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Aulas práticas

Direito Internacional Público Tratados


2017_2018 (segundo semestre)

Tratados - reservas

Comente os excertos dos seguintes textos.

A. Parecer consultivo respeitante às reservas à Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime


de Genocídio1
2
ICJ Rep 1951 , Tribunal Internacional de Justiça

“A Assembleia Geral pediu um parecer consultivo ao Tribunal Internacional de Justiça sobre as


seguintes questões:
No que diz respeito à Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, caso um
Estado ratifique ou aceda à convenção sujeita à reserva feita quer no momento da ratificação, quer
da adesão, ou aquando da assinatura seguida de ratificação:
I. Pode o Estado que formulou a reserva ser visto como sendo parte da Convenção quando pretender
manter a sua reserva, no caso desta última ter sido objectada por uma ou mais partes da Convenção,
mas não pelas outras?
II. Em caso de resposta afirmativa à Questão I, qual é o efeito da reserva entre o Estado que a
formulou e:
a) As partes que objectaram à reserva?
b) As que aceitaram a reserva?
III. Qual será o efeito jurídico, com respeito à Questão I, no caso de a objecção à reserva ser feita:
a) Por um Estado signatário que ainda não tenha ratificado?
b) Por um Estado intitulado a assiná-lo ou a aderir ao mesmo mas que ainda não o tenha feito?

(No que respeita à Questão I): É bem claro que nas suas relações baseadas num tratado, um Estado
não pode considerar-se vinculado sem o seu consentimento e que, consequentemente, nenhuma
reserva pode produzir efeitos contra qualquer Estado que não a tenha aceite. É igualmente um
princípio geralmente reconhecido que uma convenção multilateral consiste no resultado de um
acordo livremente concluído sobre as suas cláusulas e que, consequentemente, nenhuma das partes
contratantes tem o direito de frustrar ou de prejudicar, por via de decisões unilaterais ou acordos
particulares, o objectivo e a razão de ser da convenção. A este princípio estava relacionada a noção
de integridade da convenção tal como fora adoptada, uma noção que, no seu conceito tradicional,
envolvia a sugestão de que nenhuma reserva seria válida, excepto se fosse aceite por todas as partes
contratantes, sem excepção, tal como seria o caso se tivesse assim ficado decidido durante as
negociações…
Deve ser salientado que, apesar de a Convenção sobre o Genocídio ter sido finalmente aprovada por
unanimidade, é no entanto a mesma o resultado de uma série de votos maioritários. O princípio
maioritário, enquanto facilitador da conclusão de convenções multilaterais, pode fazer com que seja
necessário que certos Estados façam reservas. Esta observação é confirmada pelo grande número de
reservas que têm sido feitas a convenções multilaterais, nos últimos anos.
Neste estado da prática internacional, certamente que não poderia interferir-se que, perante a falta
de um artigo que se referisse às reservas num tratado multilateral, que os Estados contratantes
estariam proibidos de efectuar certas reservas. Deve igualmente dar-se conta que o facto de faltar
um tal artigo ou mesmo a decisão de não inserir um tal artigo pode ser explicada pelo desejo de não
incentivar uma multiplicidade de reservas. A característica de uma convenção multilateral, o seu

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O presente texto foi integralmente retirado e traduzido para português de “Cases and materials on
International Law”, da autoria de Martin Dixon, Robert McCorquodale e Sarah Williams, 5.ª edição, Oxford
University Press, p. 71 e 72.
2
Note-se que o presente parecer foi solicitado pela Assembleia Geral da ONU ao Tribunal Internacional de
Justiça no ano de 1951, ou seja, antes da entrada em vigor da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(1969).
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Teresa Lancry A. S. Robalo
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objectivo, as suas cláusulas, o seu modo de preparação e adopção, são factores que devem ser
levados em conta para efeitos da determinação, na falta de uma cláusula expressa sobre este
assunto, da possibilidade de serem efectuadas reservas, tal como da sua validade e efeito…
O objecto e o objectivo da Convenção sobre o Genocídio implicam que era intenção da Assembleia
Geral e dos Estados que a adoptaram que tantos Estados quanto possível deveriam participar. A
exclusão por completo da Convenção de um ou mais Estados não só restringiria o âmbito da sua
aplicação, mas também iria desviá-la da autoridade dos princípios morais e humanitários, que são a
sua base. É inconcebível que os Estados contratantes tivessem prontamente contemplado que uma
objecção a uma reserva menor pudesse produzir um tal efeito. Mas ainda menos poderiam as partes
contratantes ter pretendido sacrificar o objecto da Convenção em favor do vão desejo de garantir
tantos participantes quanto possível. Logo, o objecto e a finalidade da Convenção limitam tanto a
liberdade de serem efectuadas reservas como a de as mesmas serem objectadas.
Consequentemente, é da compatibilidade entre uma reserva e o objecto e intuito da Convenção que
deve surgir o critério para a atitude de um Estado quando faz uma reserva aquando da adesão, bem
como para a apreciação feita por um Estado no momento da objecção à reserva. Esta é a regra de
conduta que deve guiar todos os Estados na apreciação que deve ser feita, individualmente e do seu
próprio ponto de partida, sobre a admissibilidade de qualquer reserva…
Resulta das precedentes considerações à Questão I, devido ao seu carácter abstracto, que não pode
ser dada uma resposta absoluta à mesma. A apreciação de uma reserva e o efeito das objecções que
possam ser feitas dependem das particulares circunstâncias de cada caso concreto.
(No que diz respeito à Questão II): As considerações que formam a base da resposta do Tribunal à
Questão I são genericamente aplicáveis do mesmo modo aqui. Tal como fora salientado supra, cada
Estado que seja parte da Convenção está intitulado a apreciar a validade da reserva e exerce esse
direito individualmente e com o seu próprio ponto de partida. Por outro lado, nenhum Estado pode
considerar-se vinculado por uma reserva à qual não tenha consentido. Daqui resulta que cada Estado
que objecte à reserva irá ou não, com base na sua apreciação individual dentro dos limites do critério
do objecto e finalidade referidos acima, considerar o Estado que fez a reserva parte da Convenção
(ou não).” (tradução nossa)

B. “Belilos vs Switzerland case”3


ECHR, Ser A (1988) Vol 132, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

“ (A Sra.) Belilos alegou que não tinha sido alvo de um julgamento justo na Suíça, contrariamente ao
disposto no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. A Suíça contestou, alegando
que quando ratificara a Convenção, tinha feito uma “declaração interpretativa” respeitante ao artigo
6.º. O Tribunal considerou que a “declaração interpretativa” feita pela Suíça é, na realidade, uma
reserva. Todavia, não se tratou de uma reserva válida (sendo o seu âmbito muito lato) para efeitos
dos requisitos constantes do artigo 64.º (que prevê os requisitos para uma reserva válida).
Consequentemente, o Tribunal manteve a queixa contra a Suíça.”
“O Governo (suíço) apresentou um argumento adicional com base no facto de não ter havido
qualquer reacção por parte o Secretário-Geral do Conselho da Europa, nem dos Estados Partes da
Convenção…O Governo Suíço inferiu que, em boa fé, poderia daqui considerar-se que a declaração
teria sido tacitamente aceite para efeitos do artigo 64.º. O Tribunal não concorda com esta análise. O
silêncio do depositário e das Estados contratantes não retira às instituições da Convenção o poder de
fazer a sua própria análise…

3
O presente texto foi integralmente retirado e traduzido para português de “Cases and materials on
International Law”, da autoria de Martin Dixon, Robert McCorquodale e Sarah Williams, 5.ª edição, Oxford
University Press, p. 73 e 74.
Para mais desenvolvimentos, vide http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-
57434#{"itemid":["001-57434"]}
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Teresa Lancry A. S. Robalo
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… Tal como a Comissão e o Governo, o Tribunal reconhece que é necessário averiguar a intenção
original daqueles que efectuaram a declaração. Nesta óptica, os documentos constatam que
originalmente a Suíça pretendia fazer uma reserva formal, mas que subsequentemente optou pelo
termo “declaração”…
A questão de determinar se a declaração descrita como “interpretativa” deve ser vista como uma
“reserva” é complicada, particularmente – no caso presente – porque o Governo Suíço fez tanto
“reservas” como “declarações interpretativas” no mesmo instrumento de ratificação. Geralmente, o
Tribunal reconhece a enorme importância, tal como foi enfatizado pelo Governo, das regras jurídicas
aplicáveis às reservas e às declarações interpretativas feitas pelos Estados Partes da Convenção.
Apenas as reservas são mencionadas na Convenção, mas vários Estados também (ou apenas) fizeram
declarações interpretativas, sem efectuarem sempre uma distinção clara entre ambas.
De modo a estabelecer o carácter jurídico de uma tal declaração, é necessário olhar para além do
nome que lhe é atribuído e procurar determinar o seu conteúdo substantivo. No caso presente,
parece que a Suíça procurou remover certas categorias de procedimentos do âmbito do artigo 6.º (1),
bem como garantir-se contra a interpretação do artigo que considerou ser muito genérico. No
entanto, o Tribunal constata que as obrigações que emergem em virtude da Convenção não são
objecto de restrições que impedissem a satisfação dos requisitos do artigo 64.º no que respeita às
reservas. Por conseguinte, o Tribunal irá examinar da validade da declaração interpretativa em
apreço, tal como no caso de ser uma reserva, no contexto desta cláusula…
Resumindo, a declaração não satisfaz dois dos requisitos do artigo 64.º da Convenção, de onde
resulta que deva ser tida por inválida. Simultaneamente, não há qualquer dúvida de que a Suíça está,
e vê-se como estando, vinculada à Convenção independentemente da validade da declaração. Para
além disso, o Governo Suíço reconheceu a competência do Tribunal para decidir sobre este último
assunto.”

“NOTAS
1. O Belios case demonstra que o estatuto da “declaração” depende da avaliação sobre o que
pretende alcançar, o que é feito através da interpretação do texto da declaração, bem como do seu
efeito jurídico (vide infra). Se o seu efeito consistir em fazer com que o consentimento do Estado
fique dependente da aceitação do conteúdo da declaração, e não em meramente fornecer uma
interpretação ao tratado, a declaração será tratada como sendo uma reserva.
2. As normas da Convenção de Viena sobre as reservas baseiam-se na regra fundamental de que
todos os Estados que são partes de um tratado devem ser objecto dos mesmos direitos e obrigações
decorrentes do mesmo. Este é sempre o caso dos tratados bilaterais, em cujo caso a reserva
efectuada deve ser antes considerada como uma contraproposta que a outra parte tanto pode
aceitar ou recusar, daíresultando ou a conclusão ou a rejeição do tratado conforme projectado. No
entanto, quando se tratar de um tratado multilateral, um Estado pode optar por, devido a uma
multiplicidade de motivos políticos, sociais ou jurídicos, restringir a extensão até onde se encontre
vinculado por todas as obrigações decorrentes do tratado. Isto é normalmente feito através de uma
reserva escrita ao tratado aquando da assinatura, da ratificação, da aceitação, da aprovação ou da
adesão ao tratado. As reservas podem ser retiradas a qualquer altura. Actualmente, a maioria dos
tratados tem alguma cláusula respeitante às reservas. Nestes casos, essa cláusula específica irá
aplicar-se em vez das normas constantes da Convenção de Viena.
3. O âmbito até onde poderão ser aceites reservas aos tratados é uma questão de importância
considerável. Por um lado, há um desejo de preservar a “integridade” do tratado, de modo a que
todas as partes estejam igualmente vinculadas pelas mesmas obrigações. Por outro lado, há o
objectivo de assegurar uma elevada participação nos tratados, mesmo que todas as partes não
aceitem todos os detalhes de cada obrigação. O último é especialmente o caso em que o tratado
pode ser visto como “standard-setting” (instrumento imperativo), como é o caso de muitos tratados
sobre direitos humanos e a Convenção sobre Direito do Mar. Os Tribunais Internacionais
reconhecem que as reservas são uma expressão da limitação de um Estado no seu consentimento

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em estar vinculado, mas são igualmente astutos ao prevenir que a reserva comprometa o objecto e a
finalidade centrais de um tratado.
4. Os artigos da Convenção de Viena que dizem respeito às reservas estão geralmente em linha com
as conclusões alcançadas pelo Tribunal Internacional de Justiça no Parecer Consultivo respeitante às
reservas à Convenção sobre o Genocídio. Esta parte da Convenção de Viena é considerada como
reflectindo direito costumeiro internacional.
5. Uma reserva pode ser feita, a menos que o tratado a proíba, ou que a reserva não figure na lista de
reservas especificamente admissíveis (fornecida pelo próprio tratado) ou seja incompatível com o
objecto e a finalidade do tratado: veja-se o artigo 19.º da Convenção de Viena.” (tradução nossa)

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Teresa Lancry A. S. Robalo

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