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“Para que serve a política?”, “para que servem os políticos?” essas são perguntas
frequentes entre os brasileiros habituados com os escândalos de corrupção; com as
rotinas de desvios; com o descaso dos representantes políticos para com os eleitores;
com os privilégios adquiridos pela classe política; entre tantas outras arbitrariedades do
mundo da política. Esse descrédito da política denuncia o esvaziamento de seu
propósito ético, e causa uma tensão entre o ser e o dever ser, entre os fatos e as normas.
Figura 1 - Fonte:http://hashtagnews.webs.com/apps/blog/categories/show/1688608-
comportamento
Essa ética formal kantiana aparece vazia de conteúdo, já que não estabelece
nenhum bem ou fim que tenha que ser alcançado, que não nos diz o que temos que
fazer, mas apenas como devemos atuar, onde o que basta é a intenção, a coerência entre
a ação e a lei, e não o fim. Afinal, do que é apresentado como universal, obrigatório e
necessário, qual é a parte singular, contingente, e fruto de imposições arbitrárias?
O problema ético não é, portanto, exclusivo da classe política, ela envolve uma
tensão sócio-histórica constante entre a legalidade (ordenamento jurídico que submete
ou coage o indivíduo ao dever ser) e a moralidade. A moralidade seria a expressão da
consciência do ser social, cuja identidade é construída de acordo com o equilíbrio dos
interesses e necessidades, com as possibilidades do agir, do pensar e do viver social
legalmente institucionalizados. Mas como essa moral (enquanto valores instituídos) é
aceita ou contestada?
Nesse pensamento holista a moral não seria algo oriundo da vontade divina ou
de qualquer forma de razão universal a priori, como em Kant e diversos outros filósofos
e teólogos. A origem da moral, em vez de partir de uma ética da utilidade ou do
interesse, como pressupunham os utilitaristas como Hobbes, Spencer, Bentham e James
Mill, ou de uma ética do dever ou do bem, como o idealista Kant, estaria, segundo
Durkheim, no conjunto das interações e representações sociais elaboradas ao longo da
história. Para Durkheim, uma regra moral é uma regra de conduta pré-estabelecida e que
se manifesta imediatamente às consciências, sem que muitas vezes o indivíduo se dê
conta disso ou questione longamente acerca do que deve fazer; em cada circunstância a
regra moral deve impor-se com toda clareza, dispensando qualquer mediação. Assim, a
moral é um dever, porque é um “imperativo social”, é a sociedade (enquanto sujeito sui
generis) que ordena ao indivíduo agir de tal ou qual maneira. Desse modo, a sociedade
torna-se a única fonte capaz de conter substância ética e moral. As ações são, portanto,
ditadas pelo agir da maioria (no caso do Brasil marcado pela corrupção). Sendo assim, a
possibilidade do dever ser limita-se à imitação do poder hegemônico seguindo o status
quo vigente. Quem ousar ir contra a racionalidade do imperativo social empreenderá
ações individuais subjetivas, patológicas, anômalas, minoritárias, fadadas ao fracasso.
Seriam as crenças, práticas e representações, como também as leis, normas e
regras sociais que constituem os elementos éticos e dinamizadores do funcionamento do
corpo social.
Desse modo, a indignação dos brasileiros quanto à ética na política seria uma
hipocrisia, já que a corrupção seria uma ordem legitimada nas ações cotidianas dos
indivíduos brasileiros. O brasileiro tem noção clara dos comportamentos éticos e morais
adequados, mas vive sob o espectro da corrupção. Se o país fosse resultado dos padrões
morais que as pessoas dizem aprovar, pareceria mais com a Escandinava do que com
Bruzundanga.” (corrompida nação fictícia de Lima Barreto). O distanciamento entre
“reconhecer” e “cumprir” efetivamente o que é moral constitui uma ambiguidade
inerente ao humano, por que as normas morais são criadas pelo homem, que concede a
si mesmo a lei à qual deve se submeter.
Dentro dessa lógica, isso ocorre porque a regra moral, ao contrário da lei formal,
não teria validade universal, sua obrigatoriedade está circunscrita numa lógica social
que seria particular a cada indivíduo ou grupo, de acordo com as relações sociais
travadas por estes ao longo de suas vidas. A corrupção e a malandragem não seriam
simplesmente singularidades inconsequentes de todos os brasileiros e brasileiras. Seria
um modo profundamente original e brasileiro de viver, e às vezes, sobreviver, em um
sistema no qual o privado nem sempre dialoga com o público, e as leis formais da vida
pública nada têm a ver com as boas regras da moralidade costumeira que governam a
nossa honra, o respeito e a lealdade que devemos aos amigos, aos parentes e aos
compadres. É ai que reside o distanciamento entre aquilo que é considerado correto e
aquilo que efetivamente é praticado como correto.
No caso do Brasil, como bem salienta Roberto DaMatta, no livro “O que faz o
brasil, Brasil?” (1997), o que faz com que esses sentidos éticos baseados na “cultura do
jeitinho” se atraiam legitimando uma ordem baseada na malandragem, seria o costume.
Essa tradição seria uma peculiaridade da construção da identidade brasileira, que oscila
entre os valores discriminatórios e autoritários na política e na economia desde a
colonização do país, e a alegria carnavalesca no dia a dia, vencendo todas as
possibilidades com o jeitinho “malandro” carioca, ou “metido” do sulista, “preguiçoso”
do baiano, enfim, do jeitinho brasileiro. Seria um modo pacífico e até mesmo legítimo
de resolver a distância entre a moral e as leis formais. A junção entre as duas ocorreria
pela apropriação pessoal sobre os parâmetros do que é legal, nesse sentido a frase “Você
sabe com que você está falando?” seria elucidativa, ela torna um ato ilegal, legal
moralmente e, portanto, superior à lei, já que a pessoa seria uma autoridade. É uma
forma cínica, que expressa o gosto pelo grosseiro e pelo desonesto, diante da
dificuldade de juntar a lei com a realidade social diária (moral)
Assim, como afirma Weber (2002), os participantes de uma ação social podem
pautar suas condutas por uma ordem costumeira, porque ela estabelece um padrão de
comportamento e se manifesta como obrigatória. Assim sendo, existe a probabilidade de
que em grau considerável a ação social se oriente por essa ordem tradicional. Essa regra
moral, em determinados contextos, como o brasileiro, teria mais força, do que aquela
que se baseia apenas em motivos racionais de finalidade, como as leis formais. Esse
parece ser o caso do “jeitinho brasileiro”.
Fonte: http://reinehr.org/sociedade/saude-dasociedade/corrupcao-na-politica-
eleitor-vitima-ou-cumplice
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1997.
MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. 3a edição, São Paulo, Ciências
Humanas, 1982.
MARX, Karl. As crises econômicas do capitalismo. São Paulo, Ched Editorial, 1982.
MARX, Karl. O Capital – Crítica da Economia Política. São Paulo: Editora Nova
Cultural, 1996. vol. 1.