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INTERPRETATIVAS E INTERNACIONALIZAÇÃO
29 DE JUNHO A 2 DE JULHO DE 2015
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
Considerações Iniciais
Conforme salienta Louro (1999), ao fazer referência ao que é ensinado e aprendido nas
diversas instâncias culturais que participam da produção de identidades sexuais e de gênero,
múltiplas instâncias educativas desempenham uma pedagogia, isto é, perpetram investimentos
que, frequentemente, aparecem de forma articulada, autorizando determinados modos de ser e
coibindo outras identidades e práticas sociais. Deve-se atentar, contudo, para a existência das
micropolíticas da vida diária, nas quais é possível entrever pequenas insurreições nas brechas
e interstícios (CERTEAU, 1994; FOUCAULT, 2012a). Sob esse ponto de vista, abandona-se
a idéia de que os destinatários dos anúncios são receptores passivos cuja reflexão foi
permanentemente atrofiada pela sucessão de mensagens similares. Logo, descarta-se a
suposição de que a recepção em si mesma seja um processo sem problemas, acrítico, e que os
produtos são absorvidos pelos indivíduos sem resistências. Além do mais, sempre é bom
lembrar que qualquer processo pedagógico trabalha em cima dos materiais que cada um
dispõe, de acordo com as particularidades e potencialidades dos sujeitos (SANT’ANNA,
2004). Isto é, entende-se a produção dos sujeitos como um processo plural e, também,
permanente.
Optar pelos reclames como fontes de pesquisa ainda pode provocar dúvidas
metodológicas, no tocante ao exame das ilustrações que, por vezes, acompanham os anúncios;
à compreensão do texto escrito; e à relação entre imagem e texto. Conforme salienta
Sant’Anna (1997, p. 89), “há, ainda, o desafio de estudar os clichês e as palavras de ordem
repetitivas, tão freqüentes em propaganda, que podem dar a errônea impressão de que sua
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produção se situaria fora da história”. Em primeiro lugar, é fundamental o pesquisador
compreender a imagem como um texto visual, como um artifício gerador de múltiplos
significados, esforçando-se em compreendê-lo em todas as suas possibilidades. Neste sentido,
a imagem não pode ser trabalhada, como frequentemente acontece, como mera ilustração do
texto escrito ou como uma informação secundária. Pelo contrário, deve ser entendida como
uma “ferramenta analítica que pode expressar os valores materiais e culturais de uma
sociedade determinada” (SANT’ANNA, 1997, p. 99) e, ainda, “como experiências históricas
tributárias não apenas de determinadas formas de percepção e de recepção culturais, mas,
também, de condições técnicas específicas a cada época e a cada cultura” (SANT’ANNA,
1997, p. 90).
Da mesma forma, a disposição de textos e imagens nas páginas dos periódicos não
devem ser obliterados, pois, de acordo com Collaro (1987)
1
Sobre as aproximações e distanciamentos entre “moderno”, “modernidade” e “modernização”, consultar GIL;
ZICA; FARIA-FILHO, 2012.
2
“A palavra publicidade sempre designou o ato de divulgar ou de tornar público. Teve origem no latim publicus
(que significava público), dando origem ao termo publicité, em língua francesa. Antigamente, o termo publicité
referia-se à publicação ou leitura de leis, éditos, ordenações e julgamento” (BASTOS, 2010, p. 26).
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destinados apenas a informar a disponibilidade de bens e serviços. Neste contexto ainda
rudimentar, não existia uma concepção pré-determinada para a elaboração dos reclames, uma
vez que cada anunciante preenchia o espaço do jornal da forma como melhor lhe conviesse,
utilizando recursos que considerasse apropriado para melhor concretizar o propósito
comunicativo (BASTOS 2010). Nas palavras de Freyre (2010), tratava-se de uma “linguagem
à vontade”, já que ainda não haviam profissionais qualificados que formatassem a
comunicação publicitária, possibilitando a quem se dedicasse a esta atividade dar sempre o
seu “toque pessoal” 3 . Contudo, estes reclames não deixam de ser uma preciosa fonte de
informação. Como já mencionado anteriormente, os anúncios de escravos fugidos serviram
como uma ferramenta de pesquisa fundamental para analisar a sociedade brasileira (FREYRE,
2010), pois, uma vez que o principal objetivo desses anúncios era tornar o escravo foragido
em um alvo facilmente reconhecível, havia riqueza de detalhes nas descrições dos sujeitos,
com suas marcas e sinais que revelavam uma população constantemente atacada por
problemas de saúde e, nomeadamente, expunham-se as marcas dos castigos.
Além dos escravos (foragidos ou não), à época, anunciavam-se - em jornais, nas
gazetas, nos almanaques, nos folhetos que circulavam com ou sem imagens, que ocupavam
páginas inteiras ou apenas uma linha: venda e aluguel de imóveis, divulgação de hotéis e
lojas, de produtos importados, de profissionais liberais (médicos, advogados, costureiras,
parteiras etc.) de medicamentos (os mais “milagrosos” possíveis), de aulas particulares e
instituições de ensino, entre uma miríade de outros produtos e serviços. A lista é extensa, mas
são sobre estes últimos anúncios que, a seguir, este artigo deter-se-á, pois consistem em
importantes indícios sobre a construção e consolidação do magistério no Brasil, maiormente,
das instituições particulares, bem como do processo complexo de escolarização. Limeira e
Nascimento (2013) demonstram como os anúncios, no século XIX, apresentam, em sua
maioria, a estrutura da escola, arquitetura das instalações, espaços internos, destacando as
questões de higiene, valores cobrados pelo serviço oferecido, a faixa etária mínima para
ingressar na instituição, as disciplinas ofertadas e, em certos casos, até o conteúdo
programático das mesmas. Além disso, é comum encontrar listas com os nomes dos
professores e/ou dos administradores da instituição. Dessa forma, os anúncios podem se
3
“A primeira firma que merece a classificação de agência de propaganda, a Castaldi & Benaton, instalou-se em
São Paulo, entre 1913 e 1914. Na verdade, somente após 1928 é que a publicidade moderna começa a se
desenvolver de modo evidente nas grandes cidades brasileiras, impulsionada, sobretudo, pela chegada da técnica
norte-americana no país, através da empresa General Motors” (SANT’ANNA, 1997, p. 93).
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tornar instrumentos importantes para compreender as especificidades de instituições
escolares. Consoante,
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Seguramente, as propagandas não são as únicas fontes possíveis para investigar dados acerca da malha privada
de escolarização. Há muitos vestígios espalhados nos papéis impressos e manuscritos da época, como estatutos
dos colégios, ofícios diversos com solicitações de licença para funcionamento, autorização para publicação e
avaliação de obras produzidas por professores, mapas com informações sobre alunos, relatórios de viagens,
abaixo-assinados, leis, reclamações, queixas, denúncias, etc. Todas essas fontes abrem profícuas possibilidades
de investigação (LIMEIRA; NASCIMENTO, 2013).
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serviço ou produto. Os anúncios possibilitam, no entanto, apreender o modo, a maneira pela
qual o objeto pretende ser notado. Mais do que isso: permitem identificar “de que forma as
instituições queriam ser percebidas, qual o sentido de escolarização que empregavam, quais as
defesas e as batalhas que elegiam como necessários e importantes” (LIMEIRA;
NASCIMENTO, 2013, p. 66). Ao que parece, as questões referentes à arquitetura, salubridade
e higiene emergem com vigor no interior dos registros publicitários como efeito da
“apropriação do objeto educacional pela ordem médica que intervém socialmente,
prescrevendo medidas educativas com a pretensão de conformar socialmente o projeto de
educar, instruir e civilizar” (LIMEIRA; NASCIMENTO, 2013, p. 70).
Outro ponto importante que pode ser observado no contato com os anúncios
publicitários é que o ensino, no século XIX (mas também em boa parte do século XX), estava
intensamente assinalado pelas questões de gênero. No tocante as disciplinas destinadas às
meninas, os componentes curriculares supunham restrições a conhecimentos mais amplos,
condicionando-as à oferta de prendas consideradas adequadas à educação feminina. Já no caso
da instrução para o sexo masculino, é possível identificar um alargamento na oferta de
disciplinas e cursos, ampliando o acesso destes a mais conhecimentos, possibilitando um
leque variado de opções para profissionalização e, conseqüentemente, melhores
remunerações.
O predomínio de uma concepção de educação desigual para meninos e meninas
reforçava os pressupostos amplamente difundidos durante à época, no qual constituíam-se
características do “bello sexo” a fragilidade, o recato, a ênfase das faculdades afetivas sobre
as intelectuais e a subordinação da sexualidade à vocação maternal. A educação às meninas
visava, sobretudo, a etiqueta dos salões, a maestria em um instrumento musical, a sofisticação
de uma língua estrangeira, o consumo de literatura “suave” e o domínio sobre a economia
doméstica. Em oposição, esperava-se que os meninos associassem uma natureza vigorosa à
força física, empreendedora e, acima de tudo, racional. Ao discorrer sobre essa questão,
Soihet (2006, p. 374) afirma que a inferioridade da razão das mulheres “era um fato
incontestável, bastando-lhes cultivá-la na medida necessária ao cumprimento de seus deveres
naturais: obedecer ao marido, ser-lhe fiel, cuidar dos filhos”. Dessa forma, faz-se pertinente a
reflexão de Louro (2001), para a qual a ignorância não é “neutra” ou um “estado original” do
qual todos os indivíduos partem. Pelo contrário, é uma conseqüência ou efeito – e não uma
ausência – de conhecimento. É mister “admitir que a ignorância pode ser compreendida como
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sendo um tipo particular de conhecimento ou produzida por um modo de conhecer” (LOURO,
2001, p. 551).
Ao analisar os anúncios da educação particular na cidade de Pelotas, na virada do
século XIX para o XX, a pesquisadora Neves (2012) identificou um destaque recorrente ao
professor com a intenção de produzir e legitimar atestados de qualidade ao estabelecimento:
Considerações finais
Tomar os anúncios publicitários como uma produção histórica abre a possibilidade de
acesso às transformações culturais, educacionais, sociais, bem como os possíveis indícios de
descontinuidades e permanências de hábitos, comportamentos e atitudes. Parte-se da premissa
de que eles são portadores de um saber sobre o passado, capaz de, ao mesmo tempo, compor
um painel sobre o “estado de coisas” legitimadas, num determinado período histórico, e abrir
espaço para falas emergentes. Portanto, além de buscar persuadir ao consumo de produtos, os
anúncios publicitários apresentam um conteúdo pedagógico no que diz respeito a padrões de
identidade e comportamento.
Da mesma forma, os anúncios podem auxiliar a historiografia da educação a
aprofundar a percepção que hoje se tem acerca da presença e dos efeitos da instituição escolar
no Brasil, apontando várias formas de organização escolar ou educacional, formais ou
informais, em seus reclames no decorrer do tempo.
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Com efeito, percebe-se que o uso da propaganda como fonte de estudos demanda a
concepção de outras histórias que agregam e a extrapolam: as histórias da publicidade, das
imagens, da imprensa no Brasil. Logo, ao reconhecer que as fontes não falam por si, mas são
indícios que respondem – como podem e por um número limitado de fatos – às perguntas que
lhe são feitas, ressalto que essas reflexões poderiam ser outras e que as tramas tecidas
poderiam ter sido diferentes dessas que, ora, apresento.
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