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A fotografia como evidência da evanescência da memória urbana:


O caso do Bairro Campinas, em Goiânia/GO.
Wagner de Souza Rezende1
Resumo

Considerando que o indivíduo atravessa momentos de vazios mnemônicos cada vez mais intensos na
contemporaneidade – principalmente em meio ao constante bombardeio de informações midiatizadas – os núcleos
urbanos têm vivenciado a perda da identidade local. Entre as imagens alegóricas, ou simbólicas, e a
fotografia-documento se configura a memória urbana. Desde o advento da fotografia, a cidade tem sido
sistematicamente esquadrinhada em todos os seus detalhes pelas câmeras fotográficas. Retratos, panoramas,
instantâneos e álbuns de família. Que relações seriam possíveis identificar entre os fatos históricos e suas
representações visuais mais superficiais, as fotografias? Assim, pretendo explorar as transformações dessa
cidade/bairro ao longo de sua existência usando de “fotomontagens”, estudando a relação entre a realidade urbana e sua
representação visual. Como resultado disso, situações bipolares são apresentadas: a ordem e o caos; o novo e o velho
(usado, descartado, reciclado), entre outras. Esses conjuntos de imagens fotográficas, ora “perfeitamente” objetivas, ora
imersas em subjetividade, se prestam a interpretações imagéticas heterodoxas. Mesmo em se tratando de uma
sociedade da imagem, são poucas as imagens disponíveis do bairro Campinas, em Goiânia, principalmente enquanto
era uma pequena cidade do interior de Goiás. Grande parte dos campineiros ainda mantém álbuns de família,
panoramas e, quem sabe, até flagrantes do cotidiano campinense. Provavelmente em virtude de seu isolamento e
pobreza, a antiga cidade de Campinas, não nos deixou muitas referências históricas visuais. Após mais de um século de
vida sem documentação fotográfica, Campinas iniciou uma época de grande prosperidade e foi documentada
extensamente depois de decidida a sua situação de não-cidade. O fato é que pouco se divulgou do conjunto fotográfico
da cidade até a década de 1930. Transformada em bairro após a inauguração de Goiânia, em 1937, a antiga cidade de
Campinas constitui hoje, o principal centro comercial, da capital. Convive diariamente com o intenso fluxo de veículos
e pedestres. A congestão urbana encontra-se materializada em sua visibilidade, na qual os painéis e letreiros tomam a
forma de edifícios.

1. O indivíduo urbano e os vazios mnemônicos.

Considerando que o indivíduo atravessa momentos de vazios mnemônicos cada vez mais intensos na
contemporaneidade – principalmente em meio ao constante bombardeio de informações midiatizadas – os núcleos
urbanos têm vivenciado a perda da identidade local. As narrativas, em suas mais diversas formas de apresentação, são
essenciais no processo de cristalização de conexões entre o ser humano e os espaços urbanos. Esquizofrenia e a perda
de identidade local, bem como a perda de conexões entre memória e sociedade já foram alvo de extensa crítica na
historiografia das cidades, como tem sido extensamente discutido nas teorias das cidades durante o Século XX. Se em

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Professor Assistente na Faculdade de Artes Visuais – Universidade Federal de Goiânia.
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casos de vasta documentação fotográfica o problema da interpretação toma a forma de crítica sócio-cultural e política,
o que dizer da falta de registros visuais? Como avaliar a historiografia de um lugar cujas primeiras imagens públicas
relevantes são aquelas da sua extinção?
Os vazios mnemônicos se configuram de várias maneiras neste bairro/cidade denominado Campinas. Onde era uma
cidade e não há mais a instituição do poder imediato do Estado na pessoa do Prefeito. Quando era uma cidade e não há
indícios imagéticos apreciáveis. Da curta duração como sede do governo e do valor simbólico para as gerações futuras.
Em que medida Campinas, antiga cidade de Goiás e, hoje, um dos principais bairros de Goiânia, transformou-se em
zona de convergências topológicas? Paralelamente à realidade concreta, apoiada na cultura material e resultante da
evolução urbana desde a transferência da capital de Goiás, em 1937, há também o desenvolvimento de uma cultura
imaterial que se insere na rotina urbana das memórias dos antigos moradores e comerciantes da região. É interessante
observar que, no caso de Campinas, a memória urbana não encontrou na cultura visual um suporte tão adequado
quanto em narrativas textuais e na oralidade dos moradores. Quais as razões? É certo que, após a construção da nova
capital, todas as atenções se voltaram para Goiânia interessando apenas ao poder público a representação do
desenvolvimento e sua conexão física com os núcleos originais na topografia urbana. Assim, Campinas, aparentemente
pouco fotografada enquanto cidade continuou negligenciada diante da visualidade monumental dos espaços de
Goiânia.
Alguns dos moradores locais, escritores, antigos campineiros, apresentaram alguns elementos característicos dessa
transformação e responderam a algumas questões elementares que um estudioso das cidades poderia levantar: “como?
por quê? quando tudo começou?”. Sabe-se que a cidade tem sido objeto preferencial da fotografia desde sua origem.
Ao lado do cinema, os fotógrafos inventariaram, ao longo dos séculos, as transformações sócio-culturais, estéticas,
éticas, produtivas e etnográficas ocorridas na estrutura polissêmica das cidades na história.
Diz-se nos principais livros publicados sobre o Bairro Campinas – ver Horieste Gomes (Lembranças da Terrinha,
2002), Antônio Moreira (Campininha das Flores e sua História, 2011) e José Mendonça Teles, (Crônicas da
Campininha, 1996) – que em 1824 o povoado de Campininha das Flores era constituído por 11 casas e uma capela
dedicada a N. S. da Conceição, além de três engenhos, 34 roças e uma fazenda de gado. Elevada, em 1914, à categoria
de cidade, Campinas ainda era um lugar sem expectativas grandiosas e pouco mais de mil habitantes. Pelo Decreto nº
327, de 2 de agosto de 1935, organizou-se o Município de Nova Capital, que recebeu o topônimo de Goiânia, sugerido
pelo Professor Alfredo de Faria Castro.

2. Inauguração de Goiânia e o Bairro Campinas

O Bairro Campinas, em Goiânia, desde 1937 tem se destacado como o mais importante setor comercial de Goiânia.
Mas não foi sempre assim. Nas primeiras décadas do Século XX, antes da construção da nova capital de Goiás,
Campinas era uma pequena cidade com menos de quatro mil habitantes. Transformada em bairro após a inauguração
de Goiânia, em 1936, a antiga cidade de Campinas constitui hoje, o principal centro comercial da capital. Convive
diariamente com o intenso fluxo de veículos e pedestres. A congestão urbana encontra-se materializada em sua
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visibilidade, na qual os painéis e letreiros tomam a forma de edifícios.


Campinas: os lugares e as imagens. Novas topologias e iconografias. Campinas é, desde 1937, um importante setor
predominantemente comercial de Goiânia, mas não foi sempre assim. Antes da construção da nova capital de Goiás,
Campinas era uma pequena cidade com cerca de quatro mil habitantes. A Matriz de Campinas, situada na Praça Santo
Afonso, dominava o horizonte e foi por muito tempo principal ponto de referência dos moradores.
Hoje, ao caminhar pelas suas ruas e observar o fluxo interminável de pessoas devido ao comércio, não é mais possível
imaginar como era a cidade. Encontrar sob as fachadas das lojas algum indício da identidade original de Campinas é
um dos nossos objetivos. O conceito de Fato Urbano também seria interessante nessa questão. Que relações seriam
possíveis identificar entre os fatos históricos e suas representações visuais mais superficiais, as fotografias?

3. Entre as imagens alegóricas, ou simbólicas, e a fotografia-documento se configura a memória urbana.

Que usos e funções podem ter fotografias antigas? Podemos dizer que, em pleno Séc. XXI uma das funções das fotos
antigas é servir de atestado memorial de determinados momentos e eventos sociais. Quando há escassez dessas
evidências visuais, que elementos poderiam preencher tais lacunas, visto que não há traços de outras representações do
espaço urbano? As narrativas históricas mais contundentes foram escritas pelos moradores somente 150 anos depois da
formação do núcleo original. Talvez a condição econômica precária impedisse o registro fotográfico de festas
religiosas, paisagens e eventos sociais em Campinas, mas o que dizer da ausência de textos anteriores a 1937? Se a
idéia de posse simbólica do mundo pela fotografia é um argumento válido e inquestionável, o que dizer de um lugar
sem referências visuais? Se a fotografia tornou-se um bem de consumo das grandes cidades, ainda no Séc. XIX, como
foi o caso de Goiás, Campinas permaneceu no ostracismo. Diante dos novos estudos sobre as diversas visualidades
possíveis nas cidades, a memória urbana e as imagens alegóricas, ou simbólicas, têm sido consideradas ingênuas diante
da fotografia-documental.
O arquivo fotográfico de Campinas até 1937 não passa de algumas dezenas de fotos distribuídas em álbuns familiares.
O que dizer da memória de uma cidade sem referências históricas, seja textual ou visual? As fotos, nas palavras de
Susan Sontag, “são apreciadas porque dão informações, dizem o que existe, fazem um inventário” (SONTAG,
2004:32). Este “inventário” começou a ser constituído de fato na construção de Goiânia, que passou a ser o padrão
estético a ser seguido nas fotografias. E Campinas, que não tinha um conjunto de referências temporais, se destaca no
cenário regional no momento em que Goiânia também crescia.
Apesar do acelerado processo de difusão da fotografia no Brasil paralelamente ao desenvolvimento das técnicas
fotográficas na França, a penetração desse novo meio de documentação visual no interior do país somente se iniciou no
início do Século XX. No caso específico de Goiás, os pioneiros nessa atividade provavelmente iniciaram o trabalho em
Vila Boa de Goiás, antiga capital do estado. Um desses pioneiros foi José Alencastro Veiga, nascido na cidade de
Goiás (1878 – 1951). Foi comerciante e fotógrafo proprietário da Casa Alencastro Veiga, fundada pelo seu pai Joaquim
Gustavo da Veiga Jardim em 1898. O Estúdio Fotográfico Alencastro Veiga localizado à Rua Americano do Brasil, foi
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inaugurado em 1901 e funcionou por 71 anos, graças ao empenho de seus filhos Carlos e Suzana Alencastro Veiga.
Provavelmente, muitas das fotografias registradas até o fim do Século XIX são de autoria de fotógrafos em missões de
pesquisa ou reconhecimento da região Centro-Oeste. A mudança da capital, efetivada em 1937, deixou uma lacuna,
ainda não totalmente resolvida, na história da fotografia da região. Rosana Horio Monteiro, em seu artigo sobre os
pioneiros da fotografia em Goiânia ilustra a questão:

Sobre a história da fotografia em Goiás há ainda poucos registros. O Museu da Imagem e do Som (MIS-GO)
desenvolveu um projeto de divulgação das manifestações iniciais da fotografia em Goiânia, intitulado Pioneiros
da Fotografia em Goiânia (2002), com ênfase no período correspondente ao da construção da cidade, de 1933 a
1950. Foram identificados doze fotógrafos, dos quais somente Hélio de Oliveira ainda está vivo (MONTEIRO,
2008: 89).

Goiânia, desde sua inauguração, tem sido sistematicamente esquadrinhada em todos os seus detalhes pelas câmeras
fotográficas. Fomentados pelo poder público, pelos Jornais da época, ou instalados em ateliês particulares, os
fotógrafos foram atraídos pela modernidade da nova capital de Goiás.
Um dos mais importantes fotógrafos de Goiânia, Hélio de Oliveira é dono do maior acervo fotográfico que registrou a
construção da capital goiana. Ainda vivo nos dias atuais, o fotógrafo já foi objeto de pesquisas acadêmicas e de um
filme documentário. O filme documentário “H. O. – Memórias de Arquivo” (2007), dirigido por Raimundo Alves foi
exibido em diversos locais da cidade, mas encontra-se atualmente esquecido. A importância desta obra está na
experiência mnemônico-narrativa construída pela relação entre um fotógrafo, suas fotografias e a história de Goiânia.
Entretanto, as poucas referências do Bairro Campinas, moradia do fotógrafo, nos fazem refletir. Se, como diz o
sociólogo francês Maurice Halbwachs (2004), a memória individual é constituída a partir de uma memória coletiva,
partindo da idéia de que toda impressão é formada no interior de um grupo. No entanto, a escassez de registros de
Campinas, de autoria do próprio Hélio de Oliveira indica uma alienação em relação ao próprio lugar de origem. O
olhar se fixa fora do núcleo social em que vive e mantém relações sociais. O filme apenas confirma esse fato, ao
mostrar como primeiras fotos as imagens da construção de Goiânia. Todos os processos sócio-culturais, econômicos e
estéticos presentes no filme através das memórias e fotografias do fotógrafo Hélio de Oliveira, nos informam sobre
traços, sinais, características de uma “cultura goiana” que, diante as reflexões que compõe este trabalho, mostra-se
dinâmica e ininterruptamente (re)configurada em consonância com processos mais amplos.

4. A cidade e a fotomontagem, ou o cinema-documentário.

Do estudo dessa trama urbana, surgiu a idéia de um filme-documentário. Apresento, por meio de oposições entre
pontos de vista, narrativas visuais do lugar. Assim, pretendo explorar essa cidade/bairro empregando a técnica de
fotomontagem, explorando a relação entre realidade urbana e representação visual. Como resultado disso, situações
bipolares são apresentadas: a ordem e o caos; o novo e o velho (usado, descartado, reciclado), entre outras.
O filme terá uma narrativa com cenas estruturadas a partir de percursos nas principais ruas e avenidas de Campinas, na
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tentativa de inserir o espectador nas situações do cotidiano, ao mesmo tempo representando outras temporalidades nos
mesmos espaços. Assim, os movimentos de câmera serão definidos de modo a definir um passeio pelo bairro,
simulando a deriva imagética e mnemônica de um visitante interessado em conhecer a história do lugar em contato
com sua realidade material e visual. Presente e passado serão apresentados diante dos olhos do visitante, enquanto um
narrador – em off – discursa sobre as transformações da cidade, apoiado em depoimentos de moradores. A narrativa
fílmica será definida, em parte pelo percurso do visitante, em parte pela montagem cinematográfica orientada pelas
oposições passado-presente, material-visual, indivíduo-multidão, urbano-vazios.
O objetivo principal deste projeto é levar o espectador a uma viagem no tempo enquanto as imagens atuais e antigas
deste bairro/cidade possibilitam traçar um mapa imaginário da sua construção/transformação. Busca-se trazer à tona a
dinâmica social da região ao longo dos últimos 50 anos, enfatizando o papel dos campineiros originais, das
personalidades, do estrangeiro, do forasteiro e daqueles que foram e são apenas sujeitos transitórios.

5. Esses conjuntos de imagens fotográficas, ora “perfeitamente” objetivas, ora imersas em subjetividade, se
prestam a interpretações visuais.

Mesmo em se tratando de uma sociedade da imagem, são poucas as imagens disponíveis do bairro Campinas, em
Goiânia, principalmente enquanto era uma pequena cidade do interior de Goiás. Grande parte dos campineiros ainda
mantém álbuns de família, panoramas e, quem sabe, até flagrantes do cotidiano campinense. O fato é que pouco se
divulgou do conjunto fotográfico da cidade até a década de 1930. Mesmo a mais perfeita foto não é senão um indício
de dada realidade, em certa medida uma abstração, mesmo que figurativa. Provavelmente, em virtude de seu
isolamento e pobreza, Campinas, a cidade de Goiás, foi extensamente fotografada depois de decidida a sua situação de
não-cidade. A escolha do local para implantação da nova capital de Goiás marcou um lapso temporal de grande
prosperidade para Campinas, após mais de um século de existência no ocaso, após mais de um século de vida sem
documentação fotográfica. “A alegação de que vivemos em uma sociedade do espetáculo, vigilância e simulacros não é
meramente uma visão da crítica cultural avançada” (MITCHELL, 1996: 73).

6. Fotografias
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Figura 1 – Imagem de Satélite do Bairro Campinas, em Goiânia. Google Earth. Acesso em 12/01/2012.

Figura 2 - Antigo Coreto na Praça Joaquim Lúcio, Goiânia. Sílvio Berto. 1940. Acervo MIS-GO.

Figura 3 - Antigo Coreto, Praça Joaquim Lúcio. Sílvio Berto. 1940. Acervo MIS-GO.
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Figura 4 - Coreto na Praça Joaquim Lúcio. Wagner Rezende. 12/01/2012. Acervo pessoal.

Figura 5 - Palace Hotel, em Campinas. Fotógrafo desconhecido.

Figura 6 - Biblioteca Cora Coralina. Wagner Rezende. 12/01/2012. Acervo pessoal.


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Figura 7 - Lotação de Campinas a Goiânia. Fotógrafo desconhecido.

Figura 8 – Antiga Matriz de Campinas, demolida na década de 1960. Fotógrafo desconhecido.

Figura 9 - Matriz de Campinas. Wagner Rezende. 212/01/012. Acervo pessoal.

7. Referências
FABRIS, Annateresa. Organização. Fotografia: usos e funções no século XIX. EDUSP. São Paulo: 2008.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Centauro Editora. São Paulo, 2004
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HALL, S. A Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP e A Editora. 2001.


MONTEIRO, Rosana Horio. A fotografia em Goiânia nas primeiras décadas do Século XX. In: Revista UFG, ano X,
N. 5. Goiânia: Dezembro de 2008.
SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. Companhia das Letras. São Paulo, 2004.
MITCHELL, W. T. J. October, Vol. 77. (Summer, 1996), pp. 71-82.
MOREIRA, Antônio. Campininha das Flores e sua História. Editora Scala. Goiânia: 2010.
GOMES, Horieste. Lembranças da Terrinha. Editora do Autor. Goiânia: 2002.
TELES, José Mendonça. Crônicas da Campininha. Editora Kelps. Goiânia: 2006.

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