Professional Documents
Culture Documents
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
1 1 2
Giovana
Abreu
,
Stephany
Lins ,
Mônica
Gouvêa
1
Curso
de
Produção
Cultural,
Instituto
de
Artes
e
Comunicação
Social
,
Universidade
Federal
Fluminense,
giovanaga@id.uff.br,
stephanylins@yahoo.com.br
2
Instituto
de
Saúde
Coletiva,
Mestrado
Profissional
de
Ensino
na
Saúde,
Universidade
Federal
Fluminense,
monicagouvea@gmail.com
Resumo:
O
artigo
objetivou
analisar
fatores
que
levam
um
seriado
a
permanecer
vivo
após
décadas
de
sua
estreia.
O
estudo
foi
realizado
a
partir
da
análise
da
série
britânica
“Doctor
Who”,
que
possui
cinquenta
e
três
anos
de
existência,
sendo
a
mais
longa
série
de
ficção
cientifica
na
televisão
à
cabo.
Foi
realizado
um
levantamento
com
fãs
utilizando-‐se
um
questionário
semiestruturado
enviado
por
redes
sociais.
Responderam
ao
formulário
243
brasileiros.
Conclui-‐se
que,
no
caso
da
série
estudada,
a
constante
dinâmica
de
renovação
do
enredo
e
elenco,
associada
ao
tema
da
viagem
no
tempo
vem
conquistando
os
fãs
e
justificando
sua
longevidade.
Palavras-‐chave:
Televisão;
Seriado;
Ficção
científica
Through
time
and
space:
The
Longevity
in
the
British
Series
"Doctor
Who"
Abstract.
The
article
aimed
to
analyze
factors
that
lead
a
show
to
stay
alive
after
decades
of
its
debut.
The
study
was
conducted
based
on
the
analysis
of
the
British
series
"Doctor
Who",
which
has
fifty-‐three
years
of
existence,
being
the
longest
series
of
science
fiction
on
cable
television.
A
survey
was
conducted
with
fans
of
the
series
using
a
semi-‐structured
form
submitted
by
social
networks.
For
this
research
243
Brazilian
fans
of
the
show
responded
to
the
form.
We
conclude
that,
in
the
case
of
the
studied
series,
the
constant
dynamics
of
renovation
of
the
plot
and
cast,
associated
with
the
time
travel
theme
has
gained
the
affection
of
the
fans
and
justifying
their
longevity.
Keywords:
Television;
Series.
Sci-‐Fi.
1 Introdução
Este
artigo
analisa
fatores
que
levam
à
permanência
de
series
televisiva
através
dos
tempos.
Parte-‐se
da
compreensão
de
Renata
Pallottini
que
define
uma
série
"como
uma
produção
ficcional
para
TV,
estruturada
em
episódios
independentes
que
têm
cada
um
em
si,
uma
unidade
relativa”
(Pallottini,
1998,
p.
29).
A
questão
norteadora
da
pesquisa
envolve
possíveis
motivos
capazes
de
fazer
com
que
um
seriado
permaneça
em
produção
mesmo
após
anos
de
sua
estreia.
Para
o
desenvolvimento
da
pesquisa
optou-‐se
por
investigar
uma
série
televisiva
britânica
de
ficção
científica
lendária
e
longeva
intitulada
Doctor
Who.
A
série
cuja
existência
ultrapassa
os
cinquenta
anos,
foi
criada
pela
rede
BBC
e
exibida
pela
primeira
vez
em
1963.
Quando
estreou
em
23
de
novembro
de
1963,
o
intuito
dos
produtores
era
criar
um
programa
educativo
infanto-‐juvenil
com
a
perspectiva
de
contribuir
com
o
ensino
e
a
aprendizagem
da
história.
A
história
gira
em
torno
de
um
viajante,
o
Doctor,
que
utiliza
uma
cabine
de
polícia
como
dispositivo
de
deslocamento
no
tempo
e
espaço.
Durante
suas
viagens
leva
sempre
uma
companhia
e
enfrenta
diversos
vilões,
sendo
que
de
tempos
em
tempos,
o
ator
que
interpreta
o
personagem
principal
é
715
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
substituído,
bem
como
sua
companhia.
A
série
ficou
26
anos
no
ar,
sendo
cancelada
em
1989.
Em
1996,
foi
lançado
um
filme
nela
baseado
e,
a
partir
de
2005,
houve
a
reestreia
definitiva
da
mesma.
No
ano
de
2016,
a
série
totaliza
13
diferentes
atores
no
papel
do
protagonista
Doctor.
Doctor
Who
possui
seis
spin-‐offs
1(“K-‐9
and
Company”,
Doctor
Who
Confidential,
“Totally
Doctor
Who”,
“The
Sarah
Jane
Adventures”,
“K-‐9”
e
“Torchwood”)
e
dois
recordes
no
Guinness
Book.
Foi
escolhida
como
a
“mais
bem
sucedida
série
de
ficção
cientifica
da
história”
e
a
“mais
longa
série
de
ficção
cientifica
da
história”.
Neste
último
premio
conquistado
na
edição
2007
do
Guinness
Book,
Doctor
Who
foi
seguido
pela
série
“Stargate
SG-‐1”
com
10
anos
de
longevidade,
reconhecida
como
a
"mais
longa
série
contínua",
ou
seja,
sem
longos
intervalos
entre
os
episódios.
Cabe
esclarecer
que
o
primeiro
período
da
série
(1963-‐1989)
é
conhecido
como
"Classic
Who"
e
o
segundo
período
(desde
2005),
como
“New
Who”.
Os
Whovians,
fãs
da
série,
são
conhecidos
como
um
fã
clube
“cult”,
assim
como
os
Trekkies
–
fãs
de
Star
Trek.
A
pesquisa
foi
realizada
no
mês
de
março
de
2016
através
do
envio
de
um
formulário
Google
Docs
contendo
um
questionário
com
questões
semi-‐estruturadas.
O
questionário
foi
enviado
para
redes
sociais
com
a
solicitação
de
ampla
divulgação
por
entre
pessoas
que
acompanham
a
série,
de
forma
a
identificar
fatores
capazes
de
explicar
sua
longevidade.
O
questionário
é
definido
por
Gil
(2008)
como
uma
técnica
de
investigação
composta
por
um
número
mais
ou
menos
elevado
de
questões
apresentadas
por
escrito,
com
objetivos
diversos.
Nessa
pesquisa
o
questionário
foi
escolhido
como
técnica
pela
adequação
ao
envio
para
um
grande
número
de
pessoas,
com
garantia
de
anonimato,
permitindo
aos
interessados
responder
às
questões
no
momento
julgado
mais
conveniente.
O
formulário
permaneceu
aberto
por
72
horas.
Os
dados
estruturados
foram
consolidados
por
estatística
simples
e
os
abertos
através
de
análise
temática.
3 Resultados
O
formulário
foi
compartilhado
especialmente
por
meio
de
redes
sociais,
tais
como
Facebook
e
Twitter,
e
a
pesquisa
recebeu
243
colaborações
espontâneas
no
período
em
que
o
Google
Docs
esteve
aberto.
Dentre
os
participantes,
67,9%
se
identificaram
como
sendo
do
gênero
feminino
e
32,1%
como
sendo
do
gênero
masculino,
observando-‐se
o
predomínio
de
mulheres
respondentes.
Com
relação
à
faixa
etária,
a
abrangência
foi
grande
uma
vez
que
foram
recebidos
questionários
preenchidos
por
pessoas
de
12
(doze)
a
até
51
(cinquenta
e
um)
anos.
Porém,
a
maioria
dos
colaboradores
(72,8%)
afirmou
ter
entre
15
e
25
anos.
A
maioria
dos
entrevistados
possui
ensino
superior
incompleto
(45,7%),
seguidos
de
superior
completo
(24,3%)
e
começou
a
assistir
a
série
entre
os
anos
de
2009
e
2013
(período
New
Who).
Com
relação
à
ocupação,
os
participantes
informaram
diversos
campos
de
atuação,
desde
professores
universitários,
médicos
e
engenheiros
até
trabalhadores
de
nível
médio
e
estudantes.
Cabe
ressaltar
que
quando
perguntados
com
relação
à
sua
ocupação
alguns
se
identificaram
como
“vagabundos”,
desocupados
ou
maratonistas
de
séries.
Essa
identidade
pode
ser
relacionada
ao
aumento
da
popularidade
de
"streamings"
que
vem
interferindo
de
forma
significativa
no
modo
de
consumo
de
conteúdos
audiovisuais,
em
especial
séries.
Sidneyeve
Matrix,
no
artigo
“The
Netflix
Effect:
Teens,
Binge
Watching,
and
On-‐Demand
1
Refere-‐‑se
a
um
novo
produto
televisivo,
derivado
de
uma
série
716
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
717
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
circulação
digital
(online
ou
não)
e
c)
os
novos
modos
de
consumo,
participação
e
crítica
textual.
Com
isso,
séries
fomentam
interesses
que
não
se
restringem
ao
envolvimento
de
comunidades
de
fãs
com
obras
específicas,
mas
também
indicam
a
formação
de
um
repertório
histórico
em
torno
desses
programas.
Cabe
também
ressaltar
que
os
participantes
reconhecem
no
Doctor,
uma
pessoa
de
natureza
imperfeita
que
faz
o
seu
melhor
e
que
valoriza
suas
companhias
nos
diferentes
tempos
e
espaços.
Cabe
ressaltar
que
suas
viagens
invariavelmente
incluem
personagens
femininos
fortes,
LGBTs
ou
negros.
Tal
demonstração
de
natureza
progressista
atua
como
um
processo
dialógico
entre
gerações,
renovando
e
atualizando
não
apenas
elenco
e
roteiros
como
também
mensagens
ideológicas.
4 Conclusão
A
análise
dos
dados
da
pesquisa
permitiu
concluir
que
os
fãs
participantes
associam
o
sucesso
da
série
em
especial,
à
perspectiva
de
renovação
periódica,
devido
à
flexibilidade
de
seu
roteiro
e
à
rotatividade
de
elenco.
Também
foi
muito
citado
o
interesse
na
perspectiva
da
viagem
no
tempo
e
espaço
e
a
magia
que
envolve
tal
deslocamento.
Jost
conta
que
Umberto
Eco
argumenta
que
as
séries
são
um
sucesso
por
que
acarretam
um
movimento
nostálgico
nas
pessoas,
quando
nos
fazem
lembrar
da
época
em
que
pedíamos
aos
nossos
pais
para
que
nos
contassem
infinitas
vezes,
nossa
estória
favorita
(Jost,
2012).
A
pesquisa
possibilitou
também
perceber
a
participação
ativa
dos
fãs
de
Doctor
Who
nas
redes
sociais,
na
medida
em
que
mais
de
duzentas
pessoas
responderam
ao
questionário
em
um
espaço
de
tempo
de
72h.
Saccomori
(2015)
ressalta
que,
no
tocante
às
séries,
o
papel
das
redes
sociais
e
da
noção
de
coletividade
merece
ser
destacada.
A
autora
afirma
que
em
um
mar
de
atrações
disponíveis
por
streaming,
é
praticamente
impossível
se
manter
a
par,
sozinho,
de
tudo
o
que
há
nos
serviços
sob
demanda.
Os
usuários
de
determinadas
comunidades
são
adeptos
de
práticas
de
engajamento
como
criação
de
listas,
wikis
e
fóruns
para
debater
seus
interesses.
Essa
ativa
participação
dos
fãs
corresponde
ao
fenômeno
descrito
por
Henry
Jenkins
em
A
Cultura
da
Convergência
a
respeito
de
como
os
consumidores
se
posicionam
perante
os
produtos
que
gostam
nos
tempos
contemporâneos
(Jenkins,
2009).
No
caso
da
série
envolvida
nesse
artigo,
a
força
do
fandom2
é
perceptível,
uma
vez
que
os
fãs
participantes
fizeram
questão
de
registrar
fortemente
o
carinho
pela
série.
Nesse
sentido,
Hadas
alerta
que
"em
uma
era
de
fragmentação
da
audiência
e
multiplicidade
de
canais,
um
forte
fandom
representa
um
tremendo
potencial
para
produtores
midiáticos:
uma
multidão
ferozmente
devotada
e
dedicada
de
consumidores,
defensores
e
anunciantes
livres
para
o
seu
objeto
de
adoração”
(Hadas,
2013,
p
331).
Hills
também
ressalta
que
o
conhecimento
sobre
fãs
é
importante
para
o
estudo
de
mídias
porque,
para
o
consumidor
contemporâneo,
ser
fã
é
uma
parte
às
vezes
muito
significativa
da
sua
identidade:
aspectos
que
formam
quem
são,
como
são,
sua
classe,
idade
e
gênero
(HILLS,
2008,
p.07)
Interessante
registrar
que
Tulloch
e
Jenkins
(2006)
se
tornaram
pioneiros
nos
estudos
de
fãs,
quando
pesquisaram
durante
a
década
de
90,
justamente
o
comportamento
de
fãs
da
série
Doctor
Who.
Na
época
o
estudo
possibilitou
classificar
os
fãs
da
série
em
dois
diferentes
grupos:
os
extremamente
ativos,
com
poder
e
influência
social
e
cultural,
capazes
de
interpretar
signos
de
2
Conjunto
de
fãs
da
série
718
>>Atas
CIAIQ2016
>>Investigação
Qualitativa
em
Ciências
Sociais//Investigación
Cualitativa
en
Ciencias
Sociales//Volume
3
forma
diferente
da
dos
demais
sujeitos;
e
os
apreciadores,
que
embora
demonstrem
interesse,
não
têm
o
mesmo
nível
de
engajamento,
não
sendo
identificados
como
figuras
presentes
e
participativas
de
grupos
de
fãs.
Por
fim,
a
pesquisa
sobre
a
longevidade
de
séries,
a
partir
do
estudo
da
série
Doctor
Who,
permitiu
perceber
que
os
principais
fatores
capazes
de
explicar
como
uma
série
consegue
ultrapassar
a
barreira
do
espaço-‐tempo
e
atingir
tantas
pessoas
de
tantos
países
e
culturas
diferentes
por
tanto
tempo,
podem
estar
relacionados
à
soma
entre
a
capacidade
de
renovação
do
roteiro/elenco
e
a
potencia
de
captação
do
afeto
dos
fãs
para
com
o
produto
final.
Referências
Auxilio,
T.,
Martino,
L.
M.
S.,
&
Marques,
Â.
C.
S.
Formas
específicas
de
produção
cultural
dos
fãs
brasileiros
da
série
britânica
Doctor
Who.
Quando
a
estrutura
e
a
agência
se
encontram:
os
fãs
e
o
poder,
110.
Gil,
A.
C.
(2008)
Métodos
e
Técnicas
de
Pesquisa
Social.
3
ed.São
Paulo:
Atlas.
Hadas,
L.(2013).
'Shipping'
and
the
discourse
of
genre
uniqueness
in
Doctor
Who
fandom.
European
Journal
of
Cultural
Studies
online,
16
(329).
p.
329-‐343.
Hills,
M.
(2008).We’re
all
fans
now.
In:
Media
Magazine.
Londres:
EMC.
p.7-‐10.
Jenkins,
H.
(2009).
Cultura
da
Convergência.
São
Paulo:
Aleph.
432
Jenkins,
H.(2006).
Fans,
Bloggers
and
Gamers:
Exploring
Participatory
Culture.
New
York:
University
Press.
Johnson,
S.
(2012).
Tudo
que
é
ruim
é
bom
para
você:
como
os
games
e
a
TV
nos
tornam
mais
inteligentes.
Rio
de
Janeiro,
Zahar.
184
p.
Jost,
F.
(2012)
Do
que
as
séries
americanas
são
sintoma?
Porto
Alegre:
Sulina,
2012
Matrix,
S.
(2014)
The
Netflix
Effect:
Teens,
Binge
Watching,
and
On-‐Demand
Digital
Media
Trends.
Jeunesse:
Young
People,
Texts,
Cultures,
6(1).
Pallottini,
R.
(2012)
.
Dramaturgia
de
Televisão.
2
ed.
Rio
de
Janeiro:
Perspectiva.
Saccomori,
C.
(2015)
Qualquer
Coisa
a
Qualquer
Hora
em
Qualquer
Lugar:
as
Novas
Experiências
de
Consumo
de
Seriados
via
Netflix.
Temática,
XI
(
04),
53-‐68.
Silva,
M.
V.
B.
(2014)
Cultura
das
Séries:
Forma,
Contexto
e
Consumo
de
Ficção
Seriada
na
Contemporaneidade.
Galaxia
(São
Paulo,
Online),
27,
p.
241-‐252.
Tulloch,
J.,
Jenkins
H.(1995)
Science
Fiction
Audiences:
Watching
Doctor
Who
and
Star
Trek.
Routledge.
719