresso tecnológico; 3) retirada da intervenção tecnologia. Não estamos mais na era da eletromecânica. Não avançar
estatal nos setores básicos e estratégicos da economia; 4) estímulo às nessa direção é ampliar as condições para a exportação da economia
atividades voltadas à exportação; 5) participação da economia nacional nacional a um "sucateamento" generalizado.
na mundial de acordo com as determinações imperialistas da divisão O projeto neoliberal não apresenta respostas a essas questões, ao
internacional de trabalho. não indicar precisamente quais as fontes que financiarão esses elemen-
O Plano Collor articula-se com esse "projeto":. a rapinagem tos indispensáveis para um novo ciclo. A confiança desmedida nas
anunciada das empresas estatais, a abertura das importações, o câmbio forças do mercado não parece se justificar: o capital privado nacional
livre incentivando os exportadores, o "enxugamento" generalizado não tem dado mostras de estar capacitado a bancar essa retomada.Sua
que o Plano impõe à economia brasileira seguindo o figurino FMI, capacidade fica à prova em um setor estratégico como a informática
tudo isso pode ser visto como uma medida de preparação para "um onde, apesar de todos os incentivos e da reserva de mercado, não deu
novo modelo de desenvolvimento económico". A "política industrial" mostras de conseguir algo acima de piratarias mais ou menos sofisti-
anunciada pelo governo confirma isso. cadas.
Afinal, o que representa o neoliberalismo como política económica Já o capital estrangeiro não parece interessado em desempenhar
em um país dependente? No fundamental, uma inserção passiva na esse papel: a crise internacional persiste, a direção do fluxo inter-
ordem económica internacional ditada pelos países capitalistas cen- nacional de capitais prossegue mantendo-se cm direção aos principais
trais, pelas grandes corporações transnacionais. Quem define o papel centros imperialistas, a execução do figurino do FMI não tem sido uma
do país, o que produzirá etc, não é a sua própria população mas a garantia da retomada dos investimentos estrangeiros (vcja a Argentina
dinâmica do capitalismo internacional. e México, por exemplo).
O padrão da concorrência interimperialista vigente atualmente dá Fica assim à mostra a grande debilidade do projeto neoliberal para
uma pequena mostra do que pode se dar com relação a um país os países dependentes e para a presente fase de crise em esc~la
dependente. É exemplar a disputa entre os Estados Unidos e o Japão internacional: a falta do capital privado nacional e do estrangeiro
na estratégia industrial de circuitos integrados (os chips, a matéria mantém o papel da intervenção do Estado, mas ela deve ser minimi-
básica para toda a indústria de base microeletrónica). zada. A economia fica condenada a marcar passo: o sacrifício da
Na América Latina, as políticas neoliberais têm obtido algum recessão é em vão.
sucesso no combate à inflação, como na Bolívia e no Chile. Às custas Uma observação final: Collor representa um projeto de inserção
de um ataque brutal aos trabalhadores, a derrota da inflação não tem predominantemente passiva na ordem capitalista mundial e isto é uma
sido acompanhada por retomadas significativas e estáveis do cresci- diferença com relação à proposta que terminou hegemonizando as
mento económico. Guardadas as proporções, não há porque ser classes dominantes no período posterior à 1930. Voltamos a essa
diferente na economia brasileira. referência porque há essa similaridade entre 1930 e a crise da década
Os requisitos para um relançamento do crescimento da economia de 1980: o esgotamento de um padrão de acumulação no país em um
no Brasil são enormes. A brutal falência do Estado. no Brasil leva a quadro de uma fase depressiva da onda longa. Na década de 1930,
uma deterioração assustadora dainfra-estrutura: eletricidade, comuni- entretanto, o projeto hegemórúco foi de uma inserção mais ativ~:
cações, transporte, para não citar os setores sociais, requerem inves- pesada intervenção do Estado, busca de um novo papel n? ce_náno
timentos de peso. internacional, aproveitando-se das brechas abertas pela cnse mter-
O atraso tecnológico gigantesco em uma era de profundas trans- nacional. Talvez aí resida a principal debilidade do projeto de Collor
256 257
A conclusão aponta para a impossibilidade do moviment? ope-
em hegemonizar a burguesia como um todo para o longo prazo: a rário dissociar a questão da polftica económica da modenuzação
inserção passiva pode impôr perdas no terreno já conquistado por tecnológica. E essa última não pode ser tratada apenas~ nível de uma
setores do capital nacional, e mesmo do multinacional já instalado fábrica ou categoria: ela é uma componente da alternativa global dos
aqui.
trabalhadores à crise.
A consciência do peso da crise sobre os ombros da cla.sse
IV - Conclusão: Algumas Questões Sobre Um Novo Ciclo e a trabalhadora é bastante disseminada: desemprego, .redução de salários,
Presença das Novas Tecnologias Nele racionalização e intensificação do tf<ibalho (c~m a~ti:ooução de novas
tecnologias onde for lucrativo). E necessáno adic10nar uma ou~a
A primeira questão é acerca da possibilidade do novo ciclo: foram consciência: a superação da crise nos moldes imp~stos pela burguesia
vistos os vários constrangimentos a ele e a ausência de um projeto tem um custo social também elevado e que exigem uma ação do
acabado que viabilize a superação daqueles constrani,>imentos. o movimento para evitá-lo. E nesta fase depressiva da quarta o~da
ponto de partida de qualquer discussão prospectiva dos possíveis longa um novo ciclo significará uma utilização de novas tecnologias
impactos da automação com base na microeletrônica, no parque a um ponto (ainda que não comparável ao dos países avançados) que
produtivo do país, deve ser o acompanhamento da superação daqueles aguçará alguns problemas sociais crónicos no país: o aumento da
constrangimentos. produtividade nas indústrias em um país de desempr~gados e su~-
A persistência do presente impasse da situação económica do país empregados tem um impacto claro, expresso pela amplia~ã? da desi-
significará a manutenção ou mesmo alguma queda na atual taxa de gualdade social. Especiahnente se esse aumento de prO?u~v1dade não
investimento, o que determinará a continuidade da inexistência de vier acompanhado de um desenvolvimento de industnas que. ao
investimentos para a expansão da capacidade produtiva e a existência produzir equipamentos que elevam a produtividade nacional, podenam
de compras de máquinas e equipamentos com base na microele- estar criando alguns empregos a mais. .
trônica, em um patamar extremamente limitado, apenas o suficiente Assim além de se preocupar e discutir o tema, o movrmento
para algumas racionalizações do processo de produção. Nesta hi- operário de~e enriquecer o seu programa polftico para poder enfrentá-
pótese é provável a continuidade de um ritmo de introdução de lo.
inovações tecnológicas muito próxima da atual (identificadas no
Capítulo IV).
A retomada mais significativa do nível de investimentos (pouco
provável de imediato, como vimos) implicará uma demanda crescente
pelas máquinas e equipamentos mais modernos, como se mostrou no
item 2 do presente capítulo. Entretanto, essa demanda variará de
acordo com o projeto básico que estiver sustentando tal retomada.
Poderá haver apenas uma elevação da demanda por máquinas com
base na microeletrónica ditada pelas necessidades das multinacionais
em suas estratégias de concorrência mundial (o que é uma hipótese
forte em projetos de cunho neoliberal, como ode Col!or); como poderá
combinar uma elevação dessa demanda com um desenvolvimento
maior ou menor da capacidade interna de produção daqueles equi-
pamentos; ou mesmo poderá significar uma generalização um pouco
maior da "lógica da informática" pelos vários setores económicos do
país dadas as condições que facilitem essa difusão.
258 259
CAPÍTULO VI: OS PRINCIPAIS IMPACTOS DA
INTRODUÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS SOBRE OS
Notas do Capítulo V TRABALHADORES

(l)IEI-UFRJ, _vol.8, n• !, 03/88, pág.70


(2)Desenvolv1me!}tO Cl!Pil!11ista e crise, pág.45
(3)Munhoz, Dérc10, Deficit Público Brasileiro pág 156
(4)M~~h~z 1 Dércio, idem, pág.57 ' ·
5
Folh~ J~~~s~::i1o''.'\~iôJ7ci;,
8
Plano de Consistência Macroeconômica,
(6)Déficit Público Brasileiro, pág.188
(7)IEI-UFRJ, vol.7, n• 4, 11/87, pág.62 I- Introdução
de Sã~Wa'i:ii~i%~;~~ Grupo de Trabalho sobre Reforma Bancária, Folha
((9)P)Sereihra, Bresser, Mudanças no padrão de investimento REP 28 Como vimos nos capítulos anteriores o fundamental do processo
10 en or, n• 363, 07/03/88 ' de inovação tecnológica está por vir: o estágio de implantação dos
(1 !)Conjuntura Econômica equipamentos da automação com base na microeletrônica é no núnimo
(12)idem
um estágio inicial, de aprendizado e, no máximo um estágio de
(13)Castro, A!JtOnio Barros, REP 30, pág.103
(14)Rev_. ConJuntura Econômica, 11/88, pág. !O transição para uma maior utilização das novas tecnologias.
(15)Suz1gan, W, REP 25 pág 141 Assim, é compreensível o estágio inicial dos estudos sobre os
(16)idem, pág.138 ' · impactos e o caráter prospectivo de muitas discussões sobre o tema.
(17)~eis Veloso, Folha de São Paulo 09/01/88 Do nosso ponto de vista, esta discussão é fundamental para preparar
(l8)1dem, Folha de São Paulo 29/03/87 o movimento operário e popular para o que está por vir, para que o
(19)Pereira, Bresser, REP 28, pág.19
(20)1dem, pág.21 movimento dos trabalhadores possa se armar de uma estr,atégia de
(21 )Simonsen Mário Henrique O · d ação eficaz e poHticamente consequente, capaz de responder à altura
997 14/10/87 ' • risco e optar pelo atraso? Veja
o desafio colocado pela dinâmica do desenvolvimento do capitalismo
(22)idem, pág.10 no país. E uma resposta que seja tão abrangente quanto a problemática
(23)idem, pág. !O
aberta pela perspectiva de aceleração da introdução das inovações
(24);',1IC, Nova Política Industrial Gazeta Mercantil 20/05/88
(25)1dem ' tecnológicas.
(26)Folha de São Paulo, 05/06/88 A consciência da relação entre o impacto da crise e o impacto
(27)Serra, José, Folha de São Paulo 05/88 específico da modernização tecnológica deve estar presente desde o
(28)F?lha de São Paulo, 05/06/88 ' início: não podemos nos satisfazer com colocações que se auto-
Revitf:f~~;~~~t2i]811sfºr Udry, C.A., Les nouveau pieges de Ia deite, paralisam com a constatação de que não é possível discutir essa
questão no Brasil de hoje porque a crise obscurece e turva a visão nítida
(30)Udry, C.A., idem
(31)Le monde des affaires citado por Udry c A dos impactos das novas tecnologias. A colocação da dinâmica cíclica
(32)DESEP, CUT ' ' · · da economia capitalista (feita no Capítulo I) visava deixar claro a
(33)DIEESE, 1983 inseparável ligação entre uma fase recessiva da economia e a reali-
(34)Gazeta Mercantil, 29/09/1984 zação de ações no sentido da racionalização e modernização da
261
estrutura produtiva: como veremos adiante, há uma relação bastant caráter do processo de industrialização estará refletido na maneira
clara.entre as mud3;11ças durante uma fase recessiva e a preparação d~ como os impactos se darão.
condições para a mtrO?ução de inovações tecnológicas. Será essa É evidente que em um país onde o que ocorre é praticamente
relação que superará o dilema da já citada pergunta: é a automação que apenas a difusão das novas tecnologias (não há a sua criação) os
causa desemprego ou é o desemprego que causa a automação? impactos se sentirão basicamente na utilização das inovações no
Um outro ponto de partida imponante é o da não transfo~a ão parque produtivo, estando ausentes os impactos de todo o restante da
da au!om~ção com base na microeletrônica em um "bicho-papão"; ~ão cadeia de inovações.
~ a prunerra vez que o ?1ovime_nto operário se defronta com proc~ssos Ao analisarmos a questão do emprego, isto será bastante evidente,
e movação tecnológica. A história do n_iovimento traz as lições de pois não estará presente toda uma série de atividades que são ne-
como fo~am enfre~tadas uma revolução mdustrial e três revoluções cessárias para o desenvolvimento da tecnologia, não havendo assim
tecnológicas. A dinâmica do sistema capitalista de revolucionar um impacto considerável na criação de empregos no campo de
pen_nanentemente a sua base técnica é tão velha quanto O domínio do pesquisa e desenvolvimento (ou essa criação se dará em uma dimensão
âapital. Num ceno sentido, podemos afirmar que há hoje a colocação extremamente limitada, o suficiente apenas para o desmonte das
~ uma ve~a questão sob uma nova forma (ou sob uma forma "caixas-pretas" tecnológicas ou para o aprendizado essencial para o
:~:letrômca): a _q_uestão da substituição do trabalho vivo por manuseio da tecnologia no processo produtivo), Não há também o
.
0
mono, a utilização de máquinas e equipamentos cada vez desenvolvimento de toda a cadeia de indústrias necessárias à produção
mais poderosos. das inovações, na medida em que se impona muito do maquinário (ou
m. Não há i:or~~e ree_ditarmos uma posição luddista (um" /uddismo dos componentes necessários à produção deste) mais sofisticado
s;::rc:.letrômco_ ), posição que, há de se reconhecer, desfruta de muita tecnológicamente. São repercussões sobre o conjunto da economia
p lla potencial. Não há porque nos assustarmos com os desafios que são decorrência do que discutimos como "especificidade" do
que o controle burguês sobre as inovações tecnológicas colocam· processo econômico dos países dependentes.
:nal, as velhas questões e~frentadas pelo movimento também co: Uma questão interessante é a combinação singul<V entre auto-
eceram velhas respostas. E o que veremos no Capítulo VII mação e os baixos salários pagos na indústria brasileira. E interessante
'."º capítulo final, também será ressaltada a posição ímpa~ que 0 porque muitas explicações da razão da utilização da microeletrônica
movime~to º\X1rário brasileiro se encontra para responder à questão no Brasil entram num beco sem saída quando começam a fazer
tec~?lópca: Já há. uma experiência internacional acumulada (ex- cálculos sobre o tempo de pagamento de robôs (relacionando o custo
penencia que _é facilmente acessível), a difusão inicial e desigual no do robô e o da mão de obra por ele substituída). Na verdade, a
parque p~odullvo do país pennite que as experiências se acumulem no explicação da utilização das inovações tecnológicas no Brasil não
~aís previamente à difusão mais intensa da tecnologia (o que possibi- pode ser encontrada apenas neste cálculo (no Capítulo II vimos as
ta un_i ceno tempo de preparação do movimento para um momento múltiplas determinações desse processo) e - conforme alguns tra·
~stenor, de ~tilização mais concentrada das novas tecnologias). A balhos destacam • há essa mencionada (e singular) relação entre
d scussão dos unpa~tos deve ser feita tendo por objetivo a preparação automação e baixos salários: " ... os sistemas AME estão sendo
a resposta do movimento à automação e à robotização. desenhados de maneira a aproveitar o baixo custo da mão de obra no
Brasil" (39).
n. Os impactos específicos em um país dependente Essa combinação deve ser relativizada por uma questão sobre
uma outra especificidade brasileira: será essa uma característica mais
global do processo de automação no país ou é apenas uma ca-
Ao se fazer a discuss~o dos impactos das inovações tecnológicas racterística transitória, úpica da fase presente de implantação das
nãogxiemos perder de vista a especificidade do país, que definimo; novas tecnologias (um estágio de transição, onde" ... a entrada gradual
no apítulo II como dependente, embora semi-industrializado. o e seletiva dos equipamentos é uma maneira eficiente de viabilizar a
262 263
aprendizagem e a adaptação à nova tecnologia" (40) ? vezes.
.<;>utro elemento assaz evidente neste processo é o contraste entre · Já um programador anual poderá, com a utilização de equipamen-
a utiliz~ção de tecnologias sofisticadas, poupadoras de mão de obra tos e sistemas para a programação automática das máquinas-ferra-
e a realidade de um país onde o desemprego é elevado. Esse contrast~ menta com controle numérico, aumentar a sua produtividade nos
será um elemento para um permanente dilema que as classes dominan- tomos de 8 a 10 vezes e nos centros de usinagem de 3 a 5 vezes. (1)
tes terão no país (expresso de alguma forma nos diferentes projetos Alguns fabricantes de máquinas-ferramenta (fazendo uma certa
que apresentam para a economia nacional ou na crítica que é apresen- propaganda de sua mercadoria) vão mais longe, explicando o grande
tada.ª algumas de s~as versões): como combinar um tipo de desen- aumento da procura das máquinas com controle numérico ocorrido em
volvimento econôm1co que capacite a economia do país a se aproxi- 1985 da seguinte maneira: " ... com a crise muitos empresários
mar do patamar internacional, preservando a sua "competitividade" desfizeram-se do maquinário obsoleto e agora estão substituindo-o
nos mercados mundiais (o que pressupõe modernização) com a por uma ou duas máquinas com comando numérico, capazes de
supera9ão de probl~mas estruturais como o desemprego acu~ulado? ampliar em cerca de 20 vezes a produção de uma máquina con-
Esse dilem_a (ms~lu~el para ela) é mais uma mostra da incapacidade vencional" (2).
da burguesia ?ra_sileua de modernizar o país e atender às necessidades E poder-se-ia multiplicar ao infmito os exemplos e os dados sobre
da grande maiona ?ªpopulação.São elementos que devem fazer parte os acréscimos de produtividade possibilitados por cada equipamento
da resposta operária à modernização tecnológica com base na microeletrônica (robôs, CAD/CAM, etc). O que se quer
Esses rápidos comentários pretendem apena~ destacar a necessi- aqui é partir para a discussão sobre os impactos já apontando que o
dade de não perder de vista a preocupação metodológica com O que é fundamental é sempre buscar.quem está lucrando com o indiscuúvel
a repercuss~o. específica das novas tecnologias em uma economia aumento da produtividade que essas modernas máquinas trazem.
~mo a ~ras~eua: é a melhor maneira de aprender com as experiências Afinal, não há nenhum determinismo nas consequências que a
mtemacionais e de se preparar para enfrentá-las. utilização das novas tecnologias podem trazer. Pois é positivo o
desenvolvimento e a introdução de equipamentos que multipliquem a
ill- O~ ~rincipais impactos da introdução das inovações produtividade. A questão será sempre quem lucra com os ganhos de
tecnolog1cas produtividade, combinada com a de como e onde estão sendo usadas
as novas tecnologias. Já na maneira como colocamos as questões deve
estar implícita a possibilidade de um uso alternativo delas.
O ~ssencial d? discu_ssão na tecnologia é saber quem controla a 2) Emprego e jornada de trabalho
sua aplic~ção_. Assim, a discussão sobre os impactos se dará em tomo Neste ponto, é inteiramente evidente as repercussões do controle
dos ~ue tem sido detectados a partir de um determinado uso e controle empresarial sobre as novas tecnologias: é inteiramente óbvio que se há
das movações tecn~lógicas: o controle pelos empresários e a pequena um aumento da produtividade com a sua utilização, ela pode ter como
presença de 1:1~camsmos eficazes de controle de movimento operário consequência seja uma redução das horas de trabalho (o mesmo
sobre esta utilização. número de trabalhadores gasta um tempo de trabalho menor para
1) Aumento da produtividade atingi rum determinado nível de produção) ou uma redução do número
. Este é o impacto central: a utilização das máquinas baseadas na de trabalhadores (a economia de tempo de trabalho é_traduzida com a
micr°':le_trônica possibilita a obtenção de índices mais elevados de demissão de trabalhadores que ficariam "ociosos"). E uma opção que
produtividade. depende do controle do uso da tecnologia e da correlação de forças
Os dados sobre isso são variados. entre trabalhadores e patrões na sociedade e na empresa.
No _campo das máquinas-ferramenta, a comparação entre um O caráter desfavorável das relações de forças a nível social e de
tomo uruversal convencional com um tomo com comando numérico empresa no atual período se expressa até na estaústica dos estudos
mostrará que este será capaz de reduzir o tempo de usinagem de 2 a 5 sobre os impactos: uma determinada tecnologia é apresentada segundo
264 265
edida do nível de atividade do
o número de trabalhadores que ela pennite deslocar. Segundo um ~heques cos:rq~~a~~qsu:~ºoue:~:go cresceu 10,2% o volume dos
relatório da Secretaria Especial de Infonnática, por exemplo, a intro- setor, ver- - d bro 19 6% (6) ·
cheques compensados aumentou quase o o ' ' .
dução de uma máquina-ferramenta com controle numérico desloca de
3 a 5 operários e um robô de 4 a 8 trabalhadores. TABELA XXXV
É assim compreensível porque há uma identificação instantânea
no movimento operário e junto à população em geral entre automação Número de Cheques
e desemprego: a introdução de novas tecnologias vem quase sempre funcionários compensados
associada com a demissão de um conjunto de trabalhadores. Período
A utilização deste controle empresarial pode ser mais sutil, 100,0 100,0
buscando o patronato obscurecer a relação entre automação e desemprego 12/79 120,7
12/80 103,8
que aquele controle detennina. Ao invés de serem demitidos trabalhadores · · 122,8 134,9
das velhas linhas, os empresários modernizam o processo de produção 12/81 161,3
12/82 124,3
nas linhas que serão criadas, possibilitando que novos empregos
sejam criados. No entanto, os novos empregos serão em números
menor do que o que seria criado com a nova linha utilizando os velhos variação 19,6%
79/82 10,2%
métodos. Como exemplo disso, podemos tomar o depoimento dos
membros da Comissão de Fábrica da Ford (Bairro do Ipiranga, São , .
Fonte. Relatono da Co missão. Especial
Paulo-SP): eles infonnam que para a produção de um novo modelo de para Automação Bancária da SEI
caminhão (o Cargo) toda uma área foi automatizada, sendo criados
300 novos empregos. No entanto, se a nova linha de produção fosse Não pode ser esquecido que em 1986 o sistema báa?cário f~~~
convencional a Comissão de Fábrica avalia que teriam sido criados
cerca de 1.000 novos empregos (4).
Outra variante da relação aumento da produtividade/emprego, é
o aumento da produção com a preservação do número anterior de
~::~t~:~t:!~" . " d itindo cerca de 100.000 bane nos em
l~v:~em consideraçã~ ~ idéia de q~:;~~~t~~~::
"ajuste" se deveu aos ganhos de prod_uuval.izar1dad~d~ti:dades bancárias
empregos. É o que infonna a Comissão de Fábrica da Ford de São .. " até O ano de 1986 para rac10n d
esperu~ud:um patamar técnico atingido nos anos de introdução as
Bernardo do Campo. Segundo a Comissão, cerca de US$ 400 milhões a pa á.
haviam sido investidos na construção de novas linhas de produção,
utilizando novas tecnologias: o resultado é um mesmo número de
novit~~i~~~~~~;~~ !~~~ã~:~tre automação (ou modernização)
b'l
1 d anos de crise foram anos em que se
~e~1:;~~ ;:::i~e a~;~~t~ do desei:ipr_ego, o que \evo~á~~i:0: ·
trabalhadores ocupados (10.000) passando de uma produção de 400
carros/dia em 1980 para 700 carros/dia em 1985 (5). Neste caso, ber uma relação mesmo que mdireta entre e es. . .
manter-se-ão constantes a jornada de trabalho, os salários (se não nãoarupe~ce da revista do D!EESE sobre esta relação: era um artigo qdue
tiverem caído... ). O que terá aumentado será o lucro empresarial, que um go · ulsionado pela recessão o
embolsará os ganhos de produtividade. tratava da relação _entre O desempr~go ~;;ação da produção e com a
Há ainda outro mecanismo de obnubilação desta relação. Há início dos anos mtenta com a rac1on ã todas as
oderniza ão Concluía o artigo com a afinnaç o que . ra
locais onde o crescimento do emprego ocorre, mas a um nível inferior :,idências\ndicam que as empresas se aproveitavam da cnse pa
ao do crescimento da produção: é o exemplo do setor bancário. Neste
setor houve um grande crescimento da automação em várias atividades, realizar essas mudanças. (7) · rtante para
Voltamos a insistir que essa relação é um alerta tr:1Pº
sem ter havido demissões e até mesmo havendo a contratação de novos . 1990 ano de recessão anunciada: a preocu-
funcionários. No entanto, como veremos na tabela abaixo, o aumento
da produção foi superior a esse crescimento: tomando-se o volume de
~:~i~~:1~~ ~ra:U~sºa~~ direit~S mais elementares dos trabalhad~~;
266
pooe contribuir para "disfarçar" o avanço não menos importante da
mtrodução dessas novas tecnologias sob o controle dos empresários ,recessão é atingido e discretamente ultrapassado) pode-se constatar
~ma retração do movimento abre espaço para a introdução dess~ que embora esse índice seja próximo, o pessoal ocupado em 1985 não
movações. atinge o mesmo nível de 1980. Esse será quase alcançado em 1987,
Noprocesso dos anos de recessão do início da década de 1980, a mas para um nível de atividade quase 20% maior.
~organização da produção, combinada com o início da difusão das Esses dados atestam ter sido o período de crise um período de
mov~s com b~se na microeletrônica, definiu uma elevação da reorganização da produção, com a presença de uma racionalização da
produtiVIdade na mdústria brasileira. produção evidente, confirmando que a recuperação de um deter-
Os da~o~ da tabela a seguir, onde se compara o INA (Índice do minado nível de produção não significa a retomada também do nível
!'!ív~J d~ Ativi?ade, apurado pela FIESP) com a população ocupada na de emprego. A "reorganização" da produção teve o peso mais signi-
mdust~a paulista (um dado bastante representativo da indústria do ficativo nessa mudança, embora não possamos descartar uma certa
país), ilustra essa elevação de produtividade. (9) participação das inovações tecnológicas nela. E não há porque negar
o papel que a evidente "reorganização" da produção terá numa
TABELA XXXVI possível introdução mais generalizada destas inovações: uma eerta
preparação de terreno já foi executada. Essa parece ser a visão mais
acertada que deve ser estabelecida para compreender a relação entre
Indica_dor do nível de atividade e população ocupada crise, desemprego, racionalização da produção e inovação tecnológica.
(Sao Paulo) e horas trabalhadas na produção Cabe ainda ressaltar a semelhança de comportamento entre o
(segundo a FIESP) índiee de pessoal ocupado e de horas trabalhadas. Essa hemogeneidade
ANO é um elemento demonstrativo da inexistência de ganhos em tempo
INA PO HT livre possibilitados com a elevação da produtividade. Ao contrário, os
1978 acréscimos de produtividade só são capitalizados pelos empresários
100,0 100,0 100,0
1979 106,4 com a redução do número de trabalhadores, como vimos. É per-
103,5 103,6 feitamente possível imaginar um arranjo diferente, com o aumento do
1980 112,6 107,3 108,3
1981 INA sendo acompanhado da redução do número de horas trabalhadas
103,0 99,9 95,0
1982 e pela elevação do pessoal ocupado: isto significaria que se produziria
103,6 95,0 89,3 mais, em menos tempo e com o pessoal ocupado crescente trabalhando
1983 98,4 87,6 80,4
1984 jornadas de duração diminuída. Seria uma tabela que expressaria a
108,4 87,4 83,6 tranferência de pelo menos parte dos ganhos de produtividade para os
1985 120,6 94,8 95,2
1986 135,2 trabalhadores.
104,3 106,3 A importância dessas considerações para a economia brasileira
1987 134,2 106,5 106,9 como um todo é evidente. O país possui (dados de 1985) 20 milhões
de desempregados (dados fornecidos por Belluzo, membro da equipe
Fonte: Conjuntura Econômica, 02/88 do governo naquele ano) e a cada ano entra mais 1 milhão de pessoas
no mercado de trabalho (10). São números que não deixam margem
<;~mo pode ser observado, há um crescimento superior do nível a dúvidas quanto à profundidade do problema do desemprego no país.
de atividade em relação ao pessoal ocupado na indústria paulista A sua solução pressupõe medidas de emergências para superar a
Comparando o nível de atividade do ano de 1980 (o ano anterior à "herança" e a adoção de um plano de ação capaz de atender à todos que
eclosão?ª re~ss~o) com o de 1985 (segundo ano de recuperação da entram anualmente no mercado de trabalho.
economia, pnmerro em que o nível de atividade do período pré- Segundo estudos, a taxa histórica de evolução do emprego no país
268 é a de um crescimento de 4% a cada aumento de 10% do PIB (11).
269
Dado o crescimento anual da PEA (em tomo de 2,6% a.a.) é rel)teS opç~s ?etermt~~~) o "liberal-monetarista"' há a liberação
necessário um crescimento do PIB de 6% a.a. apenas para atender o . No pnm~~~:~ti~ento~ externos e o fim de reservas de merca?o
novo contingente que chega ao mercado de trabalho. mrus ampla d . . . . diatista da tecnologia). Neste cenário,
Isso seguramente se alterará com o aumento da introdução de tbusca-s_e ~ uulizaç~o mru_s 1:~oníveldeempregoseráomais baixo.
equipamentos baseados na microeletrónica: precisará o país de crescer aproduuv1dadesubirá1:1rus, 0 "social-liberal" busca-se uma certa
mais para se obter um mesmo fudice de crescimento de emprego. E No segundo ce?áno, (B) odera ão dos efeitos do desem-
como foi visto no capítulo anterior, é inteiramente previsível que um · autonomia tecnoló;µ~a e umab~rárta m pouJi menos que na hipótese
próximo ciclo de crescimento económico e industrial lance mão de um prego: aí a produuv1dade su. 1 um
número maior de máquinas mais sofisticadas. anterior e o e~pregoári~er(áCm) ~~~acionalista", haverá uma intencion'.11
Essa colocação desnuda o simplismo das propostas que apontam No terceiro cen o • · . fi · d privilégio
.lização de tecnologias mais so suca as e od
para a recuperação das taxas históricas de crescimento do PIB como contenç ão da Uu . d bra· aqui a pr u-
uma maneira suficiente de "resolver" o problema do desemprego. Na à utilização _de té~nicas intenasmivea~o~~x~~~d:s~mp~goseráobtida.
verdade, as coisas são bem mais complexas, e mais uma vez o tividade subirá mmto pouco e
movimento operário deve ir além da mera crença na retomada do (13) . ntem claramente o dilema entre a
crescimento económico: as velhas questões de que tipo de cresci- Ess.e estudo pr~~cutç~o~! problemas sociais (que enfrentare-
mento, baseado em que setores, com que socialização dos ganhos de modenuzação ou a uu»mu
produtividade têm de estar presentes. mos no próximo capítulo). . T· bela abaixo:
Por isso, é importante a análise dos planos que os governos têm A partir dessa discussão, Tamle montou a a
feito. Analisando o Plano de Metas da "Nova República" (apresentado TABELA XXXVII
em julho de 1986), W. Suzigan descobrirá a sua inconsistência Evolução do emprego futuro para os três cenários(l984)
exatamente no que se refere às metas de aumento de produtividade e Fonte: Buarque
de emprego: uma vez checadas entre si, salta à vista sua incoerência.
Na conclusão de seu artigo, ele dirá que "... em relação à meta de 1990 1995
1984 1985
criação de empregos pelo setor industrial (3 milhões de novos 418.285
empregos até 1989), há uma aparente inconsistência com a meta do 233.244 a 244.906 312.567
PIB 370.130 472.390
crescimento do produto e, sobretudo, com o objetivo de modernização b 251.904
244.906 312.567 418.285
e desenvolvimento tecnológico. De fato, para uma meta de cresci- e
12.505,l 17.133,l
mento de 7,7 % a.a., espera-se uma taxa de crescimento do emprego Produtividade 8.815,6 a 9.344,5
12.806,7
industrial de 5 ,9 % a. a., o que dá implicitamente uma taxa de aumento b 9.080,0 10.526,2
8 815,6 9.733,0
da produtividade de apenas 1,7 % a.a., muito baixa até mesmo pelos e 8.815,6
padrões históricos, e principalmente se levam em conta os objetivos 25,0 24,4
26.5 a 26,2
Emprego 35,2 36,9
de incorporação de novas tecnologias, modernização do parque indus- b 27.7
43,0
trial, automação de processos etc ... De duas uma: ou não se vão atingir e 27,8 35,5
os objetivos da política industrial proposta ou o emprego industrial 49,l 55,8 63.5
PEA 47,9 a 63.5
não será expandido às taxas desejadas" (12). b 49,1 55,8
55,8 63.5.
Para exemplificar essa relação entre crescimento económico e e 49,1
emprego é interessante apresentar um "estudo prospectivo" realizado 22,9 30,8 39.l
Subemprego/ 21,4 a 26,6
por Sérgio Buarque, onde ele explora três diferentes cenários, cada b 21,4 20,6
qual tendo uma opção política a sustentar. É possível perceber os desemprego
21,3 20,3 20.5
e
diferentes impactos macroeconómicos sobre o emprego que as dife- 271
270
O que consideramos limitado n " . "
uma alternativa que trabalhe c estes cenários é a ausência de
a possibilidade de uma redu om ou!ras variáveis, como por exem lo sanai da utilização da nova tecnologia. É bastante razoável considerar

forças. Dado o número ex


J!~
trabalho no país, função de ::1derá~el na duração da jornadide
. ança lillportante na correlação de
a hipótese de ser possível, sob um controle distinto, a inexistência
desse déficit caso o conjunto dos deslocados fossem reaproveitados
jornada de trabalhosu rior&ress1vo de assalariados que têm uma em outras funções. A dimensão do saldo entre criados X deslocados
de pessoas) (14), a o6rlgatori~~~h~ras(em _1985maisde9milhões é determinada tanto pela opção técnica tomada (qual tipo de industria-
horas determinaria a cria ão e e l:lllª Jornada máxima de 40 . lização) como pela correlação de forças existentes (que estabelece uma

global d~ desemprego no país.


3f
empregos, quantidade expr~ssiv~ e ~lffiadame?te 2 milhões de
pacto evidente na situação
margem de manobra maior ou menor para os empresários).
A questão mais importante passa a ser as mudanças na estrutura
Por isso, medidas com rela ã . ocupacional .
ponância para viabilizar ç o à Jornada de trabalho têm im- 3) Mudanças na estrutura ocupacional
polftica que contenha elem!n;iperação daquele dilema: é por uma Esse tipo de impacto não é, também, específico da introdução das
lizar um expressivo aumento d! ~~:;:io~ss_d que poderá se compatibi- tecnologias baseadas na microeletrônica: em qualquer das revoluções
de ~uperar o problema do desem re u v1 ade com uma real chance tecnológicas anteriores houve um processo de surgimento de novos
mais do que um cenário de polí .P go no p~s. E essa perspectiva (que postos de trabalho e novas especializações, enfraquecimento e/ou
correlação de forças entre o pro~~t~c~nôm1ca é determinado poruma desaparecimento de antigas profissões.
ausente dos vários cenários na . a o e a burguesia) não pode ficar As mudanças na estrutura ocupacional impostas pela mudança da
necessidade básica e peloe~qu:::::'liJa em qu~ superar o atraso é uma base técnica da economia repercutirá na mudança das exigências de
preparação e formação profissional da mão de obra das empresas, que,
Buarque, a opção menos lesiva d~ os cenários.apresentados por S.
retróg~ada do ponto de vista tecnoló ~~to de vista social é a mais por sua vez, incidirá sobre a própria estrutura educacional (tanto a
Fma!mente há a questão da c . gi . nível da sociedade como a nível das empresas, que em momentos
comodesenvolvimentodasinova ~Ção de no~os postos de trabalho próximos à aplicação pioneira das novas tecnologias terá que "arcar"
duas o_rdens distintas de questõe/ en: te~nol?gicas. Devemos separar 1 com a responsabilidade da formação de seus próprios funcionários, o
novas mdústrias necessárias pa . pnme1ro lugar, há a criação de que é particularmente verdadeira em um país como o Brasil, onde as
tos baseados na microeletrônt"taª produção nacional dos equipamen- debilidades do sistema educacional são bem conhecidas).
O~ões mais gerais de política eco~ii':::· é uma questão que afeta as 1 No que diz respeito à automação com base na microeletrônica, em
cnação _de novos postos de trabalh ( ica) e, em segundo lugar, há a linhas gerais pode ser indicada a tendência de haver uma sensível
em detrím~n_to de outros) no interiir ~: a elevação ~o peso de alguns redução dos postos não qualificados (que executam tarefas como de
ramo de ~tiv1dade económica afetada uma determmada empresa ou alimentação e reposicionamento): estudos nos países capitalistas
tecnológica. Esta segunda que tã ~lo processo de modernização avançados estimam em cerca de 50% essa redução. Na literatura sobre
pequena polêmica. Na sua révi~ã o v~ se~ a responsável por uma o tema no Brasil, não há dados claros embora Tauile não hesite em
mação e emprego, Tauile consi; so re literatura acerca de auto- afirmar que os trabalhadores menos qualificados são os mais vul-
d~sempregador das novas tecnolo _rará que é consenso o potencial neráveis (16). A razão dessa vulnerabilidade é óbvia: são pontos do
dimensão do saldo líquido en1rf ªs mas que há" ... dúvidas sobre a processo produtivo - dada a simplicidade da tarefa - onde a substi-
0 tuição por um mecanismo automático é mais fácil, onde as difi-
emprego compensatório" (JS) desemprego tecnológico e 0
!"esta questão, parece q~e 0 culdades técnicas para a automação são menores.
considera a existência de um défi ~elh_or ponto de vista é o que Em relação aos postos semi-qualificados a substituição é parcial
trabalho deslocados X os ont c1t _evidente na relação postos de (por robôs e manipuladores). Um exemplo destes pontos são as áreas
determinado fundamentalmfnte; ~nª?º~ (?u reforçados), déficit de pintura e soldagem. Uma pesquisa realizada pelo IPEA em uma
272 m InSISllr) pelo controle empre- montadora de São Bernardo do Campo concluiu não haver tendência
à desqualificação de ponteadores e soldadores, na medida em que eles
273
automobilística. Esta é a conclusão de dois estudos sobre montadoras:
tanto confonne Peliano (17), como Rui Quadros, que afinna " ... tudo
tenderiam
uma certa polêmica entreàosmedid
a desaparecer pesqa _qu;; a automação avança ( 17). Há indica que a produção de automóveis irá demandar daqui para a frente
alguns julgam que há a tendênci:sa ores c?m _relação a este ponto: uma mão de obra, no conjunto, mais qualificada, em comparação com
mão de obra para retoques e acab à permanencia da necessidade de a situação que prevalecia na fase de tecnologia tradicion~" (2?)- Um
mesmo essas necessidades deve~:~~ enquanto outros julgam que exemplo interessante é dado, citando uma ?1ontadora que Já eXIge ~os
Num estudo da CUT é dito u ,parecer. supervisores de manutenção estar no mínimo cursando engenhan~-
parece que a tendência das q e ··· no caso da solda contínua Esse aumento de requisitos é também detectado em uma pesquisa
O
trabalho substituindo a tarefa d~~n~d~ras bras~eiras é eliminar · sobre a indústria mecânica: E.t,eite trata dos "novos profissionais em
Já em relação à solda a nto o a or pela mtrodução de robô... controle numérico", que consistiriam em uma nova "elite" para as
é realizado pelo o rad~ ' o que se ve~fica é que mesmo quando
Já os postos~ais 'o~;trole é feito eletronicamente" (17a) empresas do setor. Na sua pesquisa a autora encontrou uma oP_inião
~
ferramenteiros) tendem aq~r icados (como tomeiros, fresadores·
coincidente entre empresários e trabalhadores acerca da necessidade
de "reativação/acréscimo de conhecimentos/habilidades" dos profis-
eliminados pelas máquinas-fe ragmentados, modificados ou mesm~
sionais que passam a operar o maquinário com CN (21). .
há substituição de uma má m;menta com <:°mando numérico. Quando Há um outro dado, para a indústria química de São Paulo
comando numérico assa itu na convenc_10nal por uma baseada no
(pesquisado pelo SENAI), onde se constata em 1985 um crescimento
manual, e são retirad~ as ativ~~~dser dmais n~cessária a habilidade da mão de obra do setor que atingiu 2,2%, bastante inferior ao
próprio trabalho: as funções passa es e Pllll:eJamento e controle do crescimento da contratação de profissionais com formação técnica de
o equipamento. m ª ser basicamente a de monitorar
'l' grau, que atingiu uma taxa quase 5 vezes maior (10%).
Há assim, uma maior relevân . As mudanças da estrutura ocupacional vêm acompanhadas de
e controle. Em particular as fun : p~a as funções de programação alterações nas exigências de qualificação e no conteúdo bá~co da
equipamentos têm uma nítida teJd' ~g:das à manutenção de novos fonnação profissional. Nas recomendações de uma pesqmsa do
há um aumento dos requisitos d/~iia expansão. E ~essas funções SENAI, é sugerido que se garanta" ... a base de form~ção geral e
mudança no conteúdo de s nh ~ação e conhecimento e uma
p~oridade os conhecimentis
ciment?s de mecânica (l 8).
â! iº ecunentos, p_assando a ganhar
ase eletro-eletrôrnca sobre os conhe-
tecnológica, indispensável para que o trabalhador consiga acompa-
nhar o processo de mudanças cada vez mais rápidas e frequentes de
tecnologia" e que se ofereçam" ... cursos de treinamento específicos
A unportância que assume a man t - é para A
as conclusão
NTs" (21a).
os estudos realizados (co ti u ençao um consenso em todos a que se chega após a discussão dos resultados ~as
bibliográfica). Alguns che n orme res~alta Tauile em sua revisão
pesquisas aqui citadas indica ser perigoso falar apenas em desqualifi-
"nova área estratégica" . istga; a ~ins1derar a manutenção como a
máquinas, pelanatureza.mafs i~~:;ra~~~o p~la maior sofisticação das cação da mão de obra. . . .
Parece mais correto falar de um processo mais complexo, mais
~usto maior do downtime que afetam ,.° sistema de produção e pelo contraditório, que se dá em três planos, simultaneamente: 1) combina
unportância do trabalh d ··· sobretudo a natureza e a
deslocamento de postos de trabalho com criação de novos e a
responsabilidade e o c~nt~ranu~enção, que detém efetivamente a valorização de outros; 2) combina a desqualificação e qualificação; 3)
coisas andando" (19) M . edis? re as tarefas ligadas a manter as altera a base do conteúdo da formação profissional básica geral, que
dessa mudança. · ais a ante ' di seu t·iremos as repercussões
passa a requerer conhecimentos da eletrônica.
Há um aumento geral nos · . A compreensão deste processo mais complexo é importante para
supervisores de produção tê:q:~tos de fon_nação profissional. os evitar uma visão que a realidade tem desmentido, que é a da colocação
conhecimentos mínimos sob s necessidade de desenvolver da tônica das consequências desqualificadoras das inovações tecnológi-
quência,damaiorsofisticação:ai ~ov~ processo e, como conse- cas como um todo. Já vimos que a Inglaterra conheceu um processo
tendência à elevação das e . , r. uçao e na administração há uma 275
274 x1gencias de escolaridade na indústria
que perdeu a liderança tecnológica m di
onda lo?ga e uma das razões foi o atra: d~fientre a segunda eª. terceira pos,sível fazer uma dosagem precisa entre as qualificações novas e
generalizada de sua classe trabalh d ormação tecnológica mais velhas (embora é possível inferir um processo de diminuição/desa-
particularmente na Alemanha ºr;i-
a No boom do pós-guerra parecimento de velhas qualificações e o crescimento de novas).
trabalhadora foi essencial no p~~s~~;oci: qu~c~ção da class; A conclusão mais importante a ser retirada desta parte é a
~ológico" deslanchado, que esteve na b que o~ o alcançamento necessidade imperiosa para o movimento operário não descuidar - na
obtido. As revoluções tecnolócrJ ase do crescunento econômico formação de sua política de resposta ao desafio da automação - das
fund asem termos de qualifica ão .,.cas sempre impõe d
. m_ mu anças pro- questões relacionadas à formação profissional (e da educação em
atendimento pelos esquemas Jaci~~:~no~asnecess1dades, cujo não geral). Esse desando seria um risco que poderia se incorrer caso a
compro~eter O avanço de um país. s e e ucação tecnológica pode ênfase no potencial estritamente desqualificar das novas tecnologias
Tauile apresenta uma questão im fosse tal que impedisse a percepção das mudanças dos perfis profis-
pergunta por uma especificidad portante para ? debate, quando sionais.

qualificação seria mais necessária p::


ndiz
.t:
tecn?logias no Brasil: nessa fase~: pres~nte estágio de difusão de
e adaptação inicial a
ferência de conhecimentos e experiên _possi tar u~a maior trans-
4) Controle sobre a produção
A própria emergência e desenvolvimento do processo de auto-
mação tem como pressuposto o processo de transferência do controle
Esse argumento cauteloso de T ~as para o capital (22). do processo de trabalho da oficina para o escritório. A decomposição
sarnente respondido por duas obs auile ~e ser:- t3:11bém cautelo- das terefas executadas pelos operários, o conhecimento minucioso de
experiência internacional dos trab:dões. ~ prune1Ta é o fato da cada passo do processo de trabalho são pré-requisitos para que eles
capital no interior do próprio projeto da ?res Já estar absorvida pelo possam ser programados "microeletronicamente".
no Brasil são fundamentalmente im as movações t~cnológicas, que É inteiramente inerente ao uso dirigido pelo interesse empresarial
é a observação de algumas estatfsti po~das, como VImos; a segunda
modemizaçãoestámais avan ado cas e países onde o processo de
ser constatado O impacto Jgati~imood:tabela?baixo,ondepode
1
.l
que o avanço do processo de automação signifique um aumemto do
controle gerencial sobre o processo produtivo .
E isso é constatado pelas pesquisas realizadas nas montadoras de
trabalho não qualificados (eles .~ " que tem sofndo os postos de São Bernardo: como ressaltaPeliano, " ... a adoção da nova tecnologia
....m concentrado" ·
pregador das novas tecnologias) (23). o Impacto desem- ... abriu a oportunidade de introduzir certos mecanismos na organi-
zação da produção que aumentam significativamente o controle
TABELA XXXVIII 1 técnico sobre o ritmo e a intensidade do trabalho" (23).
No caso da montadora "A", o trabalho manual foi substituído
1 onde era mais dependente da habilidade e experiência do operário
Operários qualificados e n_ão _qualificados na Fran a 1
(em mllhoes) ç (onde, portanto, a empresa tinha mais dificuldade de substituir o
trabalhador em caso de doença, falta). Como diz o estudo da CUT, " ...
ANO a utilização da microeletrônica tem resultado na separação dos proble-
QUALIFICADOS NÃO QUALIFICADOS mas de estrangulamento antes enfrentados pelas montadoras" (24).
1975 2,8 Nessa mesma montadora, ocorre a automação de várias etapas da
1983 4,0 circulação de materiais.
2,9 3,5 A conclusão apresentada por Rui Quadros é a de que" ... combi-
nando robôs, prensas de solda automáticas e linhas de transferência
Fonte: Peliano, J.C., idem, pág. 129 com controle eletrónico, a característica do novo processo é a elimi-
A cautela com os dados acima nã nação do trabalho manual em algumas operações estratégicas e a
não havendo desagregação d ·t O pode ~er abandonada, porque progressiva integração dos demais postos de trabalho ao sistema de
276 o I em operários qualificados não é circulação mecanizado. O resultado é a extensão da linha de mon-
277
tagem fordista na indústria automobilística, a transformação de um usadas para controlar o ser humano, ~r riasexemplo, os digitadores
máquinas em
que operam,
processo onde predomina o posto de trabalho autónomo e a circulação CPDs, que são contr?lados pel~ p~~os de parada para café, bater
manual de peças em outro, onde a circulação é automática e o
trabalhador se submete a seu ritmo" (25). desde o número d: batid~s(~:t~~etexto do DIEESE, publicado no
papo, ir ao banheJro et~ · .. t ologia permite que cada
Como afirma o documento da CUT, há" ... a extensão da linha caderno da CUT, indica ciue ·:· .~ ~cn
para setores que antes não eram organizados dessa forma" (26). trabalhador seja vigiado à distância ( h ). anos"
As repercussões dessas mudanças na intensificação do trabalho 5) Novas políticas de "recurf~a~(especialmente nas monta-
serão discutidas mais adiante.
A introdução das novas tecn? o à mudanças que ocorreram na
A introdução de equipamentos baseados na rnicroeletrônica e a doras de São Bernardo) está associ_a~~d! e a nível de fábrica) nos anos
maior integração do trabalho à linha de montagem obtida, determina
uma maior "transferência" do processo de trabalho, tomando assim correlação de forças (a :Ú~~l da socif Já vimos como a busca de um
978
mais fácil a identificação de "atrasos" na linha e gerando um instru- posterioresaoascenso1;111cia~oe: rod~ção possibilitado pela intro-
maior controle gerencial ~o rem ~m sentido político.
mento de pressão sobre o conjunto dos operários para acompanharem
o ritmo geral da linha. dução das novas tecnologias te as cto muito interessante para a
Ruy Quadros levanta um pe ões· há um esgotamento do
Essa tentativa de aumentar o controle gerencial sobre a produção compreensão dessa introdução deãm~a~br; industrial que foi ca-
não é puramente uma questão técnica: ela tem muito a ver com uma
disputa política que se trava no interior da fábrica entre o poder padrão de uso e controle da md~o :ra caracterizado pela "explo-
racterístico dos anos 70. Esse 1:,ª 1h ,, uma forte política de controle
empresarial e o movimento dos trabalhadores. Não é fortuito o fato da
"ponta" do processo de introdução dos equipamentos baseados na ração preda~ória da força de tr~Jcoºe ~indica! e que usava o aparato
microeletrônica no país se encontrar em São Bernardo. Lá se trava o que era efetivada no plano Po ilitar ara impedir a ação da classe
combate entre um setor industrial extremamente dinâmico (e coni jurídico e repressivo do regime m. .d ge da mão de obra era utilizada
muitos recursos) e o setor de ponta do movimento operário brasileiro. traba-lhadora.Autilizaçãodar?~ª~:ic~ntrole dos trabalhadores e de
CO
É urna questão inteiramente vital para os empresários a busca de armas mo um instrumento gerenci . d alários e trabà!ho impostas.
· ã à condições e s
eficazes no combate a um movimento operário combativo e indepen- pressãoparaasubmiss
Segundo Humphrey, noope~ododo"milagre"eracomum uma semana
tente em desenvolvimento.
Não há dúvida que todas essas alterações que terminaram por básica dl! trabalho de 56 horas d27.as a partir do ascenso de 1978
significar o aumento do controle gerencial da produção são parte de A mudança da_ correlaçã~ b\rion'tribui para a inviabi1!2ação
urna estratégia mais geral das multinacionais da região do ABC. E sem (tanto a nível social como ª n da mão de obra". A combmação
querer tirar conclusões apressadas, é razoável supor que todo esse daquele "padrão de uso _e c~:~il~a crise que forçou alt_erações da
investimento patronal surtiu algum efeito, na medida em que as °.
dessa mudança co?1 IID~ n sentido de buscar ofensivamente o
dificuldades que vem sofrendo o movimento da região não são estratégia das multinacionais ~ adro explicativo das causas da
mercado externo fornecem um nco qu
pequenas (o último processo grevista foi realizado no ano de 1985,
com muitos problemas): é natural que o movimento gaste algum introdução das inovações. . d ursos humanos no interior das
tempo para se ajustar às novas condições de luta. Já a mudança nas p_olfticas =~~cde dois fatores princip~s. Em
Explicitando esse caráter não-meramente-técnico da ampliação empresas pode se! an_ahsada ·1iia ão de máquinas mais sofisticadas
do controle gerencial sobre a produção há o desenvolvimento do primeiro ~u~ar, o iru:cw ~a :;::eres~edostrabalhadorescomotrabal~o
controle das informações sobre os trabalhadores e seu trabalho viabili- passaaexigirquehaJan_iaisi . "dado com os equipamentos (mais
a ser executado, que e~iS ta mais cmd um trabalho mais intenso de
zado pela informática. Um exemplo são os crachás magnetizados que
controlam a circulação dos funcionários de um a determinada empresa.
caros e mais sensíveis e r~queren °
29
Outro exemplo é citado no caderno da CUT: "... as máquinas são manutenção), qu: ~aja mais aten;!~s~o i;rçadas a mudar elementos
278 Para consegmnsso, as empre 279
,?e
~e sua ~lftica recursos humanos passando a adotar políticas d Esse ponto é explicitado na revista da CUT também: " ... com a
envolvunento (com os CCQs, por exemplo), com mudan as n e efuriinação de pontos de estrangulamento propiciada pela automação
comportamentodaschefiasquepassamaser"maisabertas" m ~ d0 os postos de trabalho subsequentes foram acelerados, resultando em
a "n~tureza das exi?ências que fazem as chefias das linhas ~.~0 intensificação do trabalho. Também houve intensificação do trabalho
~tda e:que,? nttno passa ª.~er imposto pela linha automatizadaª a partir da circulação de materiais" (35).
spens O O corpo-a-corpo para manter a produção e a preocu' Na área de manutenção, é sentido um aumento da tensão no
pação?38 chefias passa para a qualidade dos produtos o cuidado . - trabalho," ... o trabalho de acompanhamento da linha AME exige mais
os eqmpamentos (30) e alguma limitação na própria ~tatividadeconm física e mentalmente" relata um entrevistado do setor (36).
emprego (31). o É relatado que nas linhas com AME as condições ambientais são
. ~m segundo lugar, as alterações na correlação de fo~ as melhores, havendo uma redução de ruídos. Há também, segundo a
~tenor das fá~ricas, conquista do movimento dos trabalh;do:º pesquisa do IPEA, uma diminuição de alguns acidentes de trabalho
unpõe_ a necess1dad7 d~ múltiplas mudanças. Foi no ABC onde s~ (cortes nas mãos e queimaduras nos olhos), mas o aumento de outros
conqmstaram as pnme1ras Comissões de Fábricas do país e elas e o surgimento de novos tipos de acidentes (relacionados com
p:.s~ram a ter um poder real nos locais de trabalho, sendo uma pressão dispositivos automáticos). (37) Muitos entrevistados disseram que." ...
o ~e va para q?e a política de pessoal das empresas passasse a ser na nova linha ocorrem bem menos acidentes, mas em compensação,
~apaz d_e neg?C1~ com os trabalhadores. O depoimento dos membros eles podem ser fatais" (38).
d ª ~om!ssão mdi~a ~gumas c_o~quistas reais obtidas, como a redução Evidentemente, todas as alterações que vão no sentido da inten-
. e emissões ~1tán3:5 (possibilitadas pelo uso da rotatividade como sificação do trabalho terão repercussões em tennos de aumento do
IIlS trumento de un!'°s1ção da disciplina e hierarquia). desgaste físico (incluindo o visual) e mental. Acrescentada a mono-
" No geral, é vISível a maior valorização dos departamentos de tonia do trabalho das novas linhas, é possível indicar uma tendência
;icursos hum:!°os" e das "práticas de envolvimento". Como conclui à alteração do perfil das doenças do trabalho, passando a ter um peso
.y Quadros, ... o fato, no entanto, é que apesar de suas limitações maior os problemas de origem mental (stress, neuroses etc).
ey1d~ntes, a .m?dança de tecnologia em uso na indústria automo- Há ainda, fora da discussão estritamente "automobilística" que
bili~tica brasileira está associada ao aparecimento de novidades nas foi apresentada, os novos equipamentos baseados em tenninais de
práticas de uso e controle do trabalho" (33) .. vídeo que trazem um conjunto de consequências em função do tempo
~aber ~sponder a essas políticas, barrar as políticas de "en- de exposição a ele (e à sua qualidade). No setor de processamentos de
volvunento e _cooptação são elementos indispensáveis para a con- dados (com peso importante no setor bancário), ganha peso a "doença
strução da polftica oper~a. que deve basear-se fundamentalmente no dos digitadores", a tenossinovite.
pesbo crescente da Comissão de Fábrica e no aumento do poder dos Todas essas questões são um desmentido da versão empresarial
tra alhadores (a nível fabril e social). que afinna usar a microeletrônica para substituir o trabalho insalubre:
6) Condições de trabalho ao contrário, a mic=letrônica abre um novo capítulo na medicina do
A . . .
é . P~erra e mais marcante consequência das novas tecnologias trabalho .
.a ~~nSificação do tra!>alho. A perda de controle para a gerência 7) Automação e chantagem empresarial contra o movimento
dimmm o espaço d~ deCisão e de planejamento do próprio trabalho operário
que passa - como vunos - a ser ditado pela linha automatizada 0
' O controle empresarial sobre a aplicação das novas tecnologias
de As ix:squisas • feitas nas montadoras - são fartas de depoim entos detennina que ela possa ser usada sempre como uma ameaça contra os
O
per~os que ~pontam dados sobre essa intensificação. Na linha trabalhadores: afinal, uma das "vantagens" mais anunciàdas dos robôs
convenCional havia uma maior margem de manobra para o pró rio é a deles não entrarem em greve ... A visão empresarial tenta explorar

l
~~adorprogramar a sua atividade, garantindo algum tempo ..gara a substitubilidade de qualquer trabalho, o que não deixa de ser uma
ar'' por exemplo. Na nova linha, isso não é mais possível maneira de desmerecer e rebaixar o papel dos trabalhadores na
280 . 281
produção. ~ica no ar como uma ameaça pairando sobre o movimento Como foi visto, o que acontece não é o fim do trabalho humano no
no seu conJunto. 'processo produtivo mas uma mudança na sua utilização, uma nova
É verdade qm: os empresários passam uma visão mais ambígua estratégia de sua submissão ao ritJno imposto pelo capital na empresa.
sobre as tecnologias baseadas na ME: combinam-se tentativas de Assim, nesta disputa secular entre o proletariado e a burguesia
"dourar a pílula" (afirmando erroneamente que as novas tecnologias para desenvolver ou aniquilar a capacidade de defesa e luta é ne-
são usadas p~ melhorar as condições de trabalho, abolindo os cessário compreender quais as especificidades que a aplicação da
empregos J>t:ngosos e_tc) co~ ess~ utilização mais chantagista (apre- microeletrônica à produção traz.
sentam um nuno de difusão irrealista - o que não é um diversionismo Vimos anteriormente o papel mais proeminente que as atividades
exclusivo do empresariado brasileiro...). de manutenção têm nas empresas que começam a utilizar com mlli:s
Esta visão ambígua é parte de uma estratégia de tentativa de peso a microeletrônica: a maior sofisticação e fragilidade das máqui-
imobilização do movimento para responder as questões colocadas nas toma a manutenção indispensável para o bom funcionamento do
pela automação e a robotização. Mas, o elemento central da tática sistema de produção. E o corolário dessa nova situação é o maiorpoder
empresarial parece ser o completo "segredo" da sua utilização. de pressão que os trabalhadores do setor passam a ter sobre a empresa.
. E~se segredo (como veremos, indissociado da política geral de A utilização desse novo poder passa a ser um problema da capacidade
~v~stunentos, sempre desconhecidos do movimento) é um elemento de ação política e sindical: um "ponto fraco" da nova organização do
md!spensável ~ara que os trabalhadores sejam "surpreendidos" com trabalho está identificada.
as movações: isso aumenta uma sensação de se estar à mercê de É o que Ruy Quadros chama de "novos pontos vulneráveis da
acontecimentos fora do controle dos trabalhadores, crescendo uma produção", onde o desempenho da força de traba,lho é inteiramente
certa visão "fatalista". E essa sensação (que não deixa de ser uma crucial para o conjunto do processo produtivo. E uma contradição
sensação de derrota) é um dos ingredientes da tática empresarial. importante de ser captada para evitar o risco de anál!s~s e apreciaç~s
O el~mento seguinte é o completo controle sobre a utilização da impressionistas. "Se a introdução da nova tecnologia implicou maior
tecnolo!?a: o quando,_ c?mo e onde elas serão empregadas não levam subordinação dos trabalhadores de produção às máquinas, contradito-
em ~?ns1deração a ?Pirnão e a posição dos trabalhadores. E esse poder riamente ela introduziu um novo elemento de dependência da pro-
ha_bilita o empresáno_a usar a nova tecnologia para realizar tudo o que dução ao trabalho: os cuidados para o funcionamento interrupto _e
foi apresentado antenormente, buscando em última instância ampliar correto dos equipamentos" (40), argumenta Ruy Quadros para JUSU-
o seu control~ sobre o conjunto do processo de produção de debili- ficar a sua compreensão de manutenção como uma nova área estratégica.
tando a capacrdade de luta e defesa do movimento operário. Interessante que nos depoimentos colhidos pela pesquisa do
Devemos nos perguntar até que ponto isso é realizado JPEA na montadora" A", alguns operários chegaram a afirmar que" ...
~) A capacidade de luta do movimento operário · a automação aumenta o poder de paralisação". Justificava essa otimista
E ~astante difundida a idéia de que à medida que a automação e posição pela maior integração da produção, o que possibilitava parar
a roh?tízação aumenta vai o movimento operário perdendo força e o conjunto da linha apenas segurando um ponto dela.
capacidade de luta. Após a imposição de um funcionamento mais integrado do
Parece qm: as _coisas nem foram_ e nem têm porque serem assim. conjunto da produção nas montadoras do ABC (em outros t~rmos,
Não é a pnmeira vez que o movimento operário se defronta com após à imposição da lógica fordista a praticamente toda a fábnca), o
proce~sos ~em~ernizaçãotecnológica. Marx falavan 'O Capital que movimento da região "inventou" uma nova forma de luta, que
uma his!óna das mvenções poderia ser escrita pela ótica das tentativas explorou exatamente essa característica integrada do sistema: a c~a-
patronais de barrar os movimentos grevistas. Pode ser acrescentado mada "greve pipoca". A cada instante, apenas um setor da fábnca
que o sucesso inicial destas invenções não se sustentou e os movimen- paralisa o seu trabalho (os demais continuam a postos), mas _essa
tos g~evistas continuaram existindo após a primeira, a segunda e a parada localizada afetará a fábrica como um todo. Há ur~a _es~cre de
terceira revoluções tecnológicas. Não há porque ser diferente agora. "rodízio" entre os setores que vão parando, até que as re1vmdicações
282 283
coloca~as sejam atendidas. Evidentemente esse tipo de ação exige um
conhe_cunento apura?º do processo produtivo e um certo grau de ,que primeiro dominar a nova arte de luta colocada por esses novos
orgaruzação no mtenor da fábrica. tennos será vencedor'' (45).
.. ,, M~srno_ º. depoiment? de um chefe entrevistado na montadora Essa fonnulação é muito rica para a compreensão de que a
A V31 relattVJZar o dornfuio patronal e a inacapacitação do movimento introdução de inovações tecnológicas significam a abertura de novas
o~rário. Segu~do ele "... não há relação entre automação e dirni- condições de luta, cujo resultado depende da capacidade dos conten-
nwção da ~apacrdade d_os trabalhadores de organizarem movimentos. dores nestas condições modificadas.
Sempre V31 haver um tipo de mão de obra especializada e consciente A conclusão é a de que não há um detenninisrno tecnológico a
qu~ pode p~ju?icar mais ainda a produção ou paralisá-la. O pessoal estabelecer a capacidade ou incapacidade de luta do movimento. Essa
In31S conscrenttzado é o pessoal mais qualificado" (42) . continua a ser o que sempre foi: um problema político, um problema
. Outro exemplo interessante é o dos bancários. É este o setor o da esfera da ação política e sindical.
rnaJor usuário ?e equipamentos computacionais: a automação bancária Como ponto de partida, o movimento deve ser capaz de responder
avançou consideravelmente. Nem por isso foi eliminada a sua ca- basicamente a duas ordens de questões para não perder sua força: em
pacidade de mobilização: seguramente estão os bancários entre as primeiro lugar, ter a capacidade de identificar os "pontos fracos" ªo
categorias que mais greves fizeram nos últimos três anos. Houve um novo esquema de produção e, em segundo lugar, ser cap?3 de
grande desenvolvimento do setor de processamento de dados que mobilizar politicamente e de integrar no processo de modernização
passo~ a se~ a á~a mais estratégica dos bancos: a mera paralisaçã~ das tecnológica cria.
agêncras_ é mte1rarnente insuficiente para o sucesso da greve. Assim, O processo de modernização tecnológica tem um largo espectro
o envolv~ento do setor passou a se ruma questão chave para o sucesso de impactos e produz inúmeras alterações junto ao processo de
das rno~il!zações. Fato muito bem conhecido pelas forças do aparato produção e trabalho. A tarefa do movimento operário é a de aprender
repressivo que sempre destacam urna parte significativa de seu a atuar nas novas condições de luta, é a de desenvolver criativamente
esquema para cercar e reprimir a greve no Controle de Processamento fonnas da atuação que respondam aos novos desafios colocados pelos
de Dados. capitalistas e seu Estado.
O movimento sindical teve a capacidade de trazer o setor de Afrnal, não é novidade para o movimento socialista a consciência
processamento de dados para as lutas, o que foi fundamental para a de que fazemos história em condições que não somos nós que
manutenção da capacidade de luta. escolhemos.
Discutindo o caso japonês, Muto Ichiyo discordará de urna
colocação de Giovanni Arrighi sobre as novas tecnologias e a força dos IV- Conclusão
trabalh~dores no local ?e trabalho. O autoritaliano fonnula a idéia que
con_i a mtrodução de rnovações tecnológicas os trabalhadores per- Durante todo este capítulo, insistimos que os impactos da auto-
dei:am força no mercado mas ganhariam no local de trabalho. Muto mação e robotização que foram analisados (desemprego, mudanças da
!,chiyo apresentará urna fonnulação distinta, mais dinâmica: para ele estrutura ocupacional, perda de controle do processo de trabalho pelos
... o _novo processo técnico coloca a luta de classes em um nível operários etc) têm sido consequências negativas para o conjunto dos
supen~r, onde a força renovada, a visão e a capacidade organizativa trabalhadores. E que isso é determinado não pela tecnologia em si mas
do capital ~ do trabalho são testadas. Será apenas através da luta de pelo uso que o controle empresarial lhe atribui.
classes In31S elevada que poderá se argumentar sobre a relação entre A questão mais importante é a de quem está controlando a
o poder de barganha no mercado e no local de trabalho. Em outras utilização da tecnologia. E é na questão do controle que deve se centrar
pala~ras, mecanização e nova divisão técnica do trabalho não levam a principal disputa do movimento operário: sem a intervenção cons-
por s1 só a au~ento ou perda de força no local de trabalho. Os novos ciente do movimento operário, o resultado do processo de moderni-
processos técmcos apenas renovam os tennos da luta de classes; o lado zação tecnológica será seguramente muito negativo para o conjunto
284
285
sem entrarnomérito de projetos de educação? Como limitar a luta pela
dos trabalhadores. redução das horas de trabalho a wn ramo de atividade econômica?
Com essa intervenção consciente, gestando wna política eficaz e Numa economia como a brasileira.é necessário que o movimento
abrangente, é _possível que se consiga, pelo menos, diminuir a reper- operário vá mais longe, demostrando claramente a incapacidade da
cussão negativa de alguns impactos e, no máximo, controlar o gestão burguesa em gerar todos os investimentos necessários para o
'-:°njunto do processo, complementando wna utilização que use posi- desenvolvimento industrial e o progresso tecnológico.
tivamente a automação para atender a antigas reivindicações dos Assim, as discussões sobre as diferentes opções de política
trabalhadores. econômica não podem estar ausentes das propostas do movimento.
Assim, à pergunta sobre o balanço final dos impactos das novas Afinal, queremos livrar o país do atraso.
tecnologias, devemos responder com wn condicional. O nosso em- A nossa posição, embasada nas discussões feitas nos capítulos
pe:mo militante deve ser o de armar o movimento de uma força que anteriores, é a de que a gestão burguesa da economia brasileira traz
seja ~apaz de resi:onder os desafios colocados pela automação e a muito pouca modernização tecnológica, introduzindo inovações de
robouzação. E, retirando o controle de sua aplicação dos capitalistas, uma maneira muito restrita e limitada. E o pouco que introduz é feito
não há o que temer. Muito pelo contrário: como veremos adiante, o de uma forma socialmente perversa, em aberto choque com os
avanço tec~ológico é um pressuposto indispensável para a construção interesses dos trabalhodores.
de wna sociedade democrática e socialista. Depende, portanto, de em A nossa proposta é a de que se faça o oposto.
que mãos está o controle do processo. E este é o objeto dos próximos capítulos.
Na discussão dos impactos, é importante anotar que - dado o
~ntrole empresarial - um conjunto de mudanças já estão sendo
implementadas (embora no Brasil ainda com wn caráter bem restrito
e inicial) e continuarão a sê-lo: estas mudanças determinam uma nova
situaç_ã~ que o movimento operário tem de se defrontar. Para atingir
l
1
?S Objetivos qu_e se colocam, para disputar o controle do processo de
mtrodução das movações tecnológicas, os trabalhadores lutarão numa
conjuntura já em mudança e com perspectiva de prosseguir mudando.
Por isso é necessário aprender a lutarem novas condições, a identificar
e a se preparar para atuar em condições modificadas de luta.
Isso tem reflexo tanto na necessidade de desenvolvimento do
mo~~ento operário do ~nto de vista organizativo (é evidente o peso
dec1siv~ que a auto-or~amzação nos locais de trabalho, com a criação
de Comissões de Fábnca, tem para qualquer política minimamente
consequente de resposta aos desafios da modernização tecnológica)
como do ponto de vista político e programático (novas reividicações
se apresentam, maior atenção a aspectos e reivindicações antes
secundarizados).
E dada a abrangência dosim pactos causados pela microeletrônica
na 1;>rodução e ?ºs servi?os, incluindo as suas repercussões para o
co!ljun:o da sociedade, é mdispensável que a resposta do movimento
seja arlículada com uma política global. Uma resposta que exige uma
firme ação a nível do local de trabalho mas que cobra uma articulação
entre essa ação e a que atinja outros níveis fora das empresas. Como
287
286
(26)CUT, idem, pág.3 I . 'tali ta I ta
, (27)Humphrey, J ., Fazend~ ? 1!1ilagre:. c~ntro1e cap1 s e u
Notas do Capítulo VI operária na indústria automobillstica brastle1ra, pág.90
(28)Carvalho, R.Q., idem
(29)Peliano, J.C., idem
(30)Carvalho, R.Q., idem, pág.200
(31)Carvalho, R.Q., idem pág.191 e 211
(32)Carvalho, R.Q., idem, pág.215
{l)Leite, Elenice, Novas tecnologias, emprego e qualificação na· (35)CUT, idem, pág.32
indústria mecânica, SENAI, 06/1985 (36)Carvalho, R.Q., pág.147
(2)Gazeta Mercantil, 22/07/1985 (37)Peliano, J.C., idem
(3)Secretaria Especial de Informática, Comissão Especial sobre Im- (38)Carvalho, R.Q., idem pág.147
pactos na Manufatura, sub-comitê de Impactos sócio-económicos (39)Carvalho, R.Q., idem, pág.149
(4)EM TEMPO; n' 204, 09/1985 (40)Carvalho, R.Q., idem, pág.141
(5)Depoimento de um representante da Comissão de Fábrica da Ford (4l)Peliano, J.C., idem
de São Bernardo do Campo, apresentado durante a sessão "Resposta (42)Peliano, J.C., idem
Sindical" (II' Congresso Nacional sobre Automação Industrial - CONAI - (43)CUT, idem, pág.13
11/1985) (44)CUT, idem, pág.33
(6)Relatório da Comissão Especial para Automação Bancária da SEI, (45)Ichiyo, Muto, idem, pág.31
Sub-comitê sobre impactos sociais e econômicos
(?)Boletim do DIEESE, 03/1983
(8)Gazeta Mercantil, 29/11/84
(9)Conjuntura Econômica, 02/1988
(IO)Declaração de L.C. Belluzo à Gazeta Mercantil, 21/8/85
{l l)Boletim do DIEESE, 03/83
(12)Suzigan, W, Indústria Brasileira: perspectivas de crescimento
acelerado, Rev. Ec. Pol. n' 25, pág.145
{13)Buarque, Sérgio, Impacto da informática sobre o emprego no
Brasil: um enfoque prospectivo in A informática e o Brasil
(14)FIBGE, PNAD 1985
(15)Tauile, J.R., Difusão da automação no Brasil e os efeitos sobre
o emprego: uma resenha da literatura nacional, TDI 109 (IEI-UFRJ),
pág.29
(16)Tauile, J.R., idem, pág.30
(17)Peliano, J.C. e outros, Impactos Econômicos e Sociais da Tecnolo-
gia Microeletrônica ria indústria brasileira (estudo de caso na montadora
"A" de automóveis); IPEA, IPLAN, CNRH
(17a)CUT, A automação e os trabalhadores, Revista do DESEP
(18)Leite, E, idem
. (19)Carvalho, Ruy Quadros, Tecnologia e trabalho industrial: as
implicações sociais da automação microeletrônica na indústria auto-
mobilística, pág.141
(20)Carvalho, R.Q., idem, pág.225
(2l)Leite, E, idem, pág.105
(21a)Leite, E, idem, pág.106
(22)Tauile, J.R., idem, pág.33
(23)Peliano, J.C., idem, pág.129
(24)CUT, idem, pág.31 289
(25)Carvalho, R.Q., pág.149
288
CAPÍTULO VII: ELEMENTOS PARA A ELABORAÇÃO DE
UMA RESPOSTA OPERÁRIA À AUTOMAÇÃO E À
ROBOTIZAÇÃO

1- A Disputa pelo controle da utilização das novas tecnologias

O efeito socialmente perverso da utilização das novas tecnologias


não pode ser atribuído a elas próprias, como se existisse uma espécie
de determinismo tecnológico. O nosso ponto de vista é o de que as
relações entre a tecnologia e o seu efeito social são mais complexas e
têm uma mediação fundamental: o controle de sua utilização.
Todos os impactos discutidos no capítulo anterior devem ser
atribuídos ao controle empresarial exercido sobre a introdução e a
utilização da automação e da robotização. Esse controle habilita a
dinâmica capitalista a usufruir plenamente dos benefícios que o
progresso técnico lhe oferece. E não é demais insistir na relação que
há entre a concorrência capitalista e o desenvolvimento tecnológico.
No primeiro capítulo, buscou-se deixar bem claro o vfuculo futimo
que existe entre a dinâmica capitalista e o progresso técnico. Deixado
todo o controle do processo de modernização sob o controle empresa-
rial, agindo "livremente" as forças motrizes da sociedade capitalista,
o resultado para os trabalhadores da aplicação das novas tecnologias
não pode ser diferente do apontado no capítulo anterior: desemprego,
intensificação do trabalho, novas doenças do trabalho etc. E os locais
insalubres e trabalhos perigosos continuando intactos...
Para evitar esses problemas, atingindo o alvo exato, é que se
coloca o controle operário: ele é a questão chave e o ponto de partida
para uma resposta operária ao desafio da automação. E será em uma
nova sociedade, socialista, que esse controle poderá se realizar ple-
290 namente, através da combinação entre o planejamento democrático e
291
a autogestão, revolucionando a utilização do progresso tecnológico. implantação delas. É muito claro que com o movimento operário
E o controle operário é uma conquista, é algo que se disputa desde desinformado as condições de preparação para enfrentar a questão é
já contra os empresários. A intervenção do movimento operário num bastante rebai~ado: o movimento fica à mercê da iniciativa patro?al,
espaço que os capitalistas consideram apenas "seu", a "intromissão" é sempre surpreendido com novidades "armadas" pelos empresános.
num "espaço sagrado" para o capital é um elemento da luta de classes A quebra deste "segredo", a conquis.ta ?º ace~o. às ~nf~r-
é uma reivindicação viabilizável em uma dada correlação de forç~ mações da empresa relativas à tecnologia e um top1co md1s-
que comece a se transformar em favor do proletariado. pensável da disputa pelo controle operário. A conquista do acesso
Na medida em que para enfrentaruma questão como a introdução aos planos das empresas é, pelo menos, a criação de condições par~
de novas tecnologias, não é possível deixar de tocar em questões mais que o conjunto dos trabalhadores se prepare, compreenda o que vai
gerais (afinal a aplicação de uma inovação é um elemento indisso- acontecer e inclusive possa discutir se o plano da empresa é de fato o
ciável da política de investimento da empresa e ela atinge a empresa melhor. Para dar um exemplo, o conhecimento prévio dos planos da
como um todo - política pessoal, método de trabalho etc), necessa- empresa possibilita definir se o lugar do processo de produção a s~r
riamente os trabalhadores não podem parar nas questões estritamente automatizado é o mais insalubre da empresa (e, portanto, o 9ue sena
"técnicas" e nem deixar de discutir uma problemática bastante abrangente prioridade em tennos de substituição do trabalho por máqumas).
no interior de uma dada empresa. A começar pelo próprio direito à o conhecimento prévio dos planos da empresa é também _um
auto-organização necessário para acompanhar a introdução das novas elemento que abre espaço para que o movimento, estudan_d? os_efe1tos
tecnologias e pelo espaço requerido para discutir com o conjunto dos e impactos da tecnologia a ser implantada, fonnul_e re1vmdicações
atingidos pela inovação. precisas quanto à garantia de emprego, ao retremamento e rea-
Para discutir com consequência a questão tecnológica no interior proveitamento do pessoal deslocável, à melhor distribuição dos
de uma empresa, o movimento não pode ter uma postura auto- ganhos de produtividade etc. .
limitativa. Ao contrário, ao começar a se preocupar com as questões É exatamente para evitar toda essa preparação que os.~m~re~ários
ligadas à tecnologia e seus impostos, os trabalhadores entram em uma têm, só a muito custo (mesmo considerando a expen~ncia mter-
dinâmica de progressiva colocação de novas questões relacionadas a nacional, que tem vários exemplos interessantes), cedi?º alg_u?Ja
ela que vão atingindo, um após o outro, os pilares da gestão empresa- coisa nesse campo (2). No Brasil, a~enas uma empr~sahavia admitido
rial da empresa e ampliando o leque dos pontos de confronto com ela. o direito ao acesso às infonnações hgadas à moderruzação. Isto se d~u
em outubro de 1985, durante a refonnulação dos estatutos d~ C?m1s-
1) A necessidade da abolição do "segredo" empresarial são de Fábrica da Volkswagen. No entanto, segundo o Smdicato,
. A política empresarial tem tido dois aspecto aparentemente mesmo nesse caso a política da empresa tem sido a de informar"fatos
contraditórios; mas que têm uma lógica interna que demonstra serem consumados". É um exemplo bem ilustrativo da dificuldade de se
dois lado da mesma moeda: por um lado, têm negado quase que avançar neste campo. . . .
sistematicamente a discussão nas negociações para as convenções A existência do segredo empresanal Já é, em s1 mesma, ~ma
coletivas de cláusulas que tratam de garantir aos trabalhadores um denúncia do caráter da utilização que se pretende fazer com a m?-
mínimo de garantia em relação à automação (argumentam que esta vação: se o objetivo fosse, como alardeiam algumas detesa~ p~tre;nru.s
discussão é futurista etc): mas, por outro, têm apresentado as ino- da automação, a melhoria das condições de trabalho, a mex1stenc1a de
vações como um fato consumado, cuja implementação é uma supresa danos aos trabalhadores, por que esconder de todos os plano;? Porque
para o conjunto dos trabalhadores afetados. temer expô-los abertamente ao conjunto dos trabalhadores.
O que há de comum nestas posturas é a manutenção de todo o Evidentemente, a luta não pode se dar apenas na apresentação das
segredo da introdução das novas tecnologias e a garantia do reivindicações da garantia de acesso às informações: uma vez não
complemento domínio empresarial com relação a elas. Esse segredo atendidas, é necessário quebrar o "mistério" imposto pelos patrões. E
é um elemento importante para a política de controle empresarial da aqui entra um aspecto do aprendizado para se lutar em novas con-
292 293
automação de tal ou qual local de trabalho se não se garante a
<lições: deve se dcsenvolverum know-how próprio do movimento paralisação dos planos considerados inoportunos pelos trabalhadores?
identificar º':'~.
clnolc d
e mudanças =entes
. . em
(alguns arranjos preparatórios Informação e veto têm uma relação indiscutível (que pode não se
devem serv1síve1s ... ) Também é óbvia a necessidade de havercontatos concretizar em um só momento): no mínimo uma estimula ou coloca
entre os e_mpregados do setor de produção, que deverão ter acesso a em pauta a necessidade da outra!
algumas rnformações (ou mesmo pistas importantes) antes do fato Um interessante exemplo dessa relação foi a aprovação do Plano
C?nsumar-se (ou antes da empresa julgar a hora conveniente de Nacional de Informática, ainda sob o governo Figueiredo. No Con-
"informar" a todos). gresso Nacional, a versão aprovada do Planin continha uma emenda
A questã? da quebra do segredo requer assim uma tática especial que possibilitava a criação de comissões paritárias de empregados e
e deve ser obJeto de preocupação permanente. empregadores para discutir a introdução de inovações tecnológicas
nas empresas. Após a aprovação deste Plano, a FIESP reivindicou ao
~) O poder de veto então presidente que esse artigo fosse vetado: o governo federal
E necessário acrescentar o direito do movimento dos traba- aceitou a demanda empresarial e usou de seu poder de veto. Como
lhadores_ de ve:ar qualquer projeto de modernização cuja implemen- justificativa, uma interessante e didática explicação: essas comissões
tação seJa avaliada como negativa. poderiam " ... ocasionar conflitos entre os empreg~dos e os e_mp~g~-
Vetar uma ini~ativa de modernização que vá acarretar desem- dores capazes de impedir ou retardar a modermzação da rndustna
prego, aumento da rntensidade de trabalho para os que se mantiverem brasileira, o que deve ser evitado em nome do interesse público" (4).
na em presa, por exemplo, é um instrumento de defesa importante para A necessidade da iniciativa patronal ficar de "mãos livres" na ir-
os trabalhadores, é uma garantia, pelo menos, de um uso não to- reversível utilização de novas tecnologias é bastante explícita nesse
talmente perverso das novas tecnologias. caso (e o respaldo dado pelo Estado inteiramente evidente).
1? essa garantia os empresários recusam-se a "conceder" É contra essas forças que os interesses do movimento operário, na
. E º. qu~ conclui um estudo sobre as principais experiências disputa pelo controle da tecnologia, lutam.
rntemaciomus do ~ontrole do uso das tecnologias pelos trabalhadores. Para buscar se informar e para desenvolver a capacidade de vetar
~pós apontar vános exemplos de conquista do direito ao acesso à o que lhe é nefasto, o movimento deve desenvolver um programa
informação, ~ autora afi~ará que " ... apesar dos avanços que tais básico que oriente a ação tanto na sua política defensiva (o que deve
acordos e legislaç~s permitiram, a questão central que está comple- ser evitado) como na sua política ofensiva (o que deve ser proposto
mentada na proposição de poder de veto ficou intocada A influência como alternativa à posição empresarial).
dos tr~balhadores Iin:ita-se geralmente a um direito de ·consulta e de
negoc~ação, ficando mtacto o direito dos empregadores em dirigir e 3) Um programa básico
repartir o trabalho" (3). Em cada ponto analisado sobre os impactos que o controle
Do ponto de vista patronal, a resistência à concessão a comissões empresarial determina quando da utilização das novas tecnologias, é
de trabalha?ores do direito de veto é um desdobramento da necessi- possível, com bastante simplicidade apontar o contraponto que r~pre-
dade que tem os empresarios do "segredo": o conhecimento pelos senta o interesse dos trabalhadores. Desta forma, pode-se construirum
trab3!hadores d~ s~us planos já é uma forma de armar o movimento; elenco de reivindicações que comporão um programa básico de
legalizar es~e di~elto é uma afronta ainda maior ao sagrado poder resposta do movimento.
patronal no rntenor das_ u~dades de produção. Como primeiro exemplo: não há estudo sobre a implantação da
No entanto, esse direito é uma necessidade inarredável para os automação que tenha demostrado estarem sendo substituídos priori-
trabalha~ores: qual política de disputa pelo controle da utilização das tariamente os trabalhos perigosos, penosos e insalubres. Como vimos,
tecn?logias será eficaz sem a capacidade (legalizada ou não) do as prioridade defmidas pelo capital buscam superar "gargalos" do
mov~ento de vet~, derrubar planos empresariais? Como abrir uma processo de produção e debilitar pontos chaves para a capacidade de
real discussão no mterior de uma empresa sobre a oportunidade da 295
294
1
luta do movimento.
pré-requisito para a garantia de emprego e abre um esp~ço para a
Qu:U o P?nt? de partida de um programa de movimento operário? existência de tempos onde o trabalhador possa se dedicar à sua
Que_hllJ? prmridade na substituição das funções onde a corrosão
da vida imposta pela en~renagem do trabalho seja mais aguda. fonnação profissional e tecnológica. ~ não deixa de se~ um pré-
Qualquer pn:,grama de saude do trabalho apresenta com facilidade requisito para discussão dentro da fábnca dos temas relaCionados à
~~ ampla lista de funções que devem ser rapidamente abolidas: a implantação das novas tecnologias. . . . _
utilização da automação é aqui um evidente elemento de proteção a Como elemento de defesa, deve ser exigida a cnaçao de meca-
saúde. Podemos inclusive afinnar que a automação é uma necessidade nismos que possam contrapor-se às tentativas patronais de elevar
como medida sanitária! Esse ponto de partida assegura uma política a intensidade do trabalho: é a luta pelo controle do ritmo de ~balho,
dos tempos dos trabalhadores na produção, o que não pod~ serlffiposto
que ~mece por _resolver problemas vitais legados pelos esquemas
pela linha automatizada. Relacionado com esses mecamsmos e_stá a
produtivos antenores e não com a criação de novos capítulos nos necessidade de colocar em discussão questões como a monotoma do
compêndios de medicina do trabalho, acrescentando novos problemas trabalho nas linhas automatizadas, também consequência do ritmo de
a um grosso volume de outros já criados pela produção capitalista.
trabalho ser ditado pelo equipamento automatizado.
f'1 questão do emprego é também evidente: aqui a proibição de Outro elemento que deve ser rechaçado é.ª possibilidade_ de usar
dennssoes é_ o ,:,onto de partida. A garantia de emprego, no entanto,
não pode. vir isolada: ela. deve ser articulada com a garantia de novas tecnologias para aumentar o contro!e d_ir~to da gerênCia sobre
reapro~e1tamento e retremamento dos profissionais atingidos pela o trabalhador, para medir o desempenho mdiv1dual _d? trabalhador.
modenuzação. Isto significa inicialmente assegurar aos trabalhadores Por exemplo, para medir o número de toques de digitador~s, para
~ue a empresa e/o_u_ Estado fornecerão cursos de reciclagem profis- sofisticar o trabalho de cronometragem. Esse contro~e gerenCial ~ um
s10nal, que os hab!lite a exercer novas funções e em particular a ter instrumento importante para pressionar os operái:ios a cu~pnre1;1
acesso aos conh~Clffientos que o manuseio com as novas tecnologias detenninadas metas df produção, contribuindo asslffi para ~ J?tens1-
cobram. Esse tremamento deve impedir que os trabalhadores desloca- ficação do trabalho. E desnecessário acrescentar o uso polic1alesco
d~s assumam fun~ões aquém de suas habilitações anteriores, consti- que as empresas fazem desse controle. . .
tmndo-~e num pnm::iro ponto para evitar a desqualificação que a Na luta contra a desqualificação, ao lado da exigênc!a de_for-
modennzação pode lffipor a várias funções. mação profissional e retreinamento deve estar acoplada a exigênCia ~e
Mais do que evitar essa desqualificação, é também um primeiro que os trabalhadores participem da_ concepç_ão ~as tarefas, detenn1-
aspecto de uma. luta geral dos trabalhadores a elevação de sua nando que a introdução de automatismos seja feita como ~ma ferra-
f?nnação educ~c10nal, tecnológica e profissional: a preparação para menta de auxílio ao trabalho pré-existente. A nova tecnologia deve_ser
1lffi elemento para ampliara horizonte do trabalho, não para reduzi-lo
viver (sem ;ec~1?s) numa era onde a microeletronização da produção
é uma tendencia meversível não pode ser subestimada. E é necessária ou para retirar-lhe conteúdo. . . .
para a manutenção da confiança da classe trabalhadora em si mesma Finalmente, há necessidade de que os eqmpamentos sejam fe!tos
um forte remédio contra as chantagens do empresariado contra ~ respeitando estudos ergométricos: é a máquina que deve se encaix~r
classe. no homem e não o inverso, o que pressupõe um desdobramento mais
quantos aos ganhos de produtividade, a luta é para que sejam geral da necessidade dos trabalhadores participarem da concepção da
revertidos aos trabalhadores. Vimos o significado da reverssão desses utilização da tecnologia.
g~os exclusivamente para os empresários: desemprego, manutenção Esses pontos elementares já demonstram algo da preparação do
da JOmada de trabalho (com intensificação do trabalho, em síntese, movimento para atuar em condições modificadas de luta. Como
ma10res fo?tes de lucro para os patrões). Aqui, o ponto de partida é a ressalta um documento da CUT, " ... a discussão e1;1 tomo das_ novas
\uta para a mcorporação dos ganhos de produtividade em redução da tecnologias pennite aumentar o campo da negociação coletiva, ao
Jornada de trabalho e aumento salarial. A redução da jornada é um incorporar questões como, por exemplo, o conteúdo das tarefas e o
296 ritmo de trabalho, questões que até há pouco tempo eram de com-
297
petênciaexclusivadagerência" (S)Em ai
as questões colocadas lo de·
necessário que, desde o :vel d::~ Jª
outras p avras, para enfrentar
f~~t?mação e :ºbotização, é
trabalho, dos departamentos de relações industriais, dos CCQs etc. As
émpresas tentam ajustaruma conquista do movimento à uma política

:s~
o seu horizonte de luta. e nca, o movl.lilento amplie
:polirtânãcdia, mul_tiplicada da auto-organização
P aç O o honzonte cobra u fun
ganização dos trabalhadores a nível do loc~ ~p7 b!amento da or-
de "co-gestão", tentando conter a dinâmica potencial das comissões
no sentido de transitar das funções de fiscalização para as de controle.
Embora a comissão seja quase pré-requisito de. uma eficaz
política de controle da utilização das novas tecnologias, a sua e-
Afinal, quem irá zel I fi . e ra o. . xistência não assegura esse objetivo: a resistência patronal neste
quem avaliará o setor da e ar pe a s~al1zação de ritmos de trabalho terreno é enorme. Num debate do II CONAl,o representante daFIESP
etc? Sem uma enraizadtg;esa_mrus necessário de ser automatizad~ expressou-se de uma maneira um tanto indignada sobre a proposta de
pacidade de responder a ess!ar:;::it: no l~al do_ trabalho, a ca- Comissões Paritárias para discutir a introdução de novas tecnologias,
nuída. Mesmo se ai . s esta sensivelmente dimi- considerando uma intromissão inteiramente indevida na política de
convenção coletiva ~:~o~qu'.st~ for efetiv~da a nível de uma investimentos da empresa: era como se estivesse afirmado que esse
interior da fábrica ~erá da: aicia e um_a sólida organização no tema é privativo da direção da empresa e de seus acionistas majo-
amplo espaço de manobra utir : erpresános (e à sua gerência) um ritários. O necessário avanço nesse terreno é, também, função de
que foi conquistado pelos trab~hv~ para ;cuperar de o~tra forma o novos avanços na correlação de forças.
conquista de redução de jornada d: ~~- lh mpodexempl?, simples: uma As comissões devem conquistar, enfrentando o poder patronal,
com uma elevação de · . ra ª 0 e ser compensada" tanto o direito à informação (significando a quebra do "segredo
"poros" do trabalho etc~tensidade do trabalho, com a abolição dos empresarial" e tendo acesso à planos de investimento, à contabilidade
As Comissões de Fábricas/E , · · da empresa etc), como o poder de veto (barrando o que não seja
comissão de negociação d mpi:e!a tem nascido a partir de uma avaliado como de interesse dos trabalhadores, que tem por referência
específico de reivindica' ã; um comi.te de greve ou de um processo o programa básico desenvolvido no item anterior): este é o trajeto da
questão tecnológica pod~ ser~o~r~:uz~ção no local de trabalho. A conquista do controle operário.
que justifica a sua cri ão As ~ e:a ª co~o uma questão a mais A importância multiplicada da comissão de fábrica está em
fábricas estão em geralaç re.l . pnmd eITas medidas das comissões de contradição com o pequeno número desse organismos existentes no
• , aciona as com a fi ali
menta de acordos obtidos em se zação de cumpri- Brasil. Segundo o representante do Sindicato dos Metalúrgicos de São
efetivação das conquistas Já a p~cessos de luta, acompanhando a Bernardo do Campo, presente ao já mencionado debate do II CONAI,
patroriaI no interior da fábri qm começam a se contrapor ao poder em novembro de 1985 haviam 30 comissões em indústrias do ABC e
E' ca. este número era o dobro do existente no restante do país. Mesmo
IPLAN~::e:~~~Jo~:t~:;; o levantamento feito pela pesquisa do considerando alguma imprecisão nesse dado, é inegável o atraso do
quistadas após a instalação d se c?nstata alterações concretas con- estágio da auto-organização do movimento no país. Constitui-se, sem
Comissão entrevistados vão r:~~~~;=.s d~ fábdrica. <?s m~m bros da dúvida, um dos principais "calcanhares-de-Aquiles" d.o movimento
chefias intermediárias b mmção a arb!lranedade das operário e popular do país. Portanto, um dos principais limites a uma
nuição das demissões ar~tJ;;_a~s trabal~adores ~a produção, a dimi- política eficaz de resposta ao desafio da automação.
ti
mesmo uma diminuição da rota u~ mdrudor respeito aos operários e até Todas as questões colocadas neste tópico não constituem mais do
receio' da a ã0 fi · vi ª e o emprego. "As chefias 'tem que um ponto de partida da resposta operária. Sintetizadas sob o útulo
~ scalizadora das comissões de fábricas"(6)
As comissões conquistad de disputa pelo controle, esse ponto de partida deve, em primeiro
ã ·
correlação de forças na socie as s o expre_ssão de uma alteração de lugar, ser articulado com a compreensão dos distintos momentos em
de relações de trabalho das e dade e na fá~nca e forçam que a polftica que os impactos das inovações podem ser sentidos (antes, durante ou
Daí a proliferação de polfticampre~as se aJuste à esta nova correlação. depois da sua introdução) ...E, em segundo lugar, ser integrado à uma
298 s mais modernas de controle da força de perspectiva mais geral, a da alternativa social dos trabalhadores.
299
seja em termos de jornada de trabalho, seja em termos salariais.
É o que tentaremos fazer adiante. Pesquisa inclusive das alterações das condições de trabalho para
acompanhar se os padrões de higiene e segurança no trabalho estão
II- O antes, o durante e o depois da introdução das inovações sendoEm respeitados.
tennos de ação político-sindical, é importante buscar a
compreensãO do conjunto do novo processo de produção, estabelecendo,
Essa Jiscussão pretende abord" ros . . a partir daí, contatos com os trabalhadores dos setores automatizados
possível o enfrentamento pel ". distrntos momentos em que é
tecnologias. Dada a realidadec:n:vunento da introdução das novas e informatizados, com o setor de programação e planejamento da
tom~m conhecimento de mudan comum que é a dos trabalhadores . produção e com os setores que ganham mais peso no controle do
sua unplementação há uma tendê ça~ no processo produtivo após a processo de produção como um todo. Também é necessário descobrir
com amodernizaçã~ ao depois de s~~~~ a~ reduzir o enrrentamento os pontos frágeis do processo produtivo, evitando que a capacidade de
é apenas um momento do processo (em~ uçã?, generahzandooque luta seja atingida. Enfim, fazer um reconhecimento geral no novo
Com essa generalização co ra, repita-se, o mais comum) terreno no qual as lutas se darão, nas condições modificadas da luta.
um horizonte mais amplo di:t: um outro risco: o de se perder tod~ Entre a difícil conquista do conhecimento prévio dos planos de
fundo na elaboração de uma polí:_rne~to da 9uestão, deixando de ir modernização e a desfavorável situação de ser colocado perante fatos
. Colocado perante um f1 ca tematíva. consumados, o movimento precisa desenvolver a capacidade de
aguá depois da introdução ato. consumado, o movimento operário descobrir o início de um processo de introdução de inovações: o
v~ráveis. O centro da ação !~ movaç?es nas condições mais desfa-
Pll11;cipal é a ameaça de desem essencialmente defensivo: o inimi o
movimento tem de se tomar suficientemente perspicaz para situarum
momento durante o qual se processa a instalação de inovações.
conjunto atingido é necessári prego. U?Ja reação rápida e forte âo Há várias maneiras de se identificar a detonação desse processo.
condições que contendo a ação~.fu: ev~~ demissões e conquistar
para o movimento se preparar para resa . os empresários, dê fôlego
A primeira delas seria consequência de um movimento suficiente-
mente enraizado em todos os setores da em presa, a ponto de viabilizar
alteração determina. negocrnr as reivindicações que a que os empregados do setor de planejamento forneçam aos organis-
mos do movimento as informações que têm acesso. Evidentemente, a
A partir
proces_so ondeda mobilização
os tópicos do ~os trabalh~dores estabelecerão um empresa tem consciência do papel estratégico desses setores e aplica
do~ sejam arrancados da em p ~ a básico anteriormente discuti- uma política de pessoal fundamentalmente isoladora e cooptadora -
eXIgência de redução da j~:~ ªºdado da garantia de emprego da salários altos, status etc - que dificulta a unidade de todos os
~3:1h3dores deslocados (asseª ~ad~ trabalho, retreinamento dos assalariados de uma dada unidade económica. Há ainda o problema
f
lffiplicará em redução salarial) que esse deslocamento não
caçõesquedotarãoostrabalhado ev~ e~tar um conjunto de reivindi-
que as multinacionais colocam, na medida em que o planejamento das
inovações é realizado na matriz - o que retoma a necessidade do inter-
~terações impostas no p res e mstrumentos para conhecer as nacionalismo. A segunda poderia ser a atenção para arranjos prévios
situação para impedir qu~:i~sorede trabalho e fiscalizar a nova necessários à introdução de novas tecnologias: cursos especiais po-
trabalho e a aceleração de seu . presente uma intensificação do dem ser ministrados para alguns trabalhadores, mudanças prévias nas
exigência central do reconh ~ ntmos. Esse conjunto pressupõe a linhas convencionais. Até mesmo a chegada de máquinas novas
lhadores que assuma esse pa~~entf de um~ comissão de traba- podem fornecer pistas das mudanças por vir. Uma vez identificada a
zadora. e co etora de mformações e fiscali- situação, constatada a existência de um processo de modernização em
curso, todo esforço deve ser feito pelo movimento para impedir e
~ormação,
pesqwsa tem quefiscalização
municiar eron59wsa.
. . tarefas da comissão. Aqui, a bloquear o seu prosseguimento, enquanto não passar pelo crivo das
O
so~re as alterações de produtivid~~n:oddos e?Jpregados com dados reivindicações operárias e pelo veredicto dos trabalhadores da unidade
finição de reivindicações concretas~e mcorporação
_ados unportantes para
desses a de-
ganhos económica atingida. 301
300 '
É uma situação menos desfavorável de luta que a anterior: o . d linha antiga é mais fácil de ser percebida
seguimento do próprio processo de introdução passa a pressupor que °
alterará: automattzan uma ã com o que era
algumas garantias sejam asseguradas. Além disso, é também mais a in~nsificaç~o do trabalhoãbas:}~~~:~:mJ:~~ 1a instalação de
propícia a própria negociação das prioridades de automação da a rotina antenor, comparaç Oq_ . ·tmo Jºá será imposto pelos
uma nova fábrica, onde o ~nmeuo n_
empresa (estão sendo automatizados os postos considerados mais
perigosos pelos trabalhadores?), do tipo de equipamento a ser utili- equipamentos baseados na mi~::r~:!entodestassituações,que
zado (está nos padrões de higiene?), da preparação profissional e . O risco é o do _men?sprezo de interven ão e com a falta de temas
tecnológica de todos (cursos sobre o novo processo produtivo, habili- sesomacomama10rdiflculdad\.11izações bm possível descaso ou
tação básica do novos conhecimentos requeridos), do planejamento da " explosivos" qu_e detonem 1:1° ara O ·ue nos parece a principal
realocação do pessoal deslocado etc. subestimação deixa lcam_po i~v~: ~ovas fibricas ou de novos setores
Finalmente, há o enfrentarnento da questão antes da introdução. questão colocada pe a cnaç . to que elas podem acarretar sobre
A condição preliminar para atingir essa situação é a efetiva conquista em fábricas em expansão:.º imp;c do com que O padrão de fun-
da abolição do segredo empresarial (e/ou estatal). Urna vez quebrado os velhos setores ou fáb_ncas, ç~~~ tecnologicamente se transmita
cionamento dos setor mais avan
o conhecimento exclusivamente patronal e/ou estatal dos planos de
investimentos (que inclui os gastos com novas tecnologias), é possível ao restante. . d s linhas em fábricas antigas que
estabelecer as negociações mais abrangentes entre empresários e No caso da mtr~ução e no;a a-se de assagem, já visto pelo
trabalhadores, possibilitando a reivindicação do conjunto do pro- tem sido um caso nao tão raroBC gé rová~el que elas passem a
grama básico apresentado anteriormente. Até mesmo os prazos e o menos nas montadoras_ do ãA ais ge~al da fábrica. Nessa reorgani-
ritmo da introdução das novas tecnologias pode e deve fazer parte da determinar uma reorgamzaç ? m . 0 ara uebrar antigas
negociações. zação, não é descartado que seJa~~ad~;~J:'.:PuJpon&icia da inter-
É a situação em que os trabalhadores negociarão em condições conquistas dos trabalhadores. . en sa situação a ação pode ser
mais favoráveis.Não há dúvida que é também a situação onde a prática venção do movimenltho doperá~~f~i~ca em expa~são ou pelo sindi-
do direito de veto é mais viável. detonada pelos traba a ores
cato que atua naquel~ base.d a nova fábrica, as coisas são mais
Para pensar o antes da introdução de urna forma mais completa,
colocam-se, aqui, também, situações que distinguem-se do que é a
complexas: pnmeiro, pe
r:
Já no cas? d~ cnaç~~s :ussões que ela estabelece; segundo,
Pamplitude que Otratamento da resposta
mais discutida, da introdução de novas tecnologias em fábricas e
linhas já existentes. Particularmente na conjutura da presente década pelo tipo de instrumento e pe1a
no Brasil, este é o caso predominante, na medida que (como vimos) operária exigirá. . ãode um fábrica moderna,
Em termos de repercussções, a msta1aç di õe de produção "pa-
os investimentos (poucos) têm se concentrado mais na modernização
das linhas de produção antigas do que na expansão das unidades avançada tecnologicamente, abalará as c~~mJ in~ustrial dela pode
produtivas e económicas. Mas não podemos deixar de abordaras duas ctrão" estabelecidas, e pelo menos noelas condições. No limite, as
outras situações: 1) a construção de um novo setor (ou uma nova liooa determinar importantes alterações daq~n iabilizem o funcionamento
de produção) em um fábrica pré-existente e 2) a construção de novas alterações podem ser de ~ai monta que 1 v lo ·camente. Também não
fábricas com uma base produtiva com utilização maior de tecnologias de algumas unidades mais ~efast~~a~ ~:~~s !ançadada nova fábrica
mais modernas e sofisticadas. é de tod_o improvável que ad as~ec~smos de concorrência intercap!·
Essas duas situações diferem da mera introdução de inovações em determme-ponmposição os . u ãodasinovaçõestecnológi-
talista - a aceleração do ntmo de m:rot ç caso a organização e os
linhas pré-existentes pela maneira como, por exemplo, a questão do
emprego virá à tona: nelas não há desemprego mas a redução da cas do conjunto do ramo em queSlaO ..
padrões de funcionamento da nova um P
C::~! segu:.amente se tomarão
ões indiretas e que se
criação de novos empregos (o que toma a questão menos "expressi-
va"). Uma outra diferença é na maneira como ritmo de trabalho se referenc!ais par_a o coniunto ~o \:ºçnoâ~~~afábricaquefuncione
influenciam reciprocamente, a ms 303
302
com um patamar tecnológic ·
junto de um ramo económicoº mais elevado termina afetando o con- alternativo àquela lei de origem fascista.
trabalhadores. 'com repercussões sobre o conjunto dos No período recente, ao conjunto de críticas já levantadas contra
Para poss1'bili' tar um processo d . a CLT deve ser acrescentada a denúncia de seu anacronismo evidente:
disputa pelo controle, os trabalh d e. negociação, fiscalização e não contem um elemento sequer da defesa dos trabalhadores frente à
organizada socialmente ue tuª ores tem que atuar como um força automação.
f
uma ação mais global '~ais ~ ª ara além da fábrica. Trata-se de E esta ausência ainplia o espaço que os empresários têm para
manobrar "livremente", evitando sistematicainente até mesmo a
mecanismos mais gerai~ de reiv~~ asse, qu~ cobra a existência de
segredo empresarial não é um bl caç~o e «;fiscussão. A abolição do discussão de temas correlatos.
esfera que se coloca uma curttro em~mten?ra ~a fábrica. E nesta Porisso a necessidade de acrescentar à agenda do movimento a
é fácil designar a Comissão de~:~t~o. se no mtenorde uma empresa luta por uma conquista social importante que é este novo código de
avaliar os pontos mais necessá . ;ca como uma in_stância capaz de trabalho, alternativa de conjunto à CLT e no interior do qual estará
contrapor a proposta dos trab:i:di/erem automa~zados (podendo toda a temática relacionada à política operária frente à automação e à
mesmoanfveldepafs?Nãohád' .d es à empresanal), quem fará o robotização.
condições de definir;m uma 1fs~~ ~ que os ti:ab~lhadores têm plenas As resistências a um código de trabalho com o conteúdo apontado
atual, são as centrais sindicai ~st~ pnondades. Na situação tiverain uma ainostra no Congresso Constituinte. Nele, as pequenas
informações empresariais e e s n~c1onais que devem receber as conquistas sociais sempre estiveram na corda bainha e mesmo quando
exemplifica de uma mane ·ra ~atais sobre a questão. Isto apenas a Comissão de Sistematização definiu uma forma de garantia de
pensável tratamento global ~a ast~te clara o ~ecessário e indis- emprego, deixava uma porta para as demissões causadas pelo controle
pelo movimento operário ElaqueS J°
t
~a moct_enuzação tecnológica empresarial da introdução das novas tecnologias: entre o que justifi-
nacional de investimentos;, se re aciona diretainente à "política cava a inexistência de garantia de emprego estava o tópico "fato
E esta questão não é separável do tecnológico" (ao lado de outros como "fato económico intrans-
popular sobre a economia brasil . avanço do controle operário e ponível", "infortúnio de empresa" etc). Essa possibilidade da livre
eira. decisão empresarial sobre o uso das tecnologias era, em um item
posterior, contraditada de uma forma bem geral, quando se consi-
ID- A necessária articula -
sociedade çao entreª luta na empresa e na derava como direito dos trabalhadores a "participação nas vantagens
advindas da modernização tecnológicas e da automação". Ao final da
votação desde projeto inicial da constituição, turno no qual os
Está claro que a resposta á . defensores dos interesses empresarias agirain no sentido de dar uma
robotização não pode ser circuns~~: ~a ~o desafio da automação e primeira "peneirada" na carta, sai a "garantia de emprego" (o que toma
delas e requerendo uma multi li~a ã umdades ?e trabalho. Partindo desnecessário a referência ao "fato tecnológico" como causa "legal"
nível, a resposta coloca nova/q ~õo da capacidade de ação nesse para demitir) e a outra referência às novas tecnologias muda para
representain uma intervenção nou.est ~s e cobra_ desdobramento que "proteção em face da automação, na forma da lei". (7)
m enor da sociedade. Após o final dos trabalhos da constituição, haverá o trabalho da
l) Um novo código de trabalho elaboração de toda uma série de leis complementares e ordinárias. Ai
Todo O prograina básico da r . está incluído tudo referente à legislação do trabalho: é previsível que
anterior - a organização por local ~spoS ta operána di~cutido no item a estratégia burguesa não passe de uma incorporação à atual legislação
empresarialeodireitodeveto- con eti~r~balhol a abolição do segredo (a CLT) dos novos Itens aprovados na constituição e promova uma
que deve integrar um novo código~ UI ~me enco_ de reivindicações pequena reforma da antiga legislação. A isto, o movimento deve
CLT e o movimento luta para a 1 ~ tra alho. HoJe, está em vigor a contrapor a exigência de um novo código, elaborado de acordo com os
304 e a oração de um código que seja seus interesses.
305
A luta pelo conteúdo do código de trabalho não é apenas uma luta enfraquecimento e divisão da classe). grama de lutas a rei-
institucional. Se é necessário ocupar o espaço parlamentar que os o mov!ment? ?eve acresce1!-t~:~ seu :~ de acesso de todos à
representantes do movimento operário e popular têm ao seu alcance, vindicação Já tradi_cio:1 iºc!~~excli:~te e elitista do presente
não é possível descuidar do campo fundamental de luta que é o campo educação, denuncian pode es uecer de adicionar o. tema do
da mobilização: os vários tópicos deste código de trabalho têm que sistema. No entanto, não peqrmiteavançartodasasquestões
insistentemente fazer parte das pautas de reivindicações nas con- conteúdo dessa formação, tema que
venções coletivas das várias categorias (a conquista de uma delas cria · colocadas aqui. . d tratamento da questão educacional e da
u'lla referência para a ação de outras) e devem constar da pauta de Essa perspec~va e trêspontosquenãopodemdeixardeser
negociações dos processos nacionais de luta Gá se busca um processo formação tecnológica toca em
de negociação que estabeleça· uma convenção coletiva nacional). abordados.. . alizar essas mudanças pressupõem-se
Em pnme1ro lugar, para re G tos nas escolas com
2) Formação educacional e tecnológica investimentos de envergadura na e~~~i:· p;! a elevação da quali-
O Brasil ainda não alcançou a generalização do ensino de a compra de equipamentos qfe c:ão dos professores e profissionais
primeiro e segundo grau: a educação básica é falha e de baixíssima
qualidade. Para se teruma educação de nível mais elevado énecessário
que se pague por ela, o que exclui parcelas expressivas do acesso à
do ensino que d~vem s:
dade da formação, gastos na orm_tados ara o desempenho da nova
ca~~do luiar, este investimento que não
formação requenda etc. m s dido como investimento no desen-
educação. é pequeno deve se~ compre_en d um aís (não podemos pensar em
À solução desse problema histórico (e estrutural na forma social volvimento :~?nô~ico e soc;al .: .. co~o algo restrito a criação de
do país) é acrescentado o problema colocado pela aplicação da gastos co_m ciê?c~a e tecno o~ ite só é ssfvel utilizar novas
microeletrônica à produção: as mudanças de perfis profissionais têm laboratónos e simil~s). No lim acldade drrnanipulação delas ... E
de ser respondidas no interior de uma proposta de superação geral dos tecnologias_ quando existe_ ~asc~~vas tecnologias, é necessário que
problemas da educação no país. para se ensmar o ~an~se10 a . e ue ha· a centros de pesquisa e
A generalização da microeletrônica não apenas indica novas elas sejam conhecidas. 0 ~ue exig q J ressedomfniopara
profissões e especializações como muda o tipo de formação básica desenvolvimento tecnológico 9ue possam propaga
requerida. Maior capacidade de abstração, um domínio de operações 0 conjunto d~ sistema educaci;:!·geralparaaformaçãoeducacional
um pouco mais complexas de matemática, por exemplo, são requisitos Em te~ceiro !ugar, essa po . ão dos gastos públicos para o setor,
que vão aumentando quando a ênfase da tecnologia passa da hidráulica e tecnológica vai tocar na restnç prioridade orçamentária e que se
e mecânica para a eletro-eletrônica. Há ainda a necessidade de, desde
a formação básica, haver conhecimentos de eletrônica, indispensáveis
exigindo que el~ passe ª s~ i::- 0 0
programa apontado. A questão
viabilize o ~c1on~ento ~tatais deixa de ser estranha ao movimente,
para posterior especialização (ou para, pelo menos, sobreviver num mais geral dos mvesttmentos . dos os recursos a fiscalização de sua
contexto de mudanças tecnológicas dinâmicas). Não pode ser esquecido que deve tê-la em c~n~. ~· d1r:entaçãodas prioridades definidas tem
o aumento do conteúdo da formação básica imposto pela generali- aplicaçãoeo~ntro e atmP: rofessores e profissionais ligados à
zação do uso de computadores na economia: passa a seruma necessi- de ser garanudad (otque e~~~:fo operário e nopular etc).
dade o conhecimento de seu funcionamento, o domínio de uma educação, estu an es, m
linguagem computacional ganha importância na avaliação de currícu-
los etc. 3) A jornada de trabalho d ·ações
É impossível que estas questões sejam tratadas à nível de empre- Reivindicação de presença crescente nas pautéas de ~~; as 40
d ã da jornada de trabalho: a meta a e o·
sas isoladas. Isso é uma solução provisória e utilizadora: apenas uma tem sido are ~ç o COnstituinte essa reivindicação foi rechaça~a.
parcela dos trabalhadores tem acesso à qualificação que o novo horas semanais. Na . d de horas semanais. Prosseguirá,
contexto tecnológico exige (o que não deixa de ser um elemento de tendo sido aprovada a Joma a 44 . 307
306
tas de um outro ponto de
naturalmente, a luta pelas 40 horas. podemos passar a discutir as noss:O P;~P~~tica econõmica (viabili-
É uma reivindicação de duplo significado. Por um lado, é uma vista: co1?o suJ?<:rar o atual gar~nomia~quer)equepolíticaterpara
arma importante e eficaz para combater o desemprego existente, zando os mvesumentos queª ec alavras· é possível conceber um
a
particularmente quando recessão avança.Por outro, é uma arma . .:m ntos? Em outras P
esses mves ...... e ·
· · b
b.d0 s pelas diferentes alternativas ur-
1
indispensável para o enfrentamento da automação: garante que os "cenário" distinto dos conce ário de uma alternativa dos
empregos a serem criados Gá em uma base técnica superior) tenh.am guesas, é possível conceber um cen
um mínimo de incorporação dos ganhos de produtividade que as novas trabalhadores? . desafio da automação não pode ter uma
tecnologias trazem. E abre mais espaço para a defesa da classe frente A resposta operári~ ao inho arando na defesa e deixando
ao que está por vir, generalizando e popularizando uma demanda
central.
f
vocação de ficar no mel? do c~ . a' denúncia dos resultados do
de radicalizar e d~r mais vee:/~\ecnologias não apenas pelo que
O caráter transitório dessa demanda deve ser bem esclarecido. Se controle empresanal sobre as . de que seja feito em favor do
nos períodos de recessão ela impede que os custos da crise recaiam 1
ele faz, mas ta:nbém pelo ~::ieh:;0i:~a própria humanidade. T~ndo
sobre os ombros da classe trabalhadora, nos períodos de prosperidade avançodoconJuntodostra .al produtivo no mundo de hoje, o
ela exige que os ganhos não se traduzam apenas em maiores lucros consciência do que há de potenc; aumentar e se firmar. .
empresariais, mas que sejam também revertidos aos trabalhadores. entusiasmo para mudá-lo~ó pr apontada uma dupla limitação da
A redução da jornada de trabalho deve vir ao lado da conquista do 0
Por todo esse 1;aba o, ~ aíses de ndentes, é atrasada tanto
pleno emprego e, a partir daí, deve se estabelecer uma dinâmica em burguesia: ela: espec1~entenâo p nto de~ista tecnológico. Dada a
quehajainstrumentos nacionais para avaliar a produtividade global da do ponto de vista social como P? é limitado e quando ocorre ele
economia do país, a partir da qual pode ser definida nova redução dependência, o progresso tecnol~!i~ parte da. defesa do movimento
global da jornada semanal. A reivindicação do movimento operário é socialmente injusto. Nossa po . · indicações imediatas,
hoje é a de 40 horas. Havendo um novo ciclo de crescimento 1
mas tem de ir além: devemos aro~:~;! re;vapresentação de uma
econômico no país, essa jornada deverá ser reduzida: a relação que incluindo a luta contra ª re~:~ointeressedomovimentopopular
deve ser estabelecida é entre a elevação da produtividade e a conse- alternativaglobalqueexpresse t país A gestão democrática, ope-
quente redução da jornada. Num país como o Brasil, essa relação é de modernizar tecnologica1:1en e o r ~u rior à burguesa tanto no
inteiramente essencial. rária e po~ar da economia l~egt~~os~ istrdeve estar claro em nosso
Estes três exemplos (código de trabalho, formação profissional e aspecto social como no tecno ·
jornada de trabalho) buscaram trazer mais elementos sobre a ines- projeto.
capável necessidade do movimento relacionar sua resposta dentro da
fábrica com a intervenção no conjunto da sociedade. Insiste-se nisso IV- O controle oper~rti~ ~:::~:;n1~~~:n::~itg1:eração da
para procurar retirar a discussão sobre a tecnologia de uma postura crise atual e um proJe
estritamente defensiva. Afinal, a melhor defesa é o ataque.
Se relacionamos essa discussão com a avaliação que foi feita no . . b asneira levou o país à situação
capítulo VI sobre as perspectivas de superação da atual crise econômica A gestão b~rguesa da econo~~:S:s dominantes para criarem as
(ponto básico para viabilizar uma retomada sustentada dos inves- presente e as dificuldades .das! de cres.cimento econõmico já forain
timentos, os quais usariam de novas tecnologias de uma maneira mais condições para um novo c1c o
concentrada), veremos que o temor maior está na incapacidade da vistas (Cap. VI). . ·ntema na quebra da capacidade de
o peso das dívidas externa e 1 . nta or onde deve se
gestão burguesa de retirar a economia desta crise. E, uma vez
evidenciados os mecanismos de defesa do movimento frente às f
financiamento do crescimento ec~nôm1co apo E ui está o grande
inovações (que podem continuar a serem introduzidas apesar da iniciai uma política que re~erta a s1tu,a?ão atu!~ctas\ão ''intocáveis"
inexistência da superação da crise, aí de uma maneira mais limitada), limitador para qualquer projeto burgues. essas
309
308
!

operário e popular. . .
pelos fonnuladores das várias alternativas de política capitalista. , Para viabilizar esse controle sobre a econom1a, uma i:adical
Quando Collor _faz se~ ~!ano não penaliza o grande capital. Para mudança deve ocorrer na relação entr~ os grand~s grupos pnvados
quebrar com a mtocabilidade dessas dívidas, uma decisão política (nacionais e estrangeiros) e a economia. Até hoJe, deraI? o tom _do
fun~enta! tem d~ ser_ tomada: é necessário confrontar-se com os funcionamento da economia. Por um lado, agem da manerra definida
banquerros mtemacmnrus e nacionais.
por seus interesses específicos, atuando da maneira que melhor
O co~nto com os banqueiros internacionais significa uma cumpra o objetivo de obter os maiores lucros possí~eis. Por ou!ID,
J>?Stu~ distinta em relação ao imperialismo, tanto em tennos de influenciam de várias fonnas a condução da política econ~m1ca,
disposição como de capacidaqe de mobilização popular para sustentar usando-a para também atingir seus objetivos. Para se atiJ:gu uma
~sse ~nfrentamento. Já o confronto com os banqueiros no país é situação onde esses grandes grupos se submetam ao que é de mteresse
lill~ato quand~ se quer resolver o problema da dívida interna: essa da maioria da população, vai uma grande distância. E s:m essa
dívida é que alimenta o poderosíssimo esquema de especulação submissão não é factível o controle popular sobre a economia.
financeira, no qual os bancos privados possuem um papel central (são Para se conquistar esse controle os grandes grupos que atuam em
os bancos os detentores da maior parcela dos títulos dessa dívida). setores estratégicos da economia devem ser esta~zados: a ~tuação
?ataq~~ ao~ problemas das dívidas externa e interna, atendendo desses grupos em setores estratégicos da economia lhes dana con-
a velhas re1vmdicaçii<:s do movimento popular que tem lutado pelo dições de impedir que prioridades definidas pela populaçã? fossem
não p~g~ento da díVJda externa e pela estatização dos bancos barra executadas. A atuação dos grandes grupos, dos monopóh~s nesse
a contmwdade de duas fontes de espoliação dos recursos necessários setores pode lhes pennitir ditar para o restante da econom1a a sua
para o fun:ionamento do crescimento económico: cerca de 5% do PIB
pára de sair do país para pagar o serviço da dívida, algo em tomo de lógica. .
Fora dos setores estratégicos da economia, o que não estiv_er
10% do PIB (a metade da arrecadação tributária) pára de alimentar a estatizado tem de estar em condições de cumprir as de~nições gerais:
especulação financeira.
porisso, devem existir instrumentos capazes de garantir que ~ metas
. De uma maneira bem simples, podemos concluir que os recursos do plano geral da economia sejam cumpridas pel?s grupos pnva_dos.
eXIstem: basta haver a disposição política para enfrentar os que lucram o controle operário da produção tem um pap~l _lillport31:te aqui e a
com a sua dilapidação.
legislação deve ser explícita em relação à possibilidade de m_tervenção
Localizados os recursos que podem constituir uma massa consi- do Estado nas empresas identificadas como descumpndo~as do
der.ável de investimentos, a pergunta que deve ser feita é sobre a sua planejamento geral (ou que estejam escondendo estoques, praticando
aplicação: será como antes, definido de acordo com os interesses dos
preços especulativos etc). . .
gran~es grupas económic?s? O papel chave do investimento estatal no Esses elementos iniciais de uma política de superação da cnse do
Brasil na cnação de_ con?ições para o lucro privado obriga a se fazer ponto de vista do movimento operário e popular significain um gran~e
essa questão. Na históna do capitalismo brasileiro, sempre foram choque com os interesses burgueses. A conquista do controle operáno
usados os recursos públicos para implementar o que era necessário e popular - que já começa a se gestar desde hoje, com a construção de
par~ a ~cumulação do capital (investimentos na infraestrutura, em organismos como as comissões de fábrica, por exemplo- será obra_ de
mdustrtas d~ base,. em ~etores económicos que não apresentavam uma ainpla e profunda mobilização popular, de uma revolução social,
como lucrativos de Imediato ou cuja necessidade de investimento era que derrotando as classes dominantes quebrará o seu aparato estatal,
tal ~ue ~eparasse a capacidade de financiamento dos grupos privados iniciando, entl!o, o processo de transição ao socia1:ismo. . .
nacmnlllS).
A respost_a é óbvia: uma nova fonna deve ser desenvolvida, uma
o ponto de partida para este processo de t~sição ao socialismo
está longe de ser desprezível no caso d? Bras~. O leg~do do desen-
fonna não mais baseada na subordinação aos interesses empresarias volvimento capitalista inclui o parque mdustnal antenonnen~e des-
m":' aos ~a grand~ maio~a da população. O Estado deve ser "despri: crito (Capítulo III e V), que é muito mais avançado do que o existente
vatizado e esses mvestimentos devem estar submetidos ao controle
310 311
na Rússia de 1917· as b . .
. .ti.
Pnm ã · ases nacionais da acumulação soct"a!i Por trás dessas, as indústrias de equipamentos e máquinas para cada
_1 vas s o amplas. A sua dim . sta
sem1-industrializado do país e se e1J};? é consequêncra do caráter uma delas. Um plano desses terá um impacto grande no conjunto de
economia, impulsionando-a adiante, inclusive criando condições para
dependência e do atraso detennin~~o ~~e:1:_spelham a condição da
O peso do setor estatal no im · d . uma política efetiva de pleno emprego. É uma argumentação inteira-
amplitude da base nacion CIO a transição expressará a mente cínica a que tenta obscurecer esse impacto e construir uma
primitiva: para tennos um:n do processo de acumulação socialista hipotética contradição entre desenvolvimento económico e avanços
~ª ª.
setor estatal da economia a :~~e~a, st somarmos ao presente sociais.
No tocante à base técnica das indústrias e das empresas que
gãrandes grupos dos setores estratégic~s ~a e~;~~:%ª Efinancebiro e os
n o tem nada a ver com ual . . · ssao servação realizarão esse conjunto de obras (incluindo a sua retaguarda), não há
construçãodosocialismopeqlonquer 1ddé1a qm~ analise o estágio de porque ela não seja a mais avançada possível. Quanto mais avançada
soct"alismo é um processo di ·umero .d e estatizações· A transiç
· ão ao a base técnica maior a qualidade dos seus produtos e menoro trabalho
lhadores, que garanta O esta ngi ? pelo poder político dos traba- a ser executado. A reijeição que o uso capitalista da teC!lologia
economia. o setor estatal a ser~:i~~~~~~ n~~e? cdontrol~ sobre a estimula não pode ser motivo para não se utilizar o máximo possível
ser o suficiente para aranti CIO a transição deve de novas tecnologias, para não se lutar para a máxima aproximação
inclusive que a dimensã~ do se~oesse ~onrole. Deve ser destacado possível do patamar tecnológico internacional em cada setor. Usar
trabalhadores é uma definição r;~tatiza O e sob controle direto dos técnicas ultrapassadas e maquinário antiquado e obsoleto não ajuda
Ost. poca. tanto assim a construção de uma nova sociedade: devemos reijeitar a
se ores pnvados não deix ã d d ..
processo de acumulação socialist ar ~ : . ar a sua contribuição" ao idéia de um socialismo "de segunda mão".
cobrados têm um so ª pnmltíva. No Brasil, os impostos O que detenninará o peso da utilização das novas tecnologias será
vários subterfügio;par/:s1~~~ ~ob~e as :ipresas, que ainda têm um outro conjunto de variáveis, no interior do qual a capacidade da
O
butária terão que arantir • sco. udanças na política tri- indústria de "ponta" do país e as relações com países mais avançados
sociajista. g , por essa via, recursos para a acumulação tecnologicamente se destacam.
E a partir dessa base que Em uma economia sob o controle do movimento operário e po-
pensada. ª polit:Ica
. .
de mvestimentos deve ser pular, os investimentos para a modernização tecnológica deverão ser
O primeiro ponto dela são · · muito superiores aos atuais. Estará comprovada, então, a denúncia da
enfrentando a situação de misério: ;nv:stimen_tos para a área social, limitada capacidade da gestão burguesa em modernizar o país.
uma outra parte do le ado d . '1.1 s condições de vida (que são Esses investimentos devem começar pela criação de indústrias de
cação passam a serpri;ridade~ cap1tal1smo): habitação, saúde e edu- componentes microeletrónicos: algum domínio na produção dos
plano de obras públicas ue a : r:querendo a elaboração de um grande circuitos integrados tem de ser alcançado. Esse domínio é essencial
essenciais Não há nenh~ma tinJa a ':1eta de superar esses problemas para uma época em que a lógica digital se espalha por todos os setores
na resolução dos problemas sco~t~adição entre a J?roposta de investir da atividade económica. O setor privado da economia brasileira já
crescimento económico e mo~1a1s_ e o estabelecrmento de metas de provou a sua incapacidade de criar esse setor (capítulo V) e parece já
apenas uma inversão na orient~ erruzação tecn?lógica. O que há é ser evidente a necessidade de pesados investimentos estatais para a
de escolas, hospitais laboratJ~odo desenvolvimento. A construção criação dessa indústria. E por ser um setor estratégico da economia, a
tratadarequerocrescb:nentod nos, casas, redes de esgosto e água microeletrónica terá de estar compondo o setor estatal.
e industrial. e outros setores da atividade económica A criação da indústria microeletrónica deve ser o ponto de partida
Esse plano de obras pública · de uma verdadeira política nacional de infonnática, revertendo radi-
presentes indústrias como as s exige ~~e na sua retaguarda est.~jam calmente a lógica atual (ditada pelo mercado, com reserva) que
metálicas,decimento deequip.de matenda1s d: construção, estruti.:ras começa pelo atendimento de um potencial de consumo para micro-
312 ' amentos e saude e de laboratórios etc. computadores. Partindo daí, a lógica atual estabelece requisitos de
313
f
1
. . conhecimento e o manuseio das novas
capacitação tecnológica baixos, (inclusive, a pura "pirataria" é um capacitados a difundir O • tar O progresso do nível inter-
processo comum de aquisição de know-how para a produção de 'tecnologias, a acom~ar ~ ª ia~'::sdecontribuirnoplanejai:i~nto
micros). nacional do se~r (es do o ~~o setor no país e também de paruc1par
Dominar as etapas de produção e planejamentos dos circuitos do desenvolvunento P P . núfica internacional).
integrados é algo mais complexo e exige investimentos diretos na de atividades _de coopera~o ~ecativa elevação de investimentos,P.U:ª
criação da indústria microeletrônica integrados, planejados e não A necesSJdadedes_ta sigm i t enológico é uma consequencia
superpostos. E com a capacidade de produção de componentes 0 desenvolvimento C1enúfico e ~rente à dependência tecnológica
microeletrônicos conquista-se no mínimo a compreensão do que está imediata da mudança da poStur~ economia Quando o horizonte
se passando no setor à escala internacional, que é algo muito mais imposta pela gestão b_urguesa ª ão os · rodutos acabados do
amplo e diverso do que os "Apple" e os PCs da IBM ...E dada a máximo é apenas. ap!lcar na drodukperadvos da divisão inter-
vertiginosa velocidade das inovações nesta área, com a ampliação capitalismo mundial e segu;1 o ~:a a necessidade e o impulso em
acelerada da integração dos circuitos_, a criação desta indústria é, no nacional do trab~ho por ele ur~edto cientifico são pequenos, na
mfuimo, um elemento para evitar um aumento do fosso entre o favor de um efetivo _desenvo v mãodeobracapazdebotarpara
patamartecnológico do país e o internacional. Além disso, é previsível medida em que é suficiente ~aver;~! Com uma postura distinta, que
que os avanços e saltos tecnológicos futuros venham a ter por base a funcionar as "caixas pretas rece i . , a tecnológica o quadro atual
. . í · mo de autonom1 • .
microeletrônica. O desenvolvimento dos supercondutores, por exem- busca aungir ur:i m ru dado Não é possível continuar con-
plo, viabilizará um desenvolvimento espantoso dos circuitos integra- tem de ser radicalm~nte mu · ue indicam uma relação entre
dos. vivendo com esta'.fsucas_ comuoan~o ~os Estados Unidos essa relação
Uma vez criada a indústria microeletrônica, é possível construir- pesquisador~s/habitantes. en~ d r no Japão de 342, na França_chega
se sobre ela outros setores que usam alógicadigital: a própria indústria é de 317 habitantes por pesqmsa O ' · á a 28 00 Não há polfttca de
de computadores (aí estão com maior capacidade de criação, na a 305, no Brasil esse indfce al~antçaàrreal1'dad~ apontada por esses
. ló<Yica que resis a ·
medida em que poderá planejar desde o tipo de circuito a ser usado, autonomia tecno ,,. . d de tecnológica crescente e as maiores
ganhando autonomia frente aos padrões impostos pela produção das números. Dada a comp1exi ª gias têm para serem absorvidas por
1
multinacionais do setor), a indústria de telecomunicações, as indústrias dificuldades que llS novas tecnoé ~om tetamente utópico dominar as
produtoras dos equipamento da automação industrial e dos serviços. países que não dispõem dei~, trônici sem esses investimentos que
A ênfase a ser dada nestes setores dependerá das prioridades definidas tecnologias _de b~e microe e 'dadedeprodução(eestasobserva~~s
pelo planejamento global da economia, mas o fundamental é a e- atingemmu1tomaisdoqueauru t s setores como novos matenais,
xistência da possibilidade de cada uma dessas indústrias lançarem são inteiramente válidas para ou ro
mão da lógica digital (e, portanto, das tecnologias mais avançadas) eletrónica em geral etc), .d te necessidade de investimentos de
sempre que se julgar necessário. A microeletrônica passa a ser parte Em segundo lugar, ~ ev1 ~n e tecnológica (incluindo de nível
do património popular. peso na formação ~ducac1on ros s uisadores). As necessidades
O que se desenha acima é uma política nacional de informática superior' de onde sairão os quad. á e~~o contem piadas no plano de
muito distinta da atual e caótica, onde a anarquia e a falta de de formação educac10nal básica J d he ança social. Para garantir a
planejamento vai determinar um verdadeiro desperdício dos (poucos) obras públicas para a superação ª l;gica a questão da qualidade
recursos do setor (capítulo V). Partindo dos investimentos estatais implementação dessa form~~o teãcn~e passar despercebida. Os
para a criação da indústria microeletrônica e fortalecendo a inter- do ensino e de seu conteu o n o no ca italismo lhes nega: uma
venção estatal no setor, outros elementos devem ser integrados na trabalhadores terão o iu~ -~. ~:~i~~!~nvol vfuiento de especializações
1
política nacional de informática. qualificação geral que a 1 ã é m pressuposto para a conquista da
Em primeiro lugar, investimentos significativos em ciência e diferenciadas. Essa fo~aç O use operária pouco habilitada é um
tecnologia, aumentando o número de pesquisadores e profissionais autonomia tecnológica. uma c1as 315
314
impecilho para o desenvolvimento· d . ·a1 ·
cação combinando-se com a gene ;p ust d · A elevação da qualifi-
trole operário da produção será r I;aç o a auto-gestão e do con-
. ui · uma ,erramenta pod í · Os pontos básicos deste processo de alcançamento planejado
IIllp s10nar o avanço tecnológic L. eros ss1ma para poderiam ser os seguintes: 1) conhecimento efetivo do que está
conhecimento operário da r o. ivres do controle empresarial, o disponível, do que faz parte do patrimônio científico e tecnólógico da
beração da criatividade pa~ ';i~Jão pass;rá a se manifestar na li- humanidade, conhecimento que deve ser estabelecido pelo desen-
técnicas e os métodos de rodu ã var mu anças que aprimorem as volvimento do sistema educacional e pelo estabelecimento de in- ·
0
dos ganhos da produtivigade ç · A :Cguranç.a com a incorporação tercâmbio e cooperação científica internacional; 2) estabelecimento
estímulo indiscutível que so~m pro . do. conJunto da classe é um · de prioridades nacionais do que deve ser assimilado pelo país; 3)-.
reprimido pela ameaç; dos ganho~ d~api:si:i~ é permanentemente criação de mecanismos de efetiva transferência de tecnologia, bus-
pelos empresários contra os trabalh dpr utiv1dade serem utilizados cando romper com as imposições imperialistas da dependência.
Od. aores.
epolillento de um operári 0 d rnd · , . tecnológica, atuação que deve se darem três campos: universidades_ e
muito rico para ex re . ª uSlría automobilística é institutos de pesquisa, organismos internacionais e empresas (contra-
dos trabalhadoretd/~~ant~ a eXJstência dessa contribuição técnica tos com cláusulas mais favoráveis de aquisição e controle de tecnoib-·,
criatividade. Discutindo a ufx;:e c.~m~ ª~ causas da inibição de sua gia); 4) definição de uma estrutura de fonnação (desde pesquisadores·'
ganhar dinheiro com algumas nenci~ os CCQs e a ilusão de se até técnicos e operários especializados) que signifique suporte para o
começa a imaginar coisas e até s:7ee~t ~~ra a empresa " ... então processo de transferência/absorção/criação de tecnologia; 5) polítiC11
trabalho.Aíocaraficaima ·nan . nrm c~çõe~noesquemade de investimento que viabilize a absorção nacional das tecnologias
mais para cá trazer as coisfs .do. -Ah, e se eu tiransto daqui e botar acessadas; 6) desenvolvimento dos institutos de pesquisa pata villl:li- ..• i'
aí! -Aí faz a ;xperiênciae au~:~~ara. perto? Ah, mas deu certo, olha lizar o lado criativo nacional no desenvolvimento tecnológico. ·
está fazendo O trabalho dpe d . quma.Noflill,vocêvaiver,ocara

motriz do progresso técnico. .


01s ou três caras" (8) E
somada à maior capacitação tecnoló . . . · ssa segurança
gica SJgrufica uma nova força
l Enfim, é possível transfonnar _os processos de alcançamento
tecnológico em um processo consciente. Um país dependente como o
Brasil tem a possibilidade de intervir conscientemente neste desen- .
Em terceiro lugar, ao mesmo te 1 volvimento, viabilizando uma modernização efetiva, não cónseíva- •
sobre as dificuldades de se ter mpoemque!1ãosepodeterilusões dora, portanto, controlada pelos trabalhadores e positiva ao progresso·
avançadas (os países capitalistasª~~so e dommai: as técnicas mais social.
período sendo os detentores d ançados seguirão por um largo Esse conjunto de questões constituem uma alternativa global à.
cadasenãohánenh . o controle das tecnologias mais sofisti- política de reserva de mercado e à de abertura do mercado, Ela deve
ummteresseemdem ti'
será necessária uma ferrenha ocra zaresseconhecimento), estar integrada à política industrial geral, de uma fonna que possibilite.
acesso e absorção das.tecnolo~uta para desenvolver mecanismos de ao planejamento geral a utilização de tecnologias modernas. Neste
.,.as avançadas
Acesso à tecnologia disponível · . planejamento, não poderá estar ausente a definição de uma ordem de
planejamento do processo de alcan requer uma polí~c~ consciente de prioridades para a introdução da automação e da robótica: a abolição .
deste processo é necessária ara çam.ento tecnolog1co. A menção
durante o capítulo II quando f. relacionar toda a discussão feita
dos trabalhos perigosos, insalubres estarão encabeçando esta lista De
máquinas alimentadoras da "loucura do trabalho" os equipamenços da.
' '

processo. Vimos lá ~ contribui~~~d:ª a dinâmica capitalista deste automação microeletrônica terão passado a instrumentos de melhoria
para os saltos que os ciclos de dese:s Is processos de alcançamento das condições de trabalho. '
alternativa política dos trabalhadoresv~1~e~to podem conhecer. A No planejamento econômico democrático a meta de modernizar.
tirar todas as consequências favorá . d gin o a nação possibilitará a produção deve estar presente: a reversão de metas imposta pela
agora consciente e Jane. veJS este processo de alcançamento existência do controle operário e popular da economia ampliará
pendência impunha. p Jado, superando as barreiras que a de~
consideravelmente a demanda por todos os tipos de produtos, o que
316 exigirá uma considerável elevação da produção da indústria brasileira.
A pequena dimensão de vários setores e ramos industriais é déter-.
317
minado pela pequenez do mercado interno. Uma melhora nas con- , . ão Por isso ela tem de decidir. O
dições de vida (atacando o problema do desemprego e do arrocho pago pelo conJunto d~ populaç de ser separado da mais ampla
salarial) multiplicará o que é requerido pelo "mercado interno" e o planejamento econôm1c~ não po tativa deve se combinar com a
atendimento dessa demanda imporá a expansão da produção. Assim, democracia: a democracia ~p~~e;os trabalhadores e a construção de
a elevação da produtividade (ou do rendimento do trabalho) será uma generalização da auto-orgamzaç
grande contribuição para atingir os novos objetivos. . seus organismos. . . ca odem dar uma grande con-
Para gerar essa elevação de produtividade, o principal método Os equipamentos ?ª informáu tcrático: é perceptível que um
deverá ser o da aplicação de novas tecnologias à produção. Não há tribuição para esse func1onarnen:o ~en_i de bancos de dados de fácil
justificativa para o uso da intensificação do trabalho como instru- fluxo ágil de informações,_ a ex1stenc(~s etc odem ajudar muito na
mento básico para esse aumento da produtividade, especialmente acesso contendo as esta~sucas ~sen~ da a~inistração do Estado e
quando estão ao alcance do planejamento a utilização de tecnologias transparência e na fiscalização a aç O d
mais sofisticadas. das empresas pelo conjunto dos ~rabalh~e~:~ construído para uma
A priorização da elevação da produtividade a partir da intensifi- Aí estão alguns elementos e um arazãoparanãoconsiderá-lo?
cação do trabalho abre um espaço considerável para o enfrentarnento alternativadostraba~ad?res. Há algum e é uma possibilidade real,
de um projeto libertário e auto-gestionário de socialismo. Não há. E?1 pnme1ro _l~ga:á ~~~~~ituídas no país. O peso da
A transição ao socialismo pressupõe uma sociedade de ampla dadas as condições _mate;1~is J trutura já existentes demonstram o
vida democrática e de participação de massas. Para que o conjunto dos indústria na economia_, a m raes aís ara uma transformação social
trabalhadores participem das definições fundamentais da vida do país indiscutível amadurecimento d~ púlti~a década feitos pelos traba-
e da sua unidade de produção é importante que hajam condições reais radical Os grandes avanços ª CUT demonstram um
· · d t to O PT como a .
de viabilizar essa participação. Uma classe trabalhadora com uma lhadores, constru:n .º an f nna social capaz de capitanear e
carga de trabalho grande e estafante não tem as condições necessárias processo de consutmção de uma o
para dirigira seu estado, para imporo seu controle sobre a economia. dirigir essa mu~ança. dro pintado aqui, em se tratando
A elevação da produtividade baseada numa maior utilização de Mas, terá s1?0 cor-de-rosa o qua rário e ular? No processo de
técnicas modernas abre espaço para o oposto: com a incorporação de uma economia sob o contrte ~peserá a r~~ência da burguesia tal
desses ganhos na redução da jornada de trabalho, o tempo livre obtido estabelecimento desse contr? e,n omuito dojá construído no país? A
é um tempo para a participação na vida política e social, participação que detenninará uma destruição/e. ário de estabelecimento desse
indispensável para a concretização de um projeto democrático e verdade é que o processo rev~ uc10nara evitar ao máximo as perdas
pluralista de transição ao socialismo. controle deve ser capaz o suficiente P.ali ta pnm· itiva É um problema
·d d umulação SOCI s · · d
Assim, sem perder a referência das dificuldades e dos obstáculos do ponto de paru ª. a ac d e terem conta em sua estratégia e
1
que o bloco operáno e popu ar ev
existentes, a meta de articular o crescimento económico e a solução
dos problemas com a máxima modernização tecnológica possfvel tem luta. . coloque essa alternativa: a
de ser claramente afinnada. Além de possível, é necessáno q:e s:iaéca azde fazer. A última
Essa relação apontada entre uma possível elevação da produ- gestão burguesa do país já moS trou ?q _eesta na pão uma década per-
tividade e a ampliação das condições para uma participação mais !
década foi particul~rmcnte gu~tr:u;iÍítica in~tit~cional que o país
elida. A presente cnse econ mie 'd t da necessidade de se por um
ampla dos trabalhadores no processo político (mediada pela redução
da jornada) ganha importância pela necessidade de se garantir um real atravessa é uma nova prova contu en e
funcionamento democrático da sociedade. Em todo este item foram fim à gestão burguesa no país. "dade· por isso é tão importante
indicados inúmeros momentos onde decisões políticas são tomadas, Uma possibilidade e uma net~~ador;s, pelo início da transição
prioridades definidas, recursos aplicados etc. Há sempre opções a luta por uma altemauva dos tra a
diferentes que podem ser tomadas e o custo de sua implementação será ao socialismo.
318
r

iniciar O desenvolvimento de um
V- A situação do movimento e as condições para a é forçado a encarar o desafiode a cralização (ou da difusão mais
· implementação da resposta operária à automação e à know-how para a luta antes a gcn
robotização expressiva) das inovações tccnológicJ:·desenvolvimento capitalista
Em terceiro lugar, 0 proccssie foi a proletarização de tod? um
recente no pais teve uma facet~ 1u rior. Isso estabelece condiç~
Vimos no capítulo V (item V) algumas questões sobre a presença conjunto de profis;-ões de níve_ t~os trabalhadores, dos assalana-
do movimento operário na cena política. Lá foram identificados o · obietivas para a urudade do conJun ondução das lutas em relação à
ascenso e o crescimento da organização independente da classe e os , é · t importante para a c . .
dos, o que mm o . ndições dos empresános imporem
impasses colocados na presente situação. modernização tecnológica. As co rofissionais de planejamento
. A partir daquela caracterização podemos discutir a força e a uma divisão marcada e estável entre os p r esse processo objetivo. No
fi:aqueza do movimento frente ao desafio da introdução das inovações e os da produção fica contran:cstado po "congelada" que em outros
l!lcnológicas. Brasil esta divisão é menos rígid_a :;~n~:pressiva de assalariados dos
Comecemos pelos pontos que contribuem para uma resposta países mais avançados. _A paru~0T é uma mostra desse potencial de
eficaz. chamados setores médios na · ão tecnológica. .
O primeiro deles é o "lucro" que os trabalhadores brasileiros unidade para enfrentar a moderruzaç . ento insistiremos nos dms
J)9dem tirar do atraso do desenvolvimento tecnológico nacional: o Passando às debilidades do movm~ da ~rganização por local de
know-how da luta operária pode chegar e se adaptar à realidade pontos já levantados: a peque~a PJesen~ssidade da alternativa dos
brasileira antes do know-how empresarial. Dada a inevitabilidade da trabalho e a reduzida difusão a ne
difusão das inovações no parque industrial brasileiro e dado o caráter trabalhadores. . al de trabalho, o fortalecimen~o ?º
.retardatário dessa difusão, há tempo para se preparar bem para as lutas Quanto a orgamz~ção por 1oc ári colocou a luta por essa re1vtn-

l
q(ie virão. Basta que o ritmo de amadurecimento do movimento seja setor classista do mov_tm~to º~[gni~cou uma ruptura radical com a
_superior ao da difusão das novas tecnologias. Para tanto, o aprendi- dicação como atual e 1m ata.. não tinham no horizonte o
zado com os erros e os acertos da luta de trabalhadores de outros países · ta e popultsta, que
orientação re fonms d trões no interior das empresas.
mais avançados é indispensável. O internacionalismo se coloca como enfrentamento do sagrado pod:r os pa ram no ABC inicialmente:
uma necessidade prática e concreta. Uma interessante experiência que A partir daí, as primeiras ~nqwsu;5m3t;:~ndi~al dotava-se d: uma
já.se concretiza são alguns encontros de trabalhadores de uma mesma o setor mais avançado o mov do ca ital mais dinanuco no
multinacional, como o da Ford e o da Philips. importante arma para enfr-:ntar o seto~açãcfno local de trabalho foi
. Em segundo lugar, a existência de organizações nacionais dos pais. Como vimos.a conqu1stal.dda o~g;udança na correlação de forÇas
tl"abalhadores permite.tirar proveito da difusão desigual das inovações · · rtante para canso I ar ã nas novas
a mais 1mpo d 197819 e para preparar a atuaç o
na economia do país. Convivem no parque industrial do pais fábricas imposta pelo ascen_so e los patrões com as mudanças do pro-
mais avançadas (com maior proximidade do patamar tecnológico condições de luta, lll\poSt as pe •..
O
internacional) com outras bastante antiquadas. Essa desigualdade abre cesso de trabalho na década de 8.. lítica do movimento poss1bili-
a possibilidade de uma transmissão de experiências e de táticas de Se as mudanças na hegemorua_ po das primeiras comissões de
lqtas dos setores que já entraram em contato com os processos de taram o aparecimento e \ co;1:s~apreocupante. O empenho para
11tilização da microeletrônicà para outros setores que ainda irão fábricas, a pouca propagaç O er ueno.
vivenciar esse enfrentamento. O próprio conta to com o ABC paulista superar essa limitação não~~ s dinicessidade da alternativa dos
já tem um efeito "estimulador" para o conjunto do movimento, que Quanto à pouca consc1encia d litização do movimento, o
, começa a colocar na sua agenda as preocupações com a questão trabalhadores, ela leva ~ uma cert;o :i~onte das lutas ao nível m~s
tecnológica, a acompanhar as lutas que se desenvolvem, a unificar que implica em um reb~xamento di ãmicaondeaslutasisoladastem
uma compreensão das reivindicações a serem conquistadas. O movimento economicista, corporativo e a uma n 321
320
um grande peso. Em outras palavras, o grau de politização do
movimento não é tão elevado quanto as exigências da luta já estão
colocando. Por toda a análise feita anteriormente sobre a profundidade Notas do Capítulo VII
da crise e a incapacidade das várias "alternativas"burguesas em gestar
a sua superação, fica evidente que anão colocação com toda ênfase da
alternativa global dos trabalhadores abre um vazio na luta de classes.
Avançamos muito na campanha Lula em 1989. Mas esse avanço tem
de ser consolidado e ampliado.
A politização do movimento é uma questão essencial para a (l)Depoimentodorepresen~ teONAI do Sindicato
(11/1985)dos Metalúrgicos de São
.
resposta operária à modernização tecnológica. Mesmo para a fase Bernardo do Campo durantt: o II Crabalhadores e as novas tecnolog1as,
"defensiva" da resposta é necessária a extrapolação dos limites da luta (2)Marques,
da coletânia R~sa f-::!aria,
Orgamzaçao, Os t e tecnologia, coord. Lúcia Bruno e
trabalho
sindical ou fabril. Para barrar certo uso das inovações tecnológicas, o
movimento já tem de começar a apontar para outro uso: e esse só é l C!eusa Saccardo
(3)
Marques, Rosa Maria,
. ·d
1
em, P
ág 44
· da . du' stria
. .
automob1lísuca que
completamente visualizável como parte de um projeto alternativo de
sociedade.
(4) · u·1cau·v0 é a postura mdo a aceitar nas negoc,aç
Bastante s1gn · ões
.
desde 1983 vem s1stemaucarn· ente
f C se recusan
alho Ruy de Quadros, Tecno1ogia · e
A ausência dessa consciência cobra novos saltos de qualidade. cláusulas relacionadas à NTs (c . arv '
Eles são necessários para o movimento de trabalhadores do pais, que 9
Trabalho Industrial,
(S)CUT, pág.20?/
Rev. Debate Smd1c ) ai , A automação e os trabalhadores,
vem crescendo nos últimos dez anos e não pode deixar de ter claro que
a sua vocação é a revolução. E ela é a pré-condição básica para a
realização plena da resposta operária à automação. pág.~l)Carvalho, Ruy d~ Quatosi/::~e!gé~~tituição Brasileira
(?)Constituinte, proJetos e · á 203 .
(8)Carvalho, Ruy de Quadros, idem, Pe;;o tecnológico" foi escolhida
(9)A expressão ''preces~ de alc_t~li:1des contidas neste pr~es~o. A
r sintetizar melhor as ".árias pciss1 um dado patamar tecnológico mter-
:pressão pressupõe a existência de O processo de aproximação deste
nacional e uma situação de atraso.r com leto ou não, o resu!ta~o tanto
patamar, uma vez de_tonado, pod;J\ca elmo pode apenas s1gmficar a
pode ser uma atual:zaç~o tecno g internacional de inovaçõe~ e~ um
. tradução do que já e antigo no estoque de alcançamento s1gmfica
i:ís atrasado. Portanto, nem todo proces!~ento é feita por ela passar
~tualização. !' ,?Pção
melhor essa ideia pe}a pal~:r~:r~:;Jição que o catching up process
da dmam1ca
contém.

!
l

322

323
CAPÍTULO Vill: O PESADELO DO "BLADE RUNNER"
OU A CERTEZA DO RIOBALDO ?

O desenvolvimento do capitalismo nos países centrais foi o motor


do desenvolvimento tecnológico e o difusor desse progresso para
outros países, situados na periferia do mundo capitalista.
No entanto, o desenvolvimento histórico da construção da alter-
nativa socialista não se iniciou nesses países: o proletariado começou
a derrotar a burguesia em países que não eram os mais avançados do
planeta. E as perspectivas são. a de que essa "rota" prossiga. Perspec-
tiva que não exclui o Brasil dessa "rota".
As possibilidades de desenvolvimento revolucionário em nosso
país podem colocá-lo no conjunto de países que vive, e viverá, os
problemas derivados do descompasso entre a revolução nos países
desenvolvidos e nos atrasados. O Brasil participa do conjunto de
países que embora o poder político possa ter sido conquistado antes,
embora a transição para o socialismo possa ter começado mais cedo,
atingirá o socialismo depois deste ter sido alcançado por aquele
conjunto de países avançados.
Essa dinâmica não subestima a contribuição do processo do
Brasil para o processo mundal. A contribuição dos trabalhadores
brasileiros à solução dos problemas centrais da humanidade tem o seu
papel. O destino desses problemas, os grandes dilemas colocados à
escala mundial são temas que não podem nos ser estranhos. Por isso,
não é um despropósito concluir este trabalho com algumas consi-
derações sobre a possibilidade (ou impossibilidade) de saltar a barreira
da lei do valor.
Começamos este trabalho discutindo essa "lei" e, para terminar,
pergutando por seu destino histórico, devemos discutir a necessidade
e a possibilidade da construção do socialismo.
324
r

1
I- O capital como b ·
arre1ra ao progresso tecnológico à S\la "criação". As prioridades são umas e não outras, os recursos
investidos em cenos programas, o esforço científico visa a resolver
O início deste trabalho (C í ul cenos problemas: tudo definido de acordo com os interesses globais
lismo no permanente revol . ap t o I) ressaltou o papel do capita. da ordem burguesa.
buscando sistematizar as uf wnamento ~a base técnica da produção A mais gritante demonstração do resultado dessa orientação é o
desenvolvimento de forças destrutivas: os investimentos na corrida
Na conclusão, outro~s~~rões bticas feitas sobre o tema. '
~rópri9 capitalismo representa ao~eser a~rdado: o entrave que o armamentista, a utilização militar da energia nuclear. Os gastos dessa
tivas. E uma formulação clássica do senv?lVlffiento das forças produ- corrida não são pequenos. Há, assim, um fenómeno novo que é a
forças produtivas sofrem sob o do í~ar;1smo_o bloqueamento que as acumulação de recursos de destruição. Um balanço do século XX
momento o desenvolvimento d ~ ruo O capital:"... a partirdeceno indicará que, sob o domínio do capital, o peso das forças destrutivas
um obstáculo para O capital· ;: orças produtivas se transforma em tem aumentado a ponto de colocar em risco a própria existência da
t
barreira para o desenvolvi~~! ~to, relação do capital se torna uma
Inerentesàdinâmicaca ºta!~ as orças produtivas do trabalho"
humanidade.
Como vimos, especialmente na revolução tecnológica da última
que o desenvolvimento das ~~r IS!ae con~equência de um conflito e~

sociedade, as crises periódi


:f
da ~xpansão da produção parf ~odut1vas ª? abrir a possibilidade
da capacidade de consumo da
onda longa, o peso dos inventos gerados pela pesquisa de interesse
militar não foi pequeno: computação, radar, laser, energia atómica,
indústria aeroespacial. Não é ilógico supor que um desenvolvimento
cont ra dições, cnses,
· cas São uma mostra disso.· " ... em agudas
convulsões tecnológico e económico determinado e influenciado por subprodutos
do desenvolvimento produti '~xpressa-se a crescente inadequação da corrida armamentista seja algo bastante inferior e mais limitado do
P;<>dução até hoje vigentes. A V? ª soci~d~de às suas relações de que um progresso tecnológico definido pelo livre, criativo e de-
Circunstância alheias ao m v101enta an1qu1Iação de capital, não por mocrático desenvolvimento da ciência, de acordo com interesses
conservação,éaformamais~~~~ mas como condição de sua auto- gerais e históricos da humanidade. O desperdício de recursos, tempo,
de que se vá e dê lugar a um está n_denteen:iquelheédadooconselho esforço científico e o acúmulo de problemas básicos da humanidade
Continuarão válidas gio supenor de produção social" (fome, saúde, condições de vida) ao lado dos novos problemas gerados
A , . essas afirmações? · por esse progresso científico distorcido são dois lados de uma mesma
s duvidas existem· afinal m . ·
os tempos do Marx, dua~ ond '1 ais de_ um século já se passou desde moeda.
marcas na história do capital· as o~gas Já ocorreram e deixaram suas O desenvolvimento tecnológico dirigido pelas grandes corpo-
sobre a história a ponto de trismt sso tudo não teria consequências rações multinacionais d~ixa suas marcas nos produtos e nos métodos
também em utopias ? ans ormar as formulações dos clássicos de produção criados. E verdade que essa "marca" deixada pelo
Há uma "nova situação" q fi "condutor" do progresso técnico não é novidade: Marx destacou em
tes entre as forças produtiv' ue orç~ a '.11lálise das relações presen- O Capital a possibilidade de ser escrita toda uma história dos eventos
construção do socialismo· 0 :~;aº captt~smo e a possibilidade da na indústria têxtil como "truques" patronais contra os movimentos
nos países capitalistas mai~ desen~º Ihi_stónco da revolução socialista grevistas. O progresso técnico que serve diretamente à dinâmica da
aonentaçãododesenvolvimentote~ vido~. Esse atraso determina que concorrência intercapitalista, à busca de formas eficazes de explo-
em decadência, pelo capital em nológicoseJadadoporumaclasse ração dos trabalhadores, nãó pode deixar de incorporar à própria
chegaram a considerar que o ca itse_u perfod? de declícnio. Alguns tecnologia essas características, algo que lhe denuncie a origem.
de desenvolver as forças prod t~ alismo havia perdido a capacidade Toda a discussão aqui feita sobre os impactos das novas tecnolo-
.
0 essencial u 1vas. gias não passa de uma pequena introdução a esta questão. E a temática
aqui é apontar . • .
controle burguês do desenvo1v· a ex1stencia de novas questões que o do controle operário sobre o uso da tecnologia também é uma
gia expressará em suas caracte~~nto tecnol~~co imporá: a tecnolo- modestíssima introdução à política do movimento operário: há mais
326 cas essenciais muito do que levou coisas entre o estabelecimento do controle operário da tecnologia e o
327
seu efetivo uso a serviço da libertação da humanidade do que sonha
alguma filosofia "reducionista". O estabelecimento deste controle é
Parte (e pré-condição) de um programa extremamente vasto que inclui
a própria interferência na geração da tecnologia e do progresso . ntrataç ão de mão de obra, são
tecnológico: a marca dos interesses dos trabalhadores deverá vir "flexibilização" das cond_iç~s. de ~farizada entre um setor deSt;n-
incorporada na tecnologia que lhe servirá! indicações de uma conv1vencia p aamplamassacomprecánas
A concorrência intercapitalista não deixa de influenciar de outras volvido e com direitos assegurados e.: Essa realidade é fundamen-
maneiras o progresso técnico: quanto esforço científico é gasto apenas condições de trabalho, e_mpr~g?n~: d~ incorporação dos ganhos ~e
para gerar pequenos melhoramentos em produtos já existentes, com a
finalidade de melhor disputar mercados com concorrentes e para
"planejar a obsolescência" dos produtos já no mercado. Os exemplos
talmente o resultado da mexiste
produtividade ao trabalhadores, em ~:s binação com a transferência
Ao contrário do que situa
dos custos da crise para ~s se~s ~:uma ~ão-classe de trabalh~d?res
podem ser multiplicados ao infinito por setores. É evidente que ao se André Gorz, não há o surgime~ º. ue há é uma política de divisão
priorizar o esforço para, por exemplo fazer uma nova modalidade de pós-industriais, de temP? parc)~oºdi uma realidade dual que deve ser
aspirina, um laboratório farmacêutico estará deixando de contribuir da classe trabalhadora, aimpo~ç ssa "manobra" burguesa.
para o avanço da cura do câncer. Esta é a tônica em vários setores. A recusada. A redução ppóara.(u\pera;:lar
O
então, com uma possibilida~
lógica da concorrência desfoca o que é prioritário, dispersa recursos. Não é fora de pro si e , . ' rosseguimento da dom1-
0
Por essas razões, a atual orientação do progresso tecnológico deve de sociedade que seria consequenc1a fec~ológico: a imaginada pelo
ser radicalmente invertida: acumular recursos de destruição, incorpo- nação do capital na conguçãodo ~v:â~ altamente desenvolvida, com
rar nas tecnologias a exploração dos trabalhadores e desperdiçar filme Biade Runner. E ~m~:;e s~fisticadíssimos (os androides,
operáriocientífico
esforço e popular.e tecnológico não são prioridades do movimento capacidade de_ p~uzrr eres humanos), tendo uma corporaç~o
praticamentes iguais aos s rodutora desses resultados da ena-
Na discussão sobre as ondas longas e a dinâmica da economia gigante (a Tyrel Corp.) com~ ~~de sombria (a preocupação com o
capitalista, foi ressaltada a inexistência de qualquer fatalismo: a tividade cientifica. Uma s0cte lomerados já terá produzido uma
burguesia pode gestar a superação de um processo despresivo, pode meio-ambiente dos grandes ~fng de inúmeros pequenos produtores
promover a yassagem da fase depressiva da onda longa para a fase barreira de poluição p~ra o so ':ide co ração (como o produtor
expansiva. E uma questão não predetenninada em tennos econômi- criam as peças reque?das pela ~ há umimassa de despossuíd_os,
cos. Os fatoresextra-econômicos são os detenninantes dessa mudança dos olhos dos androides) e on ~ que habitam a parte de baixo
de fase da onda. Uma nova derrota histórica do proletariado mundial, imigrantes de todos os cantos da . ~;m subir, viver no alto dos
de elevado custo social, pode viabilizar uma elevação da taxa de lucro da cidade, massa dos que não soas como Tyrel (que usufruem
tal que a recuperàção econômica se imponha. Essa recuperação sofisticados prédios onde ~or~ peso tecnológico). Uma sociedade,
lançará mão de um estoque de inovações e invenções disponíveis (ou as benesses daquele fantástico a anç lógico grandes corporações e
em estágio inicial de desenvolvimento) e uma nova revolução tecnológica enfim onde convivem progresso tecn~ e ~a enonne massa de
tomará lugar. O que não seria um horizonte promissor para a huma- um s;tor da sociedade viven?o nod:ae bicicletas em uma era de
nidade e para os trabalhadores.
despossuídos (que quan~o:c:i~~: sociedade da quint~ ond~ longa?
A continuidade do progresso técnico, sob direção do capital carros voadores ... ). Será_ h "dade tem dia11te de SI é a unpoS
ta
deverá radicalizar o que já assistimos nos países capitalistas avançados: A realidade que hoJe a .lll:1s: esse atraso adiciona proble,:nas e
SOCl:
a combinação de um desenvolvimento ainda mais acentuado com a
"importação" do subdesenvolvimento. A ampliação do desemprego
estrutural nestes países, o crescimento do emprego de tempo parcial
pelo atraso da re~olução
tem um custo ~1al e~7vado;,
que o atual sistema se
:~ê

rodu ão social". Mas aumentam as
l~am a cada instante a neces~dade
lugar a um estágio su~n~r de
feridasdaherançadocapitalismo
(na verdade um subemprego), o movimento empresarial em favor da
328 ~ soci~ade socialista a ser construída.
L
II- As burocracias e a limitação do progresso tecnológico
úm crescimento fundamentalmente "extensivo" (às custas da utili-
zação exaustiva de recursos naturais, mão de obra etc). .
A_ revolução proletária começou em um país atrasado. Pior: ela Esse padrão conhecerá na década de 1970 uma queda expressiva:
ficou isolada, ao contrário do que esperavam os revoluçionários entre 1951-55 a média anual foi de 11,2%, entre 1956-60foi de 9,2%
rus~os, que co~pr~ndiam os acontecimentos de 1917 como nada e entre 1981-85 cai a apenas 3,5%. Essa queda de crescimento é um
mais do que o p~e1ro passo da revolução em um conjunto de países. sintoma de uma crise específica daquela soci~de pós-capitalista,
Até 1923 uma séne de derrotas ocorrerão, a mais importante delas na crise detenninada pela gestão burocrática. E o esgotamento das
Ale~anha. Es~v~ co~fi~rado um grande "desvio histórico": a possibilidades de crescimento extensivo. . .
transição ao socialismo ID!Ciava-se num país atrasado, predominante- . O atraso tecnológico passa a ficar cada vez mais evidente.
mente camponês e sem o apoio direto de países em estágio mais Mandei cita o "caso-teste" dos computadores. Há um atraso qualita-
avançado de desenvolvimento económico. As bases para o processo tivo: na URSS usam-se ainda computadores de terceira geração,
da "acumulação socialista primitiva" eram bastante pobres quando nos EUA já se generaliwu a quarta geração. Há um atraso
Atraso, is~lamento, que se somam a um processo d~ contra- qualitativo: apenas 35% das empresas soviéticas usam computadores,
revolução P?lí~ca: o proc~s~o de degener~ção da revolução se com- enquanto nos EUA e no Japão este número chega a 100%.
J?l~ta. E a v1tóna do e~ti:1uusmo: constrói-se um regime de partido Este atraso é assustador, por várias razões: 1) uma sociedadenão-
umc_o, atrofia-se a participação dos trabalhadores ( nos sovietes, nas capitalista deveria ser a mais "talhada" para a ampla utilização da
fábncas), há o cerceamento das liberdades democráticas, há a polícia infonnática, seja para o próprio planejamento económico, seja na sua
em todos os setores da vida social e política. As definições são aplicação à produção e aos serviços; 2) os recursos da sociedade
tomadas pela e para a burocracia. soviética são gigantescos em tennos de ciência, o grau de fonnação
_A burocracia,_ fruto de uma contra-revolução, é uma pedra no educacional e cultural da classe trabalhadora é elevado, o número de
caminho_ da transição ao socialismo. E um entrave ao progresso engenheiros e cientistas é grande (o maior contingente do mundo).
tecnológico nos países pós-capitalistas. Os efeitos da liberação das Por que este entrave? .
forç_as produtivas da_ gana do lucro e da demência militarista não se Em primeiro lugar é decorrência do caráter burocrático do
re~am ~equer parcialmente dada a conteção que a burocracia impõe planejamento: distorções, desproporções enonnes, gargalos não su-
ao din~1~mo desta sociedade. Ao mesmo tempo em que nos demar- perados, imobilismo, ausência de criatividade, hipertrofia de gastos
camos rutidamente com a burocracia, saudando os processos anti- improdutivos, favorecimento do "mau uso" da ciência. Alec Nove, em
burü<;rá~cos que têm lugarnospaíses do leste (a queda das burocracias sua vasta crítica ao planejamento burocrático chega a afinnar que" ...
contnbw para a luta pelo socialismo), devemos discutir a sua relação o progresso técnico ... causa dificuldades por várias razões. Primeiro,
com o obJeto do nosso trabalho. os próprios planificadores baseiam as suas instruções no desempenho
O planejamento centralizado imposto pelo estalinismo é inteira- passado, e as tabelas de insumo-produto (e também ?S balanço~ de
~ente ~.urocrático, feito à_revelia do conjunto dos trabalhadores, dos matérias primas) são pornatureza conservadores, refletindo coeficien-
dono~ d:' Esta~o operáno. Impõe um dinâmica económica distinta tes técnicos passados. Segundo, o progresso técnico ... nonnalmente
da capitalista, f01 capaz de impulsionar um gigantesco processo de implica mudanças nos insumos, ou no plano de produção, que estão
cresc.in_iento económico, a um custo social elevado (vide a criminosa além do poder da administração e exigem a pennissão d_e mna ou
coletiv1zação for9ad~, ~or exemplo), criando inúmeras distorções várias agências de planificação. Finalmente, todas as movações
~gr~.d~ peso da mdustna pesada em detrimento das indústria que envolvem risco, e o risco não é recompensado".
11;c1dinam sobre uma elevação das condições de vida de uma fonna Em segundo lugar, a atrofia da participação operária aniquila com
direta). uma das mais potentes ferramentas do avanço tecnológico que é a
O padrão de crescimento até a década de 1960 foi elevado. Foi iniciativa e a criatividade dos trabalhadores. Particularmente de uma
330 classe com a fonnação como a soviética. A engenhosidade é tolhida
331
pela modorra do cotidiano burocrático, pelo desperdício das horas de moradia e consumo.
trabalho, pela alienação imposta pelo regime burocrático. Uma vez feita essa dupla demarcação com o mercado e o
Em terceiro lugar, a ausência de liberdade é particularmente planejamento burocrático, apresentando essa terceira alternativa,
com~rometedora: o avanço da ciência, da pesquisa, depende em muito podemos voltar a discutir a construção do socialismo, democrático e
(particularmente em uma sociedade pós-capitalista) dos mais amplos pluralista como um elemento de superação das barreiras que o capital
~ebates,. do choque de opiniões. A própria tecnologia baseada na (e a burocracia) impõe ao progresso técnico.
informánca press~põe uma certa disseminação de informações, algwna
transparência: e isto é um problema para a burocracia. TII- O desenvolvimento tecnológico como pressuposto do
E, finalmente, há o problema da dificuldade de relacionamento socialismo
com o patamar tecnológico internacional. O "desvio histórico" da
revolu9ão_ mundi'.11 impõe uma realidade inultrapasável nos quadros
do cap1~smo remando nos países mais avançados de um certo atraso A atenção e o estudo de tudo que a dinâmica capitalista trazia em
teco~ológico permanente. O que impunha a necessidade de desen- suas entranhas como potencial para a construção de uma nova ordem
volvrrnento de. fon_nas de acesso às tecnologias disponíveis. Essa social, de todos os indícios de um "estágio superior da produção
e!a~ração ficarnteHamente comprometida pelas formulações do "so- social", são parte das formulaçõe~ marxistas clássicas dos pr?jetos
etaltsmo em u?1 só país": como um país que já chegou ao socialismo revolucionários da luta pelo socialismo. Ao lado da caracterísnca de
pode estar m~~ atrasado que um "mero" país capitalista? As procla- ser o primeiro sistema social que revoluciona I_JCrmanentemente a sua
mações ~stalinistas ~a construção do socialismo bloqueiam o tão base técnica, o capitalismo é o sistema que ena todo um conJunto de
necessário desenvolvimento de uma política de acesso e de efetiva condições materiais para o início de uma nova era da humanidade,
transferênc!a de tecnologia de países capitalistas avançados para lá. onde a miséria e a exploração estarão banidas do planeta. O desen-
Ess~ discussão sobre o planejamento burocrático é essencial: é volvimento da indústria e da grande indústria tem um papel fundamen-
necessário apontar a nossa ferrenha crítica a esta herança a este tal para viabilizar esse projeto.
p~uto do est~smo. Esclarecer que é uma pedra no camlnho da Por quê? Fundamentalmente porque a grande indústria quebrará
rettrada das barreiras que o capital impõe ao progresso técnico. a inevitabilidade da relação entre a riqueza social e o tempo de
Mas, será que a polêmica se reduz à uma alternativa entre o trabalho. O desenvolvimento capitalista ao impulsionar o crescimento
mercado e o planejamento burocrático (como querem tantos os da grande indústria estará possibilitando, pela primeira vez na história,
ideológos do capitalismo e os estalinistas e sucessores)? Não. Há algo que a produção possa não depender mais do "suor", do esforço e do
para além do mercado e da burocracia. Há o planejamento socialista, desgaste físico. Essa é a questão essencial.
tmpe~sável sem uma ampla democracia socialista, sem um irrestrito Marx tirará suas conclusões analisando o desenvolvimento da
pluralismo político e partidário, sem a existência real de liberdades grande indústria e das poderosas forças por ela postas em mo~imento:
democráticas à escala bem superior à mais democrática das repúblicas " ... na medida em que a grande indústria se desenvolve, a cnação de
burguesas. riqueza efetiva se toma menos dependente do tempo de trabalho e do
EJ?ste uma terceira alternativa: é o planejamento democrático, quanto de trabalho que emprega, do que do poder dos agentes postos
centralizado, que se coi:ibina com a mais ampla discussão pelos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que por sua vez não
tJ:1balhadores e pelo conJunto da sociedade das prioridades do fun- guarda relação alguma com o tempo de trabalho imediato que custa
et~m~ento econ~mico e social e pela definição democrátrica destas sua produção, mas que depende muito mais do 9ue do estado !l~r~ da
pnondades a partir de um elenco de alternativas articuladas e coeren- ciência e do progresso da tecnologia, ou da apltcação desta etenc1a à
tes que s_e enfre~™:11 nestes debates democráticos. Planejamento produção".
democránco e socialista que se combina com a autogestão operária e Essa mudança determinada pelo desenvolvimento da grande
popular a nível de empresas, unidades de estudo e pesquisa, de indústria abre espaço para o fim da exploração: "nesta transformação,
332 333
o que aparece como pilar fun<t:mental da produção e da riqueza não
é o trabalho imediato _executado pelo homem nem o tempo que ele passando a constituir-se em um projeto de sociedade dual, ~tando de
trabalha, mas a apropnação de sua própria força produtiva geral, sua conviver a esfera da "autonomia" com a da "heteronon_ua" (co!II a
co~pre~nsão da natureza e seu domínio da mesma graças à sua subordinação desta a aquela).1:lá nesta concepçã~ algo de impress1on:
~X1~tênc1a co~o corpo social; em uma palavra, o desenvolvimento do ista com a complexidade técmca das grandes umdades de produção.
mdivíduo social. O roubo do tempo de trabalho alheio, sobre o qual se Gorz admite explicitamente a impossibilidade da autogestão nelas
funda a riqueza atual, aparece como uma base miserável comparado . (posiyão similiar à de Alec Nove). .
~ ~e fundamento, récem desenvolvido, criado pela própria
mdustrta". ·
grande E indiscutível que é mais complexa a au!ogestão_em uma umdade
maior e mais diversificada, assim como é mais co~p~cad~ a democra-
!ocando na barreira histórica da lei do valor e criando as cia e o controle operário em uma sociedade m~s diversificada: mas
condições para a sua ultrapassagem, um novo horizonte està aberto à essa complexidade maior não pode se tomar mais do qu~ tema para o
h~anidade: "... tão logo o trabalho em sua fonna imediata tenha aperfeiçoamento dos mecanismo da aut~gest~o, p~ evitar o desco-
deixado de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho deixa, nhecimento das novas questões, para evitar simphsmo.
e tem de dei~ar, de ser sua medida e, portanto, o valor de troca (deixa A resposta de Gorz tennina sendo modesta: a conclusã? da
de ser a medida) do valor de uso. O sobretrabalho da massa deixou de impossibilidade de abolição do trabalho heterôno~o é; n~ m~o,
ser condição para o desenvolvimento da riqueza social, assim como o precipitada. O que o desenvolvimento da grande mdustna ena de
não-trabalho de uns poucos cessou de sê-lo para o desenvolvimento recurso para abolição da divisão do trabalho é seguramente algo longe
dos poderes gerais do intelecto humano. de ter sido testado pela humanidade. E novos recursos têm se
Chamar a att;nç~o para estas passagens de Marx contribui para desenvolvido.
resgatar o ponto pnnCipal da compreensão do por quê o desnvolvimemo Será este o aspecto que a análise de Rosdolsky tentará chamar a
teci:ol.ógi~ é um pressuposto inarredável da construção da sociedade atenção. Comentando as passagens aqui reproduzidas ,?e M~ sob~
socialista: nquezas podem ser produzidas simultaneamente ao desen- o impacto da grande indústria, Ro~dolsky_ afinn~ q~e ...hoJe em dia
volvimento geral do intelecto humano sem haver a necessidade de - ao correr uma nova revolução mdustnal - dificilmente será ne-
um? divisão social para isso. A divisão do trabalho imposta por toda cessário ainda destacar a transcendência profética desta con~pç~o
SOCiedade de classe não tem mais necessidades técnica de existir as imensamente dinâmica e radicalmente otimista. Pois ~ que o s?litáno
bases de sua abolição estão lançadas. ' revolucionário alemão sonhava em 1858 e~ seu.exílio londrinens~,
Todoº. d~senvolvimento capitalista posterior a Marx não negará chegou hoje - mas apenas hoje - ao âmbito do Imedi?~ente possível .
~ssa potencialidade.. O atras~ da revolução proletária e as distorções Rosdolsky retoma a visão dialéti~a, co~traditóna ?Os. av~s
Impostas pelo domínio do e~~ sobre o desenvolvimento tecnológico técnicos gestados no interior da própna sOCiedade capitalista, reti-
!111º abo~ram essa potenCialidade: é verdade, já vimos, que elas rando daí todo o potencial a ser explorado por outro uso destes avanços
mtn:ctuzrram novos problemas para o projeto socialista. Algumas e apontando o amplo horizonte que existe à frente dos trab~adores
análises da sociedade capitalista moderna tendem a se concentrar e de sua revolução. "Só hoje estão dadas, graças ao desenvolv_u_nento
exclusivamente nas distorÇões impostas pelo próprio capitalismo e a da técnica moderna, as condições para a supressão to~ e defii:itiva do
se esguecer do potencial explorável por uma ordem socialista. 1 'roubo do tempo de trabalho alheio'; e só hoje podem impuls10nar-se
tão poderosamente as forças produtivas da sociedad~que, de fat?, eem
E o caso de ~dre Go~, que frente ao complexo processo de
produção e a sofisticada e mtemacionalizada divisão do trabalho 1 futuro não demasiadamente distante, a medida da nqueza social não
"11:pica" do capitali~mo tardio concluirá pela impossibilidade do salto seja mais o tempo de trabalho mas o tempo disponível, o tempo de
adiante: para ele, é impossível a derrubada da divisão do trabalho, "a repouso. Embora até o presente todos os métodos que elevaram a
me~os que se volte ao artesanato e à aldeia" e, portanto, em seu projeto produtividade do trabalho humano se revelaram ao mesmo temP?,
social exclui a possibilidade da supressão do "trabalho heterônomo", dentro da prática capitalista, como mét<;>ctos de degrad~ção, subordi-
334 nação e despersonalização cada vez maiores do operário, atualmente
335
r
J

.a informática gera recursos para facilitar


o desenvolvimento tecnológico chegou a um ponto no qual os toma mais complexa, a próp:1 togestionário. Bancos de dados
1
operários poderão ser finalmente libertados da 'serpente de seus a sua administração e o seu co~trof::; acesso têm uma inestimável
tormentos' ... e converterem-se de meros apêndices do processo de repletos de inform~ç5:s e e ue O conjunto da população do país
produção em seus verdadeiros diretores. Portanto, nunca estiveram
tão maduras as condições para uma transformação socialista da
capacidade de con:tnbm~ Pª~t ~ocrática as metas centrais para o
defina.em uma discu~s o e . de um detenninado período. Uma
sociedade, nunca foi o socialismo tão imprescindível e econo-micamente planejamento econôrmco e social ula ão que por ele optou poderá
viável como hoje". vez definido este plano,; ~es:raJo eçcontrole de sua execução. E
Todo o progresso técnico recente pode ser explorado para quebrar ter facilitada as tarefas e isc . f cilidade em fazer as correções
a despersonalização imposta pela divisão de trabalho:" ... o desen- porque não, também, ter maior a
volvimento da tecnologia nos impulsiona, evidentemente, para uma necessárias, após alguns passos. m resa pormaiscomplexaque
situação na qual pode desaparecer a divisão do trabalho imperante até Eobviamentequeaniveldeumae p d' bolidos dados a-
á facilitada: segre os a • .
o presente, que mutila o homem, e com ela podem desaparecer todos seja, a autogestão se_ ver "bilidadesdiversasdecumpnmento
seus tormentos, sendo ocupado seu lugar pelo trabalho como ocu- cessíveis, opções analisadas, poss1 ai
paçãolivre das forças físicas e intelectuais". A maquinaria porum lado das metas definidas pelo P1aI;0 . g:r d~ simplificação das tarefas da
reduz o trabalhador individual ao nível de uma ferramenta mas, por E há ainda o tema lemms a "bilitariam "a uma cozinheira
outro lado, " ... simultaneamente cria as condições prévias para que o administração do f;~tado, _que rss1 informatização das tarefas da
gasto do esforço humano se reduza a um mínimo no processo de participar da ges}â~ : que impu ~i::::rtária colocação leninista! Há
produção e para que o lugar dos trabalhadores parcelarizados de hoje administração publica dá a essa
seja ocupado por indivíduos polifaceticamente desenvolvidos". como negá-lo? . lista da potencialidade da contribui_çã? das
Ao lado dessa possibilidade de aplicação dos avanços das revo- Essa modemíssuna . l trônica à construção do sOCialismo,
luções tecnológicas à produção, somam-se as contribuições gerais da tecnologias derivadas da m1cn:ie e rão liberadas pela revolução social
aplicação da informática a quase todas as atividades humanas. autoriza a pensarem queen~rgia~ se as forças produtivas e os recursos
É muito fácil imaginar um conjunto de usos do progresso do e uma vez liberadas - e reonenta as·
maquinário em geral e da miroeletrônica para a socialização dos materiais da sociedade. . ria e avanço tecnológico são,
trabalhos domésticos (e para a sua simplificação). Lavanderias e o desenvolvimento da maquma O t ão do socialismo.
restaurantes públicos, esquemas de coleta de lixo, universalização do enfim, um pressuposto inalienável p:~ ~:r:~~~ capitalismo, será
acesso a serviços: nada disso pode passar sem mudanças radicais que Esse pressuposto, que é um legado,~ .onário para além dos limites
favoreçam o término do permanente "fazer para depois desfazer" dos impulsionado no período pós:rev~ua~ esse legado vem com defor-
trabalhos domésticos. que o capitalismo lhe det~nn~i:- ser consertados, superados (e não
O desenvolvimento das telecomunicações e da telemática podem mações e problem~ que ev o de transição ao socialismo.
(após, também, sofrerem uma radical alteração de conteúdo) servir de minimizados ou ~~1tados) no perfod d Gotha, já chamava a atenção
muitas maneiras à construção de uma sociedade democrática, socia- Marx, na Critica do Program~ e da construção da sociedade
lista e autogestionária. O rádio e a televisão podem ser instrumentos para o peso desse legado: ao trad:envolverá " ...sobre sua própria
muito ricos para o desenvolvimento educacional e cultural do con- comunista,lembravaqueela~ão~e ·r precisamente da sociedade
junto da população, democratizando o acesso ao partimônio artístico base, mas de uma que aca a e;~daemtodososseusaspectos,
da humanidade de camadas excluídas durante o capitalismo. Podem capitalista e que, portanto, ap~eser t ai o selo da velha sociedade de
ainda ser potentes ferramentas da democracia socialista quando no econômico, no moral e no mte ec u '
passarem a ser usadas como forma de controlar os representantes cujas entranhas procede". ar dade terá de ser levado em conta no
eleitos pelas bases que os escolheram. Esse legado_ em sua tot_ .1. . é um dado que O conjunto dos
Ao mesmo tempo que a estrutura das em presas e da sociedade se período da transição ao socia1ismo. 337
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trabalhadores terá de considerar ao definir os objetivos do planejamento
econônico democrático.
Chegamos ao ponto de situar o destino da lei do valor. Por um
lado, o progresso da maquinaria e da tecnologia abre a possibilidade
que o tempo de trabalho deixe de ser a medida da riqueza. Por outro,
os trabalhadores - transfonnando-se em classe dominante, e retirando
a economia da regulação cega e a posteriori feita no mercado -
inaugurarão a regulação consciente e planificada (democraticamente)
da economia. A combinação da planificação democrática da.economia
socializada com o elevado desenvolvimento tecnológico determinam
o fim da lei do valor.
A trajetória desta lei pode ser assim sintetizada: inicialmente
como o regulador da economia capitalista, passa a uma "lei" que
funciona subordinada ao planejarnento da economia sob controle
operário, para depois (à medida em que se dê tanto o avanço tecnológico
como o crescimento da amplitude e da abrangência do planejarnento
socialista, inclusive em outros países do mundo) passar a se definhar,
mesmo como um mecanismo secundário de regulação da atividade
econômica e do próprio funcionamento social.
Explicitado este horizonte, fica límpido o dilema que se coloca
diante de nós. É um dilema entre duas alternativas sociais básicas: a
de urna sociedade dirigida cegamente pela lei do valor (minada,
limitada etc), que pode nos levar ao pesadelo de urna hipótese como
a tratada no filme Biade Runner; e a de uma sociedade pós-
revolucionária dirigida pela livre associação dos produtores, que
impõem conscientemente a dinâmica do progresso tecnológico
segundo seus interesses, e em favor de sua libertação. Uma sociedade
onde a população, democraticamente, imporá a dinâmica, o ritmo, a
intensidade e o sentido do progresso tecnológico.
O dilema está entre o pesadelo b/ade-runniarw e a certeza de 1j
Riobaldo, que das veredas do gránde· sertão, do sertão "que é do 1
tamanho do mundo", já atinava:"Para que eu carecia de tantos ,(;
embaraços? Pois os próprios antigos não sabiam que um dia virá, /1
i'
quando a gente pode permanecer deitada em rede ou cama, e as
enxadas saindo sozinhas para capinar roça, e as foices, para
colherem por si, e o carro indo por sua lei buscar a colheita, e tudo,
o que não é o homem, é sua, dele, obediência?"
Para que discordar de Riobaldo? A sua certeza pode ser nossa
também: dia virá!

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"O livro.de Eduardo Al-
buquerque "A foice e o
Robô" é um útil e opor·
tuno esforço no sentido
de apontar algumas ques/
tões fundamentais de nos'
so tempo, como o são as
referentes às relações en'
Ire o capital e otrabalho
no campo específico da
produção e apropriação
das novas tecnologias.
Ele deve ser saudado
por seus muitos méritos
e pela postura libertária .
de suâ proposta:'
(Extraído da apresenta-
ção do Pro(foãoiAntônio
de Paula, daFACE · CEDF
PLAR - UFMG)

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