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Do vício de iniciativa no processo legislativo federal: a

inconstitucionalidade de sanção presidencial


posterior

Ciro Costa Duarte – Turma A

Resumo: o presente trabalho versa sobre a possibilidade do poder legislativo se apropriar da


elaboração de leis que são de iniciativa privativa do Presidente da República segundo o artigo 61, §1º da
Constituição Federal. Além disso, visa este artigo analisar a constitucionalidade de uma lei ser sancionada pelo
Presidente após ter sido iniciada através de um vício formal.

1 – Introdução

Pode-se falar em vício de iniciativa nos casos em que a Constituição reserva aquela à
determinada autoridade ou Poder. Neste artigo discorrer-se-á sobre o vício de iniciativa no
âmbito federal, ou seja, em que o Presidente da República tenha exclusividade, mas o Poder
Legislativo assume esta obrigação.

A Constituição da República traz em seu artigo 61, §1º as hipóteses de leis de


iniciativa privativa do Presidente, assim elencadas:

“§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua
remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da


administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e
aposentadoria;
d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a
organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade,
remuneração, reforma e transferência para a reserva.”

Desta feita, as leis acima elencadas dependem exclusivamente da iniciativa


presidencial para sua elaboração, sendo inconstitucional a iniciativa pelo Poder Legislativo.

2 – Sanção e o vício de iniciativa

O problema do vício de iniciativa se cria após um Congressista apresentar um projeto


de lei de assunto reservado ao Presidente da República, deflagrando o processo legislativo.

Com essa ação, o Congressista já feriu formalmente o processo legislativo, mas


muitas vezes este processo continua para a votação dos outros parlamentares e chega ao
Executivo, para que o Presidente vete ou sancione o devido projeto de lei. Então, a sanção
presidencial supre o vício de iniciativa?

A jurisprudência é diversa nesse assunto; existe, portanto, o entendimento de que a


sanção supre o vício de iniciativa e, também, de que a sanção não supre este vício formal.

As duas argumentações serão, por conseguinte, analisadas e discutidas neste artigo.

3 – Jurisprudência do STF

O primeiro entendimento do STF sobre o assunto data de 1946, quando proferiu-se a


Súmula nº 5 que concluía que “a sanção supre o vício de iniciativa”. O STF acreditava que o
um ato não devia ser considerado isolado, mas sim, à luz da cadeia procedimental. Assim,
como o presidente tem dois momentos para expressar sua vontade (iniciativa e sanção), o
momento da sanção convalidaria à falta de expressão no momento da iniciativa.
Existe, também, doutrina a favor da súmula da Suprema Corte, como por exemplo o
ex-ministro Luiz Galloti que considerou, em 1963, que a ausência do veto é uma forma de
aceitação tácita do projeto de lei e, por isso, supre a iniciativa viciada. Consonante com
Galloti, José Afonso da Silva considera que por haver a possibilidade de veto, o Presidente
tem a oportunidade de rejeitar o ato legislativo. Considerando isso, se o Presidente é contra
o projeto de lei iniciado com vício formal, pode ele vetar tal projeto.

Mais tarde, em 1974, o STF elaborou a Representação nº 890/74, mudando o


entendimento da Corte, passando a considerar que a sanção presidencial não supre o vício
de iniciativa. A argumentação do STF se baseia na inconstitucionalidade formal do processo
legislativo deflagrado pelo Poder Legislativo em matéria exclusiva do Presidente, em que a
sanção presidencial serviria como validação de um ato nulo.

A doutrina majoritária concorda com a argumentação do STF e enfoca também no


princípio da separação dos poderes, já que a possibilidade de haver iniciativa pelo Presidente
(no caso, exclusiva) faz parte do sistema de “freios e contrapesos” adotado na Carta Magna.
A usurpação da iniciativa por parte do Poder Legislativo infringe não só formalmente a
Constituição, como materialmente.

4 – Entendimento atual e análise dos efeitos

Apesar de ter sido a argumentação contrária ao primeiro entendimento do STF sobre


sanção e vício de iniciativa, a inconstitucionalidade formal sempre foi vista como uma ofensa
a Constituição. Mesmo não tendo força jurídica para definir desde a primeira discussão que
a sanção presidencial não supriria o vício de iniciativa, este caráter formal ganhou mais
apoiadores com a evolução da Constituição Pátria, que exigiu maior controle de
constitucionalidade e necessita de processos mais específicos e exigentes para sua mudança.

Com a evolução da Carta Magna, o caráter formal das produções legislativas


brasileiras ganharam maior importância como forma de acompanhar esta evolução. Uma lei
lato sensu com inconstitucionalidade formal não pode ser aceita mesmo que beneficie a
população, já que serviria como brecha para outras proposições se beneficiarem da falta de
controle.

O entendimento atual da jurisprudência e da doutrina majoritária segue o


entendimento último do STF, que diz que a sanção presidencial não supre o vício de
iniciativa.

Contrariando os autores Luiz Galloti e José Afonso da Silva, a decisão do STF foi
acertada. Estes autores acreditavam que a possibilidade de veto por parte do Presidente,
tornaria o vício de iniciativa apenas um detalhe que poderia ser sobreposto. Afonso da Silva
e Galloti, porém, não se ativeram ao caráter formal enseado pela Constituição.

Outra falha dos autores em suas análises e, talvez, mais importante, foi a questão
política. Afirmando que o Presidente tem poder de veto, eles se limitaram ao caráter
constitucional da possibilidade e não decorreram sobre a possibilidade de haver pressão
popular para a adoção da medida prevista no projeto de lei inconstitucional. Vamos ao
exemplo: o processo legislativo é deflagrado com vício de iniciativa e é aprovado, conforme
os ditames constitucionais, no Congresso e apoiado por metade da população. Então o
presidente tem o dever de sancionar ou vetar o projeto. Mesmo que o presidente seja
contra a medida, ele sofrerá enorme pressão popular para aceitar o projeto e o fará para
manter sua aceitação naquela parte da população.

Destarte, um projeto de lei que não poderia ter sido proposto pelo Poder Legislativo
terá enorme papel no governo do Presidente, influenciando suas decisões e os efeitos na
sociedade.

A afirmação dos dois autores citados tem falha em outro aspecto: o poder de veto do
presidente não é absoluto. Tenhamos como exemplo o caso citado alhures com a diferença
que o Presidente da República veta o projeto de lei. A partir disto, os parlamentares
apreciam o veto e conseguem quórum capaz de o sobrepor. Destarte o projeto de lei será
promulgado sem a concordância do Presidente, que perderá apoio popular e parlamentar.
5 – Conclusão

Em consonância com o estudo apresentado podemos chegar a conclusão que a sanção


presidencial não é capaz de corrigir o vício de iniciativa.

Apesar de se menosprezar a importância da formalidade no primeiro entendimento


majoritário da doutrina e também do STF, este quesito alcançou maior força com a
atualização da Constituição e com a percepção de seu valor para manutenção da
organização estatal.

Já no segundo entendimento do STF e da doutrina, que perdura até os atuais dias,


percebe-se, além da importância formal, a necessidade da separação dos poderes. Destarte,
com a concessão de poder atípico ao Executivo, deve o Poder Legislativo respeitá-lo.

Finalmente, considera-se além da argumentação jurídica, a política. A existência do


veto, em contraste com o defendido por alguns autores, não tornaria a iniciativa exclusiva
dispensável, por motivos políticos. A pressão popular e a necessidade de maioria no
Congresso fariam com que o Presidente da República acatasse decisões contrárias ao seu
planejamento de governo.

6 – Referências

WADY, Ariane Fucci. A sanção do chefe do Executivo tem o condão de suprir vício de
iniciativa a projeto de lei? Disponível em: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/253219/a-
sancao-do-chefe-do-executivo-tem-o-condao-de-suprir-vicio-de-iniciativa-a-projeto-de-lei-
ariane-fucci-wady. Acesso em dezembro de 2015.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional, 3ª Edição. 2011

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Acesso em dezembro de 2015


BARREIRO, Josiane Loyola. Vício de Iniciativa no Processo Legislativo Municipal. Site
direitopúblico.com.br, 2012.

FAGUNDES DA SILVA, Jafte Carneiro. O Controle de constitucionalidade e o vício de iniciativa


de projeto de lei. Site escritorioonline.com.br, 2003.

CERA, Denise Cristina Mantovani. O veto presidencial é absoluto? Disponível em:


http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2009685/o-veto-presidencial-e-absoluto-denise-cristina-
mantovani-cera. Acesso em dezembro de 2015.

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