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Propriedades da
dieta enteral:
composição e
custo/benefício
Evento realizado em
23 de agosto de 2013, São Paulo, SP
A Força-Tarefa de
Nutrição Clínica
A manutenção de um fórum permanente de atualização
de conhecimentos para solução de problemas técnico-
científicos que contribuam para a saúde da população
e sejam de interesse comum às empresas, aos órgãos
do governo, universidades e institutos de pesquisa é o
principal objetivo do International Life Sciences Institute
(ILSI). Associação sem fins lucrativos, fundada em 1978, o
ILSI tem sede em Washington, D.C., nos Estados Unidos, e
com seções regionais espalhadas pelo mundo.
A Força-Tarefa de Nutrição Clínica do ILSI Brasil
foi instituída em 2007, tendo em vista que grupos
populacionais específicos têm necessidades nutricionais
distintas e que os produtos oferecidos para tais grupos
populacionais devem ser cada vez melhor adaptados às
suas necessidades específicas, de forma a contribuir com
a melhoria da qualidade de vida. Esta força-tarefa já tem
dois livros publicados e vários eventos organizados. Um
deles foi o Primeiro Ciclo de Debates sobre “Propriedades
da dieta enteral: composição e custo/benefício, realizado
em 23 de agosto de 2013.
O debate foi precedido de algumas apresentações.
Joice Valentim, economista, explicou o que é avaliação
econômica em saúde. Yara Baxter, da Novartis, descreveu
o estudo de custo-benefício que realizou sobre dieta
domiciliar comparada com a administrada no hospital.
Roseli Borghi, da Nestlé, apresentou um estudo teórico da
composição da dieta enteral artesanal no Brasil. O evento
se completou com um amplo debate, para o qual foram
convidados vários outros participantes. Todo o debate foi
inspirado nas apresentações feitas logo antes. Assim, o
grande questionamento que se colocou foi: vale a pena
substituir a dieta enteral industrializada pela artesanal no
ambiente domiciliar?
Participantes
Coordenação Científica:
• Dr. Dan L. Waitzberg, médico cirurgião, livre-docente, doutor e mestre pela Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), professor do Departamento de
Gastroenterologia da FMUSP, coordenador do laboratório Metanutri da FMUSP, coordenador
clinico das EMTNs do Hospital das Clínicas, ICESP, e Hospital Santa Catarina, coordenador
da residência de Nutrologia médica do Hospital das Clinicas, diretor do Ganep – Nutrição
Humana e coordenador científico da Força-Tarefa em Nutrição Clínica do ILSI Brasil.
Palestrantes:
• Dra. Joice Valentim, economista com mestrado em teoria econômica e doutorado em
medicina preventiva, que trabalha com economia de saúde desde 1997 e fármaco-economia
desde 2004. Com vínculo com a Novartis, trabalha atualmente na área de oncologia.
• Dra. Yara Baxter, nutricionista, graduada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade
de São Paulo (USP), doutora pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP).
• Roseli Borghi, nutricionista. Especialista clínica e gerente do Departamento Científico da
Nestlé Health Science.
Debatedores:
• Dra. Maria Carolina Gonçalves Dias, nutricionista-chefe da Divisão de Nutrição e Dietética do
Instituto Central do Hospital das Clínicas da FMUSP, coordenadora administrativa da Equipe
Multiprofissional de Terapia Nutricional do Hospital das Clínicas, da mesma faculdade, mestre
em Nutrição Humana pela USP, especialista em Nutrição Parenteral e Enteral pela SBNPE
e pela ASBRAN, e em Administração Hospitalar pelo Instituto de Pesquisas Hospitalares;
membro do Comitê Técnico de Nutrição Enteral da Comissão de Farmacologia da Secretaria
de Estado da Saúde de São Paulo
• Denise Philomene Joseph van Aanholt, nutricionista, especialista em Nutrição Clínica pela
USC, em Terapia Nutricional pela SBNPE e em Home Care pela Escola de Enfermagem da
USP, especialista em Administração Hospitalar pela USC (Universidade Sagrado Coração),
coordenadora e professora dos módulos de Atenção Domiciliar e TN do IMeN. Membro do
Conselho Executivo e do Comitê de Nutrição da Felanpe (Federación Latino Americana de
Terapia Nutricional, Nutrición Clínica y Metabolismo), e do Comitê Educacional da SBNPE
e do Comitê da NE pela Comissão de Farmacologia de São Paulo. Também é auditora em
terapia nutricional pela CONEX; membro do Comitê Técnico de Nutrição Enteral da Comissão
de Farmacologia da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo;
• Lúcia Caruso, nutricionista, coordenadora técnica da EMTN do Hospital Universitário, da
Universidade de São Paulo, mestre em Nutrição Humana pela USP, especialista em Nutrição
Clínica e docente do Centro Universitário São Camilo de São Paulo;
• Dra. Selma Freire de Carvalho da Cunha, médica, formada pela Universidade Federal do
Triângulo Mineiro, de Uberaba, com residência e clínica médica em nutrologia, especialista
em nutrição, mestrado e doutorado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. É
docente da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, consultora da ANVISA e da Secretaria
de Saúde do Estado de São Paulo, em temas relacionados em terapia enteral ou em formulas
enterais.
Coordenação Geral:
•Mariela Berezovsky, farmacêutica-bioquímica, diretora executiva do ILSI Brasil.
A dieta
artesanal e
seu espaço
no Brasil
O tema principal do debate foi a relação de benefícios e de custo da dieta enteral em
suas diferentes composições, principalmente em sua forma artesanal. Os apresentadores
e debatedores, com base em suas experiências em diversos ambientes hospitalares e
domiciliares de terapia nutricional, discutiram sobre se existe ou não um lugar para a
dieta artesanal no Brasil, considerando as reais condições de produção dessas dietas e a
disponibilidade dos produtos industrializados.
São muitas as desvantagens da dieta artesanal sobre a industrializada, segundo os
participantes. De acordo com Roseli Borghi, “Vários estudos comentam sobre os diferenciais
entre essas dietas. No geral, as justificativas do uso da dieta artesanal estão no fato de ser
uma fórmula mais natural, mais fisiológica, e por conter alimentos in natura. Alguns estudos
mostram que é também mais econômica”, comentou. Em contrapartida, a dieta artesanal
apresenta maior risco de contaminação, dado o seu manuseio extensivo em todas as etapas
de processo de produção e envase devido à possibilidade de contaminação microbiana, o
preparo destas dietas requer aplicação de pontos críticos de controles rigorosos em todos
os processos. A substituição de alimentos e o método de cocção interferem na composição
nutricional da fórmula. As alterações físico-químicas e de composição da dieta artesanal
são inúmeras, porque no geral ela tem uma redução da densidade calórica e proteica, e
não consegue atingir os valores necessários para demanda do paciente, tem distribuição
inadequada de macro e micronutrientes, uma vez que é uma dieta de cálculo estimado, e
também confere discrepância dos valores esperados dos nutrientes. Nem sempre o que foi
calculado é o que o paciente realmente está recebendo”, explicou. “Sem considerar que, como
é uma produção ‘caseira’, não é possível controlar valores de viscosidade e osmolalidade,
que são controláveis por equipamentos específicos”.
Já as dietas industrializadas, por conta da estabilidade de macro e micronutrientes,
conseguem atender às necessidades nutricionais do doente. “Os riscos de contaminação são
menores com a dieta industrializada, porque são eliminadas várias etapas de manipulação.
A dieta industrializada oferece uma nutrição adequada: é possível prever os nutrientes
considerados para o tratamento do paciente, levando a maior segurança; tem melhor fluidez,
porque a viscosidade, a osmolalidade e a densidade calórica são controladas”, disse Roseli.
Ela explicou que, em teoria, a dieta artesanal permite maior flexibilidade de receitas para
atender às necessidades alimentares dos pacientes, e tem vantagem econômica inicial, mas
somente no custo dos ingredientes. “Mas as vantagens teóricas acabam sendo compensadas
pelo aumento das despesas médicas decorrentes do seu uso, porque não se consegue atingir
as necessidades nutricionais do paciente, que normalmente já é desnutrido, em função de
sua doença, ou de sua permanência no hospital, e ainda confere complicações adicionais. Na
prática, a individualização de receitas não acontece, por ser demorada e trabalhosa”.
Aparte a discussão do tipo de dieta, se artesanal ou industrializada, o benefício da
introdução da terapia nutricional enteral é consenso, tanto do ponto de vista clínico como
econômico. O dr. Dan Waitzberg comentou sobre o trabalho publicado na Revista de
Nutrição Clínica da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBNPE), resultado
de uma avaliação teórica sobre o uso integral de terapia nutricional enteral e parenteral em
todo o município de São Paulo, tomando como base os resultados do estudo conhecido
como Ibranutri (Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar). Os dados foram
enviados ao Ministério de Saúde, e indicavam que o investimento total em terapia nutricional,
de nutrição enteral ou parenteral, traria um retorno de 4 reais por cada real investido. Isso
acabou motivando a mudança do Ministério da Saúde em favor de remunerar a nutrição
enteral — pois a parenteral já era paga. Waitzberg lembrou que o uso de terapia nutricional
enteral e parenteral na maior parte dos hospitais brasileiros já é realidade.
No caso do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP), a terapia nutricional enteral domiciliar também provou seu valor, por meio do
programa PROSNED, do Serviço de Nutrição e Dietética, que forneceu durante muitos anos
terapia nutricional enteral para pacientes da rede pública, de forma
gratuita e com bons resultados em termos de recuperação nutricional.
No entanto, em 2009 foi cortada a verba SUS para reembolso da
terapia nutricional domiciliar, que ficou restrita a somente 30% dos
pacientes que têm necessidade da dieta. O custo hoje é bancado pelo
Instituto Central, e não mais pela Secretaria da Saúde, e muitas vezes
o hospital precisa optar entre remunerar a dieta enteral de doentes em
tratamento crônico ou comprar um equipamento essencial como um
respirador, por exemplo.
Pensando no aspecto “custo”, existe lugar para a dieta artesanal no
Brasil? Lançada a provocação, as participantes do debate começaram
a expor suas ideias. A maior parte foi enfaticamente contra o uso da
dieta artesanal, já que a artesanal apresenta falhas no cumprimento da
prescrição nutricional, que acabam por resultar em reinternações por
infecções e escaras de decúbito devidas a deficiências nutricionais. A
diferença de custo, especialmente em doentes oncológicos, entre as
dietas artesanal e industrializada não justificariam o uso da artesanal,
segundo Yara Baxter, da Novartis, hoje trabalhando na área de oncologia
da empresa.
A nutricionista Lúcia Caruso relembrou a história da adoção da
dieta artesanal e da industrializada no Brasil: “Historicamente, as dietas
artesanais tiveram um papel muito importante porque não tínhamos
alternativa. Quando da entrada das dietas industrializadas no nosso
país, a diferença de custo era exorbitante, e não havia outra alternativa,
então por isso é que elas são tão enraizadas. Mas os estudos têm
cada vez mais provado as suas inadequações tanto com relação ao
valor nutricional, como especialmente à viscosidade”, pontuou a
nutricionista, dizendo que tão importante quanto o valor nutricional
é “a dieta correr de maneira adequada numa sonda de fino calibre
em posição pós-pilórica com grande osmolalidade”. Assim, mesmo
para o paciente domiciliar, que teria mais dificuldades de adquirir a
dieta industrializada, a dificuldade de orientação dos cuidadores para
a padronização da produção das dietas justificaria a prescrição da
dieta industrializada. Porém, em situações específicas, com critérios de
elegibilidade definidos, a dieta artesanal ou mista pode ter seu papel,
por exemplo em doentes com gastrostomia e que tenham cuidadores
capazes de controlar a produção.
As apresentações realizadas durante o evento a respeito de custo-
benefício mostraram que, levando-se em consideração os riscos
de reinternações por complicações, o custo da dieta industrializada
aproxima-se ao da artesanal. Porém, conforme pontuado pela
nutricionista Denise Van Aanholt, “a questão é: quem é que vai pagar
essa conta? No setor público, o governo vai custear isso? No setor
privado, será que as operadoras custeariam pensando nos benefícios?”,
questionou. “Sabemos, na prática, que o home care ainda precisa ser
legalizado oficialmente no Brasil, com critérios sobre o que pode o que
não pode para a fonte pagadora, e ter um entendimento e uma parceria
com o governo para que possa ser viável fazer uma terapia nutricional
domiciliar, que atenda melhor aquele que realmente necessita”. Mesmo
no ambiente hospitalar, a introdução da dieta industrializada enfrentou
várias barreiras, de acordo com os relatos das nutricionistas presentes.
As verbas do Sistema Único de Saúde (SUS) congeladas são uma
justificativa dos hospitais para não muitas vezes se negar a pagar pelas
dietas industrializadas, equipos e frascos, mesmo que, no ambiente
hospitalar, tenha ficado patente que não há mais evidência científica
para uso da dieta artesanal.
A única situação em que foi colocada como possível, à luz da evidência
científica, a dieta artesanal, ou principalmente a mista, é a do paciente
crônico ou em cuidados paliativos, há muitos anos, sem possibilidade de
evolução clínica favorável, e cuja família tenham condições de manter
o nível adequado de cuidados. O uso de gastrostomias com cateteres
de grosso calibre facilitaria a administração, mesmo que eventual, de
dieta artesanal. Ainda assim, análises microbiológicas, de viscosidade
e de adequação da composição são essenciais para garantir o nível de
cuidado por longo tempo. A capacidade da família de adquirir frascos
e equipos tem de ser levada em consideração, inclusive porque afeta o
risco de infecção. Para todos os outros, podem ser buscados recursos
em associações de pacientes ou nas Secretarias de Saúde, justificando
pelo custo-benefício.
Nesse sentido, os estudos de custo-benefício são extremamente
úteis no campo da terapia nutricional, pois reinternar um paciente que
se desnutriu após a tentativa de implementação de dieta artesanal
pode ser mais custoso do que mantê-lo em dieta industrializada.
Porém, para o gestor de saúde, o custo da reinternação pode ser pago
pelo SUS ou pela fonte pagadora, o que nem sempre acontece com a
dieta enteral industrializada em casa, que preveniria a reinternação. Dan
Waitzberg lançou então a seguinte provocação para os debatedores:
“existe na indústria alguma ideia para atender uma solicitação de uma
dieta enteral domiciliar de super baixo custo, mas de fácil manuseio
mesmo pelos pacientes mais pouco privilegiados?” Representantes da
indústria presentes no evento revelaram que sim, o setor tenta buscar
opções menos especializadas e mais acessíveis, para que o paciente
domiciliar consiga usar de forma mais fácil, evitando a contaminação. O
desenvolvimento dessas alternativas já é uma realidade nas indústrias.
A responsabilidade pelo custo da terapia nutricional foi uma
discussão que fechou o evento: ao se considerar que a nutrição por
sonda é um cuidado terapêutico, é preciso concluir que é obrigação do
Estado, que tem que arcar com o custo. Se, por outro lado, a nutrição
for considerada um cuidado primário, ou simplesmente “alimentação
batida no liquidificador e administrada por sonda”, então a família
teria a responsabilidade e não o Estado. “Ainda existem situações de
terapia que estão sendo tratadas como comida”, alertou Yara Baxter.
“Situações de terapia deveriam ser analisadas, do ponto de vista de
custo, como o custo do doente, e não o custo da dieta. O custo do
doente! Enquanto isso ficar na cozinha do hospital, não vamos sair
disso. Daqui a dois anos vamos estar falando a mesma coisa. Quando
isso subir para o âmbito da terapia, lado a lado com a equipe médica,
chegaremos lá.” Roseli Borghi reforçou: “existem farmaconutrientes,
a adição de nutrientes específicos para tratamento de diversas
situações clínicas – e nós ainda estarmos presos ao alimento como
se simplesmente fonte de alimentação mesmo e não como parte do
tratamento”.
O papel da
fármaco-economia
Por que a avaliação econômica na área de saúde é necessária? A economista Joice Valentim
lançou esse questionamento à plateia durante a sua apresentação sobre as ferramentas
disponíveis para avaliação econômica e a fármaco-economia e como se aplicam às áreas
de nutrição e medicina. E logo respondeu: “Porque os recursos são limitados e é preciso
tomar decisões”. E completou: “Dado um determinado orçamento, quais são as melhores
decisões, ‘alocativas’, quais são as melhores intervenções que devem ser escolhidas para
que os pacientes recebam os melhores benefícios e seja otimizado o uso de recursos? É um
conceito totalmente econômico, de otimização ou eficiência na alocação de recursos. Fazer
o melhor ou o possível com os recursos disponíveis e ofertando o máximo de utilidade, ou
qualidade de vida, ou benefícios para os pacientes. A aplicação é muito ampla, porque o
custo pode ser calculado com base em vários fatores, desde a nutrição, a vacinação ou até
o tratamento oncológico, e a metodologia acaba sendo a mesma. São as áreas que diferem
para aplicação.”
A economista relatou que surgiram na década de 1990 as primeiras agências de avaliação
de tecnologia em saúde. A primeira foi o National Institute for Health and Clinical Excellence
(NICE), que decide o que entra ou não no sistema público de saúde britânico. Austrália,
Reino Unido, Canadá e Brasil têm se tornado países que usam a avaliação de tecnologia
em saúde, baseando-se ou pautando-se na avaliação econômica, para decidir por inclusão
ou não das tecnologias no sistema. De acordo com a palestrante, o SUS (Sistema Único
de Saúde) brasileiro, por exemplo, se baseia no NHS, National Health System, do Reino
Unido, buscando alcançar o sistema de saúde inglês e usando os mesmos critérios. Segundo
Joice, desde o ano 2000, isso vem se disseminando, seja dentro do sistema de saúde ou
na academia, com reflexos importantes, como critérios para a criação de equipamentos.
No Brasil, os marcos foram a criação, em 2006, da CITEC (Comissão de Incorporação de
Tecnologias do Ministério da Saúde), e, de 2011 para 2012, da Conitec (Comissão Nacional de
Incorporação de Tecnologias no SUS). A Austrália também está à frente no que diz respeito
à questão econômica, ou o que ficou conhecido como “a quarta barreira” (além da avaliação
sobre a qualidade, a segurança e a eficácia dos produtos que entram no país, também são
pesados os critérios econômicos).
De acordo com Joice Valentim, “na avaliação econômica, não se trata simplesmente de
fazer uma comparação clínica — qual é, por exemplo, a intervenção em nutrição, prevenção,
tratamento, ou mesmo diagnóstico, que tem a melhor eficácia, o maior benefício clínico.
Na avaliação econômica, comparam-se tanto o benefício clínico quanto os custos que
essas intervenções trazem.” Ao avaliar uma nova intervenção a ser adotada pelos sistemas
públicos de saúde, as agências precisam levar em consideração diversos fatores. Geralmente,
tecnologias novas custam mais caro por causa do investimento no seu desenvolvimento.
Vale a pena pagar pela nova tecnologia, assumindo que ela tem um benefício clínico igual ou
superior ao que já existe? “Se custa mais caro e é pior, não precisamos gastar muito tempo
para decidir. Então é uma comparação de custos e benefícios”, completou a economista.
No Brasil, a maioria dos estudos é feita a partir da perspectiva do SUS – uma exigência da
Conitec e também porque há maior disponibilidade de dados. Partindo do princípio de que
estudos clínicos foram realizados para estabelecer o benefício clínico da intervenção, o que
pode ser modificado é o custo. Uma internação no SUS, por exemplo, custa menos do que
num hospital particular. Ou seja, a variação de custos está relacionada com a instituição ou
com a perspectiva. “Isso mostra a importância da perspectiva, e a perspectiva mais ampla
que existe é a da sociedade, o que significa que a sociedade como um todo está sendo
considerada”, afirmou Joice.
No caso da perspectiva da sociedade, deveriam ser incluídos também os custos de
produtividade, ou de perda de produtividade: uma pessoa doente, internada, deixa de
produzir, de gerar riqueza econômica para a sociedade. “Em sociedades muito avançadas,
como a Suécia, é exigida a inclusão dos custos de produtividade nos estudos, para uma
perspectiva mais ampla. No Reino Unido, com o NICE, e no Brasil, se usa a
perspectiva do sistema de saúde, que não inclui todos os custos possíveis”,
explicou a economista.
Em seguida, Joice explanou sobre os tipos de avaliação econômica que
se pode realizar: a análise de minimização de custos, o custo-efetividade,
o custo-utilidade e o custo-benefício. O custo-efetividade é expresso em
unidades naturais, por isso é que se fala em efetividade (expectativa de vida,
casos evitados ou mortes evitáveis). “Efetividade é eficácia no mundo real.
Não se usa custo-eficácia, se usa custo-efetividade, apesar de, na maioria
dos casos, acabarmos usando a efetividade do estudo clínico, porque não
temos dados da efetividade do mundo real; é mais no sentido de derivar
em unidade natural. Só se faz essa análise quando se tem maiores custos
e diferença de efeito. Quando não se sabe se são maiores os custos ou os
benefícios, faz-se esta comparação, para verificar se o benefício compensa
o valor que será pago a mais”, esclareceu. E completou, comentando o
gráfico que apresentou: “Por questões éticas, não se oferece algo que tem
uma resposta menor para o paciente. Mesmo que isso custe menos. Porque
já existe um padrão de qualidade. Se o benefício é menor e custa mais,
nem se pensa em usar o produto, não é uma opção boa. Se custa menos,
mas a diferença de benefício é menor, é antiético. Se é mais efetivo, tem
benefício maior, e custa menos, não há o que pensar: é o que se chama de
dominante, é lógico que será a opção escolhida.”
É nesse quadrante que se coloca a avaliação econômica de custo-
utilidade. A análise custo-utilidade é uma análise de custo-efetividade,
aplicando-se unidades combinadas que incluem a qualidade de vida. Então
se considera tanto a unidade — por exemplo, evitar um caso de doença
infecciosa —, quanto o ganho de qualidade de vida do paciente ao longo
do tempo. “Na área de nutrição, uma intervenção pode gerar um benefício
ou melhor qualidade de vida para o paciente: ele se sente melhor, deixa de
ter náusea ou outro problema gastrointestinal. Geralmente isso é informado
pelo próprio paciente, em questionários aplicados por psicólogos. Em
muitos casos, esses questionários incluem até a aparência do paciente. Isso
tem que ser adaptado de país a país e para cada linguagem.”
O último tipo de análise é a de custo-benefício, ou seja, quando benefícios
e custos são expressos em termos monetários. Para isso, existem fórmulas
ou metodologias que apresentam o custo-benefício sob a perspectiva do
retorno de um investimento. “É uma análise mais financeira e que tem,
como todas as análises, seus prós e contras. O lado positivo da análise de
custo-benefício é a possibilidade de a sociedade decidir pela alocação. É
possível decidir pela alocação de recursos em segurança, em educação,
ou em saúde, e assim por diante. Porque como os benefícios variam muito
de área para área, e se os colocamos em termos monetários, fica mais
fácil ver o retorno para o investimento. Para presidentes ou ministros, por
exemplo, essa é uma boa forma de apresentar a análise.” Joice comentou
que as análises de custo-efetividade e de custo-utilidade costumam ser
mais comuns, pois usam a unidade natural ou qualidade atrelada a essa
unidade.
Na parte final de sua apresentação, a economista introduziu o conceito
do custo-efetividade incremental. “Geralmente, obtém-se economia nas
situações ou intervenções dominantes, que têm um benefício muito positivo
ou superior, com um custo inferior. Mas nem todos os casos são tão triviais:
muitas vezes tem que ser feita análise de custo-benefício, custo-efetividade,
custo-utilidade, para rastrear todos os custos da cadeia, para se ver o que
gera economia. É preciso capturar toda a cadeia, pois muitas vezes não há
como prever só fazendo a comparação imediata, por exemplo, do preço
de duas intervenções: isso gera um número que, sozinho, não quer dizer
nada. O resultado pode ser: ‘custa 10 mil reais por ano de vida’. Se você
evitou uma morte por meio de algum tratamento, que custou 10 mil para
evitar essa morte, isso é custo-efetivo ou não? É preciso ter um limiar ou
um parâmetro para comparar. O Brasil não tem limiar. Alguns países têm.
E o Brasil se posiciona de uma forma que não vai ter”. O que se costuma
fazer por aqui, segundo ela, é seguir a sugestão da Organização Mundial
de Saúde (OMS), de 2003: uma intervenção é definida como custo-efetiva
quando o custo incremental pelo desfecho definido fica abaixo de um
valor estabelecido como três vezes o produto interno bruto (PIB) do país.
A OMS, a equipe da Universidade de Harvard e os europeus em geral usam
uma unidade chamada DALY (disability-adjusted life year). Cada centro de
estudo no mundo usa a sua. No caso do Brasil, isso resultaria em mais ou
menos 60 mil reais. Então uma nova intervenção custando por volta de 60
mil reais de incremento seria custo-efetiva.
“Isso tem uma lógica muito maior na perspectiva de sistema de saúde
como um todo do que de uma instituição, mas também pode ser apresentado
para a perspectiva de uma instituição”, explicou Joice. A economista
então apresentou a fórmula da razão de custo efetividade incremental
em português, ou, em inglês, incremental cost effectiveness — mesmo
se é o custo-utilidade, se fala custo-efetividade. “É um resultado relativo,
comparativo. Por exemplo, num caso de estudo mostrando economia de
4 mil dólares, não há incremento, na verdade, a intervenção gerou uma
economia. Existem situações nas quais não há variação do custo, existe o
‘mundo ideal’, que seriam as situações de geração de economia, com mais
benefícios da perspectiva de quem está pagando, e existe a situação mais
comum que é a de custo incremental. A ideia da fármaco-economia e da
avaliação econômica em saúde não é necessariamente de gerar economia.
Se gera economia, em muitos casos, isso é bom, é positivo, mas a ideia é:
dado esse custo incremental que se tem por ser uma tecnologia nova, qual
é o limite aceitável para se pagar a mais por isso? Se há um incremento de
custo, qual é o limite desse incremento?”
DRI DRI
(31-50 anos / (51-70 anos / Fórmula Fórmula Fórmula Fórmula Fórmula
Nutrientes Masculino e Masculino e A B C D E
Feminino)* Feminino)*
46 (F) / 46 (F) /
Proteínas (g) 92,89 192,85 167,04 130,24 63,66
56 (M) 56 (M)
8 (F) /
Ferro (mg) 8 (M/F) 5,6* 18,9 8,36* 26,5 3*
18 (M)
11 (M) /
Zinco (mg) 11 (M/F) 8,21* 20,31 21,7 25,5 13,2
8 (F)
75 (F) / 75 (F) /
Vitamina C (mg) 62,7* 240 248,1 73,56* 301,8
90 (M) 90 (M)
* depende de sexo e idade
Distribuição percentual
Fórmula A Fórmula B Fórmula C Fórmula D Fórmula E
sugerida (OMS)
Proteínas
10-15% VET 29,11% 39,78% 14,46% 24,10% 16,72%
Carboidratos
55-75% VET 40,45% 41,58% 22,79% 29,94% 53,06%
Gorduras
15-30% VET 30,45% 18,64% 62,74% 45,96% 30,22%
Roseli Borghi explicou que a contaminação dessas dietas é frequente, chegando a 30%,
segundo a literatura. “São vários os fatores: falta de atenção dos manipuladores, falta de
higiene com os equipamentos utilizados nos processos de produção das dietas e nos balcões
de auxílio, inclusão de nutrientes não esterilizados e temperatura de armazenamento elevada
demais.” A conclusão da nutricionista é que os níveis de contaminação são altos em dietas
artesanais, excedem, com frequência, os padrões aceitos pela legislação e acabam elevando
os riscos de infecção hospitalar.
Foi também realizada uma análise simples do custo do alimento utilizado na preparação
da dieta artesanal. Foram buscados os valores mínimos encontrados em supermercados
populares, no caso de aquisição dos alimentos, e também os preços mínimos praticados
no mercado no caso dos alimentos industrializados: neste caso, a pesquisa foi feita em
pontos de vendas especializados e em farmácias onde as dietas industrializadas eram
comercializadas. O estudo calculou qual seria o
valor para a produção de cada uma das fórmulas
analisadas. Porém, foi utilizado o custo parcial,
que considera só o preço do alimento, sem
levar em consideração outros componentes
importantes do custo, como uso de frascos e
equipos, desperdício mão de obra na produção e
da enfermagem na distribuição e administração
da dieta.
O trabalho mostrou que, em uma das
fórmulas, o custo foi muito mais baixo que nas
demais. Foram estimadas seis refeições ao dia,
num valor médio de 200 ml de cada refeição
intermediária e 300 ml para o almoço e o
jantar, somando um volume diário de 1.400 ml
e 1.800 kcal. O valor médio estimado do custo
e do volume de dieta caseira ficou entre 21 e 28
reais. Já nas fórmulas industrializadas em pó,
o valor médio dos produtos em 400 g foi de
31,61 reais. “É bem próximo da fórmula B, e não
é uma formulação extremamente cara, e nem a
formulação artesanal é extremamente barata,
com exceção da Fórmula A, que chegou a 8,58
reais.”
A variabilidade dos valores nutricionais nas
dietas avaliadas pode contribuir para aumentar
o risco de desnutrição, infecções, desidratação
e suas consequências nos pacientes submetidos
à terapia nutricional enteral “O monitoramento
constante é urgente e de extrema importância
no caso da dieta artesanal, desde a ingestão
da dieta até a evolução clínica do paciente. A
equipe precisa acompanhar o paciente mais de
perto ainda e avaliar todas as suas necessidades.
Para uma terapia nutricional efetiva, é necessário
o fornecimento de fórmulas apropriadas, com
conteúdo de nutrientes adequados de acordo
com a prescrição dietética, conferindo baixo
risco de complicações, isso tudo com uma
avaliação periódica e discussão com a equipe
multidisciplinar de terapia nutricional (EMTN)”,
finalizou Roseli.
Em seguida à apresentação do estudo pela
nutricionista Roseli, Dan Waitzberg destacou a
importância do tema. “Talvez nós tenhamos a
missão de buscar o desenvolvimento de uma
dieta alternativa de alta qualidade. E aí nós vamos
deparar com o problema custo-benefício de
novo. Porque quanto mais você busca qualidade
nesse aspecto, mais vai ter que elevar o custo. O
problema é quem paga esse custo”, afirmou.
Bibliografia
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