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TEMAS LIVRES FREE THEMES


Incontinência urinária feminina:
revisão sistemática de estudos qualitativos

Female urinary incontinence:


a systematic review of qualitative studies

Cilene Volkmer 1
Marisa Monticelli 2
Kenya Schmidt Reibnitz 2
Odaléa Maria Brüggemann 2
Fabiana Flores Sperandio 3

Abstract Urinary incontinence has broad reper- Resumo A Incontinência Urinária repercute
cussions on female daily life. The objective of this amplamente no viver feminino. O objetivo deste
study was to conduct a systematic review seeking estudo foi realizar uma revisão sistemática en-
to analyze results of qualitative research concern- volvendo os resultados das pesquisas com aborda-
ing female urinary incontinence published prior gem qualitativa publicadas sobre incontinência
to 2009. After an electronic search, 53 research urinária feminina, até o ano de 2009. Após busca
reports were identified with 30 fulfilling the ex- eletrônica, 53 relatos de pesquisa foram identifi-
clusion and inclusion criteria. After classificati- cados e 30 atenderam aos critérios de inclusão e
on according to the Critical Appraisal Skills Pro- exclusão. Estes estudos foram avaliados e classifi-
gram, 13 constituted the analytical body for re- cados segundo o Critical Appraisal Skills Program-
view. The data were synthesized according to the me, sendo que 13 constituíram o corpus analítico
meta-ethnographical approach through recipro- da revisão. Os dados foram sintetizados pela abor-
cal translation. Two categories emerged: life ex- dagem metaetnográfica, através do processo de in-
periences among incontinent women; and pro- terpretação denominado “reciprocal translation”.
posals for care models for incontinent women. The Duas categorias emergiram dos estudos: experi-
restructuring of one’s personal life metacategory ências de vida de mulheres incontinentes e pro-
points to individual adjustments necessary for posta de modelos para assistência a mulheres in-
dealing with the problem. In essence, the results continentes. A metacategoria reestruturação da
reveal the option of the majority of women facing vida pessoal aponta para os ajustes individuais
1
the loss of urine “silently” and point to the need necessários para lidar com o problema. Em sínte-
Curso de Doutorado em
Enfermagem, for professionals to understand family percepti- se, os resultados demonstram a opção da maioria
Universidade Federal de ons in order to better comprehend the personal, das mulheres em enfrentar a perda de urina “si-
Santa Catarina. Rua
family, and social implications involved in fema- lenciosamente” e apontam para a necessidade de
Presidente Coutinho 579/
607, Centro. le urinary incontinence. conhecermos as percepções da família e profissio-
88015-231 Florianopolis Key words Urinary incontinence, Women’s he- nais envolvidos, para melhor compreensão das im-
SC. cilenev@gmail.com
2
alth, Female literature review as a qualitative plicações pessoais, familiares e sociais da inconti-
Programa de Pós-
Graduação em Enfermagem. research topic nência urinária feminina.
Universidade Federal de Palavras-chave Incontinência urinária, Saúde
Santa Catarina.
3
Curso de Fisioterapia,
da mulher, Feminina, Literatura de revisão como
Universidade do Estado de assunto, Pesquisa qualitativa
Santa Catarina.
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Volkmer C et al.

Introdução minina. A terceira, a única publicação brasileira,


e a mais completa, realizada por Higa et al.27,
A Incontinência Urinária (IU) feminina, na atua- abordou especificamente os significados psico-
lidade, tem suscitado interesse redobrado dos culturais da IU feminina. Os autores identifica-
profissionais da saúde, em decorrência dos múl- ram e analisaram a literatura em saúde que abor-
tiplos fatores e consequências relacionadas a essa dava as vivências de idosos incontinentes, princi-
condição. Independente do tipo de IU apresenta- palmente mulheres, através da narrativa dos par-
do, os profissionais que atuam na atenção à saú- ticipantes. Nesta revisão sistemática qualitativa
de da mulher, assim como os que pesquisam o sobre IU feminina foram analisados três artigos
tema, têm se preocupado em incrementar a qua- qualitativos que investigavam narrativa de ho-
lidade de vida das mulheres incontinentes, face mens e mulheres e dois quantitativos, além de
às repercussões sociais que esta condição acarre- um que investigava promoção da continência em
ta no viver feminino de forma ampla, embara- idosos hospitalizados. Os artigos foram selecio-
çando seu desempenho no trabalho, na lida do- nados por opção metodológica dos autores, não
méstica e nas relações afetivas e sexuais. Diante seguindo, portanto, protocolo sistematizado de
de tal contexto, acreditamos que o conhecimen- avaliação crítica. Além disso, não abrangeu os
to sobre o estado da arte das produções científi- periódicos da área de fisioterapia. Como foi pu-
cas relacionadas à IU pode instrumentalizar pes- blicada em 2008, não considerou no corpus ana-
quisadores e profissionais a auxiliarem mulhe- lítico as publicações qualitativas de 2008 e 2009.
res que sofrem perda urinária. Assim, justifica-se o presente estudo, que está
As publicações científicas nacionais e inter- pautado pela seguinte pergunta: quais os resulta-
nacionais sobre IU feminina têm sido relativa- dos obtidos nas pesquisas qualitativas publicadas
mente frequentes nas últimas décadas, inclusive sobre a IU feminina? O objetivo foi realizar uma
sob forma de revisões de literatura, entretanto, a revisão sistemática envolvendo essa questão.
imensa maioria aborda e analisa estudos quanti-
tativos, por meio de revisões sistemáticas apro-
fundadas1-10, ou mesmo não sistemáticas11-24. Tais Abordagem metodológica
revisões incluem estudos conduzidos com abor-
dagens quantitativas variadas e por diferentes Foi realizada revisão sistemática com o intuito
profissionais ligados à área da saúde, como en- de sintetizar estudos qualitativos, sendo esta pro-
fermeiros, médicos, fisioterapeutas, psicólogos e posta considerada uma metaetnografia, de acor-
educadores físicos. do com Noblit e Hare28. O estudo foi elaborado
Os estudos quantitativos buscam o rigor da na tentativa de desenvolver uma forma indutiva
reprodutibilidade dos resultados através da men- e interpretativa da síntese do conhecimento na
suração e quantificação das variáveis, mas res- área de interesse e seguiu as três fases utilizadas
tringem a realidade, principalmente por não al- por Espíndola e Blay29: revisão sistemática da li-
mejarem a compreensão dos fenômenos soci- teratura, análise crítica dos artigos selecionados
ais25. Esta, contudo, é imprescindível para colo- e metassíntese.
car em foco as subjetividades que são inerentes A investigação pormenorizada foi realizada
aos processos de interação e significação social, nas seguintes bases de dados: Medline e Cinahl
portanto, diante do objeto que aqui se estrutura, (via PubMed e EBSCO), Lilacs, BDENF, ISI Web
para compreender as perspectivas da IU sob o of Knowledge e Scopus. Além destas ferramen-
ângulo das próprias mulheres incontinentes. tas de busca, também foram explorados os peri-
Ao realizarmos levantamento minucioso so- ódicos indexados e disponibilizados no SciELO
bre revisões sistemáticas qualitativas envolven- (Scientific Electronic Library Online) e no Portal
do IU feminina, observamos a publicação de três da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de
estudos. Um deles foi identificado pelos autores Pessoal de Nível Superior), incluindo também os
como “qualitative review of the literature”6, mas portais de acesso de Revistas Nacionais e Inter-
a leitura do artigo, na íntegra, revela uma revisão nacionais que publicam estudos qualitativos.
de estudos quantitativos, realizados em 5 países Os critérios utilizados para realizar a busca
da Europa, que enfatizaram aspectos epidemio- online envolveram o descritor de assunto incon-
lógicos de ensaios clínicos. A segunda revisão, tinência urinária/urinary incontinence/inconti-
realizada por Sublett26, trata-se de avaliação sis- nencia urinaria, associado às palavras feminina/
temática qualitativa, porém, analisa e compara female/femenina, pesquisa/research/investigaci-
apenas duas pesquisas qualitativas sobre IU fe- ón, estudo/study/estudio, qualitativa/qualitative/
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cualitativa. A busca também foi realizada com as autores enfatizam que, no paradigma interpreta-
palavras incontinência e urinária, separadamen- tivo, qualquer interpretação, metáfora ou tradu-
te, associadas às palavras citadas acima. ção é apenas uma possível leitura do que foi apre-
Com a finalidade de selecionar os estudos, endido dos estudos, mostrando que este proces-
foram empregados os seguintes critérios de in- so é uma tentativa de dar o significado do objeto
clusão: artigos de periódicos que abordaram re- de estudo, almejando trazer à luz um princípio
latos de pesquisa com metodologia qualitativa fundamental da coerência do significado.
relacionados à IU feminina, publicados nos idio- A abordagem metaetnográfica é uma forma
mas inglês, português e espanhol, e englobando de comparação sistemática e envolve a ressignifi-
publicações existentes até o ano de 2009. Foram cação (termo proposto por Espíndola e Blay29
excluídos: os estudos com abordagem quantita- para a expressão translation) dos resultados dos
tiva ou abordagem mista (quantitativa-qualita- estudos em um outro estudo. Na etapa de análi-
tiva); aqueles que não eram relatos de pesquisa; se dos estudos classificados foi utilizada a pro-
os que abordavam IU feminina associada à in- posta de Noblit e Hare28, que contempla as se-
continência fecal, à IU masculina ou à IU infantil, guintes fases: 1) identificar a área de interesse e
além da IU feminina associada a outras patolo- definir a pergunta da pesquisa bibliográfica, usan-
gias ou aos períodos pré, peri e pós-natal. Esta do estratégias de busca para seleção dos estudos;
última condição justifica-se pelo fato de que a IU, 2) descobrir o que é relevante para o estudo e
nestes períodos, pode ser considerado um fenô- decidir quais critérios serão utilizados para atin-
meno transitório na vida da mulher. Além disso, gir o objetivo da metassíntese; 3) conhecer os
foram excluídos capítulos de livros, assim como estudos selecionados, mediante leitura e releitura
teses ou dissertações sobre o tema. dos mesmos; 4) estabelecer a relação entre os es-
Para a avaliação dos estudos qualitativos foi tudos e elaborar um pressuposto inicial; 5) tra-
utilizado o “checklist” proposto pelo “Critical tar os relatos como analogias, buscando compa-
Appraisal Skills Programme” (CASP), uma vez ração entre semelhanças ou diferenças; 6) sinte-
que o mesmo auxilia na análise crítica de relatos tizar os resultados, realizando transferências ou
de pesquisa qualitativas, quanto ao rigor, credi- ressignificações; e 7) expressar o resultado da sín-
bilidade e relevância29-31. Este documento apre- tese da forma mais conveniente. É importante
senta 10 itens que conduzem o avaliador a pen- salientar que essas sete fases se sobrepõem e po-
sar de forma sistemática sobre as questões a se- dem ser realizadas paralelamente.
rem analisadas. Após cada estudo ter sido filtra- A abordagem metaetnográfica deste estudo
do pelo “checklist”, foi classificado em 2 categori- procurou sintetizar o âmago das pesquisas qua-
as (A e B), sendo que na categoria A entraram os litativas analisadas através da indução e inter-
estudos com pequeno viés de risco, uma vez que pretação, realizando uma tradução por recipro-
preencheu ao menos nove destes dez itens: 1) cidade (“reciprocal translation”)28, ou seja, quan-
objetivo claro e justificado. 2) desenho metodo- do os estudos analisados apresentavam simila-
lógico apropriado aos objetivos. 3) procedimen- ridades. Esta escolha auxiliou no processo de
tos metodológicos apresentados e discutidos. 4) compreensão e transferência de conceitos e ideias
seleção intencional da amostra. 5) coleta de da- encontrados nos diversos estudos, capturando a
dos descrita, instrumentos e processo de satura- especificidade de cada um e culminando na redu-
ção explicitados. 6) relação entre pesquisador e ção dos relatos, preservando o significado dos
pesquisado. 7) cuidados éticos. 8) análise densa e mesmos em uma nova interpretação.
fundamentada. 9) resultados apresentados e dis- A busca eletrônica foi finalizada em dezem-
cutidos, apontando o aspecto da credibilidade e bro de 2009 e resultou na identificação de 53 rela-
uso da triangulação. 10) descrição sobre as con- tos de pesquisa, que foram selecionados primei-
tribuições e implicações do conhecimento gera- ramente pelo título, em seguida, pela leitura do
do pela pesquisa, bem como, suas limitações29; e resumo e, então, pela leitura do texto na íntegra.
na categoria B, os estudos com viés de risco mo- Após esta etapa inicial, observamos que 30 estu-
derado, ou seja, quando pelo menos 5 dos 10 dos atenderam aos critérios de inclusão e exclu-
itens foram atendidos, contemplando, pois, ape- são. A segunda etapa do processo consistiu na
nas parcialmente os critérios adotados29. avaliação da qualidade destes 30 estudos, medi-
Para Noblit e Hare28, o termo metaetnografia ante a utilização do “checklist” citado anterior-
representa a síntese da pesquisa interpretativa, que mente e da classificação em categorias. Como
deve ser escrita pelo desejo de construir adequa- resultado desta última etapa, obtivemos dois es-
das explicações sobre estudos interpretativos. Os tudos classificados como A e onze como B, tota-
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Volkmer C et al.

lizando, portanto, o corpus analítico de treze es- Em relação à fundamentação teórica, a mai-
tudos qualitativos. oria dos estudos esteve embasada na Antropo-
logia (cinco) e no referencial da Qualidade de
Vida (quatro). Os outros estudos fundamenta-
Resultados ram-se na Fenomenologia (três) e em padrões
culturais, sociais e históricos implicados nos sig-
Os treze estudos analisados pelo CASP30 estão nificados da IU (um).
listados no Quadro 1, caracterizados por autor e Quanto aos países de origem, dos treze estu-
ano, país de origem do estudo, participantes, ida- dos qualitativos sobre IU feminina, a maioria foi
de dos participantes, foco de interesse dos estu- realizada nos E.U.A. (cinco) e Suécia (quatro) e,
dos, método/técnica de coleta de dados e a classi- ainda, em relação à origem, pode-se ressaltar duas
ficação segundo o CASP. desenvolvidas no Brasil, com publicação em 2007

Quadro 1. Pesquisas qualitativas sobre IU feminina, publicadas até 2009 (N=13).


Autor/Ano País Participantes Idade Foco de interesse dos Método/técnica Classificação
estudos coleta de dados segundo o
CASP

Anderson Suécia 14 mulheres (com 30 até acima Percepções de Grupo focal A


et al. 32 experiência própria de de 80 anos mulheres que vivem
IU ou de outras pessoas) uma cultura diferente
daquela de origem

Basu e Reino Unido 17 mulheres (com 33 a 76 anos Barreiras para busca de Grounded Theory B
Duckett33 problemas urinários tratamento /Entrevista não
recorrentes ou estruturada
persistentes após
cirurgia)

Zeznock E.U.A 17 mulheres (com perda 33 a 86 anos Experiência de Entrevista não B


et al.34 urinária involuntária ou mulheres estruturada
acidental definida como incontinentes que
um problema) vivem na “Última
Fronteira” (Alaska)

Anderson Suécia 11 mulheres (com IU, 66 a 89 anos Experiências de vida de Entrevista B


et al.35 mas que não desejavam idosas incontinentes semiestruturada
tratamento)

Borba Brasil 6 mulheres (com perda 39 a 73 anos Significados de “Ter” Entrevista B


et al.36 urinária de, pelo menos, IU e “Ser” semiestruturada
1 x na semana) incontinente

Bradway e E.U.A 17 mulheres (que Idade média: Busca de tratamento e Entrevistas A


Strumpf37 procuraram ou não Grupo 1 = 71 IU a longo prazo
tratamento para IU) anos
Grupo 2 =
46,3 anos

Abreu Brasil 12 mulheres (que 61 a 83 anos Qualidade de vida de Entrevista B


et al.38 participaram de estudo idosas incontinentes semiestruturada
prévio e realizaram
fisioterapia)

continua
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e 2008. A maioria das pesquisas foi publicada países da Europa e América, em várias fases do
nos últimos cinco anos, com exceção de um arti- ciclo de vida (adultas jovens, adultas e idosas) e
go, em 1991, fato que indica uma produção de em diferenciadas situações culturais, que busca-
literatura na área de interesse bastante atual. ram ou não cuidado profissional para a situação
Dos pesquisadores envolvidos nos estudos, a vivenciada.
maioria era da área de enfermagem (seis), com A maioria dos estudos analisados buscou
destaque para uma enfermeira americana, res- compreender a situação das mulheres que apre-
ponsável por três pesquisas, ainda com partici- sentavam perda urinária, através de caminhos
pação em outro estudo, e duas enfermeiras sue- diferenciados, descrevendo vivências, explorando
cas, com duas pesquisas cada uma; além disso, opiniões ou iluminando reflexões sobre a ques-
dois estudos foram conduzidos por médicos uro- tão da IU feminina, segundo a compreensão das
ginecologistas e um foi desenvolvido por uma próprias mulheres, enquanto outros estudos bus-
fisioterapeuta brasileira. Quanto aos informan- caram desenvolver ou apontar modelos de assis-
tes, os estudos incluíram uma amostra diversifi- tência às mulheres incontinentes. Os resultados
cada em relação à faixa etária e situações vivenci- dos treze estudos qualitativos foram estrutura-
adas pelas mulheres, no que diz respeito à IU. dos em duas categorias: experiências de vida de
Os estudos selecionados mostraram as expe- mulheres incontinentes e proposta de modelos
riências de vida das mulheres incontinentes em para assistência a mulheres incontinentes.

Quadro 1. continuação
Autor/Ano País Participantes Idade Foco de interesse dos Método/técnica Classificação
estudos coleta de dados segundo o
CASP

Doshani Reino Unido 24 mulheres (que Grupo 1: de Vivência de mulheres Grupo focal B
et al.39 participavam de grupos 30 a 60 incontinentes em uma
pré-existentes de Grupo 2: de cultura diferente
mulheres e o estado de 60 a 85 anos daquela de origem
continência não era
conhecido)

Hägglund e Suécia 14 mulheres (que 34 a 52 anos Experiências de vida Entrevista B


Ahlström40 participaram de estudo com IU à longo prazo
prévio, tendo procurado
ou não tratamento)

Hägglund e Suécia 13 mulheres 37 a 52 anos Fatores limitantes para Entrevista B


Wadensten41 (que haviam participado a busca de tratamento
de estudo prévio de para IU
coorte de base
populacional)

Bradway e E.U.A 17 mulheres (com IU 28 a 86 anos Papel de um modelo Entrevistas B


Barg42 há mais de 5 anos) cultural na definição semiestruturadas
de experiências com e análise
IU documental

Bradway43 E.U.A 17 mulheres (com IU 28 a 86 anos Narrativas de mulheres Entrevista B


há mais de 5 anos) incontinentes à longo semiestruturada
prazo

Dowd44 E.U.A 7 mulheres (com tempo 58 a 79 anos Experiência de Entrevistas B


de IU variando entre 1 mulheres idosas com
1/2 ano e 50 anos) IU
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Volkmer C et al.

Experiências de vida “Eu vou lá para falar sobre meus comprimi-


de mulheres incontinentes dos para pressão arterial e falar sobre minha
bexiga simplesmente parece irrelevante”33.
As experiências de vida das mulheres partici- “[…] a maioria achava que os sintomas não
pantes dos estudos foram organizadas em três eram tão importantes para solicitar uma con-
subcategorias: dificuldades encontradas para li- sulta com o clínico geral (ou médico de família),
dar com a IU (sentimentos negativos, subesti- mesmo se elas estavam consultando seu médico
mação do problema, concepções sobre as causas por causa de outro sintoma […]”39.
da IU, acesso ao cuidado profissional, descrença Concepções sobre as causas da IU – os estu-
nos tratamentos disponíveis, diferenças culturais dos demonstraram que as mulheres apresenta-
e limitações causadas pela IU), ciclo experencial e vam ideias pré-concebidas a respeito dos fatores
modos de enfrentamento (autogestão da IU, bus- que poderiam levar à IU, como o envelhecimento
ca de apoio profissional, pensamentos positivos e a inevitável perda do controle urinário, o au-
e processo de vitimização). mento da frequência urinária e a noctúria, além
do enfraquecimento corporal causado pela ida-
Dificuldades encontradas de, pelo número de gestações e por partos em
para lidar com a IU idade precoce. Acreditavam ser este processo parte
da vida de todas as mulheres32,33,35,39.
A síntese dos estudos analisados levantou a “As mulheres acreditavam que a razão para o
questão das dificuldades que as mulheres com desenvolvimento de IU é que o corpo se torna
IU encontram no dia-a-dia, demonstrando que relaxado (isto é, se enfraquece) com o aumento
este assunto assinalou de maneira acentuada as da idade e depois de vários partos”32.
vivências das participantes e as discussões dos “Elas equiparavam envelhecimento com a
pesquisadores, em diferentes países e cenários de bexiga tornar-se ‘cansada’ e ‘fraca’ […]”33.
pesquisa. “Eu acho que [...] isto também é parte da
Sentimentos negativos – os sentimentos mais vida”35.
recorrentes foram vergonha, embaraço, cons- Acesso ao cuidado profissional – os estudos
trangimento, sensação de voltar à infância e medo demonstraram a dificuldade das mulheres, tan-
de exalar cheiro de urina. O constrangimento e a to em acessar o sistema de saúde, quanto os pro-
vergonha foram citados pelas mulheres devido fissionais especializados no cuidado à mulher
ao fato das mesmas sofrerem perda urinária em incontinente, principalmente médicos. Uma das
locais ou momentos impróprios e à necessidade dificuldades relatadas foi o medo de não serem
de abordar esta situação com outras pessoas, levadas à sério se procurassem ajuda para a per-
principalmente médicos ou membros da família da de urina e de que o médico responsável pode-
do sexo masculino32,35,39. ria “suavizar” o problema; outra dificuldade
“Mulheres em todos os grupos focais comu- apontada foi o fato de que os profissionais não
mente relataram sentirem-se envergonhadas são diretos ao abordar o assunto da IU. As mu-
quando consultavam o médico por razões pes- lheres também manifestaram a preferência em
soais, tais como incontinência. [...], principal- ser acompanhadas por enfermeiras, fisioterapeu-
mente pelo gênero do médico e pela natureza sen- tas e agentes de saúde e, além disso, as mais jo-
sível do problema […]”39. vens exprimiram dificuldade em conseguir tem-
“Quando a urina flui [...] é como voltar à po para buscar uma consulta profissional32,35,39.
infância”35. “Algumas manifestaram dificuldades em fa-
“[...] embaraçoso se despir em frente a um zer contato com o serviço de saúde, e como re-
homem […]. Se for um médico então, pedimos sultado, procuraram ajuda somente quando era
por outro do sexo feminino. Nós ficamos enver- necessário”35.
gonhadas”32. “[…] Eles perguntam ‘quem você gostaria de
Subestimação do problema – o entendimen- ver?’ E eu digo à enfermeira. ‘Eu não quero falar
to de que a IU não era um problema importante com o médico’. Enfermeiras são mulheres e têm
foi associado à presença de outras queixas e do- mais tempo”39.
enças das mulheres, consideradas mais severas, e Descrença nos tratamentos disponíveis – o
que necessitavam de acompanhamento profis- descrédito na resolução da perda urinária emer-
sional, enquanto o impacto da IU era frequente- giu nos estudos, através da percepção das mulhe-
mente minimizado33,35,39. res, de que nada ou muito pouco poderia ser feito
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para melhorar a situação vivenciada pelas mes- Modos de enfrentamento
mas. Além disso, perceberam que o tipo de trata-
mento que havia sido disponibilizado a elas, ou a Os estudos revelaram que houve uma varie-
outras mulheres conhecidas, não era efetivo ou dade nos modos de enfrentar a IU por parte das
não era corretamente esclarecido, culminando na mulheres. Estes enfrentamentos estiveram foca-
relutância em buscar cuidado profissional33,35,39. dos nos seguintes pontos: estabelecer estratégias
“[…] porque a perda de urina tinha começa- próprias para lidar com a IU, buscar ajuda pro-
do como uma complicação de uma cirurgia ou fissional ou não tomar nenhuma atitude para
porque outras pessoas que elas conheciam havi- aliviar o sofrimento36-38,43.
am descrito suas próprias experiências negativas Autogestão da IU – o fato de muitas mulhe-
do tratamento”35. res não assumirem a condição de ter incontinên-
“Elas expressaram descontentamento com a cia publicamente acarretou na alternativa do pró-
maneira que os exercícios pélvicos foram ensina- prio gerenciamento das perdas urinárias. Estas
dos, destacando que ninguém tinha realmente mulheres utilizaram manobras de contenção na
mostrado a importância ou os benefícios à lon- tentativa de manter a normalidade da rotina diá-
go prazo […]”39. ria, exigindo controle e vigilância contínuos, que
Diferenças culturais – os estudos que investi- as manteve em alerta e em esforço constante na
garam mulheres incontinentes vivendo em locais luta com a situação do próprio corpo36,38.
com culturas diferentes do seu local de origem “[...] demonstra uma das estratégias utiliza-
demonstraram que o não domínio da língua do das para ter o controle, a maioria das mulheres
local em que viviam acarretava dificuldades na utiliza mecanismos de contenção como o uso de
busca de profissionais em saúde na área de IU. absorventes, utilização frequente de banheiros e
Além disso, as mulheres relataram a importân- restrição hídrica”36.
cia do oferecimento de intérpretes do sexo femi- “[...] idosas, inclusive as que relataram uso
nino pelos prestadores de serviço durante as con- de estratégias de autocuidado [...]”36.
sultas, no caso das mesmas não terem à disposi- Busca de apoio profissional – as mulheres
ção membros da família para acompanhá-las. O que demonstraram maior interesse em procurar
medo e a desconfiança de profissionais com cren- e se submeter a cuidados profissionais foram as
ças religiosas diferentes das mulheres também mais idosas e aquelas que apresentavam perda
esteve evidente nos estudos32,39. de urina há longa data. Além disso, mulheres dis-
“Mulheres que não falam sueco têm dificul- postas a procurar ajuda foram mais propensas
dades em procurar cuidados de saúde, devido a a contar suas histórias de vida, inclusive sobre
problemas de comunicação”32. questões relacionadas à sexualidade, e conside-
“[…] mulheres tinham dificuldades em des- raram que a ajuda profissional melhorou a qua-
crever seus problemas e compreender as infor- lidade de vida37,38.
mações sobre as prescrições e outras opções de “Embora não fossem diretamente convida-
tratamento, o que poderia levar a uma situação das a descrever suas experiências com sexualida-
em que a ajuda esperada não se concretizasse”32. de e IU […] algumas que falaram sobre assun-
“[…] se você tem um médico muçulmano, tos de sexualidade e intimidade focaram em como
então ele entende os procedimentos [...] ‘excelen- as experiências sexuais do passado poderiam ser
te, vamos mudar para um médico muçul- responsáveis ou estar conectadas com sua IU”37.
mano’”39. “[...] idosas incontinentes (que participaram
Limitações causadas pela IU – as mulheres de estudo com um tipo de tratamento conserva-
eram tomadas pela sensação de impotência em dor para IU) perceberam sua qualidade de vida
relação às limitações que a perda urinária causa- de maneira positiva”38.
va em suas rotinas diárias32. Pensamentos positivos – algumas mulheres
“Às vezes, quando você está viajando, não é expressaram o sentimento de que, apesar de se-
possível chegar a um banheiro. Se não há um rem incontinentes, acreditavam em respostas e
banheiro, eu me molho toda [...] não importa curas no futuro ou que aprenderiam a conviver
onde estou, se tiver de urinar, então tenho que com esta situação de maneira satisfatória43.
chegar a um banheiro, caso contrário, a urina “Eu tenho fé que vão desenvolver algo [...]
vaza”32. estou esperando o momento que, quando eu es-
tiver realmente na fase incontinente, eles tenham
algo para fazer a respeito disto”43.
2710
Volkmer C et al.

“Toda vez que ela tem uma má experiência, car solução, o que acarretou na opção pelo cui-
aprende a partir dela e continua a se mover em dado profissional e na resolução do problema34.
direção à melhoria ou bem-estar”43. “Este estudo destaca as experiências multifa-
Processo de vitimização – houve relatos de cetadas e em curso de mulheres vivendo com UI
mulheres que enfatizaram que a IU é apenas uma [...] descreveram partilha, gestão, preocupação,
parte na longa história de vida, muitas vezes procura, encontro com os prestadores de cuida-
marcada por vários problemas de saúde, por dos de saúde e resolução do problema”34.
abusos sofridos por homens, membros da fa- Ainda podemos ressaltar um terceiro estudo,
mília e sociedade. Estas mulheres não demons- demonstrando que as mulheres incontinentes
traram interesse em cuidado profissional e, ape- descreveram o ciclo experencial em três passos:
sar de conseguirem identificar estratégias de ma- 1º- controlar a situação, por meio do uso de es-
nejo da IU, foram incapazes de tomar atitudes tratégias, cuidados e planejamento; 2º- aceitar a
em busca de melhoria ou bem-estar43. IU, mediante a manutenção do controle adquiri-
“Suas memórias de IU [...] são dolorosas. do; 3º- normalizar a situação, quando as restri-
Ela vive com múltiplos problemas de saúde, mas ções passavam a ser consideradas como rotinei-
sua narrativa raramente inclui profissionais da ras e normais. Através da normalidade garanti-
saúde. Ao contrário, ela foca em ‘abuso’ e ‘vitimi- da, as mulheres reduziam a ameaça à autoestima
zação’ […]”43. e conduziam a vida normalmente. Estas mulhe-
“[…] durante a segunda entrevista, a Sra. R. res optaram por experienciar a IU sem apoio
foi perguntada se poderia dar um título ou nome profissional, ao contrário das mulheres dos dois
para sua história de UI. Sem hesitar, ela disse: estudos anteriores44.
“Eu tenho [...], ‘minha vagina tem sido muito “[...] elas poderiam ajustar suas rotinas para
utilizada’ (Risos)”43. se manter no controle do processo de eliminação
urinária e, assim, conter as ameaças à autoesti-
Ciclo experencial ma. Se as mulheres estavam no comando, era
possível aceitar a IU e levar uma vida ‘normal’”44.
Foi possível observar que três estudos abor-
daram a experiência das mulheres incontinentes Proposta de modelos
através de situações e momentos conectados e para assistência a mulheres incontinentes
progressivos, que passamos a denominar “ciclo
experencial”, e que geralmente envolviam um pro- Além das experiências das mulheres inconti-
cesso com princípio, desenvolvimento e desfecho nentes, propostas de modelos de assistência tam-
em relação à condição de perda urinária, porém bém foram encontradas nos resultados, na ten-
através de diferentes percursos e alternativas34,40,44. tativa de auxiliar os profissionais de saúde na
Um dos estudos demonstrou que as mulhe- abordagem deste tema. Os quais foram organi-
res estiveram primeiramente em uma situação zados em duas subcategorias: cultural e compor-
de vulnerabilidade, que acabou por desencadear tamental.
uma série de sentimentos negativos, mas que, a
partir da conscientização da dificuldade vivenci- Modelo cultural
ada, elas buscaram estratégias para controlar o
problema. Após conseguirem o controle, passa- A proposta de desenvolver um modelo cul-
ram a compreender e a aceitar a situação, se fa- tural teve o intuito de preparar os profissionais
miliarizando com as limitações e com as novas de saúde no sentido de ajudar mulheres inconti-
necessidades40. nentes na definição de suas experiências com a
“[…] o significado da experiência de vida das IU. A contribuição para o entendimento de que
mulheres com IU é a impotência [...] estar em as percepções das mulheres incontinentes são
uma situação vulnerável […]. Entretanto, mu- distintas das percepções dos profissionais envol-
lheres no presente estudo estão se esforçando vidos nesta área surgiu mediante a interpretação
para o ajuste e para controlar a IU, recuperando das narrativas das mulheres participantes e das
o poder”40. representações dos meios de comunicação sobre
No entanto, também ficou evidente em ou- a IU feminina42.
tro estudo que algumas mulheres optaram por, O modelo cultural construído pelas mulheres
em primeiro lugar, compartilhar a situação e ten- representou uma questão de gênero, pois elas acre-
tar se adequar à nova rotina, mas não deixando ditaram que perdiam a “autoridade”, ou o respei-
de se preocupar com a perda urinária e indo bus- to da sociedade, por serem incontinentes, e que a
2711

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IU era uma condição feminina inevitável, associa- ram, de forma implícita, da análise dos resulta-
da à sujeira, impureza, imoralidade e velhice. Por dos das pesquisas qualitativas.
outro lado, o modelo cultural profissional cons- A IU gera a necessidade de reestruturação da
truído pela mídia foi consistente com a compre- vida pessoal, pois afeta a vida das mulheres de
ensão biomédica da IU, ou seja, de que as mulhe- maneira complexa e diferenciada, exigindo que as
res incontinentes são normais, jovens, frescas e mesmas usem estratégias de adaptações na esfera
limpas42. O estudo analisado mostrou que existe física, além de provocar sentimentos e emoções
diferença entre o modelo construído pelas mu- inusitados. A decisão de tomar ou não alguma
lheres e pela mídia. Os profissionais envolvidos atitude frente ao problema está ligada a experiên-
nas questões da IU feminina devem estar prepa- cias anteriores, pessoais ou de pessoas próximas
rados para o fato de muitas mulheres optarem conhecidas, que são responsáveis pelas concep-
por viver com a perda urinária e, muitas vezes, ções particulares acerca das causas e tratamentos
decidirem não procurar apoio profissional42. disponíveis da IU. A mulher passa a viver em fun-
“[…] as narrativas das mulheres fornecem ção da perda de urina e das implicações que a
um método para acomodar semelhanças e dife- mesma provoca, muitas vezes optando pelo iso-
renças entre modelos leigos e profissionais para lamento social e modificando sua rotina pessoal
a IU feminina”42. na tentativa de levar uma vida normal.
Aprender a lidar com as dificuldades impos-
Modelo comportamental tas pela perda urinária, descobrir modos de en-
frentamento, com ou sem ajuda profissional,
Um dos estudos realizou entrevistas com além de viver uma turbulência e infinidade de
mulheres incontinentes guiadas por um modelo sentimentos, acaba por interferir definitivamen-
embasado na Terapia de Comportamento Geral, te na rotina diária das mulheres, motivando alte-
o “Care-Seeking Behaviour” (CSB). O intuito da rações profundas nos hábitos de vida, principal-
pesquisa era entender o comportamento por mente nas questões pessoais e sociais. Muitas
busca de cuidado destas mulheres, aplicando um vezes esta reestruturação acontece de forma “au-
instrumento que envolvia aspectos psicossociais tomática”, sem envolver reflexões, mas as mulhe-
(afeto, expectativas e valores), condições facilita- res acabam se adaptando a esta nova situação de
doras, além de fatores clínicos e sociodemográfi- ser incontinente. Embora a vida esteja reestrutu-
cos41. As mulheres demonstraram o desejo de rada, isto não significa encontrar a solução para
serem ativamente questionadas sobre a IU e que, o problema.
quando os profissionais as abordavam de for-
ma direta, elas se sentiam compreendidas. Ficou
evidente que o medo de sofrer humilhação inibiu Discussão
o comportamento por busca de cuidado e que a
utilização do modelo CSB nas consultas de en- Os resultados apontam que as experiências de
fermagem pode auxiliar as enfermeiras a enten- mulheres incontinentes participantes dos estu-
der e a explorar o comportamento por busca de dos qualitativos estiveram relacionadas com as
cuidado de mulheres incontinentes41. dificuldades em lidar com a IU, principalmente
“As mulheres, neste estudo, indicaram que o quanto ao impacto negativo que esta condição
medo de humilhação inibiu-as de procurar ajuda acarreta nas esferas emocional e física, e ainda,
para a IU à longo prazo. […] incluindo os efeitos quanto à tendência das mulheres em subestimar
desta situação em suas vidas sexuais, e como seu este problema. Os sentimentos de regressão à
CSB tem sido influenciado negativamente”41. infância e de constrangimento pelo fato de ser
incontinente afetam a autoestima das mulheres,
Metacategoria: que, muitas vezes, preferem não compartilhar o
Reestruturação da vida pessoal problema e viver em silêncio, resultando em isola-
mento social45,46.
Na síntese metaetnográfica, o processo indu- Além disso, as concepções sobre as causas da
tivo da interpretação dos estudos analisados re- perda urinária, o acesso ao cuidado profissional,
sultou em categorias, que expressaram analogi- a descrença nos tratamentos disponíveis, as dife-
as referentes a questões levantadas nos referidos renças culturais e as limitações impostas foram
estudos. Além disso, surgiu uma nova categoria, outros fatores dificultadores que emergiram dos
denominada metacategoria: reestruturação da estudos analisados. Quanto às possíveis causas
vida pessoal, pois envolveu temas que emergi- da IU, segundo Melville et al.47, metade das mu-
2712
Volkmer C et al.

lheres estudadas relacionou o início das perdas médicos eram incongruentes com seus desejos e
urinárias às disfunções do assoalho pélvico ou sugeriram métodos não-invasivos, como exercí-
da bexiga, enquanto outras consideraram que o cios perineais e perda de peso. As mulheres afir-
estilo de vida ou atributos pessoais (estar acima mam que procuram auxílio profissional quando
do peso, beber líquido em excesso e esperar mui- percebem que seus sintomas são graves o sufici-
to tempo para urinar), ou ainda, envelhecimen- ente para esta atitude49. A maioria das mulheres
to, hereditariedade, medicações, gestações e me- demonstra preferência por médicos do sexo fe-
nopausa também eram responsáveis pelo pro- minino e quando encaminhadas a outros profis-
blema. A maioria das mulheres do estudo citado sionais da saúde, como fisioterapeutas, relatam
acreditava que a IU era simplesmente uma parte dificuldade em compreender a razão dos exercí-
normal de ser mulher, fato observado em gran- cios perineais e a incapacidade de realizá-los re-
de parte dos estudos qualitativos analisados nesta gularmente, ou ainda, em observar os benefícios
revisão. dos mesmos50.
A questão cultural também foi abordada no O motivo das mulheres optarem por não
estudo de Li et al.48, que retratou as influências buscar tratamento, mantendo a situação de so-
das normas culturais chinesas e o estigma social frimento e a necessidade de constantes adapta-
em torno da IU, demonstrando que a mesma é ções, pode ser atribuído à desesperança, à de-
uma situação considerada humilhante e muito pressão e ao constrangimento de ter que com-
vergonhosa para ser revelada a outros indivídu- partilhar sua condição com outros indivíduos.
os. Mulheres com cultura muçulmana que vivi- O processo de negação e de evitar admitir a con-
am em países europeus relataram a interferência dição levam as sofredoras a um desgaste físico e
da IU nas rotinas religiosas, além da crença de emocional acentuado51. No entanto, mulheres
que não deveriam abordar este assunto com os muçulmanas acreditam que as doenças são de-
maridos, devido ao grande papel da vergonha signadas por Deus (Alá) e, da mesma forma, têm
na diferença entre os sexos nas culturas muçul- fé de que a IU, assim como qualquer outra enfer-
manas, associados ao fato da cultura desencora- midade, pode ser curada por Deus e confiam na
jar a consulta de mulheres com médicos do sexo cura do problema, demonstrando expectativas
masculino49,50. positivas50.
As experiências das mulheres incontinentes O modo de vivenciar a IU, mediante um ciclo
também fazem referência ao modo de enfrenta- experencial, apresentado por mulheres de alguns
mento da IU e uma das formas mais recorrentes dos estudos analisados é similar às experiências
de lidar com o problema foi a autogestão das de mulheres do estudo de MacDonald e Butller45,
perdas urinárias. As estratégias próprias para que iniciaram o processo através da quebra do
controle da IU estão relacionadas ao uso de ab- silêncio em relação à perda urinária. Em seguida,
sorventes, utilização frequente de banheiros, di- passaram a usar estratégias para enfrentar as
minuição da ingesta hídrica e ao fato de deixar de dificuldades e a aceitar apoio profissional, bus-
realizar algumas atividades, embora o medo e a cando uma melhor qualidade de vida.
preocupação em falhar na escolha e na imple- A preocupação com a maneira com que pro-
mentação das estratégias possam aumentar a fissionais de saúde auxiliam mulheres inconti-
ansiedade das mulheres incontinentes48,51. As vi- nentes trouxe à luz duas propostas de modelos
vências de diferentes significados da IU para cada de assistência. Uma delas mostra como o mode-
indivíduo acabam determinando formas dife- lo cultural construído pelas mulheres incontinen-
renciadas de autocuidado, muitas vezes com as tes difere daquele profissional construído pela
mulheres desprezando o apoio de profissionais mídia. Skoner e Haylor52 também assinalam que
de saúde, pois o sucesso do uso das estratégias as mulheres percebem e lidam com a IU de modo
pode contribuir para que o problema não seja diferente da comunidade médica. Mulheres nor-
revelado27. Deste modo, podemos perceber que malizam a IU, enquanto os profissionais a medi-
a autogestão da IU é motivada por um desejo de calizam, as mulheres lidam com a IU dentro de
viver as vidas tão normalmente quanto possível, um padrão de normalidade e os profissionais
a despeito de ser incontinente52. lidam com um padrão de enfermidade.
Outra forma de enfrentar a IU foi a busca Do ponto de vista da prevenção da IU femi-
por apoio profissional, no entanto, o estudo de nina, não foi observado nos estudos analisados
Skoner e Haylor52 mostrou que as mulheres que a abordagem deste tema pelas mulheres partici-
tomaram esta atitude tiveram o entendimento pantes. Contudo, o de Shamlyan et al.10 aponta
de que os tratamentos invasivos oferecidos pelos que mudanças no estilo de vida poderiam evitar
2713

Ciência & Saúde Coletiva, 17(10):2703-2715, 2012


casos de IU de esforço e que treinamentos de exer- Considerações finais
cícios perineais poderiam evitar episódios de IU
em geral. E, ainda, a revisão de literatura realiza- Em síntese, independente do cenário de pesqui-
da por Bronstrom e Lose4 evidencia que as mu- sa, os resultados obtidos nas pesquisas qualita-
lheres devem ser encorajadas a realizar exercícios tivas publicadas sobre a IU feminina mostram
perineais de forma regular, tanto para prevenção que as mulheres incontinentes apresentam simi-
quanto para tratamento da IU. laridades em relação à percepção da IU, pois en-
Consideramos importante tecer algumas contram dificuldades em lidar com a mesma,
considerações a respeito das limitações na elabo- apresentam modos de enfrentar o problema e
ração desta revisão: a) a delimitação dos idiomas vivenciam um ciclo experiencial complexo. Além
(inglês, português e espanhol) de busca pode ter disso, observamos a preocupação de pesquisa-
eliminado algumas pesquisas na área de interes- dores envolvidos em dois estudos em apresentar
se; b) a exclusão de trabalhos não indexados, propostas de modelos de assistência à mulheres
como capítulos de livros e teses e/ou disserta- incontinentes. Os estudos ainda indicam a dis-
ções, também pode ter implicado no número glo- tância entre a vivência das mulheres incontinen-
bal de estudos analisados; c) os estudos encon- tes em relação à família e à sociedade, pois elas
trados e analisados não consideravam as per- preferem enfrentar o problema sozinhas e, mui-
cepções dos familiares, nem a dos profissionais tas vezes, adotando a “tática do silêncio”. Desta
envolvidos, limitando os achados aos significa- forma, os resultados apontam para a necessida-
dos da IU para as mulheres incontinentes. Em de de conhecimento acerca das percepções dos
relação aos aspectos positivos, ficou evidente que familiares e dos profissionais envolvidos no cui-
a utilização do CASP30, para a avaliação crítica dado à mulher incontinente, com o intuito de
metodológica dos estudos, possibilitou o rigor e melhorar o entendimento das consequências pes-
a credibilidade necessários para uma revisão sis- soais, familiares e sociais desta condição.
temática de estudos qualitativos.

Colaboradores

C Volkmer, M Monticelli, KS Reibnitz, OM Brügge-


mann e FF Sperandio participaram igualmente
de todas as etapas de elaboração do artigo.
2714
Volkmer C et al.

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