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Os ataques aos
Institutos Federais:
a restauração neoliberal
radical no governo Temer
Mário San Segundo
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS)
E-mail: mario.segundo@viamao.ifrs.edu.br
Resumo: O presente artigo traça um quadro dos ataques sofridos pelos Institutos Federais
de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs), por parte do governo de Michel Temer. O texto inicia
com uma rápida explicação sobre a formação da Rede Federal EPCT em 2008, suas carac-
terísticas e em linhas gerais, demonstrando dois grandes campos em disputa na educação
profissional, e os motivos principais dos ataques. Conclui buscando demonstrar a relação
entre a necessidade do desmontes dos IFs, com os ataques contra os serviços públicos por
parte do governo Temer, que reestrutura uma faceta mais radicalizada do neoliberalismo
que, de fato, nunca deixou de circular por dentro dos governos brasileiros desde a última
reabertura democrática, embora com intensidades variáveis.
saber trabalhar em uma empresa. Este modelo edu- [...] o neoliberalismo não é apenas uma
cacional também está vinculado às novas necessida- ideologia, um tipo de política econômica. É um
sistema normativo que ampliou sua influência
des da reestruturação produtiva do capital em sua
ao mundo inteiro, estendendo a lógica do capital
fase neoliberal, que, ao mesmo tempo em que precisa a todas as relações sociais e a todas as esferas da
de um trabalhador com formação intelectualizada vida” (2016, p. 7).
para trabalhar com as novas tecnologias em constan-
te desenvolvimento, pró-ativo, polivalente, não pode Os perfis das classes dominantes, dos explorados,
admitir que o conhecimento ultrapasse os limites das Estados envolvidos e modelo de exploração têm mu-
técnicas de produção, sob risco de haver um proces- dado muito no decorrer do tempo e no espaço geo-
so de desalienação em massa, com o rompimento de gráfico. Dessa forma, David Harvey (2008) trabalha
divisões sociais do trabalho entre produtivo e intelec- com o conceito de práticas de neoliberalização, ações
tual, ou outros. concretas que buscam a efetivação do neoliberalis-
Dardot e Laval, ao analisarem o neoliberalismo mas também da apropriação do público por uma ló-
em sua ação global na atualidade, afirmam que: gica privatista, financiada por dinheiro público para
servir aos interesses empresariais.
Não há dúvida de que é uma guerra sendo
travada pelos grupos oligárquicos, na qual se
misturam de forma específica, a cada ocasião, os A educação pública é mais um elemento a ser atacado pelo
interesses da alta administração, dos oligopólios
neoliberalismo, que busca romper fronteiras e transformar
privados, dos economistas e das mídias (sem
mencionar o Exército e a Igreja). Mas essa
tudo em mercadoria. Como nos afirma Marx já no primeiro
guerra visa não apenas mudar a economia parágrafo de “O Capital”, “a riqueza das sociedades em
para ‘purificá-la’ das más ingerências públicas, que domina o modo de produção capitalista aparece como
como também a transformar profundamente a uma imensa coleção de mercadorias” (1988, p. 45) e um
própria sociedade, impondo-lhe a fórceps a lei dos desafios principais do neoliberalismo é aumentar essa
tão pouco natural da concorrência e o modelo coleção, transformando serviços que são ou deveriam ser
da empresa. Para isso, é preciso enfraquecer
ofertados pelo Estado em mercadorias.
as instituições e os direitos que o movimento
operário conseguiu implantar a partir do fim do
século XIX, o que pressupõe uma guerra longa,
contínua e muitas vezes silenciosa, qualquer que O título diz que é uma restauração neoliberal
seja a amplidão do ‘choque’ que sirva de pretexto radical e não simplesmente neoliberal. Os termos
para determinada ofensiva (DARDOT; LAVAL,
buscam delimitar algumas diferenças. Primeiro, em
2016, p. 20-21).
hipótese alguma se afirma que nunca antes na histó-
As características apontadas anteriormente levam ria do Brasil havia ocorrido um neoliberalismo radi-
a crer que os ataques orquestrados contra os serviços calizado, pois considera-se que durante os governos
públicos e seus servidores, os cortes de verbas para Collor e FHC houve uma barbárie neoliberal no país.
programas sociais, educação, saúde pública, a EC 95, No entanto, também não se entende que o governo
a reforma trabalhista sob medida para agradar os Temer tenha articulado uma restauração neoliberal,
empresários, a reforma da previdência, manutenção como se em algum momento o neoliberalismo tives-
de uma parcela de aproximadamente 50% do orça- se sido extirpado e necessitasse de algum governo
mento para pagar juros da dívida pública benefician- que o retomasse. Durante os governos Lula e Dilma,
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referências
UNIVERSIDADE E SOCIEDADE #61
Os ataques aos Institutos Federais
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