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"Jamais alguém deveria dizer a urn paciente

terminal: 'Sinto muito, nada mais pode ser feito


para ajudá-lo'."
Este livro propöe que o perlodo de uma doen-
ça terminal pode ser de crescimento e de uma nova
compreenso entre a pessoa que está doente, seus
familiares e amigos. Atingir esse ideal, contudo, ra-
ramente é fácil. A dor fIsica, a troca de papeis, o
medo da morte e as defesas psicológicas podem for-
mar uma barreira entre a equipe médica e aqueles uma abordagem ao relacionamento
que necessitam de sua ajuda, que a todo custo deve
ser evitada. corn 0 paciente terminal
Averil Stedeford, cI(nico geral no inicio de
sua carreira e agora dedicando-se a psiquiatria, de-
monstra corn habilidade e sensibilidade como uma
aproximaco carinhosa do paciente terminal pode
ser alcançada através da compreenso psicológica,
tornando, dessa maneira, as causas de tensao mais
fáceis de serem compreendidas e tratadas. No de-
correr deste livro, os princ(pios básicos do diagnós-
tico e tratamento so fartamente ilustrados corn
históricos de casos.
Construtivo a de fácil leitura, este livro será
bem aceito por todas as pessoas envolvidas no ma-
nejo corn pacientes terminais.
Elipse
A campainha toca
E flores sâo entregues.
As visitas chegam e silenciosamente
Entram para ver...
Ate mesmo urn transeunte casual perceberá
Se isto é uma chegada ou uma partida.

Na cama, centro das atenc6es,


Alguém pequeno e enrugado acha-se desperto.
Esse alguérn é ela...
Mui jovern para sorrir ou falar,
Ou mesmo observar.
Tudo que eta pode fazer é ingerir
0 leite de sua rne, chorar, evacuar e dormir.
Ern troca, eta Ihes oferece alegria, esperanca,
Deleite por sua vida nova, sua inocência.

A muiher, atarefada, jamais senta;


Engana a si rnesma, e tudo que faz é dar-se
Acts fithos, pals e outros que, para viver,
Precisam alimentar-se e pedem,
Dependem dela e recebem.
Algumas vezes, ha tanto para fazer
Que eta náo sabe se está chegando ou saindo.

Na cama, centro das atencöes,


Alguém veiho e enrugado acha-se desperto.
Esse atguém é eta...
Pode sorrir, mas faltam-the forcas para falar.
Cochila, por vezes, e precisa de ajuda para beber.
Tudo que eta pode fazer é aceitar, concordar...
Em troca, seus othos transm item amor.
Ela observa, corn solicitude,
Quando os outros lamentam
Perder suas capacidades, e não percebe que deixará
Urna hist6ria de sabedoria e conhecimento.

A etipse da vida possul uma sirnetria perfeita.


Ampta no rneio, diminul suavemente
Em ambas as extremidades.
Existe urn mistérlo
Nesta similaridade
De chegar e partir.

AVER IL STEDE FORD


Agradecimentos

Devo fazer urn agradecimento especial ao Dr. Robert Twycross e a todos os


meus colegas da Unidade. Aprendi rnuito, observando suas habilidades intuitivas. As
conversas durante as reuniaes de equipe e as discussOes sobre os casos ern estudo
nos ajudaram a resolver problernas bastante complicados. Aprendernos muito, atra-
yes dos riossos sucessos e dos nossos erros. Este livro foi escrito devido a sua ajuda e
encorajamento.
Outras pessoas merecem rnencâo especial: Janet Mattinson, do Institute of
Marital Studies, supervisionou a pesquisa inicial corn grande sensibilidade. Meu ana-
lista, por sua gentil compreensäo, proporcionou-me urn arnbiente para ricas e utilIs-
simas experiências que aprofundararn a minha própria cornpreens5o a respeito dos
rneus sernelhantes. Sue Oven que, cortës e pacienternente, datilografou o manuscri-
to. Agradeco a todos eles.
Grande parte do capItulo 14 foi publicada, inicialrnente, no BRITISH JOUR-
NAL OF HOSPITAL MEDICINE em 1978, os diagrarnas dos capItulos que focali-
zarn a perda de urn elite querido foram publicados, pela prirneira vez, na MEDICI-
NE IN PRACTICE, em setembro de 1983. 0 material do capItulo final foi publica-
do pela National Society for Cancer Relief em cuja conferéncia anual foi apresenta-
do pela primèira vez. Eu agradeco muitIssimo a todos os que cooperararn para o
êxito ou finalidade desta obra.

AVERIL STEDEFORD

SIR MICHAEL SOBELL HOUSE


OXFORD
Sumärio

Prefàcio . 13

1 - A luta Contra cancer: a histOria de uma famlila ....................


0 15
2 - Teoria e prática: a histOria interpretada ......................... 20
3 - Considerac6es sobre diagnOstiCo e prognOstico ..................... 26
4 - Falando corn a fam(lia ..................................... 37
5 A crise do saber e a expectativa da morte ......................... 49
6 - Respostas psicolOgicas aos sintornas fi'sicos ......................... 59
7 - Problernas psicologicos associados ao tratamento ................... 65
8 - Osmedosdemorrer ..................................... 72
9 - 0 medo da morte e o curso da aceitacáo ........................ 80
10 - Aprendendo a ajustar-se: problemas que envolvem comunicacáb e dependéncia . 89
11 - 0 ajustarnento 6 mudanca de papel e o uso prejudicado das defesas psicolOgicas . 96
12 - Ansiedade .......................................... 103
13 - Depressáb ........................................... 110
14 - Confusãb ........................................... 121
15 - ReacOes paranOides e outros problernas ......................... 134
16 - A perda do ente querido:o t(pico pesar ......................... 141
17 - A perda do ente querido: pesar complicado ....................... 151
18 - Os profissionais diante da morte ............................. 157

nd ice rernissivo ..........................................166


Prefácio

Ninguém jamais deveria declarar a urn paciente terminal "Sinto muito no ha-
ver nada mais que possa ser feito, para ajudá-lo". A pessoa que assim fala realmente
quer dizer que acredita náo haver mais o que fazer para curar. Mas 0 paciente que
está enfrentando a morte precisa mais do que nunca de ajuda. Atualmente a equipe
médica tern novos objetivos: trabaihar corn o paciente e sua famIlia para poupá-los,
tanto quanto possIvel, de urn sofrimento desnecessário, de modo que possam reali-
zaro-que Ihes pareça mais importante, enquanto uma vida se aproxima do tim.
Nascimento e morte säo processos igualmente naturais. Muito antes do desen-
volvimento da medicina moderna, a sociedade reconheceu que determinadas pessoas
tinham aptick5es especials para cuidar desses eventos, assegurando uma evoluco sua-
ve e intervindo habilmente nas ocasiôes em que surgissem complicaçOes ou ocorres-
Se uma tenséb muito grande. Atualmente, agirnos quase nesse nIvel. Para aliviar o
sofrimento- fIsico que acompanha a morte, os prof issionais da saüde percorreram
urn longo caminho, desde a época em que dispunham apenas de drogas como 0 ál-
cool, os narcóticos e as aspirinas. Agora sabemos que corn urn diagnóstico acurado e
uma seleção cuidadosa dos intrneros medicarnentos disponIveis, podernos atingir
urn nIvel de controle dos sintornas que surpreende os pacientes e ate mesmo nossos
colegas rnenos informados.
As necessidades emocionais e psicolágicas dos pacientes terrninais tern sido
tradicionalmente preenchidas corn a colaborac'o da famIlia, o apoio espiritual para
os que säo religiosos e o cuidado afetuoso dos profissionais. Tudo isto é assaz neces-
s6rio e de grande valia, corno sernpre fob; mas, tambérn nessa area, tern havido pro-
gressos. De vez em quando, o "insight" psicológico pode suplernentar a intuico e 0'
amor, conduzindo a uma cornpreensáo mais ampla das causas do sofrimento e a urn
tratarnento mais preciso, o que proporcionará maiores rnedidas deal (vio. e tab ne-

13
gligente deixar urn enfermo sofrer desnecessariamente por urn sentirnento de medo,
ignorância ou confusäb mental, quanto o é deixá-lo corn uma dor fIsica.
Sete anos trabaihando corn pacientes terminais e seus familiares, acornpanha-
do de colegas que também fazem o mesmo, deram-me a certeza de que as habilida-
des dos psiquiatras e psicoterapeutas podem contribuir para a compreensäo e urn
I
rnelhor manejo da doenca terminal. Tenho feito palestras a urn nümero muito gran-
de de profissionais, incluindo colegas psiquiatras, clinicos-gerais e residentes, estu-
dantes de medicina e teologia, enfermeiras, assistentes sociais e conselheiros. As
perguntas que fazem regularmente mostram a evidência das areas onde eles encon-
A luta contra b cancer:
tram maior dificuldade. Suas respostas me convenceram de que seria válido registrar
o que aprendi, a tim de torná-io mais acessIvel aos interessados. a histOria de uma famIlia
O cenário que figura neste trabalho é uma Unidade de Tratamento Intensivo
que faz parte do hospital geral, integrante do Serviço Nacional de Saüde, corn apre-
ciável apoio externo. Ela conta corn vinte leitos para os pacientes internados. Ou-
tros sâo procurados por enfermeiras que visitam enfermos fora do hospital, e mu itos
sâb atendidos numa clInica de pacientes externos e unidades que atendem durante
as vinte e quatro horas do dia. Todosos pacientes säo adultos e, em geral, portadores
de céncer. Alguns vieram a nós já próxirnos ao tim da vida, mas outros foram aten-
didos a tempo de usufruir das técnicas de controle de sintomas que todas estas uni-
dades estäo desenvolvendo. Eles podem receber alta e ser readmitidos várias ye- Os Bradwells eram uma famIlia sem problemas, no sentido usual deste terrno.
zes, durante meses ou ate mesmo anos; alguns deles escolhern morrer em casa, quan- William, professor universitário, morava numa bela casa num dos melhores bairros
do conseguem conviver corn seus problemas. da cidade. Sua esposa, Francoise, era francesa, estabelecida na Inglaterra e vivia fe-
-Embora a experiência clInica baseie-se numa unidade de tratamento um tanto liz, embora sentisse saudades de sua famIlia, que residia prOximo a Paris. 0 casal ti-
especializada, as discussöes corn colegas de outros hospitals e a prática geral com- nha urn filho fora de casa, estudando na Universidade, e duas fllhas, numa excelen-
provararn que isto e altamente aplicével. Quase todas as opinies corn relacãb a con- te escola. Aparentemente, eles constitu lam uma tam lila feliz, bern sucedida, ate
duta prática, que seréb encontradas neste volume, podem ser igualmente üteis em Francoise descobrir urn nódulo no seio, urn cancer posteriorrnente confirrnado, cuja
outros casos, contanto que a equipe tenha interesse, conhecimento e tempo neces- dissefriinacäo ocorreu rapidamente. A doenca repercutiu em toda a famIlia, provo-
sérios. cando problemas psicológicos causadores de muito sofrirnento. A história dessa fa-
Uma pessoa escreveu este livro, porém os colaboradOres foram muitos. Os pa- mIlia, escoihida para dar inIcio a este livro, ilustra o quanto pode ser feito em be-
cientes sào excelentes mestres. Muito deste trabalho baseia-se num projeto de pes- neflcio do paciente e de sua tam ilia, para ajudá-ios a ajustarem-se a doença e dimi-
quisa, onde 41 casais, diante da perspectiva da morte e da perda da pessoa querida, nu irem o sofrirnento que a mesma Ihes causava. Corn esse objetivo, apresentaremos
compartilharam suas experiências comigo. Muitas gravacöes foram feitas e todos fragmentos de comentários e consideraç6es da prôpria Francoise. No próxirno capI-
permitiram que seus relatos fossem registrados para que novas vItimas do cancer se tub, apresentaremos os fundarnentos teóricos do trabalho e discutiremos várias in-
beneficiassern corn eles. Nessas narrativas, os nornes dos pacientes ou de outras pes- tervençöes.
soas envolvidas foram alterados, para preservar sua privacidade; mas os episódios O cllnico geral achava desagradável visitar a casa dos Bradwells porque encon-
relatados e respectivos detalhes sâo inteiramente verIdicos. trava as portas fechadas. Quando acionava a campainha, William aparecia para rece-
bê-10 e o conduzia ao quarto onde Francoise se encontrava. Logo em seguida, desa-
parecia. Arnbos trocavarn aigumas palavras ao sair o cI Inico, e jarnais este falou corn
o casal reunido. As filhas nunca apareceram, ernbora, algumas vezes, eletivesse per-
cebido que elas estavam em casa. Preocupava-se corn elas. Deviarn irnaginar o quan-
to a rná'e estava doente, mas nâo lhe era permitido procurá-las para falar com elas.
Freqüenternente duvidava se elas no estariam ouvindo por detrás das portas.
Francoise ficou arrasada ao descobrir urn nódulo no seio. Ela sempre teve pa-
vor de doenca, e esta näo era a prirneira vez ern que suspeitava estar corn cancer.

14 15
o nódulo era pequeno e o cirurgiäo decidiu removed prontamente, assegurando- cheu-se de coragern para ped jr-the que ficasse mais tempo. 0 professor realrnente

the que o mesmo era benigno. Porérn, quando Françoise acordou da anestesia, o fez, muitas vezes cochilando na cadeira ou corrigindo provas. Contudo, nunca
William revelou-lhe que as suspeitas dela tinharn-se confirmado. 0 tumor era matig- conversavam abertamente entre si. Certo dia, William me procurou,no refeitório,

rio e a mastectomia que eta tanto receava fora realizada. Assirn, os membros da fa- para perguntar por que ele podia falar comigo sobre a morte da esposa, e ela, apa-

mItia compartilharam da verdade, mas raramente voltaram a tocar no assunto. No renternente, também podia faze-b; no entanto, quando ele tentava falar corn Fran-
inIcio, Françoise ficou apavorada. "HorrIvel, perdi comptetamente a cabeca" foi a coise, tudo o que esta parecia querer dele era apoio. Chegarnos a conclusáo de

maneira como descreveu-me seus sent irnentos. Eta Se recuperou muito bern da ope- que falar corn o medico sobre a morte é bastante doboroso; porém, falar corn o
racâo e a seguir fez sess6es de radioterapia. No inIclo tudo parecia estar correndo próprio rnarido é muito mais dificil, pois envolve a separaço de alguem a quern se
bern, como eta mesma disse: "Parecia que, em poucos meses, havia recuperado ml- am a.
riha saUde, e o meu equit Ibrio mental estava muito born." Urn dos funcionários do hospital tinha uma rnenina colega de escota das fibhas
Passados esses poucos meses, eta comecou a sentir dores nas costas. As radio- de Francoise e William. Ficamos sabendo, ento, que estas iarn mat no estudo, e que
grafias revelaram que o cancer se espathara, atirigindo os ossos. Françoise voltou a as amigas estavarn preocupadas corn etas. Nenhurn dos dois pensou se as rneninas de-
radioterapia; contudo, quando uma dor diminula, outra cornecava, e eta percebeu; veriarn ser intormadas sobre a seriedade da doerica de sUa rne, especialmente quan-
"Era uma coisa atrás da outra. Eu estava na iminéncia de ter urn colapso mental, e do estavam preparando-se para as provas, e as atividades escotares tinham uma im-
mais parecia um animal encurralado." portância enorme naquela casa. Os pais retutavarn em considerar a idéia de que as fi-
Perguntei-lhe como se sentia em casa, antes da cirurgia. thas, extrernamente inteligentes, tivessern adivinhado a verdade sobre a me. A equi-
pe pressionou-me para persuadir o pal a falar corn as jovens, e resolvi tocar no assun-
"E difIcil descrever, vocé sabe, era urn sofrirnento tanto fIsico quanto mental.
to corn ele. William negou que as tilhas estivessem contrariadas ou que tivessem per-
- Eu gritava em casa, mesmo quando ficava sozinha, durante o dia. Estava apa-
cebido a verdadeira situaco, e ofendeu-se, porque eu, urn estranho, sabia mais so-
vorada, pois nada mais era feito, exceto irradiacâb. Todos me afirmavam estar bre o que se passava na cabeça de suas fithas do que ele, o próprio pal. Um pouco
fazendo o que podiam, porém eu me sentia sozinha, suportando o sofrirnen-
hesitante the disse que ficárarnos sabendo, por fonte indireta, que suas fithas nao
to. Frequentemente, eu gritava, quando estava so
e, algumas vezes, quando iam bern na escola, ernbora estivessem escondendo isto, muito bern, em casa. Ele
meu marido estava em casa.- Ele náo sabia o que fazer ou do que se tratava.
nao acreditou. Sugei- i, ento, que tetefonasse para urn dos professores delas e desco-
Era difIcit explicar-lhe, porque, a esse tempo, nos comunicávamos muito pou- brisse por si mesmo. Não sel se William fez isso; so sel que, na noite seguinte, pal e
co. Meu marido ia trabathar todas as manhas e sala como se tudo estivesse tilhas conversaram bongamente, durante o jantar, e a conversa produziu apreciaveis
bern. Eu ia as consultas no hospital e voltava em seguida. Ele chegava a
tardi- resultados. Mais tarde (depois da conversa que as garotastiveram comigo no hospi-
riha e me perguritava como passara o dia; esta pergunta era feita como Se nada tal); quando perguntei a Françoise se o relacionamento entre William e as rneninas
estivesse acontecendo. Entffo, eu escondia, ate no agüentar mais, quando ti- tinha rnudado, eta respondeu:
nha esses ataques de gritos."
"Muito, quase inacreditavel. A respeito de cornunicarern-se, William disse, ou-
Ao chegar pela primeira vez no hospital, Francoise gritava. Tinha dores todas tro dia, uma frase fora do comurn. E que, reatmente, ele nao se dava conta de
as vezes que nos a movIamos; no entarito, no era tacit aliviá-la corn as drogas habi- que nossas filhas já so adultas; pensava netas ainda como adolescentes. Certa-
tuais, tat como esperávamos; logo entendemos haver urn componente de medo mui- mente, nab as supunha corn a maturidade que já dernonstram. Acho que essa
to grande. Estava apavorada de tat rnodo, que ficava tensa o tempo todo; e suas ex- maturidade resuttou da conversa que etas mantiverarn no hospital e que mu-
press5es revelaram que seu problerna era major do que uma simples dor fIsica. Fuj dou muito o seu relacionamento corn o pal. Anteriorrnente, todos evitavarn
chamado para ajudar. A principio, eta retutava em crer que urn psiquiatra tivesse at- atus5es ou nab tatavarn a respeito de minha rnoléstia, rnas agora tudo se escta-
go para oferecer a uma pessoa como eta. Sornente muito mais tarde pôde admitir receu. 0 medo e o sofrimento diminuIrarn muito, por meio de uma Intimida-
que muitos dos gritos representavam medo de morrer, sern que alguem compreen- de familiar genuIna. Antes disso, todos procuravam esconder a verdade."
desse como eta se sentia e quanto estava doente.
As enfermeiras notararn que Françoise parecia muito solitária e recebia pou- Francoise passou a ver seu rnarido como urn homern muito inteligerite, cuja
cas visitas. 0 marido ficava corn eta poucos rninutos em cada visita, embora soubés- cabeca estava nas nuvens, e nab se envolvia corn os assuntos domésticos. Tentava
semos que seus colegas tjnharn-se oferecido para assumir suas tarefas, a tim de que protege-to da tensáb da vida diana e nab via quanto ele era capaz de corresponder na
ele ficasse mais tempo corn Françoise. Ele dizia náo poder abandonar Os alunos e eta ocasiäo necessária. Quando eta ficou acamada, o pal e as meninas-mocas começaram
respeltava os seus cornpromissos de trabatho. Urn dia, eta me confidenciou que gos- a trabalhar juntos, de uma rnaneira nova, o que deixou a enferma bern mais tranqüi-
taria de ye-to 'mais seguidarnente e, ao perceber que cornpreendi como se sentia, en- a. Fatando sobre as meninas-mocas eta disse:

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reo, e, de volta do hospital, andava peta casa, muito bern, tomando parte nos afaze-
"Aquilo provavelmente fazia parte do sofrimento anterior. Elas queriam saber
res dornésticos. Fatava freqüentemente que tinha esperancas de curar-se. Quando ti
como o pai se sairia frente ao fato, se eu desaparecesse. E que seria delas? Es-
cou mais fraca, sua irmã veio para the fazer companhia e ajudar a enfermeira. Urna
tou certa de que isso era parte de seu medo, e elas presumiam que para ele
sernana antes de sua morte, eta disse, peta primeira vez, a William nab ignorar que
certamente seria horrIvel. Nâo estoU dizendo que seria fácil - mas, certamen-
estava rnorrendo, e acrescentou em seguida: "Ha algo que eu possa fazer, no sent ido
te, agora elas compreendem que Will jam poderia enfrentar. Antes, eu achava
de tornar isso mais fácil para vocé, depois?". Entab fatararn abertamente e discuti-
que, se eu desaparecesse, tudo ruiria; agora aritevejo que todos podem adap-
ram onde eta queria ser sepultada. No dia seguinte veio o padre, e, depois da sua vi-
tar-se a situaço corn suas próprias capacidades. Näo quero dizer corn isso
sita, a esperanca brilhou uma vez mais. Françoise ficou eritusiasmada corn uma des-
que entender a capacidade de eles lutarem seja motivo para eu desanimar. Ao
coberta que poderia ajudá-1a. Mas isso nab aconteceu. Em sua própria casa, onde an-
contrário, isso me deu mais determinac5o para lutar e adaptar-me a nova si-
teriormente tivera intenso medo, eta morreu em paz.
tuaçao."

A 61tima observacäb refere-se ao fato de que eta estava na iminéncia de ft pa-


ra casa, depois de vários meses no hospital. Tinha se livrado da dor e conseguira urn
equitIbrio entre a aceitacâ'o e a esperanca; sentia-se capaz de encorajar a familia, pa-
ra enfrentar o fato de que eta "ia morrer", mas estava determinada a viver da me-
Ihor maneira possIvel, enquanto estivesse em casa.
Isso eta conseguiu (faleceu, em casa, poucas semanas mais tarde). Normalmen-
te, após sua salda do hospital, terlamos mantido contato corn eta e a famIlia, através
de nossas enfermeiras; mas, nessa ocasiâo, o clInico geral e sua equipetinham se res-
ponsabilizado inteiramente pelo caso. Gostaria de ter mantido contato corn os Bra-
dwells, mas percebi que a minha presenca no era bern-vinda. Embora soubesse que
eu queria v&-la, Françoise nunca me chamou. Descobri, mais tarde, que, em certa
ocasiä'o, eta dissera ao marido, meio irritada comigo, que nunca mais queria ver-me.
Depois, eta nab disse a William que tinha mudado de idéia e ele ficou corn a impres-
säo de que a sua raiva ainda persistia. Mais tarde, ele disse a urn amigo que a equipe
do hospital tratara sua esposa muito bern, com excecab do psiquiatra, que era assaz
intruso. Provaveirnente, foi ele quem insistiu para que o clInico geral assumisse 0
tratmento, a firn de assegurar-se de rninha exclusâo.
Urn ano mais tarde escrevi a William, perguntando se poderia usar partes das
gravacöes de sua esposa, para ilustrar uma conferência que estava fazendo. Ele me
convidou para ir a sua casa e me disse que as filhas, agora, achavarn que os pais Ihes
tinham negado oportunidades de participar da doenca da me, e que gostariam de
ouvir a gravaçáo. Corn urn pouco de receio, deixei-a corn eles e me ofereci para vol-
tar mais tarde e discutir alguns pontos, caso quisessem rever. Nada mais fiquei sa-
bendo sobre as jovens, mas o pai me escreveu, dizendo que ouvir a gravacäo foi uma
experiência muito estranha para ele. Dizia, tambérn, que partes do que ouviu nab
erarn verdadeiras, e que Françoise nunca gritava em casa. Acreditei neta, porque a
ouvi gritar no hospital. Teria ele reprirnido as lernbranças por serem bastante peno-
sas, ou ela, que sempre gostou de dramatizar, exagerou-se, no hospital, para ter cer-
teza de que eu compreenderia como era intenso o seu sofrirnento? Isso nunca sa-
beremos.
Durante a rninha visita, William falou-me sobre o per lodo em que Françoise
esteve em casa e sobre a sua morte. 0 cl Inico geral e a enfermeira vinham regular-
mente; a enferma continuava sem dor. Ela mandara colocar uma cama no andar tér-

18 19
4. os problemas sociais e psicológicos preexistentes.
Para ilustrar a utilidade de uma lista de problemas, apresentamos a seguir a
que foi retirada das notas de Françoise e que será usada para organizar o estudo e a
discussá'o sobre o caso.

Teoria e prãtica: A listagem dos problemas

a histOria interpretada 1. Carcinoma de selo corn mtiltiplas ramificac5es ôsseas secundárias, exigindo
muito cuidado e originando muito medo de dor e de ficar deformada.
2. Comunicaçáb bloqueada corn o marido e corn as fllhas, e entre estas e aque-
le. Relutância em deixar-se entrevistar.
3. As jovens reconhecem ter insucesso escolar, mas nada dizem a seu pal.
4. Falta de diálogo corn a mae sobre sua enferrnidade. Ela, preocupada corn
isso, rnas também silenciosa, na suposicao de estar agindo corretamente.
5. Problernas conjugais - ela que sempre deu apoio, agora é quern precisa; am-
bos corn dificuldade de se ajustarern a esta rnudança.
No trabalho corn pacientes terrninais e seus familiares uma aproximaço
6. Ela se recusa a ver os amigos, embora sempre pareca desejar alguérn ao seu
orientada para o problerna é de muita utitidade. Antes de mais nada,
' o paciente de-
lado; nao vai ao espelho e está corn raiva do seu corpo, por td-la decepcionado.
seja falar sobre a causa de sua preocupaç'o no mornento, e devemos permitir que a
7. Medo de se tornar viciada em rnorfina, e da dependéncia em geral.
disponibilidade de tempo atenda essa necessidade. Mais tarde, poderá ser feito urn
8. FVledo de nffo adaptar-se ao arnbiente, quando voltar para casa.
histórico formal, que permita rnaior compreensá'o dos antecedentes da situaco em
Somente os dois prirneiros itens foram iniclalrnente anotados; todos os ou-
foco, e assegure que inforrnaçôes irnportantes ná'o sejam omitidas. Isso, algumas ye-
tros, acrescentados no decorrer do trabalho.
zes, deve ser deixado para entrevis-tas posteriores. 0 objetivo da primeira entrevista
OS PROBLEMAS DE coMuNIcAcAo, muito freqüentes, na maioria das ye-
é estabelecér uma boa I igaco corn o paciente e, sobretudo, conquistar a sua coope- zes, sao os mais féceis de se resolver. A farnIlia Bradwell apresentava muitos deles.
raçäo, esclarecendo que algo de átil poderá ser feito por ele. Para esse fim, é conve- Esté descrito no cap Itulo precedente como se procedu para ajudar as duas filhas. 0
niente fazer uma lista de problemas - uma tarefa da qua! o paciente pode partici- fliho estava fora de casa, e suas necessidades foram negligenciadas por todos nós.
par. Para o propósito deste I ivro, define-se o problema como sendo a area de preo- Francoise ocultou a sua doenca, quanto pôde, de sua mae; porérn, antes disso, con-
cupaco acerca da qua!:
toli para suas irrnás. 0 trabalho que foi feito corn o casal merece aqul urn cornentá-
1. precisa-se tomar providéncias especIficas, ou
rio mais detalhado.
2. o paciente e o terapeuta concordam em prosseguir conversando, ou
Como já foi visto anteriorrnente, percebernos logo de iniclo que algo estava
3. efetuar entrevistas corn outras pessoas.
errado entre Francoise e William, pois as suas visitas eram muito breves e ela ficava
O progresso pode ser revisto mais tarde, observando-se o resultado dessas me- perturbada, depois que ele Ia embora. William justificava-se que näo podia abando-
didas. Mesmo na prirneira entrevista, corn suas tensôes naturals, deve-se dispor de nar os alunos; ela concordava em que o trabalho dele era tab importante que no
tempo para a conversa arnistosa e tarnbém para o silêncio, levando o paciente a fa- deveria sofrer interrupcôes para ele visité-la. A enferma estava, dessa forma, usando
zer perguntas e a mostrar sus sentirnentos.
uma maneira defensiva, para näo dividir seu sofrirnento, e isso significa que ela nega-
Os problemas frequentemente enfrentados pelos pacientes terminals podem va sua própria necessidade. Francoise admitlu, logo em seguida, que gostaria de ver
ser considerados em quatro grupos e formarn a estrutura na qual está baseado este seu marido mais vezes, rnas nffo podia pedir-lhe suas visitas. Ela sernpre se via a pes-
livro. Sâo os seguintes:
soa que dava, que protegia; agora devia aprender que Ihe competia pedir, e pensar
1. a exposiço dos problemas;
mais em si mesrna.
2. os efeitos irnediatos da doença e do tratarnento;
Passou urn fim de sernana depois da minha prirneira entrevista corn Françoise.
3. as reac6es de ajustarnento irnpostas pela mudança de papéls;
Na segunda-feira, eta me cumprirnentou, dizendo:

20
21
"Tenho riovidades para você... Você me deu coragem para fatar corn William.
Em uma ocasiäo, quando the fatel que William desejava compartithar mais dos
Eu the disse que teria, provavetmente, mais duas semanas de vida e que preci-
sava dele. As prioridades mudaram. Agora ele está vindo mais seguidarnente." sentimentas deta, sua respasta foi furiosa:

"Antes, ele né'o queria fatar; estava em pânico, porque eu gnitava. William é
Quando sua esposa the fez esta revetaço, ele ficou profundamente comovido.
urn intelectual - nab esté acostumado cam essas coisas. Eu estava morrendo
Eta tentava, antes, protege-to e depois acusava-o de desatento.
sozinha e ele ná'a sabia coma eu me sentia. Agora, ele quer falar sabre tudo, e
Quando eta descobriu coma era agradávet chamar diretarnente a atenco e
obté-ta, tentou recuperar a tempo perdido e passau a exigir demais de William. "Es- terá de espenar.
tou testando-o, para ver quanta ele fará par mim", disse Francoise. Ete pareceu ter o vigor da sua respasta rnostrava quanta era importante para eta que ele nab
compreendido isso, reatizando, cam paciência e boa vantade, tadas os seus incoe- percebesse quanta eta sabia.
rentes desejas e absurdas soticitacöes. Tatvez, ele também estivesse querenda cam- o marido teve de esperar por mais de trés meses. Tanta quanto a necessidade
pensar a tempo perdido. Mais tarde, urn equitIbnio foi atcaricada. Eta pareceu ter de eta manter sua defesa, parte da sua reserva para cam a manido representava ode-
compreendido methor que era amada, e nea precisava carnprová-lo a todo instante. sejo de protege-ta da tenséb. No dia que eta the disse saber que estava morrendo
Se ele precisava sair para uma conferéncia e näo podia visitá-la coma de costume, (apenas uma semana antes de isto acantecer) ela acrescentau logo em seguida: "He
eta aceitava essa ausência e néb mais se tarnentava ante as enfermeiras, para compen- alga que eu possa fazer para lamar isso mais fécit para vocé, depois?"
sar-se. 0 que aconteceu depois jé foi descrita. Se Francoise e William néo tivessem
0 casal alcancou, desta maneira, urn nova nIvet de compreensâö; mas, ainda aceitado a ajuda oferecida a etes, provavelmente a resuttada teria sida bern diferen-
assim, havia atgumas lacunas evidentes. Par muita tempo, William acreditou que te. Ete, provavetmente, teria continuado a tutar absorvenda-se no seu trabatho, e eta
Francoise nab tinha idéia do quanta estava doente. Ele achava que as observacôes teria seu trespasse isotada, lange dele, talvez num hospital.
tais coma "Eu possa ter apenas duas semanas de vida" eram purarnente retónicas e A don de Francoise representava urn dos PROBLEMAS DIRETAMENTE RE-
néb impticavam uma aceitacá'o profunda da situacâ'o. Ete estava parcialmente certo. LACIONADOS COM SUA D0ENcA. Sem a psicoterapia é bern provével que eta
Uma vez, no decurso de uma conversa, eu the disse: "Se vocé pudesse viver apenas nunca tivesse sido controtada satisfatoriamente. Na sua gravacab, Francoise fatava
urn ou dais anos...... Eta tancau-se sabre mim em lágrimas e furiosa. Eu a fiz tern- coma se a medo da morte fosse atgo do passado, quando eta estava sozinha em casa
brar que, fazia pouca, eta mesma tinha mencionado menos tempo. Françoise corn rnuita dor, pensando que ninguém a campreendia e pouco estava sendo feito
respondeu-me desta maneira: "Eu passo dizer caisas coma esta, mas você nunca para ajudé-ta. Quando eta chegou ao hospital, tados nos conscientizamas de que es-
deve faze-b. Eu quero esquecer ista, agora". Este incidente foi mativa para eta távamos tratando corn uma rnulher apavorada e que também o medo impedia que
dizer a William que eu era muita grosseira, para ser urn psiquiatra, e que eta néo nos alivIassemos a sua agania. Depois de várias semanas quase sem dor, a "angCstia"
queria ver-me nunca mais. Apás seu fatecimento, William surpreendeu-se ao desca- apareCeu novamente, quando the foi sugerido fazer uma visita em casa. Eta disse que
brir que nós nos tInhamos encontrada autras vezes, e que eta gravou muita caisa estava ansiosa para ir, "mas que isso seria impossIvel uma vez que a dar havia retor-
depois desse episódia. nado." Quando eu the disse que eta poderia estar com medo de ir para casa, Fran-
Eta, tatvez, näo tivesse falado cam William sabre a continuidade da nasso reta- coise ficau irritada, embona eu tenha expticada que a medo era muita compreensI-
cionamento, porque eu a ajudava näo so a manter a esperanca, coma tambéma acei- vet, uma vez que as Littimas semanas envolveram muito sofrimento. Aceitei a sua rai-
tar a inevitabitidade da morte. Quando se sentia rnethor e a medo da morte aesapa- va e pedi que considenasse a possibilidade de haver uma tigacab entre a volta da dar
recia, eta nab queria que isso abatasse a sua esperanca. Atgumas pessoas podem at- e a visita praposta. Na próxima vez que a vi, eta comentou: "Eu nab me supunha da-
cancar aquete notável equitIbrio, ande aceitam, toga e totatmente, a morte, devido queta espécie de gente que tern dor por raz6es emocianais. Achava que somente as
a sua doenca. E esta ac-eitacâb, depois de urn perIoda iniciat de tristeza, nâo prejudi- autras pessaas erarn assim."
ca a sua maneira de viver e tutar pebo presente. Para alguns isso é ate urn estImulo. A maior parte dos probtemas relacionados corn a doenca e a tratamento é
"Já que a minha vida seré curta, quero fazer tudo a que passa, agora", dizem etes. atendida, diretamente, peta equipe de especiatistas que abrange cirurgiOes, radiatera-
Outros, coma Francoise, tern tanto medo de marrer que so podern manter a espe- peutas, etc. Os pacientes, contudo, preferem discutir seu tratamento corn atguém
ranca reprimindo a medo e neganda que estâb morrendo. 0 marida, na acasiab, que néb-esteja encarregado do caso:quern entenda, mas sem responsabibidade. Fran-
compreendeu isso methor do que eu, e foi do apoia dete que eta precisou. Tatvez, coise mu itas vezes sofria sem necessidade, pais se recusava a tomar morfina adequa-
eta tivesse percebido que, se a casal falasse abertarnente sabre a fato de eta estar da, par achar vergonhoso, mas tarnbém corn medo de ficar dependente dela e, por
sucumbindo, a negaco coma defesa néb estaria disponivet para eta. A enferma ne- isso, a estigmatizassem coma viciada. Ficou contente em saber que, pravavetmente,
cessitava, desesperadamente, desta defesa, pois sabia, por experiéncia, quanta a me- nab seguirIarnas aplicando au aumentando a dose e, assim que esta the fosse desne-
do significava para eta, especiatmente em casa. cesséria, nab terlarnos dificutdade em reduzi-la novamente. Ela considerava uma de-

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sonra depender totatmente de drogas; mas, quando ternbrou que os diabéticos de- seus benefIcios. Poderia, mesmo, ser considerado como urn verdadeiro sacrifIcio,
pendem da insulina e Os pacientes corn, por exempto, artrite reumatóide, tambérn pelo seu atcance, porquanto possibitmtou que eta fosse tratada em casa, e nao mais
vivem methor quando a sua dor é controtada corn sucesso, ela aceitou a medicacäo no hospital. 0 mais importante é que o caso ilustra a capacidade dos pacientes de
corn menos ansiedade. aproveitarem a psicoterapia, e de que modo esta pode complementar o trabalho de
A DIFICULDADE EM ADAPTAR-SE as lirnitaçOescausa, muitasvezes, sofri- todos os outros membros da equipe médica, conseguindo, peto menos, uma sotucab
rnento desnecessário, e aqui também a psicoterapia provou a sua ajuda a Françoise. parcial para o que, a princIpio, parece a mais atemorizadora série de probternas.
Era óbvio que ela se encontrava sotitária. Toda a vez que uma enferrneira entrava no
quarto, eta rnantinha conversa, exigindo muito tempo e atencáo. Mas quando pes-
soas arnigas tetefonavam, desejando ye-ta, Françoise reiteradamente recusava a sua
v is ita.
O modo como discutirnos isto corn eta ajudou-a a compreender que sentia iii-
veja dos amigos estarem gozando de Otirna saUde, e no queria ser lernbrada de que
estava perdendo a sua. Era verâo, e eta nãö queria ouvir falar sobre tênis, pois no
podia jogar. Quando superou isso, passou a receber suas visitas e ficou muito menos
isotada. Então, j ná'o exigia a anterior atençá'o e amizade das enfermeiras. SO na
ocasiã'o que the estava facuttado ir para casa, eta aceitou cornpletarnente que nunca
mais poderia jogar ténis, mas pretendia ir assistir aos jogos, na esperanca de que tat-
vez seus amigos a convidassem para ser o juiz.
OS PROBLEMAS PREEXISTENTES podem aparecer diante de uma nova
tensâo, tat como a ameaca de uma doença terminal. Determinados padröes de casa-
rnento e vida familiar podem parecer satisfatórios a todos os envolvidos ate aquete
momento, mas causarn uma considerávet dificutdade no ajustarnento, quando o frá-
gil equitIbrio é perturbado. Isso foi o que aconteceu com Françoise e William. Ele
era um homem de tatento, absorvido em seu trabaiho, e eta achava que a sua tarefa
principal de esposa era protege-to contra a tensáb e cuidar dele e dos fithos. Esse pa-
pet, para eta - senhora muito intetigenteeategre — eraassaz limitador. Francoise pro-
curou lecionar numa parte do dia, o que eta gostava de fazer. Mas esta no era am-
da uma boa;sotucâo. Sua famIlia a considerava uma pessoa preocupada demais com
os mInimos detathes do andamento da casa; era tab minuciosa que irritava e ao seu
redor tudo tinha de estar perfeito. Muitas coisas que pareciam triviais a sua famItia
eram muito importantes para eta. Mesmo antes da doença, Francoise sempre estava
muito preocupada corn a sua aparéncia e corn a sua saCide. Tentava corner e dar pa-
ra sua famItia uma alimentacéb correta; tomava todas as medidas para manter-se
saudávet e afastar os sinais prematuros da meia-idade. Näo é de admirar que eta nab
quisesse othar-se no espetho, quando ficou magra e pálida, ernbora, se o tivesse fei-
to, tatvez se surpreendesse ao ver uma beleza nova e diferente que surgia, reftetindo
uma enorme tranquitidade. Eta tinha verdadeiro pavor de doenca e de morte. As
suas fithas me disseram: "A mamâe estava sempre pensando que tinha algurna doen-
ça grave. Entretanto, foi a Oltirna pessoa a enfrentar o que estava acontecendo."
Mesmo assim, eta enfrentou muito bem. Françoise e William tinham mais pro-
blemas do que outros casais da série de pesquisas que eu estava fazendo. Dediquei
mais tempo a etes do que a qualquer outro caso. Durante dez semanas, tive vinte en-
trevistas corn Francoise e vários rnernbros de sua famIlia, atgumas de poucos minu-
tos; outras, porém, muito tongas. Este foi urn investimento pequeno comparado aos

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a suposicão de que, ao final das contas, ele será o responsável pelo bern-estar erno-
cional do paciente, rnanejando as inforrnac5es disponIveis da maneira mais proveito-

3 sa possIvel. Ambos säo dignos de crédito: por urn lado, confiam em que o medico
dirá toda a verdade; e, por outro, que ele cuidará do paciente como urn todo. As ye-
zes, esses dois coincidern perfeitarnente e o melhor para o enferrno é ouvir toda a
verdade. -Mas oem sempre isto ocorreré to nit idamente e, neste caso, o medico de-
vera decidir o que fazer. Se ele resolve de modo independente ou arbitrário o que é

ConsideraçOes sobre born para o paciente saber, ele néb está respeitando o direito do paciente ao conhe-
cimento de si rnesrno. Antes de o paciente saber qual é a inforrnaco e de experi-
rnentar o seu irnpacto, o medico está diante de urn dilema, pois nào sabe se o pa-

diagnOstico e prognOstico 10
ciente gostaria de ser iriformado ou no. Por conseguinte, uma elaborada decisão so-
bre o fluxo de informacdes deve ser levada a cabo, tal como uma delicada riegocia-
çá'o entre o medico e o paciente, onde o medico tenta descobrir o que o paciente
quer saber e, entäb, faz suas revelaçes da maneira mais apropriada. Os pacientes, de
vez em quando, dizem de antemá'o como gostariam de receber a inforrnaço, caso
estiveSSern gravernente enfermos. Eles dizem coisaS como estas:"Néb faca rodelos
comigo, tloutor. Varnos falar abertamente." Outros deixam igualmente claro que
n'o querem saber muito sobre a sua doenca, ou tomar parte nas decisôes sobre o
tratarnento: "Eu estou em suas rnäbs, doutor. Preferiria deixar tudo por sua conta",
dizem eles. Mas oem sempre o medico tern a sorte de receber esta inforrnacâb de an-
No decurso de nossa vida adulta, quase sempre conhecemos melhor nossa si-
temä'o, e ele deve agir a seu modo. Isto, rnuitas vezes, pode ser feito de urn modo di-
tuaco pessoal do que qualquer outra pessoa, e, por via de regra, nos empenharnos
no controle do fluxo de informaçôes que nos dizem respeito, decidindo sobre o que rem, dizendo algo como: "Eu já estou de posse dos resultados de seus exames. Vocé

será divulgado aos outros e o que vamos manter em segredo. Contudo, o ponto de prefere discuti-los detalhadamente comigo agora, ou por enquanto preteride ape-

vista é oposto quando urn paciente consulta o medico e os exames subsequentes nas ficar sabendo qual é o melhor tratamento para a sua condiçä'o?" A questo co-
constatam a presenca de uma doenca grave, possivelmente aquela que ocasionará locada dessa maneira permite ao paciente controlar as informacôes a ele dirigidas,

sua rnorte. Neste caso, caberá ao medico o encargo de controlar a sua divulgaco, além de dar-Ihe a conhecer que o medico está apto para discutir a natureza de seu
muito embora os dados ref iram-se ao paciente. A maneira de proceder, tanto do me- estado de sa(ide, quando ele estiver disposto a isso.
dico como do paciente, seré regulada pelos termos constantes do contrato estabele-
cido entre arnbos.

A revelaçâ'o do diagnóstico

0 contrato médico-paciente
Nos primeiros estágios de qualquer doenca grave, especialmente se a cura e
provável, parece pouco justificável revelar o diagnóstico, quando o paciente nao per-

Ha, pelo rnenos, dois rnodos de ver diferentes sobre a natureza deste contrato. gunta. (Do ponto de vista da saCde pCblica, o correto seria revelar o diagnôstico a
Alguns o vèem a luz da técnica como uma transaç5o entre cliente e técnico. Aqui o todos os pacientes portadores de cancer, a fim de que os casos tratados corn ëxito

paciente se apresenta ao medico, de certo modo, como ele apresenta seu carro na pudessem receber tanta publicidade quanto aqueles que no o fossem. Este argu-

oficina, quando suspeita da presenca de algum defeito. Ele espera urn exame abran- mento requer uma avaliacâ'o das necessidades do indivfduo comparadas corn as da

gente do velcuto; urn trato adequado e tambérn uma inforrnaçé'o completa sobre a sociedade em que ele vive, a esté além do objetivo deste capitulo). Quando uma

natureza do problema e da providência a ser tomada. Nessa base, o medico sabe o doença maligna volta depois do tratamento cujo objetivo era a cura, o paciente po-

que dizer; basta apenas decidir como e quando vai revelar: se o fare tudo de uma so de censurar o medico por näo ter lhe contado toda a verdade desde o inicio; porém,

vez ou por etapas. Outros vêem o medico como uma figura paternal. Aqui, a expec- poderá ficar grato por haver o silêncio do medico poupado a ele meses ou anos de
ansiedade. Uma senhora, cujo medico concordou corn eta que seu tumor no selo
tativa é de que o medico cuidará o melhor possIvel do enfermo, incluindo também

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poderia ser urn cancer, passa por urn considerávet perIodo de ansiedade desde a con- Quando o paciente nab quer saber
sulta ate, por exemplo, o resultado da biopsia. Se esta é positiva, ela recorihece que
a sua preocupacà'o era justificável, e fica al iviada ao serem tomadas as precaucôes
necessárias. Se é negativa, a cliente, em geral, fica muito sat isfeita, pois seus temores
Como regra geral, e correto deixar o paciente controlar o fluxo de informa-
eram infundados e, raramente, censura o medico por t6-la assustado. Da mesma for-
cOes e supor que, Se ele nao aproveita as boas oportunidades para fazer perguntas,
ma,os pacientes corn vagos e inconstantes sintomas neurológicos tern falado, tam-
bern, do seu alIvio quando seu medico admite, finalmente, que estava também con- ele nab deve ser confrontado corn a gravidade de seu estado. Contudo, ha situacOes

siderando a possibilidade de uma escierose méltipla. onde esta atitude prejudica os rnaiores interesses do paciente. Ele, muitas vezes, nab

Na minha opiniao, raramente é aconselhávet dizer ao paciente, por exemplo, pergunta sobre o prognóstico, simplesmente porque nab Ihe ocorre a possibilidade

que ele está curado de urn céncer se o medico sabe da pouca probabilidade de ser de ter uma doeriça grave e fatal; isto é particularmente verdadeiro; acontece, de pre-

verdadeira essa afirmac3o. A confianca entre o enfermo e o medico e urn compo- feréncia, corn pacientes jovens e ajustados, corn uma doenca que progride rapida-
nente essencial para o born relacionamento médico-paciente. Os enfermos precisam mente. Serve de exemplo urn melanoma maligno corn ausência de resposta ao trata-
entender que o medico compreende suas condicôes de saüde e no se surpreende in- rnento. Se ele nao for informado antes que a doenca se agrave em demasia, provavel-
devidarnente corn a evolucão de seu estado. 0 paciente que pensa estar curado con- rnente ii-6 lastirnar que nab deteve as inforrnacOes suficientes para poder planejar o
clui, diante de uma recorréncia, que seu medico no avaliou a gravidade desua futuro e fazer algo de importante, enquanto ainda se sentia razoaveirnente bern.

doenca e poe em djvida a sua competéncia para continuar o tratarnento. Isto pode Ken e Jean formavam urn casal jovem corn dois filhos. H6 cerca de urn ano Ken
ser evitado explicando-se todas as possibilidades ao paciente, ernbora faca o medico queixou-se de fraqueza nas pernas, a qual se agravou recentemente. Depois da
parecer muito inforrnado. Esses detalhes, por sua vez, podero sobrecarregar o pa- consulta e dos exames, o neurologista escreveu, dizendo que o diagnóstico
ciente corn novas e desnecessárias ansiedades. e preferIvel revelar apenas o suficien- era, quase corn certeza, uma doenca neuromotora. Acrescentou näo ter fala-
te para sat isfazer as necessidades imediatas do cliente e tratar posteriormente das do corn o paciente e estar deixando ao arbItrio do clInico geral escolher o rno-
outras questOes a medida que forem aparecendo. Portanto, dizer ao paciente: "Vocé mento adequado para fazer isso. Passaram-se vários meses sern o enfermo con-
tern urn céncer que esté bloqueando seu intestino e já se espalhou para o fIgado, e sultar novamente, e o clInico geral perguntava a si mesmo se devia ou nab to-
vocé dispOe de pouco tempo de vida" pode ser a verdade, mas seria igualmente ver- mar a iniciativa. Como é de prever, ele estava hesitante para fazer isso, ede rno-
dadeiro e muito mais gentil, mais humano, dizer: "Vocé tinha uma obstruco no seu do especial por presurnir que seu paciente estava bern e nâo estava indevida-
intestino e eu tive de fazer uma operacäo para aliviá-lo." Se o paciente fizer pergun- rnente ansioso. Entéb, ele viu Jean esperando pelo esposo que vinha Ihe apa-
tas, tanto rnelhor. Se náo, a discussâo deve terminar aI. No entanto, deveriam ser to- nhar, depois de urn exarne pre-natal. 0 clInico geral percebeu que o casal pre-
madas as providéncias para uma futura conversa Ha uma tendência para terminar a cisava, urgentemente, conhecer a verdade sobre o futuro de Ken. Entao ele os
consulta corn urn cornentário parecido corn este: "Você agora ficará bern," mas urn visitou em sua casa e contou-Ihes a opiniao do neurologista. Ken estava de fa-
apoio improdutivo poderá ser tao inoportuno quanto uma inforrnaçâb desnecessá- to piorando, mas achava que nab valia a pena consultar novarnente, uma vez
na. Este cornentánio tambérn pode eventualrnente acontecer antes devido ao proble que o resultado da pnirneira visita tinha sido muito incerto. Eles ficaram funio-
ma do medico do que ao do paciente, porque está sendo difIcil para o facultativo sos, como era de esperar, quando souberarn a verdade. Jean sentiu que näo Se-
esconder o sofrimento decorrente do conhecimento da pobreza do prognóstico. Urn na possIvel enfrentar outro nené, se a moléstia de Ken iria, provavelmente,
apoio sem fundamento real pode fazer efeito a curto prazo; mais tarde, porém, o agravar-Se. Ent3o, eles optaram pelo aborto. 0 desgosto devido a perda do be-
paciente vai sentir que foi enganado ao perceber que a previsao otimista era falsa. Se be uniu-se a crescente ansiedade ante a perspectiva de perda do marido. Am-
os sintornas retornam, o medico pode dizer: "Eu sabia que isto poderia aconte- bos ficaram ressentidos corn o neurologista e cilnico geral, afirrnanido que a
cer"... e prossegue explicando o que ele pode, no momento, fazer para ajudá-lo; ele protelacab da not Ida do provável diagnóstico resultou num sofrimento desne-
convence o paciente de que seu estado inicial foi compreendido e que as mudancas cessario, especialmente para Jean.
ulteriores foram previstas. Por fim, o paciente acaba compreendendo que o medico
näo pode evitar sua morte. Por causa disto, ele ficaré, muitas vezes, furioso e decep- De vez em quando e necessánio incutir no paciente que sua doenca é grave, e

cionado corn o medico, mas se o relacionamento médico-paciente conseguir superar corn perigo de vida, de rnodo que ele possa cornpreender por que o medico está reco-

esta fase, ele será apoiado pelo conhecimento de que seu medico sabe como mini- mendando urn tratamento que pode faz&-Io sentir-se pior ou ter efeitos colaterais in-

mizar seu sofrimento, e cuidará bern dele ate o firn. desejéveis e perrnanentes, tais como a estenilidade ou a perda de cabelo.

Sheila aproxirnava-se dos tninta anos e teve de fazer uma cesaniana de erner-
gência duas sernanas antes da data prevista para o nascimento do seu bebé. Na

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operacáb foi encontrado, em seu ovário, urn cancer que já se havia dissemina- por via de conseqüOncia eta confessou. Eta conhecia muito bern urn outro pa-
do em grande escala para o abdomen. PrOximo ao final de sua gestacâo, eta ciente que morreu tranqüilarnente. Nora comecou a falar sobre esse assunto e
percebeu que estava mais votumosa que anteriormente, quando teve seu Olti- aproveitamos a oportunidade para ajudá-la a admitir que eta tarnbém tinha
mo bebê. Também sentia-se cansada; entretanto, deu pouca importância a cancer e que também morreria urn dia. Logo que isso foi dito, Nora passou a
isso. No dia imediato a operacao, o ginecotogista contou ao marido de Sheila perguntar como aconteceria, se seria doloroso, e quanto tempo de vida ainda
a sua descoberta e a seriedade do caso, mas etes concordaram em dar-the urn teria. Depois disso, eta parecia quase satisfeita; tornou-se ativa num sentido
pouco mais de tempo para eta se recuperar e desfrutar o bebé, sern a preocu- mais construtivo: tricotava e ajudava o marido durante os perlodos em que
pacá'o antes que the fosse cautetosamente revetada a not Icia. Mais tarde eu podia estar em casa. Os terrIveis pesadetos cessaram e nao retornararn, duran-
perguntei a eta como tinha reagido: "Eu fiquei muito preocupada e muito fu- te os seis meses restantes de sua vida.
riosa, por isdo ter acontecido comigo", disse eta, mas enfatizo.0 que foi funda-
mental para eta saber o diagnOstico: 'Eu estava ansiosa por ver-me em casa
corn o nené e a minha outra fitha pequena. Queria reunir a famitia novamen-
te, o mais répido possIvet. Várias semanas no hospital me deixaram touca, am- Mudancas no estado de consciência
da mais por que eu me sentia perfeitamente bern. Se eu nao soubesse o que es-
tava acontecendo, certamente me teria recusado ao tratamento." Depois que
eta vottou para casa, achou muito dificit retornar a ctInica quando foram, no- A história de Nora conduz, naturatmente, a discussâb sobre as mudancas que
vamente, indicadas sessöes de radioterapia. Eta me contou que sua farnItia ocorrem na consciOncia a medida que a doenca evotui. Mesmo a pessoa reatista que
quase precisou forcá-la a que concordasse: "Vocé vai morrer, se nab for", faz muitas perguntas e parece captar todas as respostas raramente aceita de imedia-
afirmavam os parentes. Sheila conctuiu o seu tratamento e estava muito bern to todas as irnpticacôes de seu diagnOstico e prognóstico. Se fosse possIvet observar,
na Ottima vez que tive not Icias deta, ha dois anos atrás. simuttaneamente, todos os inUteis esforcos que uma pessoa desenganada despende,
O resuitado seria, corn certeza, irresistIvet. Assim nab é surpreendente que a maioria
Outro grupo de pacientes que tucram ao tomar conhecimento do diagnOstico
das pessoas deem um passo de cada vez. Mas isso nab significa uma progressao orde-
é composto daquetes que estâb tutando, sern sucesso, contra o reconhecimento da
nada e ascendente. As vezes, com o agravamento da doenca, os pacientes enfrentam
gravidade do seu prognóstico, usando a negacäo como defesa. 0 objetivo das defesas a perspectiva da morte de uma maneira nova e reatizam, por isso mesmo, novos ajus-
psicotOgicas é a reducâb do sofrimento, especiatmente da ansiedade. Se o paciente tamentos. Se ocorre urn perIodo em que etes se sentern methor, comporta rn-se e fa-
que nega está vivendo satisfatoriamente corn as timitaçöes que sua doenca the im- tarn como se pudessem recuperar-se, apesar de tudo.
p6e, a defesa está cumprindo seu objetivo e, provavelmente, deve permanecer into- Essa inconstância no estado de consciOncia pode deixar perplexos tanto o
cávet. Mas, se o paciente está dizendo "Nab existe nada de errado comigo, doutor", prof issional quanto a famItia do enfermo. Em alguns pacientes isso significa que etes
e ao mesmo tempo exibe todos os sinais de ansiedade, a defesa 0 ineficaz e somente ainda estäo despreparados para enfrentar a verdade. Conseqüentemente, os registros
causa probternas adicionais. de atta referentes a Sra. X podem dizer ao ctmnico gerat que eta foi ptenamente in-
Nora, uma muther de meia-idade corn cancer no seio, estava cada vez pior p0- formada sobre seu diagnostico e prognóstico, muito embora, quando ete foi visitá-ta,
rem afirmava constanternente que nada havia de grave corn eta e em breve es- possa afirrnar: "Ninguém no hospital foi capaz de me contar o que havia de errado
taria bern. Nab obstante, eta parecia sernpre preocupada, era incapaz de deci- comigo." IndagacOes ulteriores podem revelar que eta se recorda de parte do que the
dir algo e tinha pesadetos periódicos em que se via encerrada numa caixa. Eta foi dito, mas nab apreende o seu significado; que eta pode negar terem-the dito
afirmava ter acordado sentindo isso e que tentava, desesperadamente, empur- quatquer coisa, e seu protesto pode set- tornado como um sinai de que eta, real-
rar a tampa e escapar. Todos nós percebIamos que seria menos ansioso se eta rnente, precisa de informacäo. Se o ctInico gerai responder, explicando tudo nova-
pudesse admitir como certo o fato de estar morrendo, e pudesse falar conos- mente, ele pode surpreender-se, alguns dias mais tarde, ao ouvir de sua enfermeira
co sobre seus temores. Entretanto, eta bloqueava quatquer tentativa que fizés- que a Sra. X está rectamando contra o fato de que ninguérn falou corn eta a respeito
semos para ajudá-la a falar. Urn dia, eu tentei contornar esse bloqueio, pergun- de sua doenca. Esses pacientes nab querem a verdade; etes querem apoio. Vao per-
tando sua opiniffo sobre nossa conduta diante da doenca encarada de urn mo- guntar sobre o assunto ate que obtenham uma rësposta que seja mais aceitável para
do geral: "VocO acha correto o medico dizer aos pacientes o seu diagnOstico, etes e a qual se apegarâ'o. A vivência tern-me ensinado a contrariar o comentário
se etes estiverem gravemente doentes?" eu perguntei. "Oh nab," disse eta; "Se "Ninguém me disse..... corn uma pergunta como esta: "como VOCE pensa que está
vocO fizesse isso, deixá-tos-ia reocupados, e etes teriam pesadetos." Ainda indo?" Se o paciente responde que acha que esta piorando, eu the pergunto o que
que eta nab formasse o eto que a capacitaria a falar sobre si mesrna, contudo aconteceu recentemente para lev6do a pensar assim. Eie pode ser suavemente con-

31
duzido a revelar que viu os sinais em si mesmo e tirou suas próprias conclusôes. Eu alérn do Natal. Urn dos companheiros de Paul era amigo Intirno da farnIlia e
nada Ihe digo; preferiveirnenteconfirmo as opiniOes que estáo corretas ou refuto-as muitas vezes o ajudava oferecendo transporte e conduzindo Paul ao bar. Co-
e explico-as se estâb incorretas. Portanto, a plena conscientizaço alcanca seu ritmo. mo a doenca progredia e Paul despendia mais tempo no hospital, Pam ficava
Se o mesmo paciente responde a minha pergunta corn "Eu estou melhor, no so. Seu filhinho sentia faita do pal e necessitava da companhia de urn homem.
estou?", percebo que ele nab está pronto para enfrentar a verdade. A fim de dar-Ihe 0 amigo, que se havia separado da esposa recenternente, tambérn se sentia so
apolo sern mentir, tento escoiher urn aspecto de seu estado que rnelhorou, para sa- e visitava-os corn freqüência. Pensando que Paul teria poucas semanas de vida,
lientá-io. "E verdade que sua dor está muito melhor do que antes, quando você veio eles deixararn esse relacionarnento desenvolver-se de tal modo que o te-
aqui pela prirneira vez" poderia ser uma resposta apropriada. Se ele está parcial- riam evitado, se soubessern que Paul ainda estaria corn eles no verab seguinte.
mente interessado em saber algo, será sensIvel ao que foi ornitido, e poderá pergun- Quando o Natal passou, eles sentiram-se incapazes de "fazer o tempo retroa-
tar rnais. "Mas, porque estou perdendo tanto peso, doutor?". Se ele quer manter gir". Paul comecou a perceber o que estava acontecendo e trés pessoas esta-
sua negacäb, provavelmente dirá a sua farnIlia: "0 medico concordou em que a ml- vam muito mais aborrecidas do que se o prognOstico tivesse sido guardado.
nha dor está meihorando; portanto, devo estar melhor." Quando ele estiver pronto
Ainda quando o medico tomar esse cuidado especial, para ser cornedido, o pa-
para situar-se, perguntará mais e adrnitirá a verdade.
ciente tende a selecionar o que ouve, de acordo corn suas necessidades e esperanças.
Outros pacientes assimilarn completarnente a gravidade do seu estado nurn nI-
Uma declaracão como "Você terá, provavelmente, de seis meses a urn ano" será in-
vel prático e intelectual desde o inIcio. Eles falam aos outros o que precisa ser dito,
terpretada pelo pessirnista como "Eu tenho apenas seis meses", enquarrto o otirnista
fazem os acordos financeiros necessários e tornam outras providéncias. Podern, en-
poderá dizer a famIlia "0 medico disse-me que poderei viver anos". Geralmente pre-
tab, surpreender a todos, falando e comportando-se como se estivessern recupera-
cisamos dizer, firmemente, aos pacientes que somos incapazes de fazer uma previsao
dos, talvez planejando urnas férias no exterior. Tais pacientes estâo usando a nega-
utilizável. Nós devemos oferecer aos enfermos uma assisténcia continua, enquanto
cab como defesa, de urna rnaneira átil e nab ficam indevidamente ansiosos.
eles enfrentam a incerteza.

Jenny tinha 36 anos quando the foi diagnosticado urn cancer no pulrnäo. Eta
era proprietária de urn pequeno salão de beleza cuja renda ajudava a saldar a
A revetaç'o do prognóstico
hipoteca relativa a uma nova e bela casa, que eta e Cyril tinham contraIdo.
Quando ela teve de vender o negócio, eles precisaram saber qual foi o diagnós-

0 paciente que é informado que possui uma doenca terminal quase sernpre
tico. Nab queriam dar seguirnento a venda do salâb de beleza para despende-
rem todo o dinheiro no pagamento da hipoteca, o que aconteceria se Jenny
pergunta corn quanto tempo mais de vida ele pode contar. Devido a incerteza ser tab
vivesse por muito tempo. Além disso, havia a educacäo das criancas, motivo
dolorosa e- porque devem ser tomadas decisöes de natureza prática, geralmente recai
sobre o medico certa pressáo para ele apresentar urn prognóstico definitivo. Nab para pensar. Deveriarn eles, por acaso, vender a casa e comprar uma menor?

obstante, sabemos que é muito raro o caso de se dar uma precisab exata. Corn rela- Mas se Jenny vivesse apenas poucos meses seria I Icito impor-Ihe sofrer a ten-

cab a este assunto, os pacientes depositarn mais fé na palavra do medico do que o sffo de uma mudanca? Decidiram jogar corn a possibilidade de que Jenny mor-
devido, provavelmente porque se sentem mais seguros sabendo que eles dispöem de rena antes que o dinheiro acabasse e, entao, o seu seguro de vida cobriria a di-
urn limite de tempo preciso para fazer pianos. Os parentes poderiarn fazer rnaior es- vida. 0 dinheiro ficou escasso, principatmente quando Cyril afastou-se do ser-

forco se soubessem que o tempo seria curto; poderiam ser mais aliviados em seus vico para dar-lhe assisténcia ate o fim. 0 casal agradeceu muito a assisténcia

cornpromissos se tivessem uma vaga idéia do que estaria ocorrendo. Eles insistern, dada pelo clInico geral diante da ansiedade que a incerteza gerava. Dentro dos

algumas vezes, para que thes seja dada uma data. Eu respondo a eles dizendo que, lirnites propostos, a tarefa do medico surtiu o efeito desejado.

honestamente, nab sei e pergunto como se sentiriam, se eu tentasse adivinhar. "Su-


pornos que eu diga que seriarn mais ou rnenos seis meses," afirrno. "Eu posso irnagi-
nar você indo para casa, exarninando o calendário, somando as semanas e marcando A comunicaçäo insuficiente e seus resultados
a data do Urn. Como iriam sentir-se todos corn a aproxirnacab daquele dia?" Tao lo-
go eles se irnaginam nesta situaçao, nab querern saber mais de datas; pois, na maio-
Entre Os 41 casais por rnim entrevistados para firn de pesquisa(1), 8 pacientes
na, as pessoas conhecem alguém que viveu mais anos além doprognóstico.
e 10 esposas estavam descontentes corn a qualidade da comunicaçâo corn seu cilni-
Paul estava doente ha cerca de dois anos e piorava cada vez mais. No outono, o co geral; 13 pacientes e 11 esposas estavam insatisfeitos corn a comunicacãb corn os
medico comunicou a sua esposa, Pamela, que ele provavelmente nab viveria medicos do hospital. Apenas urn paciente queixou-se de the ser dito mais do que ele

32 33--
queria saber; ele era uma pessoa que precisava manter a negacâb para tutar contra a foi mal sucedido ao responder suas perguntas. Alguns deles agem assim, preferen-
ansiedade. Todos os outros fatararn da dificuldade de obter informaco, as vezes do- cialmente. Intirnidados pelas rnaneiras do medico corn quem fizeram a consutta ou
pois de persistentes tentativas. Aiguns disseram quo suas queixas no foram suficien- pelo tamanho de sua cornitiva, etes se sentern mais a vontade perguntando ao médi-
temente tevadas a serb. 0 iitimo grupo é urn probiema complexo: dois destes pa- co residente que os exarnina, ao técnico quo cothe seu sangue, a enfermeira quo esta
cientes tinham carcinoma de pancreas, o qua] é notoriamente de difIcit diagnostico; arrumando a cama, ou a assistente social quo pode ter sido solicitada a vir fatar so-
os outros três eram pacientes hipocondrIacos corn tongos históricos, onde a presen- bre assuntos financeiros. Tanto na ctInica gerat quanto no hospital, esse perguntar
ça do sintorna de cancer nab foi reconhecida diante da pletora de outras queixas. aos outros pode ser satisfatório, contando que todo o quadro de funcionarbos, in-
Contudo, os medicos devem ser capazes de tratar pacientes como estes, e pareceu ctuindo os medicos, trabalhe em conjunto como uma equipe integrada por uma po-
provávet que os outros tinham alguma justificativa para suas queixas. 0 ressentimen- Itica cornurn. (De vez em quando os pacientes fazem perguntas a urn èstudante de
to deles era mabor, é claro, devido a sua crenca em que, se o diagnóstico tivesse sido
mediciria ou a um faxineiro, porque em parte etes estã'o querendo saber de seu osta-
feito mais cedo, o tratamento curativo poderia ter sido possIvel.
do do saCide, mas tarnbém percebem quo estas pessoas nab tern autoridade para des-
Os poucos pacientes queixosos diziam que seus medicos não Ihes deram sufi-
fazer as suas d(jvidas. Se o quo etes ouvom é muito alarrnanto, podem dimbnuir esse
cientes informacôes, mas, na reatidade, nab tinham feito perguntas diretas. Uma se-
efeito, dbzendo a si mesmos: "Eta pode estar errada, afinal de contas é apenas uma
nhora disse: "Se ele achava que eu podia saber, deveria ter-me dito". Outros acha-
estudante".) Geralmente, os pacientes preferem perguntar a uma determinada pes-
yarn que o medico estava "muito ocupado" e urn ainda afirmou ate que "ele era urn soa, porque etes so sentern mais a vontade corn eta do que corn quatquer outra. A
medico agradável, porém jovem, e talvez ficasse preocupado por ter de me dizer nossa potItica é quo: soja quem for o membro da equipe que tenha estado corn o pa-
uma coisa como esta" (eta tinha céncer). Em atguns casos, o medico poderia ter tor- ciente, ele ou eta deverá responder a pergunta prontamerito e de maneira assaz corn-
nado mais tacit para o paciente fazer perguntas; em outros, a responsabitidade pela ptota quanto thes pareca, desde quo tenham certoza dos fatos e se sintam razoavet-
falta de informacâo recai principalmente no enfermo. mente seguros, para poderem manejar a situacä'o. Mais tarde, essos informantes de-
Para quern os pacientes se vottaram quando fizeram uma tentativa para obter vem retatar aos cotegas medicos o enfermeiras o quo fob revotado, para quo os outros
informaçab de seus medicos e nab conseguiram? Em seu livro COMMUNICATION tomern conhocimento tarnbém e possarn dar segubmento a conversa, so necessárbo.
AND AWARENESS IN A CANCER WARD, McIntosh descreve brithantemente co- So urn membro da equipe se sente inadequadamente capacitado para responder a
mo os pacientes aprendem uns corn os outros. Eles comparam notas sobre as investi- pergunta, ele ou eta, sem demora, dove procurar alguém quo possa faze-to. "Eu a-
gaçôes, sintomas e tratamento e tiram suas próprias conclusôes (muitas vezes corn- mento, mas nab posso dizer-Iho; acho rnelhor perguntar ao medico" torn implica-
pletamente erradas). Usam tarnbém indIcios nâo-verbais: quanto tempo o medico cOes sinistras para o paciente. Ele pode ter reftetido por vérios dias antes do ousar
Ihes dedica; sé o "cIrcuto" de amizade nã'o tiga para eles ou se os cumprirnentam fazer uma pergunta a alguérn, e näo dove pormanecor, ansbosamente, esperando
perfunctoriarnente; qua[ a expressab na face dos membros da equipe; as atitudes dos mu itd tempo.
parentes... "Eu imaginava que devia ser moléstia grave, porque todos comecaram a Durante o nosso trabatho dbario, surgem oportunidades para os residentes
ser muito agradáveis comigo", disse urn homem. aprenderem mais, convorsando corn os pacientes. So estes puderern "sentar-se" corn
Dois pacientes de minha série fizeram descobertas casualmente e sofreram os mais antigos, quando isso esté sendo feito, ou so os residentes puderem discutir
muito corn o resultado. Urn doles, cuja cama no hospital ficava perto do tolefone, suas prOprias intoracôes corn os pacientes, com seus cotogas e superbores, tatvez uma
soube seu diagnóstico quando ouviu, por acaso, urn funcionário do hospital dizer a cotocacäo em grupo, suas prOprias qualbdades terâb melhora muito répida e crescerá
urn colega "Hoje; eu tenho apenas urn paciente novo, urn homem corn carcinoma de a confianca mttua dentro da equipe. Muitos pacientes valorizarn a oportunidade do
colon." Aoutra percebeu, peta primeira vez, que algo Ia mal com eta, quando urn fatar sobre sua doenca, detathadarnente, corn outros membros da equipe, atém dos
novo doutor chegou- ao iado de sua cama para discutir o tratamento. Eta lou no seu
medicos. Contanto que a comunicacão dentro da equipe seja boa, a quatidade da
crachá "Departamento de Radioterapia". Essas duas pessoas tevaram vários dias re-
atoncâo methora consideravetmento. Desse rnodo, como conseqüêncba, aparece o
fletindo sobre o que haviam escutado, ate criarem coraem para fazer perguntas, esti-
senso do satisfacab no trabalho sentido peta equipe.
muladas por essa idéia nova. Compreensivelmente, ambos ficararn muito indignados.
Os probtemas surgom quando a comunicacab é pobre e quando a pot Itbca do
trabatho é obscura ou é autoritarba, senáo segrogadora. A equipe do residentes vbven-
cia consbdoravet tensáb quando urn paciente faz uma pergunta direta e o medico-
PERGUNTAR PARA OUTROS PROFISSIONAIS
chefo hayba decidido ocuttar-Iho a verdade. Se a onforrnebra ou urn funcionário fala
sem permissab, e isto mais tardo é descoberto, pode ocorror uma roprbmenda óu al-
Em vez de lancar m3o do charadas e subterfCgios, muitos pacientes Se voltam
go pior. Porém, em mubtas ocasbôos, isto dá coragem para que uma enferrneira ro-
para outros membros da equipe a fim de obterem informacab, quando seu medico
cérn-formada ou urn funcionarbo desafie a autoridade e diga: "A Sra. X porguntou-

34 ___
me hoje qual o seu diagnóstico, e eu acho que seria muito meihor para ela, se sou-
besse." Esta é, contu do, a maneira mais construtiva de tratar a situaco. A discusso
corn o médico-chefe ou corn a enfermeira do setor pode mostrar que surgiram ou-
tras informaçöes sobre Os motivos ou personalidade do paciente que náo foram ava-
liadas pela equipe de residentes e que teriam inftuenciado na decisão. Por outro a-
do, o rnédico-chefe, agindo assim, por preconceito ou medo, pode ser levado a re-
considerar. Entá'o, aos poucos, pode aparecer uma mudanca na poiltica direcional.
Nas situacôes descritas o paciente também sofre. Tendo interrogado alguém e
sendo-Ihe negada uma resposta, ele julga pelas evasivas, pelo apressado apoio, ou ex-
press6es ernbaracadas, que nab deveria td-lo feito, provavelmente porque a resposta Falando corn a farnulia
seria dolorosa dernaispara ele suportar. Desta maneira, ele continua sem saber 0 que
se passa, porém corn mais medo do que antes.
Minha própria pesquisa sugere que a falta de cornunicacab sobre a doenca
causa mais sofrirnento do que qualquer outro problerna, exceto uma dor que nâ'o
pode ser aliviada. Quando as coisas vo mal, alega-se, muitas vezes, que isto aconte-
ce devido a falta de tempo e as condicôes inadequadas para trabaihar. Pode ser ate
que seja assim; porém, säo causas tarnbém: a insensibilidade, a relutância de parte da
própria equipe em enfrentar os problemas existentes, e ate mesmo a ignorância.
Através do treinamento edo estIrnulo podemos agir de uma maneira bern meihor.
Quando urn paciente procura o medico para se queixar do que poderiam seros
primeiros sintornas de uma doenca grave, arnbos tornam decisôes sobre o que per-
guntar e responder. Simultanearnente, decidem, por acâb ou omiss5o, se mais a!-
REFE RNCIAS
guérn deve set informado. Ao trazer urn parente ou urn amigo e solicitar que eles
1.Stedeford A. (1981). Couples facing death; II Unsatisfactory communication. British Medi- participern da consulta, deveria garantir que a inforrnacâb está sendo cornpartilhada
cal Journal; 283:1098-1101. desde o inIcio, rnas isso nern sempre acontece. Vários casais pesquisados que partici-
2. Mclntosch J. (1977). Communication and Awareness in a Cancer Ward. Londres: Croom pararn juntos e fizeram perguntas diretas relataram o seu esforço para obter respos-
Helm.
tas. Corn os casais mais reticentes, ou quando o paciente foi a consulta sozinho, os
medicos estavam notoriamente cautelosos sobre o que disseram inicialmente e pro-
curaram uma oportunidade, mais tarde, para poder esciarecer as esposas. Dos 41
casais pesquisados, para 9 o diagnóstico foi dito ern separado. Esse pequeno grupo
de casais declarou em seu relato que; para eles, o nIvel da sua satisfaçab relativa a
cornunicacäo nab foi influenciado pela maneira como foi dito, se arnbos estavam-
presentes ou nab.

Dizer aos parentes mais do que ao paciente

A prática de dizer aos parentes mais do que ao paciente sobre o diagnóstico e


prognóstico so se justifica se eles perguntarn, enquanto o paciente, sendo-Ihe dada
ampla oportunidade, nada procura saber. Quando Os parentes sffo entrevistados em
separado, eles, algumas vezes, pedem ou ate mesmo insistern em que o paciente nao
fique sabendo do seu diagnóstico. Isso coloca o medico numa situaçab difIcil, espe-
almente se ele suspeita de que seu paciente já quer saber ou está apto para fazer a!-
guma pergunta direta no futuro. 0 maior dever do medico está na pessoa do enfer- Os parentes, muitas vezes, continuam insistindo em que o paciente no sabe
mo; porém, é importante manter urn born "rapport" corn a farnilia, na rnedida do a verdade, mesmo quando ha muitos indIcios para a equipe sobreo contrário. Acho
pessIvel. aconselhável tornar muito claro para eles que o paciente me parece o tipo de pessoa
Ha diversas razôes para Os parentes pedirern ao medico o seu silêncio. Pesqui- que ja pensou bastante sobre sua doenca, fez deducöes corretas dos fatos observa-
sando, pacienternente, estas raz6es, pode-se resolver o problerna. Os farniliares tal- dos, e tirou suas próprias conclus6es. Quando eles levam em conta essa idéia lem-
vez tenham sido, previarnerite, informados de que é insensato revelar a verdade aos brarn-se de que várias vezes ele Ihes forneceu indIcios, anteriormente desprezados.
pacientes. Ele pode ter testado a tarn Ilia, fazendo observacôes como esta: "Vocês näo acham
que eu you ficar aqui para sempre! ..... Frase dita de uma maneira que poderia ser le-
Daphne, casada, corn trinta e tantos anos, tinha cancer de seio. A seu pedido,
vada tanto a sério como tida por brincadeira. Lembrando estas passagens, os paren-
o medico revelou-lhe o diagnóstico, e ela o transrnitiu ao seu marido. Quando
tes compreendem que o enfermo já devia conhecer a situacab. Em geral, eles con-
a máe de Daphne descobriu que esta no ignorava o seu caso, exiglu fur losa-
cordarn, entâo, que o medico pode, delicadamente, explorar quanto 0 paciente pre-
mente ver o rnédico, dizendo que sua filha estaria perturbada pelo que tInha-
sumiu e responder corn sinceridade a qualquer pergunta que acompanhar. Eles pre-
rnos feito e que, prirneiramente, deverlamos td-la consultado. Ficamos saben-
cisarn ser tranquilizados de que o medico responderá sornente o que o enfermo quer
do que, dois anos antes, seu rnarido havia rnorrido devido a urn cancer na a-
saber e na medida em que ele perguntar, nunca de uma maneira brusca e ameacado-
ringe. 0 cururgiã'o aconselhara-a muito a no contar ao rnarido a diagnóstico e
ra. Os parentes tambérn sá'o gratos quando a medico promete informá-los sobre o
ela rnanteve o segredo por quase dois anos, corn grande sacrifIcio. Fitha e mâè resultado da entrevista. Se eles sab deixados na ignorância, ficam apreensivos a cada
erarn rnuito intimas, e Daphne nab sabia se ficava ao lado da mae ou no nos-
visita, querendo saber se devem manter a fachada firme ou preparar-se para urn tipo
so. A me ficou indignada conosco, nab so porque achava que tinharnos feito diferente de conversacab.
algo de prejudicial a sua filha, mas também porque nosso prograrna de acâo
Os medicos, de vez em quanto, desaconsetham revelar a verdade, quando os
fez corn que ela se questionasse quanto ao valor daquilo que tinha feito corn 0
parentes preferern ser abertos. lsto pode causar problemas de uma espécie diferente.
rnarido.
Marion estava corn 39 anos e tinha urn tumor no cérebro. Seus sintomas pro--
Este incidente poderia ter sido evitado, Se tivéssemos procurado ver tanto a
grediam rapidamente e ela foi levada, inconsciente, do teatro diretamente pa-
me quanto o rnarido de Daphne, logo depois de sua admissá'o no hospital. Esse tra-
ra urnacirurgia de emergéncia dentro de 48 horas após a início da doenca. 0
tamento porrnenorizado nem sempre é possIvel, mas a caso proporciona uma lern-
neurocirurgiab pôde extirpar apenas parcialmente o tumor e falou corn Da-
brança benéfica: a de que os parentes dos pacientes rnerecern tanta consideraço
vid, a marido, sabre a pobreza do prognóstico. Sern qualquer discusso, o
quanto os maridos ou esposas e filhos.
neurocirurgiäo disse que decidira revelar a Marion apenas a existência de um
Os parentes podern acreditar que o paciente perderá a esperanca e porá firn a
cisto, e que a radioterapia iria curá-la. Marion e David ate ent5o tinham corn-
luta seconhecero diagnóstico. Inquirindo a respeito de como ele reagiu as crises an-
partilhado de todas as coisas importantes, e David queria, realmente, que ela
teriores, é possIvel descobrir antecedentes üteis para influenciar como suas pergun-
soubesse sobre seu estado tanto quanta ele sabia. Achava que tinham enfren-
tas säo respondidas, se e quando ele realrnente pergunta. 0 histórico de uma doenca
tado muitos momentos difIceis no passado e poderiam fazd-lo novamente ago-
depressiva anterior nffo é uma contra-indicacab, para dizer a verdade; tenho conhe-
ra. Porém, estava tab chocado com o desastroso acontecimento, que tinha sur-
cido pacientes que reagem muito bern. Urn deles me disse "Isto é muito mais fácil
preendido-os tab inesperadamente, que nab rciocinou corn clareza quando a
do que uma depressâo. Todos sabern o que tenho e me ajudam. Quando eu estava
cirurgiffo Ihe fabou, deixando-o incapaz de objetar. Marion ficou muito con-
deprirnido, ninguérn me compreendia." Alguns pacientes esforçam-se para superar
tente ao ouvir que ficaria melhor em seguida. Ernbora David ainda quisesse di-
uma crise de desespero logo que ficarn sabendo, mas a maioria reage em pouco tem-
zer-The a verdade, ele estava relutando em estragar a sua alegria, nas primeiras
po e alguns tomam evidente deterrninaçao para lutar, o que os torna muito mais for-
semanas.
tes, por conhecerem suas possibilidades.
No inicia, ela ia bern, mas logo parou -de melhorar e comecou a indagar
Os parentes muitas vezes nab querern que a paciente fique sabendo a verdade;
por que seus esforcos na fisioterapia nab surtiam mais efeito. Quando come-
desta maneira, continuam, intuitivarnente, escondendo a sua tristeza atrás de uma cou a piorar, supôs que nab estava se esforcando o suficiente, ficou deprimida
fisionornia alegre. Eles Se justificam, dizendo que fazem isso por causa do paciente. e, ocasionalmente, tentou a suicIdio. Nessa ocasi5o, sua personalidade havia
Como o casal no I cap Itulo, temern que compartilhar o conhecimento seja trernen- mudado urn pouco e David achava que ela na tinha mais condicôes para en-
darnente doloroso. Quase sempre o paciente já supôe a realidade e também tinge, frentar a verdade. Quando Marion veio tratar-se conosco, ela estava assustada,
por causa da famIlia, negando-se, portanto, a oportunidade de fazer todas as per- as vezes paranóica, e muitas vezes confusa. Nab pod larnas falar corn ela, pois
guntas que seu conhecimento secreto suscita, em sua rnente.

38 39
nab tinhamos certeza se era capaz de concentrar-se o suficiente para ass imilar outro caso, nós resolvemos concordar corn o pedido do marido "que a sua esposa

tudo 0 que dizIarnos. Eta devia ter compreendido a not Ida ruirn, mas seria in- nab soubesse." Eta era uma muther muito calma, nâo fazie nenhuma pergunta. Die a

capaz de aceitar o apoio que nós poderlamos oferecer, o tratarnento e a ajuda die ficava mais fraca, rnes parecia contente, setisfeita corn o conforto dado petas vi-
sites de sue fern lila, que era muito grande. Eta rnorreu trenquitarnente e todos nós
que estariam a sua disposiço. Já sablamos que, quando eta ficava paranóica,
nab podiarnos consolá-la. Concordávarnos, entâb, corn David - agora era concordarnos que defrontá-la corn seu diagnóstico teria sido impróprio e reairnente

demasiado tarde para the dizer. Controtamos seu sofrirnento quanto pudemos, noportunO.
corn o uso de drogas, mas eta rnorreu assustada e sozinha. Já que marido e Gwen estava diferente; eta descobrira urn nóduto no seu selo. Presurniu logo o
muiher tinham sido incapazes de compartithar o sofrimento, David nab pôde seu significado, e decidiu esconder do marido e dos outros ate quando fosse
ajudá-la corno gostaria, e estava cheio de rernorsos. possIvel. Eta me disse mais tarde que tinha procedido assirn porque detestava
Quando nós discutimos isso mais tarde, reconhecemos que saber a verde- a idéia de preocupá-lo. Eta nab foi vista por urn medico, ate que a dor a corn-
de desde o inIcio poderia ter produzido uma seqüência de acontecimentos peiiu a subrneter-se e permanecer na carna. Nessa ocesiab seu estado era grave
cornptetarnente diverse. No inlcio, Marion teria ficado to triste quanto Da-
e eta so viveu mais dues sernanas. Quando Gwen foi admitida no hospital,
vid, mas poderiam ter pianejado o futuro juntos. Eta teria ficado maisconten- acharnos que eta deveria fetar corn seu marido sobre o diagnóstico; ele ficou
te corn o grau da recuperaç5o conseguida. Nab se teria tastirnado, quando ces- profundemente chocado. Ao ficar sabendo, nab a censurou; adrnitiu que eta
sou o progresso do tratarnento, nern teria feito tento esforco desnecessário tinha the poupado meses de ansiedade. Mas depois da sue morte, tevou muito
para recuperar-se. Uma vez que Marion ignorava ser vItima de uma doenca tempo pare epaziguar sue raive e tristeza por Gwen no the ter permitido
que era a causa da sua degeneraco, eta tinha de procurar uma outra causa e cornpartithar de seu sofrirnento ou cuidar dete. "Se peto menos eu soubesse,
nos responsabilizava por isso. Mais tarde, saberido, intuitivarnente, que estava teria tornado isto mais tacit pare eta", dizia ele, seguidemente.
rnorrerido, ela disse na sue paranoia: "Vocês estäb me mate ndo".
Foj difIcil para David (e nós) resistir a isso. Rernemorando, ele declarou: Eu ofereco a minha ajuda, sempre que os pacientes ou seus cOnjuges nào estab
"Se, pelo menos, o neurocirurgiâo tivesse me perguntado como eu imaginava setisfeitos corn a quatidade da cornunicacab entre etes, corn relaçab a doenca. Mui-
que Marion receberia a noticia. Eu conhecia a minha esposa meihor do que tas vezes fatar sobre o histórico é o suficiente. Eles descobrem que podern trocar
ciaro que haviaurna "chance" de eu estar errado - mas eu sornente de- idéias corn mais facitidade sobre seus probtemas do que esperevam. Em outras oca-
- ele.
sejava que me tivessern dado urna oportunidade de discutir sobre isso." siäes corneçärn a conversar sobre as perguntas que eu Ihes fiz e, desta maneira, esta-
betecem um diátogo. Onde o impasse fazia parte de probtemas conjugeis que pre-
E o mesmo nós tarnbérn desejamos.
existiam ha muito, nern sempre era possIvel obter-se uma mudança, mas se ele era
uma resposta direta a crise da doenca ou peto rnodo desajeitado corn que informacôes
tinham sido rnanuseadas peta equipe, as intervençöes foram gereirnente eficazes. At-
guns dos casais aceitarn a minha sugestáo de v&-tos juntos. Quando eu corisigo isso,
A comunicaço entre maridos e esposas
geratrnente salo sorrateiramente, tab logo os dois comecern a conversar, deixando
que etes compartithem de sue tristeza e de uma aproximaco e privacidade. Vários
fezern questab detes rnesmos iniciarem uma conversacab muito importante, e, inva-
De 41 casais pesquisados, 34 (83%) pacientes e 28 (68%) esposas estevam sa-
riavetrnente, ficarn satisfeitos com o resuttado. Diversos choram juntos pete primel-
tisfeitos corn a qualidade da cornunicacab entre etes, corn reiacab a doença. Em ape-
ra vez e descobrern que foi muito adequado fazer isso. Em atguns exemptos, o parceiro
nas 26 (63%) arnbos estavam contentes. 0 descontentarnento neste carnpo no esta-
terminal foi o principal consolador. Ete, ou eta, tinha estado, silenciosarnente, en-
va intimaménte relacionado corn a qualidade do casarnento, de uma rnaneira geral.
frentando urn probtema por sernanas ou meses, e tinha atcançado o nIvet mais pro-
Atguns tinham urn casarnento em condiçöes precárias e podiarn, todavia, dizer tudo.
fundo de aceitacab do que o cOnjuge tinha previsto. Nab devemos jarnais subesti-
que achavarn necessário, urn pare o outro. Outros, que tinham 'sempre sido Inti-
mos" justamente agora nab conseguiam colocar seus sentirnentos em palavras, em- mar a capacidade do paciente terminal em realizer.
Tab logo o casal cornpartilhe do fato, é possIvel corneçar a fazer ptarios. A
bore quisessem. Isso está de acordo corn as descobertas de Hinton (1): que os pa-
eles compete acertar os detathes sobre as finances e tambérn pedir, corn maior tiber-
cientes corn casamentos rnédios ou em rnás condiçöes falam corn muito mais fre
dade, a ajuda do resto da fern lila. Podern, ainda, tratar de questOes deticadas corno
qüência sobre o conhecimento de sua rnorte iminente.
Nos nove casais que tomaram conhecirnento simultanearnente, o tempo err "Você quer ser sepultada ou cremada?", ou "Como você se sentiria se eu casasse no

que o segredo foi guardado variou de urne sernana a oito meses. Dois nunca fataram vaménte?". 0 marido ou a muther que vat deixer o seu ou sue cornpanheira corn

nada sobre o assunto. A história de Marion e David foi retatada detaihadamente. No muitas responsebitidades, especiatmente quando ha fithos pequenos, de urn rnodo

41
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geral sente-se culpado. Pianejar como o esposo Ira sobreviver ajuda a aliviar urn pou- Eu perguntel como os fiihos receberam a not Ida:
co essa cuipa e a perda torna-se também urn pouco menos difIcil.
"Obviamente, muito bern, meu marido foi franco sobre o caso. Eles, natu rat-
Andrew viveu sornente 11 semanas mais, depois do diagnóstico de urn cancer merite, ficanam muito preocupados. Foram a escola dia sim e dia nab, para fi-
de putrná'o ter sido feito. Mary, sua esposa, era torrnada mas no trabaihava, canem corn Cyril. Depois disto, resignanam-se, paneceram aceitar, e falávamos
visto que tinha uma famIlia grande. Eles haviarn decidido juntos que eta volta- sobre o assunto abertamente. Eu acho que esta é, sem düvida, a meihor ma-
na para a faculdade por mais urn ano para tornar-se uma professora Corn licen- neira de agir, porque se fala tudo dentro do sistema deles e nab se fica dema-
ciatura plena. Dessa maneira, sua carreira the dana mais tempo livre, quando siado tnistoniho pelo fato."
Os fithos estivessern em casa. Arranjaram urn meio de financiar aquele ano na
Eu perguntel se os filhos falaram sobre o caso aos seus amigos:
faculdade e preparararn os flihos para o que estava por acontecer. Aiguns me-
ses após a morte de Andrew, Mary me disse: "Sablarnos o que eu estava fazen- "Minha filha tern falado a poucas pessoas, apenas aos amigos Intimos. Eta tern
do, eu executava o que tInhamos piariejado em conjunto. Fol horrIvel, mas eu um narnorado que sabe, porque nos visita, e seus pals tern sido sobejamente
sentia como se ele estivesse atrás de mim, encorajando-me. Como eu teria en- atendiosos conosco. Também ela tern comentado corn outros amigos e, natu-
frentado se nab tivéssernos pianejado desta maneira, n5o posso nem irnagi- rairnente, aiguns professores na escola."
nar." A tarnilia O'Haras era uma espécie de famIiia muito diferente das outnas, mas
Quando os esposos tern de enfrentar juntos o fato de que urn deles está corn seus membros trabaiharam juntos incnivelmente bern. 0 casal tinha quatno fiihos:
probabiiidade de rnorrer, na maloria das vezes eles preferem nab revelar a ninguérn duas meninas de 14 e 13 anos e dois meninos de 9 e 3 anos, quando Rosa adoeceu
ou protelar por aigum tempo, ate que tenham recuperado o equiiibrio e se ajustado peia pnimeina vez. Ela teve urn cancer de mama e ficou doente mais de quatro anos.
a situacâb. Porérn logo em seguida eles voltarn as atencöes para a tam lila. E se per- Rosa e seu manido Pat nab tomaram pante na tarefa de talan corn os flihos, por na-
guntam: "Como devernos preparar as criancas?" e "Quando devemos dar a not Ida zäes que serab explicadas maistarde. Pat taiou corn as rneniinias irnediatamente após
aos pals?". o diagnóstico e respondeu a todas as suas perguntas; em seguida, faiou também corn
o fliho mais veiho e depois corn o mais novo. Numa entrevista gravada ele esciareceu
como sua atitude afetara as criancas.

"Meus flihos realmente se beneficiaram corn minha precaucab, todos eles,


Falar aos filhos
mesmo o mais pequeno, porque, quando eu achei que ele era capaz de assimi-
tar a situacâo, comecel aos poucos a contar-Ihe. Quando Rosa estava pior ou
Ha mu itas vaniantes que infiuem na maneira de as criancas estarem preparadas ia para o hospital, eu dizia: "A mamäè está mal e a rnarnáe pode ficar pior, vo-
ou nab para a morte de urn dos pals. 0 senso comum presurniria que o fator decisi- cè entende. Vocé tern de acostumar-se corn a idéia de que mame ficaná cada
vo mais poderoso seria a idade da crianca, mas as evidéncias tiradas de meu estudo vez pior; eia nab podená sair da cama, nab poderá entran no carro." 0 peque-
corn 19 casais que tinham flihos em idade inferior a 18 anos sugerern que os fatores no, aos poucos, Ia acostumando-se corn estas idélas. isto foi conveniente para
mais importantes sâo a própria atitude dos pals corn relacâo a morte e a abertura ou as criancas neste aspecto: aprendenam a viven corn esta situacab e, provavel-
franqueza corn ostlihos, de urn modo geral, bern como o montante de apolo recebi- mente, fizenam-se mais soiIcitos."
do do resto da tam lila. Urn pal cornecou a preparar o seu filho de 4 anos para o tres-
Pat quenia saber o que Rosa tinha-me contado, quando, numa ocasi5o, o filho
passe de sua rnae, urn ano antes de isso ocorrer. Urn outro casal nab disse nada a sua
mais rnoco, que tinha apenas 3 anos, ihe disse: "Vocé val morner, mame?", pois eia
fliha e filho, 16 e 20 anos, ate uma sernana antes da morte do pal.
nunca faiou corn o manido sobre esta pengunta.
As tarn liias que sâo abertas ao diálogo desde o inIclo parecern, no seu tempo,
Rosa convensava, de vez em quando, dunante a sua doenca, como se tivesse
enfrentar meihor a situacffo. 0 caso de Jenny e Cyril (visto no fim do capltulo 3)
plena consciência do diagnóstico. Mas, na malonia das vezes, nab podia enfrentar a
ilustra isso. Jenny disse, tá'o logo constatada a moléstia:
perspectiva de deixar seu manido e familia e neagia, usando a negaçâo como defesa.
"Decidimos imediatamente que nós contaniarnos a verdade aos flihos. Eles Mesmo quando nab podia mais fazen o serviço doméstico ou cozinhan, eta gostava
tern 13 e 16 anos. Minha fliha Ia sair no feriado e acharnos que era meihon de sentir-se como se estivesse tomando conta de tudo e nab como decepcionando a
contar-Ihe, pois nab sablarnos quanto tempo eu tinha de vida. Eia ficou mui- tarn lila. Pat percebia essa situaçâ'o, clanamente, e explicava-a para os flihos. Todosos
to preocupada. Isto foi urn estImulo para que fizesse a sua escoiha. Realmen- cinco trabalharam unidos, para manten as aparéncias como sabiam que a mae quenia
te, eta desistlu de in." e assirn eta pôde conservar o seu ânimo. Pat descreveu-me a situacao desta maneira:

43
"Ela estava urn tanto tensa. Eu achava que ngo era urna boa idéia contar-Ihe tanto, eu nunca pude ye-los a sOs. Tanto Martin quanto Betty estavam certos de
corn todos os detaihes de nosso viver e as criancas cooperavam, também. Eu que os filhos nab cornpreendiarn a gravidade da situacâ'o e estavam dispostos a
estava, na verdade, rnuitofeliz corn a espécie de filhos que eu tinha. Eles esta- poupá-bos desse incOrnodo pebo rnaior tempo possIvel, apesar da minha insisténcia
yarn corn 13 e 14 anos, quando a doenca se rnanifestou. Mesrno corn esta ida- para que procedessem de maneira diferente.
de, era possivel para mim certo controte. Ate rnesrno corn o menino que tinha No firn de sernana antes de sua rnorte, Martin fez urna breve visita em casa e,
apenas 9 anos, eu pude sentar-me e explicar a todos. Eles puderarn cornpreen- entã'o, falou para Os filhos. Ele me contou que estes realmente expressaram surpresa
der e eu expliquel como ag;rIarnos corn relaço ao que estava para acontecer. como também tristeza e agradecimentos por serern poupados de grande ansiedade.
Meus filhos entenderarn e cooperararn muito. NOs irIamos dizer a rname so- Disserarn, após, que tinham compreendido que o pal estava doente, rnas que o tem-
mente aquilo que achássemos meihor para ela saber e so depois que tivésse- po todo esperavam que ele iria restabelecer-se.
mos discutido entre nós e achado a meihor maneira de faze-b. Acho que isto Esta farnIlia ficou muito agradecida corn o tratamento que Martin recebeu
acoriteceu devido A. espécie de crianca que eles erarn. Sua rne e eu sernpre (embora Betty tenha-me falado, rnais tarde, sobre o seu ressentimento diante da mi-
conversévamos corn eles. Desde pequenos, estirnulel-os sobre as coisas, sobre nha tentativa de mudar a sua opiniab corn relaç5o afalar corn os filhos). Estes tern
tudo o que estava acontecendo. Eles provavelmente amadurecerarn muito ce- mantido contato conosco por vários anos. Os filhos esto trabalhando agora, e tudo
do, pois participavam de tudo o que se passava e eu acho que isso ajudou-os parece ir tab bern como poderia ir. Eu ainda gostaria de saber quanto eles realrnente
quando chegou a hora em que a sua rnà"e adoeceu." sabiarn. Essa famIlia me ensinou a respeitar as diversas rnaneiras de enfrentar a situa-
ço, e nab tentar fazer corn que quabquer urn siga urn modelo preconcebido por
Pat dizia o seguinte sobre os afazeres domésticos: mim.
Ate rnesmo na ocasiâo em que urn dos pais precisou ser internado em nossa
"Devido a medicaçâb de que Rosa fazia uso na ocasi5o, n5o estava ela sendo unidade, 7 dos 19 casais ainda nab tinham cornecado a preparar seus filhos para o que
muito realista sobre as coisas. Achava que nâo estévamos tirando o pó muito
estava por acontecer. Muitos deles, como os Bradwells do capItubo I, achavam que
bern ou fazendo a limpeza corretarnente, talvez quando isto recém tinha sido
os fibhos nab estavam sabendo, ou, se estavam, nâo se mostravarn preocupados. NOs
feito. Porérn, nós concordávarnos sernpre corn o que ela dizia e sempre a del-
sablamos que o Sr. e Sra. Bradwell estavam errados e que toda a famlila se benefi-
xávamos pensar que tudo o que havia fora feito em casa; o que quer que
dana corn a abertura do diálogo.
fosse, tinha sido feito por ela. Se Rosa entrava na cozinha logo depois da
A fam Ilia Harris também näo estava enfrentando rnuito bern. Derek Harris ti-
limpeza e achava que essa devia ser feita novamente, rnelhor do que estava,
nha cancer general izado e nab cornentou nada sobre a sua doenca corn a esposa, Ca-
nós fazIarnos tudo de novo e nos empenhávamos para que ela se sentisse
rob, nab dando, assim, oportunidade para que eles discutissern como iriarn dizer isso
ligada a todos nós." aos filhos, Anne corn 10 e Gerry corn 9 anos. Havia, tambérn, outros problemas: ela
Várias vezes, no més anterior a sua morte, Rosa acordou durante a noite, pen- estava indignada corn os medicos, pois achava que o tratamento näo fazia efeito,
sando que já ia morrer e persuadiu Pat a acordar os filhos para ela poder ye-los. En- porque fora ministrado tarde dernais; estava sentida corn os pals de Derek, os quais
tretanto, quando ela estava prestes a morrer, pediu que nenhurn deles ficasse em moravarn bonge deles e nab viriarn visitar o filho que estava rnorrendo. Supunha que
volta da carna. Rosa morreu tranqüilarnente em casa durante urna manha, quando já fosse o bastante para se preocupar. Tendo ainda dois filhos para cuidar seria
todos os fllhos estavam fora, arnparada por Pat e a enfermeira, que tinha se tornado demais. Portanto, Carol escondeu das criancas a sua ansiedade, ate o dia em que fi-
quase urn rnembro da farnilia, nestas Ciltirnas semanas. No acornpanharnento esta fa- cou evidente que Derek tinha urn tumor secundário no cérebro e ela n5o poderia
rnais conter sua afliçäo. Naquela noite ela disseaos fllhos que o pai, provaveirnente,
rnIlia estava saindo-se muito bern.
Quando encontrei a farnIlia Lattimer jã tinha visto mu itas que eram abertas iria morrer em pouco tempo. Eles reagiram de modos diferentes. Anne chorou mui-
corn seus filhos e eu já estava impressionado como esta parecia, sern dOvida a meihor to, rnesmo quando dormia, rnas Gerry não dernonstrou nenhurn sentirnento. Isso
maneira de agir. Quando fiquel sabendo que Martin e Betty, cujos fllhos tinham 16 preocupou Carol rnais do que as lagrimas de Anne, e ela consultou seu clInico geral.
e 20 anos, nâ'o pretendiarn contar-Ihes como o pal estava, embora ele tivesse apenas Este pediu que ela prestasse atencâb em Gerry. Contudo, ele parecia muito bern.
poucas semanas de vida, fiquel bastante apreensivo. Percebi que, como adoles- Depois dessa conversa, eles perguntavam a rná'e após as visitas: "Como o papal esta
centes, eles tinham imaginado de qualquer maneira, rnas os Lattirners forrnavarn hoje?". Se ela dissesse "Papai nab está muito bern", eles nâo falavarn nada. Se ela
uma farnIlia fora do comum. Os pals erarn afetuosos, embora muito autoritários, e afirrnava "Papal hoje está bern", eles diziam "Que born", e saIarn para brincar. Ne-
tinham educado os filhos de modo a fazer o que Ihes fosse dito e sern fazer nenhu- nhurn dos dois quis visitar o pal (embora Anne concordasse em vir, se a avó viesse
ma pergunta. Arnbas as criancas pareciarn irnaturas para suas idades, cairnas e também). Assirn, tivemos poucas "chances" de encontrar corn eles. Poucos dias an-
submissas. Era desejo dos pals que nenhurn membro da equipe falasse corn eles; por- tes de Derek morrer, Gerry fol para a cama corn dor de barriga e afirmava que nab

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Se levantaria ate que o medico fizesse corn que ele e seu pal meihorassem. Näo esbo- urn dos pals, mas se eles estäo bern amparados e não precisarem enfrentar muitas
cou uma paiavra, expressou seus sentimentos mais uma vez de uma maneira muito outras mudanças ou perdas ao mesrno tempo (tais como a mudanca de casa ou de
clara, na noite que seu pal morreu. Foi ate uma gaveta, pegou urn pijama de Derek, escola), a sua alegria natural pode permitir-Ihes emergir da tristeza e continuar seu
vest iu-o e fol para a cama. desenvolvimento de uma maneira satisfatória.
Como é que a famIlia reaglu, nós nunca soubernos, pois Carol no permitiria Os casais mais vethos, corn flihos já adultos, muitas vezes necessitam de ajuda,
qualquer acompanharnento. Certa ocasio, eles vieram ver-me. Havia urn acürnulo também. Aiguns desses pals relutam em contar o segredo Para seus fithos, protegen-
de probiemas cujas defesas pareciarn irnpenetráveis e muito pouco pod Iamos fazer do-os como se nunca eles tivessem crescido. Outros acham difIcil aceitar o papel
alérn de ouvir e apoiar. lsso pareceu ajudar Carol, pois eta ficou muito menos ansio- oposto de serem cuidados pelos filhos. Esses pals se consideram como urn peso e,
sa depois de desabafar comigo por mais de uma hora. Carol recusou-se a ver-me rio- muitas vezes, negam a seus flihos e filhas a oportunidade de ajudar, quando estes o
vamente; contudo, talvez porque ela tivesse medo de que eu, de alguma forma, pu- fariam com o rnaior interesse e boa vontade. Discutir sobre estas atitudes corn os

desse corifrontá-la novamente corn todo o sofrimento que eta deixou cornigo. Pais talvez faça corn que eles aceitem a ajuda dos fllhos. Se eles não aceitarem, esta-

Nesse estágio de rninha experiência, eu hesitaria em dar urn conseiho sobre co- rão causando mais sofrimento, näo menos, e no mornento da perda os fithos tam-
mo os filhos deveriam ser preparados Para a morte de urn dos pals. e , evidenternen- bém iräo dizer "Se, pelo menos, eu soubesse..."
te, benéfico, proporcionar ao casal oportunidades de discutir o assunto corn urn es-
tranho e tirar dessa conversa o que se adaptaria methor a seus prôprios filhos. Eles,
os esposos, parecem satisfeitos em saber como outras tarn Ilias tern Se conduzido, e
ganham confianca, admitindo que seus filhos sâo capazes de se adaptarern tambérn. Falar corn os pals
Nas tam Ilias corn filhos pequerios apolar os Pais e incutir-ihes confianca em suas
próprias habilidades Para conduzirem bern a situacäo, parece preferIvel a oferecer-se
Para falar corn as criancas. As sess6es em tam lila podem ser de muito valor em rela-
0 que determinará quando os pals devern ficar sabendo sobre a doenca grave
çáö âqueles que estäo preparados Para aceitá-ias.
de urn fllho ou uma fiiha depende não apenas da intimidade da relacão, mas tam-
Os adolescentes preferem falar a sos corn o medico e, muitas vezes, revelam
bern Se eles podem ser considerados como suporte ou como dependentes. Nas tam í-
uma compreensâö mais profunda de seus pals do que esses possam imaginar. Alguns
has muito Intimas, aparece o contlito entre o desejo de contiar nos pals e o interesse
deles que eu entrevistel jé tinharn se perguntado como poderiam ocupar o lugar do
de protege-los do sofrimento, especialmente Se eles forern velhos e doentes. Onde os
pal ou da mâè que faltasse, ajudando o sobrevivente ou cuidando dos irmá'os meno-
Pais já tiveram, por exemplo, urn ataque card Iaco e são considerados como pessoas
res. Eles devem pesar isso contra suas crescentes necessidades de independéncia e de vulneráveis, os pacientes dizem coisas como esta: "Eu simplesmente não posso dizer
uma educacâ'o continua. Quase sempre a sua "maturidade" repentina é uma defesa a ele, isso poderia matá-lo." Compartithar de uma intormacão penosa faz parecé-la
contra a tristeza que eles consideram como uma infantilidade. A promiscuidade e a mais real e inevitável, e o desejo aparentemente verdadeiro de proteger os pals talvez
delinqüëncia são as respostas mais extrernas a ameaca da perda de urn dos pals ou a represente uma racionalizacão da relutância a enfrentar a verdade ou ver os pals
privacá'o. preocupados. Porém, quando estes continuam sern saber de nada, ate que seu fliho
Os filhos podem sentir-se duplarnerite abandonados se urn dos pals, aquele esteja morrendo ou rnorto, sof rem urn choque muito major, e tambérn são privados
que tern saOde, está dernasiadamente preocupado em atender as necessidades do ou- da oportunidade de oferecer ajuda ou conforto e de dizer adeus. A maior parte dos
tro que está doente. A ajuda de parentes, especialmente dos avOs, é de muito valor pacientes, quando soticitados a considerar este ponto de vista, decidern contar.
aqul, e o saber que eles são Oteis arneniza urn pouco sua própria tristeza. Onde nao
existe nenhum mernbro da famIiia Para ajudar as criancas, uma assistente social ou Jenny e Cyril, que prepararam seus filhos tao bern, estavam preocupados corn

outra pessoa que se dedique a esse mister pode ocupar este lugar por aigum tempo, a mae de Cyril, cujo marido talecera dois anos antes, após o que eta se mudou

ate que urn dos pals seja capaz de tomar conta novarnente. As tam Ilias que fre- Para perto do fllho e nora. Eta tinha artrite e dependia deles quanto a trans-

qüentam a igreja são, muitas vezes, ajudadas pelo sacerdote, pelo ciube de jovens Porte, Para quase todos os seus contatos sociais. Quando Jenny ficou doente,
etc., e alguns professores podem também contribuir Para o bem-estar das criancas, Cyril queria dedicar mais atençã'o a eta, e a princIplo sentiu-se culpado por
durante uma crise como esta. A rotina da escola proporciona uma certa estabilida- auxitiar menos sua mae. Entretanto, eta era muito compreensiva e descobriu,
de, enquanto, em casa, as criancas sentern-se inseguras. A maloria dos pals fazem realmente, que podia fazer mais por si prOpria do que pensava. Uma sua vizi-
questão de informar os prof essores sobre a doença, de modo que a devida considera- nha que fol solicitada Para ajuda-la tornou-se sua amiga e apresentou-a a outra
ção seja tornada, observando se o rend imento esco tar desses alunos baixa dos padröes senhora da mesma idade. Assim, ela passou a fazer mais parte da cornunidade.
usuais ou se eles apresentam outros problemas. Todos os fllhos sofrem quando perdem As pessoas de idade sofrern muito corn a perda de urn fliho, achando que a or-

47
-
dern natural dos acontecirnentos fol trocada e, quase sempre, se julgarn culpa-

61
das por permanecerern vivas. As novas am igas da mae de Cyril, da sua própria
geracao, protegeram-na durante esta experiência, e capacitaram-na a ser mais
solIcita para ajudar, emocionalmente, Cyril e seus filhos.

Onde o relacionarnento e forcado, a situacao é diferente. Urna fllha que consi-


dera a máè como superprotetora ou possessiva saberá retardar a revetaco o major
tempo possIvel, ternendo que ela insista em vir "ajudar" e assurna o controle da Ca-
sa, passando a lidar corn os netos de uma maneira diferente da sua ou indispondo se
corn o genro e separando o casal. Nos casamentos mal sucedidos e tarnbérn nos ca-
A crise do saber e a
sais muito jovens, onde o vInculo corn os pais é mais forte do que o novo relaciona-
rnento, os pacientes, várias vezes, se voltarn para os pais para receber apolo, e del- expectativa da morte
xarn o cônjuge sentindo-se rejeitado e corn citme. Entre os rneus pacientes, urn ma-
rido que estava corn medo de que isto viesse a acontecer dissuadlu a esposa de con-
tar a mã'e, dizendo que seria cruel preocupar os pais corn notIcias dessa natureza.
Ern se tratando de famIlias divididas, é possIvel que os medicos, assistentes so-
dais- e outros funcionários sejarn, inadvertidarnente, envolvidos nas rival idades e
subterfCigios. Quando os parentes pedern uma entrevista, é prudente confirmar pri-
rneiro corn o paciente. Talvez ele queira reter o controle do fluxo de inforrnacôes
que circulam em famIlia e evitar que os parentes no integrados no seu circulo de
Quase todas as pessoas acham que vao viver ate a velhice. Os jovens presumem
amizade-venham visitá-lo.
que alcancarao a vida adu lta e provaveirnente casarao; os adu ltos ainda jovens, que vo
Os segredos em famIlia geralmente causam problernas malores que o próprio
progredir no seu trabalho, ter e criar os fllhos. Esses esperarn ver, mais tarde, seus fi-
motivo deles. E as pessoas envolvidas experirnentarn urn alIvio muito grande, quan-
do náo precisam mais guardá-los. Eu fico impressionado pelo modo como as famI- Ihos casados, destrutar da aposentadoria e dos netos. Na maloria, as pessoas, cons-

las cooperam nas épocas de crise; irmâ'os e irms formarn uma parte major no cui- ciente ou inconscienternente, estao prograrnando a próxirna etapa de suas vidas e ja-

dado dos pals ou fllhos e desta maneira livrarn o paciente que está rnorrendo e aque- mais rneditarn sobre a morte. Sao raros os que pensam urn pouco mais sobre isso ou

les muito ligados a ele de sofrirnentos desnecessários. Mas antes que os parentes do- a aguardarn prazerosamente. Essa minoria inclui as pessoas muito idosas, que
rnecem a fazer isso, devem saber que sá'o necessérios. Desta maneira, uma cornunica- tern asensacâ'o de haver completado suas vidas ou talvez já perderarn mu itos dos
çao aberta é urn passo vital para mobilizar os recursos da farnIlia. As pessoas nem seus conternporâneos; os deprirnidos e os frustrados, que considerarn a vida como
sempre raciocinam claramente, quando estâ'o sob uma tensâ'o muito grande e ter- urn peso e desejam fugir dela; e aqueles que perderam urn parceiro amado e esperarn
dem a confusáo e ao isolarnento. As perguntas simples como "Quern mais poderia que a morte os reIna novarnente. Mas a maloria das pessoas, quando confrontadas
ajudar você?" e "Vocé perguntou a eles?" podem ser necessárias para desencadear corn uma doenca que, provavelmente, resultará ern morte, reagern corn urn choque
0 prodessO. quase sempre seguido de raiva. Elas vêern a Si rnesrnas na irninência de serem "inter-
rompidas antes do tempo", sentem-se fraudadas no que considerarn como seus direl-
tos. Tais pessoas passarn pot aquilo que Mansell Pattison (1) chama de "crise do conhe-
RE FE RE NCIAS cirnento da morte". Essa é a fase do auge da ansiedade, qüando elas admitem a
arneaca da morte, rnas ainda estao incertas quanto a sua inevitabilidade. Se elas en-
I. Hinton J. (1980) Whom do dying patients tell? British Medical Journal: 281:1328-30
tendem-na como inevitável, querern saber quando e como ela ocorrerá. A incerteza
parece a experiência mais dificil de todas, para a psique enfrentar. Visto que uma
pessoa sabe o que é possivel acontecer, ela deve comecar a adaptar-se ou planejar
adequadarnente. Ate que urn mdiv [duo saiba que espécie de acäo é adequada, ele
nada tern a fazer, quer ele esteja desprotegido e paralisado ou afligido pot uma
perturbaco sem sentido. Alguns rnorrem nessa fase: vItirnas de acidentes
graves, ataques do coraço ou derrames cerebrais. Aqueles que rnelhorarn no
inIdlo passarn, em questao de dias ou horas, por aquilo que Pattison chama de "in-

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tervalo entre a vida e a morte". Essa fase sucede a crise da percepco da morte e an- da, uma variedade bastante conhecida de respostas a crise. A ansiedade aumenta,
tecede a fase terminal, que pode durar meses ou anos, e o paciente acha-se numa das so procuradas solucôes para o probtema e eta cresce mais ainda, como se se reconhe-
quatro "trajetórias da morte", para usar a expressãb de Glaser e Straus (2, 3), de- cesse a gravidade de urn probterna recente e insotóvet. Pode ocorrer o pânico... En-
pendendo da espécie de doenca que ele tenha. tã'o o paciente tern possibilidades de morrer, esforcando-se contra condicöes adver-
sas e corn rnedo, ou pode entrar em cena uma variedade de defesas psicotógica, pa-
ra ete lutar contra a ansiedade. Se houver tempo e urn apoio ernocionat suficiente, a
pessoa que está rnorrendo pode, gradualmente, capacitar-se a abandonar essas defe-
As trajetórias da morte sas, rnanifestar sua raiva e tristeza corn retac5o ao que está acontecendo, ou passar a
ser catma e resignada, aceitando a situacâb. Tudo isto pode acontecer num per lodo
surpreendenternente pequeno.
As quatro trajetórias são:
A Sra. M. tinha cancer general izado e ficou doente por rnais de urn ano. Eta
1. morte certa num prazo conhecido,
2. morte certa num prazo desconhecido, nunca perguntou o que estava errado e isso nunca the foi dito. 0 marido des-
3. morte incerta porém num prazo conhecido, quando o problema seria resol- cobriu a gravidade de seu prognóstico, varios meses antes de sua morte. A Ca-
vido, da tratarnento que fazia, a Sra. M. sentia-se ternporariamente methor e renas-
morte incerta e urn prazo desconhecido, quando o probtema seria resolvi- cia-the a esperanca de que, entáö, ficaria curada. Entretanto, eta foi piorando,
4.
ficou acarnada e, após, hospital izada. Durante a sua prirneira noite no hospi-
do.
tal, ficou acordada, pensando. Deduzindo, corretarnente, dos fatos observa-
A discusso sobre os vários efeitos de cada uma destas trajetórias será feita
dos, eta reconheceu o significado dos eventos do ano -que nenhurn tratamento
agora
produzia uma methora permanente e que eta tinha se transforrnado de uma
rnuther de boas condicöes fIsicas em uma inválida. De repente, pela primeira
vez, eta percebeu que estava morrendo. 0 pânico afetou-a seriamente e eta pe-
A MORTE CERTA NUM PRAZO DETERMINADO
diu ajuda. A enferrneira encontrou-a muito agitada, gritando que Ia morrer e
que n3o queria isso; em seguida pediu uma injeç'o, para terrninar corn aquito
Urna pessoa que sofre urn ferimento grave ou tern, por exernplo, urn poderoso
med iatarnente. Eta repetia os pedidos por uma eutanásia, a tim de terminar
ataque do coração pode saber, intuitivamente, que está na irninéncia de morrer. An-
corn o seu pavor, e riäo podia ser deixada sozinha por urn instante. Agarrava-
tes da perda da consciência, eta pode dizer: "Eu estou rnorrendo, no estou?", ou
deixar corn quern the faz cornpanhia uma rnensagern para a pessoa a quem arna. Nes- se a quem estivesse corn eta, ainda que parecesse nâo se confortar corn sua
se momento doloroso, não ha dor e pouca evidéncia de sofrirnento emocional. Qs presenca.
pacientes que estiveram quase rnortos, e.g., durante uma parada card Iaca, relataram Fazia pouco tempo que esta Unidade hospitatar estava funcionando, e
uma sensacâb de afastarnento... 0 tempo parecia estar parado, ou a história de sua nenhuma das pessoas de ptantáb naquel noite havia enfrentado, antes, uma
vida manifestava-se, repentinamente, diante deles. Não sentiarn rnedo ante o que se crise sernethante. A ansiedade das enferrneiras provavelmente contribuiu para
passava. Alguns falararn de "experiências fora do corpo" nas quais eles observavarn, o medo da paciente. Em contrapartida, intuitivamente etas perceberam que
sem preocupaco, os esforcos da equipe de ressuscitaco, trabaihando sobre seu cor- sedá-la forternente seria uma providéncia inadequada para as necessidades da
P0 inconsciente para faze-to sobreviver. Outros dizem que seguirarn urn trajeto, paciente. E ficararn junto deta, perrnanentemente, ate rninha chegada. Essa
acornpanhando uma tuz ou uma figura bondosa; que estavarn conscientes ao serern era uma situaçâb nova para mirn tambérn, mas ten tei acatrná-la o suficiente
chamados de volta e de uma resistência para retornar. Narrativas corno essas so da- para eta me dizer o que tinha acontecido. A descoberta de que eu já estava
das por Moody em seu livro A VIDA DEPOIS DA VIDA (4). Ospacientes que so- ciente de sua morte para breve e de que eu estava pesaroso mas, evidenternen-
brevivem a essa experiência perdern, freqüentemente, alguns dos seus temores da te, näo estava aftito, é provávet que a tenha acatrnado rnais ainda. Perguntou-
morte e vivem muito methor depois da experiéncia, corno se tivessern aprendido me a Sra. M. se o seu rnarido tambérn sabia a verdade. Respondi: "Acho que
uma liço irnportante corn o acontecido. como urn deles me disse: "Eu sinto que sirn." Eta nab podia acreditar e ped lu-me que o chamasse, imediatamente. En-
estar corn vida, agora, é urn prêmio extra - e eu prezo minha vida muito rnais, ago- quanto esperavarnos sua chegada, eta começou a contar-me que estavarn espe-
ra, do que antes." rando a aposentadoria dete; que planejaram utitizar atgurnas econornias para
Quando existe urn intervato rnais longo entre o conhecirnento da morte irni- viajarern ao exterior; que uma fitha do casat estava para casar no próxirno ano.
nente e a morte propriarnente dita, o paciente apresenta, de uma forma muito agu- Subitamente, eta se deu conta de que iria perder tudo isso e a raiva contra esta

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excessiva injustica surgiu de repente. Eta tevantou a voz, como antes: "Isto 150 mg de ctorprornazina. Quando emergem, depois de atgumas horas, alguns deles
não e justo' Externei minha compreensáb de seus sentirnentos e eta Se acat se rnostrarn mais catrnos, como se suas rnentes tivessern feito atgum ajustarnento,
mou, riovamente. Quando o marido chegou na Unidade, eu perguntei a pa- enquanto estavarn sedados. Mas outros continuam da rnesma maneira ou pior. Estäo
ciente Se concordaria que eu a deixasse sá, enquanto eu ia encontrar seu marl- menos acessIveis a uma conversa do que antes, devido ao efeito da droga, e ainda
do, e eta consentiu. - muito mais aflitos. A Onica opcâb humanitária, neste caso, é repetir por várias vezes
Falei rapidamente corn o Sr. M. e ele me confirrnou que já sabia do diag- a dose de clorprornazina, antes de perrnitir-thes ernergir da sedacab, novarnente. Se
nóstico, ha algum tempo, mas tinha feito o possIvet para esconder da esposa. o paciente já está perto da morte, este procedimento pode correr o risco de que os
Numa crise anterior, em sua vida, eta tentara o suicIdlo. Ete sentiu medo de efeitos da droga possam cornbinar-se corn o processo contInuo da morte, de rnodo
que eta tentasse o rnesmo, novarnente. Fomos para junto da carna da enferma. que o paciente entre em coma e morra sem recuperar a consciència, mesrno que de-
"Você sabe?" perguntou eta. "- Sim.. " respondeu ele, enquanto a abracava. pois de atgurn tempo ná'o seja mais adrninistrada outra dose de ctorpromazina. 0 pa-
Ambos choraram, sitenciosarnente; eu os deixei a sos. Quando o vi novamen- ciente que, iniciatrnente, nffo está assirn tao rnal, pode emergir depots de urn ou dois
te, oSr. M. estava carregando urn tetefone móvel. "Vamos tetefonar para toda dias de sedacao e ser capaz de responder rnethor, como a Sra. M. No caso dela é prová-
a farnutia," ele disse. "Eta quer que todos saibam..." Agir deste modo, ajudou- vet que uma atta dose inicial de sedativo nos tivesse tevado a continuar corn esse
os a chegar a urn acordo, face ao que ambos sabiarn. procedirnento, pois ter-the-la sido muito pouco provável tutar racionatmente, uma
Mais tarde, ja peta manM, ele deixou a esposa para atender atguns corn- vez que seu já escasso controteteria sido enfraquecido pelas drogas. Todos nOs, des-
promissos profissionais, e eta dormiu. Quando acordou, estava muito triste, ta maneira, terIamos sido privados de algurna coisa boa. Eta teria perdido a oportu-
mas a tardinha váriosmernbros da famIlia vieram visitá-la para apresentar suas
nidade de receber as atencôes da sua farnitia e de dizer-Ihes adeus; e nós no teria-
despedidas, todos corn ftores e mensagens. Escorada na cama, eta sentlu mais mos tido a oportunidade de testernunhar a capacidade da natureza hurnana em
coragem, corn o ânimo elevado por ser o centro de tanto carinho e atenço.
adaptar-se muito bern a idéia da morte. I-
No decorrer da maioria dos próximos dias, eta dormiu. Quando acordada, eta
tinha per Iodos de tristeza, por tudo que ia perder, alternados corn ternbrancas
felizes dos mornentos agradaveis que já tinham passado. Qundo as enferrneiras A M0RTE QUASE CERTA NUM PRAZO DESCONHECIDO
estavam sozinhas corn a Sra. M. muitas vezes eta ficava triste, mas na maloria
das ocasiöes estava ategre e ate mesrno contando piadas. Depois de dois ou 0 "quase" é anexado a segunda categoria de Glaser e Straus porque dificit-
trés dias eta pedlu que ninguém mais viesse visitá-ta, exceto o rnarido. Ete fi- rnente podernos dizer, corn toda a certeza, que urn paciente ira morrer em uma da-
cou corn eta durante a quinta noite e, de madrugada, eta the falou peta Oltirna da condicao. De vez ern quando, ate os meihores cilnicos agem erradamente; equi-
vez. Disse-Ihe que nab estava corn medo do desfecho. Poderia ate sentir-se vocam-se no diagnOstico; desaparece o cancer generalizado; cede essa doenca que
contente, Se näo fosse a tristeza por ter de deixá-to. Poucas horas mais tarde, tern sido Inexoravelmente progressiva, como se tivesse acontecido urn rnilagre. Por
eta rnorreu. Ele saiu do hospital dobrado por sua própria tristeza, mas grato e causa desses fatos devemos deixar, sempre, urn espaco para a esperança. Fazer isso
muito surpreso por eta ter, reàtrnente, gostado de partes de seus rnomentos nab é incornpatIvel corn o ser reatista. Aquetes que sao bern sucedidos na tuta con-
derradeiros e ter etaborado seu cam inho para a paz. tra a .incerteza de uma doença muito protongada, preparam-se para o pior e, simulta-
0 rnédico que foi charnado, peta primeira vez, para a Sra. M. percebeu, corn nearnente, esperam o methor. 0 que significa para eles "o methor" muda, a medida
muita ctareza, o seu enorme sofrimento. Também anteviu que eta estava criando a que a doença progride. Pode comecar corn a esperanca de que, depois de tudo, have-
major confusäo, perturbando outros pacientes e a própria equipe, quando pedia, r6 uma cura. Então o paciente estabetece lirnites - a "barganha" de Kubter-Ross
aos berros, uma injecâo. Mas ele notou que eta podia acatrnar-se urn pouco corn a (5). Ete espera viver para ver urn acontecirnento especifico, tat como o casameno
sua presenca e decidiu que eu deveria ser charnado, na esperança de que eu encon- de uma fitha. 0 significado da barganha é que - se ele esté anuindo a este favor,
trasse urna maneira de torná-la acessIvet, apesar de seu pânico. A atternat va teria sido aceitará o seu destino sern protesto. Tendo atcançado aquele objetivo, o paciente
"nocauteá-la" corn uma dose reforçada de ctorpromazina ou diazepam. Nós já ha- pode escother urn outro - "Nab esqueca que tenho mais duas filhas" foi a maneira
viamos aprendido que uma pequena dose de sedativo pode piorar tais pacientes, pre- corno urn homem cotocou a questao, quando sua fitha mats veiha casou. Se o futuro
judicando muito mais seu autocontrote, rnantendo-os sonolentos e impedindo-os de a tongo prazo e incerto, prograrnar atgo que é provávet aicançar a curto prazo deixa
se concentrarern naquito que esté sendo dito para confortá-Ios e dar-thes seguranca. o paciente com uma sensaçáo de contentarnento aurnentando o seu ânimo. A med I-
Se ha necessidade de ser rninistrado urn sedativo, que seja uma dose iniciat bern for- da que a doenca progride os objetivos'rnodificam-se e os intervatos encurtarn, ate que
te. Mesmo os. pacientes que, fisicamente, estab muito mat podern necessitar de 100- o paciente comeca a viver urn dia de cada vez. Quando se torna mais evidente que
morrera em breve, ele espera uma morte tranqüila ou ansela unir-se aos parentes fa-

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corn a famIlia, e fez pouca coisa, porém foi o centro da festa. Voltou para o
lecidos. Quer acredite ou nab na imortalidade, ele almeja reafirmacab de que nào Se-
hospital já exausta, porém triunfante, e decidiu tentar repetir a peca no tim
rá esquecido.
de sernana do Ano Novo. Consegulu isto tarnbérn, e, atérn desses dois feriados,
Albert, urn ardoroso jogador de bilhar, estava gostando de que a taça da corn- visitou todos os membros de sua grande farnIlia. No inicio de janeiro voltou a
peticâ'o teria o seu nome, após sua morte. Ele dizia como imaginava seus ami- unidade muito satisfeita. "Eu fiz tudo o que pretendia fazer," ela disse, "ago-
gos competindo pela taça e falando sobre ele, depois de sua morte. As ativida- ra eu you apenas esperar, para ver o que vai acontecer." Fez, ainda, mais algu-
des dos seus filhos eram o tópico mais importarrte de sua conversa, como se mas excursôes, mas logo tornou-se sonolenta e mais doente. Helen morreu
ele estivesse assegurando para Si mesmo que continuaria vivendo através deles. tranqüilamente, sabendo que sua farnIlia compartilhava de seu orgulho por tu-
Urn dia, Albert contou-me que tinha estado muito doente; impedido de assis- do que eta tinha real izado.
tir ao batizado do seu primeiro neto, o que motivou não estar nas fotografias.
A doenca que perdura por vários anos apresenta problemas especiais, particu-
Percebendo o que isso significava para ele, sugeri que, na próxima vez que a
larmente quando houve vários episódios onde a morte parecia provável, porérn ocor-
famIlia viesse visitá-lo, alguérn deveria fotografá-lo, segurando o nenê. Mais
reu uma recuperacáb. Como urn gato corn nove vidas, o paciente consegue enganar a
tarde, ele me mostrou a foto. Eu a admirei e apontel para o nenê, dizendo que
morte várias vezes. Depois de diversos alarmes falsos, ele e a fam Ilia aprendern a de-
dali ha alguns anos ele poderia olhar a foto e dizer "Aquele era o rneu avô!"
fender-se da tensáo produzida pelas crises periódicas, corneçando a acreditar que ele
A face do velho homem ruborizou de prazer, diante da idéla.
sempre vai recuperar-se. Quando, em real idade, o paciente chega a fase terminal, to-
Grande parte do restante deste livro será dedicada a discussâo detalhada da dos ficam muito chocados e muito tensos, como se estivessem totalrnente desprepa-
identificaçâb e rnanejo de muitos problemas que surgem nurn paciente que nab vai rados, uma vez que seus ânimos ja estäo minados por anos de incerteza, de ativida-
recuperar-se rnas nab está ainda para morrer. Sua tarefa é viver da melhor maneira des restritas, férias limitadas e, talvez, pela privacab crônica do sono. Eles esteo na
possIvel, dentro dos limites impostos pela doenca. Aqueles que querem ajudá-lo de- pior situacáb poss (vet para enfrentar o desf echo e deve-se dedicar uma consideraceo
vern faze-b, assegurando-lhe que todo sintoma tratável será tratado e encorajando- especial a suas necessidades.
o bern como a sua famIlia a adaptarem-se as mudancas de suas funcôes e das cir-
cunstâncias.
.Sornente os problemas peculiares a incerteza serão discutidos aqui. Já se falou A MORTE INCERTA COM PRAZO CONHECIDO, QUANDO 0
sobre eles na seccäo sobre o prognóstico (capitulo 3), e acima, onde a técnica de es- PROBLEMASERIA RESOLVID0
tabelecer objetivos limitados foi mencionada como maneira de conseguir sensacöes
de satisfacab, através de projetos a curto prazo.
As crianças corn anornalias congênitas que podern ser corrigidas através de
o caso de Helen, uma professora corn trés filhos adolescentes, serve de ilustra- uma operacab entrarn nesta categoria. 0 pai de uma criança corn esse diagnóstico
çâo. Eta tinha cancer no seio corn ramificacOes para o quadril, impondo-lhe sabe que, sem a intervencâb cirárgica, ela, provavelrnente, vai morrer dessa condi-
dificuldades para carninhar. Ernbora achássemos que eta estava muito doente, çäo, mais cedo ou mais tarde; ele nab ignora que, durante a operacab, o risco de
Helen pretendia voltar a lecionar no outono. Sessôes de radioterapia adicio- morte é aurnentado. Porém, se a crianca sobreviver a esta crise, as "chances" de me-
nais davam-the algurn alIvio e a rnorfina oral regular rnantinha-a suficiente- Ihora ou ate rnesmo de cura serab consideráveis. Os pacientes corn uma deficiência
mente a vontade, para lutar. Helen escreveu uma peca para seus alunos repre- renal crônica aos quais Se oferece urn transplante e aqueles corn uma doenca pro-
sentarern na época do Natal. Neste rneio-tempo, tinha-lhe surgido, no cérebro, gressiva do coracab a quern se sugere cobocar uma vátvula encontram-se numa atitu-
urn tumor secundário, que a fazia perder o equilIbrio. Entab eta, por certo, de mental sernethante. Eles começam a aceitar, no decurso de sua bonga doenca, a
compreendeu que nab mais poderia conduzir ativamente uma auta, e decidiu, probabitidade de que, sem uma cirurgia, rnorreräo nurn futuro previsIvel. Sofrem,
por si mesma, renunciar ao ensino. No final do verâb, seu diretor tinha duvi- naturalmente, de uma ansiedade pré-operatória,-mas ela vern junto corn a esperanca
dado de sua competência para voltar a ensinar e eta orgulhava-se muito de e corn o alIvio de que algo decisivo esta sendo feito. Isso é particularmente para
provar-Ihe que ele estava errado. aqueles que acharn difIcil suportar a invalidez, e preferern ficar bern ou morrer.
0 seu próxirno objetivo foi o Natal. 0 tumor estava progredindo rapida- Urn paciente acha-se nurna atitude mental diferente da anterior, quando, ni-
mente e Helen corneçou a ficar mentalmente confusa, o que aurnentava sua cialmente, sobrevive a urn grave acidente ou quando é avisado do sangrarnento de
aflicà'o. A adiçab de radioterapia provocou a regressâb temporária do tumor. uma artéria cerebral frágit e, em seguida, precisa de uma cirurgia de alto risco. On-
Eta estava mu ito bern, ainda antes das aulas terrninarem, para voltar e assistir tern ele estava bern, e hoje está criticarnente doente. Contanto que eSteja suficiente
as crianças representarem a peca que tinha escrito. Passou o Natal em casa COMPOS MENTIS para sentir-se corn perfeita consciência de sua situacab, ele e a

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sua famIlia esperam a operac'o corn muita ansiedade, acrescida do choque e da ral- cias na vida ou a dotacão genética taivez nab Ihes tenham proporcionado a coragem
va que acornpanha, tipicarnente, os prirneiros estágios da resposta a
ameaca de mor- suficiente; ou aqueles que os circuridam nab lhes tenham dado suficiente ajuda e Se-
te. Algumas vezes é somente na fase pós-operatória, ou ate mesmo mu Ito mais tar-
guranca, durante a fase de acentuadas indecisôes. Eies se tornarn vItimas detodas as
de, que o paciente se dá conta, peia primeira vez, de quo próximo da morte ele es-
especies de ansiedades crônicas, particuiarrnente a hipocondria ou a obsessividade.
teve. Entâo, vern a crise de ansiedade e afiicâb, como Se tudo estivesse acontecendo
Seus parentes continuam sendo superprotetores, seguindo-se urn quadro de urn esti-
justamente no momento presente. Se aqueles que a circundam esto usufruindo o
io de vida restrito e, muitas vezes, de tormento para todos os envolvidos. Esta sin-
alIvio devido ao afastamento do perigo e a esperanca de recuperaco, podem achar
drome é mais fácil de prevenir do que de tratar - fator que salienta a importância
incompreensIvei ou ainda irritante a afliço do paciente. Eles precisam compreender
da atencâ'o aos aspectos pscicoiógicos da reabiiitacâ'o, depois que uma erifermidade
que ele pode estar desempenhando urn papel importante no seu trabaiho psicológi-
arneaçou a vida.
co, para o qual necessita de tempo e ajuda.
uma das tarefas relativas ao desenvolvimento da psique rnadura chegar a urn
acordo corn a morte. Particularmente na prirneira rnetade da vida, o conhecimento
A MORTE INCERTA EM UM PRAZO DESCONHECIDO,
de que sornos mortals permanece inconsciente a malor parte do tempo, escondido
QUANDO 0 PROBLEMA FOR RESOLVIDO
por nossas defesas psicoiógicas normals, mas influenciando -nos de urn modo que fi-
camos esquecidos. Diante de uma ameaca to Clara corno urn acidentegrave ou uma
O traco caracterIstico mais importante desta trajetária é a incerteza. A escle-
hemorragia subaracnóidea, essas defesas podem ser rompidas. 0 paciente imagina o rose müitipia proporciona urn born exernpio. Poderia acontecer urn episódio isoia-
que aconteceria se ele tivesse morrido, preocupa-se corn a possibilidade de deixar do, sern nenhuma outra expansâo da doenca por muitos anos. Contirivamente, ela
seu trabalho incompieto, sua esposa sozinha ou os filhos órfâbs. Seus parentes, de poderia prosseguir urn curso atenuado, corn o paciente sempre esperando uma outra -
so o pensar
modo serneihante, podem sentir-se abandonados e aflitos. Uma vez que exacerbaca'o, sem saber quando isso aconteceria. Mais fora do cornum, ela progride
na POSSIBILIDADE de que isto possa acontecer causa sofrimento intenso, no éde resolutamente e as esperancas de remissöes sâb pequenas e parciais. Desejando obter
surpreender que o paciente e seus farniliares fiquem ansiosos por fazer tudo o que urn pouco de controie sobre esta situacâb amedrontadora e imprevisIvel, o paciente
possam, a firn de evitar tai ocorrência, em real idade. Eles ficam atentos a qualquer examina, cuidadosarnente, seus hábitos para ver se consegue achar quais sao os pa-
sinai de uma nova ameaca. Os pacientes revelarn preocupacão exagerada, com reia- drôes dos fatores precipitadores que ele poderia evitar no futuro. Investiga também
ço aos riovos sintomas, e os parentes tornam-se mu Ito prOtetOres. Ambos podem toda a sorte de possibilidades que poderia lev6do a uma cura e contribul na pesquisa.
experirnentar uma ansiedade de separacäo fora do comum e querern ficar juntos a Corn moderacâ'o, todas estas at iv idades sâ'o üteis. Levadas ao exagero, conduzem a
malor parte do tempo. Respostas corno essas sornente seräb patoiógicas se eles fica- preocupaçäo corn SELF e a doenca cujo efeito é nocivo. Isso acontece, porque o
rem nelas entrincheirados, e a terapia deverá ser dirigida de maneira a evitá-las. desconforto e o sofrirnento promovem cuidados e ref iuern para o segundo piano,
Existern trés resuitados possIveis. Corn a passagern do tempo, as defesas po- quando o paciente pode ser profundamente absorvido em outras coisas. Entenden-
dem ser restabelecidas e a ansiedade diminul, quando o conhecirnento da possibili-
do que quase sempre haverá sintomas, o medico e o paciente devern trabalhar jun-
dade da morte é novamente reprimido para o inconsciente, onde ela continua sua
tos, para conseguirern o equiiIbrio adequado entre dar-ihes atençab ou ignora-bos.
engenhosa infiuéncia. Pacientes como esse recuperarn 0 seu estado anterior apenas
0 paciente de cancer corn urn tratamento que fol projetado e tido corno certo
urn pouco espantados peia vulnerabilidade crescente a ansiedade em situaçôes que para curá-lo também Cleve lutar contra a incerteza. A maioria das pessoas, não to-
os fazem lernbrar o perigo pelo qual passaram.
das, sabe que, tendo cancer uma vez, existe sempre a possibilidade de uma recorrén-
Poucos pacientes reaimente crescern através dessa experiéncia, chegando a
cia. Se uma cura é rnuito provavei, nab existe propósito em esciarecer o paciente
urn novo estado de equilIbrio e liberdade. Aceitando conscienternente sua mortali-
(que nâ'o suspeita de nada) e deixá-io ansioso, sern necessidade. Se ele quer saber, Ira
dade e o fato de que eles tern menos controle do que gostariam para estudar a fun-
tirar conclus5es do fato de ser charnado, regularmente, para os exames de acompa-
do quando e como podera'o morrer, eles orientarn suas energias, menos para a auto-
nharnento, ainda que ele se sinta perfeitamente bern. Os pacientes tentarn caicuiar,
conservaco e mais para viver bern no presente. Vaiorizarn muito mais a vida; evitam
muitas vezes, o risco de retorno da doença, tanto através do perIodo de tempo entre
arriscá-la de uma maneira toia. Todavia, vivern de urn modo rnuito mais confiante e
as consuitas quanto peias informaçöes cilnicas que Ihes so dadas. Quando ihes for
despreocupado, que a vida nega a maloria das pessoas que no tiveram a oportunida-
dito que nab precisam vir por urn ano, eles pressupem que o risco e desprezIvel.
de de enfrentar a morte de urn modo direto e corn èxito. Esse, de todos osresuita-
0 nIvei de ansiedade é alt Issimo, imediatamente após o diagnostico e depois
dos, é o meihor possIvel.
do tratamento iniciai, quando os sintomas, de quaiquer origem, sâb vistos como
Entre muitas situaçôes, estâb na pior delas aqueles que nem podem defender-
possIveis sinais de uma recorréncia. Quanto mais tempo um paciente permanece Ii-
se contra a ansiedade, reprimindo-a, nem fazer-Ihe face, acoihendo-a. Suas experiên- vre dos sintomas, menos ansioso ele Se torna, embora o rnedo possa ressurgir corn

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intensidade major, se urn paciente seu conhecido piora e morre, especialmente Se
ambos tern a mesma forma decâncer. Quando transcorre urn intervalo de muitos
anos antes da prirneira recorrência, o enfermo freqüentemente reage corn choque e
tarnbém corn raiva, como alguérn assaz despreparado. Ele se comporta como se acre-
ditasse que seu cancer, uma vez vencido, nab seria capaz de se alastrar secretarnente
dentro dele e atacá-lo novarnente.
lei
A pessoa que teve urn ataque do corac5b ou urn derrame cerebral responde,
inicialrnente, da rnesma maneira que a urn acidente. Alérn disso, precisa lutar contra
o fato de saber que pode ter outro ataque a qualquer momento e que esse poderia Respostas psicolOgicas aos
ser fatal. Se essa pessoa compreende que poderia ter morrido, passa pelas experiên-
cias descrftas na sego precedente. 0 resultado rnais favorável é tarnbém similar: o
paciente aceita a possibilidade de uma rnorte repentina, inesperada e evita que isso
sintomas fIsicos
interfira, indevidamente, na sua maneira de viver. 0 uso excessivo da negacao como
defesa e uma desvantagem nesses pacientes, quando chegam a abandonar os conse-
lhos que Ihes foram dados corn reIaç5o a qualquer esforco ou ao uso do furno. An-
siosos para provar, a si mesmos e aos outros que nab estab preocupados, eles podem
ignorar os sintomas premonitórios ou ate mesmo conduzir-se de uma maneira mais
severa do que antes, aumentando, assirn, o risco de urn futuro ataque. Mais uma vez:
aqueles que nab podern defender-se contra a ansiedade gem aceitar o risco de mor-
te, agem rnal. A menos que sejam ajudados por urn born prograrna de reabilitaçab, Ha urn relacionamento complexo entre sintomas fIsicos e psicológicos. Quan-
eles se tornam incapacitados pela ansiedade permanente ou depressab corn vários do os sintomas fIsicos, tais como a dot ou a nausea, nab sâ'o aliviados através de me-
sintomas sornáticos, tais como dor no peito e falta de ar. As famIlias deles podern
didas que, geralmente, sâ'o eficazes, o medico pode suspeitar que existem problemas
cornpartilhar da ansiedade, tornando-se superprotetoras e lirnitadoras. Contudo, se
psicolágicos, contribuindo para o agravamento da situaca'o. Estes casos sero discu-
perceberem que os problemas dos pacientes sâ'o em parte neuróticos, poderab of en- tidos no capItulo 13. Estamos interessados, aqui, em situac6es nas quais os sintomas
der-se corn sua doença e as lirnitacöes que esta imp5e a eles, tornando-se irritados fIsicos ocorrern primeiro e os problemas psicológicos vém em resposta a eles.
ou ainda afastando-se deles e ignorando suas queixas. Se advérn outro ataque, as
farnIlias recrirninarn-se por nab t6-los levado suficientemente a sério. Se eles mor-
rem, a culpa pode desempenhar urn papel muito major do que o normal nas reacôes
a perda. A dor

REFERENCIAS As reaçi5es psico)ógicas a dor so determinadas pot urn nürnero de variáveis. A


firrnacab de que a dot aguda está associada corn a ansiedade e a dot crônica corn a
1. Pattison E. M. (1977). The Experience of Dying, p.47. London: Prentice-Hall.
depressá'o é uma generalizacab um tanto inadequada. Mas contérn alguma verdade.
2. Glaser B. G., Straus A. L. (1966). Awareness of Dying. Chicago: Aldine.
3. Glaser B. G., Straus A. L. (1968). Time for Dying. Chicago: Aldine. A gravidade da ansiedade ou depressá'o simultâneas depende, ern parte, do signifi-
4. Moody R. A. (1975). Life After Life. Georgia: Mocking Bird Books. cado que a dor tern para o paciente. Portanto, uma dor no peito, que o paciente as-
5. Kubler-Ross E. (1969). On Death and Dying. Londres: Macmillan. socia corn indigestáb, nab provoca muita ansiedade (a nab ser que urn parente seu te-
nha morrido de uma ülcera perfurada), mas uma dor serneihante, que ele suspeita
ser causada por uma doenca do coracáb, pode deixá-lo muito ansioso. Ate mesmo
uma dot muito intensa pode set tolerada pot algurn tempo, se o paciente sabe que
nab ha implicac6es sérias e que ela pode ser aliviada em futuro previsIvel. Os pacien-
tes conhecedores de que tern cancer suspeitam que qualquer nova dot seja rnanifes-
tacab de uma recorréncia, ficando, portanto, muito angustiados, quaisquer que se-
jam as causas da dor.

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Uma dor crônica abate o moral de uma pessoa. A dor preenche seu mundo de cautela, devido ao perigo de uma depressã'o respiratória. Os pacientes corn sérios
urn modo que eta não pode concentrar-se e nada pode distrair sua atencâo. Dorme problemas respiratórios estáo, muitas vezes, corn medo da rnorte, imaginando que
male acorda abatida. See uma pessoa que acredita ser capaz de ignorar a dor e con- vo sucumbir enquanto respiram corn dificutdade, e lutarn para obter ar. Etes preci-
tinuar em atividade, terá vergonha da maneira como limita a sua vida por causa sam de oportunidades para falarem do medo que tern da morte e para terem certeza
dessa dor. Fica a enferma mais deprimida, Se, além disso, eta suspeitar que Os rnédi- de que as drogas podem e serâb usadas, quando necessárias para aliviar sua afticab.
cos ná'o podem ativi-ta, porque eta tern uma causa progressiva, ou que nao pode Treinar urn relaxamento e exercIcios de respiracâb pode ajudá-los a controlar o
ser tratada. componente da sua falta de ar, que é causada pela ansiedade. Portanto, em vez de
0 essencial para o tratamento destes pacientes é urn diagnóstico acurado da sentirnento de vergonha, porque suas preocupaci5es o deixam pior, ele obtém algum
causa da dor e o uso de drogas adequadas, ou outras medidas para controlá-la. sensode domInio sobre sua condicäo.
Quando isto é combinado corn a discussäo sobre 0 significado da dor, o método
adequado de tratamento e as marieiras corno o prôprio paciente pode cooperar all-
via os sintomas primários e seus concomitantes que geratmente os acompanham.
Apenas Se isto fatha, ou ha uma evidente psicopatologia totalmente independente, Fraqueza
deverlamos procurar uma causa psicológica. Alguns pacientes sofrem, sem necessi-
dade, uma dor de uma lesäo orgânica, considerada corno psicológica; outros, que
tern uma dor psicogénica, passam desnecessariamente por uma investigaco excessi- Quando tudo que é possIvel já fol feito para melhorar o conforto de urn pa-
va. 0 cllnico so aprende corno encontrar seu caminho entre estes dois através da ciente muito enfermo, ele pode ainda estar desconsolado devido a urn sentirnento

experiênCia. oriundo de sua intensa fraqueza, especlalrnente se ele sempre foi independente e es-
tá humithado porque agora necessita que facarn dernais por ele. Desde crianca ele
nâ'o precisava mais que atguérn the desse banho, comida e atendesse suas necessida-
des mais Intirnas. A idéia de que a dependéncia é tab natural no tim da vida, quanto
Anorexia o é no comeco, pode ser nova para ele. Se aqueles que o circundarn aceitam essa Si-
tuacab, ele também pode aceitar e ate gostar disto. No hospital, as enfermeiras
aprendem a encorajar esta espécie de regressã'o nos muito doentes, enquanto man-
A anorexia é urn sintorna que preocupa os pacientes e seus parentes, mais do tern sua auto-estirna e dignidade. Em casa, o esposo ou a mulher pode desernpenhar
que deveria. A maioria das pessoas acredita que val morrer brevemente se n5o co-
o papel parental vis-à-vis do cónjuge. Fazer isto carinhosamente, na hora certa, traz
rner, rnesmo sabendo que os prisioneiros em greve de tome vivem por muitas sema- uma ternura que satisfaz mutuamente e ajuda a atenuar o sofrimento da separaçào
nas. 0 paciente sabedor de que vai morrer em futuro próximo, e também ciente de
iminente.
que ingerir alimentos o deixa molesto, incOrnodo, pode dispor-se a corner urn pou-
co, se ele próprio o deseja, e fica contente, quando aqueles que o circundarn acei-
tarn isto. Alguns parentes podem nab cornpreender ou no ter alcancado o mesrno
nIvel de aceitaçab. Eles fazem de tudo para encorajar o enfermo, trazendo-Ihe gulo-
Tédio
seimas ou insistindo em alimentá-to, quando ele está muito fraco e prefere descan-
sar. Tais parentes precisam de ajuda, para cornpreender que o paciente nab está sen-
do negligenciado se nab alimentar-se e que etes podem expressar melhor o seu
Numerosos pacientes muito enfermos dormem a maior parte do dia, enquanto
amor, nesse estágio, deixarido-o livre para a escoiha. nada acontece. Aqueles que nab sá'o capazes de dorrnir, gerairnente ficam entedia-
dos. Nab conseguem concentrar-se por muito tempo numa leitura ou assistir televi-
sao; a pouca visáb ou a falta de coordenaçab podem tornar impossIveis as mais sim-
pIes atividades de recreacäb. Negadas essas benéficas distracöes, seus dias tediosos
Falta de ar
podem ser preenchidos corn uma mistura desconexa de-lernbrancas e medos. Alguns
pacientes corno esses nab conseguem concentrar-se o tempo suficiente para falar sobre
A falta de ar causa a angistia e tambérn é aurnentada por eta, de rnodo que, seus medos ou aceitar urn conforto, e nab conseguem suportar mais do que poucas
facilmente, pode-se estabelecer urn cIrculo vicioso que sornente é interrompido horas de vig lIla, durante o dia. 0 ideal para eles é a sedacab ; eta permite que durmam a
quando o paciente pode dormir. Nab obstante, os sedativos devern ser usados corn malor parte do tempo, masque possam acordar-se, quando chega uma visita.
Paralisia tes será considerada rnais adiante, no capItulo 14. Geralmente, SO Os parentes que
sof rem, quando acontece uma rnudança de personalidade do enferrno. Etes podern
ficar muito constrangidos devido as alteraçöes no seu caráter: o comportamento
As condicöes neurológicas como as doencas neurornotoras produzem alguns grosseiro, rudeza e agressividade fora do comurn, sexual idade desinibida, hábitos de-
dos probternas do paciente demasiado fraco, muito antes da morte chegar. A parali- sordenados e vorazes, para comer. Urna esposa ficou tâo envergonhada, quando isto
sia é uma condico extremarnente frustrante e difIcit de se chegar a urn acordo corn aconteceu corn seu rnarido, que escondeu enquanto pôde os seus problemas. Eta de-
eta. De vez em quando, os parentes erradarnente equiparam o desamparo fIsico e a sencorajava visitantes e ficou muito deprimida. A maneira de ele corner nauseava-a,
regressáb psico tog ca. de rnodo que eta perdia o apetite e, conseqüenternente, perdia peso. Ate mesrno seu
senso de julgamento, eta tarnbérn perdeu e corneçou a acreditar nas crIticas e obser-
Jean e Ken tiveram de enfrentar este probtema. Jean descobriu que, quando
vacöes hostis que ele fazia. Essa esposa ficou mats aliviada quando eu, adivinhando
Ken comecou a no coordenar Os movimentos, eta cuidou dele como se fosse
o que ocorria, interroguei-a diretamente, sobre este assunto. Cuidar de urn paciente
urn enorme bebé. Mostrou-se-Ihe de urn modo maternal ou como uma enter-
meira, em vez de como esposa. A rnäe dele tarnbém agia da mesma maneira; como esse no é dif (cii, quando ele e uma pessoa estranha; rnas cuidá-lo dia e noite,
sentava-se ao tado da carna e segurava sua mo. Dentro de si rnesmo, ele ainda quando parece o rnarido que vocé sempre amou e, agora, se cornporta, como uma
pessoa, de uma maneira totairnente diversa, exige abnegacab e sacrifIcio. Essas con-
sentia-se urn homem. Sua face corn barba e sua voz erarn de urn hornem, e ele
queria saber por que no obtinha mais as reacôes que estava acosturnado a dicöes so quase sempre os indIcios para adrnisso no hospital.
obter de sua esposa. Isto fez corn que ele ficasse muito deprirnido, rnas nada
disse, achando que devia agradecer o cuidado que estava recebendo. Quando
me encontrei corn Ken e Jean, ele pôde falar sobre isto e eta cornpreendeu, A raiva
porque se deu conta que estava desempenhando, em parte, o papet de enfer-
meira, a firn de ficar emocionalrnente isotada. Foi a sua maneira de lutar con-
tra a mágoa pela perda do marido como ele era. Mas no o tinha perdido to Muitos pacientes, depots das reacôes inictais de choque e incredulidade, rea-
gem corn raiva a compreensâ'o de que, em breve, eles podern morrer. Geralrnente, is-
completarnente como pensava. Jean havia parado de despir-se no quarto onde
so é muito cornpreensi'vel para aqueles que Os circundarn; pots, freqüenternente,
ele podia ye -la, pensando que isto so the causaria frustraco, pots o ternbrava
sentern-se da mesma maneira, o que contribui para o paciente Se expressar e chegar
de que ele no podia mats manter relacôes como estava acosturnado. Ken, nes-
a urn acordo corn a natural injustica que está acontecendo. Ocasionalrnente, a raiva
sa ocasiäo, presumlu que eta tinha deixado de am6-lo e nunca perguntou por-
é intensa e prolongada, de rnodo particular quando houve experiêricias infelizes que
que eta tinha mudado sua maneira de ser. Quando este mal-entendido se tor-
provocaram o atraso do diagnOstico ou urn tratarnento inadequado. Os parentes po-
nou ctaro, eta voltou a dar-Ihe o seu 'show" todas as rnanhs e noites, para o
dem ficar preocupados corn a repetico de experiências adversas e ficam reftetindo
mituo prazer. 0 reconhecirnento de que cada urn ainda queria e admirava o
sobre aquibo que deyeria ter acontecido. Se parece existirern evidências claras e corn-
outro, foi impOrtante para a auto-estima de arnbos.
provadas de que suas queixas säb justificadas, isto os ajuda, quando a equipe reco-
nhece que compreendern e compartitham de seus sentirnentos. Se urn paciente teve
várias oportunidades para ebaborar essas idéias, pode ser apropriado lernbrá-lo de
que continuar corn raiva é muito cansativo e destrutivo e que ele viveria muito me-
Mudanca de personalidade thor o resto de sua vida se pudesse abandoná-la.
dificil tutar contra a raiva livre e flutuante e algumas pessoas nffo podern
aceitar, factlrnente, sua natureza irracional. Pensam que é irrelevante sentir raiva de
Já que, nesta seco, estáo sendo tratados os problernas psicológicos direta- algo, se nada podern fazer por eta e nã'o existe uma pessoa concreta para acusar. Eles
merite retacionados corn o processo da doença fIsica, devernos tevar em considera- tentam reprirnir o que considerarn como sentirnentos infantis, irracionais ou não
ço, aqul, a mudanca de personalidade devida a tumores cerebrais primários e secun- cristäos. Mas a raiva no pode ser resoivida assirn to facilrnente. Se a represso e
dários. Vimos isto em dots dos 41 casaispor nos pesquisados. Nos estágios iniciais, bern sucedida, o paciente quase sempre fica deprimido, corno se a raiva se virasse
o paciente pode estar cOnscio de que ele náo é "ele mesmo" e ficar perturbado corn contra ele e o tivesse abatido. 0 tratarnento da depressab será abordado no cap(tulo
isto. Se ele conhece seu diagnóstico, ira beneficiar-se por ser-Ihe dito que é o seu tu- 13; basta dizer que, para estes pacientes, a simples psicoterapia dirigida para encora-
mor a causa de sentir-se diferente, e que a equipe, compreendendo isto, no ira de- jar a rnanifestaço da raiva é urn tratamento mats rápido e mats eficaz do que as dro-
preciá-lo como pessoa, se corneter atguns destizes. A maneira de tratar estes pacien- gas antidepressivas.

62 - 63
A raiva pode ser, também, deslocada. Ela é expressada; contudo, o alvo é ma-

7
dequado. Em vez de tel raiva do que o medico Ihe disse, o paciente tern raiva do
próprio medico: critica sua técnica e o tratamento dado. Ele critica ate mesmo o
meihor tratamento, e nada, nern ninguém, faz por ele algo que Ihe pareça certo. Qua-
Se sempre SãO OS mernbros da famIlia quem suporta estes ataques de raiva, e ficam
perplexos, querendo saber o que fizerarn para ofendê-lo. Se este comportamento
continua, ele pode afastar-se deles e tornar-se impopular para a equipe médica e os
outros pacientes. Portanto, quando e le diz que todos estão contra ele, pode estar certo
e no paranóico. Depois de ouvir as suas queixas, podernos ajudá-lo a corrigir o deslo-
Problemas psicolOgicos
camento, dizendo algo parecido como: "Vocé, hoje, parece estar zangado corn todo
o mundo. Eu acho que, no fundo, o verdadeiro problema é que vocé está corn muita associados ao tratamento
raiva, porque está muito doente e pode morrer. E ninguérn parece capaz de irnpedir
o que está acontecendo." Ele pode concordar e então ser ajudado a expressar, corn-
pletarnente, esses sentimentos, através de patavras ou lágrimas. Alternativarnente,
ele pode, corn raiva, negar a verdade da interpretação e so mais tarde dar-se conta de
que ela estava correta, experimentando, entãb, uma crua sensaco de raiva contra
Deus ou contra o destino, o que ele evitava, anteriorrnente. Urna vez que isso acon-
teca, ele cornecará, de novo, a relacionar-se normalmente corn aqueles que vivem
perto dele, e todos se sentirá'o aliviados. Reconhecendo e tratando o deslocamento
desse rnodo, nem sempre é dif (cii vencé-lo e pode ser muito gratificante. Esta tera- 0 tratamento de uma doenca corn risco de vida -implica, muitas vezes, opera-
pia simples pode ser levada a efeito por quase todo profissional que tenha urn born çôes rnutiladoras, tais como a mastectomia e a colostornia devido a urn cancer ou a
"rapport" corn o paciente e seja sensivel as suas necessidades. Urn amigo bern infor- amputacão de urn rnernbro que poderia gangrenar, por causa de uma enfermidade
mado ou urn parente, intuitivarnente, pode fazer o mesmo. vascular. Os pacientes aceitarn essas operacOes como sendo dos males o menor rnas
A raiva prolongada e destrutiva representa, apenas, uma das respostas a doen- suportam altos riIveis de morbidez psicolOgica, como rnostraram Maguire et al
ça terminal que causa sofrimento desnecessário aos pacientes terminals e seus farni- (1). Eles estudararn pacientes submetidas a mastectomia e pacientes de controle
hares. As outras respostas incluem as reacöes de ajustamento, depressão, ansiedade corn doencas benignas do selo e acornpanharam-nas pelo menos por um ano, após
e paranOia. Estas, tambérn, muitas vezes podem ser tratadas de uma maneira bern a cirurgia. Vinte e cinco por cento das pacientes sofrerarn de ansiedacle ou angOstia
simples. Outros exernplos, mais experiéncias e o uso de drogas psicotrOpicas tornam nurna intensidade que variou de moderada a grave, requerendo tratamento psiquiá-
o tratamento mais eficaz. Em aiguns exemplos exige-se a destreza do psiqulatra. Ca- trico, incluIdas trés que estavam gravemente deprimidas e tentaram o suicIdio. Fo-
p(tulos posteriores serâo devotados a mais ampla discussäo desses topicos. ram avahiadas as dificuidades sexuais naquelas pacientes que tinham uma vida amo-
rosa regular e agradavel, antes da cirurgia. Trinta e trés por cento das pacientes que
fizeram mastectomia (e 8% das controladas) desenvolveram problernas sexuais e
quase urn terco dos casais afetados peha mastectomia não mais mantiveram relaçôes
sexuais. Urna proporção destes problernas poderia ser considerada como uma res-
posta ao conhecirnento de que a cirurgia se realizou devido ao cancer e que a cura
era incerta, mas rnuitos dehes estavam diretamente relacionados corn o efeito mutila-
dor da operaco. As pacientes näo podiarn olhar-se no espeiho e certificaram-se de
que seus maridos também nunca viram suas cicatrizes. Em outro trabatho, nós vi-
mos que os pacientes de colostomia reagern, muitas vezes, da mesma maneira: o ma-
rido ou a muiher recusarn-se a olharo estoma ou ajudar nos cuidados.
No caso das pacientes de mastectomia, Maguire et al (2) mostraram que, ernbo-
ra esta morbidez n3o possa ser evitada por urn aconselhan-iento pré-operatório e
pOs-operatOrio feito oportunamente, ela responde ao tratamento. Urna morbidez
psiquiátrica significativa foi encontrada em 39% dos pacientes de controle, num pe-

64 65
riodo de 12 a 18 meses de acompanhamento. A figura correspondente para os pa- reapareceram. Em rotrospecto teoria sido mais sensato contratar uma enfermeira,
cientes aconsethados e observados pelas suas enfermeiras de pesquisa foi de apenas mas ninguém pensou em rejeitar a oferta feita pela filha carinhosa, especialmente
12%. A maloria dos pacientes de controle n5o foi oferecida ajuda, porque nenhuma quando a equipe do hospital estava ocupada. So tivéssemos previsto, teria sido
das pessoas empenhadas no tratamento identificou problemas, e elas mesmas esta- correto negar ao velho e a filha esta intimidade, antes do sua morte? Foi muito born
yam relutantes em expO-los. 0 que pode contribuir para uma reducâo significativa para eles, mas custou muito para a esposa, que se sentiu rejeitada, e para a filha, quo
do sofrimento destas pessoas é a capacidade de parte da equipe hospitalar e dos dl- se sentiu culpada, pois estava magoando a mae. Parece que nunca se esconjura o
nicos-gerais, por estarem atentos a esses casos que podem ser tratados. fantasma de dipo. Mesmo neste estágio final o bom terapeuta deveria ter sido
Entre Os pacientes admitidos em nossa unidade hospitalar, muitos se ajusta- capaz do ajudar todos os trés, fortalecerido os tacos ontre o casal, para quo a filha
ram perfeitamente aos resultados da sua operaço. Os pacientes de mastectomia pudesse ser amada como filha e nao como rival. Desta maneira, depois da morte do
falaram da ajuda que receberam da equipe e, o mais importante, dos seus ceinjuges. pai, as duas mulheres poderiam, juntas, lamentar a perda mütua e confortar uma a
Várias mulheres contaram como seus maridos as tinham ajudado, desde o inlcio, ao outra.
olharem a cicatriz, e como compartilharam da sua preocupaco em conseguir uma A minha clientela, a maioria ainda corn problemas relacionados corn a cirur-
prótese que ficasse perfeita. Um pouco de atenco extra e uma reafirrnaco de sua gia, constava do pacientes do mastoctomia, algurnas das quais tinham sido operadas
atratividado ajuda estas mulheres a recomeçarem a sua vida sexual, logo depois da
anos antes. Quando descobriram quo estávamos interessados nos seus problemas so-
operaco. lsto faz com que elas se sintam bem e normals, de uma maneira geral.
xuais ou emocioriais e poderIarnos ajudá-las, ficaram indignadas, pois ninguém ti-
A ajuda da esposa também e importante na aceitaço de urn estorna artificial.
nha, antes, pensado em falar corn elassobreessasdificuiclaijes. Naocasiffoemqueelas
Urn homern falou-me sobre a maneira tranqu...izadora e despreocupada de sua espo-
vieram procurar ajuda, quaso todas tutavarn contra o prosento insulto, como lhes pa-
sa agir, quando estavam no quarto de dormir ou no banheiro. Ele pensava: "So isto
rocia a perda do cabelo, devido a quimioterapia, ou rosto inchado e aurnento de pe-
no faz muita diferenca para eta, eu no preciso preocupar-me..... e esquecia isso
so, devido aos esterOides. Embora elas reconhecessern quo era esse tratamento quo
rapidamente pela major parte do dia.
as estava mantendo vivas, lamentavam muito os seus efeitos.
Para poucos pacientes aconteceu diferente. Urn homem de idade avancada fi-
As mulheres quo mais sofriam eram as quo tinham urn casamento instável e
cou muito deprimido. Supunha-se que esta fora a sua resposta ao saber que tinha
achavam quo precisavam perrnanecer sexualrnente atrativas, so quisessem rnanter a
cancer e que, portanto, nada mais poderia ser feito. 0 interrogatório revelou quo,
afeiço do seus maridos. Quando o marido cornpreendia isso, dava a esposa uma
embora ole pudesse tratar de sua colostomia muito born, sem ajuda, sua esposa con-
atençao extra e urn rnaior apoio. As esposas preocupavam-se corn a rnudança na sua
siderava isto tao desnatural e repugnante que näo conseguia mais dormir no mesmo
aparéncia, mas nao duvidavam de que fossern arnadas. Tais mulheres, contudo, sao
quarto. Ele se sentia sO, rejeitado e ainda irritado por eta nao estar a altura. Seu rela- muito vulneráveis 0 equlvocas, especialmente so a comunicacao entre 0 casal nâo é
cionamento, que tinha sido razoavelmente feliz ate entao, se deteriorou. Em certa
boa. Por exemplo: urn marido achava quo, so ole nada falasse sobre a rnastectornia
ocasio, quando etes precisaram da ajuda urn do outro, estavam separados. Foi esta
da esposa, nem deprociasse seus efeitos, eta, tanto quanto possivel, ficaria aliviada,
a principal causa da depressao e nao a resposta a possibilidado do morte.
achando que isto nao o perturbava e, portanto, reagiria rnothor. Do fato, eta tomou
Quando eu a entrevistei, descobri que eta tivera uma formaç5o muito exigen-
a atitude do marido como uma evidéncia do quo ole nao so preocupava corn o que
te; considerava qualquer contato comas oxcreçôes como "sujo e tabu". A experién-
estava acontecendo corn eta, e isto foi o prindlpio de uma desavenca quo so tornou
cia corn fithos teria sido uma ajuda para eta supérar isso; porém, eles néo tiveram fi-
a sindrome total de urn diüme rnôrbido, causando muito sofrirnento para a farnIlia
thos. Eta considerava, portanto, sua resposta a colostomia como naturat,e a raiva do toda. 0 tratamento deste problerna será abordado no cap(tulo 15.
marido contra eta como algo inexpticável e irracional. A discussao corn o casal fez A perda do cabelo, rnosrno usarido uma peruca, e a aparéncia do Cushingoide
com que eta compreendesse methor a sua dificuldade o pudesse separar a sua aversao perturbam, consideravelmente, tanto aos homens quanto as mulheres. Eles acham
a colostomia dos outros sentirnentos, muito mais afetuosos, corn retaçao a ele. Des quo nao sao mais eles rnesrnos e ficarn relutantes em sair, pois nao sabern como as
ta maneira ete so sentiu menos rejeitado e o relacionamento deles (e a sua depres- pessoas irao responder a mudanca. Uma paciente fabou sobre o seu desalento quan-
sao) rnelhorou de uma maneira gerat, embora eta ainda nao se sentisse capaz de dor-
do retornou ao seu antigo sorvico como recepdionista do urn medico e algurnas das
mir na mesma carna. pacientes que eta conhecia tiveram, realrnente, dificuldade em reconhecé-la. Quando
Urn outro casal passou por urn problema similar, durante as sernanas do con-
incidentes como este acontecem, predisa-se do coragom para continuar corn as ativi-
vatescenca, antes quo o hornem, ja idoso, pudesse cuidar sozinho de sua colostomia.
dades normals; alguns pacientes so afastam, ficando deprimidos e solitários. Nestes
Sua esposa nao podia enfrentá-to, masa filha, quo morava perto, podia e enfrentou.
casos, a reducao da droga pode ser adequada, mesrno corn risco de encurtar a vida.
Ele fez sua apreciaco pela filha, é evidente. A esposa, ent5o, ficou com ciümes e os
Os esteróides sao utilizados em outras doenças afora o cancer: na teucernia e
sentimeritos do rivatidade (mae-filha), quo ha muito tempo estavam encobertos,
nos linfornas. Eles podem ter efeitos psicológicos colatorais diretos e graves. A eufo-

66
na que eles, frequentemente, produzem é, as vezes, benéfica, embora alguns pacien- tros tratamentos que visavarn controlar o progresso da sua doença matigna. Todas as
tes se queixem de que sabem que 0 seu recente born-humor no é "real". 0 estado terapias em questäo possu lam efeitos colaterais desagradáveis. Reconheceu-se nesta
de ânimo pode transformar-se numa hipornania ou mania; os esteróides podem, fase que, ernbora os benef(cios oferecidos por elas fossern consideráveis, tambérn
também, de uma rnaneira alternada, produzir uma depressffo grave corn risco de sui- erarn de pouca duraco. Portanto, foi levantada a questâb " tempo de parar as te-
cIdio ou uma reaco paranóica. 0 manejo dessas condiçôes será tratado nos capItu- rapias e dar apenas urn tratamento sintomático?" Na teoria, as necessidades e desejos
los posteriores. do paciente seriarn prirnordiais para determinar o que aconteceria nesses casos;
Para Se obter urn controle satisfatório dos vários sintornas de doencas graves mas, na prática, as necessidades dos medicos e dos parentes rnuitas vezes influen-
costuma-se recorrer ao uso de uma grande variedade de drogas, corn dosagem bern clam as decisôes mais do que deveriam.
elevada. Isso, por Si S, produz problernas. Os pacientes opinarn que nào precisarn Alguns medicos vêem seus papéis, principalmente, como curandeiros: hornens
de muitos remédios, de modo especial se eles se Sentem razoavelmente bern, duran- e rnulheres que salvam vidas. Eles acharn que devern lutar ate o fim. A monte de seu
te a adrninistrac5o de drogas, no regime. Urna cuidadosa explicacâb sobre a utilida- paciente é vista como uma falha e urna perda de confiança; ela deve ser adiada, tan-
de de cada droga freqüentemente parece ajudar. Aceitar a recusa do paciente em to quanto possivel. Tendo ajudado o paciente a lutar contra a doenca nos estágios
tomar urn analgésico, ainda quando a equipe sabe que, como resultado, ele sentirá iniciais, eles so lentos para notar quando ela alcancou o ponto onde no mais pre-
dor pela omisso, pode convencé-lo de sua necessidade. Discutir antecipadarnente cisa prosseguir a luta. Acham difIcil admitir que seus pacientes ir3o rnorrer e nab se
orn o enfermo os efeitos colaterais e permitir que ele cornpartilhe das decis6es so- sentem seguros na alternativa de urn papel menos ativo: dar apenas urn tratamento
-e o seu tratamento diminui seus sentirnentos de falta de controle. Naquelas situa- sintomático junto corn urn apoio ernocional, durante os ültirnos estágios da vida do
çöes onde o al(vio da dor, pelo menos no inhcio, so pode ser obtido corn o prejuIzo paciente. Essa atitude leva abguns pacientes a concordarem corn o tratamento por-
da vigilancia ativa, alguns pacientes que no gostam de sonoléncia optarn por urn que eles temern a desaprovacab do medico, se eles o recusarern; outros nao querem
pouco de dor, e essa escolha deve ser respeitada. rnagoá-lo. Urna senhora assirn me disse: "Eu concordei, porque ele parecia ansioso
Quando a cooperaç5o dos pacientes nâ'o é obtida através da cornpreenso mu- para que fizesse este tratamento; mas, na verdade, eu quenia parar."
tua, alguns deles controlam as suas drogas, dando pouca énfase a sua dor, quando Quando o paciente aceita que sua monte e inevitável, os parentes ainda podem
falarn corn a equipe e, desta rnaneira, conseuem ser-lhes adrninistrado menos do sentir-se relutantes em deixá-lo partir. Entab se informarn e sugerem tratarnentos al-
que eles realrnente necessitarn. Muitas vezes, estes pacientes däo inforrnacôes mais ternativos, requenern a opiniäb de outros e estimulam o paciente a no desistir. Eles
precisas aos parentes e ainda pedern que no contem nada aos medicos. E portanto so conduzidos pela sua prOpnia necessidade de saber que fizeram o rnelhor que po-
essencial avaliar a dor, tanto pelos indIcios nâo verbais quanto pela verbalizacäo do diarn; que "tentararn tudo" para prolongar a vida da pessoa que arnam. Urna vez
paciente, tentando fazer aparecer quaisquer ansiedades que o paciente possa ter, que essa necessidade seja plenarnente reconhecida pebos medicos e pebo paciente,
corn relaco aos efeitos da sua med icac5o. 0 medo de ficar dependente da droga já eles tórnarn-se capazes de contrabalançar corn os desejos de paz e conforto do pa-
foi mencionado no cap (tub 2; outros pacientes supôern que os analgésicos podern ciente, no fim de sua vida.
encurtar suas vidas. Quando notarn que alguns paciente-s, seus companheiros de Os pacientes podem ter vários motivos para aceitar ou recusar urn tratamento.
quanto no hospital, morrerarn em poucos dias após a administracâb de uma certa Nab se pode impor a quern nab quer faze-b, nem e possIvel recusar a quern insiste
droga, ou no inIcio de uma série de injeçôes, eles ternem que foi o tratamento e em prosseguir, mesmo quando o benef(cio é duvidoso e os efeitos colaterais sâo
no a doenca que acelerou a rnorte. Essas crencas podem ser justarnente a reaco de graves. 0 correto e expborar junto corn o paciente o que está por trás de sua deci-
urn paciente assustado, cujos conhecimentos sâo limitados, ou pode ser o prirneiro sao.
indIcio de uma paranoia em desenvolvirnento. De qualquer maneira, uma explicäo
e uma orientac5o dipbornática são exigidas, para que o paciente terminal se sinta Vera era casada, corn filhos adolescentes. Tinha no seio urn câncerque reagia
rnoderadamente ao tratamento;o radioterapeuta achava que ela poderia ficar
seguro corn aqueles que esto tratando dele, e isento de dor.
razoavebmente bern, por vánios anos. Já fora do hospital, eta Ihe disse que nâo
quenia mais quirnioterapia. Achava os efeitos colaterais intoberáveis, dizia eta,
e deveria permitir que a doenca seguisse o seu curso. Percebendo que havia al-
go de incomum na sua atitude, a seu pedido fui ye-ba. Vera fabou bivremente
Decisöes sobre o tratamento
cornigo e encontrei vários probbernas. Em sua forrnacab, ela foi acostumada a
nab se queixar. Essa foi a razab pela quab nab aceitou, totabrnente, os efeitos
colaterais que a faziarn sofrer e que a deixaram passando mab durante vários
Na rninha série de pesquisas, seis dos 41 pacientes entrevistados (15%) precisa-
dias, depois que vobtou para casa. Sua enfermidade e sofrirnento foram difI-
ram ser ajudados para tomar decisöes sobre a continuacâö da quimioterapia ou ou-
ceis para a infebiz e para a sua famIbia, enquanto assistia a tudo.

68 69
As relacöes entre ela e seu marido, Tony, não lam bern. Ele via os cuida- la se desistisse do tratarnento e queria que eles se orgulhassem dela ate o fim.
Foi urn grande aIivio para esta senhora saber que seus pals a arnavam muito;
dos dos veihos pals dela como urn encargo polémico. "Agora que você está
que sua tranqüilidade e paz significavam mais para eles do que qualquer outra
doente", dizia Tony, "eu no posso lutar contra eles tambérn", e recusava-se a
coisa.
eva-la para a visita sernanal, onde Vera ajudava os pals a fazer as cornpras. Ela
era muito interessada e ligada a eles, e a atitude de Tony fazia corn que ela fi- Os pacientes e os parentes muitas vezes náo se sentem a vontade para discutir
casse muito infeliz. Tony e seu filho tarnbém no se entendiam muito bern. esses assuntos corn o medico encarregado do tratarnento, ternendo que, ao fazer is-
Algumas vezes eta estava desorientada, tentando manter a paz entre os dois. to, estejam questionando seu julgarnento ou competéncia. Urn outro profissioriat
Quando ela falava, vinharn-Ihe lágrimas; isto deixava claro que eta estava de- que conheca suficienternente este assunto, mas do quat o paciente no esté depen-
prirnida. Em outras circunstâncias, Vera poderia ter pretendido o suicIdio, dendo no cuidado diário, pode desernpenhar urn papel importante aqul. Ele, ou eta,
mas recusar o tratarnento pareceu-lhe a maneira mais fácil e muito mais acel- pode ouvir os pros e os contras, fazer as perguntas pertinentes, dar e obter mais in-
tável saIda. forrnacöes e atuar corno urn verdadeiro porta-voz. 0 clInico geral, os enferrneiros,
Eu discuti esse assunto corn Tony e nOs tivernos duas sesses juntos, ten - assistentes socials, psiqulatras ou o sacerdote, todos eles estáo em condicöes de fa-
tando cornpreerider e methorar os problemas da farnIlia. 0 radioterapeuta zer isto. Mesmo que signifique arriscar urna acusaç5'o de que os parentes esto inter-
concordou em adiar a deciso sobre a quimioterapia, modificar urn pouco a ferindo, estes deveriarn aproxirnar-se do medico que está cuidando do caso e expli-
rnedicaco para dirninuir Os efeitos colaterais e oferecer a eta urn leito no hos- car a situaco da rnaneira que eles a vêern, a fim de que os verdadeiros desejos do
pital, ate que eles se entendessern, se eta aceitasse mais tarde o tratarnento. paciente possarn ser averiguados e satisfeitos.
Quando Tony a viu trés semanas mais tarde, eta estava sentindo se muito me-
thor e disse que agora desejava lutar contra a sua doenca, peto rnenos ate que
sua fllha tivesse idade suficiente para cuidar de si rnesma. RE FE RE NCIAS

Quando urn paciente insiste em seguir adiante corn o tratarnento que está cau-
1. Maguire G. P., Lee E. G., Bevington D. J., Kuchemann C. S., Crabtree R. J., Cornell C. E.
sando mais sofrimento do que a doença e que näo leva a urna remissâo, isso tarnbern (1978). Psychiatric problems in the first year after mastectomy. British Medical Journal;
deveria ser discutido, cuidadosarnente, corn ele. 0 doente pode ser urna pessoa per- 1:963-5
severante, deterrninada a lutar por qualquer "chance", por menor que seja. Isso po- 2. Maguire G. P., Tate A., Brooke M,, Thomas C., Sellwood H. (1980). The effect of counselling
on the psychiatric morbidity associated with mastectomy. British Medical Journal: 2:
deré dat-the alguns rneses a mais de vida. Os pacientes jovens, ern particular, respon-
1454-6
dem desta rnaneira. Eles deveriam ter urna ajuda total nesta sua luta pela sobrevivên-
cia. Atgurnas vezes, contudo, o paciente e dirigido pelo rnedo da morte ao invés de
ser peto genuino desejo de viver. Os medos que todos sentem e os conceitos errados
Clue os pacientes fazern sobre a morte sero apresentados no próxirno capItulo.
Quando o paciente sabe que o tratarnento sintornático pode fazer corn que se sinta
mais confortável e, talvez, capaz de ir para casa por urna ou duas semanas, ele pode
optar por isto em vez da alternativa de ficar no hospital, sern poder conviver corn a
farnilia e sentindo-se mais doente devido aos efeitos das drogas que iro, quando
muito, sornente adiar sua morte.

Uma jovern senhora corn uma rnelanornatose que progredia rapidarnente no


reagia de modo normal ao tratarnento, mas fazia questéb de continua-b. Seus
pals estavarn preocupados corn seu sofrirnento e nos disserarn preferir que eta
desistisse. Etes no ousavarn dizer isso a fllha; entretanto, estavarn corn rnedo
que eta entendesse rnal e pensasse que eles estavam exaustos por causa da sua
doenca e desejavarn a sua morte. Eta, por outro lado, sabia que os pals sempre
tinham depositado todas as esperancas nela. Tirha-se saido excepcionalmente
bern na escola, obtendo ótirnas notas e agora realizava urn excelente trabalho.
Disse-me, também, que nunca havia decepcionado os pals e nern outras pes-
soas. Eta pensava que eles iriarn considerar urna fatta de coragern da parte de-

70 71
e diamorfina podem evitar urn pouco as crises de ternor nos pacientes que tomam

8 essa rnedicaco para a dor. Urna dose pequena de Diazepam ou Clobazam também
pode ajudar, embora alguns pacientes prefiram estar completamente conscientes e
lutar contra o medo corn seus próprios recursos interiores, ou corn a ajuda de urn
amigo. Quando experimentam este pavor pela primeira vez, alguns enfermos imagi-
nam que ele ira aumentar e que morrero apavorados. Na verdade, esse medo geral-
rnente se torna urn problerna menor, quando a morte se aproxima e o instinto de vi-
da curva-se diante do destino.

Os rnedos de morrer Todos nós tememos o DESCONHECIDO. Por essa razo, tarnbérn é natural
temer a morte. Muitas das histórias contadas pelos pacientes próximos da morte
(como já foi abordado no cap(tulo 5) proporcionaram seguranca para urn crescente
nürnero de pessoas. Os cépticos, contudo, deixaro claro que esses pacientes no
rnorrerarn de verdade. Jamais poderernos ter certeza, como Jenny (do cap (tub 4)
me dizia:

"Eu fiquei apavorada, quando me disseram, pela primeira vez, o que eu tinha.
Embora eu achasse que a rnaioria das pessoas tinharn medo de morrer e que-
darn saber como aconteceria; ninguém pOde dizer, você sabe."

Eu perguntei se ela ainda estava assustada:


Todos os pacientes terminais que conheci tiveram medo, em alguma fase de
"Eu nab estava assustada, suponho. Na verdade, esta rnanhä, quando me acha-
sua doença fatal. Ainda, muitos deles acham que so anorrnais, por sentirem medo e
va em casa, eu me senti tab mal que desejei estar aqui (no hospital, ela queria
afligern-se corn a idéia de que serä'o considerados covardes, quando a morte se apro-
dizer). engracado, mas eu considero isto aqui o rneu lar. Muito bern, se este
ximar. Essas pessoas, muitas vezes, foram educadas para supervaborizar a bravura e
e o lugar onde vocé se sente segura e protegida, quando você está adoentada,
desprezar os rnedrosos, como sendo fracos e indignos. Elas no compreenderarn que
o homem verdadeiramente corajoso pode sentir tanto medo quanto qualquer outra entá'o é natural que eu pensasse assim."

pessoa; o que o torna diferente e a sua capacidade de lutar, apesar de tudo, e nab ser Perguntei se ela tinha tido muitos probbemas corn relacab ao medo:
dorninado.
"Nab. Vocé sabe que é a ünica coisa que so pertence a mim, a Onica coisa que
Algumas pessoas religiosas envergonham-se de sentir medo e acham que estab
eu p0550 julgar toda, por rnim mesma. Tudo mais eu fui capaz de comparti-
desapontando a Deus e a Igreja, Se revelarem o seu sentimento. Dizem que o "Amor
divino expulsa o medo", e a ansiedade significa para elas a nao aceitacâb do arnor de
Ihar. ra ünica coisa que me pertence, a Onica coisa que eu devo fazer sozi-
Deus ou que nab confiaram suficienternente Nele e, desta maneira. os rnedrosos sen- rrha."
tern-se culpados. Eu Ihes digo rnuitas vezes: "Deus deu-Ihe o medo da morte como
parte de seu equipamento para viver. Ele representa o outro lado do seu instinto de
vida. Faz corn que vocé se cuide e nab se arrisque sern necessidade. Se Deus Ihe deu
o medo, Ele compreende vocé perfeitamente e ira ajudá-lo, quando vocé estiver corn A angIstia da separaão
medo, pois nab deseja que vocé se sinta envergonhado".
Esse MEDO BIOLOGICO é muito mais forte nosjovens; naquebes que tiveram
uma doenca breve e naqueles que sentem ter muito o que fazer na vida. Para ebes, A teoria da fixacao, derivada do estudo feito corn ani mais e bebés, rnostra co-
pode ser nern tanto o medo quanto a relutância em morrer e a raiva de uma morte mo a arneaca da separacao da figura parental provoca ansiedade e estimuba no pa-
prematura. 0 medo nab desaparece, quando é compreendido e aceito, rnas perde ciente o impulso prirnitivo de apegar-se a esta figura. Se os pais nab estâb dispon(-
muito de sua força. Ele vem por ondas, como pontadas de tristeza, e as pessoas veis, quabquer pessoa da fam(iia ajuda. A pesquisa corn as criancas deixadas em cre-
aprendem a procurar a cornpanhia de a!guérn, quando o medo aparece. Eles se tor- ches mostra que ate mesmo a presenca de uma irma ou irmab mais moco atenua,
nam capazes de afastar de si rnesmos esta sensaçab, dizendo: "Eu tive medo nova- de uma maneira considerável, a ansiedade da primeira. Embora os adubtos sejam me-
mente", da mesma rnaneira que relatam uma dor. Os efeitos cabrnantes da morfina nos dependentes do que as criancas, eles ainda formarn bigacôes muito fortes, e du-

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rante periodos de crise querem estar em estreito contato corn aqueles que amam. A 0 medo da doenca e da morte
arneaca de morte provoca urn aumento da angüstia da separaço. Sabemos por ex-
periência que (excluindo uma perturbacão fisica não suavizada) a presenca de urn
parente próximo dá muito mais tranqüilidade ao paciente do que qualquer outra Os rnedos relacionados corn o processo de morrer causam urn sofrirnento mui-
medida. Por esta razâo, nós, muitas vezes, colocarnos esse paciente em urn quarto to mais evidente do que o medo da morte propriamente. A idéla do paciente sobre a
simples e providenciamos uma cama extra, para que o esposo ou urn dos pals pos- morte origina-se, corn frequéncia, das lembrancas da morte de algum parente próxi-
sam dormir pet-to. Dessa maneira, tanto o paciente quanto os parentes ficarn mais rno ou amigo. Se foi dolorosa ou assustadora, ele considera todas as mortes iguais,
tranquilos do que se estivessern separados. sobretudo se ele está corn a rnesrna doenca. Portanto, é de born alvitre fazer corn
que o paciente relate as experléncias corn a morte pelas quals ele já passou. Depois
deter contado sua história, ele pode certificar-se de que seu problernaédiferenteda-
queles que acabou de descrever; que os métodos de aliviar os sintomas tiverarn urn
avanco enorrne; que, certamente, näo ha razab para ele terner o rnesrno sofrirnento
0 medo existencial de "X". Urna das vantagens, entre outras, dos pacientes terminals serem tratados em
hospital é esta: eles mesrnos podem ver que a morte está sendo tratada corn bondade
e interesse, rnesrno quando os pacientes est5o inconscientes e, geralmente, em Paz.
Corn relacâo a isto, Jenny cornentou: "Tudo aqui parece acontecer tranqüilarnente.
0 medo existencial da morte, de deixar de ser, encontra-se no fundo de ca- Eu sei corno vocés cuidarn das pessoas e nab deixarn ninguém sentir dor."
da pessoa e, em geral, perrnanece inconsciente. A sua presenca influencia, profun-
damente, o comportamento das pessoas, quando o conhecimento da morte torna-
se inevitável numa doenca terminal. 0 próximo capItulo será dedicado as várias
maneiras corn que a psiquê luta contra esta crise. Em maloria, as pessoas nunca acre- 0 medo da dor
ditarn rnesmo na possibilidade de que poderiam deixar de existir. Os poucos que fa-
lararn cornigo sobre isso e que parecern acreditar que a morte é o firn, fizerarn-no
de uma maneira calma e filosófica. Se eles VO ser "desligados como uma lâmpada", 0 mais comurn de todos os rnedos é que a morte seja dolorosa. A frase "mor-
corno me disse urn paciente, ná'o vêern futuro para terner. Podero ficar corn ral- reu em agonia" parece estar gravada na rnente das pessoas, motivando uma expecta-
Va, se suas vidas está'o chegando ao firn, prematuramente; rnas eles no tern me- tiva mal fundarnentada. Isto nos chamou a atencab, quando o jornal local trouxe a
do... notIcia de que alguérn muito conhecido na vizinhanca tinha lutado, corajosarnente,
quase impossvel imaginar o próprio SELF morto; em qualquer tentativa, a contra a dor de urn cancer, ate a morte. No entanto, nós sabiamos que ele estava in-
pessoa torna-se urn rnero espectador da cena, assistindo a tudo de algum lugar ou teirarnente livre de dores, no final da sua vida. Esse tipo de reportagern incorreta
ainda partindo para uma outra existência. Esta incapacidade de irnaginar-se sendo perpetua o mito de que todas as rnortes de cancer sâo provavelmente dolorosas, re-
morto pode estar por trás do medo que algurnas pessoas tern da crernaco. Elas não forcando assirn o tradicional medo. Muitos doentes ficarn surpresos ao saber que
estäo confiantes em que nab iro sentir o calor do forno. Do mesrno modo, alguns uma percentagern grande de pacientes terminals, rnesrno os de cancer, nab experi-
temem ser enterrados corno mortos, quando realmente nab o estâ'o. Estes medos so mentam nenhurn tipo de sofrirnento.
reforcados por relatórios ocasionais de pacientes em coma profundo (pessoas que, Aqueles que sot reram rnuita dor nab levada a sdrio ou tratada satisfatoriarnen-
geralmente, estâb sobefeito de uma dose muito forte de drogas) as quals sâb eva- te, tern mais razab para sentir medo. Mesmo quando sua dor foi Intel rarnente con-
das, por engano, para urn necrotérlo, onde so notadas por estarem respirando ou trolada por algum tempo, eles sâo levados a acreditar que a aproxirnacâb da morte
mexendo-se. Os pacientes que chegam a este grau de inconsciéncia, na verdade, rara- está associada a uma piora, reduzirido-os, mais uma vez, a frangalhos. E ficarn con-
mente vivern muito ou mesrno sobrevivern inconscientes, por muito tempo. Essa es- tentes ao saber que, ern rnuitos enfermos, o sofrimento dirninul próxirno ao firn da
pécie de medo acontece no inicio da doenca, quando o paciente ainda está entrando vida. Sua rnaior preocupacão é de atingirern urn estágio onde a vida se tornará tao
em acordo corn a morte. Mais tarde, quando ele descobre, através das rnudancas no insuportável que eles perderab o controle. uma experiéncia que seria aflitiva para
seu próprio corpo e sentirnentos, que estâb rnorrendo e confia naqueles que estao todos a eles ligados. Nao é aconselhável prorneter aos pacientes que eles ficarao to-
cuidando dele, esse medo decresce. talmente livres de dor pelo resto de suas vidas, muito ernbora isso freqüentemente
possa acontecer. Sao poucos os que exigern esta prornessa. 0 que eles realmente
querern (e isto nós podernos lhes dar) é assegurarem-se de que nab sofrerao dor in-

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tensa por muito tempo e de que nunca sero deixados a sos corn dor. Embora eles as enferrneiras ficariarn furiosas, porque a Oltirna vez que vocé fez isso fôi quando
prefiram perrnanecer conscierites, a maioria concorda que, se tivessem de fazer uma era uma menina pequena. Provaveirnente sua máè ficou muito zangada e vocé
escolha perto do firn, eles optariam por Se livrar da dor em primeiro lugar. Muitos envergonhada. Esta lernbranca, esquecida durante muito tempo, talvez tenha algo
aceitam a possibilidade de que as drogas necessárias possam torná-los sonolentos ou a ver corn o que você esté sentindo agora." Ela ficou pensativa por algurn tempo e
mesmo urn pouco confusos. Como urn hornem me colocou isso quando discutia co- disse: "Talvez..... Na prOxima ocasio, quando falel corn as enfermeiras sobre aque-
rnigo sobre o assunto: "Eu nâo quero sofrer mais nesta vida". E certamente näo so- Ia paciente, contaram-me que ela agora aceitava suas incontinOncias ocasionais, sern
f reu. ter vergonha. Sirnplesrnente agradecia, quando elas novarnente trocavarn as roupas
de cama.
0 pior de tudo é a sensaco de insanidade irninente - o ültirno estagio na perda
do controle. A deméncia precoce, as alucinaçOes e crises de cornportarnento estra-
A perda do controle nho, durante a noite, tudo isso assusta algurnas pessoas que supôern estarern ficando
boucas. Eu conheci alguns pacientes que tentararn esconder esses sintornas, ternendo
que fossern transferidos para urn hospital psiquiátrico. 0 tratamento destes pacien-
0 curso da morte envolve a perda progressiva do controle sobre a própria vi- tes será arnplarnente discutido no capItubo 10. Basta dizer aqui:eu considero o me-
da. Ainda que seja parcialmente ilusório, nOs gostarnos de sentir que controlamos o do da insanidade to cornurn que, nos dias que correm, pergunto sobre esse assunto,
que nos está acontecendo e também gostarnos de escolher o que fazer e quando fa- rotineirarnente, a qualquer paciente que esteja corn possibilidade ou ern condiçOes
zê-lo. Isso se desgasta, progressivamente, a medida que uma pessoa é forcada pela de tratar disso. Posso dizer o seguinte: "Algurnas pessoas cornecam a indagar se es-
doenca a desistir do seu trabaiho. Entâo, de uma a uma, diluern-se as dernais ativi- to ficando loucas, quando coisas estranhas ocorrern corn elas. Vocé Se preocupa
dades que the asseguravam vários papéis. Cada uma dessas perdas deve ser lamenta- corn isso?" Se a resposta for negativa, eu poderei dizer como fico feliz por eles
da; porérn, muitas pessoas, especialmente se forem compreendidas e apoiadas por nab terern tido problernas corn este medo sern fundarnento. Mas a resposta mais
amigos e familiares, adaptarn-se surpreendenternente bern e no perdern a sua auto- freqUente é "Sim", e os pacientes sentern-se aliviados por eu ter antecipado o as-
estirna. Permitindo as pessoas continuarern a tornar muitas decisöes por si mesmas sunto e me preocupado corn o seu medo. Eles gostarn de saber que, antes, já trata-
na rnedida do possIvet, isso as ajuda a preservarem o senso do poder. Uma mãè, nes-- rnos destes problernas e que eles, gerairnente, so causados pela doenca ou pelas dro-
te caso, pode querer fazer a lista de compras para a famulia, por muito tempo, após gas que Ihes estäo sendo administradas. Freqüentemente, algurna coisa pode serfeita
tornar-se iricapaz de visitar as bias; o pal quererá saber tudo, sobre o conserto da para aliviá-los. Se n5o, a garantia de que nós sabemos que o paciente por si rnesrno
moto do seu filho, mesrno que ele no possa mais sair e ye -la como está. Quando a está bern (ainda que a sua doenca possa fazd-lo agir ou experirnentar coisas fora do
liberdade de escotha Se torna mais restrita, poder escother o que vestire o que corner, comurn) parece afastar quabquer estigrna associado corn a insanidade e acalrnar mui-
ou quando tomar urn banho, torna-se mais importante para algumas pessoas do que to a aft ico concornitante nos pacientes e tarnbérn seus parentes.
para outras, mas isso deveria ser perrnitido visando ao seu tratamento. Os hornens
acomodam-se mais facilmente, em suas casas. No hospital, a rotina deveria ser feita
de maneira tãö flex ivel quanto compativel corn as necessidades dos outros pacien-
tes. 0 medo da morte sübita
Mais assustador do que a perda do controle dos acontecirnentos externos edas
atividades dos outros é a perda do controle das funcôes corporals e mentais. Quan-
do isso corneca, os pacientes talvez sintarn que esto, realmente, desintegrando-se. Em raras ocasiöes, por exernpbo quando urn céncer se disserninou rapidarnente
Aqueles que foram mais independentes so os mais afetados. Tendo feito muitos e arneaca urn vaso sangüIneo rnaior, o medo de uma morte repentina é bern funda-
esforcos para lutar toda a vida, alguns deles se menosprezarn por considerarem essa mentado. Os poucos pacientes como esses que eu conheci, pareciarn nab ter cons-
faiha uma falta de forca de vontade. Ebes podern aceitar a idéia de que é apenas seu ciência do seu estado precário e suas atividades foram bimitadas, apenas, por causa
corpo que está aos poucos desgastando-se e que seu verdadeiro "self" está to intac- de sua saOde, de uma maneira geral. 0 mais comum é urn medo irreal e paralisante
to e respeitado como sernpre fol. A maior aflico que os pacientes experirnentam, da morte repentina que ocorre nos prirneiros estágios da doenca, quando o diagnOs-
quando se tornarn incontinentes ou confusos, pode estar ligada a infância. Proce- tico recérn foi feito ou se desenvolveu urn sintorna novo. Isso faz parte de urn esta-
dendo assirn, é poss(vel realmente ajudá-los. De uma maneira urn tanto tirnida, eu do de ansiedade e, muitas vezes, é a causa de uma espécie de insânia dif (cii de tra-
tentei isto corn uma senhora de 70 anos, que ficou horrorizada quando urinou na tar-se corn sedativos. 0 paciente suspeita que, provavelmente, vai rnorrer a noite,
cama. "Eu gostaria de saber", disse-Ihe eu, "se vocé ficou ernbaracada e achou que quando ha poucas pessoas por perto e qualquer piora sObita de suas condicôes pode-

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rá noser riotada. (Ele pode ter medo, também, de ficar sozinho durante o dia). A
falern sobre isso, mas podem afastar-se de sua familia, devido a esse medo de
noite, faz de tudo para ficar acordado ate amanhecer: ento, entrega-se ao sono de
contágio, ficando isolados e, conseqüentemente, deprirnidos. Eu sei de pacientes
manhiT cedo. Quando fala sobre este comportarnento, ele reconhece seu medo e sen-
que nab se permitiam uma série de coritatos Intimos, desde o beijo de urn neto ate a
te-se mais seguro, dormindo durante o dia. Se seus problernas e angástias anteriores
relacab sexual, acreditando que iriam contaminar os outros. Uma senhora que vivia
forem tratados corn honestidade, de modo que confie na equipe médica, ele, habi-
sozinha parou de convidar os outros para uma xIcara de chá ou para uma refeicao,
tualrnente, vai aceitar a idéia de que nenhum de nós prevé que ele vá morrer em
acreditando que seu cancer podia ser transrnitido através da louca. Essa crenca,
futuro prOximo. Urna pequena dose de Diazepam pode ajudà-lo, também. Se ele
muitas vezes, faz parte de uma depressâ'o e necessita ser tratada corno tat; mas, na
pede uma prornessa de que será informado se algum novo sintoma alterar nossa
rnaioria das vezes, eta cede a uma simples reafirmaco. 0 importante é fatar sobre
opiniáb, devemos assegurai--Ihe o nosso apoio. Na prática, ele mesmo perceberá uma
isso e fazer perguntas certas. De outro modo, a düvida jamais será desfeita.
mudanca, quando chegar a hora. Ate 16, iá estará mais preparado. No caso em foco,
Como qualquer outro medo, aqueles associados corn rnorto e morte tornar-se-
deve-se manter a promessa solicitada respondendo corretarnente: "Sim, eu também
âb rnuito maistoleraveis quando suas idélas forem compartithadas. A nossa respon-
pensei desta forma."
sabilidade e criar uma atrnosfera salutar, da rnaior confianca possivel entre equipe e
pacientes.

0 medo da rejeiçäo

Os pacientes cuja doenca causa uma deformacâo, urn cheiro ruirn ou uma
mudanca marcante na aparéncia, corno no caso da caquexia, muitas vezes se recu-
sam a ver seus farniliares, tornando-se solitários e depressivos. Entre esses, alguns de-
sejarn, verdadeirarnente, poupar seus parentes (de modo especial as criancas) do so-
frirnento de ye-los corno está'o agora. Eles podem querer ser tembrados corno erarn;
temem que o choque de ye-los assirn tab doentes apagará, de algum modo, as boas
recordacöes. Precisam certificar-se de que isso nab Ira acontecer. No caso em que os
parentes visitam o enfermo regularrnente e o progresso da doenca foi gradual, eles
ficam deprirnidos mas nab o rejeitam. Contudo, alguem que ha muito tempo näo o
visita, precisará ser preparado para a rnudanca.
Outros pacientes se recusarn a ver seus farniliares porque supôern que väo ser
rejeitados e preferern tomar esta iniciativa a correr o risco de que isso lhes aconteca.
Se ha certeza de que os parentes ja estäo preparados para a visita, o paciente deveria
ser gentilmente ajudado a perceber que ainda é amado e querido. Freqüenternente,
ele acaba admitindo que, se a situaco fosse inversa, em hipótese alguma ele iria
querer afastarse. E percebe, desta rnaneira, que ambas as partes fracassaráb, se ele
persistir nessa proibico. Os farniliares que encontram dificuldade em ficar corn urn
parente por razôes corno essas, precisam de solidariedade e apoio quando se ajustarn
as mudancas na pessoa que amam. Eles tarnbém se beneficiarn da reafirrnacab de
que, eventualmente, será'o capazes de lembrar-se do paciente em boas condicöes fisi-
cas e feliz como ele era, antes de tudo comecar.

0 medo de que o cancer seja contagioso

Apesar da ciéncia estar bern adiantada corn relacão ao cancer, existe ainda urn
nümero significativo de pacientes que temern que seja ele contagioso. E es, talvez, nab

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A pessoa que pode recordar a sua vida corn satisfacffo, sabendo que, de uma manei-

9 ra geral, agiu bern, nab sente grande necessidade de urn tempo major, para desenvol
lacunas em seu potencial ou fazer reparacôes. Esse individuo pode ver a velhice
como um bOnus, urn tempo de menos responsabilidade e agitacâ'o, quando ele pode
desfrutar cada dia como quiser. Para ele, a morte nab é assim tab ameacadora... Eta
representa urn acontecirnento natural, para assinalar o término de sua vida. Ele
tambérn pode estar antevendo a eternidade para unir-se àqueles que "já Se foram",

0 rnedo da iIOIte para descobrir o que existe "do outro lado". Para tais pessoas, a morte acontecerá
tranqüilarnente, como deveria. A mortal idade é menos alienada para eles; pois, a

e o curso da aceitacão medida que progrediam, tinham tempo e oportunidade suficientes para aceitar a sua
aproximacão gradual.

A negaco existencial

Junto corn a idéia de que "eu viverei ate a velhice", a maioria das pessoas tam-
0 rnedo parece ser a primeira emocab que urn ser humano sabe expressar. 0 bOrn presurnern que a morte acontece corn as outras pessoas e que elas morrerab so
bebê fica alarmado tab logo nasce, porém isso ocorre várias semanas antes que ele quando estiverem velhas. Embora vejam na televisab que estab acontecendo aciden-
possa sorrir. Eu gostaria de saber se a consciência da nossa mortalidade é inata, se tes pavorosos, que os humanos morrern nas guerras, de inanicab e doenca, tudo isto
está presente desde o inIcio, embora inconsciente. 0 amadurecirnento através da in- parece muito distante. Ainda mais rernota parece a possibilidade de uma guerra nu-
fância fornece os meios para conceitualizá-la e comunicá-Ia. Ent5o, possivelmente clear, apesar dos esforcos dos politicos e de outros estudiosos para persuardi-los de
nab sejarn tanto nossas experiéncias que nos ensinarn sobre a morte; pelo contrário, que ela pode acontecer realmente. Se eles constanternente se conscientizassem de
elas confrontam-se corn nossas defesas contra a admissäo da verdade de sua inevita- todos estes perigos, essa condicab produziria urn estado de ansiedade paralisante,
bilidade e permitem que a aceitacab disso, corn a ansiedade que a acornpanha, pene-
tornando o cotidiano quase impossivel. Nós precisamos ser defendidos contra tudo
tre na consciência. isso papa podermos sobreviver, e esta defesa é chamada de negacâb existencial. Po-
demos apenas atravessar a rua, viajar ao exterior ou planejar o nosso futuro sern me-
do indevido, porque aprendemos a viver como se os perigos descritos nab pudessem
nos afetar. (Uma maneira de compreender a ansiedade fóbica é considerá-la como
0 desenvolvimento da consciência e aceitaçã'o na velhice uma condicao na qual esta defesa de negacab existencial descontrolou-se).

Intelectuatmente, todos sabern, pelo menos a partir da metade da infância, Os primeiros passos para a aceitacäo
que urn dia iräo morrer. Entretanto, parece que todos acreditam que iro viver
ate a velhice. Esta idéia, geralmente inconsciente, representa urn ultraje para a maio-
na das pessoas, quando, repentinarnente, so defrontadas corn a possibilidade de Para grande nil mero de pessoas, a possibilidade de sua própria morte permane-
rnorrerem "prematuramente". Entab elas dizem "mas eu pretendia... deixar a esco- ce remota, ate que morra alguém que eles conhecam. Desta maneira, elas nab po-
Ia, casar, ter filhos, gozar a aposentadoria, ir ao batizado dos rneus netos," etc. Pa- dern fugir a idéia de que isto acontece corn pessoas reais; ate mesmo corn membros
ra a rnaioria das pessoas a aproxirnacao da morte é considerada "muito cedo" e sen- de sua própria farnilia. Contanto que o falecido seja idoso, a ameaca ainda parece
tern-se roubadas em sua longeviclade, que representa para elas urn direito inato. Essa suficienternente distante para a seguranca pessoal, mas rnorrendo urn conternporâ-
resposta 0 mais forte nos jovens, que gradualrnente declinam, quando as tarefas da neo, urn irmab, urn amigo de escola ou do trabaiho - a conscientização de que "eu
vida se realizam, quando as forcas faltam e rnorrern os parentes e amigos chegados. tarnbérn morrerei" torna-se inevitável e comeca o processo de assirnilacao. A raiva

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de que estas coisas podem acontecer e a tristeza por causa da morte de urn amigo
unem-se a sentimentos similares relacionados corn a própria mortal idade. Aparece a
ansiedade por algum tempo e a pessoa pode reagir se expondo rnenos ao perigo, ape-
lando a urn "check-up" medico, fazendo urn testamento ou urn seguro de vida. A
ansiedade e a tristeza, ento, diminuern, e a vida continua como antes. Uma doenca
grave ou urn acidente do qua! "se escapou por urn triz" traz a realidade da morte
mais perto ainda. Todos estes acontecirnentos podem provocar umaansiedade intole-
ravel, e a lembranca deles pode ser reprirnida to eficazmente quanto permitem os
mecanismos de defesa da pessoa; ou pode ser enfrentada e elaborada. Embora este
processo seja muito "estressante", o resultado pode ser uma mudança de ponto de
vista ou de valores, o que e muito salutar. 0 agradecimento por estar vivo, unindo-se
a aceitaco de que o futuro é incerto, faz corn que algumas pessoas aceitem o coti-
diano como ele é, sem preocupar-se indevidamente corn o que o arnanhâ pode tra-
zer. Essas pessoas me dizem: "Você sabe, pode parecer esquisito, mas eu fiquei con-
tente que isto tenha acontecido, ernbora fosse horrIvel na ocasiáo." Urna das razôes a,
C -U
do seu contentarnento é que ele enfrentou sua própria morte e perdeu alguns de
seus medos.

A crise do saber

A aceitaçäo é urn processo gradual e é apenas corn o crescente reconhecimen-


to da certeza da morte que comeca a crise (Fig. 9.1). Se isto ocorre repentinarnente,
quer devido a urn acidente ou uma doenca grave, ou porque as defesas psicológicas
no deixavam perceber o significado de uma doenca que progredia lentamente, a
prirneira reaç5o e de choque. Como a trajetória descrita em PILGRIM'S PRO-
GRESS na qua! Christian chega a Cidade Celestial, o cam inho desde este choque mi-
cial ate a total aceitaco pode ter rnuitos atalhos e possIveis desvios e de qualquer
rnodo todos chegam ao final. Neste capItulo, you apenas sinalizar os caminhos
que passarnos, indicando o destino ou diagnOstico a que eles conduzern. Nos cap itu-
los posteriores ser5o discutidos seus significados e rnanuseios.
Geralmente, o estágio de choque Se transforrna logo numa negaco. Negar a!-
go com veemência é., por si 50, uma indicaco da consciéncia de que poderia ser ver-
dade e da necessidade de se defender contra esse algo. So raras as ocasiOes em que
isto e totalmente inaceitável. Quando rejeitam, perdem temporariamente, também,
o seu raciocinio e sofrem de uma PSICOSE PSICOGNICA (paranoia, depresso 0
psicôtica, mania.) Outros reagem de uma maneira diferente. Expulsarn da conscién-
cia o conhecirnento de que estáo para morrer e näo ficarn ansiosos. Ao contrário,
eles apresentam a indiferenca serena da HISTERIA DE CON VERSAO, rnas pagam
por essa "paz" tendo de enfrentar algurn sintorna fIsico incapacitante, talcomo a
paralisia.
H
0

82
A negação sabendo que teria, apenas, poucos meses de vida, pensou bastante e mudou
sua rnaneira de ser. Nas rnanhés ensolaradas Ia para o jardim; depois da refel-
co matinal apj-oveitava o máxirno enquanto podia, no se importando se a
Em grande maloria, Os pacientes cancerosos nâ'o se afastam desses caminhos. casa precisava de uma limpeza. Antes, ela recebia os netos uma vez por serna-
Na ânsia de negar, eles dizem: "N5o pode ser verdade; isso näo está acontecendo Co. na para urn lanche meticuiosamente preparado. Agora, ela queria ye -los todas
migo; deve haver aigum engano." Aiguns permanecem aqui, por certo tempo, usan- as vezes que eles pudessern. Os netos vinharn trés vezes por semana, comiam
do esta defesa (que Pattison2 chamou de negaco psicoiogica) para Mo experimen- urn bolo comprado fora, e todos se divertiarn irnensamente; pois ela tinha-se
tarem a ansiedade que acompanharia a plena aceitacâo da verdade. Desta maneira a tornado mais condescendente, mais interessada neles e menos no seu próprio
aceitaco vem gradualmente e, muitas vezes, tais pacientes mostram ciaramente desernpenho como anfitrig e avó. Mais tarde, quando a doenca progredia e ela
(através de comportamentos tais como a feitura de um testamento ou aiteraço de podia fazer menos, tinha, tambérn, menos saudades e mais boas lembrancas
seus pianos para o futuro) que eles jé comecaram a assimiiar a nova informacâo, em- do que antes, para ocupar sua mente, quando Mo mais podia ser to ativa.
bora ainda Mo estejam prontos a falar sobre ela. De vez em quando, tais enfermos
abandonarn esta posiço, e eu acredito que deverlarnos respeitar e nâo interferir As rnetas mudarn também. Nos primeiros estágios, vaguelarn mais distantes: fi-
com reiaco a sua defesa, uma vez que o paciente está reagindo bern, aceitando o es- car razoavelmente bern para o casarnento da filha; completar uma tarefa; chegar ao

sencial do tratamento, e Mo está sendo incomodado peia ansiedade. Se irrompe próprio aniversário, ou ao aniversário de seu casamento. Cada realizaço traz urn
uma ANJSIEDADE GRAVE, sabemos que adefesa Mo mais serve a seus propósitos. prazer e a preparaco de uma nova meta. A cornpreenso de que urn desejo nunca
será alcancado vern junto no somente corn uma tristeza rnas, tambérn, no estabele-
Embora o paciente diga que n5o está preocupado, ele parece ansioso, agitado e inse-
cimento dos objetivos mais lirnitados: ir para casa no próxirno firn de sernana, ficar
guro. Seu sono pode ser perturbado por sonhos terrIveis ou pesadelos. 0 tratamen-
consciente e sentado na cadeira, quando as visitas vêrn. Portanto, em cada estéglo,
to, para dar resuitado, terá de incluir a confrontaco corn a negacâb, como também
a tristeza pode ser misturada corn o contentarnento e ate mesmo o prazer.
o uso de drogas contra a ansiedade.
Um outro desvio conduz aos destinos dos SINTOMAS SOMATICOS, mais
freqüenternente a dor. 0 paciente continua a negar que aigo de grave está aconte-
cendo e diz que se a dor fosse aliviada, ele estaria bern. Mesmo que os analgésicos se-
jam manipulados habilidosamente ou determinada a obstruco nervosa, nada traz A negacäo desatenta
aiIvio, pois a sua preocupaco com a dor faz com que ele ignore suas ansiedades
mais profundas. Repetindo: so o tratamento que o ajudará a enfrentar essas angcjs-
tias e ajustar-se a elas é que ihe proporcionará urn ai(vio duradouro. Nem todos que "morrern bern" enfrentarn, serenarnente e de modo gradual, a
aceitaco deste fato. Alguns ernpregam urn estratagerna que Pattison(2) charnou de
negaco desatenta. Eles se aceitarn, no inIcio,corno portadoresde uma doenca que
poderé levá-bos a rnorte. Geralmente, eles e a farnilia, corn frequência, enfrentarn es-
A raiva, a tristeza e a aceitaço se fato e tomarn todas as providencias essencials, incluindo as financeiras. Então es-
ses pacientes decidern, mais ou menos conscientes, que vâo viver, na medida do pos-
sivel, como se estivessern bern e passarn a cornportar-se como se seus projetos para o
futuro no fossern afetados pela doenca. Mas é interessante que alguns deles falern e
Quando a negaco é abandonada, aparece a raiva devido ao que está aconte-
planejern, por exemplo, uma viagem ao exterior no próximo ano,quando, na realida-
cendo, e a tristeza pelo que está sendo perdido. isso pode acontecer várias vezes, du-
de, no fazem econornia. Resurnindo, estas pessoas Mo rnudarn o seu estibo de
rante uma doenca longa. A cada nova perda ou aumento na incapacidade (por
vida e podern esconder a sua doença de quase toda a gente. Eventualmente, os pa-
exernpio, a perda do "status" de assalariado, o reconhecimento da necessidade de
rentes que conhecern a gravidade do prognóstico querern saber se o paciente, em
uma cadeira de rodas), ha uma revoita e urn periodo de larnentacôes, ate que seja
realidade, cornpreendeu a situac5o. e que no sabern como responder as suas con-
feito o ajustamento as novas iimitaçôes e sejam descobertas novas fontes de satisfa-
versas anirnadas, sobre o futuro. Na rnaioria das vezes, eles o adrnitern como verda-
ço. Os valores, algumas vezes, mudam de uma rnaneira criativa.
deiro e concordarn corn a decisâo Mo verbalizada do enfermo de que o presente Mo
A Sra. N. era uma dona de casa muito meticulosa; achava que deveria limpar deve ser anuviado corn as sombras do futuro. Essa estratégia atua rnuito bern sobre
sua casa todos os dias. Ela Mo se entretinha, pois este servico representava urn inürneras pessas e os doentes passarn para uma fase de malor aceitaco, quando Mo
esforco; tudo tinha de ser feito em casa e rnuito bern feito. Quando ela ficou e mais possIvel esconder a doença.

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Alguns seguem outro caminho e sot rem indevidamente, usando a defesa CON-
TRAFOBICA. Eles ficam to ávidos para provar a si mesmos e aos outros que a
doenca nab Ihes está afetando que tentam fazer agora mais do que antes faziam. E
insistem em aceitar desafios, podendo, ate, assumir compromissos extras. Essa técni-
Ca, "ignorar e lutar", pode ser eficaz. Entretanto, ela pode ir longe dernais e, entâb,
tornar-se contraproducente, resultando num esgotamento ou nurna recusa em admi-
tir novos progressos da doenca e procurar atualizar o tratamento e os analgésicos
apropriados.
A aceitacâo nâo é o mesmo que a resignaçäo. E uma avaliacâo realIstica da si-
tuaco cilnica, conforme esta muda, corn a determinacäo de se ajustar da maneira
mais adequada possIvel. Nos primeiros estágios, muitos pacientes reconhecem que
as "chances" so contra eles, mas preferem opor resistência. Procuram obter todas
as informacöes que Ihes interessam. Podem suplementar o tratamento medico orto-
doxo corn dietas especiais, meditacao, cura através da fé, etc., e podem tirar provel-
to do fato de compreender que devem contribuir para o controle de seu estado ou
ate rnesmo esforcar-se peta cura. Encontrar-se corn os pacientes na atrnosfera dos
grupos de apoio ajuda a combater os sentimentos de isolamento ou estigma, e me-
Ihora os estados de ánimo. Qualquer coisa que prornova o bem-estar fIsico, psicoló-
gico e espiritual certarnente será de algurn benefIcio. Ainda a despeito de tudo isso,
para alguns a doenca progride continuarnente. Eles precisam aceitar que a sua luta
contra a doenca está definitivamente sendo perd Ida e que chegou a hora de dirigir
todas as energias restantes para realizar aquelas coisas mais caras para eles e dar a re-
ceber tanta alegria quanto for possIvel, no tempo que Ihes resta. Aceitacab, de vez
em quando, significa desistir totairnente da luta, renunciar a independéncia que
rnuito se aprecia e entregar-se aos cuidados dos outros. Neste estágio, os pacientes
nab vêem vergonha na regressao a dependência fisica infantil e so capazes de tirar
prazer ao receberem atencab e desveto.
Nab obstante os sintomas desagradáveis tais como a dor ou nausea, serern efi-
cazmente controlados, para alguns nab existe uma rnaneirá de escapar da fadiga e do
tédlo que aparece no fim da vida. Eles nab querern dormir o dia todo mas nab tern
mais energia ou concentracao para desfrutar algo por muito tempo. Como alguém
bern preparado para uma viagem, eles se despedem e esperarn que chegue a hora da
partida. Essa pode ser uma fase dif (cii para todos. Aiguns se contentam apenas em
esperar; outros atingem urn estágio onde a morte representa para eles urn alIvio. Cd
Seus familiares percebem que os enfermos estab afastando-se para dentro de si mes- '0

mos. A maloria deles aprecia a presenca tranqüiia dos parentes; porém, aiguns men-

I
cionam que preferern estar sozinhos, taivez querendo poupar os parentes de uma vi-
gulia prolongada e cansativa. Muitos terminals ficam inconscientes, nas Citimas horas
ou dias, despertando taivez urn pouco, quando sâo trocados de posiçab, e provavel-
mente percebem pelo menos urn pouco do que Ihes é dito, pois a audicâo parece
ser o (jitimo dos sentidos a ser perdido. A morte chega gerairnente quando a respira-
ço cessa e o coracao pára de bater.
Nern todas as mortes so iguais a essa, é ciaro. Aigumas acontecern repentina-
mente ou durante o sono, sern uma doenca precedente. Em outros casos, o controle

RA
da dor e da aflicäo no é plenamente alcancado, muitas vezes devido a falta de ha-
bilidade por parte daqueles que esto tratando do paciente, e ocasionalmente por-
que a natureza da doenca torna as dificuldades quase insuperáveis. Podem ocorrer,
também, vârias perturbacöes mentais, especialmente quando o paciente é jovem,
houve pouco tempo para a preparac5o, foi oferecido a ele um apolo emocional insu-
ficiente, ou, por causa de sua personalidade e antecedentes, näo pOde o paciente fa-
10
zer uso da ajuda disponIvel.
-A figura 9.2 resume a trajetória descrita neste cap Itu lo, juntö com muitosdos
desvios que o paciente toma: a mania e a histeria silo raras; a paranoia é vista corn
Aprendendo a ajustar-se:
mais freqüência; a depresso e ansiedade so comuns. Alguns pacientes, infelizmen-
te, rnorrem nesses estados, quer porque ninguém trate deles, quer porque o tempo
problemas que envolvem -
seja curto ou a enfermidade no corresponda ao tratamento. Os próximos seis capI-
tubs descrevem o diagnóstico e o tratamento dessas enferrnidades, usando vários ca- comunicaçäo e dependência
sos para ilustrar seus vários pontos.

RE FE RNCIAS

1. Kubler-Ross E. (1969). On Death And Dying. London: Macmillan.


2. Pattison E. M. (1977). The Experience of Dying. London: Prentice-Hall.
Alguma depresso e ansiedade é inevitável nas pessoas que estäo encarando a
morte. Se uma ou outra torna-se aguda ou crônica, impedindo o paciente de viver
como poderia diante das circunstâncias, provavelmente existe uma causa tratá-
vel. Em alguns casos o diagnóstico de urn estado ansioso ou de depressâb é conve-
niente. Esses tópicos serã'o desenvolvidos nos capItubos 12 e 13. Em princIpio, tais
sintomas devem ser olhados como sinais de problemas no resolvidos, da rnesma for-
ma que uma febre é, geralmente, considerada urn sinaI de infecço. 0 tratamento
dev& ser direcionado para os próprios problemas e para as drogas psicotrópicas, que
a exemplo dos antipiréticos na febre, somente sâb necessários quando os agentes
provocadores dos sintomas no puderem ser tratados diretamente, ou quando Os
sintomas totem tffo graves que, por si so, requeiram urn tratamento especIfico. A
classiticacâo diagnóstica de "reaco de ajustamento" (codigo 309 na Classificacäo
I nternacional das Doenças (1) ajusta-se bern a situacäo. As reacôes de ajustamento
so descritas como "desordens moderadas ou transitórias... que acontecern em pes-
soas de qualquer idade, sern uma desordern mental preexistente." Na maioria das
vezes, elas Se restringem a uma situaçâo especifica, geralmente reversIvele rebaciona-
da, em tempo e conteüdo, corn os "stresses" tais como as experiências de separa-
câo. Na cbassificaço, trés subgrupos sãb observados: as reacöes de ajustamento es-
senciatmente depressivas, as que so devidas a ansiedade e as devidas a urn distürbio
de conduta. As ültimas so observadas mais comumente em criancas e adolescentes.
Quase todos os pacientes admitidos em nossa Unidade estáo ansiosos, nâo so
por causa de sua doenca, mas também (como em qualquer outra instituiço) porque
eles vérn para urn lugar desconhecido a firn de serem cuidados por estranhos. Muitas
vezes, eles estáo incertos corn relaco ao tratamento que receberäo; alguns esto
conscientes de que, provavelmente, jamais retornar5o para casa. A maioria também

88
fica triste, por razôes igualmente óbvias. Quando eles se familiarizarn conosco e corn ferenca na tendéncia de usar a medicacão acontece, provavelmerite, devido ao fato
a rotina do hospital, ou sintornas tais corno dor ou vOrnito säo controlados, dirni- de que os pacientes terminais usaram, freqüenternente, analgesicos que provocavarn
nuern muito os nIveis da ansiedade, na rnaioria dos casos, e algurna tristeza tambérn neles uma constipação, a boca seca, etc. Uma vez que os efeitos colaterais dos anti-
desaparece. Por essa razo, pacientes corn queixas de ansiedade e depressâb no sao, depressivos agravam seus problemas, ha uma relutância em usa-los, a nab ser que se-
de irnediato, encarninhados a mim, a ná'o ser quando os sintornas sejarn muito graves jam essenciais. Os ansiolIticos que nab causam estes efeitos sào, portanto, usados
ou foram a principal causa da sua adrnisso no hospital. mais Iivremente. Na maioria dos pacientes ansiosos também, a melhora parece, pelo
Havia 41 casais ern meu projeto de pesquisa (2, 3). Entre esses, 29 foram en- menos, estar relacionada tanto corn a solucao dos problemas quanto corn o aurnen-
caminhados por diversas razöes e, entre Os 12 restantes, dois foram incluIdos por- to na dosagem do Diazepam.
que outros membros da equipe concluirarn que eles estavarn reagindo extrernamen-
te bern, e dez foram escolhidos pelos nossos pesquisadores, usando urn método cria-
do para obter uma selecáb aleatória de pacientes que no nos foram encarninhados.

Reaçöes de ajustamento
TABELA 10.1 - A DEPRESSAO E ANSIEDADE NA PESQUISA DA AMOSTRAGEM
(AS PERCENTAGENS ENCONTRAM-SE ENTIRE PARENTESES)

Baseado na avaliaco As dificuldades em se ajustar, suscitadas pela doenca terminal, podern ser fa-
ci)rnente consideradas em quatro tópicos. Os dois primeiros, comunicacgo e proble-
Pacientes Pacientes Pacientes Total
encaminha- encaminha- nab (n = 41) mas de dependência, serab tratados neste capItulo; o terceiro e o quarto, a adapta-
dos (n = 29) dos (n = 29) encaminha- cab as mudanças de papéis e o uso prejudicial de defesas psicologicas, no capItulo
dos (n = 12) seguinte -
Depressab 8(28) 11(38) 2(27) 13(32)
Ansiedade 5)17) 6)21) 1) 8) 7(17)

A tabela 10.1 mostra o nürnero de pacientes encarninhados devido a depres- COMUN cAcAo
s5o e ansiedade, e o total de casos inclu(dos na avaliaco. Dos 13 pacientes que eu
considerei corno depressivos (o diagnóstico dadepresso na doença terminal será abor- A cornunicacão ja foi discutida amplarnente nos capItu)os 3 e 4; porérn, at-
dado mais tarde), dois estavarn sob efeito de antidepressivos na ocasiäo em que en- guns aspectos precisam ser melhor desenvolvidos. Geralmente se supôe que as pes-
trararn no hospital; dois comecaram a usa-los mais tarde, e nove casos nab usaram soas tornam-se mais ansiosas quando sabem que estab corn uma doença terminal;
qualquer espécie de antidepressivos. Dos nove, seis melhoraram assirn que soluciona- porém, em grande parte dos pacientes que me foram encarninhados devido a ansie-
ram seus problemas especificos. Dos trés que nab obtiveram melhoras, urn estava dade, o problema era o de NAO ihes terern comunicado. Eles tinharn consciência de
muito mal quando entrou no hospital, e morreu em poucos dias; outro tinha urn tu- que estavarn ficando, progressivarnente, mais doentes e de que vários tratarnentos
mor no cérebro, e o terceiro sofria uma depressab crônica ha 20 anos, a qual nab experimentados nab produziram efeitos por muito tempo. As pessoas que os cerca-
respondia ao tratarnento de antidepressivos. Dos quatro pacientes que já faziam uso yam pareciam muito preocupadas ou invulgarmente animadas e especialrnente afá-
de antidepressivos, dois me)horararn, quando seus problemas foram resolvidos; urn veis e atenciosas. Eles, os terminais, ja percebiam que estavam para morrer mas, se
rnelhorou de uma maneira surpreendente corn a terapia eletroconvulsiva e o iltimo, ousavam fazer perguntas, recebiam respostas evasivas ou incentivos que soavam co-
que tinha urn problema conjugal sem solucäo, nab teve nenhuma melhora. Portanto, mo inverdades. Eles queriam confiar nos seus familiares e medicos, mas nab podiam
em oito dos 13 pacientes depressivos, uma melhora significativa no estado de ânimo
ignorar uma voz insistente dentro detes que lhes dizia: "Vocé está morrendo." E se
veio logo em seguida a discussab e soluçâo dos problemas. Somente no enfermo que perguntavam: "Isto será verdade ou estou somente ficando deprimido?" Esses tipos
necessitou da terapia eletroconvulsiva a melhora esteve diretamente relacionada ao
de pacientes, rnuitas vezes, tentam dissuadir-se de suas preocupacôes, mas nab con-
tratarnento corn antidepressivos. (Entre outros pacientes que nab fizeram parte des-
seguem. Eles Se alternam entre responsabilizarem-se por serem demasiado pessirnis-
sa pesquisa, eu tive alguns em que a psicoterapia individual nab causou efeito, e nab tas ou por pensarem que estáo desesperadamente na posiçab sot itéria de serem a
ocorreu melhora quando (he foram administrados antidepressivos.) (mica pessoa que sabe a verdade. Eles percebem que os circunstantes nab querem sa-
Ao contrário dos pacientes depressivos, todos os pacientes ansiosos já tinham ber de perguntas. Desse modo, suportam tudo isso sozinhos, embora suas expressôes
usado ansiolItico (geralmente Diazepam) quando eu os vi pela prirneira vez. Esta di- e comportamento revelem sua crescente ansiedade.

90 CIA
Celia era uma dessas pacientes. Eta sempre foi uma muiher ansiosa e seu histó- DEPENDER OU NAO DEPENDER
rico apresentava uma depresso periôdica, que jé tinha sido tratada psiquiatri-
camente. Por causa disso, seu marido e seu ci(nico gerat concordaram em A transico gradual da infância para a vida adulta inclui uma mudanca que
que seria meihor tentar esconder-Ihe o diagnóstico, dentro do possivel. Quan- vai desde a dependéncia e desarnparo ate a independéncia e autonomia. Quando a
do eta me contou a sua história, ficou clara a sua frustraco, pois nâo reagia vida se encaminha para o seu final, a maioria das pessoas tornam-se de novo, pro-
ao tratamento e estava, realmente, muito ansiosa. Embora hesitante e muito gressivarnente, mais desarnparadas, precisando dos outros para fazer aquito que esta-
pesaroso, pois eta era jovem e, recenternente, havia encontrado a feticidade yam acosturnadas a fazer sozinhas. Também, na maioria, os adultos gostarn de con-
num segundo casamento, eu the revelei o diagnOstico. Em resposta as suas per- siderar-se maduros. Aqueles que cornpararn independéncia e autonomia corn maturi-
guntas diretas, eu the deciarei que eta teria, apenas, algumas semanas de vida. dade irao lutar para conservá-las. Inconscientemente, eles podem ser ainda como os
Celia respondeu-me que "as coisas agora estavam fazendo sentido" e disse que adotescentes, querendo provar a si mesmos e fugir dos pais superprotetores. 0 fato
tinha notado mudancas nas atitudes de seu marido: ele hesitava em fazer pia- de que eles necessitam, agora, de cuidados por diversas razôes, parece-thes algo des-
nos para o futuro e tinha o sono mais agitado. Achei dificit contar, mas quan- cabido. Para eles, aceitar a ajudá representa "desistir"; uma fraqueza Iastimável e
do me tevantei para deixâ-la, Celia pegou minha mao e disse sorrindo: "Obri- uma regressao que, para eles, e desprezIvet. Parecem-se corn os pacientes ansiosos,
gada, por deixar minha mente descansar. Agora eu sei o que fazer." No dia Se- porém independentes, (como na parte inferior da Fig. 9.2) que tutam para se con-
guinte o marido notou uma mudanca na sua expressao táo logo ele chegou. vencer de que nâo est3o tao doentes como na reatidade estao, e ficam esgotados
"Eu já sei", ela disse, "e gostaria que saIssemos para uma pequenas férias devido a esses esforcos. Recusam, geralmente, a analgesia adequada ou outro
em nosso lugar favorito, enquanto ha tempo." A dor que a fez baixar ao hos- tratamento. Seus farniliares assistern a esse sofrirnento e sotrem também. Tais
pital diminuiu e eta parecia mais forte. Desta maneira, foi mandada para casa, pacientes podem insistir em morar sozinhos, mesmo quando já caIram várias vezes,
poucos dias mais tarde. Eles viajaram e aproveitaram muito. Logo em seguida, ferindo-se no fogao ou comecando urn incéndio. Alguns deles vatorizam tanto a
eta precisou ser readmitida, mas methorou o suficiente para voltar para casa, independéncia que preferem correr o risco de rnorrer sozinhos do que aceitar ajuda,
em outro tim de semana. Repentinamente, seu estado piorou e eta entáb mor- mesmo sabendo das "chances" de sua vida ficar mais curta e seu fim menos confor-
reu. távet. Os parentes desses enfermos podem necessitar de ajuda para aceitar que aque-
les tern o direito de tornar suas prOprias decisôes. Existe sempre algum intrometido
Como foi relatado no capItuto anterior, uma crise aguda de ansiedade -é co-
que ignora os fatos e acusa os membros da famIlia de serern regligentes e despreo-
mum logo após terem os pacientes conhecido seu diagnóstico. Na minha experiên-
cupados, fazendo corn que aurnente o seu ja doloroso sentirnento de culpa.
cia, sáo POUCOS os que pioram a longo prazo: entre os casais pesquisados por mim,
Quando os membros da familia falharn em persuadir uma pessoa doente a
aconteceu somente urn caso - urn homem que perguntava, constantemente, a sua
aceitar que cuidem dela, ou se interne em urn hospital, urn estranho pode intervir
enfermeira se estava muito doente e se estava para morrer. Depois de atgum tempo,
corn sucesso. A razao tatvez esteja nas dificuldades interpessoaisjá existentes na fa-
eta the contou a verdade. 0 homem cornecou, em seguida, a ter ataques de pânico,
mIlia, tornando irnpossIvel mudar muito esta situacao. Nesses casos, a ajuda da co-
especiatmente quando a esposa o deixava so. Ete nao reagiu bem ao Diazepam, po-
rnunidade pode ser necessária, mesmo que os parentes digam que eles estao dispon(-
rem methorou conside rave tmente quando sua esposa deixou o emprego para que
veis. Quando a dificuldade está dentro do próprio paciente, uma simples psicotera-
pudesse ficar mais tempo com ele.
pia pode surtir efeito. Eta irnplica em ajudá-lo a perceber que maturidade nao tern
Um outro paciente, urn homem corn carcinoma de próstata, durante muito
nada a ver corn independéncia, mas inctui a capacidade de aceitar mudancas e res-
tempo acreditou que seu estado fosse benigno. Ete sempre sofreu de dores muscuta-
ponder as novas situacöes de uma maneira que traga mais felicidade e menos sofri-
res e, quando soube do diagnOstico, passou a achar que quatquer nova dor era urn si-
mento para todos os interessados.
nai do cancer que se havia disseminado. Desta maneira, ficava cada vez mais ansioso.
Algurnas pessoas nao compreendern que, durante a vida, ha uma mudanca na-
Durante muitos anos seu casarnento foi infetiz e ele havia ignorado os seus dois fi-
tural no equilIbrio dependencia/independencia. Quando criancas, esseS indivIduos
thos. Quando compreendeu que seu futuro era timitado, ele fez urn balanco de sua
sáo essencialmente dependentes; na rneia-idade, sao essenciatrnente ativos, dando e
vida. Entao ele e a esposa aceitaram fazer comigo sessôes de terapia conjugal e ele
cuidando (em rnuitos exernptos para seus próprios fithos e seus pais dependentes).
descobriu que seus fithos eram mais interessantes e agradáveis do que ele jamais ha-
Perto do firn da vida, eles tornam-se de novo essencialmente receptivos. Nao sO neces-
via imaginado. Urn dia antes de rnorrer, disse a enfermeira que estava the fazendo
sitam como tambérn merecem cuidados. E nao pararn de dar-se apenas porque es-
companhia o quanto apreciava as mudancas devidas a nossa participaçao. Apesar da
tao doentes e inativos. Etes, agora, tern a "chance" de dar a seus fithos a oportun-
sua ansiedade intermitente, dizer-Ihe a verdade sobre seu diagnOstico fez mais bern
dade de cuidá-los e servi-los; algo que ambas as partes podem fazer corn prazer, se
do que mat.
o retacionamento for born. Todos tern possibilidade, ainda, de dar atençao, estima

92 - 93
e arnor. 0 que o terapeuta faz é dar ao paciente "perrnissäo para regredir", para
isso acontece, o paciente morre tranqüilamente e o esposo que fica, provavelmente,
perder a vergonha que ele antes associava corn dependencia e gozar da sua posiço
terá menos culpa para enfrentar, durante a perda.
privilegiada como o centro das atençöes da farn(lia, urn lugar que no ocupava desde
Mencionel, anteriormente, a "permissão para regredir". Os problemas de ajus-
que era bebé.
tarnento podem surgir de outras maneiras, como o paciente tornar-se inseguro e exi-
A regresso, quando acompanha a incapacidade fIsica, presta-se a ser fonte de
gente, quando aquetes que o circundarn reconhecem que ha ainda diversas coisas
satisfaco para o grupo, (paciente e parentes ou enfermeiros). 0 paciente pode gos-
que ele pode fazer sozinho. Ha vérias razöes para isso. Um paciente, devido a priva-
tar de ter seus cabelos escovados e sua face gentilrnente lavada, quando ele atinge
çôes na infância ou por nunca ter se desenvolvido corn a atencäo dos outros, usará a
urn estagio oride seus braços doeriarn, se ele fizesse isto sozinho. Os parentes que fa-
doenca como urn rneio de obter atenco, ja que ele é to desarnável para obtê-la de
zern estas tarefas talvez apreciem a nova intimidade e sua própria capacidade em dar
outra maneira. Quando isso acontece, a farnilia, como é normal, sente-se martipula-
conforto fIsico para a pessoa a quern querem bern. Urn relacionamento conjugal es- da, de rnodo particular se percebe que ele pode ainda fazer o que realmente quer e
tável inclui a capacidade do casal de se cuidarern mutuamente nas ocasiôes de neces- que sempre pede ajuda nos mornentos rnais inconvenientes. Se isso é urn padrâo an-
sidade. Na doenca terminal, esta parte do relacionamento pode ser importante; a pa- tigo, exagerado pela doenca, muito pouco pode ser feito para rnudá-lo, especialmen-
ciente torna-se infantil e o esposo corresponde fácil e naturalmente como urn pal. te dentro da farn(lia. Quando pacientes como esse entram no hospital, alguns se mo-
Se for urn casamento razoavelrnente seguro, ambos se adaptaro bern a essa situaco dificarn pouco depois. A conduta de ser to generoso e car inhoso quanto possIvel,
e eta será encorajada.
associada a firrneza nas ocasiôes em que eles, sem razéb, brigarn corn os outros exi-
Onde os vinculos do casamento estéö menos seguros, a paciente pode voltar- gindo atencâo, é a rnelhor nesses casos. Quando esses enfermos se sentem rnais valo-
se para os pals e rejeitar o esposo. Isso aconteceria aos casais que estéo profunda- rizados e arnados, podem tornar-se menos exigentes cornecando a ser ate mesrno es-
mente apaixonados, mas casados ha pouco tempo. A paciente acostumou-se a vol- tirnados. Faz parte da conduta, aqul, ajudar a equipe a cornpreendê-los e lutar con-
tar-se para os pals nos rnomentos de fraqueza e medo. Ele ou eta néb tiverarn muitas tra seus próprios sentimentos de ser ludibriado.
oportunidades para confia rem na capacidade de seu cOnjuge, para atuar como apolo Outros pacientes tornarn-se dependentes, muito cedo, para evitar a ocasio de
nurn mornento de crise. 0 esposo jovem sente-se ofendido, rejeitado e necessita de enfrentar os sinais de progresso da doenca.
ajuda, para cornpreender que esta regresso é natural e no quer dizer que ele ou ela
no tenharn dado suficiente amor. Os pals, discretamente, fargo de tudo para preser- O Sr. M. foi-me encarninhado, pois parecia estar deprirnido. Ele sabia que po-
var o afrouxamento dos tacos entre o casal. Porém, muitas vezes, tarnbém é difIcil dia carninhar a curta distãncia, mas insistia em ficar sentado na sua carna o dia
resistir ao "stress" da arneaca de rnorte. Ento, o cônjuge precisa ser ajudado, para todo, queixando-se de estar aborrecido e parecendo muito infeliz. Num mo-
aceitar que o rnarido ou a muiher se sinta mais feliz sob os cuidados dos pals. Urn rnento de sinceridade, ele explicou: "Enquanto estou sentado aqul, p0550 irna-
desses rnaridos voltou a agir como solteiro, antes de sua jovern esposa morrer e pre- gmat-me fazendo todo o trajeto para a sala de estar, 16 ernbaixo. Na ültirna
cisou de muito apolo, na época da morte da esposa, para enfrentar a raiva que sen- vez que eu tentel isso, senti falta de ar, antes de chegar a metade do carninho.
tiu, por ter sido rejeitado, e pelo sentimento de culpa, por ter se afastado dela. No quero tentar novamente". Falamos de como deve ter sido doloroso des-
A rnesrna seqëncia de acontecirnentos pode ocorrer quando o casamento néb cobrir as próprias limitaçôes; que isto significava estar ele ficando pior; que
fol feliz. Se os pals desses pacientes eram possessivos, e, especlalrnente, se eles no urn dia ele teria tanta falta de ar que no poderia caminhar de maneira algu-
gostavam do seu genro ou nora e nâo aprovaram o casamento, podem encorajar o ma. Dessa forma, podemos perceber que o medo do futuro estava impedindo-
paciente a vOltar para eles e rejeitar o cônjuge. Alternativamente, eles podem ter o de gozar o presente e que, se ele carninhasse lentarnente, corn descansos, po-
urna boa raz'o para suspeitar que o esposo näo estaré presente na ocasio em que deria ir aonde quisesse, pelo menos dentro da unidade. Poucos dias rnais tar-
for necessário. (Tenho visto casarnentos onde a doença terminal fol "a tltima gota" de, ele ja estava na sala de visitas, colocando seu disco favorito. Os antidepres-
e o cornpanheiro deixou a esposa doente tâ'o logo soube do diagnóstico). Ha alguns sivos no teriarn conseguido isso: ajuda-lo a alcancar urn insight.
casamentos realrnente mat, corn vários problemas de ambos os lados, onde os casais
permaneciam juntos "por causa das criancas" ou porque estavam desanimados, para RE FE RE NC lAS
tomar atitude corn referenda a separaco. Para esses, a doença terminal tatvez repre-
sente o alIvio: ambos podem achar que foi a naturezaquem proporcionou a separa- 1. International Classification of Disease, Injuries and Causes of Death: Mental Disorders, 9
edicao (1980). Copyright Wyeth 1980 pela Organizacáo Mundial de Sa(jde, Genebra.
ço. Em rnaioria, aqueles que erarn infelizes, mas que ainda perrnaneciam juntos, fo-
2. Stedeford A. (1981). Couples facing.death I - psychosocial aspects. British Medical Journal;
ram bastante ambivalentes. Alguns destes casais reagiram a terapia conjugal. Saben- 283:1033-6.
do que o tempo é curto, eles fazem urn esforco para atingir um novo grau de corn- 3. Stedeford A. (1981). Couples facing death II - unsatisfactory communication. British Medi-
preenso e aproveitam o tempo que resta para remediar os danos comuns. Quando cal Journal; 283:1098-1101.

94 95
e tambérn para desabafar seus sentimentos corn ele. Ambos sabiam que, como conse-

11
q üência desse ernpreendimento, eta estaria methor preparada para enfrentar a viuvez.
0 prirneiro marido estava na verdade mais irritado corn sua doenca do que
corn o fato de a esposa dirigir o carro. Se o tivessem ajudado a reconhecer isso, ou
se sua esposa tivesse sido estimulada a continuar e no houvesse levado seu ressenti-
rnento t5o a serb, o resultado podenia ter sido methor. Quando o casal compartilha

o ajustamento a mudança de da raiva contra urn inimigo cornum, e.g. - a ameaca de rnorte - ambos esto moven-
do-se juntos, no mesmo sentido. 0 casal recém-mencionado deslocou sua raiva urn
contra o outro. Ele estava irritado corn eta por tentar assumir o seu papel e eta corn
papel e o uso prejudicial ele por ter sido t5o repressor. Assim, etes estavarn sendo afastados urn do outro.

das defesas psicolOgicas AMEAçA DE MORTE AMEAQA DE MORTE

+ psicoterapia =
- - - ------

:Marido Raiva Esposa Marido + Esposa


L __
Fig. 11.1 A reorganizaço da raiva.
Ajustando-se as mudanças de papel
A Figura 11.1 retrata isso, diagramaticamente. Faco de vez em quando esse
diagrama, durante uma consulta, para ajudar os pacientes a compreenderern o que
As alteracOes no desempenho de papéis e no estilo de vida, via de regra, so esto fazendo; e digo a eIes: "Acho que vocés dois esto corn muita raiva suscitada
acompanhadas de tenso. Se várias atteracôes ocorrem muito próximas umas das ou- pela doenca e ansiosos corn relaceo ao que vai acontecer. Essas coisas so difIceis de
tras, elas predispôem as pessoas a depressäo, ainda que ocorrarn por opco, corno é se falar, mas se vocés puderern controlar-se para compartilhar dos sentirnentos e
o caso de uma promocão ou casamento. As aIteraçes impostas e indesejáveis, dirigir a raiva para o seu devido lugar, ir3o parar de tancá-la urn contra o outro e,
acompanhadas de doença, so potencialmente muito mais danosas. provavelmente, se sentiräo bern rnelhor."
0 sofrirnento emocional pela perda de urn papel importante a que se estava 0 terceiro casal no pôde ser ajudado de forma algurna. A incapacidade do
habituado é possIvet tratar-se de uma rnaneira bern adaptada, conduzindo a urn born rnanido de tolerar a idéia de sua esposa aprender a dirigir era sintornática de probte-
resuttado, ou mat adaptada, provocando sofrimento desnecessário. Urna situaco co- mas mais profundos no casamento. Ele era muito inseguro e reforcava sua auto-esti-
mum que ilustra esse problema é quando, nurn casal, so o rnarido dirige autornóvel, ma ao manter o controte sobre tudo o que podia, fazendo a sua esposa sentir-se inti-
Se ele flea doente e a esposa decide aprender a dirigir. Eu vi trés casais corn esse pro- til e incompetente. Ernbora eta nutrisse, ha muito tempo, o desejo de aprender a di-
blema e suas reacôes foram bastante instrutivas. Os trés homens se afligiarn, porque rigir, ele estava to preocupado (disfarcando-se numa soilcita preocupaço corn a se-
no podiam mais dirigir. No gostavarn da idéia de suas esposas assurnirern o contro- guranca dela!) que a esposa nern mesmo cornecou o aprendizado. Quando ele rnor-
te de algo que consideravam privitégios seus e que thes gratificavarn. Duas dessas es- reu, ela sentia-se corn raiva e desamparada, por haver sido abandonada pelo homem
posas iniciaram ticöes e estavarn conscientes dos sentirnentos confusos de seus man- que tinha "feito tudo por eta" e a tinha deixado indevidarnente dependente.
dos corn reIaco ao que etas estavarn fazendo. Urn desses maridos rnanifestou to Vera e Tony (rnencionados pela prirneira vez no cap(tulo 7) tiveram dificulda-
claramente sua tnisteza pela iniciativa da esposa que a deixou indevidamente nervosa de em ajustar seus papéls corn reIaço as tarefas da casa e aos cuidados corn as cnian-
e desestirnutada. Finairnente, eta desistiu, e ainda se censurou por no ter sido boa cas. Tony ficou táo ansioso quando o medico the disse que Vera estava corn cancer
esposa. 0 outro percebeu que a esposa precisava de incentivo e que senia born para que nem prestou atencâo ao que the foi dito sobre o prognóstico. Compreendeu so-
ambos que eta passasse nos testes. Seu ressentimento deu lugar ao orgutho de ye -Ia rnente que eta tinha pouco tempo pela frente e que poderia sentir-se rnethor e viver
progredir. Nôs compartilharnos de seu prazer, no pnirneiro dia em que eta dirigiu so- rnais, Se ele assurnisse todas as tarefas dornésticas e a deixasse descansar. Todas as
zinha, para visitá-Io, estacionando habitmente o carro, nurn lugar ónde ele pOde ye- rnanhâs, ele se tevantava cedo, para fazer a tide dornéstica e levar as criancas a esco-
Ia de janela. Apôs isso, eta pOde vir mais seguida e ocasionalmente, para adaptar-se

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Ia. Muitas vezes, antigamente, ele chegava em casa do trabaiho e a encontrava cansa-
sa. Quando eta ficou mais doente, ele passava as noites fazendo o que a mu-
da e chorosa, pot estar esforçando-se, corn dificuldade para preparar o jantar. Ago-
her nâo tinha mais condiçöes de fazer. Ocupava-se tanto corn isso, que nab
ra, ele a proibia de fazer isso, e eta, por estar corn urn pouco de medo dele, concor-
mais dispunha de tempo para sentar-se e fatar corn eta. Aos sábados, fazia os
dava. Vera tornou-se deprirnida, queixando-se de que nab servia para mais nada e
fithos ajudarem, e eta ouvia a gritaria e resmungos que isso causava. Ete nab
que era apenas urn peso. Tony tevou algum tempo para compreender que, embora
cornpreendia que eta queria paz e tranqüitidade. tsso terminou corn o pedido
ele estivesse fazendo o melhor, isso estava deixando-a infeliz. Eta se sentia desneces-
dela para baixar ao hospital, embora tivesse condicöes de ser tratada em casa.
sária (uma situaco que teria sido intolerável para Tony) e cutpada por ele agora pa-
A Sra. L parecia indevidamente sonotenta e adrnitiu que dormir era a sua ma-
recer cansado e ocupado. Ete aceitou a necessidade de eta ser ótil e o fato de que
neira de se "destigar". 0 marido a visitava brevemente e evitava a equipe me-
Vera, algumas vezes, podia fazer muito mais coisas e, de vez em quando, ate rnesmo
dica, corno se temesse uma conversa que o fizesse enfrentar algo indesejávet.
Se cansar. Quando etes atcancararn urn equitibrio methor, eta ficou rnenos deprirnida
e ele rnenos cansado. Eu a fiz compreender corno seu marido usava o excesso de atividade e obsessi-
No caso a seguir, será itustrada a adaptaco a perda do papel maternal. vidade para defesa, perguntando-the se ele era do tipo de pessoa que desviava a an-
siedade mantendo-se muito ocupado. Eta respondeu afirrnativarnente. Eu the contei
Daphne (capItulo 4) esteve hospitatizada várias sernanas ate melhorar 0 sufi-
que conhecia pessoas cujo medo de mudancas em suas vidas fazia corn que etas lu-
ciente para, nurn firn de sernana, fazer uma visita ern casa. Enquanto ali esta-
tassern por manter ao seu redor tudo inatterávet. Eta considerava indeticado, irrefte-
va, urn dos seus fithos caiu e feriu o joetho. Assim que ele se levantou, correu
tido, ate mesmo touco, o comportarnento do seu marido. Ele já tinha gritado corn
chorando para o pal, em busca de consoto. Daphne, naturatmente, esperava
eta, dizendo que necessitava de urn psiquiatra. Quando eta entendeu que o compor-
que ele a procurasse corno sernpre fez no passado. Eta se sentiu rnagoada, re-
tamento dete decorria da preocupaco que tinha corn eta, tomou atitude diversa. Di-
jeitada e corn raiva do fitho. Tivesse ela perrnanecido nesse estado de ânimo,
ptomaticamente, eta o persuadlu a conversar conosco e nós o ajudamos a enfrentar
tornar-se-ia uma estranha para ele, e arnbos teriarn jogado fora o amor que
seus medos, a compreender a infelicidade da sua esposa e a sua necessidade de tran-
sentiarn urn peto outro. Porérn, Daphne elaborou a sua tristeza e me disse:
qüilidade. Urn tanto ansiosa eta concordou em ir para casa por 24 horas e ficou sur-
"Eu compreendi que agora é rnelhor para ele vottar-se para o pal. Significa
presa ao sentir-se muito methor em sua residéncia do que anteriorrnente. A agitacab
que no preciso preocupar-me tanto corn ele quando eu ná'o estiver em Casa, e
ao seu redor havia cessado; o atrito entre pal e fithos, diminuIdo. De boa vontade,
ele nab sentirá minha fatta no futuro." Eta estava aceitando que seu papet co-
eta desejou, novamente, ir para casa, pot urn tempo maior. Tornou-se mais aterta,
rno máè tinha dirninuldo. Tarnbérn nos relatou os esforcos do seu marido pa-
apesar de sua doenca estar progredindo. E notamos a permanéncia do marido, por
ra cozinhar. No in(cio, eta ficava ressentida corn a sua crescente habitidade,
mais tempo, corn eta e bern mais tranqüilo.
porérn mais tarde disse: "Eu náo poderia supor que ele faria tab bern..." e or-
guihava-se dele. Algumas pessoas fazern ajustarnentos corno esses, intuitiva- o Sr. R. utitizava-se da negacäo edo destocamento, em seu próprio preju(zo e
rnente. Outras necessitarn de ajuda, para reconhecer e expressar seu sofrimen- de sua esposa. Ete esteve no RAMC*, durante a guerra, e afirmava estar acos-
to e ressentirnento ate chegar a uma aceitacab. tumado corn a rnorte. "Nâo estou preocupado corn o que vai acontecer" dizia
ele (negaco); "estou preocupado somente corn minha esposa" (destocamen-
to). Na rnaior parte do tempo, ele parecia alegre e satisfeito, mas quando eta
chegava de visita, ele ficava ansioso. No caso de eta se atrasar urn pouco, ele se
0 uso prejudicial das defesas convencia de ter acontecido urn acidente, quando eta chegava ele a censurava
por té-to deixado tab preocupado. Perguntava o que eta tinha feito desde a üt-
tirna vez que a vira e criticava tudo que eta the contava. A esposa nab gostava
Já nos referirnos ao rnodo de corno as pessoas usarn ou abusarn da negacâb, de hospitals nern de doencas e o cornportarnento insótito do marido fazia corn
para tutarem contra o conhecirnento da rnortatidade. Elas usarn, tambérn, o rnesrno que eta ficasse ainda mais constrangida. Suas visitas tornararn-se breves e ten-
tipo de defesa contra os pensarnentos e desejos inaceitáveis, particutarmente aqueles sas; o marido cornecou a pensar que eta nab mais queria cuidar dete. E assirn
que tevarn a raiva ou a vergonha. Atgurnas vezes, o uso dessas defesas torna-se con- destocava sua ansiedade;para eta, tornando-a infetiz. Quando ele compreendeu
traproducente, e o paciente pode rnelhorar muito, se for ajudado a compreender co- esse fato, eu gentitrnente enfrentei-o, dizendo que rnuitos homens, nas suas
rno ele está cornportando-se. condicôes, ficavarn preocupados consigo rnesrnos, tanto quanto corn suas es-
posas, e eu suspeitava que isso estava acontecendo corn ele. Depois de negar
A Sra. L estava nos seus quarenta anos, era casada e tinha fithos adotescentes.
Eta e o marido erarn urn tanto exigentes corn retacâb a ordem e timpeza da Ca- * N.T. - Royal Arms Medical Corps - Corpo Medico do Exército Britãnico.

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veementernente, ficou perturbado e admitiu que estava tentando näo pensar the a expanso desse sentimento, dizendo-the que quatquer pessoa em idénti-
sobre o fato de estar morrendo. Durante dois ou trés dias seu grau de ansieda- ca situaco pensaria do mesmo rnodo. Subitamente, eta percebeu que tinha
de aurnentou; exigia mais atençâb das enfermeiras e passou a dormir menos. ido tonge dernais, pots recobrando o domInio sobre si mesma, corn rapidez,
Porém a agitacâb devido as visitas da esposa cessou. Quando eta notou a mu- mudou de assunto. Achel que tInharnos tido urn born começo e aceitei a sua
danca, comecou a retaxar e a ficar mais tempo. Eu os ajudel a falarjuntos pela manobra, deixando o assunto de tado, naquete dia.
prirneira vez sobre o prognóstico. Dentro de uma semana, eta já permanecia Depots que me retirei, eta se queixou de que eu a tinha deixado terrivel-
muitas horas, durante o dia, junto a sua cama. 0 medo de hospitals passou, e mente nervosa e que nunca mais queria ver-me. No fut capaz de restabetecer
eta ficava sentada, tricotando silenciosamente, fazendo-the companhia como o "rapport" que tInhamos conseguido no ini'cio, tatvez devido ao rnedo e ver-
faria se estivesse em casa. gonha da raiva que eta rnanifestou e da sua audácia, no costumeira, em acu-
Esses dois casos ilustram o uso indevido de defesas contra a ansiedade e mos- sar urn mécilco de incompetente. Outros mernbros da equipe tentararn; tam-
tram como elas podem tevar a deteriorizaço do retacionamento pessoal. Se as pes- bern foram mat sucedidos. Depois daqueta irrupçâo, eta se retratu na mais pro-
soas interessadas no tivessem sido ajudadas a alterar o processo, provavetmente a funda depresso. Os antidepressivos näo faziam efeito. Cansada, dizendo que
hostilidade teria continuado. Quando isso acontece, pode ocorrer rejeico, levando estava muito doente para tevantar-se da cama, eta morreu de. uma maneira ten-
urn ou outro a raiva ou culpa e depresso. Se o casal era muito Intimo antes, urn ou am- ta e triste, deixando todos, ao seu redor, sentindo-se como se tivessem faiha-
bos poderiam perceber, num mornento crucial, que algo se colocara entre eles, quando do.
deveriam estar unidos. Desconcertados por esse motivo, eles se sentiriam desampara- Se eta tivesse continuado a vivenciar sua raiva, tatvez fazendo acusacôes
dos no afastamento. Fetizmente, urn dos parceiros, quase sempre quem está saudá- para o próprio medico, teria se ajustado a situaço. A energia que eta usou pa-
vel, compreende perfeitarnente que a reaco do paciente Se deve a doenca e näo ao ra reprimir esses sentimentos teria sido redirecionada para a determinaco de
que urn tenha feito ao outro. Ento, ele ou eta pode esperar, corn toterância, a eta- viver o methor possivet a despeito de sua incapacidade. Todavia, para eta os
boraco da fase de sofrimento, já pronto para a reconcitiaço, quando o momento seus antecedentes e personatidade sign ificavarn que a depresso era mais acei-
se apresente favorável. Se isso no acontece e o paciente rnorre, enquanto ainda es- távet do que a raiva. Contudo, na sua idade e corn täo pouco tempo dispon(-
to corn os sentirnentos feridos, a morte será provavetmente rnenos tranqüila e, na vet, eta no mats dispunha de "chances" para mudar.
perda do ente querido, o parceiro sofre indevidamente devido a culpa e ao remorso. A depresso, retacionada corn a raiva reprirnida, é vista mais cornumente onde
A raiva é uma reac5o to natural na doenca terminal quanto a ansiedade. As houve retardarnento no diagnóstico. Na doenca matigna, tenho-a encontrado fre-
defesas mat ernpregadas contra essa ansiedade podem tevar a depresso. qüentemente associada ao carcinoma de pancreas. Seu comeco pode ser insidioso,
ASra. B., 53 anos, tinha urn cancer no selo e umtumorsecundáriocausava-the os sintomas vagos e ate mesmo os exarnes mais cuidadosos podem no revelar qual-
muita dor nas costas e numa das pernas. Era o tipo de dor geratmente ativiada quer anormatidade. 0 paciente percebe que está gravemente doente, rnas seus médi-
corn a obstruco do nervo, o que foi feito corn sucesso. Porém, dentro de 24 cos, no encontrando nada objetivamente errado, the dizem que deve ser "nervos" e
horas, eta ficou rapidamente paratisada da cintura para baixo. Os exames reve- prescrevem de acordo. Muitas vezes o paciente oscita entre a certeza interior de que
laram que a causa fora uma rnetástase que ocasionou a ruptura de uma vérte- está enfermo e a vergonha de näo poder cooperar consigo, se, na reatidade, nada
bra superior, comprimindo sua medula espinhat. Eta ficou atorrnentada corn o existe de errado. tsto pode continuar por rneses, ou mesmo urn ou dots anos, antes
agravamento sübito de seu estado e ouviu em silénclo as explicacôes sobre o que a dor violenta, uma grande perda de peso ou cor amaretada evidenciem o diag-
porquê da ocorrência. Em seguida, apareceu uma depresso, acornpanhada de nóstico. No inIcio, o paciente sente-se ativiado por terern descoberto 0 mat que ete
ma vontade em adaptar-se a nova situaco. Eta no mats sentia dores; poderia tinha; porém, logo em seguida, vem a raiva peto fato de o diagnOstico náo ter sido
ficar muito bern na cadeira de rodas e ate mesmo ser mandada para casa. To- feito em tempo ütil, para possibilitar urn tratamento curativo. Quando este fato é
davia, recusava-se a cooperar corn os esforcos para sua reabititaço, permane- aceito, o paciente fica magoado. Se, como a Sra. B, ete no consegue lutar contra a
cendo apática e irritável. Urn tanto hesitante, eta concordou em fatar comigo. raiva, provavetrnente ficará muito deprimido. 0 carcinoma de pancreas esta quase
Enquanto eu tevantava seu histórico, percebi que eta tinha vindo de uma sempre associado corn a depresso, particutarmente nesses casos. Ainda assim, ha
farnItia corn excessivo respeito as autoridades, onde as queixas eram censura- pacientes que se ajustam muito bern, respondendo a psicoterapia, aos antidepressi-
das e nunca foi perrnitida a expresso aberta da raiva. Quando se aprofundou vos ou a ambos, e ainda apenas lutando corn sua própria coragem e entusiasrno.
na conversa comigo, admitlu que pensava que o medico, ao fazer a obstruco A psicoterapia descrita neste capItulo pode ser proposta por urn grande niime-
do nervo, havia colocado a agutha em lugar errado e provocado a paralisia. Es- ro de profissionais e, em certas ocasiöes, pela esposa ou um amigo bern informado e
se foi o motivo de estar cade vez mats tensa e ter ficado corn raiva. Facilitel- intuitivo. Se a pessoa que esté ajudando compreende os mecanismos comprometi-

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dose o "rapport" é born, ta lvez sejam necessárias somente um ou duas entrevistas pa-
ra conseguir uma mudanca que ira beneficiar, de uma maneira considerável, tanto o
paciente quanto a sua famIlia. Podemos também fazer uso da rnedicacâo, como
complemento; porérn, eta jarnais seré eficaz, enquanto problemas como esses per-
manecerem insolUveis.

A ansiedade

A doenca terminal, normalmente, é acornpanhada de ansiedade; porém, ela


no é, de modo imutével, a tnica ou a causa principal. A ansiedade pode ser uma
resposta aos problemas de ajustamento, que sempre deveriam ser procurados e trata-
dos, quando possivel. Os pacientes ansiosos, se tern reacôes de ajustamento ou no,
podern pertencer a urn de dois grupos: aqueles corn urn alto grau de ansiedade Ii-
vre, flutuante, geralrnente presente por muitos anos; e aqueles que sofrem de ansie-
dade situacional, quando expostos a tenses especificas, mas que so capazes, na
rnaioria das vezes, de "controlarern-se". Esses ültimos, norrnalmente, so muito
mais fáceis de tratar.
Diante de urn paciente muito ansioso, para quem o tratamento surte pouco
efeito, a história fornecida por ele próprio ou sua famIlia pode revelar que... "ele
sernpre foi assirn." Geralmente, existern antecedentes de inseguranca produzidos,
por exernpto, nas experléncias traumáticas de separaçáo ou perda que deixaram a
pessoa em constante vigIlia, perante qualquer nova arneaca. Algurnas vezes eta su-
portou previamente certas crises dolorosas, como a perda de entes queridos, usando
a negaco ou outras defesas, em vez de encarar a realidade e etaborar os sentirnentos
que elas invocam. Quando isso acontece, o enfermo perde a confianca em sua capa-
cidade de lutar, o que é uma das vantagens provenientes de uma mágoa bern supera-
da.
A ansiedade pode apresentar-se na forma de queixas de sofrirnento emocional
subjetivo, estendendo-se de uma sensaçâo de incOmodo ou ameaça ate ataques de
pânico, quando o paciente pode ficar apavorado e achar que está para desmaiar ou
na iminéncia de morrer. Como indica o diagrama no cap Itulo 9 (Fig. 9.2), alguns pa-
cientes negam estar ansiosos, mas são traIdos pelo seu cornportamento. Ocorre te-
rem sonhos apavorantes e pesadelos ou sofrerern de insOnia. Quando acordados, po-
dern estar em constante atividade, mas de uma maneira desordenada: s5o falantes, A dor
inseguros e exigern atenc5o. Sua expressão é tensa, tanto quanto sua postura; sen-
tam-se na ponta da cacleira ou so incapazes de relaxar nos travesseiros da cama.
Olham impacientemente tudo o que esté ao seu redor. Necessitam fazer muito es- A dor pode ser resultado direto da tensab muscular decorrente da ansiedade
forco para permanecerem independentes e provarem a si mesmos que nada os está (como aconteceu no caso de Francoise no capitulo 1). As dores de cabeca tensio-
preocupando. Para outros, a principal expressäo de ansiedade ocorre através de sin- nais, a dor no pescoco, nos ombros, braços e costas, todas elas säo reacôes habituais.
tomas fisicos tais como dores, vOmitos ou agitaco, e no podern ser completamen- Quando urn rnovimento tern a probabilidade de ser doloroso, devido, por exemplo,
te responsabilizados pela extenso da doenca, porque nâo respondem aos nIveis de a uma solidificacao óssea secundária, ou também por ter sido doloroso no passado
medicaco que Ihes seria adequada, de uma maneira geral. anterior ao tratamento, Os misculos entram num espasmo, para evitar o rnovimen-
to e, dessa maneira, produzem uma dor secundária. Diazepam quase sempre ajuda
porque atua diretamente como relaxante desse espasmo muscular, da mesma forma
que alivia a ansiedade. A postura da ansiedade é, em parte, habitual, de rnodo que,
A angüstia da separaço ainda quando a causa é tratada, eta pode persisitir. 0 fisioterapeuta ou o terapeuta
de relaxamento podem oferecer urn tratamento eficaz. Este ajudará o paciente a
aperceber-se de sua tensao fIsica (da qual, na maioria das vezes, nab tern conscién-
Muitos pacientes corn ansiedade crônica sentem-se pior rium ambiente estra- cia) mostrando-Ihe qual é a postura correta e ensinando-o a relaxar. Pode ainda pre-
nho e quando separados de seus familiares. Chamar urn parente muito próximo para parar uma fita gravada para o paciente usa-la regularmente, quando o medico nab
ficar corn o enfermo pode, muitas vezes, ter urn efeito calmante. A pessoa corn me- está presente. A ansiedade causa tensffo, mas também a tensâb causa ansiedade e
do precisa de contato fisico para Se afirmar. Se uma enfermeira pode sentar-se cal- aprendendo a relaxar o corpo pode-se levar o doente a uma dirninuicä'o do sofrimen-
marnente, segurando sua mâ'o ou oferecer a espécie de consolo que é dado as crian- to emocional. 0 paciente pode ficar surpreso e satisfeito ao descobrir algo que ele
ças doentes, essa atitude pode trazer ao paciente urn al(vio considerável. Nos casos mesmo pode fazer para aliviar a sua dor. A sensacab de controle aumenta a auto-es-
onde fica evidente que a presenca de urn familiar é particularrnente benéfica, tima, no momento em que o desamparo, mu itas vezes associado corn a doença, esta-
freqüentes vezes nôs o incentivamos a perrnanecer durante a noite corn o paciente, na deixando-o pior. Quando o terapeuta associa-se ao treinador fIsico na discussab
alojando-o, se possIvel, num quarto individual e colocando, temporariarnente, uma das atitudes rnentais mais objetivas, o efeito global pode ser muito positivo. Será be-
carna ao lado da do enfermo. Ambos dormem meihor, nessas circunstâncias. Se o néfico encarninhar o paciente interessado a meditacab ou ioga e pode ser de muito
paciente estiver para rnorrer dentro de poucos dias, o parente em casa näo dorrnirá valor lernbrá-lo das müsicas românticas, da paz e do prazer que ele pode gozar, ou-
tranqüilo, sernpre esperando por telefonema. No hospital, ele sabe que será acorda- vindo seus discos favoritos.
do to logo seja necessário; desta forma não mais ficará ansioso corn relaçäo ao fato A dor pode ser usada, inconscienternente, por urn enfermo, como meio de
de chegar a tempo. adaptar-se a uma situaçab. Isso nab quer dizer que ele sofra menos ou que a dor näo
seja "auténtica". Significa, contudo, que a dor é resistente ao tratamento, porque
renunciar a eta exige enfrentar o problema e lutar contra ele de modo diferente. Os
históricos destes trés casos ilustrarn isso.
Insônia
A Sra. C tinha sofrido uma cirurgia de cancer de colon e parecia estar reagin-
do bern, embora soubéssernos que tinha rnetástases no figado. Ela vivia sozi-
nha na Escócia, desde a morte do rnarido. Seis meses depois da operacab, veio
Alguns pacientes ansiosos sentern medo de dormir, porque tiveram sonhos de-
ao sul para passar urn feriado corn o filho, que havia casado novarnente, e co-
sagradáveis ou pesadelos e ternern o seu retorno. 0 rnanejo desses casos será discuti-
nhecer sua nova residência. Entab, a Sra. C sentiu uma dor abdominal, neste
do no capitulo sobre a confuso (cap(tulo 14). Outros ficam acordadosdurante to-
perlodo em que Ia esteve. lntrigou ao clInico geral a sua insensibilidade aos
da a noite porque ternern morrer de repente. Esse medo pode estar presente desde o
analgésicos; logo, eta foi adrnitida para exarnes. Nós tarnbérn acharnos dif (cii
inIcio da doenca, quando ele ainda é prematuro, e o paciente nab revela que está
entender essa dor. Algurnas vezes a doente parecia muito aflita corn eta, ate
"lutando contra o sono" a rnenos que diretarnente perguntado. Nessa ocasiffo, ele
que the foi adrninistrada uma rnedicacäo extra: a dor cedeu e a paciente que-
dirá que pode piorar e ninguérn notará ou fará algo para ressuscitá-lo ou salvá-lo.
na saber para que serviarn aquelas pIlulas. Na visita dos medicos, eta quase
Tab logo haja luz e os outros acordern ou se ocupem a sua volta, ele se sente em se-
sernpre dizia que estava rnelhor da dor ou fazia-Ihes uma descriçab vaga e in-
guranca e dorrne. 0 tratamento desse problerna foi discutido no cap(tulo 8.

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cassarn corn problemas emocionais. Em certas ocasiOes perrnite que a raiva seja des-
constante. No entanto, para o filho e a sua esposa, eta se queixava de que es-
tocada de suas causas originais para os rnédicos, que se tornarn bodes expiatOrios,
tava sofrerido e de que fazIarnos muito pouco para ajudá-la. Na verdade, eta
acusados de negtigéncia e incornpetência. Urn parente de urn deles disse: "Eu supu-
freqUenternenteparecia pior quando eles a visitavam. Em uma ocasiâo, quan-
nha que este tugar tinha a reputacao de ativiar a dor. Vocé nada fez pela minha
do foi passar o dia corn etes, teve de voltar antes do tempo, porque "a dor ti-
mile." Ele nab podia aceitar a nossa explicacao do rnotivo pelo qua] a dor era difIcit
nha piorado".
de tratar, e preferimos suportar sua acusacão.
Quando nos vimos, falamos sobre o futuro e ficou claro que eta estava
No terceiro caso, a dor nab era urn rneio de tutar contra a ansiedade, mas uma
corn medo de voltar para sua casa, onde tinha poucos amigos e no encontra-
maneira de expressar uma necessidade; era urn paciente corn distérbio de personati-
va urn medico e uma equipe que the dessern tanto amparo como nós. Ela sabia
dade. Foi inclu (do aqui porque estarnos considerando casos em que problemas psi-
que era bern-vinda para passar uns dias corn o filho, mas ficar semanas ou me-
cotogicos prolongarn a dor ou interferern no seu atIvio.
ses the parecia inconveniente. Sentia que o casat precisava ficar sozinho em
sua nova casa. Mudar-se para outra moradia nas proxirnidades seria inaceitá- A Sra. N. (capItulo 9) foi admitida para exames e controle de uma dor facial.
vel para o filho, quando sentisse que a me estava ern condicôes de ter alta do Parecia uma nevralgia do trigêrneo e a princIpio achava-se que a causa fosse
hospital. Ete, bern como a esposa, deveriam cuidar pessoalrnente deta, ainda urn tumor secundàrio na base do cranio (devido ao cancer no seio) comprimindo
que sua flora estivesse relutante quanto a isso. A persistente e enigrnática dor o nervo. 0 tumor respondia a radioterapia mas nab a dor. Nern o bloqueio do
resotvia o probtema de todos, exceto o nosso. GostarIamos de usar o seu leito nervo nern a incis5o fizeram efeito e perguntararn-me se eu poderia ajudar.
para uma série de pacientes cujas condicôes erarn mais sensIveis ao tratamen- Ouvi o histórico do desenvolvimento dessa doenca e a paciente me con-
to, mas no final nos convencemos de que seu probtema ernocional e social era tou que, quando foi dado o diagnóstico de cancer no seio, eta achou que fosse
insolüvel para eta e justificava sua permanéncia no hospital. Nossa esperanca, uma "grande brincadeira". Cornentei que esta era uma maneira muito inco-
ao assegurar-the a perrnanência conosco, como se fOssernos sua segunda casa, mum de pensar; pois a rnaioria das pessoas teria ficado preocupada e triste.
fundava-se em que eta seria capaz de renunciar a dor e, pelo menos, desfrutar Eta me disse que esta "nab era a sua maneira de pensar" e mais tarde me
passeios e visitas corn seu filho e nora. Mas a dor arruinava cada viagem, em- explicou por qué.
bora a enferma passasse bern em outros dias. Ela se cornportava como se a dor Quando eta tinha oito anos, rnorreu sua irma menor que era muito tinda
fosse o preco a pagarpor sua seguranca junto a nós, e näo corria o risco de e a favorita de seus pais. Sua mae estava muito perturbada peta tristeza e eta
perdê-t a. tentava confortá-la dizendo "Mas rnarnâe, vocé ainda tern a mirn." "Nab é
Peter tinha urn tumor no femur que doIa muito e deixava sua perna inchada e vocé que eu quero," dizia sern pensar a mâè aftita. Ouvindo isso, a pequena
sern rnovimento. Já estava disserninado a tal ponto que nern uma arnputaço Lizzy retraiu-se rapidarnente. Durante meses eta pensou sobre o que tinha
oferecia a possibilidade de cura. Peter tinha uma esposa jovern e urn bebé; o ouvido mas os pais estavarn muito preocupados corn o sofrirnento detes para
casarnento era infetiz, e ele presumia que, enquanto permanecia no hospital, notar o sofrirnento de sua outra fitha. Urn dia sua ategria infantil vottou e Liz-
ela "sala corn urn dos seus cotegas" e o bebë era negligenciado. Ete provinha fez atgo que divertiu a todos.
de uma farn(lia corn muitos problemas sociais; seus pais eram carentes de re- Eta pensou: "pelo rnenos eu posso alegrá-los" e viu que, se eta "fizesse pathaca-
cursos, para sustentá-lo nessa tragédia. Quando foi adrnitido peta prirneira vez, da" como tinha feito, se tornaria estimada e apreciada, o que, parciatmen-
estava preocupado corn a dor e nada mais parecia ter importância. A dor, gra- te, compensava o seu profundo sentirnento de rejéicão. Eta assurniu, desta for-
dualmente, foi controlada e os sintornas de ansiedade emergirarn ctararnente. ma, o papel de palhaco da farn(lia. Corn o passar do tempo sua sagacidade e
Parecia impossIvel livrá-to cornptetarnente da dor. Urn dia ele disse: "Franca- intetigéncia aurnentararn e eta continuou a agir desta maneira corn retacab as
rnente, sinto fatta da dor; eta era terrIvel mas, pelo rnenos, nab me, deixava vicissitudes do casarnento e da vida em farnitia. Ninguérn parecia perceber
pensar em mais nada." Peter precisava dernais da dor. Seu assistente social tra- que, no fundo, eta estava, algumas vezes, muito deprirnida.
bathou intensamente corn a esposa e corn a farnIlia para tentar ajudá-lo. A Quando veio o cancer no seio, eta reagiu corn sua maneira usual. Estava
dor nab desapareceu ate que o relacionarnento rnelhorou e ele cornecou a che- parcialmente consciente de que precisva chorar e que precisava de consoto,
gar a urn acordo de separacão de sua rnulher e filho, bern como etaborar a per- mas nab sabia como expressar esses sentirnentos e ninguérn percebia sua exis-
da de sua vida. So entâo a dor fisica foi comptetarnente ativiada. téncia sob uma fachada alegre. Quando cornecou a sentir dores, sua famIlia
cornpreendeu. Mostraram uma preocupacab que nunca sentira antes, o
Outros pacientes disserarn que é mais toterável urn grau rnoderado de dor do
que muito apreciou. A paciente reconheceu que nab perderia a dor ate apren-
que urn sofrirnento ernocional. Alérn disso, eta dá mais condicôes ao doente para
der a expressar seus sentirnentos verdadeiros e aceitar o conforto ernocional
queixar-se, atrair a atencab e sotidariedade das pessoas em situacOes onde outros fra-
rnffo. Os ansiol(ticos podern ser üteis nos prirneiros estâgios da doença, mas a falta
que [he dávarnos, sobretudo o do marido. Lizzy achava que ele era despreo-
de ar que faz parte do processo terminal propriamente dito será bern rnelhor contro-
cupado, porque no Ihe proporcionava consoio, mas tarnbérn ele no estava
lada corn diarnorfina e hioscina.
acostumado a isso. Eu trabalhei corn ela sozinha e depois corn o casal. Eies
conseguiram uma nova rnaneira, mais mntima, de se cornpreenderem. A dor
no desapareceu completamente, mas diminuiu bastante, permitindo que ela
voltasse para casa e vivesse muito bern, por seis meses ou mais. Ela era uma
0 usa de drogas
das pessoas que se sentia "quase alegre" por estar doente, pois através da en-
fermidade obtinha major compreensão de si rnesma e urn retacionarnento me-
ihor corn os seus familiares.
Muitos pacientes corn ansiedade livre, flutuante, usararn Diazepam durante
anos e tornaram-se dependentes dela, tanto psicológica corno fisicamente. No obs-
tante estarem ainda muito ansiosos, a despeito disso eles reagern vigorosarnente, na
Outros sintomas fIsicos tentativa de se afastarern da droga e, geralrnente, nab sabem corno faze-b. Aumen-
tar a dose pode ajudar; os pacientes muito ansiosos toleram ate 40-60mg ao dia, di-
vididos em doses de 8 em 8 horas, sern ficarern sonolentos. A dose deveria ser, en-
tretanto, cuidadosarnente aurnentada, desde o in(cio de 2 a 5 mg dados a noite (pa-
Peter, cuja dor foi assaz dif (cii de tratar, enquanto os problemas da sua famI-
ia permaneciarn sern soluco, tambérn sofria, inexplicavetmente, NAUSEA E VO- ra 0 paciente que no fazia uso da droga antes), ate que os sintomas sejam aliviados
ou se atinja urn nIvel inaceitável de sonolência. 0 Diazepam tern urn efeito duradou-
MITO. Esses sintomas no pareciarn provocados por analgésicos, condicâo gastroin-
ro e, portanto, acurnula-se, podendo levar vários dias para desaparecer, mesmo de-
testinal, desequil(brio eletrólito ou qualquer outro rnotivo provocador de vôrnito.
pois que uma dose forte tenha sido reduzida ou suspensa; tudo isso deve ser levado
A princIpio, seu organisrno n3o respondia aos antieméticos conhecidos. Chegamos
em consideracao. De vez em quando, os esforcos do paciente para repelir a sonolén-
a concluso de que ele estava "preocupado" e que se desenvoivera urn ciclo no qual
cia resultam numa agitaco aflita e sonolenta, cornpletarnente contrária ao efeito
ele ficava mais ansioso a cada refeico, nauseado após poucos bocados e esperando
desejado. Cbobazarn, que é menos sedante, deveria ser tentado, quando isso aconte-
cornecar a vomitar. A explicaço de que seu vômito era devido a ansiedade e no a
cê, aplicando-se uma ou duas doses diárias, nurn total de 10-60mg. Lorazepam é me-
urn sinai de que seu cancer tinha se espalhado ou que estaria mais doente, represen-
nos acurnulativo e, portanto, tern menos probabilidade de produzir excessiva sono-
tou urn aspecto importante no tratamento. Peter pensava que, se "nâo podia segurar
léncia. A dose oral é de 1-4mg, elevando-se para lOrng, se necessário, divididos de
os alimentos", ele rnorreria logo. Ernbora o Diazepam seja a droga mais cornum nos
casos de ansiedade, urn tranqüilizante, tambérn antiemético, pode rnuitas vezes 6 ern-6 horas. E indicado nos ataques de pénico, podendo ser administrado em inje-
çöes intrarnusculares, lentas ou intravenosas, 1-2 mg, e oferece menos risco de uma
produzir mais efeito nesses casos, e nós escolhernos o Haloperidol. 0 enferrno passa-
depressâo respiratória ou uma tromboflebite do que o Diazepam. Se este for aplica-
va sornente a lIquidos e a sua alirnentaço foi aurnentada,lentarnente, na medida
que aumentava sua confianca, ate que voitou aos seus pratos favoritos: batata frita do intravenosarnerite, nâo deve ultrapassar a rnedida de 5 mg a 10 mgpor minuto,
e feij5b. - podendo ser repetido depois de quatro horas.
Outros sintomas corno a diarréia, freqüencia de rnicturicâo, palpitacôes e falta Quando a ansiedade acompanha nausea e vôrnito, urn antiernético tranqUili-
de ar podem provocar urn ciclo similar. Eles so caracterIsticos da ansiedade e, Se 0 zador pode ser me Ihor do que Diazepam. Haboperidol, ern doses de 1.5-5 via oral ou
paciente interpreté-los como evidëncias do progresso da doenca, fica mais ansioso e injecab, de uma a trés vezes ao dia, é meihor, se 0 paciente nab gosta de ficar sono-
particularrnente no caso das palpitacöes e falta de ar, quando podern ocorrer ata- lento. Cborprornazina é a droga ideal, se desejarrnos urn efeito sedativo;deveria ser
ques de pânico. Todas as med idas conhecidas devern ser tomadas, para rninimizar OS aplicado em doses de 25-100 mg de 8 em 8 horas. Haboperidol e clorprornazina de-
sintomas da doenca subjacente. Como na dor associada a ansiedade, a ajuda de urn vem também ser tentados em pacientes ansiosos que nab respondern ao benzodiaze-
terapeuta de relaxamento é benéfica. Se o paciente aceita que seus sintomas estao, pina e em qualquer outro paciente cuja agitacab tenha caracter(sticas paranóides ou
pelo menos em parte, relacionados corn a ansiedade e está desejoso de aprender a re- delirantes. A aplicacab destas duas drogas será abordada, novamente, no capItubo
conhecer seus padrôes respiratórios quando surge a ansiedade, ele está, ento, no Ca- sobre os estados de confusäo (cap(tubo 14).
minho do autocontrole de seus ataques. A hipnose, especialrnente quando o pacien-
te aprende a auto-hipnose, pode proporcionar urn outro rnétodo de controle. Como
foi mencionado no cap Itulo 6, os sedativos que possuem urn efeito respiratório de-
pressivo devern ser usados corn muito cuidado onde existern doencas graves de pul

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corn muita raiva, porque, quanto a isso, nenhuma providéncia fora tornada, ate que,
urn dia, suas pernas o traIram. Ele foi internado no hospital e encontraram urn tu-
mor comprirnindo-the a medula espinhal. A esposa pedlu ao cirurgião que Ihes infor-
masse sobre o diagnãstico e usasse a palavra cancer, mas o marido no assimilou esta
informac5o, por surdez ou relutáncia em ouvir. A operaco foi realizada, mas no
trouxe rnelhora; por isso, foi-lhe ensinado a adaptar-se a uma cadeira de rodas, o
que resultou notavelrnente bern, para urn hornem da sua idade.
Intermitenternente, ele ficou deprimido, por vários anos, e esteve duas vezes

Depressào no hospital, por esse motivo. Agora, que estava quase imobilizado e no podia fazer
seu trabatho habitual no jardirn e na sua oficina, a depresso se agravou. Sendo urn
homem muito independente, odiava ser ajudado pela esposa. Insistia em que tudo
fosse feito a sua maneira e em fazer sozinho tudo o que pudesse. Eta sempre foi rá-
pida e eficiente; importunava-o ye -la fazer tudo corn facilidade. Atgumas vezes, eta
também perdia a pacléncia, pois era mais rápido para ela reatizar urn trabatho em
lugar dele do que deixá-to tateando. 0 Sr. Gray ficava rabugento e grosseiro. Se eta
Ihe sugeria fazer algo de que ele, geratmente, gostava, era certa a sua recusa, privan-
do-se do prazer a tim de irritá-1a. Etevou-se a tensâo entre etes. A esposa passou a ter
enxaquecas dolorosas e prolongadas (uma coisa rara para eta). 0 clinico gerat achou
entao que algo precisava ser feito. Já esperava mudanças nos acontecirnentos, p015
Freqüenternente se admite que a depressab na doenca terminal é pouco pro- conhecia o Sr. Gray muito bern, tendo-o visto em várias sessöes para tentar ajudá-to
vável de methorar. Sem dtvida, eta é de difIcit tratamento e, em alguns casos, no em sua depresso. No inIcio do ano, o medico tinha escrito ao hospital: "Eu no
responde. A pesquisa feita com pacientes depressivos, internados num hospital psi- P0550 irnaginar urn destino mais terrIvel para o Sr. Gray do que ser obrigado a vol-
quiátrico, revetou que os pacientes cuja depresso persistiu por mais de um ano tar para a sua casa paralItico." 0 casat ja esteve a ponto de brigar antes, quando
apresentavam uma incidéncia muito alta de uma doenca fIsica concomitante e pos- pod lam viver suas vidas, parciatmente independentes. Quando se viram unidos na
suiam urn longo passado histórico de depressão. Os pacientes terminals depressivos necessjdade de dar e receber cuidados pessoals e constantes, a tenso foi muito gran-
freqüentemente se distribuem nessas duas categorias; mas, ainda assim, é válido de.
tentar urn meticuloso tratamento. 0 histôrico do caso que se segue é uma narrativa O Sr. Gray, a quem logo passei a chamar de Peter, era urn hornem que manti-
do tratamento de urn desses pacientes e mostra, tambérn, quanto a depresso afetou nha seu ar de dignidade, quando sentava na sua cadeira de rodas, corn urn cobertor
sua esposa, arruinando o relacionamento entre os dois. cotorido sobre os joethos. Isso fazia corn que ele caIsse freqUentemente nurn pranto
O Sr. Gray tinha urn tumor na espinha. Ele contava67 anos e a esposa 63, sitencioso dos mais comoventes. Falou-me, urn dia, minuciosamente, sobre seu sofri-
quando os conheci. Dois anos antes, ele havia se aposentado como engenheiro, ser- mento: de como odiava ser cuidado; como se sentia perdido, por nâö ter nada de
vico do quat gostava muito, apesar de nunca ter se real izado completamente. Era ha- irnportante para fazer (ele dizia que todos os terapeutas ocupacionais so ofereciarn
bilidoso com suas máos, embora muito meticuloso e lento, o que, frequentemente, banalidades); como ficara trernendamente preocupado, quando cornpreendeu que
irritava a esposa. Eta era uma mulher ativa e energica, provavetmente mais inteligen- sua esposa Doreen estava muito doente, corn enxaqueca; e como, tentando alcancá-
te do que o marido. Ensinava müsica numa escola de uma vila nas proximidades e Ia, caiu da cadeira, procurou rastejar, mas nern assim conseguiu.
também dava aulas de piano em casa. Quando nao estava deprimido, Peter estava furioso, dizendo que os medicos
O seu cti'nico geral providenciou o ingresso do Sr. Gray na unidade, sobretudo o tratavam como a urn estOpido. Charnava-se de tolo, dizendo que era cutpado por
porque ele se achava deprimido e o medico sentlu que o Sr. Gray ficava próximo sua doenca. Parecia convencido de que o modo desajeitado como caira seria a causa
aos timites de suas forcas, quando a tenso entre eles aumentava. No entender do de tudo e, por isso, se censurava. Eu pensei que poderia ajudá-lo a perceber a fatsi-
Sr. Gray, ele veio para o hospital sornente para dar urn descanso a esposa e surpre- dade dessa idéia e disse-lhe que nenhurn medico considerava que a causa da sua
endeu-se ao ouvir que nós querlamos verificar a possibitidade de ajudá-lo. doenca fosse a queda. "Qual foi a causa, ento?" - "- Uma doença nos ossos," eu
Sem düvida, ele precisava de ajuda; na verdade, ambos precisavam. 0 Sr. Gray respondi. Ele pareceu satisfeito em ouvir isso. Sua face tornou-se séria, novamen-
consultou o medico intimeras vezes, devido a uma dor nas costas que atribula ao te, e ele perguntou direto ao alvo: "E cancer?" "- como cancer," respondi - por-
modo desajeitado de sentar-se num banquinho de madeira. Quando o vi, ele estava que era urn tumor estranho, dif(cit de explicar. "- Ele se atastrará lentarnente,

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ate que eu perca meus bracos e fique somente a minha cabeça?" Eu the disse que cienciosamente, durante anos, essas queixas e, entâo, no percebeu o fato de que
isso era pouco provável de acontecer. "Quanto tempo eu tenho? Mais. . . 12 meses?" elas eram urn pouco diferentes).
Respondi-Ihe que no sabia, mas que esperava que ele vivesse muito tempo, am- A doenca de Peter forcou o casal a tomar decisOes, tais como adaptar a casa
da. para uma cadeira de rodas. Essas providências sernpre eram tornadas em compteto de-
Peter parecia menos triste no final da entrevista do que no comeco, a despeito sacordo. Peter considerava e ponderava todas as possibitidades; corn uma meticutosi-
das novidades que the retatei. Mas, em seguida, ficou agitado e aftito, repetindo hou- dade obsessiva, achavatodas as conseqüências de cada aco. "Pensava muito sobre o
vesse eu afirmado que ele teria, apenas, seis meses de vida e que se sentia compteta- assunto" e protelava ate Doreen perceber que nada mais poderia ser feito. Ele sern-
mente desesperançado. Contudo, quando eu o vi alguns dias mais tarde, ele disse es- pre foi urn tanto irresotuto, tatvez corn medo de tomar uma deciso e esta ser er-
tar muito contente, pois tinha fatado corn a esposa sobre o assunto, apesar de irrita- rada. 0 certo é que a doenca acentuava esse traco. A esposa fazia urn batanco da si-
do, por eta ter sabido antes dete e näo ter-the contado. Logo que a vi, eta expressou tuaco, intuitivarnente, e quase de irnediato sabia o que queria fazer. Atgumas vezes,
urn grande atIvio; pois, peto rnenos, ele já sabia do que se tratava. Diariamente, ern percebia que n5o era possIvet esperar, e fazia atguma coisa sem consuttá-to. Sempre
casa, Peter esperava a recuperacffo de suas pernas. Várias vezes pedia a esposa que 0 independente, ele via isso como urn enfraquecirnento de sua parte; pouco controte
ajudasse a rnovimentá-tas ou the dizia: "Othe, eu p0550 mexer urn pouquinho corn já the restava sobre a sua vida. Agora, que podia FAZER to pouco, peto rnenos
meu pé, agora," quando, na verdade, não era possIvet. Ento, ficava corn raiva, por- queria ser capaz de decidir sobre o que deveria ser feito. Conversei corn os dois jun-
que no progredia, queixando-se e perguntando o porquê. Nestas ocasi6es, a esposa tos e fatamos de como isso era difIcil para ambos. Eles cornpreenderam e concorda-
sentia-se tentada a contar-the a verdade, mas se continha devido a düvida levantada ram em tentar encontrar uma certa maneira de Se harrnonizar. Mas as aconteci-
por sua irm5. Esta,certa ocasio, the dissera: "Se eu tivesse atgo semethante, prefe- rnentos mostrararn como é difIcit rnudar os hábitos de uma vida.
na nâo ficar sabendo." E Doreen näo estava certa se Peter, realmente, queria ou tiao Doreen achava que seria conveniente desistir de tecionar, para cuidar de Peter.
saber a verdade. Desse modo, eta esperou e suportou as frustrac6es e queixas. Assim Ete estava contra essa idéia, pois sabia quanta eta valorizava sua independéncia, en-
que ele soube do diagnóstico, as esperancas frustradas e as auto-acusacôes cessararn. quanto ele, provavetrnente, queria sentir que ainda estava em condiçôes de ficar so-
Derarn tugar, porérn, ao medo de que o tumor se disseminasse e a uma preocupacâo zinho, por várias horas, em determinadas ocasiOes. Urna vez que ele tinha ca(do da
corn pensamentos de morte. Ete dizia: "0 verdadeiro probterna é que nab quero cadeira, as dividas de Doreen faziarn sentido. Poucos dias depois da nossa conversa
rnoi-rer ainda." Eu the assegurei que nab morreria já e que irIarnos trabathar corn em cornurn, eta me contou que tinha discutido o assunto corn o seu diretor e aban-
ete, para tornar o tempo que ainda the restava o methor possIvet. donaria a escota no próximo periodo tetivo. Ern vista de nossa recente sessab juntos,
Conhecer e cornpartithar o diagnOstico rernoveu uma das causas de tensâ'o en- presurni que esse fato provinha de uma decisâb conjunta, e mencionei, de passagem,
tre a casat, mas é evidente que havia outras. Entab, procurei saber por que eSses o caso a Peter. Mas eu estava errado. Doreen tinha tornado a decisâb, mas Mo en-
dois, que tinham sido casados durante 36 anos e haviam criado dois fithos, estariam frentara as demoradas negociacôes corn Peter. Portanto, eta seguira em frente e,
enfrentando tais dificutdades. Quando Ihes fatei em separado, surgiu o quadra de duas quando falei a seu marido, ele nffo sabia o que fora resotvido. Naturatmente ele fi-
pessoas que estavarn naturalmente "sotitárias". Leal, urn ao outro, fizerarn pouca cou magoado e tevou vários dias para superar esse fato. Os acontecirnentos prova-
mencâo sobre os niornentos difIceis que devern ter passadojuntos. Doreen disse, ape- ram que Doreen estava certa. Eta enfrentava methor a morosidade e as rnaneiras
nas: "Somos cornpletamente diferentes, rnassedeve perrnanecerjuntos,quando háfi- atrapathadas do marido, quando Mo tinha que apressá-lo em passar para a sua cadei-
thos". Peter fatou a respeito deta como urna "muther espléndida que teve uma infância ra de rodas antes de eta sair pela manhä. Viver todo o tempo junto dete, sem muitas
infetiz..." e comentou que, Se tinha quatquer queixa, estaria retacionada corn isso. folgas, era muito extenuante para Doreen; porém, eta conseguiu suportar isso e sen-
Doreen contou que Peter esteve deprimido, a maioria do tempo, durante 18 anos. tiu-se muito satisfeita, depois da morte de Peter, por ter feito tudo o que estava ao
Ete tinha uma espécie de depressäo obsessiva, que o fazia repetir as mesrnas queixas seu atcance.
inCimeras vezes. Todas as rnanhâs ele tamentava ter de enfrentar mais outro dia. A Eta enfrentou esta situaco devido a sua firrneza e paciéncia e também porque
inica maneira de vocé poder suportar a vida corn urn homem assirn é separar-se urn a depressab dele melhorou muitIssimo. Esse era o outro aspecto do meu trabatho.
pouco dete. Tatvez Doreen estivesse certa, mas Peter a considerava urn tanto r(gida Peter já tomava urn antidepressivo,que eu aumentei urn pouco. Provavetmente mais
e, algumas vezes, indiferente. Quando ele se recusava a cotocar o tixo na rua, eta importante foi o fato de que "eu estabeteci uma arnizade" corn Peter, quando me
considerava isso como mais uma atitude desetegante da parte dete. Mais tarde, Dore- disse "que estava surpreso, porque eu sempre fui solitário". Ete tinha se fechado
en censurou-se, tristemente, por reprova-to, pois aquete proceder de Peter já fazia desta maneira, em parts devido a sua reserva natural, mas em parte por causa de seu
parte do comeco de sua doenca. Mas coma é que eta podia saber? (Provavetrnente 0 estado depressivo, pensando que ninguérn the dava, reatmente, o valor merecido oil
clInico gerat tenha-se dernorado a exarniná-to par razOes sernethantes. As dores e so- Mo se interessava por ele. Peter comecou a cornunicar-se, sob a inftuência arnistosa
frimentos fazem parte da depressab de atgurnas pessoas. 0 medico tinha ouvido, pa- dos enfermeiros a quern recorria diariamente. "Etes sa'o tab amáveis. . ." ele dizia "e

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eu no entendo por quê." Logo vi que eles tinham percebido o homem solitário e antes, e respondia corn alegres cacoadas, quando eu, cortesmente, o rnaltratava por
amável que era Peter por baixo da irritacâo exterior; e, para os enfermeiros, era fá- causa da sua maneira insistente de falar, que deixava Doreen muito triste. Quando
cii suportar ssuas maneiras irritantes, porque ficavarn corn ele por curtos perlodos eba saiu do quarto, para fazer urn pouco de chi, ele repentinamente se virou e disse:
de tempo - no eram como Doreen que o acompanhava constantemente. Era tat "Dr. Stedeford, honestamente você né'o acha que eu teria caido rneihor no rneu car-
aquela dedicaço que, quando tiveram notIcias de que Peter já conhecia o diagnósti- rinho de bebê?" Falarnos a respeito do significado disto. Foi sua maneira de comuni-
co, urn deles viajou 30 miihas de sua casa, para ye -b. 0 enferrno ficou muito sensi- car-me como foi doioroso possuir o conhecimento e aspiracôes de urn homern, corn-
bilizado corn isso. binados corn o desarnparo de uma criança. Penso, tarnbérn, que ele invejava a liber-
As sessöes de Peter comigo ajudararn-no a enfrentar a situaço. No inIcio, ele dade que uma crianca tern de expressar sua raiva, quando frustrada. Ete tinha muito
chorava muito, alternando corn rnanifestacöes de raiva, de culpa e de fracasso. Ete rancor contra seu destino e no encontrava outra maneira de aiiviar seus sentimen-
me faiou sobre o seu passado - suas ambicöes frustradas, sua preocupaco corn os tos sem entrar ern confbito corn a esposa.
fiihos, pois achava que estavarn tornando-se iguals a ele. Faiou, tarnbérn, de sua Nunca mais vi Peter. Mas a história néb termina aqui. Assirn como as enter-
preocupaco corn a esposa, corn todas as coisas que considerava clever seu e agora rneiras, a irma de caridade da nossa Unidade, charnada sernanabmente, me fornecia
recaiam sobre eia. Esta fol uma outra area de confiito - ele no a deixava pedir aju- urn rebatório sobre o andarnento da doenca. A depressâ'o de Peter continuava mebho-
da de fora, para fazer consertos, pois achava que ninguém faria urn serviço que o sa- rando. Tebefonei para ver se ele gostaria de uma outra visita. Doreen disse que ele ti-
tisfizesse. Em desespero, eta rnesrna subiu numa escada, para ver uma goteira no te- nha se adaptado a rotina muito rneihor do que era de esperar. Ebe estava na irninén-
thado do seu pequeno ceteiro - naturairnente ele ficou furioso e corn medo que eta cia de conseguir uma cadeira de rodas ebétrica, que o tornaria muito mais indepen-
caIsse. dente. Fatei corn ele tambérn; estava muito entusiasrnado corn a idéia da cadeira.
Todos que cuidavarn de Peter tratavam-no de uma maneira cortés e, aos pou- Porérn, ainda continuava preocupado, ternendo que seu cancer estiyesse "tornando
cos, ele comecou a perceber que era, reaimente, querido e arnado. Quando soube do conta de tudo." Perguritei se poderia ir visité-to, novamente, uma vez que as nossas
diagnóstico, faiou sobre Os meses anteriores: "Agora, entendo por que as pessoas co- conversas pareciarn té-bo ajudado, em dias anteriores. Peter disse firmernente que
mecaram a ser to delicadas comigo; na ocasiffo, eu não podia entender." Mas no não queria "esse tipo de tratamento," e "pediu ser desculpado," porém acrescentou
era so porque ele estava morrendo que as pessoas reagiarn desta maneira. Ete tinha que eu seria muito bern-vindo, para uma xIcara de chi, se estivesse de passagern!
urn humor estranho que era recompensador evocar e, basicamente, era urn ho- To logo chegou a nova cadeira de rodas trouxe consigo a independéncia e. o
mem muito agradávet. Penso que todos queriam rnostrar o meihor que havia nele, alIvio da depresso anteriormente mais forte. A irmde caridade contou-me que Pe-
n5o sornente por sua causa, mas também por causa de Doreen que estava to acostu- ter parecia urn novo hornem. A parte técnica da cadeira rnexeu corn sua mente de
mada a viver corn urn depressivo intoterável. Eta ficou muito surpresa ao descobrir engenheiro e a biberdade fez corn que se sentisse capaz de sair de novo, sozinho, pe-
que ele respondia de uma maneira nova e mais cordial a urn desconhecido. bas-ruas, e freqüentar pequenas bojas. Ebe estava aproveitando a vida, mais do que ti-
Mais tarde, resumindo suas conversas comigo, Peter disse: "Vocé deu-me uma nha feito durante anos, mas isso durou poucas sernanas. 0 cancer continuou abas-
nova perspectiva. Agora, eu quero ir para casa e escoiher por mim rnesmo.' Ete trando-se. Ele se cansava facibmente, bevantava mais tarde e cada dia fazia rnenos
considerava a Unidade Hospitalar muito depressiva; parecia-Ihe urn tugar para rnor- rnovirnentos. Peter no passou mais do que a übtirna sernana da sua vida na cama,
rer. "Eu prefiro chegar ao fim num cärnpo do que num necrotério..... foi a maneira sendo cuidado pela esposa e pelas enferrneiras de quern tinha se tornado muito ami-
debe expressar-se certa ocasiáö. Nós planejévarnos a sua ida para casa. Doreen go.
estava preocupada corn o modo como ele iria enfrentar essa rnudança mas estava Eu visitel Doreen cerca de dois meses mais tarde. Eta estava no alto de uma
querendo tentar, pois sabia que ele era urn hornem sensivel que precisava estar em escada, podando uma árvore de azevim que escurecia sua casa. No se adrnirava de
sua própria casa corn os familiares por perto e n5o presenciando a rnorte dos outros. Peter ter-se preocupado corn eta! Estava magoada, é ctaro, mas muito grata por toda
Duas pessoas em sua enfermaria rnorrerarn, poucos dias antes de ele sair. Peter ficou a ajuda que recebeu dos amigos. Sobretudo, estava fetiz, porque a depressáo tinha
muito agitado, corn pesadetos, perdeu a nocá'o sempre exata de onde estava e a passado: "Era mais fácil suportar o cancer e a morte do que a depressáo" dizia eta.
noco do tempo que transcorria. Talvez nós o tenhamos mandado ernbora no 0 que provocou isso depois de tantos anos? Eta achava que era a mudanca na rnedi-
momento exato. cacao teita por mirn: urn aumento na arnitriptitina de 100 mg que ele tornava, inter-
Quando eu o visitei em casa, dez dias mais tarde, sua esposa contou que, passadas mitentemente, ha anos, para 150 mg. Além disto, encarar a rnorte rnudou sua pers-
as dificuidades iniciais do ajustamento, eies estavam indo surpreendenternente bern. pectiva. Ebe cornecou a cornpreenderque as pessoas, realmente, cuidavarn dele e rea-
Peter ainda continuava obcecado, tentando compreender as assustadoras experléncias giu a isso. Doreen percebeu as mudancas neie e perdeu abgumas de suas desesperan-
psicoiógicas dos é itirnos dias. Provavelmente, ternia que isso sign ificasse que ele estava cas. A nova cadeira de rodas certarnente tambérn contribuiu. Ete estava determina-
ficando bouco. Ainda continuava deprimido, embora no chorasse tanto quanto do a no voltar para a Unidade, e a qualidade dos cuidados oferecidos pebo seu

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próprio medico e enfermeiras capacitou-o a permanecer em casa e Ia morrer em Na doenca terminal, as IDEIAS SUICIDAS no indicarn, necessariarnente,
paz. uma depresso severa. Elas podem refletir urn desejo cornpreensIvel de näo repre-
Sua história ilustra que a morte n5o é o pior que pode acontecer a urn homern sentar urn transtorno para ninguérn ou podem ser o resultado da cornpreenso erra-
e que urn cuidado constante, por uma equipe de pessoas que sabem como ajudar, da de que nada pode ser feito para aliviar uma dor insuportável. Tao logo a situacao
pode superar ate mesmo os problemas mais antigos. Doreen desejava que ele tivesse social rnelhore ou a dor seja controlada, esses pacientes perdern a pressa de morrer.
recebido essa ajuda muito mais cedo. Mas, talvez ele levasse urn choque ao saber que Uma senhora nestas condiçôes pedia eutanãsia, dizendo: "Vocês nao deixariam urn
sua vida seria abreviada e se perturbasse ao pontO de perder, ern sua arraigada rotina co sofrer o que eu tenho sofrido recentemente". Eu Ihe disse que compreendia seu
depressiva e defensiva, o suficiente para ocorrer a rnudanca. pedido muito bern em vista de que ela tinha passado horas arnargas nas ültirnas
sernanas, mas perguntei-lhe se nao queria esperar alguns dias para ver se podIamos
dar urn jeito na situacao antes de voltarmos a falar sobre o assunto. Quatro dias
depois voltei para a nossa entrevista prornetida e encontrei-a sentada fora da cama,
0 diagnóstico da depressâo alegre e esperando ansiosarnente uma visita. Eu Mo levantel o assunto novarnente
pois parecia imprópriona atual situacao.
E difIcil, numa doenca terminal, fazer a diferenca entre a tristeza e a depres- Alguns pacientes que falam de suicIdio estao expressando seu desejo de man-
sao, que requer urn tratamento diligente. Os indicadores biolôgicos, tais como sono ter o controle total de sua vida, tanto quanto possIvel. Eles estão corn raiva, porque
perturbado, constipaço, perda de apetite, peso e libido, podem ser efeitos diretos esse acontecirnento tao importante provavelmente se verificará em época e maneira
da doença, como tarnbérn a fraqueza, o cansaco e a suscetibilidade ernocional corn desconhecida. Insolenternente, eles preferiarn escolher o mornento e a maneira de
tendência a choros em acentuada freqüência. Contudo, o pad räo depressivo de ma- morrer a deixar que ocorresse por acaso. Para uma rninoria de pacientes, é real(stico
nh6 cedo pode manifestar-se claramente, quando a dor estiver controtada e urn seda- o exarne da situaco, que e triste e desesperadora, suscitando nossa simpatia e corn-
tivo tornado a noite tenha ajudado o enfermo a dorrnir tranquilarnente. Para fazer preensao. Nesses casos, os antidepressivos nao ajudariarn e o paciente ficaria t5o
urn diagnóstico mais correto, deve-se levar em consideraçâo o conteüdo do que o confortável quanto possIvel, usando sedativos, quando necessário, para aliviar a ten-
paciente fala, prestando atenco principalrnente nos indicadores de AUTO-ESTIMA sao emocional, tendo em rnente que o altvio dessa espëcie de sofrirnento no pacien-
BAIXA E CULPA INDEVIDA. 0 paciente recém-internado pode dizerque ele é urn te terminal é tao importante quanto o alIvio da dor.
peso- para a famulia e que seria rnelhor se estivesse rnorto. Isso pode ser uma reacâo Realrnente, as idéias suicidas, de natureza depressiva, estao, de uma maneira
depressiva ou pode ser uma resposta a situaco real em que a famIlia está cansada e geral, relacionadas corn os sentirnentos de indignidade e culpa, corn urn sentido de
ele aguarda, sern condiç6es de colaborar, que os outros se esgotem. Se o que aconte- que ao paciente assiste o direito de morrer. Essas idéias podem ter, obviarnente,
ceu foi isso, o enfermo no se sentirá mais urn peso, quando souber que é bern-yin- urnä qualidade mais delirante, o paciente acreditando, por exemplo, que seu cancer
do ao hospital e que seus familiares se recuperam da fadiga. As idéias depressivas e contagioso e que ele deyeria rnatar-se para poupar sua farnIlia. Na verdade,a ten-
no desaparecem corn facilidade, e uma entrevista corn os parentes pode confirmar sao da doenca fIsica e a certeza da morte irninente podem precipitar a doenca ma-
que eles nâo tern a mesma opiniäo do paciente. A Sra. N (cap(tulo 9) desvalorizava- nIaca ou depressiva, especialmente nos pacientes que apresentarn antecedentes no
se desta maneira, dizendo que seria melhor se ela morrese logo e deixasse o caminho seu histórico pessoal e/ou familiar. Seria born Iembrar também que tanto a doenca
livre, para que seu marido pudesse casar novarnente, enquanto ainda era jovern. De terminal quanto a depress5o rnostrarn-se tab comuns que geralrnente elas ocorre-
fato, ele admirava-a muito e näo tinha essas idéias em mente. Quando ela estava sob râo sern que uma seja a causa da outra.
efeito de arnitriptilina por duas semanas, parou de falar desta maneira, cornpreen-
dendo que era arnada pelo marido e que ele a queria corn vida, pelo rnaior prazo
possIvel.
De modo sernelhante, urn paciente pode ter urn exagerado sentirnento de cul- Os antidepressivos
pa pelo que aconteceu no passado. Disse-me urn hornem que tinha revisto sua vida e
chegara a concluso de que nunca deveria ter casado; que, fazendo isso, arruinara
completarnente a vida da esposa, porquanto ela teria sido uma mu Iher rnuito mais feliz Os pacientes depressivos corn uma doenca terminal, que Mo estäb sendó me-
sern ele. Quando falei corn a esposa, concordou que havia problemas muito sérios dicados e que reagem aos antidepressivos, recebem a mesma dosagern de droga que
entre eles, de vez em quando, rnas que ela tambérn tinha contribu(do para que isso os outros depressivos. Os pacientes debilitados, como os idosos, estao mais propen
acontecesse. Ela cornpreendeu que o marido esquecera todas as boas recordacôes confuso, quando Ihes sao adrninistrados antidepressivos, e, portanto, o trata-
que, para ela, eram cornpensadoras. to começaria corn doses pequenas, aurnentadas cautelosamente. Mesmo os pa-
cientes em estado grave podern tolerar muito bern grandes doses que, talvez, será'o ao piorar, apresentava urn quadro lastimável de agitacab e rurninacao obsessi-
essenciais para se obter uma resposta. As doses seriam, portanto, aumentadas gra- va. Urn ano antes, urn dos seus filhos tinha morrido em circunstâncias pavoro-
dualmente, ate que ocorresse uma melhora, ou que os efeitos colaterais fossem per- sas. 0 Sr. Williamson, na sua depressao, convenceu-se de que era parcialmente

sistentemente intoleráveis. Nesse caso, as altas doses aceitáveis seriam mantidas, pe- responsável pela tragedia. Em todo momento de vigIlia, ele ficava falando no
lo menos duas ou trés semanas, antes que se percebesse que estavam sendo inefica- que deveria ter feito para evitar isso e censurando-se corn urn mórbido senti-
zes. mento de culpa. Nab nos foi poss(vel uma conversa prolongada com ele, per-
As drogas tricIclicas so escoihidas em prirneiro lugar, a menos que o paciente manecia quieto (mas nab em paz) corno se estivesse fortemente sedado. Fi-
em questo j6 esteja experimentando acentuados efeitos colaterais anticolinérgicos quei sabendo pela sua esposa que ele era, norrnalmente, urn homern quieto e
de outros medicamentos, especialmente boca seca e constipacâo. Para o paciente pensativo; que estaria usando este tempo no sentido de preparar-se e a famI-
depressivo ansioso, a arnitriptilina é meihor administrada em uma dose a noite, co- ia para o seu trespasse. Essa atividade tinha sido eclipsada por sua doenca psi-
mecando corn 25-75 mg e abrindo caminho para 150 mg (ou rararnente ate 300 quiátrica e a famIlia estava pesarosa, näo so por seu sofrimento, mas também
mg). Alguns pacientes toleram meihor a dotiepina; o seu efeito é sernelhante. Para pelo fato de que Ihe estava sendo negada uma morte digna da qual seus fami-
o paciente retardado irnipramine é meihor por ser menos sedante e pode ser usado hares sabiarn que ele era capaz.
na mesma dosagem que a arnitriptilina. Percebendo que tInhamos muito pouco tempo, falel corn alguns colegas
Quando e importante reduzir ao minimo os efeitos colaterais anticolinérgicos e corn a esposa do paciente, sugerindo o uso da TEC. No inicio, alguns rnem-
e card iovasculares, ou urna troca do antidepressivo deve ser tentada, porque se torna- bros da equipe estavam cépticos; mas quando perceberam corno, lamentavel-
ram intoleréveis, uma droga das mais novas deve ser usada. Mianserina é sedativa; mente, tinhamos falhado no controle do sofrirnento, eles concordaram que a
seré administrada em uma dose noturna, ünica, comecando corn 30-90 e aumentan- TEC deveria ser tentada. A esposa aceitou a idéia prontamente, porque o ir-
do, se necessário, ate 200 mg. Nomifensina no é sedativa e pode ser administrada mao do paciente tinha tido uma depressao parecida e a sua resposta a TEC fo-
em ünica dose matinal ou dividida em doses, totalizando 75-200 mg por dia. ra notável. 0 problema estava em obter a permissao do Sr. Williamson, o que
Quando uma resposta for obtida, o ni'vel da dosagem deve ser mantido, pelo nab era possIvel. Quando estava fortemente sedado, ou quando estava cons-
menos por urn més e entäo, pode ser, gradualmente, reduzido ate a manutenco de ciente, ele nab conseguia afastar-se das suas ruminacôes o tempo suficiente
uma dose de cerca de rnetade da inicial, contanto que os sintomas näo retornem. para prestar atencao em outra coisa. Nestas circunstâncias, ninguém queria
Quando o prognóstico e escasso, é meihor nab correr o risco de uma recalda corn a usar os poderes do "Mental Health Act" para trata-lo, sern o seu consentirnen-
reduco da dosagern, a nab ser que o estado do paciente Se agrave e os efeitos cola- to. A esposa fez o méximo para conseguir explicar-lhe o que foi planejado e
terais tornem mais sério o problema. persuadi-ho de que isso era o melhor. Pareceu-nos que ele a cornpreendeu. Ali-
viarnos a sua sedaco e aproveitamos o breve intervalo, antes que a agitacab
chegasse ao auge, para obter seu consentimento formal.
0 tratamento foi aplicado em dias alternados. Depois do prirneiro, ele fi-
cou calmo e racional, durante duas horas; entao, tivemos de voltar ao nosso
Terapia eletroconvulsiva
regime anterior, de sedacab. Após a segunda aplicacâb, a melhora se prolon-
gou por quase toclo urn dia e, entab, ele teve uma recaIda. Porém, depois dater-
ceira, ele, segundo a sua esposa, retomou "seu self normal", permanecendo as-
A idéia de aplicar a terapia eletroconvulsiva (TEC) nurna pessoa que está mui- sim ate sua morte, uma semana mais tarde. Durante este perfodo, o Sr. Wil-
to doente e pode viver apenas algumas semanas nab é frequenternente considerada liamson fez aniversario. Recostado na cama, leu seus cartôes de felicitacôes e
por rnuitos medicos, ainda que a depressáb severa possa causar mais sofrimento do, recebeu algurnas visitas. Tambérn recebeu a notIcia de que seu filho tinha con-
que uma doenca fIsica e existam pacientes que nab se podern suportar duas ou trés seguido urn emprego muito born e conversou deticada e melancolicarnente
semanas pelo efeito dos antidepressivos. 0 histórico do caso que apresentarernos a corn a esposa sobre sua morte. Aqueles que, anteriorrnente, tinham algum re-
seguir ilustra o uso da TEC nesses pacientes. ceio quanto a TEC, perderam-no, quando viram as mudancas realizadas neste
o Sr. Williamson, 58 anos, quando foi entregue aos nossos cuidados, tinha urn ho me m.
cancer abdominal disseminado (a princ(pio, desconhecido) e estava muito Quando for aplicada a TEC nurn paciente muito enfermo, é importante con-
doente, corn o figado dilatado e uma obstrucab intestinal subaguda, interrni- sultar primeiramente urn born anestesista, para que ele possa ajustar sua pré-medi-
tente. Muito mais dolorosa para ele e sua farnIlia era a sua severa depressab.. caco e como administrá-la, se necessaria, levando em consideracab as drogas que ja
Já estava deprirnido ha meses, respondendo apenas em parte ao tratamento e,
foram usadas, especialmente se incluem esteróides, como aconteceu no caso relata-

14
do. Devemos lembrar sempre o risco de uma ruptura no local do depósito secundá-
rio, nos ossos. Urna vez que seja usada uma dose certa de relaxante muscular, para
proporcionar urn rnelhor ajustarnento, sern risco, provavelmente este será menor do
que aquele que ocorre ern mudar ou transportar o paciente, durante os cuidados re-
gulares. Se possIvel, seria melhor levar a equipe da TEC do hospital psiquiátrico
mais próximo ao paciente, em lugar de trocá-lo de hospital.Se os problernas que re-
querérn cuidados de enferrnagern näo forern muito grandes, o paciente poderá ser
transferido temporariamente, isso se houver urn born relacionarnento entre os dois
hospitals. A continuidade dos cuidados poderá ser assegurada e as ansiedades dimi-
nuldas, se uma equipe médica e de enferrnagern acostumadas a cuidar de pacientes
Confusão
terminais puder ir visitá-lo.
Contudo, apesar dos cuidados, alguns pacientes rnorrero nas condiçôes em
que o Sr. Williamson se encontrava antes do funcionarnento normal do tratarnento.
A lico a ser aprendida nos casos apresentados neste cap(tulo é que alguns podem
recuperar-se e, portanto, pensando neles e nas suas tam (has, é váhido fazer uso de to-
dos os recursos dispon(veis, num esforco bern planejado, para obtermos o rnximo
de alIvio.

As pessoas rnuito doentes, especialmente se estâb próxirnas da rnorte, fre-


qüentemente passarn por urn grande nCimero de experléncias perturbadoras, chama-
das, cornumente, de confuso. Quando isso acontece, ninguém deve presumir que se
trata de urn inevitável acompanhante da doenca para a qual pouco pode ser feito a
n5o ser aphicar urn sedativo. Muitos casos so tratáveis, e, rnesrno quando no o sâb,
grande parte do sofrirnento que causarn aos pacientes, parentes e outras pessoas inti-
rnarhente higadas a eles pode ser ahiviada.
0 terrno "confuso" muitas vezes é usado hivrernente, para se referir a uma Ion-
ga série de sintornas que incluem a perda da noço de tempo e lugar, o cornporta-
mento inadequado de todas as espécies, a fahha de memória, as alucinacôes, a con-
versa sem sentido e a paranOia. 0 agente causador pode ser tambérn variado: efeitos
das drogas, perturbacOes bioquIrnicas e rnetabOhicas, turnores cerebrais prirnários e
secundários ou a tensâo psicolOgica relacionada corn a morte. 0 tratarnento eficaz
depende de urn diagnóstico acurado, tanto em termos de fenOrneno que o paciente
está vivenciando, quanto de suas causas prováveis. r de igual irnportância a boa von-
tade ern tentar cornpreender esses pacientes. Como sabemos, eles perderam o conta-
to corn a realidade e, rnuitas vezes, esto apavorados, especialmente quando tern al-
gurna consciéncia de que algo de extraordinário está acontecendo corn eles ou, se-
gundo suspeitam, estejam ficando loucos. As outras pessoas acharn que tais doen-
tes so incOrnodos, porque näo sabern corno falar corn eles ou o que fazer para aju-
dá-los. Corn freqUOncia, a énfase no tratamento está no saber controlá-los, porque o
seu cornportarnento disperso perturba os outros pacientes. Para ahiviá-los dos sofri-
rnentos se faz necessária uma abordagern rnais elaborada cornbinando conhecimen-
to corn sensibihidade.
Tornar-se-á mais fácil compreender muitas das experiéncias dos pacientes con- TABELA 14.1 —Os FATORESQUE INFLUENCIAM APERMEABILIDADE DO FILTRO
fusos se empregarmos inicialmente o rnétodo usado no estudo da esquizofrenia. Es-
te modelo admite a possibilidade da existência de urn filtro que controle a entrada Acordado 1
do estIrnulo na consciência, oriunda do ambiente, do corpo e do inconsciente. Isto Normal
é representado pela circunferéncia do cIrculo na Figura 14.1. A area da consciéncia Dormindo
(o) que controla o
dentro do cIrculo está dividida para mostrar que as pessoas, norrnalrnente, sabem 1. N(vel de estimulaçäo L
volume
Anormal _- Doença
devido a
Drogas
e
Emocional 1
2. Receptor (o) que possibilita
Cognitivo a atencáb seletiva
J

noite podern ser alai-mantes, ao passo que, em outras circunstàncias, passariarn qua-
se despercebidos. Urna rnãe ciente de que seu bebé está enfermo e pode vornitar du-
rante a noite (seu receptor cognitivo) dormirá tranqüilamente no rneio do rnaior ba-
rulho, mas acordará ao menor movimento do bebé.

audiçab

olfato
paladar

Fig. 14.1 - 0 filtro limitando aconsciência


senso de posture
fantasia
de qual das trés fontes a inforrnaco está chegando em qualquer ocasiâo. A cons-
ciência, por exemplo de todos os sons, do contato corn as roupas, do coracáo ba-
tendo e de todos os conteüdos arrnazenados na rnernória seria urna sobrecarga. E é apetite
essencial, para urn funcionarnento perfeito, que a maloria desses estImulos seja ex- respiraçäo memórias
cluIdas. 0 filtro perrnite a setecão e que a intensidade da experiência seja variada,
da mesma maneira que se pode controlar a sintonia e o volume do radio.
Pode ser visto, através da Tabela 14.1, que o nIvel de estirnulacéo é corno o Fig. 14.2 - Acordado
controle de volume e que o "receptor" possibilita a seletividade. Este conceito de
receptor será rnelhor explicado através de exernplos. Urna pessoa, sentando-se ao la- A Figura 14.2 representa urna pessoa normal, quando acordada. A espessura
do do fogo e ouvindo histórias de fantasmas, tern urn receptor emocional corn medo. do filtro varia, para rnostrar que a rnaioria das experléncias originarn-se no ambien-
Ent5b, o rangido dos degraus da escada ou o agitar de urna cortina corn a brisa da te. Somente aquelas sensaçôes corporals que exigern acáo, tais corno apetite e bexi-

122 -1011
ga cheia, chegam a consciência e a pessoa tern urn controle considerável sobre o que A figura 14.3 representa a pessoa normal, quando adorrnecida. Na maloria, as
está pensando e lembrando, embora os pensarnentos e lernbranças irrelevantes a ta- experiências chegam ao inconsciente em forma de sonhos e quase todos os estImu-
refa se introduzarn de quando ern vez. Este controle, geratmente, é charnado de con- los do arnbiente e do corpo so excluidos. Apenas aqueles que exigem uma provi-
centraco. As divises esto intactas, indicando que ele é capaz de separar o esti'mu- déncia imediata podern passar através da consciência. As divises esto incornpletas.
to das vérias fontes. A necessidade muito forte de urinar pode provocar urn sonho perturbador, antes
que a pessoa acorde, e quern já fol acordado corn o telefone sabe como o toque des-
te pode ser urn componente das partes de urn sonho, pouco antes de acordar.
telefone
A Figura 14.4 representa a confuso. 0 enfraquecimento da consciência (no
irnporta qual seja a causa) diminul a perrneabitidade do filtro para os estImulos am-
bientais. A consciéncia do corpo parece ser aumentada ou distorcida e o material
que, gerairnente, permanece inconsciente aparece como lernbranças vividas, ou alu-
cinacöes. As divisôes pararn de funcionar e o paciente no percebe corn clareza a
origern de sua experiéncia. 5 compreensIvel que ele esteja aflito ou horrorizado e se
comporte como tat. As pessoas que estä'o ao redor do paciente no fazem idéia de
como está o seu mundo interior no rnomento; ficarn desconcertadas e podem sentir-
se incapazes de ajudá-lo.

TABELA 14.2 - COMPONENTES DAS EXPERIENCIAS PERTIJRBADORAS

memôrias recentes Nivel de


\ Paciente estirnu laçao Estirnu los Receptor Experiência
bexiga cheia
1. Sono profunclo + temperatura alta + Medo da morte - Pesadelo de estar
sendo quelmado vivo.
memôrias infantis 2. Drogado + Estranho + Culpa - Confundir urn
Fig. 14.3 - Dormindo estranho corn urn
policial; tentativas de
telefone fugir
3. Sonolento + Estranho + Desejo de ver - Confundir urn
a rná'e estranho corn a rnSe

A Tabela 14.2 mostra como podern transcorrer três experiências conhecidas,


quando se unern as influências do nIve} de estimulaço: estIrnulos e receptor. 0 pa-
ciente nürnero 1, que dorrnia profundarnente, febril e corn rnedo de morrer a curto
prazo, pode ter urn pesadelo, no qual está sendo queimado vivo. De acordo corn a
Tabela, so óbvios os cornponentes do tratarnento: acordá-lo tâo completarnente
quanto possIvet e tratá-lo no sentido de baixar a febre em grau suficiente para que
ele possa ficar tranqüilo. Porém, nem sempre acontece assim; numa situaço como
essa, o paciente pode reagir a urn convite gentil de falar sobre o que the est6 apavo-
dor /iJ\\ rando. Quando o rnedoé reprimido ou negado, ele pode, algurnas vezes, manifestar-
se deste modo, como urn pesadeto recorrente. preferIvel investigar o medo corn o
paciente, nesse particular, desde que ele aceite. No outro dia de manh5', ele pode
memôrias
ter 'esquecido" ou ser relutante sobre o assunto. Pesadelos semelhantes muitas ye-
memôriaS infantis
bexiga cheia zes cessarn, quando o rnedo subjacente fol abertarnente reconhecido.
recentes
iq. 14.4 -Confuso Os pacientes terminals quase sempre fazem urn retrospecto de suas vidas e
sentern-se culpados corn relaco a algurn episódio do seu passado. Se eles no esto

124 125
gozando de plena consciéncia, podem pensar, equivocadamente, sobre urn estranho,
TABELA 14.3 - AS CAUSAS MAIS COMUNS DE CON FUSAO
como alguérn que veio para prertdê-Ios ou puni-los, e talvez tentem fugir (paciente
nCirnero 2). Alguns deles podem set- ajudados por urn padre ou psicoterapeuta no Medicaco Muitas drogas agindo sobre o SNC
qua[ confiam e que ira auxilia-tos a defrontarern-se corn o que está acontecendo e EsterO ides
talvez, tentarem uma reconciliaço ou fazerem reparaçôes. Os pacientes terrninais lnfecco Quer pirexial ou náo
Trauma Lesáona cabeca
tambérn passam ern revista boas recordaçöes. Quase sernpre, vivern do passado, es-
Hematoma cerebral subdural
perando ver os parentes a quern estavam rnuito ligados. Se esto sonolentos, podem
Tumor Primário ou secundário
pensar, por exemplo, que uma enferrneira que se aproxima do seu leito é sua rne Doenca maligna em qualquer parte
(paciente nürnero 3). A enferrneira, ento, deve resolver como ir6 reagir: se eta no Doenca cerebrovascular Derrames cerebra is
desfaz a percepco fatsa, e o paciente fica lücido, pode perceberoenganoeficar corn Demência
Faiha cardiaca e respiratOria Anoxia
raiva, pensando que esto brincando corn ele. A melhor alternativa ë dizer gentil-
H ipercapnia
rnente: "Eu n3o sou a sua rnâè, rnas acho que você desejaria que eu fosse..... e, em Desenquilibrio eletrólito
Bioquimica e metabOlica
seguida, falar e cuidar do paciente de uma rnaneira bastante maternal, exatamente o desidrataco
que ele está precisando. hiponatremia
Fazer uma diferenciaco entre uma percepçãb falsa como fol exemplificada hipocalemia
Hipercalcemia
nos dois ültirnos casos, e uma alucinacão, é irnportante, porquanto a orientaço te-
Uremia
rapêutica é diferente. Falha hepática
Hipoglicemia
A Sra. K. queixava-se a equipe de planto a noite, que eta ouvia pessoas falan-
Mat-estar geral Bexiga ou intestino cheios
do e rindo dela. No seu entender, tat fato no podia acontecer num hospital, e Roupa de cama desconfortável
queria ir ernbora. As enfermeiras relatavarn que eta tinha alucinaçôes. Quando Pruridos -

a irm5, sentada ao seu lado, ficou em siléricio por algurn tempo, tambérn ou-
viu risos e vozes. Eles vinham da cozinha que ficava perto. A paciente escuta-
Quando o paciente fica confuso, usar uma lista controlada como esta da Tabe-
va, parcialrnente, o que estava sendo dito e, como toda pessoa rnuito doente,
Ia 14.3, levará ao diagnóstico das causas tratáveis. A rnedicaco é rnuito irnpor-
se preocupava consigo rnesrna e achava que as conversas se referiarn a sua pes-
tante e a investigaco começaria corn a revisâb das drogas que o paciente está to-
soa. Quando foi rnudada para um quarto menor e sua sedaco dirninuIda, eta
rnando. Uma razo para acatar a medicaco excessiva existe, quando os sintornas
melhorou. Se fosse tratada por causa das suas "alucinacöes", corn clorprorna-
pioi-am ou revelam-se outros riovos. Quern está prescrevendo tende a adicionar no-
zina, poderia ter piorado.
vas drogas ou aumentar as que esto sendo usadas sern dar a devida irnportância aos
A Sra. K percebia erronearnente o que acontecia na realidade. Alucinacôes são efeitos cumulativos e as suas interaçôes. Os sedativos noturnos no devem ser usa-
experiéncias sensoriais sern estirnulo externo. Uma lembranca visual ou auditiva dos para dorrnir, se o paciente precisa ficar acordado por uma razo especIfica tratá-
que, norrnalrnente, estaria inconsciente d liberada e penetra na consciéncia; ou uma vet, como, por exemplo, a dor, a ansiedade ou a insOnia, devidas a depresso. Quan-
area sensorial do cérebro é estirnulada, por exemplo, por urn tumor, produzindo urn do administrarnos drogas para qualquer uma dessas condiçOes é conveniente reduzir
fenôrneno parecido corn aquele da epilepsia-lobo-temporal. 0 tratamento visaria a ou evitar o sedativo noturno. Por outro [ado, tarnbém pode precipitar a confuso o
contenco da experiéncia anormat, tanto por meio do haloperidol quanto da feno- afastamento repentino de uma droga que o paciente está acosturnado a usar ha
tiazina ou, em caso- de tumor, um anticonvulsivo pode ser o mais adequado. Os pa- anos, como, por exemplo, diazepam, urn barbitürico e naturalmente o álcool.
cientes, em qualquer urn desses grupos, podem estar to doentes que Ihes seja. Quando a administraco de uma nova droga é seguida pela confusâö, ela deve
impossIvel agüentar urn diálogo, ou reagir a urn toque carinhoso ou a presenca de ser evitada e, se necessário, substituIda por uma outra, de categoria pouco diferente,
uma pessoa da famIlia. Nesse caso, a medicacäo deve ser usada para aliviar o sofri- para ver se decorre uma rnethora. Näo se poderia assegurar que a droga usada ha at-
mento. Uma pequena dose de sedativo pode piorar a situaco, se ficar claro que a gum tempo, antes do ataque, no fosse a causa deste. Essa droga pode ter atingido,
causa do problérna é o enfraquecirnento da consciéncia. Uma dose mais forte pode, gradualrnente, os nIveis tóxicos devido ao seu efeito duradouro (por exemplo o dia-
ate mesrno, silenciar os gritos do pesadelo ou tornar o paciente demasiadarnente in- zepam) ou porque o paciente metabotiza ou excreta-a mais lentarnente devido a na-
coordenado para fugir, sern aliviar a perturbaço mental. A escolha e o uso das tureza progressiva de sua doenca.
drogas para estes pacientes ser5o abordados neste capItulo, mais adiante. 0 método do filtro pode proporcionar, utilrnente, a rnaneira de compreender-
se como as drogas causarn confuso. Os sedativos podem ser considerados como a

126 127
diminuico da permeabilidade do filtro ao estImulo vindo do ambiente, de modo
confuso terminal, os quais voltaram para casa depois do tratamento e viverarn
que menos inforrnacöes sejarn absorvidas (Tanto na depressáb quanto na ansiedade,
muito bern, por várias semanas ou meses.
e numa dor severa, o paciente está to preocupado corn suas vivências que no regis-
tra o estImulo vindo do mundo exterior. Ele pode, entâo, parecer desorientado, no O caso da Sra. N rnostra por que incluImos o "desconforto geral". Eta era uma
tendo noço das horas do dia ou de onde está, e testá-lo pode causar prejuIzos nas senhora idosa muito esperta e disse a equipe de plantáo a noite: "Algo de hor-
lembranças recentes. Esta sIndrorne não deve ser confundida corn uma dernência rIvet está por acontecer e tenho de sair daqul imediatamente." Era difIcil im-
precoce, corn a qual se parece. Ela d revers(vel se a causa subjacente pode ser trata- pedi-la de sair e de permanecer corn suas roupas de dormir. Eventuatmente,
da. A paciente que está preocupado, considerando-se dernente, deve-se restituir a uma das enferrneiras percebeu que eta estava corn a bexiga cheia. Colocou
co nf a nça.) uma sonda e a Sra. N voltou ao seu estado mental normal. Como exptica o
Os estimulantes aumentam a permeabilidade do filtro, de modo que os sinais rnodelo, no estado de sonoléncia eta era incapaz de perceber se a causa do seu
so percebidos corn maior intensidade e o paciente reage em excesso. As drogas que forte mat-estar vinha do seu próprio corpo ou do exterior. Ento, ela achava
produzem alucinacôes, pesadelos, paranóias e outros estados psicóticos podem atuar que a rnelhor maneira de escapar disso seria fugir.
por intermédio do aumento da permeabilidade do filtro no material inconsciente.
A incapacidade de reconhecer que a doenca é a causa do agravarnento das
As psicoses causadas ocasionalmente pelos esteróides tarnbém podem ser vistas des-
condicöes é a razo comurn para os pacientes muito doentes desejarern sair do hos-
sa maneira. 0 quadro completo da sIndrome cerebral aguda, ou delIrio, pode ser
pital. Etes se recordam de que se achavarn menos doentes quando estavarn em casa e
considerado como urn fenômeno independente. Ha um afrouxamento do controle
presurnem que algo thes foi feito no hospital (gerairnente culparn a rnedicacâb que
que, em geral, o paciente tern sobre a expresso da sua personalidade. Urna pessoa
recebern) para se sentirem piores. Esse é outro exemplo de uso da negaco e proje-
timida por natureza pode tornar-se ate aterrorizada; a pessoa que é levemente des-
ço, para evitar o conhecirnento doloroso de que "Eu estou morrendo", e que leva
confiada torna-se paranóica; o ansioso torna-se agitado e o depressivo, urn suicida.
ao desenvotvirnento de idéias paranóides. Estas sero discutidas mais adiante no ca-
As lernbrancas desagradáveis que estavam reprirnidas e as partes mais primitivas do
pitulo 15.
inconsciente, que, em geral, so inacessiveis a saüde, podem entrar na consciência.
Pacientes corn tumores cerebrais, progredindo lentamente, apresentarn muitos
Uma discuss5o completa sobre os efeitos e interacôes das drogas que, prova-
sintornas de confuso e o histórico do caso a seguir ilustra alguns aspectos do trata-
velrnente, precipitarn confuso, no seria apropriada neste livro. Na sua matéria so-
mento.
bre psicose tóxica, Davison (1) apresenta excelentes listas e faz ótimas descriçöes so-
bre o assunto. Nos pacientes terrninais, devernos dedicar especial atenço as respos- Ruby, 58 anos, tinha urn tumor lobo-parietal ha 10 anos. No inIcio ele provo-
tas idiossincráticas aos analgésicos. Cerca de 10% dos pacientes tern alucinacôes ou cava ataques que erarn muito bern controlados, mas gradualrnente, no decurso
pesadelos em resposta aos analgésicos narcóticos e a pentazocina - o pior agente. 'do ano anterior a sua internacäb no hospital, .Ruby ficou parcialmente parat 1-
Os antidepressivos tricicticos podem causar agitaco, especialmente nas pessoas ido- tica e sua fala prejudicada. Eta era uma viüva cujo rnarido nunca voltou da
sas, e alguns beta-bloqueadores (especialmente propranolol) produzem sonhos n(ti- Alernanha após a guerra. Quando ele partiu ela estava no ini'cio da gravidez e
dos e alucinacôes. As outras drogas que, de urn modo geral, fazem parte de urn ou voltou a viver corn sua rne que cuidava do nené enquanto ela ia traba-
outro fenômeno da confuso so as drogas anti parkinsonianas Jespecialmente o thar para conseguir o sustento de ambos. 0 filho agora ja tinha saIdo de casa;
benzexoU, as anticonvulsivas (especialmente o fenitoin), as drogas antiinflamató- a avó deste estava corn oitenta anos e impossibititada de cuidar de Ruby.
rias (especialmente indometacin) e as usadas para controlar a hiperacidez (especial- Na prirneir-a vez que baixou ao hospital eta estava muito quieta e distan-
mente cimetidiana). te. Passava o dia todo sentada de othos fechados, aparentemente infeliz e ma-
Na maioria, os outros itens na Tabela 14.3 so auto-explicativos. Devemos cessIvel a qualquer pessoa. Fazia poucos meses que a Unidade estava funcio-
efetuar investigacôes, se os resultados obtidos so de utilidade ao tratamento. Os pa- nando e nenhum rnernbro da equipe estava muito experiente em cuidados
cientes'e parentes, rnuitas vezes, sentem-se aliviados ao saber que a causa do proble- corn estes pacientes mas todos nôs acharnos que deveria haver urn modo de
ma é urn tumor no cérebro. Para etes, isso parece näo trazer o mesmo estigma que chegar ate esta. Após vérias tentativas infrutIferas, durante as quais eu me sen-
uma insanidade inexplicável traz. Quo diligenternente uma condico como a hiper- tava silenciosarnente ao seu lado ou the fazia perguntas, sernpre recebidas corn
calcernia deve ser tratada, depende da amplitude das condicôes subjacentes. Se o pa- urn silêncio de pedra, ela respondeu uma. Eu Ihe dissera que gostaria de
ciente tern outros problemas que tornam a vida quase sem valor para ele, a hipercat- saber o que ela pensava o dia inteiro, especialmente quando ficava to triste...
cemia pode ser considerada como urn evento terminal a ser tratado sintornaticarnen- "No tumor que cresce na minha cabeca", foi a resposta brusca. "0 que mais
te. Mas, se o enfermo está razoavelrnente bern, deveria ser tentado urn tratamento vocé desejaria que fizéssernos por vocé?" perguntei. "Extirpá-lo". Gentitmen-
ativo. Nós tivernos mais de urn paciente admitido na Unidade corn diagnóstico de te, eu the disse que tanto eu quanto ela sablarnos que isso näo poderia ser fei-

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sobre os fatos ern questab. Esses pacientes, as vezas, sâb beneficiados quando po-
"Se nós estamos tentando tudo para ajudá-la a encontrar paz de espIrito e
coragem, você nâo acha que isso tambérn valeria a pena?" perguntel. Ela disse dam rapetir a história corn mais alguérn. Outros, como Ruby, pracisam de ajuda pa-
ra separar o passado do prasanta. Para alguns, nada lhes traz alivio a se faz nacessá-
Relatei a algumas anfermeiras nossa conversa. Estimuladas pelo meu na uma sadacab forte.
sucesso elas também tentaram arduamente comunicar-se corn RUBY, mas Urn dia Ruby quaixou-se para rnim de qua "algo estava acontecendo". Sentia-
geralrnente ela nâo dava resposta. Urn dia em que ela estava aflita, acabou sa praocupada am saber quern cuidava da sua mâè, pois sua irma a seu filho nab the
dizendo: "0 hospital no estará aqul por muito tempo". Várias passoas falavam nada a raspaito. A seu pedido fui ye-los a descobri qua a tarn lila estava dlvi-
tentararn tranqüilizá-la ou chamar a sua atenc5o para outra coisa, mas ela dida quanto a quem sania o responsával a qua sua mae estava indisposta a muito
continuava inflexIvel. Fui solicitado a ajudar. A minha intuico me ensinou tniste. Eles nab falavarn a Ruby porqua "ela já tinha o bastanta sobre seus ombros a
uma liço de como falar corn pacientes confusos: se o CONTEODO do que nab quenia mais preocupaçöas". Eu disse qua ela se sentia culpada por nab mais tar
dizem nâo faz sentido, preste atencéb ao ânirno. "Ruby, parece que algo condiçöes de cuidar da rnâè. E tudo o qua ela podia fazar agora era preocupar-se a
horrIval está por acontecer" eu disse, "Sim". "Poderia ser a vocé?". "Sim". dar opiniöas a qua seria arrado pnivá-la da oportunidada de prossaguir agindo assim.
Ela estava usando a projeco; pensando que a desgraça que estava por vir Elas acaitaram a opiniao a cornacat-arn a inclu 1-ia novamente nas discussöes sobre os
aconteceria fora dela, no dentro, e corrigindo isso, fornos capazes de falar, problarnas familiaras, especialmante quando Os fiz var qua, provavairnenta, saria
novamente, sobre ela mesma, e a sua afliç5o terrninou. meihor para eta preocupar-se corn as outras passoas do qua ficar praocupada axciusi-
Ruby tinha, entrementes, uma forte hamiplegia a cala da cadeira a no vamenta consigo.

ser qua fosse presa por uma travessa colocada a sua frente. Urn dia ela contou, Ruby quasa sempra estava muito confusa; sua convarsacab nab fazia santido.
corn muita raiva, aos seus parentas: "As enferrneiras nab querem me deixar Algumas anferrnairas inaxpeniantas falararn sobre ela na sua prasenca. Urn dia eta ma
caminhar. Eu sal qua posso, mas alas nab deixam". A farnIiia acraditou nisso, disse: "Aquelas enfermairas pansam qua astou louca". sempra maihor prasurnir qua
houve reclamacab para a enfermeira-chefe. Duas outras tentaram ajudar Ruby o paciente asta mais sadio do qua parece. Os pacientes como Ruby Iraq üantarnanta
a carninhar, mas ela nab conseguiu. "Ontarn eu consegul. Agora estou cansa- tern intarvalos da tucidaz e percebern qua seu cornportarnento anterior foi anormal.
da", dizia ela. "Vocés nab me daixam carninhar". Estava usando a projecab O rnado da insanidade é para ales muito malor do que o mado da rnorta. Elas serab
novamente. lncapaz de suportar o fato de qua seu tumor estava espalhando-se ajudados se lhes for dito: "Qualquar coisa astranha qua seu tumor (ou drogas, ou
rapidamente, ela se santia melhor se nos rasponsabilizassa por seu probtarna. doanca) faca vocé dizar ou fazer nab importa, pois nós sabarnos que vocé está
Da certo modo, tolerando suas acusacöes, nós astávamos tamporariarnante su- barn." Eles aprendern a saparar o "eu masmo" da "rninha doanca", a muitas vezes
portando o problema por ela. Expliquei isto a aquipa a a farnIlia a todos corn- podem ate mesrno rir da seus infortünios, a rnudar, aspacialmante se a aquipe for
praanderam. suficieritamante bern-humorada a toleranta.
Ruby, muitas vezas, vivia no passado. Eta parecia estar vagando pala Ala- Ruby nab via muito bern a usava urn ralógio pandurado no pescoco por uma
manha, procurando o marido, chamando-o a chorando. Nós aprandamos co- corrente. Urn dia, eta batia corn ale, furiosamente, na mesa frontaira, quaixando-se
mo faze-la parar corn isso, palo manos temporariamente, pegando suas rnâos da qua o ralógio estava sernpre atrasado. Eu othel a disse-lha que naquele mornanto
a charnando firmementa seu nome. Quando obti'nharnos sua atançâo, podia- ala nab estava. Entre a confusab da palavras qua proferiu a saguii-, eu a ouvi dizar at-
mos faze-l.a larnbrar qua tudo isso tinha acontecido ha muito tempo atrás, a go sobre cern rninutos. No seu trabatho, a decimalizacab da libra davia tar-Ihe causa-
agora -ela estava sagura conosco a qua nãs farIamos tudo qua pudéssernos para do grande impressab, pois eta era contadora. Procurel saber se eta pensava qua, ago-
ajudá-la. ra, tinharn dacimatizado o tempo a, realrnante, assirn ela pansava. lncapaz de aceitar
qua o seu prOprio sentido da tempo estava parturbado, ela davia achar uma outra
Os pacientes terminals fraqüentamanta revivern os incidantas assustadores de.
causa para o problarna. Se nab fosse o seu ralógio, teniam sido "ales". Eu Iha assagu-
suas vidas, aspacialmenta se antes elas astiveram próxirnos da morte. quase como
rei qua alas nab tinham mudado nada a ela ficou calada por alguns minutos. Entab
se a psique, ao tentar compreander o mado prasanta, parguntassa a si rnasma:"
me disse: " sornenta urnaquestab da tempo". Neste mornento, nab havia confusab.
Quando foi a iiltima vaz qua ma senti assim?" e as lambrancas qua estavam reprimi-
Nós falarnos sobre como the era difIcil nab saber ha quanto tempo ela saIra a ela as-
das ha muito tempo fossem liberadas téb vivamante como se os acontecimantos as-
peculou sobre o qua the acontacaria nurn futuro próxirno. Este foi urn rnornento de
tivessam sucadendo-se de novo. Urn paciente como aste poderia dascrevar uma ater- grande intimidade, logo dapois ela se tornou mais acasslvel também as outras pes-
rissagem dasastrosa da aviâb na qual participou a urn outro pansaria ser de novo pri- soas, aspacialmanre as enfarmairas. Nos dias bons, ela se unia as brincadeiras a
sioneiro de guerra num campo de concantracab. No inIcio poda ser difIcil compra- nos dias am qua nab estava barn, aceitava o consolo delas. Eu me afastei quando Os
endar o qua o paciente está falando e davariarnos indagar aos parentas se sabem algo outros ma sucaderam, pois era irnportante qua eta nab dependasse apanas de mirn,
uma vez qua au, garalmenta, so podania ye-la trés vazas por sarnana.
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Roby morreu dentro de urn més ou urn pouco mais tarde. Nenhum paciente as classes de drogas, mas onde o controle do sintoma mostra ser difIcil se justifica a
me ensinou tanto quanto ela e deixei as ciltimas palavras deste relato para ela. Num tentativa da combinaço.
dia de lucidez, quando estávamos falando sobre a freqüência corn que ela ficava Quando o fim da vida está muito proximo, a diamorfina e a hioscina reunidas
confusa, Ruby me olhou direto nos olhos e disse: "Acho perfeitamente lógico que podern ser mais eficazes do que qualquer outra droga para produzir urn estado de
eu deveria estar confusa". tranqüilidade. A dose de diamorfina, de urn modo geral, será determinada pelo nIvel
anteriormente exigido pelo paciente; isso pode ser cornbinado corn 400-800 mg de
hioscina, ambas repetidas de quatro em quatro horas.
0 uso das drogas O tratamento de pacientes terminais confusos exige conhecimento e habilida-
de, associados a presteza em deixar ocasionairnente uma conduta cl(nica em favor
A importäncia de reduzir ou suprimir qualquer tipo de drogas desnecessárias de uma resposta intuitiva. Muitas vezes urn gesto, o silêncio ou algum ato muito
ja foi salientada. As sIndromes definidas como alucinacôes e paranoia sâo melhor simples vo ao encontro da real necessidade. A explicaco psicodinârnica do que
tratadas corn haloperidol. Nas pessoas fisicarnente doentes e nos idosos 1,5 mg, acontece na vinheta a seguir poderia ser a de que eu ajudel o paciente, urn sacerdo-
duas ou trés vezes ao dia, so suficientes. No paciente mais robusto, o tratamento te, reafirmando seu papel habitual, corn tudo o que significava para ele. Alguns lei-
cornecaria corn 5 mg, duas ou trés vezes ao dia. As ernergéncias, tais como a mania, tores talvez percebam ainda algo mais.
podern requerer haloperidol aplicado em injecôes intramusculares 10 mg de duas em
O paciente, 60 anos, tinha urn disti.rbio de rins, resultante de urn cancer disse-
duas horas, ate alcancar o controle, mudando para via oral e reduzindo a dose to
minado. Ele estava muito distante; sua postura e expresso indicavarn que so-
logo a crise aguda decresca. Os efeitos colaterais parkinsonianos rararnente säo en-
fria muito, mas nab falava corn ninguém que se aproxirnasse de sua cama para
contrados, quando o haloperidol é usado desse modo. As drogas anticolinérgicas
tentar ajudá-lo. Na prirneira vez que eu o vi senti-me também cornpletarnente
(por exemplo orfenadrine) somente seriam acrescentadas se a reduco da droga
desolado. Eu me sentava e Ihe falava calrnarnente, mas näo sabia se ele ouvia
fosse ineficaz, ou numa ernergéncia rara, uma reacäo de distância aguda. preferIvel
ou nâ'o.
usar a clorpromazina somente se o seu efeito sedativo for necessário para o paciente
Da próxirna vez que o visitei, ele estava acomodado nurna cadeira, olhan-
dormir, ate que o distürbio mental seja aliviado. Os efeitos que ela produz, tais como a
do como se desejasse, desesperadamente, deitar e dormir, ernbora continuasse
dificuldade em falar ou a sonoléncia, aurnentam a ansiedade, em alguns pacientes.
negando-se a ser ajudado a ir para a cama. Na noite anterior, ele tivera pesade-
Uma dose inicial de 150 mg em formade comprimido ou xarope, ou 100mgnumain-
los, mas permanecia inacessivel a qualquer ajuda. Parecia determinado a ficar
jecéo intramuscular profunda, pode ser repetida de seis em seis horas, ate que o contro-
acordado, enquanto pudesse, em lugar de correr o risco de uma outra afliç5o.
le seja alcançado. De vez em quando, os pacientes muito perturbados precisam de uma Enquanto eu estava pensando no que poderia ser feito, notei que haviarn
dose superior a 1 gem 24 horas.A hipotenso postural éaprincipal complicaçoeos deixado uma xIcara de chá para ele. Perguntel se gostaria de tomar urn pouco,
pacientes em que estäo sendo administradas doses muito altas devemficar na cama, pe- mas n5o obtive resposta; entab decidi tentar ajudá-lo a tornar. Eu queria saber
lo menos inicialmente. Quando a clorpromazina estâ sendo usada, para controlar urn se, fazendo algo juntos, quebraria, de algum modo, a barreira entre nós.
estado psicótico muito perturbado, o nIvel da dosagem deve ser determinado pelas Gentilrnente, eu o encorajei a colocar sua rno em volta da x(cara e, juntos, a
condiçôes mentais (por exemplo o contedo da fala,aexpresso facial eosmovimen- levarnos aos seus lábios. Ele bebericou algumas vezes; entab parou e abriu Os
tos dos olhos) e nâo somente pelo n (vel de consciéncia. Urn sono prolongado depois de olhos. Pareceu-me estranho o fato de estar ajudando urn padre a beber, e Ihe
uma forte dose no sign ifica, necessariamente, que a droga tenha sido usada em dema- disse: "Durante anos você deve ter alcançado uma taca para muitas pessoas."
sia. 0 paciente pode estar cansado, devido as experiências aterrorizantes pelas quais Nossos olhos se encontraram. Nada mais foi dito; porém ele cornecou a pôr-se
passou e precisa dormir para se recuperar. 0 efeito colateral-da sedaco riâoéto rn-
a vontade. Percebendo que já estava pronto para dormir, charnel as enferrnei-
portante para determinar a dose certa de drogas antipsicóticas na psicose quanto o é
ras, para tentar ajudá-lo a ir para a cama. Desta vez ele foi prontarnente e Ia
para determinar a dose de analgesico que deve ser usada para controlar a dor.
permaneceu tranqiiilo durante os dois ültimos dias de sua vida.
A ansiedade e agitacâo no associadas corn alucinacôes ou psicoses so melhor
tratadas corn diazepam, quando a sedaço é vantajosa, ou corn clobazam,. quan-
do no o é. 0 uso de drogas foi descrito no Cap itulo 12. De vez em quando, urn pa-
RE FE RE NCIA
ciente que no reage bern a benzodiazepina ganha mais de uma dose pequena de ha-
loperidol. Ao contrário, urn paciente necessitando de haloperidol pode se beneficiar 1. Davison K. (1981). Toxic psychosis. British Journal of Hospital Medicine; 26/5:530-37. (Al-
gurnas das matérias deste livro foram publicadas pela prirneira vez por Stedeford A.
corn a adico de uma pequena dose de diazepam como ansiolItico, no lugar de uma
(1978). Understanding confusional states. British Journal of Hospital Medicine; 20/6).
mudanca brusca para clorpromazina. Geralmente, näo se faz necessário usar arnbas

133
soldados - ficariam preocupados ou, pebo menos, urn pouco receosos ao saber
que provavelmente iriam rnorrer. Ele chorou, silenciosarnente, quando admi-
tiu também estar sentindo-se do mesmo modo. Envergonhou-se de suas lágri-
rnas, mas eu Ihe disse que o enfraquecimento fIsico tornava os homens mais
sensIveis do que o usual; que considerévamos perfeitamente natural, para urn
homem na sua situac5o, chorar de vez em quando. Isso o consolou urn pouco.
No dia seguinte, as idéias paranoides desapareceram por cornpleto; de vez em

ReaçOes paranóides e quando, ficava triste, mas elas no reaparecerarn. Quando nâo pOde tolerar
mais a id6ia de estar morrendo, usou as defesas de negaco e projecäo, dizen-
do:" No estou morrendo, eles esto me rnatando."
outros problemas 0 paciente desejando lutar contra a doenca, pode usar esse mecanisrno, pois é
mais cOrnodo supor que a origern do problerna é externa. Desse modo, o paciente se
sente seguro. 0 que precisa fazer é destruir o agressor, fugir da situacâö perigosa
ou se recusar a tornar as drogas que o esto envenenando. A suspeita de que os medica-
mentos esto fazendo-os piorarerri é urn problema cornum entre os pacientes termi-
nais. No hospital, na maioria, os enfermos acompanham a med icacgo adrninistrada aos
vizinhos de leito e observam a trocade rnedicarnentos ou se houve morte, após a toma-
da de injecôes. Algumas vezes, concluem que o tratamento foi alterado para acelerar
a morte e temern que sejarn os próxirnos da lista, especialrnente se Ihes é adrninistra-
As reaçôes paranóides
do "algo parecido". Eles preferém suportar a dor a tomar a droga. Se as explicaçöes
da equipe médica no forern aceitas, deve-se adrninistrar haloperidol nesses pacien-
tes, visando ao seu estado mental, embora freqüentemente se recusem a tornar algo
As reacOes paranOides ocorrern, freqüenternente, tanto nos pacientes muito novo. Algurnas vezes, eles aceitarn de uma enferrneira da qual gostam e na qual con-
doentes como nos terminais. Podem fazer parte do estado de confuso, como p0- fiam. Outros Se perrnitem ser persuadidos pelo medico da famIlia, que eles conhe-
dern ser precipitadas pelas condicôes enurneradas no capItufo 14 (14.3), sobretudo cern h6 anos, ou por urn parente, e a melhor soluçäo é pedir ajuda deles. Nunca de-
devido ao uso de esteróides. Nesses casos, as idéias paranóides aparecern e desapare- vernos tentar esconder o remédio na cornida ou bebida desses pacientes. Se eles des-
cern consoante a flutuacä'o da confuso e, geralmente, pioram a noite. Como já foi cobrirem o que esta sendo feito, a certeza de que est5o sendo envenenados será re-
descrito, sempre que possivel o tratamento visa a condic5o subjacente. Em certos forçada. Devemos respeitar, nessas circunstáncias, a recusa a urn rernédio que no é
pacientes as reacöes ocorrem sem outros sintomas psiquiátricos, assim como uma absolutamente necessário. Quase sernpre, quando a dor fica pior ou retornarn outros

reaço paranôide psicogénica. Os aspectos psicodinârnicos do tratamento so sintornas, o paciente deseja voltar a rnedicacao e entâo pode aceitar, tarnbérn, o
particularmente importantes nestes casos. haloperidol. Varias vezes a persuasâ'o discreta, porém firme, finalmente funciona.

0 Sr. F tinha uma carcinomatose e parecia ter aceito sua morte. ParticipoU da
Primeira Guerra Mundial e dizia estar acostumado corn ela. Como urn veiho
soldado, ná'o a temia. Quando ele começou a piorar, imaginava que Os visitan-
0 cióme doentio
tes do paciente da cama ao seu [ado estavam planejando sua morte. To con-
vencido estava, que tentou agredir urn deles corn uma bengala. Surpreendente-
mente muito forte, corn isso provocou uma crise. Nada o fazia mudar de
idéla, e enfureceu-se, quando lhe disse que eu estava preocupado corn o agra- Em duas pacientes corn cancer de mama submetidas a mastectomia, desenvol-
vamento de sua doença. Nessa ocasiá'o, ele negava de todos os rnodos estar Se- veu-se uma sIndrorne urn tanto rara, de ciürnes rnórbidos circunscritos a urn sistema
riarnente doente. Administrei-lhe 5 mg de haloperidol e voltei a vd-lo no dia delirante. Provavelmente, isso ocorre corn major freqüencia de uma forma rnodera-
seguinte. Ele havia arrefecido a certeza da conspiraco e estava aptO a falar. da e pouco divulgada ao ernbaraço e tenso provocados na farnIlia. Os maridos des-
Voltei ao histórico da doenca, ajudando-o a perceber a deterioraço de sua tas duas pacientes sofrerarn muito e os filhos foram envolvidos, indecisos quanto a
satde. Disse-Ihe que a maioria das pessoas nessa situaco - ate mesrno velhos em qual dos pais se podia acreditar.

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Charles e Penny eram quarentôes cujo casamento, embora bern sucedido, no nas visitas do Charles. Quando eu Ihe porguntel quais eram seus ponsarnentos agora,
era considerado perfeito por eles mesmos. Quando urn dos solos de Penny foi eta disse quo ainda queria saber so o marido era fiel ou nab, mas já dava monos irn-
substituido por uma cicatriz desfigurante, foi difIcil para ela acreditar que o portãncia a isso e nab se preocupava tanto assirn. Estava ansiosa por ir para casa,
marido a arnava tanto quanto antes. 0 tratarnento corn esteróides a fez au- pois so sentia muito born fisicamente o achava que nab mais procisava ficar no hospi-
rnentar de peso e a quimioterapia provocou a perda dos seus cabelos. Ela pen- tal. Concondarnos corn uma visita do fim do semana e eta passou muito born, embora
sou que nâo mais era atraente corno antes e sentlu que, inevitavelrnente, 0 ma- nab fosse tab cordial corn o marido corno era onquanto estava na unidade.
rido iria procuraruma satisfaço sexual em outro lugar. Dontro do uma ou duas sernanas todas as conversas sobne o assunto cessararn e
Pendurados no guarda-roupa estavam lindos trajes que no mais the serviam. näo mais retornaram durante o ano do vida que eta ainda teve. Penny foi neadrnitida
Quando a secretária de Charles se queixou no escritório de náo possuir nada vánias vozos a medida quo a doonca progredia e revelou quo no "Intirno" as suspeitas
novo para vestir no feriado, elo achou que seria uma boa idéia dar-Iho urn ou perrnaneciam, mas conseguia livran-se delas, facilmente. Eta so sentia insegura tonge
dois vostidos da esposa, que eram justarnente o tarnanho requerido. Penny do marido, e seus ültirnos dias do vida passou em casa, cuidava pnincipatmente por
achou urn ato muito sensIvel e generoso da parte dele e concordou; mas, a ole. Charles ficou oxausto, tontando dan-the todo 0 cuidado que eta precisava, embo-
partir dal, comecou a ficar intrigada. Se o marido chegava tarde em casa ou ra continuasso trabaihando. A intirnidade forcada do ten do fazer a higieno e vestir-se
no se encontrava no servico, ela suspeitava de que estava tendo urn caso. Al do certa rnaneira tornou o casal mais intirno de urn rnodo novo, o quo trouxe tanto
corneçava a investigar e encontrava "evidências" quo a convenciarn embora alegria quanto tnisteza. Eta monrou em casa, nos braços do marido.
no convencessem a mais ninguérn. Elo nab conseguiu faze-la mudardo idéla,
e as acusaçôes provocavam larnentáveis desentendimentos entre arnbos. Como
ole rnesrno me disse:" 0 pior de tudo é que eu era tentado, mas nab fazia.
Irrita-me o fato de ela näo confiar em rnirn". Ele nab fazia a rnenor idéiade
Reacc5es man Iacas
que o problerna de Penny estava diretamento tigado a doenca. Ela cornecou a
revelar aos amigos suas suspeitas e atguns chegararn a pensar que ela tinha
razao. 0 marido consultou a clinica geral, que nab pôde dar-Ihe muita ajuda.
A hipomania, ou neacão rnan(aca, é rara no paciente terminal, mas quando
Uma noite, depois de uma briga bastante penosa; Penny pegou seu próprio
oconro causa uma devastacão. Ela passa desponcebida nos pnimeiros estégios da
carro e tentou suicldio. Os filhos ouviram a discussâb e o pal ficou muito
doonça, porque a possibilidade de sua existéncia nab é considerada, a rnenos quo o
preocupado corn o efeito que poderia causar neles. Na próxirna vez que ole a
paciente tenha urn histórico anterior de doenca rnanIaco-depressiva.
trouxe para consultar o radioterapeuta, aproveitou para Ihe contar o aconte-
Acontece, seguidarnonte, corno uma roacab aos esterôides e jé que estes so
cido. Entäo Penny foi adrnitida em nossa Unidade, aparentemente para
algurnas investigacöes, mas, na roalidade, para que eu pudesse ye -la. dados, quaso - sempre, a urn paciento corn urn tumor cerebral primánio ou secundá-
rio, o diagnóstico diforencial encontra-se entre os efeitos do própnio tumor, a me-
Escutei o relato de cada urn doles e fiz o diagnostico de ciüme doentio, nab dicacâo e a psicose psicogénica relacionada corn a tensab da doenca. A pronta acab
baseado no fato de o marido negar que estava tendo urn caso extraconjugal, mas geralrnente so faz necessária, para controlar a situaçab, e so justifica a reducab dos
na natureza das "evidéncias" do Penny. Para ela, as rnenores coisas, corno uma man- estenóidos, especiatmonte se o pacionte esté corn uma dosagern muito alta, o o uso
cha na sua roupa ou urn papel do bombom no bolso, eram uma prova absoluta de do haloperidol. Numa pacionto, a hipornania desenvotveu-se lentarnente, duranto v6-
que ele tinha outra rnulhor, provavelmente a secretária. Afinal, nab lho tinha ole da- Has semanas. Ela dormia pouco o parocia compelida a passan a noite cozinhando,
do algumas do suas rnelhores roupas? proyocando desordens na cozinha. Comprou várias noupas caras, encomendou por
Tentei explicar-Ihe que, quando a aparência do uma mulher rnuda e ela so telefone dois bolos do casamento o nab so podia deixá-la sozinha por urn momonto
acha menos atraente, especiatrnente so nab procura soxo freqüentemente, é natural soquer. 0 marido, ternondo quo eta fosse intennada num hospital psiqulétrico e mor-
quo procure saber corno sou marido ostá roagindo. Compartilhoi do seus sentirnentos resse Ia, teritou ocultar o problema e énfrentá-lo sozinho, ficando completamente
o a fiz ontondor que compreenderia o quo so passava corn ela. Entab the disse quo, exausto e desonientado. Neste caso o probtema parocia sen efoito do ostoróido. Logo
algurnas vozos, a suspeita fazia parto da doonca, assim como tarnbérn a dopressab ou quo a dose foi reduzida para metade do nIvel anterior, o haloperidol, que foi usado
a ansiedade. E Ia ostava orn dvida sobre essa idéla, mas, relutanternonte, concordou em inicialmonto, foi suspenso, sem quo acontocesso a volta do estado anormal.
oxporimontar o haloperidol quo eu propunha dar-Ihe, para verificar alguma diforen-
A Sra. G tinha urn tumor rnatigno no cérobro. Quando yelo para a consulta do
ca. Nos próximos dias, ela ainda estava sern vontade do falar sobro o marido, mas
rotina corn seu radioterapeuta, ete decidiu adrniti-la na sua ala, porque o corn-
em soguida ole notou quo Penny estava monos rancorosa corn oleo nab mats fazia per-
portarnonto deja parecia muito estranho e eufórico. Havia poucos dias, ficara
guntas acusatórias. Dontro do duas somanas, ela so cornportava quaso normalmonto,

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tos virnos qua'o dotoroso era-the suportar qualquer tipo de derrota e como era dra-
sabendo seu prognóstico e o marido concluiu que a rnudanca tinha Iigaço
corn isso. Na enfermaria, eta se tornou inexplicavelmente agressiva e lancou mático aceitar a morte, ainda mais agora que encontrara a feticidade, no seu segun-
urn vaso de ptantas na enfermeira, razo pe!a quat fui charnado para ajudá-1a. do casarnento. Eta chorou e quando urn profissional da enfermaria via a intensida-
Ela me falou estar ciente de ter urn tumor no cérebro sem possibitidade de re- de do seu sofrimento perguntava a si mesmo se tinham agido corretamente ao cha-
moco, mas isso no a afetava e ela viveria ate os 88 anos. Disse isso alegre- mar-me. Mas eta podia ser ajudada e o marido ficava junta dela e compartlihavam da
mente, quase exultante, diferente do modo usual de falar, se o paciente está tristeza que, durante meses, ete tinha guardado so para si e que eta tinha evitado. Es-
usando a negacâo. Quando prosseguiu no histórico, eta me fatou sobre uma sé- sa enferma estava consciente do que tinha dito quando delirava e resolveu enfrentar
ne de desastres que recenternente haviam ocorrido corn sua famItia. Sua rnâè a verdade, dispensando a papet de touca. Expticou que sua famitia havia contado
teve cancer e rnorreu em pouco tempo; uma Irma' teve bebé corn cancer e, co- "todas aquetas mentiras" porque pensavam que eta estania muito sozinha sendo a
mo conseqüéncia, vivenia muito pouco. 0 pior de tudo aconteceu corn seu ir- énica corn cancer. Foi errado da parte deles, mas o fizerarn por bondade, disse eta.
mã'o: era da RAF e morrera recentemente, num acidente de helicoptero. Eta Durante a crise man laca eta usou as rnecanisrnos de negaca'o e destocamento.
soube pela televisa'o - embora a famuila negasse que isso fosse verdade, para, Condicionada peta sua personal dade anterior, eta fez corn que as mecanismos apa-
desse modo, poupá-ta de mais preocupacôes. Quando expressel algurna des- recessem nurn quadro de eufonia e na'o de paranOia, que a a mais freqüente. Tanto a
paciente quanta o marido contararn-me que eta enfrentou tudo com suficiente dis-
crenca quanto a possibilidade de tudo isso ter acontecido a uma familia em
tao curto prazo, eta ficou furiosa. Vendo isso decidi, de imediato, rnudar a Ii- posicâo e que nada antes a fez chorar tanto quanta esse episOdio. Nâo ë de causar
nha de conduta. Eta parecia mais amável, quando me contou outras partes dos surpresa que eta se deixasse tevar pelo desespera, antes de expenimentar uma reaca'o
acontecirnentos e concordou em tomar alguns comprirnidos que the prescre- mais adequada, uma reaça'o de tnisteza. Consegula dominar a pesar apenas por atgu-
rnas honas, mas este vottava corn intensidade, de vez em quando, particutarmente no
vi, mais para me agradar do que por necessidade, segundo me pareceu.
momenta em que eta podia falar abertamente corn a famItia sobre a que adiante se
No dia seguinte, eta estava mais cairna e a tensa'o contra a enfermeira dimi-
ptanejava. Dentro de uma sernana seu estado mental chegou perto do normal, a su-
nuiu, mas seus detirios erarn Os rnesrnos. Pediu ao marido certificar-se de que
ficiente para todos cogitarem de sua ida para casa. 0 marido resotveu deixar a servi-
ná'o era mais obrigada a ver o psiquiatra; naqueta tarde, tive urn encontro corn
ço e dedicar, integratmente, a seu tempo aos cuidados deta; pois, obviamente, o tu-
ete para discutirmos o seu pedido. Ete estava raivoso porque eu fora consutta-
mor progredia corn rapidez e ete quenia clan-the todo a amor possivel nas Oltimas se-
do. "0 problema da minha esposa é urn tumor, na'o loucura", disse ele. Pedi
manas de sua vida. Eu nunca fiquei sabendo do final da histónia, pals ete a levou
que me falasse mais sobre a esposa e ete me retatou que eta lutou muito con-
tra várias questes na adolescência e durante seu pnimeiro e infetiz casamento, para uma casa de campo na Escôcia, local favonito deta, onde ete esperava poder,
que eta era uma muiher de grande coragem e determinaçäo e na'o suportava sozinho, cuidar da esposa ate a monte.
contrariedades. Eu especutel que a sua "loucura" se desenvotveu porque eta
na'o pãde suportar a idéla de ter urn tumor sern possibitidade de solucao; en-
tretanto, continuava deterrninada a lutar da maneira a que estava habituada.
0 marido concordou que isso tinha algum sentido. Tentel explicar-the que, H isteria
se uma pessoa nao pode enfrentar a idéla de que algo está the acontecendo, at-
gumas vezes irnagina que isso mesmo está acontecendo corn outra pessoa, em
seu tugar. Ele achou isso mais dificit de aceitar, mas adrnitiu ficar perplexo 0 quadra compteto de uma histenia de conversa'o A incomum nos pacientes
diante do fato de sua esposa ter, repentinarnente, inventado aqueles casos de terminals. Quando acontece, pode ser a resultado de uma combinação de circuns-
sua famulia. De sua parte, n3o sabia como responder, e o restO dos parentes tãncias para a paciente que faz da idéia de estar corn uma doenca terminal urn fato
decidlu na'o visitá-la porque estavam perturbados corn a sua conversa. Eu the intolerável. Para ete, naquete momenta, senia preferIvet ate mesmo urn sintama inca-
disse gentitmente que, se fosse capaz de rnethorá-ta, sua esposa perderia essas pacitante. Urna paciente desse tipo ficou muda, logo após cientificar-se que estava
idéias, mas ficaria muito triste, porque deveria aceitar o fato de estar morren- corn cancer, coma se alga inexpnimIvet estivesse acontecendo enta'o. Outnos pacien-
do. A priric(pio, ete me impedlu de tentar faze-b; mas, após reftetir, entendeu tes desenvolvem sintomas estranhos nas ocasiöes crIticas da sua doenca e, muitas ye-
que se sentiria mais tigado a esposa, se eta estivesse em seu estado normal, zes, sâ'o difIceis de diagnosticar. Como é natural, presume-se que constituem uma
quando poderia confortã-la. compticacao rara da doenca original. A fatta de ansiedade no paciente dA urn indIcio
sernethante a ocorréncia de urn nova sintoma, no rnomento em que isso servinia a
Foi exatarnente a que aconteceu. 0 haloperidol que the del inicialmente tor- urn propósito, coma, por exempto: quando a paciente é considerado pronto para re-
nou-a acessIvel a conversaca'o e eta me contou a verdadeira histôria de sua vida. Jun- ceber alta ou fazer uma visita a sua casa. 0 que nos deixou mais perptexos foi a caso

138 139
do coma histérico: este se apresentou em retrospecto, como se a paciente estivesse
ensaiando sua morte, talvez para ver como seria eta, como a famIlia reagiria e como
nos irlamos tratá-1a. 0 tempo e o tratamento amistoso deixaram claro a nossa viso
que a morte näo era iminente e foram suficientes para solucionar o problema.
Os pacientes terminals portadores de uma personalidade histérica comportam-
se como deveriam em qualquer fase da doenca ou da tenso; seu tratamento no de-
16
ye ser mod ificado somente porque agora eles esto enfrentando a morte. Concordar
com as tentativas manipulativas desse tipo de paciente no os torna mais felizes;
pelo contrário, eles se tornam impopulares e causam muita tensâo naqueles que Os
circundam. Quem cuida dessa classe de paciente consegue ser bastante complacente
A perda do ente querido:
e aceitar o medo e a necessidade que se escondem atrás de seu comportamento.
Muitas vezes, urn enfermeiro e capaz de ajudar o doente a mudar seu proceder, ate
0 tipico pesar
mesmo nesse estágio de sua vida. Urna rnulher que tinha provocado nossa paciéncia,
durante semanas, percebeu que ninguém gostava muito dela e falou sobre isso a urna
das enfermeiras. Esta controlou a fata da paciente em várias ocasiôes, dando-Ihe Ca-
rinho e atenco. Nessa época a enferrneira disse-Ihe calmamente: "Se você se corn-
portasse urn pouquinho meihor, todos nós gostarlarnos muito mais de vocé". Essas
palavras a atingirarn em cheio, provavelrnente porque foram ditas tanto corn amor
quanto corn energia suficiente para a enferma reconhecer sua veracidade. Em con-
seq üência disso, suas ültirnas semanas de vida foram mais fáceis, tanto para eta co-
I ntroduçâo
mo para os dernais.

Ate aqui, neste Iivro, o paciente terminal foi o centro das atençöes. Volta-la-
emos agora para os que sentern sua falta, quando ele desaparece. A menos que a
Uma conclusáo morte sobrevenha inesperadarnente, os dias ou semanas que a antecedem reforçam
a arnizade entre eles. De repente, onde estava alguém existe urn espaço enorrne. Ao
invésde visitas, cuidados, estáo os preparativos para o funeral, marcando o térmi-
no de um vida e o inicio de um nova etapa, para os que ficam. Agora, estes se vol-
A investigaço dos desvios psicológicos que os pacientes podem apresentar, tarn para o que a perda do ente querido lhes impôe: a aceitaço da morte e de sua
ilustrada graficamente no diagrama do cap (tub 9 (Fig. 9.2), agora esté completa. 0 irreversibilidade, bern como tamentar a perda, desfazer os tacos que os uniarn e dei-
fato de os pacientes se encontrarem nessâs condicôes, corn pouco tempo de vida pe- xá-lo partir, de modo que possarn reorganizar as suas vidas e viver sem ele.
Ia frente, n3o impede de alguérn tentar urn tratamento, pois nós temos visto que, via Jä traçamos a carninhada feita pebo paciente terminal, observando seus vários
de regra, pode-se alcancar urn resultado gratificante. Esses desvios podem ser vistos desvios "en route" e concluindo que alguns nâö conseguem atingir o destino psico-
como expedientes para enfrentar a crise da mortalidade: maneira inadequada, cau- lógico e espiritual da aceitacâ'o, antes que a morte aconteça. Para os que sentern a
sando sofrimento desnecessário, mas é o methor que os pacientes podern fazer corn perda, o ponto final de sua jornada e menos pungente; mas, igualrnente sofrem Se 0
seus próprios recursos, devido a circunstãncias peculiares. Aqueles que cuidam dos processo e detido ou se so demasiadamente afastados da rota adequada. Este cap f-
enferrnos prestarn-Ihes melhores serviços, quando se esforçam por cornpreender 0 tulo será dedicado ao sofrirnento caracteristico do pesar; o próxirno abordar6 as
que está acontecendo e, através de drogas ou psicoterapia, ou de ambos, ajudarn-nos complicaçöes que surgem, quando o luto no segue o curso normal.
a encontrar urn carninho de retorno para a aceitaçâ'o da verdade. Nós nascemos mor- A tristeza é urn processo natural, e as pessoas podem superá-la, usando seus
tals e estamos bern equipados para lutar contra a morte ou qualquer rnudanca maior próprios recursos, geralrnente corn a ajuda e o amparo da famIlia e dos amigos. Os
no decurso da vida. Quando a luta enfraquece, significa que algo está interferindo profissionais que estiveram intimamente tigados ao tratamento do paciente termi-
no processo natural. 0 terapeuta tenta ajudar o seu paciente a superar os obstácu- nal desejam continuar o contato corn a familia, por mais algurn tempo, quando
los, de modo que ele possa tranqüilamente atingir sua nova meta que é viver bern, possIvel. Eles sentern o pesar sobre a morte do paciente e a ültirna ajuda que podem
enquanto se está rnorrendo, e morrer bern, quando chegar o momento. prestar é verse as pessoas mais ligadas ao falecido esto seguindo urn processo de lu-

140 141
to normal. Logo, se näo esto normalmente preocupados corn o tratarnento das pes-
0 pesar caracteristico
soas que fazem parte da comunidade do paciente, seu envolvimento terminou. Pelo
menos urn dos interessados no caso - o clInico geral, enfermeira chefe, a assistente
social ou o sacerdote - deveria continuar a agir como uma espécie de monitor, per-
INSENSIBILIDADE E DEscRENcA
rnanecendo como uma figura de apoio a distância se tudo estiver correndo bern, po-
rem pronta a intervir se as necessidades dos parentes e amigos náo estiverern sendo Logo após a morte de urn parente ou amigo muito chegado, e antes que sob me-
satisfeitas.
nha uma crise de tristeza aguda, a pessoa enlutada talvez experirnente urn perIodo
A perda de urn ente querido é uma experiencia desconcertante e, algurnas ye- de indiferenca. lntelectualrnente, ela se conforrna corn 0 que aconteceu, rnas nada
zes, assustadora. A pessoa que nunca passou por isso està inclinada ao ternor de ser sente. Ela e todos que a circundarn podern perceber a incongruência da resposta.
esmagada e necessita de alguem para ajudá-la a suportar sua dor. Essa pessoa, ou yin-
Geralmente, isso dura horas ou dias e no e considerado anormal, a rnenos que per-
do ou falando, tern de ser capaz de fazer os parentes cornpreenderern o que lhes está
sista por mais de duas semanas. Durante esse periodo, tal pessoa continua exercen-
acontecendo e aceitarern isso como normal e inevitável, contanto que, obviamente,
do, norrnalmente, suas tarefas rotineiras; porérn, sente-se perdida e irreal, como se
seja o caso. Se no for, a pessoa que está dando ajuda deve ser capaz de intervir corn
estivesse participando de urn sonho. De vez em quando, urn rnernbro da familia, no
acerto ou estar preparada para encarninhar os parentes desolados a urn tratarnento
qua[ recaern as rnaiores responsabilidades, pode deliberadarnente controlar ou adiar
especializado. Para preencher essas funcôes é fundamental que a pessoa assistente
sua rnágoa, pelo rnenos ate depois do funeral. Ele pode ser solitário por natureza,
esteja farniliarizada corn o processo de pesar. Alérn disso, conhecer as origens e
preferindo larnentar-se sozinho. Desde que ele se permita a oportunidade de agir, o
causas dos sintornas torna a tarefa mais fácil para arnbas as partes. As pessoas
retardo no precisa necessariarnente ter urn efeito adverso. 0 papel de "lutador ex-
precisarn cornpreender a tristeza. Para rnuitos, a ansiedade e a autocensura dimi-
periente" pode ser uma defesa contra o sot rirnento do pesar. Ele será racionalizado,
nuern, quando eles podern dizer a si mesrnos: "Deve ser por isso que estou sentin-
tornando-se por base a ideia de que "alguém tinha de ficar calmo, enquanto Os ou-
do-me desta rnaneira." Por esta razâb a descriçao da tristeza será incluIda neste tros estavarn perturbados", porem tal pessoa pode retardar o pesar por muito tempo
contexto, tornando-se mais cornpreensivel e dando uma razo para ser bern tratada,
corn sérias conseqüéncias. Ele precisa de ajuda para reconhecer que, ernbora seja
quando necessário.
cornpreensIvel o desejo de evitar urn doloroso pesrar, ele representa, contudo, uma
Os colaboradores da fam(Lia enlutada estffo na rnaioria entre os profissionais resposta natural e necessâria ao terrnino de uma relacäo Intima. Qualquer urn que
ligados ao tratarnento do falecido, e tambérn entre pessoas no prof issionais cuja ex-
possa ajudá-lo a iniciar o pesar, talvez incitando-o a relernbrar algurnas lembrancas
periéncia de vida, geralmente suplementada por urn treinamento, equipou-se para
agradáveis do extinto, prestar-lhe-é urn servico.
essa espécie de servico. Este capItulo está escrito como se a pessoa que dá ajuda se- - A descrenca difere da insensibilidade. Esta reacâb ocorre nas prirneiras horas
ja urn medico; porém, muito se adapta, corn pequenas rnodificacôes, a qualquer pes- ou dias, quando a pessoa enlutada diz "Eu no p0550 acreditar", mostrando, desse
soa entre as rnencionadas.
rnodo, que a verdade dolorosa ainda no foi "aceita". Ela tern uma funco proteto-
Qualquer tipo de tristeza, da mais simples a mais grave, deixa a pessoa debili-
ra, pemmitindo que a pessoa disponha de tempo para assirnilar o irnpacto que a atm-
tada. Ate rnesmo quebrar uma xIcara que se está lavando provoca uma resposta giu, corn suas implicaçôes de pesar, de perda e consequentes repercuss6es no seu es-
emocional instantânea, corn interrupçâb da atividade em curso. As conseqüéncias tilo de yida. Pode levar rneses para aceitar a irreversibilidade da morte. Especialrnen-
serâo rnaiores: se a xicara for de estirnaco, talvez urn presente de urn amigo espe- te se antes ocorriarn longas separacöes, a pessoa enlutada presume que o falecido
cial; se foi quebrada deliberadarnente, ou por negligéncia. Esses dois cornponentes está apenas viajando. E, entâo, renova o sofrimento quando, enfim, percebe que
de tristeza, a resposta emocional e a interrupco de uma atividade habitual e nor- nâo haveré volta.
mal, variarn em magnitude e duraçá'o. No existe urn modo fácil de discernir o que e No rnornento em que a pessoa aceita e cornpreende que a morte aconteceu,
normal, o que no e e ate que ponto faz-se necessário algurn tipo de intervenco ou
iniciase o processo de pesar.
tratarnento. Se quiserrnos utilizar a descrico e classificaco da tristeza, baseando-
nos no trabalho de Parkes (1), devernos estruturar o assunto de rnodo que ele se
tome utilizável. As manifestacôes de tristeza encontrarn-se nurna escala ou es-
pectro, desde a resposta imediata a uma xIcara quebrada ate urn colapso na funco, 0 pesar agudo
exigirido hospitalizaco. As divises para uso prético séo inevitavelrnente arbitrárias
e sobrepostas, e isto deve ser lembrado durante todo o tempo.

Quando rnorre urn parenre ou urn amigo Intirno, a pessoa enlutada perde uma
irnagern de fixac5o: alguérn a quern se estava vinculado. 0 vInculo prirnitivo, tipifi-

142 143
perdido ou rnachucado e faz corn que ela, prontarnente, o encontre. Tal fato perrni-
cado pela Iigaco da crianca pequena corn a rnäè, é essencial para a sobrevivência fi-
te a divulgaco do sofrimento, para que os outros venham dar ajuda, e traz aiIvio
sica. A mãe fornece aIirnentaco e seguranca e a interacâo emocional to necessária
que acompanha a expressâo de uma emoço violenta. Nas sociedades e tarn lila onde
ao crescirnento. Quando a pessoa arnadurece, torna-se capaz de cuidar de si mesma,
a Iamentaco ruidosa é inaceitável, a pessoa enlutada tenta refrear a necessidade de
no sentido fIsico, e passa a desempenhar funcöes corno rnembro de uma tarn lila ou
chorar e usa a expressäo tensa e desfigurada de urn pesar sliencioso.
grupo, dentro de umasociedade, onde as tarefas de ailmentar e proporcionar segu-
ranca säb divididas entre várias pessoas, porque ninguérn é cornpletarnente indepen-
A perda de uma figura querida conduz a PROCURA, e as pessoas enlutadas
säo atorrnentadas, muitas vezes, por urn desejo poderoso e irracionai, de tentar en-
dente. 0 viriculo continua, estendendo-se da rnáè ao pal e, tarnbérn, aos irmos.
Mais tarde, urn esposo, fiihos ou amigos substituern, parciai ou cornpietarnente, as contrar aquele que rnorreu. Eias podem ficar perpiexas corn isso, pois sabern que eie
no está au, mas continuarn indo a sua sepuitura, ao seu quarto ou a outros iugares
figuras primitivas e a pessoa iga-se a eles corn uma intensidade que -sodirninui lenta-
merite quando eles vo progredindo na vida. A morte de qualquer uma dessas pes- onde acharn que ele poderia ser encontrado e, repetidarnente, ficam desapontadas.

soas faz surgir urn grupo fundarnental derespostas a separacão. Estas sâb muito p0-
Isso leva a RAIVA por eie ter partido - urn aspecto do pesar que fol ate aqui negli-
derosas e quase irresistiveis, porqufazern parte do nosso equiparnento biológico de genciado por nãs (Fig. 16.1). A definiça'o no dicionário do verbo "privar" * é "rou-
sobrevivência. bar, despojar, especialmente de coisas ná'o materials" e "deixar desoiado". A pessoa

0 recenternente eniutado, geralmente, experirnenta urn DESEJO DE CHO- enlutada sofre a sensaco de uitraje. Ela foi roubada de aiguérn precioso. E rnuito
do que ela esperava para o futuro repentinarnente desapareceu. Tanto quanto a
RAR ALTO. isto së deriva da necessidade de comunicar a màè que seu fiiho está
Iarnentaco em voz aita, a rnanifestacâ'o da raiva pode ser inaceitávei ou considerada
corno infantii. Na rnaioria, as pessoas enlutadas ficam envergonhadas disso e tentam
Suportada sozinha ou Gradualmente escondê-lo. Urna rnulher me falou sobre a raiva que sentia do marido td-la deixado.
Reconhecimento
I dividida dissipada
Ela sabia que ninguém era responsável pela rnorte dele; entretanto, sentia a necessi-
dade de "culpar alguém". Quando estava sozinha, andava em casa, dando pontapes

Self i nas portas. Outra pessoa corn menos "insight" deslocaria sua raiva para aqueles que
11 Autocensura e culpa
estivessem ao seu redor. Os eniutados ficam irritados corn as suas farnIlias e corn
qualquer urn que queira ajudá-ios. Eis o motivo peio qual tentar consolar uma
Alienaçao (se eles näo pessoa enlutada pode ser uma tarefa ingrata; ela so se interessa pela volta do faleci-
Familia
• conseguem aceitar) do, e qualquer tipo de consolo parece inütil. Se as pessoas que estâ'o ao seu redor
compreendem e suportarn isso, a raiva dissipa-se aos poucos. Se os parentes estffo
Acusaçäes que ninguém demasjadamente atingidos, podem afastar-se. Entäo a pessoa enlutáda torria-se
Deslocada
Cu ida alienada, solitária e comeca a pensar que ninguém se interessa por ela. Sente-se (e
muitas vezes o e) negligenciada, e a raiva aumenta mais, adicionada a tristeza.
Muitas vezes, a raiva e dirigida aos profissionais da saüde, ate que justificãvel,
Queixas de negligéncia
Profissionais se houve atraso em encontrar urn diagnOstico ou negiigéricia na escoiha do trata-
(IitIgio)
rnento adequado. Se esta resposta ngo é tratada corn honestidade e corn tolerância,
ela pode levar a queixas corn relaçffo ao tratamento ou, em casos extremos, ao litI-
i
Deus 0 I Perda da fé g io.
As pessoas reiigiosas, freqüentemente, ficam furiosas corn Deus por deixar a
pessoa amada morrer e corn isso podem perder a fé. A no ser que essa reaco tam-
I Depressffo I bern seja compreendida, eias podem afastar-se do clero e dos amigos que poderiarn
dar-Ihes uma grande ajuda. Acontece, freqüentemente, corn outros a perda temporá-
na da sensacâo costumeira da presenca de Deus e uma incapacidade de oral-, que au-
Reprimida menta sua ansiedade.
0 desejo de compreender a morte e/ou encontrar algum responsável faz corn
que a pessoa passe e repasse, na sua rnente, os acontecirnentos que prepararam o ca-
Doença psicossomática
N. T. = 0 verbo em in9Iés é "bereave".
Fig. 16.1 - Raiva natristeza

144 145
minho para isso. Este comportamento também tern a funco de tornar a morte real:
perrnitindo que ela seja "ocultada". Nesse processo, a pessoa recorda exemplos Esta EXCITAçAO e, ern parte, resultado do conflito entre o desejo de procu-
onde deveria ter dito ou feito algo de maneira diferente ou que, de algum rnodo, fe- rar o falecido, como já foi descrito, e urn desejo oposto que 6 evitar o sofrimento de
riu ou preocupou o falecido, e procura saber se, ou ate quanto, ela 6 responsável pe- encontrar algo que atue como uma lernbrança dele. Este cIrculo vicioso é responsá-
Ia morte dele. Quando a raiva e responsável, alguns voltarn-se sobre o SELF, condu- vel pela inquietaco na tristeza, corn sua conseqüente incapacidade de acornodar-se
zindo ao sentirnento de CULPA, que e, comurnente, uma parte da tristeza. e fazer algo construtivo.
Quando nada disso acontece e a raiva 6 reprimida, pode acontecer, mais tarde, Quando a realidade da perda 6 reconhecida de modo crescente, comeca o pe-
uma doenca psicossornética ou o paciente pode aparecer corn uma doenca psiquiá- rIodo de LAM ENTACAO. A pessoa enlutada sente muitas saudades do falecido, fi-
trica aparenternente no relacionada a este cIrculo; mais comumente a depresso. ca preocupada corn os conceitos dele e quase dorninada por ondas de tristeza: as
A ANSIEDADE é urn traco caracteristico da tristeza aguda. Faz parte da rea- charnadas pontadas de pesar. Elas duram de alguns minutos ate uma hora e voltam
co de atarrne e perda de uma figura querida e 6 tarnbérn o resultado da inseguranca várias vezes durante o dia, especiairnente quando ocorrern votos de condoléncias,
que se segue, quando os padr6es habituais da atividade sâo rompidos. Nosso senso urn encontro inesperado ou aigurn acontecirnento faz lernbrar a perda. As pontadas
de segurança deriva-se, em parte, da capacidade de realizar as tarefas do cotidiano, sâo intensas e freqüentes nas duas prirneiras sernanas, e entâo, aos poucos come-
onde determinado estIrnulo provoca uma resposta previsIvel: S R. Quando isso cam a diminuir. As SENSACOES CORPORAlS e reacôes so enorrnes devido a su-
no acontece, ficamos momentanearnente desconcertados ou mais doentes. Assim, perativiclade do sisterna nervoso autônorno. A respiraçéb torna a forma de urn sus-
durante 12 anos o som da campainha de riossa porta foi seguido de urn latido entu- piro profundo. Perde-se o apetite e as funçôes intestinais ficam perturbadas, resul-
siástico. Urn dia, nosso cachorro rnorre, a carnpainha toca, seguindo-se urn grande tando em diarréia, enquanto a ansiedade é muito intensa, e mais tarde ern constipa-
silêncio... Isto nos faz lernbrar que ela se foi: S ' P. Várias vezes durante o dia, a ço, quando surge a depressâo. Tarnbérn sâo cornuns outros distürbios digestivos e,
pessoa enlutada passa por experiéncias como essa, que perturbam sua rotina, se o falecido sofria de problernas gastrointestinais, o enlutado pode comecar a achar
fazendo corn que ela se sinta perdida e por firn esgotada. Muito do que se estava que ele está sofrendo do rnesrno problerna, especialmente quando e cornum a perda
acostumado a fazer foi iniciado pelo outro ou feito para ele ou ela, de repente aque- de peso. De rnodo similar, as palpitacôes que freqüenternente acornpanharn a an-
Ia pessoa no existe mais. A rotina foi quebrada e torna seu lugar uma excitaco sern siedade podern ser mal interpretadas como uma evidéncia de doença card Iaca, espe-
sentido ou uma inatividade terrIvel, ate que corn o tempo surja uma nova rotina cialrnente se esta foi a causa da morte do paciente. Partindo destas ilustracôes, fica
(Fig. 16.2). fácil de ver como as HIPOCONDRIAS PASSAGElRASpodemjepresentar uma rea-
ço normal a perda. A insOnia 6 cornurn, corn inquietaçâo tanto de dia quanto a noi-
te, seguida na fase mais depressiva por uma sensaçâo de FADIGA MUITO GRAN-
DE. Salienta-se que, se o paciente foi cuidado em casa e seus parentes estiveram vigi-
Sensacão de perda lantes durante muitos dias e noites, essa vigilância no cessa corn a morte. Eles dor-
mem interrnitentemente e, nos seus sonhos, parece-Ihes ouvir o paciente chamar.
A SENSAçAO DE QUE 0 MORTO ESTA PRESENTE 6 cornum nos primei-
ros estégios do pesar e pode ser considerada como urna tentativa da psique para rni-
tigar a sensaço de perda. Esta sensaço de presença pode ser confortante e a pessoa
entutada pode falar corn o morto e sentir, como se soubesse a resposta que obteria.
. evitando
procurando
Confl Ito E normal, tarnbém, ouvir a sua voz, embora seja rnenos cornurn. Confundir sons
lembrancas Iembranças
corn os sons dos seus passos ou ver por alguns rninutos sua face no meio da multi-
dâo 6 seuido do desapontamento, quando a pessoa compreende que, realrnente, o
ser querido no está mais aqui. Acontecem, tarnbém, verdadeiras ALUCI NAcOES,
e dever-se-ia assegurar a pessoa enlutada que estas sáo norrnais e no urn sinai de
Pesar insanidade iminente.
quando elas são Pode acontecet-, igualrnente, a pessoa assumiras ATITUDES E MANEI-
encontradas
RISMOS DO FALECIDO, o que pode ser visto como a maneira de certificar-se,
Fig. 16.2 - Excitaço na tristeza aguda. através da identificacão corn o desaparecido, que ele no está perdido cornple-
tamente. A persisténcia de sintornas daquilo que o outro sofria no faz parte de urn
sentirnento normal de pesar, ernbora a sua trarisitoriedade requeira apenas reafirma-
çoes.
146
Gradualmente, os sintornas de uma tristeza aguda começam a desaparecer Fig. 16.3. Quando vocês se conhecerarn, disse-Ihe, eram dois indivIduos separados
corn os rituals do funeral, a necessidade de dispor das posses do falecido e cuidar (1) corn o passar dos anos, corn rnuitos altos e baixos, vocês, aos poucos, ajustararn-
dos seus negOcios inacabados, tudo isto ajuda a pessoa a convencer-se de que ele se urn ao outro, ficando unidos (2 e 3). Ento ele rnorreu (4) e você foi abandonada
realmente se foi. Desta maneira, a ansiedade e as pontadas de tristeza tornam-se de uma forma muito dolorosa (5), corn "feridas" superficlais que antes estavarn liga-
menos intensas e, em seu lugar, surgem a depressäb e o desespero que caracterizam das a ele. A cura do processo de pesar virá, quando você passar do (5) para o (6) e
0 pesar. tornar-se, novamente, uma pessoa cornpleta. Note que vocé ficará major do que
quando começou (1) e assumirá algumas das caracterIsticas de seu marido. Por
exemplo: ele foi sempre o disciplinador e vocë a consoladora das criancas; agora vo-
cé tern de acumular as duas tarefas. Vocé fazia a costura e ele consertava o carro,
Depressã'o e desespero agora vocé fará pelos dois... Estas so as grandes mudancas pelas quais vocé tern de
passar. Do estágio (1) para o (3) eva-se muitos anos, mas a transicâb do (5) para o
(6) acontece em alguns meses. Portarfto, vocé no deve surpreender-se 6b achar isto
Durante esta fase, a pessoa enlutada pode sentir-se d daeapátjca. Ela muito cansativo e, algurnas vezes, querer evitá-lo.
perde seu senso de objetividade e continua corn a rotina essencial, para viver sem Os desenhos irnediatamente fizeram sentido para eta. Eu os tenho usado, des-
nenhum interesse ou prazer. Tende a afastar-se dos outros, especialmente se fa- de entáo, para outras pessoas. Eles servem para ilustrar, por que as coisas vo mal se,
zem-na lembrar-se do falecido. Todos os dias parecern iguais e ela no ye qualquer num estagio, (5) a pessoa procura urn substituto para rnitigar a tristeza. Por exern-
perspectiva de mudança. Tntar confortá-la no a ajuda muito e aqueles que cuidarn plo, quando uma mulher que aborta corn facilidade comeca urnanova gravidez;
dela devem esperar pacienciosamente, fazendo-the companhia mas näo forcando-a pals que perderarn urn filho adotarn logo urn outro; urn adolescente enlutado casa
demais, ate que Se percebam os primeiros sinais de que ela está recuperando-se. isso corn urn substituto paterno; ou o vicivo ou viüva casa novamente, logo em seguida.
pode levar meses. Entäo, para sua surpresa, ela comeca a sentir-se rrielhor. Aceita Inevitavelmente, uma tntativa 6 feita para colocar uma nova pessoa no espaco del-
corn prazer urn convite para sair e no vai somente para agradar a pessoa que a con- xado pelo falecido. Isso é prejudicial para todos. preferIve) esperar ate que
vidou. Decidecornprar algo novo ou redecorar uma peca da casa. Está terminando o estágio (6) seja atingido, possibilitando urn relacionamento cornpletarnente novo.
seu trabalho de pesar e essa pessoa (hornern ou rnulher) agora está a carninho de
obter uma nova identidade e urn novo estilo de vida.
0 TRABALHO DO PESAR e urn termo para a atividade, tanto nos processos
óbvios do luto quanto no reajustamento intrapsiquico, que 6 indispensável para a Resoluçäo
soluc3o do problema. Urna de rninhas pacientes, cujo marido tinha-Ihe pedido que
näo sofresse por causa dele, queria obedecer a sua determinaco e continuar agindo
como se nada tivesse acontecido. desnecessário dizer que ela no estava bern. Para Algurnas pessoas precisam de ajuda para dar ini'cio ao pesar; outras precisam
explicar-Ihe por que era necessário passar pelo estágio de pesar, usel o diagrama da de ajuda para parar. Elas sentern que, de algurn modo, serâo desleals aos falecidos
se começarem a-d'esfrutar a vida novamente, e podern responder a urn rernanescente
que n5o querem continuar em perpétuo sentimento de pesar Outras pessoas perma-
necem enclausuradas no afastamento causado pelo pesar, porque, embora sotitárias
Uma Iigaço crescente Separaço Trabatho de pesar e desoladas, isto as protege da tenso do ajustamento a urn novo papel. e preciso
(1) • (2) (3) (4) (5) (6) coragem a urn indivIduo para fazer assumir uma nova vida social sozinho, aceitar o
"status" bern diferente de viCvo ou pal solteiro. Os sentimentos de ansiedade e

00-GO - -©
inseguranca desaparecem sornente aos poucos, para dar lugar a corifianca. Este
processo de comecar de novo pode ser facilitado corn a ajuda e a arnizade de outros
que já tenharn passado por uma experiência similar, tanto informatmente como por
intermédio de uma organizaco, tat como a Cruse. Na maioria, as pessoas enlutadas
Vários anos Moses
I I I permanecerãb sempre sozinhas, pois acham impossIvel encontrar urn outro relacio-,
namento que substitua 0 que perderam. Outros viüvos ou viüvas desenvolvem novas
Fig. 16.3 - processo de pesar
maneiras semelhantes ao antigo relacionamento, ainda que satisfazendo muitas
necessidades mttuas. Todavia, inibindo urn indivIduo enlutado de atingir seu po-
tencial total. Quando a sua tristeza passa, ele se comporta como alguem livre e se
surpreende- e a seus amigos quando descobre novos interesses ou retorna as ativida-
des que, ha muito tempo, tinha abandonado, devido a exigência de ter de cuidar de
uma farnilia. Para alguns, a descoberta de que ele pode sobreviver e ate mesmo
17
desenvolver-se, embora tenha passado por uma grande perda, fortifica seu carater e
dá condices para que viva corn mais tranqüihdade do que antes. Esse seria o
resultado ideal, mas existem muitas complicacôes e obstáculos ate o processo de pe-
sar terminar. 0 reconhecimento disso é importante, quando intervencöes oportunas
A perda do ente querido:
podem aliviar urn pouco do sofrimento e permitir que o processo se movirnente de
novo mais próxirno da resolucâb. pesar complicado
RE FE RE NCIA

1. Parkes C. M. (1972) - Bereavement. Harmondsworth: Penguin.

As complicacôes do pesar recaem em dois grupos: as variantes do processo tI-


pico jé descrito, onde o sentimento de pesar é adiado, inibido ou prolongado; e os
problemas que acompanham a reaco de pesar, obscurecendo ou substituindo-o par-
cialmente.

0 pesar adiado

Chamamos de pesar adiado, quando trariscorrem mais de duas semanas antes


do começo do pesar. 0 processo pode ter in(cio, mesmo muitos anos mais tarde,
por ocasiâo de uma outra perda. Uma paciente, encaminhada porque "tinha-se des-
moronado" quando seu co rnorreu, ficou surpresa corn a gravidade da sua reaco.
No histôrico apareceu a falta de lamentos pela morte do pai e da mae, dois e trés
anos antes. Quando foi ajudada a reconhecer a ligaco entre seus sentimentos atuais
e a morte deles, ficou preocupada corn estes ültimos e deu inIclo a urn tIpico luto
por eles. 0 pesar que foi adiado é provavelrnente mais grave e torna urna forma crô-
nica, quando encontra urn modo de expresso.

0 pesar inibido

No pesar inibido a pessoa parece rnuito afetada por uma perda rnaior e a con-
figuraco de urn pesartIpico nuncaaparece. lsto ocorre nas criancas rnuito pequenas e

151
--
a evidéncia sugere, nesses casos, a possibilidade de ocorrer doenca psiquiátrica no
futuro. Nos idosos, a perda parece no perturbar tanto quanto nos de idade inferior dos urn corn outro" (B) sofre muito mais quando acontece a separacâo. Aquelas mu-
a 65 anos. Eles parecem estar menos intensarnente envolvidos nos relacionamentos, Iheres cujo interesse está investido quase inteirarnente em seus esposos e/ou filhos,
e mais retraidos, o que talvez faca parte da preparaço natural para perda e morte est5o de rnodo particular inclinadas a urn pesar mais grave. 0 relacionamento entre
na velhice. a me e o filho pequeno tarnbérn é sernelhante (B). Urn casal tipo (A) pode tornar-
Algumas pessoas cujo pesar foi inibido ou adiado reagem muito bern. Elas p0- se urn casal tipo (B) durante uma doenca terminal, especialrnente se a enferma está
dem desenvolver urn estilo de vida destinado a evitar lernbrancas do morto. Outra sendo cuidada em casa e o esposo dedica-se aos trabalhos de enferrnagern. Estes in-
prova de que nern tudo está bern pode ser irritabilidade e hiperatividade, que nâo teresses exteriores sero colocados de lado, e quase todo o tempo dedicado a pa-
so satisfatórias nem construtivas. Outros apresentam sintomas psiquiátricos, a ciente. Depois da morte, o esposo nos prirneiros tempos sente-se cornpletamente
depresso sendo o rnaisçomum; sua ligaco corn a recente perda pode passar perdido, mas torna-se mais conformado ao lembrar que tudo que era possIvel
despercebida pelo paciente e pelo medico. As drogas psicotrópicas geralmente nào para salvá-la foi realizado.
so eficazes nestes casos e o mais indicado é o tratamento através da técnica para Após urn perIodo de intensa tristeza e esgotarnento, os hornens assirn atingi-
orientar o luto. Aqui ha necessidade de explicar ao paciente o trabalho do pesar e dos podern ter uma boa recuperaco.
instá-lo a perrnitir-se pensar na pessoa falecida, por mais dolorosa que seja. Ele e
encorajado a trazer para as sesses de terapia as fotografias e outras lernbrancas do

G
morto ou da rnorta, e a rever os acontecirnentos que levaram essa pessoa a morte.
Alguns clientes revelam uma idealizaco da pessoa falecida, o que representa uma
defesa contra a raiva que sentern por ela td-los abandonado. lsso precisa vir a tona e Profundamente envotvido mas corn
muitos outros interesses e/ou
encontrar expresso. 0 apoio de urn relacionamento transferencial muito forte corn
o terapeuta ajuda-os a superarem o processo. As pesquisas rnostram que os doentes
reagem melhor quando envolvem também outros membros da famIlia. (A) -

0 pesar crönico

Completamente envolvido urn


Näo existe uma resposta objetiva para a questäo do tempo necessario para su- corn o outro
perar uma grande perda, pois o processo é gradual. Embora no pesar tipico as pon-
tadas observadas no estágio agudo tornern-se menos freqüentes ern algurnas serna-
nas, elas voltam corn uma forca surpreendente quando alguma recordaço especial
(B)
do falecido d encontrada. 0 prirneiro Natal sozinho, aniversários, inclusive o da mor-
te, SO freqüenternente rnarcados pelo ressurgirnento temporário da tristeza. A pro- Fig. 17.1 - Variedades do relacionamento.
penso de consultas ao gabinete do clinico-geral aurnenta por ocasio do aniversá-
rio, e o paciente muito aprecia se o medico pode recordar e compartilhar as em-
brancas do que aconteceu no ano anterior. A morte de urn dos pais, quando idosos, geralmente näo causa urn distürbio
0 pesar crônico nâo somente vai além do tempo esperado, mas também, de de proporcöes, a menos que o filho adulto e solteiro tenha dedicado sua vida a me
rnodo geral, é assaz grave. 0 paciente apresenta muito dos traços de perda recente, ou ao pai. A morte de urn filho crescido é uma das mais traumáticas, especialrnente
ernbora o fato tenha transcorrido ha muitos anos. Urn determinante notável a res- quando e repentina e inesperada, sendo em ambas o pesar mais prolongado, talvez
peito desse fato é a natureza do relacionamento corn o morto. A figura 17.1 amplia devido a sensaco de indignac5o que acompanha tais tragédias. Quando 0 relaciona-
o. esboco do capItulo anterior (Fig. 16.3). Os cônjuges (1) embora profundarnente mento é arnbivalente, inseguro, mas corn uma ligaçâo muito intensa, ha os residuos
envolvidos urn corn o outro tern diversos interesses que não foram compartilhados. de raiva e culpa que retardarn a soluc'o. Em todos esses exemplos, devemos pacien-
Portanto, muito de sua "face exterior" não foi exposta corn a perda. Por outro lado, temente ajudar a pessoa a repassar os acontecirnentos e revisar 0 relacionamento, su-
o sobrevivente de urn relacionamento onde eles estavam "completarnente envolvi- perando gradualmente as defesas para mostrar os aspectos mais negativos e fazen-
do-a por firn aceitar o acontecimento e deixar o passado para trás.
152
153
0 pesar prolongado, de vez em quando, é por si mesmo uma detesa contra ou-
Os distürbios afetivos
tro problerna mais difIciI de enfrentar. Uma vitva se convenceu de que nunca supe-
raria a morte do marido e nenhum processo conseguimos, atravésda larnentacäodiri-
gida. Ela no queria reconhecer a sua ligaco intensa e possessiva pelo filho solteiro,
No e de causar surpresa, em alguns casos, que a DEPRESSAO associada ao
que no a deixaria enquanto ela estivesse naquele estado. F as tentativas de confron-
pesar tIpico atinja formas mais graves. Nesses casos, pode-se chegar ao risco de sui-
ta-Ia corn este fato resultaram no seu afastarnento da terapia.
cidio. As idéias suicidas, muitas vezes, sâb uma rnanifestacâo do desejo de unir-se ao
falecido e isto pode ser tolerado e elaborado corn ajuda. Para outros pacientes, a vi-
da realmente parece no valer a pena, ou aparecem idéias delirantes de culpa ou de
rnalvadéz. Isso deve ser levado a s6rio e levada em consideraco a internacâb nurn
As reaçôes psicossomáticas hospital, especialmente se o paciente vive sozinho.
A MANIA, aparecendo pela primeira vez logo após uma grande perda, é me-
nos cornurn, mas pode ocorrer. cornpreensIvel que, de vez em quando, se encon-
tre uma resposta eufórica. Urna mu her solteira, que dedicou vários anos de sua vida
0 pesar nunca e limitado pela psiqué. As manifestacôes corporais do pesar tI-
cuidando de sua mäè idosa e inválida, quis aproveitar todo tipo de diversôes, depois
pico já foram descritas. Ha tambérn uma morbidez enorme originária das condi-
da morte da mae. Ela chegou perto da hipornania mas depois caiu nurna depressao e
côes relacionadas corn a tenso. Os ataques de colite ulcerativa, P01 exernplo, p0-
nurn pesar mais tIpico. Outros pacientes "chegam ao lirnite" necessitando de uma
dem coincidir ou estar intimarnente ligados corn a perda do ente querido. De forma
adrnissao em hospital, quase sempre forcados, pois nao fazem idéia de que ha algo
igual aurnentarn nessas pessoas recentemente enlutadas. Durante os prirneiros seis
de errado corn eles. -
meses depois da morte da esposa, os vicivos acirna de 54 anos apresentarn urn
aumento de 40% no Indice de morte sobre seus companheiros casados, sendo a
maioria desses casos devidas as doencas card iovasculares. Os pacientes submetern-se
a cirurgia, na maioria das vezes. No prirneiro ano esse aurnento na freqüência a
consultas representa mais do que poderia ser computado para as queixas corn 0 tratamento
relaçâo aos "nervos" ou procura de sedativos.

JA foi mencionada várias vezes a maneira de tratar uma perda e podemos resu-
mir desta forma: o hornem que perdeu recentemente uma pessoa querida precisa da
Os problemas psiconeuróticos ajuda de urn born ouvinte, que o tolerará, enquanto ele passar em revista os aconte-
cirnentos, as tristezas; quando sentir raiva e tentar compreender o que está aconte-
cendo corn ele. Quando o que ele experirnenta é normal, precisa apenas de uma rea-
firmaco; quando nao 0 6, precisa de tratarnento. A fam(lia e os amigos quase sem-
Como se sabe, so caracterIsticas aqui as hipocondrias. Quando passageiras,
pre dão a assisténcia necessária durante os funerals e, talvez, por algumas semanas
fazern parte do pesar tIpico; mas se persistentes, indicarn a necessidade de uma aju-
mais. Contados muitos exernplos, a atenco entâ'o decresce e todos supöern que 0
da maior. Quando urn paciente é deixado sozinho para educar uma jovern farnIlia,
amigo ou parente vab recuperar-se. Na maioria das vezes, ele nao consegue e ento
uma preocupaco mu Ito grande corn sua satde 6 uma conseqüência da ansiedade em
uma ajuda continua de urn estranho é valorizada. Os que estao socialmente isolados
que viverá sobre quern assumiria as tarefas se ele ou ela adoecessern. Sentir os sinto-
e aqueles cujo processo de pesar é complicado precisam de uma ajuda major e mais
mas da moléstia do falecido é urn fenOrneno de identificacâo, observado, sobretudo,
demorada.
no pesar crônico, ou urn substituto parcial do pesar. Muitas vezes, mostrar o que es-
As criancas que perdem urn dos pals precisarn de cuidados especIficos. Pois,
t6 acontecendo ajuda o paciente a perder os sintomas, evitando-se uma investigaco
muitas vezes, o cOnjuge sobrevivente está täo triste que, ternporariamente, nao con-
mais minuciosa. As FOB [AS sao, corn efeito, urn ref lexo de inseguranca e cornpre-
segue dar o auxIlio adequado a crianca. Pode, além disso, ocorrer uma queda nas fi-
endidas mais facilmente, quando estäo relacionadas corn doencas, rnicróbios e mor-
te. 0 ALCOOLISMO pode aparecer pela primeira vez corno resultado de uma tenta- nancas sendo necessário mudar de casa e/ou de escola, separando a crianca dos ami-
gos ou de urn professor familiarizado. A cornbinaco dessas m(iltiplas perdas pode
tiva de conseguir al(vio do pesar, ou pode agravar-se nas pessoas nas pessoas já vicia-
torná-la tremendamente traumática para a crianca, e ao pai que fica, deveria ser da-
das.
da toda ajuda possivel para reduzir essas perdas ao mInirno.

154
Na tristeza tIpica, Os sedativos e os antidepressivos näo sáo importantes, em-
bora possa ser adequado ministrar urn sedativo a noite para urna pessoa que está
exausta devido ao cuidado e a vigIlia prolongada, para ela se recuperar urn pouco,
antes do funeral. 5 proveitoso que haja alguérn fazendo companhia a pessoa desola-
da, alguém capaz de tornar quase todas as providências necessárias, pois ela fala e
chora muito nas prirneiras noites, e isso é muito cansativo.
Mais tarde, se a depresso persiste e é incapacitante, os antidepressivos ocaslo-
nalmente ajudam. Mesmo assim, eles nâ'o eliminam a necessidade de elaboraco, urn
processo que pode ser facilitado por alguérn experimentado ern aconselhar tais pa-
cientes.
Os profissionais diante da morte
A perda de urna pessoa querida e, fundarnentalrnente, urna experincia de rnu-
danca e ajustamento, que traz consigo urn sofrirnento bern grande, mas tarnbérn for-
cas para a arnadurecirnento das pessoas. A principal tarefa do consultor, terapeuta
ou amigo é dar o melhor de si para conseguir o melhor resultado possIvel.

Ms-escrito

A major parte das pessoas preocupa-se profundamente corn a morte poucas


vezes em suas vidas. Porérn, ela é urn acontecimento irnportante; o tempo e o espa-
Oleitor pode estar urn tanto surpreso por encontrar 15 capItulos sobre a mor-
ço sao, ou deveriarn ser, dados para se acosturnarem corn eta. 0 que acontece aos
te e apenas dois sobre o luto. Isto n3o quer dizer que existe pouco a ser escrito so-
profissionais? Eles podem estar enfrentando urna morte após a outra, especialrnente
bre a perda; ao contrário, é que muito já foi escrito e alguns artigos so muito bons.
se trabalharn em urn hospIcio ou hospital; ou pelo menos várias vezes por ano se fo-
A rnedicina, por muito tempo, deu maior atenco ao sentimento de pesar do que ao
rern clInicos gerais ou enferrneiros. Podern estar perdendo pessoas conhecidas de ha
tratarnento do paciente terminal. Atingimos urn estágio onde a rnaioria dos conheci-
muito tempo, o que Ihes provocará muita tristeza. Que efeito nos causa esta exposi-
mentos que possuImos sobre o pesar e a perda podem ser configurados em padröes
ço anorrnal a morte e corno a enfrentarnos?
valorizados por qualquer tipo de pessoa. William Worden apresenta esta matéria
Qualquer contato corn uma pessoa terminal inevitavetrnente despertauma
-muito bern no seu Iivro intitulado GRIEF COUNSELLING AND GRIEF THERA-
resposta especIfica.- Tanto faz aceitá-la e elaborá-la ou tentar reprirni-la, eta leva a
PY (1). Abordar novarnente o assunto seria copiar o seu trabalho e é por isso que Os
tensâ'o, provocando fadiga, atividade exagerada, irritabilidade e outros problernas.
capItulos 16 e 17 oferecem apenas urn breve resurno corn algurnas arnpliacöes da-
Isso pode, eventuatrnente, prejudicar a eficléncia no trabalho e pode, também, inter-
quelas areas onde a rninha própria experiéncia e conhecirnento podem acrescentar
ferir na vida pessoal e familiar.
urna contribuiço extra.
- Aqui e all neste livro falarnos sobre rnecanisrnos mentais e defesas. Eles nâo
sâo prerrogativas dos pacientes, sé'o corno facas de dois gumes na vida diana. Corre-
tarnente usados e cornpreendidos, eles contribuern para nossa adaptaço e melhor
RE FE RE NC IA
proteco; rnas, quando excessiva ou negativamente usados, quando a aceitacäo e ela-
1. WORDEN, W. J. (1983) Grief Counselling And Grief Therapy. London:Tavistock. boraco seniam rnais produtivos, eles funcionam em nosso prejuIzo.
Urn desses ,recursos é a IDENTIFICAçAO, que é usada na sua forma rnais
simples ao se cornecar urn conselho corn a expresso familiar "Se eu fosse você"...
Coloquerno-nos, imaginativamente, no lugarde outra pessoa, agucando a sensibilida-
de as suas necessidades, para ajudé-la na melhor decisâ'o para ela. Isso pode levar a
serbs enganos, se n5o consideramos o fato de que "eu no sou você" e de que nun-
ca saberemos, completamente, corno seria a outra pessoa. A identificacäo passa dos
limites, quando o profissional que esté trätando do caso cessa de perceber que esté

157
fazendo uso dela e comeca a pensar e sentir como a pessoa por quem está preocupa-
transmitiu foi sua retutância em fazer frente a seriedade do prognOstico. Da mesma
do. Dessa maneira, ele flea sobrecarregado pela emoco que, por direito, nab Ihe maneira, quando os medicos, fazendo a visita rotineira, passam peto teito e nab dab
pertence e torna-se menos eficiente para cooperar.
mais do que urn cumprimento indiferente, deixam a sensacab, para o paciente an-
"Duas fam(lias vizinhas tinham filhas da mesma idade; uma delas foi morta
sioso, de que nab ha mais nada que se possa fazer por ele.
nurn acidente, quando passeava de carro corn umas amigas. A me da moca vizinha Os medicos nab säo os Onicos que se utilizam dessa espécie de fuga. Cada pro-
imaginava como ela se sentiria se o acidente tivesse acontecido corn sua filha e, por fissional tern sua maneira própria de reagir. As enfermeiras podem sustentar uma
alguns dias, nab Ihe permitlu que saIsse de carro. A ansiedade dessa me foi tab brusca ategria a tim de "manter uma atmosfera ategre na sua enfermaria". Os assis-
grande, oprimindo-a de tal maneira, que ela näo conseguiu encarar a enlutada vizi- tentes socials podem concentrar-se exciusivamente na solucao dos problemas práti-
nha e, portanto, nab pôde prestar-Ihe nenhum auxilio." cos. Os padres fazem as suas oracOes habituais e contam novidades alegres sobre a
Medicos e enfermeiras, da mesma forma, identificam pacientes corn parentes e paróquia. Todos, de uma maneira ou de outra, estab muito ocupados para ficar mais
muitas vezes cornecarn a cuidar de urn deles como Se fosse, por exemplo, seu pro- tempo corn o paciente terminal. A causa direta desses ou de outros comportamen-
prio pal ou filho. Isso pode torrid-los particularmente sensIveis e atericiosos, mas Os tos similares pode ser o despreparo e desconsideracab, mas o motivo inconsciente é
conduz ao risco de urn superenvolvimento prejudicial. Tais como aqueles que assu- defensivo, servindo para poupar o profissional da ansiedade. Nós cuidamos methor
mern o desempenho de urn papel no firn precisarn renunciar a ele, também o profis- dos pacientes terminais na medida em que nos permitimos contemplar nossa própria
sional necessita livrar-se desse tipo de identificaçâb. Por mais artificial que possa pa- mortalidade, e, portanto, nab precisando fugir da mortalidade dos outros.
recer, é Otil ao profissional reconhecer o que está acontecendo e certificar-se de que O uso inadequado do mecanismo de GENERALIZAçAO representa outro
o paciente nab é urn seu parente; que ele esté rnudando sua responsabilidade corn o problema ante a equipe. Para o psicálogo comportamental este termo significa que
paciente que é apenas cuidar dele e que os interesses e preócupacOes pessoals estab algo aprendido numa determinada situacab seré entab aceito e aplicado mais ampla-
presentes ern outro lugar. E importante para quern trabaiha nesse setor ter interesses mente. lsth pode representar uma vantagem na psicoterapia, quando, por exemplo,
variados e intensos, completarnente separados da sua vida profissional. Quanto mais urn paciente muito tIrnido descobre, pela primeira vez, que pode ser agressivo corn
uma pessoa aprende a livrar-se de suas preocupacöes corn pacientes, quando nab estã o terapeuta e, logo em seguida, reage da mesma forma corn sua me dominadora.
trabaihando, mais freqüente e profundamente ela poderá envolver-se corn estes - Seu uso é prejudicial quando aplicado fora dos limites adequados. Tat acontece corn
tanto para o enriquecimento de urn quanto de outro. A alternativa de enfrentar - aqueles medicos ou enfermeiras que obtêm reputacao de maus pacientes, porquanto
por interrnédio da negacao e repressab ou tornando-se "durab" - pode ser, no final, ficam excessivamente ansiosos quando doentes. Isso 6 compreensivet, por exemplo,
mais cara e rnenos recompensadora. para a equipe hospitatar. Eta trabalha nurn ambiente onde, via de regra, as condiçôes
0 que faz corn que alguns medicos permanecarn reservados é a consciéncia fIsicas dos pacientes piorarn e quase todos morrem. Isso os deixa condicionados,
dos perigos de urn envolvirnento muito forte. E claro que este meio de preservar urn pois, ao que testernunham em seu rector. 0 tempo todo impressiona mais do que sa-
isolarnento profissional nega ao paciente urn ingrediente fundamental no tratarnen- bern em teoria. "Ver para crer" é a expressâ'o coloqulal para isso. A experléncia na
to: o born relacionamento médico-paciente. Na rninha pesquisa, os pacientes quei- equipe hospitalar ensina que, geralmente, a dor 6 provocada pelo cancer e que este
xarn-se muito corn relacab a defesa dos rnédicos, na area da comunicacab. Para mui- eva a morte. Quando estab doentes ou urn parente muito próximo descobre ter urn
tos, isso representa uma falta de interesse ou ate mesmo uma insensibilidade desuma- tumor, é comum experimentarem uma ansiedade exagerada e perderem de vista as
na ou indolência. Em alguns exemplos, isso pode serverdadeiro; mas, em outros, o coisas que conhecem muito bern: que o cancer é apenas uma das muitas causas para
medico pode comportar-se desta maneira para disfarcar a sua ansiedade e sensacab a dor, que nem todos os tumores séo cancer e que nem todos que tém cancer morre-
de desamparo, ou sua raiva inconsciente por se perturbar corn o sofrirnento do en- rab. A ansiedade origina-se da experiência, esta profundarnente enraizada e nab é
fermo. Ao falar corn pacientes corn doenca terminal, alguns medicos, para evitar o muito sensIvel a reafirmacao isolada. A ansiedade pode ser eficazmente reduzida a
sofrimento de encará-la como urn assunto pessoal,fazern uso da racionalizacab (os pa- urn nIvel mais tolerável alcancando insight de modo que a generalizaçab desta ocor-
cientes realmente néb querem saber...) intelectualizacab (falando sobre rnatérias ra tanto no seu trabalho quanto na sua vida pessoat.
teóricas tais como tempo de sobrevivência ou percentagem de curas). As vezes falam 0 medo da morte faz parte do equipamento psicotógico para preservar a vida,
a verdade abruptamente e saem logo em seguida, ou delegam a outra pessoa a sua ta- tevando as pessoas a evitarem a quem amam. Resumindo, o medo é incOmodo e leva
refa. Urn medico bern intencionado pode dedicat--se adequadamente e, mesmo assim, a evitar as situacôes onde eta está presente. A compaixao (e muitas vezes outros mo-
néb satisfazer as necessidades do seu paciente. Françoise (veja CapItulo I) contou- tivos) faz corn que as pessoas cuidem do paciente terminal apesar do seus medos,
me como o cirurgiab sentou-se a seu lado e, demoradamente, falou-lhe sobre estatIs- e aprendam a dominar aqueta parte do seu ser que, normatmente, rejeitaria isso. De
tica. Quando ele ia retirar-se ela disse: "Eu ainda nab sei o que vai acontecer COMI- certo modo todos ficam acostumados a morte; nab se tornarn insens(veis, mas capa-
GO." Ete certamente sabia ter realizado urn born trabaiho, mas o que realmente zes de expor-se mais demoradamente a sua presenca. Etes também possuem seus

158 159
limites e é fundamental que se reconheça isso. Uma das maneiras de eles enfrenta- paciente acha que Ihe trazern uma piora ou, provavebmente, esto matando-o. Se
rem é observada através do uso construtivo dos mecanismos de defesa, como o des- sobrevép a morte logo apOs ter-Ihe aplicado uma injeco, a acusaco perrnanece na
crito no cap(tulo 9, corn referéncia a defesa da negac5o existenciab. Esses mecanis- mente; quando ela val para casa, pode ficar muito aflita, querendo saber se, de fato,
mos nos permitem viver o cotidiano sem nos preocuparmos ansiosamente corn cer- agiu corretarnente.
tas ameaças, tal como a guerra nuclear. As suposicôes mencionadas de que a morte Nestas ocasiôes, uma equipe inexperiente precisa de ajuda especial; seus supe-
é remota e acontece somente corn pessoas por fora do nosso cIrcubo de amizade riores devern administrar as drogas quando essas situacôes acontecem, ao invés de
protegem-nos contra uma ansiedade muito grande corn relacâb a nós rnesmos e nos- subrnetê-los a urn estado de rnuita tenso.
sos familiares. Quando se aproxima a doenca ou a morte e esta defesa é rompida por
alguns mornentos, ha uma barreira, de modo que urn membro da equipe, ao perder
recentemente uma pessoa querida ou ter alguém gravernente enfermo em casa, fica
mais vulnerável do que o habitual e isso deve ser levado em consideraco. Alguns en-
Objetivos e ideals
contram abIvio ao continuar trabalhando ou voltar logo depois da morte, mas mui-
tos precisam afastar-se da tristeza dos outros a fim de se concentrar em seu próprio
luto.
A defesa através da possibilidade remota da morte näo está disponIvel para Aqueles que se interessarn, de uma maneira muito particular, pelo cuidado
aqueles que trabalham constanternente em contato com o paciente terminal e seu com os pacientes terminais, gerabrnente possuem ideals ebevados e isso pode ser tarn-
inconsciente determina lirnites mais especificos, tais como a suposico de que a bern origem de rnuita tenso. A satisfaco no trabalho depende de saber se parar os
morte acontece apenas corn os pacientes e exclui a equipe. A doenca grave ou a ideais do desernpenho profissional. Quando eles so pequenos e atinidos facilmen-
morte de um colega causa, portanto, urn sofrimento muito grande, néo somente te, resultarn em satisfaco e tédlo. Quando difIceis de alcancar atuam como urn de-
pela perda de urn amigo querido, mas também porque esta defesa é temporaria- safio estimulante. Porém, elevando-os demasiadamente resultam numa sensaco de
mente anulada. Eles (da equipe) tendem a comportar-se como os farniliares ansiosos fracasso e culpa, chegando a frustraço. Existern dois aspectos relacionados corn is-
ou desolados. A identificaco ocorre poderosamente e dizem uns aos outros: so; o que esperamos alcancar corn e para Os 005505 pacientes (os objetivos do trata-
"Contudo, eu trataria, se tivesse acontecido cornigo." mento) e que esperarnos de nós rnesrnos (os nossos ideals).
A equipe precisa de tempo para elaborar esse acontecimento e compreender
que o trabaiho parecerá mais tenso, por algum tempo, ate que as defesas sejam res-
tabelecidas. OS OBJETIVOS DO TRATAMENTO
Determiriados mecanismos mentais utilizados pelos pacientes podem causar
uma tenso muito grande na equipe, enquanto näo forem identificados e cornpreen- Astécnicas de controle do sintoma mebhoraram tanto que h, atualmente,
didos. Os dois mais irnportantesso o deslocamento ea projeco. 0 DESLOCA- uma tendéncia a considerar: o alIvio completo do sofrirnento como urn objetivo
MENTO é incOmodo quando a raiva do paciente devido a morte iminente, o diag- real, onde quabquer desvio e considerado uma falha. Urna vez que o controle da dor
nóstico tardio ou, de urn modo geral, ainsensatez do destino, e dirigida a equipe, geralrnente e conseguido nos hospitals em poucos dias de adrnissâo, a equipe se
que é acusada de negligéncia, indiferenca e falta de cuidado. A psicoterapia pode angustia e se culpa se depois de uma semana seus pacientes ainda sentern intermi-
ajudar a expressar essa raiva e dirigi-la adequadamente, permitindo uma melhora. tentemente algurna dor. Eles esquecern que alguns problernas säo tecnicamente
Algumas vezes isso näo e possIvel e entâ'o é fundamental que a equipe se dé conta muito dif(ceis de controlar e que alguns pacientes possuem razôes psicológicas para
de que essa raiva näo lhe é dirigida pessoalmente. Suportando-a, mas tambérn iso- n5o abandonarern seus sintornas.
lando-a em algum grau, eles aliviarn o sofrirnento do paciente. Ate mesrno quando todos os sintomas fIsicos esto sob controle näo se deve
Como ja foi apresentado no capItulo 15, 05 pacientes usam o mecanismo de esperar que desaparecarn todas as perturbacöes ernocionais. Os pacientes terminals
PROJEçAO. Quando no conseguem tolerar a idéia "estou rnorrendo", projetarn tern muito corn que preocupar-se e, para dive rsos, o trababho do pesar é o caminho
nos outros, quer simbolicarnente dizendo coisas tais como: "Vocés estâb roubando através do qual atingern a aceitaçáb e a paz. Sendo-Ihes dado urn born tratarnento e
rneu d inhel ro" ou, mais di retamente, "Suas injecôes estäo me matando". N ovamente apoio, rnuitas pessoas crescem através do sofrirnento.
a psicoterapia ou rnuitas vezes a rnedicacáb ajudaro o paciente a aceitarque ele es- Outro objetivo e que toda morte seja tranqüiba. A equipe pode trabalhar nesse
ta morrendo, e desta maneira cessam as acusacöes. Mas nem sempre esse objetivo é sentido em benef(cio dos parentes e, na verdade, por eles rnesrnos, esquecendo que
alcancado e a enferrneira, se nao compreende esse rnecanismo, pode realmente co- alguns pacientes ate o 61timo rninuto sentern raiva por estar rnorrendo. Eles so
rnecar a duvidar se está agindo corretamente, quando administra medicamentos e o cornbatentes e querern "sentir raiva peba morte dos pianos". Testernunhar seu sofri-

160 161
Quando apenas uma ou duas pessoas antipatizam corn urn paciente, o proble-
mento é aflitivo; mas sedá-ios fortemente e, dessa maneira, conseguir a paz no seu
ma pode ser principalmente deles. De vez em quando a tenséb provocada pode gene-
estado semicomatoso, pode ser errado. Principalmente os jovens podem morrer des-
ralizar-se e o paciente pouco simpático pode tornar-se o bode expiatório, desviando
sa maneira. Era triste ver David, urn pai de 20 anos, sofrendo intensamente e recu-
a atenco de outros problemas talvez dentro da própria equipe médica. Ocasional-
sar quaiquer tipo de ajuda. Estávamos decepcionando-o, porérn seus pais pensavarn
mente, a antipatia por alguérn tern origens inconscientes. Ela atua como lembrancas
diversamente. "Nôs sablamos que ele morreria dessa maneira", diziarn eles. "0 seu
de urn parente odiado na infância ou de urn diretor que era temido. A pessoa que
"self" estava normal, perto do tim". isso deveria ser chamado de sucesso; nâo de fa-
deseja expborar a fundo pode se porguntar: "Quem a Sra. X me faz lembrar?" Quan-
ha.
do isso é feito, geralmente a dificuldade desaparece, embora o membro da equipe
Analogarnente, as rixas em farnIlia no param sornente porque urn membro
ainda deixe algumas lembrancas desagradéveis a serem elaboradas.
está morrendo. Geraimente, lancam nItido alIvio naqueles que náo se encontravam
Nem todos tém a tendéncia ou a capacidale para fazer uma introspeccäo des-
N anos reunidos ao redor do mesmo leito. Aigumas vezes muita coisa pode ser fei-
sa maneira; alguns gostos ou desgostos pessoais devem ser aceitos. e raro, felizmen-
ta para ajudar e de vez em quando acontece uma verdadeira reconciliaco. Muitas
te, que todos os membros da equipe antipatizem corn urn mesmo paciente, por mais
vezes isso no ocorre e a equipe no deve considerar como uma faiha. A morte de
dif(cil que ole seja. E ajustando o rnodo de tratá-bo, a diviséo entre os membros da
uma pessoa depende de, pelo menos, trés fatores: o modo pelo qua[ conduziu a vi-
equipe deve ser levada em conta e, portanto, ajuizada.
da, o tipo de doenca e a qualidade do tratamento. A equipe cornpartiiha da tristeza
Alguns acham que deveriam manter os rnesmos padrôes de tratamento, no
corn relaco ao primeiro e segundo item, mas sua responsabilidade é apenas corn o
importa o que aconteca. Ignoram o fato de que a toberäncia varia do pessoa para
terceiro. Sob tenso as fronteiras ficarn indistintas e ha sempre uma tendência a
pessoa, como as circunstâncias: pode nevar; haver uma greve; uma parte da equipe
perder dë vista onde termina a nossa responsabilidade e comeca a dos outros.
pegar uma gripe; a água é cortada durante uma parte do dia, para consertos. Os
Suportar mais do que nos cabe representa uma atitude de onipoténcia, urn passo pa-
padröos de tratamento inevitavelmente decaem nessas ocasiôes, mas a cubpa nâo é
ra desempenhar o papet de Deus.
inteiramente da equipe, que deve ser capaz de perdoar a si mesma quando faz
menos do quo pode.

OS IDEAlS PESSOAIS

IDEAlS TlC0S
Alguns profissionais acham que deviam gostar espontaneamente de todos os
pacientes ou ciientes e sentem-se culpados se isso no acontece. Nôs gostamos, no
Do uma maneira geral é a chefia de equipe, mais freqüentemente medicos do
mais das vezes, dos nossos amigos, mas fomos nós que os escoihemos. Néb escothe-
que enfermeiras, quern decide a conduta a tomar; e os subabternos da equipe, mais
mos os pacientes quo viréb tratar-se conosco e aiguns so pessoas cbm quem néb te-
enfermeiras do quo medicos, quo a executam. Isso pode bevar a situaces em que a
mos nada a ver por causa de seus aritecedentes e particularidades. Ha rnuito prazer
pessoa, ao administrar realmente o tratamento, considere este inadequado ou ate
em expandir a experiência através desses contatos, mas de vez em quando resuitará
mesmo antiético. A néb ser quo uma enfermeira ou urn auxiliar esteja preparado pa-
numa antipatia violenta quo pode ser rnütua, e precisa ser compreendida sequiser-
ra falar, ebe ou eta pode ir do trabatho para casacom urn problema de consciéncia,
mos controlé-la construtivarnente. 0 problema pode estar principaimente no pacien-
perguntando a si mesmo so no devia ter tentado interferir, e envergonhado pela
te. Se este for o caso, uma discusso reservada no âmbito da equipe rnëdica revelará
sua
que outros tambérn o consideram dif (cii, talvez chamando a atencâo, desagradével e
tirnidez em so manifestar. 0 seu julgamento da situacâo pode, na verdade, estar cor-
agressivo. Cada membro da equipe pode achar que isso é uma faiha sua e todos se
roto, mas é igualmonte que esta baseado em informacâ'o insuficiente sobre o pacien-
sentem aliviados ao descobrir que é urn problema geral. Esses pacientes, algurnas ve-
te ou a doenca, porque néb houve oportunidades do discutir o compreonder o pro-
zes, devem ser encarninhados para urn atendimento especializado. Em outros exem-
cedimento terapéutico adotado.
pbs, aiguém da equipe pode ter conquistado sua confianca. Quando isso acontece,
Quem escoihe a conduta a tornar séb os medicos e quem meihor conhece os
quase sempre surge urn histórico triste ou traurná'tico que ajuda a explicar as atitu-
pacientes sâo as enfermeiras. Os pacientes abgumas vezes concordar5o corn o trata-
des atuais do paciente. Conhecendo os antecedentes do problema aumenta a tole-
mento, por exernpbo uma quimioterapia, porque acham quo devem concordar corn
rância. Na medida em que a equipe fica mais tranqüila com os pacientes, estes co-
O que presumem seja o dosejo do medico. Etes podém confidenciar, entéb, a uma jo-
mecam a relaxar. Quando urn paciente é agressivo e o caso foi discutido, arduamen-
vern enfermeira quo estâb preocupados corn a deciséb e desejam realmente mud-
te e corn carinho, numa reuniéb de equipe é cornum todos notarem que, em poucos
Ia. A enfermeira quo no consegue transmitir essa informacâb pode sentir-se muito
dias, este paciente teve uma meihora considerávei. Se isso nâo acontece, compreen-
angustiada. A atrnosfera de trabalho deve proporcionar a todos a oportunidade de
der os mecanismos que ebe está usando pode ajudar.
demonstrar ignoréncia sem constrangimento. Cada pessoa envolvida no tratamento

162 163
de pacientes deve sentir-se como integrante de uma equipe, corn direito a pergun
A equipe tempo para juntar forcas e recuperar o equil(brio. Isso e muito difIcil
tar o que se está passando, se tiver düvidas.
fazer se ha forte presso vinda de fora para admitir, e o sensato seria cornpartilhar as
decisôes, especialrnente sobre os casos urgentes. Alguns idealistas acham que nm-
guém jarnais deveria queixar-se do seu trabalho. Entretanto se chove todo o dia du-
rante uma semana, no ha nada de errado ern Se dizer "Näo é horrIvel?" Desta
Enfrentando a tenso
forma e igualmente aceitável urn queixar-se ao outro quando circunstâncias que
estâo fora do nosso controle tornern nosso trabalho extraordinariarnente dif(cil.
Ate agora, foram discutidas sornente as desvantagens da tensâo e ignorados
0 conhecimento dos primeiros indIcios de tensäo nas pessoas e grupos e es-
seus aspectos positivos. Nosso conhecirnento do rnodo como o esqueleto reage e se
sencial para aliviá-la, antes que se desenvolva urn problema grave. 0 cansaco despro-
desenvolve, proporciona uma analogia adequada. Urna tensäo muito grande ou sObi-
porcional ao trabalho que se faz, desânimo e irritaço corn os outros so os primei-
ta leva-o a uma fratura - urn colapso. Porérn uma tenso constante nos ossos, ocor-
ros sinais. Comeca a surgir ansiedade, tanto corn relaço as coisas pequenas como
rendo durante uma atividade através de vigorosa traco muscular, desenvolve urn
corn as grandes e urn escrüpulo exagerado. Quando exigem uma coisa atrás da outra
feixe de fibras estabelecidas de rnodo a proporcionar o máxirno de forca.
sern tempo para pensar, as pessoas tendem a fazer as coisas sozinhas em l'ugar de de-
A tenso prornove e influencia o crescirnento. E essencial que todos os prof is-
legá-las aos outros. Elas se confundem, sentindo-se cansadas e heróicas em vez de
sionais de saüde aprendam a identificar e cornpreender a tens3o e suas causas, de
avaliar a situacäo e usar rnais eficazrnente os recursos disponIveis. A doenca aumen-
modo que possam cuidar-se mutuarnente, de uma tal rnaneira que ocrescimento seja
ta e a ansiedade corneca a atingir a vida familiar. Quando existe uma tenso muito
incentivado e poucas pessoas sofrarm As fraturas sararn, tornando-se urn acidente, e
grande no trabalho, os cOnjuges' eflihos percebern antes dos rnédicos-chefes da equi-
no significarn necessariamente que uma pessoa n5o esteja apta para o seu trabalho,
pe. Seus integrantes ficam preocupados, pensando nos pacientes, quando estâo de
embora isto as vezes aconteca. Poderia significar que alguern fol submetido muito
folga e podem, também, sonhar corn eles. Isso acontece igualmente nos primeiros
cedo a uma dernasiada tenso. Ha pessoas que podern tornar-se rnais üteis, se forem
estágios de adaptaco a esse tipo de trabalho e parece ser uma fase normal pela qual
muito bern ajudadas, enquanto elaboram sozinhas suas próprias crises. A tensâo po
passam aqueles que sá'o confrOntados, pela prirneira vez, corn urn sofrirnento e tris-
de ter tornado evidente urn problema seu, a vulnerabilidade que precisava ser curada
teza muito grandes. Sob tensáb, a capacidade de perceber o lado born das coisas é
e so pode ser atingida quando fol exposta. 0 crescimento pessoal e uma nova vida
reduzir a tensäb corn uma boa gargaihada. Pode ser perdida, como é perdido o senso
podern sair do sofrirnento. Nós devemos estar dispostos a perceber isso, ern prirneiro
deproporcâo. 0 fato de ser o bode expiatório que ocorre quando uma pessoa ou urn
lugar por nOs rnesrnos. Sornente entâo poderemos transmitir nossos conhecirnentos
acontecimento s5o considerados como a causa de todos os problernas faz corn que
através de uma rnaneira gentil que necessita de poucas palavras e capacita nossos pa-
haja uma dirninuiço da ernoco corn sacrifIcio da pessoa, mas impede qualquer
cientes a fazerern as mesrnas descobertas por si rnesmos.
pensarnento construtivo no sentido de tratar uma verdadeira dificuldade. A faiha
em reconhecer que, de algurn modo, existe urn problema leva a uma insatisfaco no
trabalho, tornando os padrôes de tratarnento rnenos eficazes, e geralrnente leva a
urn grande transtorno na equipe.
Muitas dessas dificuldades surgern em todos os casos quando os pacientes es-
to a morte, mas algurnas so caracteristicas de hospitals e especlairnente hospIcios.
Nas unidades pequenas, as tarefas diárias podern variar muito.. Quando ha várias
rnortes nurn espaco muito curto de tempo, a equipe torna-se temporariamente so-
brecarregada corn a quantidade de tristeza corn que säo confrontados os seus cornpo-
nentes. Se logo em seguida sáo adrnitidos novos pacientes, a equipe percebe que no
está dando o meihor de si. Tarnbém nos rnornentos de crise, aqueles pacientes que
podern tornar conta de si rnesrnos tendern a ser negligenciados; mais tarde a equipe
val precisar de tempo e oportunidade para suprir esta deficiência. Ocasionalrnente,
uma morte é particularrnente trágica ou dolorosa: a morte de urn paciente jovem ou
de alguém corn quem rnuitos se identificavarn ou de uma pessoa que esteve hospita-
lizada por muito tempo. Todos estes aspectos aurnentam o pesar. Quando isto acon-
tece, o correto seria retardar a ocupacäo dos leitos por urn ou dois dias a firn de dar

164
165
Confusäb, 121-6 medo,74
causas, 127-8 negacab, 81
histOrico dos casos, 129-32 Excitacão, 103
uso dedroga, 131-3
COnjuges Falta dear, 60-1, 109
acompanhar o paciente, 36 Farnilia
cornunicacàb corn o paciente, 40-2 rnédlco, veja clinico geral
Conscientizacao, 30-3 sess5es, 45
desenvolvirnento, 80 Fenotiazina, 127
filtro, 123 Flutuante
Contrafobia, 86 ansiedade, 103
Crise do conhecirnento da rnorte, 49, 82-4 raiva, 63
Cuidados de enferrnagern, ansiedade, 51 Fraqueza, 61
Culpa no pesar, 145
Generalizacáb, prof issional, 158

Indice remissivo Definhar devido ao pesar, 147


Dependencia, 61,93
Depressäo
Gritaria, 16

Halopericol, 109, 126, 132, 134


DiagnOstico, 116-7 Hioscina, 132
histOrico dos casos, 110-6 Hipornania, 137-9
Descrenca, reacab da perda, 143 Hipocondria passageira, 147
Desenvolvirnento da aceitacâo na velhice, 80 Hipnose, 109
Desinteressedo profissional, 157-8 Histeria de conversáb, 84,139-40
Aceitacãb, 22 cOlon, 33,105 Deslocarnento do paciente, 160
a trajetOria, 81, 88 espinha, 111 DiagnOstico, 26-27 Ideals éticos, 163-4
na velhice, 80 laringe, 38 Diarnorfina, 132 Ideals pessoals, 162-3
primeiros passos, 81, 88 mama, 15-6,30,38 Diazepam Idélas suicidas, 117
Adolescentes, 46,61 medo do contagio, 79 dosagem, 109-10. 132 Identificacab corn o paciente, 157-8
Agitacao no pesar, 146 nab diagnosticado; 33-4 efeito no paciente ansioso, 52-3 Irniprarnina, 117
Ajustarnento, 23 ossos, 16-8 Discusséb do prognOstico, 32-3 Inforrnacao ao paciente, 26-30
AlucinaçOes, 126 ovãrio, 29 Discusséb sobre os acertos financeiros, 41 Inforrnacãb aos pals, 46-8
no pesar, 146 pancreas, 33, 102 Dis'cussá'o sobre os preparativos do funeral, 41 Insanidade, rnedo, 76-7
Arnitriptilina, 117 pulmab, 33 Doenca neurornotora, 28,61 Ins6nia, 104
Arnputaco, 65 CiOmes, 135-7 Dor, InsOnia devido ao pesar, 147
Analgésicos, react5es do paciente, 68 CiOrnes rnórbidos, 135-7 aIivio, 22-3 lnterpretaces errOneas, 125-6
Ansiedade Clinico geral, 15-6,18,33 rnedo, 75-6 Intervalovida-rnorte, 49
crOnica, 103 Clobaram, 109 reaces psicolOgicas, 59-60
depressiva, 89-90 Clorprornazina tenséb, 16-7, 105-108 Lorazeparn, 109
deslocarnento, 100 confusä'o na administracab, 131-2 Dotiepina, 117
grave, 84 dosagem, 53 Droga Mastectornia, rnorbidez psiquiãtrica, 65
no pesar, 146 efeito no paciente ansioso, 52-3 adrninistracâo, 109 Medico-paciente
pOs-operatória, 55 efeito sedativo, 109 confusão causada, 128 contrato, 26
pos-terapia, 56-7 Colostornia, 65 confuséb na adrninistracäo, 131-3 relacionarnento, 158-9
separaca'o, 73, 104 Como informer as criancas, 42-6 Medo biolOgico da rnorte, 72
Ansioliticos, 109 Co mu nicaçab Efeitos colaterais anticolinergicos, 117 Medo da dependéncia da rnorfina, 23
Antidepressivos, 90, 117 comas criancas, 17, 21-2 Enferrneira, atendirnento em casa, 18 Mianserina, 117
Antidepressivos triciclicos, 117 corn o marido, 17,21-2 Enxaqueca, 111 Morbidez psiquiátrica, 65
Aparéncia cushingOide, 67 corn o medico, 15 EsterOides, reac5es psico log icas, 67 Morte,
Atitudes dos parentes diante da informacáb corn os pais, 21-2 Estirnulo cognitivo, 123-5 adiada, 69-71
36-9 insuficiente, 33-4 Estorna, adaptacao, 65-6 certa, 50
rna?do-muIher, 40-42 Equipe auxiliar, cornunicacäo, 34-6 corn tempo deterrninado, 50
Cancer na reacâb de ajustamento, 91 Existencial crise do conhecirnento, 49, 82-93
bdominaI, 118 Comunicacab corn os doutorandos, 33-5

167
incerta, 55-57 Pesaragudo, 143
medo biolOgico, 72 Pesar crOnico, 152
medos, 72-79 Pesar inibido, 151-2
quase certa, 53 Problema-orientaçã'o, 20
Morte, Problemas preexistentes, 24
processo, 75 Problemas psiconeurOticos no pesar, 145-54 Outeiral, J.lnfância e Adolescncia
trajetOrias, 50 Problemas sexuais, pás-operatorios, 65 Pincus & Dare: Psicodinâm ice de Fa,n File
Morte certa, 50 Processo de pesar, 145 • Racker, Heinrich: Estudos sobre Técnica
Psicanailtica
Morte quase certa, 53 Pro jecãb do paciente, 160
• Raquel Soifer: Psicologia da Gravidez. Parto
Morte repentina, medo, 77 Psicose psicogénica, 82 e Puerpério
Mudancas de papel, 97-9 Psicose tóxica, 129 • Sandier, J./Anna Freud: .Técnica da Psicané-
lisa Infantil
Mudancas de personalidade, 62
• Vayer, P.: A O'iança Diante do-Mundo - Na
Mudancas de personalidade devido a urn tu Raiva, 63-4, 84-5 Idade da Aprendizagem Escolar
rnor cerebral, 62 no ajustarnento, 97 • Vayer, P.: 0 Equil(brio Corporal
no pesar, 144-5 • Vaz. Cicero: 0 Rorschach, Teoria e Desem-
panho
Nausea evãrnito, 108 reprirnida, 102 Winnicott, D.: 0 Ambiente e Os Proàessos
Negaco Reac5es man lacas, 137-139 de Maturaçio
def eta, 31, 82-4 ao pesar, 154 Zimmermann, D.: Temas de Psiquiatria
uso errado, 99-102 Reac5es paranóides, 40, 134
SERIE BIOMEDICA
Negacão desatenta, 85-7 Reacôes psicossornáticas ao pesar, 154
• Cyro Martins: Perspectivas da Relaçäo Mjdi-
Nivel de estirnulaco, 122-3 Regressá'o, 93 co-Paciente - 29 ed. revista e ampliada
Nomifensiva, 118 Rejeicao, medo da, 78 Lysandro: Manual de Diabete
Respostas evasivas, 35 Osbrio, L.C.: Medicine do Ado lescente
Objetivos do periodo de sobrevivencia, 55
Ondas de pesar, 147 Sedat ivos TITULOS EM pRoDucAo
alivio da dor, 61
Paciente efeito no paciente ansioso, 52-3 Aberastury, A.: A Cr,ança e seusJogos
Aberastury, A.: Percepçio da Morte na lnfân-
"barganha", 54 Sintomas sornáticos, 84 cia e outros Estudos
cooperacäb, 20 Solucão do pesar, 149-50 Ajuriaguerra: Dislexia em Questio
Pänico, 51 Andoifi, Maurizio: A Famulia RIgida - A Fa-
ce Oculta de Famiia
Paralisia, 62 TEC, veja Terapia eletroconvulsiva
• Betteiheim. B.: Psicanálise da Alfabetizaçio
Perda, 142 Terapia conjugal, 94 • Bleger, José: Psicologia da Conduta
Perda de cabelo, 67 Terapia eletroconvulsiva, 118-20 Bleichmar, Hugo:Narcisismo
Perda de controle, 36-7 Terapia de relaxamento, 109 Di Leo: Interpretaçio dos Desenhos infantis
Etchegoyen. Horácio: Llçöes de Técnica Ps,-
Perda do papel maternal, 98 Torpor, fase da perda, 143
cenelitica
Pesadelos, 30 Trata mento Giovacchini, P.: Roteiro a Leitura de Freud
Pesar decisôes, 68-71 Heemann, Suzana:Adolescêncie Feminine
Jorm, A.F.: A Psicologia dos Disthrbiosda Lel-
conduta, 155 objetivos, 161
tura e da Linguagem
trabalho, 149 Kusnetzoff & Groisman: Adolescöncia e Saü-
Pesar adiado, 151 Velhice, 80 deMental -
Lange. Robert: Texto Básico de Psicoterepie
- Laptanche. Jean: Vida e Morte em Psicanélise
Lebovici & Kestemberg: 0 Prognbstico da
Psicose infentil
Lewis. M.: Desenvoivimento Psicologico da
Crianca
Mahier, Margaret: Os Tiques Infantis
Mary', J.: Pedagoga Curative Exolar e Psica-
nálise
Pain, Sara: Problemas de Aprendizagem -
Diagnbstico e Tratamenlo
Pain, Sara:Psicopedagogia Operative
Smith & Andrew C.: Esquiz&frenia e Loucura
Spifer, Raquel: Psiquiatrla Infantil Operative
—2vols.
Vayer & Toulouse: Linguagem Corporal
Vaz, Cicero: O TestedeZulliger
Visca, J.L.P.: Psicopedagogia - Uma Episte-
miologia Convergente
168

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