Estamos perante uma situação em que houve um acidente de viação que, em
simultâneo foi um acidente de trabalho. Na sequência da respectivas acções, de responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação e na acção emergente de acidente de trabalho foram fixadas ao sinistrado duas indemnizações. Na acção emergente de acidente de trabalho foi-lhe fixada uma pensão vitalícia anual e actualizável, decorrente de uma IPP de 36,9%, que era de 3.115,10 euros (já actualizada). Na acção de responsabilidade civil extracontratual foi fixada uma indemnização ao trabalhador de 80.000,00 euros, aos quais o tribunal decidiu subtrair o valor de 22.112,70 euros, que correspondiam ao valor global referente à remição parcial de capital e às pensões já pagas até àquela data fundadas no acidente de trabalho. A seguradora da entidade empregadora intentou uma acção em Tribunal contra o sinistrado, tendo peticionado que fosse exonerada do das suas responsabilidades de pagamento da pensão anual vitalícia e actualizável, ou subsidiariamente que fosse declarada a exoneração parcial da sua responsabilidade, pelo menos até à quantia de 57.887,30 euros, que resulta da subtracção do valor de pensões já pagas ao valor total da indemnização. Ou seja, neste pedido subsidiário a seguradora pretendia, no fundo, que o tribunal declarasse que até os valores anuais da pensão a que a seguradora estava onerada em efectuar o pagamento perfizesse no seu total o valor 57.887,30 euros, esta ficasse eximida do seu pagamento ao sinistrado. O sinistrado contestou esta posição alegando que o que resulta da sentença da acção de responsabilidade civil é apenas a dedução dos valores já percebidos pelo sinistrado a título de pensões que não abarcava os valores que este ainda viesse a receber a este título. A sentença em 1ª instância considerou a acção parcialmente procedente e condenou o sinistrado a reconhecer que o pagamento da pensão anual decorrente do acidente de trabalho se encontrava suspensa até perfazer o valor de 57.887,30 euros, a partir do trânsito em julgado da decisão. O sinistrado interpôs recurso, tem como base a alegação de que se tratavam de indemnizações atribuídas a títulos diferentes, e desde logo porque no processo de acidente de trabalho lhe foi atribuída uma IPP de 36,9% enquanto no processo do acidente de viação se declarou que este tinha ficado incapacitado para o exercício da sua actividade profissional habitual e que diz respeito a uma perda de ganho, e por isso fudamentalmente diversa da indemnização pela IPP atribuída no processo de acidente de trabalho que resulta de uma incapacidade parcial para o desempenho das funções. O Tribunal da Relação veio a decidir no mesmo sentido que a 1ª instância já havia decidido. Nos termos da LAT, actualmente o art.º 17º (31º da LAT de 97) é aplicável a estas questões. O caso é de um acidente de viação e de trabalho provocado por facto ilícito de terceiro. Nestes casos, e de acordo com o art.º 17/1 da LAT o sinistrado adquire 2 direitos: pelo risco (objectivo) perante o empregador e pelo facto ilícito e culposo perante o terceiro que causou o sinistro. Mas o art.º 17/2 e 3 tem implícito que essas indemnizações não se cumulam entre si. O art.º 17/2 refere que se a indemnização pelo facto danoso do terceiro for superior à devida pelo empregador, este se considera desonerado do seu dever, tendo ainda direito a ser indemnizado por parte do sinistrado pelas quantias que tenha despendido. O art.º 17/3 refere que se o valor da indemnização devida pelo terceiro for inferior ao valor devido ao empregador, este fica exonerado da indemnização até ao montante da indemnização devida ao terceiro, cabendo-lhe pagar o remanescente. Pelo mesmo facto danoso podem responder, e respondem diferentes sujeitos, mas as indemnizações não são cumuláveis. No caso o sinistrado já recebeu a indemnização por parte do terceiro. O dano é mesmo e a razão de fundo que fundamenta a indemnização é a mesma: a perda na capacidade de trabalho ou de ganho. Viria a naufragar também por aqui a argumentação do sinistrado. O valor da pensão vitalícia não tem um quantum previamente definido (não pagamento das prestações vincendas) e como tal é impossível de determinar se é superior ou não à indemnização paga pelo terceiro, pelo que a situação em apreço apenas se poderá reconduzir à regra contida no art.º 17/3 da LAT, ficando a seguradora autora desonerada da sua obrigação até ao limite de 57.887,30 euros.