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educação

360

Parceria Apoio

Realização
do encontro internacional, que quanto a plateia. As palestras
reuniu grandes pensadores, magnas foram ministradas
debatedores dos quatro cantos pelo catalão Manuel
apresentação do país, e um público de três
mil pessoas, entre professores,
Castells, um dos maiores
pensadores da atualidade,
Roberta Ferraz, gestores, alunos, familiares, o sociólogo francês Michel
coordenadora membros da comunidade, Maffesoli, o reitor honorário
representantes de ONGs, e do da Universidade de Lisboa
poder público e empresários, António Nóvoa e a secretária

A
terceira edição que se encantaram com as executiva do MEC, Maria
do Educação 360 apresentações de dezenas de Helena Guimarães. Oito mesas
aconteceu num exemplos de sucesso. abordaram tópicos como
momento crucial para a Realizado pelos jornais O Educação e Cultura, Gestão,
educação do país: no ano da GLOBO e EXTRA, em parceria Clima Escolar, Inovação,
definição da Base Nacional com a Prefeitura do Rio e o Currículo e Protagonismo do
Comum Curricular e um dia Sesc, e o apoio da Coca-Cola Aluno. Cada mesa contou
depois do anúncio da MP da Brasil, da TV Globo e do Canal com dois debatedores e a
reforma do ensino médio. Os Futura, o seminário aconteceu apresentação de três estudos
dois assuntos pautaram muitas nos dias 23 e 24 de setembro de casos, exemplos que estão
discussões no evento. Mas o de 2016, na Escola Sesc de dando certo em educação,
debate sobre educação é muito Ensino Médio, no Rio de no país e no mundo, com o
mais amplo. E envolve toda a Janeiro. objetivo de inspirar o público
sociedade. Essa é a proposta A programação foi tão eclética para que sejam replicados.

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Participaram delas o sociólogo Institute of Technology (MIT) nas atividades. Fitas coloridas
César Callegari, o educador David Cavallo, entre outros. simbolizavam as conexões em
português José Pacheco, As novidades deste ano foram rede e o compartilhamento
o economista do Instituto os espaços de degustação de de informações, e cadeiras no
Ayrton Senna e professor novidades tecnológicas em lago — marca registrada do
do Insper Ricardo Paes de educação e as oficinas maker evento — a desconstrução
Barros, o diretor regional do com aulas bem diversas, da sala de aula, reforçando
Sesc SP Danilo Miranda, a onde se era possível aprender o conceito de que Educação
pedagoga e ex-presidente da desde holografia e realidade hoje está em todo lugar.
União Nacional dos Dirigentes aumentada até o uso de E deve ser discutida e
Municipais de Educação smartphones na sala de aula. aprimorada por todos. A
(Undime) Cleuza Repulho, Por ser um evento voltado terceira edição acabou, mas
o presidente do Conselho para a sociedade, e não a proposta do Educação 360
Nacional de Secretários de restrito a educadores, a permanece o ano inteiro,
Educação (Consed), Eduardo cenografia tinha um papel em encontros menores com
Deschamps, o CEO do fundamental e cumpriu sua temas específicos, no site
Instituto Alana, Marcos Nisti, missão: integrar-se de forma www.educaçao360.com e na
e o pesquisador americano do bela e criativa ao conteúdo. página no Facebook. Junte-se
Media Lab do Massachusetts Assinada por Abel Gomes, foi ao Educação 360: participe,
inspirada em temas abordados discuta, sugira, inspire-se,
informe-se, faça acontecer.

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A
educação brasileira como Manuel Castells,
precisa de ideias Michel Maffesoli e António
inspiradoras para inovar. Nóvoa. Mas a edição deste
INSPIRAÇÃO E Necessita também conhecer ano ganhou ainda mais
EDUCAÇÃO DE mais e melhores práticas bem-
sucedidas, executadas por
temperatura pelo fato de ter
acontecido dois dias depois
QUALIDADE educadores brasileiros nos mais de o governo ter enviado uma
diferentes contextos. Tudo isso proposta de reforma do ensino
Antonio Gois,
precisa vir à tona, mas sem médio, tema que ocupou boa
colunista do Globo
deixar de debater de forma parte da apresentação de
franca e honesta nossas feridas Maria Helena Guimarães de
e graves problemas no setor. Castro e que acabou sendo
Tudo isso aconteceu na terceira debatido pelo público em
edição do Educação 360. várias outras apresentações
Como nos anos e em conversas durante os
anteriores, o evento de 2016 intervalos das sessões.
contou com pensadores Na edição de 2016,
de prestígio internacional, houve também uma inovação

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no formato das mesas. O questão, que nunca podemos de qualidade para poucos.
público teve acesso a estudos esquecer, é que aquela era Hoje, o desafio é garantir
de casos apresentados por uma escola pública para qualidade para todos. Temos
seus protagonistas e depois poucos. O Censo do IBGE de um grande esforço pela
debatidos por especialistas 1940, por exemplo, mostra frente, que exige investimento
nos temas. Em praticamente que apenas 31% das crianças e a garantia de que educação
todas as mesas ficava uma de 7 a 14 anos tinham acesso seja mesmo prioridade. Se
pergunta no ar: se somos à escola naquela época, analisarmos seriamente nossos
capazes, mesmo em contextos percentual hoje que está problemas, inspirarmos-nos no
desafiadores, de encontrar próximo de 100%. que vem dando certo aqui ou
soluções criativas e efetivas Perdemos muito tempo lá fora, e não deixar nunca de
para nossos problemas, por e sofremos os efeitos desse buscar inspiração em grandes
que não conseguimos avançar atraso histórico até hoje, ideias, essa tarefa ficará muito
no ritmo que precisamos? acreditando que era possível mais fácil.
Quem estudou na ter desenvolvimento social e
escola pública do passado econômico dando educação
costuma dizer que lá havia
ensino de qualidade. Não há
avaliações que nos permitam
comparar com precisão os
níveis de aprendizagem dos
alunos em meados do século
passado e hoje, mas é bem
provável que seja verdade. A

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10.125
CURTIDAS NA FANPAGE NO
MÊS DO EVENTO

10.972 INTERAÇÕES NOS

657.099
POSTS DO EVENTO

PESSOAS ALCANÇADAS PELA


FANPAGE DO EVENTO

10h
TRANSMISSÃO ON-LINE NOS
SITES DO GLOBO E DO EXTRA
511
MENÇÕES NAS REDES
3.000
SOCIAIS NA SEMANA
DO EVENTO PESSOAS PARTICIPARAM
6 DAS ATIVIDADES
21
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ESTUDOS DE CASO

PALESTRANTES

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ÍNDI
MAGNAS
CE
MARIA HELENA MICHEL
GUIMARÃES MAFFESOLI

PÁGINA 10 PÁGINA 18

MANUEL ANTÓNIO
CASTELLS NÓVOA

PÁGINA 14 PÁGINA 22

MESAS DE DEBATE
TECNOLOGIA E INOVAÇÃO .................PÁGINA 26 ESCOLA CONSCIENTE,
EDUCAÇÃO E CULTURA.......................PÁGINA 32 NUTRIÇÃO INTELIGENTE ....................PÁGINA 68
CLIMA ESCOLAR ..................................PÁGINA 38 TV GLOBO:
EDUCAÇÃO E COMUNIDADE ..............PÁGINA 44 QUANTIDADE x QUALIDADE
MITOS & FATOS ............................ PÁGINA 72
GESTÃO................................................PÁGINA 50
CANAL FUTURA:
O ALUNO COMO PROTAGONISTA ....PÁGINA 56
ESCOLAS QUE DERAM
CURRÍCULO E AVALIAÇÃO ................PÁGINA 62 A VOLTA POR CIMA ...................... PÁGINA 76

OFICINA TECNOLOGIA
PÁGINA 80 PÁGINA 81
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magnas
MARIA HELENA GUIMARÃES
E
m meio à polêmica do estão alcançando o mínimo espe-
anúncio de uma Medida Pro- rado nem em Português nem em
visória para reforma do ensino Matemática. Os jovens não es-
médio, a secretária executiva do Mi- tão preparados para enfrentar
nistério da Educação (MEC), Maria o currículo do ensino médio —
Helena Guimarães, foi a primeira a declarou.
ministrar palestra na terceira edi- O mau desempenho dos jo-
ção do Educação 360. Em pauta vens no ensino médio é uma
estavam os grandes desafios da grande preocupação da se-
educação brasileira. cretária, que usou dados do
— Tivemos avanços impor- Ideb e do Sistema de Ava-
tantes nos últimos 20 anos, liação da Educação Básica
sobretudo em matéria de co- (Saeb) para mostrar como
bertura e inclusão. De forma essa etapa de ensino não
geral, o Brasil melhorou muito tem evoluído.
no quesito da educação, mas — No caso do ensino
ainda temos alguns proble- médio, a situação é um
A CRISE mas que, se não forem re-
solvidos, se transformarão
pouco pior. Não só o Ideb
não é alcançado, como nos

SIGNIFICA em dificuldades muito fortes


num futuro imediato — aler-
dados da prova do Saeb o
desempenho em matemá-
tou a secretária, que assumiu tica piorou em comparação
QUE O o cargo em maio deste ano.
Para Maria Helena, o
a 2013 e em Português fi-
cou estagnado.
aprendizado dos alunos de Em relação às prioridades
MODELO forma geral está melhoran-
do devagar em comparação
do MEC, Maria Helena afir-
mou, durante a palestra, que

NÃO com os investimentos que


foram feitos na educação. A
a de número um é a con-
clusão da Base Nacional Co-
secretária também mostrou mum Curricular (BNCC) para
FUNCIONA, que, segundo o Índice de De-
senvolvimento da Educação
o ensino infantil e fundamen-
tal, para ser enviada ao Con-

FALIU Básica (Ideb), o desempenho


das crianças vem melhorando
selho Nacional de Educação
até o final de 2016.
desde 2007 nos anos iniciais A formação de professo-
do ensino fundamental, mas res foi considerada pela se-
o mesmo não ocorre nos anos cretária o maior desafio da
finais e no ensino médio. pasta, por conta da falta de
— De 2003 a 2014, os da- comunicação entre os pro-
dos do Inep (Instituto Nacional jetos existentes nessa área.
de Estudos e Pesquisas Educa- Segundo Maria Helena, o
cionais Anísio Teixeira) mostram governo pretende articular os
a evolução do investimento em cursos de formação existentes
educação pública, especialmen- em duas grandes linhas: uma
te na básica. No entanto, a me- voltada para a formação inicial
lhora do ensino não acompanhou e outra, para formação conti-
os investimentos feitos nos três nuada.
níveis de governo e no setor priva- — Não temos uma proposta
do. Temos um quadro muito preocu- pronta, estamos iniciando um
pante, os jovens de 14 e 15 anos não grupo de trabalho. Vamos fazer

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debates e convidar as associa-
ções e entidades para discutir
a melhor forma de integração.
A necessidade de juntar esses
programas é enorme, para via-
bilizar a criação de uma política
de formação que leve em conta
os grandes desafios da educa-
ção brasileira.
O aumento do número de va-
gas nas creches e a universaliza-
ção da pré-escola também estão
na lista de urgências do MEC,
que, segundo Maria Helena, vai
buscar apoio de outras esferas
de poder para concluir a meta.
— Pretendemos incentivar os
estados e municípios para pro- tinuamente, é uma
mover a ampliação da educação das maiores prioridades
infantil, especialmente a univer- do MEC.
salização da pré-escola, que de- Os principais pontos do do-
veria ter sido concluída no final cumento determinam a divisão
deste ano, mas não aconteceu. do ensino médio em duas par-
Temos ainda 700 mil crianças tes: uma obrigatória para todos,
fora da pré-escola, é uma meta definida pela BNCC do ensino sensíveis do momento
importante que precisa ser al- médio, que na época ainda não e que geraram polêmica entre
cançada — afirmou. existia; e a outra voltada para profissionais da educação, para
Outro item destacado pela o aprofundamento em cinco esclarecer com a secretária.
secretária foi a alfabetização in- ênfases que serão escolhidas Maria Helena foi questiona-
fantil e a necessidade de maio- pelos alunos. Outra mudança da sobre a utilização de uma
res investimentos nos municí- mostrada pela secretária du- medida provisória para imple-
pios para viabilizar o alcance da rante a palestra é a ampliação mentar as reformas; a queda
meta dessa etapa de ensino. gradual da jornada escolar para da obrigatoriedade no currículo
— Nossas crianças não estão turno integral. do ensino médio de Filosofia,
sendo devidamente alfabetiza- — A flexibilização do cur- Sociologia, Artes e Educação
das. Os municípios são respon- rículo é a mudança principal. Física; a mudança das escolas
sáveis por 82% das matrículas Hoje nós temos as 13 discipli- dessa etapa de ensino para o
nos anos iniciais e precisam de nas obrigatórias nos três anos. horário integral; e a permissão
apoio na formação de profes- O que será obrigatório é a base, de professores com notório sa-
sores, no fornecimento de ma- que ainda vai ser formulada. A ber para dar aulas.
teriais e na criação de progra- metade da carga horária total — A criação da MP não signi-
mas que funcionem bem para do ensino médio pode ser flexí- fica falta de debate e de conheci-
a meta de alfabetização infantil vel — contou. mento, mas, sim, o caráter de ur-
ser alcançada. Durante toda a palestra, o gência dessa questão. Sabemos
A secretária aproveitou sua mediador da mesa, o colunista que o fracasso do ensino médio
fala para tentar esclarecer as im- do GLOBO Antônio Gois, rece- brasileiro é um dado apontado
plicações da Medida Provisória beu perguntas escritas pela pla- por especialistas na área. A cri-
da reforma do ensino médio, teia sobre a reforma do ensino se significa que o modelo não
que, por conta dos maus resulta- médio. Para a sessão de deba- funciona, faliu. O ensino médio
dos que vem apresentando con- tes, ele escolheu os tópicos mais brasileiro é o único do mundo

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ção, linguagem de programa-
ção. Também vai ser possível,
por exemplo, criar uma ênfase
numa área que valorize o de-
senvolvimento do esporte e a
preparação de atletas. A escola
vai ter liberdade para fazer es-
sas escolhas — garantiu.
Quanto à questão do reco-
nhecimento de profissionais
com notório saber para dar au-
las em áreas afins à sua forma-
ção, a secretária esclareceu que
a medida foi pensada para en-
sino técnico e educação profis-
sional. Porém, ela garantiu que,
mesmo com o notório saber, os
para fazermos cor- profissionais obrigatoriamente
reções, melhorando o têm que ter um complemento
projeto para expandir aos pedagógico para dar aulas.
poucos e não começar tudo de — Sem essa complemen-
uma vez, sem ter avaliação. As- tação, não tem como o pro-
sim se gasta um monte de di- fissional ter a didática que ele
nheiro e não se tem resultado. precisa para dar aulas e ser um
engessado com 13 dis- Nosso objetivo é fazer com res- bom professor. Isso (o notório
ciplinas obrigatórias. O jovem ponsabilidade e muito cuidado. saber) não exclui a importância
precisa ter a possibilidade de se Outra polêmica envolvendo a de ter uma complementação
aprofundar em áreas de conhe- leitura da MP e a falta de uma didático-pedagógica para que
cimento, faz muito mais sentido BNCC aprovada é a confusão o profissional atue na escola —
para ele — explicou. em torno da obrigatoriedade ou assegurou.
Em relação à verba de R$ 1,5 não de Educação Física, Artes, A secretária também ressal-
bilhão que será oferecida aos Filosofia e Sociologia no currí- tou a importância do papel da
estados para implementação culo. Maria Helena garantiu que formação de professores nos
das medidas, principalmente essas disciplinas estarão presen- próximos dois anos para imple-
do ensino integral, a secretária tes no documento e poderão mentação da reforma do ensi-
admitiu que é um valor peque- ser aprofundadas conforme as no médio e da BNCC:
no, considerando-se o tama- escolas organizarem as áreas de — Já está sendo discutida
nho da rede de ensino no país. conhecimentos com ênfases em uma proposta de apoio aos es-
Porém, defendeu a importância determinados temas. tados na área de formação. Os
de expandir a integralização — Acho praticamente im- recursos previstos para os dife-
aos poucos, conforme a meta possível imaginar essas quatro rentes cursos vão ter um rede-
do Plano Nacional de Educação: disciplinas fora da BNCC, é senho considerando a reforma
— O nosso projeto está mui- claro que estarão. Na metade do ensino médio e a nova base.
to bem formulado e não que- flexível do currículo, por exem- A BNCC só vai se concretizar
remos errar. O MEC tem inves- plo, na ênfase em Humani- se os professores estiverem
tido muitos recursos em ensino dades, é possível contemplar bem preparados para serem os
integral que não estão dando mais profundamente Filosofia, agentes dessa mudança.
resultado. Para ser bem feito, Sociologia, História... Já numa
precisa ser administrável, ter ênfase em Matemática, é possí-
acompanhamento e avaliação vel contemplar arte, diagrama-

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MANUEL CASTELLS
O
renomado soció- nos promovem por publicar. A
logo espanhol Ma- minha paixão, a minha vida é a
nuel Castells encerrou universidade, por isso posso cri-
o primeiro dia do encon- ticá-la. Se não formos capazes
tro Educação 360 discursando so- de mudar o ensino superior,
bre as condições da universidade perderemos o privilégio que é
na sociedade contemporânea, dedicar a vida à educação —
como ela está se transformando afirmou.
e quais os principais obstáculos Outro problema do ensi-
burocráticos e econômicos para no superior atualmente, de
essas mudanças. Autor da trilo- acordo com o especialista,
gia “A era da informação: eco- é a facilidade do setor em
nomia, sociedade e cultura”, se tornar vulnerável às deci-
o acadêmico também criticou sões mercadológicas.
a divisão entre instituições — A universidade é o mer-
públicas e privadas no Brasil, cado mais apetecível para
ressaltando que esse modelo grandes empresas mercená-
reproduz a desigualdade so- rias. Precisamos defender a
cial do país. universidade das deforma-
— O sistema educacional ções causadas pelo merca-
O SISTEMA brasileiro tem qualidades,
mas é injusto. As universida-
do. Em todo o mundo está
se perdendo a legitimidade
des públicas são de relativa por conta disso.
EDUCACIONAL boa qualidade, algumas a ní-
veis internacionais e são em
O sociólogo também ana-
lisou os diferentes modelos

BRASILEIRO TEM grande parte gratuitas. Por


conta dos critérios de sele-
de universidade que existi-
ram ao longo da História e
ção, elas são destinadas para que, hoje, combinam-se nas
QUALIDADES a classe média. E os setores
populares pagam muito mais
distintas funções atribuídas
ao ensino superior.

MAS É INJUSTO
caro por universidades priva- — Em primeiro lugar, as
das que têm qualidade du- universidades se destina-
vidosa. Isso é um sistema de vam à produção de valores
injustiça social — avaliou. e à sua legitimação social.
Castells criticou a burocrati- Depois, passaram a fazer a
zação do ensino superior e a seleção das elites e a forma-
falta de adaptação de algumas ção dos núcleos de poder,
instituições ao seu entorno tec- tanto na educação especia-
nológico. Outro ponto que pre- lizada quanto na formação
cisa sofrer mudanças urgentes, de um meio social dirigente
segundo o sociólogo, que teve da sociedade. É o caso da Ivy
apoio da plateia, é a tendência League, nos Estados Unidos,
de as instituições servirem aos e de Oxford e Cambridge, na
interesses dos professores, antes Inglaterra. No Brasil, a USP é
dos do aluno. Para ele, isso é ca- a matriz das elites nacionais.
racterizado pelo conflito entre en- Essas universidades são um
sinar bem e publicar artigos cien- clube privado de relações so-
tíficos, cobrados pelo sistema como ciais — brincou.
forma de promoção dos docentes. Outra função das universi-
— Nos pagam para ensinar, mas dades, segundo Castells, é a

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“Falta uma
reciclagem
constante em
toda a etapa
profissional, mas
isso é muito difícil
porque tem que
ser feito ao mesmo
tempo em que se
trabalha” — Um modelo que
vamos encontrar em
formação de profissionais fun- qualquer instituição, com
damentais para o sistema pro- ênfases diferentes, é a univer-
dutivo e para a organização da sidade empreendedora. Ela se
sociedade. organiza em torno do desenvol-
— No Brasil sempre se deu vimento de capacidades profis-
muita ênfase às escolas de for- sionais ligadas à cadeia produ- mia, as especialidades
mação de engenheiros e de tiva, sobretudo com a iniciativa concretas que existem hoje vão
advogados. Mais tarde, histo- privada. Mas, de qualquer ma- desaparecer em cinco anos. O
ricamente, as escolas de negó- neira, todas essas funções es- trabalhador precisa se adaptar,
cios ingressaram nesse cenário, tão presentes hoje de formas e uma formação muito especia-
convertendo-se num dos inves- distintas em cada sistema de lizada não permite a capacida-
timentos dominantes dos siste- ensino superior — explicou. de de adaptação tecnológica.
mas universitários. Para o sociólogo espanhol, Falta uma reciclagem constante
De acordo com Castells, a a produção de conhecimento em toda a etapa profissional,
universidade científica, com or- e inovação tecnológica são a mas isso é muito difícil porque
ganização econômica e produ- base da riqueza contemporâ- tem que ser feito ao mesmo
tiva voltada para a produção de nea e se tornaram essenciais tempo em que se trabalha.
conhecimento avançado, con- para a sociedade em rede, Nesse aspecto, as universidades
vertido em informação de alto o que justifica, mais do que à distância são fundamentais
nível, é recente. O sociólogo quaisquer outros fatores, a im- porque permitem essa atualiza-
citou como exemplo a experi- portância das universidades. ção sem sair da rotina pessoal e
ência das instituições públicas Outro aspecto importante é a profissional — defendeu.
americanas. Outro modelo de mudança na força de trabalho Nessa linha, Castells de-
ensino mencionado na pales- que vem acontecendo nos últi- fendeu que uma função im-
tra é mais generalista e voltado mos anos e que ainda vai trans- portantíssima não só das uni-
para melhorar o nível da educa- formar muito as profissões no versidades, mas do sistema
ção no conjunto da sociedade futuro. Castells acredita que o educacional como um todo
e acontece em instituições fran- mais importante para o traba- atualmente, é a formação de
cesas, italianas, espanholas e lhador é adquirir a capacidade indivíduos com um novo tipo
latino-americanas, a partir dos de ser autoprogramável. de personalidade que seja, so-
anos 40. — No nosso tipo de econo- bretudo, mutável ao longo da

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sistema de regulação do Chile,
que passou a regulamentar ins-
tituições desse tipo, retirando
sua acreditação quando não
era atestada qualidade mínima.
— O grande problema dessas
universidades digitais é a falta de
qualidade por serem um simples
negócio. O contato regular com
os estudantes e as aulas são ex-
tremamente limitados. A univer-
sidade de qualidade é mais cara
porque requer mais recursos,
como monitoria individual por
estudante — disse.
O sociólogo também conde-
nou a divisão do sistema univer-
sidades presenciais, sitário em disciplinas, alegando
que, segundo ele, são que a interdisciplinaridade é a
essenciais na formação dos base da formação e da ciência
jovens por se tratarem de um moderna.
meio social. O sociólogo res- — As fronteiras das discipli-
saltou, no entanto, que a dis- nas desapareceram. As univer-
tinção feita entre universidades sidades que mantêm a divisão
vida. O sociólogo acre- virtuais e reais é antiga e precisa por disciplina obrigam os pes-
dita que alguns valores preci- ser repensada. quisadores a colaborarem entre
sam ser reforçados para fortale- — Essa diferenciação não cor- si em segredo. Nunca entendi a
cer a capacidade de adaptação. responde à realidade. Todas as distinção entre ciência política e
— As condições de vida vão universidades são híbridas, elas sociologia política — brincou,
mudar constantemente. Isso re- combinam o real e o virtual. Os arrancando risos da plateia.
quer pessoas com personalida- alunos passam muito tempo on- A falta de autonomia do en-
des flexíveis e adaptáveis, mas -line, assim como os professores, sino superior em relação aos ór-
que ao mesmo tempo sejam que trocam muitas informações gãos públicos foi apontada por
suficientemente firmes para dessa maneira. O professor tem Castells como um dos maiores
não se romperem em tempos uma relação pessoal com o alu- entraves para o fomento da
de crise e manterem uma tra- no, mas no conjunto do sistema inovação no ensino superior.
jetória de vida. A família, não universitário move-se para uma — A inovação aproveita as
importa o tipo, é o valor mais nova pedagogia que integre os brechas do sistema. Existe uma
importante do mundo no sen- diferentes modos de comunica- esfera maior que é o Ministério
tido profundo do termo, de ção no dia a dia das universida- da Educação que foi feito para
que você sempre poderá contar des — avaliou. não permitir inovação. No Bra-
com as pessoas. Isso se mol- Castells também criticou a sil, vocês têm mais flexibilida-
da na escola primária, mas se explosão de universidades à de... Na Espanha, o ministério
acentua na universidade e pre- distância no mundo porque, decide o programa de todas as
cisa de reforço — explicou. segundo ele, na maioria das disciplinas, de todas as universi-
Apesar da importância atri- vezes são instituições de má dade. Isso é o contrário de pro-
buída ao ensino à distância qualidade, que visam apenas gresso. O grande segredo das
para atualização profissional, ao lucro dos seus donos e não universidades americanas é que
Castells defendeu a importân- geram inovação e avanços tec- não há ministério da educação,
cia da existência das univer- nológicos. O sociólogo citou o elas têm autonomia total.

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MICHEL MAFFESOLI
O
sociológo fran- Segundo ele, a História do mundo
cês Michel Maffe- é pendular.
soli abriu o segundo — Para lembrar a etimologia
dia do encontro Edu- da palavra, “época” significa,
cação 360 descrevendo uma era em grego, parênteses, que
dos afetos. Na avaliação dele, a se abre e fecha. Estamos fe-
era moderna chegou ao fim em chando o parênteses da épo-
meados do século XX, junto de ca moderna e abrindo a pós-
seus paradigmas. O individua- -modernidade — disse ele.
lismo deu lugar à “pessoa plu- — Quando há mudanças de
ral”, a crença no presente saiu época, existe um processo
de cena para a valorização do de saturação. A saturação
presente, e o racionalismo é um conceito proposto por
caiu diante do sentimento. um sociólogo americano
Este é, para o professor da usando o exemplo da sa-
Universidade Sorbonne, na turação química. Em certo
França, o “espírito coletivo” ponto, as moléculas que
da pós-modernidade. formam um corpo não po-
— O que está em jogo dem mais ficar juntas. Exis-
na contemporaneidade é te, então, uma destruição
O FIM DE a diversidade, em todos os
setores: cultural, sexual, reli-
desse corpo e, ao mesmo
tempo, essas mesmas mo-

UM MUNDO
gioso. O século XIX buscava léculas vão entrar em ou-
reduzir tudo a um, diminuir tro corpo, uma recomposi-
as diferenças. Não pode- ção. O fim de um mundo
NÃO É O FIM mos mais. A imagem atual
é como um mosaico. Existe
não é o fim do mundo.
É nesse ponto de re-
uma coerência no todo, po- construção que estamos
DO MUNDO rém cada peça mantém sua
própria configuração. Um
vivendo, avalia Maffesoli.
Há, inclusive, o desafio de
policulturalismo. Pode haver nomeá-lo com exatidão.
uma harmonia a partir das Segundo o sociólogo, cha-
diferenças, uma harmonia mamos isso de crise. Não
conflituosa. A diversidade é só econômica, mas social.
o fundamento da pós-mo- Cada época tem um imagi-
dernidade — afirmou o pen- nário específico. Um clima.
sador. E também uma “atmosfera
O centro da fala de Maf- mental” diferente.
fesoli são as formas de socia- Na modernidade, o ho-
lização. Segundo o autor, a mem era centrado no in-
educação é o processo de tirar divíduo — aliás, para o
a criança da barbárie e inseri-la professor, é o conceito de
na civilização, e isso funcionou individualidade, que nasce
bem para a modernidade. Mas no século XIX, a fundação
não mais. Na avaliação do soci- dessa era. Naquele momen-
ólogo, a História do mundo não to, a Reforma Protestante
é linear ou progressista — Maf- traduziu a Bíblia para as lín-
fesoli critica a ideia de que a Hu- guas profanas e pregou a va-
manidade saiu de um ponto de bar- lorização do trabalho — antes,
bárie para um ponto de progresso. associado à desonra. A crença

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num futuro melhor — a ideia
de que o mundo é um terreno
de transição – e a dialética em
alta criaram outras duas mar-
cas dessa época: a postergação
do gozo (a valorização do que
vem depois) e o racionalismo
(a crença absoluta na razão).
— Esses aspectos consti-
tuem a paranoia moderna,
que também chamo de para-
noia educativa. Paranoia signi-
fica um pensamento que vem
do alto, que vai se impor. Isso
me parece saturado, mas ain-
da existe. Não acredito que
podemos desperdiçar energia
juvenil com esses valores. Os
astrofísicos nos explicaram que
ainda vemos a luz de uma es-
trela muito depois de ela mor-
rer. Vivemos essa situação. A
grande paranoia moderna,
que contribuiu para coisas lin-
das, está saturada e não nos “Pode haver uma
demos conta.
Michel Maffesoli é um teóri- harmonia a partir
co da pós-modernidade e um tempo. O presente passa a
fenomenólogo das tribos. E é das diferenças, ser mais valorizado. O aqui e
com base em suas especialida- agora, como ele diz. O traba-
des que ele prevê o futuro da uma harmonia lho perde valor para o sentido
socialização das crianças. Sua
hipótese é que, com a pós-
conflituosa. de criação. Na visão de Maffe-
soli, o sonho agora é transfor-
-modernidade, a forma como A diversidade é mar a própria vida em obra de
socializamos nossas crianças arte. Há, segundo ele, ainda
não seja mais baseada na edu- o fundamento da uma relação entre essa valori-
cação, mas, sim, no conceito zação do presente com o culto
antropológico de iniciação — pós-modernidade” ao corpo:
“Com outra palavra, talvez”, — Não sentimos mais, como
ressalta ele —, como numa (Sigmund) Freud afirmou so-
volta ao passado das tribos. analisa: — As tribos são for- bre a modernidade, o poster-
— O desafio é como vamos madas por compartilhamentos gamento do gozo, mas agora
mobilizar a energia dos jovens de gostos, não de ideias. Um é o repatriamento do gozo. O
sem castrá-la demais. A gente gosto sexual, musical, esporti- correlato é a importância do
vai acentuar imaginários cole- vo. Não estamos mais enclau- corpo, que se veste, e a mus-
tivos, sonhos, ideais, fantasias. surados no “eu mestre de mim culação. Presenteísmo é como
Existe nessas jovens gerações mesmo”, mas, em primeiro lu- eu chamo a importância do
uma coisa que vai acentuar as gar, privilegiamos a tribo onde corpo.
emoções vividas em comum, vivemos. Na avaliação de Maffesoli,
dos afetos e sentimentos — Outra mudança seria a do a passagem da modernidade

20
20
da na verticalidade. O oposto
da paranoia vertical é o nas-
cimento de um saber juve-
nil que temos que compor e
acompanhar, saber que isso
vai reinvestir, reutilizar e reinte-
grar uma série de parâmetros,
como o lúdico, que está sendo
colocado de lado. Não há mais
separação entre corpo e men-
te — disse Maffesoli: — A lei
dos irmãos está em construção
no pacto da sociedade basea-
do no sentimento. É isso o que
precisamos encontrar. Cada
época sonha com a próxima,
e é preciso acompanhar esse
sentimento. É isso que está em
jogo hoje em dia.
E se a escola resistir às mu-
danças?, foi perguntado a Ma-
ffesoli. O caminho seria a mor-
“O desafio é te, assim como acontece com
a política. De acordo com o
como vamos pensador, o risco é a escola se
tornar um dinossauro: aquele
mobilizar a que morre por não saber se
marca o fim do racionalismo: adaptar ao clima:
os seres pós-modernos acen- energia dos — Ou vai morrer ou vamos
tuam o sentimento e as vibra- saber nos ajustar na horizonta-
ções espirituais e artísticas. jovens sem lidade. Foi isso que chamei de
Segundo ele, a melhor palavra iniciação. Dou aula há 30 anos
é “sintonia”, ou seja, estar no castrá-la demais. na Sorbonne. Há uns 10 anos,
tom com os outros humanos.
Para o autor, trata-se de uma
A gente vai eu estava em uma aula com
cem alunos, todos com note-
ética da estética.
— Está se construindo um
acentuar os ima- book aberto. Um dia, um es-
tudante falou: “O senhor está
cimento ético a partir das emo- ginários coletivos, errado. Isso não aconteceu em
ções e do compartilhamento 1826, e sim em 1823.” Existia
dos afetos. Essa ética da es- sonhos, ideais, a necessidade de interação.
tética é que vamos encontrar Com o desenvolvimento tec-
nas diversas artes e esportes. fantasias” nológico, não podemos mais
As apostas são colocadas não impor as palavras. As escolas
mais na independência, mas podem ser rígidas ou serem
na interdependência. Para As mudanças de paradigma inteligentes de se adaptar. Há
mim, isso é que vai constituir a reivindicam o fim da verticali- de se ficar atento a essa nova
ordem pós-moderna. zação da educação. É por isso cultura para não ter uma des-
Na visão do sociólogo, ou a que os alunos nas salas de aula conexão entre quem tem a pa-
escola passa por essas trans- hoje precisam ser ouvidos: lavra, o professor, e a cultura
formações ou será extinta. — A educação está basea- juvenil.

21
21
22
22
ANTÓNIO NÓVOA
E
ducação para unir e li- qualquer”. Na mesma semana
bertar as crianças. Esse é em que foi realizado o Educa-
o rumo proposto pelo portu- ção 360, o governo brasileiro
guês António Nóvoa, reitor hono- lançou uma Medida Provisória
rário e professor catedrático do (MP) que tirava essas discipli-
Instituto de Educação da Univer- nas da grade obrigatória do
sidade de Lisboa, em Portugal. ensino médio nacional. Um
Na avaliação do especialista, é dia depois, voltou atrás e
preciso ampliar o debate sobre afirmou que elas não deixa-
as transformações da escola. rão de ser obrigatórias.
— Talvez consigamos en- — Deixo a seguinte pro-
contrar o que possa nos unir, vocação: é preciso subs-
sabendo que a escola atual tituir o aborrecimento do
não vai continuar igual, que viver, de jogar um vide-
há um movimento de tran- ogame, pela alegria de
sição. O nosso trabalho é trabalhar, de pensar. E
menos pedagógico, menos só uma escola com cami-
organizacional, menos so- nhos, cooperação, comu-
bre a formação do professor nicação e criação é capaz
e é mais do ponto de vista de resolver essa situação.
de uma reflexão filosófica O professor tem que en-
da educação — defendeu o sinar duas grandes coisas:
especialista: — Temos que a condição humana, que
A ESCOLA aprender juntos os cami-
nhos de cada aluno. A esco-
é tudo o que nos faz es-
tar em paz com o outro,

É O LUGAR la é o lugar da união. Só em


comum, ou seja, uns com os
e a identidade terrena.
Precisamos de um currícu-
outros, nos educaremos. De lo com a inteligência do
DA UNIÃO outra maneira, não percebe-
mos os desafios da comuni-
mundo. Não um currículo
de “especialistas especial-
cação. Pertencer ao comum mente especializados”,
não implica homogeneiza- como diria um amigo meu
ção. Ao contrário. Significa de forma irônica, em que
o esforço de nos libertar- tudo é cortado em fatias
mos. Esses são movimentos e não há inteligência —
que devemos fazer para não defendeu o educador por-
perdermos o ato educativo – tuguês, sem citar a MP.
afirmou. — Reformas curriculares
Nóvoa ainda criticou pro- têm sido condenadas ao
postas de currículos “corta- fracasso nos países. Só os
dos em fatias”. Ele defende que desistiram de fazer isso
ser necessário que a grade de são os que deram certo.
conteúdos tenha capacidade Nóvoa ainda defendeu a
de interligar o mundo em tor- liberdade para os professo-
no de grandes temas e de gran- res nas escolas. Ele diz que
des problemas. Na avaliação do é comum ouvir o argumento
especialista, não se consegue de que as escolas brasileiras
chegar a esse objetivo “diminuin- não estão preparadas para ter
do as filosofias ou as artes ou as mais liberdade e que os pro-
educações físicas ou outra coisa fessores não são bem forma-

23
23
dos para isso. Mas rebate.
— Se isso for verdade, en-
tão, que se formem melhor os
professores e se reforce a es-
cola — defendeu.
O educador ainda criticou
“projetos que proliferam no
ano de 2016 que tentam fe-
char as crianças” em seus
meios sociais, como a famí-
lia, a religião, a cultura ou
a comunidade. Esse foi um
posicionamento contrário às
ideias da “escola sem parti-
do” (uma suposta proibição a
que os estudantes sofram ide-
ologização nas salas de aula).
De acordo com Nóvoa, o en- O professor
raizamento é importante, mas defende ainda que
é preciso apresentar o mun- os professores assu-
do aos estudantes, para uma mam a formação uns
educação libertadora. dos outros, em troca de co-
nhecimento. De acordo com
“Muitas políticas Nóvoa, a educação não pode
ser fechada apenas dentro da de liberdade,
educativas são escola. Há, hoje, uma capilari- participação e de-
erradas porque dade educativa que cria uma liberação. Nós professores te-
malha de conhecimento. Uma mos a nossa palavra a dizer.
acham que a trama de possibilidades, como Essa deliberação é absoluta-
educação é um diz Nóvoa, que existe nas mente central. O espaço pú-
serviço e as nossas cidades e sociedades. blico tem que ser deliberativo,
E esse espaço ocupado pela onde se envolvem professores
crianças, clientes” escola deve ter liberdade, par- e os pais, não como clientes
ticipação e deliberação — se- do serviço, mas como cida-
— Claro que comunidade, gundo o especialista, não há dãos com direito a falar sobre
família e religião têm direito compromisso sem essas con- a instituição escola — afirmou
e obrigação de educar. Mas a dições. Os rumos das políticas Nóvoa: — Não há trabalho
educação escolar é de outro públicas da educação não po- mais forte na pedagogia do
tipo. Nós professores apresen- dem ser “ditados” apenas pe- que a palavra cooperação. Ela
tamos o conjunto de toda a los políticos. vem de muito tempo atrás.
humanidade e visões do mun- — Nessa trama em que se Vamos formar mutuamente
do para que a criança queira faz o espaço público da edu- uns aos outros. Sabemos que
novos olhares. Muitas políticas cação, o espaço da escola tem os alunos aprendem mais uns
educativas são erradas porque que ter, ao mesmo tempo, com os outros do que com o
acham que a educação é um liberdade, participação e po- professor, o que não diminuiu
serviço e as crianças, clientes. der de decisão. Nós (profes- em nada o nosso trabalho e
A escola não é um serviço, é sores) temos que decidir sobre nossa responsabilidade, mas
uma instituição. É aquilo que a educação. Não podem ser nos faz organizar o trabalho
nos institui como seres huma- apenas os políticos. A educa- de maneira diferente.
nos e na vida em democracia. ção existe num espaço público O esforço, segundo ele, é

24
24
têm pouca qualidade e recor-
rem de forma muito generali-
zada e medíocre a cursos de
educação à distância.
— Digo duas coisas sobre
a formação dos professores
no Brasil. A primeira é sobre
a formação inicial. A meu ver,
isso acontece aqui de uma
forma muito fragmentada.
Há licenciaturas disso, daqui-
lo, faculdades, institutos...
Essa fragmentação impede
que haja um lugar dentro
da universidade que tenha
como funcionalidade formar
o professor. Todas as profis-
o mal, o crime sões têm. Há um lugar para
e pessoas violen- os médicos serem formados,
tas. Não foi por isso. a escola de Medicina. E não
Aconteceu, sobretudo, há na Educação por quê? Por
pela indiferença de quase causa do pressuposto de que
todos nós. Foi a incapacida- o professor exerce uma ativi-
de de perceber que estava dade fragmentada. Professor
parte funda- acontecendo alguma coisa de Matemática, de História...
mental do proces- que permitiu a guerra. Nós Enquanto não houver esse lu-
so de aprendizado. Segundo professores não podemos nos gar, é muito difícil se construir
Nóvoa, “a aprendizagem só esquecer disso. Na escola, não uma identidade da formação
acontece quando, juntos, nos podemos cultivar a indiferen- de professores. Esse lugar é
descobrimos e nos recriamos”. ça ou um conhecimento que difícil de construir. Porque,
Para ele, quando alunos e pro- não tenha humanidade — re- além de ser um lugar dentro
fessores não fazem esforço, sumiu Nóvoa: — Nada substi- da universidade, tem que ter
ficam “amputados” de uma tui o bom professor. a profissão lá dentro. Não há
parte da humanidade, daquilo O português ainda fez uma formação sem a profissão,
que ele acredita que permite crítica à formação inicial do sem outros professores. Não
enxergar. Para Nóvoa, esse é professor no Brasil. Para ele, posso formar médicos apenas
um trabalho de autoconheci- há uma enorme fragmentação com biólogos e químicos. Ao
mento, de interconhecimento, na graduação brasileira. Ele mesmo tempo, não posso for-
que une os atores da educa- também cobrou maior parti- mar médicos sem professores.
ção em um conhecimento cipação das universidades do E ter a profissão não necessa-
com consciência humana. país. De acordo com Nóvoa, riamente é ter a prática. É ser-
— O meu maior pesadelo o Brasil tem um conjunto de mos capazes de construir um
é a indiferença. Esse pesade- boas universidades, sobretudo espaço em que essa formação
lo estava adormecido há uns públicas, mas que não têm as- e essa socialização se fazem. É
anos, mas renasceu muito sumido um compromisso for- fazermos a pergunta que nun-
forte para a preparação dessa te com a educação básica. Por ca fazemos: como formar um
palestra. Lembro-me de uma outro lado, ele vê uma multi- professor profissional? Temos
citação brutal. Dizia que a Pri- plicação perigosa de institui- medo da palavra “profissio-
meira Grande Guerra Mundial ções privadas que, tirando, nal“e não deveríamos ter —
não aconteceu porque havia como diz, notáveis exceções, afirmou Nóvoa.

25
25
TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO

David Cavallo, Léa Fagundes, Bruna Waitman e André Ferreira

O
modelo tradicional de gundes, mestre em Educação e
sala de aula pouco mu- doutora em Psicologia pela Uni-
dou no último século, versidade de São Paulo (USP), e
mas o advento de novas tecno- de David Cavallo, professor vi-
logias tem transformado a rela- sitante da Universidade Federal
ção dos alunos com o processo do Sul da Bahia (UFBS) e diretor
de aprendizagem. Enquanto do grupo de pesquisa Future of
alguns professores insistem Learning no Media Lab do Ins-

mesas em considerar invasores ob-


jetos como smartphones e
tablets, outros já os veem
tituto de Tecnologia de Massa-
chusetts (MIT).
Ao longo do debate, foram

de
como importantes aliados. apresentados três estudos de
O desafio dos educadores caso que mostraram que a tec-
diante da era tecnológica nologia pode — e deve — estar

debate
foi o tema da mesa “Tec- presente no dia a dia dos estu-
nologia e inovação”. dantes.
O debate, mediado pelo — No século passado, o profes-
jornalista Octavio Guedes, sor tinha o papel de repetidor.
contou com a presença da Mas o professor não tem mais
professora Léa da Cruz Fa- o mesmo papel, e a escola não

26
modelos de ensino diferentes e cado no uso de softwares edu-
até alunos de diferentes idades cacionais livres para dispositi-
aprendendo juntos? vos móveis. O professor Paulo
O primeiro estudo de caso apre- Slomp e o bolsista André Ferrei-
sentado foi o do Media Educa- ra mostraram o site, criado por
tion Lab (MEL), uma organiza- eles: uma lista com mais de 300
ção que acredita na rede digital softwares livres voltados para o
como ferramenta de conexão ensino que podem ser baixados
entre alunos, empresas, gover- e acessados por qualquer pes-
nos e organizações sociais para soa.
transformar a educação de for- Para David Cavallo, referência
ma criativa. A ideia foi aplaudi- mundial no uso de tecnologia
da por David Cavallo.
— O projeto é fantástico. Curio- “O baixo investimento
samente, é a mesma filosofia em tecnologia na educa-
que nos levou a criar, há 32
anos, o Media Lab do MIT. Isso ção não ocorre por falta
me leva a pensar em uma única de recursos ou por falta
crítica, não ao projeto apresen-
tado, mas ao problema estático
de avanço tecnológico,
do sistema educacional, que mas, sim, por falta de
ainda funciona com soluções vontade de experimentar
tecnológicas criadas no século
XIX. Por isso precisamos incen- coisas novas”
tivar cada vez mais a inovação e DAVID CAVALLO
as boas ideias — diz.
No segundo estudo de caso, foi na educação, esse é o único ca-
apresentada a experiência da minho possível para um país de
Escola Sesc de Ensino Médio, dimensões continentais, como
que investe na formação de do- o Brasil, garantir o ensino de
“O professor não centes para o ensino híbrido, qualidade a todos:
tem mais o mesmo no qual o formato tradicional — Quando falamos no uso de
é compartilhado com a aplica- smartphones, tablets ou lap-
papel, e a escola não ção de videoaulas. A metodolo- tops, muitos vêm logo dizer que
deve ser mais esta que gia inclui o uso de dispositivos é caro. Há 32 anos, quando fun-
como smartphones e tablets em damos nosso grupo de estudos,
ainda vemos hoje” sala de aula. era impensável que hoje todos
LÉA DA CRUZ FAGUNDES — Obrigado por compartilha- tivessem um smartphone em
rem isso conosco — brincou mãos. Quando todos começam
deve ser mais esta que ainda a professora Léa, de 84 anos, a usar, a tecnologia se torna
vemos hoje. A sala de aula é ab- usando a linguagem das redes acessível. O baixo investimento
solutamente tradicional, fecha- sociais: — Não é comum ver em tecnologia na educação não
da, com 30 alunos da mesma novas técnicas e novos recursos ocorre por falta de recursos ou
idade, estudando os mesmos nas escolas. Acho que ainda te- por falta de avanço tecnológico,
conteúdos — disse a profes- mos muito a aprender e a avan- mas, sim, por falta de vontade
sora Léa Cruz Fernandes, que çar. de experimentar coisas novas.
lançou a seguinte provocação O terceiro estudo de caso, de- Como oferecer educação de
à plateia: — Por que tem que senvolvido por pesquisadores qualidade em escala nacional?
ser assim? Por que não pode- da Universidade Federal do Rio Na minha opinião, sem tecnolo-
mos ter disposições diferentes, Grande do Sul (UFRGS), foi fo- gia, é impossível.

27
Paulo Slomp, André Ferreira, André Ferreira (SESC), David Cavallo, Léa Fagundes e Bruna Waitman

ESCOLA SESC EQUILIBRA


O USO DE RECURSOS
DIGITAIS E CLÁSSICOS

A
educação híbrida sugere pedagógicas. A formação de
que sejam repensados professores para o ensino híbri-
os tempos e os espaços do é o desafio que a Escola Sesc
da escolarização. Mas não é de Ensino Médio abraça desde
só. Também propõe a reorga- a sua criação, em 2008.
nização de currículos e meto- — No ano que vem, vamos re-
dologias de ensino, e que os ceber jovens nascidos no século
processos sejam personalizados XXI. O que muda na forma deles
e plugados na rede digital. Sem de pensar e sentir? Vimos dian-
esquecer, é claro, de convidar os te dos nossos jovens diferenças
alunos para participar com pro- enormes. Em 2008, recolhíamos
tagonismo das novas propostas os notebooks para os alunos não

28
os fluxos, reorganizaram-se. A
escola, não. Sair desse lugar é
difícil. Não só do ponto de vista
do professor, mas da sociedade,
que clama por expectativas sem
abrir mão de outras. Queremos
metodologia inovadora desde
que os resultados clássicos se-
jam mantidos.
Para o educador, o professor do

“O valor não
está no objeto,
seja o notebook
ou o iPad, mas na
potencialização da
conexão humana”

Terceiro Milênio deve valorizar


as coisas não apenas pelo que
guardam em si, mas pela sua
potência de conexão e com-
partilhamento. E, ainda, imple-
mentar suas ações educativas
com produtos que expressem a
força da invenção, da autentici-
dade e da originalidade:
— Não é de tecnologia que
estamos falando, mas de uma
brincarem depois do horário. ma, o domínio dos conteúdos nova forma de aprender. A
Mas esse processo foi derrubado específicos e suas possíveis ar- instantaneidade é uma carac-
quando surgiu o smartphone — ticulações com outras áreas do terística do pensamento tecno-
contou André Ferreira, gerente conhecimento, capacidade de lógico. A rede é outra. Mas eu
acadêmico da Escola Sesc, que expressão e comunicação são posso dar uma aula tradicional
completou: — Não somos mais também fundamentais. usando um notebook e um
o professor clássico que os alu- — No tempo do professor e-board. Uma aula ao redor de
nos reverenciavam e ouviam clássico, matéria nova era re- uma mesa redonda pode ser
com uma certa honraria e te- almente nova. Hoje, você en- mais tecnológica do que uma
mor. Também não somos os que tra em sala para apresentar o com alunos enfileirados. O va-
superam, com domínio pleno, a conteúdo aos estudantes e eles lor não está no objeto, seja o
tecnologia. Vivemos neste mun- abrem no Google e já encon- notebook ou o iPad, mas na
do de frustração. tram tudo — disse Ferreira, que potencialização da conexão hu-
Para os educadores, a entrada prega a atualização da escola: mana. O valor do objeto está na
nesse mundo de performances — Algumas instituições muda- capacidade de criar interfaces.
virtuais não é menos complica- ram rapidamente. Os bancos
da do que a já desafiadora sala acompanharam a digitalização Escola Sesc de Ensino Médio
de aula física, na qual o caris- dos processos, modificaram esem@escolasesc.com.br

29
gia. Desde então, já nasce- tituição particular de ensino
ram mais de 30 projetos em São Paulo, o Colégio Ban-
em parcerias com gover- deirantes.
nos, empresas, escolas e — Além de temáticas como li-
universidades que pro- teratura, gramática e redação,
porcionaram desde me- incluímos a alfabetização para
lhorias no processo do as mídias no currículo da dis-
ensino à distância até o ciplina Língua Portuguesa. Os
desenvolvimento de apli- alunos mergulham na mídia,
cativos educacionais. conversam com produtores e,
— Em 2011, uma pesquisa no fim do ano, são convidados
feita nos Estados Unidos cons- a produzir um conteúdo para
tatou que 65% dos alunos da um meio de comunicação es-
educação básica teriam no fu- pecífico. O foco é na curadoria
turo profissões que ainda não e na publicação — disse a ad-
Bruna Waitman existem. Estamos falando de ministradora.
uma escola que está preparan- A aplicação da tecnologia, por
do adolescentes para criarem si só, não responde às necessi-
até suas próprias profissões. É dades dos jovens de hoje. Para a
MEDIA preciso repensar o espaço da
escola no sentido de estimular “Os alunos
EDUCATION a criação, a autonomia e o pro-
tagonismo dos alunos — disse mergulham na
LAB Bruna.
O projeto mais recente do MEL é
mídia, conversam com
ELABORA a Plataforma Faz Sentido, lança-
da no dia 12 de agosto, em par-
produtores e, no fim do
ano, são convidados a
PROJETOS ceria com as redes municipais de
ensino de São Miguel dos Cam- produzir um conteúdo
QUE UNEM pos, em Alagoas, e de Salvador,
na Bahia. O objetivo é redese-
para um meio de
TECNOLOGIA nhar o segundo segmento do
ensino fundamental com inova-
comunicação específico”

A CONTEÚDO ção e tecnologia. A plataforma,


que é acessada pela internet,
fundadora do MEL, é preciso bo-
tar as novas práticas a serviço da
traz um compilado de 120 práti- customização da educação e do
cas pedagógicas que podem ser protagonismo dos estudantes.
aplicadas em sala de aula. — Num país como o Brasil, a
— O intuito é pensar em algo tecnologia se mostra essencial

U
m disseminador de pro- que faça mais sentido para os para que possamos contemplar
dutos e soluções inova- alunos. Esse é um segmento os interesses de cada estudan-
doras em educação. Essa que tem grandes desafios em te e, ao mesmo tempo, aten-
é a definição do Media Educa- relação ao Ideb e no qual os der esses quase 40 milhões de
tion Lab (MEL) segundo seus estudantes estão enfrentando alunos. É preciso oferecer uma
fundadores, o jornalista Ale- uma grande transformação, educação para todos, mas tam-
xandre Sayad e a administrado- que é a chegada à adolescência bém para cada um — resumiu.
ra Bruna Waitman. A organiza- — explicou Bruna.
ção surgiu há quatro anos, com Outra ideia que nasceu no MEL
o propósito de transformar a foi a Oficina de Mídia, que vem Media Education Lab
educação por meio da tecnolo- mudando a rotina de uma ins- mediaeducationlab.com.br

30
E
xistem centenas de aplicati- twares selecionados sejam
vos para celulares e tablets pagos, mas significa que o
que foram criados com fi- programa preserva a liber-
nalidade exclusivamente peda- dade do usuário — expli-
gógica. A dificuldade é saber cou o professor, acrescen-
onde encontrá-los. Para facili- tando que a opção vai ao
tar a vida dos educadores que encontro do protagonismo
querem trazer tecnologia para estudantil: — Hoje, o alu-
dentro da sala de aula, o pro- no é criador do seu próprio
fessor Paulo Francisco Slomp e conteúdo. Por isso, o softwa-
o estudante André Ferreira Ma- re livre é o mais adequado para
chado, ambos da Universidade ele, permitindo que se façam
Federal do Rio Grande do Sul alterações de acordo com suas
(UFRGS), desenvolveram o pro- necessidades.
jeto Software Educacional Livre O trabalho de análise dos aplica- Paulo Slomp

para Dispositivos Móveis. tivos começou em abril de 2015.


O trabalho mapeou 305 apli- O projeto foi finalizado em feve-
cativos, divididos por áreas de reiro de 2016, quando a compi-
conhecimento, que podem lação foi lançada para o público,
ser usados como complemen-
to para o processo de ensino-
em forma de uma tabela. A lista,
que pode ser acessada pela in-
INICIATIVA
-aprendizagem. Desses, 78 ser-
vem para a educação infantil;
ternet, foi criada com a mesma
configuração do site Wikipedia,
MAPEIA
154, para os anos iniciais do que permite contribuições dos CENTENAS DE
ensino fundamental; 173, para internautas. A tabela está dispo-
os anos finais do ensino fun- nível em português, inglês, fran- APLICATIVOS
damental; 181, para o ensino cês e italiano.
médio; e 203, para o ensino su- — O site com a lista está hospe- EDUCACIONAIS
perior. dado no portal da UFRGS. Para
— Excluímos aplicativos como acessar, basta digitar o nome do
editores de vídeo e de texto, projeto (“Software educacional
que também podem ser utili- livre para dispositivos móveis”)
zados por professores com fi- em qualquer sistema de busca e
nalidade pedagógica em sala encontrar o link — disse Slomp. “Hoje, o aluno
de aula, mas não trazem tecno- O próximo desafio do projeto
logia especificamente voltada é traduzir os aplicativos para as é criador do
para o conteúdo escolar — es-
clareceu Slomp.
línguas nas quais a tabela está
disponível.
seu próprio
A opção por softwares livres — Desses 300 aplicativos selec- conteúdo.
não se deu à toa. Na linguagem cionados, 250 não estavam dis-
digital, “livre” é um software li- poníveis em língua portuguesa. Por isso, o
cenciado de forma pública, que
permite a qualquer pessoa inte-
A prioridade será a tradução de
programas já amplamente re-
software livre é
ressada a alteração ou melhoria conhecidos para computadores o mais adequado
do conteúdo. de mesa que têm versão para
— Às vezes, há uma certa in- celulares e tablets — contou o para ele”
compreensão em torno da ex- professor da UFRGS.
pressão “software livre”. Não é
um sinônimo para gratuito, em- Software Educacional Livre
bora apenas dois dos 305 sof- https://goo.gl/Hov6ju

31
EDUCAÇÃO
E CULTURA

A
o pensar sobre o futuro de muito mais que horários de lando da mesma coisa quando
das escolas no país, não estudo. Estamos falando de imaginamos a educação inte-
são raros aqueles que outros aspectos dos quais sen- gral ampla e completa.
voltam o olhar para o ensino timos falta na educação e que Durante o debate, foram apre-
integral, que é, inclusive, uma almejamos ver integrados de sentados três estudos de caso:
das metas do Plano Nacional de maneira completa — analisou
Educação (PNE) e foi priorizado Danilo Miranda, diretor regional “Quando a gente fala
na reforma do ensino médio do Sesc em São Paulo.
proposta pelo governo. Na vi- Segundo Miranda, é preciso de ensino integral,
são de especialistas, no entanto, estabelecer a premissa de que estamos falando de
mais do que se preocupar com educação e cultura devem estar
o turno da escola, é necessário entrelaçadas para promover um muito mais que
promover um ensino integral ensino de qualidade, o que não horários de estudo”
num sentido amplo, capaz de acontece em diversas escolas
unir diversos campos e, princi- do país, onde as áreas são vistas DANILO MIRANDA
palmente, a educação e a cultu- isoladamente:
ra. O tema foi debatido durante — Muitas vezes há uma certa Pólen, dedicado à educação in-
a mesa “Educação e Cultura”. mentalidade que separa: edu- fantil; o Coletivo Escola Família
— Quando a gente fala de en- cação é uma coisa; cultura é Amazonas (Cefa), criado por
sino integral, estamos falando outra. Na realidade, estamos fa- pais preocupados com a quali-

32
aprendo com prazer, debate e
empenho ou não terei prazer
em aprender — argumentou o
educador.
Almeida defendeu ainda que a
sociedade tenha mais paciência
com a escola pública e lembrou
que faz pouco tempo que o
país conseguiu incluir a maior
parte das crianças nas escolas
e que isso deve ser celebrado.

“Ou aprendo com


prazer, debate e
empenho ou não terei
prazer em aprender”
JOSÉ DE ALMEIDA

Segundo ele, o sistema ainda


é falho, mas é necessário olhar
para os bons frutos do sistema
de ensino.
— Demoramos 500 anos para
colocar todas as crianças na
escola pública. Agora que co-
locamos, vamos dizer que ela é
dade do ensino oferecida a seus pessoas precisam estar cientes ruim? Além de covardia, é uma
filhos; e o sistema de ensino in- de que a escola não pode se falsidade ideológica. A espe-
tegral desenvolvido pela Secre- desviar de sua função. Para ele, rança é que temos uma jovem
taria Municipal de Educação do o aprendizado deve ser prazero- escola republicana. A paciência
Rio de Janeiro. so, mas é natural que não seja que temos (com tudo), não te-
Após conhecer cada caso, os assim o tempo todo. mos com a escola pública, que
pesquisadores evidenciaram a — A gente imagina que o es- deu um duro danado para colo-
necessidade de transformar a pontâneo, o livre e o criativo é car todas as crianças lá dentro
educação brasileira para pro- o lugar da escola, que deve dar — defendeu Almeida, acres-
mover um ensino global, que prazer. Mas não vai dar prazer centando: — Bem ou mal, hoje
não leve em conta somente as- o tempo todo. Tem uma hora temos um nível de formação de
pectos conteudistas das discipli- em que tem que sentar e es- professores completamente di-
nas, mas que esteja preparado tudar. Tem hora que tem que ferente de 15 anos atrás. Tam-
para impulsionar a capacidade investir profundamente no que bém alimentamos as crianças.
criativa e desenvolver habilida- se está aprendendo. Há a ideia Parte da responsabilidade pelo
des emocionais dos alunos. de imaginar que de um lado fim da fome endêmica no Bra-
Fernando José de Almeida, edu- está a criatividade espontânea sil se deve à escola, que, mais
cador e filósofo, concorda que e, de outro, a organização ci- do que a Igreja e o Exército, é
a mudança é necessária. Ele vilizatória. Mas há outro lado, o grande espaço de penetração
sublinhou, no entanto, que as está tudo do mesmo lado. Ou na civilização brasileira.

33
NO PROJETO PÓLEN, CRIANÇAS
“Acreditamos APRENDEM BRINCANDO
que não
A
quebra do modelo con- cumprir algum objetivo, alcan-
servador e a promoção çar uma meta. Essa meta é nor-
podemos da liberdade criativa das malmente extrínseca, ou seja,
crianças são algumas das mar- as crianças não participaram da
padronizar as cas do projeto Pólen, do Rio de sua construção. Os educadores,
crianças. Por Janeiro. A proposta é que as
crianças consigam otimizar seu
por sua vez, estão sempre pres-
sionados a cumprir o que o cro-
exemplo, aprendizado na educação infan- nograma diz. Precisamos atuali-
til por meio de um mecanismo zar nossa cultura. Acreditamos
crianças da bastante simples: o livre brincar. que não podemos padronizar as
O aluno passa a descobrir o co- crianças. Por exemplo, crianças
mesma idade nhecimento a partir de seus im- da mesma idade não precisam
não precisam pulsos criativos, e os professo- ficar na mesma sala, aprenden-
res respondem às curiosidades do as mesmas coisas. Queremos
ficar na mesma e estímulos que chegam a eles mudar esta estruturação que
por parte das crianças. temos na sociedade de adulti-
sala, aprendendo — Estamos falando de novas zar a infância — afirmou Ma-
as mesmas atitudes. Há uma educação riana Carvalho, coordenadora
que determina que as crianças do Pólen.
coisas.” têm que chegar a algum lugar, Nas palavras dos organizadores,

34
trata-se de “uma educação para os educadores orientam o de-
crianças e adultos se conecta- senvolvimento de atividades a
rem”. O projeto Pólen é uma partir do que ela percebeu. Na
iniciativa-piloto para uma esco- área externa do imóvel onde
la de educação infantil que será funciona o Pólen, os alunos po-
inaugurada no ano que vem, no dem, por exemplo, utilizar um
bairro do Cosme Velho, com o espaço destinado às artes plás-
nome de “Espaço Cria”. Atual- ticas da maneira que quiserem e
mente, o Pólen atende 30 alu- pelo tempo que desejarem. As
nos, que têm autonomia para tarefas lúdicas, de acordo com
utilizar os espaços da escola sob Mariana Carvalho, potenciali-
a supervisão de educadores. zam o desenvolvimento senso-
— As crianças aprendem com rial e cognitivo dos pequenos:
educadores sensíveis e que es- — Educação é processo, não
tão dispostos a entrar em rela- é resultado. A criança tem que
ção. Temos como foco o encon- ter tempo para aprender não só
tro, a relação que se estabelece cognitivamente, mas para utili-
entre a criança e o educador. É a zar todas as suas inteligências
partir desse encontro que emer- emocionais, criativas, sensoriais
gem os contextos nos quais a e poder de fato ter um aprendi-
gente amplia território e cultu- zado integral.
ra. Os alunos vão aprendendo
a partir dessas experiências —
argumentou Mariana Carvalho.
As atividades acontecem livre-
mente. Se a criança manifesta Espaço Cria/ Pólen
seu interesse sobre uma planta, www.espacocria.com.br

35
ESCOLAS DO RIO DE JANEIRO
COMEÇAM A COLHER OS FRUTOS
DO TEMPO INTEGRAL
do ensino regular, como músi- além dele, as crianças têm aulas
ca, artes plásticas e esportes, o com professores específicos de
que, segundo a secretária, con- Educação Física, Arte e Inglês.
tribui para reduzir os índices de Atualmente, há 273 escolas
evasão. Em 34 ginásios, o turno totalizando 632 turmas que se-
Helena Bomeny é de sete horas, enquanto em guem o modelo.
outros quatro (voltados para o Nas provas bimestrais e na Pro-

A
união entre a eficácia esporte) a carga horária é de va Rio — avaliação feita nos
no aprendizado e o pra- oito horas por dia. No novo moldes da Prova Brasil —, o
zer em estudar é o que modelo, os alunos têm algumas desempenho do 6° ano expe-
busca a Secretaria municipal disciplinas eletivas, como Pro- rimental foi melhor que o dos
de Educação do Rio de janeiro. jeto de Vida, em que os jovens
Para viabilizar o projeto, o mu- desenvolvem competências “Normalmente o
nicípio concebeu um novo mo- emocionais, discutem valores,
delo de escola. Foram criados aprendem a se relacionar com o
aluno encontra uma
38 ginásios cariocas, nos quais outro e traçam caminhos que os escola e tem que se
os alunos, que antes ficavam ajudem a se aproximar de seus
na escola quatro horas e meia, sonhos e escolhas. Segundo adaptar a ela. Então,
passaram a ter uma rotina de Helena, o formato encontrado fizemos um modelo
sete a oito horas. Nessas esco- será gradativamente incorpo-
las, além das disciplinas regu- rado às demais unidades esco- voltado para esse aluno
lares, os alunos têm matérias lares do município, atendendo adolescente”
eletivas e incentivo a outras ha- cerca de 640 mil alunos.
bilidades, como artes. — A gente não pode fazer uma estudantes que estão em clas-
De acordo com a secretária de coisa para um grupo pequeno ses regulares. Em 2015, a mé-
Educação, Helena Bomeny, as de escolas que depois não pos- dia dos alunos do novo modelo
turmas reorganizadas em turno sa ser expandida para toda a na Prova Rio de Matemática foi
único têm correspondido às ex- rede — defendeu. 7,06, enquanto a média da rede
pectativas. No Índice de Desen- Ao observar a transição do pri- ficou em 6,27. Já na Prova Rio
volvimento da Educação Básica meiro segmento do ensino fun- de Português, os alunos do 6°
(Ideb) de 2015, dos dez melho- damental para o segundo seg- experimental obtiveram pontu-
res resultados da rede, sete são mento, a secretaria identificou ação 7,01, enquanto os demais
de ginásios experimentais. que 25% dos alunos do sexto registraram 6,27.
— Vimos que a gente tinha que ano eram reprovados. Entre as De acordo com a Secretaria de
mudar a organização das esco- causas está a mudança abrup- Educação, há 688 escolas com
las e propor turno único de sete ta de estrutura, já que do 1° ao classes em turno único no mu-
horas. Estamos nesse processo 5° ano o aluno tem somente nicípio. Dessas, 214 no ensino
e, para organizar a rede inteira uma professora e, quando pas- fundamental e 474 na educa-
dessa forma, precisamos cons- sa para o 6°, tem cerca de oito ção infantil.
truir mais escolas — contou professores. Assim, a prefeitura
Helena. constituiu o 6° ano experimen- Secretaria municipal de
Algumas unidades são foca- tal. Nesse modelo, o professor Educação do Rio de Janeiro
das em outras atividades além generalista é mantido nos mol- http://www.rio.rj.gov.br/web/
des da estrutura do primário e, sme

36
EM MANAUS, GRUPO DE PAIS
GERA POLÍTICA PÚBLICA

E
scolher a escola para ma- — A gente se encantou com as
tricular o filho nem sempre escolas democráticas e a con-
é fácil. Depois de procurar cepção de educação integral.
aqui e ali, um grupo de pais Então, começamos a convidar
de Manaus, insatisfeitos com as pessoas a romper com a
o modelo que encontraram em escola tradicional — lembrou
grande parte das escolas da ci- Ana. Ana Bocchini
dade, decidiu elaborar um for- Cefa possui articulação direta
mato próprio com o que consi- com três escolas da rede e auxi-
derava ideal para a educação de lia na formação de professores “A gente se
seus filhos. Perceberam, então, da prefeitura de Manaus. Após
que uma boa escola não deve- diversas reuniões com a Secre- encantou com
ria ser um privilégio de poucos
e resolveram se engajar na pro-
taria de Educação, a prefeitura
decidiu fazer um projeto-pilo-
as escolas
moção de uma educação públi- to para seguir as premissas do democráticas
ca inovadora e de qualidade. O Cefa. Assim foi criada a Escola
resultado foi o Coletivo Escola Municipal Maria das Graças An- e a concepção
Família Amazonas (Cefa), que
desenvolve projetos educacio-
drade Vasconcelos, conhecida
como “Gracinha”. Para imple-
de educação
nais em escolas públicas de Ma- mentar o novo formato, com integral”
naus. ensino integral, a escola come-
— Começamos em abril do ano çou em julho deste ano ofere-
passado com um grupo de pais cendo somente o 1° e o 2° ano
e mães inquietos em busca de do ensino fundamental, aten- — Estamos num ambiente bo-
alternativa escolar para seus fi- dendo 50 crianças transferidas nito e amplo, e isso não faz
lhos. Na rede particular, a gente de outras escolas. parte do cotidiano das crian-
via um padrão de escolas con- — É um desafio porque temos ças. Geralmente, elas tinham
teudistas, mercantilizadas; na que fazer uma caminhada de aula em prédios escuros, sem
rede pública, um padrão caóti- desconstrução com os alunos, quadra, sem área externa, com
co das escolas municipais e es- com os pais, com os professo- carteiras uma atrás da outra.
taduais — contou Ana Bocchini, res, com gestores e servidores Então, quando eles chegam
uma das fundadoras do projeto. para que possamos enxergar àquele espaço aberto, é quase
Para encontrar seu modelo, o uma nova maneira de educar como uma colônia de férias. Aí
Cefa buscou inspiração em es- — afirmou Ana Regina Garcia, começamos a trabalhar a liber-
colas com um ensino que inte- diretora da escola. dade com responsabilidade —
grasse melhor os alunos e os Para a gestora, é preciso aten- explicou Ana Regina.
pais no processo educacional. ção especial à adaptação dos
Na conceito do projeto, des- alunos ao novo ambiente esco-
tacam-se algumas premissas, lar, que concede mais liberdade.
como o envolvimento da famí- No Gracinha, não há carteiras
lia e a participação dos alunos enfileiradas, os alunos compar-
nas decisões da escola, inclusi- tilham mesas. Além disso, todas
ve com a promoção de assem- as crianças estão em um amplo Cefa
bleias estudantis, entre outras salão, sob supervisão de três coletivo.escola.familia.
iniciativas. professores. am@gmail.com

37
CLIMA
ESCOLAR

O
s alunos se sentem aco- traram estratégias criativas e transformaram a rotina do Cen-
lhidos na escola? Há es- bem-sucedidas para melhorar o tro Integrado de Educação de
paço para resolver con- humor de professores e alunos Jovens e Adultos (Cieja) Cam-
flitos por meio do diálogo? Os em sala de aula. po Limpo, na Zona Sul de São
professores se sentem apoiados — Quando se pensa em reforma Paulo. Há 18 anos, ao saber que
e seguros? Se a resposta para ou melhoria do clima escolar, é ficaria à frente de uma escola
alguma dessas perguntas for preciso focar em alguns itens:
“não”, talvez seja a hora de criar comunidades cooperati- “É preciso fazer com
melhorar o ambiente. vas dentro da escola, promover
Esse foi o tema da mesa “Cli- apoio a alunos e professores, que os indivíduos se
ma escolar”, que contou com garantir espaço para resoluções
a participação da pedagoga e dialógicas de conflitos e incen-
sintam respeitosamente
professora da Unicamp Telma tivar a participação estudantil. desafiados”
Vinha e de Ricardo Paes de Bar- Além disso, é preciso fazer com
ros, economista-chefe do Insti- que os indivíduos se sintam TELMA VINHA
tuto Ayrton Senna e professor respeitosamente desafiados. A
do Insper. Durante a conversa, escola tem que levar o aluno à no Capão Redondo, bairro com
mediada pelo jornalista Octavio superação de si mesmo — disse maior índice de criminalidade
Guedes, foram apresentados Telma Vinha. da capital paulista, a diretora
três estudos de caso que mos- Foram esses os fatores que Êda Luiz abriu os portões para

38
nar com o outro, a lidar com
a diversidade. Para essas crian-
ças, tanto a aprendizagem da
igualdade como a da diferença
se darão na escola — afirmou
Telma Vinha.
A alfabetização emocional foi
o tema do terceiro estudo de
caso. Depois de desenvolver
uma oficina no sul da Itália,
a artista plástica Lívia Moura
trouxe para a escola america-
na Our Lady of Mercy School
(OLM), no Rio, um projeto vol-
tado para as relações interpes-
soais e para o trato dos senti-
mentos.
— O cuidado de olhar para os
sentimentos é fundamental.
Ninguém comete suicídio ou
se divorcia porque não sabe
raiz quadrada ou não gravou
os nomes dos rios da Bacia do
Amazonas, mas, sim, porque
não soube expressar seus sen-
timentos ou lidar com os dos
outros. Olhar para os senti-
mentos e desenvolver questões
intrapessoais é o primeiro passo
para regular os atos dos estu-
a comunidade e nunca mais que acrescentou: — Não exis- dantes — analisou Telma Vinha.
fechou. A iniciativa chamou a te educação sem quatro itens Ao fim da apresentação dos
atenção de Ricardo Paes. fundamentais, que devem estar estudos de caso, Ricardo Paes
— Se existe um lugar onde a presentes na formulação das de Barros se mostrou impressio-
equidade da sociedade tem que políticas públicas: acolhimento, nado com as boas iniciativas e
expectativa, protagonismo e ri- provocou:
“O problema queza em oportunidades. — Como um país que tem pro-
O segundo estudo de caso fo- blemas educacionais tão gra-
educacional brasileiro cou na inclusão. Idealizadora ves apresenta soluções educa-
não é falta de do Movimento Down, Maria cionais tão brilhantes? Vimos
Antonia Goulart mostrou que, aqui três soluções fantásticas.
criatividade, é falta de com boa vontade e determina- E não são exceções. Temos isso
difusão de boas ideias” ção, qualquer escola é capaz de espalhado pelo Brasil afora.
atender alunos com necessida- Por que, na educação, ideias
RICARDO PAES DE BARROS des especiais. brilhantes não são copiadas?
— Quando se fala em inclusão, Evidentemente teriam que ser
nascer, é na educação. Se a edu- o grande desafio é a mudança adaptadas, mas o problema
cação começar com desigualda- de cultura. Mais do que desen- educacional brasileiro não é
des, a sociedade vai ser toda volver conteúdo curricular, é falta de criatividade, é falta de
desigual — disse o economista, preciso aprender a se relacio- difusão de boas ideias.

39
NO CAPÃO REDONDO (SP), PORTAS ABERTAS
TRANSFORMA O CLIMA NA ESCOLA

H
á 18 anos, ao saber que bleias para trabalhar o conceito ta-feira. Na sexta-feira, os alu-
ficaria à frente de uma de público e privado. Percebe- nos levam trabalhos para fazer
escola localizada no Ca- mos a necessidade de o prédio em casa, enquanto os professo-
pão Redondo, bairro com maior ter uma boa aparência física. res se reúnem para a formação
índice de criminalidade da capi- Como o principal objetivo era continuada. Os portões ficam
tal paulista, a diretora Êda Luiz o acolhimento, perguntamos o abertos das 7h às 21h30m.
tomou uma atitude de cora- que eles gostariam de ter para — Fico me perguntando por
gem: escancarou os portões da frequentar e acreditar numa es- que uma escola pública é tão
unidade de ensino. Ainda hoje, cola. Eles pediram carteiras para fechada se é pública. A gente
quem passa na porta do Centro se sentar. Então, pensamos que trabalha com tanta sensibilida-
Integrado de Educação de Jo- eles também precisariam de um de que todo mundo entende
vens e Adultos (Cieja) Campo espaço harmonioso, alegre, e seu papel e respeita o espaço. A
Limpo, na Zona Sul de São Pau- até de um bonito jardim — con- sala de informática, por exem-
lo, sente-se convidado a entrar. tou Êda. plo, é usada por toda a comuni-
Não por acaso. O envolvimento O Cieja conta atualmente com dade, em horários combinados
da comunidade é um dos pila- 1.300 alunos de 15 a 89 anos, — refletiu Êda.
res da construção de um bom sendo 285 portadores de ne- Para aproximar os alunos do
clima escolar. cessidades especiais. As aulas conteúdo, no início do ano, os
— Começamos fazendo assem- acontecem de segunda a quin- educadores perguntam que te-

40
mas eles gostariam de estudar. sequência a partir de problemas
Os assuntos são selecionados e que eles mesmos levam para as “A gente
agrupados e, normalmente, gi- aulas. Os professores fazem a
ram em torno de quatro temas mediação do processo. Para trabalha
principais: trabalho, comida, fa-
mília, esporte/viagem. Os pro-
isso, são usados livros, jornais,
revistas e o que mais os estu-
com tanta
fessores trabalham por um mês dantes considerarem relevante sensibilidade
cada área de conhecimento. para a solução.
Nessa escola, não há séries. Os que todo mundo
alunos aprendem em módulos.
— Percebemos que esses temas
entende seu
eram as preocupações do nosso papel e respeita
público, que, de maneira geral, Cieja Campo Limpo
é formado por excluídos ou por ciejacompolimpo@prefeitura. o espaço”
quem, de alguma maneira, pas- sp.gov.br
sou por uma escola, mas não
conseguiu concluir o estudo.
O acolhimento se dá pelo res-
peito. Fazemos um diagnóstico
para ver o que o aluno sabe,
como entende a escola e como
pretende se inserir nessa comu-
nidade — explicou Êda.
Em vez de disciplinas, a escola
trabalha com quatro grandes
áreas de conhecimento: lingua-
gens e códigos (Português e
Inglês), ciências humanas (Ge-
ografia e História), ciências do
pensamento (Ciências e Filoso-
fia) e ensaios lógicos e artísticos
(Matemática e Artes).
Os alunos estudam cada uma
delas durante quatro semanas e
desenvolvem o que chamam de

41
não está preparada para disso, damos apoio no contra-
lidar com a educação in- turno e promovemos uma in-
clusiva. teração constante com os pro-
— Quando a escola é fessores nas ações didáticas e na
particular, diz na lata elaboração de materiais didáti-
que não tem vaga. cos de estudo — disse Márcia
Quando é uma escola Marin, professora de primeiro
pública, fala que vai re- segmento do Colégio Pedro II.
ceber o aluno, mas que A ideia do ensino colaborativo
provavelmente ele não vai pressupõe que o professor sirva
aprender, pois a unidade como mediador da aprendiza-
não está preparada. É preciso gem. Em alguns momentos, é
romper esse paradigma. A gen-
te nunca está preparado para “Para lidar
algo que não é do nosso dia
Maria Antonia Goulart
a dia. Para lidar com um alu-
com um aluno que
no que não se encaixa naquilo não se encaixa
MOVIMENTO que se esperava, é preciso reor-
naquilo que se
ganizar tudo, desde o material
DOWN pedagógico até a nossa própria
esperava, é preciso
postura como educador — dis-
DESENVOLVE se Maria Antonia. reorganizar tudo”
O movimento tem uma parceria
PROJETOS com o Colégio Pedro II, para o preciso individualizar o ensino,
qual presta uma espécie de as- ajustar estratégias para que o
VOLTADOS PARA sessoria. O desafio de receber o objetivo comum seja alcançado.
aluno com deficiência foi abra- — Às vezes, um aluno pergun-
A INCLUSÃO çado há quase duas décadas ta: “Então ele é protegido?”.
pelo Colégio Pedro II, no Rio de Sim, claro. Para garantir a equi-

A
invisibilidade da defi- Janeiro, desde que foi instituída dade, é preciso tratar de forma
ciência impressiona. A a admissão de alunos por sor- diferente. Se um estudante é
constatação é da advo- teio. A mudança no perfil de cego, não posso dar um texto
gada Maria Antonia Goulart, estudantes que ingressavam em tinta. Para garantir justiça,
uma das idealizadoras do Mo- na instituição federal provocou é preciso garantir equidade —
vimento Down, iniciativa que algumas mudanças. No ano afirmou Márcia.
reúne informações, conteúdos 2000, foi criado um laboratório Para a professora, a inclusão se
e experiências que contribuem de aprendizagem. Depois, em dá a partir do acesso, da per-
para a inclusão de pessoas com 2004, criou-se uma secretaria manência e da aprendizagem:
síndrome de Down e deficiência de educação especial, pois até — Não é simples. Sofremos
intelectual na escola e em outros então a escola não tinha uma muitos embates e enfrentamos
espaços da sociedade. seção que respondesse por es- situações cotidianas difíceis. É
Foi quando sua segunda filha ses alunos. Em 2009, foram preciso pensar sempre os re-
nasceu com síndrome de Down implantadas salas de recurso cursos e estratégias pedagógi-
que a gaúcha parou para pensar multifuncional e, mais recente- cas com um desenho universal,
sobre a deficiência e percebeu mente, foram criados núcleos de forma a precisar de menos
que o tema não estava presente, de atendimento a pessoas com adaptações diante das mais va-
até então, em suas práticas ou necessidades específicas. riadas necessidades — disse.
em suas preocupações. O mes- — Criamos um sistema de en-
mo acontece com as instituições sino colaborativo para acom- Movimento Down
de ensino. A maioria das escolas panhar o aluno em sala. Além movimentodown.org.br

42
ALFABETIZAÇÃO
EMOCIONAL ESTIMULA
O CUIDADO COM OS
SENTIMENTOS

A
falta de um trabalho vol- emoções do
tado diretamente para encontro para
as relações interpessoais eles pensarem
e para o trato dos sentimentos durante a se-
na sua própria formação quando mana. O projeto
criança motivou a artista plástica foi realizado com
Lívia Moura a desenvolver um estudantes do 3° ano
projeto de alfabetização emo- do ensino fundamental.
cional voltado para os peque- A psicóloga da OLM, Dul-
nos. Depois de desenvolver uma ce Silveira, vinha ensinando
Dulce Silveira
oficina no sul da Itália, Lívia trou- para as crianças relaxamento e
xe para a escola americana Our meditação, que, segundo ela,
Lady of Mercy School (OLM), no casam perfeitamente com a
Rio, um projeto voltado para as iniciativa de Lívia. “A gente dá
relações interpessoais e para o — Nós somos mais do que
trato dos sentimentos. uma escola tradicional, quere- instrumentos
Durante uma hora, uma vez por mos dar estímulos para a crian-
semana, as cadeiras da sala de ça levar para a vida toda — ex- para que as
aula são afastadas, e as crianças
se sentam no chão para dar iní-
plicou Dulce.
Diana Leite, professora da OLM,
crianças
cio à atividade. também participou da apresen- resolvam os
— A ideia é trabalhar a liberação tação e acredita que a alfabe-
das emoções e, depois de colo- tização emocional seja tão im- conflitos
cá-las para fora, transformá-las.
É muito importante entrar em
portante quanto o aprendizado
de Português e de Matemática.
internos delas”
contato com esses sentimentos. — O projeto agregou não apenas
A gente dá instrumentos para do ponto de vista da educação
que as crianças resolvam os formal, mas principalmente na
conflitos internos delas — disse questão emocional. A gente per-
a artista plástica. cebe como as crianças estavam
Cada aula tem uma dinâmica precisando disso. Dentro daquele
diferente, mas costuma envol- ambiente fechado, chega uma
ver contação de histórias, ativi- hora em que precisam levantar
dades com música e meditação. da cadeira e botar para fora os
Depois, vem o ponto alto do sentimentos. Tivemos vários ti-
encontro, que envolve dança ou pos de catarse. Era um recreio
teatro para liberar as emoções das emoções — disse Diana.
das crianças.
Para encerrar, Lívia conver-
sa com os alunos sobre o que Alfabetização emocional
eles sentiram na aula e oferece liviabmoura@gmail.com
uma atividade relacionada às

43
“O que se precisa
fazer são processos
integradores, que
tenham significados
aos alunos, que
sejam autorais”
CÉSAR CALLEGARI

EDUCAÇÃO E COMUNIDADE

P
rojetos que olham para o bém se destaca por fazer essa a ver com a educação integral
futuro da educação. Foi aproximação entre famílias, como concepção. Não está
assim que a ex-secretária professores, alunos e diretores. pensando só na parte estética,
nacional de Educação Básica do A inicativa promove o espaço fí- o que por si só já é importante,
Ministério da Educação Maria sico de escolas como motor de está preocupado com o acolhi-
do Pilar Lacerda e o sociólogo uma transformação no aprendi- mento e como isso impacta no
e membro do Conselho Nacio- zagem dos alunos. projeto político-pedagógico do
nal de Educação César Callegari — Não é a escola se colocando colégio — disse Maria do Pilar.
observaram os estudos de caso num altar. É ela tendo um proje- O Instituto Alana apresentou o
Territoriar, Alanna e Menino 23 to de interação. Isso é indispen- prêmio Criativos da Escola para
apresentados na mesa “Educa- sável. Qualquer escola boa tem, o Brasil. Nele, projetos que valo-
ção e Comunidade”. como prática, o envolvimento rizem a empatia, o protagonis-
Pilar lembrou que a escola é efetivamente participativo — mo, a criatividade e o trabalho
feita de muros, físicos e sim- defendeu. em equipe recebem R$ 3 mil e
bólicos, que afastam as famí- Para os especialistas, a dispo- são destacados para que virem
lia das unidades escolares. Na sição das carteiras em círculo exemplos para outras ideias
avaliação de César Callegari, o torna o ambiente mais demo- inovadoras. Para Callegari, o
projeto Territoriar, que chama a crático. trabalho de autoria, desenvol-
comunidade para debater quais — Um atrás do outro é sempre vido pela iniciativa, é um tema
espaços serão reformados, tam- opressor. Esse projeto tem tudo central no processo educativo.

44
mou no documentário “Meni-
no 23”. O filme conta a história
de 50 crianças negras levadas
de um orfanato no Rio de Ja-
neiro para a pequena Campina
de Monte Alegre, interior de
São Paulo, na década de 1930.
Na avaliação de Maria do Pilar,
a obra deve ser usada de forma
pedagógica.
— A gente tem essa coisa de
dizer que o Brasil não tem ra-
cismo. Lorota… O número de
mortes de negros no país é
impactante. Enquanto a gente
esteve falando aqui, morreram
quatro ou cinco. Ao negar o
direito à educação à juventude
negra e pobre, a gente conti-
nua negando a infância dessas
crianças, como aconteceu com
as crianças do filme — afirmou
Pilar.
Já Callegari observou que a his-
tória é um documento histórico
de algo que, segundo ele, está
sempre ameaçado: o direito à
aprendizagem. De acordo com
— Isso quebra a ideia clássica tia, criatividade, entre outros
o especialista, esse problema
de que o aluno não é o autor — estão muito antenadas com
e que só deveria receber infor- o “aprender no século XXI”. De se reflete, no Brasil contempo-
mações. A natureza criativa é acordo com ela, intervenções râneo, em projetos como o de
fundamental para integrar co- como essas fazem as crianças escola sem partido:
nhecimentos. Às vezes, você vê ensinarem os professores. — Eles pretendem amordaçar
propostas de reforma do ensino — O projeto tem essa delicade- escolas cerceando a discussão
médio que pretendem comba- za de colocar os meninos como de temas como gênero, sexua-
ter o número excessivo de dis- autores. Dá protagonismo, é lidade, política e desigualdades.
ciplinas diminuindo o currículo. criativo e, ao mesmo tempo, Isso é ceifar os alunos da ne-
E isso não é a solução. O que garante a aprendizagem. Esse cessária conscientização e for-
se precisa fazer são processos é o nosso desafio. Os jovens mação completa. O estudante
integradores, que tenham sig- são capazes de aprender muito
não pode ficar alheio aos temas
nificados aos alunos, que sejam mais dessa maneira comparti-
sensíveis. Isso nos chama aten-
autorais — afirmou Callegari. lhada — afirmou a gestora.
Já a professora Maria do Pilar Pilar e Callegari ainda comenta- ção de que temos que estar vi-
ressaltou que as característi- ram a participação do historia- gilantes e mobilizados. Não po-
cas buscadas nos projetos pelo dor Sidney Aguilar Filho, autor demos permitir uma educação
Criativos da Escola — como da tese de doutorado em Histó- pobre para os pobres.
protagonismo escolar, empa- ria da Educação que se transfor-

45
Sidney Aguilar Filho

DOCUMENTÁRIO DESPERTA NOVAS


FORMAS DE ENSINAR E DE APRENDER

C
inquenta crianças negras — Uma das coisas mais encan- a ser crime fazer menção ao
foram levadas de um or- tadoras que ouvi aqui foi a de- nazismo. “Eles (os fazendeiros)
fanato do Rio de Janeiro fesa da necessidade de ouvir os abriram a porteira e mandaram
para a pequena Campina de nossos alunos. Ainda é muito a gente embora. Simplesmen-
Monte Alegre, interior de São comum nós, professores, não te, que nem gado”, lembra, na
Paulo, na década de 1930. Lá, levarmos a sério quando um obra, o menino 23, que morreu
foram submetidas a trabalhos aluno fala. Isso é um erro — dis- em 2015.
forçados. A história teria fica- se Aguilar. — Fiz o trabalho com a preo-
do escondida caso o historiador Em sua pesquisa, o historiador cupação de formar professores.
Sidney Aguilar Filho não tivesse conseguiu encontrar duas víti- A ideia era pensar como uma
ouvido uma aluna. Durante uma mas ainda vivas: Aloísio Silva e história trágica de homens ricos
aula, em 1998, uma jovem con- Argemino Santos. Os então ga- que pegam 50 meninos pretos
tou que havia tijolos com suás- rotos viveram quase dez anos e pardos de 10 anos sob alega-
ticas, o símbolo nazista, em sua na fazenda. Lá, eram tratados ções educacionais e os levam
fazenda. O pesquisador, então, apenas como números. Aloísio para outro estado, que renas-
foi atrás e descobriu o enredo, Silva foi o menino 23, que dá ceu em sala, poderia colabo-
que virou uma tese de doutora- nome ao documentário. O cár- rar para pensar a educação de
do em História da Educação e cere terminou quando o presi- hoje, a educação do futuro. Já
serviu de base para a produção dente Getúlio Vargas se aliou ouvia meus alunos, mas ima-
do documentário “Menino 23”, aos Estados Unidos, na Segun- ginava, de maneira arrogante,
de Belisario Franca. da Guerra Mundial, e passou que eu soubesse como educar.

46
Esse estudo me impôs a neces- traz e para fazer com que consi-
sidade de repensar meu cotidia- ga ser, de fato, ferramenta para
no, de tomar mais cuidado com ajudar projetos político-peda-
o que eu fazia e me indagar se gógicos. Nós entendemos que
eu não estava fazendo alguma ele tem uma vocação pedagó-
coisa que hoje é natural, mas gica e, por isso, começamos os
que, depois, ao olhar para trás, debates um ano antes do lança-
condenarei — contou Sidney. mento do filme com pequenos
A ideia de repensar as práticas grupos, gerando conteúdo nas
cotidianas levou a equipe do fil- plataformas digitais — explica
me a fazer uma campanha de Rossana: — O filme virou uma
impacto para o debate. A res- ferramenta para processo de
ponsável foi a produtora Ros- criação de cidadania. A gente
sana Giesteira. O objetivo era aprendeu que, em cada con-
levar o filme para discussão em texto, o documentário é único.
“O filme
diferentes espaços, uma sala Pode ver cem vezes que o con- virou uma
de aula expandida para outros texto será único, porque a visão
locais. Na avaliação com Agui- daquelas pessoas vai ser sem- ferramenta
lar, a equipe começou a refletir pre diferente.
com a sociedade os temas de para processo
que o filme trata.
— A campanha serve para dis-
Produtora Giros
rossana@giros.com.br
de criação de
cutir as camadas que o filme cidadania”

Rossana Giesteira

47
INSTITUTO ALANA DÁ PRÊMIOS A
INICIATIVAS CRIATIVAS NAS ESCOLAS

O
Criativos da Escola foi
criado em 2009 pela de- “A gente sabia que
signer indiana Kiran Bir aqui no Brasil existiam
Sethi, com o movimento Design
for Change, que já se espalhou muitas histórias para
por 35 países e impactou 25 contar e lançamos a
milhões de crianças. Pasqua-
li conta que os dois pilares do
chamada com o
projeto são a defesa dos direi- objetivo de divulgá-las,
tos da criança e o desenvolvi-
conectá-las e
mento integral dos estudantes.
— A gente sabia que aqui no inspirar as pessoas”
Brasil existiam muitas histórias
para contar e lançamos a cha- O Minecraft é um jogo em que
mada com o objetivo de divul- o usuário constrói cenários e
gá-las, conectá-las e inspirar objetos a partir de blocos que
as pessoas. Existem escolas in- se encaixam. Os estudantes,
críveis, com professores muito então, passaram a fazer as suas
engajados, projetos relevantes construções a partir daquilo
e transformadores. Só no pri- que eles aprendiam na aula de
meiro ano, em 2015, chegaram História. Então, reproduziram

R
econhecer projetos que 419 projetos de 201 municípios épocas como a Roma Antiga e
valorizem a empatia, o do país — contou. os engenhos de açúcar do Brasil
protagonismo, a criativi- Um dos cinco projetos premia- do século XVI.
dade e o trabalho em equipe. É dos foi o “História construí- — Eles tinham que prestar
isso que faz o prêmio Criativos da por blocos”, do Centro de atenção na aula para poder
da Escola, promovido no Brasil Educação Nery Lacerda. Lá, os construir os cenários daquela
pelo Instituto Alana. alunos tinham problemas na época no jogo — explicou o
— A grande narrativa da educa- aula de História, que era muito professor. — Quando fui con-
ção fala sobre os piores, o que distante da realidade deles. Foi tratado nessa escola, uma das
não está dando certo, o que quando um estudante sugeriu minhas missões era diminuir
é problema. Quando a gente um jogo para aproximá-los do o número de alunos em recu-
olha para os piores, parece que que estava sendo aprendido. O peração em História. Tentei de
o caminho é longo demais. A professor e a coordenadora não tudo: criei cineclube, fiz proje-
questão que a gente sempre conheciam o Minecraft, mas es- tos, um monte de coisas. Até
pensou é como mudar essa nar- tavam dispostos a ouvir. Os três que um dia o aluno deu a ideia
rativa. O Criativos é um movi- dias de aula passaram a ser dois do jogo. Quando deixei eles
mento global, de protagonistas para teoria e um para o jogo. falarem e passei a ouvi-los,
em intervenções da realidade. — Eu falei para eles que, para diminuiu o número de alunos
Esse prêmio é para as pessoas a gente poder passar uma aula em recuperação. Eles sabiam
que buscaram encontrar o que jogando, era preciso ter a me- como resolver esse problema
incomoda naquela comunidade lhor aula teórica possível. E eles — reconheceu o professor.
– explicou a diretora de comu- cumpriram — lembrou o pro-
nicação do instituto, Carolina fessor Jefferson Alexandre Pra- Instituto Alana
Pasquali. do e Souza. alana.org.br

48
TERRITORIAR DÁ
NOVOS SIGNIFICADOS AOS
AMBIENTES ESCOLARES

A
transformação do espaço serem ressignificados, dizem o
físico como motor para porquê e, ao final, definem o es-
as mudanças pedagógi- paço. Depois, os comitês de di-
cas. Essa é a ideia do projeto ferentes escolas em uma mesma
Territoriar, que já passou por 15 cidade se reúnem para pensar
escolas em quatro estados (Pa- juntos uma proposta curricular Scheila Pomilho
raná, Santa Catarina, São Paulo para a cidade — explicou.
e Minas Gerais). Nelas, são os Marco Antônio Mattos de na que a escola é um espaço
estudantes que decidem, a par- Abreu, diretor da Escola Mu- de formação e que, portanto,
tir de um amplo debate dentro nicipal de Ensino Fundamental não pode ser árido, seco, sem
da escola, quais os ambientes Dama Entre Rios Verdes, de São se comunicar com a criança.
dos colégios serão reformados Paulo, contou a sua experiência O contato com o outro vai de-
— assim, são ressignificados, com o Territoriar. O colégio foi finir como ele vai se constituir
como diz a coordenadora do um dos que tiveram um espaço como ser humano. E como é
projeto, Scheila Pomilho. ressignificado a partir das discus- esse contato na escola? Muitas
— O diálogo começa sobre os sões fomentadas pelo projeto. vezes violento, árido, totalitá-
ambientes educativos como for- — O Territoriar abre os nossos rio. Quando a gente abriu es-
ma de inspirar a aprendizagem olhos para além do espaço da paço para as crianças falarem,
das crianças. A gente fala sobre o sala de aula. Depois do proje- a violência desapareceu. Não
quanto a qualidade dos espaços to, chamamos a criança para há briga, não há agressão física
pode contribuir com a qualidade debater. A primeira coisa que ou verbal contra o educador. E
da educação. Decidimos que não acontece é a violência cair. não é o paraíso. É um espaço
faríamos nenhuma intervenção Agora, ouvir é a prática que a de construção e de luta.
que não pudesse ser pensada gente adotou no Dama. Fazer
com a comunidade e as crianças assembleias, chamar os pais e
— contou Scheila.— É importan- entender que, quando eles não Territoriar
te olhar a qualidade dos espaços vão, não é porque não querem. territoriar.org.br
educativos das escolas, sobretu- Tenho alunos, crianças, que se
do a escola pública. Percebemos
que a maior demanda é por colo-
cuidam sozinhos porque a mãe
mora no emprego. Não é desca-
“Os comitês
car cor nas escolas. so. Vale muito estar aberto para de diferentes
A avaliação do grupo é que o olhar o que está ao redor do
projeto não pode fazer uma in- aluno — apontou o educador. escolas em uma
tervenção na escola, mas, sim,
dar uma ressignificação. Segun-
O diretor contou ainda que sua
escola, como todas as outras que
mesma cidade
do Scheila, o trabalho é olhar a ele conhece, foi construída se- se reúnem para
potencialidade das escolas, pen- guindo um modelo que remete
sar junto e ver o que as crianças às ideias de Michel Foucault so- pensar juntos
gostariam de mudar na escola. bre a sociedade, de vigiar e punir.
— Primeiro, a gente constitui Ele explicou que a arquitetura do
uma proposta
comitês, com os estudantes e local é formada por um quadri- curricular para a
a comunidade, que vão discutir látero cujo objetivo seria apenas
o que gostariam de reformar. O trancar as crianças lá dentro: cidade”
comitê elege três espaços para — Aí, o Territorar nos ensi-

49
GESTÃO

Binho Marques

U
ma boa gestão é capaz — afirmou Ricardo Henriques, cular da licenciatura de Pedago-
de operar grandes feitos. comentando em seguida: — O gia. O peso disso na formação
Essa foi a conclusão a caminho é simples, porém mui- inicial é muito baixo. A didática
que chegaram os debatedores to trabalhoso. Os desafios da não pode ficar refém de um es-
Ricardo Henriques, superinten- educação pública, sobretudo da tágio, de alguns exemplos e da
dente executivo do Instituto gestão, são do campo do ordi- capacidade criativa e inovado-
Unibanco, e o educador Binho nário e não do extraordinário,
Marques após a apresentação mas nossa cultura é a de dificul- “Os desafios da
dos estudos de caso da mesa tar tudo. O simples implica uma educação pública,
“Gestão”. Junior Achievement, mudança contínua, aprendiza-
Aprender Linguagem e Escola do contínuo. sobretudo da gestão,
Darcy Ribeiro foram os exem- Nesse contexto, a formação de são do campo do
plos que estimularam o debate. professores é um passo funda-
Para os especialistas, o grande mental para desenvolver a ca-
ordinário e não do
desafio agora é multiplicar ini- pacidade de transformação dos extraordinário, mas
ciativas como essas. docentes e impulsionar bons nossa cultura é a de
— Chega a ser um paradoxo exemplos nas escolas do país, já
o tamanho da crise que temos que as instituições não podem dificultar tudo”
(na educação) e tantas experi- ficar dependentes de talentos RICARDO HENRIQUES
ências boas. Não se consegue individuais.
traduzir a boa experiência em — Ainda há dificuldade de se ra de cada professor. Isso é um
sistemas, padrões e regularida- ter um tempo relevante dedica- desrespeito com o professor.
des que possam ser escalados do à didática na estrutura curri- Aliado a isso, o pesquisador

50
que ser para todos. É inadmis-
sível imaginar uma escola para
poucos. Precisamos de uma es-
cola que garanta autoestima e
respeito pelo outro, onde o alu-
no perceba que o que se faz lá
dentro tem relevância — disse.
Outro aspecto importante que
a nova escola deve considerar
é a diversidade dos alunos. Os
educadores defendem que é
fundamental que as instituições
saibam constituir um ambiente
tolerante.
— O mundo de hoje está apren-
dendo o valor da diversidade e
que é bom ser multicultural. A
escola do século XXI é uma es-
cola que ensina a lidar com isso.
Não só pela tolerância, mas
pela riqueza do aprendizado
que é lidar com essas diferen-
ças — explicou Binho Marques.
Para que a escola cumpra seu
Ricardo Henriques
papel com excelência, é preciso
extrapolar as atividades curricu-
lares. Por isso, os gestores de-
chamou atenção também para democrático e conectado com vem estar atentos em viabilizar
a distância entre as secretarias e os anseios dos jovens. Assim, uma instituição que ajude o
as escolas. Para ele, uma maior Marques destacou que as ins- aluno a construir uma trilha na
proximidade entre as duas es- tituições pararam no tempo e vida, que possibilite um projeto
feras agilizaria a resolução dos precisam se modernizar para de desenvolvimento pessoal.
problemas da escola e determi- garantir que os jovens consigam — O que faz a grande diferença
nadas soluções poderiam ser re- entre o garoto que cometeu um
produzidas pela rede em outras “A escola que me crime e está privado de liberda-
unidades. de e aquele que não cometeu
permite ter um sonho
— Parte do dilema é como cor- crime, que tem sucesso na vida,
responsabilizar o sistema. Não já é muito boa. Mas a é o fato de um ter um projeto
adianta resolver só na escola, que me permite e o outro, não. A possibilidade
é preciso corresponsabilizar o da nossa escola de nos motivar
sistema, que deve atuar com transformar um e fazer com que a gente trans-
os coordenadores pedagógi- sonho num projeto forme um sonho num projeto é
cos para resolver os problemas fantástica — analisou Marques,
e propor soluções — criticou
é maravilhosa” acrescentando: — A escola que
Henriques. BINHO MARQUES me permite ter um sonho já é
Durante o debate, o educador muito boa. Mas a que me per-
Binho Marques falou sobre a enxergar sentido na escola. mite transformar um sonho num
necessidade de transformação — Olhamos para a escola e ve- projeto é maravilhosa. E aquela
imediata das escolas, que de- mos que ela já ficou muito para que faz o projeto ser concluído é
vem buscar um modelo mais trás. A escola do século XXI tem a escola que nós queremos.

51
JUNIOR ACHIEVEMENT OFERECE APTIDÕES
EMPREENDEDORAS AOS ALUNOS

A
prender fazendo é a mia, aspectos financeiros, ci- periência prática de projetar e
proposta da Junior dadania e ética — apresentou administrar uma empresa. Eles
Achievement, associação Mariana Carvalho, presidente selecionam um produto para
educativa que tem como obje- da Junior Achievement Rio de produzir e comercializar, pas-
tivo impulsionar a capacidade Janeiro. sando por todas as fases do de-
empreendedora dos jovens em A organização existe há mais de senvolvimento de um negócio.
projetos em escolas públicas e cem anos e está presente em O programa é desenvolvido em
privadas. Para isso, os estudan- 120 países. A Junior Achieve- escolas durante 15 semanas e,
tes participam da organização ment desenvolve a capacidade ao final, os jovens participam
de miniempresas, pela qual en- empreendedora de dez milhões de uma feira onde expõem o
tram em contato com diversas de jovens por ano. No Brasil, até produto para venda. Durante a
funções necessárias na adminis- o momento, a instituição já au- confecção da miniempresa, os
tração de um empreendimento. xiliou quatro milhões de alunos. jovens têm orientação de profis-
Como o projeto é desenvolvido No Rio de Janeiro, anualmen- sionais de marketing, recursos
na escola, o vínculo do aluno te, 20 mil alunos são treinados. humanos, finanças e produção.
com a instituição também é re- Embora existam iniciativas des- — Eles desenvolvem a capaci-
forçado. tinadas a diversas faixas etárias, dade técnica e as competências
— O empreendedorismo é um merece destaque o programa emocionais, que vão transmitir
caminho importantíssimo e de Miniempresa, voltado para jo- a mensagem de que ele pode
total transformação das pes- vens do 2° ano do ensino médio. criar seu próprio destino. Essas
soas. Os programas da Junior Nesse programa, os alunos competências vão dizer que o
Achievement abordam econo- entram em contato com a ex- aluno não precisa necessaria-

52
mente buscar um emprego, ele
pode fazer seu próprio empre-
go. Empreendedorismo está li-
gado a atitude, saber trabalhar Leonardo Medeiros
em equipe, cuidar do planeja-
mento — argumentou Maria-
na.
De acordo com ela, cerca de
80% dos projetos da Junior
Achievement são desenvolvidos
em escolas públicas. De cinco
alunos que participam dos pro-
gramas, ao menos dois fazem
seu próprio negócio depois. Em
alguns casos, alunos continuam
mantendo a miniempresa após “Essas
a conclusão das oficinas.
— O jovem tem que negociar, competências
tem que ter responsabilidade. É
realmente algo que transforma
vão dizer que o
o jovem — disse Mariana. aluno não precisa
Leonardo Medeiros participou
do programa e contou que, de necessariamente
fato, viveu uma transformação:
— Nós jovens temos muitas in-
buscar um
certezas, principalmente nessa emprego, ele
idade escolar. Quando há um
palco onde você pode aprender pode fazer seu
e atuar, é sensacional. Todos os
programas e metodologias têm
próprio emprego”
o sentimento de o jovem ser
protagonista, de querer fazer
acontecer, de buscar ir além, de
entender como aquilo é feito.
Então, o jovem começa a que-
rer preencher as lacunas que às
vezes não foram preenchidas
pelo sistema de educação.

Junior Achievement
jabrasil.org.br

53
NO INTERIOR DE SÃO PAULO,
DIRETOR TRANSFORMA ESCOLA
NUM EXEMPLO DE SUPERAÇÃO
crise da unidade. A partir das 2015, no segundo segmento do
respostas de um questionário ensino fundamental (6° ao 9°),
com pais e alunos, ele começou superando em 0,3 a meta esta-
a reorganizar a Darcy Ribeiro e a belecida pelo Ministério da Edu-
implementar projetos que atraís- cação para o período.
sem o interesse dos estudantes. — A escola era anunciada como
Diego Lima — A partir do questionário, fi- o pior Ideb da região num raio
cou evidente que a escola não de 200 quilômetros. Quando eu
tinha uma identidade perante cheguei, a sala de informática e

N
o interior de São Paulo, na a comunidade. Os pais tinham a sala de jogos não eram apro-
cidade de São José do Rio medo de colocar o filho na es- veitadas. A biblioteca funcionava
Preto, uma escola onde cola. Eles preferiam colocar o como um depósito, então não ti-
ninguém mais queria estudar filho distante de casa do que nha como incentivar a leitura.
passou a ter o respeito da co- matricular na escola Darcy Ri- Atualmente, além da melhora
munidade de um ano para o ou- beiro — disse Lima. no ensino das disciplinas regu-
tro. O período curto pode dar a O diretor passou a controlar
falsa impressão de um trabalho também o número de faltas “Os pais tinham
fácil. Mas foi preciso muito suor dos alunos. Lima constituiu um
de Diego Lima, diretor da Escola sistema no qual conseguia ras-
medo de colocar o
Municipal Darcy Ribeiro, e sua trear o número de ausências filho na escola. Eles pre-
equipe. Antes conhecida por ser dos estudantes. feriam colocar o
uma das instituições mais vio- — Realizo visitas às famílias.
lentas da região, a escola deu a Então, se o aluno falta mais filho distante de casa
volta por cima após um trabalho de três dias, temos um sistema do que matricular na
intenso de reestruturação. que nos avisa isso. Aí, eu vou
— No meu primeiro dia, os alu- à casa dele pela manhã. Se ele
escola Darcy Ribeiro”
nos me jogaram maçãs, água, não está, eu volto na hora do
colocaram fogo nos banheiros almoço. Se não está novamen- lares, a instituição desenvolve
e nos lixos da escola. Eu parei, te, me informo com a comuni- outros projetos, como Came-
disse que não iria embora e que dade e volto à noite. rata Jovem Beethoven, pelo
iríamos reverter o olhar puniti- O diretor conseguiu reduzir o ín- qual recebe semanalmente pais
vo que a escola tinha. Foi assim dice de evasão da escola de 202 e alunos para aulas de música
que tudo começou: dando voz e alunos em 2013 para apenas clássica. A iniciativa foi possível
valorizando o protagonismo dos dois em 2014. Antes da gestão devido a uma parceria com uma
alunos — contou Diego Lima, de Lima, a punição era a única escola de música que não tinha
dizendo ainda que, quando che- resposta ao mau comportamen- local para ensaiar e passou a uti-
gou à instituição, a escola estava to dos alunos. A escola chegou a lizar as dependências da escola.
com banheiros quebrados, corti- ter um índice de 60 suspensões
nas incendiadas e paredes van- por semana. Após as mudanças,
dalizadas. a escola teve um salto no Índice
Lima decidiu fazer um processo de Desenvolvimento da Educa-
de escuta da comunidade es- ção Básica (Ideb). A nota passou Escola Municipal Darcy Ribeiro
colar e identificar os pontos de de 3,5 em 2013 para 4,7 em darcy.smedu@gmail.com

54
APRENDER LINGUAGEM VALORIZA
A FORMAÇÃO VOLTADA PARA A
EDUCAÇÃO INFANTIL

A
primeira infância é vista da Rocha, na Região Me-
por pesquisadores como tropolitana de São Paulo,
um período fundamen- reúne conteúdos relacio-
tal para o progresso cognitivo nados ao desenvolvimento
e emocional do ser humano. da linguagem, além de tra-
Entre os aspectos desenvolvidos zer orientações sobre práticas
nessa fase da vida, a linguagem didáticas e pedagógicas.
é um dos mais importantes. A equipe do Laboratório de Edu-
Para possibilitar uma evolução cação realizou reuniões frequen- Paula Stella
satisfatória desse campo, a tes com os coordenadores, que
ONG Laboratório de Educação por sua vez reuniam-se com os — Os professores indicaram que
criou um programa para formar professores para orientá-los. as crianças demonstram interes-
professores voltados para esta — A maioria dos coordenadores se crescente pelos livros de His-
etapa da educação, o “Apren- é bem pouco experiente, o que tória. Também afirmaram que os
der linguagem — Formação de deve influir na atuação que eles próprios educadores passaram a
educadores”. usar critérios para selecionar os
— Produzimos ferramentas pe- “A aquisição e o desen- livros, a prestar mais atenção nas
dagógicas que possam influen- falas dos alunos e a intervir de
ciar as práticas daqueles que volvimento da linguagem modo a favorecer o seu desen-
interagem com crianças tanto volvimento linguístico — relatou
no espaço escolar quanto fora
podem causar diferenças Paula. — Os professores passa-
dele. O foco da nossa atuação significativas em todo o ram a acreditar que as crianças
é a linguagem porque enten- podem acompanhar e entender
demos que esse é um proble- desenvolvimento a leitura de um livro literário. No
ma invisível. A aquisição e o início, eles preferiam contar his-
desenvolvimento da linguagem cognitivo das crianças” tórias ao invés de ler e alegavam
podem causar diferenças signi- que era para que as crianças não
ficativas em todo o desenvol- têm como formadores de pro- se distraíssem.
vimento cognitivo das crianças fessores — constatou Paula, que Em Franco da Rocha, há 36 co-
se as oportunidades não forem já aponta bons resultados: — ordenadores pedagógicos em
asseguradas a elas — explicou a Houve progresso na gestão do formação que atuam em es-
educadora Paula Stella, que co- tempo das reuniões. Além disso, colas onde estão matriculadas
ordena o projeto. a análise das atividades realiza- 7.820 crianças. O projeto tam-
Com base na plataforma digital das em sala de aula durante a bém irá se expandir para mais
“Aprender linguagem”, uma reunião dos coordenadores com duas redes no Rio de Janeiro e
espécie de guia que traz infor- os professores também melho- em São Paulo.
mações sobre desenvolvimento rou — contou Paula Stella.
e aprendizagem das crianças, o Também houve impacto dentro
Laboratório de Educação criou da sala de aula, já que os profes-
um matéria exclusiva destinada sores eram orientados pelos co-
à formação de coordenadores e ordenadores sobre como traba-
professores. O material, que foi lhar os conteúdos, sobretudo os
colocado em prática na forma- linguísticos, com base no guia Aprender linguagem
ção de educadores em Franco do “Aprender linguagem”. aprenderlinguagem.org.br

55
O ALUNO COMO PROTAGONISTA

O
uvir o aluno e dar condi- multiplicá-los pelo Brasil.
ções para que ele acredi- Três estudos de caso exemplifi-
te em suas ideias. Essas caram iniciativas inovadoras que “Fico cansada quando
foram ações recorrentes nas valorizam o protagonismo do
falas dos educadores presentes aluno: o projeto Acredite!, que
falam que a gente tem
na mesa “O aluno como prota- se baseia no conceito de design que imitar a educação da
gonista”, que contou com a par- thinking; a experiência da Escola
ticipação da pedagoga Cleuza Classe 314 Sul, em Brasília, que
Finlândia. Lá são cinco
Repulho, ex-presidente da União tem como uma de suas priorida- milhões de habitantes,
Nacional dos Dirigentes Muni- de ouvir as ideias e as necessida-
cipais de Educação (Undime), e des dos alunos; e o empenho da
aqui tivemos mais de 40
pelo educador português José professora Jonilda Ferreira, que milhões de matrículas na
Pacheco, referência internacio- conquistou alunos com sua for-
nal em educação e idealizador ma de ensinar Matemática.
escola pública este ano”
da Escola da Ponte, em Portugal, — O que experiências como CLEUZA REPULHO
que debateram sobre os projetos essas mostram é que a escola
apresentados e a dificuldade de fez o papel dela. Isso não pode

56
rie de elementos de cada pro-
jeto que podem estimular a
reflexão de seus criadores e o
crescimento dessas iniciativas,
além de inspirar a plateia a ado-
tar práticas semelhantes. Para
ele, a dificuldade de se melho-
rar a qualidade da educação no
Brasil está na forma como as
políticas são geridas.
— Estamos possuídos por um
modelo educacional que está
em vigor há 200 anos e não é
substituído. Com tantos bons
projetos e bons professores, o

“O problema da
educação brasileira
é ela ser conduzida
por burocratas”
JOSÉ PACHECO

problema da educação brasileira


é ela ser conduzida por burocra-
tas. É preciso formar boas equi-
pes e reconfigurar a prática edu-
cacional — afirmou Pacheco.
Entre elogios e críticas à educa-
ser exceção, tem que ser regra. tir que todos tenham direito a ção no Brasil, o educador ressal-
Fico cansada quando falam que uma educação de qualidade. tou a necessidade de se avaliar
a gente tem que imitar a edu- — O que a gente viu aqui é o as escolas de forma mais huma-
cação da Finlândia. Lá são cin- que o Brasil mais precisa: ga- na, levando-se em conta as ca-
co milhões de habitantes, aqui rantir equidade. As pessoas racterísticas específicas do país,
tivemos mais de 40 milhões de não podem dar sorte ou azar e não de modelos importados:
matrículas na escola pública de nascerem em lugares que se — É preciso que haja acompa-
este ano. Quero muito a educa- preocupam mais ou menos com nhamento e avaliação das es-
ção da Finlândia, mas não que- educação. É possível e neces- colas. O Brasil tem tudo o que
ro o orçamento do Sudão para sário fazer as coisas escaláveis precisa para melhorar a educa-
dar conta — criticou Cleuza. para todo o país, mas para isso ção, estou farto de repetir isso.
Ao fim das apresentações, precisamos fazer uma mudança Basta da síndrome de vira-lata!
Cleuza voltou a ressaltar a im- muito grande na formação bá- Só falta que o educador brasilei-
portância de espalhar iniciativas sica dos professores. Respeitar a ro tenha autoestima e pare de
inovadoras por toda a rede de escola pública e os profissionais pegar exemplos vindos da Euro-
escolas do país. A pedagoga que estão lá é tudo que a gente pa. As escolas não são edifícios,
também defendeu a valorização pede. Não podemos ter amado- são pessoas, e pessoas têm seus
do ensino público e a importân- res nas escolas porque eles for- valores, que, quando transfor-
cia da adoção da Base Nacional mam pessoas — sentenciou. mados em práticas e princípios,
Comum Curricular para garan- José Pacheco percebeu uma sé- transformam-se em projetos.

57
Sandra Niel e Bernadete Santos

“Pretendemos
que o aluno
consiga caminhar ESCOLA PÚBLICA DE
sozinho e passar BRASÍLIA INVESTE EM PROJETOS
dos muros da
escola, administrando
ATRAENTES AOS ALUNOS
seus conflitos e
U
m colégio de gente feliz. vontade de ir à escola. Para isso,
aprendendo a Essa é a definição da Es-
cola Classe 314 Sul, da
precisamos ver a criança em pri-
meiro lugar como um ser hu-
conviver com rede pública de Brasília. A dire- mano único, completo — disse
tora, Sandra Niel, e a professora Sandra.
o outro” Bernadete dos Santos traba- Como forma de envolver a
lham para garantir essa marca criança, a gestora ressaltou a
para a instituição desde que importância de serem criados
assumiram seus cargos, há 16 espaços mais agradáveis dentro
anos. A escola tem 300 alunos do colégio, por isso foram ins-
matriculados no primeiro seg- taladas mesas de xadrez, casa
mento do ensino fundamental, de boneca e quadra de futebol.
sendo 39 deles portadores de Outra medida adotada pela ins-
necessidades especiais. tituição e que norteia grande
— Quando assumi, tínhamos parte do seu projeto pedagógi-
o desafio de fazer as crianças co é o envolvimento de toda a
levantarem de manhã e terem comunidade escolar no proces-

58
so de ensino. Dessa forma, os Os projetos não são poucos. Recebendo com Amor, no qual
pais se sentem corresponsáveis Bernadete dos Santos, profes- os alunos que estão no 5° ano
pela educação das crianças. sora na Escola Classe, contou recebem os que estão chegan-
— A família precisa estar den- que atualmente há um total de do à instituição. Dessa forma,
tro da escola, são todos por um. 13 iniciativas, e todas seguem os mais novos conhecem a es-
Os pais se envolvem em todos o que ela chamou de “pedago- cola de forma mais amigável, já
os nossos projetos. Temos fre- giada da sedução”. criando vínculos afetivos.
quência de 80% a 90% de pais — Desenvolvemos esses proje- — O choro agora não é mais tão
ativos dentro da escola — co- tos a partir das demandas que grande quanto antes. Nosso di-
memorou Sandra. recebemos dos alunos. Eles en- ferencial é o amor. Pretendemos
Pais e filhos acabam desenvol- volvem todos os funcionários e que o aluno consiga caminhar
vendo parceria em diversos pro- segmentos de ensino. Se não sozinho e passar dos muros da
jetos da escola, como a Gincana tivermos todos os professores escola, administrando seus con-
Julina, que distribui tarefas que conosco, nada acontece — con- flitos e aprendendo a conviver
precisam ser cumpridas em fa- tou Bernadete. com o outro, com a sociedade
mília durante duas semanas. Os Um grande desafio desse seg- e com ele mesmo — explicou
familiares também são convida- mento de ensino é o ingresso Bernadete.
dos a darem palestras para os de alunos do 1° ano do ensino
estudantes sobre assuntos nos fundamental. Não é raro ver o
quais tenham um certo domí- protesto dos pequenos, com
nio. Um pai com doutorado em direito a choro, na hora de en- Escola Classe 314 Sul
africanidades, por exemplo, já trar na escola e se despedir dos ec314.sul@gmail.com
falou sobre o assunto para to- pais. Para atrair essas crianças,
das as turmas do colégio. foi criado um projeto específico,

59
ACREDITE! LEVA
PENSAMENTO CRÍTICO
E CRIATIVIDADE PARA
SALAS DE AULA

U
m coração para re- mudança na sociedade a partir
presentar a inspira- da resolução de problemas.
ção e um raio para — A escola é um dos sistemas
a transpiração. Esse é o signi- mais cristalizados que a gente
ficado do símbolo do projeto tem, e a revolução desse mo-
Acredite!, idealizado pelo de- delo em vigor não vai acontecer
Andre Bello e Ana Helena signer Andre Bello, em parceria de forma imediata. É uma longa
com sua filha Ana Helena, de jornada, mas alguém tem que
12 anos. começar um dia, e eu me dispus
A ideia surgiu quando Bello a ajudar. Vou ajudar a empurrar
decidiu transmitir para a meni- essa jornada dentro das minhas
na noções de design thinking, possibilidades — garantiu.
processo de pensamento que Brian Correia, de 16 anos, é
valoriza a crítica e a criativida- bolsista de uma escola parti-
de para organizar informações cular em Cabo Frio, na Região
e tomar decisões. Ele esperava dos Lagos do Estado do Rio de
“Não adianta que essa prática permitisse que Janeiro, onde Bello realiza a ofi-
ela pudesse traçar seu próprio cina do Acredite!. Apaixonado
só inspirar os destino sem se prender a ro- por cinema, ele percebeu que
jovens, é teiros preestabelecidos no pas-
sado, estimulando-a a desen-
poderia usar o equipamento de
audiovisual da escola privada,
preciso volver valores como otimismo, que fica muito tempo sem uso,
criatividade e colaboração. para projetar filmes voltados
estimulá-los a — Não adianta só inspirar os para disciplinas como História e
construir seus jovens, é preciso estimulá-los a
construir seus próprios projetos
Geografia e promover a cidada-
nia entre os alunos. A iniciativa
próprios desde cedo. Eles precisam des- acabou virando um novo proje-
sas competências para desen- to, o Cineclube Social.
projetos volver um raciocínio inovador — Fui estudante de escola pú-
desde cedo.” — destacou o designer.
Bello percebeu que poderia
blica e senti na pele as dificul-
dades do sistema de ensino. O
impactar outros jovens com os meu objetivo era tirar os alunos
valores que transmitia para a dessa realidade dura, usando o
filha e decidiu formatar um li- cinema para transportá-los para
vro interativo, lançado em abril um mundo onde a educação é
deste ano. O designer também feita pelos próprios alunos —
trabalha em parceria com es- explicou o aluno, que, a esta
colas fornecendo oficinas para altura, já é um mobilizador.
desenvolver a visão crítica dos
estudantes, tornando-os pro- Acredite!
tagonistas de ações práticas de www.mundoacredite.com.br

60
NA PARAÍBA, PROFESSORA DE
MATEMÁTICA FORMA CAMPEÕES

F
oi com trabalho árduo que pediu para sair da escola parti-
a professora Jonilda Ferreira cular para poder participar das
conseguiu transformar a ci- Olimpíadas de Matemática. Ele
dade de Paulista, no interior da foi o primeiro a ganhar uma
Paraíba, em uma potência da medalha de ouro, estimulan-
Olimpíada Brasileira de Mate- do o interesse dos amigos pela
mática das Escolas Públicas (Ob- competição. Outro aluno que ti- Jonilda Ferreira

mep). A partir de aulas práticas nha muitos problemas de com-


e criativas, a professora ganhou portamento começou a estudar
a confiança de seus alunos, me- com a professora, melhorou seu
lhorando o desempenho das desempenho e ganhou uma
turmas e estimulando a partici- medalha de bronze. Hoje ele é
pação na competição. Em dez bolsista de uma escola particu-
anos, a parceria rendeu 14 me- lar no Recife e está estudando
dalhas de ouro, nove de prata, para fazer Medicina.
39 de bronze e 112 menções — Acho que a minha vocação
honrosas. é ser professora mesmo. Quan-
— Foi desmistificando a Ma- do vejo um sorriso deles, fico
temática que descobrimos os impressionada. Podemos fazer
nossos campeões. Todo mun- qualquer coisa nessa vida quan-
do sabe Matemática. Os livros do se trata de bens materiais,
também trazem realidades, mas mas precisamos tomar o máxi-
mostrar a prática da disciplina mo de cuidado quando se tra-
ajuda muito o aluno a entender ta de seres humanos — disse,
— contou. emocionada.
As reclamações constantes que Com o sucesso na competição,
os alunos faziam da disciplina e Jonilda foi chamada para dar
o mau desempenho motivaram aulas numa escola particular “Se você não
Jonilda a buscar formas menos
“traumáticas” de inserir os cál-
em Campina Grande, a cerca
de quatro horas de Paulista.
souber tratar
culos na vida dos alunos. Foi Porém, a professora continua bem o seu aluno,
assim que as aulas práticas en- preparando os alunos da esco-
traram no programa de aulas da la pública uma vez por semana, principalmente
professora. durante três horas.
— Levo os alunos para pizzaria, — Se você não souber tratar
o que tem
mercado, posto de gasolina e bem o seu aluno, principalmen- dificuldade,
faço receita de bolo para mos- te o que tem dificuldade, ele vai
trar que a matemática faz parte se desestimular. É preciso ter ele vai se
da vida. Quando o sinal toca, muita coragem para inovar, mas
no fim da aula, os alunos la- nem todos têm — desabafou. desestimular”
mentam. Muito melhor do que
a reclamação de ter que apren-
der Matemática — comemorou
a professora. Professora Jonilda Ferreira
Aos 8 anos, o filho de Jonilda jonildalves@yahoo.com.br

61
CURRÍCULO E do por estruturação do sistema
de ensino. Estão pedindo que a
trabalhe com evidências. Essa
reforma do ensino médio está
AVALIAÇÃO gente possa dar um norte mais
claro para eles, que os cursos
sendo discutida pelo Consed
desde 2012. Estamos discutin-

D
esde o ano passado, o de formação de professores que do se o projeto deveria ser ou
processo de construção temos, infelizmente não estão não Medida Provisória. Há ain-
da Base Nacional Comum dando — afirmou Deschamps. da o Projeto de Lei que foi cons-
Curricular (BNCC) evidenciou O educador criticou a postu- tituído desde 2013 e tem gente
a importância de um currículo ra de parte da população e da dizendo que não tem debate
eficaz na construção de uma comunidade educacional dian- sobre o assunto.
educação de qualidade. Com te da Medida Provisória (MP)
a reforma do ensino médio, o proposta pelo governo para “Os professores
documento ganhou ainda mais reformar o ensino médio. Após estão clamando por
destaque. Na opinião dos es- a apresentação dos estudos de estruturação do
pecialistas que participaram da caso da Escola Sesc Teófilo Oto- sistema de ensino”
mesa “Currículo e Avaliação”, ni, do Instituto Chapada e da EDUARDO DESCHAMPS
a construção da BNCC e a re- ONG Dream Learn Work, Des-
formulação do ensino médio champs criticou a posição rea- Nesse sentido, os educadores
representam chances de ouro tiva diante da reforma, o que, alertaram que é necessário per-
para que o Brasil finalmente segundo ele, atravanca a evolu- manecer atentos às próximas
trilhe um caminho de sucesso ção da área. discussões que ocorrerão sobre
no âmbito da educação. Partici- — Esses três exemplos apresen- o tema e, inclusive, participar de
param do debate Eduardo Des- tados aqui podem ser levados debates ligados diretamente à
champs, presidente do Conse- para a escola pública, desde reforma, como é o caso da Base
lho Nacional de Secretários de que se faça um coisa: parar de Nacional Comum Curricular.
Educação (Consed), e a educa- criar as polêmicas erradas no — Passamos muitos anos da His-
dora Ilona Becskehazy. âmbito da educação. Olhe para tória do Brasil tomando decisões
— Os professores estão claman- o que está dando certo lá fora, erradas a respeito da educação.

62
É a última chance de começar a norte? Países que já queimaram como educadores, vamos ter a
parar de tomar decisões erradas. suas etapas. Temos que olhar capacidade e a competência de
Estamos no processo de final- um pouco para fora. Inglaterra, não precisar isso em lei porque
mente entrar com uma Base Na- por exemplo, é um país pionei- vamos contemplá-la na Base Na-
cional Comum, que espero que ro em reforma curricular, dentro cional Comum? — questionou
vá na direção correta — comen- da perspectiva de consertar er- Deschamps, chamando ainda a
tou Ilona Becskehazy. ros históricos — afirmou Ilona. responsabilidade dos professo-
Se a reforma curricular já es- res para garantir os conteúdos:
“Passamos muitos anos tava sob holofotes, com a MP — Matemática e Português não
da História do Brasil do ensino médio, as atenções constavam como obrigatório na
se voltaram ainda mais para a lei e tínhamos isso como obriga-
tomando decisões erradas nova base. Após a MP retirar tório nas escolas. Nós, enquanto
a respeito da educação” a responsabilidade do ensino educadores, temos que começar
ILONA BECSKEHAZY médio sobre Artes e Educação a assumir a responsabilidade da-
Física, para garantir que as dis- quilo que vamos fazer.
A educadora indicou que é ne- ciplinas apareçam nas salas de Para viabilizar a implementação
cessário seguir os passos de ou- aula, é importante garantir que de um bom currículo, Ilona Be-
tras nações que já reformaram elas componham o conteúdo cskehazy defende que haja uma
seus currículos e passaram pelo da Base Nacional Comum Cur- melhor reestruturação do sistema
mesmo processo. Segundo ela, a ricular para a etapa. brasileiro:
estratégia é necessária para que o — Educação Física, Artes, Filoso- — Precisamos começar a inves-
Brasil não perca ainda mais tem- fia, Sociologia, essas disciplinas tir mais em estruturas estáveis
po de desenvolver a educação. são muito importantes. Ninguém de educação. Isso é necessário
— Agora teremos que quei- discute a importância disso para a para que se consiga oferecer
mar etapa, não adianta querer educação brasileira, mas será que para todos os alunos brasileiros,
inventar a roda. Vamos olhar eu preciso deixar na LDB (Lei de desde a educação infantil, uma
para o processo todo e queimar Diretrizes e Bases da Educação) estrutura que dê conta de um
etapas. Quem pode nos dar um a obrigatoriedade disso ou nós, currículo realmente ambicioso.

63
DREAM LEARN WORK FINANCIA
A QUALIFICAÇÃO DE ESTUDANTES
DE ÁREAS CARENTES
“A formação
A
Medida Provisória que na questão do curso técnico-
profissional pretende reformar o en- -profissionalizante, mas nossos
sino médio propõe uma alunos são muito estimulados
não é suficiente, complementariedade entre o a ir além. Esperamos que eles
então precisamos ensino regular e o profissiona-
lizante. No entanto, enquanto
consigam conquistar a universi-
dade, a graduação. Mas, nessa
dar apoio, essa nova estrutura não é posta trajetória, para quem não tem
em prática, algumas iniciativas essa perspectiva como primeiro
estimular que como a da ONG Dream Learn passo, o curso de qualificação é
o aluno Work tentam estreitar o contato
de jovens com a escola técnica.
importante — afirmou Ana Lui-
za Carbonni, gerente geral da
continue para A instituição seleciona jovens Dream Learn Work.
de áreas carentes para auxiliá- A ONG foi criada em 2006 após
evitar a evasão” -los na qualificação profissional. a visita do ministro das Rela-
— Procuramos dar oportuni- ções Exteriores da Noruega ao
dade ao jovem de conquistar Brasil. Na época, durante uma
um futuro melhor, de entender palestra, o ministro disse que
que pode avançar e ir para a as empresas norueguesas com
frente. A gente foca bastante filiais no país deveriam promo-

64
ver ações de responsabilidade
social e não só explorar o mer-
cado brasileiro. Dessa forma foi
criada a Dream Learn Work,
que, por meio de parceria com
outras organizações, passou a
recrutar jovens de áreas caren-
tes e financiar formação profis-
sionalizante em escolas do Se-
nac e do Senai.
— O aluno tem um acompa-
nhamento completo. Fazemos
mentorias com os parceiros cor-
porativos. Funcionários abrem
espaço para receber nossos alu-
nos com projetos nos quais o
aluno passa um dia no trabalho
fazendo determinada função.
A intenção é que ele entenda o
que é ser um administrador, um
montador, um mecânico — ex-
plicou Ana Luiza.
Atualmente, a ONG atende
180 alunos do Rio de Janeiro.
Num primeiro momento, os
estudantes fazem treinamento
específicos da área que dese- contou Ana Luiza.
jarem atuar e depois são enca- De acordo com a gerente, a
minhados para cursos técnicos Dream Learn Work incentiva
nas instituições parceiras. Entre que o aluno continue os estu-
as áreas oferecidas, há cursos dos e não pare a formação no
em eletrotécnica, mecânica, ensino técnico. Também é feito
informática, administração, lo- um acompanhamento ao longo
gística, segurança do trabalho, do processo para que esse estu-
comunicação visual e gestão de dante não abandone a carreira:
recursos humanos. — A ideia é que esteja mais
— Também damos apoio na pronto para entrar no mercado
busca por emprego. Nossos e com oportunidades melhores.
parceiros corporativos vão às A gente vê qual seria a trilha
ONGs, dão palestras, ministram educacional do aluno, onde ele
oficinas sobre busca de empre- vai começar e aonde quer che-
go e como fazer o currículo fi- gar. Acreditamos que a forma-
car diferente para determinada ção profissional não é suficien-
vaga. Também pedimos para te, então precisamos dar apoio,
que nossos parceiros nos deem estimular que o aluno continue
preferência para que possamos para evitar a evasão.
indicar nossos alunos. Temos
ainda um banco de currículos e
a empresa que quiser pode se Dream Learn Work
cadastrar e ter acesso a ele — dreamlearnwork.com

65
FORMAÇÃO NO INSTITUTO
CHAPADA FEZ EDUCADA ENCARAR
AVALIAÇÃO COM OUTROS OLHOS
Apenas 40% dos alunos que eu estava levantando — expli-
estavam na escola conseguiam cou a professora.
aprender o que precisavam. A A partir de então, a escola ado-
Janaina Barros
gente pegou uma escola nova, tou um método de discussão

E
mbora um currículo de uma equipe totalmente nova, sobre as avaliações entre os
qualidade seja um fator poucos alunos e todos que fica- professores, de modo que cada
importante para influenciar ram tinham características muito prova só chegava ao aluno após
positivamente no aprendizado, particulares — contou Janaina. mais de um profissional anali-
a avaliação foi justamente o Para tentar reverter esse quadro, sá-la. A instituição decidiu que
que permitiu que a professo- Janaina, que teve sua formação o modelo de avaliação deveria
ra Janaína Barros, do Institu- como coordenadora feita pelo ter questões mais objetivas,
to Chapada, promovesse uma Instituto Chapada, decidiu fazer sem pegadinhas e com foco nas
mudança radical no Índice de uma análise minuciosa do co- discussões mais relevantes apre-
Desenvolvimento da Educação nhecimento produzido na esco- sentadas em sala.
Básica (Ideb) da escola públi- la. Assim, passou a confrontar — Lembro-me da professora
ca Professora Ivani Oliveira, na as provas feitas pelos profes- falando: “Depois de seis me-
Bahia. Após perceber que só sores e o planejamento de aula ses, nem eu consigo responder
40% dos alunos tinham apren- com o conteúdo ministrado e o à prova que fiz, mesmo consul-
dizado adequado, a professora que os alunos registravam em tando o caderno da criança”. E
iniciou um processo minucioso seus cadernos. Dessa forma, não era qualquer criança, era a
de revisão das provas às quais a educadora percebeu que as melhor criança. Aquele caderno
os estudantes eram submetidos avaliações cobravam tópicos não tinha diálogo com a avalia-
e identificou a desconexão en- distintos do que era aprendido ção — afirmou.
tre avaliação e o que era ensi- pelo aluno durante as aulas ex- Depois do alinhamento entre o
nado em sala. positivas e diferente até mesmo que era ensinado e o que era
Após um processo de munici- da proposta do professor no cobrado em prova, a melhora
palização da escola, com medo planejamento. dos resultados da escola Profes-
de que houvesse queda na qua- — Passei a analisar e comparar sora Ivani Oliveira foi notável.
lidade do ensino, grande parte as perguntas que tinham nas As mudanças fizeram com que
dos pais decidiu retirar seus provas com o que eu disse que a instituição aumentasse um
filhos da instituição. A evasão tinha ensinado; o meu planeja- ponto no Ideb, saltando de 4,8,
dos alunos foi outro problema mento com o currículo da esco- em 2011, para 5,8, em 2015,
que precisou ser enfrentado la. Fui em cada sala da escola, nos anos finais do ensino fun-
pela nova administração. peguei o caderno do melhor damental.
— Quando o Estado saiu da es- aluno e pensei: eu disse que ia — Tive cuidado em ver como os
cola, foi dito para os pais não ensinar isso, planejei isso, ava- professores aprendiam, e eles
ficarem na escola e que a equi- liei isso e o caderno do menino também foram vendo como os
pe nova não teria compromisso diz que eu ensinei isso. Então, alunos estavam aprendendo, e
com os alunos. Então, parte dos esses instrumentos que são re- fomos aprendendo juntos a fa-
pais decidiu tirar os meninos gistros profissionais começaram zer avaliação — concluiu.
da colégio. Quando chegamos, a conversar entre si e aí foi pos-
de 510 alunos, tínhamos 203; sível construir uma base mais Instituto Chapada
o restante havia ido embora. segura sobre as hipóteses que institutochapada.org.br

66
NO COLÉGIO SESC TEÓFILO
OTONI, OS ALUNOS DESENVOLVEM
HABILIDADES DIVERSAS

T
urno integral e foco na que está sendo visto no ensino
formação global do indiví- médio — explicou Elen Ferrari,
duo. É assim que o Colégio coordenadora técnico-social da
Sesc Teófilo Otoni, em Minas Gerência de Educação do Sesc
Gerais, pretende contribuir para em Minas.
o desenvolvimento das habili- A maneira de ensinar posta em
dades de seus alunos. prática pelo Sesc Teófilo Oto- Carlos Henrique Pimenta

Constituída em 2014 para rece- ni tem como premissa aproxi-


ber alunos do ensino médio, a mar os conteúdos do cotidiano — Focamos na preparação para
escola funciona das 7h às 17h. desses estudantes. Assim, uma a vida. Então, o que queremos
Para ocupar essa grade horária, aula de Matemática sobre aná- é que os alunos fiquem esse
a instituição oferece disciplinas lise combinatória, por exem- período com a gente no ensino
diversificadas, como empreen- plo, transforma-se quase em médio, mas que adquiram ha-
dedorismo, oficinas de dança um desfile de moda, no qual o bilidades para fazer escolhas ao
e aulas de música, teatro e pin- professor tinha apenas algumas longo da vida. Escolhas saudá-
tura, entre outras. No aprendi- peças disponíveis e precisava veis e assertivas que contribu-
zado das matérias regulares, os combiná-las de diversas manei- am para o desenvolvimento in-
140 alunos não ficam restritos ras, formando looks diversos. tegral deles. Nosso foco é fazer
à sala de aula. O Sesc dispõe — Tentamos trabalhar da ma- com que eles tenham o maior
de laboratórios de ciências e neira mais interdisciplinar pos- número de experiências no âm-
biblioteca e promove atividades sível para que esse aluno não bito educacional e que isso con-
extraclasse para complementar visse os conteúdos de forma tribua para o crescimento deles
o ensino. Os estudantes têm fragmentada e que ele pudesse enquanto pessoas e cidadãos
aulas quinzenais aos sábados, fazer a associação sobre o por- — afirmou Elen.
quando são ministradas ativida- quê estar estudando aquilo. A
des de arte e esportes. No caso avaliação também é pautada a Colégio Sesc Teófilo Otoni
do terceiro ano, é feito um pre- partir disso e analisa as habilida- dilneidegil@sescmg.com.br
paratório para o Enem. des e competências dos alunos
— Temos uma disciplina cha- — explicou Carlos Henrique Pi- “O que queremos é
mada Nivelamento, que é dada menta, professor de Matemáti-
pelos professores de Matemá- ca do Sesc Teófilo Otoni. que os alunos
tica e de Português. Essa dis- A preocupação com temáticas fiquem esse
ciplina passou a existir porque além dos conteúdos tradicio-
percebíamos uma grande he- nais é expressa em diversas ati- período com a
terogeneidade quando os alu-
nos ingressavam no Sesc. Eles
vidades, como os debates sobre
temas de interesse público. No
gente no ensino
chegavam com níveis diferen- último ano, os alunos foram di- médio, mas que
tes de conhecimento. Então, vididos em grupos pró e contra
percebemos que era necessário redução da maioridade penal,
adquiram
resgatar os conteúdos do ensi- por exemplo, e realizaram dis- habilidades para
no fundamental que de alguma cussões sobre o assunto, cul-
forma não foram trabalhados minando em uma simulação de
fazer escolhas ao
ou que eles não aprenderam de júri sobre o tópico, feita pelos longo da vida”
maneira adequada e reforçar o próprios estudantes.

67
Marcos Nisti, Andrea Mota, Viviane Nogueira e Maria Tereza Maldonado

E
stabelecer um diálogo am- mal à saúde. A conclusão foi
plo entre sociedade civil, in- tirada durante as discussões da
dústria e estado pode ser a mesa “Escola consciente, nu-
principal ferramenta para com- trição inteligente”, que contou
ESCOLA bater um dos problemas mais com a presença de Marcos Nisti,
CONSCIENTE, preocupantes da contempora-
neidade: a obesidade infantil.
CEO do Instituto Alana, Andréa
Mota, diretora de categorias da
NUTRIÇÃO Nesse contexto, a escola se tor-
na um terreno importante para
Coca-Cola Brasil, e a psicóloga
Maria Tereza Maldonado, sob
INTELIGENTE promover uma nutrição mais
saudável para as crianças. As
mediação da jornalista Viviane
Nogueira.
instituições de ensino podem, — Quando os dois lados gritam,
por exemplo, ser alvo de medi- ninguém escuta nada. A obesi-
das que ajudem a inibir o con- dade infantil tem que ser trata-
sumo de alimentos que fazem da com um esforço conjunto e

68
“A criança até
“A publicidade fala
12 anos não tem
maturidade de com nossas crianças
fazer escolhas” todo santo dia, o tem-
ANDRÉA MOTA po todo, muito mais
que os pais”
MARCOS NISTI

69
integrado. O diálogo é a grande postas para evitar que as crian- escolas nas quais a maior parte
chave. Um diálogo de propósi- ças sejam alvo de publicidades das crianças seja menor de 12
tos, com transparência, vontade que conduzam ao consumo em anos. A partir daí, as empresas
de fazer mudança e capacidade excesso de determinados ali- passaram a fornecer para essas
de ouvir — explicou Nisti. mentos e aumentem os índices instituições apenas água mine-
Sobre a gravidade do contex- de obesidade levou a uma co- ral, suco com 100% de fruta,
to atual, Nisti destacou que municação bem-sucedida entre água de coco e bebidas lácteas
as crianças são expostas a car- o Instituto Alana e a Coca-Co- “que atendam a critérios nutri-
gas exageradas de publicidade la Brasil. Discussões constantes cionais específicos”. No caso da
quanto ainda não têm o discer- culminaram em uma primeira Coca, serão fornecidos somente
nimento necessário do que é ação da empresa de bebidas, suco natural e água.
bom ou não para seu corpo. O que informou que não faria — A criança até 12 anos não
resultado são enormes deman- mais publicidade destinada a tem maturidade de fazer esco-
das de consumo desnecessárias. crianças, porque não as conside- lhas. Não consegue discernir o
— A publicidade fala com nossas rava capazes de tomar decisões que é bom para ela e o que não
crianças todo santo dia, o tem- de consumo sozinhas. é, que é possível consumir com
po todo, muito mais que os pais. A movimentação para minimi- moderação. Temos que trazer
Os pais trabalham, se deslocam, zar o consumo de refrigerantes essa conversa para a escola, para
chegam à noite e o que eles en- e sucos açucarados na infância os pais. Esse é um problema não
contram são filhos pedindo al- resultou na decisão conjunta só da Coca-Cola, mas de toda
guma coisa, movidos por uma da corporação com outras duas a indústria. Quero muito que
publicidade que eles viram nesse empresas do ramo, a PepsiCo e outros setores se juntem a esse
tempo — ressaltou Nisti. a Ambev, de não fornecer mais movimento — afirmou Andréa
A necessidade de encontrar res- esses produtos para cantinas de Mota, diretora de categorias da

70
Coca-Cola Brasil. A psicóloga chama atenção ain-
No âmbito familiar, a psicóloga da para a importância de dar o As famílias de
Maria Tereza Maldonado afir- bom exemplo. Segundo ela, fa-
mou que os pais devem apren- mílias com maus hábitos alimen- crianças obesas,
der a conhecer seus filhos para tares tendem a transferir essa muitas vezes,
saber entender suas necessida- característica para os filhos.
des, e não decifrá-las de manei- — Quando a gente fala de nutri- também estão
ra incorreta, gerando dano para
a criança. Ela também alerta
ção consciente, estamos falando
também que essa nutrição está
muito além
para o perigo de atrelar emo- sujeita à influência de muitos fa- do peso”
ções à alimentação. tores inconscientes que a gente
— Se a família está mais sinto- simplesmente não percebe. Mui- MARIA TEREZA MALDONADO
nizada, os pais vão saber que tas famílias não se dão conta de
aquele choro é de fome, aquele que agem como espelho para a
outro é para colo ou outro tipo criança. As famílias de crianças
de estimulação. Muitas vezes obesas, muitas vezes, também
essa leitura não é feita adequa- estão muito além do peso. E a
damente e qualquer coisa que família não é a única influên-
a criança expressa é vista como cia das crianças. Elas vão cres-
fome. Isso tudo vai formando cendo e têm influências dos
uma raiz de que a comida vai amigos e da publicidade, por
servir para aliviar frustração, su- exemplo. As crianças estão
prir carinho e atenção, acalmar e sujeitas a múltiplas influências.
distrair — explicou.

71
QUANTIDADE x QUALIDADE
MITOS & FATOS

P
rotagonismo juvenil, valo- de jovens e adolescentes na desses alunos também foi con-
rização do professor e en- escola saltou de 7% para 86% solidada graças a políticas pú-
gajamento social. Foram em pouco mais de 50 anos. blicas que garantem merenda,
esses os conceitos que deram Na visão de Maria do Pilar, di- transporte e material didático.
o tom do debate “Quantidade retora da Fundação SM/Brasil e Agora, o grande desafio que te-
x qualidade — Mitos & fatos”, ex-secretária de Educação Bási- mos é garantir a aprendizagem.
organizado pela TV Globo e ca do Ministério da Educação, E uma aprendizagem significa-
mediado pela jornalista Mônica o atual cenário brasileiro pede tiva, digna do século XXI — diz
Waldvogel, no Educação 360. políticas públicas que foquem Maria do Pilar.
A mesa, que se debruçou sobre menos em quantidade e mais A principal questão da mesa
o desafio da universalização do em qualidade da educação. também foi analisada pelos de-
ensino, contou com a participa- — Nos últimos 20 anos, fizemos mais debatedores. “Educação
ção das educadoras Maria do um esforço sensacional para de qualidade para todos é im-
Pilar Lacerda e Luciana Hubner, garantir o acesso dos alunos. possível?”, provocou a media-
do advogado Gabriel Dolabella Antes, a escolaridade era obri- dora.
e da atriz Andréa Beltrão. gatória para crianças de 7 a 10 — É uma inverdade. O fato de
Um breve panorama sobre a anos, depois passou para a faixa termos todos dentro da escola
evolução do Brasil em relação de 7 a 14 anos e, desde 2009, a nos traz novos problemas, os
ao acesso à educação foi apre- escolaridade é obrigatória para que estavam fora dos muros da
sentado por Mônica para fo- crianças e adolescentes dos 4 escola. No entanto, temos óti-
mentar a discussão: o número aos 17 anos. A permanência mos exemplos de iniciativas que

72
dão certo na educação pública. dora, é fundamental observar
O desafio é tornar isso mais uni- “A permanência desses de perto e conversar com as
versal. Educação é direito e res- alunos também foi novas gerações para entender
ponsabilidade para todos nós as demandas.
— disse Luciana Hubner, ges-
consolidada graças a — A gente tem o hábito de di-
tora de projetos educacionais e políticas públicas que zer que os meninos dão traba-
avaliadora do Prêmio Educador garantem merenda, lho e não gostam da escola. É
Nota Dez. preciso olhar para esses jovens
transporte e material
porque, se a escola não for o lu-
didático” gar em que eles querem estar,
“Hoje o jovem é muito MARIA DO PILAR LACERDA esse ambiente torna-se quase
um estado de sítio. A escola
inquieto, quer enxergar o ao protagonismo juvenil é o vira um lugar de espera, onde
propósito das coisas” elemento-chave para atrair a os meninos aguardam chegar
atenção e despertar a participa- o vestibular para simplesmente
GABRIEL DOLABELLA ção dos estudantes no mundo passar mais um ciclo — afirmou
atual: a educadora.
Ao longo do debate, foram — Hoje o jovem é muito inquie- A atriz Andréa Beltrão, que é
apresentadas reportagens sobre to, quer enxergar o propósito filha de professor e estudou a
experiências de escolas públicas das coisas. Uma pesquisa reali-
no Ceará, no Amazonas e no Rio zada recentemente com jovens “É preciso olhar para
de Janeiro. Em cada caso, uma de todo o Brasil mostrou que
mostra de como criatividade e todos têm vontade de mudar
esses jovens porque, se a
determinação podem ser uma o sistema de ensino e partici- escola não for o lugar em
boa combinação para vencer par ativamente dessa mudan-
dificuldades socioeconômicas e ça. Quem não tiver a intenção
que eles querem estar,
garantir bons resultados. de escutar o jovem tende a ter esse ambiente torna-se
Para o advogado Gabriel Dola- mais resistência a cada dia.
bella, cofundador do movimen- Luciana Hubner partilha da
quase um estado de sítio”
to Mapa Educação, o incentivo mesma opinião. Para a educa- LUCIANA HUBNER

73
Luciana Hubner, Andrea Beltrão, Gabriel Dolabella, Pilar Lacerda e Monica Waldvogel

Luciana Hubner
vida toda na rede pública, teve
a oportunidade de visitar dife-
rentes realidades em escolas de
diversos estados do Brasil para
encarnar uma professora no fil-
me “Verônica” (2009), de Mau-
rício Farias.
— Conversei com várias profes-
soras que atuavam em lugares
de risco e conseguiam trans-
formar aqueles locais e, além
disso, comprometer todos da
comunidade. São professores
que saem de uma ilha de isola-
mento e negatividade. São he-
róis que puxam pelo exemplo
e contaminam as crianças com
um desejo intelectual e uma
vontade de fazer da escola um
lugar importantíssimo — con-

74
tou a atriz.
A busca de uma educação de Andrea Beltrão

qualidade para todos passa


também pela valorização do
professor e pelo investimento
na formação.
— Assim como as demais pro-
fissões, os docentes também
têm a necessidade de formação
constante. Pesquisas revelam a
importância de voltarmos à sala
de aula na condição de alunos.
Vejo muita gente na educação
resistente a isso, mas acho que
temos que parar e pensar. Só
assim teremos os resultados es-
perados, com professores capa-
citados para oferecer uma edu-
cação de qualidade para todos
— afirmou Luciana Hubner.

75
CANAL FUTURA LANÇA SÉRIE SOBRE
ESCOLAS QUE DERAM A VOLTA POR CIMA

N
ão há escola perdida. É Costa e Silva, no interior goia- Luís dos Montes Belos. Eu re-
isso que mostra o Canal no, e Valquíria Batista de Assis, comendaria trocar o nome da
Futura com a história de da Escola Municipal Dom Cons- escola. Estudar em escola com
cinco colégios na série de re- tantino Luers, em Alagoas. nome de ditador... sem chances
portagens “Era uma vez outra — Apaixonei! — brincou a — referindo-se ao ex-presidente
escola”, lançada no Educação mineira Maria do Pilar, ex-se- da república Costa e Silva.
360. Nela, o jornalista Antô- cretária de Educação Básica do O Educação 360 exibiu com ex-
nio Gois, colunista do GLOBO, Ministério da Educação que par- clusividade o primeiro episódio
passou por colégios de São Luís ticipou da mesa do lançamento: da série, que contou a história
dos Montes Belos, em Goiás, — A gente fala muito de comu- de como Leslie encontrou um
Campinas, no interior paulista, nidade que participa, mas tem colégio onde alunos consu-
Campo Alegre, em Alagoas, Rio participação que é muito super- miam e traficavam drogas em
de Janeiro e Teresópolis (RJ). No ficial. E ela vai se tornando de suas dependências. A gestora
lançamento, duas diretoras es- verdade quando há identidade decidiu pôr as coisas em ordem
tiveram presentes: Leslie Maria e reconhecimento, como o que transformando primeiro o espa-
de Oliveira, da Escola Municipal aconteceu nesse colégio de São ço físico da unidade: chamou

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Ricardo Henriques, Pilar Lacerda, antônio Gois, Leslie Oliveira e Valquíria Assis

“A gente vive de de Leslie e ocuparam a escola. Ricardo Henriques, superinten-


A mobilização cresceu e todos dente executivo do Instituto
detalhes. São pequenas
os pais de alunos assinaram um Unibanco, ressaltou que em
coisas que fizeram a documento contra a medida. E quase todas as experiências há
escola ser o que ela é a escola venceu. um componente de simplici-
— A gente vive de detalhes. São dade para resolver problemas
hoje. Comprar uma pequenas coisas que fizeram a complexos.
máquina de lavar fez escola ser o que ela é hoje. Quer — Há nessas histórias deter-
um exemplo? Comprar uma minação em torno de soluções
uma enorme diferença” máquina de lavar fez uma enor- simples para resolver coisas
LESLIE MARIA DE OLIVEIRA me diferença. Na época de chu-
va, muitos alunos que vêm das “Quando assumi,
pais e professores para limpar a áreas rurais chegam molhados
tínhamos em torno de
escola. Foram 14 caminhões de e sujos. Então, eles pegam uni-
entulho jogados fora. Depois formes que já estão lá na escola 700 alunos. Agora, são
de pôr a casa em ordem e con- e botam os dele para lavar. No 1.250, e alunos de ou-
quistar a comunidade, veio a fim da aula, pegam as suas rou-
ameaça da militarização. O es- pas que já estão limpas e voltam tras cidades e de colégios
tado de Goiás tem um progra- para a casa — explicou Leslie, particulares estão vindo
ma que coloca escolas na mão que, por uma questão de per-
da Polícia Militar. Os alunos, tencimento, não abre mão da
estudar com a gente”
então, compraram as ideias obrigatoriedade dos uniformes. VALQUÍRIA BATISTA DE ASSIS

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complicadas. Quem já andou vam ser liderados por uma mu- nos de outras cidades e de co-
em escolas onde há tráfico sabe lher. Valquíria enfrentou até ata- légios particulares estão vindo
que é dificílimo — apontou. ques contra seu carro — cada estudar com a gente — contou
Já no colégio de Valquíria, em dia, um pneu era esvaziado e Valquíria.
Alagoas, o problema era a indis- estudantes chegaram a tentar A inspiração para a série do Fu-
ciplina. O nome dela como dire- arrancar as placas do veículo. tura surgiu da história do diretor
tora não foi bem recebido num Passado o batismo de fogo, ela vencedor do prêmio Educador
primeiro momento. Os homens, se aproximou dos meninos, o Nota Dez de 2015. Ele transfor-
segundo os alunos, não aceita- que demorou uns três meses, mou a realidade de uma escola
segundo ela. Um mutirão foi em São Paulo que era conheci-
feito para reformar a escola. da pela violência entre alunos e
“Há nessas histórias Nele, trabalharam o marido da contra professores. Para mudar,
determinação em torno diretora e os amigos da igreja. o diretor Diego Mahfouz Faria
Os alunos passaram a ajudar. E Lima — que apresentou o estu-
de soluções simples a escola se transformou. do de caso Escola Darcy Ribeiro
para resolver coisas — Só estudava no Dom Cons- — criou com os alunos um novo
tantino quem não tinha como ir código disciplinar, que deu voz
complicadas” para outro lugar. Quando assu- aos jovens. A partir desse exem-
RICARDO HENRIQUES mi, tínhamos em torno de 700 plo, o Canal Futura buscou ou-
alunos. Agora, são 1.250, e alu- tras iniciativas no país.

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79
ENSINO NA ERA DIGITAL

oficina
tou acessar na internet imagens das páginas mostra o pintinho
criadas especialmente para pro- dentro de um ovo. Ao aproxi-
jeção holográfica. Resultado: as mar o smartphone, o leitor vê o
imagens flutuaram diante dos pintinho saindo da casca e des-
olhos dos participantes. cobrindo o mundo.
— É um recurso novo, e ainda O uso de smartphones em sala
estamos descobrindo juntos as de aula foi o tema da oficina

I
magine uma aula de Biologia muitas possibilidades de uso. “Laboratório de experimentos
na qual o corpo humano seja Além de ter uma funcionalidade com aplicativo”, conduzida
projetado num holograma nova, atrai os alunos pela curio- por Bruna Nunes, coordena-
para que os alunos explorem sidade – disse Marinete. dora pedagógica da ONG Re-
cada detalhe. Agora, pense A ideia empolgou a professora code, voltada para o empode-
num livro didático com reali- de Matemática Pâmela Azeve- ramento digital.
dade aumentada, que permita do, de 24 anos, que pretende — Pesquisas mostram que 78%
aos estudantes se aprofundar fazer a experiência com os es- dos jovens se conectam quase
ou tirar dúvidas sobre a maté- tudantes do 9º ano do Colégio todos os dias à internet. O desa-
ria. Não são coisas do futuro. As ProUni, em Campos dos Goyta- fio é transformá-los de inimigos
técnicas da holografia e da rea- cazes, no Norte Fluminense. em aliados — diz Bruna Nunes.
lidade aumentada, e suas possí- — Como no fim do ano vou tra- Durante a oficina, os partici-
veis aplicações em sala de aula, balhar pirâmides e prismas com pantes foram apresentados a
foram algumas das inovações os alunos, acho que será um alguns aplicativos educacionais
apresentadas em oficinas reali- bom incentivo para ensiná-los a e convidados a pensar em ati-
zadas durante o Educação 360. calcular as medidas necessárias vidades que poderiam ser feitas
Na oficina “Dos fantasmas de para a construção da estrutura em sala de aula com o uso de
Pepper à holografia”, o geren- para a holografia — diz. smartphones. Entre os progra-
te de Informática da MultiRio, Em outra oficina conduzida pela mas apresentados estavam o
Nuno Caminada, e a diretora de dupla da MultiRio, foram apre- Socrative, que permite a cria-
Mídia e Educação da empresa sentados livros didáticos desen- ção de questionários para que
municipal, Marinete D’Angelo, volvidos com a tecnologia da os alunos respondam em seus
ensinaram educadores a aplicar realidade aumentada. Em algu- smartphones ou tablets; a Fá-
a técnica da holografia sem pre- mas páginas, há o ícone de uma brica de Aplicativos, uma plata-
cisar gastar muito dinheiro. câmera, indicando que o leitor forma digital que permite criar
Com uma transparência de ace- deve aproximar a câmera de aplicativos básicos; o Office
tato, tesoura e fita adesiva, os seu smartphone. Ao fazer isso, Mix, uma extensão do Power-
participantes da oficina constru- com um aplicativo específico, o Point que facilita a inserção de
íram pequenas pirâmides trans- leitor reconhece a imagem do vídeos, links e questionários
parentes. Cada um posicionou livro em movimento. Numa pu- nas apresentações; e o Audaci-
a estrutura em cima de seu blicação infantil, por exemplo, ty, que permite gravação e edi-
smartphone e, em seguida, bas- cuja temática é o medo, uma ção de áudio.

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80
STARTUPS

Tecnologia
DENTRO E
FORA DA
SALA DE AULA
startup voltada para a cons-
trução de processos lúdicos de
aprendizagem a partir do uso de
jogos e tecnologias de comuni-
cação. Foram desenvolvidas três
plataformas de aprendizagem: a
Vivaz, voltada para o ensino fun-
damental 1; a Ludz, com jogos
feitos a partir de conteúdos de

C
ontratar um professor com os professores e a tecnolo- Matemática do 5° ao 9° ano; e
particular nem sempre gia, o que pode incluir monito- aplicativo Sr.x, com conceitos de
é uma tarefa fácil. Con- ria, plantão de dúvidas, reforço álgebra para ajudar a diminuir
seguir referências, escolher o escolar e revisão para prova. as dificuldades na disciplina. Já
professor e combinar as agen- — Aulas particulares sempre a startup Diário Escola, do Rio
das pode levar um bom tempo. estiveram presentes na nossa Grande do Sul, criou um serviço
Mas é aí que a tecnologia pode vida e, vendo essa ascensão das eletrônico para facilitar a comu-
dar uma mãozinha. Se surgir tecnologias, tivemos a ideia de nicação entre os pais e a escola.
uma dúvida em Geografia, por criar a Educare. É um misto de A Fundação Geniantis, também
exemplo, o aluno pode, por necessidade do mercado com a de São Paulo, desenvolve um
meio de um aplicativo, contra- necessidade dos alunos — con- trabalho voltado para a divulga-
tar um professor particular para tou Gabriel Marques, aluno de ção das Forças de Caráter, teoria
solucionar seu problema em Ciências da Computação na desenvolvida por pesquisado-
até quatro minutos. Essa é uma Universidade Paulista e um dos res que realizaram durante três
das funções desenvolvidas pela criadores da startup. anos um estudo mundial, che-
Educare, uma das cinco startups Criado no Rio de Janeiro, o Des-
presentes durante o Educação complica, espécie de Netflix do
360. ensino, ajuda os jovens na pre-
A iniciativa conecta alunos e paração para o Enem em todo
professores particulares do se- o Brasil por meio de vídeos com
gundo segmento do ensino os conteúdos que caem na pro-
fundamental e do ensino médio va, aulas ao vivo e um aplicativo, gando a 24 características uni-
a qualquer hora via internet. A que permite ao estudante assis- versais para o desenvolvimen-
plataforma oferece uma opção tir aos conteúdos sem precisar to pessoal. Sobre esse tema, a
para ser usada pelas escolas de acesso à internet. A platafor- empresa desenvolveu um jogo
como forma de complementar ma tem versões gratuita e paga, da memória, um de tabuleiro,
o aprendizado do estudante on- que pode oferecer monitorias e Pessoas Geniais, e o aplicativo
-line. De acordo com uma grade correção de redação. Geniantis, que busca facilitar o
de horários e disciplinas escolhi- Outra empresa presente no cultivo dessas competências de
das pela escola, a Educare entra evento foi a carioca Tamboro, forma lúdica e intuitiva.

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Expediente

EDITORA: FOTOGRAFIA:
Roberta Ferraz Gustavo Azeredo
Leo Ackermann
DESIGNER: Sylvia Freitas
José Wagner
TRATAMENTO
REDATORA: DE FOTOS:
Vivi Fernandes de Lima Luiz Alberto Rocha da Cruz

TEXTOS:
Bruno Alfano
Marta Szpancenkopf
Paula Ferreira
Pedro Zuazo
Vivi Fernandes de Lima

REVISÃO:
José Figueiredo

Encontro Internacional Educação 360 (2016: Rio de Janeiro, RJ).

Documentário do 3º Encontro Internacional Educação 360.


Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 23 e 24 de setembro de 2016.
Rio de Janeiro: O GLOBO e EXTRA, 2016.
Livro + e-book
ISBN 978-85-8457-029-4

82p.

1. Educação. 2. Ensino. 3. Encontro Internacional. 4.Mídia


e Educação. 5.Educação e Sociedade. 6.Educação e Tecnologia.
7.Currículo e avaliação. 8.Manuel Castells. 9.Michel Maffesoli.
10.António Nóvoa. 11.Maria Helena Guimarães

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