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RESUMO
O intuito deste trabalho é impulsionador o debate sobre inércia do Estado como fenômeno
social que garante a exclusão e o genocídio da população negra e jovem em Sergipe, em
especial a exclusão e o encarceramento de mulheres negras. Procurar-se-á fazer uma
breve análise do perfil das jovens mulheres em situação de prisão no Estado de Sergipe,
atentando para o recorte de raça, expondo assim uma reflexão sobre a obsolescência das
prisões. Também será abordada a importância do pensamento interseccional, tendo em
vista os problemas que se intercruzam na vida dessas mulheres, que enfrentam
discriminações de gênero, raça, classe, tornando-as sujeitos mais vulneráveis e invisíveis
a luz da justiça.
INTRODUÇÃO
1
Graduanda do curso de Direito - Bacharelado, Universidade Tiradentes/SE, mukuna.direito@gmail.com.
2
Graduanda do curso de Direito - Bacharelado, Universidade Tiradentes/SE, vitoriatoscano38@gmail.com.
3
Doutoranda do Programa Doutoral em Estudos Culturais pelas Universidades do Minho e Aveiro -
Portugal e Bolsista CAPES - Doutorado Pleno no Exterior, geaninevescobar2@gmail.com.
chicanas eram estúpidas e sujas” (p. 229-230)4. Essa “irritação” que a autora produz
com o seu conhecimento, também pode ser entendida como a não aceitação da
branquitude eurocêntrica ao ter que presenciar uma intelectual mexicana, assim como
uma intelectual uma negra, uma intelectual indígena, se apropriando de linguagens
que num passado próximo, serviu apenas para benefício do colono e hoje pode servir
para descolonizar o pensamento de tantas vozes que foram por séculos silenciadas.
Doravante, compreende-se esse artigo como um contínuo processo de
descolonização do pensamento, na medida em que “o outro” que não tinha direito a
voz passa a ser sujeito do seu próprio discurso identitário. Ao se colocar os problemas
e refletir sobre eles, decidiu-se escrever sobre as dificuldades enfrentadas pelas
mulheres negras em situação de prisão em Sergipe.
Ressalta-se que, de acordo com a Assembleia Geral da ONU, o período
entre 2015 e 2024 foi proclamado como a Década Internacional de Afrodescendentes
(resolução 68/237). Esse acordo pretende reforçar a cooperação nacional, regional e
internacional em relação ao pleno aproveitamento dos direitos econômicos, sociais,
culturais, civis e políticos de pessoas de afrodescendentes, bem como sua participação
plena e igualitária em todos os aspectos da sociedade5. Os Estados também devem
integrar uma perspectiva de gênero na concepção e no monitoramento de políticas
públicas, levando em consideração as necessidades específicas e as realidades de
mulheres e meninas afrodescendentes, incluindo na área da saúde sexual e reprodutiva e
os direitos reprodutivos.
Portanto, esse artigo colabora sobremaneira com a Resolução 68/237, pois
auxilia na busca por políticos públicos e direitos para as comunidades negras e
afrodescendentes, especialmente na busca dos direitos das mulheres negras em
situação de prisão.
4
“Não há universalidade da linguagem, mas sim um concurso de dialetos, de patoás, de gírias, de línguas
especiais. (...) A língua é, segundo uma fórmula de Weinreich, ‘uma realidade essencialmente heterogênea’.
Portanto, é impossível pensar em ‘uma língua-mãe’, mas somente em uma ‘tomada de poder por uma língua
dominante dentro de uma multiplicidade política’ (DELEUZE e GUATARRI, 2004: 16).
5
Programa de Atividades para a Implementação da Década Internacional de Afrodescendentes. Disponível:
http://decada-afro-onu.org/plan-action.shtml. Acedido em 20/07/2016.
METODOLOGIA
A INÉRCIA DO ESTADO
6
“A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas
anteriores, em documentos impressos como livros [...] os textos tornam-se fontes dos temas a serem
pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos
constantes do textos.” SEVERINO (2007, p. 122).
Assim, identificar as costuras dessa enorme rede cíclica é fundamental para
avançarmos tanto na análise crítica como na atuação para o combate das opressões e
efetivação da dignidade humana. Neste contexto, faz-se necessário nos perguntarmos:
qual o grande objetivo e a finalidade do sistema penal? ZAFARONI (1991, pág 27),
aponta: "O sistema penal é um aparato derivado do direito de soberania do Estado
voltado para consumação da paz social através do uso de medidas repressivas na forma
de ameaça ou de sanção à prática de um crime."
Configura-se então que o objetivo do sistema penal é a garantia da ordem
social, enquanto bandeira política e a garantia da segurança pública enquanto preceito
constitucional, mas mascarando a atuação seletiva do aprisionamento enquanto
sanção/punição para quem comete crimes e justificando as atrocidades cometidas pelos
órgãos garantidores vendendo a ideia de segurança. Com efeito, o encarceramento, em
regra, é justificado como fator para a diminuição dos índices de violência. Porém faz-se
necessário combater o que o sistema penal elegeu como criminalidade e aumento da
sensação de insegurança. Nesse sentido, é necessário refletir que o sistema penal, não
cumpriu tais metas e entendemos desta forma por perceber que ao passo que as pessoas
aprisionadas saem das unidades com o ranço do crime atrelados a sua existência, elas
seguem tanto para o estado, quanto para a sociedade enquanto criminosas.
7
O andamento do processo pode ser acompanhado no site do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.
8
O surgimento do Feminismo Interseccional tem como algumas de suas principais figuras as intelectuais
negras Kimberlé Crenshaw, Bell Hooks e Audre Lorde.
A interseccionalidade remete a uma teoria transdisciplinar que visa apreender
a complexidade das identidades e das desigualdades sociais por intermédio de
um enfoque integrado. Ela refuta o enclausuramento e a hierarquização dos
grandes eixos da diferenciação social que são as categorias de sexo/gênero,
classe, raça, etnicidade, idade, deficiência e orientação sexual. O enfoque
interseccional vai além do simples reconhecimento da multiplicidade dos
sistemas de opressão que opera a partir dessas categorias e postula sua
interação na produção e na reprodução das desigualdades sociais (Bilge, 2009,
p. 70).9
9
HIRATA, Helena. Gênero, classe e raça: Interseccionalidade e consubstancialidade das
relações sociais. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 26, n. 1. p. 61-73, jun
2014.
Esse processo de hierarquização reconhece que as mulheres brancas possuem
uma maior probabilidade de mobilidade social, por exemplo, em especial as
heterossexuais, de classe média ou alta, alocando-se superiormente a homens negros
e mulheres negras e, na maior parte dos casos, a lésbicas, gays, travestis e transexuais
dos diversos grupos raciais.
Isto posto, reconhece-se que essa hierarquização atenua a estagnação de ações
reivindicatórias e auxilia a permanência do “status quo”. Em relação a essa estagnação,
percebe-se que mesmo entre aquelas pessoas que deveriam indignar-se e lamentar,
acabam por aceitar as sentenças de prisão - especialmente os jovens - como uma
dimensão comum da vida comunitária. Assim, dificilmente é admissível iniciar sérias
discussões públicas sobre a vida na prisão ou alternativas radicais à prisão. É como se a
prisão fosse um fato inevitável da vida - especialmente das pessoas negra e pobres - como
nascimento e morte.
Em geral, as pessoas tendem a desvalorizar o valor das prisões. É difícil
imaginar a vida sem elas. Ao mesmo tempo, há relutância em enfrentar a realidade
escondida dentro delas. Assim, a prisão está presente em nossas vidas e, ao mesmo tempo,
está ausente de nossas vidas. Pensar sobre essa presença e ausência simultânea é começar
a reconhecer o papel desempenhado pela ideologia na formação da maneira como
interagimos com nosso ambiente social. Nós desvalorizamos o valor das prisões, mas
estamos frequentemente receosos em enfrentar a realidade que produzem. Afinal,
ninguém quer ir para a prisão. Porque seria muito agonizante lidar com a possibilidade de
alguém, inclusive nós mesmos, poder se tornar um prisioneiro, tendemos a pensar que a
prisão está desligada de nossas próprias vidas.
Pensamos, portanto, na prisão como um destino reservado aos “malfeitores”,
por causa do poder persistente do racismo, “criminosos” e “malfeitores” são, no
imaginário coletivo, fantasiados como pessoas não-brancas. Em virtude dessa percepção,
que reforça estereótipos raciais e enfatizam o perfil da pessoa criminosa, é que esse
trabalho propõe pensar nessas diferentes experiencias de opressão e principalmente no
debate sobre as discriminações interseccionais.
No artigo “Nossos Feminismos Revisitados”, escrito por Luiza Bairros, na
Revista Estudos feministas, nº2\95 - vol.3, ano de 1995, a autora afirma:
CONCLUSÃO