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Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Vara Cível desta Comarca.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por seu promotor em

exercício na Promotoria de Defesa dos Direitos e Garantias Constitucionais, com endereço na Avenida

Iguaçu, nº 470, nesta Capital, com fulcro no artigo 129 da Constituição Federal, nos artigos 159, 962, 1537 e

seu inciso I, 1538, 1539 e 1544, do Código Civil, nos artigos 64 e 68, do Código de Processo Penal, artigo

282 e seguintes, do Código de Processo Civil e demais disposições pertinentes adiante aludidas, vem

propor

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ATO ILÍCITO,

em benefício de MARIA APARECIDA DE OLIVEIRA DIAS, brasileira,

amasiada, do lar e CLAUDECI DIAS DA SILVA, brasileiro, amasiado, vendedor, portador do RG. nº

5.624.471-9, residentes e domiciliados na rua Engenheiro Lourival Maciel, nº 25, Jardim Califórnia,

Mossunguê, nesta Capital,

contra
VILSON JOSÉ DE CASTRO GAMBORGI, brasileiro, casado, médico inscrito

no CRM/PR sob o nº 1.060, RG nº 234.005-4, residente e domiciliado na rua Fernando Simas, n° 1.243,

Champagnat, Curitiba-Paraná,

JAIRO RAFAEL URIBE MOLINA, colombiano, médico em situação irregular

no país desde 13/01/92, com endereço profissional no Hospital e Maternidade Santa Felicidade,

HOSPITAL E MATERNIDADE SANTA FELICIDADE LTDA., pessoa jurídica

de direito privado, CGC 76.525.674/0001-71, com sede nesta Capital, na rua Sebastião Braganholo, nº 99,

HOSPITAL E MATERNIDADE SÃO CARLOS LTDA, pessoa jurídica de

direito privado, CGC 76490861/0001-67, com sede nesta Capital, na Av. Coronel Francisco H. Santos, nº

1540, pelas razões a seguir enumeradas.

I - Da Legitimidade do Ministério Público como Substituto Processual.

Reza o Código de Processo Penal que "a ação para ressarcimento do dano

poderá ser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for o caso, contra o responsável civil" (art.

64), aduzindo a mesma carta, mais adiante, que se "o titular do direito à reparação do dano for pobre... a

ação cível será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público" (art. 68).

No caso vertente, o parquet atua amparado por solicitação das partes (v.

documento sob n°1), colimando alcançar a reparação do dano sofrido em decorrência de ato ilícito,

conforme adiante se verá.

A par disso, são os beneficiários pobres, na acepção jurídica do vocábulo,

de acordo com suas declarações (v. documento sob nº 1), pelo que se requer, desde logo, os benefícios de

Justiça Gratuita.
II - Da Materialidade, Autoria e Responsabilidade pelo Fato Danoso.

A requerente, Maria Aparecida de Oliveira Dias, de 16 anos, teve

complicações pós-cesariana com quadro de perda sangüínea abundante, choque e crises convulsivas que

implicou em déficit de motricidade, caracterizado por impossibilidade total de manter-se na posição ereta ou

manter-se sentada sem apoio, além de outras seqüelas. Além disso, houve óbito da criança, conforme os

fatos abaixo relatados.

Durante o período de gestação, a requerente foi atendida na Unidade de

Saúde Campina do Siqueira, onde realizou um pré-natal regular, comparecendo em todas as consultas

marcadas, sem qualquer anormalidade digna de nota.

No sábado, dia 10/04/93, Maria Aparecida queixou-se de perda de pequena

quantidade de água durante todo o dia. Aproximadamente às 21:00 horas, foi internada no Hospital e

Maternidade Santa Felicidade, pois a gravidez já estava a termo.

Durante toda a noite, porém, período anterior ao parto, não recebeu

atendimento algum, tendo ficado sozinha até o momento em que foi levada à sala de parto, isto por volta

das 06:00 horas do dia 11/04/93. Às 08:40 horas os familiares foram informados da ocorrência do óbito fetal

e de que a paciente apresentara problemas durante o parto.

Os acontecimentos tiveram como causas principais a falta de um profissional

que examinasse a paciente para avaliar o seu quadro clínico no momento da internação e a demora para a
realização do parto.

Outras informações importantes são encontradas nos depoimentos

prestados no 12º Distrito Policial desta Capital, encontrando-se uma reveladora contradição em relação à

morte da criança. Primeiro, o Dr. Marco Aurélio Lopes Gamborgi, ao responder sobre as lesões que se

apresentavam na cabeça do menor, disse: "que na hora da retirado do feto dentro do útero, por estar em

uma posição muito baixa foi usado uma colher de "forcepe" para a retirada do feto, que já estava em óbito "

(doc. 3). Já o depoimento do médico Carlos Alberto Martins deixa claro que só ficou constatado o óbito após

a retirada do feto, inclusive com tentativas inúteis de inversão do estado letal (v. documento nº 3).
Como se vê, a criança, antes de ser retirada do útero materno, teve apenas

uma diminuição da freqüência cardíaca, momento no qual deveria ser providenciado um pediatra para

atender situação tão delicada como esta. Infelizmente o resultado de tal conduta omissiva foi o óbito da

criança, cujo atestado fornecido pelo Dr. Vilson J. de C. Gamborgi o deu como natimorto (v. documento nº

4 ).

Deve-se notar, ainda, a estranha forma em que a criança foi retirada do

útero da mãe, ou seja, através de uma cesariana com uso de fórceps, ocasionando, assim, lesões na

cabeça do recém-nascido (v. documento nº 5).

A criança era perfeita, saudável e com quatro quilos de peso,

correspondendo à expectativa do pré-natal acompanhado pela Dra. Eliane de Sá Lorusso, médica gineco-

obstetra, que afirma que o estado do feto era ótimo, demonstrado pela ecografia e pelo perfil biofísico fetal

(v. documentos 2 e 5).

Logo em seguida à cirurgia para a retirada da criança, a pressão arterial da

paciente caiu muito, tendo a mesma evoluído até parada cardio-respiratória.

Após a recuperação da parada cardio-respiratória, a paciente foi transferida

para a U.T.I, no Hospital e Maternidade São Carlos. Houve grande dificuldade para se conseguir vaga em

uma U.T.I, bem como a inexistência de uma ambulância para o transporte, problemas estes que

provavelmente também contribuíram para agravar a situação.

A requerente, acompanhada pelo anestesista do Hospital e Maternidade


Santa Felicidade, deu entrada na U.T.I, do Hospital e Maternidade São Carlos, aproximadamente às 10:00

horas, com quadro de convulsão e em estado de coma, sendo a paciente no ato do internamento medicada,

inclusive com reposição sangüínea.

No dia 14/04/93, a requerente recebeu alta da UTI , sendo encaminhada

direto para a sua residência, ao invés de mantê-la em leito comum no Hospital.

Na seqüência, em virtude da alta hospitalar inoportuna, a requerente teve

que ser novamente internada por agravamento de seu estado de saúde.

No segundo internamento na UTI do Hospital São Carlos, a paciente foi

atendida pelo Dr. Walter Guilherme Taborda, médico neurologista, que a examinou constatando uma
infecção vaginal grave, purulenta, que provavelmente resultou da episiotomia (abertura da vagina para a

criança passar com mais facilidade). Para este médico, a "existência de infecção bacteriana vaginal poderia

deslocar êmbulo (partículas inflamatórias que se deslocam para o cérebro)" dando causa às lesões (v.

depoimento em Inquérito Policial - documento nº 3).

Em face do exposto, verifica-se no primeiro atendimento à paciente conduta

comissiva (internamento sem examinar a paciente) e omissiva do requerido, abandonando a vítima por uma

noite inteira, vindo a atendê-la somente quando ela já apresentava complicações maiores, atitudes estas

que foram, sem dúvida, a causa primeira dos trágicos acontecimentos. Logo, laborou em falta grave o

profissional em causa, na medida em que deixou de proceder às imediatas e urgentes ações que o caso

exigia.

São vários fatores reunidos que contribuíram para os fatos tomarem rumo

tão lastimoso, os quais se somam as péssimas condições do Hospital e Maternidade Santa Felicidade,

apuradas pela Divisão de Vigilância Sanitária desta Capital, tais como: ausência de Comissão de Controle

de Infecção Hospitalar; ausência de profissional enfermeiro, ausência de responsável técnico pelas ações

de enfermagem, ausência de rotinas escritas e normas técnicas complementares para a prevenção das

infecções; cruzamento de fluxo nos setores de Centro Cirúrgico e Central de Material; lavagem do material

contaminado feita no Centro Cirúrgico em uma pia, na frente da outra pia onde é feita a antissepsia das

mãos; presença de diversos materiais cirúrgicos oxidados; irregularidades quanto ao acondicionamento,

preparo e distribuição dos medicamentos e aspectos higiênicos-sanitários (v. documento nº 7).


Além das irregularidades acima apresentadas, com relação às Normas da

Vigilância Sanitária, outros problemas foram constados pela Comissão de Sindicância (v. documento nº 2),

composta na maioria de seus membros por profissionais de saúde, para apurar os fatos relacionados com o

atendimento da vítima Maria Aparecida de Oliveira Dias. São eles:

1 - Situação irregular do Dr. Jairo Molina, que exercia as funções de médico

plantonista ativo no hospital, prestando consultas, prescrevendo medicamentos e atendendo partos

espontâneos;
2 - Esse médico, apesar de sua situação irregular, em relação ao exercício

da medicina (v. documento nº 08), foi a pessoa que atendeu efetivamente a paciente Maria Aparecida de

Oliveira Dias no início;

3 - Na hora da cirurgia, foi imprudente a saída do anestesiologista da sala

de cirurgia, abandonando a assistência direta a uma paciente com um quadro tão instável, para tentar a

reanimação infrutífera da criança em uma outra sala;

4 - Frente à evidência da situação do sofrimento fetal, após o primeiro

episódio convulsivo, exigia-se a presença de um pediatra, o que não foi feito;

5 - A inobservância da Legislação Sanitária (Resolução nº 5/88 da SESA -

PR), em relação à falta de sangue no Hospital e Maternidade Santa Felicidade, para uso nestas situações

de emergência;

6 - A falta de uma ambulância para transportar a paciente para a UTI do

Hospital e Maternidade São Carlos;

7 - Alta hospitalar inoportuna e prematura, considerando que a paciente

apresentava temperatura corporal de 38,2 graus centígrados às 14:00 horas, ou seja, poucas horas antes da

alta hospitalar, tendo sido medicada com 2 mililitros de novalgina intravenenosa neste horário;

8 - Ainda com relação à alta da paciente no primeiro internamento, não

houve avaliação neurológica e nem prescrição de remédios anticonvulsivantes para tomar em casa, apesar

de a paciente apresentara distúrbios neurológicos e esteve sob uso constante de drogas anticonvulsivantes
por via endovenosa até às 10:00 hs. do dia da saída do nosocômio.

Analisando estes eventos, o comportamento dos médicos responsáveis e a

nobreza dos bens jurídicos ofendidos, dúvidas não há de que ingressaram Vilson José de Castro Gamborgi

e Jairo Rafael Uribe Molina na esfera da punibilidade penal, transgredindo os artigos 121, § 3º e 129, § 6º

da carta punitiva.

III - O Evento, Suas Características e da Incidência da Responsabilidade

Civil Médica e Hospitalar


Vale, neste tópico, relembrar que no momento em que Maria ficou internada,

o único médico que lá se encontrava era o Dr. Jairo Rafael Uribe Molina, profissional não inscrito no

CRM/PR, não podendo, portanto, exercer a profissão (v. documento nº 8), sendo a responsabilidade pela

paciente do Dr. Vilson Gamborgi, que aliás, assina a documentação médica (documento nº 02).

Pois bem.

Sobre a evidência destes fatos, conclui-se que faltou um exame mais

apurado sobre a verdadeira situação em que se encontrava a paciente. Ao revés, ela foi abandonada

criminosamente num leito sem assistência de um profissional que o caso exigia, omissão que espelha, no

mínimo, erro dos mais elementares.

O artigo 61, caput , do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº

1.246/88), disciplina que: "é vedado ao médico abandonar paciente aos seus cuidados". Trata-se de antigo e

persistente princípio, cuja importância é de fácil entendimento e que pode ser, numa certa medida, aplicado

às casas hospitalares.

A este propósito, isto é, de abandono do paciente, consolidou-se o raciocínio

de que "a responsabilidade moral do médico poderá ser da mais alta gravidade e mesmo acarretar a própria

responsabilidade criminal, considerando-se os possíveis resultados de sua conduta omissiva... (É) apenas

um dos aspectos da responsabilidade moral do médico, que decorre dos seus inatos deveres para com os

clientes, os colegas, as instituições, para com a medicina mesma, e, em última análise, para com o ser

humano e para com a coletividade" (Dória, Álvaro - Responsabilidade Profissional. In: Ética Médica, RJ,
Cremeg, 1974, p. 262/263).

Por isso é que a inação dos médicos, vista pela ótica do prof. Hermes

Rodrigues de Alcântara, importa na suas responsabilidade civil e penal. Para esse autor, "em qualquer fase

de uma atuação médica, diagnóstico, prognóstico e tratamento, pode haver erros que se caracterizam como

culpa. O abandono do doente à sua própria sorte ou em mãos inexperientes, a omissão de socorro, a

violação do dever de diligência e a impontualidade do médico, podem caracterizar uma negligência (penal)

ou uma culpa in faciendo ou in eligendo (civil)" - (Deontologia e Diceologia, SP, Andrei Editora, 1979, p.136).
Destarte, num primeiro plano, temos configurado da parte do esculápio

demandado uma evidente lesão a preceito ético-profissional, cuja apuração está sendo atualmente

empreendida pelo Conselho Regional de Medicina (v. documento nº 8).

No ângulo estritamente civil, o art. 1.545, do Código Civil, assim enquadra a

responsabilidade médica:

"Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são

obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência

ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de

servir, ou ferimento".

Essa reparação, como se sabe, tem tido o seu cabimento depurado ao longo

do tempo, acompanhando a evolução da medicina e da própria sociedade.

Não obstante, existem certas linhas mestras de conduta, reconhecidas já

nos clássicos, como de caráter elementar e permanente, das quais o profissional não pode se afastar.

Bem assim, Clóvis Beviláqua ensina:

"O direito exige que esses profissionais exerçam a sua arte, segundo os

preceitos que ela estabelece e com as cautelas e precauções necessárias

ao resguardo da vida e da saúde dos clientes e fregueses, bens

inestimáveis, que se lhes confiam, no pressuposto de que os zelem. E esse

dever de possuir a sua arte e aplicá-la, honesta e cuidadosamente, é tão


imperioso, que a lei repressiva lhe pune as infrações" (Código Civil, 9ª ed. ,

vol. V, Rio, Francisco Alves, 1954, p. 252).

Genival Veloso de França ratificou que a negligência médica "caracteriza-se

pela inação, pela indolência, pela inércia, pela passividade. É a falta de observância aos deveres que as

circunstâncias exigem. É um ato omissivo" (Direito Médico, Fundo Editorial Byk-Procienx, 1975, p. 88).

Em face do exposto, verifica-se que a relação jurídica que se institui entre o

clínico e seu paciente (e que se estende aos serviços hospitalares) sempre tem em mira o uso de todos os

esforços e a utilização de todos os recursos técnicos disponíveis no sentido de restabelecer-lhe a saúde.

O médico, em princípio, não se obriga a um resultado positivo final.


No entanto, a sua diligência para alcançá-lo deve corresponder sempre a um

nível mínimo de empenho profissional, obediente aos princípios previstos no Código de Ética e da legislação

pertinente, pautando, enfim, o seu comportamento pela seriedade.

Com esses parâmetros, veja-se o pensamento de Wanderby Lacerda

Panasco:

"Mesmo assim, se a obrigação, sem dúvida alguma, é de meio e não de

resultado, existe uma outra obrigação tácita que diz respeito a uma 'cláusula

de incolumidade'. O médico deverá satisfazer todas as exigências deste

contrato, inclusive a obrigação de informar, devidamente, tudo que se

relacionar com a doença e a cuidar que não se realize nenhum prejuízo fora

das circunstâncias do momento" (Responsabilidade Civil, Penal e Ética dos

Médicos. Rio, Forense, 1984, p.112).

A responsabilidade das casas de saúde de hospital envolve, evidentemente,

um dever de incolumidade e assistência efetiva para os doentes internos em suas dependências,

respondendo a instituição pela omissão de serviços e diligências materiais necessárias ao restabelecimento

e à própria manutenção da vida destes enfermos.

É inelutavelmente uma relação contratual, ainda quando prestada sem

cobrança direta do paciente.


A entidade hospitalar é, por conseqüência, imputável civilmente pelos atos

de seus prepostos ( médicos, enfermeiros, empregados em geral, etc.), assim como por sorte de ocorrências

sucedidas em seu interior (v. a respeito os artigos 37, § 6º, da Constituição Federal, 1.521, inciso III, do

Código Civil e a Súmula nº 341 do STF).

Sob este prisma, ficou evidenciado a responsabilidade dos nosocômios, no

primeiro pela falta de profissional disponível para o atendimento adequado e no segundo pela alta precoce

dada à paciente.

E esta ordem de idéias conduz à dedução de que existiu culpa in eligendo

dos nosocômios, pela falta de seus prepostos, e culpa in vigilando, pela carência de acompanhamento
apropriado à paciente, quando do seu primeiro internamento, não apresentando outro médico que estivesse

disponível para atendê-la, e deixando de utilizar todos os meios disponíveis de diagnósticos e tratamento a

seu alcance em favor da paciente.

A questão desenhada desta forma, onde se somam a culpa do Hospital e

Maternidade Santa Felicidade (que inicialmente atendera a vítima, e esta por falta de atendimento

apropriado veio a ter complicações e óbito de seu filho) e a do Hospital e Maternidade São Carlos (onde ela

na seqüência do tratamento recebeu alta hospitalar prematura, contribuindo para o seu estado de

tetraplegia), tem precedentes definidores de responsabilidade na jurisprudência, em casos similares:

"Procede a ação contra estabelecimento hospitalar por omissão e ação

de seus prepostos havendo culpa in eligendo" (RT 568/157).

"Procede ação de indenização contra estabelecimento hospitalar por

erro profissional de sua equipe médica. Sendo o médico considerado

preposto, no exercício de sua profissão, há configuração de culpa

presumida do empregador" (RT 559/193).

Estes fatos foram enviados ao Conselho Regional de Medicina do Paraná

para as providências éticas cabíveis. Após análise e parecer conclusivo daquele Conselho, com Aprovação

em Sessão Plenária nº 780, realizada em 20 de fevereiro de 1995, ficou caracterizado as irregularidades no


atendimento da paciente Maria Aparecida, que resultou nela o estado de tetraplegia e, para o seu filho, a

morte.

Segundo o Conselho Regional de Medicina do Paraná (v. documento nº 9), a

conclusão foi a seguinte:

"A responsabilidade médica por pacientes internados cabe ao

médico assistente do caso definido, em cada instituição hospitalar pelos

critérios próprios e na sua ausência pelo médico plantonista presente no

local. Muito embora haja a prática de pacientes atendidos pelo Sistema

Único de Saúde não terem um médico assistente definido, por serem


atendidos somente pelos médicos plantonistas, cabe obviamente a estes a

responsabilidade profissional pelo atendimento no seu período de plantão.

No caso ora analisado, o Dr. Wilson era o plantonista que

substituiu o Dr. Sérgio Ratelli, originariamente escalado, que entretanto

comunicou telefonicamente ao primeiro a impossibilidade de retornar de

viagem. Ficou claro, também, que o plantão nos fins de semana, no Hospital

e Maternidade Santa Felicidade, era à distância. O Dr. Wilson, comunicado

telefonicamente do caso da paciente Maria Aparecida de Oliveira, orientou

seu internamento, sem examinar a paciente, só o fazendo quando a mesma

estava quase em período expulsivo.

A própria paciente após a alta do primeiro internamento da UTI,

do Hospital São Carlos, conversando com a família, relatou que lembrava

dos momentos antes do parto, dizendo que ficou sozinha no quarto do

Hospital Santa Felicidade, durante a noite toda e que não recebeu

atendimento neste período.

Também consta que o Dr. Jairo Molina, médico na Colômbia,

presente no momento do internamento é quem fez o contato com o Dr.

Wilson e também avisou a família que a paciente ficaria internada.

Entretanto, o referido médico é citado pelo Dr. Wilson como médico


voluntário, sem registro no CRM e apresenta protocolo nº 2339/93 deste

CRM, de 27/05/93, posterior aos acontecimentos. Entretanto, há indícios de

que o mesmo atuava como médico no hospital.

O número do CRM 2714 foi informado pelo Dr. Wilson em relação

a médicos que prestaram atendimento à paciente a pedido da Secretaria

Municipal de Saúde, mas posteriormente em depoimento, o Dr. Jairo

ressalva que este refere-se à seu número de inscrição no SERVICIO DE

SALUD DEL ATLÂNTICO, do Ministério de Salude Pública de Colômbia.


A grave intercorrência, a convulsão, ocorrida após a anestesia

loco-regional com xilocaína, que obrigou à mudança de indicação do tipo de

parto, teve uma curta duração, sendo pouco provável que levasse ao óbito

fetal, sendo que o Dr. Wilson confirmou que após esta primeira crise

constatou diminuição abrupta da freqüência cardíaca fetal, porém ainda não

havia reconhecido óbito fetal. Portanto ao solicitar o auxílio necessário para

a cesárea uma providência seria obviamente chamar um pediatra.

A informação de sangramento abundante durante a cirurgia,

devido a deslocamento prematuro de placenta contradiz-se com as

informações anteriores de nenhuma anormalidade no quadro da paciente no

momento imediatamente anterior à cirurgia, com exceção da crise

convulsiva.

As providências com relação à disponibilidade de sangue não

foram tomadas previamente, entretanto este deve ser um cuidado de rotina

em um hospital-maternidade que atende obstetrícia uma vez que uma das

intercorrências que mais ocorrem complicando o trabalho de parto é a

hemorragia.

No Hospital São Carlos o atendimento prestado no primeiro

internamento foi pronto e adequado, questionando-se apenas a alta


hospitalar prematura, uma vez que a paciente encontrava-se febril e que os

próprios médicos, Dr. Francisco Maia e Drª Jussara Stokler, reconheceram

ser rotina de observação pós alta da UTI em enfermaria comum, não sendo

feito no Hospital São Carlos, por falta de vaga. Segundo relato da família ao

ser questionada sobre a expectativa de a mesma voltar ao Hospital Santa

Felicidade, a Drª Jussara relata que conversou com o Dr. Wilson e que ele

havia dito que não adiantava levá-la ao Hospital porque no dia seguinte ela

teria alta.
Segundo, ainda, depoimento da assistente social da Unidade de

Saúde Campina do Siqueira, Elizete Maria Ribeiro Pinto, as informações dos

familiares davam conta que a paciente saiu do Hospital São Carlos

carregada pelos mesmos, não tendo coordenação dos seus membros e nem

sustentando a cabeça. Apesar da ocorrência de convulsões anteriores, não

recebeu na alta medicação anti-convulsivante.

Face aos fatos e análise dos pontos críticos na história do

atendimento da paciente, propõe-se:

1) Abertura de Processo Ético Profissional contra o Dr. Wilson José de

Castro Gamborgi, por indício de infração aos seguintes artigos do Código de

Ética Médica, que prescrevem ser vedado ao médico:

Artigo 29: "Praticar atos danosos ao paciente, que possam ser

caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência."

Artigo 37: "Deixar de comparecer a plantão em horário preestabelecido ou

abandoná-lo sem a presença de substituto, salvo por motivo de força maior."

Artigo 38: "Acumpliciar-se com os que exercem ilegalmente a Medicina, ou

com profissionais ou instituições médicas que pratiquem atos ilícitos."


Artigo 57: "Deixar de utilizar todos os meios disponíveis de diagnóstico e

tratamento a seu alcance em favor do paciente."

Artigo 62: "Prescrever tratamento ou outros procedimentos sem exame

direto do paciente, salvo em casos de urgência e impossibilidade

comprovada de realizá-lo imediatamente cessado o impedimento."

2) Abertura de Câmara Ética e Disciplina para investigar especificamente se

houve imprudência na alta da paciente após o primeiro internamento no

Hospital São Carlos, em relação a:) ser prematura; b) não ter sido conforme
a rotina, indicando transferência para leito comum; c) não ter sido prescrito

medicação anti-convulsivante"(grifo nosso).

IV - As Vítimas: a Mãe inválida e a Morte da Criança - Indenização

Correspondente a Título Moral e Patrimonial

É intento dos requerentes a obtenção de reparo pelo agravo material e moral

por eles suportado.

Maria Aparecida de Oliveira Dias, dezesseis anos de idade, mulher que ao

tempo dos fatos não exercia qualquer atividade lucrativa, em função da própria gravidez, sofreu grave lesão

corporal, de acordo com os exames médicos já aludidos e perícia oficial (v. documento nº 10).

Não obstante os tratamentos realizados que suportou e suportará, é

inafastável a debilidade permanente, tetraplegia, que a torna totalmente dependente, inclusive naquelas

necessidades de natureza física do homem (v. laudo do IML - documento nº 10). Precisa ela de total

acompanhamento e cuidado de uma outra pessoa até o final de sua vida, além de consultas médicas

periódicas e fisioterapia duas vezes por semana.

Em face destes indicativos fáticos, temos primeiramente a disciplina do art.

1.538, "caput", do Código Civil, onde está estabelecido que o réu deverá custear todas as despesas de
tratamento médico necessário visando a recuperação das lesões, aí compreendidas os lucros cessantes, as

despesas médico-hospitalares, os medicamentos, o deslocamento para tratamentos periódicos, contratação

de enfermeiros, etc.

Noutro ângulo, constata-se que em função da tetraplegia, a ofendida

padeceu de inegável dano patrimonial, isto é, viu concretamente a total redução da sua capacidade

laborativa futura.

Reconhece-se na hipótese, sem dúvida, um dano atual e certo,

eminentemente patrimonial, a ser indenizado na forma recomendada pelo art. 1.539 do Código Civil.
Configura-se aqui, também, o dano patrimonial suportado pelos pais da

criança, decorrente do seu óbito, em relação às despesas de funeral e pensão por morte do filho menor.

Esta reparação de cunho patrimonial existe em virtude da triste realidade do país, onde os filhos desde

cedo já ajudam na formação da renda familiar. Portanto , no caso "sub examine", é evidente a difícil situação

financeira dos requerentes que objetivamente dependeriam da contribuição de seu filho na economia

doméstica.

Afora isso, tencionam os requerentes reparação pelos danos morais

suportados.

Primeiramente, em relação a Maria Aparecida de Oliveira Dias, pela situação

física em que se encontra, impedida de ser esposa, impedida de ser mãe e a própria frustração decorrente

da abrupta alteração de vida que a afastou do seu convívio normal familiar.

O outro dano moral ocorreu pela morte da criança, pois o seu falecimento,

em condições assaz traumáticas e repentinas, causou - e causará indefinidamente - indivisível dor aos seus,

cuja indenização se impõe, independentemente dos danos patrimoniais oriundos do mesmo fato.

Não se procura aqui, é evidente, alcançar o justo preço do sofrimento dos

demandantes.

Tal raciocínio ofenderia a ética e jamais encontraria um equivalente

econômico à altura.

O tema, aliás, há muito tempo, foi invulgarmente balizado por Clóvis


Bevilaqua:

"Se o interesse moral justifica a ação para defendê-lo ou restaurá-lo, é claro

que tal interesse é indenizável, ainda que o bem moral não se exprima em

dinheiro. É por uma necessidade dos nossos meios humanos, sempre

insuficientes e, não raro, grosseiros, que o Direito se vê forçado a aceitar

que se computem em dinheiro o interesse de afeição e os outros interesses

morais" (citado in RT 489/92).


Já modernamente, Carlos Roberto Gonçalvez, na mesma linha, assevera

que "se tem entendido, hoje, que a indenização por dano moral representa uma compensação, ainda que

pequena, pela tristeza infligida injustamente a outrem" (in Responsabilidade Civil, 2º ed., ed. Saraiva, SP,

1984, p. 168).

Na esteira deste pensamento, o nosso direito pretoriano tem afirmado que

"todo e qualquer dano causado a alguém, ou ao seu patrimônio, deve ser indenizado, de tal obrigação não

se excluindo o mais importante deles, que é o dano moral, que deve autonomamente ser levado em conta.

O dinheiro possui valor permutativo, podendo-se, de alguma forma, lenir a dor com a perda de um ente

querido pela indenização, que representa também punição e desestímulo do ato ilícito. Impõe-se a

indenização do dano moral para que não seja letra morta o princípio neminem laedere" (RT 497/302).

E sublinhe-se, ainda, a perfeita factibilidade em cumular-se os dois tipos de

compensação em tela:

"Um único evento pode constituir um leque de prejuízos de natureza diversa,

e justifica, cada um, uma verba reparatória, sem margem à ocorrência de

reparar duas vezes a mesma perda" (RT 613/184).

V - Da Especificação dos Danos

A) - Em relação à vítima Maria A. O. Dias.

Do dano material.

1) DANOS EMERGENTES:

a) tratamento médico e acompanhamento permanente - valor estimado em R$ 200,00 (duzentos reais) ao

mês;

b) compra mensal de medicamentos - valor estimado em R$ 50,00 (cinqüenta reais);

c) exames periódicos, considerando uma consulta mensal - valor estimado em R$ 50,00 (cinqüenta reais);
d) deslocamentos necessários (duas vezes por semana para realização de fisioterapia) - valor mensal para

cobrir dezesseis viagens (ida e volta do tratamento) estimado em R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais).

2) LUCROS CESSANTES:

a) perda da capacidade laborativa - R$ 100,00 (cem reais);

b) impossibilidade de prosseguir na capacitação profissional - R$ 100,00 (cem reais).

Do dano moral.

Perda do convívio familiar (desfazimento da convivência marital, maternal, etc.) e choque decorrente da

alteração da vida - avaliado por arbitramento, na forma do art. 1553 do Código Civil, ficando, desde já

requerida a importância de quatrocentos salários mínimos, cuja soma é estimada em razão das reais

necessidades da vítima e das possibilidades dos demandados de pagá-la.

B) - Em relação à criança.

Do dano material

a) despesa de funeral - valor estimado de R$ 30,00 (v. documento nº 11);

b) o valor da pensão por morte do filho correspondente a uma contribuição média de 2/3 do salário mínimo

até a data que a criança viesse completar vinte e cinco anos.

Do dano moral
- o sofrimento dos pais pela perda de seu filho - avaliado por arbitramento, na forma do art. 1553 do Código

Civil, ficando, desde já requerida a importância de quatrocentos salários mínimos, cuja soma, também,

decorre das reais necessidades dos familiares da vítima e das possibilidades dos demandados de pagá-la.

VI - Do Cálculo Indenizatório e do pedido


Em vista do que precede, pois, requer-se, com apoio nos permissivos

legais, doutrina e jurisprudência trazidos à colação, sejam condenados os Requeridos à reparação

pretendida, inclusive as seguintes verbas:

a) o pagamento de pensão vitalícia, para a vítima Maria Aparecida de

Oliveira Dias, correspondente a dois salários mínimos por mês, desde a data do evento, em virtude da

incapacidade laborativa e impossibilidade de prosseguir na capacitação profissional, nos termos do art.

1539 do Código Civil, incluindo-se o 13° salário (RT 621/172, 583/154, 574/150 e 558/190);

b) o pagamento mensal e vitalício de quatro salários mínimos e meio em

benefício da vítima Maria Aparecida de Oliveira Dias, referente às despesas de tratamento e recuperação,

aí abarcadas cirurgias, aparelhos ortopédicos, fonoaudiologia, fisioterapia, psicoterapia de apoio,

medicamentos, consultas médicas, exames laboratoriais, despesas de locomoção, próteses, lente e/ou

óculos, dentre outras, conforme o artigo 1538 do Código Civil;

c) o pagamento mensal de pensão por morte do filho menor, correspondente

a 2/3 do salário mínimo, até a idade que a vítima viesse a completar 25 anos;

d) o pagamento de reparações por danos morais sofridos por Maria

Aparecida de Oliveira Dias, a serem fixados por arbitramento em conformidade com o art. 1.553 do Código

Civil, mas para cuja cobertura se postula a quantia de quatrocentos salários mínimos;

e) o pagamento de reparações por danos morais pela morte da criança, a

serem pagos aos requerentes e fixados por arbitramento em conformidade com o art. 1.553 do Código Civil,
mas para cuja cobertura se postula a quantia de quatrocentos salários mínimos;

f) o pagamento das despesas de funeral efetuadas pelos requerentes no

valor de trinta reais;

g) constituição de capital que assegure cabal cumprimento da condenação,

a teor do artigo 602 do Código de Processo Civil;

h) o pagamento das despesas do processo e demais cominações legais.

Posta a ação, pleiteia-se, por fim, a citação dos Médicos Vilson José de

Castro Gamborgi e Jairo Rafael Uribe Molina e dos Hospitais Santa Felicidade e São Carlos, nas pessoas

de seus diretores, para, querendo, acompanharem e contestarem os termos da presente, sob pena de
revelia, devendo o presente pedido ser julgado procedente com a condenação dos réus nas verbas antes

especificadas.

Pede-se, para provar o alegado, o uso das provas legalmente admissíveis,

sem exceção, notadamente o depoimento pessoal dos médicos Vilson J. de Castro Gamborgi e Jairo R. U.

Molina e dos representantes legais das casas hospitalares, audiência de testemunhas (adiante elencadas),

perícias e juntada de novos documentos.

Renovando o rogo de concessão de Justiça Gratuita, com fundamento na

Lei nº 1.060/50, dá-se à causa, tão só para efeitos fiscais, o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais).

P. deferimento.

Curitiba, 09 de maio de 1995.

Marcos Bittencourt Fowler

Promotor de justiça

Wanderley do Carmo
Assessor Jurídico

Testemunhas:

ELIZETE MARIA RIBEIRO PINTO, brasileira, casada, assistente social, R.G. nº 2.073.125-7/PR, residente e

domiciliada na rua João Kososki, nº 428, Mossunguê, nesta Capital;

VERA LÚCIA DE OLIVEIRA, brasileira, casada, do lar, R.G. nº 3.658.224-3, residente na rua Engº Lourival

Maciel, nº 25, Jardim Califórnia-Mossunguê-Capital;


MARIA CRISTINA HEIN LACERDA, brasileira cadada, psicóloga, R.G. nº 1.110.603/PR, residente e

domiciliada na rua Luis Alberti, nº 34, Campo Comprido, nesta Capital;

ELIANE DE SÁ LORUSSO, brasileira, casada, médica, R.G. nº 970.554-6, residente e domiciliada na rua

Nicolau Mader, nº 211, apto. 602, Alto da Glória, nesta Capital;

JOSEFINA CASSANELLI, brasileira, solteira, parteira, R.G. nº 1.613.156, residente na rua João Batista

Casagrande, nº 37, Santa Felicidade-Capital;

JOÃO FLORENÇA DIAS, brasileiro, casado, residente e domiciliado na rua Engº Lourival Maciel, nº 25,
Jardim Califórnia-Mossunguê-Capital.

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