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Literatura e Ensino UNIDADE 01 AULA 02

INSTITUTO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
PARAÍBA

De Língua Portuguesa e Literatura


Brasileira a Linguagens, Códigos
e suas Tecnologias: o que mudou
no ensino de literatura?

1 Objetivos de aprendizagem

„„ Analisar os PCNEM, PCN+, Orientações Curriculares para


o Ensino Médio e Referenciais Curriculares da Paraíba;
„„ Refletir sobre o ensino de Literatura no Ensino Médio.
De língua portuguesa e literatura brasileira a linguagens, códigos e suas tecnologias: o que
mudou no ensino de literatura?

Caro estudante,

O ensino de Literatura, atualmente, ainda não tem um lugar definido na área


de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (mesmo quando esta se chamava
Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, a Literatura não possuía o seu espaço
bem delineado), de modo que a maioria dos documentos, que deveriam orientar
os docentes e definir o papel da Literatura no Ensino Fundamental e Médio,
não cumprem tais objetivos ou os realizam de forma confusa e vaga. Por isso,
muitos professores se sentem inseguros e até incapazes de ministrar a disciplina,
relegando-a a um plano secundário e/ou a vinculando apenas ao vestibular.

Diante desse cenário, na condição de (futuros) professores da área, precisamos


refletir sobre esses documentos e sobre a situação do ensino de Literatura no
Ensino Médio e Fundamental, para tentarmos encontrar ou, ao menos, imaginar
o espaço da Literatura nas nossas salas de aulas.

2 Começando a história

2.1 A Literatura
Ler e analisar documentos podem ser tarefas chatas, mas, nesse caso, são muito
importantes, por isso se torna um desafio... Quem aceita esse desafio?

Figura 1
Na apresentação dos Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino Médio (2000), na Parte II,
intitulada Linguagens, Códigos e suas Tecnologias,
há a seguinte afirmação: “o documento é de natureza
indicativa e interpretativa, propondo a interatividade,
o diálogo, a construção de significados na, pela e com
a linguagem”, o que já se configura como um convite que será aceito na aula
de hoje, pois tentaremos interpretar, interagir e dialogar com este e outros
documentos, de maneira a construir um sentido para eles no que se refere à
área supracitada, mais especificamente, aos estudos literários. Já começamos a
refletir sobre este e outros documentos na Aula 1 desta disciplina, agora, vamos
analisá-los um pouco mais profundamente.

Afinal, os (futuros) professores não podem ignorar tais orientações e devem se


posicionar de forma crítica frente a elas, após conhecê-las minimamente.

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Então, vamos trilhar esse caminho que pode até ter espinhos, mas também
setas que nos ajudarão a tentar encontrar o lugar (se não o de direito, mas, ao
menos, o lugar de fato) da Literatura dentro das nossas escolas e salas de aula?

Para começar, que tal lermos um trecho do PCNEM sobre o ensino de Literatura?
A história da literatura costuma ser o foco da compreensão do
texto: uma história literária que nem sempre corresponde ao
texto que lhe serve de exemplo. O conceito de texto literário
é discutível. Machado de Assis é literatura, Paulo Coelho
não. Por quê? As explicações não fazem sentido ao aluno.

Outra situação de sala de aula pode ser mencionada.


Solicitamos que os alunos separassem de um bloco de
textos, que iam desde poemas de Pessoa e Drummond
até contas de telefone e cartas de banco, textos literários e
não-literários, de acordo como definidos. Questionados, os
alunos responderam: “todos são não literários, porque servem
apenas para fazer exercício na escola”. “E Drummond?”
Responderam: “É literato, porque vocês afirmam que é. Eu
não concordo. Acho que ele é um chato. Por que Zé Ramalho
não é literatura? Ambos são poetas, não é verdade?”

Quando deixamos o aluno falar, a surpresa é grande, as


respostas quase sempre surpreendentes. Assim, pode ser
caracterizado, em geral, o ensino de Língua Portuguesa no
Ensino Médio: aula de expressão em que os alunos não
podem se expressar. (PCNEM, 2000, p. 137-138).

Figuras 2 - 4

Essa citação propõe várias questões e afirmações a respeito do ensino de Língua


Portuguesa e de Literatura, sobre as quais precisamos começar a refletir...
Então, agora, para que iniciemos a nossa reflexão, tente responder às seguintes
perguntas: você concorda com a afirmação de que o “conceito de texto literário
é discutível”? Os textos de Drummond podem ser considerados não literários?
Drummond só é um literato porque professores e intelectuais o dizem? Zé
Ramalho é ou não é Literatura? Machado de Assis é literatura e Paulo Coelho
não é? Você corrobora o posicionamento deste documento? Não se esqueça de
tentar justificar as suas respostas, para, depois, confrontá-las com as reflexões
que faremos ao longo desta aula.
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De língua portuguesa e literatura brasileira a linguagens, códigos e suas tecnologias: o que
mudou no ensino de literatura?

3 Tecendo conhecimento

Enid Yatsuda Frederico e Haquira Osakabe (2010) atribuem “à grande crise do


chamado ensino secundário, ocorrida a partir de meados da década de 60, a
situação confusa na qual se encontra a área a que pertencem os estudos literários,
em particular, no Ensino Médio” (FREDERICO; OSAKABE, 2010, p. 60). Os autores
afirmam que existem recomendações gerais de como se trabalhar, sobretudo,
com gramática e redação, mas o professor ainda entra em sala de aula com
dúvidas a repeito de que conteúdos ministrar e de como ministrá-los.

Nessa visão, o processo de “democratização” do ensino, ocorrido na década de


1960, que ampliou as vagas, eliminou os exames de admissão, entre outras ações,
é o responsável pela nova e difícil realidade no sistema educacional. Tal
democratização foi imposta por decreto, não considerou a disponibilidade de
material para abrigar, de forma conveniente, o novo público; não apresentou
uma previsão financeira para manter o sistema de remuneração dos professores;
não dispôs de mão de obra adequada nem de estratégias pedagógicas e
formulações conteudísticas que proporcionassem formação equivalente ao novo
público como o ensino oferecido anteriormente.

Figura 5 Assim, houve um aviltamento do ensino em


decorrência de salários baixos, formação
insuficiente dos professores, condições
materiais precárias e, consequentemente,
despreparo escolar por parte dos alunos.
Esse processo resultou no “rebaixamento
de nível e de exigências de ensino, rebaixamento justificado por uma suspeita
preocupação em adequar o ensino às condições do aluno”, advindo de uma
visão demagógica do processo educacional, em um regime político populista,
a qual também seduziu boa parte dos responsáveis pela nossa educação. Por
isso, ainda hoje prevalece a visão caritativa de ensino aliada à ideia de “ajustar
o ensino ao aluno”, de modo que são ministrados somente os conteúdos que,
supostamente, ele pode assimilar (FREDERICO; OSAKABE, 2010, p. 62).

Ainda hoje, o ensino de Literatura na escola pública se encontra cheio de


impasses, pois o professor se baseia nos livros didáticos, debatendo-se entre
a organização e conteúdos tradicionais desses manuais e a capacidade dos
alunos de assimilá-los, bem como tentando “atenuar o impacto da distância
entre as manifestações literárias consagradas e as condições de recepção do
aluno”, o que sempre resulta em uma redução do processo de assimilação da
experiência literária. Disso decorrem a “substituição da literatura difícil por uma
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literatura considerada mais digerível”; a “simplificação da aprendizagem literária


a um conjunto de informações externas às obras e aos textos”; e a “substituição
dos textos originais por simulacros, tais como paráfrases e resumos”, assim
há um deslocamento do foco que implica uma fuga do contato direto com o
fenômeno literário (FREDERICO; OSAKABE, 2010, p. 62-63). Logo, no programa de
Língua Portuguesa, dividido em gramática, literatura e redação, há priorização
da gramática normativa e da visão cronológica da literatura, que remete ao
Renascimento, quando houve a ruptura em definitivo entre escrita e oralidade,
momento em que a concepção de literatura, baseada no conceito de modelo,
foi consagrada.

Agora, você entendeu o motivo de alguns professores e estudiosos criticarem


a divisão das aulas de Língua Portuguesa? Lembre-se de que, das cinco aulas
destinadas a esta disciplina, na maioria das vezes, resta apenas uma aula para
Literatura. Você também entendeu o fato de sermos contra o ensino historicista
de Literatura, centrado nas escolas literárias e na leitura de fragmentos de obras?
Consegue perceber que não é apenas uma questão teórica, mas também política?

Frederico e Osakabe mostram que o conceito de Literatura como conjunto de


modelos persistiu, anteriormente, como modelos estéticos pressupostos pela
concepção clássica e, agora, “como monumentos definidores das particularidades
de uma língua, e, via de regra, de nacionalidade” (FREDERICO; OSAKABE, 2010,
p. 64). Dessa forma, os compêndios direcionados ao Ensino Médio visavam à
formação do aluno “na condição de portadores dos grandes tesouros acumulados
em séculos de história cultural” até meados do século passado, de forma que o
objetivo era dominar informações sobre autores e obras consideradas necessárias
a todo cidadão culto e letrado. A noção de cânone está relacionada a esse
fenômeno, que também definia os parâmetros da boa e da má Literatura.

Enfim, a verdade é que não podemos mais adotar essa visão de Literatura e
de ensino de Literatura, bem como subestimar os nossos alunos, oferecendo-
lhes uma escola de segunda mão, que é “adaptada” às suas supostas condições
cognitivas, intelectuais e sociais, o que reforçará a sua exclusão da sociedade
privilegiada sob o disfarce da democratização do ensino e da inclusão social.

3.1 Os PCNEM

Os PCNEM (2002, p. 66), de acordo com os estudiosos, foi uma tentativa de


intervenção no cenário descrito anteriormente. Os Parâmetros Curriculares
Nacionais avançaram no Ensino Fundamental, ao propor “uma educação linguística
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De língua portuguesa e literatura brasileira a linguagens, códigos e suas tecnologias: o que
mudou no ensino de literatura?

vinculada à noção de variação”. Contudo, os PCNEM, na parte de Linguagens,


Códigos e suas Tecnologias, no que se refere ao domínio do ensino de Literatura,
não avançam, de modo que não se preocupam, realmente, com a Literatura no
Ensino Médio. Frederico e Osakabe (2010, p. 64) apontam para o fato de que
esse documento “insiste no caráter arbitrário do ensino de Literatura, baseado
em predeterminações e preconceitos”. Ao analisar textos e casos, por exemplo,
ao comparar Machado de Assis e Paulo Coelho, eles questionam o motivo de a
obra do primeiro autor ser considerada literatura e a do segundo, não; e, depois,
citam uma pesquisa em que os alunos leem vários textos (de Drummond a
contas de telefone).

Assim, os PCNEM se equivocam, não justificam o seu posicionamento ou o


justificam ao considerar a opinião dos alunos como critério para a definição
do texto literário, o que indica “a falta de critérios para se separar o literário do
não literário” (PCNEM, p. 68). Na visão dos autores, tais equívocos são resultado
de duas atitudes não contraditórias: “a da má consciência, tentando com isso
neutralizar as diferenças entre as diferentes manifestações literárias”, e a outra
“tem a ver com um certo sentimento de complacência, quando o professor ou
os agentes da educação silenciam a sua função de ensinar, encarando a voz
do aluno não como manifestação peculiar de um momento da aprendizagem,
mas como um meio para justificar indefinição do sentido mais afirmativo da
educação” (PCNEM, p. 69).

Logo, os Parâmetros propõem que


as aulas se pautem no desenvolvimento da capacidade
interativa do aluno, deixa-se (...) de lado uma noção de
Língua vista como um conjunto de conhecimentos externos
ao aluno para se ativar preferencialmente um conceito mais
amplo, o de linguagem, ao qual estaria subordinado tanto o
estudo da gramática quanto o da Literatura. (PCNEM, p. 70).

Por isso, também, a área de Língua Portuguesa passou a ser denominada de


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, incluindo outras linguagens. Embora
atribua várias competências para o domínio da língua materna, não especifica
uma competência para as manifestações estéticas em geral, nem, particularmente,
para a Literatura.

Os PCNEM apenas se referem, diretamente, ao ensino de Literatura na seguinte


competência, que deve ser desenvolvida em Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias:

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Recuperar pelo estudo do texto literário, as formas instituídas


de construção do imaginário coletivo, o patrimônio
representativo da cultura e as classificações preservadas
e divulgadas, no eixo temporal e espacial. (PCNEM, p. 145).

De acordo com Frederico e Osakabe (2010, p. 71), todo o programa antigo do


colegial foi assimilado por essa competência de forma semelhante ao que era
feito quando a Literatura foi introduzida no nosso ensino, pois reafirmou “a
literatura como conjunto de monumentos (‘formas instituídas do imaginário
coletivo’, ‘o patrimônio representativo da cultura’), como conjunto de classificações
consagradas (‘classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e
espacial’)”. Assim, prende-se à tradição ao sugerir os mesmos conteúdos e joga
a Literatura à margem, atribuindo-lhe um papel irrisório na grande área de
Linguagem. Os estudiosos apontam para esta atitude e a caracterizam como
“duplamente problemática”, uma vez que tal documento mantém os estudos
literários nos padrões tradicionais ou os descaracteriza completamente ao fazê-
los se perderem entre outras práticas pedagógicas.

Para Barbosa (2010), os professores veem os PCNEM como “mais um documento


do MEC” que não cumpre o seu objetivo, pois não são compreensíveis e de
fácil interpretação, não informam, não orientam e não se constituem como um
modelo a ser seguido, concentrando-se apenas na filosofia e na descrição geral
da área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.

Frederico e Osakabe (2010) constatam que os PCNEM se omitem como os outros


documentos que os antecederam em relação ao campo da Literatura, visto
que repetem as instruções gerais das Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio (DCNEM), retomando a legislação anterior a 1961, embora a Lei de
Diretrizes e Bases tenha conferido liberdade total aos professores para organizar
o seu programa.

Os estudiosos ressaltam que o ENEM, ao contrário desses documentos,


contempla “a experiência literária do aluno através de questões que permitem
não apenas verificar sua capacidade de leitura geral, mas também a de avaliar
as particularidades do texto literário, sem com isso cobrar conteúdos específicos
(datas, autores, Escolas Literárias, entre outros)” (FREDERICO; OSAKABE, 2010,
p. 73). O direcionamento desse exame aponta para a possibilidade de não
subestimarmos mais os nossos alunos e aderirmos a propostas pedagógicas
adequadas que favoreçam os estudos literários.

Na verdade, a Literatura não encontra o seu espaço nos PCNEM e nos seus
antecessores, por isso, ao lê-los, temos a sensação de que os estudos literários são
negligenciados, ou pior, marginalizados por serem concebidos como figurantes
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De língua portuguesa e literatura brasileira a linguagens, códigos e suas tecnologias: o que
mudou no ensino de literatura?

que podem ser dispensados ou substituídos por outros sem prejuízo para a
formação dos nossos alunos. Aliás, como não há critérios claros para a realização
desses estudos, o texto literário pode ser tratado apenas como mais um texto, um
gênero textual qualquer (o poema de Drummond não foi colocado no mesmo
rol de uma conta telefônica?) que pode ser analisado de qualquer forma, como
se fosse uma “luta de vale tudo”.

Você concorda com tal postura frente ao ensino de Literatura? É hora de refletir
melhor sobre o papel da Literatura na área de Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias!

Exercitando

Escolha um conto de Machado de Assis que você tenha lido e gostado (se você
ainda não leu nada de Machado de Assis, este é o momento de começar), por
exemplo, A Cartomante, e um livro de Paulo Coelho, a exemplo de O Alquimista,
e, depois, em linhas gerais, faça uma análise comparativa das obras, justificando
ou não o fato de a primeira ser considerada Literatura e a segunda não, sendo
classificada como livro de autoajuda.

3.2 PCN+

Os PCN+ foram criados para detalhar e especificar melhor


Figura 6
os PCN, mas não avançam nesse sentido, ao contrário,
corroboram os PCNEM. Frederico e Osakabe (2010, p. 72)
apontam para o fato de o novo documento ser ainda pior
que este último, pois “(a)lém de ver a literatura apenas
como portadora de conteúdos culturais (pp 68.9,69.4),
insiste no caráter lúdico e prazeroso da fruição literária, posição semelhante ao
supérfluo, como o adereço que distrai (p. 67.5)”. Leiamos os tópicos dos PCN+
que tratam da questão discutida.
5. Desfrute (fruição)

Trata-se do aproveitamento satisfatório e prazeroso de obras


literárias, musicais ou artísticas, de modo geral – bens culturais
construídos pelas diferentes linguagens, depreendendo delas
seu valor estético. Apreender a representação simbólica das
experiências humanas resulta da fruição de bens culturais.
(PCN+, 2002, p. 67).

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9. Imaginário coletivo

As representações que emanam das diversas práticas sociais


resultam do imaginário coletivo que se constrói e se reconstrói
no interior das diferentes culturas. As diversas linguagens
– que podem ganhar a forma literária, imagética, corporal,
musical, entre outras – encarregam-se de expressar aquilo que
a própria sociedade produz e demanda. (PCN+, 2002, p. 68).

Nesse ponto, é necessário refletirmos sobre o papel da Literatura na sua área


e sobre as metodologias sugeridas para o seu ensino, de modo que a leitura
literária pode e deve ser promovida em sala de aula como algo prazeroso, por
meio de atividades lúdicas, como já propomos em outros momentos do nosso
curso. Contudo, isso não significa que ela seja supérflua, um simples adereço
que enfeita a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.

3.3 Orientações Curriculares para o Ensino Médio:


Linguagem, Códigos e suas Tecnologias

Os autores que fundamentaram a nossa crítica aos PCN Figura 7

(2000) e PCN+ (2002), Frederico e Osakabe, participaram


da elaboração das Orientações Curriculares para o
Ensino Médio (OCEM), o que contribuiu, provavelmente,
para o novo rumo que este documento toma em relação
aos seus antecessores. Isso é percebido, imediatamente,
assim que começamos a lê-lo, porque a Literatura tem
um capítulo próprio, denominado CONHECIMENTOS
LITERÁRIOS, ao invés de ser discutida em apenas um
tópico, uma única competência.

O documento começa questionando o porquê da Literatura no Ensino Médio


e o fato de este motivo não ter sido questionado até bem pouco tempo. Em
seguida, mostra que ela era tão valorizada, por ser símbolo da elite burguesa,
letrada e privilegiada, que era natural que tal disciplina constasse do currículo.
Assim, para não ser mais um meio de distinção cultural e exclusão social, nessa
perspectiva, o ensino de Literatura (e das outras artes) tem como objetivo cumprir
premissas da LDBEN, como podemos constatar no Inciso III: “aprimoramento do
educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento
da autonomia intelectual e do pensamento crítico” (LDBEN, 1996), como vimos
em outras aulas do curso, a Literatura é um fator de humanização indispensável.

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mudou no ensino de literatura?

Como já discutimos esta função da Literatura em outros momentos, por exemplo,


na disciplina Introdução aos Estudos Literários, não vamos adentrar nessa
discussão agora. Por isso, as OCEM (2010, p. 54) defendem que, para “cumprir com
esses objetivos, entretanto, não se deve sobrecarregar o aluno com informações
sobre épocas, estilos, características de escolas literárias, etc., como até hoje
tem ocorrido”.

Em seguida, as orientações discutem a necessidade do letramento literário,


baseando-se nas reflexões de Magda Soares (2004) sobre letramento, que significa
“como estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama,
mas dele se apropria efetivamente por meio da experiência estética, fruindo-o”
(OCEM, 2010, p. 55). Os autores afirmam que esse letramento é necessário para
que o aluno se aproprie da Literatura, vivenciando a experiência literária, por
meio da leitura integral das obras e não de resumos ou compilações, por exemplo.

As OCEM, realmente, orientam a prática metodológica do professor de Literatura,


sugerindo alguns passos para a realização da leitura literária na escola. O primeiro
passo é “a leitura individual, silenciosa, concentrada e reflexiva. Esse momento
solitário de contato quase corporal entre o leitor e a obra é imprescindível,
porque a sensibilidade é a via mais eficaz de aproximação do texto”. Nesta visão,
o aluno tem uma experiência literária singular e diferente da do seu colega ou
da turma ao realizar esse tipo de leitura. O documento propõe que a leitura
coletiva aconteça posteriormente. Sugere que se democratize “os textos que
se encontram mais afastados no tempo e/ou que possuem uma construção de
linguagem mais elaborada do ponto de vista formal, próprios da cultura letrada”
na escola, resolvendo impasses no Ensino Médio devido
a três tendências predominantes, que se confirmam nas
práticas escolares de leitura da Literatura como deslocamentos
ou fuga do contato direto do leitor com o texto literário:

a) substituição da Literatura difícil por uma Literatura


considerada mais digerível;

b) simplificação da aprendizagem literária a um conjunto


de informações externas às obras e aos textos;

c) substituição dos textos originais por simulacros, tais como


paráfrases ou resumos (OSAKABE; FREDERICO, 2004, p. 62-63).
(OCEM, 2010, p. 64).

As orientações afirmam que é preciso, desde o Ensino Fundamental, recuperar a


dimensão formativa do leitor, sobretudo, nos livros didáticos, que são referência
curricular, de forma que os manuais poderão apoiar, de forma satisfatória, na
formação da autonomia do leitor a médio prazo, ao incluir a leitura dos livros. Os
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alunos devem ser motivados para lerem os livros por meio de atividades “que
tenham para os jovens uma finalidade imediata e não necessariamente escolar
por exemplo, que o aluno se reconheça como leitor, ou que veja nisso prazer”.
É necessário que o aluno encontre, na escola,
espaço para compartilhar suas impressões de leitura com
os colegas e com os professores) e que tornem necessárias
as práticas da leitura. Tais atividades evitariam que o jovem
lesse unicamente porque a escola pede – o que é com
freqüência visto como uma obrigação (OCEM, 2010, p. 74).

Para as OCEM, o aluno construirá, dessa forma, um saber acerca do próprio


gênero, levantará hipóteses de leitura e perceberá as limitações e os valores
do que lê. Logo, no Ensino Médio, elas sugerem que os critérios de escolha
das obras a serem trabalhadas durante os três anos considerem o uso ou não
do livro didático (caso o escolha, este deve ser escolhido pelos professores e a
escola não deve se limitar a ele); a seleção das obras do acervo básico deve ser
reavaliada periodicamente (por exemplo, a cada três anos); e propor projetos
que possibilitem aos alunos lerem outros livros além dos do acervo básico. A
proposta é privilegiar a Literatura Brasileira, sem indicar apenas obras da tradição
literária, mas também contemporâneas sob uma perspectiva multicultural,
formando parcerias com outras áreas, sobretudo, com artes plásticas e cinema.
Nesse ponto, é sugerido que se abra um espaço maior para a poesia, visto que
tem sido relegada a um plano secundário, como discutiremos mais detidamente
na aula Poesia na sala de aula.

Em suma, percebemos que as OCEM avançam, significativamente, em relação aos


documentos que as antecederam, de modo que, de fato, apresentam orientações
consistentes para os professores, abrindo espaço para a Literatura em sala de
aula, como objeto de estudo e não apenas como fruição.

3.4 Referenciais Curriculares para o


Ensino Médio da Paraíba

A Paraíba é um Estado que já em 2006 se preocupou em elaborar os seus


Referenciais Curriculares, com o objetivo de orientar e apresentar sugestões
metodológicas para o ensino de Literatura no Ensino Médio, inclusive, antecipando
algumas discussões que fundamentarão as OCEM posteriormente. Os Referenciais
discutem, no componente “Conhecimentos de Literatura”, o fato de os livros
didáticos de Língua Portuguesa apresentarem apenas fragmentos de obras
literárias, sugerindo que os professores trabalhem com as obras integrais e,
prioritariamente, com autores contemporâneos.
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De língua portuguesa e literatura brasileira a linguagens, códigos e suas tecnologias: o que
mudou no ensino de literatura?

A sugestão é, no Ensino Médio, trabalhar a partir dos gêneros literários e de


diferentes épocas, com poesia, narrativa, conto, crônica, literatura dramática,
a de cordel e a afro-brasileira no primeiro ano; no segundo ano, o romance;
e, no terceiro, discutir a história da literatura, sem focar as escolas literárias, ou
seja, de uma forma não mecanicista, linear e tradicional, a partir da análise e
da comparação das obras lidas nos anos anteriores, pertencentes a gêneros e
escolas diferentes.

Portanto, os Referenciais paraibanos são fundamentados em uma concepção de


ensino de Literatura que se centra na leitura integral da obra literária, sem colocá-
las em “fôrmas” (popular, erudita, canônica ou não canônica) e sem desconsiderar
a crítica e a história literária, no intuito de formar leitores proficientes.

Portanto, esses Referenciais são uma alternativa para os professores de Literatura


consultarem e refletirem sobre orientações e sugestões metodológicas antes
de planejarem as suas aulas. Inclusive, esse documento apresenta propostas
interessantes para o ensino de Literatura que podem ser desenvolvidas, de forma
fácil e dinâmica, em sala de aula com turmas do Ensino Médio.

Exercitando

Barbosa (2010) discute os PCN, PCN+ e as OCEM no texto A Literatura no Contexto


dos Documentos Oficiais. Neste estudo, ela apresenta uma visão diferente da
função humanizadora da Literatura defendida nas Orientações Curriculares.
Leia as reflexões da autora e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio
e, em seguida, analise as duas visões, posicionando-se ao concordar com uma
e discordar da outra. Não se esqueça de justificar a sua resposta por meio de
argumentos bem fundamentados nos textos analisados e, se possível, em outras
reflexões que você leu ao longo do curso.

Seguem os links dos sites nos quais você pode consultar os textos para a realização
da atividade.

„„ A Literatura no Contexto dos Documentos Oficiais


àà http://portal.virtual.ufpb.br/bibliotecavirtual/files/estagio_supervisionado_
iv__a_literatura_no_ensino_madio_1360182744.pdf

„„ Orientações Curriculares para o Ensino Médio


àà http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf

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4 Aprofundando seu conhecimento

Vamos aprofundar o conhecimento que adquirimos nesta aula? É de suma


importância que você leia os documentos discutidos aqui. Seguem os links dos
sites nos quais você pode encontrá-los.

„„ PCNEM
àà http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf

„„ PCN+
àà http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/linguagens02.pdf

5 Trocando em miúdos

Nesta aula, vimos que a Literatura ainda é negligenciada por documentos oficiais,
como os PCNEM e os PCN+, que a restringem a uma competência da área de
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Embora este último tenha sido criado
para tentar complementar o primeiro, não consegue atingir tal meta em relação
aos estudos literários.

Verificamos também que as Orientações Curriculares para o Ensino Médio


conseguem avançar nesse sentido, pois dedicam um componente à Literatura,
orientam e propõem metodologias que focam a leitura integral das obras
literárias e o seu estudo.

No tocante aos Referenciais Curriculares da Paraíba, antecipam várias discussões


e metodologias propostas nas OCEM, de modo que também se fundamentam
na concepção de ensino de Literatura que perpassa o seu sucessor, visando à
formação de leitores proficientes. Assim, mesmo não tendo um grande alcance
como os demais, por se tratar de um documento de um estado específico, contribui,
significativamente, para a reflexão sobre o ensino de Literatura, em especial, por
propor que o seu estudo seja realizado por meio dos gêneros literários.

Enfim, a Literatura ainda é marginalizada, mas já existem reflexões, estudos e


documentos oficiais que orientam o seu ensino, sem priorizar o historicismo e as
escolas literárias como conteúdos fundamentais dos currículos desta disciplina
no Ensino Médio.

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De língua portuguesa e literatura brasileira a linguagens, códigos e suas tecnologias: o que
mudou no ensino de literatura?

6 Autoavaliando

Após as reflexões realizadas ao longo dessas aulas, é importante nos questionarmos


a respeito de como temos concebido o ensino de Literatura, principalmente, no
Ensino Médio.

„„ Na condição de um estudante de Licenciatura em Letras, tenho me preocupado


mais com a Teoria Literária e deixado de lado o ensino de Literatura?
„„ Como (futuro) professor de Língua Portuguesa, mais simpatizante ou não
das áreas de Língua e Linguística, tenho visto a Literatura apenas como uma
disciplina secundária?
„„ A discussão sobre os documentos oficiais me ajudou a pensar a Literatura
como uma disciplina essencial ou não na escola?
„„ Como me posiciono frente à mudança de nomenclatura da área de Língua
Portuguesa, que passou a ser Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, e às
suas implicações, especialmente, no ensino de Literatura?

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Referências

AGUIAR, Vera Teixeira de. Que livro indicar – interesses do leitor jovem. Porto
Alegre: Mercado Aberto/ IOEL, 1978.

AVERBUCK, Lígia Morrone. A poesia e a escola. In: ZILBERMAN, Regina (Org).


Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 2. ed. Porto Alegre:
Mercado Aberto, 1982.

BARBOSA, Socorro de F. Pacífico. A literatura no contexto dos documentos


oficiais. In: Linguagens usos e reflexões. v. 6. ALDRIGUE, Ana C. de Sousa; LEITE,
Jan Edson Rodrigues (Org.). João Pessoa: Editora da UFPB, 2010.

BRASIL/SEMTEC (2002a). Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio.


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