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Síndrome nefrótica

Introdução e Epidemiologia
A síndrome nefrótica (SN) é caracterizada fundamentalmente por proteinúria maciça (= 50 mg/kg/dia ou 40
mg/m2/hora) e hipoalbuminemia (= 2,5 g%), o quadro completo inclui ainda edema, hiperlipidemia e
lipidúria.
Na infância, 90% dos casos correspondem à SN primária ou idiopática, não sendo, portanto, associada a
nenhuma doença sistêmica, hereditária, metabólica, infecciosa ou uso de drogas ou medicamentos.
Quanto à influência racial, é consenso geral ser encontrada mais frequentemente nas raças branca e
amarela.

A glomerulonefrite por lesões histológicas mínimas (LHM) é a causa mais comum da SN primária em
crianças, correspondendo a aproximadamente 80% dos casos e tem início entre os 2 e 7 anos de idade,
sendo que 2/3 dos casos ocorrem antes dos 5 anos e o pico de incidência é aos 3 anos de idade.
Em algumas crianças, a SN manifesta-se nos primeiros meses de vida. Neste grupo etário, ocorre maior
prevalência de SN congênita. Em adultos, responde por aproximadamente 25% das nefropatias primárias
que cursam com SN.

Quando a SN ocorre como parte de uma doença sistêmica ou relacionada a drogas ou outras toxinas, é
chamada de SN secundária. São causas de SN secundária em crianças:

- SN associada a doenças sistêmicas: lúpus eritematoso sistêmico, púrpura anafilactoide, nefropatia por
IgA, sífilis, GN pós-infecciosa, malária; hepatite, diabete melito, linfoma, esquistossomose, toxoplasmose,
citomegalovírus, aids, amiloidose;
- SN associada a drogas: drogas anti-inflamatórias não esteroidais, penicilamidas, heroína, ouro;
- SN associada com toxinas e alérgenos: alergia alimentar, picada de insetos.

ETIOPATOGENIA
Até o momento e por diversos fatores, pode-se dizer que a SN é uma doença de base imunológica.
Pacientes com SN apresentam produção anormal de imunoglobulinas (redução de IgA e IgG e aumento de
IgM e IgE), alteração da imunidade celular, deficiência da capacidade de opsonização, disfunção de
linfócitos T supressores, associação com atopias, além do fato de ocorrer remissão com utilização de
imunossupressores e imunomoduladores.

A partir dessas observações, foi proposto que células T alteradas secretariam fatores de permeabilidade
capazes de interferir na expressão e/ou na função de estruturas da membrana basal glomerular (MBG),
determinando proteinúria. Um dos fatores estudados é o VPF (vascular permeability factor), que é
produzido por linfócitos T periféricos de pacientes com LHM e outras SN córtico-sensíveis, em resposta a
estímulos mitogênicos. Este fator induz à proteinúria por diminuir as cargas aniônicas da MBG. A terapia
com corticoides e ciclosporina A (CsA) diminui a produção de VPF.

Outros estudos têm mostrado, in vitro, aumento da produção de outros fatores, por exemplo, interleucinas
(IL), fator de necrose tumoral (TNF) etc., que alterariam a seletividade da MBG, a resposta dos linfócitos T
aos antígenos e a produção de imunoglobulinas (Igs) pelos linfócitos B. Todavia, ficam sem explicação
muitos eventos imunológicos que ocorrem na SN e há, ainda, resultados contraditórios.

FISIOPATOLOGIA
Proteinúria
A proteinúria é proveniente do aumento da permeabilidade do capilar glomerular por alteração da sua
capacidade como filtro seletor de partículas, ou do seu desempenho como barreira eletrostática. Além da
passagem anormal de proteínas devido ao aumento da permeabilidade da MBG, outro fator importante
que contribui para determinar proteinúria é a queda de reabsorção pelas células epiteliais do túbulo
proximal por saturação dos mecanismos reabsortivos destas células, devido ao aumento da carga proteica
no lúmen tubular.
Muitas outras proteínas plasmáticas (de pequeno e médio peso molecular) além da albumina são perdidas
na urina dos pacientes nefróticos e estão muito diminuídas: gamaglobulinas, alfaglobulinas, transferrina,
proteínas carreadoras de hormônios, proteínas inibidoras da cascata de coagulação. Essas perdas podem
provocar alterações do sistema endócrino ou dos padrões metabólicos normais. Por outro lado, proteínas
de alto peso molecular (fibrinogênio, betalipoproteínas, IgM) encontram-se em concentrações aumentadas
no plasma. Isso ocorre tanto pelo aumento da síntese hepática quanto pela pequena perda urinária.

A proteinúria determina a hipoalbuminemia e consequente hipovolemia.

Na etiopatogenia do edema nefrótico, devem-se considerar basicamente duas hipóteses:

1. Teoria do hipofluxo (underfill): na SN, as grandes perdas proteicas determinam


hipovolemia levando à queda da pressão oncótica plasmática (POP). A fim de manter a volemia,
vários mecanismos homeostáticos são automaticamente acionados: queda da filtração
glomerular, inibição do fator natriurético atrial, estimulação do hormônio antidiurético e ativação do
sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA). Apesar de certos pacientes seguirem esse
modelo de mecanismo da constituição dos edemas, muitos nefróticos têm volemia normal ou
mesmo aumentada e a elevação da renina e angiotensina não está presente em todos os casos.

2. Teoria do hiperfluxo (overflow): outros pesquisadores defendem a teoria de que o edema


nefrótico decorre de um defeito primário renal na absorção do sódio. Admite-se que a retenção de
sódio seria secundária a mecanismo renal intrínseco, não dependendo da volemia ou da ativação
do SRAA. Acredita-se que a causa dessa reabsorção aumentada, que ocorreria nos túbulos
distais, seja motivada por uma resistência ao peptídio natriurético atrial (ANP), por aumento do
catabolismo do GMP cíclico que se segue à ativação da fosfodiesterase.

Essas duas teorias não são completamente aceitas porque os volumes plasmáticos podem variar nas
diferentes fases e formas da doença. Em crianças portadoras de LHM que apresentam proteinúria intensa,
o mecanismo provável seria gerado pela hipovolemia, ao menos inicialmente. Já em adultos, geralmente
com SN persistente, a retenção contínua de sódio poderia determinar o edema pelo mecanismo
hipervolêmico.

Hiperlipidemia

Nas crianças com SN, os níveis séricos do colesterol total livre, ésteres do colesterol e lipoproteínas
acham-se elevados. Nos casos graves, os triglicérides também se encontram aumentados. A causa da
hiperlipidemia é controversa.
A hipoalbuminemia e a redução da pressão oncótica plasmática levariam a um aumento da síntese de
proteínas pelo fígado. Sabe-se que a albumina e as lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL)
compartilham, no hepatócito, a mesma via de síntese. Assim, ao mesmo tempo em que o organismo
tenta repor as perdas proteicas urinárias, elevam-se as VLDL. Portanto, a hiperlipidemia estaria
correlacionada à hipoalbuminemia, havendo aumento da síntese hepática de lipoproteínas de baixa
densidade (LDL), muito baixa densidade (VLDL) e densidade intermediária (IDL). Por outro lado, haveria
diminuição da lipase lipoproteica (LPL) e Apo-CII, um cofator necessário para sua atividade.
As principais consequências da hiperlipidemia são a aterosclerose e a progressão das lesões
glomerulares. Nos casos de SN idiopática corticossensível da infância, na qual se alternam períodos de
hiperlipidemia com períodos de lipemia normal, esses riscos são pequenos. Já nos casos com alterações
lipídicas permanentes, pode ocorrer repercussão cardiovascular e também progressão para esclerose
glomerular e intersticial.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A apresentação clínica clássica da SN por LHM caracteriza-se por edema sem hipertensão arterial ou
hematúria e com função renal preservada.

Sua presença não seja essencial para o diagnóstico, mas o edema é a principal manifestação clínica da
SN. Nos casos de LHM, este geralmente é intenso, mole, frio, depressível e sujeito à ação da gravidade.
Normalmente inicia-se na face, de instalação gradual ou rápida, estendendo-se de maneira insidiosa para
todo o corpo, com grande tendência a invadir serosas, levando à anasarca. Com a piora do edema, pode
ocorrer formação de ascite, edema escrotal e/ou peniano, edema labial e derrame pleural.
Oligoanúria e urina espumosa podem ser encontradas, assim como sinais de desnutrição: cabelos finos,
quebradiços e descorados, redução de massas musculares e unhas frágeis com estrias esbranquiçadas
horizontais.

A pele é seca e friável e a pressão arterial (PA), como citado anteriormente, nos casos de LHM geralmente
é normal. Entretanto, alguns pacientes podem apresentar hipertensão transitória.

O uso crônico de corticoide nas crianças com muitas recidivas lhes confere aspecto cushingoide: aumento
de peso, hipertricose, giba, fácies de lua e acne. Sinais de descalcificação óssea devido às alterações no
metabolismo da vitamina D e diminuição do cálcio ligado à proteína também podem ser encontrados.
Há associação com bronquite asmática alta (40 a 60%) e processos alérgicos em geral, assim como
relação com processos infecciosos de vias aéreas superiores, broncopneumonias, celulite e sepse. Os
agentes infecciosos mais frequentes são o Streptococcus pneumoniae e as bactérias Gram-negativas (E.
coli, Klebsiella sp.), Haemophilus influenzae e Staphylococcus aureus, sobretudo em pacientes
hospitalizados.

Distúrbios gastrintestinais são frequentemente encontrados no curso da SN: diarreia (pelo edema da
mucosa ou de etiologia infecciosa), hepatomegalia (pelo aumento da síntese de albumina e/ou edema
hepático), dor abdominal (devido ao edema da parede intestinal ou hepático e episódios de peritonite por
contaminação bacteriana do líquido ascítico). Podem ocorrer também hérnias umbilicais, varizes na
parede anterior do abdome e prolapso retal.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Alterações Urinárias
Proteinúria de 24 horas: proteinúria nefrótica é definida como = 50 mg/kg/dia, ou 40 mg/m2/hora ou
também = 3,5 g/1,73 m2/dia.
Quando houver dificuldade na coleta de urina de 24 horas, usar amostra isolada de urina. A relação
entre a concentração de proteína/creatinina urinárias em amostra isolada de urina expressas em mg/dL,
quando maior que 2, indica proteinúria nefrótica.

Proteinúria
Proteína/creatinina urinárias Proteinúria
< 0,2 Normal
0,2 a 0,5 Mínima
0,5 a 2 Moderada
>2 Nefrótica

Urina I: presença de grande quantidade de cilindros, na maioria hialinos e granulosos, sugere a


presença de proteinúria, o que confere aspecto espumoso à urina. Em 20% dos casos, pode ocorrer
hematúria (geralmente microscópica) e leucocitúria em graus variados.
Teste de proteinúria semiquantitativa: realizado com a primeira urina da manhã, utilizando-se o
ácido sulfossalicílico a 10% (ASS) que, quando em contato com a proteína urinária, sofre precipitação que,
a olho nu, tem correlação com a concentração de proteínas na amostra. É um método bom e simples para
o acompanhamento dos doentes em domicílio. A precipitação ocorre rapidamente e é sensível para
concentrações proteicas baixas.

Urina
Resultados Escala Proteinúria (mg%)
Sem turvação 0 0
Leve turvação + 15 a 30
Turvação sem precipitação ++ 40 a 100
Turvação com precipitação +++ 150 a 350
Precipitado floculento ++++ 600 a 2.000

Alterações Sanguíneas
Eletroforese de proteínas: Redução do nível sérico de albumina (= 2,5 g%), gamaglobulina e alfa-1-
globulinas, com aumento da alfa-2-globulina. O aumento de gamaglobulina sugere etiologia secundária.

Lípides: aumento nos níveis de colesterol total e frações e de triglicérides.


Ureia e creatinina: podem elevar durante a instalação do edema ou em situações de hipovolemia,
voltando a níveis normais após resolução da crise nos pacientes com LHM.

Sódio, potássio e cálcio: a hiponatremia pode aparecer e é geralmente dilucional, podendo estar
associada ou agravada pelo uso de diuréticos potentes. Pode ocorrer algum grau de pseudo-hiponatremia
devido à hiperlipidemia. Níveis de potássio estão aumentados em situações de falência renal ou acidemia
metabólica associada, enquanto a hipocalemia é comum como complicação do uso de diuréticos
espoliadores de potássio, anorexia e/ou vômitos ou alcalose metabólica. Hipocalcemia pode estar
relacionada às disfunções de metabolismo da vitamina D ou à hipoalbuminemia, valendo a dosagem do
cálcio sérico ionizado. Nos casos de proteinúria muito intensa, com perda de metabólitos da vitamina D, o
cálcio ionizável também pode estar baixo.

Hemograma: hemoglobina e hematócrito podem estar elevados pela hipovolemia. Pode ocorrer
aumento do número de plaquetas. Leucocitose pode indicar infecção ou ser decorrente do uso crônico de
corticoides.

Complemento: valor normal na LHM. A constatação de hipocomplementenemia é indicação formal de


biópsia renal.
- Biópsia renal: em pacientes com LHM, a microscopia óptica (MO) mostra rim praticamente normal,
podendo, no entanto, ocorrer graus variáveis de proliferação mesangial e raras lesões tubulointersticiais
focais e moderadas, caracterizadas por faixas de proliferação fibrosa, contendo pequenos grupos
tubulares atrofiados. A imunofluorescência direta (ID) geralmente é negativa e, na microscopia eletrônica
(ME), constata-se fusão dos prolongamentos dos podócitos.

TRATAMENTO
Medidas Gerais

Dieta
É difícil definir o teor proteico da dieta de pacientes com proteinúria. Alguns autores recomendam dietas
normoproteicas com receio de eventual desnutrição. A restrição salina deve ser utilizada, contudo não há
necessidade de restrição hídrica.

Diuréticos
A terapia diurética não determina grandes alterações na evolução da SN, exceto se houver edema
generalizado e intenso, especialmente na presença de desconforto respiratório e/ou gastrintestinal,
grandes anasarcas, dificuldade em abrir os olhos, restrição importante das atividades ou dermatites
intertriginosas.

Os diuréticos habitualmente empregados no tratamento da SN são os tiazídicos, a furosemida e a


espironolactona. As doses pediátricas utilizadas são de 2 a 5 mg/kg/dia de tiazídicos, de 2,5 a 5 mg/kg/dia
de espironolactona e de 2 a 4 mg/kg/dia de furosemida.

O uso de diuréticos no paciente nefrótico é contraindicado quando há sinais clínicos (hipotensão) e


laboratoriais (aumento agudo de ureia e creatinina séricas, hematócrito > 40%) de hipovolemia, assim
como na vigência de diarreia e/ou vômitos. Evita-se a depleção de potássio usando concomitantemente
cloreto de potássio (2 a 4 mg/kg/dia) ou espironolactona. Nos casos resistentes a esta terapia, pode ser
empregada a associação de hidroclorotiazida e furosemida (2 a 5 mg/kg/dia), que atuam em segmentos
diferentes do túbulo renal.

Albumina
Infusão endovenosa de albumina (20 ou 25%) deve ser feita sem diluição e na dose de 0,5 a 1 g/kg. Pode
ser administrada junto com furosemida por via IV em infusão contínua na dose de 0,1 a 0,2 mg/kg/hora. A
infusão de albumina é contraindicada em pacientes hipervolêmicos, pelo risco de desencadear
insuficiência cardíaca congestiva.
Os resultados são muito eficazes e devem ser monitorados os níveis de cálcio e potássio séricos e o
equilíbrio ácido-básico.
Antibioticoterapia
Os antibióticos devem ser utilizados não apenas com finalidade terapêutica, mas também, eventualmente,
profilática nos casos que apresentem repetidas recidivas por contaminação bacteriana, o que desencadeia
e prolonga as fases de descompensação.
O tratamento baseia-se na utilização de antibióticos com espectro contra Streptococcus
pneumoniae (causa importante de peritonite e sepse), bactérias Gram-negativas (também responsáveis
por peritonite) e S. aureus (determinando celulites), que podem evoluir para sepse.
O tratamento deve ser instituído rapidamente, levando em consideração o foco infeccioso, o estado clínico
do paciente e o agente bacteriano. Os antibióticos utilizados podem ser, por exemplo, as penicilinas e seus
derivados e os aminoglicosídios. A profilaxia é feita com penicilina VO em doses baixas ou com vacina
antipneumocócica, por ser o estreptococo o principal agente a causar intercorrências nesses pacientes.

Tratamento Específico
As drogas empregadas no tratamento da SN são imunossupressoras, sendo importante realizar
investigação de possíveis infecções prévias e tratá-las, checar o calendário vacinal da criança e descartar
parasitoses intestinais antes de iniciar o tratamento específico.

Corticoterapia
É o tratamento de escolha em LHM, havendo remissão da proteinúria em cerca de 80 a 90% dos casos.
Vários esquemas terapêuticos utilizando corticoides para o tratamento de pacientes com SN vêm sendo
propostos. Uso da prednisona em dois esquemas:

1. Esquema diário: ministrado por 4 semanas com a finalidade de induzir remissão e nas recidivas
até a negativação da proteinúria. Utiliza-se a prednisona na dose inicial de 60 mg/m2/dia,
aproximadamente 2 mg/kg/dia (dose máxima 80 mg/dia), em três tomadas diárias, durante 4 semanas.
Cerca de 80 a 90% dos casos são sensíveis aos corticoides, com desaparecimento da proteinúria em
menos de 4 semanas após o início do tratamento (corticossensível).

2. Esquema alternado: a seguir, o corticoide é administrado em dias alternados (a cada 48 horas),


por cerca de 4 a 6 meses, podendo ser prolongado de 6 meses a 1 ano. A dose utilizada inicialmente
é de 35 mg/m2/dia mantida no primeiro mês e reduzida gradativamente num esquema de “desmame”
até retirada completa da droga. Em crianças que recebem o corticoide pela primeira vez, a resposta
ocorre em torno do 14º dia. Nas crises subsequentes, a resposta é mais rápida (4º ou 5º dia). Apesar
da remissão, o esquema diário deve ser mantido durante 4 semanas. Quando a criança mantém
proteinúria nefrótica após 4 a 6 semanas, ela é considerada corticorresistente e deve ser submetida à
biópsia renal.

Uma característica da SN idiopática são as recidivas, que ocorrem em cerca de 60% dos casos e
habitualmente são precedidas por processos infecciosos, sobretudo de vias aéreas superiores. Nestes
casos, a conduta consiste em tratar a infecção desencadeante e, caso a criança esteja recebendo
corticoide diariamente, este deve ser alternado, usando-se a dosagem adequada (35 mg/m2/dia). Se o
paciente estiver sem corticoterapia e após o tratamento com antibiótico não entrar em remissão
espontânea, na ausência de quadros infecciosos, deve ser reiniciado esquema diário com corticoide, e
mantido até 3 dias após a remissão. Os recidivantes frequentes necessitam de corticoterapia prolongada,
em geral 6 meses de esquema alternado com retirada progressiva e lenta da medicação.

1. Conceitos diante da resposta ao corticoide


• Remissão: proteinúria < 4 mg/m2/h ou 5 mg/kg/dia ou ASS negativo ou traços por mais de 3 dias
consecutivos;
• recidiva ou relapso da doença: proteinúria > 40 mg/m2/h ou ASS > ++ por mais de 3 dias
consecutivos;
• corticossensível (CS): remissão do quadro nefrótico durante o tratamento com esquema diário;
• corticorresistente (CR): ausência de resposta após utilização por 4 semanas do esquema diário;
• corticodependente (CD): apresenta proteinúria negativa na vigência da corticoterapia e
frequentemente recidiva durante as 2 semanas após o início do tratamento com corticoide alternado;
• corticossensível recidivante frequente (CSRF): apresenta duas ou mais recidivas dentro de 6
meses após a resposta inicial ou mais de três recidivas durante 1 ano.
Outros Tratamentos

Cerca de 10 a 20% dos pacientes são corticorresistentes. O uso de outros agentes imunossupressores
está indicado nos pacientes corticorresistentes, corticodependentes e recidivantes frequentes. Para estes
pacientes, deve-se buscar alternativas terapêuticas, como as que seguem.

1. Pulsos endovenosos com metilprednisolona


Dose de 30/mg/kg EV diluída em 100 mL de soro glicosado a 5%, em dias alternados, 3 a 6 doses. É
fundamental aferir a pressão arterial (PA) antes, na metade e após a administração do medicamento.
Verificar ausência de infecção prévia e, nos casos em que ocorrer remissão completa, utiliza-se o
corticoide como complementação terapêutica, por VO em esquema alternado em doses regressivas, por 1
ano.
2. Ciclofosfamida (CyC)
Utilizada no tratamento de pacientes recidivantes frequentes na dose de 2,5 mg/kg/dia (dose total máxima:
200 mg), em dose única pela manhã por 60 a 90 dias, associada a corticoide alternado em doses
regressivas por 1 ano. É preciso controle rigoroso de hemograma a cada 7 ou 15 dias, pelo risco de
depressão medular. Não se pode ultrapassar a dose máxima total pelo risco de neoplasias e disfunção
gonadal em adolescentes.
3. Ciclosporina A (CsA)
Utilizada no tratamento de pacientes corticodependentes, recidivantes frequentes ou como alternativa
terapêutica para os corticorresistentes. A dose utilizada é de 4 a 6 mg/kg/dia a cada 12 horas. O nível
sérico deve ser mantido entre 50 e 150 ng/mL e a dose só deve ser utilizada em pacientes com funções
hepática e renal normais. Fazer controle de PA, função hepática e renal e biópsia renal a cada 12 a 18
meses, pelo risco de fibrose intersticial. Entre os efeitos colaterais, podemos citar hipertricose, tremores,
hipertrofia gengival, hipertensão arterial sistêmica, intolerância digestiva e nefrotoxicidade.
4. Clorambucil
Utilizado para tratar pacientes recidivantes frequentes com resposta semelhante à da ciclofosfamida. A
dose utilizada é de 0,15 a 0,2 mg/kg/dia, VO, por 8 a 12 semanas, com dose máxima de 12 mg/kg. Não
produz cistite hemorrágica, a tolerância gástrica é melhor que a da ciclofosfamida, mas pode induzir
convulsões em crianças. Pode também levar a leucopenia, anemia, plaquetopenia e toxicidade gonadal.
5. Levamisole
Agente imunomodulador e anti-helmíntico. É utilizado na dose de 2,5 mg/kg, em dias alternados por 6 a 30
meses. É utilizado inicialmente associado à prednisona em esquema alternado e, após a remissão,
diminui-se gradativamente a dose desta até sua retirada total. Tem como principais efeitos colaterais:
agranulocitose, erupção cutânea, distúrbios gastrintestinais e convulsões.

Indicações de Biópsia Renal (BR)


Crianças entre 2 e 7 anos de idade sem resposta à corticoterapia após 4 a 8 semanas de tratamento;
Recidivas persistentes por mais de 12 a 18 meses do diagnóstico;
Adolescentes (menor chance de ser LHM);
SN no 1º ano de vida;
Complemento sérico baixo.

Vacinações

As vacinações podem levar à descompensação do quadro nefrótico, mas, mesmo assim, os pacientes
com SN não devem deixar de recebê-las. Sob tratamento com altas doses de corticoide ou outras
medicações imunossupressoras, não se deve recomendar vacinas de vírus vivos.
A vacinação antipneumocócica deve ser realizada no paciente em remissão da SN ou fora do esquema
diário de tratamento com corticoide. Recomenda-se a vacina antipneumocócica 7-valente para crianças
menores de 5 anos de idade e a 23-valente para os maiores.

Apesar da imunização, os níveis de anticorpos adquiridos nem sempre são adequados, podendo ocorrer
peritonite ou sepse por pneumococo. A vacina de varicela num esquema de 2 doses é bem tolerada e
altamente imunogênica em crianças com SN, inclusive naquelas que recebem esquema alternado com
baixas doses de corticoide e pode ser administrada após 1 ano de idade, com bons resultados. Os
pacientes não imunizados devem ser controlados durante os surtos de varicela e receber imunoglobulina
específica se houver exposição ao vírus. Caso a doença se manifeste, deve-se reduzir a dosagem do
corticoide e utilizar o aciclovir.
COMPLICAÇÕES

Infecções
Crianças nefróticas apresentam uma suscetibilidade aumentada a infecções devido às alterações da
imunidade humoral e celular, ativação da via alternada do complemento por perda urinária do fator B,
deficiência proteica generalizada e terapia imunossupressiva. Os agentes bacterianos mais
frequentemente implicados são Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e outras bactérias
Gram-negativas. As complicações bacterianas mais frequentes são infecções de vias aéreas superiores,
sinusites, pneumonias, peritonites e celulites. As crianças nefróticas apresentam um risco maior para
septicemia.

Fenômenos Tromboembólicos
O tromboembolismo constitui uma das mais sérias complicações da SN, podendo ocorrer tromboses tanto
na circulação arterial quanto na venosa e, algumas vezes, episódios recidivantes.
Alterações presentes na SN que facilitam a formação de trombos são: hemoconcentração, aumento da
viscosidade sanguínea, hiperlipidemia, trombocitose e aumento de agregação plaquetária, do fibrinogênio
e dos fatores V, VII, VIII, X e XI. São também condições propícias para o tromboembolismo: o uso de
diuréticos, o tratamento com corticoides, as infecções e o repouso no leito. A incidência de
tromboembolismo na criança com SN é calculada em torno de 2 a 4%.

Insuficiência Renal Aguda


Ocasionalmente pode complicar a SN. É, em geral, consequente à necrose tubular renal secundária à
hipovolemia.

Alterações Hormonais e Minerais


Ocorre aumento da excreção urinária de T3 e T4 e diminuição sérica de T3 e tireoglobulina. A redução de
absorção intestinal de cálcio e da concentração sérica de 25-hidroxicalciferol e valores normais, porém
inadequados, de 1,25-di-hidroxicalciferol, levam a situações de hipocalcemia e paratormônio elevado. O
cálcio ligado à proteína também se encontra diminuído devido à hipoproteinemia inerente à doença.

Crescimento Anormal e Nutrição


Crianças nefróticas descompensadas sem corticoides podem apresentar retardo de crescimento devido à
desnutrição proteico-calórica, secundária a falta de apetite, proteinúria e absorção ruim por edema
gastrintestinal. Porém, em crianças que usam muito corticoide, a principal causa do retardo de crescimento
é o próprio corticoide.

Crise Nefrótica
Dor abdominal intensa, simulando abdome cirúrgico, é sinal de peritonite asséptica em crianças com
anasarca, o que exige tratamento conservador.

EVOLUÇÃO

Tanto a resposta aos corticoides quanto a frequência das recidivas após a terapia inicial são fatores
prognósticos de evolução. Pacientes corticossensíveis geralmente mantêm sua função renal normal e
aqueles com mais de duas recaídas nos primeiros 6 meses de tratamento têm mais recidivas no curso da
doença quando comparados aqueles com duas ou menos recidivas.

Estima-se que, com o passar dos anos, os períodos de atividade diminuam de frequência e que, aos 5
anos de doença, de 50 a 70% dos pacientes não apresentem recidivas e que, aos 10 anos, 85% estejam
curados. Após a introdução de corticoide e antibióticos no tratamento de pacientes com SN, a mortalidade
reduziu de 35 para 3%, pois a infecção é a principal causa de óbito nesses pacientes. Além dos processos
infecciosos, o risco de tromboembolismo deve ser sempre considerado. Considera-se “eventualmente
curada” uma criança que permanece 5 anos sem crises e sem medicação. Mesmo assim, às vezes, após
períodos muito longos, podem surgir novas recorrências.

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