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Irene Queiroz MARCHESAN

Jaime Luiz ZORZI

Coleção
CEFAC
Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica
Edson Ibrahim MITRE

OTORRINOLARINGOLOGIA
E FONOAUDIOLOGIA
Copyright © 2003 by Pulso Editorial Ltda. ME
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conforme Decreto no. 1.825, de 20 de dezembro de 1907.

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parte desta edição, por qualquer meio, sem a expressa autorização da editora. A
violação dos direitos de autor (Lei no 5.988/73) é crime estabelecido pelo artigo 184 do
Código Penal.

Editor responsável: Vicente José Assencio-Ferreira


Capa e diagramação: Paulo Sérgio Pereira da Rocha Junior
Impressão e acabamento: Mirian Editora Gráfica Ltda.
Revisão Ortográfica: Ruth Savastano Ferri

Dados Internacionais da Catalogação na Publicação (CIP)

Mitre, Edson Ibrahim.


Conhecimentos essenciais para atender bem a inter-relação
otorrinolaringologia e fonoaudiologia / organizadores: Edson Ibrahim
Mitre, Irene Queiroz Marchesan, Jaime Luiz Zorzi. - São José dos
Campos: Pulso; 2003

Colaborador: Paulo Roberto Lazarini

1. Otorrinolaringologia 2. Fonoaudiologia 3. Otites


À minha amada esposa Rita de Cássia
e aos meus queridos filhos Pedro e Lucas.
Eu os amo desde sempre.
Agradecimentos

Aos Drs. Irene Queiroz Marchesan e


Jaime Luiz Zorzi, pela confiança em mim
depositada e pelo convite para a redação
deste volume.

À fonoaudióloga Rita de Cássia Pari


Mitre, minha esposa, por sua paciente
revisão e imprescindíveis sugestões.

Ao Prof. Dr. Vicente José Assencio-


Ferreira, pelas necessárias orientações e
por sua cuidadosa revisão.

Ao Prof. Dr. Paulo Roberto Lazarini,


amigo e conselheiro, por sua valiosa
orientação prática e na redação dos
capítulos de paralisia facial periférica e de
ronco e apnéia do sono.
Colaboradores
EDSON IBRAHIM MITRE
Mestre e Doutor em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa
de São Paulo
Médico Voluntário do Departamento de Otorrinolaringologia da Santa Casa de São Paulo
Professor dos Cursos de Especialização em Audiologia e em Motricidade Oral do
Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica (CEFAC)
Professor do Curso de Especialização em Audiologia do Instituto de Estudos
Avançados da Audição
Professor Assistente IV do Curso de Graduação em Fonoaudiologia do Centro
Universitário São Camilo

PAULO ROBERTO LAZARINI


Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(USP)
Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Ciências
Médicas da Santa Casa de São Paulo
Apresentação
Recebi com grande alegria e surpresa o convite para a autoria do volume
“Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia” desta que, acredito, será tão necessária e
útil coleção, não só para fonoaudiólogos mais jovens, como para a revisão de alguns
conhecimentos por parte dos profissionais mais experientes e, por que não dizer, dos
médicos e demais profissionais da saúde que estão vinculados às interfaces desta
atividade.
A alegria foi, realmente, muito grande, ao ter-me sido confiada a enorme
responsabilidade por um volume inteiro, abordando aspectos relevantes e de interesse
fonoaudiológico. Por outro lado, selecionar quais afecções deveriam ser incluídas
neste volume e como seriam abordadas, foi uma tarefa muito difícil. Optei por seguir
o roteiro que vem sendo utilizado com sucesso, ao longo de alguns anos, nos cursos
de especialização do Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica (CEFAC)
pelo Brasil, com o acréscimo de outras informações mais abrangentes, assim como de
algumas outras afecções que não são abordadas habitualmente nos cursos.
A despeito de alguns pequenos deslizes, o envolvimento entre
otorrinolaringologistas e fonoaudiólogas é tão intenso que ultrapassa, muitas vezes, o
campo profissional e chega ao afetivo, terminando em casamentos, onde me incluo
neste grupo felizardo. A surpresa do convite para a redação deste volume foi muito
agradável, pois revelou o quanto ainda estamos ligados e necessários uns aos outros.
Infelizmente não me recordo de onde obtive a seguinte frase: “a medicina
é a única profissão que trabalha para sua extinção”. Mas sou forçado a acreditar
que todas as profissões da área da saúde seguem o mesmo destino; e se isto for verdade,
ainda assim não me arrependo de meu juramento de médico.
Acredito que devemos nos voltar para a real finalidade de nossas profissões:
o bem estar físico e mental de nossos pacientes. Se todos os profissionais da saúde
não se desviarem desta finalidade e agirem dentro de todos os preceitos da ética e do
bom senso, a humanidade tem muito a ganhar.
Obviamente este volume não é um tratado com o objetivo de esgotar o
assunto, mas pretende ser um guia para o estudo e elucidação rápida das dúvidas
mais comuns. Espero que fonoaudiólogos, estudantes, médicos e demais profissionais
da saúde possam obter auxílio valioso com este texto.

Dr. Edson Ibrahim Mitre


Sumário
Introdução - Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia .................................. 17
Capítulo I – Malformações da Orelha Externa ......................................... 19
Fístulas pré-auriculares ....................................................................... 19
Tubérculos auriculares ........................................................................ 20
Lóbulo bífido .................................................................................... 20
Dimensão e posição do pavilhão da orelha ................................................ 20
Agenesia e imperfuração do meato acústico externo .................................. 21
Capítulo II – Otites Externas ................................................................ 23
Otite externa difusa aguda ................................................................... 23
Otite externa eczematosa ................................................................... 23
Otite externa circunscrita .................................................................... 24
Otite externa granulosa ...................................................................... 24
Otite externa estenosante ................................................................... 24
Otite externa maligna ......................................................................... 25
Capítulo III – Outras Afecções da Orelha Externa ...................................... 27
Rolha de cerume ............................................................................... 27
Rolha epidérmica ............................................................................... 27
Corpos estranhos ............................................................................... 28
Tumores .......................................................................................... 28
Osteomas e exostoses ......................................................................... 28
Hematoma de pavilhão ou de meato acústico externo ................................. 29
Otomicose ....................................................................................... 30
Capítulo IV – Otite Média Aguda ........................................................... 31
Viral .............................................................................................. 31
Supurativa ....................................................................................... 32
Necrosante ...................................................................................... 33
Alérgica .......................................................................................... 33
Tuberculosa ..................................................................................... 33
Capítulo V – Otite Média Serosa / Secretora ............................................ 35
Capítulo V - Otites Médias Crônicas ...................................................... 39
Otite Média Crônica Simples ................................................................. 39
Otite Média Crônica Supurada Não-Colesteatomatosa .................................. 41
Otite Média Crônica Supurada Colesteatomatosa ....................................... 41
Colesteatoma Congênito ..................................................................... 42
Colesteatoma Adquirido ...................................................................... 42
Capítulo VII – Otosclerose ................................................................... 43
Formas Clínicas ................................................................................. 44
Terapêutica ..................................................................................... 45
Capítulo VIII – Timpanosclerose ............................................................ 47
Capítulo IX – Tumor Glômico ................................................................ 49
Capítulo X – Paralisia Facial Periférica Aguda ..................................................... 51
Introdução .................................................................................................................... 51
Diagnóstico .................................................................................................................. 52
Investigação Clínica .............................................................................................. 52
Investigação Otorrinolaringológica ....................................................................... 53
Investigação Laboratorial ...................................................................................... 54
Investigação por Imagem ...................................................................................... 54
Prognóstico .................................................................................................................. 55
Considerações Finais .................................................................................................. 55
Capítulo XI – Alterações Genéticas com Repercussão na Orelha Interna ........ 57
Aplasia da Orelha Interna Tipo Michel ..................................................... 57
Anomalia de Bing-Siebenman ................................................................ 57
Aplasia da Orelha Interna Tipo Scheibe .................................................... 57
Deformidade de Mondini ...................................................................... 58
Síndrome de Waardenburg ................................................................... 58
Síndrome de Usher ............................................................................. 58
Síndrome de Treacher-Collins ................................................................ 58
Síndrome de Van der Hoeuve ................................................................ 59
Capítulo XII – Doença de Ménière ......................................................... 61
Capítulo XIII – Ototoxicidade ............................................................... 65
Capítulo XIV – Presbiacusia ................................................................. 69
Capítulo XV – Perda Auditiva Induzida por Ruído ...................................... 71
Capítulo XVI – Surdez Súbita ................................................................ 73
Capítulo XVII – Doenças Infecciosas com Risco de Deficiência Auditiva ......... 75
Caxumba ......................................................................................... 75
Rubéola .......................................................................................... 75
Otossífilis ........................................................................................ 76
Capítulo XVIII – Fraturas do Osso Temporal ............................................. 77
Fraturas Longitudinais ........................................................................ 77
Fraturas Transversais .......................................................................... 77
Capítulo XIX – Neurinoma do Acústico. Outras Afecções das Vias Auditivas Centrais .. 79
Capítulo XX – Respiração .................................................................... 81
Insuficiência Respiratória Nasal ............................................................. 81
O Indivíduo Respirador Oral .................................................................. 82
Obstrução Nasal ................................................................................ 84
Obstrução Nasal Anterior ................................................................. 85
Obstrução Nasal Pós-Nasal (Retronasal) ............................................... 85
Capítulo XXI – Rinites Agudas e Crônicas ................................................ 87
Rinites Agudas .................................................................................. 87
Rinite Catarral Aguda ...................................................................... 87
Rinite Catarral Aguda do Lactente ...................................................... 88
Rinite por Corpo Estranho ................................................................ 88
Rinite Vestibular (Vestibulite) ........................................................... 89
Rinites Crônicas ................................................................................ 89
Rinite Crônica Simples .................................................................... 90
Rinite Hipertröfica ......................................................................... 90
Polipose Naso-sinusal ...................................................................... 90
Rinite Atröfica .............................................................................. 91
Rinite Alérgica .............................................................................. 92
Capítulo XXII – Sinusites ..................................................................... 95
Capítulo XXIII – Desvio de Septo Nasal ................................................... 97
Capítulo XXIV – Hipertrofia das Conchas Nasais ........................................ 99
Capítulo XXV – Hipertrofia de Adenóides e Amígdalas .............................. 101
Hipertrofia de Adenóides ................................................................... 101
Hipertrofia de Amígdalas ................................................................... 103
Capítulo XXVI – Atresia de Coanas / Imperfuração Coanal ......................... 105
Capítulo XXVII – Fissuras Lábio – Palatinas ............................................ 107
Fissura Palatina Submucosa ................................................................ 109
Capítulo XXVIII – Outras Afecções do Palato .......................................... 111
Úvula Bífida ................................................................................... 111
Insuficiência Velo-Palatina ................................................................. 111
Incompetência Velo-Palatina .............................................................. 111
Capítulo XXIX – Alterações da Mandíbula .............................................. 113
Capítulo XXX – Disfunção da Articularção Temporomandibular .................. 115
Capítulo XXI – Ronco e Apnéia Obstrutiva do Sono .................................. 117
O Ronco ........................................................................................ 117
A Apnéia Obstrutiva do Sono ............................................................... 118
Complicações da Apnéia Obstrutiva do Sono ....................................... 118
Como Idenfificar o Paciente com Apnéia Obstrutiva do Sono .................. 118
Exames Médicos .............................................................................. 119
Polissonografia ............................................................................ 119
Exame Oorrinolaringológico ............................................................ 119
Cefalometria .............................................................................. 119
Exame Odontológico e Maxilo-Facial ................................................. 119
Exame Neurológico ...................................................................... 120
Exame Clínico Geral ..................................................................... 120
Outros Exames Médicos ................................................................. 120
Tratamentos ................................................................................... 120
Ronco na infância ............................................................................ 121
Como ter Sono Saudável .................................................................... 121
Capítulo XXXII – Laringites ................................................................ 123
Laringites Agudas ............................................................................ 123
Laringite Catarral Aguda ................................................................ 123
Laringite Estridulosa ..................................................................... 124
Epiglotite Aguda .......................................................................... 124
Laringites Crônicas .......................................................................... 124
Laringite Tuberculosa ....................................................................... 125
Laringite Sifilítica ............................................................................ 126
Capítulo XXXIII – Disfonias ................................................................. 127
Disfonias Funcionais ......................................................................... 127
Disfonia Hipercinética ...................................................................... 127
Disfonia hipocinética ........................................................................ 128
Disfonia Espástica ............................................................................ 128
Capítulo XXXIV – Paralisias Laríngeas ................................................... 129
Hemiplegia Laríngea ......................................................................... 129
Diplegia Laríngea ............................................................................. 130
Paralisias Centrais ........................................................................... 130
Paralisias Musculares Isoladas ............................................................. 131
Capítulo XXXV – Afecções da Cobertura das Pregas Vocais ........................ 133
Nódulos de Pregas Vocais ................................................................... 133
Pólipos de Pregas Vocais .................................................................... 135
Edema de Reinke ............................................................................. 135
Cistos de Pregas Vocais ..................................................................... 136
Sulco Vocal .................................................................................... 137
Alterações Estruturais Mínimas ............................................................ 137
Vasculodisgenesia ........................................................................ 137
Ponte de Mucosa ......................................................................... 138
Membrana Laríngea ...................................................................... 138
Introdução

OTORRINOLARINGOLOGIA
E FONOAUDIOLOGIA
Edson Ibrahim Mitre

Segundo o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (3), a


otorrinolaringologia é a especialidade médica que estuda e trata dos distúrbios e
enfermidades do ouvido, nariz, boca e garganta, cuidando, portanto, de importantes
órgãos dos sentidos e da comunicação humana. Incluem-se na especialidade, as
várias regiões da cabeça e do pescoço (excluindo-se cérebro, olhos e coluna cervical),
tratando de suas infecções, disfunções, lesões, traumas e tumores benignos e
malignos. O médico otorrinolaringologista atua em muitas enfermidades, através
de consultas, exame físico, realização e solicitação de exames complementares de
diagnóstico e terapêutica clínica e cirúrgica.
Com tantos avanços nas técnicas de diagnóstico e tratamento das diferentes
afecções desta especialidade, tanto quanto em todas as áreas de promoção da saúde,
torna-se indispensável o concurso de outras especialidades médicas, assim como de
outros profissionais não médicos mas imprescindíveis para o tratamento e, sobretudo,
para a habilitação e reabilitação dos pacientes.
Quando se fala em habilitação e reabilitação de enfermos, a
otorrinolaringologia é uma das especialidades médicas mais antigas a recorrer ao
auxílio de outros profissionais. Segundo o professor Otacílio de Carvalho Lopes
Filho (4), no início da década de 1940, o professor Rezende Barbosa criou o Setor de
Audiologia na Clínica de Otorrinolaringologia da Irmandade da Santa Casa de São
Paulo, na mesma época em que o Dr. Paulo Américo Morgante criou, na Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, o Setor de Fonoaudiologia. Estes foram
alguns dos serviços pioneiros de fonoaudiologia no Brasil.
Pode-se observar que a fonoaudiologia já nasceu, em nosso país, totalmente
integrada à otorrinolaringologia, tendo apresentado grandes avanços e
desenvolvimento, culminando, em 1981, com a Lei 6.965 (2) que regulamentou a
profissão de fonoaudiólogo. De acordo com o Conselho Federal de Fonoaudiologia
(1)
, o fonoaudiólogo é responsável pela promoção da saúde, avaliação e diagnóstico,
orientação, terapia (habilitação e reabilitação) e aperfeiçoamento dos aspectos
fonoaudiológicos da função auditiva periférica e central, função vestibular, linguagem
oral e escrita, voz, fluência, articulação da fala, sistema miofuncional orofacial, cervical
e deglutição.
17
Como pode ser facilmente observado, ambas as áreas se integram totalmente.
Não se pode imaginar a atuação fonoaudiológica desvinculada das informações
otorrinolaringológicas, seja nos conhecimentos anátomo-funcionais, seja na
interpretação patológica ou no fornecimento de dados diagnósticos essenciais ao
direcionamento terapêutico fonoaudiológico, assim como existem diagnósticos
otorrinolaringológicos que requerem atuação fonoaudiológica prévia, concomitante
ou posteriormente à abordagem médica.
O ato médico otorrinolaringológico e o ato fonoaudiológico são,
indubitavelmente, ímpares e próprios de cada profissão. Não se pode imaginar um
otorrinolaringologista desenvolvendo atividades próprias dos fonoaudiólogos ou o
oposto, mas há de se convir que, algumas vezes, certos aspectos de ambas as áreas
estão tão intimamente relacionados que tornam difícil definir a quem cabe a
orientação específica.
Deve-se considerar, sempre, o alvo maior de ambas as profissões, que é a
promoção ou restabelecimento da saúde do paciente. Para, isto, sem dúvida, a soma
de conhecimentos proporcionada por otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos sempre
trará maiores benefícios.
1. Conselho Federal de Fonoaudiologia. Definição. Disponível em: URL http://www.fono.com.br
2. Conselho Federal de Fonoaudiologia. Lei nº 6.965. Disponível em: URL http://www.fono.com.br/lei.htm
3. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Otorrinolaringologia. Disponível em: URL http://www.cremesp.org.br/
especialidades/otorrino/
4. Lopes Filho O. Introdução. In: Lopes Filho O, editor. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 1997. p. VII-VIII.
Capítulo I
MALFORMAÇÕES DA
ORELHA EXTERNA
Edson Ibrahim Mitre

Podemos definir as malformações da orelha externa como anomalias no


desenvolvimento embriológico, gerando características diferentes dos padrões
considerados normais para a população. Algumas vezes, as malformações de orelha
externa são tão discretas que passam praticamente despercebidas até pelo próprio
indivíduo, mesmo porque não costumam ocasionar prejuízos à audição. Outras vezes,
é tão evidente que torna a intervenção imperiosa já nos primeiros anos de vida.
Deve-se salientar que o mais importante é o reconhecimento e o diagnóstico
precoce, para se definir a necessidade de intervenção terapêutica, sempre visando à
adequação morfo-funcional do indivíduo à sociedade.

FÍSTULAS PRÉ-AURICULARES
As fístulas pré-auriculares são identificadas como pequenos orifícios na pele
da região pré-tragal, podendo ainda, manifestar-se no trago, no pavilhão auricular
ou até mesmo no meato acústico externo. O orifício cutâneo constitui o acesso à um
trajeto fistuloso, um pequeno canal revestido internamente por tecido epidérmico,
terminando freqüentemente em fundo cego, mas, às vezes, apresentando um segundo
orifício ou trajetos complexos, com ramificações do canal inicia l(1).
Em sua grande maioria, a fístula não é notada pelo indivíduo, salvo quando
apresenta secreção sebácea de glândulas cutâneas ou infecção do trajeto fistuloso,
situação em que o paciente manifesta dor e drenagem de secreção purulenta no local.
Existe a possibilidade remota de uma fistula pré-auricular desenvolver um
trajeto até a orelha média, quando pode ocasionar o surgimento de otites médias agudas.
Raramente é observado algum comprometimento auditivo, sendo o mais provável,
o desenvolvimento de um quadro semelhante à otite externa difusa aguda, quando na
vigência de infecção de trajeto fistuloso com abertura no meato acústico externo.
As fístulas infectadas ou com abertura no meato acústico externo requerem
cuidado especial durante a realização de exames audiométricos ou adaptação de aparelhos
auditivos. Na primeira situação, convém postergar o exame, se possível, aguardando até a
resolução do processo infeccioso. Na segunda, a oclusão do orifício da fístula pode ser
um fator desencadeante de infecção, além de eventuais processos inflamatórios locais
19
poderem tornar mais difícil a pré-moldagem ou a adaptação de um molde auricular
de forma adequada.

TUBÉRCULOS AURICULARES
Os tubérculos ou apêndices auriculares são resquícios embriogênicos da
formação do pavilhão da orelha. Durante o desenvolvimento embriológico, são
formados seis tubérculos, três em posição cranial e outros três em posição caudal em
relação ao meato acústico externo em desenvolvimento. Gradualmente, existe a fusão
destes tubérculos conforme seu desenvolvimento e diferenciação nas diferentes
estruturas do pavilhão da orelha (2).
Eventualmente não ocorre a fusão de algum dos tubérculos embriológicos
primitivos, ou existe um desenvolvimento anormal, com formação de apêndices,
geralmente constituídos apenas de pele e tecido subcutâneo.
Estes apêndices não costumam causar maiores manifestações que as estéticas,
e são removidos cirurgicamente quando existe queixa do paciente(3).
Entretanto, como a orelha externa apresenta desenvolvimento embriológico
de mesma origem que o labirinto membranoso, a identificação de tubérculos
auriculares pode ser um sinal de alerta indicativo da necessidade de estudo da orelha
interna, quando existe queixa auditiva do paciente.

LÓBULO BÍFIDO
Da mesma forma que os tubérculos auriculares, o lóbulo bífido é um defeito de
desenvolvimento embriológico do pavilhão da orelha e não deve ser confundido com o
lóbulo partido, que é decorrente de utilização de brincos muito pesados ou de traumas.
Sendo o lóbulo a última estrutura a ser formada embriologicamente, ele é
extremamente sujeito a variações em forma e dimensão, todas sem repercussões funcionais.

DIMENSÃO E POSIÇÃO DO PAVILHÃO DA ORELHA


O desenvolvimento embriológico do pavilhão da orelha pode resultar em
variações na forma, dimensão e posicionamento em relação ao osso temporal.
A macrotia é definida como um desenvolvimento excessivo das estruturas
do pavilhão da orelha, resultando em um tamanho maior do que o esperado(3). Não
se deve considerar as características da orelha do idoso como macrotia, pois o que se
observa nesses indivíduos é um alongamento do lóbulo, decorrente da flacidez da
pele e do tecido subcutâneo, além de flacidez das cartilagens auriculares.
Em outro extremo, define-se a microtia (3) como um desenvolvimento
insuficiente das estruturas que formam o pavilhão da orelha. Nesta situação é muito
comum o desenvolvimento insuficiente ou incompleto dos tubérculos embrionários,
resultando em falta de algumas estruturas anatômicas do pavilhão da orelha.
O extremo da microtia é a agenesia do pavilhão da orelha, onde nenhuma
estrutura deste é formada. Esta condição não implica, necessariamente, em agenesia
do meato acústico externo, mas é um indício muito grande de outras malformações
concomitantes das orelhas.
Em relação à posição do pavilhão, deve-se lembrar que existem síndromes
genéticas que têm como uma de suas características o pavilhão da orelha com
implantação mais baixa.
Com certeza, uma das alterações mais evidentes de posição do pavilhão da
orelha é a chamada “orelha em abano”, ou “orelha descolada”. Existem três condições
fundamentais para esta ocorrência: concha auricular muito grande, músculo auricular
posterior flácido ou pouco desenvolvido e dobramento incompleto ou inexistente da
hélice e anti-hélice. Todas as três conferem ao pavilhão um aspecto de distância do
osso temporal, mais precisamente em sua porção posterior, próximo da mastóide (6).
Constitui-se numa alteração puramente estética, mas que pode ter
repercussões psico-sociais importantes quando a criança, em idade escolar, passa a ser
alvo de comentários e de brincadeiras por parte das outras crianças ou até de adultos,
fazendo com que se isole do convívio social ou manifeste outras alterações tais como
baixo rendimento escolar.
Recomenda-se, assim, que a correção estética seja realizada em idade pré-
escolar, evitando traumas maiores e outras repercussões.

AGENESIA E IMPERFURAÇÃO DO MEATO


ACÚSTICO EXTERNO
O meato acústico externo desenvolve-se a partir do primeiro sulco branquial,
em direção à orelha média que está sendo formada. Inicialmente, forma-se um canal
ósseo que é totalmente preenchido por tecido ectodérmico (epitelial). Gradualmente,
ocorre a degeneração central do tampão epidérmico, formando-se então o meato
acústico secundário ou definitivo, recoberto internamente por tecido epitelial e tendo
em seu fundo a membrana timpânica (2).
Considerando o desenvolvimento embriológico, a agenesia consiste na
ausência de formação do canal ósseo, portanto sem identificação de qualquer indício
de localização do meato acústico externo (4).
Já na imperfuração, pode-se identificar um meato acústico externo
parcialmente formado, tendo sua luz ocluída por tecido epitelial e subcutâneo e, às
vezes, por remanescentes ósseos em sua porção mais medial (4).
Em qualquer dos casos, não se forma a membrana timpânica e é muito comum a
associação com malformações de ossículos na orelha média, levando à disacusia condutiva (4-6).
Faz-se necessário o tratamento cirúrgico para construir o meato acústico
externo e a membrana timpânica, com possível necessidade de manipulação da cadeia
21
ossicular, visando uma melhor função auditiva. Como é muito comum a tendência
à estenose do meato acústico externo criado, muitas vezes a confecção precoce de um
molde com a participação do fonoaudioólogo, se faz necessário no pós-operatório.
1. Bellucci RJ. Congenital aural malformations: diagnosis and treatment. Otolaryngol Clin North Am 1981;1(14):95-124.
2. Gray H. Embriologia. In: Warwick R, Williams PL, editores. Anatomia. 35a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1979. p.138-
41.
3. Hungria H. Patologia do ouvido externo. In: Hungria H, editor. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2000. p.363-7.
4. Jahrsdoerfer RA. Congenital atresia of the ear. Laryngoscope 1978;LXXXVIII (suppl. 13).
5. Lopes Filho OC. Deficiência auditiva. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca;
1994. p.535-40.
6. Lopes Filho OC, Ribeiro FAQ. Cirurgia funcional das malformações congênitas da orelha. In: Hungria H, editor.
Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.475-91.
Capítulo II
OTITES EXTERNAS
Edson Ibrahim Mitre

As otites externas são afecções inflamatórias, que podem apresentar


componente infeccioso, e que acometem o pavilhão auditivo e o meato acústico
externo, cada qual isoladamente ou em associação.
As otites externas podem ser divididas em seis tipos diferentes, segundo a
forma de ocorrência e o agente determinante: difusa aguda, eczematosa, circunscrita,
granulosa, estenosante e maligna (2,4).
Deve-se lembrar que a manifestação auditiva nas otites externas é sempre
de disacusia condutiva, reversível com a resolução do quadro.

OTITE EXTERNA DIFUSA AGUDA


Esta é uma das manifestações mais comuns de otite externa, onde ocorre
um processo inflamatório agudo da pele que reveste o meato acústico externo.
Dentre os fatores desencadeantes mais comuns, deve-se salientar o contato
freqüente com água, como no caso dos nadadores; a introdução voluntária ou acidental
de corpos estranhos no meato acústico externo, assim como a tentativa de remoção
destes com objetos inadequados; os quadros de otorréia crônica, em que a secreção
infectada acaba por agredir diretamente o revestimento cutâneo; e mais comumente,
os traumatismos decorrentes do emprego de hastes flexíveis com algodão e utilização
de outros objetos com o intuito de se promover a limpeza do meato acústico externo.
O processo inflamatório local provoca descamação epitelial acompanhada
de edema cutâneo e redução da produção de cerume. É muito comum o aparecimento
de secreção inicialmente serosa, que pode sofrer contaminação e se transformar em
purulenta. O quadro inflamatório leva à hiperemia da pele do meato acústico externo (2).
Com freqüência os pacientes relatam otalgia intensa, às vezes com irradiação
para a região temporal ipsilateral. Há possibilidade do edema da pele ser muito intenso
a ponto de ocluir totalmente o meato acústico externo, agravando a disacusia condutiva
que se instala neste quadro.

OTITE EXTERNA ECZEMATOSA


Esta forma de otite externa consiste em uma hipersensibilidade alérgica da
pele do meato acústico externo, que pode ser desencadeada por diversos fatores tais
23
como alimentares, medicamentosos, contato local de diversas substâncias e,
principalmente, manipulação excessiva do meato.
O quadro clínico é caracterizado por prurido freqüente e geralmente intenso,
além de descamação epitelial difusa. Algumas vezes o quadro é tão intenso que leva a
uma transudação serosa abundante, que pode chegar a escorrer pelo lóbulo da orelha,
provocando irritação da pele circunvizinha.
Este quadro pode ser observado, eventualmente, em pacientes usuários de
próteses auditivas, devido a um processo alérgico desencadeado pelo material do
molde. Felizmente esta manifestação tem se tornado menos freqüente com o emprego
de moldes de materiais hipoalergênicos.

OTITE EXTERNA CIRCUNSCRITA


A otite externa circunscrita é uma manifestação exclusivamente do terço
externo do meato acústico externo, sendo a única região que apresenta pêlos e glândulas
sebáceas e sudoríparas.
Trata-se de um quadro infeccioso limitado a uma pequena região da pele,
mais especificamente de uma glândula sebácea. A infecção é, geralmente, estafilocócica
e autolimitada (3).
Caracteriza-se por otalgia intensa, às vezes acompanhada de plenitude
auricular decorrente da oclusão do meato acústico externo decorrente do processo
infeccioso. À inspeção, identifica-se um ou mais furúnculos no terço externo do
meato e, por vezes, áreas de drenagem espontânea da secreção hemo-purulenta (2).

OTITE EXTERNA GRANULOSA


Esta forma de otite externa é conseqüência da exsudação purulenta crônica
decorrente de otite média crônica ou de otite externa difusa aguda de longa evolução,
geralmente em indivíduos imunocomprometidos, como ocorre no paciente diabético (2,3).
A agressão constante à pele do meato acústico externo estimula o
desenvolvimento de um tecido de granulação, havendo grande resistência aos
tratamentos habituais. É muito comum o preenchimento do meato por este tecido,
dificultando a inspeção mais detalhada da membrana timpânica.
O histórico de doença auricular crônica do paciente facilita a suspeita clínica
deste diagnóstico.

OTITE EXTERNA ESTENOSANTE


Com certeza um dos quadros mais temidos em otologia, a otite externa
estenosante é um quadro mais raro, geralmente evolutivo da otite externa
granulosa, onde a inflamação crônica da pele do meato acústico externo leva à
hiperplasia da pele com obstrução progressiva e permanente de sua luz, sepultando
a membrana timpânica e a orelha média (2,3).
À inspeção, observa-se o meato em fundo cego ou com pequeno pertuito,
podendo ocorrer em qualquer região da extensão do meato acústico externo.

OTITE EXTERNA MALIGNA


Esta é uma forma muito grave de otite externa difusa aguda, de ocorrência
quase exclusiva em pacientes diabéticos e imunocomprometidos, determinada por
Pseudomonas aeruginosa. Esta é uma bactéria habitualmente presente no meato acústico
externo, sem causar infecções. Ela se torna patogênica na presença de certas condições
especiais.
Em sua evolução, a otite externa maligna pode se estender à glândula
parótida, mastóide, porção escamosa do osso temporal e até mesmo à região cervical
mais inferior. Além disso, pode provocar paralisia facial periférica, comprometimento
de outros pares cranianos e meningite (1).
Caracteriza-se clinicamente por otorréia purulenta acompanhada de otalgia
e sinais de osteíte do meato acústico externo. Mais raramente o quadro pode assumir
proporções muito maiores, com agravamento das condições gerais do paciente.
O comprometimento auditivo pode ser importante se houver invasão da
orelha média e destruição da membrana timpânica.
1. Chandler JR. Malignant external otitis. Laryngoscope 1968;78:1257-94.
2. Grandis JR, Kamerer DB. Otite externa. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca;
1994. p.651-61.
3. Hawke W, Wong J, Krajden S. Clinical and microbiologic features of otitis externa. J Otolaryngol 1984;13:289-95.
4. Hungria H. Patologia do ouvido externo. In: Hungria H, editor. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2000. p.363-7.

25
Capítulo III

OUTRAS AFECÇÕES DA
ORELHA EXTERNA
Edson Ibrahim Mitre

ROLHA DE CERUME
O meato acústico externo apresenta, em seu terço externo, glândulas
ceruminosas, cuja secreção, de produção contínua, é constantemente eliminada em
direção ao exterior. Esta secreção funciona como um mecanismo de defesa da orelha
externa, facilitando a retenção de partículas estranhas (1).
Algumas vezes, existe produção excessiva de cerume ou, o que é mais
freqüente, a eliminação em menor quantidade, proporcionando a retenção no meato
acústico externo. O emprego de hastes flexíveis com algodão, amplamente difundido,
assim como a tentativa de remoção do cerume com técnicas e objetos inadequados
também propicia a retenção.
Quando a quantidade retida é excessiva, pode ocluir a luz do meato acústico
externo, levando à sensação de plenitude auricular, com disacusia condutiva transitória (2,3).
Isto pode levar a resultados errôneos em exames audiométricos, assim como
pode alterar a eficiência de próteses auditivas, bem como dificultar a pré-moldagem
para próteses auditivas e a confecção de tampões auriculares do tipo plug.

ROLHA EPIDÉRMICA
O meato acústico externo é revestido internamente por tecido epidérmico
que, naturalmente, sofre descamação contínua, com morte e renovação celular. Esta
descamação contínua é permanentemente eliminada graças aos movimentos
migratórios epiteliais no meato acústico externo, da membrana timpânica em direção
ao pavilhão da orelha (1).
Em algumas raras situações, existe a retenção da descamação epidérmica no
meato acústico externo, podendo ocluir totalmente a sua luz. Isto é denominado de
rolha epidérmica ou, segundo alguns autores, colesteatoma de conduto auditivo
externo.
A solução consiste na remoção, porém isto pode ser dificultoso ou doloroso,
já que os limites entre a pele normal do meato acústico externo e a rolha epidérmica
não são nítidos (3).
27
CORPOS ESTRANHOS
Corpos estranhos podem ser facilmente identificados no meato acústico
externo apenas com a inspeção adequada utilizando-se um otoscópio. Podem ser
introduzidos voluntariamente, o que é mais freqüente em crianças, ou acidentalmente,
e podem ser objetos inanimados ou insetos.
Objetos inanimados podem persistir por meses sem nenhuma repercussão
clínica, mas podem, eventualmente, provocar disacusia condutiva.
A introdução de sementes pode levar à dor local, que passa a se manifestar
à medida que a semente absorve água e se expande, comprimindo as paredes do
meato acústico externo. Baterias de brinquedos e relógios acabam por extravasar seu
conteúdo, determinando agressão cáustica à pele e membrana timpânica, podendo
levar, inclusive, à estenose do meato acústico externo (2,3).
A presença de um inseto vivo no meato acústico externo é extremamente
desconfortável, pois a movimentação do inseto costuma produzir um som de alta
intensidade devido à proximidade da membrana timpânica. Recomenda-se, assim, a
imobilização do inseto com a instilação de algumas gotas de uma solução viscosa
(azeite ou vaselina líquida) no meato acústico externo, antes de proceder à sua remoção.
Não se deve utilizar substâncias voláteis devido à possibilidade de originar vertigens
de origem periférica, ainda que transitórias.
A remoção do corpo estranho deve ser realizada por profissional médico
devidamente treinado, já que tentativas inadequadas acabam por dificultar ainda
mais a sua remoção.

TUMORES
Diversos tipos de tumores podem ser identificados na orelha externa, sendo ao
mais comuns os carcinomas basocelulares e espinocelulares de pavilhão auricular, sobretudo
devido à exposição ao sol. Habitualmente, a cabeça e o rosto são protegidos por bonés e
protetores com filtros solares, esquecendo-se de proteger os pavilhões auriculares que
ficam expostos diretamente ao sol, sobretudo em sua porção mais cranial.
Outros tumores, tais como hemangiomas, linfangiomas e lesões pré-
cancerosas também podem ser identificadas no pavilhão auricular e até no meato
acústico externo, requerendo tratamento específico segundo o tipo de tumor.

OSTEOMAS E EXOSTOSES
Osteomas são tumores ósseos benignos e exostoses são crescimentos de tecido
ósseo na superfície de um dado osso. O comportamento clínico é muito semelhante,
apresentando crescimento lento e gradual.
A ocorrência de osteomas e exostoses no meato acústico externo é mais
comum em indivíduos que praticam natação em águas frias, podendo-se considerar
que tais formações seriam uma tentativa de proteção da orelha média de temperaturas
mais baixas (3,4).
Na maioria das vezes, são afecções assintomáticas, constituindo-se , quase
sempre, em achados de exames sem repercussões funcionais. Em casos excepcionais
podem provocar a oclusão da luz do meato acústico externo, com necessidade de
tratamento cirúrgico para sua remoção.

HEMATOMA DE PAVILHÃO OU DE MEATO


ACÚSTICO EXTERNO
A coleção de sangue entre o pericôndrio e a cartilagem do pavilhão da
orelha ocorre, geralmente, como conseqüência de traumatismos diretos. É o que
acontece com lutadores, onde o atrito com as orelhas é muito comum. Caso não seja
feito o tratamento adequado, existe a possibilidade de necrose de áreas de cartilagem,
com possíveis deformações cicatriciais do pavilhão.
Outra manifestação, até mais freqüente, é o hematoma de meato acústico
externo, facilmente identificado através do exame otoscópico. Ocorre como
decorrência de manipulação inadequada ou inadvertida do meato, com o uso de
hastes flexíveis com algodão, chaves, palitos, grampos de cabelos ou outros objetos.
Algumas vezes, ocorre a perfuração traumática da membrana timpânica devido ao
uso destes objetos (Figura 1).

Figura 1 - Perfuração traumática da membrana timpânica direita.


29
Na presença de hematomas muito grandes, existe a possibilidade de bloqueio
do meato acústico externo, gerando disacusia condutiva transitória (4).
Uma complicação possível, porém felizmente mais rara, é a estenose do
terço externo do meato acústico externo, devido à retração cicatricial.

OTOMICOSE
A otomicose é definida como uma infecção do meato acústico externo por
fungos, mais comumente a Candida albicans, Aspergillus niger e Aspergillus fumigatus.
É caracterizada por prurido auricular intenso, com presença de micélios
fúngicos facilmente identificáveis à inspeção do meato acústico externo. A infecção
por Candida albicans revela um aspecto de leite coalhado ou de algodão, enquanto o
Aspergillus confere um aspecto de poeira. Existe, ainda, a possibilidade de otalgia e
de descamação epitelial (2,3).
A otomicose ocorre principalmente como conseqüência de umidade excessiva
no meato acústico externo, como observado em nadadores, trabalhadores de câmaras
frigoríficas e usuários de aparelhos auditivos. Onde a oclusão constante retém a
umidade oriunda da transpiração natural da pele.
Em geral, deve-se evitar a realização de exames audiométricos nos portadores
de otomicose, principalmente pela possibilidade de identificar-se disacusia condutiva
apenas pela oclusão do meato provocada pelos micélios fúngicos.
1. Gray H. Embriologia. In: Warwick R, Williams PL. editores. Anatomia. 35a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1979. p.138-
41.
2. Hawke W, Wong J, Krajden S. Clinical and microbiologic features of otitis externa. J Otolaryngol 1984;13:289-95.
3. Hungria H. Patologia do ouvido externo. In: Hungria H, editor. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2000. p.363-7.
4. Lopes Filho OC. Deficiência auditiva. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca;
1994. p.535-40.
Capítulo IV

OTITE MÉDIA AGUDA


Edson Ibrahim Mitre

A otite média aguda é definida como sendo um processo inflamatório


agudo da orelha média (cavidade timpânica e seu conteúdo, a tuba auditiva e
mastóide). Pode ser decorrente de diversos agentes que ascendem à orelha média
em geral pela tuba auditiva, oriundos da rinofaringe, burlando os mecanismos
normais de proteção (1,2,4).
Pode ser classificada em cinco grandes grupos, segundo a etiologia: viral,
supurativa, necrosante, alérgica e tuberculosa.

OTITE MÉDIA AGUDA VIRAL


A infecção viral da orelha média provoca uma degeneração do epitélio de
revestimento (mucoperiósteo), com hiperemia da mucosa e aumento da produção
de muco, decorrente da obstrução da tuba auditiva, que é transitória.
Ocorre o acúmulo de muco na orelha média, além da formação de pressão
negativa, conferindo ao paciente a sensação de plenitude auricular e autofonia.
A otalgia geralmente é leve, com pouca piora nas primeiras horas, salvo nos
casos de miringite bolhosa, onde ocorre o acúmulo de secreção serosa entre a camada
epitelial e a camada fibrosa da membrana timpânica. Neste caso, a distensão da
membrana gera otalgia intensa.
À inspeção auricular, observa-se membrana timpânica de aspecto
avermelhado, com evidência de seus vasos radiados originados na região do anel
timpânico mas, principalmente identifica-se a perda do reflexo luminoso da
membrana. Eventualmente pode-se observar algum nível hidro-aéreo na orelha média
pela translucidez da membrana timpânica.
Na ocorrência de miringite bolhosa, evidencia-se uma grande bolha na
própria membrana timpânica, podendo ocupar boa parte do meato acústico externo.
A disacusia condutiva nem sempre é tão evidente, sobretudo nas fases
mais iniciais. Com a progressão do quadro, o comprometimento auditivo pode
apresentar pouca piora. A exceção ocorre para a miringite bolhosa, onde o acúmulo
líquido gera efeito de massa, prejudicando a condução sonora (1-4).
31
OTITE MÉDIA AGUDA SUPURATIVA
É a forma de otite média mais comum na infância, sobretudo até os três anos de
idade. Tem etiologia bacteriana, sendo os patógenos mais comuns o Haemophilus influenzae,
Streptococcus pneumoniae, Moraxella catarrhalis e Streptococcus piogenes.
A otite média aguda supurativa apresenta, como características fundamentais,
a tendência à supuração (caso não seja tratada precocemente) e cura com reconstituição
integral das estruturas da orelha média, na maioria dos casos. Manifesta-se por fases
distintas e é uma doença limitada ao mucoperiósteo da orelha média.
A primeira fase, chamada de hiperemia, corresponde ao bloqueio da tuba
auditiva, com hiperemia da membrana timpânica e otalgia leve, com febre baixa,
tornando difícil sua distinção da otite média aguda viral. Em crianças pequenas são
muito comuns manifestações de irritabilidade, choro e recusa alimentar.
À medida que a doença progride, ocorre a exsudação de fibrina e
leucócitos na orelha média, além do aumento da produção de muco,
caracterizando o acúmulo purulento na cavidade timpânica e mastóide. A pressão
gerada na cavidade timpânica determina o abaulamento da membrana timpânica
em direção ao meato acústico externo, o que leva à otalgia importante e disacusia
evidente. Aqui, o exame otoscópico não deixa dúvidas de diagnóstico (1-4).
Caso o paciente não receba tratamento em tempo adequado, a doença pode
passar à chamada fase de supuração, onde ocorre perfuração espontânea na parte
tensa da membrana timpânica, com subseqüente drenagem da secreção purulenta da
orelha média para o meato acústico externo. Neste momento, o paciente relata alívio
da otalgia e da febre, mas mantém disacusia muito importante.
De modo geral, a otite média aguda supurativa tende a evoluir para a cura,
mesmo quando ocorre a perfuração timpânica. A orientação mais importante é a de
não permitir a entrada de água no meato acústico externo, facilitando assim o processo
de cicatrização. Ao evoluir para a fase de resolução, o paciente percebe recuperação
gradual da audição, em geral até os níveis normais.
Existe a possibilidade de evolução ruim, com estabelecimento de
complicações, tais como abscesso sub-periostal, meningite, labirintite supurativa,
petrosite e paralisia facial periférica. Com o advento de terapêuticas mais adequadas,
estas complicações tornaram-se mais raras.
Do ponto de vista fonoaudiológico, se contra-indica a realização de exames
audiométricos na vigência de otite média aguda supurativa apenas devido ao
desconforto doloroso do paciente. Em casos de evolução para complicações, o exame
audiométrico pode ser indispensável.
A ocorrência de perfuração timpânica pode, caso não haja proteção
adequada contra a água, levar ao estabelecimento da otite média crônica,
principalmente em adultos.
OTITE MÉDIA AGUDA NECROSANTE
É uma forma especial de otite média aguda que ocorre na vigência de
doenças como sarampo, escarlatina, pneumonia ou gripes, onde existe uma queda
nas defesas naturais do organismo.
Aliam-se a resistência bacteriana aos antibióticos habituais e a produção de
toxinas necrosantes, que levam à destruição tecidual que pode comprometer mucosas,
ossículos e membrana timpânica.
Habitualmente observa-se perfuração ampla da membrana timpânica, que
se estabelece muito precocemente, com poucos ou nenhum sintoma otológico prévio,
sendo a otorréia, com freqüência, o primeiro sintoma desta afecção. O cabo do martelo
é envolvido facilmente, acabando por necrosar, da mesma forma que pode ocorrer
com a bigorna, provocando desarticulação da cadeia ossicular (3,4).
Esta ampla destruição de estruturas da orelha média leva à disacusia condutiva
severa, muitas vezes com diferença aéreo-óssea máxima (60 dB). Felizmente não se
costuma observar envolvimento da orelha interna, e a via óssea encontra-se
preservada.
Existe grande tendência de evolução da otite média aguda necrosante para
quadros de otite média crônica, com manutenção da perfuração timpânica. Também
existe maior facilitação da migração epitelial do meato acústico externo para a orelha
média, em função do estabelecimento de perfuração timpânica marginal (envolvendo
o anel timpânico), podendo desencadear o colesteatoma adquirido secundário.

OTITE MÉDIA AGUDA ALÉRGICA


Esta forma de otite média aguda é de diagnóstico mais difícil, podendo ser
confundida com a otite média serosa. Trata-se de um processo exsudativo, com
liberação de substâncias do tipo da histamina (mediadora de inflamação) e de
mastócitos sensibilizados na orelha média, decorrente de manifestação alérgica de
diferentes causas, sendo as mais comuns as alimentares e respiratórias (2,5,6).
A exsudação leva ao acúmulo de líquido estéril, rico em eosinófilos, na
orelha média. Este líquido é viscoso e de drenagem difícil pela tuba auditiva,
proporcionando disacusia condutiva persistente.

OTITE MÉDIA AGUDA TUBERCULOSA


A tuberculose já foi, no Brasil, uma doença de ocorrência muito freqüente,
e que tem sido pouco lembrada, atualmente, devido a outras doenças que se tornaram
mais graves, como a sífilis e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).
Sabe-se, no entanto, que muitos casos de tuberculose ainda ocorrem no Brasil, nem
sempre com diagnóstico e tratamento adequado.
33
Uma das formas de manifestação é a otite média aguda tuberculosa, em que
o contágio se faz por secreções (saliva, perdigotos) ou por auto-infecção, nos pacientes
portadores de tuberculose pulmonar. Nestes, o bacilo atinge a orelha média por meio
da tuba auditiva, manifestando-se de forma insidiosa e indolor.
A principal característica clínica, que leva à suspeita do quadro, é a
identificação de membrana timpânica espessada apresentando duas ou mais
perfurações. A supuração é, em geral, escassa e inodora. O sintoma mais freqüente é
a disacusia, decorrente das perfurações timpânicas (4,5,6).
1. Bluestone CD, Klein OJ. Otites media in infants and children. Philadelphia: WB Saunders; 1998.
2.Hungria H. Otites médias agudas. In: Hungria H, editor. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2000. p.369-72.
3. Lim DJ. Recent advances in otitis media. Ann Otol Rhinol Laryngol 1989;98(suppl. 139).
4. Lopes Filho OC. Otites médias agudas – estrutura e mecanismos de defesa da orelha média. In: Lopes Filho OC, Campos
CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.663-76.
5. Paparella MM. The concept of silent otitis media. Otolaryngol Clin North Am 1991;24:763-74.
6. Prellner K, Kalm O, Harsten G. The concept or cronicity in otitis media. Otolaryngol Clin North Am 1991;24:787-94.
7. Shambaugh Jr GE, Glasscock ME. Surgery of the ear. Philadelphia: WB Sauders; 1980.
Capítulo V
OTITE MÉDIA
SEROSA/SECRETORA
Edson Ibrahim Mitre

A otite média secretora é uma forma especial de otite média de instalação


silenciosa, onde existe o acúmulo gradual de líquido na orelha média. Este líquido é,
inicialmente seroso, rico em água e sais, portanto mais fluido. Com a evolução do
quadro, o líquido se torna rico em proteínas, portanto mais viscoso e de drenagem
mais difícil pela tuba auditiva (1,3,7).
Algumas teorias são mencionadas para explicar a ocorrência deste quadro
clínico (3,5-8)
. Uma das possibilidades é considerar a obstrução da tuba auditiva como
causa básica. Acreditava-se, anteriormente, que hipertrofias exageradas da tonsila
faríngea pudessem funcionar como tampões das tubas auditivas, impedindo a
drenagem das secreções da orelha média. Sabe-se, hoje, que nesta situação, ocorre o
bloqueio por compressão dos vasos linfáticos na rinofaringe, que é para onde drenam os
vasos linfáticos da tuba auditiva. Isto leva ao edema retrógrado na mucosa tubária, gerando,
assim, obstrução de sua luz. A redução na oxigenação da orelha média e a conseqüente
absorção do oxigênio e excreção de gás carbônico para a caixa timpânica e mastóide
desencadeiam uma pressão negativa na orelha média, o que estimula a transudação serosa.
Outra teoria para justificar a otite média serosa é a chamada infecciosa. Por
esta teoria, acredita-se que infecções do trato respiratório superior tratadas de forma
ineficiente possam gerar uma atividade infecciosa atenuada e persistente na orelha
média, insuficiente para manifestar sintomas clínicos de otite média aguda, mas que
permite a exsudação, mantendo o acúmulo líquido viscoso.
Certamente uma das possibilidades de mais fácil compreensão é a
hipoventilação, que é muito parecida com a teoria de obstrução mecânica da tuba
auditiva. Nesta situação, acredita-se na disfunção do músculo tensor do véu palatino,
impedindo a abertura correta da tuba auditiva, levando à hipoventilação da orelha
média com as conseqüências já descritas anteriormente. É fácil notar esta situação
em pacientes fissurados de palato.
Finalmente, uma outra possibilidade é a ocorrência de mecanismos alérgicos
manifestando sintomas na orelha média (8), com produção de imunoglobulina tipo E
na secreção da orelha média, estimulando a manutenção de líquido claro, estéril e viscoso.
A permanência de líquido seroso na orelha média, aliado ao aporte reduzido
de oxigênio, leva à pressão negativa na orelha média com retenção de gás carbônico,
o qual, por sua vez, estimula a metaplasia do mucoperiósteo (transformação celular,
35
com maior formação de células caliciformes, produtoras de muco). Esta metaplasia
leva à secreção de muco em grandes quantidades, tornando o líquido mais viscoso,
de drenagem ainda mais difícil, agravando o quadro (6).
A identificação desta forma de otite média é muitas vezes retardada devido
à instalação muito lenta, com poucos sintomas que nem sempre são notados pelo
paciente, principalmente em crianças.
O quadro clínico se caracteriza por ausência de dor. Manifesta-se plenitude
auricular com ou sem autofonia, traduzindo disacusia condutiva com limiares aéreos
entre 20 e 45 dB na maioria dos casos. Ao exame otoscópico, pode-se observar a
membrana timpânica de coloração amarelada ou acinzentada, devido ao líquido
presente na orelha média. Também é muito freqüente a identificação de vasos
sangüíneos em direção radiada, partindo do anel timpânico em direção ao centro da
membrana, que não são identificados em orelhas normais (3,5,9).
Por vezes é possível identificar nível hidro-aéreo ou mesmo bolhas na orelha
média por translucência da membrana timpânica. A presença de bolhas é considerada
um sinal favorável, pois para sua ocorrência, é necessária a entrada de ar na orelha
média, que se faz por meio da tuba auditiva, a qual está em situação topográfica ântero-
inferior na caixa do tímpano. Assim, as bolhas caracterizam a abertura da tuba auditiva,
muitas vezes revelando o retorno à funcionalidade normal.
Além da identificação de disacusia condutiva, a imitânciometria pode revelar
curva timpanométrica do tipo B (plana, sem pico de complacência máxima) ou do
tipo Ar (com pico rebaixado), características de redução da mobilidade da mobilidade
da membrana timpânica. Do mesmo modo, o reflexo estapédico não será identificado.
A grande preocupação em relação à otite média secretora é a possível
ocorrência de complicações, sendo a mais temível a formação do colesteatoma
adquirido primário.
O paciente
que não é tratado
adequadamente ou em
tempo ideal, pode
apresentar retração
progressiva da mem–
brana timpânica devi–
do à pressão negativa

Figura 2 - Membrana
timpânica esquerda
apresentando bolsa de
retração atical. A=bolsa
de retração; B=cabo do
martelo.
Figura 3.
Atelectasia da
membrana
timpânica direita,
moldando as
estruturas da
orelha média.
A = capítulo do
estribo;
B = martelo;
C = janela
redonda.

na orelha média. Esta retração ocorre lenta e gradualmente, não permitindo, assim,
manifestações dolorosas por distensão (4,5,9).
Algumas vezes, ocorre a retração mais significativa da parte flácida da
membrana timpânica, especialmente no chamado espaço de Prussak. Esta retração
determina uma invaginação ou bolsa de retração na região atical da orelha média
(Figura 2), facilitando a retenção da descamação epitelial no interior desta bolsa
formada. O acúmulo desta descamação acaba por constituir o colesteatoma adquirido
primário, que pode se tornar altamente destrutivo.
Em outros pacientes, ocorre a retração de toda a membrana timpânica, que
pode chegar a aderir no promontório, moldando as estruturas da orelha média, à
semelhança de uma embalagem a vácuo, chamada de atelectasia da orelha média,
tornando muito difícil seu tratamento (Figura 3).
Outra complicação possível é a atrofia progressiva das fibras da camada média
da membrana timpânica, podendo ocorrer, em alguns casos, a perfuração espontânea da
membrana timpânica. Quando isto ocorre, a ventilação da orelha média é restabelecida,
permitindo o retorno à normalidade das diferentes estruturas da orelha média.
A perfuração espontânea da membrana timpânica tem a mesma função do
chamados tubos de ventilação, colocados cirurgicamente, para permitir a entrada de
ar na orelha média e equilibrar as pressões aéreas. Não são drenos, visto que não têm
a função de permitir a saída de líquidos. Estes serão drenados naturalmente pela tuba
auditiva, em direção à rinofaringe (2).
37
Figura 4.
Tubo de
ventilação
(tipo Sheppard)
posicionado no
quadrante
póstero-inferior
da membrana
timpânica
direita.

Cuidados especiais devem ser tomados em pacientes portadores de tubos de


ventilação (Figura 4). Não se pode esquecer que a imitanciometria não deve ser
realizada na presença de tubo de ventilação. Além disso, esta orelha não pode receber
água ou umidade. O paciente deve ser orientado a proteger a orelha no momento do
banho. Pacientes usuários de aparelhos auditivos devem ser orientados a retirá-los
periodicamente para permitir a ventilação do meato acústico externo e secá-los
cuidadosamente.
Outro cuidado importante deve ser tomado na pré-moldagem para confecção
de aparelhos auditivos ou tampões auriculares. Grande parte dos tubos de ventilação
apresenta um fino fio de aço fixado em sua borda para facilitar a sua retirada do
meato acústico externo. Ao se colocar o bloqueador de algodão ou de espuma previamente
à injeção da massa de pré-moldagem, deve-se ater para que o mesmo não fique preso ao
fio de aço do tubo de ventilação, podendo causar, desastrosamente, a remoção do tubo.
1. Goycoolea MV, Hueb MM, Ruah C. Otitis media: the patogenesis aproach: definitions and terminology. Otolaryngol Clin North
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2. Heald MM. Pressure equalization tubes in treatment of chronic otitis media with effusion. Otolaryngol Head Neck Surg
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9. Sadé J. Secretory otitis media and its sequelae. New York: Churchil Livingstone; 1979.
Capítulo VI

OTITES MÉDIAS CRÔNICAS


Edson Ibrahim Mitre

As otites médias crônicas são caracterizadas como um processo inflamatório


de longa duração, acometendo a orelha média (caixa do tímpano, tuba auditiva e
mastóide), tendo como característica fundamental a existência de perfuração timpânica
crônica, com presença de um anel fibroso em seus bordos, o que impede a cicatrização
da membrana timpânica.
Podem ser divididas em simples e supuradas, com relação à ausência ou
presença de supuração crônica, respectivamente. As otites médias crônicas supuradas
podem ainda ser subdivididas em colesteatomatosas ou não-colesteatomatosas,
segundo a presença ou ausência de tecido epitelial oriundo do meato acústico
externo na orelha média (4,7,10).

OTITE MÉDIA CRÔNICA SIMPLES


Esta forma de otite média pode ser decorrente de otite média aguda
necrosante ou de perfuração traumática da membrana timpânica. No primeiro caso,
há ampla destruição da membrana, podendo haver envolvimento dos ossículos e do
mucoperiósteo da orelha média; no segundo, o trauma sobre a membrana timpânica
(trauma direto, barotrauma) determina sua ruptura, permitindo a contaminação da
orelha média e, quando não há cuidados adequados, a infecção acaba impedindo a
cicatrização da membrana.
A perfuração existe quase sempre na parte tensa da membrana timpânica,
com característica reniforme (1,2,4), apresentando em seus limites o anel fibroso, tal
qual um cordão espesso que impede a proliferação do tecido epitelial e mucoso em
direção ao centro da perfuração para seu fechamento (Figura 5).
Na maioria dos pacientes, não há envolvimento dos ossículos, permitindo a
manutenção da integridade da cadeia ossicular. Quando isto ocorre, a lesão mais
comum é a erosão parcial do ramo longo da bigorna, devido à sua frágil vascularização.
É muito comum que o paciente com otite média crônica simples relate
otorréia intermitente, geralmente com características mucóides ou mucopurulentas,
de curta duração e autolimitada, independente de qualquer medicação tópica ou
sistêmica. A otorréia é determinada pelo aparecimento de infecções respiratórias ou
pela umidade no meato acústico externo, decorrente de contato com água contaminada
39
Figura 5 - Otite média crônica simples. A=bigorna; B=martelo.

ou de oclusão constante, como no caso de usuários de próteses auditivas. A simples


orientação de proteção da orelha contra a entrada de água pode ser suficiente
para abolir os quadros de otorréia.
Ao exame audiométrico, identifica-se disacusia condutiva, com diferença
aéreo-óssea máxima de 60 dB quando existe erosão de ossículos e sua desarticulação.
A identificação de curva audiométrica de via aérea em forma de “U” invertido sugere
fortemente a preservação da integridade da cadeia ossicular, predizendo melhores
resultados auditivos após o tratamento cirúrgico.
A imitanciometria obviamente não será realizada na vigência de perfuração
de membrana timpânica, mas pode-se realizar a prova de função tubária, com o
intuito de testar a perviedade e abertura da tuba auditiva. Ao se identificar a abertura
adequada da tuba auditiva, pode-se prever também melhores resultados cirúrgicos
graças à adequada aeração da orelha média. Caso a prova de função tubária resulte
negativa, dever-se-á tomar medidas operatórias que garantam a sua perviedade, mas
não há contra-indicação formal para o tratamento cirúrgico.
Precaução especial deve ser tomada em usuários de próteses auditivas, pois
estas acabam por manter o meato acústico externo ocluído e úmido. Torna-se
importante, portanto, providenciar, sempre que possível, moldes ventilados, reduzindo
a umidade no meato (11). Outra precaução muito benéfica é orientar o usuário de prótese
auditiva a retirá-la periodicamente para permitir ampla ventilação da orelha e reduzir
ainda mais a umidade, evitando, assim, a contaminação e conseqüente otorréia.
OTITE MÉDIA CRÔNICA SUPURADA NÃO-COLESTEATOMATOSA
Esta manifestação de otite média crônica também pode ter origem em
quadros de otite média aguda necrosante ou de traumatismos, porém existe uma
infecção permanente da orelha média, com espessamento do mucoperiósteo e
hiperemia importante, que compromete a mastóide com dificuldade de drenagem
adequada das secreções. Esta infecção constante determina otorréia mucopurulenta
profusa e permanente, o que justifica o nome de otite média crônica supurada (1,4,7).
Evidencia-se perfuração timpânica mais ampla e erosão dos ossículos,
principalmente do ramo longo da bigorna e cabo do martelo. Através da membrana
timpânica, pode-se ver o mucoperiósteo hiperemiado, edemaciado e brilhante, às
vezes com formação de pólipos, da mesma forma que se evidencia a secreção oriunda
da orelha média em direção ao meato acústico externo.
A supuração constante mantém a inflamação e irritação do mucoperiósteo,
estimulando sua proliferação com espessamento e possível formação de pólipos. Algumas
vezes, os pólipos são tão exuberantes que chegam a ocluir o meato acústico externo,
impedindo visibilizar a membrana timpânica para um correto diagnóstico otológico (8,10).
Observa-se que a otorréia não melhora mesmo com medidas adequadas de
proteção da orelha contra água e existe grande resistência da infecção mesmo com o uso
antibióticos mais adequados e em associação.
A doença reside principalmente na mastóide, onde o mucoperiósteo
edemaciado dificulta a drenagem das secreções de todas as suas câmaras, determinando
a necessidade de abordagem cirúrgica com freqüência.

OTITE MÉDIA CRÔNICA SUPURADA COLESTEATOMATOSA


Neste quadro de otite média crônica, as manifestações são muito parecidas com
as da otite média crônica supurada não colesteatomatosa, com a diferença básica da presença
de tecido epitelial na orelha média, oriundo da orelha externa, de proliferação e descamação
progressivas, chamado de colesteatoma. As camadas de descamação epitelial vão se
acumulando na orelha média, fazendo com que o colesteatoma cresça, criando uma
bolsa cística de lâminas epiteliais queratinizadas e mortas.
O colesteatoma ocupa espaço na orelha média e tem alto poder de erosão
das estruturas onde tem contato. A sua estrutura favorece a contaminação bacteriana
e a manutenção da infecção, contribuindo para a persistência da supuração (3,6,9,10,12).
A migração epitelial em direção à orelha média é, geralmente, facilitada pela presença
de perfuração timpânica marginal (que inclui o anel timpânico) ou seja, a proliferação epitelial
na orelha média ocorre depois da perfuração timpânica estabelecida, justificando a
nomenclatura de colesteatoma adquirido secundário (secundário à perfuração timpânica).
As alterações auditivas condutivas são muito mais evidentes na presença
do colesteatoma, devido à sua alta capacidade erosiva e destrutiva. A exceção
41
reside na ocorrência da chamada ponte patológica, onde o colesteatoma destrói
elementos ossiculares e ocupa seu lugar, fazendo o papel das estruturas destruídas,
o que pode justificar piora auditiva após o tratamento cirúrgico adequado.

COLESTEATOMA CONGÊNITO
O colesteatoma congênito é uma manifestação especial decorrente de
inclusão epitelial remanescente embrionária na orelha média, sem relação com
qualquer forma de otite em suas manifestações iniciais (2,5,6).
Restos embrionários epiteliais podem ocorrer nas meninges, ossos do crânio,
ou qualquer localização da orelha média, permanecendo em equilíbrio, por vezes,
por muito tempo, podendo apresentar crescimento mais intenso a qualquer momento.
A queixa inicial mais comum é de disacusia, sendo que à otoscopia identifica-
se massa esbranquiçada na orelha média, por trás da membrana timpânica, às vezes
encostada nesta ou até provocando seu abaulamento em direção exterior. A membrana
timpânica apresenta-se inicialmente íntegra, podendo sofrer perfuração decorrente
do crescimento e erosão do próprio colesteatoma.
Quando existe perfuração timpânica, pode ocorrer a contaminação
bacteriana da orelha média, acabando por gerar supuração, tornando difícil ou até
impossível diferenciar da otite média crônica supurada colesteatomatosa.

COLESTEATOMA ADQUIRIDO PRIMÁRIO


O colesteatoma adquirido primário é decorrente de quadro prolongado de
otite média secretora ou de otites médias agudas de repetição, onde existe retração da
parte flácida da membrana timpânica (membrana de Shrapnell), criando uma bolsa
de retração. No interior desta bolsa, acumula-se descamação epitelial queratinizada,
originando o colesteatoma, que se instala ainda com a membrana timpânica íntegra,
ou seja, o colesteatoma é prévio ou primário à ocorrência da perfuração timpânica,
que pode ocorrer mais tardiamente.
1. Austin DF. Trancanal tympanoplasty. Otolaryngol Clin North Am 1972;5(1):127-43.
2. Fleury P, Legent F, Bobin S, Basset M, Candau P, Sichel JY. Otite chronique cholesteatomateuse.: aspects cliniques et indications
therapeutiques. Encycl Med Chir Oto-rhinolaryngologie. Paris: Téchniques; 1989. 20095 A20,9.
3. Friedmann I. Pathology of the ear. Oxford: Blackwell Scientific; 1974.
4. Hungria H. Otites médias crônicas supurativas: timpanoplastias. In: Hungria H, editor. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.373-91.
5. Levenson MJ. Congenital cholesteatoma of the middle ear in children: origin and management. Otolaryngol Clin North Am
1989;22:941-54.
6. Lopes Filho OC. Colesteatoma na criança – considerações clínico-cirúrgicas. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de
otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.752-61.
7. Lopes Filho OC. Otite média crônica não colesteatomatosa. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia.
São Paulo: Roca; 1994. p.695-701.
8. Meyerhoff WL. Pathology of chronic suppurative otitis media. Ann Otol Rhinol Laryngol 1988;97(Suppl.131).
9. Miniti A. Otite média crônica colesteatomatosa. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo:
Roca; 1994. p.747-51.
10. Paparella MM, Shumrick M. Otolaryngology – the ear. Philadelphia: WB Saunders; 1973.
11. Pari RC, Iervolino S. Moldes auriculares. In: Lopes Filho OC, editor. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 1997. p.497-
516.
12. Tumarkin A. A contribution of the study of the middle ear suppuration with special reference to the pathogeny and treatment of
cholesteatoma. J LaryngolOtol 1938;53:685-93.
Capítulo VII

OTOSCLEROSE
Edson Ibrahim Mitre

A otosclerose é uma doença da cápsula ótica (osso compacto que circunda


o labirinto membranoso), caracterizada por uma osteodistrofia. Este processo tem
origem em áreas remanescentes da cartilagem embrionária (globuli interossei) que, em
um dado momento da vida, prosseguem sua evolução para tecido ósseo adulto (1,2,5).
A otosclerose é uma doença que tem início entre a terceira e a quinta décadas
de vida, sendo rara na infância. Predomina quase exclusivamente na raça branca,
com raríssimas descrições em negros e amarelos. A otosclerose é mais freqüente no
sexo feminino (cerca de dois terços), onde se observa que a gestação provoca piora da
audição em 50% dos casos. A perda auditiva determinada pela otosclerose também
tende a piorar durante a lactação e a menopausa, questionando-se, assim a interferência
de modificações hormonais. Um dado importante é a ocorrência familiar,
demonstrando um caráter genético associado à otosclerose.
Clinicamente, a otosclerose se caracteriza por perda auditiva de caráter
progressivo, geralmente bilateral (8 a 10% se mantém unilaterais), podendo ocorrer
piora lenta ou rápida ou mesmo estabilização da perda auditiva independentemente
de seu grau.
É muito comum a ocorrência de zumbido (aproximadamente 70% dos
casos), relatada como de freqüências graves, comparados aos ruídos de chuva, cachoeira
ou de televisores fora de sintonia. O zumbido não costuma ser muito intenso, mas
há pacientes que chegam a relatar intensidades desesperadoras.
A paracusia de Willis também é muito comum, representada pela melhor
audibilidade à conversação em ambientes ruidosos. Isto parece paradoxal, mas é
facilmente explicado: em ambientes ruidosos, naturalmente se eleva o tom de voz,
permitindo ao paciente com otosclerose, a percepção da voz em intensidade mais
alta, facilitando sua audição.
A otoscopia revela membrana timpânica de aspecto absolutamente normal,
da mesma forma que sua mobilidade e função da tuba auditiva, que podem ser
facilmente comprovadas pela manobra de Valsalva (expiração forçada contra o nariz
e a boca fechados) ou pela imitanciometria. Eventualmente a curva timpanométrica
pode se apresentar com pico de complacência levemente rebaixado (curva do tipo
Ar), sendo a mais comum a curva do tipo A (com pico de complacência normal).
43
Com muita experiência, pode-se identificar, nas fases mais iniciais da
otosclerose, uma mancha rósea, visível por translucência da membrana timpânica,
no quadrante póstero-inferior. Esta imagem é denominada de mancha de Schwartze,
caracterizando a dilatação capilar arterial própria da fase de maior atividade de
reabsorção óssea no início da doença (1).

FORMAS CLÍNICAS DE OTOSCLEROSE


A evolução do tecido remanescente embrionário para osso adulto passa
por três fases, iniciando-se por acentuada dilatação capilar arterial e surgimento
de osteoclastos (células responsáveis pela reabsorção óssea), determinando erosões
lacunares da cápsula óssea ao redor das áreas resquiciais embrionárias. Em seguida,
ocorre a acentuação dos fenômenos de reabsorção óssea, conferindo ao osso um
aspecto esponjoso (que justifica a nomenclatura de otospongiose dada pelos autores
franceses) e, agora, com redução do calibre dos capilares arteriais. A terceira fase
é chamada de otosclerosa e corresponde à neoformação óssea, com aposição de
osteoblastos e cálcio nos espaços medulares ósseos. Esta neoformação é
extremamente compacta e volumosa, justificando o nome de otosclerose.
O processo evolutivo da cartilagem remanescente embrionária para osso
adulto pode ocorrer em vários locais distintos da cápsula ótica e, até o momento, não
são conhecidos os fatores que determinam esta evolução atemporal(1,5). Cada local
em que este processo ocorre é denominado de foco de otosclerose.
A localização do foco de otosclerose na cápsula ótica pode determinar
manifestações audiológicas diferentes, decorrentes do possível envolvimento da base
ou platina do estribo e da possível lesão sensorial coclear. Assim, pode-se reconhecer
três manifestações clínicas diferentes, dependendo do achado audiométrico: otosclerose
clínica, otosclerose coclear e otosclerose mista.
Quando o foco de otosclerose encontra-se muito próximo à platina do
estribo, durante a fase otosclerótica existe a possibilidade de envolvimento desta,
promovendo sua fixação à janela oval e determinando, conseqüentemente, perda
auditiva condutiva. O exame audiométrico revelará via óssea com limiares normais e
via aérea rebaixada, determinando uma diferença aéreo-óssea que será tanto maior
quanto maior for o envolvimento otosclerótico da base do estribo. Identifica-se alto
índice de reconhecimento de fala (100%) e ausência de reflexos estapédicos (2,3). Em
fases iniciais da otosclerose clínica, pode-se identificar também o efeito on-off, que
corresponde à tentativa de mobilização do estribo desencadeada pela contração e
pelo relaxamento do músculo estapédio, quando a base do estribo ainda não apresenta
fixação rígida à janela oval.
Na otosclerose coclear, o foco de otosclerose encontra-se em outra parte
da cápsula ótica, distante da janela oval. O processo de reabsorção óssea acaba
por liberar enzimas hidrolíticas e proteases, decorrentes da destruição celular,
que podem se espalhar pela cóclea, determinando lesão de células ciliadas o que, por sua
vez, levará ao estabelecimento de disacusia sensorial, facilmente identificada no exame
audiométrico (1). Os reflexos estapédicos podem se encontrar presentes, porém o que
mais chama a atenção para o diagnóstico de otosclerose é o alto índice de reconhecimento
de fala, por vezes incompatível com o grau de perda auditiva identificado (3).
Eventualmente as enzimas liberadas podem atingir o labirinto posterior,
determinando também vertigens, muito menos severas que as lesões cocleares e
reversíveis, mas isto é muito mais raro.
Uma terceira forma clínica é a chamada otosclerose mista, que envolve
características das duas outras formas: ocorre a fixação da platina do estribo na janela
oval, associada à lesão sensorial coclear decorrente da ação enzimática. Ao exame
audiométrico, identifica-se disacusia mista, também com alto índice de
reconhecimento de fala, e com ausência de reflexos estapédicos.

TERAPÊUTICA
A terapêutica poderá ser distinta para cada forma clínica de otosclerose.
Nos quadros de otosclerose clínica, manifestados por disacusia condutiva, o tratamento
cirúrgico pode proporcionar grande benefício auditivo (4,6). Para os pacientes que
apresentam alguma contra-indicação ao tratamento cirúrgico ou que não querem se
submeter a este, indica-se o uso de próteses auditivas, habitualmente com excelentes
resultados.
Para os pacientes com otosclerose coclear, não há nenhum benefício com
qualquer tratamento cirúrgico, sendo indicado o emprego de próteses auditivas.
Existem tratamentos empíricos medicamentosos que visam reduzir o tempo de
reabsorção óssea, acelerando a fase otosclerótica na tentativa de redução do grau de
perda auditiva sensorial que pode se estabelecer. Não existe, entretanto, qualquer
comprovação científica de benefício destes tratamentos.
Consideração especial deve ser dirigida aos casos de otosclerose mista. Como
há um componente sensorial, existe a tendência de se indicar o emprego de próteses
auditivas. Deve-se considerar, entretanto, o grau de perda determinado por cada
componente. Existem casos em que o determinante principal da perda auditiva é
condutivo, e o tratamento cirúrgico pode reduzir os limiares para níveis de audição
social normal (via óssea em 30 dB), onde não se faz necessária a prótese auditiva para
a maioria dos pacientes.
Ainda que a via óssea esteja rebaixada, às vezes o tratamento cirúrgico permite
a adaptação da prótese auditiva, no pós-operatório, com maior facilidade, devido à
melhora nos limiares auditivos (o paciente passa a apresentar apenas o componente
sensorial e não mais um agravamento devido ao componente condutivo). Obviamente
existem casos de otosclerose mista em que o tratamento preferencial será a adaptação
da prótese auditiva.
45
Sempre se deve considerar a queixa do paciente e suas necessidades auditivas.
Certamente um músico apresentará queixas auditivas mais precoces e refinadas do
que um motorista, já que as necessidades auditivas do primeiro são muito maiores. É
muito provável que, com a mesma forma de apresentação da otosclerose e com o
mesmo grau de perda auditiva, o primeiro sujeito necessite de uma prótese auditiva
muito antes do segundo.
1. Hungria H. Otosclerose: tratamento cirúrgico. In: Hungria H, editor. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan; 2000. p.506-22.
2. Lopes Filho OC. Otospongiose coclear. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca;
1994. p.794-803.
3. Lopes Filho OC. Imitância acústica: aplicações clínicas. In: Lopes Filho OC, editor. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca;
1997. p.171-200.
4. Rocha RM. Tratamento cirúrgico da otosclerose. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo:
Roca; 1994. p.804-13.
5. Schucknecht HF. Disorders of growth, metabolism and aging. In: Schucknecht HF. Patology of the ear. Boston: Harvard University;
1974.
6. Shambaugh Jr GE, Glasscoock ME. Surgery of the ear. Philadelphia: WB Saunders; 1980.
Capítulo VIII

TIMPANOSCLEROSE
Edson Ibrahim Mitre

A timpanosclerose é uma alteração do colágeno da orelha média. O aumento


de fibras colágenas determina uma redução no número de células e na sua irrigação
sangüínea, seguida por degeneração hialina destas fibras. As áreas de degeneração
hialina podem sofrer deposição de cálcio, com formação de cartilagem e de osso (1,2).
Não se conhecem os reais mecanismos patológicos da timpanosclerose. Sabe-
se que quaisquer processos traumáticos e infecciosos da orelha média contribuem
para sua instalação, incluindo a colocação de tubos de ventilação para tratamento da
otite média secretora (3).
É muito comum a associação com outras doenças da orelha média, como a
supuração crônica, a otosclerose, o granuloma de colesterol e o colesteatoma. Parece
que os processos inflamatórios tendem a desencadear o quadro de timpanosclerose,
sendo sua extensão diretamente relacionada à duração do processo inflamatório (3-5).
A timpanosclerose pode acometer diferentes estruturas, sendo mais freqüente
na membrana timpânica, mas pode ser identificada também nos tendões dos músculos
estapédio e tensor do tímpano, nos ligamentos dos ossículos, nas articulações incudo-
maleolar e incudo-estapediana e até mesmo nas paredes da cavidade timpânica.
Algumas vezes, o quadro de timpanosclerose é tão extenso que chega a
envolver os ossículos, englobando-os às paredes ósseas da cavidade timpânica,
formando um bloco único.
Em sua grande maioria, os quadros de timpanosclerose estão confinados à
membrana timpânica, em placas únicas ou múltiplas, não sendo determinantes de
alterações auditivas à exceção dos quadros mais extensos, com envolvimento de grande
parte da membrana (Figura 6). É muito comum a identificação de placas de
timpanosclerose na membrana timpânica como achados de exames, sem outras queixas
do paciente (1,3,5). Também é freqüente se observar a distribuição da timpanosclerose
ao longo do trajeto migratório do tubo de ventilação após sua extrusão.
Alguns quadros mais raros de timpanosclerose estão limitados ao
envolvimento da cadeia ossicular, sem comprometimento da membrana timpânica,
que se apresenta normal. Tal quadro pode simular otosclerose clínica, identificando-
47
Figura 6.
Placas de
timpanosclerose
na membrana
timpânica.

se disacusia condutiva com ausência de reflexo estapédico e alto índice de


reconhecimento de fala, acabando por sugerir, erroneamente, o tratamento
cirúrgico. A diferença fundamental está nos antecedentes hereditários no caso de
otosclerose e na história de otites na timpanosclerose.
Quando se trata da identificação eventual da timpanosclerose, sem maiores
sintomas, não há tratamento a ser realizado. Quando se faz algum procedimento
cirúrgico da orelha média, por outros diagnósticos, geralmente se removem as placas
de timpanosclerose no mesmo tempo cirúrgico, sobretudo as da membrana timpânica.
A indicação cirúrgica absoluta se faz somente nos raros casos de
comprometimento extenso levando a alterações auditivas e, ainda assim, com muita
cautela para não desencadear o agravamento do quadro e até mesmo invasão labiríntica
com possível disacusia sensório-neural, o que, felizmente, é raro.
1. Almeida CIR. Timpanosclerose. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994.
p.776-84.
2. Gundersen T. Tympanosclerosis. Acta Otolaryngol 1965;60(6):506-14.
3. House WF, Sheehy JL. Tympanosclerosis. Arch Otolaryngol (Chic) 1960;72:308-12.
4. Joseph RB, Gordon S. Tympanosclerosis. Arch Otolaryngol (Chic) 1963;77:186-90.
5. Sheehy JL, House WF. Tympanosclerosis. Arch Otolaryngol (Chic) 1962;76:151-7.
Capítulo IX

TUMOR GLÔMICO
Edson Ibrahim Mitre

Também conhecido como paraganglioma ou quimodectoma não-cromafim,


o tumor glômico surge a partir do tecido glômico normal, que é uma estrutura
vásculo-nervosa habitualmente presente no bulbo jugular e na bifurcação das artérias
carótidas(1). Algumas vezes é erroneamente chamado de glômus, mas esta é a
denominação do tecido vásculo-nervoso normal.
O tumor glômico pode ser jugular ou timpânico, conforme sua
localização. O tumor glômico jugular surge no tecido glômico localizado no
forame jugular e na região do bulbo jugular, portanto crescendo do soalho da
caixa do tímpano em direção superior, enquanto o tumor glômico timpânico
surge em qualquer localização da orelha média.
O tumor cresce ocupando espaço na orelha média, podendo estabelecer
contato com os ossículos e com a membrana timpânica, mas pode invadir o labirinto,
o osso petroso ou ainda ter extensão intracraniana.
Identifica-se, à otoscopia, por translucência da membrana timpânica, uma
massa de coloração avermelhada ou vinhosa, localizada na orelha média, pulsátil,
podendo ter contato com a membrana timpânica, quando se torna mais fácil visível
a pulsação.
A audição pode não estar comprometida na presença de tumores glômicos
pequenos. Em tumorações maiores, pode-se observar perda auditiva condutiva,
acompanhada de zumbido pulsátil, muitas vezes caracterizado pelo paciente como
sendo síncrono à sua freqüência cardíaca.
Um dado relevante, que pode contribuir para o diagnóstico de tumor glômico
pode ser fornecido pela imitanciometria, podendo ser observado o deslocamento da
agulha do balanceômetro sincrônico com o pulso periférico do paciente (2,3).
1. Berkow R, Fletcher AJ. Membrana timpânica e ouvido médio. In: Berkow R, Fletcher AJ, editores. Manual Merck de medicina.
15a ed. São Paulo: Roca. 1990. p.2410-1.
2. Lopes Filho OC. The early diagnosis of a glomic tumor in the middle-ear by means of acustic impedance. Impedance New Letter
1972;1:1-5.
3. Lopes Filho OC. Imitância acústica: aplicações clínicas. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São
Paulo: Roca; 1994. p.620-37.

49
Capítulo X

PARALISIA FACIAL PERIFÉRICA


AGUDA - DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
E PROGNÓSTICO
Paulo Roberto Lazarini

INTRODUÇÃO
A paralisia facial periférica (PFP) é uma doença que pode apresentar-se em
várias especialidades médicas. Para isto contribui: a diversidade de fatores etiológicos,
onde doenças sistêmicas, genéticas, inflamatórias e tumorais, entre outras, podem
determiná-la; o longo trajeto do nervo facial desde a ponte até a musculatura da
mímica facial relacionando-se anatomicamente com inúmeras estruturas como outros
nervos cranianos (V e VIII), a orelha interna e média, o pavilhão auricular, a mandíbula
e a parótida; e, ainda, pelo fato de possuir um canal ósseo, através do osso petroso,
que o diferencia dos outros nervos cranianos (2,3).
Na PFP aguda o médico deve atuar rapidamente para estabelecer o
tratamento mais adequado a cada momento e evitar possíveis seqüelas motoras faciais
as quais podem gerar alterações psicossociais para o paciente (1,2). Definir o diagnóstico
etiológico é de fundamental importância, tanto para o tratamento como para o
prognóstico da doença, fato este bastante questionado pelo paciente a seu médico.
Determinar a causa desta afecção nem sempre é fácil e para isto deve-se realizar uma
avaliação clínica pormenorizada e, em muitas ocasiões, uma série de exames
complementares. De forma alguma, o médico deve apresentar uma atitude apenas
expectante, aguardando uma solução espontânea do quadro pois esta demora pode
comprometer de modo irreversível a recuperação clínica do paciente.
Até recentemente, uma série de pacientes foram diagnosticados como portadores
de uma forma de paralisia, chamada de idiopática ou de paralisia de Bell. Estes termos são
utilizados na literatura para caracterizar aqueles pacientes com quadro agudo de paralisia
facial com características periféricas e sem um diagnóstico etiológico definido mesmo
com investigação convencional clínica, laboratorial e de imagem.
Uma nova situação, com o advento de modernas técnicas laboratoriais para
investigação viral e para o estudo de imagem do nervo facial, está permitindo que
este conceito vigente até meados da década de 90 seja amplamente modificado e o
acometimento do nervo facial seja melhor avaliado na PFP.
51
DIAGNÓSTICO
Investigação clínica
A anamnese e o exame clínico de um paciente portador de PFP aguda deve ser
direcionado para o diagnóstico etiológico e topográfico e para o grau de paralisia (3-6).
Devem ser investigados sinais e sintomas relacionados às principais
causas, entre elas:
· traumáticas - traumatismos cranianos com fraturas do osso temporal (onde é
importante estabelecer se a paralisia é imediata ou tardia ao trauma), fratura de mandíbula,
ferimentos por arma de fogo (em geral, tentativas de suicídios) ou branca (em trajeto
extracraniano do nervo facial), iatrogenias nas cirurgias ao longo do trajeto do nervo
facial (entre elas, cirurgia otológica, neurológica, buco-maxilo-facial, parotídea e plástica
facial) e traumas de parto (geralmente naqueles com o uso de fórceps);
· vasculares, metabólicas e hormonais - crise hipertensiva, diabetes mellitus
(podendo ocasionar paralisia facial recidivante), hiper ou hipotireoidismo, gestação
(por acentuado edema ao final da gravidez);
· infecciosas - Síndrome de Ramsay Hunt (herpes zoster com lesões típicas
na concha auricular associadas, freqüentemente, a zumbidos e vertigem) (Figura 7),
mononucleose, tuberculose (forma otológica com otorréia crônica), sífilis e AIDS
(desencadeada pelo próprio vírus ou por reativação de outras doenças), doença de
Lyme (é uma borreliose, transmitida por carrapatos, com quadro de artralgia, febre
e eritema migratório); herpes simples (por reativação do herpes vírus tipo I, latente
no gânglio geniculado – correspondendo a maioria dos casos classificados como Bell);

Figura 7 - Herpes-zoster oticus. Notam-se vesículas rompidas (à esquerda) e crostas (à direita).


· otológicas - otite média crônica colesteatomatosa (quadro de otorréia crônica
e fétida com deficiência auditiva), otite média aguda (com otalgia e febre, mais comum
na infância) e otite externa necrotizante (infecção por Pseudomonas, geralmente em
idosos diabéticos ou em imunossuprimidos);
· neurológicas- Síndrome de Guillain-Barré (paralisia motora ascendente
de membros e face); miastenia gravis e esclerose múltipla;
· neoplásicas - carcinoma espinocelular (geralmente em pavilhão auricular
e/ou conduto auditivo externo), tumores da orelha média (como o tumor
glômico), tumores malignos de parótida (mucoepidermóide, geralmente),
leucemia aguda, neurofibromatose (manchas cutâneas tipo café com leite associada
a neuromas múltiplos), tumores intracranianos – com comprometimento de
outros nervos cranianos (meningeomas, schwannoma vestibular e colesteatoma
congênito, entre outros) e também o próprio tumor do nervo facial (schwannoma)
em qualquer ponto de seu trajeto;
· outras- Síndrome de Melkersson-Rosenthal (edema da hemiface e lábios,
língua plicata e paralisia recidivante) e sarcoidose.
O diagnóstico topográfico refere-se a localização da lesão ao longo do trajeto
do nervo facial e, entre os testes descritos, habitualmente deve ser feito a pesquisa do
lacrimejamento (Teste de Schimmer), onde a diminuição deste indica que a lesão do
nervo está acima da emergência do nervo petroso superficial maior; a pesquisa do
reflexo do músculo estapédio, indicando se a lesão está acima ou abaixo da emergência
do nervo estapédio; e a avaliação da gustação dos 2/3 anteriores da língua, indicando
lesão acima da emergência do nervo corda do tímpano, quando diminuida.
O grau de paralisia deve ser estabelecido de acordo com a Classificação de
House–Brackmann (1985) (8), onde o comprometimento da função motora facial é
avaliado de I (normal) a VI (ausência de atividade motora). Seu uso é importante
pois torna mais objetiva a análise do comprometimento da função motora facial nas
consultas médicas durante o acompanhamento clínico.

Investigação otorrinolaringológica
A audiometria tonal e vocal avaliam a função auditiva que pode estar afetada
quando a orelha interna ou o nervo vestíbulo-coclear também são acometidos
(deficiência sensório-neural) - é o que pode ocorrer nos tumores como o schwannoma
do nervo vestibular, meningeomas, fraturas transversas de osso temporal - ou ainda,
quando a orelha média ou externa são acometidas (deficiência condutiva) – é o que
pode ocorrer nas otites crônicas colesteatomatosas, nos tumores glômicos e nas fraturas
longitudinais do osso temporal (9).
A imitânciometria permite a pesquisa do reflexo do músculo estapédio,
inervado pelo ramo estapediano do nervo facial. Este exame apresenta-se como um
dos testes para avaliação topográfica e também, como teste prognóstico da PFP aguda,
53
onde pacientes com reflexo presente apresentam melhor recuperação, ou ainda, nos
casos onde não é observado, o seu retorno durante a evolução clínica indica a
recuperação da função elétrica do nervo e um melhor prognóstico.
O exame vestibular contribui na avaliação da função labiríntica,
identificando acometimentos destas estruturas em etiologias já citadas anteriormente.
A audiometria de tronco encefálico (ABR – Auditory Brainstem Responses) também
pode ser útil na avaliação da função coclear e do nervo auditivo (10).

Investigação laboratorial
Entre os exames, chamamos a atenção para:
· hemograma pode apresentar alterações em algumas das causas de PFP,
entre elas a leucemia, as causas infecciosas como a mononucleose e a otite média
aguda;
· sorologia para Mononucleose, Doença de Lyme, Sífilis e AIDS;
· pesquisa do Ácido Desoxirribonucléico (DNA) viral na saliva, pela técnica
de Reação da Polimerase em Cadeia (Protein Chain-Reaction – PCR), para os vírus
herpes simples tipo I e varicela-zoster – positividade acima de 50% nos casos com
Paralisia de Bell para o herpes simples tipo I durante a primeira semana de evolução;
· estudo metabólico – glicemia e dosagem de hemoglobina glicosilada,
dosagens hormonais tireoideanas;
· estudo do líquido cefalorraquidiano – nas afecções como a Síndrome de
Guillain-Barré e tumores intracranianos;
· eletromiografia – nas doenças desmielinizantes.

Investigação por imagem


Entre os exames, chamamos a atenção para:
· raios X simples de osso temporal – pode ser útil na avaliação da afecções
traumáticas e tumorais do osso temporal. Seu uso é cada vez menor pois outros
exames, descritos a seguir, fornecem informações mais detalhadas das estruturas
avaliadas;
· tomografia computadorizada – tem grande importância na avaliação da
PFP no trauma crânio-encefálico, na otite crônica colesteatomatosa e nos tumores;
· ressonância nuclear magnética (RNM)– tem sua melhor indicação na
investigação dos casos suspeitos de afecção tumoral. Assume importância, também,
no diagnóstico topográfico da lesão do nervo facial, seja de causa inflamatória,
traumática ou tumoral, pelo fato do nervo facial impregnar-se com o contraste de
gadolíneo no local afetado. Diversos estudos indicam que esta impregnação não tem
valor no prognóstico da paralisia;
· ultrassonografia de parótida – de utilização menos eficaz que a tomografia
e a ressonância nuclear magnética;
· angiorressonância – útil nos casos de lesões vascularizadas como aneurismas
e tumores glômicos;
· raios X simples de tórax – na avaliação da tuberculose e sarcoidose.

PROGNÓSTICO
A observação clínica é o dado mais importante na avaliação do paciente, à
medida que se nota a melhora da função motora facial, pode-se dizer que está
ocorrendo uma recuperação da transmissão elétrica pelos axônios neurais, indicando
um melhor prognóstico. Mas, infelizmente, esta recuperação clínica geralmente se
faz após algumas semanas de evolução da doença, mesmo nos casos com menor
agressão ao nervo facial. Por exemplo, nos casos de paralisia de Bell a melhora clínica
se dá a partir da terceira semana de evolução, em geral (1). Assim, torna-se necessário
realizarmos os outros testes prognósticos no período inicial da doença, pois só assim,
teremos chance de intervir naqueles casos com degeneração neural grave antes que a
fibrose se estabeleça e as seqüelas funcionais ocorram.
A eletroneurografia do nervo facial é o teste de estimulação elétrica de escolha
na avaliação prognóstica da PFP aguda, indicada até a terceira semana de evolução da
doença, seu resultado corresponde ao potencial de ação muscular composto obtido
no sulco nasolabia l(7). A relação percentual entre o lado normal e o alterado da face
corresponde ao número de fibras nervosas funcionantes. Na paralisia de Bell, quando
este valor encontra-se abaixo de 10%, chamado de valor-limite, há 50% de chance
de seqüelas o que indica alto índice de falso-negativo. Nos casos em que a relação
percentual esta acima de 10% todos retornam a função motora normal. Nos casos da
síndrome de Ramsay Hunt, este valor-limite é de 28%.
A Ressonância Magnética utilizando-se gadolíneo, não se mostra útil em
séries de exames ano longo da evolução da doença. A impregnação do contraste
paramagnético permanece por meses, mesmo após a recuperação clínica do caso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada vez menos o diagnóstico de paralisia facial idiopática deve ser feito, e
deve ser exceção no atendimento ao paciente com esta afecção (4). À medida que os
meios diagnóstico se aprimoram o tratamento pode ser feito adequadamente e
conseqüentemente, haver uma melhor recuperação da função motora facial.
1. Adour KK, Swanson PJ. Facial paralysis in 403 consecutive pacients: emphasis on treatment response in pacients with Bell’s palsy.
Trans Am Acad Ophtalmol Otolaryngol 1971;75:1284-301.
2. Adour KK. Diagnosis and management of facial paralysis. New Engl J Med 1982;(5):348-51.
3. Blaustein BH, Gurwood A. Differential diagnosis in facial nerve palsy: a clinical review. J Am Optom Assoc 1997;68:715-24.
4. Bach JS, VanSwearingen JM. Not all facial paralysis is Bell’s palsy: a case report. Arch Phys Med Rehabil 1999;80:857-9.
5. Brackmann DE. Bell´s Palsy: incidence, etiology, and results of medical treatment. Otolaryngol Clin North Am 1974;7:357-67.
55
6. Ellis SL, Carter BL, Leehey MA, Conry CM. Bell’s palsy in an older patient with uncontrolled hypertension due to medication
nonadherence. Ann Pharmacother 1999;33(12):1269-73.
7. Fisch U. Maximal nerve excitability testing vs electroneuronography. Arch Otolaryngol 1980;106:352-7.
8. House JW, Brackmann DE. Facial nerve grading system. Otolaryngol Head Neck Surg 1985;93:146-7.
9. May M. Facial paralysis, peripheral type: a proposed method of reporting (emphasis on diagnosis and prognosis as well as electrical
and chorda timpani nerve testing). Laryngoscope 1970;80:331-390.
10. Welkoborky HJ, Amedee RG. Elkhatieb A. Mann WJ. – Audiotory evoked brainstem responses and auditory disorders in
patients with Bell’s palsy. Eur Arch Otorhinolaryngol 1991;248:417-9.
Capítulo XI

ALTERAÇÕES GENÉTICAS COM


REPERCUSSÃO NA ORELHA INTERNA
Edson Ibrahim Mitre

Diversas alterações genéticas são relatadas como causadoras de repercussão


funcional na orelha interna, tanto na ausição quanto no equilíbrio. Algumas síndromes
genéticas são facimente reconhecidas, enquanto outras podem trazer grandes
dificuldades ao seu diagnóstico definitivo (1-3). A cada dia evidenciam-se outras
alterações genéticas que podem justificar quadros anteriormente não esclarecidos.
Procuraremos abordar brevemente as manifestações mais reconhecidas.

APLASIA DA ORELHA INTERNA TIPO MICHEL


É uma falha de desenvolvimento da orelha interna, caracterizada pela
ausência de desenvolvimento de todas as estruturas da orelha interna e do nervo
auditivo. Problemas das orelhas média e externa simultaneamente são muito raros.
Esta aplasia é a de diagnóstico mais fácil, pois o exame radiológico (geralmente a
tomografia computadorizada de ossos temporais) revela ausência da orelha interna.
Obviamente o exame audiométrico revelará anacusia do lado afetado.

ANOMALIA DE BING-SIEBENMANN
Caracterizada como agenesia ou malformação do labirinto membranoso,
porém com labirinto ósseo normal, foi identificada sua associação com retinite
pigmentosa e retardo mental (2).
De diagnóstico mais difícil, visto que os exames radiológicos são normais, o
exame audiométrico também revela anacusia na orelha comprometida.

APLASIA DA ORELHA INTERNA DO TIPO SCHEIBE


É caracterizada pela degeneração do duto coclear e do sáculo e é uma
anomalia muito freqüente. Também podem ser encontradas alterações no órgão de
Corti, na membrana tectória e atrofia da estria vascular (2,3).
Pode ser identificada em algumas síndromes como Waardenburg, Usher,
Refsum e Klippel-Feil, provocando disacusia sensório-neural de graus diversos.
57
DEFORMIDADE DE MONDINI
Classicamente definida como hipodesenvolvimento da cóclea, com ausência
de uma espira, é possível identificar ausência de toda a cóclea e do labirinto posterior
em muitos casos, que se apresentam como uma cavidade única, sem distinção de
estruturas da orelha interna. Outra possibilidade é a deformidade da cóclea associada
à deformidade dos canais semicirculares. As alterações podem ser facilmente
identificadas à tomografia computadorizada de ossos temporais.
O quadro clínico mais comum é o de crianças que apresentam inicialmente
audição próxima da normalidade e que passam a apresentar surdez flutuante e
progressivamente pior, culminando com anacusia (1,2).

SÍNDROME DE WAARDENBURG
Descrita em 1951 com herança autossômica dominante, apresenta como
características mais marcantes a heterocromia de íris e a mecha branca na região frontal
do cabelo. Também podem ser evidenciados: o aumento da distância interocular,
conferindo um aspecto nasal alargado, hipopigmentação da pele e hipertelorismo (2,3).
As alterações auditivas podem existir em 25% dos casos, caracterizadas por
perda auditiva sensório-neural profunda bilateral com resíduos em freqüências graves,
decorrentes de atrofia do órgão de Corti e da estria vascular e, mais raramente, de
atrofia do gânglio espiral de Corti.

SÍNDROME DE USHER
Infelizmente pouco comentada em nosso meio, esta é uma síndrome que
leva o paciente a manifestar uma grande dificuldade de comunicação devido ao
comprometimento auditivo e visual simultâneo.
A visão é comprometida por uma retinite pigmentosa, que leva a um
comprometimento inicial da visão periférica, fazendo com que o paciente tenha a
impressão de estar enxergando por dentro de um tubo (visão tubular). A perda visual
progride, reduzindo gradualmente o campo visual, até chegar à cegueira (3).
A deficiência auditiva é do tipo sensório-neural, geralmente com piora nas
freqüências altas, sendo diagnosticada comumente em crianças pequenas, antes mesmo
da identificação dos problemas visuais.

SÍNDROME DE TREACHER–COLLINS
Conhecida como disostose mandíbulo-facial ou também como síndrome
de Franceschetti-Klein, tem herança genética autossômica dominante (1-3).
Tem como características principais as anomalias dos ossos da face e de sua
fusão, tais como a hipoplasia da região malar e da mandíbula. Também é comum se
Figura 8. Síndrome de Treacher-Collins.

identificar malformação do pavilhão auricular e atresia do meato acústico externo, e


malformações da orelha média (Figura 8).
É muito comum a observação de perda auditiva condutiva, decorrente das
alterações do meato acústico externo e da orelha média. Em raros casos se identifica
disacusia sensório-neural.

SÍNDROME DE VAN DER HOEUVE


Esta síndrome, também conhecida como “osteogênese imperfecta”, de
característica familiar, se manifesta por uma doença óssea sistêmica, com fragilidade
dos ossos, permitindo a ocorrência de fraturas múltiplas. Uma das características
mais marcantes é a identificação da esclera de coloração azulada, o que às vezes
confere um aspecto de olhos espantados (2).
A audição pode estar comprometida, em geral de caráter condutivo,
decorrente da fratura de uma cruz ou de ambas as “crura” do estribo. Também existe
a possibilidade de disacusia sensório-neural, porém sem explicação para tal ocorrência.
1. Glasscock ME. Symposium on sensorineural hearing loss in children: early detections and intervention. Foreword. Otolaryngol
Clin North Am 1975;8:1-2.
2. Lopes Filho OC, Rabinovich K. Avaliação da audição na criança In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia.
São Paulo: Roca; 1994. p.609-19.
3. Smith DW. Síndromes de malformações congênitas. 3a ed. São Paulo: Manole; 1989.

59
Capítulo XII

DOENÇA DE MÉNIÈRE
Edson Ibrahim Mitre

Comunicada pela primeira vez em 1861, por Próspero de Ménière, à


Academia de Medicina de Paris, esta doença é descrita como uma crise hipertensiva
endolinfática, isto é, o acúmulo excessivo de endolinfa no interior do labirinto
membranoso (chamado de sistema endolinfático, compreendendo o duto coclear,
sáculo, utrículo, dutos semicirculares, duto e saco endolinfáticos) (5).
Acredita-se que a endolinfa seja produzida na estria vascular, no duto coclear,
e que seja necessária à nutrição das células ciliadas do órgão de Corti. Por outro lado,
a reabsorção da endolinfa poderia ocorrer por duas formas diferentes: segundo a
teoria do fluxo longitudinal de Guild, ou segundo a teoria do fluxo radial de Harrisson
e Lawrence. Pela primeira, a endolinfa seria continuamente direcionada através do
duto endolinfático ao saco endolinfático, onde seria reabsorvida. A segunda teoria
prevê que a endolinfa seja reabsorvida na própria estria vascular, onde é produzida.
Em geral, a teoria de reabsorção no saco endolinfático é a mais aceita (5,6).
Independente da forma de reabsorção da endolinfa, qualquer alteração na sua
produção ou reabsorção levará ao acúmulo de endolinfa no labirinto membranoso,
provocando a chamada hidropsia endolinfática que será responsável pelos sintomas da
doença de Ménière. Este desequilíbrio pode ser desencadeado por alterações vasculares
localizadas na estria vascular, por quadros de hipertensão arterial sistêmica, por
arteriosclerose e ateromatose, por doenças que alterem a viscosidade sangüínea, tais como
a leucemia, por determinados distúrbios endócrinos, e até mesmo por alterações envolvendo
o sistema nervoso simpático. Existem, entretanto, pacientes nos quais não se detecta
nenhuma outra condição patológica predisponente para a hidropsia endolinfática.
A etiopatogenia da doença de Ménière ainda permanece desconhecida,
dificultando o tratamento médico específico. Hipóteses como a da compressão do
neuroepitélio surgiram para tentar explicar a vertigem e a surdez desencadeadas nesta
doença, que cessariam quando ocorresse ruptura das membranas labirínticas e
descompressão endolinfática. Alguns autores acreditam que a ruptura membranosa
desencadeada pela hidropsia endolinfática promoveria a mistura de endolinfa e
perilinfa, alterando as propriedades hidro-eletrolíticas e provocando,
conseqüentemente, surdez sensório-neural e vertigem. De qualquer modo, a ruptura
de membranas labirínticas é um ponto aceito atualmente (2,5,6).
61
O quadro clínico é caracterizado por vertigem intensa, com sensação do
ambiente rodando ou do próprio paciente girando em torno dos objetos, extremamente
angustiante e intensa, freqüentemente descrita como “sensação de morte iminente”.
À vertigem, soma-se o zumbido (tinnitus) de características agudas, persistente e de
intensidade elevada, além de hipoacusia sensório-neural. A queixa de plenitude
auricular também é muito comum, muitas vezes confundida com obstrução da tuba
auditiva. A tríade caracterizada por hipoacusia, zumbido e vertigem recebe a
denominação de síndrome de Ménière, mas não é exclusiva da doença de Ménière.
Entretanto, a presença dos três sintomas simultaneamente é fundamental para o
diagnóstico da doença.
A doença se manifesta em crises, nas quais o paciente manifesta os três
sintomas da síndrome de Ménière, que persistem por alguns dias, com redução gradual
dos sintomas vertiginosos e do zumbido, e com melhora progressiva da audição. A
audição, entretanto, é recuperada, depois de cessada a crise, a limiares mais baixos
que os apresentados previamente. A evolução em surtos intermitentes ao longo dos
anos é uma característica fundamental da doença, levando à hipoacusia progressiva e
irreversível.
Nas crises mais intensas, é muito comum a observação de sintomas como
náuseas, vômitos, sudorese intensa e palidez cutânea, decorrentes da excitação do nervo
vago. Convém salientar que o estado emocional contribui significativamente para o
agravamento dos sintomas.
Não se pode esquecer que a doença de Méniére pode se apresentar
isoladamente com vertigem nas primeiras crises, manifestando zumbido e disacusia
apenas nas crises seguintes, após meses ou anos, ou ainda o oposto, com manifestações
cocleares sem sintomas vestibulares no início da doença (2,3,5,6).
Em cerca de 85% dos casos a doença permanece unilateral, sendo mais
freqüente entre a terceira e a quinta décadas de vida.
Ao exame audiológico, identifica-se disacusia mista nas primeiras crises, com
pequena diferença aéreo-óssea nas freqüências graves, sendo o componente condutivo
decorrente da distorção da membrana basilar nas espiras apicais da cóclea, onde ela é mais
larga, que ocorre devido à hipertensão endolinfática, resultando em impedância de rigidez.
À medida que se sucedem novas crises, a distorção da membrana basilar também ocorre
nas espiras mais basais, provocando disacusia sensorial para as freqüências agudas, tornando
a curva audiométrica horizontal ou em U invertido. Com a recuperação parcial dos
limiares depois de cessada cada crise, se diz que a audição é flutuante.
Da mesma forma que os limiares tonais, o índice de reconhecimento de
fala também se encontra diminuído durante a crise, com melhora após seu término,
mas também ocorre sua redução progressiva ao longo dos anos com a repetição das
crises da doença, até tornar impossível o aproveitamento auditivo, até mesmo com
próteses auditivas.
O exame vestibular pode se revelar normal no início da doença, passando a
manifestar síndrome vestibular periférica do tipo deficitária no lado afetado, à medida
que a doença evolui (2).
Antigamente se recorria ao teste do glicerol para a confirmação da hidropsia
endolinfática. Previamente ao teste, obtinham-se os limiares auditivos pela audiometria
tonal. Em seguida o paciente ingeria a solução de glicerol e, após uma a duas horas,
repetia-se a audiometria tonal. O teste era considerado positivo para doença de Ménière
quando se identificava melhora de no mínimo 10 dB em duas freqüências médias
(da fala articulada). Também poderia ocorrer melhora do zumbido e da sensação de
plenitude auricular.
O glicerol, atuando como diurético osmótico, provoca uma desidratação
aguda do labirinto, resultando em menor deformação membranosa endolinfática,
justificando, assim, a melhora dos limiares auditivos. Entretanto, por seu sabor
desagradável, pode provocar vômitos e cefaléia, dificultando a realização do teste.
Atualmente, recorre-se à eletrococleografia (EcochG), um teste
eletrofisiológico onde se pode detectar o potencial de ação global do nervo auditivo,
para o diagnóstico de certeza da hidropsia endolinfática (1). Nesta situação, a morfologia
do potencial de ação captado é alterada de forma característica devido às modificações
na hidrodinâmica da onda de propagação ao longo do duto coclear, evidenciando
um potencial de somação negativo. A eletrococleografia torna mais fácil e objetivo o
diagnóstico da hidropsia endolinfática, facilitando o diagnóstico, portanto, da doença
de Ménière.
Todos os tratamentos para a doença de Ménière são propostos no sentido
de reduzir a pressão endolinfática, minimizando os danos causados ao labirinto
membranoso. Os tratamentos mais comumente indicados utilizam diuréticos e
vasodilatadores, aliados à restrição de ingestão salina. O tratamento cirúrgico é
reservado para os casos de lesão auditiva importante, sem audição útil, em que o
quadro vertiginoso é incapacitante, ou naqueles casos em que a audição ainda está
razoavelmente preservada mas a vertigem é muito intensa e não melhora com o
tratamento clínico.
1. Castro Jr NP, Figueiredo MS. Audiometria eletrofisiológica. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo:
Roca; 1994. p.638-50.
2. Ganança MM, Caovilla HH, Fukuda Y, Munhoz MSL. Afecções e síndromes otoneurológicas In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado
de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.835-43.
3. Harker LA, McCabe BF. Ménière’s disease and other peripheral labyrinthine disorders. In: Paparella MM, Shumrick DA.. Otolaryngology.
Philadelphia: WB Saunders; 1973. p. 1878-89.
4. House WF. Subaracnoid shunt for drainage of hydrops. Laryngoscope 1965;75:1547-51.
5. Hungria H. Doença de Ménière: outras causas de vertigem. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2000 p. 523-35
6. Schucknecht HF, Benitez JT, Beekhnis J. Further observations on the pathology of Ménière’s disease. Ann ORL 1962;71:1039-43.

63
Capítulo XIII
OTOTOXICIDADE
Edson Ibrahim Mitre

Ototoxicidade é definida como a lesão da orelha interna provocada por


agentes químicos, que podem atingi-la por via hematogênica, linfática, liquórica ou
diretamente através de perfuração da membrana timpânica que possa existir (3,5).
Os agentes ototóxicos têm a capacidade de lesar diretamente o órgão de
Corti, promovendo, inicialmente, degeneração das células ciliadas externas, com início
nas espiras mais basais da cóclea e se propagando em direção ao ápice coclear. Caso a
exposição ao agente ototóxico persista, a degeneração celular se extende, agora, às
células ciliadas internas, com início no ápice da cóclea. A partir daí, é possível a
ocorrência de degeneração das neurofibrilas do nervo acústico. Existe, também, a
possibilidade de lesão do neuroepitélio no sáculo e no utrículo, assim como nas
ampolas dos dutos semicirculares (1,4).
A ototoxicidade nem sempre diz respeito a lesões determinadas por
medicamentos; existem alguns agentes ototóxicos que foram utilizados em guerras,
como é o caso da mostarda nitrogenada (o conhecido gás amarelo da guerra do
Vietnã), enquanto outros estão presentes no cotidiano de muitas pessoas, como o
quinino, ainda bastante utilizado na região norte do Brasil para tratamento da malária,
porém também presente em algumas marcas de água-tônica.
Alguns agentes ototóxicos são bastante conhecidos, como é o caso dos
antibióticos aminoglicosídeos, mas outros são, ainda, amplamente utilizados sem a
preocupação com a possibilidade de lesão auditiva ou vestibular.
Os antibióticos aminoglicosídeos têm alto poder de destruição das células
ciliadas do órgão de Corti, mas também provocam lesões secundárias nas células
bipolares do gânglio espiral. Infelizmente, a deficiência auditiva nem sempre aparece
na vigência da utilização do antibiótico, podendo se instalar após muitos meses de
seu uso. Outro ponto importante a considerar é a capacidade de tais antibióticos de
atravessarem a barreira placentária e provocar lesões auditivas no feto, sendo, portanto,
absolutamente proibidos em gestantes.
Outra droga que merece ser comentada é a garamicina, que pode provocar
disacusia sensório-neural profunda, irreversível, associada a lesões vestibulares também
importantes. Infelizmente, ainda hoje, esta droga vem sendo muito utilizada para o
tratamento de infecções importantes em berçários, com grandes riscos de lesões auditivas
nos bebês, e que somente serão identificadas mais tardiamente.
65
Tabela 1. Exemplos de fármacos que podem causar ototoxicidade, reconhecidos
pelo Food and Drug Administration e pela Academia Americana de Audiologia.

Natureza do Fármaco Substância Ativa Nome Comercial (exemplos)


Agonista serotoninérgico Zolmitriptano Zomig®
Rizatriptano Maxalt ®
Antidepresivo Bulpropiona Zyban®
Carbonato de lítio Litocar ®
Fluoxetina Prozac ®
Nefasodona Serzone ®
Venlaxina Efexor ®
Antidistônico Benzodiazepina Diazepan ®
Zaleplom Sonata ®
Antiparkinsoniano Promipexol Mirapex ®
Tolcapone Tasmar ®
Antipsicótico Risperidona Risperdal ®
Quetiopina Seroquel ®
Olanzapina Zyprexa ®
Euípnico Triazolan Halcion ®
Inibidor da captação da serotonina Sertralina Zoloft ®
Anti-histamínico Cetirizina Zyrtec ®
Ciproeptadina Periatin ®
Loratadina Claritin ®
Prometazina Fenergan ®
Streptomicina ®
Garamicina ®
Aminoglicosídeo
Netromicina ®
Netilmicina
Antibacterianos Zitromax ®
Dinabac ®
Macrolídeos
Cipro®
Floxin ®
Quinolona Maxaquin ®
Levaquin ®
Antivirais Ritonavir Norvir ®
Saquinavir Invirase ®
Imunomodulador Interferon Intron-A ®
Imunossupressor Ciclosporina Sandimmune ®
Vacina Anti-hepatite B Engerix-B ®
Recombivax ®
Continuação Tabela 1.
Natureza do Fármaco Substância Ativa Nome Comercial (exemplos)
Analgésico / Anti-inflamatório Ácido Acetil-salicílico Aspirina ®, AAS ®
Diclofenaco Sódico Voltaren ®
Ibuprofeno Naprozyn ®
Indometacina Indocid ®
Paracetamol Excedrin®, Tylenol ®
Piroxican Feldene ®
Rofecoxib Vioxx ®
Anestésico Lidocaína Xilocaína ®
Propofol Probofol ®
Antiagregante plaquetário Teclopidina Ticlid ®
Antiarrítmico Mexiletina Mexitil ®
Quinidina Quinidini ®

Anti-hipertensivos
Telmizartan Micardis ®
Antagonista dos receptores
da angiotensina
Fulzipropil Monopril ®
Inibidor da enzima de Lisinopril Privinil ® /Zestril ®
conversão da angiotensina Lisinopril + Hidroclortiazida Zestoretic ®
Prazosina Minipress ®
Diurético de alça
da angiotensina Moduretic ®
Furosemida Lasix ®
Antineoplásico Methotrexato Methotrexate ®
Hipolipemiante Artovastatina Lipitor ®
Inibidor de prostaglandinas Mizoprostol Cytotec ®
Inibidor de Fosfodiesterase Sildenafil Viagra ®
Beta-bloqueador Timolol Timoptic ®

O ácido acetil-salicílico, possivelmente o medicamento mais difundido no


mundo, também não é isento de propriedades ototóxicas. Amplamente difundida
como droga com efeitos cárdio-circulatórios muito benéficos, principalmente em
doses menores, consideradas infantis, pode provocar disacusia sensório-neural,
felizmente transitória. O principal sintoma observado com o uso contínuo desta
droga é o zumbido, principalmente em pacientes idosos. Com freqüência, a suspensão
de seu uso é suficiente para provocar a remissão de zumbidos que, por vezes, existem
há muito tempo .
No quadro 1 estão relacionados alguns medicamentos que podem provocar
lesões na orelha interna (2).
A manifestação auditiva mais comum é de disacusia sensório-neural de início
em freqüências agudas, progredindo para as médias e graves com a continuidade de
67
exposição à droga, geralmente manifesta pelo paciente no decorrer do emprego de
determinada medicação ototóxica. Quando isto ocorre, existe tempo para interromper
o emprego da medicação e evitar maiores lesões à orelha interna. Quando a lesão é muito
acentuada, talvez seja necessário recorrer às próteses auditivas para melhor audição, porém
sua adaptação pode ser mais dificultosa em função do possível comprometimento da
discriminação auditiva.
1. Ganança MM, Caovilla HH, Fukuda Y, Munhoz MSL. Afecções e síndromes otoneurológicas In: Lopes Filho OC, Campos
CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.835-43.
2. Guércio JOS. Na análise de um programa de reabilitação para pacientes com zumbido (P.R.P.Z.). [mestrado]. São Paulo: Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); 2002.
3. Hungria H. Disacusias - implante coclear: a criança surda. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan; 2000. p.429-42.
4. Jerger S, Jerger J. Auditory disorders. Boston: Little Brown; 1981.
5. Oliveira JAA. Ototoxicidade de drogas medicamentosas. Acta AWHO 1993;12(3):91-8.
Capítulo XIV

PRESBIACUSIA
Edson Ibrahim Mitre

A presbiacusia pode ser definida como um distúrbio auditivo decorrente da


deterioração das funções fisiológicas, que faz parte do processo natural de
envelhecimento, e que se inicia no momento do nascimento (1). Sem nenhuma dúvida,
este processo sofre influências ambientais, tais como infecções, intoxicações, traumas
de diversas naturezas, além de fatores genéticos, distúrbios metabólicos e vasculares,
entre outros.
As alterações estruturais do aparelho auditivo, decorrentes do processo de
envelhecimento, incluem as orelhas externa e média também. À flacidez da pele do
meato acústico externo e do pavilhão somam-se o espessamento da membrana do
tímpano e limitações de movimentos articulares na cadeia ossicular devido a processos
degenerativos. Nas vias auditivas centrais, ocorrem modificações significativas, com
redução do número de células ganglionares, do número de axônios mielinizados e
irregularidades na forma das células nervosas, contribuindo para agravar a qualidade
auditiva do idoso (2).
Classicamente são descritos quatro padrões diferentes de presbiacusia, todos
baseados em modificações histológicas da cóclea observadas em exames de cadáveres,
já que não é possível realizar biópsias da orelha interna. Cada padrão histológico
pode ser correlacionado com uma manifestação diferente de perda auditiva(1). No
padrão sensorial, ocorre redução do número de células ciliadas externas e internas na
espira basal da cóclea, levando à disacusia sensório-neural mais acentuada, inicialmente,
em freqüências agudas, acima de 2 KHz.
Na presbiacusia neural, ocorre a degeneração de dendritos na lâmina espiral
óssea, com perda celular no gânglio espiral de Corti. Observa-se uma redução acentuada
da discriminação, mais evidente que a perda auditiva revelada pela audiometria tonal.
No padrão denominado metabólico (ou de estria), identificam-se alterações
degenerativas na estria vascular, comprometendo inicialmente as espiras apical e média
da cóclea, levando, lenta e gradualmente, à diminuição das células ciliadas e
conseqüente atrofia dos nervos espirais. Os índices de reconhecimento da fala tendem
a se manter muito bem, a despeito da perda auditiva sensório-neural plana.
O quarto padrão habitualmente descrito é chamado de mecânico, onde
pode ocorrer ruptura da membrana basilar, seu afilamento ou seu enrijecimento.
69
Também pode ocorrer degeneração do ligamento espiral, muitas vezes desencadeado
por doenças vasculares (arterite, espasmo vascular). As alterações mecânicas ainda
podem se seguir à radioterapia (degeneração celular no VIII nervo) ou a doenças
ósseas sistêmicas (tumores, displasia fibrosa).
O quadro clínico mais facilmente reconhecido é o de perda auditiva sensório-
neural bilateral, de início geralmente em freqüências mais agudas, com tendência à
progressão para as freqüências médias e, mais tardiamente, para as graves, configurando
uma curva audiométrica inicial em “rampa” para os agudos. A discriminação tende a
piorar com a progressão da perda auditiva, sendo, muitas vezes, o primeiro sintoma
relatado. Também pode ser observado o aparecimento de zumbido de características
agudas, persistente, principalmente em perdas auditivas mais acentuadas (1,2).
É possível identificar, em alguns pacientes, reflexos estapédicos em limiares
normais, caracterizando o recrutamento, o que, por sua vez, traduz a ocorrência de
lesão coclear. A presença de recrutamento pode dificultar a adaptação de próteses
auditivas devido à estreita área dinâmica de audição, levando desconforto e
irritabilidade ao paciente. Na ausência de recrutamento, pode-se imaginar que a
lesão seja predominantemente retro-coclear, caracterizando um possível padrão neural
da presbiacusia.
Os tratamentos clínicos medicamentosos não parecem surtir qualquer efeito
na prevenção, estabilização ou melhora da audição na presbiacusia (1), mas não se
pode deixar de investigar a associação de outras doenças como agravantes da perda
auditiva, condições estas que podem ser passíveis de tratamento.
1. Hungria H. Presbiacusia. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.443-7.
2. Jerger S, Jerger J. Auditory disorders. Boston: Little, Brown; 1981.
Capítulo XV
PERDA AUDITIVA INDUZIDA
POR RUÍDO
Edson Ibrahim Mitre

Define-se perda auditiva induzida por ruído toda perda auditiva determinada
pela exposição a níveis sonoros elevados (1). Atualmente se considera a denominação
de perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados (PAINPSE), que
parece ser mais apropriada.
Distinguem-se dois grandes grupos dentro desta doença, em função do tempo
de exposição ao som danoso para que ocorra a lesão auditiva. Assim, pode-se considerar
o trauma acústico, quando a lesão auditiva é determinada por níveis de pressão sonora
mais elevados e com tempo de exposição mais curto, determinando o aparecimento quase
imediato da disacusia. É o caso das explosões, tiros, ruídos telefônicos e sons de impacto.
Por outro lado, pode-se denominar de perda auditiva induzida por ruído propriamente
dita a disacusia decorrente da exposição a intensidades sonoras mais baixas, porém por
longos períodos de tempo, como é o caso das indústrias (2,3).
A composição tonal do ruído é fundamental para a caracterização da lesão
que irá ocorrer na orelha interna, assim como sua intensidade. Em geral, até
intensidades de 85 a 90 dB, as orelhas apresentam mecanismos de proteção eficazes
e, a partir daí, começam a se estabelecer lesões. Sem dúvida há que se lembrar da
susceptibilidade pessoal e da existência de disacusia prévia ao trauma. Orelhas que já
apresentam disacusia sensório-neural são mais susceptíveis às lesões por ruído do que
as que apresentam disacusia condutiva, já que esta tende a atenuar os sons que chegam
à orelha interna, fornecendo, então, certa proteção.
O trauma acústico agudo leva a alterações circulatórias na cóclea, em nível
capilar, promovendo edema endotelial com reação inflamatória perivascular e redução
do fluxo e aumento da viscosidade sangüínea. Esta reação em cadeia acaba por causar
prejuízos à nutrição das células ciliadas do órgão de Corti, já que a cóclea é
extremamente sensível à falta de oxigênio.
A surdez sensório-neural se instala imediatamente à exposição sonora,
freqüentemente de predomínio unilateral (do lado voltado para a fonte sonora),
podendo ser acompanhada de zumbido intenso e persistente, sensação de plenitude
auricular e vertigens de origem periférica.
Na perda auditiva induzida por ruído (PAIR), as lesões do órgão de Corti
podem ser reversíveis na fase inicial, caso o indivíduo seja afastado da exposição
71
sonora. Caso persista, ocorre prejuízo da circulação capilar arterial da cóclea, com
degeneração das células ciliadas externas, seguida pelas internas e, até mesmo, pelas
células bipolares do gânglio espiral. Também pode ocorrer ruptura da membrana de
Reissner nos casos de exposição muito prolongada (1,2).
Nesta situação, as primeiras manifestações da ocorrência de lesão não
costumam ser auditivas, mas sim comportamentais, tais como irritabilidade e fadiga.
Seguem-se sintomas de cefaléia, plenitude auricular e acúfenos (zumbidos de alta
freqüência) de piora progressiva, assim como disacusia sensório-neural progressiva,
geralmente bilateral e simétrica, salvo quando uma das orelhas está permanentemente
mais próxima da fonte sonora do que a outra. Observa-se a piora da discriminação
auditiva à medida que a perda auditiva se agrava, sendo muito comum o recrutamento.
Em qualquer caso, a curva audiométrica classicamente descrita apresenta
um entalhe, inicialmente relatado como sendo em 4 KHz (antigamente denominado
de gota acústica). Sabe-se, hoje, que a maior perda auditiva ocorre, em princípio,
próximo da freqüência do som determinante da lesão, progredindo para as freqüências
vizinhas com a continuidade de exposição sonora (2).
Não existe nenhum tratamento para as lesões auditivas decorrentes da
exposição a níveis de pressão sonora elevados. Assim, é fundamental a orientação de
medidas preventivas, combatendo altas intensidades sonoras em suas fontes e
atenuando o som que chega à orelha interna com o uso de protetores auriculares.
Não basta tornar obrigatório o fornecimento de equipamentos de proteção individuais,
mas é imperativo o esclarecimento e a conscientização dos trabalhadores quanto à
necessidade de seu uso para preservação da sua saúde auditiva.
1. Hungria H. Trauma sonoro. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.448-51.
2. Jerger S, Jerger J. Auditory disorders. Boston: Little Brown; 1981.
3. Ward WD. Noise induced hearing damage. In: Paparella MM, Shumrick DA.. Otolaryngology. Philadelphia: WB Saunders;
1980. p.788-803.
Capítulo XVI

SURDEZ SÚBITA
Edson Ibrahim Mitre

A surdez súbita é definida como sendo a deficiência auditiva sensório-neural


que se instala repentinamente ou no decorrer de alguns minutos, horas ou poucos
dias (até três dias) em uma pessoa com audição normal, apresentando etiologia bastante
(1,2)
. Apenas 4% dos casos apresentam comprometimento bilateral, sendo que 80%
dos pacientes apresentam histórico de zumbido ou estalos no ouvido previamente ao
aparecimento da disacusia.
Não se trata propriamente de uma doença, mas sim de um conceito clínico
e, portanto, sua etiologia deve ser rapidamente pesquisada, sendo considerada uma
urgência médica (4).
O quadro clínico pode se instalar gradualmente, após a realização de algum
esforço físico ou depois do paciente de ter notado algum estalo ou zumbido na orelha, ou
pode se manifestar no momento em que o paciente desperta, depois de um período de
repouso. A surdez instalada é do tipo sensório-neural, podendo apresentar-se em diferentes
graus, desde leve até profunda ou anacusia. O índice de reconhecimento de fala também
se apresenta bastante prejudicado, acompanhando o grau de perda auditiva. Zumbidos
agudos e vertigens também podem acompanhar o quadro, com intensidades variáveis (3).
A surdez súbita pode ser permanente e irreversível, mas também se verifica
recuperação espontânea em cerca de 25% dos pacientes, com a audição retornando
ao normal ou próximo dele em poucos dias, raramente acontecendo tardiamente.
Dentre as etiologias mais comuns, destacam-se as viroses, estimadas em
80% dos casos para a maioria dos autores. Vírus como o da parotidite epidêmica
(caxumba), sarampo, mononucleose infecciosa, rubéola, varicela-zoster,
citomegalovírus, Coxsackie, influenza A e B, herpes simples e adenovírus foram
relatados como capazes de determinar surdez súbita.
Distúrbios vasculares também são relatados como possíveis etiologias para
o quadro, evidenciando-se tromboses, vasoespasmos, hipercoagulabilidade,
hemorragias e embolias vasculares (3,4).
Outras causas conhecidas incluem o barotrauma, a cirurgia estapediana,
doenças auto-imunes, ototóxicos e o neurinoma do acústico. Esta última possibilidade
deve ser sempre investigada nos quadros de surdez súbita pois está presente em cerca
de 10% dos casos.
73
Obviamente, todos os esforços devem ser empenhados para a determinação
da etiologia da surdez súbita, objetivando assim um tratamento mais preciso e com
melhores possibilidades de recuperação auditiva.
O exame audiométrico deve ser realizado periodicamente, a intervalos
menores no início da doença para identificar a tendência de piora ou de
recuperação auditiva e, a seguir, a intervalos maiores, até estabilização da perda
auditiva ou sua recuperação final.
1. Caldas N, Caldas Neto S. Surdez súbita. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca;
1994. p.869-80.
2. Hungria H. Surdez súbita. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.467-73.
3. Shaia FT, Sheehy JL. Sudden sensorineural hearing impairment: a report of 1220 cases. Laryngoscope 1976;86:389-98.
4. Snow JB. Sudden deafness. In: Paparella MM, Shumrick DA.. Otolaryngology. Philadelphia: WB Saunders; 1980.p.1757-66.
Capítulo XVII
DOENÇAS INFECCIOSAS COM RISCO
DE DISTÚRBIOS AUDITIVOS
Edson Ibrahim Mitre

CAXUMBA
A parotidite epidêmica é uma infecção das glândulas salivares, mais
precisamente da glândula parótida, por um paramixovírus denominado vírus da
caxumba. Com freqüência, ocorre a infecção silenciosa do sistema nervoso central,
caracterizada por uma meningoencefalite serosa e por paralisia dos nervos
cranianos, principalmente do VIII par, esta, mais comumente, unilateral (1,4).
A caxumba costuma determinar deficiência auditiva sensório-neural
unilateral, de início súbito, comumente acompanhada de náuseas, vômitos e vertigens.
Também é possível a ocorrência de zumbido e sensação de plenitude auricular, mas
como a caxumba é uma doença mais comum na infância, tais queixas acabam por
não ser relatadas ou não são valorizadas pelos pais. Obviamente o quadro é
caracterizado pela parotidite, com inchaço na região pré-auricular decorrente da
inflamação da glândula parótida.
A curva audiométrica típica é sensorial com perfil descendente (queda em
freqüências agudas), e com limiares bastante rebaixados(5). Com muita freqüência, a
perda auditiva passa totalmente despercebida, pelo fato de ser unilateral, e o paciente
somente percebe sua deficiência na adolescência ou até mesmo na vida adulta, algumas
vezes por ocasião da realização de exames admissionais para o trabalho.
Cabe salientar que a caxumba é considerada a causa mais comum de surdez
sensório-neural adquirida em crianças, no Brasil. Por outro lado, deve-se lembrar
que é uma doença evitável com o uso de vacinas.
RUBÉOLA
A rubéola é uma doença exantemática, causada por um vírus RNA
disseminado por fômites ou por contato próximo. Um paciente pode transmitir a
doença desde o início do exantema até uma semana depois de seu desaparecimento (1,4).
No sistema auditivo, as maiores alterações são determinadas pela rubéola
congênita, que resulta da infecção materna primária durante a gestação ou até três
meses antes da concepção. A rubéola congênita pode causar, com freqüência,
malformações de membros superiores e inferiores.
75
A rubéola congênita também pode determinar disacusia sensório-neural
bilateral e simétrica, geralmente severa, mais acentuada em freqüências agudas, causada
por degeneração do órgão de Corti, atrofia da estria vascular e distorção do sáculo e
da membrana tectorial (1,4,5).
No Brasil, a rubéola é a principal causa de deficiência auditiva congênita,
causando sérios e irreversíveis danos à audição e, conseqüentemente, à aquisição de
fala e linguagem. Entretanto é uma doença totalmente evitável com o uso de vacinas,
sobretudo para as mulheres em idade fértil.

OTOLUES
A sífilis ou lues é uma doença causada pelo Treponema pallidum, de
transmissão sexual, podendo ser transmitida também por via placentária, durante a
gestação, ou ainda no canal de parto.
A lesão inicial é o cancro duro, correspondendo ao local de inoculação do
Treponema. Esta lesão é autolimitada, desaparecendo sem deixar seqüelas. As manifestações
da sífilis secundária podem aparecer após vários meses ou anos, quando não houve
tratamento, geralmente na pele, que adquire exantema de aspecto rendilhado. Ainda
assim, estas lesões acabam por desaparecer, permanecendo uma infecção latente que pode
durar muitos anos. As formas mais graves se apresentam na sífilis terciária, com o
aparecimento da chamada goma sifilítica, provocando destruição tecidual com retração
cicatricial, podendo ocorrer em mucosas, na pele e no sistema nervoso central.
A lues congênita pode determinar ceratite intersticial (infecção da córnea),
com comprometimento visual precoce, e possível deficiência auditiva sensório-neural
de graus diversos. Outra possibilidade é o aparecimento de surdez súbita em indivíduos
adultos que nunca souberam serem portadores do Treponema, sendo, portanto, uma
causa a ser investigada.
Nas formas secundária e terciária, existe a possibilidade de instalação de
disacusia sensório-neural rapidamente progressiva, caminhando para graus severos,
além de sintomas vestibulares associados e zumbido persistente (2,3).
As lesões determinadas pela lues são identificadas como atrofia do órgão de
Corti com hidropsia endolinfática, seguida por degeneração das fibras do ramo coclear
do VIII nervo craniano, de progressão muito rápida.
O exame audiométrico pode revelar disacusia com características sensoriais
(recrutamento) ou neurais, dependendo do grau de lesão já instalado. Observa-se,
geralmente, comprometimento intenso da discriminação de palavras e, por vezes,
surdez flutuante nos quadros iniciais (5).
1. Caldas N, Caldas Neto S. Surdez súbita. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca;
1994. p.869-80.
2. Darmstadt GL. Luetic hearing loss. Am J Otolaryngol 1989;10:410-21.
3. Ribeiro FAQ, Lopes Filho OC. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.67-88.
4. Schucknecht HF. Patology of the ear. Boston: Harvard University; 1976. p453-89.
5. Shaia FT, Sheehy JL. Sudden sensorineural hearing impairment: a report of 1220 cases. Laryngoscope 1976;86:389-98.
Capítulo XVIII

FRATURAS DO OSSO TEMPORAL


Edson Ibrahim Mitre

Grandes impactos sobre o osso temporal ou sobre os demais ossos do crânio


podem determinar fraturas do osso temporal, sendo a maior incidência decorrente
de acidentes automobilísticos.
As fraturas podem ser classificadas em longitudinais ou transversais, segundo
o traço de fratura em relação ao maior eixo do rochedo (do meato acústico externo
em direção ao ápice petroso) (1,2).

FRATURAS LONGITUDINAIS
São assim denominadas as fraturas que acompanham o grande eixo do osso
temporal. Devido ao seu caminho, acabam por determinar a ruptura da membrana
timpânica, provocando otorragia e, às vezes, otoliquorragia (drenagem de sangue e
líquor), quando a fratura se extende pelo epitímpano, provocando comunicação com
a meninge da fossa cerebral média.
A fratura ou luxação dos ossículos na orelha média pode ocorrer em cerca
de 50% dos casos, assim como pode ocorrer a lesão do nervo facial em cerca de 20%
dos pacientes, com determinação de paralisia facial periférica (1-5).
Em geral, a orelha interna é poupada, mantendo-se os limiares de via óssea
normais. Observa-se perda auditiva condutiva cujo grau dependerá das estruturas que
forem comprometidas. Algumas vezes, após a cicatrização da membrana timpânica, pode-
se identificar curva timpanométrica do tipo Ad(curva aberta, sem pico de complacência
máxima), caracterizando o envolvimento da cadeia ossicular (4).
A cicatrização das lesões da membrana timpânica e do epitímpano se faz,
geralmente, de forma muito rápida, permitindo identificar irregularidades das paredes
ósseas do meato acústico externo à otoscopia, assim como aspecto cicatricial da
membrana timpânica.

FRATURAS TRANSVERSAIS
Estas fraturas apresentam seu traço predominante em direção perpendicular ao
grande eixo do rochedo, preservando a membrana timpânica, que permanece íntegra (2,4).
77
É muito comum a lesão da orelha interna, com abertura do bloco labiríntico,
determinando surdez sensório-neural intensa (freqüentemente anacusia),
acompanhada de vertigens muito intensas e incapacitantes. Também é comum
identificar-se luxação da platina do estribo da janela oval.
A abertura do bloco labiríntico determina hemorragia que extravasa em
direção à caixa do tímpano, onde fica coletada. Como a membrana timpânica
permanece íntegra, identifica-se o hemotímpano, caracterizado por uma coloração
inicialmente avermelhada e posteriormente azulada, à medida que ocorre a organização
e reabsorção do hematoma formado (2,4,5).
O exame audiométrico revela anacusia na grande maioria dos casos. O
exame vestibular pode indicar arreflexia labiríntica do lado acometido.
1. Castro DL. Patologia clínico-cirúrgica do meato acústico interno. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de
otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.918-33.
2. Hungria H. Paralisia de Bell: fraturas do osso temporal. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan; 2000 p.420-8.
3. Pulec JL. Total decompression of the facial nerve. Laryngoscope 1960;74:1015-20.
4. Schucknecht HF. Patology of the ear. Boston: Harvard University 1976. p.453-89.
5. Snow JB. Sudden deafness. In: Paparella MM, Shumrick DA.. Otolaryngology. Philadelphia: WB Saunders; 1980. p.1757-66.
Capítulo XIX
NEURINOMA DO ACÚSTICO.
OUTRAS AFECÇÕES DAS VIAS
AUDITIVAS CENTRAIS
Edson Ibrahim Mitre

A denominação de neurinoma ou de neuroma do acústico está consagrada


pelo uso, apesar de não ser a mais adequada, pois o termo traduz um tumor de fibras
nervosas. O melhor termo seria neurilemoma, correspondendo a um tumor do
neurilema, ou de Schwannoma, ou seja, uma tumoração originada nas células de
Schwann ou bainha de mielina. Uma grande parte destes tumores tem origem no
ramo vestibular do nervo acústico, levando à denominação de Schwannoma vestibular.
Este tumor corresponde a cerca de 75% dos tumores da região do ângulo
ponto-cerebelar (região anatômica entre a ponte o cerebelo, onde está a origem aparente
do VIII nervo craniano) (1,2,4). De início mais freqüente entre os 35 e os 45 anos de
idade, acomete mais o sexo feminino, na proporção de duas mulheres para um homem.
Cerca de 95% dos tumores são unilaterais e, quando bilaterais, existe a possibilidade
de associação com uma síndrome genética (neurofibromatose tipo 2 ou doença de
Von Recklinghausen).
O tumor pode ser denominado de intra ou extra-canalicular em função de
sua localização em relação ao meato acústico interno. Não se observa relação entre o
tamanho do tumor e as manifestações auditivas e vestibulares. Tumores pequenos
intra-canaliculares tendem a desencadear alterações auditivas mais precoces devido à
compressão do nervo acústico, enquanto tumores extra-canaliculares podem adquirir
grandes proporções antes de provocar qualquer sintoma (5,6).
Alterações do nervo trigêmeo podem ser facilmente caracterizadas ao exame
clínico, como anestesia da hemiface e perda do reflexo córneo-palpebral do mesmo
lado. Também pode ocorrer o comprometimento do VI, IX, X e XII nervos cranianos
devido à sua localização próxima ao tumor. A paralisia facial periférica também pode
ocorrer, sendo mais rara, pois o nervo facial sofre distensão lenta e progressiva, permitindo
sua acomodação gradual; é mais comum no pós-operatório, por lesão iatrogênica, às vezes
inevitável (1,5,6).
As alterações cerebelares mais facilmente identificadas são a dismetria
(incapacidade de determinar a distância precisa para alcançar determinado objeto) e
a disdiadococinesia (incapacidade de realizar movimentos repetidos e alternados),
contribuindo para a identificação da lesão próxima ao cerebelo.
79
Não existe curva audiométrica característica, podendo-se evidenciar
conformações extremamente variadas e estranhas. Costuma-se dizer que resultados
audiométricos atípicos ou com dados incompatíveis são altamente sugestivos da
presença de neurinoma do acústico (3).
A audiometria de tronco encefálico (ABR ou BERA) pode demonstrar
aumento da latência absoluta da onda V, sendo a alteração mais fidedigna o aumento
do intervalo I-V.
O exame vestibular em geral revela hiporreflexia ou arreflexia labiríntica,
apesar da ausência de queixas de equilíbrio, já que o comprometimento é gradual,
permitindo a compensação labiríntica pelo sistema nervoso central.
O diagnóstico definitivo é feito por exames de imagem, sendo o ideal a
ressonância magnética, que permite identificar tumores com cerca de um milímetro
de diâmetro, enquanto a tomografia computadorizada comumente permite identificar
tumores maiores, com cerca de cinco milímetros de diâmetro. A tomografia
computadorizada de alta resolução pode permitir a identificação de tumores menores.
Um sinal indireto da presença de tumor intra-canalicular é o alargamento do meato
acústico interno que pode ser observado já em tumores pequenos.
Sabe-se que diversas outras doenças podem provocar danos às vias auditivas
centrais em diferentes localizações.
O kernicterus é uma destas afecções, onde ocorre a impregnação por
bilirrubina nos núcleos cocleares no bulbo encefálico, decorrente da eritroblastose
fetal ou incompatibilidade Rh. Esta doença leva à disacusia neural profunda, de
predomínio em freqüências agudas.
A encefalite e a meningite podem determinar lesões em qualquer ponto das
vias auditivas centrais, assim como abscessos e tumores cerebrais, que determinam lesão
por compressão ou destruição neural, acarretando deficiência auditiva neural de graus
diversos, dependendo da extensão da lesão.
Atualmente, existem muitos estudos sobre distúrbios do processamento auditivo
central e sobre a surdez central, onde a audição periférica, determinada pela audiometria
tonal, por otoemissões acústicas e, até mesmo pela audiometria de tronco encefálico,
encontra-se normal, mas não é intuito deste volume abordar estes estudos.
1. Castro DL. Patologia clínico-cirúrgica do meato acústico interno. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de
otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.918-33.
2. Hungria H. Neuroma do acústico: fraturas do osso temporal. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan; 2000. p.536-9.
3. Jerger S, Jerger J. Auditory disorders. Boston: Little, Brown; 1981.
4. Mathog RH, Viscomi G. Otologic manifestations of retrocochlear disease. In Paparella MM, Shumrick DA.. Otolaryngology.
Philadelphia: WB Saunders; 1980.p.1898-919.
5. Schucknecht HF. Patology of the ear. Boston: Harvard University; 1976. p453-89.
6. Snow JB. Sudden deafness. In: Paparella MM, Shumrick DA.. Otolaryngology. Philadelphia: WB Saunders; 1980. p.1757-66.
Capítulo XX

RESPIRAÇÃO
Edson Ibrahim Mitre

Imprescindível para a manutenção da vida, a respiração também tem grande


importância em todos os processos de crescimento e desenvolvimento físico e
intelectual. A respiração correta, além de proporcionar o necessário aporte de oxigênio
para o metabolismo celular, garante o correto desenvolvimento anatômico e funcional
das mais diversas estruturas do corpo, pois é responsável pela produção de energia.
O nariz, sendo a porta de entrada do sistema respiratório, é responsável por
diversas funções que visam o preparo do ar inspirado para ser levado aos pulmões.
Assim, ele é responsável pela limpeza, aquecimento e umidificação do ar inspirado,
entre outras funções. Os seios paranasais contribuem para a equalização de pressões
na cavidade nasal, além de facilitar o aquecimento e umidificação do ar inspirado,
reduzir o peso do crânio e contribuir na ressonância da voz (1-3).
Além do nariz e seios paranasais, existem outras estruturas que são igualmente
importantes para uma boa respiração, e que participam, também do sistema
estomatognático. Existe uma íntima relação entre os ossos da face, dentes, músculos
e cavidades (nasais, paranasais e bucal), assim como com o sistema vascular e nervoso
correspondentes. Há muito tempo é conhecida a possibilidade de ossos e dentes
interferirem e provocarem alterações nas assim chamadas partes moles, sendo o inverso
até mais freqüente, muitas vezes determinadas pelas alterações respiratórias. Ocorrem
modificações contínuas em todas essas estruturas, constituindo um processo dinâmico.
Para um adequado atendimento ao paciente com alterações inerentes ao
sistema estomatognático, é necessário, portanto, um bom conhecimento de cada
estrutura que o compõe, assim como das relações topográficas entre essas estruturas
e, principalmente, das relações funcionais entre elas, sem esquecer dos imprescindíveis
conhecimentos fisiopatológicos envolvidos (4,6,7).

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA NASAL


A insuficiência respiratória nasal pode ter origem orgânica, quando existe um
obstáculo mecânico à respiração, ou funcional, quando as vias aéreas encontram-se pérvias.
A insuficiência respiratória orgânica pode ser devida a obstáculos mecânicos
dentro das cavidades nasais, nas coanas ou na rinofaringe, ou ainda na cavidade bucal.
81
Por outro lado, a insuficiência respiratória nasal funcional ocorre com as vias
aéreas desobstruídas, sendo que, muitas vezes, o paciente já foi submetido a tratamento
cirúrgico de adenóides ou amígdalas hipertrofiadas, ou ainda apresenta crises de piora de
rinite alérgica. Existe o chamado hábito ou vício bucal. Existe, também, um terceiro
grupo, denominado de impotentes funcionais, que apresentam algum distúrbio
neurológico no controle do tônus muscular do sistema estomatognático, fazendo com
que o paciente mantenha a respiração oral. Estes pacientes também podem apresentar
alguma manifestação psiquiátrica associada ao quadro (1,2,4,8).
Quando identificada uma etiologia orgânica, é fundamental sua
caracterização para eliminá-la ou minimizá-la. Quanto mais precoce sua identificação
e tratamento, menores serão as conseqüências na função respiratória e na anatomia.

O INDIVÍDUO RESPIRADOR ORAL


A permanência de respiração oral por períodos prolongados acaba por
determinar modificações em diversas estruturas, sendo tão bem conhecidas que sua
identificação faz suspeitar da qualidade respiratória de um indivíduo. Estas
características tão comuns permitem caracterizar um quadro clínico denominado de
síndrome do respirador oral.
O indivíduo com síndrome do respirador oral apresenta, em geral, boca
entreaberta, com protrusão dos dentes anteriores e retração do lábio superior,
mantendo os dentes superiores à mostra. A língua é alargada e mal-posturada na
cavidade bucal. É facilmente notada a eversão do lábio inferior, conferindo um aspecto
de lábio mais espesso. Ao se solicitar o vedamento labial, o paciente o faz com esforço
muscular, conferindo tensão na musculatura mentoniana (Figura 9) e para-mentoniana

Figura 9.
Tensão
mentoniana
com esforço
para fechar
a boca em
paciente
respirador
oral.
e curvatura

Figura 10. Narinas estreitas, fusiformes, em pacientes com insuficiência respiratória nasal.

labial para baixo (expressão de mau-humor). Narinas muito estreitas, em formato de


fenda, características do desuso são comumente notadas (Figura 10), assim como a
coloração escurecida das pálpebras inferiores (“olheiras”). O exame da cavidade oral
permitirá evidenciar o palato elevado, e com arcada dentária estreita (“palato ogival”),
bem como as alterações de posicionamento e oclusão dentárias (Figura 11). Tais
características também são conhecidas como “fácies adenoidea”, pelo fato de ser comum
em pacientes com hipertrofia da tonsila faríngea (6-8).
Sob o aspecto comportamental, a sonolência excessiva é um dado marcante,
acompanhada de desatenção e baixo rendimento laborativo ou escolar. Alia-se, ainda,
a alteração de humor, caracterizando o paciente como irritadiço.
A redução no apetite se soma, em crianças, ao hipodesenvolvimento global,
repercutindo em menor estatura e peso. O eixo gravitacional também tende a se
alterar, com avanço da cabeça em relação ao tronco, que se encontra encurvado e
com o tórax afundado (5).

Figura 11. Distúrbios de oclusão dentária (acima) e palato ogival (abaixo) em paciente com respiração oral.
83
Muitas vezes, a correção dos distúrbios respiratórios permite a recuperação do
desenvolvimento pôndero-estatural e melhora das características acima descritas.

OBSTRUÇÃO NASAL
A obstrução nasal é uma das causas mais freqüentes que levam pacientes
aos consultórios médicos. A análise de sua patogenia fornecerá meios para um
diagnóstico, orientação e tratamento corretos. A respiração nasal é a única fisiológica
para o homem, embora ele possa sobreviver respirando apenas pela boca.
Deve-se atentar para não confundir o ciclo fisiológico nasal com
obstrução nasal. Existe uma alternância fisiológica entre as cavidades nasais quanto
à passagem de ar, decorrente da variação do volume das conchas nasais, que
ocorre, aproximadamente, a cada duas horas. O fluxo aéreo expiratório pode ser
inferido, facilmente, com o emprego do espelho de Glatzel (Figura 12), que
permite, inclusive, determinar a inversão do ciclo nasal fisiológico (1,9).
Alterações na respiração nasal podem levar a modificações em vários aparelhos
e sistemas. No sistema respiratório, podem ocorrer insuficiência respiratória e infecções
respiratórias de repetição. As otites e problemas de tuba auditiva são comuns, da
mesma forma que conjuntivites, blefarites (inflamação palpebral) e dacriocistites
(inflamação do canal e saco lacrimal).
No segmento sensorial, anosmias, hiposmias, parosmias (distorção do olfato)
e cacosmias (odor fétido nasal) são bastante evidentes, assim como as disgeusias
(alterações do paladar).
Em relação à fala e articulação, o sigmatismo e a rinolalia aparecem com
certa freqüência, da mesma forma que a aerofagia, disfagia e a deglutição atípica. No

Figura 12. Emprego do espelho de Glatzel para avaliação da expiração nasal.


desenvolvimento físico, as alterações podem ser mais facilmente identificadas na face,
com assimetrias faciais, alterações ortodônticas, de posicionamento do palato e da
língua (3,6-8).
Efeitos importantes também são identificados no sono, sendo muito
freqüente a síndrome da apnéia/hipopnéia obstrutiva do sono (SAHOS), além de
agitação e terror noturno.
Os fatores patológicos que diminuem a permeabilidade nasal podem ser
divididos, segundo sua localização, em anteriores e posteriores, como veremos a seguir.

Obstrução Nasal Anterior


As causas mais freqüentes de obstrução nasal, localizadas nas cavidades nasais,
incluem rinites, sinusites, desvios de septo e da pirâmide nasal e hipertrofia de conchas
nasais. Outras afecções envolvem neoplasias nasais, hematomas e abscessos, corpos
estranhos, aderências entre estruturas (sinéquias) e pólipos (9).

Obstrução Nasal Pós-Nasal (ou Retronasal)


Indubitavelmente, a principal etiologia para a obstrução retronasal é a
hipertrofia da tonsila faríngea, ou adenóide. É claro que existem outras causas menos
comuns, como pólipos antro-coanais de Killian (pediculado na cavidade nasal, porém
ocupando a rinofaringe), neoplasias e a atresia ou imperfuração coanal, esta podendo
ser uni ou bilateral (2,9).
1. Ballantyne J, Groves J. Scott-Browns diseases of the ear, nose and throat. 3a ed. Philadelphia: JB Lippincot ; 1971.
2. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
3. Enlow DH. Controle dos processos de crescimento facial. In: Enlow DH. Crescimento facial. 3a ed. São Paulo: Artes Médicas;
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4. Hungria H. Manifestações alérgicas nasossinusais: rinite vasomotora; neurectomia do vidiano. In: Hungria H. Otorrinolaringologia.
8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.69-78.
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6. Marquesan IQ. Avaliando e tratando o sistema estomatognático. In: Lopes Filho OC, editor. Tratado de fonoaudiologia. São
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7. Marquesan IQ. Fundamentos em fonoaudiologia – aspectos clínicos da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998.
8. Rubin RM. Mode of respiration and facial growth. Am J Orthod 1980;78:504-10.
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Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.1003-13.

85
Capítulo XXI
RINITES AGUDAS E CRÔNICAS
Edson Ibrahim Mitre

RINITES AGUDAS
A rinite aguda é definida como um processo inflamatório agudo, de curta
duração, que pode ou não apresentar componente infeccioso, do revestimento interno
das cavidades nasais.
As manifestações mais comuns incluem a congestão nasal, associada à
rinorréia que pode ser aquosa, mucosa ou purulenta, em decorrência de sua etiologia.
Também é muito comum o envolvimento associado das cavidades paranasais (1,2,4-6).

RINITE CATARRAL AGUDA


É uma das manifestações mais comuns de rinite, caracterizada principalmente
por congestão nasal e rinorréia intensa.
Geralmente decorrente de infecção viral, pode evoluir de duas formas diferentes.
Na primeira, que sempre ocorre, existe uma reação da mucosa nasal agredida pelo vírus.
Há estímulo na produção de muco, com todos os seus componentes de defesa e
mediadores imunológicos. Seguem-se edema e hiperemia da mucosa nasal, de graus
variáveis, dependendo da intensidade da agressão, com reação inflamatória geralmente
discreta. Esse tipo de reação mucosa é facilmente reversível, na maioria das vezes sem
nenhum tipo de tratamento médico. Dura em média, três a quatro dias. É a
manifestação comum dos resfriados simples e das gripes, mas também podem se
apresentar na vigência de algumas doenças exantemáticas, como o sarampo, a
escarlatina e, mais raramente na atualidade, a difteria (5,6,9,10).
As alterações locais decorrentes da infecção viral favorecem a infecção
bacteriana secundária por germes habituais das cavidades nasais e paranasais. Isto
pode desencadear uma segunda forma de apresentação clínica. Para combater o
crescimento bacteriano, existe o aporte de um grande número de leucócitos, o que
ocasiona o aparecimento de secreções purulentas. A mucosa exibe maiores graus de
edema e hiperemia e uma reação inflamatória muito mais intensa. A congestão nasal
é mais evidente, podendo ocorrer dor nasal e cacosmia (odor fétido nasal).
Vários são os fatores predisponentes da rinite catarral aguda, sendo os
principais agrupados em ambientais, climáticos, nutricionais, imunológicos,
loco-regionais e familiares. O diagnóstico nem sempre é fácil, porque vários dos
87
sintomas e sinais apresentados são comuns a inúmeras outras entidades clínicas,
principalmente as doenças exantemáticas e crises alérgicas. No estágio inicial
predominam os sintomas gerais, como febre, tosse, calafrios, dores musculares,
sensação de cansaço, cefaléia e fraqueza.
Os sintomas e sinais locais são rinorréia (drenagem de secreções pelo nariz)
aquosa, obstrução nasal, espirros e hiposmia. O exame das cavidades nasais mostra
edema e hiperemia da mucosa, com abundante secreção aquosa. No estágio bacteriano
predominam os sintomas e sinais locais, como secreção mucopurulenta, obstrução
nasal, dor nasal e facial e dor de garganta.
Obviamente a vigência de uma rinite catarral aguda pode dificultar muito
qualquer terapêutica voltada para a respiração, e mesmo para a audição, visto que
este quadro pode induzir ao acúmulo de muco na orelha média também,
proporcionando disacusia condutiva transitória (6,9).
Quando o paciente encontra-se em terapia fonoaudiológica por
distúrbios do sistema sensório-motor oral, a congestão nasal, levando à respiração
oral de suplência, ainda que transitória, levará ao insucesso das técnicas
terapêuticas propostas, sendo recomendado adiar a terapia por alguns dias, até
resolução do quadro catarral agudo.

RINITE CATARRAL AGUDA DO LACTENTE


Devido ao pequeno tamanho das cavidades nasais e ao reflexo de respiração
nasal do lactente (o bebê só respira pelo nariz, devido à sua constituição anatômica e
a relação entre o dorso da língua e o palato mole), a instalação de uma rinite catarral
aguda pode determinar quadro de grande risco e gravidade. A obstrução nasal,
geralmente completa, compromete a alimentação e a oxigenação. Isto é particularmente
importante na amamentação ou na eventual suplementação alimentar, devendo ser
motivo de investigação cuidadosa durante o trabalho terapêutico fonoaudiológico
hospitalar e em berçários (1,2,4).
O processo pode se estender aos olhos, originando conjuntivite, às orelhas,
determinando otite, e às vias respiratórias baixas, ocasionando traqueobronquite.
As medidas mais importantes são relacionadas à higiene nasal, empregando-
se o soro fisiológico isotônico em temperatura ambiente e em grande quantidade,
facilitando a desobstrução nasal, melhorando, assim, as condições respiratórias e,
conseqüentemente, de alimentação.

RINITE POR CORPO ESTRANHO


Crianças costumam introduzir no nariz sementes, bolinhas de papel, contas
de vidro, baterias de brinquedos e relógios, flocos de espuma obtidos de estofados e
de bonecos, bolinhas de isopor, entre outros, muitas vezes sem se lembrar do que fizeram.
Outras vezes, percebem que fizeram algo indevido, mas têm medo de contar aos pais ou
responsáveis. Em adultos, esta condição é muito mais rara, à exceção dos doentes mentais.
É comum crianças serem atendidas apresentando quadro de obstrução nasal
unilateral e rinorréia, também unilateral, geralmente fétida. Ao exame nota-se que a fossa
nasal está bloqueada e preenchida por secreção mucopurulenta, por vezes impedindo a
identificação do corpo estranho (5,6). Algumas crianças passam a apresentar dificuldade
respiratória importante, com necessidade de respiração oral de suplência. Além disso,
dependendo da natureza do corpo estranho, lesões importantes podem ocorrer na mucosa
nasal, como é o caso de baterias de relógio e comprimidos, que podem ter ação cáustica.
A remoção dos corpos estranhos nasais deve obedecer a algumas regras
importantes, sendo a principal, sem dúvida, evitar a tentativa de remoção sem
adequado conhecimento e experiência para tal, ou sem material adequado.
A tentativa de empurrar o corpo estranho para a faringe pode ter
conseqüências danosas, pois ele poderá progredir até a glote, ocasionando crise
dramática de sufocação e até a morte. Por outro lado, as tentativas mal-sucedidas de
remoção do corpo estranho acabam por deixar a criança extremamente agitada, além
de levar a edema da cavidade nasal, dificultando ainda mais a sua remoção.
As cavidades nasais devem ser limpas, removendo-se crostas ou aspirando
secreções que possam estar presentes. Após a remoção do corpo estranho, convém
usar gotas de soro fisiológico na fossa nasal por três a quatro dias, quatro vezes ao dia,
para ajudar na limpeza da mesma.

RINITE VESTIBULAR (Vestibulite)


Caracteriza-se por inflamações do vestíbulo nasal, que pode manifestar-se
por vermelhidão local, fissuras, exulcerações e até ulcerações. Elas podem evoluir
para a formação de foliculite na raiz das vibrissas (pelos do vestíbulo nasal), ou
verdadeiros furúnculos. Apresentam, como característica mais marcante, dor intensa
na ponta ou na asa nasal acometida (5,9,10).
As causas mais comuns são as secreções ou crostas decorrentes das infecções
naso-sinusais agudas ou crônicas, geralmente associadas ao hábito de limpar constantemente
o nariz com lenço, papel ou dedos. De evolução habitualmente benigna, podem tornar-
se dramáticas quando sua etiologia for o estreptococo, pela possibilidade de ocorrer erisipela
na face ou flebites graves, que se podem propagar ao seio cavernoso intracraniano.

RINITES CRÔNICAS
As rinites crônicas são definidas como um processo inflamatório, podendo
estar presente o componente infeccioso, das cavidades nasais, com duração superior
a três meses. Assim como nas rinites agudas, é muito comum o comprometimento
simultâneo das cavidades paranasais.
89
A principal característica é a identificação de alterações irreversíveis da mucosa
nasal, sendo as mais comumente encontradas a hiperplasia e a hipertrofia. Na primeira,
existe um aumento do número de células, enquanto, na segunda, ocorre apenas o aumento
do volume das células e edema difuso. Geralmente decorrem de quadros infecciosos
prolongados, com agressão e irritação constante da mucosa (5,6,8).
As rinites cônicas podem ser divididas, didaticamente, segundo as alterações
encontradas. A seguir estão relatadas as modificações mais características de cada
forma de rinite crônica, devendo-se lembrar que elas podem ser fases evolutivas de
uma mesma doença.

RINITE CRÔNICA SIMPLES


A rinite crônica simples apresenta-se como um quadro clínico de obstrução
nasal crônica, podendo ser bilateral ou em báscula (alternância das cavidades nasais),
com drenagem mucosa retronasal e, comumente, com alterações de olfato. A história
clínica mais freqüente é a de um “resfriado crônico”.
É decorrente da repetição de quadros de rinite aguda, de sinusites crônicas
(drenagem purulenta permanente em direção à cavidade nasal), de irritações crônicas
(poeira, tabaco, ar condicionado, medicação tópica nasal), ou ainda, de obstrução
nasal mecânica (desvio de septo nasal, sinéquias) (6,9).

RINITE HIPERTRÓFICA
Esta manifestação clínica corresponde a uma evolução mais prolongada da
rinite crônica simples, onde se inicia a metaplasia do epitélio respiratório nasal, com
edema importante, passando a determinar alterações irreversíveis da mucosa nasal,
sendo o seu espessamento muito freqüente.
A obstrução nasal se acentua de forma evidente, principalmente devido à
hipertrofia das conchas nasais inferiores e médias. O paciente passa a referir dificuldade
respiratória intensa, com necessidade de manter respiração oral (5,6,10).
Este é um dos quadros que predispõem à instalação da respiração oral,
levando a alterações evidentes do tônus muscular perioral.

POLIPOSE NASO-SINUSAL
Decorrente da rinite hipertrófica, devido aos quadros irritativos constantes
e obstrução nasal permanente, observa-se metaplasia acentuada do epitélio nasal com
a formação de pólipos nasais e, eventualmente, sinusais.
A presença dos pólipos na cavidade nasal provoca uma maior obstrução
respiratória, facilitando a ocorrência de infecções naso-sinusais devido à retenção das
secreções naturalmente produzidas, que fornecem um excelente meio para o
desenvolvimento bacteriano (5).
A respiração oral é inevitável, provocando, também, maior dificuldade
alimentar. Em casos mais acentuados, os pólipos se desenvolvem muito (Figura 13),
podendo provocar deformidades na pirâmide nasal e na face.

RINITE ATRÓFICA
Existem duas manifestações distintas de rinite atrófica, uma decorrente de
um quadro denominado ozena, e a outra decorrente de iatrogenia. Esta última ocorre
como conseqüência de ressecções cirúrgicas nasais exageradas, sobretudo quando se
promove a ressecção total de conchas nasais, tornando a cavidade nasal muito ampla
e sem turbilhonamento do ar inspirado.
A ozena se constitui em um processo de atrofia ósteo-mucosa da parede
lateral das cavidades nasais, sendo evidente a redução de volume das conchas nasais.
Isto permite um fluxo aéreo inspiratório praticamente laminar e em alta quantidade,
levando ao ressecamento nasal com a formação de crostas, que acabam por promover
odor fétido nasal. Identifica-se um processo de osteíte com reabsorção óssea (1,2,6).
Este é um dos quadros que levam à insuficiência respiratória nasal funcional,
pois, apesar da ampla perviedade das cavidades nasais, o paciente tem uma redução
na sensibilidade nasal à passagem do ar, devido à falta de turbilhonamento inspiratório,
levando-o a preferir a respiração oral. Isto quer dizer que o paciente tem ótimas
condições para manter respiração nasal, mas não o faz devido a não ter a percepção
da passagem do ar pelo nariz. A queixa mais evidente é, contraditoriamente, de
obstrução nasal, seguida pela cacosmia e secreção nasal de difícil remoção.

Figura 13. Pólipo antro-coanal de Killian evidenciado por trás do palato mole, originado no nariz.
91
RINITE ALÉRGICA
É uma reação inflamatória da mucosa nasal desencadeada pelo contato com
determinados antígenos (agentes estranhos ao organismo).
O nariz apresenta um mecanismo de defesa que responde ao contato da
mucosa com alguma substância tóxica ou estranha, por meio de espirros e coriza,
impedindo que vírus ou bactérias atinjam os pulmões. A alergia é uma reação de
defesa exagerada contra agentes que, em condições normais, não seriam agressivos ao
ser humano, tais como a poeira domiciliar (1-4,7,8).
As primeiras descrições sobre a rinite alérgica remontam ao século XVIII, na
Inglaterra. Apesar de não ser considerada uma doença grave, ela interfere na qualidade de
vida do paciente e pode desencadear problemas nos ouvidos e nos pulmões.
Estima-se que cerca de 20% da população apresente sintomas de rinite
alérgica. É uma alergia que tem caráter genético, porém isto não é obrigatoriamente
identificado, podendo aparecer em qualquer idade sendo mais comum entre crianças
e adolescentes.
A rinite alérgica pode ser sazonal (ocorre em determinada época do ano) ou
perene (sintomas persistentes) e está diretamente relacionada aos agentes
desencadeantes, que podem ser inalantes, alimentares ou bacterianos. É comum a
existência de múltiplos fatores desencadeantes simultâneos.
A existência de reações alérgicas associadas é, também, outra característica
freqüente. Quadros asmáticos e bronquíticos, alergia gastrointestinal, cutânea e
medicamentosa estão intimamente relacionados à rinite alérgica.
No Brasil, a poeira domiciliar é uma das substâncias que mais provocam
alergias. Essa poeira é formada pela descamação da pele humana e de animais, restos
de insetos e alimentos, fungos provocados por mofo ou bolor em lugares muito
úmidos e por ácaros. Esses pequenos organismos estão presentes em colchões, travesseiros,
cobertores e se alimentam da descamação da pele. É por isso que no inverno alguns
pacientes sofrem mais pelo contato com roupas e cobertores que podem estar repletos de
ácaros (3).
Outros desencadeantes são fumaça (principalmente o tabaco), perfumes,
produtos de limpeza (sobretudo os que contém cloro ou amoníaco), tintas, solventes,
combustíveis, penas de aves e pelos de animais.
Os sintomas mais comuns são os de coceira no nariz e na garganta, podendo
acometer também os olhos, espirros freqüentes e consecutivos, obstrução nasal e
coriza hialina. Pacientes que já têm seu diagnóstico firmado há bastante tempo
costumam reconhecer os alérgenos desencadeantes de seus sintomas.
Ao inspecionar as cavidades nasais com o auxílio de boa iluminação, pode-
se evidenciar a palidez mucosa, o edema e o espessamento da mucosa nasal e,
eventualmente, pólipos nasais.
A simples observação da face do paciente com rinite alérgica pode revelar
sua condição. A identificação da prega alérgica no dorso nasal é conseqüência do
movimento contínuo para coçar o nariz. Da mesma forma, pode-se evidenciar irritação
com hiperemia cutânea no vestíbulo nasal (assadura), devido à umidade. O movimento
de “limpar ou coçar o nariz”, de baixo para cima, com a mão, é conhecido como
saudação alérgica. Sintomas e sinais presentes na síndrome do respirador oral também
podem aparecer (“facies adenoidea”) (7,8).
Além de poder determinar alterações significativas na face e em todo o
sistema estomatognático, a rinite alérgica também provoca maior dificuldade na terapia
fonoaudiológica dos distúrbios respiratórios, articulatórios e até mesmo interferindo
nos tratamentos ortodônticos, devendo, assim, ser reconhecida e o paciente
encaminhado para avaliação e orientação otorrinolaringológica.
1. Ballantyne J, Groves J. Scott-Browns diseases of the ear, nose and throat. 3a ed. Philadelphia: JB Lippincot; 1971.
2. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
3. Campos CAH, Lopes Filho OC. Alergia nasal. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo:
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4. Hungria H. Manifestações alérgicas nasossinusais: rinite vasomotora; neurectomia do vidiano. In: Hungria H. Otorrinolaringologia.
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5. Hungria H. Rinites agudas e crônicas: viroses das vias respiratórias; alterações do olfato. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a
ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.17-24.
6. Lopes Filho OC, Campos CAH. Inflamações agudas e crônicas das fossas nasais. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de
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7. Mabry RL. Overview: the allergic reaction and sistem based therapy. Otolaryngol Head Neck Surg 1992;107(6pt2):828-30.
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9. Paparella MM, Shumrick DA. Otolaryngology. Philadelphia: WB Saunders; 1980.
10. Portmann M. Précis doto-rhino-laryngologie. Paris: Masson; 1982.

93
Capítulo XXII
SINUSITES
Edson Ibrahim Mitre

A definição clássica de sinusite é a de um processo inflamatório ou infeccioso,


agudo ou crônico, da mucosa das cavidades paranasais. O comprometimento pode
ser de uma única cavidade ou múltiplo e, com muita freqüência, a mucosa da cavidade
nasal se encontra envolvida no processo, determinando uma rinossinusite (1-5).
Comumente são descritos sintomas de dor facial, às vezes relatado como
peso no rosto, além de congestão nasal, rinorréia (geralmente de coloração amarelada
ou esverdeada), tosse, febre, prostração, inchaço ocular e edema de face. Não é
obrigatória a manifestação de todos os sintomas, sendo que, nos casos mais leves, a
escassez de sintomas é um dado comum. Indivíduos adultos tendem a relatar queixas
dolorosas ou de rinorréia, ao passo que crianças manifestam alterações alimentares
como primeiros sintomas.
Nas crianças, a suspeita de sinusite se faz, habitualmente, pela identificação
de tosse, de predomínio noturno ou matinal, com secreção nasal abundante,
repercutindo em modificações do sono e da qualidade respiratória (3,5,6).
Nos quadros de sinusite aguda, a principal manifestação é a dor, seguida pela
tosse e pela rinorréia. O diagnóstico é feito facilmente pela rinoscopia anterior, às vezes
com a contribuição da endoscopia nasal. A identificação de secreção com características
purulentas na cavidade nasal, associada à história do paciente e, com freqüência, a presença
de secreção purulenta na parede posterior da faringe, oriunda da cavidade nasal, permite
um diagnóstico quase certo de sinusite aguda. O exame radiológico simples também
pode ser utilizado para facilitar o diagnóstico dos quadros agudos.
Por outro lado, na sinusite crônica, a principal queixa é de obstrução nasal,
sendo a sintomatologia dolorosa pouco evidente. Também é comum a ocorrência de
pólipos sinusais, por vezes em associação aos pólipos da cavidade nasal, caracterizando
um quadro de rino-sinusite crônica. Em alguns casos, o comprometimento
inflamatório é tão extenso que ocorrem deformações ósseas da face, com abaulamento
em região maxilar, etmoidal ou frontal.
Nas sinusites crônicas, o diagnóstico exclusivamente clínico é mais difícil,
assim como a radiografia simples também oferece pouco auxílio. Há necessidade de
recorrer a exames mais detalhados, sendo o principal a tomografia computadorizada
95
naso-sinusal, permitindo evidenciar detalhes do comprometimento e da drenagem
sinusal (1,6,7).
Enquanto o tratamento da sinusite aguda é clínico, os quadros crônicos
necessitam, muitas vezes, de tratamento cirúrgico para sua resolução.
A orientação de medidas de prevenção ambiental, que também são
pertinentes nos quadros de rinites, é fundamental para a prevenção e tratamento do
paciente com sinusite. Medidas de hidratação oral abundante, assim como de higiene
nasal freqüente devem ser orientadas por todos os terapeutas.
1. Ballantyne J, Groves J. Scott-Browns diseases of the ear, nose and throat. 3a ed. Philadelphia: JB Lippincot; 1971.
2. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
3. Campos CAH, Lopes Filho OC. Sinusites. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo:
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4. Castagno LA. Sinusite aguda e crônica: avaliação e tratamento. Folha Médica 1994;108(5):173-83.
5. Hungria H. Sinusites agudas e crônicas: correlações sistêmicas das sinusites. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.42-54.
6. Litton WB. Acute and chronic sinisitis. Otolaryngol Clin North Am 1971;4(1):25-38.
7. Wilson WR, Montgomery WW. Surgery of the frontal, ethmoid and sphenoid sinuses. In: Paparella MM, Shumrick DA.
Otolaryngology. Philadelphia: WB Saunders; 1980. p.2115-26.
Capítulo XXIII

DESVIO DE SEPTO NASAL


Edson Ibrahim Mitre

O septo nasal é uma estrutura ósteo-cartilaginosa localizada entre as cavidades


nasais, devendo apresentar-se centrado para que o fluxo aéreo nasal seja simétrico.
Na sua porção anterior, é formado pela cartilagem quadrangular e, na região posterior,
pela lâmina perpendicular do etmóide e pelo vômer (estruturas ósseas) (4,9).
O septo nasal pode se encontrar desviado em qualquer de suas regiões, ou
ainda, em bloco, podendo provocar dificuldades respiratórias, obstruções nasais e
predispor a infecções respiratórias (1-4,10).
Estes desvios do septo nasal podem ser decorrentes de diferenças de
crescimento entre o septo nasal e as cavidades nasais, ou por traumatismos sobre a
pirâmide nasal (6,7).
O septo nasal, principalmente em sua porção cartilaginosa, apresenta grande
taxa de crescimento até a adolescência, sendo que seu crescimento é muito menor
após os 15 anos de idade até a idade adulta. O crescimento desproporcional entre a
cartilagem septal e a pirâmide nasal e as cavidades nasais pode fazer com que o septo
seja encurvado para se adequar à cavidade. Estes desvios costumam apresentar
curvatura suave e em bloco, ou ainda localizarem-se na região inferior do septo,
próximo ao palato (5,8).
De outro lado, qualquer trauma direto sobre a pirâmide nasal pode provocar
fraturas no septo nasal, mais freqüentemente em sua região cartilaginosa, o que ocorre
comumente em bebês, durante seu aprendendizado de marcha, quando as quedas e,
conseqüentemente, os traumatismos nasais são habituais, muitas vezes sem que sejam
percebidos. Estes traumas da infância são, geralmente, causadores de desvios septais
cartilaginosos.
A localização do desvio septal é muito importante na determinação de
obstrução nasal respiratória ou de drenagem de secreções sinusais. Desvios localizados
próximo à válvula nasal (região mais anterior) ou à porção anterior da concha nasal
inferior têm características mais obstrutivas à respiração, enquanto desvios inferiores
podem ser assintomáticos. Desvios na região intermediária do septo nasal são grandes
facilitadores de infecções sinusais (4,5,8,10).
97
É possível a ocorrência de desvios da pirâmide nasal asociados aos desvios
de septo nasal, sobretudo em desvios mais importantes. A alteração estrutural da
pirâmide nasal também pode ser um importante fator de obstrução nasal.
A correção é cirúrgica, porém sua indicação deve ser avaliada com base nos
sintomas respiratórios e repercussões funcionais que estejam sendo manifestadas.
Evita-se manipulação cirúrgica ampla em crianças para não haver interferência no
crescimento nasal normal. Existem casos em que a melhor conduta é conservadora,
com controle das demais condições associadas que possam existir (9,10).
Não é rara a ocorrência de respiração oral de suplência em decorrência da
obstrução nasal determinada pelos desvios septais e da pirâmide nasal. Muitas vezes,
a respiração oral instalada permanece mesmo após o tratamento cirúrgico, persistindo
o hábito oral. Nestes casos, a orientação fonoaudiológica pode ser fundamental para
a restituição da respiração nasal.
1. Ballantyne J, Groves J. Scott-Browns diseases of the ear, nose and throat. 3a ed. Philadelphia: JB Lippincot ; 1971.
2. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
3. Bohlin L. Nasal airway resistance and complications following funcional septoplasty: a ten year follow-up study. Rhinology
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4. Cottle MH. The structure and function of the nasal vestibule. Arch Otolaryngol 1955;62:173-7.
5. Dolci JEL, Bussoloti Filho I, Sampaio PL, Caropreso CA, Castro Jr NP. Rinosseptoplastias. In: Lopes Filho OC, Campos CAH.
Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.353-71.
6. Enlow DH. Controle dos processos de crescimento facial. In: Enlow DH. Crescimento facial. 3a ed. São Paulo: Artes Médicas;
1993. p.223-42.
7. Ferreira JP. Cirurgia funcional do nariz: septoplastia, rinosseptoplastia, turbinectomia. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a
ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.86-107.
8. Jessen M, Malm L. The importance of nasal airway resistance and nasal symptoms in the selection of patients for septoplasty.
Rhinology 1984;22:157-64.
9. Mitre EI. Emprego de enxertos autólogos e homólogos em rinoplastias reconstrutivas e estéticas. [mestrado] São Paulo: Faculdade
de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; 1997.
10. Pinto RMN. Sobre a localização das deformidades septais, suas relações com a pirâmide nasal externa e implicações cirúrgicas.
Rev Bras Otorrinolaringol 1978;44:197-202.
Capítulo XXIV

HIPERTROFIA DAS
CONCHAS NASAIS
Edson Ibrahim Mitre

As conchas nasais são saliências da parede lateral da cavidade nasal em direção


à sua luz, promovendo o aumento da superfície interna nasal para o aquecimento e
umidificação do ar inspirado, melhorando, também, a eficiência de filtragem do ar.
Constituem-se em três a cinco estruturas ósseas, recobertas por tecido mucoso com
alta vascularização sangüínea, o que permite a variação do volume das conchas nasais
com a variação da turgescência da mucosa (1,2).
Na vigência de algumas alterações patológicas, as conchas nasais podem
adquirir um volume maior do que o adequado, ocupando, assim, maior espaço dentro
da cavidade nasal e prejudicando o fluxo aéreo nasal, assim como a drenagem das
secreções naso-sinusais. Este aumento de volume pode ser transitório, como é o caso
de gripes e resfriados, ou permanente, como ocorre em algumas rinites crônicas ou
no crescimento excessivo do componente ósseo da concha nasal.
A implicação funcional é diferente para cada concha hipertrofiada. A
hipertrofia da concha nasal inferior provoca, mais freqüentemente, obstrução nasal
respiratória, enquanto a hipertrofia da concha nasal média favorece as infecções sinusais
devido ao bloqueio dos óstios de drenagem dos seios paranasais. Por outro lado, a
hipertrofia da concha inferior tem repercussão exclusiva no olfato (1-4).
É muito comum, também, a associação da hipertrofia de conchas nasais
com desvios de septo nasal (concha nasal vicariante), e com outras condições
patológicas, sendo as mais freqüentes a rinite alérgica e a rinite medicamentosa (3,5-7).
Eventualmente, a queixa de cefaléia persistente, associada aos períodos de
maior obstrução nasal, também pode ser decorrente da hipertrofia, sobretudo da
concha nasal média, que acaba por manter contato anômalo com o septo nasal.
A obstrução nasal decorrente da hipertrofia de conchas nasais pode ter
implicações importantes no desenvolvimento de processos terapêuticos
fonoaudiológicos quando não for feito o diagnóstico adequado.
O tratamento pode ser clínico, quando existem condições associadas que
devam ser eliminadas, permitindo o retorno das conchas nasais à condição de
99
normalidade, ou cirúrgico, quando a obstrução nasal é severa, quando não há melhora
clínica e quando a hipertrofia é óssea. Cada caso deve ser avaliado cuidadosamente
pelo otorrinolaringologista para se determinar o real determinante etiológico e o
tratamento necessário.
A identificação de obstrução nasal é feita, muitas vezes, pelo fonoaudiólogo,
o qual também será responsável pelo restabelecimento de respiração nasal após o
tratamento médico adequado.
1. Ballantyne J, Groves J. Scott-Browns diseases of the ear, nose and throat. 3a ed. Philadelphia: JB Lippincot; 1971.
2. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
3. Dolci JEL, Bussoloti Filho I, Sampaio PL, Caropreso CA, Castro Jr NP. Rinosseptoplastias. In: Lopes Filho OC, Campos CAH.
Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.353-71.
4. Fanous N. Anterior turbinectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1986;112:850-2.
5. Ferreira JP. Cirurgia funcional do nariz: septoplastia rinosseptoplastia, turbinectomia. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.86-107.
6. Grymer LF. Bilateral inferior turbinoplasty. Rhinology 1996;34:50-3.
7. Mabry RL. Inferior turbinoplasty. Otolaryngol Head Neck Surg 1988;98:60-6.
Capítulo XXV
HIPERTROFIA DE ADENÓIDES
E AMÍGDALAS
Edson Ibrahim Mitre

Adenóides e amígdalas são denominadas atualmente de tonsilas (faríngea e


palatina, respectivamente), e se constituem em aglomerados de tecido linfóide,
responsável pelo desenvolvimento imunitário do organismo. Por sua localização na
chamada encruzilhada aéreo-digestiva, são responsáveis pelo primeiro contato com
antígenos adquiridos por via respiratória e alimentar. São as estruturas responsáveis
pela produção de anticorpos das classes IgG, IgM e IgA.
Ao nascimento, as tonsilas são muito pequenas. Seu desenvolvimento se
inicia ao redor do sexto mês de vida, período em que os anticorpos adquiridos da
mãe durante a gestação já não são tão eficazes. Ocorre, assim, uma hiperplasia
(multiplicação celular) fisiológica, decorrente do contato com antígenos novos, que
atinge seu auge entre os três e os cinco anos de vida; a partir daí, ocorre, habitualmente,
a involução gradual, até a atrofia fisiológica durante a puberdade (4-6).
Quando ocorre o aumento exagerado das tonsilas, às custas do aumento
excessivo do número de células linfóides (hiperplasia) ou de seu edema (hipertrofia),
algumas implicações na respiração, deglutição e fala podem ocorrer. O quadro pode
ser diferente quando a alteração é exclusivamente da tonsila faríngea ou palatina, ou
quando existe associação de ambas (1,2).

HIPERTROFIA DE ADENÓIDES
É o aumento de volume irreversível espontaneamente da tonsila faríngea,
localizada na parede póstero-superior da rinofaringe, na região retro-nasal.
A hipertrofia adenoidiana desencadeia, freqüentemente, respiração oral de
suplência, acompanhada de rionorréia anterior mucóide ou purulenta, devido à
retenção da secreção nasal naturalmente produzida. Também é possível a ocorrência
de otites médias agudas de repetição ou de otite média secretora, devido à proximidade
com as tubas auditivas e à compressão linfática na rinofaringe.
Os quadros mais prolongados levam a deformidades de desenvolvimento
da face, do tórax (afundamentos da região anterior) e, mais comumente, a alterações
ortodônticas e de palato (3,4,6).
101
De identificação
praticamente impossível à
simples inspeção nasal ou de
orofaringe, a hipertrofia
adenoidiana pode ser faci–
lmente identificada à radio–
grafia simples do cavum (perfil
da rinofaringe), atentando-se à
necessidade de realização do
exame com a boca fechada, de
forma que o palato mole
encontre-se em posição de
repouso (Figura 14). Com a
respiração oral, o palato tende
a se elevar, reduzindo a coluna
aérea da rinofaringe e causando
uma ilusão de redução às custas
da tonsila faríngea hiper–
trofiada.
Outra forma, mais
objetiva, de avaliação da tonsila
faríngea é a nasofibroscopia,
um exame realizado com fibra
ótica por via nasal, permitindo
a visibilização da tonsila
Figura 14. Radiografia de perfil da rinofaringe mostrando coluna faríngea diretamente, assim
aérea normal (acima) e reduzida por hipertrofia de adenóides como a comunicação com a
(abaixo)
faringe e sua perviedade.
O tratamento deve ser fundamentado na etiologia, sendo que a simples
eliminação causal pode ser suficiente para a reversão do quadro. O tratamento cirúrgico
está reservado para os casos sem melhora clínica e, de forma absoluta, na ocorrência
de cor pulmonale (dilatação cardíaca decorrente do esforço inspiratório exagerado) e
na apnéia obstrutiva do sono (2,5).
Deve-se evitar a cirurgia na vigência de fissura palatina submucosa ou de
insuficiência velo-palatina, pois são condições em que o escape nasal pode aparecer
ou ser acentuado após a cirurgia.
Mesmo em condições anatômicas normais, após a cirurgia de adenóides é
comum o aparecimento de voz hipernasal e de refluxo alimentar nasal devido à dor
e edema pós-operatórios. Estas condições tendem à normalização espontânea em no
máximo 30 dias; caso contrário, será indicada a orientação terapêutica fonoaudiológica.
HIPERTROFIA DE AMÍGDALAS
Considera-se a hipertrofia de amígdalas o aumento de volume irreversível
das tonsilas palatinas. Inicialmente, deve-se lembrar que não existe correlação entre o
tamanho das tonsilas palatinas e a incidência de infecções amigdalianas (amigdalites).
As infecções repetidas acabam por desencadear substituição do tecido linfóide (de
defesa) por tecido fibrótico (cicatricial, pobre em defesas), levando, geralmente, à
redução do tamanho das tonsilas palatinas (1,4-6).
O sinal mais evidente na vigência de tonsilas palatinas volumosas é a
dificuldade alimentar, visto que a língua acaba sendo projetada anteriormente e existe
um obstáculo posterior à passagem do bolo alimentar.
A respiração nasal também pode estar prejudicada, levando à respiração oral de
suplência. Entretanto, os quadros de apnéia e hipopnéia do sono são mais comuns, de
causa obstrutiva. Também é freqüente a observação de sialorréia excessiva, sobretudo
durante o sono, levando à queilite angular por umidade (saliva). Outra manifestação
muito comum é a halitose, decorrente da alteração do pH e da flora bucal.
A projeção anterior da língua faz com que ela seja interposta entre os dentes,
provocando alterações ortodônticas e articulatórias.
A melhor avaliação é feita com a inspeção direta da cavidade oral, com a
língua relaxada no soalho da boca. Caso necessária, uma espátula de madeira ou
plástica pode ser apoiada no dorso da língua, em seu terço médio, para provocar sua
depressão e melhor visão da região posterior. Não se deve apoiar a espátula no terço
posterior da língua devido à possibilidade de desencadear reflexo nauseoso. Da mesma
forma, a exteriorização da língua em nada auxilia a avaliação, visto que o dorso
lingual é elevado nesta condição.
O tratamento clínico, com a identificação de possíveis fatores etiológicos,
pode contribuir para a reversão do quadro. A cirurgia estará indicada em casos de
hipertrofia irreversível e, de forma absoluta, nos casos de cor pulmonale e de apnéia
do sono, à semelhança da hipertrofia de adenóides (2,4-6).
A alteração vocal no pós-operatório é freqüente, com melhora da ressonância,
tornando a emissão mais clara. Existe a possibilidade de ocorrer certa incompetência
velo-palatina devido às suturas realizadas nos pilares amigdalianos, modificando a
posição palatina, ainda que em pequena excursão. Muitos destes pacientes melhoram
sensivelmente com a orientação terapêutica fonoaudiológica.
Também é papel importante do fonoaudiólogo o restabelecimento da
respiração nasal com adequação da deglutição no pós-operatório, bem como dos
ajustes fono-articulatórios necessários.
1. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
2. Betti ET, Lopes Filho OC. Anginas – indicação cirúrgica de adenoidectomia e amigdalectomia. In: Lopes Filho OC, Campos
CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.169-79.
3. Hungria H. Anatomia, fisiologia e propedêutica. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2000 p.143-6.

103
4. Hungria H. O problema das amígdalas e vegetações adenóides. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan; 2000 p.167-70.
5. Maniglia AJ. Adenotonsillectomy. Arch Otolaryngol Head Neck Surg 1989;115:92-5.
6. Mawson SR. Diseases of the tonsils and adenoids. In: Ballantyne J, Groves J. Diseases of the ear, nose and throat. London:
Butterworths; 1979. p89-96.
Capítulo XXVI

ATRESIA DE COANAS/IMPERFURAÇÃO COANAL


Edson Ibrahim Mitre

A imperfuração coanal constitui uma falha de desenvolvimento


embriológico, onde persiste um bloqueio anatômico entre a cavidade nasal e a
rinofaringe. Este bloqueio pode ser constituído apenas por tecido mucoso, ou pode
existir tecido ósseo no local correspondente à coana (1,2).
Existe grande diferença funcional e, conseqüentemente, implicações
diagnósticas, entre a atresia unilateral e a bilateral. Isto se deve ao fato das condições
anatômicas do recém-nascido somente permitirem a respiração nasal.
Quando existe a imperfuração coanal bilateral, a insuficiência respiratória
será imediata após o nascimento, demandando medidas urgentes para garantir a
adequada ventilação pulmonar. Isto é feito facilmente com a utilização da cânula de
Guedel, que traciona a língua anteriormente e permite a respiração por via oral;
garante-se, assim, a ventilação adequada até que medidas definitivas possam ser
tomadas.
Na existência de imperfuração coanal unilateral, a coana pérvia pode garantir
o suficiente fluxo aéreo até os pulmões, sem manifestações de insuficiência respiratória
aguda neonatal. Pode, assim, passar absolutamente despercebida até mesmo por muitos
anos caso não sejam realizados os procedimentos habituais de avaliação neonatal.
Estes casos podem justificar quadros de desenvolvimento assimétrico da face, rinorréia
persistente unilateral e alterações musculares envolvendo o palato, úvula, pirâmide
nasal e malares (2).
O diagnóstico pode ser facilmente realizado com a avaliação da progressão
de sondas plásticas passadas pelo nariz até a cavidade oral. Amplamente empregado
atualmente, o nasofibroscópio permite o diagnóstico de certeza, com a identificação
visual do bloqueio anatômico. A radiografia em perfil, com a instilação nasal de
contraste radiológico também pode ser empregada como alternativa, assim como o
azul de metileno (avalia-se a progressão da coloração azulada para a orofaringe),
porém a impregnação azul persiste por muitos dias, sendo extremamente desagradável
e, por isto, menos utilizada (1).
Eventualmente, identifica-se a imperfuração coanal unilateral em
indivíduos adultos. As alterações anátomo-funcionais instaladas podem ser, assim,
de grande importância.
105
A orientação fonoaudiológica pode ser fundamental, ainda no ambiente
hospitalar, quando da ocorrência de imperfuração coanal bilateral, visto que muitas
destas crianças acabam permanecendo com intubação oro-traqueal por vários dias,
alterando precocemente os mecanismos de sucção e deglutição.
Em adultos, a orientação fonoaudiológica no pós-operatório também é
importante. A grande maioria das cirurgias em adultos é realizada por via transpalatina,
desencadeando dor local, edema e, conseqüentemente, redução da movimentação
palatina, podendo ocasionar hipernasalidade e refluxo alimentar nasal no pós-
operatório.
Da mesma forma, nos casos de atresia unilateral, o concurso fonoaudiológico
pode ser importante na adequação muscular e estrutural da face hipodesenvolvida.
1. Hungria H. Epistaxes: corpos estranhos; imperfuração coanal. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan; 2000 p.79-85.
2. Skolnik EM, Kotler R, Hanna WA. Choanal Atresia. Otolaryngol Clin North Am; 1973; 6(3):783-90.
Capítulo XXVII
FISSURAS LÁBIO-PALATINAS
Edson Ibrahim Mitre

Fissuras lábio-palatinas são malformações congênitas de lábio e palato,


consideradas craniofaciais, sendo enquadradas na classificação de displasias (1-3).
Ocorrem com maior freqüência no sexo masculino (cerca de 60%), sendo mais
comum na raça amarela, seguida pela raça branca e mais raramente na raça negra.
A classificação mais empregada é baseada na localização da fissura em relação
ao forame incisivo e quanto às estruturas comprometidas(6). Assim, podem ser
classificadas em:
- pré-forame, incompleta, uni ou bilateral;
- pré-forame completa, uni ou bilateral;
- pós-forame completa;
- pós-forame incompleta;
- transforame, uni ou bilateral.
A denominação de uni ou bilateral está relacionada à localização da fissura
na região da pré-maxila, ou seja, lábio superior e rebordo alveolar, onde o
desenvolvimento embriológico normal se faz a partir do fechamento em direção
medial das estruturas da maxila e de cima para baixo do osso pré-maxilar, à semelhança
de um “T” invertido. Isto permite que o fechamento possa se processar completamente
em um dos lados, mantendo a fissura contra-lateral, ou ainda permanecer a fissura
bilateral (Figura 15). Como o fechamento se processa inicialmente nas estruturas
ósseas, é possível a ocorrência de fissura labial exclusiva.

Figura 15.
Fissura
pré-forame
incompleta
unilateral
(esquerda)
e Fissura
pré-forame
incompleta
bilateral
(direita).
107
No quadro 2 estão descritas as estruturas acometidas (onde existe fissura)
para cada tipo da classificação baseada na localização da fissura (6,8).
A ocorrência de fissura promove modificação no direcionamento das fibras
musculares, determinando diferentes alterações funcionais. As fissuras anteriores levam
a alterações significativas no músculo orbicular dos lábios, comprometendo
principalmente a sucção e a articulação de fala, enquanto as posteriores promovem
maior hipernasalidade e refluxo alimentar para as cavidades nasais.
Ainda, nas fissuras posteriores, observa-se a falta de inserção da musculatura
velar na linha média, o que também pode determinar o aparecimento de otites médias
secretoras por impossibilidade de abertura das tubas auditivas (os músculos salpingo-
faríngeos fazem parte da musculatura velar) (4,5,7).
As fissuras anteriores também determinam, freqüentemente, modificações
nasais, sendo as mais evidentes a depressão da asa nasal e os desvios de septo nasal,
que podem contribuir para obstrução nasal uni ou bilateral após a correção da fissura.
O tratamento requer atuação interdisciplinar, do qual participam o pediatra
(na identificação precoce e orientação clínica geral); o cirurgião plástico (na correção
do componente labial e, muitas vezes, das alterações da asa nasal); o
otorrinolaringologista (na correção palatina); o ortodontista (na adequação dentária
e alveolar); o nutricionista (nas orientações dietéticas para ganho de peso necessário
para os tratamentos cirúrgicos); o psicólogo (na orientação familiar e controle da
ansiedade envolvida); e o fonoaudiólogo (em todas as etapas, para a orientação inicial
de sucção e alimentação e, posteriormente, na adequação funcional das estruturas
corrigidas).

Tabela 2. Estruturas anatômicas envolvidas em cada tipo de fissura (6).


Estrutura Labio Rebordo Pálato Pálato
Tipo de fissura Alveolar Duro Mole

Pré-forame incompleta
+ - - -

Pré-forame completa + + - -

Pós-forame completa - - + +

Pós-forame incompleta - - - +

Transforam + + + +
(+) = acometida; (-) = não acometida
Em alguns casos, a utilização de placas oclusais palatinas pode ser necessária
para um melhor desenvolvimento até a correção definitiva.
Preconiza-se que a queiloplastia (correção da fissura labial) seja realizada
por volta de três meses de idade, ou quando a criança atinge seis quilogramas de
peso, prevalecendo o que ocorrer primeiro. Já a palatoplastia anterior deve ser realizada
entre os 12 e 15 meses de vida, e a posterior até os 18 meses de vida. Estes prazos
objetivam que a correção total seja realizada antes do início da fala articulada para
um melhor resultado funcional (2,7).

FISSURA PALATINA SUBMUCOSA


Esta forma especial de fissura palatina acomete apenas o palato mole,
caracterizando-se pela diástase da musculatura velar, que não se insere na linha média,
porém com integridade das estruturas mucosas tanto na face oral quanto na face nasal do
palato mole. Este distanciamento das fibras musculares pode ser mais ou menos evidente,
podendo provocar hipernasalidade vocal e, em alguns casos, o refluxo alimentar nasal.
À inspeção do palato mole em repouso, geralmente não se observa nenhuma
alteração estrutural. O diagnóstico é feito durante a contração muscular do palato
mole, quando se exacerba o distanciamento das fibras musculares, fazendo com que
a mucosa da face oral penetre na fenda formada, conferindo o aspecto de sulco na
linha média do palato. A palpação digital também pode fornecer indícios da diástase
muscular, ou ainda, de chanfradura mediana na borda posterior do pálato duro (2,3,7).
A terapia fonoaudiológica é de suma importância nestes casos, conseguindo
excelentes resultados na redução da hipernasalidade e evitando assim intervenções
cirúrgicas em grande parte dos pacientes.
1. Capelozza LF, Miranda E, Álvares ALG, Rossato G, Vale DMV, Janson GRP, Beltrami LER. Conceitos vigentes na epidemiologia
das fissuras labiopalatinas. Rev Bras Cir 1987;77:223-30.
2. Cardim VLN. Deformidades congênitas craniomaxilofaciais. In: Velar J. Cirurgia plástica na infância. São Paulo: Hipócrates;
1989.
3. D’Agostinho L, Machado LP, Lima RA. Fissuras labiopalatinas e insuficiência velofaríngea. In: Lopes Filho OC, editor. Tratado de
fonoaudiologia. São Paulo: Roca: 1997. p.829-60.
4. Piccoli MH, Montenegro W, Tsuji DH. Função velofaríngea: considerações na avaliação e no tratamento fonoaudiológico. Pró-
fono 1995;7(2):60-3.
5. Pinho SMR, Joo SH. Distúrbios do fechamento velofaríngeo e alterações laríngeas. Pró-fono 1995;7(2):57-9.
7. Tressera L. Tratamiento del lábio leporino y fisura palatina. Barcelona: Editorial JIMS; 1977.
8. Spina V, Psillakis JM, Lapa FS, Ferreira MC. Classification of cleft lip and cleft palate: sugested changes. Rev Hosp Clin Fac Med
Sao Paulo 1972:27(1):5-6.

109
Capítulo XXVIII
OUTRAS AFECÇÕES DO PALATO
Edson Ibrahim Mitre

ÚVULA BÍFIDA
Também relacionada às fissuras lábio-palatinas, a úvula bífida pode ser
considerada uma fissura menor, sem repercussões funcionais (1). Podem ser identificadas
diversas variações anatômicas, desde pequenas depressões centrais na úvula, até a
separação completa, conferindo o aspecto de duas úvulas distintas.
A identificação isolada de úvula bífida não traz maiores conseqüências e
não implica em nenhuma medida terapêutica.
Por outro lado, sua presença pode indicar a ocorrência de outras alterações
palatinas, sendo a mais comumente relacionada a fissura palatina submucosa (2,3,5).
Assim, deve-se ter atenção especial na avaliação funcional de pacientes que
apresentem este tipo de malformação (4).

INSUFICIÊNCIA VELO-PALATINA
A insuficiência velo-palatina, também denominada de insuficiência velo-faríngea,
é definida por falta de tecido necessário para a oclusão da rinofaringe durante a deglutição
e a fala. Decorre de desenvolvimento anormal na embriogênese do palato mole (1).
O palato mole pode ser curto, com extensão insuficiente para atingir a
parede posterior da faringe, ou de implantação mais anterior, onde o comprimento
do palato mole é adequado, mas sua posição mais anterior também não lhe permite
atingir a parede posterior da faringe durante sua movimentação (2,3).
O quadro clínico é caracterizado por hipernasalidade evidente e,
eventualmente, por refluxo nasal alimentar, de predomínio com líquidos.
O tratamento definitivo é cirúrgico, associado à terapia fonoaudiológica
pós-operatória para estabelecimento da função velar adequada.

INCOMPETÊNCIA VELO-PALATINA
A incompetência velo-palatina traduz uma incapacidade funcional de
fechamento do esfíncter velo-faríngeo, sendo que as estruturas anatômicas implicadas
são normais (3).
111
A função inadequada pode decorrer de alterações obstrutivas respiratórias,
como é o caso da hipertrofia adenoideana, onde a tonsila faríngea hipertrófica funciona
como anteparo ao palato e, após sua exérese cirúrgica, a “memória” de posição do
palato permanece em localização anterior, fazendo com que ele não se movimente
até a parede posterior da faringe.
Processos inflamatórios que provocam dor no palato também podem
justificar a menor amplitude de movimentação do palato mole.
O tratamento é eminentemente fonoaudiológico, onde a terapia permite a
adequação da função palatina.
1. Cardim VLN. Deformidades congênitas craniomaxilofaciais. In: Velar J. Cirurgia plástica na infância. São Paulo: Hipócrates;
1989. p.27-32.
2. D’Agostinho L, Machado LP, Lima RA. Fissuras labiopalatinas e insuficiência velofaríngea. In: Lopes Filho OC, editor. Tratado de
fonoaudiologia. São Paulo: Roca: 1997. p.829-60.
3. Piccoli MH, Montenegro W, Tsuji DH. Função velofaríngea: considerações na avaliação e no tratamento fonoaudiológico. Pró-
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4. Pinho SMR, Joo SH. Distúrbios do fechamento velofaríngeo e alterações laríngeas. Pró-fono 1995;7(2):57-9.
5. Tressera L. Tratamiento del lábio leporino y fisura palatina. Barcelona: Editorial JIMS; 1977.
Capítulo XXIX
ALTERAÇÕES DA MANDÍBULA
Edson Ibrahim Mitre

As alterações mais significativas da mandíbula, de interesse


otorrinolaringológico e fonoaudiológico são a micrognatia, a retrognatia e as assimetrias
de desenvolvimento (1,2).
A micrognatia é o hipodesenvolvimento da mandíbula, conferindo-lhe um
aspecto pequeno ou retraído. Comum em algumas síndromes genéticas (Figura 16),
a micrognatia leva a uma redução do tamanho da cavidade bucal, assim como de
posicionamento da língua e dos músculos associados, principalmente os do soalho da
boca e do pescoço. Deve-se ter especial atenção às alterações respiratórias que podem
ser decorrentes da micrognatia, assim como distúrbios articulatórios.
A retrognatia pode ser confundida com a micrognatia. Enquanto na
micrognatia existe um hipodesenvolvimento da mandíbula, na retrognatia a mandíbula
está totalmente desenvolvida, porém mal-posicionada, retraída em relação à maxila.
Isto faz com que todas as estruturas musculares associadas também sejam rechaçadas
para trás, causando maiores transtornos à respiração (1-3).

Figura 16. Dois exemplos de micrognatia.


113
Figura 17. Assimetria da mandíbula. O prognatismo é o
oposto do retrognatismo, com
o avanço da mandíbula em
relação à maxila, conferindo
um aspecto de mento muito
proeminente. Sob o aspecto
otorrinolaringológico, seria
até benéfico em relação à
respiração, sendo que alguns
tratamentos propostos para a
síndrome da apnéia- hipo–
pnéia do sono incluem o
avanço mandibular, seja
durante o sono, por meio de
aparelhos intra-orais, seja
definitivamente, por meio de
cirurgias ortognáticas. Entre–
tanto, as implicações fonoau–
diológicas na articulação de fala
e deglutição, assim como as
ortodônticas, devem ser
consideradas e avaliadas.
De diagnóstico mais difícil, as assimetrias da mandíbula podem ter
implicações funcionais mais complexas. Evidencia-se um dos ramos da mandíbula
com maior comprimento, conferindo aspecto mais alongado a uma das metades
faciais (Figura 17). Isto implica em maior desenvolvimento muscular em uma das
metades faciais, repercutindo em maior utilização funcional daquele lado, acentuando
a assimetria. Estes casos podem necessitar de tratamento cirúrgico complexo para sua
resolução, além de intenso trabalho de reorganização funcional muscular.
1. Ballantyne J, Groves J. Scott-Browns diseases of the ear, nose and throat. 3a ed. Philadelphia: JB Lippincot; 1971
2. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
3. Maniglia JV, Rodrigues E. Traumatologia crânio-maxilofacial. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia.
São Paulo: Roca; 1994. p.395-452.
Capítulo XXX
DISFUNÇÃO DA ARTICULAÇÃO
TEMPOROMANDIBULAR
Edson Ibrahim Mitre

Distúrbios envolvendo a articulação temporomandibular são freqüentemente


identificados por médicos otorrinolaringologistas devido às suas relações anatômicas
com o meato acústico externo.
A parede anterior do meato acústico externo corresponde à região posterior
da articulação temporomandibular. Além disso, a inervação de ambas é realizada
pelo nervo trigêmeo, fazendo com que processos dolorosos da articulação sejam
percebidos como otalgia, levando o paciente à consulta médica otorrinolaringológica.
Outros sintomas incluem cefaléia temporal ou temporoparietal, podendo chegar, em
casos extremos, à cefaléia holocraniana. A dor nos músculos mastigatórios também é
muito comum, principalmente em situações em que se identificam níveis de estresse
elevados. A dificuldade para abrir a boca pode revelar distúrbios mais importantes (1,3).
A contratura muscular visível, o trismo, as alterações de posição dentária,
assim como o desgaste dentário (revelando o bruxismo) e os ruídos audíveis à
movimentação da mandíbula também podem ser indícios de problemas envolvendo
a articulação temporomandibular.
A presença de distúrbios envolvendo a articulação temporomandibular pode
ser facilmente reconhecida com o exame digital, palpando-se a região da articulação,
anteriormente ao meato acústico externo, logo adiante do trago. Ao se solicitar ao
paciente a abertura e fechamento da boca, com movimentação da mandíbula, pode-
se reconhecer estalos, crepitações e subluxações da articulação e, muitas vezes, obter
do paciente o reconhecimento da dor nesta localização.
O correto diagnóstico será realizado pelo ortodontista ou pelo cirurgião
buco-maxilo-facial, que indicará a terapêutica mais apropriada.
A redução do uso da mandíbula, com ingestão de alimentos mais macios,
assim como o calor local, pode atenuar o quadro doloroso até a avaliação definitiva.
A correção de hábitos orais inadequados pode ser de extrema importância
para a solução das disfunções da articulação temporomandibular(2).
1. Berkow R, Fletcher AJ. Manual Merck de medicina. 15a ed. São Paulo: Roca; 1990.
2. Bianchini EMG. Mastigação e ATM – avaliação e terapia. In: Marquesan IQ. Fundamentos em fonoaudiologia – aspectos clínicos
da motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p.78-85.
3. Dibbets JMH. Introdução à articulação temporomandibular. In: Enlow DH. Crescimento facial. 3a ed. São Paulo: Artes Médicas;
1993. p.145-58.
115
Capítulo XXXI

RONCO E APNÉIA
OBSTRUTIVA DO SONO
Paulo Roberto Lazarini

Pelo menos cerca de 30% dos indivíduos adultos roncam durante o sono e
aproximadamente 6% desta população são vítimas de um distúrbio do sono chamado
apnéia obstrutiva do sono. Milhares de outras pessoas estão predispostas a
desenvolverem esta doença.
Por muito tempo considerou-se o sono como apenas um período de
repouso. Hoje, sabe-se que durante este momento, nosso corpo esta em atividade,
realizando funções essenciais para o nosso bem-estar. Ao apresentar o quadro de
apnéia do sono o paciente pode ter alterações em funções vitais como a oxigenação
pulmonar, o ritmo cardíaco e a atividade cerebral. Não é infreqüente o óbito nas
condições mais graves da doença (2).

O RONCO
O ronco é o som resultante da passagem do ar inspirado por um local
estreito na via respiratória durante o sono. Este estreitamento pode ocorrer em vários
pontos mas habitualmente se deve à obstrução nasal e/ou a flacidez dos músculos do
palato mole (céu da boca) e/ou a retroposição da língua durante o sono (3-5).
O ronco pode ser classificado em:
1. suave - cessa quando o indivíduo deita de lado;
2. intenso - perdura mesmo se a pessoa mudar de posição de dormir;
3. estrondoso - tão alto a ponto de ser ouvido em toda a casa, entrecortado
por apnéias.
O ronco pode ser intenso chegando a atingir a intensidade de até 80 decibels.
Sem dúvida, o homem ronca mais que a mulher e corresponde a 60% dos casos
clínicos acompanhados. Os adultos roncam mais que crianças.
O ronco pode ser uma alteração isolada (ronco primário) ou, em muitas
circunstâncias (cerca de 30%), uma das manifestações de uma doença mais grave – a
apnéia obstrutiva do sono. Em adultos entre 30 e 60 anos de idade, 2% das mulheres
e 4% dos homens tem esta doença (2,5).
117
FATORES DE PIORA
Entre os fatores que agravam o ronco estão:
1.Diminuição do espaço da vias aéreas:
· obesidade;
· dormir em decúbito dorsal;
· congestão nasal – por rinite alérgica, sinusite ou outra rinopatia;
· fumar – causa irritação e edema da mucosa das vias respiratórias.
2. Relaxamento maior dos músculos do palato e da língua:
· uso de bebidas alcoólicas;
· tranqüilizantes;
· medicamentos para tosse contendo codeína.

A APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO


A apnéia do sono é a parada respiratória com duração acima de 10 segundos
durante o período em que o indivíduo está dormindo. Geralmente a apnéia se associa
ao ronco intenso e pode gerar quadros clínicos graves com parada respiratória
importante que pode chegar até a dois minutos.
A apnéia obstrutiva do sono tem como causa os mesmos fatores que levam
ao ronco embora nesta condição a obstrução é mais acentuada e leva a cessação do
fluxo respiratório. Com a parada respiratória, os níveis de oxigênio sangüíneo
diminuem e levam o cérebro a “acordar” o indivíduo a ponto de contrair os músculos
para abrir a via respiratória e assim, possibilitar a respiração. Este mecanismo cíclico
de apnéia e despertares pode ocorrer centenas de vezes durante uma noite sem que o
indivíduo perceba. Tudo isto impede que a pessoa tenha um sono saudável (2-5).

COMPLICAÇÕES DA APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO


As complicações são dependentes da gravidade da apnéia obstrutiva do sono.
São descritos casos de infarto agudo do miocárdio, acidentes vasculares cerebrais,
arritmias cardíacas e hipertensão arterial.
Em decorrência da sonolência diurna e da desconcentração em atividades
de trabalho e ao dirigir, acidentes automobilísticos e acidentes de trabalho são
relatados e, em alguns casos, são fatais.

IDENTIFICAR O PACIENTE COM APNÉIA OBSTRUTIVA DO SONO


Muitas pessoas não sabem que apresentam apnéia. Assim, um familiar ou cônjuge
que compartilha o mesmo quarto pode perceber os primeiros sinais da apnéia do sono.
Deve-se perguntar a eles sobre o sono do paciente, à procura dos seguintes sinais:
· respiração ruidosa e profunda freqüentemente interrompida por silêncio e, às
vezes, engasgos;
· sonolência diurna durante o dia de trabalho, assistindo à televisão, no carro, entre
outras atividades;
· perda de energia;
· problemas de concentração e esquecimento;
· irritabilidade, ansiedade ou depressão;
· desinteresse para atividade sexual;
· dores de cabeça.

EXAMES MÉDICOS PARA QUEM TEM RONCO


E APNÉIA DO SONO

Polissonografia
Este é o mais importante exame a ser realizado pela pessoa portadora de
ronco e apnéia do sono. É importante para observar a presença ou não de apnéia e
além disto, pode indicar a gravidade da doença. Geralmente é realizado em um
laboratório para estudo dos distúrbios do sono.
O indivíduo deverá dormir uma noite no laboratório, sob controle de uma
equipe médica que irá monitorar uma série de variáveis como a atividade cerebral
(como em um eletroencefalograma), a movimentação dos olhos, o fluxo de ar inspirado
pelo nariz, a quantidade de oxigênio no sangue, a intensidade do ronco, a posição de
dormir, o batimento cardíaco (como em um eletrocardiograma), a movimentação do
tórax e abdome, bem como das pernas. Tudo isto é registrado por meio de sensores
colocados na pele do indivíduo e gravados em um computador durante toda a noite.

Exame otorrinolaringológico
Tem a finalidade de visualizar os pontos de obstrução da via respiratória,
analisando o nariz, a boca e faringe como também a laringe. O exame é complementado
pela nasofibrolaringoscopia.

Cefalometria
É uma forma de estudo radiológico da face (telerradiografia da face), em
posição de perfil. A partir desta radiografia são feitas várias medidas com base em
pontos predefinidos. A partir destas medidas, estabelece-se a área, em milímetros
quadrados, do palato mole, da faringe e da língua. Com estes dados e desenhos é
possível estabelecer os possíveis pontos de obstrução da via respiratória.

Exame odontológico e maxilo-facial


Muitos pacientes apresentam alterações do desenvolvimento orofacial e
odontológico que influenciam o posicionamento da lingua e da mandíbula.
119
Exame neurológico
Diversas afecções neurológicas podem determinar quadros de apnéia que
não são desencadeados por processo obstrutivo das vias aéreas. Na suspeita de afecção
neurológica, a avaliação do médico neurologista é fundamental.

Exame clínico geral


Doenças respiratórias, distúrbios metabólicos e endócrinos podem ser
conseqüência ou causa de apnéia obstrutiva do sono. Exemplo disto é a obesidade
decorrente de tumores de hipófise ou disfunções da tireóide.

Outros exames médicos


Outros exames complementares podem ser necessários e devem ser realizados
quando o quadro clínico do paciente assim o sugerir.

TRATAMENTOS PARA O RONCO E A APNÉIA DO SONO


O paciente deve ter em conta que o tratamento desta doença passa por uma
ampla avaliação de cada caso clínico e nem sempre aquele que é melhor tratamento
para uma pessoa também o é para outra.
Por se tratar de uma doença ocasionada por diversas alterações clínicas,
isto é, bloqueios do fluxo respiratório em níveis variados, é recomendável que o
paciente receba um acompanhamento por equipe multidisciplinar especializada,
envolvendo médicos, dentistas, psicólogos, fonoaudiólogos e fisioterapeutas
respiratórios (1,4,5).
A recuperação da saúde pode passar um ou mais métodos terapêuticos,
utilizados concomitantemente ou em etapas de acordo com cada situação. Abaixo
relacionamos os principais métodos utilizadas na prática médica.
· Tratamento da obstrução nasal – pode ser realizado com medicamentos
nos casos de rinites e sinusites. A cirurgia pode ser indicada nos casos de desvio
septal, pólipos nasais, sinusites crônicas e tumores.
· Controle da obesidade – orientações dietéticas, uso de medicamentos e
cirurgia são algumas das possibilidades para o emagrecimento nos casos necessários.
· Tratamento do palato mole flácido: diversas técnicas cirúrgicas podem ser
utilizadas visando ampliar a passagem de ar pela via respiratória.
· Tratamento da retroposição da língua: poderão ser empregadas técnicas
cirúrgicas variadas.
· Uso de aparelhos dentários: vários são os modelos e formas destes aparelhos
que são indicados para os casos de ronco e apnéia do sono. A indicação e o controle
de seu uso deve ser feito por profissionais especializados no tema.
· Uso de aparelhos de ventilação: conhecidos com as siglas de CPAP
(continuous positive airway pressure), Bi-PAP (bi-level positive airway pressure) e
outras, constituem um método não invasivo e eficaz de controle da apnéia
obstrutiva do sono. Utilizado com uma máscara nasal, o equipamento insufla o
ar para o interior da via respiratória, impedindo que ela tenha áreas de constrição
e assim, evitando o ronco e parada respiratória.
· Traqueostomia: cirurgia indicada apenas para casos clínicos dos mais graves
onde todas as outras medidas foram incapazes de resolver o problema. Consiste em
realizar uma abertura na região anterior e inferior do pescoço, fazendo uma
comunicação direta com a traquéia e pulmão.

RONCO NA INFÂNCIA
Algumas crianças apresentam uma respiração oral e ruidosa. Nos casos mais
graves, as mães se habituam a movimentar a criança no seu berço visando à melhora
da respiração. Causas obstrutivas das vias aéreas determinam estas condições, entre
elas a hipertrofia de adenóides e de tonsilas palatinas. Causas neurológicas e
malformações da face são causas mais raras (2).

COMO TER UM SONO SAUDÁVEL


Os pacientes devem ser instruídos a:
· ir para a cama quando sonolento;
· usar a cama somente para dormir e para atividades sexuais, e não para
leitura, assistir televisão, comer ou trabalhar;
· se não conseguir dormir, deve levantar, ir a outro quarto e realizar outra
atividade, como assistir à televisão por exemplo, retornando à cama somente quando
estiver com sono. Esta atitude restabelece uma conexão psicológica entre o quarto e
o sono, em vez de associá-lo à insônia, por exemplo;
· ir para a cama no mesmo horário sempre, e levantar sempre no horário
normal, a cada manhã, não importando se dormiu ou não na noite anterior. Este
processo estabiliza o tempo do sono, como o dormir e o despertar;
· evitar permanecer na cama quando acordar;
· evitar dormir muito mais horas nos finais de semana;
· manter o quarto com temperatura agradável e escurecido;
· procurar, se possível, acordar com a luz do sol matinal;
· cochilo durante o dia deve ser evitado, para aumentar o período de sono à
noite; se necessitar, um descanso de 30 minutos à tarde, não irá prejudicar o sono noturno;
· procurar praticar exercícios físicos por 20 a 30 minutos diariamente e pelo
menos seis horas antes de dormir;
121
· tomar um banho quente duas horas antes de dormir;
· evitar ingerir qualquer tipo de cafeína (café, chá preto);
· evitar fumar após as sete horas da noite ou no meio da noite;
· evitar alimentação mais pesada três horas antes de dormir;
· não tomar tranqüilizantes, pílulas para dormir e medicamentos
antialérgicos; desta forma, evita-se a redução do tônus muscular;
· evitar bebidas alcoólicas antes de dormir;
· dormir em decúbito lateral. Assim, a língua não atrapalha a respiração.
1. Davier JA, Five ED, Maniglia AG. Uvulopalatopharyngoplasty for obstructive sleep apnea in adults: clinical correlative with
polysonographic results. ENT Journal 1993;72(1):63-6.
2. Douglas NJ, Polo O. Pathogenesis of obstructie sleep apnea/hipopnea. Lancet 1994;344(8923):653-55.
3. Fairbanks DNF, Fairbanks DW. Roncos e apnéia obstrutiva do sono In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de
otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.937-51.
4. Hungria H. Ronco e apnéia obstrutiva do sono. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2000. p.108-12.
5. Miljeteig H, Savard P, Mateika S, Cole P, Haight JSH, Hoffstein V. Snoring and nasal resistance during sleep. Laryngoscope
1993;103(8):918-23.
Capítulo XXXII

LARINGITES
Edson Ibrahim Mitre

Laringite é um processo inflamatório da mucosa, dos músculos e das


cartilagens da laringe, podendo ocorrer concomitantemente, mas de acometimento
muito mais freqüente na mucosa laríngea. Cabe lembrar que a laringe encontra-se
localizada no meio do trato respiratório, em continuidade com as vias respiratórias
superiores e inferiores, reagindo solidariamente com os processos patológicos delas.
Do ponto de vista clínico, pode-se dividir as laringites em agudas e crônicas,
baseando-se no tempo de existência da doença e nas modificações que ela produz no
revestimento mucoso e na voz (2-5).

LARINGITES AGUDAS
As laringites agudas manifestam-se por alterações de emissão vocal (disfonia),
da respiração (dispnéia, asfixia) e dos mecanismos naturais de defesa (tosse, espasmo).
Podem ter etiologia variada, levando a presença de sintomas em maior ou menor
intensidade. A seguir, são relatadas três apresentações muito comuns de laringite aguda.

LARINGITE CATARRAL AGUDA


A laringite catarral aguda é um processo inflamatório geralmente discreto, muitas
vezes associado a quadros inflamatórios das vias aéreas superiores, e desencadeada por
resfriados comuns, variações bruscas de temperatura ambiente, ingestão excessiva de
líquidos gelados, inalação de substâncias irritantes ou ar muito seco (ar condicionado),
entre outros fatores. A etiologia é quase sempre viral, mas pode haver invasão bacteriana
secundária. É mais freqüente no inverno, devido à permanência durante períodos maiores
em ambientes fechados e de fácil contágio (2-5).
De instalação súbita, o paciente refere garganta seca, aspereza e alterações
do tom da voz, com maior esforço fonatório. A tosse é sintoma freqüente e
persistente, muitas vezes acompanhada de expectoração mucosa clara. No início
a secreção é escassa, porém, com o evoluir da doença, se torna mais abundante e
viscosa, às vezes com laivos de sangue, devido ao esforço do paciente para eliminá-
la. Se o edema de pregas vocais for muito intenso, pode surgir afonia e estridor
inspiratório discreto. Pode aparecer febre baixa.
123
Nas laringites agudas bacterianas, a expectoração se apresenta amarelada ou
esverdeada e os sintomas de tosse, disfonia e dor no pescoço se tornam mais acentuados.
A temperatura também tende a se elevar.
Recomenda-se repouso vocal na tentativa de reduzir o atrito entre as pregas vocais,
permitindo a redução mais rápida do edema da mucosa, assim como a hidratação abundante.

LARINGITE ESTRIDULOSA
Também conhecida como “falso crupe”, apresenta sintomatologia intensa e
assustadora, geralmente acometendo crianças pequenas. É um quadro de laringite
infecciosa bacteriana, geralmente ocorrendo em crianças que já apresentam alguma
infecção das vias respiratórias altas (sinusites, rinites) ou hipertrofia da tonsila faríngea
com respiração oral de suplência.
O quadro é caracterizado pelo despertar súbito, com intensa agitação, tosse
rouca ou choro rouco e com sinais de sufocação. A inspiração é difícil, com
afundamento da região supra-clavicular e extremamente ruidosa (estridulosa). A
duração do quadro é de poucos minutos, com resolução espontânea, mantendo-se
tosse rouca por vários dias (4).
O exame laringoscópico pode revelar áreas de edema na região subglótica,
com congestão da mucosa laríngea e hiperemia. De diagnóstico muito fácil, o
prognóstico costuma ser benigno.
Relatam-se, como fatores associados, os processos alérgicos, deficiência de
cálcio e vitamina D e os psicológicos.
É importante a tranqüilização dos familiares, para que não sejam manipulados
pela criança, que pode inconscientemente usar o espasmo como mecanismo de defesa.

EPIGLOTITE AGUDA
Este quadro é decorrente da infecção bacteriana pelo estreptococo ou
estafilococo, ou mais comumente pelo Haemophilus influenzae.
O sintoma predominante é a dor intensa na garganta, com irradiação cervical
ou para as orelhas, sem alterações da voz. Em crianças, pode ser confundida com a
laringite estridulosa (2,3).
O exame laringoscópico revela edema e hiperemia intensos da epiglote, que
se apresenta muito volumosa, podendo se estender à valécula, aos ligamentos
ariepiglóticos e pregas vestibulares, porém poupando as regiões glótica e subglótica.

LARINGITES CRÔNICAS
As laringites crônicas são doenças de duração mais acentuada, caracterizadas
principalmente por disfonia persistente, comumente acompanhada de expectoração
mucosa espessa de predomínio matinal, desencadeando tosse e pigarro intensos.
Alguns pacientes manifestam boa qualidade vocal ao acordarem pela manhã, ocorrendo
piora progressiva da voz no decorrer do dia, com a utilização vocal continuada.
Com etiologia muito diversa, caracterizam-se por inflamação crônica da
mucosa laríngea com hiperplasia do tecido conjuntivo submucoso. O uso freqüente
de álcool e tabaco, sobretudo em associação, contato com substâncias irritantes,
respiração oral de suplência, uso abusivo da voz (professores, leiloeiros), doenças
digestivas (refluxo gastroesofágico e gastrite), entre outros, são fatores que muito
contribuem para o aparecimento ou a manutenção da laringite crônica (2,4,5).
As manifestações clínicas mais comumente visíveis ao exame laringoscópico
são a laringite catarral crônica simples, a laringite crônica hipertrófica e a monocordite.
A laringite cataral crônica simples manifesta-se por disfonia acentuada com
o uso da voz, com secreção catarral espessa e com aspecto hiperemiado difuso de toda
a laringe, com perda do brilho das pregas vocais e evidenciação de vasos sangüíneos
habitualmente não visíveis. A secreção catarral pode recobrir as pregas vocais.
Na laringite crônica hipertrófica, identifica-se hiperplasia e metaplasia
epitelial em tipo pavimentoso estratificado, podendo ser difuso na laringe ou ocorrer
em pontos localizados, mais comumente no terço posterior das pregas vocais e na
região inter-aritenóidea (chamada de paquidermia). Eventualmente pode-se identificar
áreas hiperplásicas com queratinização nas pregas vocais (leucoplasia), que demandam
maior cuidado devido à sua relação com os tumores malignos da laringe.
Um dos quadros de mais fácil identificação é a monocordite, onde apenas
uma das pregas vocais apresenta-se congesta e edemaciada, decorrente de distúrbios
vasomotores locais. Pode ser desencadeado por alterações estruturais da prega vocal
(cisto aberto, sulco vocal), carcinoma ou tuberculose.

LARINGITE TUBERCULOSA
A tuberculose da laringe é geralmente complicação da tuberculose pulmonar,
sendo a doença granulomatosa mais comum da laringe. A incidência é maior nos
pacientes idosos e atualmente tem surgido como complicação freqüente em paciente
com síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS).
A contaminação da laringe se dá por contato direto a partir de um ponto
contaminado. Os sintomas da laringe se produzem em fases tardias da doença
pulmonar, porém podem ser os primeiros a levar o paciente à procura do médico. As
manifestações iniciais são de disfonia, a princípio leve, podendo evoluir até a afonia.
A dor, quando existe, é discreta, e decorre da pericondrite, que em geral acompanha
o quadro. Pode ocorrer dispnéia, devido a granulomas e edemas.
Sintomas gerais como febre vespertina, calafrios, sudoreses, perda de peso e
fadiga são geralmente referidos, e fazem parte das manifestações comuns da
125
tuberculose. Às vezes existe catarro crônico, e eventualmente hemoptise (escarro
com sangue).
O primeiro sinal de tuberculose laríngea é a hiperemia da comissura posterior
e da parte posterior de ambas as pregas vocais. A região interaritenóidea pode estar
recoberta por exsudato amarelado. Talvez o achado mais freqüente seja a monocordite.
Com a evolução do processo pode-se observar a presença de granulomas de diferentes
tamanhos e posições, que por vezes podem obstruir a luz da laringe. A epiglote pode
apresentar-se edemaciada e hiperemiada, podendo sobrepor-se totalmente à laringe,
dificultando seu exame (1,4,5).
O diagnóstico definitivo é firmado com o achado de bacilos álcool-ácido-
resistentes no escarro, lavado brônquico ou na biópsia. O exame deve ser realizado
em várias colheitas, pois o bacilo pode ser escasso. A laringoscopia direta e/ou
nasofibroscopia devem ser realizadas, procurando afastar a coexistência de carcinomas
ou outras enfermidades, associações essas freqüentes.

LARINGITE SIFILÍTICA
A lues ou sífilis é devida a uma infecção pelo Treponema pallidum, sendo
uma doença transmitida por contato sexual ou durante a gravidez e o parto. A lues
laríngea pode ser decorrente de lues congênita ou adquirida. O cancro duro (lesão de
inoculação) é muito raro. O sintoma principal é a disfonia que pode se apresentar em
diversas modalidades, associada a tosse e hemoptise (4).
A sífilis secundária se caracteriza por uma hiperemia difusa da laringe, que
pode ser acompanhada de uma erupção cutânea máculo-papulosa (aspecto rendilhado).
As lesões terciárias são muito diversas. Observa-se infiltração mucosa nodular
avermelhada, associada a úlceras, podendo existir edema, especialmente quando ocorre
pericondrite, que, juntamente com a fibrose e a paralisia, podem conduzir à redução
da mobilidade das pregas vocais. Nas fases finais podem ocorrer retrações cicatriciais,
com estenose subglótica, aderências das pregas vocais e fixação aritenoídea.
1. Akiba T, Prado JB. Dificuldades no diagnóstico do câncer da laringe. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de
otorrinolaringologia. São Paulo: Roca; 1994. p.1055-65.
2. Ballantyne J, Groves J. Scott-Browns diseases of the ear, nose and throat. 3a ed. Philadelphia: JB Lippincot; 1971.
3. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
4. Hungria H. Laringites agudas e crônicas: malformações congênitas; fendas glóticas. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.212-20.
5. Paparella MM, Arnold GE. Disorders of laryngeal function. In. Paparella MM, Shumrick DA. Otolaryngology. Philadelphia: WB
Saunders; 1980. p2470-88
Capítulo XXXIII
DISFONIAS
Edson Ibrahim Mitre

Disfonia é definida por alterações da intensidade, altura ou qualidade de


produção da voz, que a tornam diferente das vozes de indivíduos do mesmo sexo,
faixa etária e grupo cultural. O que mais aflige o paciente é a descaracterização de sua
voz, levando à despersonalização (1,4-7).
As disfonias podem ser decorrentes de alterações estruturais da laringe, mais
evidentemente das pregas vocais, ou de modificações funcionais, com utilização
inadequada das estruturas laríngeas normais, sem caracterização de danos estruturais.
O primeiro grupo é denominado de disfonia orgânica e o segundo de disfonia
funcional. Quando ocorrem as duas anomalias simultaneamente, denomina-se disfonia
organo-funcional.

DISFONIAS FUNCIONAIS
Nas disfonias funcionais a produção da voz se torna alterada sem haver
alterações da estrutura da laringe. As alterações funcionais muitas vezes se apresentam
em indivíduos que sofrem problemas emocionais ou alterações de personalidade,
podendo, muitas vezes, ser desencadeadas por quadros inflamatórios agudos em que
o paciente se utiliza da modificação funcional como mecanismo antálgico, persistindo o
hábito vocal alterado depois de cessado o quadro agudo (5,7-10).

DISFONIA HIPERCINÉTICA
Em indivíduos tensos pode-se observar incoordenação dos movimentos
respiratórios e de fonação, levando à utilização excessiva da musculatura laríngea. Durante
a fonação observa-se grande tensão cervical, com projeção do pescoço. Dessa forma se
produz uma voz forçada com timbre incorreto, qualidade ruim e com cansaço fácil.
A incoordenação dos abdutores e tensores das pregas vocais produz uma
disfunção fonatória, podendo variar desde uma rouquidão leve até a afonia quase
completa. É geralmente transitória e reversível. É mais comum nas mulheres jovens
com instabilidade emocional ou fadiga ocupacional (1,2,3,6,9,10).
127
O exame da laringe é normal, podendo-se notar, no entanto, certo grau de
hiperemia. Durante a fonação as pregas vocais se aproximam com tensão, também
podendo ocorrer a constrição das pregas vestibulares.
Quando a alteração é secundária a tensões e esforços de fonação, é aconselhável
o repouso vocal, sendo imprescindível a orientação e terapia fonoaudiológica.

DISFONIA HIPOCINÉTICA
Esta forma de disfonia é caracterizada por hipotonia da musculatura
fonatória, decorrente de quadros de anemia, hipotensão arterial, distrofias musculares
e outras doenças debilitantes. Também pode se desenvolver a partir da disfonia
hipercinética não tratada, provocando a fadiga da musculatura vocal (5,7,9,10).
Os principais sintomas são sensoriais, onde o paciente refere cansaço ao
falar, dor local e irritação da garganta, além de secreção hialina. Tais sintomas
refletem o esforço do paciente na tentativa de compensar a hipotonia e o não
fechamento glótico à fonação.
O exame laringoscópico evidencia uma fenda glótica fusiforme ou triangular
posterior, com redução da amplitude de vibração das pregas vocais à estroboscopia.

DISFONIA ESPÁSTICA
A disfonia espástica resulta de incoordenação neurológica e do
desenvolvimento anormal de feixes musculares da laringe. Existem duas formas de
apresentação clínica.
Na primeira, que é a mais comum, ocorre uma adução (exposição) exagerada
das pregas vocais. A voz é rouca demandando um grande esforço do paciente para a
sua emissão. Nos casos mais severos a musculatura facial se contrai vigorosamente no
esforço de produzir melhor fonação.
Na segunda forma clínica ocorre um espasmo abdutor que abre a glote,
ocorrendo afonia completa ou emissão vocal de muito pequena intensidade (4,5,6,10).
O acompanhamento fonoterápico é indispensável em qualquer das formas clínicas.
1. Aronson, AE. Clinical voice disorders. 3a ed. New York: Thieme; 1990.
2. Ballantyne J, Groves J. Scott-Browns diseases of the ear, nose and throat. 3a ed. Philadelphia: JB Lippincot; 1971.
3. Ballenger JJ. Diseases of the nose, throat and ear. 11a ed. Philadelphia: Lea & Fabinger; 1969.
4. Behlau M, Pontes P. Exame laringológico. In: Behlau M, Pontes P. Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo: Lovise;
1995. p.143-66.
5. Behlau M, Pontes P. O processo de desenvolvimento de uma disfonia. In: Behlau M, Pontes P. Avaliação e tratamento das
disfonias. São Paulo: Lovise; 1995. p.17-37.
6. Behlau M, Rodrigues S, Azevedo R, Gonçalves MI, Pontes P. Avaliação e terapia de voz. In: Lopes Filho OC. Tratado de
fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 1997. p.607-58.
7. Hungria H. Laringites agudas e crônicas: malformações congênitas; fendas glóticas. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.212-20.
8. Monday LA. Clinical evaluation of functional dysphonia. Folia Phoniat 1983;12:307-10.
9. Paparella MM, Arnold GE. Disorders of laryngeal function. In. Paparella MM, Shumrick DA. Otolaryngology. Philadelphia: WB
Saunders; 1980. p.2470-88.
10. Pontes P, Behlau M. Disfonias funcionais – conceitos atuais. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia.
São Paulo: Roca; 1994. p.1014-26.
Capítulo XXXIV

PARALISIAS LARÍNGEAS
Edson Ibrahim Mitre

A laringe é inervada por dois nervos: o nervo laríngeo inferior ou recorrente


e o nervo laríngeo superior. O primeiro é responsável pela inervação motora de todos
os músculos laríngeos, exceto o cricotireóideo, enquanto o segundo inerva este último,
além de fornecer inervação sensitiva a toda a mucosa laríngea. Ambos os nervos são
ramos do nervo pneumogástrico.
Para que as funções respiratórias, fonatórias e de proteção das vias aéreas
inferiores sejam desempenhadas de forma correta, é fundamental o equilíbrio funcional
entre todos os músculos laríngeos. Quando isto não ocorre, existe uma paralisia
laríngea, que podem ser classificadas como: hemiplegias ou diplegias laríngeas,
paralisias associadas (periféricas ou nucleares), paralisias centrais e paralisias musculares
isoladas (1-4).

HEMIPLEGIA LARÍNGEA
É assim denominada a ocorrência de paralisia unilateral do nervo laríngeo
recorrente, onde o exame laringoscópico revela imobilidade de toda a hemilaringe
correspondente. Existe uma tendência da cartilagem aritenóide do lado afetado estar
projetada para a frente.
Na fase inicial, a prega vocal encontra-se na posição mediana, deslocando-
se gradualmente para a posição intermediária (entre abdução e adução), onde acaba
por se fixar e atrofiar, resultando em uma borda livre escavada.
A sintomatologia clássica é a disfonia, geralmente de início súbito, ocorrendo
a produção de dois tons vocais diferentes simultaneamente, devido à assimetria das
pregas vocais (voz bitonal). Após algum tempo, existe uma tendência à compensação
pela prega vocal contralateral, às custas da ação dos músculos interaritenóideo e
cricoaritenóideo lateral do lado normal, que acaba por ultrapassar a linha mediana
para alcançar a prega vocal paralisada (5-7).
Consideram-se, etiologicamente, as causas traumáticas (traumatismos
cervicais por armas brancas, projéteis de armas de fogo, contusões violentas), causas
operatórias (cirurgias tireóideas, cirurgias sobre a traquéia, possível secção do nervo
laríngeo recorrente), causas compressivas cervicais (câncer de esôfago, bócio, câncer
129
da tireóide, adenomegalias cervicais volumosas), torácicas (aneurisma da aorta,
pericardite adesiva, paquipleuris do ápice pulmonar direito, doença de Hodgkin,
tumores de mediastino), e causas não compressivas (causando neurite do recorrente
– intoxicação por chumbo ou álcool, difteria, gripe, sífilis, idiopática).
Indubitavelmente, a retirada do fator desencadeante da hemiplegia laríngea
é o passo mais importante. O tratamento fonoterápico pode auxiliar na compensação
laríngea, permitindo, muitas vezes, uma qualidade vocal muito boa. Em algumas
situações, onde não se obtém compensação adequada pela prega vocal contra-lateral,
algum procedimento cirúrgico pode ser necessário, mas sempre se indica o concurso
de terapia fonoaudiológica auxiliar.

DIPLEGIA LARÍNGEA
Na paralisia bilateral do nervo laríngeo recorrente, a afonia é absoluta,
ocorrendo inicialmente voz bitonal e, a seguir, afonia total.
O exame laringoscópico evidencia pregas vocais imóveis, arqueadas,
assimétricas, geralmente em posição intermediária ou paramediana. O fator mais
preocupante é a abolição da função esfinctérica da laringe, com perda dos mecanismos
de proteção das vias aéreas inferiores, predispondo ao aparecimento de infecções
broncopulmonares. Existe, ainda, a possibilidade de manifestações de disfagia
associadas ao quadro (5-8).
Os fatores etiológicos a serem considerados são os mesmos que os da
hemiplegia laríngea, porém, agora, de ocorrência bilateral.
Uma situação felizmente mais rara é a paralisia exclusiva dos dilatadores da
glote (cricoaritenóideos posteriores), conhecida como Síndrome de Gerhardt, que
leva à dispnéia persistente e crises de sufocação, demandando traqueostomia.
Poucos resultados são obtidos na melhora da voz, sendo os melhores os
relatados por Tucker, com a proposta cirúrgica de reinervação laríngea, porém sem
resultados facilmente reprodutíveis (8).

PARALISIAS CENTRAIS
Grande número de afecções do sistema nervoso central pode manifestar
paralisias laríngeas em sua evolução, sendo as mais comuns a sífilis em sua forma
terciária, os tumores, a siringobulbia e a poliencefalite viral.
As paralisias corticais são mais raras, pois há necessidade da presença de
lesões difusas na área motora para que ocorra paralisia da laringe. São causadas por
acidentes vasculares encefálicos, tumores cerebrais, meningites, abscessos cerebrais e
traumatismo cranianos. As paralisias córtico-bulbares são geralmente incompletas e
derivam de minúsculas lesões na área de decussação localizada na região córtico-
bulbar. Na verdade, lesões mais extensas nessa área provocam a morte do paciente.
As etiologias mais comuns desse processo são as lesões da artéria basilar na sua porção
paramedial (4,6,7).
As paralisias bulbares são devidas à destruição de todo ou parte do núcleo
ambíguo no bulbo. A causa mais comum é insuficiência vascular. Geralmente
apresentam sinais de lesão de outros nervos cranianos.
A atrofia dos músculos laríngeos ocorre rapidamente, sendo comum a
observação de crises espasmódicas da laringe.
Felizmente, as paralisias laríngeas de origem cerebral são relativamente raras.

PARALISIAS MUSCULARES ISOLADAS


Paralisias isoladas de um músculo da laringe são, geralmente, secundárias a
processos inflamatórios da mucosa laríngea.
A paralisia bilateral dos músculos vocais (tireo-aritenóideos) confere à glote
um aspecto elíptico à fonação, que pode ser facilmente evidenciado ao exame
laringoscópico.
Quando ocorre a paralisia dos interaritenóideos, não há fechamento glótico
em seu terço posterior, persistindo uma fenda triangular posterior à fonação.
Na paralisia do músculo cricotireóideo (responsável pela tensão da prega
vocal), a prega vocal pode adquirir aspecto irregular ondulado, mas a alteração mais
evidente é a menor extensão vocal do paciente, com particular dificuldade de
agudização (4,5,7).
Em todos estes casos, a terapia fonoaudiológica pode ser de grande
contribuição para a melhora da qualidade vocal e redução do esforço fonatório.
1. Aronson, AE. Clinical voice disorders. 3a ed. New York: Thieme; 1990.
2. Fazoli KSH. Avaliação e terapia de voz nas disfonias neurológicas. In: Lopes Filho OC. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo:
Roca; 1997. p.683-95.
3. Guimarães JRR, Ognibene RZ. Paralisias Laríngeas. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia. São
Paulo: Roca; 1994. p.1027-31.
4. Hungria H. Paralisias laríngeas. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.221-9.
5. Monday LA. Clinical evaluation of functional dysphonia. Folia Phoniat 1983;12:307-10.
6. Paparella MM, Arnold GE. Disorders of laryngeal function. In. Paparella MM, Shumrick DA. Otolaryngology. Philadelphia: WB
Saunders; 1980. p2470-88.
7. Tucker HM. Vocal cord paralysis: etiology and management. Laryngoscope 1980;90:585-90.
8. Tucker HM. The larynx. New York: Thieme; 1987.

131
Capítulo XXXV

AFECÇÕES DA COBERTURA
DAS PREGAS VOCAIS
Edson Ibrahim Mitre

NÓDULOS DE PREGAS VOCAIS


Os nódulos vocais são afecções benignas da mucosa das pregas vocais,
geralmente bilaterais. Constituem-se numa forma de laringite crônica localizada,
apresentando os mesmo desencadeantes, porém o abuso vocal freqüente, a hipercinesia
e a grande tensão cervical são os mais importantes(1,2,3,6). Assim, os profissionais da
voz e os indivíduos tensos são os mais acometidos.
O timbre vocal do indivíduo é importante fator predisponente à formação
de nódulos vocais, sendo raro o nódulo em barítonos e em baixos. Pela mesma razão,
observam-se nódulos no sexo masculino até a idade de vinte anos e mais tarde a
grande maioria é observada em mulheres (4).
Do ponto de vista anatomopatológico, verifica-se que no rebordo livre da
prega vocal existe um espaço subepitelial virtual (espaço de Reinke), que está limitado
por fibras arqueadas. Este espaço se infiltra com facilidade por líquido edematoso ou
por sangue, e isto é o que deve ocorrer no início da formação do nódulo, em seguida
a pequenos traumas repetitivos. Em virtude de trauma vocal contínuo, as áreas de
mucosa mais delgada iniciam um processo de edema local na submucosa e acabam
por fibrosar. O processo inicial de edema na submucosa também pode ser decorrente
do refluxo faringo-laríngeo, onde existe o contato da secreção ácida oriunda do trato
digestivo com a mucosa laríngea, que não é preparada para tal. Em qualquer caso, a
lesão resultante é um epitélio hiperplásico com edema de submucosa e fibrose (6,7,10,11).
Os nódulos iniciais são flácidos e de coloração avermelhados. São recobertos
por tecido epitelial normal, e o estroma subjacente pode apresentar aumento de
vascularização. Os nódulos mais antigos são mais firmes e apresentam zonas de fibrose
e hialinização, adquirindo coloração mais esbranquiçada. Os nódulos são geralmente
bilaterais, nem sempre simétricos, um em cada prega vocal, em seu bordo livre.
133
Os principais sintomas envolvem a quebra de sonoridade nos tons mais
altos com dificuldade em manter o tom. O canto é a primeira das funções vocais que
se alteram. Aparece com freqüência a fadiga vocal, que se desenvolve antes da disfonia
persistente. Não há relação entre o tamanho do nódulo e o grau de rouquidão, sendo
que profissionais da voz, como cantores podem ter nódulos grandes que se manifestam
apenas como disfonia esporádica.
Ao exame laríngeo, identificam-se lesões de coloração branca, brilhantes
em sua maioria, de base alargada e tamanhos variáveis, localizadas no bordo livre das
pregas vocais, uma em cada lado, que se tocam à fonação, impedindo a coaptação
completa das pregas vocais, mantendo um espaço entre elas, denominado de fenda
vocal. O escape de ar pela fenda vocal determina a alteração da qualidade vocal, em
conjunto com a alteração do padrão vibratório da mucosa da prega vocal
proporcionado pela presença dos nódulos vocais.
O tratamento depende da idade e da profissão do paciente, dos fatores
etiológicos e das alterações laríngeas observadas. Em alguns pacientes o repouso vocal
faz regredir os nódulos recentes e diminui os edemas dos nódulos maduros. A terapia
fonoaudiológica com reeducação e higiene vocal é o tratamento indicado a todos os
pacientes com nódulos, independentemente de serem tratados de forma conservadora
ou cirúrgica. A maioria dos nódulos regride com a terapia fonoaudiológica e a
modificação de hábitos, sobretudo com a redução da tensão cervical.
Nódulos em crianças são geralmente mal definidos e se resolvem
espontaneamente com a mudança dos hábitos vocais, sendo recomendada, quase
exclusivamente, a terapia fonoaudiológica. Nas crianças (síndrome do abuso vocal
infantil), se contra-indica a intervenção cirúrgica, pois é quase certa a recidiva. O
pequeno tamanho da laringe dificulta a intervenção, correndo-se o risco de lesão do
cone elástico, mesmo porque as lesões quase sempre desaparecem na adolescência.
Além disso, nas crianças é muito difícil se obter o controle vocal necessário e a
reeducação, trabalhando-se mais o ambiente, para que se evitem situações de abuso
e competição vocal.
Nos pacientes adultos acima de 45 anos, deve-se ressecar os nódulos para análise
anátomo-patológica devido ao risco de lesão tumoral maligna. A retirada de nódulos de
profissionais da voz pode, eventualmente, encurtar o período de incapacidade. Nódulos
pequenos e de pouca repercussão clínica, ou assintomáticos, identificados em exame
laringoscópico realizado por outros motivos, podem ser desconsiderados (4,5,7,8).
Para alguns pacientes é necessário o tratamento cirúrgico,
independentemente da idade, devido ao tamanho dos nódulos ou à baixa resposta à
terapia vocal. Outros o preferem pela maior rapidez em readquirirem voz normal.
Entretanto, se não for efetuada a fonoterapia pré e pós-operatória, haverá grande
probabilidade de ressurgimento dos nódulos, uma vez que as condições traumáticas
continuem inalteradas.
PÓLIPOS DE PREGAS VOCAIS
O pólipo é a lesão benigna mais comum da laringe e, como o nódulo, é
secundário a agressões à laringe. Essa agressão pode ser de curta duração, como, por
exemplo, um acesso de tosse ou inalação de poeira. Pode também ter início após uma
situação de tensão vocal (após jogo de futebol, onde se grita muito) ou de uma
infecção de vias aéreas superiores. O quadro anátomo-patológico inicial confunde-se
com o nódulo (1,4,5,6,7,10).
Os pólipos de pregas vocais resultam de edema crônico no espaço de Reinke.
O espaço de Reinke situa-se logo abaixo do epitélio, sendo composto de tecido conectivo
frouxo. Qualquer agressão às pregas vocais leva ao acúmulo de líquido neste espaço.
Embora o edema freqüentemente regrida com o repouso vocal e a terapia
fonoaudiológica, a doença pode evoluir para a formação do pólipo, sendo o edema
localizado. Na fase aguda estes pacientes ficam afônicos por poucos dias, e conforme há
resolução do hematoma, vai ocorrendo a recuperação parcial da voz. A irritação crônica
secundária ao abuso vocal, leva à fibrose, desencadeando a formação do pólipo.
Na maior parte das vezes os pólipos são massas pediculadas (com base
estreita), ou mais raramente sésseis (base alargada), localizadas no bordo livre das
pregas vocais. São unilaterais em 90% dos pacientes e podem ser de características
mucosas ou angiomatosas. O pólipo do tipo mucoso geralmente reflete um processo
inflamatório localizado no espaço de Reinke, enquanto o pólipo angiomatoso é mais
compatível com o abuso vocal levando à ruptura de vasos sangüíneos com formação
de um hematoma no espaço de Reinke.
A disfonia é a principal manifestação, podendo variar segundo a localização
e o tamanho do pólipo, chegando até a afonia quando esse se interpõe entre as pregas
vocais. O paciente pode ter sensação de corpo estranho enquanto respira.
O diagnóstico se faz com facilidade pelo exame laringoscópico, permitindo
identificar se o pólipo é séssil, com base fixa à prega vocal ou pediculado, estes se
movimentando com a respiração e por vezes somente identificados durante a fonação,
quando a corrente de ar os mobiliza, fazendo-os se interporem entre as pregas vocais,
ou ainda acima delas. O exame laringoscópico também permite diferenciar entre os
pólipos mucosos e angiomatosos (8,11).

EDEMA DE REINKE
O edema de Reinke também é resultado de uma inflamação no espaço de
Reinke, localizado logo abaixo do epitélio das pregas vocais, à semelhança dos pólipos
de pregas vocais. Enquanto naqueles o edema resultante do processo permanece
localizado, no edema de Reinke o edema é difuso em toda a extensão da prega vocal.
O edema adquire aspecto fusiforme, podendo abranger os dois terços
anteriores da prega vocal, acompanhado de hiperemia difusa e conferindo um aspecto
bolhoso, chamado de degeneração polipóide da prega vocal (9,11).
135
Observa-se, quase que exclusivamente, sua formação em indivíduos
tabagistas, sobretudo no sexo feminino, sendo o tabaco considerado como o fator
irritante desencadeante do quadro. Raros são os casos descritos por origem traumática.
Esta degeneração polipóide, no tabagista, constitui importante fator de alerta quanto
à possibilidade de desenvolvimento de neoplasias malignas, seguindo a seqüência:
degeneração polipóide – leucoplasia – queratose com displasia – carcinoma in situ –
carcinoma invasivo.
A voz adquire um tom bastante agravado, muito evidente nas mulheres,
que se queixam, com freqüência, de serem confundidas com o sexo masculino ao
telefone, e que é facilmente reconhecido como característica desta doença.
O tratamento ideal é o cirúrgico, com aspiração do conteúdo edematoso e
maior preservação possível da integridade mucosa, seguido por terapia fonoaudiológica
precocemente. Obviamente a abolição do tabagismo deve ser orientada, sob pena de
recidiva do quadro ou até de desencadeamento de lesões mais graves (8,11).

CISTOS DE PREGAS VOCAIS


Cistos são neoformações constituídas por secreções e recobertas por um
epitélio claro e transparente. Podem ser classificados, conforme sua constituição em
epidermóides, de retenção e linfóides (5,6,9,11).
Os cistos são denominados epidermóides quando revestidos por um epitélio
plano, apresentando líquido seroso entre o epitélio e o estroma. Localizam-se na
camada superficial da lâmina própria, apresentando, ocasionalmente, uma minúscula
abertura para a luz laríngea ou inserção parcial no ligamento vocal.
São chamados cistos de retenção aqueles revestidos por epitélio vibrátil do
conduto excretor das glândulas mucosas, apresentando origem glandular. Formam-
se à custa de dilatação dos ácinos(porção secretória) e canais glandulares. Contêm
líquido espesso, de coloração acinzentada.
Os cistos de tecido linfóide encontram-se na valécula e pregas ariepiglóticas,
recobertos por epitélio plano em meio a um folículo linfático, com grande quantidade
de líquido de coloração acinzentada ou amarelada.
Os cistos podem ter origem infecciosa ou traumática, ou ainda se apresentarem
como malformações congênitas. Acredita-se que a principal causa seja o abuso vocal.
O impacto clínico, quando existe, restringe-se única e exclusivamente à
função fonatória da laringe, dependendo da localização do cisto.
A rigidez e a massa da cobertura da prega vocal encontra-se aumentada. O cisto
age como um obstáculo contra a perga vocal contralateral, promovendo um abaulamento
no bordo livre da prega vocal acometida. Isto pode provocar o fechamento glótico
incompleto durante a fonação, além de determinar movimentos vibratórios assimétricos
nas duas pregas vocais, resultando em disfonia com quebras de sonoridade (1,11,12).
O exame laringoscópico revela lesão de aspecto esbranquiçado ou acinzentado
em uma das pregas vocais, geralmente em seu interior, podendo permanecer alguma
distância entre o nódulo e o bordo livre da prega vocal. A diferenciação de nódulos
vocais pode ser feita pela estroboscopia com análise da vibração mucosa, sendo que a
vibração está reduzida no cisto.
Não se observa melhora com a terapia não cirúrgica, mas a terapia
fonoaudiológica pode contribuir para a redução do edema vizinho ao cisto e melhorar
as condições pré-operatórias locais, sendo imprescindível no pós-operatório.

SULCO VOCAL
O sulco vocal é uma depressão linear no epitélio da prega vocal, discutindo-
se a possibilidade de ser congênito ou adquirido (12).
A definição engloba duas entidades diferentes: o sulco glótico e a estria
(vergeture). O sulco glótico, também chamado de cisto epidermóide aberto ou sulco
bolsa, é uma invaginação da camada epitelial da prega vocal no espaço de Reinke,
produzindo uma depressão de profundidade variável, podendo haver contato com o
ligamento vocal. Por outro lado, a estria é um sulco atrófico, de extensão variável,
localizado abaixo do bordo livre da prega vocal, onde a mucosa que forma o fundo da
estria é atrófica e adere firmemente e em profundidade ao ligamento vocal (11).
A disfonia característica do sulco pode aparecer na infância, adolescência
ou na idade adulta, sendo mais freqüente no sexo masculino, promovendo
agudização da voz.
O exame laringoscópico não é muito eficaz na determinação dos sulcos,
sendo melhor diagnosticados por meio da estroboscopia, quando se observa redução
da vibração mucosa da prega vocal. Em alguns casos, o sulco somente pode ser
diagnosticado durante a manipulação da prega vocal na laringoscopia direta sob
microscopia (2,11).
A terapia fonoaudiológica, associada às manipulações cirúrgicas das pregas
vocais pode proporcionar melhora da qualidade vocal, mas não é possível esperar
remissão completa dos sintomas.

ALTERAÇÕES ESTRUTURAIS MÍNIMAS


As alterações estruturais mínimas são modificações muito discretas, que
poderiam passar assintomáticas ou se manifestarem exclusivamente por distúrbios da
fonação, sendo, algumas vezes, de diagnóstico muito difícil.

VASCULODISGENESIA
A rede vascular sub-epitelial normal das pregas vocais se apresenta
normalmente de modo linear e longitudinal. A vasculodisgenesia é um arranjo
137
estrutural de alguns vasos sangüíneos transversal ao bordo da prega vocal, acarretando
redução do movimento vibratório da prega vocal e predispondo ao aparecimento de
lesões secundárias (11,12).
Também se comenta que a presença de vasculodisgenesia seja indicativa da
presença de outras lesões estruturais das pregas vocais, demandando, assim um exame
mais detalhado ou a exploração cirúrgica sob microscopia.

PONTE DE MUCOSA
É uma lesão de diagnóstico difícil, sendo evidenciada, muitas vezes, no
decorrer transoperatório de outras lesões. Constitui um arco de mucosa, de extensão
e largura variáveis, ao longo da prega vocal, podendo desencadear quadros de disfonia
e lesões secundárias (5,11).

MEMBRANA LARÍNGEA
É uma estrutura membranosa que une as pregas vocais, geralmente na região
anterior, com inserção glótica ou subglótica na região da comissura anterior (5,8).
Resulta em voz agudizada, dificultando ou impedindo a muda vocal.
Quando as alterações são discretas, recomenda-se evitar a manipulação
cirúrgica, devendo-se remover as membranas maiores, preferencialmente no período
anterior à muda vocal.
1. Aronson, AE. Clinical voice disorders. 3a ed. New York: Thieme; 1990.
2. Behlau M, Pontes P. Exame laringológico. In: Behlau M, Pontes P. Avaliação e tratamento das disfonias. São Paulo: Lovise; 1995.
p.143-66.
3. Behlau M, Pontes P. O processo de desenvolvimento de uma disfonia. In: Behlau M, Pontes P. Avaliação e tratamento das
disfonias. São Paulo: Lovise; 1995. p.17-37.
4. Behlau M, Rodrigues S, Azevedo R, Gonçalves MI, Pontes P. Avaliação e terapia de voz. In: Lopes Filho OC. Tratado de
fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 1997. p.607-58.
5. Hollinger PH, Brown WT. Congenital webs, cyst, laringoceles and other anormalities of the larynx. Ann Otol 1967;76:744-9.
6. Hungria H. Blastomas benignos da laringe. In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan;
2000. p.253-6.
7. Hungria H. Microcirurgia endolaríngea: alterações estruturais mínimas; videolaringoestroboscopia indicações de traqueostomia.
In: Hungria H. Otorrinolaringologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000. p.286-95.
8. Kleinsasser D. Microlaringoscopía y microcirurgía endolaríngea. Barcelona: Científico-Médica, 1968.
9. Ogura JH, Thawley SE. Cysts and tumors of the larynx. In: Paparella MM, Shumrick D. Otolaryngology. Philadelphia: WB
Saunders; 1980. p.2504-27.
10. Paparella MM, Arnold GE. Disorders of laryngeal function. In. Paparella MM, Shumrick DA. Otolaryngology. Philadelphia:
WB Saunders; 1980. p.2470-88.
11. Pontes P, Behlau M, Gonçalves I. Alterações estruturais mínimas da laringe (AEM). Acta AWHO 1994;13(1):2-6.
12. Prado JB, Nakakubo S. Anomalias congênitas da laringe. In: Lopes Filho OC, Campos CAH. Tratado de otorrinolaringologia.
São Paulo: Roca; 1994. p.1003-13.

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