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MULHERES NEGRAS JOVENS PRIVADAS DE LIBERDADE EM

SERGIPE: A INÉRCIA DO ESTADO E A IMPORTÂNCIA DO


DEBATE INTERSECCIONAL

Elayne Cristina dos Santos Almeida1


Vitória Oliveira Toscano de Brito2
Geanine Vargas Escobar3

RESUMO

O intuito deste trabalho é impulsionador o debate sobre inércia do Estado como fenômeno
social que garante a exclusão e o genocídio da população negra e jovem em Sergipe, em
especial a exclusão e o encarceramento de mulheres negras. Procurar-se-á fazer uma
breve análise do perfil das jovens mulheres em situação de prisão no Estado de Sergipe,
atentando para o recorte de raça, expondo assim uma reflexão sobre a obsolescência das
prisões. Também será abordada a importância do pensamento interseccional, tendo em
vista os problemas que se intercruzam na vida dessas mulheres, que enfrentam
discriminações de gênero, raça, classe, tornando-as sujeitos mais vulneráveis e invisíveis
a luz da justiça.

Palavras-chave: pensamento pós-colonial; interseccionalidades; sistema penal;


mulheres negras; inércia Estatal

INTRODUÇÃO

Esse trabalho, se justifica por visibilizar mulheres invisíveis e fazer ecoar


as vozes emudecidas. A escritora e teórica cultural Gloria Evangelina Anzaldúa
(2000), conta que se tornou conhecedora e especialista em inglês “para irritar, para
desafiar os professores arrogantes e racistas que pensavam que todas as crianças

1
Graduanda do curso de Direito - Bacharelado, Universidade Tiradentes/SE, mukuna.direito@gmail.com.
2
Graduanda do curso de Direito - Bacharelado, Universidade Tiradentes/SE, vitoriatoscano38@gmail.com.
3
Doutoranda do Programa Doutoral em Estudos Culturais pelas Universidades do Minho e Aveiro -
Portugal e Bolsista CAPES - Doutorado Pleno no Exterior, geaninevescobar2@gmail.com.
chicanas eram estúpidas e sujas” (p. 229-230)4. Essa “irritação” que a autora produz
com o seu conhecimento, também pode ser entendida como a não aceitação da
branquitude eurocêntrica ao ter que presenciar uma intelectual mexicana, assim como
uma intelectual uma negra, uma intelectual indígena, se apropriando de linguagens
que num passado próximo, serviu apenas para benefício do colono e hoje pode servir
para descolonizar o pensamento de tantas vozes que foram por séculos silenciadas.
Doravante, compreende-se esse artigo como um contínuo processo de
descolonização do pensamento, na medida em que “o outro” que não tinha direito a
voz passa a ser sujeito do seu próprio discurso identitário. Ao se colocar os problemas
e refletir sobre eles, decidiu-se escrever sobre as dificuldades enfrentadas pelas
mulheres negras em situação de prisão em Sergipe.
Ressalta-se que, de acordo com a Assembleia Geral da ONU, o período
entre 2015 e 2024 foi proclamado como a Década Internacional de Afrodescendentes
(resolução 68/237). Esse acordo pretende reforçar a cooperação nacional, regional e
internacional em relação ao pleno aproveitamento dos direitos econômicos, sociais,
culturais, civis e políticos de pessoas de afrodescendentes, bem como sua participação
plena e igualitária em todos os aspectos da sociedade5. Os Estados também devem
integrar uma perspectiva de gênero na concepção e no monitoramento de políticas
públicas, levando em consideração as necessidades específicas e as realidades de
mulheres e meninas afrodescendentes, incluindo na área da saúde sexual e reprodutiva e
os direitos reprodutivos.
Portanto, esse artigo colabora sobremaneira com a Resolução 68/237, pois
auxilia na busca por políticos públicos e direitos para as comunidades negras e
afrodescendentes, especialmente na busca dos direitos das mulheres negras em
situação de prisão.

4
“Não há universalidade da linguagem, mas sim um concurso de dialetos, de patoás, de gírias, de línguas
especiais. (...) A língua é, segundo uma fórmula de Weinreich, ‘uma realidade essencialmente heterogênea’.
Portanto, é impossível pensar em ‘uma língua-mãe’, mas somente em uma ‘tomada de poder por uma língua
dominante dentro de uma multiplicidade política’ (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 16).
5
Programa de Atividades para a Implementação da Década Internacional de Afrodescendentes. Disponível:
http://decada-afro-onu.org/plan-action.shtml. Acedido em 20/07/2016.
METODOLOGIA

O posicionamento metodológico escolhido para este artigo é essencialmente


político, diz respeito as práticas, as subjetividades, as identidades do investigador
qualitativo e o método escolhido foi o levantamento bibliográfico. A perspectiva teórica
escolhida é o pensamento pós-colonial, vertente que trabalha em direção à crítica ao
colonialismo, ao universalismo ocidental europeu e questiona a ausência dos grupos
socialmente oprimidos, racializados, estereotipados e subalternizados.

A INÉRCIA DO ESTADO

Entende-se por inércia o repouso, no qual um corpo tende a permanecer até


que haja a interferência de uma força a fim; a partir da qual exista o movimento de
aceleração ou freada desse corpo em um plano reto. Figuram neste contexto, portanto, o
Estado, como corpo capaz de se deslocar num plano, mas por sua vez inerte; e as ações
do movimento negro relacionadas a força que se faz para frear o genocídio da população
negra.
O plano social, analisado pela ótica de cientistas como Cesare Lombroso e
Nina Rodrigues seguiram a tendência da marginalização e criminalização do corpo negro
no período posterior a libertação dos negros, sistematicamente escravizados no nosso
país. Já em 1983, com o Livro “Tornar-se Negro”, a psicanalista lacaniana Neusa Santos
Souza, traz para o centro dos estudos da sua área, a identidade racial no Brasil. Não como
forma de inventar os processos psicóticos que justificam e/ou determinam a criminalidade
como sendo uma condição atávica ao corpo preto, como se deu na estruturação do
pensamento e produção científica dos anteriormente citados. Ela rejeita os aspectos
exteriores de seu ser negro a fim de valorizar a (re)construção das identidades, repensando
de forma estrutural a socialização dos indivíduos.
Sendo o Estado, enquanto corpo social, aquele que avoca para si, por meio da
Lei maior, o dever da segurança pública¹ [ artigo 144 CF] - que não foi escrita e legitimada
senão com fulcro na ciência - eis que notamos que sobre o Estado estão atuando duas
forças diferentes com mesma direção e sentidos opostos: a “força natural” das investidas
higienistas e a “força peso” do dever constitucional da garantia de segurança pública. E é
em detrimento de indivíduos que necessitam socializar/acessar e não serem aprisionados
que elas anulam o movimento do Estado sob a premissa de atravancar o crescimento da
violência.
O Estado promove o controle dos corpos negros por meio do isolamento
(aprisionamento), da coação, e da força militar. O que em outro momento seria garantido
pelo sistema escravagista e todo o processo de alienação cultural e desumanização, hoje
se traveste em “política de segurança” e controle social que por sua vez não resolve, via
de regra, o problema da violência, tampouco alcança com maestria os princípios
constitucionais da cidadania e dignidade de pessoa humana para XX% da população
Brasileira que é negra, segundo dados do IBGE (ANO 2010) – entendendo a população
negra Brasileira como a auto-declarada de cor/raça preta e parda .
Na busca de uma razão pela qual a manutenção do estado das coisas não seja
em detrimento nosso, como demarca historicamente o contexto criminal no país, faremos
uma análise do perfil das jovens mulheres encarceradas no Estado de Sergipe
apresentando um entendimento sobre a obsolescência das prisões. Para desenvolver este
estudo, utilizaremos como principal método de investigação o levantamento bibliográfico
(SEVERINO, 2007).6
A compreensão subalterna do que constitui os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil é o que buscamos ao propor uma nova visão sobre como
se faz a segurança pública. Constando que a Inércia Estatal não é a ausência de ação do
Estado, ele age, de forma legal, ainda que não justa, através dos órgãos competentes
elencados no artigo 144, trata-se, portanto, da anulação das ações que se dispõem
contrárias ao corpo social, que resultam na criminalização do corpo negro.
Portanto, torna-se importante analisar criticamente que as relações sociais não
como frutos da natureza das coisas, mas de opções políticas, que nos revela que o ato de
punir/aprisionar é uma opção política, assim como os meios utilizados para justificar os
aprisionamentos também o são. Dessa forma, percebemos que o sistema carcerário é parte
do complexo e assustador sistema penal, que por sua vez está em constante adaptação e
sofisticação, onde consegue multidimensionar suas táticas, práticas e discursos que
resultam em mecanismos de controle social aplicadas a uma parcela da população: a que
comete crimes.

6
“A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas
anteriores, em documentos impressos como livros [...] os textos tornam-se fontes dos temas a serem
pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos
constantes do textos.” SEVERINO (2007, p. 122).
Assim, identificar as costuras dessa enorme rede cíclica é fundamental para
avançarmos tanto na análise crítica como na atuação para o combate das opressões e
efetivação da dignidade humana. Neste contexto, faz-se necessário nos perguntarmos:
qual o grande objetivo e a finalidade do sistema penal? ZAFARONI (1991, pág 27),
aponta: "O sistema penal é um aparato derivado do direito de soberania do Estado
voltado para consumação da paz social através do uso de medidas repressivas na forma
de ameaça ou de sanção à prática de um crime."
Configura-se então que o objetivo do sistema penal é a garantia da ordem
social, enquanto bandeira política e a garantia da segurança pública enquanto preceito
constitucional, mas mascarando a atuação seletiva do aprisionamento enquanto
sanção/punição para quem comete crimes e justificando as atrocidades cometidas pelos
órgãos garantidores vendendo a ideia de segurança. Com efeito, o encarceramento, em
regra, é justificado como fator para a diminuição dos índices de violência. Porém faz-se
necessário combater o que o sistema penal elegeu como criminalidade e aumento da
sensação de insegurança. Nesse sentido, é necessário refletir que o sistema penal, não
cumpriu tais metas e entendemos desta forma por perceber que ao passo que as pessoas
aprisionadas saem das unidades com o ranço do crime atrelados a sua existência, elas
seguem tanto para o estado, quanto para a sociedade enquanto criminosas.

AS MULHERES SERGIPANAS EM SITUAÇÃO DE PRISÃO

Ao analisar o perfil das mulheres sergipanas, é importante lembrar que


Sergipe, em 2014, tinha o maior percentual de mulheres presas sem condenação segundo
Levantamento Nacional de informações penitenciárias - Infopen Mulheres, 2014. Já, em
2016, segundo dados coletados no Relatório Final - Projeto Mulheres Encarceradas,
encontramos o número de 210 mulheres cumprindo penas dentro dos moldes do sistema
penal, sendo que, a unidade tem capacidade para apenas 175 vagas. Dessas, cerca de 40%
têm idade entre 18 e 29 anos. Em 43% dos casos, elas cumprem pena pelo crime de
tráfico de drogas. Já as tuteladas pelo Estatuto da criança e do adolescente, menores de
18 anos, cumprem medida socioeducativa em regime de internação na unidade feminina
administrada pela Fundação Renascer: são nove menores, sendo cinco provisórias, ou
seja, privadas de liberdade até que esteja concluído o processo que delimitado seu tipo
infracional e determinada a sua condição para o sistema, e quatro em regime de internato,
sendo penalizadas pelo ato praticado. Dessas nove, seis possuem ensino fundamental
completo e outras três, ensino fundamental incompleto, segundo dados fornecidos pela
UNIFEM.
Esses dados nos fazem refletir que a guerra às drogas é outro viés pelo qual
se justifica o aprisionamento em massa de pessoas negras, mulheres e homens negros,
adolescentes e jovens negros, não apenas no Estado de Sergipe, mas no restante do Brasil
também. Mas ressalta-se que neste artigo daremos o enfoque as mulheres negras a fim de
não desviar-se do problema que propomos discutir.
Vale advertir aqui que há diferenciação legal existente entre o sistema de
medidas socioeducativas e o sistema penal, naquele, tratam de métodos e públicos
diferenciados, no entanto, agem ambas sob a premissa moral do encarceramento.
Adentrando a comunidade de mulheres encarceradas, mas não nos limitando
a ela, percebemos que de forma prática, a ressocialização e a reeducação, como afirmou
Baratta (ano pg), “são eufemismos que escondem objetivos e instrumentos de contenção
social claros e explícitos na seletividade penal”.
O sistema carcerário funciona para estigmatizar as pessoas presas e para
precarizar ainda mais a sua sobrevivência. As pessoas que sobrevivem ficam marcadas
pelo rótulo e classificação da delinquência, acionando-se e justificando os mecanismos
de controle e de repressão e, consequentemente, autorizando e legitimando, em uma
perversa lógica, as ações e políticas massacrantes e genocidas, como observa Angela
Davis (2003, p. 02), “relegando cada vez mais pessoas das comunidades racialmente
oprimidas à uma existência isolada, marcada por regimes autoritários, violência,
doenças e tecnologias de reclusão que produzem grande instabilidade mental.”
Para melhor ilustrar esse quadro, decidiu-se trazer a história de uma mulher
negra, sergipana, que teve sua liberdade cerceada aos 22 anos, em Setembro de 2012.
Contudo, sob o julgo do estigma, E.C.R, que terá apenas as iniciais do seu nome
apresentadas, retornou à sociedade como criminosa, moralmente e legalmente marcada
pelo crime cometido: porte de drogas e o montante de R$27 (vinte e sete reais).
A “já julgada e condenada” criminosa pelo Estado de Sergipe, deu entrada
novamente no sistema e teve nova denúncia de tráfico aceita pelo tribunal de Justiça neste
ano de 2017; E ela teve mais uma vez sua liberdade cerceada agora pelo estigma da
reincidência e o que comprovaria e justificaria sua condição passiva à prisão fora a
palavra do policial que a apreendeu.
A defesa alegou a condição de usuária e, nos termos do recebimento da
denúncia “No que diz respeito às alegações da defesa (condição de usuário da acusada e
insuficiência das provas), tratam-se de matéria atinente ao mérito da contenda, que
reclamam dilação probatória, e, por isso, devem ser analisadas quando do julgamento do
feito.”.
E.C.R foi encaminhada para a prisão para aguardar o julgamento. Ou seja.
E.C.R já é o perfil de criminosa a ser recepcionada pelo sistema, por ser quem é, sem
análise concreta dos méritos, determina-se o seu destino pelo seu “perfil”.7
Há quem encare a obsolescência da prisão como uma defesa irremediável às
pessoas que atentam contra a ordem, a moral e os costumes. O que trazemos para o centro
do debate, portanto não é o valor atribuído às prisões, mas para “quê” e à quem serve(m)
o sistema. Davis (2003), ainda em “Are Prisions Obsolets?” faz uma reflexão sobre o
tema: “Por que nós desvalorizamos o valor das prisões? Embora uma proporção
relativamente pequena da população tenha vivenciado diretamente a vida dentro da
prisão, isso não é verdade em comunidades negras e latinas pobres.

INTERSECCIONALIDADES E O SISTEMA PENAL

A partir dos elementos do contexto mencionado pela autora Angela Davis


(2003), não é difícil pensar em como estas características - mulher negra, latina, pobre -
que se intercruzam, podem tacitamente servir para eleger a pessoa que terá direito a defesa
e a pessoa que não terá nenhuma opção na busca transparente por justiça. Trata-se, deste
modo, das interseccionalidades.
Constatamos que é preciso falar sobre os problemas enfrentados por
determinados grupos historicamente marginalizados e estigmatizados como um conjunto
de estereótipos e estigmas que agravam sobremaneira a exclusão, e nesse caso, a
iniquidade do sistema penal.
Sobre o feminismo interseccional8 destacamos que trata-se de uma teoria que
auxilia principalmente na organização das pautas das mulheres negras, levando em
consideração as suas reais necessidades, visto que estão submetidas a opressões que
vão muito além de seu gênero. Sofrem de forma mais violenta com os variados tipos
de discriminações.

7
O andamento do processo pode ser acompanhado no site do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.
8
O surgimento do Feminismo Interseccional tem como algumas de suas principais figuras as intelectuais
negras Kimberlé Crenshaw, Bell Hooks e Audre Lorde.
A interseccionalidade remete a uma teoria transdisciplinar que visa apreender
a complexidade das identidades e das desigualdades sociais por intermédio de
um enfoque integrado. Ela refuta o enclausuramento e a hierarquização dos
grandes eixos da diferenciação social que são as categorias de sexo/gênero,
classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual. O enfoque
interseccional vai além do simples reconhecimento da multiplicidade dos
sistemas de opressão que opera a partir dessas categorias e postula sua
interação na produção e na reprodução das desigualdades sociais (Bilge, 2009,
p. 70).9

Se pensarmos nos mecanismos de subordinação de gênero, nas barreiras


impostas a indivíduos e grupos com identidades de gênero diferentes da norma e todas
as dificuldades que essas pessoas têm para existirem em qualquer espaço de circulação
social, veremos que os obstáculos tanto nos níveis de escolaridade quanto nas
possibilidades de livre participação no mundo do trabalho sofrem inúmeros impactos.
(Werneck, 2010, p.14).
Werneck (2010), cita como exemplo “as travestis de todas as raças,
aprisionadas em um conjunto restrito de ocupações, em grande parte sub-
remuneradas” (p. 04). Frente a isso, a autora ajuda a elucidar sobre esta dimensão da
iniquidade. Conforme a autora esse fenômeno pode ser chamado de “hierarquização de
gênero a partir da raça como racismo patriarcal heteronormativo” (p.14).

Figura 1: Interseccionalidades ou eixos de subordinação


Baseada no modelo proposto por Kimberlé Crenshaw para o conceito de interseccionalidade (Werneck,
2010, p. 16).

9
HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: Interseccionalidade e consubstancialidade das
relações sociais. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 26, n. 1. p. 61-73, jun
2014.
Esse processo de hierarquização reconhece que as mulheres brancas possuem
uma maior probabilidade de mobilidade social, por exemplo, em especial as
heterossexuais, de classe média ou alta, alocando-se superiormente a homens negros
e mulheres negras e, na maior parte dos casos, a lésbicas, gays, travestis e transexuais
dos diversos grupos raciais.
Isto posto, reconhece-se que essa hierarquização atenua a estagnação de ações
reivindicatórias e auxilia a permanência do “status quo”. Em relação a essa estagnação,
percebe-se que mesmo entre aquelas pessoas que deveriam indignar-se e lamentar,
acabam por aceitar as sentenças de prisão  - especialmente os jovens  - como uma
dimensão comum da vida comunitária. Assim, dificilmente é admissível iniciar sérias
discussões públicas sobre a vida na prisão ou alternativas radicais à prisão. É como se a
prisão fosse um fato inevitável da vida - especialmente das pessoas negra e pobres - como
nascimento e morte.
Em geral, as pessoas tendem a desvalorizar o valor das prisões. É difícil
imaginar a vida sem elas. Ao mesmo tempo, há relutância em enfrentar a realidade
escondida dentro delas. Assim, a prisão está presente em nossas vidas e, ao mesmo tempo,
está ausente de nossas vidas. Pensar sobre essa presença e ausência simultânea é começar
a reconhecer o papel desempenhado pela ideologia na formação da maneira como
interagimos com nosso ambiente social. Nós desvalorizamos o valor das prisões, mas
estamos frequentemente receosos em enfrentar a realidade que produzem. Afinal,
ninguém quer ir para a prisão. Porque seria muito agonizante lidar com a possibilidade de
alguém, inclusive nós mesmos, poder se tornar um prisioneiro, tendemos a pensar que a
prisão está desligada de nossas próprias vidas.
Pensamos, portanto, na prisão como um destino reservado aos “malfeitores”,
por causa do poder persistente do racismo, “criminosos” e “malfeitores” são, no
imaginário coletivo, fantasiados como pessoas não-brancas. Em virtude dessa percepção,
que reforça estereótipos raciais e enfatizam o perfil da pessoa criminosa, é que esse
trabalho propõe pensar nessas diferentes experiencias de opressão e principalmente no
debate sobre as discriminações interseccionais.
No artigo “Nossos Feminismos Revisitados”, escrito por Luiza Bairros, na
Revista Estudos feministas, nº2\95 - vol.3, ano de 1995, a autora afirma:

A experiência da opressão é dada pela posição que ocupamos numa matriz de


dominação onde raça, gênero e classe social interceptam-se em diferentes
pontos. Assim, uma mulher negra trabalhadora não é triplamente oprimida ou
mais oprimida do que uma mulher branca na mesma classe social, mas
experimenta a opressão a partir de um lugar, que proporciona um ponto de
vista diferente sobre o que é ser mulher numa sociedade desigual, racista e
sexista. (Bairros, 1995, p. 461)

Dessa forma, raça, classe social, idade, orientação sexual, nível de


escolaridade, e nesse caso, a condição de privação da liberdade, entre outras
características, configuram-se em categorias que só podem ser entendidas na sua
multidimensionalidade e perplexidade. Ou seja, a prisão produz um sistema de opressão
ideológico e prático no qual desestabiliza e dificulta excessivamente as comunidades
negras de qualquer transformação social e racial, especialmente as mulheres negras,
jovens e pobres. Posto isso, é notável que a prisão ideologicamente é como um local
abstrato em que os indesejáveis são depositados, aliviando-nos da responsabilidade de
pensar sobre as verdadeiras questões que afligem essas comunidades de que os indivíduos
presos são retirados em números tão desproporcionais. Ao mesmo tempo, a prisão livra a
sociedade da responsabilidade de engajamento sério sobre estes problemas,
especialmente os produzidos pelo racismo e, cada vez mais, pelo capitalismo global.

CONCLUSÃO

É possível compreender que o conceito de juventude engloba as menores e


maiores, imputáveis ou não, entre 15 e 29 anos e estas, em seu caráter criminoso, são
acolhidas e marcadas pelo Estado sob a presunção da redução do índice de criminalidade
e garantia de segurança pública, como se fosse o crime intrínseco à sua condição e apenas
isso precisa ser sanado enquanto problema do indivíduo e não todo o contexto. Dessa
forma faz-se necessário elencar as especificidades da mulher encarcerada,
compreendendo os problemas interseccionais como elementos subordinados as condições
que irão subjuga-la. Ademais, compreende-se esse trabalho como um caminho para o
surgimento de outras investigações que analisem sistematicamente o crescimento da
população carcerária feminina sergipana.
REFERÊNCIAS
BARATTA, Alessandro, “Introdução”, in BATISTA, Vera Malagutti, Difíceis ganhos
fáceis – drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 21
CRENSHAW, K. W. “A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero”. In:
VV.AA. Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem, Painel 1 - pp. 7-16, 2004.
hooks, b. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Black women: shaping feminist
theory. Revista Brasileira de Ciência Política, nº 16. Brasília, janeiro- abril de 2015. Pp.
193-210, 2015.
SPIVAK, G. “Pode o subalterno falar?”. Belo Horizonte: Editora UFMG, 133p., [1985].
Tradução do original em inglês: Sandra Regina Goulart Almeida, Marcos Pereira Feitosa
e André Pereira Feitosa, 2010.
Constituição da República Federativa do Brasil 1988, artigo 5º e Cap III, artigo 144 .
GASPAR, Alberto. Física: Mecânica. Volume I, São Paulo: Ática, 2000.
DAVIS, Angela Y. “Are Prisons Obsolete?”. 2003. Tradução Livre.

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