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O Desenvolvimento da Medicina

Aulus Cornelius Celsus


(c. 25 a.C. - c. 50 d.C.)
Este é um trecho do “Proêmio” da obra Da Medicina, do enciclopedista
romano A.C. Celsus, que viveu na província de Gallia Narbonensis,
hoje sul da França.

Versões integrais em latim e inglês, e do proêmio em espanhol, se


encontram na internet. Tradução em inglês feita por W.G. Spencer,
Loeb Classical Library, Londres, 1935. Tradução em espanhol feita por
C.C. Farrú, Ars Medica 4, Santiago, 2001. Números indicam as
sentenças do texto em latim.

“A.C.Celse”, litografia de Tradução feita para o curso de Teoria do Conhecimento e Filosofia da


Pierre Vigneron, Paris, c. 1865. Ciência I (FLF0368), prof. Osvaldo Pessoa Jr., 2o semestre de 2010.

[9-11] Nessa época a arte da medicina prosperou essa profissão fornecedora de


foi dividida em três partes: uma que cura saúde para todos. [...]
pela dieta, a segunda por medicamentos, e a [13-16] Aqueles, então, que professam
terceira pela mão. Os gregos denominaram uma teoria racional da medicina [os
a primeira dietética, a segunda farmacêutica dogmáticos] afirmam que é necessário,
e a terceira cirurgia. Os autores que são os primeiro, um conhecimento das causas
mais ilustres dessa parte que cura as ocultas que envolvem as doenças, e depois,
doenças pela dieta, tratando de examinar das causas evidentes, e em seguida também
ainda mais profundamente certas coisas, das ações naturais, e por fim das partes
reclamaram para si também o conhecimento internas. Chamam “causas ocultas” àquelas
da natureza, pois sem este a medicina que se identificam com os princípios de que
ficaria truncada e debilitada. Depois deles, se compõe nosso corpo, que favorecem ou
Serapião foi o primeiro a declarar que esse prejudicam nossa saúde. Pois acreditam que
método de raciocínio não era de forma é impossível, para alguém que ignora a
alguma apropriado à medicina, e a fundou origem das doenças, aprender como tratar
apenas na prática e na experiência. Em delas de maneira apropriada. Também não
seguida Apolônio e Glaucias, e um pouco duvidam que haja necessidade de
depois Heráclides de Tarento, e outros tratamentos diferentes, caso o excesso ou
homens de valor, chamaram a si mesmos de deficiência de um dos quatro princípios
“empíricos”, de acordo com a doutrina que [quente, frio, seco, úmido] provocar má
professavam. Assim, essa arte da medicina saúde, como afirmaram certos filósofos;
que cura por meio da dieta também foi caso toda deficiência estiver nos humores,
dividida em duas partes, uns afirmando uma segundo a concepção de Herófilo; caso
arte racional, e os outros uma arte somente esteja no ar, como pensou Hipócrates; caso
prática. Mas depois daqueles mencionados o sangue se transfira aos vasos que são
acima, ninguém mais se preocupou com apropriados ao ar e suscite uma inflamação,
nada, salvo com o que havia sido recebido resultando num distúrbio como a febre,
pela tradição, até que Asclepíades como ensinou Erasístrato; ou caso pequenos
modificou em grande medida a maneira de corpúsculos pararem ao passarem pelos
curar. Dentre seus sucessores, Temisão, em invisíveis poros e assim os entupirem, como
sua velhice, introduziu certas modificações. afirmou Asclepíades. Aplicará o tratamento
Graças em especial a esses homens, correto aquele que tiver acertado a origem
primária da causa. Eles não negam que a

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experiência também seja necessária, mas diferentes opiniões sobre esses assuntos
afirmam que nem se poderia ter chegado a curam igualmente bem seus pacientes. Isso
ela se não fosse a partir de um certo acontece [segundo os empíricos] não
raciocínio. [...] porque [os dogmáticos] tenham deduzido
[18-19] Chamam de “evidentes” as linhas de cura a partir de causas ocultas ou
causas que se identificam com o frio ou o de ações naturais, seguindo suas diferentes
calor, com a fome ou a fartura, e coisas opiniões, mas sim porque o fizeram a partir
parecidas que ocasionam a doença. Dizem da experiência do que havia dado certo. [...]
que resistirá ao mal aquele que não [54-57] [...] E alguns médicos de nosso
desconheça sua origem. Por outro lado, tempo, seguindo a autoridade de Temisão,
denominam “ações naturais do corpo” como eles mesmos querem que pareça,
aquelas pelas quais inspiramos ou expira- sustentam que nenhum conhecimento de
mos ar, ingerimos e digerimos comida e causa serviria para o tratamento, mas que
bebida, assim como aquelas ações pelas basta observar certas características comuns
quais a comida e a bebida são distribuídas às doenças. Destas haveria três gêneros:
por toda parte dos membros. [...] um estreito, o segundo fluido e o terceiro
[23-24] Além disso, como as dores e os misto. Pois os doentes às vezes excretam
mais variados gêneros de doenças surgem muito pouco, outras vezes demais; outras
nas partes mais interiores, eles defendem vezes, de uma parte pouco, de outra em
que ninguém que desconheça essas partes demasia; e esses gêneros de doenças ora são
pode lhes aplicar remédios. Afirmam agudos, ora crônicos, às vezes se
portanto que é necessário fazer incisões nos intensificam, outras se mantêm constantes,
corpos dos mortos e escrutinar suas vísceras outras se atenuam. Uma vez que se
e intestinos, e que quem de longe fez isso identifique qual desses casos se apresenta,
melhor foram Herófilo e Erasístrato, que então se o corpo estiver tenso, ele deve ser
fizeram incisões em criminosos recebidos relaxado; se padece de diarréia, deve ser
vivos do cárcere das mãos dos reis, e contido; e se tiver uma mistura de males,
observaram, enquanto ainda respiravam, as então o mais intenso deve ser combatido
partes que antes a natureza havia ocultado, primeiro. Além disso, devem-se tratar as
e sua posição, cor, forma, tamanho, arranjo, doenças agudas de uma forma, e as crônicas
dureza, maciez, lisura, relações, e ainda o de outra; as que estão aumentando de uma
avanço e retrocesso de cada uma delas, e se forma, as estacionárias de outra, e as que
alguma parte se insere ou recebe em si estão regredindo de outra. Segundo eles, a
alguma outra. [...] medicina consiste da observação dessas
[27-28] Por outro lado, aqueles que, coisas, e a definem como uma certa via que
por se basearem na experiência, denominam chamam de “método”, e afirmam que a
a si mesmos de empíricos, aceitam como medicina deve observar as características
necessárias, sem dúvida, as causas comuns às doenças. Eles não querem ser
evidentes, mas afirmam que a investigação incluídos entre os racionalistas, nem entre
de causas ocultas e de ações naturais é os que consideram somente a experiência;
supérflua, pois a natureza não é ao se nomearem “metódicos” eles se
compreensível. [...] separam dos primeiros, pois negam que a
[32] Segundo eles, devido ao desacordo medicina consista na conjectura de causas
que há entre os que discutiram esses ocultas, e dos segundos, pois pensam que
assuntos, é patente que a natureza não pode há pouca arte na observação da experiência.
ser compreendida, já que nem os filósofos,
nem os próprios médicos chegaram a um
acordo. Que tais especulações em nada
concernem à arte da medicina pode ser
depreendido do fato de que homens com

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