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Eles possuem amor

incondicional pelo homem.


Uma convivência que, além
de tudo, faz bem à saúde
vida CORPO & ALMA texto: Piero Vergílio
fotos: BIRF e Arquivo pessoal/Divulgação

Nossos fiéis cãopanheiros


g randes, pequenos, dóceis, temperamentais, obedientes,
trapalhões, com pedigree, vira-latas, sociáveis ou posses-
sivos. São vários os adjetivos utilizados para descrever os
cães e, embora alguns deles denotem comportamentos
que precisam ser melhorados, uma característica do
animal costuma se sobressair perante todas as demais:
o amor incondicional aos seres humanos. Não se trata apenas de
subserviência ao seu “dono” – aliás, analisar essa relação apenas
bastante interessante: “enquanto os gatos nos tratam como seus
servos, para os cães nós somos os deuses”, compara a terapeuta,
que possui seis felinos em casa.
Além deles, não podemos deixar de mencionar a melhor
amiga de Ana, a cadela Nina Mel – uma Weimaraner mestiça Dog
Alemã – que foi adotada já adulta, com dois anos, em 2006. Des-
de então, foram muitas as aventuras ao lado de sua companheira
de quatro patas, a quem ela chama carinhosamente de “Scooby-
sob esse prisma, além de simplista, parece ser um grande equívoco Doo de Sorocaba”. A radialista diverte-se ao se lembrar do dia
– mas de uma fidelidade extrema, que só pode ser traduzida por que resolveu “atacar de estilista” e confeccionar um vestido para
aqueles que já vivenciaram essa situação. a sua companheira.
É nisso que acreditam todas as pessoas ouvidas pela repor- “Foi muito engraçado! Na calçada só aparecia, ou melhor,
tagem de Regional. Desse grupo, faz parte a terapeuta floral reluzia a minha Nina Mel. O tecido era rosa fluorescente com bor-
de animais – cujo trabalho consiste em harmonizar as emoções dados dourados e chamava a atenção: as pessoas na rua olhavam
e o comportamento dos bichos, por meio da administração de admiradas. Nunca mais fiz a minha cachorra pagar um mico
essências – radialista e apresentadora do programa “Animania”, daqueles, mas para não desperdiçar todo meu ‘talento’, a inscrevi
Ana Koury, que transformou esse apego em profissão. Embora haja num desfile de cães. Ela estava bonita sim e ganhou o terceiro
espaço em seu coração para diferentes espécies da nossa fauna, ela lugar: valeu à pena”, confessa, aos risos.
não esconde a sua predileção por cães, que, segundo nossa entre- Ana acredita que os cães podem influenciar o comportamento
vistada, são muito especiais. de seus tutores, ensinando-os a ser mais atenciosos e menos solitá-
“Trata-se do animal mais próximo do ser humano, que rios. Mas ela explica que, para isso acontecer, de fato, a preciso que
demonstra com mais clareza suas reações. Ao mesmo tempo, eles a pessoa esteja com o coração aberto. Simultaneamente, a radia-
são mais dependentes das pessoas e nos amam independente se lista incentiva a adoção de animais, já que “amigo não se compra,
estamos felizes, infelizes, revoltados ou mal-humorados”, defen- adota-se”, como faz questão de frisar. Por fim, lança mão de um
de Ana, que, para fundamentar seu raciocínio, faz uma analogia último argumento. “Cachorro é tudo de bom”. Ela sabe o que diz.

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Revista Regional 71
vida CORPO & ALMA

Aprendendo
a conviver
q
A Ateac (Atividade, Terapia e
Educação Assistida por Animais de
uem também é apaixonada por cães é Campinas), que se tornou uma ONG
em 2007, possui 54 cães e faz mais
a jornalista Fabiana Yoko, que ganhou de 200 atendimentos por semana
seu primeiro animal por volta dos em hospitais e entidades
cinco anos. “Seu nome era Shake, uma
homenagem ao programa da Angélica,
Milk Shake. Lembro-me, apesar da pouca idade,
como chegou até mim: pertencia à vizinha da
minha avó. Branco com manchas marrons, ele
era tão pequeno que cabia numa caixa de sapa-
to. Lindo e arteiro”, recorda.
Para a jornalista – que atualmente possui
três cachorros e dois gatos – o ser humano
deveria conviver mais com esse amigo de quatro
patas. Ela acredita que a interação vai além
do lazer e um simples abanar de rabo, pois é
impossível não ficar feliz, ao receber aquele bom
dia sincero ou aquela lambida inesperada que
mostra o quanto você, humano, é importante
para ele. Sob essa perspectiva, a interação com
o animal é uma troca, que nossa personagem
classifica como fascinante.
Numa outra frente, Fabiana alerta para a
importância da posse responsável. “Quando
esses bichinhos são novos, tudo é diversão. Mas A Atec nasceu
quando envelhecem, transformam-se em proble- depois que a
ma, ‘estorvo’, pois há quem pense que eles são bióloga Sílvia Ribeiro
descartáveis. As pessoas devem se conscientizar Jansen percebeu
que a autoestima
de que há uma série de deveres inerente ao tutor,
e a capacidade de
sendo o mais importante deles, cuidar do animal socialização do filho
até o final dos seus dias”, desabafa. Daniel – portador da
Segundo ela, é um equívoco a premissa de Síndrome de Asperger
que o bem-estar do animal está vinculado ape- – melhoraram após a
nas à condição financeira de seu proprietário. A chegada do filhote de
jornalista enfatiza que o mais importante é tratar labrador, Luana
o cão com respeito, independente de luxo. Para
que isso aconteça, é preciso reavaliar alguns con-
ceitos e incorporar novos hábitos: em meio aos
afazeres diários, a preocupação com o bichinho
– que acaba se tornando parte da família – não
deve ser esquecida.
“Ter um cão implica em muitas respon-
sabilidades. Crianças que ganham animais na
infância, por exemplo, iniciam um processo de
aprendizado gigante, que estimula a convivência
e o afeto, ao mesmo tempo em que leva ao ama-
durecimento, já que o bicho não deve ser tratado
como um brinquedo. As pessoas só vão entender Ana Koury e Fabiana Yoko são
a importância desse contato – que, além de tudo, verdadeiramente apaixonadas pelos
faz bem para a saúde – quando vivenciarem essa cães; suas histórias de vida estão
experiência”, finaliza.
intimamente relacionadas com a de
seus animais de estimação
72 Revista Regional
Cãoterapia
o s benefícios da presença de um animal de estimação em
casa não se restringem às alegrias que o pet proporciona
a toda família. Esta convivência também pode ser decisiva
para a prevenção e tratamento de inúmeras doenças – além de
contribuir para o bem-estar psicológico – conforme aponta levan-
tamento realizado pelo Departamento de Psicologia Experimental
da USP (Universidade de São Paulo).
O estudo, encomendado pela Comissão de Animais de
Companhia – integrante do Sindicato Nacional da Indústria de O dr. Joe “atende” pacientes de nove
Produtos para Saúde Animal –, revela que os benefícios indepen- instituições, entre elas o Graacc (Grupo de
dem da idade. Entre algumas das principais conclusões, pode-se Apoio ao Adolescente e Criança com Câncer)
destacar a melhora da imunidade em crianças e adultos, redução
dos níveis de estresse e da incidência de doenças comuns, como

Terapia animal
dor de cabeça ou resfriado.
Segundo a pesquisadora Carine Savalli Redígolo, um gesto
simples pode gerar reflexos significativos no sistema imunológico
das pessoas. “Acariciar um cão pode elevar os níveis de imunoglo-
bulina A, um anticorpo presente nas mucosas que evita a prolife- Também merece ser citada a atuação da Ateac (Atividade,
ração viral ou bacteriana. Este resultado se deve, possivelmente, ao Terapia e Educação Assistida por Animais de Campinas), que
relaxamento que o contato com o animal proporciona”. se tornou uma ONG em 2007. No entanto, a ideia nasceu
Partindo desse referencial, fica mais fácil compre- três anos antes, depois que a bióloga Sílvia Ribeiro Jansen
ender os objetivos da chamada “cãoterapia”, praticada “A relação percebeu que a autoestima e a capacidade de socialização
do filho Daniel – portador da Síndrome de Asperger (espécie
no Brasil há cerca de uma década. Na capital, uma
das iniciativas mais bem sucedidas nessa direção é o com o cão de autismo que não afeta o desenvolvimento intelectual) –
melhoraram após a chegada do filhote de labrador, Luana.
projeto “Joe, o Amicão e Cãopanheiros”, que atu-
almente é parceiro de nove instituições, entre elas o
melhora a Hoje, o jovem possui mestrado em ecologia pela Unicamp.
Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e Criança com imunidade A partir dessa experiência, ela decidiu ampliar essa propos-
Câncer) e o Hospital São Paulo.
Tudo começou em 2004, conforme explica Ângela
de crianças ta. Atualmente, 54 cães de diferentes raças integram o pro-
jeto – todos extremamente dóceis, permissíveis a qualquer
Borges – que, juntamente com a irmã, Luci Lafusa, e adultos, manipulação e com saúde perfeita: devidamente vacinados e
é uma das responsáveis pela ideia – quando elas
ganharam um golden retriever “muito lindo”, chamado
reduz os vermifugados – que se destaca por “dois trabalhos únicos no
Brasil e raros no mundo”, segundo sua fundadora: a parceria
Joe Spencer W. Gold. As “mães” perceberam que, na níveis de com uma instituição de autismo, Adacamp, e o Centro de
medida em que crescia, o cão amava se aproximar das
pessoas para receber carinho: o animal possuía uma
estresse e Referência de Portadores de HIV, que juntos totalizam mais
de 200 atendimentos por semana.
docilidade única e, porque não dizer, hereditária, já que a incidência Simultaneamente, a Ateac também é parceira do projeto
seu pai “trabalhava” com idosos.
“Depois de assistir vários documentários estran- de doenças “Cães e Livros”, cuja proposta é incentivar a leitura e escrita
geiros sobre trabalho com animais em hospitais, comuns, durante a infância, por meio da presença dos animais. Silvia
conta que, no começo, a ideia chegou a ser rejeitada por
adestramos o Joe, que na época estava com sete meses;
quando ele completou um ano, iniciamos as visitas a como muitas pessoas, mas experiências comprovaram que as
um asilo. Foi maravilhoso, pois pudemos perceber o dor de crianças não tinham grande preocupação em ler em voz alta
para o cão, pois ele não poderia censurá-las e nem corrigi-las.
bem que o cão fazia aos queridos vovôs e vovós. Decidi-
mos então criar o projeto, que chamamos de ‘Amicão’, cabeça ou Ao longo desse período, foram muitas histórias marcantes.
e passamos a realizá-lo em hospitais e escolas com resfriado” “Houve o caso de uma criança autista que, aos dez anos,
crianças especiais”, relembra. nunca tinha emitido nenhuma palavra. Após algumas sema-
As irmãs fazem questão de frisar que a iniciativa nas de tratamento, ela começou a receber o cão dizendo ‘au,
é totalmente voluntária. Por causa disso, elas ainda não podem au’ e algum tempo depois, aprendeu o nome dele”. A bióloga
se dedicar integralmente ao projeto, pois precisam trabalhar. também cita os inúmeros casos de pessoas que, mesmo
Mesmo com essa limitação, os resultados são gratificantes. com dor, saíram da cama para passear com os cães pelos
Segundo Ângela, a visita é um bálsamo em meio a tanto sofri- corredores. Toda essa disposição teve uma consequência: a
mento, pois é como se os pacientes pudessem fazer uma pausa queda no tempo de internação.
na situação que estão vivendo.
Ela relata que as crianças vibram, os velhinhos se encantam O sucesso do projeto pode ser atribuído a uma equipe
e os funcionários – enfermeiras, médicos, etc. – também usufruem, multidisciplinar – composta por psicólogos, fisioterapeutas,
uma vez que deixam de lado a sua rotina: mesmo que por alguns fonoaudiólogos, pedagogos e veterinários – sem esquecer,
minutos ou horas, isso é o bastante para renovar suas forças. é claro, o mérito de suas principais estrelas: os profis-
“Acreditamos que o maior problema da humanidade é a falta de sionais de quatro patas. “Os cães não julgam, não fazem
amor: as pessoas doentes, idosas e crianças são as mais carentes. diferenciação de raça, cor e nível social. Oferecem a mesma

>>
Este desejo nasceu em nossos corações porque o Joe é uma bênção dedicação ao morador de rua ou ao executivo; e a criança,
em nossas vidas. Quando está acompanhado por mim ou pela independente se ela tenha ou não alguma deficiência. São
Luci, ele se sente seguro e deixa transparecer todo o seu amor”. nossos melhores amigos”.

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vida CORPO & ALMA

Renato Rocha/TV Globo


O que os
olhos não veem...
p ara que a Ateac ou o Projeto Amicão obtenham desem-
penhos tão expressivos, as respectivas responsáveis
apontam como elemento-chave a criação de vínculos,
que, por sua vez também é crucial para uma boa relação
entre um deficiente visual e o seu cão-guia. Pelo menos
é essa a conclusão a que se chega a partir do depoi-
mento da atriz e jornalista Danieli Haloten – que perdeu totalmente
a visão aos 20 anos – e ficou conhecida do grande público no ano
passado, quando interpretou a personagem Anita, na novela “Caras
& Bocas”, da Rede Globo.
Ela conta que treinou seu primeiro cão guia, uma fêmea, em
A atriz e jornalista Danieli
2000. O animal a acompanhou durante quatro anos e morreu
Haloten perdeu totalmente
precocemente de câncer. Já no ano seguinte, Danieli teria um a visão aos 20 anos e ficou
novo companheiro, Higgans, uma mistura de labrador com golden conhecida do grande público
retriever dourado. “Nossa relação é uma troca de carinho e cuidado no ano passado, quando
de ambas as partes: ele empresta sua visão para mim e me guia interpretou Anita, em “Caras &
em segurança, para eu não bater em obstáculos, tropeçar, nem Bocas”, da Rede Globo
cair. E, uma vez memorizado o trajeto, me conduz com rapidez e
segurança. Em contrapartida, o alimento, limpo e brinco. Somos de
espécies diferentes, falamos línguas diferentes, Higgans enxerga e
eu não, e, no entanto, nos entendemos muito bem”, sentencia.

e
A atriz orgulha-se de ter participado ativamente da aprovação do
decreto federal 5904, que, desde 2006, assegura aos usuários de
cão guia o direito de entrar e permanecer em todos os lugares,
Anjos de quatro patas
ssa relação é tão marcante que já foi retratada diversas vezes
que prevê penalização pelo descumprimento. Danieli, que também pela literatura. Pensando nisso, a reportagem de Regional se-
lutou pela lei estadual no Paraná, aprovada quatro anos antes, lecionou duas ótimas dicas para os leitores que se interessam
afirma que mesmo assim, ainda enfrenta alguns problemas. sobre o assunto. Em “Anjo de Quatro Patas” (Editora Gente),
Por isso, ela defende que responsáveis por estabelecimentos e o escritor, autor de novelas e crônicas da Revista Veja São Paulo,
prestadores de serviços têm a obrigação de se atualizar Walcyr Carrasco, aborda a amizade e o companheirismo com um
quanto aos direitos dos seus clientes. husky siberiano que teve durante 12 anos e já se foi. “O Uno foi um
verdadeiro amigo, que fez com que eu redescobrisse minha capa-
Numa outra perspectiva, ela aproveita para reforçar a importância cidade de amar. Um anjo que esteve na minha vida”, sintetizou o
do cuidado com os animais. Antes de ter um cão, a pessoa deve autor, em seu blog.
se informar sobre as características da raça ou espécie. Assim, Se o comportamento de Uno era dócil, o mesmo não se pode
além de estar ciente de suas futuras obrigações, poderá escolher dizer de Marley, personagem-título de “Marley & Eu”, a quem o
um bichinho que mais vai se aproximar da sua necessidade. seu dono, o jornalista americano John Grogan, se refere como o
Em seu blog (www.bloglog.com.br/danielihaloten), a atriz está “pior cão do mundo”: ele arrombava portas, babava nas visitas,
publicando frequentemente dicas pet para quem tem ou deseja comia roupa do varal alheio e abocanhava tudo a que pudesse. De
ter um cão: o objetivo é realizar um trabalho de nada lhe valeram os tranquilizantes receitados pelo veterinário,
nem a “escola de boas maneiras”, de onde, aliás, foi expulso. Mas,
conscientização sobre posse responsável. acima de tudo, Marley tinha um coração puro e a sua lealdade
Mas não é apenas a esse respeito que Danieli quer conscientizar era incondicional. Talvez por isso as travessuras desse cãozinho
as pessoas. A jovem – que deseja voltar a trabalhar em um veículo tenham encantado milhões de pessoas em diversos países.
de comunicação – está percorrendo o país com o projeto “Abra
bem os olhos. Supere a cegueira do dia-a-dia”, uma apresentação MAIS: Terapia de Animais - Ana Koury
provocativa e customizada, que viaja pelos cinco sentidos, fazendo www.terapeutadeanimais.blogspot.com
um paralelo com situações do trabalho e do cotidiano. Projeto “Joe, o Amicão e Cãopanheiros”
Ângela Borges (11) 9674-0429
Higgans, seu fiel companheiro, está sempre junto dela. Ainda Luci Lafusa (11) 9517-6159
quando cursava Jornalismo, Danieli criou o “Faro”, um programa de Instituto para Atividade, Terapia e Educação
TV onde ela farejava notícias com seu cão-guia. O projeto ganhou o Assistida por Animais de Campinas (Ateac)
primeiro lugar do prêmio Sangue Novo do Sindicato dos Jornalistas www.ateac.org.br / www.ongateac.blogspot.com
do Paraná, concorrendo com universitários de todo o Estado. “Em Danieli Haloten
cinco anos, todas as vezes em que me machuquei, foi sendo guiada www.abrabemosolhos.com.br
por um humano. Nunca pelo meu cão guia”, finaliza. www.twitter.com/haloten

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