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Antônio Xerxenesky
Financiamento:
(inserir logotipo da Editora Movimento, do Fumproarte e da SMC)
para minha mãe,
por ser tudo aquilo que sempre quis ser.
índice
Thomas Pynchon,
O Arco-Íris da Gravidade
introdução
ou
um pedido de desculpas
Eu. ---
Por que me esconder e narrar os fatos em 3ª pessoa? Já é de conhecimento
popular que a verdade depende do ponto de vista, então cabe a eu contar os
acontecimentos como meus olhos os perceberam. Eu poderia rechear este relatório com
floreios técnicos, mas acho que não interessaria a ninguém. Este pensamento é uma
mentira – interessaria a muitos – mas eu não gosto de pensar assim, pois não sou capaz
de produzir algo tão produzido. O fluxo de pensamento amarrou-me em cordas de náilon,
porque acho náilon o nome de tecido mais bonito. Se as coisas fossem diferentes, este
texto não existiria.
Eu estava sentado dentro do ônibus com um bloco de notas em uma mão e uma
caneta Bic em outra. Resolvi começar a carregar sempre comigo um bloco para anotar
boas idéias. Sempre surgiam nos momentos mais inesperados: estava no chuveiro e de
repente vinha uma muito boa. Talvez porque fosse o último lugar em que eu imaginaria
que minha imaginação imaginaria algo, ou talvez o fluxo da água conduzisse minhas
nuvens de sinapses. Quando girava a torneira no sentido horário para fechar o chuveiro e
sair do banho, estava embriagado pela felicidade da possibilidade da criação. Minhas
idéias vagavam pelo âmbito artístico como crianças inocentes que vemos em
propagandas de supermercado, explodindo de alegria. Não era aquela coisa estúpida de
virar famoso e tal, mas de emocionar alguém. Acho que mais do que com críticas
positivas escritas por acadêmicos entediados, sonhava em desacomodar um leitor, em
oferecer uma experiência única.
Existia ainda algum espaço para a originalidade no mundo? Quando se está
otimista, se acredita que é possível inventar algo nunca antes pensado, que as coisas
atuais não são apenas reciclagens das antigas, que tu és especial, porque tiveste uma
idéia que ninguém mais (ou pelo menos ninguém que obteve reconhecimento na mídia)
teve. E por um breve momento podes aproveitar esta ilusão1.
Um barulho horrendo me tirou dos delírios matinais naquela linha T82. Senti meu
corpo sendo jogado para frente e dei de cara contra o ferro dos bancos. A dor foi intensa
(minto, ela só começou quando percebi que sangrava). Perdi um dente e fiquei pensando
como deveria ser horrível perder um braço. Guardei o dente no bolso e fiquei vendo
mentalmente a cena de alguém tentando guardar um braço mutilado no bolso. Talvez
tenha sido o ‘levantar rápido demais’ que me causou aquela visão turva com tonalidades
de vermelho, mas o pior estava por vir, quando o foco voltou aos meus olhos: todos os
presentes no ônibus tinham sumido. Que diabos? Fui ver no que tínhamos batido. Era
uma parede preta, enorme. Aproximei-me do assento do motorista, agora vazia, para ver
mais de perto.
Era lisa, muito lisa. Parecia feita de nada. Tentei sair do ônibus, mas a tal parede
tinha criado um perímetro em volta dele. Estava em todos os lados, trancando a saída.
Na minha mente, um zoom out focalizava o absurdo da situação, comigo de costas, é
1
Para maiores informações, consultar o relato #34.
2
Se os ônibus mugissem, o T8 seria um dragão. Mas ônibus não mugem. Nem dragões.
claro. Depois, um close nos meus olhos para mostrar como eu estava angustiado e assim
por diante.
O primeiro dia na minha nova prisão foi um tanto quanto difícil. Dos meus
pensamentos incoerentes e estúpidos que apareceram devido ao pânico, destacarei os
seguintes, apenas por motivos ilustrativos: ‘nunca mais vou ver minha família’, ‘o que
acontecerá com o meu cachorro que esperava que eu desse ração para ele hoje?’ ‘eu
estou com uma puta fome’. Era a frustração de todos meus projetos artísticos também.
Mas aí pensei: eu tenho um bloco de notas vazio (e relativamente grande) e uma caneta
(com o que aparentava ser uma carga 98% cheia). Imagina se eu, neste tempo que
ficarei aqui até morrer de fome tento escrever uma obra genial da literatura? Já
imaginava as manchetes: “Garoto é encontrado morto preso em ônibus cercado por
barreiras imaginárias. Junto com ele estava o manuscrito do que pode ser considerada a
maior obra-prima da literatura contemporânea”.
Isso era justamente do que eu precisava. Então comecei a pensar e pensar.
Escrevia os rascunhos nas paredes do ônibus, mas não saía nada original. Culpava o fato
de, talvez, no fundo, estar sonhando mais com o estrelato do que com o idealismo todo
da arte. Complexo de culpa resolvido, percebi que não tinha nada a ver, que era
provavelmente uma questão de talento. Fiquei olhando tudo que tinha escrito: todas
aquelas idéias eu já havia tido antes. Continuei mesmo assim. Vi frases claramente
plagiadas de algum filme de que gostava, de um livro fantástico que tinha lido. Meu estilo
era uma cópia pura de Cortázar. Minhas tentativas de inovação, roubadas de “Ulisses”. O
pânico já (re)começava a me atingir, mas eu continuei em meu cego desespero pela
criação. Pelo meu relógio vi que estava lá há quatro dias: os quatro piores dias da minha
vida. Eu julgava que ficar no computador conferindo e-mails era uma péssima maneira de
gastar o tempo, mas nada se comparava a simplesmente cultivar minha mediocridade
aprisionado em um ônibus. Nada. Eu estava seco por dentro. Minha inspiração estava tão
baixa que, mais um pouco, conseguiria cumprimentar minha auto-estima.
Chorando convulsivamente, comecei a falar comigo mesmo. Eu gritava que não
acreditava que era uma pessoa tão limitada assim. Como poderia? Eu, um guri que via de
tudo, sabia de tudo. Lembrava daquela minha professorinha do primário que falou um dia
que eu teria um futuro brilhante. Da professora de matemática que disse que eu era um
gênio quando fui lá resolver uma equação exponencial tri complicada no quadro. Eu
decepcionei todos eles. Todos que algum dia esperavam alguma coisa de mim, se eles
pudessem me ver agora, chorando dentro deste ônibus, sentiriam essa decepção.
Reuni o que me restara de forças e tentei quebrar os vidros da prisão. Consegui,
após leves escoriações nos braços, cuja dor ignorei. Agora as barreiras. Desferi um pouco
de tudo contra elas: socos, chutes, cuspes, e elas não cederam. Finalmente, decidi
esquecer tudo, contentar-me com minha própria insignificância artística, minha ausência
total de criatividade e fiquei mudo ali, preso entre quatro limitações enormes e
assustadoras.
determinação
-Eu posso passar por baixo? – disse para o cobrador, apontando para a roleta com
um movimento da cabeça.
-Não, sinto muito.
-Mas ô tio, tem um outro cara aí que sempre deixa meus amigos passarem por
baixo. – olhei para a janela, o ônibus tinha começado a se mover e já tinha andado quase
uma quadra desde o ponto onde o peguei.
-Não dá, guri! Eu não vou arriscar meu emprego porque um piá que nem tu não
trabalha para conseguir ganhar um dinheiro pra pagar a passagem! – o cobrador gritou,
[um rápido olhar pela janela, humm, duas quadras andadas] puxando a cordinha para o
ônibus parar na próxima parada, simbolizando que eu teria que descer à força.
-Ah, que merda mesmo – falei, saindo do ônibus que guinchava no seu grotesco
freio e forçando uma expressão triste que simplesmente não estava lá.
Olhei a rua. Hmmm, ainda na Avenida Protásio, mas pelo menos uma parada mais
adiante. O próximo ônibus vai demorar pouco e mais sete dessas e eu chego Lá.
presos no fluxo da Avenida
Resignação era a palavra do dia, pensei. Eu tinha dessas, ficava obcecado com
uma palavra que simplesmente definiria magicamente minha vida. Resignação era a de
hoje, porque hoje é o dia que mandarei tudo ao inferno, ou melhor, não mandarei nada –
eu me resignarei ao ridículo. O ridículo mais bem pago da história, pelo menos.
- Vamos começar as filmagens em 5! – me gritou o ajudante, mostrando os cinco
dedos da mão direita abertos no ar.
Ele tinha um jeito de Polyanna que me dava nos nervos. Nunca entendi qual era a
das pessoas animadas. Simbolizei um “tá bom” com a cabeça e mandei o garçom que
circulava ali pelo camarim mandar vir mais uma dose de uísque, afinal, qual a graça de
ser uma ES-TRE-LA da televisão, se não posso pedir bebidas no meu pseudocamarim?
- Então tu sabe direitinho sobre o que tu vai falar hoje para a platéia, né? O texto
bem ensaiado, né? Nenhuma dúvida... né? Crise existencial, alguma? – a diretora do
programa perguntou.
Pelo menos ela não precisava vestir-se da maneira estúpida como nós nos
vestíamos. Ela usava uma saia preta elegante e essas coisas de... sei lá, mulheres
elegantes. Tinha um celular bem pequeno. Cabelo curto. Pagou caro pelo corte. Hmm.
Não sei descrever ela. Nem eu. Nem ninguém, acho.
Eu nunca erro essas bobagens. Hoje é sobre curas, curas milagrosas. Citar nosso
Senhor Jesus Cristo dez vezes, abençoar uma meia dúzia de pobretões com dor nas...
- Não. Nenhuma dúvida. O público de hoje é exigente?
Minha frustração com a ética de meu trabalho deixava meu humor cada vez mais
corrosivo e cáustico. Pena que eu era muito óbvio e, visto de fora, soava patético. Não
esperava gargalhadas.
- Não ofende aqueles que te pagam – ela tinha me interrompido com uma voz
desnecessariamente autoritária. – O uísque que tu tá bebendo é um Johnny Walker e não
uma porcaria nacional por causa daquela multidão de fodidos e decepcionados com a
vida que vem aqui toda semana, na esperança que tu alegre a vida deles.
- Mas até tu tem que admitir o quanto toda esta coisa é ridícula. É tão kitsch que
parece que estamos fazendo uma paródia, mas ainda assim conseguimos fazer com que
as pessoas levem a sério.
- Eu não acho ridícula. A gente dá esperança para um povo inteiro em tempos de
caos – ela disse, sem perceber o papel de retardada que estava fazendo até mesmo para
a faxineira que passava a vassoura em uma sujeira invisível ali no canto.
É, bom. Para um cara resignado, eu até que estava subversivo. Talvez fosse hora
de mudar a palavra do dia. Ou não. Seja como for, nunca tinha tido uma discussão dessas
com minha chefe. O que o tédio não faz. Não ouse subestimar o poder da monotonia.
Vi dois dedos do meu ajudante se levantarem, tinha que ir me encaminhando ao
palco. Muito altruísta essa minha diretora. Com certeza tem seu lugarzinho reservado no
céu e ainda vai receber uma harpa de ouro com detalhes em diamantes, para tocar ao
lado de anjos esbeltos e com abdômens tão bem definidos que podem “atuar” em
propagandas baratas de equipamento de ginástica.
O programa começa, a luz acende, dou uma breve olhada na platéia, puta que
pariu. Essa igreja é muito grande e quadrada que feio uma igreja tão quadradona assim
elas não deveriam ser cruzes tridimensionais não era essa a idéia de uma igreja hein
essas modernidades, pego a bíblia na mão e digo:
- Olá, meus fiéis espectadores, estejam vocês me assistindo pela tevê ou tenham
vindo aqui partilhar nossas preces. Neste programa, teremos entrevistas com jovens
perdidos no mundo cruel das drogas e que, após encontrarem nosso Senhor, tiveram
suas vidas mudadas para sempre. Inclusive chamaremos um deles que está na nossa
platéia – fiz um aceno com a mão direita para um guri cabeludo, ali na sétima fileira – e
contaremos com a participação de um grupo musical novo que...
Tive que interromper o texto inicial que já sabia de cor e salteado, que era capaz
de pronunciar todas as vírgulas e pontos com orgulho. Antes de enxergar, eu senti em
mim. Depois, é claro, eu enxerguei - deveria eu ter enxergado? Uma densa luz começou a
atingir meu olho esquerdo. Atravessando o teto cinza da igreja/teatro, a luz passou a
tomar forma. Era um prisma branco, que ficava cada vez mais parecido com alguma
coisa que eu não sabia ainda definir. Voltei os olhos à minha ó tão fiel platéia e vi que
eles estavam encarando fixamente em minha direção. Claro, eu estava paralisado,
olhando para o teto. "Enlouqueceu", devem ter pensado. Mas não adiantava, estava
congelado, não conseguia dizer absolutamente nada. A luz começou a criar uma forma
de boca e eu vi dentes, muitos dentes se multiplicando. A boca foi chegando cada vez
mais perto e me engoliu.
Fui acordado pela diretora. Olhei e ainda estava no palco. A luz tinha
desaparecido. Ela me sussurrou apressada no ouvido:
- Continua com o programa como se nada tivesse acontecido. Pra falar a verdade,
nem quero saber o que diabos aconteceu. Seja lá o que for, tu nunca mais vai tomar um
uísque antes de fazer o programa. Vamos lá, levanta logo. Eles estão olhando. Inventa
algo. Qualquer merda.
Ainda completamente grogue, me levantei e tentei explicar. Como poderia
explicar? Podia dizer: uma dor na perna, é foi isso, eu tô com um problema no joelho e
ele me falhou agora por isso caí no chão, mas e os olhares para o teto? Hum. Por que
diabos estou pensando este tipo de coisas depois da experiência que acabei de ter? Esta
revelação não seria mais importante do que a manutenção das aparências? Ou, é claro,
estou esquizofrênico. Mas não. Eu não sou. Eu nunca tive isso. Flashback de um LSD que
nunca tomei? Cancelei mentalmente meu humor e resolvi falar a verdade, que nem eu
sabia bem qual era.
- Senhoras e senhores, eu acho que acabo de ter uma epifania. Eu vi Deus. Eu
juro. Ele me engoliu.
Ai.
Olhares apreensivos.
Um homem se levantou na platéia, subiu no banco e começou a gritar:
- Chega de mentiras! Eu venho aqui toda semana para ver nosso povo brasileiro
enganado por esses desgraçados!
Quanto drama. Bem coisa de brasileiro. Adora fazer uma cena, especialmente se
envolve alguma forma de demagogia. Todo caso, eu não conseguia acreditar. Foi a
primeira vez que vi algum crente se levantar contra a igreja. E ele ganhou apoio ainda
por cima. Gritos de “é isso aí!”, “falou tudo!”, ecoavam pelo salão. Eu tentei dizer ao
microfone alguma coisa como “Mas isto é verdade! Eu juro!”, mas não deu. A multidão,
então, decidiu levantar e caminhar em direção à saída. O tumulto foi se expandindo, as
pessoas berravam quase em uníssono. O formigueiro esvaziava-se rapidamente. A
diretora gritou vários “Corta! Corta!” para os responsáveis pela edição. Saí (ou fugi)
completamente atordoado do palco e fui em direção ao camarim onde busquei o meu
revólver que não tinha e imaginei como seria disparar contra meu cérebro e pintar a
parede de vermelho. Mas a palavra de hoje era resignação, nunca vou esquecer. Preferi
voltar para casa e dormir.
o personagem
ou
metalinguagem para as massas
Começara como uma piada, igual a tudo na vida. Nunca pôde se traçar a origem
da teoria, pois seus primórdios encontravam-se estampados em uma mesa verde-clara
de uma sala de aula qualquer, em algum colégio, situado em algum lugar. Foi escrito,
rabiscado, desenhado ou profetizado com canivetes, ou facas, ou qualquer objeto dotado
de uma ponta afiada. O esquema esculpido era mais ou menos o seguinte:
Por que diabos meu pai não me deixa tomar algum remédio para dormir? Na
verdade eu sei a resposta para esta pergunta, mas é que eu sinceramente não agüento
mais uma noite dessas de insônia. Elas me recordam da primeira vez que vi aquele filme
chamado Além da Imaginação, o filme mesmo, a refilmagem malfeita de quatro episódios
da série conhecida como Twilight Zone para os que não precisam sofrer por causa de
tradutores incompetentes. Nunca vou me esquecer do monstro verde com cara
assustadora que aparecia na janela do avião, para o pavor do John Lithgow, durante o
último segmento do longa-metragem. Foi de uma forma curiosa como cheguei a ver esta
cena. Meus pais tinham recém ligado a tevê e as imagens eram de uma pessoa gritando
que tinha algo na asa do avião, um homem, um macaco, sei lá. Eles pensaram que era
uma comédia. Eles me falaram, "acho que isso é uma comédia". "Se lembra? Tinha
aquelas Histórias Incríveis, algo assim. Acho que é que nem isso". O que é uma comédia
para dois adultos, não necessariamente será para um pirralho de dez aniversários. As
aeromoças achavam aquilo engraçado, viam o passageiro como um completo maluco. A
sombra na asa parecia cada vez mais próxima. Então o monstro finalmente apareceu na
tela, bruscamente, colando o rosto contra o vidro, e eu não conseguia desgrudar os olhos
da televisão. Apertei minhas unhas no cobertor e permaneci hipnotizado pela imagem.
Por que ele abriu a janela do avião? Por que ele não conseguiu se acalmar? Devia ter
desistido dessa história. Se eu visse um monstro do lado de fora, fecharia aquela droga,
antes que sua cara estivesse quase junta ao meu rosto. Por que ninguém acreditou nele?
Por que só ele via o bicho, duende, seja lá qual classe de ser aterrorizante ele faça parte
de?
Mas isso foi há cinco anos atrás. Depois do incidente, nunca mais consegui dormir
olhando para algum lado que não o da janela do meu quarto. Alguém tinha que ser o
guardião do quarto, não? Tal ritual já era automático para mim, me deitava virado para a
direita sem nem me lembrar o porquê de tal ação. Porém nesta semana sofri
freqüentemente de insônia, o que me trouxe à memória toda esta história. Esta noite é
uma versão piorada desta regra: a minha persiana encalhou lá em cima e não desce de
jeito nenhum. Sempre que a empregada a puxava demais, trancava. Geralmente alguém
consertava antes da noite, mas isto não ocorreu. Não hoje. Isso significa que eu posso ver
árvores se mexendo e criando sombras sinistras projetadas no meu armário, ou seja,
reflexos dos monstros que aguardam do lado de fora. Adicione uma semana mal dormida
no jogo e verás como é fácil confundir a realidade com a fantasia.
Sinto-me sem saídas. Afinal, se tentasse dormir em outro lugar, lá também teria
janelas. Como as do avião. O que pode se dizer sobre uma pessoa que se sente mais à
vontade em um local hermeticamente fechado do que num quarto com vista para a
cidade? Qualquer janela é como a do avião, pequenas portas de entrada para uma
paranóia infundada. Dormir ali no meinho dos meus pais, naquela confortabilíssima
cama? Afastei essa possibilidade desde que eles me reduziram a pedacinhos, dizendo
que eu já não tinha mais idade para fazer uma coisa estúpida destas. Este evento foi há
três anos atrás. Então... vou tentar manter uma relação mais racional com minha janela –
ficar me assegurando mentalmente de que ficar em pânico devido a um trauma de
infância envolvendo um filme de terror é bastante patético e, é claro, que monstros não
existem.
Uma olhada no relógio, aperto o botão que acende a luzinha. 2:22, dou uma breve
risada, sempre que olho o relógio vejo horas engraçadas assim. O riso nervoso de um
insone medroso.
Engulo fundo, pois juro que vi alguma coisa passar rapidamente pela janela.
Poderia ser um pássaro, um morcego, mas não para mim. Levanto-me da cama e vejo
realmente um vulto agachado na árvore em frente ao meu prédio. Não chego nem a
pensar em tudo que poderia ser, pois, a meu ver, era claro, óbvio. Em vez de correr para
a sala, a cozinha, o quarto dos meus pais, me enfio na cama (em vez de sair, entro) e
aguardo, pois cedo ou tarde ele iria aparecer, então que fosse hoje mesmo, penso,
apertando cada vez mais os cobertores e afundando dentro deles. Eu sabia o que me
esperava, mas não queria raciocinar sobre o assunto. Isso faria com que visse a cena de
fora: um guri com quinze anos na cara, morrendo de medo de um sujeito vestido numa
estúpida roupa de borracha que me apavorou em um filme assistido há um século atrás.
Ridículo.
Mas eu juro que ele apareceu. Ele levantou a janela e entrou no meu quarto. Era
tão verde que chegava a brilhar, e tinha aquela cara de um duende que acabou de
cheirar meio quilo de cocaína (um rápido flash da cara do Al Pacino em Scarface). Poderia
descrever o que sucedeu, mas nunca ficou realmente claro para mim - nunca soube
encontrar na minha memória imagens dos eventos que se passaram, ou sequer a
sensação, que hoje em dia imagino ter sido de perda. O que me restou de objetivo foi
uma análise posterior, feita na manhã seguinte. Descobri que ele, o duende, o monstro
verde e feioso, tinha levado meia dúzia de brinquedos meus. Uma reclamação comum de
meus pais era de que um garoto da minha idade não deveria mais ficar brincando com
essas porcariazinhas de criança. Foram bem aqueles de que eu mais gostava. Talvez seja
sempre assim. Eu pago até hoje um psiquiatra charlatão por causa disso. Mas pelo menos
agora consigo dormir olhando para o teto, e, de vez em quando, até para o lado da porta.
Nunca vou me esquecer que, naquele avião, o passageiro, e apenas ele, via o monstro.
urbe
Para Ieve
Cena: dois amigos, jovens, olhando o sol se pôr no mar de uma belíssima praia
paradisíaca em alguma ilhota hipotética qualquer (eu não sei o nome dessas coisas para
citar exemplos). Eu sei que tu, leitor, estás imaginando que os dois jovens são membros
da classe média, afinal é um tanto óbvio falar sobre a burguesia com uma "ironia
mordaz", como algum (qualquer) crítico adora escrever. Infelizmente acertastes, são de
classe média. Não os chamo de burgueses, pois não estamos em um filme italiano da
década de 60. Mas bom, como tu achas que eles estariam lá nessa praia paradisíaca?
Não foi fazendo carreto.
Peço perdão pela divagação inútil e tentativa de comédia absolutamente
frustrada, e continuo. O que segue, basicamente, é o diálogo entre os dois.
- Nossa. Como é lindo esse pôr-do-sol. Eu acho que eu vou tirar umas fotos,
garotos.
Essa foi a mãe de um deles. Desculpa não ter avisado sobre esta terceira
personagem. Ela abandona o cenário.
- Eu não vejo graça nenhuma nesse tipo de fotografia. Todo mundo já viu alguma
foto assim. É uma das coisas mais batidas do universo. Todo mundo vê uma paisagem
"linda" e tira várias fotos. Daí, anos depois, revê as fotografias, pulando bem rapidamente
pelas imagens desse tipo e querendo logo olhar as pessoas.
- Que, por sinal, estão sempre com sorriso congelado e pose.
- É.
- Isso é parte de uma conspiração, sabia?
- Ah, claro. Das empresas de filmes de máquina, para que possam nos vender
mais?
- O.K., eu estava brincando. Mas pensa só. Deve haver algum interesse externo,
para que esse tipo de coisa acabe se tornando banal.
- Hmmmm. Acho difícil. Pois pense só: esse monte de fotos e vídeos e filmes com
fotografia premiada só por filmar locações exóticas deve alimentar muito o turismo.
Quantos não saíram por aí para ver essas coisas? Veja a tua mãe, por exemplo.
- Mas será que em algum momento até mesmo a classe média com a mente mais
fechada possível não vai encher o saco? A mídia está saturando demais essa coisa toda.
- Hmm. Acho que agora começo a entender onde tu quer chegar, mas isso até que
não me irrita. O que realmente me irrita é a poesia.
- A poesia?
- É. Quer dizer. Noventa porcento das poesias falam sobre o mar, o vento que leva
as coisas embora, o rio que corre e nunca é o mesmo, o sol que brilha como um ‘sei lá o
quê, a lua, o luar que se espelha na imensidão do oceano. As estações! Quantas
metáforas sobre como depois do inverno vem a primavera e assim por diante... Mas é
muito mais raro ler poesia... urbana. E pessoas como nós não conseguimos nos identificar
com toda essa coisa natural. Nós chegamos aqui nessa praia e não conseguimos ter a
mesma epifania que poetas séculos atrás tiveram. Porque parece que estão cobrando
algo de nós. Parece que cobram nossa estupefação, nossas fotografias, nossos gritinhos
de admiração.
- A gente tá fugindo do assunto quase por livre associação, mas eu tô me
divertindo. Então, diz aí, como as coisas deveriam ser?
- Talvez, se fizessem mais poesias urbanas, sobre sei lá, prédios. Neon. Outdoors.
Poluição.
- Mas fazem. E é sempre a mesma merda. Aquela coisa que fica criticando a vida
capitalista, a tecnologia desumana e todo aquele blablablá social-democrata.
- Exato, porque eles não enxergam a beleza nas coisas. A beleza da falsidade
total. Do pregador televisivo cobrando o dízimo. Do telemarketing e seus atendentes
quase robóticos. Uma vez que a pessoa captar a aura do declínio da vida urbana com um
olhar de admiração, as coisas, aí sim, poderão começar a mudar.
[breve silêncio]
- Mas é um tanto difícil ver a beleza nisto.
- Mas não é exatamente isso. É ver a beleza no curso da coisa toda. Nas regras do
jogo, não nas peças em si. No fato de que estamos participando de algo importante, a
queda de um Império, mesmo que abstrato. O planeta vai ser recapado. Por que nunca
escreveram sobre isso? Eu me esqueço às vezes o que tem por baixo do concreto.
Caminha-se pela cidade e se esquece o que há por baixo, porque não se vê mais a terra,
a rocha, ou seja lá o que for. Só o concreto ou o asfalto. E se sabe diferenciar os dois
facilmente, com a maior naturalidade. E isso, meu caro, é a coisa mais linda da história.
Estamos nos entregando. Não há batalha, e se houve, já perdemos. A beleza está na raça
humana seguir o caminho da entropia, pelo menos a civilização ocidental. Parece que
estamos cumprindo nosso destino, fazendo o que sempre deveria ser feito. As coisas
parecem certas.
- Encontraremos a felicidade na desordem.
- Não a felicidade. Mas um sentimento de ... de... prender a respiração. A
felicidade seria depois.
Depois?
Voltam para o hotel e tentam dormir um pouco. Um diálogo tão inverossímil assim
cansa.
Todo caso. Depois? A questão:
Mas. Onde está o deslumbramento?
- É isso o que eu quero dizer. Que quando cantarmos a beleza deste declínio,
vermos que sim, este é um grande momento na história, muita coisa está acontecendo,
somos partes de algo tão grande, a união de todos nossos países pela mesma causa, a
caminhada rumo ao fracasso... algum dia alguém irá dizer: hum, tipo, hum, tu se lembra?
Existe um mar, um sol, o luar dos amantes que se beijam seminus, paisagens de tirar o
fôlego, sentimentos, um sentimento, e daí vamos nos sentir deslumbrados, ficaremos
estupefatos, porque estaremos redescobrindo, e afinal é tudo isso que nós queremos,
redescobrir.
pensamentos aleatórios de uma tarde banhada em tédio
ICONOCLASTIA
HARMONIA
Um homem pulando sobre um tubo de pasta de dente, esperando que algo ainda saia de
lá.
DECEPÇÃO
I.
Um relato como o meu não pode ser contado de uma forma padrão, convencional.
Ele se encaixa tão bem na poesia, que deveria ser narrado assim. Quase como um épico,
pensando bem, como um épico. Remete à mitologia, com seu heroísmo e...
Eu nunca fui muito bom em mitologia.
Nem em poesia.
II.
[tentativa número 1]
II[b].
Isto está ridículo. Já que detesto os parnasianos com seus sonetos em versos
alexandrinos e rimas ricas, acho que qualquer bobagem organizada de forma
desorganizadamente organizada é poesia. Não sei em quem botar a culpa, o Haroldo de
Campos é um cara legal, não quero ofendê-lo. Posso culpar meus pais, mas seria um
tanto óbvio e sem sentido (talvez por isso óbvio). Decido por quebrar este parêntese e
retornar ao meu relato.
III.
POR CONSEGUINTE se o centro de nossa mísera galáxia é uma coisa tão forte assim
(buracos negros, devido a sua enorme massa, têm uma gravidade tão forte que não
deixam a luz escapar, ou seja, a Vescape > 3x10 na quinta potência [em km/s]), imagina
como deve ser o centro do universo, e aí iniciamos nossa jornada.
Porque Deus deve estar nas coisas mais marcantes do universo. Deve ser o
espetáculo que todos nós esperávamos. Nebulosas multicoloridas fotografadas pelo
Hubble que saem nos cadernos de ciência dos jornais (que ninguém lê, mas acha bonito
quando folheia por cima) são uma pequena prova disto. Deus será o maior
acontecimento, o maior espetáculo, mesmo que nos deparemos com um buraco negro e
sejamos espaguetificados em frações de milésimos.
Peço desculpas pelo vocabulário técnico-esquizofrênico. E pelas digressões e
tentativas poéticas fracassadas. Eu acho que isto tem um motivo: quero convencer os
que agora lêem este relato a acreditarem que a coerência é a maior vilã de todas. Pois,
se nos deixarmos vencer pela coerência, nunca vamos acreditar. E, para acreditar,
precisamos nos ajoelhar perante o desconhecido? Não, perante a beleza. Porque é isso
que é, no fim das contas, nosso transcender, é o último prazer estético (!). Nesta busca,
temos que ser desconexos. Mas eu não sei se acredito nisso. Crises de fé ocasionais,
geralmente solucionadas pelo humor exagerado e histérico. Mas não.
Tentarei ser mais convencional ao contar minha história, peço mil desculpas,
desta vez pela minha indecisão. Meu nome é
IV.
(na verdade isso não interessa) e era/sou um cientista. E adorava dizer que era um
cientista, pois imaginava que todo mundo imaginava que todo mundo imaginava que
todo mundo imaginava que cientistas eram aqueles caras que nem nos desenhos
animados, com cabelo desarrumado e tubos de ensaio na mão. Eu era, talvez, esse cara.
Só que sem os tubos de ensaio. Na verdade, a vida científica é bastante entediante.
Ficamos só na abstração de cálculos e nunca realmente vemos o que importa. Por quê?
Porque estamos sendo científicos. E a verdade, eu descobri, ela não vem junto com a
ciência. Vou mais adiante e vos digo que a ciência está repelindo o que realmente
merece importância, sua atenção, coisa que talvez os intelectuais nunca perceberão [eles
dançarão no grande baile que seu ranço acadêmico organizará no final do ano].
Por isso decidi abandonar a lógica.
Para encontrar a ordem na ausência desta.
O que realmente aconteceu: estou aqui nesta nave em direção ao centro do
universo para encontrar minha maior realização, que não será bem minha, pois é algo
superior, algo sagrado e essas coisas todas.
V.
VI.
A memória foi cravada assim (tão de repente). Aquela aula de física, quando
descobri que o céu não era para ser escuro: o fato dele ser assim é um grande mistério,
um paradoxo. Nesta mesma aula me disseram que o Universo não tinha centro. E o Big-
Bang, e tudo aquilo? Acho que já entediei vocês o bastante com tantos jargões, nem me
darei ao trabalho de explicar. Afinal, estou deprimido demais para tal. Minha missão
é/será/foi (confuso o tempo por aqui, não?) arruinada pela razão, novamente.
VII.
Minha gargalhada adquire um volume inapropriado e o fracasso me enche de
angústia. Por que voltar para a realidade, por quê? As paredes da nave, eu noto como são
malfeitas, e isso me irrita. São as pequenas coisas que quebram minhas ilusões, as
minúsculas, as microscópicas, não!, desculpa, errei, errei, quis dizer, quis dizer, as
pequenas em outro sentido, no sentido de que, depois que as percebi, não mais as
consigo ignorar, a imagem da porcaria real me volta, me volta. Joguei uma cadeira contra
a parede. Ela rasgou-se facilmente, mostrando ser feita apenas de papelão, cartolina e
umas folhas de alumínio. Caminhei, praguejando, em direção a ela, e olhei através do
buraco recém-formado. As luzes da câmera me ofuscaram, lembrei-me dos flashes dos
jornalistas, eu acho que alguém tá achando graça nisso tudo, tirem essa porra de luz da
minha cara. Não tiraram. Não permitiram que focasse direito minha visão no diretor, que
aparentemente estava ocupado discutindo o roteiro com alguém. Conversar com ele teria
sido legal, será legal, foi legal, é legal. Não.
mantras para serem repetidos ad infinitum
ou
um guia de sobrevivência através da auto persuasão
A festa já havia começado quando eu cheguei. Acho que fui um dos últimos a
aparecer por ali, afinal, nenhum conhecido meu parecia estar faltando. Todos, todos,
todos estavam lá. Com tantas pessoas por metro quadrado é de se imaginar que a
cerveja estaria em falta, mas ela parecia infinda.
A atmosfera de prazer e alegria beirava o palpável, como se um grande calor
humano formasse uma esfera ao redor do salão. Estava assim, desde o momento em que
cheguei até agora, umas três ou quatro horas depois. Sinceramente não agüento mais,
quero ir para casa, mas não posso, pois prometi dar carona para meio mundo, e agora
não tenho coragem de dizer ‘tomem um táxi’, até porque provavelmente estão sem
dinheiro. Já era para estar amanhecendo, de acordo com meus cálculos. Esqueci o
relógio, e o resto dos convidados pelo jeito também: fui perguntando um a um e ninguém
tinha. Celular com relógio? Deixaram em casa. Todos.
‘Toma uma cerveja’. Não posso. ‘Por quê?’. Tô tomando remédio e dirigindo, vai
dar merda se eu beber. Será que vou encontrar alguma pessoa triste nessa porcaria? Não
tem ninguém sentado no canto emburrado. Os que costumavam ficar assim hoje estão
embriagados. Talvez daqui a pouco tudo isso termine e daí dê para ir para casa dormir.
Fico andando em círculos, embasbacado com a quantidade de pessoas conhecidas que
vou encontrando perambulando pela festa. Todos me perguntam o que aconteceu, mas
ninguém realmente presta atenção, pois estão demais absortos com sua própria
descontração, mergulhados até o nariz na aura esférica de felicidade. Essa atmosfera
cresce de tal forma que me torno invisível dentro daquele sistema. Posso lançar um
míssil contra meus próprios pés, que nada será perturbado ou sequer percebido.
O salão era em uma cobertura, e debruçando-me, olhando a cidade, finalmente
localizo um relógio na rua. Estava no topo de um poste, era daqueles que indicavam
também a temperatura. De que me adianta, ele está parado, pensei. Há um tempão
mostrando que são 3:40 da madrugada. O tempo escorre viscosamente, era o que
sempre me diziam, porém a realidade provou ser muito pior do que isto. Mais horas
transcorreram e não amanheceu, nunca. O tempo, como o conhecemos, cessou de
existir. Restou a ilusão de movimento aplicada à dimensão temporal.
Cogito uma série de possibilidades do que poderia estar acontecendo, e concluo
que devo estar no inferno. O inferno não são ‘os outros’, é a diversão dos outros.
Agachado neste canto eu assisto a vida passar, sei que está ocorrendo uma grande festa,
mas não posso participar dela, não consigo. Também não posso me embriagar, me
desligar, esquecer. Estou condenado a passar a eternidade aqui, em qualquer lugar,
desde que fora, longe, distante, sem interação com o interior, onde algo acontece. Flutuo
aqui, consciente & inerte, no limbo, na ausência das ações & reações.
Para meu falso entretenimento, i.e., para minha total desgraça, a esfera é
transparente. Serei sempre este voyeur, que por mais esforço que faça, o máximo que
conseguirá será colar o rosto na tela, acreditando que talvez assim, que talvez
empurrando forte, que talvez esperneando e gritando, que talvez um dia, que talvez um
momento, faça parte.
ondas curtas
Foi em uma das noites mais frias daquele ano que Davi se viu sozinho. Tinha
chovido fortemente durante o dia, só acalmando com a chegada das estrelas que não
chegaram (estava muito nublado, mas elas estavam lá, podiam ser sentidas ((ou
imaginadas) ou sonhadas))). Ainda assim, quando olhava para um poste de luz,
percebiam-se finas gotas de chuva traçando uma trajetória imprevisível.
Todos na parada pareciam estar tão consumidos pelos seus pensamentos que
eram capazes de perder seu ônibus, se a chegada deste não causasse tamanha
estranheza. Eram quase como fantasmas. Davi observava a luz de seus faróis
percorrerem as finas poças do piso molhado e, só depois deste ritual, olhava para cima
para tentar distinguir o nome da linha. O seu finalmente chegou, mas, curiosamente,
estava com o letreiro apagado. “Houve um problema”, informou o cobrador pela janela,
pouco antes de dizer qual era a linha.
Davi pensou no ônibus como um moderno trem, de tão rápido que ele percorria a
vazia cidade. Imaginou a chuva levando embora tudo e todos, dos ratos aos humanos,
das baratas aos pedaços de metal, forçando-os a se recolherem em seus aposentos
abaixo da terra. Ninguém mais ia para os altos. Aquele ar congelado, aquela atmosfera
de filme noir, tudo indicava que era quase uma nova cidade, que nada tinha a ver com o
ontem, onde o sol surpreendeu e desnudou os habitantes, que saíram pelas ruas exibindo
suas mangas curtas com uma certa alegria.
“Só Porto Alegre para ter um clima louco desses”, comentou o cobrador. Davi viu
pelo espelho retrovisor que o motorista havia assentido com a cabeça. Com o rosto quase
grudado ao vidro, perdeu-se em pensamentos até o fim da viagem, sentida como
horrivelmente curta.
Foi no elevador que sua solidão escapou da área do negável. Ia ser a primeira vez
que dormiria sozinho em anos.
Sua janela tinha vista para uma boa parte do Centro. Caminhar em sua direção foi
seu primeiro ato após largar as chaves. De lá, viu sombras e vultos refletidos em prédios,
de dinossauros percorrendo as calçadas. Podia, inclusive, sentir o pulsar do som de seus
passos ressoando nos vidros da janela.
Buscou sua câmera fotográfica e entreteve-se disparando fotos, mantendo o
obturador aberto por quinze segundos. As luzes dos carros formavam um desenho que
lhe tocava como absurdamente familiar.
O tédio parecia uma entidade física, que surgia como um tipo de iluminação (ou
uma ausência de iluminação) que nadava pelo apartamento. A vida era uma questão de
saber como matar o tempo, pensou Davi.
Olhou para o lado e viu fios metálicos enrolados na janela. Seguiu-os visualmente,
até fixar-se em seu rádio de ondas curtas, que havia comprado semanas atrás em uma
cidade do interior. “Por que alguém ia querer uma velharia dessas?”, perguntou-se em
voz baixa o antigo dono, surpreso que Davi havia demonstrado interesse de compra no
objeto.
Estes rádios de ondas curtas são famosos por captar estações de diversos pontos
do planeta. Claro que tal fato só era possível depois de escutar-se muita estática na
tentativa de sintonizá-lo. Na esperança de enganar o tempo, para que este não parecesse
tão pesado e imponente, foi exatamente o que Davi pôs-se a fazer. Como imaginado, os
ruídos de estática surgiram, abafando os passos de dinossauros e preenchendo o
apartamento com seu sutil estalido ritmado.
Passou por uma rádio alemã que, pelo teor histriônico das vozes, deveria estar no
momento dos comerciais, depois por uma japonesa ou chinesa, da qual não pôde deduzir
nada sobre o que estava sendo dito, e finalmente parou em uma que parecia ser inglesa.
Supôs ser desta nacionalidade pelo sotaque. Desde a infância, como todos os jovens, foi
bombardeado por inúmeras músicas dos Beatles, portanto reconhecer o sotaque
britânico era uma tarefa quase natural.
O que escutava parecia um informe do governo, pelo tom solene e pela repetição
de frases sobre “o futuro do país”. Começou a escutar com mais atenção depois de
perceber a palavra “confidential” sendo repetida pela segunda vez. Aparentemente, um
grande perigo havia sido descoberto pelos laboratórios de uma universidade.
Tentou aumentar o volume, mas não ousou mexer na sintonia, temendo perder a
estação. Era algo incrivelmente sério e preocupante, e isto estava impresso até mesmo
na voz quase robótica do locutor. Uma avalanche de dados científicos surgiu, desabando
pelas ondas sonoras, das cristas aos vales, com muita intensidade. Mesmo com seu
conhecimento básico do assunto, o que compreendeu, assustou-o de maneira tal que sua
garganta secou e seus pêlos eriçaram-se como os de um felino.
Em um ímpeto exagerado, bateu no botão de ‘desligar’. Passou a andar em
círculos, roendo furiosamente as unhas, tentando organizar suas idéias. O que a estação
inglesa anunciara era sério, muito sério, e ninguém acreditaria em Davi. Por que ele
deveria crer também? Poderia ser uma piada. Lembrou-se da história que seu pai lhe
contou sobre o Orson Welles, que havia lido trechos de “Guerra dos Mundos” na rádio e
com isto fez que muitos acreditassem que alienígenas haviam desembarcado aqui. O
fator que diferenciava aquele caso do seu é que parecia que as palavras transmitidas
pelo rádio sempre estiveram dentro dele, como um segredo que preferia esconder até de
si mesmo.
Um planeta não muito distante foi detectado estando em blueshift. Para poder
analisar o movimento de planetas distantes, é realizada uma análise espectroscópica,
onde se costuma encontrar astros com um deslocamento para o vermelho, o chamado
redshift, que significava que este estava se distanciando de nós. Portanto, um blueshift
representaria o exato oposto: um planeta vindo em nossa direção, sabe-se lá de que
tamanho. Atravessando o Universo e colidindo logo aqui. Nunca lhe passou pela cabeça a
incoerência destas informações: percebia a notícia como esperada, como se a sintonia
encontrada no aparato fosse a freqüência de suas próprias sinapses.
Sua tarefa, tão clara que era, o fez ignorar tudo que era superficial e dançar cada
ato de modo preciso. Nada de pausas para gastar tempo com o nada, goles de chá
gelado que não lhe ofereceram muito, conferir o e-mail que nunca chegou. Sabia que
precisava dormir como meio para um fim, o de sonhar. Ingeriu no seco o Valium
guardado na gaveta e esperou com os olhos fechados.
A espera pôde ser considerada desprezível. Quando olhou novamente para cima já
estava no sonho, observando o planeta no céu. Caminhou pelas redondezas de seu novo
habitat, seu novo mundo, procurando detalhadamente por detalhes, mas não os
encontrou. Perambulava por uma superfície rugosa, sem cor, dotada de um padrão
infalível e simples, e este se expandia até onde a luz permitia enxergar. A fonte desta
luminosidade era o corpo celeste em blueshift que o mirava, retribuindo a confusão em
seu olhar. Nada mais seria o mesmo. Admitindo para si mesmo que não sabia como agir,
decidiu sentar-se para admirar a entrada deste intruso na superfície de sua nova casa.
Esperava um espetáculo de cores, esperava coisas, esperava muitas, esperava
mudanças, esperava algo, fogos de artifícios não artificiais, chuvas de humores, cometas
fazendo loopings, uma lógica diferente, uma forma diferente, melhor ou pior, diferente.
Reclinou-se mais, deitando, e permaneceu inerte, assistindo calmamente àquele mundo
tornar-se parte do seu.
sobre as máquinas
acordar é um saco em especial quando uma guerra está ocorrendo por aqui.
pela minha janela assisto aos helicópteros pretos descarregarem caras vestido de preto
que descem por rapel e pela minha janela assisto caras vestidos de preto descendo por
rapel de helicópteros pretos
Eles não estão atrás da gente, não. Eles querem o que está atrás da casa. Por isso eles
vão ter que atravessar por aqui pelo meio estuprando nossa privacidade. É a única
maneira de pegar os alienígenas que pousaram ali no quintal, nos fundinhos. Onde uma
nave espacial redonda e fininha pousou, de onde saíram serzinhos cinzas & cabeçudos.
Todos eles com armas de raio laser desintegrador, as armas são armas que tem círculos
e círculos multicoloridos e formato retrô [esses marcianos estão na moda].
eles tentaram me vender roupas eles tentaram me vender armas eles tentaram me
vender
1
Não sei se a citação existe no livro. Pode ter preconceitos comigo, eu deixo, eu VI O FILME, mas
não li o livro. Processem-me.
2
Não. Sempre foi uma das minhas palavras favoritas. Tanto pelo seu significante quanto pelo seu
significado. Pena ser tão difícil de dizer. Não não não não n - pelo menos é fácil de digitar.
eu não me vendo não, disse minha esposa.
Mas!
Eles são imbatíveis, indetíveis, inparáveis [e outras palavras que não existem no
dicionário].
Eles estão abrindo malas & malas mostrando mais e mais coisas, mas a gente tá é de
saco cheio como eu já disse antes, a gente não quer nada, tente entender.
Marcianos para operadores de telemarketing, que tal? Eu gostei, mas eu sou meio
bobinho. Espero que você não seja, espero que você tenha preconceito contra ficção-
científica B, com arminhas laser, que ache isso tudo uma bobagem. Que você seja sério e
só goste de arte com questões psicanalíticas no meio. Que você deteste o nonsense o
fluxo de consciência os caras que não colocam vírgula quando deveriam os caras que não
gostam de usar crase nem trema espero que você tenha vinte livros pesados pra caralho
de gramática e não use nenhum como apoio de mesa. Espero que você ache ficção-
científica B um lixo. Porque eu não acho, porque os marcianos realmente estão aqui, os
policiais não param de disparar contra eles, e do que adianta se as balas não perfuram
seus corpos cinzas? Do que adianta adiantar adianta adiantar adiantar o relógio umas
horas antes e voltar a REdormir para talvez quando eu REacordar não tenha marciano no
quintal ou policial na frente. Mas eu tava tendo um pesadelo tri ruim eu não quero repetir
isso talvez voltar um pouco mais talvez mudar talvez sonhar o que eu quiser, talvez
controlar meu sonho, talvez controlar minha realidade, talvez re|sonhar talvez re|acordar
talvez re|ver o mundo talvez talvez mudar a realidade para o que eu quero que ela seja,
talvez sonhar com isso, talvez sonhar que eu possa mudar a realidade conforme meu bel-
prazer mas talvez não sirva para nada talvez os marcianos não vão embora talvez eles
tenham vindo para ficar e talvez eu nem esteja tão aí quanto a isso porque talvez soe
natural para mim afinal os marcianos, eles sempre estiveram aqui no meu quintal, desde
que eu nasci eu vejo os marcianos, na tevê, no rádio, é normal, oi marciano, tranqüilo?
Vai uma cerveja? Os policiais, eles sim, eles não existem, eles podem sumir com um
piscar de olhos, vai ser uma coisa a menos, não vai ter um campo de batalhas, vão ser só
marcianos passeando pela minha casa mijando no meu banheiro brincando com o meu
cachorro assistindo a tevê no meu sofá. FILHOS DA PUTA! Eu quero AAAAAA AAAAAA AAA
XXXXXXXXXXX
RETARDADOS||| COMO EU DETESTO
VOU DESLIGAR O TELEFONE NA CARA DELES HAHA ISSO SERIA BEM CRUEL.
flerte
Jabilowahlubiuagarramrrambrafwarrg.
I.
R., pingando de suor e olhando o relógio, decidiu entrar naquele prédio. Ficou no
lobby, esperando o porteiro se distrair. O sujeito de meia-idade tinha um olhar perdido
que dava a impressão que dormia de olhos abertos. Abaixou-se para pegar algo,
escondendo-se atrás do balcão. Esse é o momento, pensou R., e caminhou em direção ao
elevador com um passo indeciso e nervoso. Estava de porta aberta, ali no térreo, apenas
aguardando a entrada de algum passageiro. Panorâmico, R. apenas invadia prédios com
elevadores panorâmicos. Apertou os botões 12, 13 e 14.
O sol ainda estava longe de nascer. A cidade transpirava naquela que parecia ser
uma das noites mais quentes do verão. Um líquido viscoso escorria pelas laterais dos
prédios. Os arranha-céus tocavam as nuvens, as provocavam, na esperança de
convencê-las a fazer chover.
A cada andar que parava, um ruído exagerado saía dos mecanismos da porta que
abria e, naquele momento, R. tinha a possibilidade de vislumbrar um corredor escuro e
vazio, e, no fim de cada, duas portas. Chegando ao décimo quarto piso, apertou os
botões 15, 16 e 17.
II.
III.
Havia uma mulher atrás da porta. Eu acabei empurrando-a pro chão, e olha que
não abri com muita força. Deve ser leve ou frágil ou ambos. Havia uma mulher atrás da
porta, assim como tinham câmeras espalhadas pela entrada do prédio. No final das
contas, quem se importa?
IV.
V.
R. nunca tinha feito isso antes. Ele passou toda sua vida esperando que algo
fantástico acontecesse, e esse momento nunca chegou. É adequado dizer que toda sua
existência girou em torno do tédio: como enganá-lo, fingir que ele não existe, e assim por
diante. Todas suas ações foram nada mais do que uma lenta (e perdida) luta contra a
monotonia. Nos últimos três meses, passara as noites acordado, perambulando pela nada
segura cidade. Começou a invadir prédios, especialmente os com elevadores
panorâmicos. Subia até o último andar e ficava contemplando a cidade. Adorava os dias
de chuva. Tentava, ocasionalmente, fotografar os raios e relâmpagos, mas não havia
clique seu que fosse rápido o suficiente. Toda a vida fora da cidade era uma ilusão,
cenários montados em estúdios. Nunca tinha ido ao campo ou saído da cidade, nem
conhecia alguém que tivesse feito tal coisa. Os prédios sempre existiram, e sempre
tocaram as nuvens. Nada havia fora da cidade. Imaginou que, talvez, alguma noite
invadiria um prédio tão alto que passaria por cima das nuvens e que lá, então, estaria
tudo que existe fora da cidade.
VI.
VII.
Quando viu L. jogada no chão, R. pensou que seria ela quem o levaria para longe
da cidade.
esboço para um romance ambientado nos anos 60
Catorze anos não é uma idade legal. O governo deveria incluir no seu orçamento
um apoio psiquiátrico para pré-adolescentes, já que oferecem tantos serviços para idosos
e aposentados. Não é como se sofrêssemos menos. Se bem que deixa pra lá, nos
psiquiatras também não tenho muito mais fé. No final das contas, é algo muito superior,
e ninguém realmente vai conseguir te ajudar. Das poucas coisas que aprendi escutando
histórias do meu avô é que ninguém entende como eu me sinto. Para aquela geração,
tudo era óbvio e simples, dos pseudonamoros ao redor da praça até o catar de goiabas
bichadas nas árvores do quintal.
Não sei o que se passa com meu filho. Eu realmente quero entendê-lo, o senhor
sabe. Por que ele não se abre? Ele é tão conversador e simpático com todos que às vezes
acho que ele finge ter problemas apenas para chamar a atenção. Boas notas. O que inicia
isso tudo? Perco algumas noites de sono pensando nisso.
Mas exatamente o que...
É que eu temo o pior, sabe.
Meu pai acha que eu vou tentar me matar, ou algo assim, o que é um pensamento
bastante estúpido, uma vez que meus problemas situam-se no pólo oposto.
O problema do seu filho, se quiserem chamar assim, não tem relação alguma com
a morte, mas com a vida. Ele tem medo, sabe, de se soltar, sabe? Mas confiem em mim,
acho que estamos progredindo bastante na terapia. É uma questão de tempo até ele
confiar em mim para realmente expor o que há dentro dele que tanto o preocupa.
O psicólogo não consegue me acalmar. Essa normalidade é que me assusta.
É conhecida a história de um homem que ao entrar no elevador não percebeu que
este não estava em seu andar e caiu no poço, estatelando-se no chão. Demoraram dias
para encontrar seu corpo, o que só foi possível quando o cheiro se tornou forte demais. É
conhecida a história de um jovem que corria de kart quando seu cabelo prendeu no
motor traseiro, que sugou todo o seu couro cabeludo, junto é claro, com pedaço de seu
cérebro. Fico imaginando a expressão no rosto de seus pais (que nem sei se estavam
presentes) assistindo à cena. Tudo se passou em poucos segundos. Imagine sua criação
mais estimada, sendo grotescamente consumida na sua frente, sem que possas fazer
nada.
Tu acha que isso tudo é hipocondria?
Não, essa fase já passou. Doenças não são mais sua preocupação.
É conhecida a história de um casal de namorados que circulava pela cidade de
carro à noite, procurando um lugar para trepar. Foram seqüestrados por dois homens
com capuzes na cabeça, e o namorado foi forçado a assistir àquela pessoa a quem tinha
feito tantas juras de amor ser estuprada e torturada até a morte. Para logo depois, é
claro, também ser torturado e morto. É conhecida a história...
Eu achava que os pais se preocupavam com essas coisas. “Ai meu filho isso, ai
meu filho aquilo”. Se agasalha, não fale com estranhos, não beba do copo de mais
ninguém, cuida para ver se ninguém coloca nada na tua bebida...
Essa eu nunca entendi, a da bebida. Deve ter acontecido uma vez na história.
Como se os malvados que existem pelo mundo afora gostassem de desperdiçar suas
drogas em manés como a gente.
O psicólogo dele me disse hoje que, quando ele vai ao consultório, os dois
conversam normalmente sobre os amigos, jogos de computador, etc. Ele raramente
demonstra essa paranóia que a gente tem.
... a mulher atropelada por um caminhão, cuja roda esmagou seu crânio...
Mas isso não pode culminar em um surto, algo assim?
... a televisão caiu na banheira de modo que...
Exatamente o que te preocupa?
Não sei direito...
Filho.
Oi.
Isso não é necessário.
Confiem em mim, é.
Fala com a gente.
O filho começava a pregar tábuas de madeiras na porta. Havia compras no chão,
sacolas e sacolas cheias de comida enlatada.
Filho, isso é tudo na tua cabeça, isso não vai adiantar, é um movimento ridículo
frente à vida.
Mas que papinho bem estúpido. Parece um psicólogo de televisão, ou ator de
novela falando.
A cena não era furiosa, a discussão não era em voz alta. O silêncio na casa que
era.
Vocês vão ter que confiar em mim.
Ele passou para a fase de tapar as tomadas elétricas. Como se define uma cena
dessas, pensou o pai. Beira o ridículo, o patético, mas como rir estando amarrado e
realmente vivenciando tal absurdo?
A vida definitivamente exige certas restrições. A geração anterior, a de vocês, é
que é lenta e ainda não percebeu. Não dá mais para andar pela pracinha de noite ou
caminhar pelo centro. Tu, pai, tu tá com esse sorriso no rosto, não por muito, tenho fita
ali para tapar essa boca, tu deverias me escutar, vocês dois, por que vocês não são como
pais normais, que são obcecados pela segurança do filho? Eu que tenho que me
preocupar com tudo? Caiam na realidade, finquem os pés no chão, a vida pode não ser a
mais divertida, mas ainda é a única que temos, por isso temos que protegê-la a todo
custo. Eu soltaria vocês, se me ajudassem a pregar essas tábuas na porta. Que tal esse
acordo?
Mas isto não aconteceu, exceto na imaginação diária do garoto de catorze anos,
quinze anos,
dezesseis anos,
dezessete anos,
dezoito anos,
[...]
entre
> pode ser um convite de entrada, um convite para compartilhar certo mundo e tudo que
esta palavra ou sensação acarreta.
> pode ser a noção de que nunca se é algo separado, diferente;
sempre estaremos fazendo parte: sempre estaremos entre uma coisa e outra, > sempre
se estará <preso> entre duas coisas, sejam elas parênteses, colchetes, chaves, flechas,
pedaços de madeira, palavras, sinapses,
ou barreiras.
sobre os autores
Samanta Flôor é natural de Porto Alegre, mas considera-se pelotense. Atualmente tem 25
anos, mas faz desaniversário a cada 6 meses. É formada em arquitetura, mas não é
arquiteta. Prefere a forma à função e adora chocolate. Gosta de contar estórias através
de desenhos e rabisca como quem respira. Não consegue viver sem música. Atualmente
planeja uma fuga pra terra do nunca, mas isso é segredo.
Seu site pessoal é www.cornflake.com.br