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Ensaio

A síndrome do déficit de atenção e as interfaces gráficas


Ian Castro de Souza1
www.intermidias.com.br

A linha de computadores Macintosh, da então Apple Computer Inc.,


marcou a década de 80 com a introdução de um ambiente computacional
predominantemente intuitivo e amigável aos leigos. O Mac OS, sistema
operacional dessas máquinas, possuía a primeira interface gráfica, ou GUI (do
inglês, Graphical User Interface), da história; uma interface na qual as
complexas linhas de comando (escritas) foram substituídas por representações
gráficas e iconográficas que, quando acionadas, realizavam as mesmas ações
que estes comandos. Este foi, indubitavelmente, um rompimento na dita era da
informação; o período “pós-janelas”, na nomenclatura de Steven Johnson,
modificou não só a dinâmica da própria ciência da informação, mas alterou (ou
expandiu, se preferir) as possibilidades de interação desta com todas as outras
áreas do conhecimento.
As interfaces gráficas, logo adotadas pela maioria dos sistemas
operacionais presentes no mercado, se baseiam na tradução de conceitos
abstratos em linguagem visual e inteligível – na capacidade de comunicar idéias
através de construções imagéticas, formas geométricas, cores, tipografias,
diagramação. Era assim na época e é assim hoje; as interfaces gráficas que
conhecemos hoje ainda são as mesmas que surgiram nos anos 80, só que, é
claro, com melhorias estéticas que só o tempo pôde prover. Foi com as
interfaces gráficas que o escopo da comunicação (visual) tocou (e estabeleceu
uma eterna parceria com) a informática – e, por mais que muitas empresas de
tecnologia de informação (TI) não reconheçam isso, este ponto de intersecção
constitui um grande diferencial do produto computacional.
Na versão X do Mac OS, a Apple mostrou que reconhece muito bem a
importância da comunicação como componente fundamental de um sistema
operacional. O sucessor da versão 9 teve sua GUI completamente re-elaborada
com foco na produtividade – um fator muito polêmico, desde o surgimento das
interfaces gráficas, muitas vezes ofuscado pelo caráter deslumbrante (e
redundante) do ambiente visual. Há aqueles, como Sven Birkets, que defendem
que as janelas são mais uma manifestação da síndrome do déficit de atenção
(SDA) do que um avanço na execução paralela de tarefas; há correntes
conservadoras da informática que consideram o ambiente visual como pura
firula. Não compartilho do tamanho radicalismo dessa perspectiva, mas admito
que há certa razão nessas colocações.

1
Ian Castro de Souza é planner / redator de mídias digitais da agência Idéia 3 e graduando em Comunicação na
Universidade Federal da Bahia. O blog Intermídias (http://www.intermidias.com.br) é o reflexo da sua prática
profissional com comunicação digital e mídias sociais, além dos estudos que desenvolve sobre as possibilidades que o
ambiente digital traz a prática publicitária.
O primo objetivo de uma GUI não seria simplificar e otimizar as
experiências do usuário com o ambiente computacional? Muitos sistemas e
aplicativos possuem interfaces não se caracterizam como ambientes voltados
para a idéia de produtividade: têm uma infinidade de menus, submenus,
painéis configuráveis, botões ocultos, barras de rolagem... Na humilde visão
deste servo, uma GUI deve simplificar ao máximo os processos comunicacionais
da percepção visual. Ela não deve comportar elementos que não estejam
concatenados com a idéia da produtividade; tudo deve confluir de forma
harmoniosa em direção desta – que é o objetivo primário do software.
É exatamente essa visão roots que a Aqua, interface gráfica do Mac OS X,
se propõe a recuperar em seus elementos: o que precisa ser comunicado (ou
indicado) ao usuário?
A identificação e o estudo da essência de cada componente da GUI foi o
diferencial do Aqua em relação às dos outros sistemas operacionais como o
Windows ME, lançado na mesma época. A partir dessa síntese semântica (a
identificação do que precisa ser comunicado) ocorreu então a reconfiguração –
ou tradução – posterior desses componentes em representações gráficas e
iconográficas mais óbvias, precisas e intuitivas (a identificação de como
comunicar). Emergiu-se então do universo técnico-computacional para um
sistema maior: o sistema simbólico. O ser humano, e todo o fruto de sua
técnica, está inserido num contexto ativo e, principalmente, coletivo: não se
pode simplesmente ignorar o plano sígnico, maior que o físico, que orienta
todas as suas experiências e formas de percepção. Desta maneira, foram
identificados elementos culturais (comuns à humanidade, ou à maior parte
dela) que não só representavam o que precisava ser indicado, mas que já o
fizessem em seus níveis mais primários de interpretação – elementos que já
contivessem toda a carga semântica social desejada de forma intrínseca. Um
bom exemplo da nova configuração desses elementos foram os botões
“fechar”, “minimizar” e “restaurar”, presentes nas barras de título das janelas.
Diferente das versões anteriores do sistema, eles foram remanejados para o
lado esquerdo da tela – segundo estudos de psicologia e design, lugar no qual
a percepção visual é iniciada –, ganharam formas arredondadas e foram
coloridos, respectivamente, em vermelho, amarelo e verde. A simples analogia
entre o processo de execução de um aplicativo e o sistema de trânsito, já
consolidado no imaginário humano, torna a manipulação da interface muito
mais intuitiva, por mais que este manipulador seja leigo em termos de
computação.
”The only problem with Microsoft is they (...) don't bring much culture into
their product”, disse Steve Jobs, presidente da Apple Inc., em 1996. Mas é bom
atentar que esta não é uma característica exclusiva da Microsoft. Este pequeno
artigo é apenas uma provocação quanto ao processo de padronização que as
interfaces gráficas vêm sofrendo. Convencionou-se, por exemplo, que X
significa saída, ou parada, quando já existiam muitos outros elementos
sinônimos à idéia. As analogias, metáforas e, principalmente, as transposições
são recorrentes quando se trata de novos meios de interação, mas não afirmo
aqui que todos os elementos de uma GUI devem remeter apenas a signos
culturais – acreditem: essa, definitivamente, não é minha intenção.
O que proponho é um pouco de reflexão sobre a linguagem das interfaces
gráficas. Por mais artística que ela seja, é uma linguagem única, própria aos
meios digitais, subserviente à suas utilidades específicas e, mais que tudo, uma
linguagem nova – vinte e três anos, para uma área do conhecimento, é
praticamente nada. Inúmeros designers hoje dedicam seus esforços
unicamente ao desenvolvimento e à consolidação dessa linguagem, Mark
Hamburg é um dos maiores exemplos do fato. O dito “guru da Adobe”, que
trabalha na empresa desde a versão 2.0 do Photoshop, ou seja, desde 1990,
rompeu com o padrão tradicional de interface de aplicativos de manipulação
gráfica (principalmente dos produtos da própria empresa) com uma interface
sem muitos menus e submenus infindáveis colocando tudo que o usuário
precisa na tela – a fim de potencializar sua produtividade simplificando o fluxo
de trabalho. Recentemente Mark Hamburg foi contratado pela Microsoft para
trazer novos conceitos à interface do Windows. Pena que não contrataram
alguém para reprogramá-lo a partir de uma tela vazia também.

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