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História Mundial
do Teatro
MARGOT BERTHOLD

Equi pe d e Reali::-arüo
Sup crvis úa edí tor íul J. Guinshurg
A sxt'H oria ed itoriui Plínio Martins Filh o
Revis ão Ingrid Basílio c Ol ga C afa lcc hio
Tra dução M ar-ia Paula V. Z uraw ski.
J . G uins h urg , Sé rgio Coe lho c C lovi s Garcia
j"dic t' Sand ra M a rth a D of in vky ~\\I/~
Cap a c Proj rt o Gráfico Ad r ian a Garcia ~ 1@ EDITO RA PERSPE CTIVA
Pr Ol/ll çci" Ric ar do \\'. Neves. Ad rianu Ga rc ia to: Hcd n M ar ia Lo pe s
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T ítulo do original cm a le mã o
JI'L'II.~cschicl1f(' dcs Thco ters
Sumário
© 1968 hy A lfrcd Kr õne r Ver la g iII S tut tgart

Dad os lnternac iona is de Cmalogaç âo na Publi ca ção (C IP)


(C âma ra Hrasilcira do Livro, S Il, Bras il)

Bcrthol d. Margot
História Mundial do Teatro / 1\1argot Berthold: SO BRE ESf.\ EDlç Ao - J, G lI i I/ S I)[ II~g ... [X Kag u ra . 76
[traduç ão Mar ia Paula V. Zuraws k i, J. Guinsburg. Gi gak u . 78
Sérgio Coelh o c C lóvis Garcia ], -- Sã o Paulo: PREFAcIO . XI 78
Bu gaku .
I'crsp cctiva, 200 I.
o T EATRO PRI ~lI TI \'O . Saru gaku e Denga ku. Precursor es do
Nô .. . . . . .. .. ... . . -.. 80
Tít ulo or iginal: \\\:Itgcsc.: h ichh: dcs Thca tc rs
E G ITO E A NTI GO OR IEJ'T E . 7 Nô _ . 81
Bibliografia,
ISAN 85·273 -0nX- 4 In trodução - . 7 Kyo gen _ -- - . 87
EgiI O . 8 O Teatro de Bonecos . - -.- 87
I. Tea tro - História I. Tit ulo
Mesopot âmia _ . [6 Ka buki . 90
0 1· 36 50 C D D-792.0 'J Shimpu -.- . 99
- - - -- - - _._- _ . - -- As O \' It.l ZAÇÕES I S I. ·\ ~ lI C A S _ . 19 Sh ingcki _.. _ -- 99
índ ices para catálogo sistemático: 19
Introdução _ - . G RÉCI A . 103
I. Teatro mundia l; Arte dr amá ti ca : H ist ória
Pérsia . 20
79".09
23 l ntro d u ção .. . . . 103
Tur quia .
Tragédia . . . . . . . 104
As Ct v II.IZ ·\ Ç() ES [1'- [)o · P..K iFll·,-\S . 29 Comé d ia . 118
O Teatro Helen ístico . 13()
Introdu ção _ . 29
I~ edição - I' reimpre ss ão O M imo . 136
Índia _ _. _ . 32
Indonésia _. _. . _ - . 44 R O \ I.-\ __ _ .. _ .. , 139
Int rod ução _. . _. . 139
CH I N A _ _ _ - ' " 53
O s Lu di Rornani, o Teatro da Res
Introdu ção -- . 53 Publi ca _. . 140
Ori gen s c os "C cru Jogos" . 54 Comédia Romana 144
Os E studantcs do J ardim das Peras 58 Do Tabl ado de Madeira ao Ed ifício
O Caminho par a o Drama . 61 Cê nico " 148
Drama do Nort e c Dram a do Sul . 6[ O Teatro na Roma Imperial 15 1
A Peça Mu sical do Período Ming (,6 O An titea tro: Pão e Circo. . . 155
Direitos reser vados em língu a portuguesa à A Concep ção Art ística da Ópera de A F ábula Atelana [ (,I
ED ITORA PERSPECT IVA S.A. Pequ im . 66 Mi mo e Panto mima. . . . . . . 162
Av. llr igode iro Luis A ntô n io , 3025 O Teat ro Ch inês Hoje ., . 70 Mimo Cristológico 167
0140 1-000 - São Paul o - S I' - B rasil
Tele rax: ( I I) J 8ôS -83ôS l w Ao _." _ - - - _. 75 B Iz..\ NC IO _ _ . _ - . . . . •. 171
www.cditorapcrspcctiva x om .h r
200 1 Introd ução . 75 In trod ução . _. _ __. _. _. - . ... 171
H i s t o rí u M' u n dí a í d o Tea t r o .

Teatro sem Dra ma 172 Co mmedia dcl lartc e Teat ro


Teatro na Arena . . . . . . . . . . . . . . . . . 177 Popular 353 Sobre esta Edição
O Teatro na Igrej a ln O Teat ro Barroco Es pa nho l 367
O Teatro na Co rte . . . . . . . . . . . . . . . . 18 I O s Ate res Ambul ante s 374
A I D.·\IJE Mrrn-, 185 A EI{ A DA CtrJA DA NI A BUR G UES A . .. . •.. . 38]
Introduçã o I R5 Int rodu ção 3RI
Repre sent ações Rel igiosas . . . . . . . . . 186 O Ilumini sm o 3R2
Autos Profanos 242 Cl ass icismo Alem ão 413
R omantism o 429
A R ENA SCENÇA . . . • • . . . • . . . • • . . . . . . . 269
R eal ism o 440
Introduçã o 269
O Teatro dos Humanistas 270 Do N ATUR AI.IS~lO AO PI{[' SENTE 451
Os Festi vais da Cor te 292 Introdu ção 451
O Drama Escolar 300 O Na turalismo C éni co 452
As Rcderij kers 304 A Exp erimentação de
Os Meistersinger 30R Novas Formas 462
O Teat ro Elizabetano 3 [2 O Teat ro En gajad o 494
O B A RR(X'O 323
Sh ow Business na Broadway __. 51 3 Em princípio, uma Históri a do Teat ro pod e e na s ci ên c ia s . S ob e s te â ng ulo , M arg ot
O Teat ro Como Experiment o 519 ter a amplitude da pesquisa e da redução qu e Berthold realizou um trabalh o not ável co m sua
Introdu ção 323 O Tea tro c m C rise '} 52 1 se u a uto r lhe der. Co mpor um a cr ônic a e um a História Mundial do Teatro, inte grando , de
Óp era e Sin gsp iel 324 O Tea tro e os M eio s de Comuni cação an ál ise do qu e foi o desen vol vim ento da art e um a man eira que se pod eri a dize r primorosa,
O Ballet de COI/ r 330 de Massa 523 dram ática atr avé s do tempo, de se us momen- a busca documental , o regi stro oco rre nc ial e o
Bastid ores Desli zantes e Maquinaria O Tea tro do Diretor _ 529 tos mais sign ificati vos e de suas realizações pod er de síntese esc ritural. Na verdade, est e
de Palc o 335
mai s di gn as de perm anência co mo memóri a volume é de um a a bra ngê nc ia surpree nde nte
O Teat ro Jesu íta _ 338 I3 I BU O( õI{ A I I.-\ - 54 1
de um pa ssad o, o u co mo a tualid ade de um a qu e faz um j o go m u ito be m eq uilibrado entre
França : Tragédi a Clássica e Comédia
fun ção, poderia oc u pa r uma biblioteca de estética e hi stória, indivíduo criador e soc ie-
de Ca rac teres 344 í NDIC E 553 Al ex andria o u, co mo oc orre também, um dad e co nd ic io na nte e recep cion ant e, de mod o
resuminho na Intern et. O difícil é re unir nu m qu e, com a sua ri quíssi ma icon ografia , ela po-
só co n junto de algum as centenas de páginas, der á atende r, so bre tudo co m respeito aos perío-
port anto , ao alcance de qu alquer leit or int e- do s mai s represen tativ os da evolução d o te a-
ressa do o u estud ioso do terna um ap anh ado qu e tro. às necessida de s de info rmação e dis cu s-
dê co nta, c rítica e historicament e, deste vasto são de se u leitor. Isto por si pareceu à Ed itora
uni verso de realizaçõe s e cri açõe s que se ins- Per spe cti va , q ue já ser ia um fator a recomen-
cr e ve no históric o e no se ntido do ex istir d o dar plen amente sua publicaç ão em língua por -
homem nest e mund o e de sua tr an scendên cia tu gu esa e, apesar d as d ificul dad es de sua tra-
em rela ção às co ndições e os requi sit o s ma is du çã o e dos c uidados ex igidos por sua edição,
primári os para o seu viver , isto é, o da sua ca - o qu e import ou em um lon go trab alho de nos-
pa cidad c de c riar objetos inexistentes na natu- sa eq uipe , é co m g ra nde prazer que nos é per,
reza bruta e ela bo rar o se u espírito em fe ições mitido di zer : A q ui está um a obra de import ân -
cada vez mais novas, como é o caso do pap el cia para a biblioteca te atral brasil eira .
de s uas vári as expressões na c ultur a, na s a rtes 1. Gu insbur g

• 1'111
1
!

Prefácio

Num a das trad ic io nais ce nas da Comm c - so me a si mesm o no próprio at o de c riar a luz.
dia dcll 'arte, um bufão aparece em cen a e ten- Enquanto um quadro ou estátua po ssuem ex is-
ta ve nder um a cas a, el ogi ando- a g rande me nte , tên ci a conc re ta um a vez terminado o ato de
descrevend o-a com brilho e. par a prov ar seu sua c riação . um e spe t ácu lo teatral qu e termina
ponto de vista. apre senta uma única pedra da de sap arece imediatament e no pa ssado .
con strução. Embora o te atro não sej a um museu. as
Da mesma forma , falar do teatro do mund o múltiplas formas co nte mporâ neas de teatro
é apresentar um a úni ca pedr a c esperar que o co ns titue m algo como um /11/1."" ,. inm g inai re:
leitor visualiz e a estrutura total a partir dela . O um musce irnag jnai rc ca pa z de se r tran s-
sucesso de um a tentati va como essa depende da form ado em exp eriênci a im ediata. Todas as
capacidade de persuadir do bufã o, da força ex- noites o fe rec e m-se ao hom em mod erno dra-
pressiva da pedra e da im agin ação do leitor. m as, e nce naç ões e mét od os de d ire ção qu e
Escrever um livr o so bre o teatro do mun- foram de sen vol vid os ao lon go dos séc ulos.
do é uma tarefa ousada. O es for ço par a desc o- E s ses elem ent os são ad a p tad o s ao gos to
brir , dent ro do panorama hetcrog ênco , os den o- contemporâneo: são estilizado s. o bje tifica dos.
min adores comuns que carac terizam o fenô me- e stilhaçados, retrab alh ado s. D iret or es e ato-
no do "t eatro' a tra vé s do s tempos represent a res recriam-nos: os aur or es reformulam tema s
um grande de safio. A estrutura necessariamen - tradi cionais em adaptaçõ es modernas. Deter-
te re strita de um estudo co mo esse impõe minados reformadores quase de stroem o tex-
sele tividade , o missõe s. co nc isão , col ocando to de ce rtas peças, int roduzindo efeito s ag res-
assim fatores subje tivos em jogo . A própria sivos e criando o teatro talai . imp ro visado.
natureza íntima do assunto torn a a obj ctivida- Um e sfor ço bem- suc ed ido e nfeitiça o es pec-
de difícil. Os problemas surge m tão logo é fei- tador, cria resistência, provoca di scu ssões e
ta uma tentativa de se ir a lé m do que é pur a- faz pen sar.
mente fatual e apreender os traços qu e ca rac- Nenhuma forma teat ral, nenhum antiteatro
terizam uma época. C o ntudo, é preci samente é tão novo que não tenh a analogia no pa ssado.
nesse ponto qu e a fascinação pel o pro ce sso ar- O teatro como provocador') O teatro e m cri se')
tísti co do teat ro co meç a: o leitor é e ntão co lo - Nenhum a dessas qu e st ões o u problemas são
cado face a face co m a ex igê ncia não ex pres sa es pec ifica me nte mod ern os: tod os surg ira m no
de pross eguir, por co nta própria. nos as sunt os pas sado. O teatro pul sa de vida e se m pre foi
merament e tocados. v ulnerável às enfermidades da vid a, M as não
O mi stéri o do teatro resid e num a ap aren- há raz ão pa ra se preocu par. o u pa ra previ sões
te contradição. Co mo um a vela, o teatro co n- co mo as de Cassan d ra. Enq ua nto o teat ro for
H íst úr i a Afull ri i a / d o T va t ro •

comentado, combatido - e as ment es crít icas


têm feit o isso sempre - , guardará seu signi fi-
cado. Um teatro de nã o- controvérsia pod eri a
pl acente . Mas um teatro que mo vimenta a
mente é uma membrana sen sível, prop ensa à o Teatro Primitivo
febr e , um organismo vivo . E é as sim qu e ele
ser um museu, um a institu ição repet itiva, co m- deve ser.

o teat ro é tão velho qu ant o a humanida- tri ste nulidade da incapacidade h umana . O sé-
de . Ex iste m formas primitivas desde os pri- culo XX pratica a art e da redução. Qu alquer
mó rdi os do homem. A tran sf ormação numa coisa além de um a ges tualização des ampa rada
o utra pe ssoa é um a das formas arq uetípic as da ou um po nto de luz te nde a parecer excessiva .
ex pressão human a. O rai o de ação do teatr o, O s esp et ácul os so lo do m ími co M ar cel
porta nto, inclui a pant omima de caça d os po- M arceau são um exemplo soberbo d o teatr o
vo s da id ad e do gelo e as ca tego rias dramáti- atem por al. Fornece m-nos vislu mb res de pes-
cas diferenciadas dos tempos modernos . soa s de todos os tempo s e lug ar es, da dan ça e
O enc ant o má gi co do teatr o. num se ntido do dra ma de cu ltur as a ntig as, da pant omima
mais a m plo, es t á na ca pacidade inexaurível de das c ulturas altame nte desen vol vid as da Ás ia,
apresentar-se aos o lhos do públ ico se m reve- da m ími ca da An tig üi dade , d a Com media
lar se u seg redo pessoal. O xamã qu e é o port a- del l'arte , Num trabalh o intitulado "Juventu-
voz d o deu s, o dançarino mascar ado q ue afas- de, Maturidad e . Velh ice , Mort e" , alguns pou-
ta os demón ios. o atol' ljue tra z a vid a à obra cos minutos é tudo de qu e Marceau ne cessita
do poeta - todos ob edecem ao mesm o co ma n- par a um retr ato e m ali a ve loc idade da vida do
do , q ue é a co nj uração de um a o utra realida- hom em , e nele atinge um a inten sid ade ava s-
de , mai s verdadei ra . Co nvert er essa co nj ur a- sa lado ra de expres siv ida de dram áti ca ele me n-
ção e m " tea tro" pressupõe du as co isa s: a ele - tar. Co mo o pr óprio M ar cel di z, a pant omima
vação do a rtista aci ma da s leis que governa m é a " arte de identificar o hom em co m a nature-
a vida cotidi ana, sua transform ação no media- za e co m os e le me ntos pró ximos de nós" . Ele
dor de um vislumbre mai s alto ; e a pr esença continua, not ando que a mími ca pode " criar a
de e sp ecta d ores pr eparad os par a rec eber a ilusão do tempo" , O c0 11'0do a to r torn a-se um
men sagem de sse vislumbre . instrument o qu e subs titui uma orq ues tra int ei-
Do ponto de vista da evo lução c ult ura l, a ra, um a mod alid ade pa ra ex pres sar a mai s pes-
d ifer ença ess e ncial e ntre formas de teatro pri- soa l e, ao me sm o tempo , a mai s uni versal men -
m itivas e mais avan çadas é o número de aces- sag em .
sóri o s cén ico s à di sposição do ator par a ex - O artista qu e ne cessita apen as de seu cor-
pr essar sua men sa gem . O arti sta de c ulturas po para e vocar mundos intei ros e per corre a
pr imi tiv as e pr ime vas arr anja- se co m um c ho - escala co m ple ta das emoções é repr esent at ivo
ca lho de ca haça e uma pele de a nima l; a ó pe ra da arte de expres são pr imitiva do teatro . O pré-
ba rroca mohili za toda a par afern ál ia c énica de hi st órico e o mod e rn o ma nifes tam-se e m sua
sua época. lon esco des orde na o palc o co m ca- pe ssoa . Di scut indo o teatro da s tribos primiti-
deiras e faz uma proclamação surda-m uda da vas e m seu livro Cen ul ora, Oskar EberI e d iz:
• XII
Híssórí a Mundial do Teatro. • O Teatro Prí mt t ivo

o teatro primitivo real é arte incorporada na forma religião, a etnologia c o folclore oferecem um 2. Pintura de caverna no sul da l-rança: o "Feiticei-
humana C' abrangendo todas as possibilidades do corpo material abundante sobre danças rituais e fes- ro" de Troi s Frõrcs. Período Paleolítico. segundo H.
informado pelo espírito: ele é. simultaneamente. a mais Breuil.
primitiva e a mais multiforme, e de qualquer maneira a
tivais das mais diversas formas que carregam
mais velha arte da humanidade. Por essa razão é ainda a em si as sementes do teatro. Mas o dcsenvol-
mais humana, a mais comovente arte. Arte imortal. vimento e a harmonização do drama c do tea-
tro demandam forças criativas que fomentem go dourada, celebrado anualmente em Elêusis
Podemos aprender sobre o teatro primitivo seu crescimento; é também necessária uma pelas mulheres da Grécia.
pesquisando três fontes: as tribos aborígines, que auto-afirmação urbana por parte do indivíduo, Os mistérios de Elêusis são um caso limi-
têm pouco contato com o resto do mundo e cujo junto a uma superestrutura metafísica. Sem- te significativo. São a expressão de urna fase
estilo de vida e pantomimas mágicas devem por- pre que essas condições foram preenchidas final altamente desenvolvida, que, embora po-
tanto ser próximos daquilo que nós presumimos seguiu-se um florescimento do teatro. Quanto tencialmente teatral, não leva ao teatro. Corno
ser o estágio primordial da humanidade; as pin- ao teatro primitivo, o reverso do seu desen- os ritos secretos de iniciação masculinos, eles
turas das cavernas pré-históricas e entalhes, em volvimento implica que a satisfação do vis- carecem do segundo componente do teatro -
rochas e ossos; e a inesgotável riqueza de dan- lumbre superior, em cada estágio, era conquis- os espectadores. O drama da Antigüidade nas-
ças rrúmicas e costumes populares que sobrevi- tada às custas de alguma parte de sua força ceria da ampla arena do Teatro de Dioniso em
veram pelo mundo afora. original. Atenas, totalmente it vista dos cidadãos reuni-
O teatro dos povos primitivos assenta-se É fascinante traçar esse desenvolvimento dos, não no crepúsculo místico do santuário
no amplo alicerce dos impulsos vitais, primá- pelas várias regiões do mundo c ver como, de Deméter em Elêusis.
rios, retirando deles seus misteriosos poderes quando e sob que auspícios ele se deu. Há cla- O teatro primitivo utilizava acessórios
de magia, conjuração, metamorfose ~ dos en- ra evidência de que o processo sempre seguiu exteriores, exatamente como seu sucessor al-
cantamentos de caça dos nômades da Idade da o mesmo curso. Hoje está completo em quase tamente desenvolvido o faz. Máscaras e figu-
Pedra, das danças de fertilidade e colheita dos rinos, acessórios de conrra-regragern. cenários simbolicamente morta - ou o subseqüente rito
toda parte, c os resultados são contraditórios.
primeiros lavradores dos campos, dos ritos de e orquestras eram comuns, embora na mais de expiação e as práticas dos xamãs. Medita-
Nas poucas áreas intocadas. onde as tribos
iniciação, totemismo e xamanismo e dos vários simples forma concebível. Os caçadores da ção, drogas, dança, música e ruídos ensurde-
aborígines têm ainda de levar a cabo o proces-
cultos divinos. Idade do Gelo que se reuniam na caverna de cedores causam o estado de transe no qual o
so, a civilização moderna provoca saltos er- xamã estabelece um diálogo com deuses e de-
A forma e o conteúdo da expressão tea- ráticos, mais do que um desenvolvimento equi- Montespan em torno de urna figura estática de
um urso estavam eles próprios mascarados mônios. Seu contato visionário com o outro
tral são condicionados pelas necessidades da librado.
como ursos. Em um ritual alegórico-mágico, mundo lhe confere poder "mágico" para cu-
vida e pelas concepções religiosas. Dessas con- Para o historiador de teatro, um estudo das
matavam a imagem do urso para assegurar seu rar doenças, fazer chover, destruir o inimigo
cepções um indivíduo extrai as forças elemen- formas pré-históricas revela paralelos sinó-
sucesso na caçada. e fazer nascer o amor. Essa convicção do
tares que transformam o homem em um meio tieos que o seduzem a traçar o desenvolvimento
A dança do urso da Idade da Pedra nas xamã, de que ele pode fazer com que os espí-
capaz de transcender-se e a seus semelhantes. da humanidade mediante o fenômeno do "tea-
cavernas rochosas da França, em Montespan ritos venham em seu auxílio induzem-no a
O homem personificou os poderes da na- tro". Conquanto nenhuma outra forma de arte
ou Lascaux, tem seu paralelo nas festas do tro- jogar com eles.
tureza. Transformou o Sol e a Lua, o vento e o possa fazer essa reivindicação com mais pro-
mar em criaturas vivas que brigam, disputam féu do urso da tribo Ainu do Japão pré-históri-
priedade, é também verdade que nenhuma
e lutam entre si e que podem ser influenciadas co. Em nossa própria época, é encontrado en- Além do transe. o xamã utiliza-se de todo tipo de
outra forma de arte é tão vulnerável à contes- meios de representação artísticos: ele é freqücnlclIlente
a favorecer o homem por meio de sacrifícios, tre algumas tribos indígenas da J:mérica do
tação dessa reivindicação. muito mais um artista, e deve ter sido ainda mais em tem-
orações, cerimônias e danças. Norte e também nas florestas da Africa e da
A forma de arte começa com a epifania Austrália, por exemplo, nas danças do búfalo
pos ancestrais (Andreas Lommel).
Não somente os festivais de Dioniso da do deus e, cm termos puramente utilitários, dos índios Mandan, nas danças corroborce aus-
antiga Atenas, mas a Pré-história, a história da com o esforço humano para angariar o favore- tralianas e nos rituais pantomímicos do can- As raízes do xamanismo como uma
cimento e a ajuda do deus. Os ritos de fertili- guru, do emu ou da foca de várias tribos nati- "técnica" psicológica particular das culturas
dade que hoje são comuns entre os índios vas. Em cada nova versão e variadas roupagens caçadoras podem ser remontadas ao período
Cherokees quando semeiam e colhem seu mi- mitológicas, o primitivo ritual de caça sobrevi- Magdaleniano no sul da França, ou seja, apro-
lho têm seu contraponto nas festividades da ve na Europa Central; nas danças guerreiras ri- ximadamente entre 15.000 e 800 a.c., e por-
corte japonesa, mímica c musicalmente mais tuais gennãnicas, na dança da luta de Odin com tanto aos exemplos de pantomimas de magia
sofisticadas, em honra do arroz: assemelham- o lobo Fenris (como aparece na insígnia de de caça retratadas nas pinturas em cavernas.
se também ao antigo festival da espiga de tri- Torslunda do século VI), e em todas as personi- Concebido e representado em termos
ficações da "caçada selvagem" da baixa Idade zoomórficos, o panteão de espíritos das civili-
Média, indo desde o niesnie Hcllequin francês zações da caça sobrevive na máscara: naquela
ao Arlecchino da Commedia dcll 'arte. do "espírito mensageiro" em forma de animal,
1 Pintura na rocha na área de Cogul. sul de Lérida,
Existe uma estreita correlação entre a má- no toternismo e nas máscaras de demônios-bes-
Espanha: cena de dança ritual. Período Paleolítico, se
gundo H. Brcuil. gica que antecede a caçada ~ onde a presa é tas dos povos da Ásia Central e Setentrional, e

• 2 • 3
Hí t á ri
s ct M'u n d iu l d o Teatro.

das tribos da Indonésia, Micronésia e Polinésia, Norte realizam sua dança da Grande Serpente
dos Lapps e dos índios norte-americanos. numa procissão cuidadosamente organizada de
Aquele que usa a máscara perde a identi- acordo com modelo determinado. Com troncos
dade. Ele está preso - literalmente "possuído" e galhos constroem seis ou sete salões cerimo-
- pelo espírito daquilo que personifica, e os niais (kivass para as fases distintas da dança. Exis-
espectadores participam dessa transfiguração. te até mesmo um "diretor de iluminação", que
O dançarino javanês do Djaram-képang, que apaga a pilha de lenha ardente cm cada kiva tão
usa a máscara de um cavalo e pula de forma logo a procissão de dançarinos passa.
grotesca, cavalgando uma vara de bambu, é Diversas cerimônias místicas e magicas
alimentado com palha. estão envolvidas nos ritos de iniciação de mui-
Aromas inebriantes e ritmos estimulan- tos povos primitivos, nos costumes que "ro-
tes reforçam os efeitos do teatro primitivo, uma deiam" a entrada da criança no convívio dos
arte em que tanto aquele que atua como os adultos. Máscaras ancestrais são usadas numa
espectadores escapam de dentro de si mesmos. peça com mímica. Em sua primeira participa-
Oskar Eberle escreve: "O teatro primitivo é ção no cerimonial, o neófito aprende o signifi-
uma grande ópera". Uma grande ópera ao ar cado das máscaras, dos costumes, dos textos
livre, deveríamos acrescentar, que em muitos rituais e dos instrumentos musicais. Contam-
casos é intensificada pela cena noturna irreal, lhe que negligenciar o mais ínfimo detalhe
na qual a luz das fogueiras bruxuleia nos ros- pode trazer incalculáveis desgraças à tribo in-
tos dos "dernônios" dançarinos. O palco do teira. Na ilha de Gaua, nas Novas Hébridas, os
teatro primitivo é uma área aberta de terra anciãos assistem criticamente à primeira dan-
batida. Seus equipamentos de palco podem in- ça dos jovens iniciados. Se um deles comete
cluir um totem fixo no centro, um feixe de lan- um erro, é punido com uma flechada. 3. Pintura na parede de um túmulo tebano: jovens musicistas com
ças espetadas no chão, um animal abatido, um Por outro lado, em todos os lugares e épo- charamela dupla. alaúde longo e harpa. Da época de Amenhotep II, c.
monte de trigo, milho, arroz ou cana-de-açúcar. cas o teatro incorporou tanto a bufonaria gro- 1430 a.c.
Da mesma forma, as nove mulheres da tesca quanto a severidade ritual. Podemos en-
pintura rupestre paleolítica de Cogul dançam contrar elementos farsescos nas formas mais
em torno da figura de um homem; ou o povo primitivas. Danças e pantomimas de animais
de Israel dançava em torno de bezerro de ouro; possuem urna tendência a priori para o gro-
ou os índios mexicanos faziam sacrifícios, jo- tesco. No momento em que o nó do culto afrou-
gos e dançavam, invocando seus deuses: ou, xa, o instinto da mímica passa a provocar o
atualmente, os dançarinos totêrnicos australia- riso. Situações e material são tirados da vida 4. Dançarino - "pássaro" maia. com chocalho e estandarte. Pintura
nos se reúnem quando o espírito ancestral faz cotidiana. Quando o buscador de mel na peça na parede do templo de Bonarnpak. México, c. 800 d.e.
sentir sua presença (quando soam os mugidos homônima das Filipinas se mete nos mais va-
do touro). Assim, também, vestígios do teatro riados infortúnios, é recompensado com gar-
primitivo sobrevivem nos costumes populares, galhadas tão persistentes quanto o são, tam-
na dança em volta do mastro de maio ou da bém, os atores da pantomima parodística "O
fogueira de São João. É assim que o teatro oci- Encontro com o Homem Branco", no bosque
dental começou, nas danças do templo de australiano. O nativo pinta seu rosto de ocre
Dioniso aos pés da Acrópole. brilhante, põe um chapéu de palha amarelo,
Além da dança coral e do teatro de arena, enrola juncos ao redor das pernas - e a ima-
o teatro primitivo também fez Uso de procis- gem do colono branco, calçado com polainas,
sões para suas celebrações rituais de magia. está completa. O traje dá a chave para a im-
As visitas dos deuses egípcios envolviam cor- provisação - uma remota, mas talvez nem tan-
tejos - os sacerdotes que realizavam o sacrifí- to, pré-figuração da Commcdiu deli 'arte.
cio guiavam procissões que incluíam cantores, À medida que as sociedades tribais torna-
bailarinas e músicos; a estátua de Osíris era trans- vam-se cada vez mais organizadas, uma espé-
portada a Abidos numa barca. Os xiitas persas cie de atuação profissional desenvolveu-se
começavam a representação da paixão de entre várias sociedades primitivas. Entre os
Hussein com procissões de exorcismo. Todos os Areoi da Polinésia c os nativos da Nova
anos, em março , os índios Hopi da América do Pomerânia, existiam troupes itinerantes que

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H i st ó r i a M un d ía l d o T eu t r u •

viajav am de aldeia em aldeia e de ilha em ilha.


O teatro, enq uanto co mpensação para a rotin a
sacrifício ronda o palco do séc ulo XX . Como
se aflorasse do tron co da árvore, o curande iro,
Egito e Antigo Oriente
da vida , pod e ser encontrado onde qu er qu e as de acord o co m as instru ções de O ' Ne ill, bat e os
pe ssoas se reúnam na esperança da magia q ue pés e inicia um a ca nção monótona.
as tran sport ará para uma realidade mais eleva -
da. Isso é verda de independentemente de a ma- Gradual men te sua da n ça S~ transforma numa nar-
rativa de pantomi m a. sua c ançã o é um e nc anta men to . um a
gia aco ntec er num pedaço de terr a nu a, numa
fórmu la mágica pa ra apazi gu ar a fúri a de alguma d ivin-
cabana de bambu , numa plataform a o u num dade que exige sacr ifício . Ele escapa. est á possuído pn r
modern o palácio rnultimídia de con creto e vi- dem ônio s, ele S ~ esconde... salta para a ma rgem do rio .
dro . É verda de, mesmo se o efeit o final for de Ele estira os braços e chama por algum Deus de ntro ele
uma desilusão brutal. sua prof undeza . Então. co meç a a recuar vaga rosamente,
co m os braço s ai nda para [ 0 1";1. A cabeça e no rme de um
A máscara mais altiva e a mais impressio- crocod ilo aparece na margem . e seus o lhos verd es c bri-
nant e pompa não podem sal var o Imp erad or lhantes fixa m-se so bre Jorre s.
Jones, de O 'Neill, do pesadelo da autodestrui-
ção . Os antigos poderes xarnânicos es magam- Numa montagem de 1933, o ce nó grafo
no num a lúgebr e noite de luar ao som de tam- america no lo Mi el zin er utili zou uma enorme
bores africa nos. Nesta peça expressioni sta, cabeç a de Olmeca par a o primitivo alta r de
O 'Neill exa lta os "pequenos medos sem forma", pedra requerido pelo texto. Figurinos africa-
transform and o-os no ameaçador frenesi do cu- nos, caribenhos e pré -col ombi an o s combi- INTRODUÇÃO própri o C iro havia prestado homenagen s nas
randeiro do Co ngo, cujo chocalho de osso s mar- nam-se num pesadelo do passad o, O teatro tumbas dos grandes reis da Babilônia .
ca o tempo par a o ribombar selvagem do s tam- primitivo ressurge e age sobr e nossos medos A história do Egi to e do Antigo Oriente D ura nte muitos séculos, as font e s das
bores. Um eco estridente de ritos primitivos de existen ciais modernos. Próximo nos proporcion a o registro dos povos qu ai s emergi u a im agem do antigo Ori ent e
que , nos três mil êni os anteriores a Cristo, lan- Pr óxim o estivera m limitadas a algun s poucos
ça ram as bases da civilização ocide ntal. Eram document os: o Antigo Testamento, que fala da
povos atuante s nas regiões qu e iam desde o sabedor ia e da vida luxuosa do Egito , e das
rio Nilo aos rios Ti gre e Eu fra tes e ao plan alto narrati vas de a lguns e scritor e s da Antig üida-
irani ano , desde o B ósfor o at é o Go lfo Pérsi co . de, qu e culpavam uns ao s outros por sua "orien-
Nes ta criativa época da human idade, o Egito tação notavelm ente pobre" . Me smo Her ód oto,
instituiu as artes pl ásti cas, a Mesopot âmia, a o "pai da h istória" , que visito u o Eg ito e a
ciência e Israel, um a religi ão mundi al. M esop ot âm ia no séc ulo V a .C; é fre q üente-
A leste e a oes te do mar Ver me lho, o rei- mente vago . Seu silê nc io so bre os "j ard ins
deu s do Egito era o único e todo-poderoso le- suspe nsos de Se m írumis" d im in ui o no sso co -
gislador, a mais a lta autoridade e j uiz na terr a. nhecimento de uma das Se te M aravilhas do
A ele rendiam-se hom en agen s em múltiplas mundo, e o fato de o pavilhã o do fes tiva l do
formas de música , dança e di álogo dram ático . An o No vo de Nabucodo nosor perm anec er des-
Nas ce lebraçõ es dos festi vai s, em glorificaçã o conhec ido para ele pri va os pesqui sad ores do
à vida neste mundo ou no além -mundo. era teat ro de va liosas c haves.
e le a figura centra l. e não se econo mizava pom- Ne sse meio tempo, arqueólogos escava -
pa no que co nce rnia sua pessoa. Esta era a
à ram as ruína s de vastos pal áci os, de ed ifícios
posição dos dinast as do Eg ito. do s grandes le- e ncrustado s de mosaicos para o festival do Ano
g isladores su mér ios , dos imperadore s do s Novo, e até mesmo cidades inteiras. H istori a-
acádios, dos reis-deu ses de UI', dos governantes dore s da lei e da religião decifraram o enge-
do império hitit a e tamb ém dos rei s da Síria e nh oso có digo das tabuinhas cuneiformes, que
da Palestina. também prop or cionaram algumas indicações
No Egito e por tod o o anti go Oriente Pró- sobre os csperáculos teatrais de anti gam ent e .
ximo, a religi ão e mist érios, lodo pensamento S ab em o s do ritual mágico -míti co do
e ação eram determ inad os pela reale za, o úni- "ca sa me nto sagrado" dos mc sopot ãrni os e te-
co princípi o o rde nador. A lex andre, sabiamen- m os fra g mentos descobertos das disp uta s di-
te respeitoso. subme te u-se a e la em se u triun- vi na s dos s umé rins: so rna s agora ca paze s de
fant e progresso. Visitou o t úm ulo de Ciro e lhe re c on strui r a o rige m do di álogo na dan ça
prestou hom en agem , da mesm a forma qu e o eg ípci a de Halor c a orga n iz ação da pai xão

. (;

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