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Clinton, a guerra e a China

Assinado de forma digital por Paulo


Henrique Rodrigues Silva
Paulo Henrique DN: cn=Paulo Henrique Rodrigues
Silva, c=BR, o=Infohome,
Rodrigues Silva ou=Infohome, email=phrs14@yahoo.
com.br
Dados: 2007.04.16 12:05:29 -03'00'

CENSURADO

Clinton, a guerra e a China

Este artigo, escrito durante os bombardeios em Kosovo, foi recusado


pela revista República. — O. de C.

Na juventude, Bill Clinton foi um dos milhares de estudantes


esquerdistas que se beneficiaram das verbas da KGB, ganhando uma
daquelas viagens à URSS que eram o meio preferencial para o
recrutamento de agentes soviéticos nos meios universitários do
Ocidente. Na década de 60, isso seria impedimento bastante para
qualquer candidatura a prefeito de cidade do interior. Nos anos 90, após
três décadas de revolução cultural gramsciana, as ligações perigosas não
impediram que Clinton fosse eleito presidente dos EUA com o apoio do
Partido Comunista Americano. Graças a um bem calculado discurso
"politicamente correto", o novo governante tornou-se um ídolo da

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esquerda, a qual moveu céus e terras para mantê-lo no cargo a despeito


de um variado leque de acusações que, entre futilidades sexuais,
imbróglios financeiros e uma multidão de pequenos watergates, incluía
alguma coisa de perfeitamente sério e apavorante: a suspeita de
favorecimento à espionagem nuclear chinesa. A imprensa bem-pensante
resistiu a toda investigação do assunto.

Agora, quando o pobre inocente lança os EUA numa aventura militar


despropositada e cruel, a decorrente onda de indignação universal
preserva misteriosamente a sua pessoa, preferindo falar em tom
genérico contra a OTAN e o "imperialismo", de modo que aos olhos do
público a culpa das atrocidades acabe recaindo, por via subliminar,
sobre aqueles que nos EUA mais energicamente se opuseram à
iniciativa brutal do queridinho das esquerdas. Ato contínuo, segundo
denuncia o Wahington Post, a máquina policial do Estado comandado
por Clinton faz o possível para abafar as investigações sobre o recém-
desmascarado espião Wen Ho Lee, que passou à China informações
secretas do Laboratório Nuclear de Los Alamos, enquanto a alta
hierarquia militar chinesa já se permite falar indiscretamente de seus
preparativos bélicos e da formação de uma aliança internacional para
reagir à agressão americana e começar a III Guerra Mundial. A imagem
dos EUA deteriora-se a cada dia, enquanto a de Clinton permanece
intocável, permitindo que ele continue a dar aos chineses os motivos, a
ocasião e, para cúmulo de generosidade, os meios materiais para uma
"guerra justa" contra o imperialismo americano.

Tudo isso é tão perverso, tão cínico e ao mesmo tempo tão


assustadoramente claro e lógico, que chego a duvidar de que a esquerda

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ocidental esteja apenas agindo com a sua tradicional frivolidade e


inconseqüência histórica. Chego a me perguntar se ela e Bill Clinton não
sabem perfeitamente para onde as coisas estão indo e não desejam
ardentemente chegar lá.

É claro que esse prodígio de mistificação não se poderia produzir sem


algum controle das informações. Coincidência ou não, continua
desprovido de qualquer repercussão mundial o combate feroz que a
opinião pública direitista vem movendo nos Estados Unidos contra o
bombardeio de Kosovo. Quem leia os colunistas conservadores de maior
sucesso, como William Buckley Jr., Thomas Sowell, Joe Sobran, Pat
Buchanan, George Will, será informado de que, na opinião unânime da
direita, o bombardeio é uma conspiração esquerdista pelo menos tanto
quanto a exploração do caso Lewinsky foi, segundo Hillary Clinton, uma
conspiração direitista. Para que a esquerda conserve seu monopólio das
denúncias de conspiração, facilmente impugnando como paranóia toda
acusação similar que parta do lado contrário, a audiência destes
colunistas deve ficar restrita ao território americano, sem abalar o
consenso mundial que lança sobre a imagem do imperialismo direitista
as culpas de William Jefferson Clinton e de sua curriola comunista.

Se o prezado leitor deseja furar o bloqueio, dirija-se às fontes, hoje


acessíveis graças à internet. Leia:

Buckley em http://www.sacbee.com/voices/national/
buckley,

Sobran em http://www.uexpress.com/ups/opinion/

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column/js/archive/,

Sowell em http://www.jewishworldreview.com/cols/
sowell1.asp,

Buchanan em http://www.theamericancause.org/
pat_buchanan.html

e Will em http://www.sacbee.com/voices/national/will.

Depois tire suas próprias conclusões. Diga se não há algo de estranho


num ataque imperialista que é tão condenado pela direita e que a
esquerda só critica tomando meticuloso cuidado para ocultar a
responsabilidade pessoal do comandante supremo que o determinou.

02/05/99

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Lógica da mistificação, ou: O chicote da Tiazinha

CENSURADO

Lógica da mistificação, ou: O chicote da


Tiazinha

Redigido originalmente como apostila do Seminário de Filosofia, este


ensaio foi recusado pela Folha de S. Paulo sob o pretexto de que citava
de passagem um autor desconhecido do público paulista (o
psicanalista Joel Birman), e em seguida recusado pela revista Bravo!
sob a alegação de que já fora oferecido à Folha de S. Paulo. — O. de C.

Eugen Rosenstock-Huessy observava em Carta Magna Latina (1974)


que, se você diz "iiii" e o seu interlocutor repete o mesmo som, vocês
estão se comunicando como animaizinhos imersos num estado anímico
comum, mas que, se você diz "Escute!" e ele responde "Estou
escutando", então vocês entraram no mundo da comunicação humana,
graças ao milagre da linguagem articulada. Na linguagem articulada os

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Lógica da mistificação, ou: O chicote da Tiazinha

papéis do falante e do ouvinte estão perfeitamente diferenciados: um


falante responsável comunica uma mensagem respondível a um ouvinte
respondente. É só a partir desse nível de comunicação que os seres
humanos podem narrar e perpetuar, prometer e cumprir, planejar e
realizar, concordar e colaborar, erguer enfim, sobre a base da natureza,
a ordem da História. A linguagem articulada dá ao homem a
possibilidade de conceber o futuro com base na experiência dos
ancestrais e abre para o indivíduo uma existência num plano temporal
superior ao de sua duração biológica, num espaço mais vasto que o da
sua ação física. Originada nos ritos e nos cantos épicos, a linguagem
articulada encontra sua plena expressão na linguagem formal — o
idioma das leis, da filosofia, das ciências, dos debates públicos — onde a
máxima clareza na atribuição das responsabilidades termina de libertar
os indivíduos de seu isolamento e lhes dá a possibilidade de tomar parte
consciente na vida histórica da sociedade inteira.

Na sociedade organizada, porém, quando a linguagem formal já


cumpriu os seus fins, os seres humanos podem vir a se esquecer de
quanto ela é necessária para instaurar e conservar o mundo histórico de
cujos frutos maduros eles se beneficiam. Então dissemina-se uma forma
mais relaxada de comunicação, a fala informal — uma linguagem cheia
de elipses, de hiatos, de subentendidos, com a qual o indivíduo só pode
se comunicar com os seus próximos, mas não com a sociedade maior,
com a sociedade política. Se não regride à comunicação inarticulada, a
linguagem informal dissolve a malha de distinções entre sujeito e
objeto, falante e ouvinte, criando um agradável sentimento de
intimidade cúmplice na mesma medida em que nebuliza a distribuição

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de papéis e obscurece a atribuição de responsabilidades.

Um dos traços principais da comunicação informal é o seu caráter


elíptico: o falante, saltando os nexos lógicos intermediários, vai de uma
idéia a outra sem ter de conservar a memória do trajeto e sem ter de
responder pela confiabilidade das vias por onde conduz o ouvinte; e
este, envolvido numa atmosfera de identificação emocional confusa, se
deixa levar como se fosse ele próprio o falante. A comunicação informal,
ou pós-articulada, tem as delícias da convivência espontânea e
"natural", mas, por isto mesmo, devolve o homem à impotência do
animalzinho no mundo natural, destituído dos meios de ação próprios
do mundo histórico.

Se a comunicação informal dominasse todos os setores da atividade


humana, a sociedade se veria paralisada pela impotência diante de um
caos inabarcável. Um medo difuso tomaria conta de tudo e nenhuma
ação eficiente seria possível. Por isto mesmo, a comunicação informal
fica geralmente restrita às famílias, aos pequenos grupos, ou, na mais
ambiciosa das hipóteses, ao mundo das diversões, ao passo que a
linguagem formal continua imperando nas altas esferas do poder, na
ciência, nos debates parlamentares, nos tribunais. Se um juiz não pode
aceitar uma petição escrita em gíria, não é por uma questão de gosto,
mas porque as petições têm de possuir um sentido uniformemente
apreensível para todos os juizes, sem as elipses e as conotações
escorregadias da linguagem familiar, grupal ou local. Assim como a
linguagem informal é a condição da intimidade pessoal entre os amigos
e familiares, a linguagem formal é a condição da ordem, da justiça e da
liberdade na sociedade política.

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Quando a linguagem informal invade os domínios superiores da


sociedade política, isto indica que aí o senso das responsabilidades vai
desaparecendo, que a liderança procura fugir a toda cobrança ocultando-
se por trás de uma comunicação elíptica onde aquele que ouve é
induzido subrepticiamente a endossar decisões que nem tomou nem
compreendeu, onde espectadores inocentes acabam carregando sobre
suas costas a culpa por erros que não cometeram, e onde, portanto, um
sentimento de injustiça generalizada acaba por minar toda confiança na
possibilidade de uma ordem justa — uma situação oprimente que todos
agravam mais ainda buscando alívio na busca obsessiva de bodes
expiatórios: o clamor geral contra a impunidade é tão destrutivo quanto
a impunidade mesma.

É uma situação alarmante, sem dúvida, e é inequivocamente a situação


brasileira. Poderíamos buscar as causas remotas desse estado de coisas
na progressiva dilapidação do idioma, na revolta frívola de beletristas
contra as normas gramaticais, em todo um longo trabalho de sabotagem
das linhas de comunicação formal empreendido por intelectuais
irresponsáveis que preferem antes lisonjear o povo do que servi-lo pelo
exercício honesto de suas altas funções. Não se deve excluir nem mesmo
a hipótese de uma ação consciente a serviço de interesses antinacionais.

Mas, deixando para outra hora essa investigação interessantíssima,


limito-me a observar que as esferas superiores da decisão humana não
podem ser invadidas pela comunicação informal em estado puro. As
gírias, os erros de gramática, os hiatos lógicos mais clamorosos não
poderiam, sem mais, entrar nesses domínios, pois seriam identificados e

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denunciados à primeira vista. Para que a informalidade com todo o seu


cortejo de confusões desnorteantes e nebulosidades dissolventes tome
de assalto o comando da sociedade e instaure a irresponsabilidade
generalizada, ela precisa primeiro paramentar-se de certos adornos que
a façam passar por uma linguagem aceitável nos círculos de gente
importante: ela tem de tomar a forma de uma falsa linguagem formal.

Criar uma falsa linguagem formal é relativamente simples.

Em toda sociedade, há vários dialetos, profissionais e grupais, que se


distinguem por um vocabulário próprio e pelo seu alto grau de
formalização. A linguagem científica é um exemplo. Cada ciência tem
não somente sua terminologia apropriada mas também um conjunto de
esquemas expositivos mais ou menos padronizados. O vocabulário
facilita o reconhecimento automático dos significados, fora de toda
nebulosidade subjetiva, e os esquemas padronizados de argumentação e
prova permitem a rápida aferição dos pressupostos, dos nexos
intermediários do raciocínio e, enfim, de todos os requisitos para uma
avaliação correta da veracidade ou falsidade das alegações.

Para construir uma falsa linguagem formal, basta tomar o vocabulário


padronizado de uma determinada área de estudos, mas usá-lo em
sentenças construídas à moda informal, com muitas elipses, hiatos e
subentendidos, aproveitando para inserir nesses intervalos todas as
opiniões pessoais ou grupais a que o autor, por malícia, deseje conferir o
prestígio de crenças universalmente admitidas. Isso torna quase
impossível ao leitor comum — e mesmo ao estudioso, se principiante —
averiguar a veracidade ou falsidade das afirmações, porque para isto

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seria preciso explicitar todos os passos lógicos elididos e todos os


pressupostos ocultos, o que requer o domínio de técnicas bastante
sofisticadas. Por outro lado, o vocabulário especializado dá ao texto um
ar de respeitabilidade intelectual (o prestígio do autor também ajuda),
de modo que o leitor, quando lhe escapa algum nexo, supõe
instintivamente tratar-se de algo tão simples para os dominadores do
assunto que não tem de ser explicitado. Em parte por confiar nesta
hipótese, em parte pelo temor de fazer perguntas que revelem sua
ignorância sobre aquilo que ele supõe ser óbvio e patente para os outros,
ele acaba por atribuir à sua própria inabilidade ou incultura o parco
entendimento dessas transições obscuras e, para escapar de um
angustiante sentimento de inferioridade, decide aceitar tudo junto — o
que compreende e o que não compreende, o que foi dito e o que foi
omitido. Em vez de cobrar do escrito o rigor que seria exigível de uma
argumentação filosófica ou científica, ele se esforça para "entrar em
sintonia" com o texto, para colocar-se no seu "estado de espírito" —
como um calouro que busca amoldar-se ao novo ambiente absorvendo
por osmose a linguagem dos mais experientes. A leitura torna-se, assim,
uma busca de afinidades aparentes. Se o autor for esperto, espalhará ao
longo do texto vários "sinais de reconhecimento", quase senhas ou
palavras-de-passe, que induzam o leitor a confirmar que, malgrado a
seu precária compreensão desta ou daquela passagem, há perfeita
harmonia entre seus sentimentos pessoais e o "sentido geral" do texto. A
leitura deixa de ser uma reflexão para se tornar sugestão hipnótica de
afinidades ilusórias.

Se o leitor parasse para examinar o texto mais detidamente, veria que

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comeu gato por lebre, que foi levado a aceitar mil e uma absurdidades
sem se dar conta, que foi enganado por um hábil manipulador, que sua
inteligência foi desrespeitada e aviltada ao ponto de ser levada a crer,
meio às tontas, em afirmações que não aceitaria de maneira alguma se o
sentido delas fosse explicitado.

Vou dar dois exemplos. O primeiro encontra-se logo no início do livro


do psicanalista Joel Birman, Cartografias do Feminino (São Paulo,
Editora 34, 1999):

"Este livro condensa no fundamental o meu caminho


teórico pelo território da feminilidade em psicanálise, no
qual se pode apreender em estado nascente as diferentes
etapas que marcaram esse percurso. Assim, da leitura
crítica do conceito de sexualidade, passando pelas
experiências corpóreas do desnudamento e da exibição
[etc. etc.], aventurei-me sempre pelo universo enigmático
da feminilidade."

Com essas palavras, o leitor é, de chofre, jogado no meio de um universo


fascinante no qual as especulações de um teórico assumem o atrativo
mágico de experiências carregadas de alto erotismo. Esse tipo de
atmosfera verbal domina cada vez mais os debates sobre psicologia,
sexo, feminismo.

Como se obtém esse efeito? Basta explicitar os nexos lógicos


subentendidos para verificar que aquilo que o leitor acaba de engolir é
de uma absurdidade grotesca: um caminho teórico, uma sucessão de
visões intelectuais, não poderia de maneira alguma abranger "a

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experiência corpórea do desnudamento e da exibição", pois quem


vivencia corporalmente essa experiência é apenas a mulher que se
desnuda e exibe, e não o teórico que pensa sobre o assunto. Excluída a
hipótese de que o autor tenha atravessado um estado temporário de
conversão transexual, exibindo-se para uma platéia de machos e depois
voltando à condição masculina para meditar sobre o acontecido, o que o
Dr. Birman quer dizer, quando afirma que seu caminho teórico "passou
pela experiência corpórea do desnudamento e da exibição", é,
precisamente, que não passou de maneira alguma por essa experiência
e que, como qualquer outro teórico destituído de atrativos mágicos, se
limitou a pensar uma experiência alheia, na prosaica assexualidade do
seu estúdio. Apenas, se ele dissesse as coisas assim, o falso encanto da
sua escrita se desvaneceria. O estilo expositivo birmaniano deve seu
atrativo a uma confusão viciosa entre o sujeito e o objeto das
afirmações: a especulação teórica que pensa o desnudamento da mulher
torna-se "experiência corpórea" da mulher que se desnuda. A confusão
de sujeito e objeto induz por sua vez à confusão entre autor e leitor,
numa espécie halo de cumplicidade onde já não se sabe mais quem disse
e quem ouviu, quem sugeriu e quem supôs. Por outro lado, espalhando
no texto alguns sinais de simpatias feministas discretas, o Dr. Birman
obtém facilmente da leitora atraída por essas idéias uma adesão
atmosférica que a faz engolir, junto com a ideologia feminista que
aceita, também um raciocínio absurdo que, se o percebesse, não
aceitaria de maneira alguma. Nesse tipo de escrita e de leitura, o senso
crítico vai sendo cada vez mais deprimido em favor da cumplicidade
promíscua no engano mútuo, de modo que, no fim das contas, o que
interessa não é saber o que o autor disse ou não disse, mas sim apenas

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confirmar se, no geral, ele é "um de nós" ou "um estranho". Enfim, só as


senhas importam. Tão perverso é esse mecanismo, que o próprio leitor,
mesmo chegando a uma quase consciência de que está sendo
ludibriado, pode preferir relevar esse "mero detalhe" para não estragar a
ilusão de assentimento em que tanto se compraz.

Esse é o estilo da mistificação, e esse vem se tornando, cada vez mais, o


estilo dominante da argumentação acadêmica no Brasil.

Vamos ao segundo exemplo. Em Que É Ideologia? (São Paulo,

Brasiliense, 31a. ed., 1990), D. Marilena Chauí empreende provar que o


senso comum nos engana ao mostrar-nos como um mundo de "coisas"
uma realidade que se constitui, no fundo, de relações de poder:

"O real não é constituído por coisas. Nossa experiência


direta e imediata nos leva a imaginar que o real é
constituído por coisas (sejam elas naturais ou humanas),
isto é, de objetos físicos, psíquicos, culturais oferecidos à
nossa percepção e às nossas vivências.

"Assim, por exemplo, costumamos dizer que uma


montanha é real porque é uma coisa. No entanto, o
simples fato de que essa "coisa’ possua um nome, que a
chamemos "montanha", indica que ela é, pelo menos, uma
"coisa-para-nós", isto é, algo que possui um sentido em
nossa experiência. Suponhamos que pertencemos a uma
sociedade cuja religião é politeísta e cujos deuses são
imaginados com formas e sentimentos humanos, embora

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superiores aos dos homens, e que nossa sociedade


exprima essa superioridade divina fazendo com que os
deuses sejam habitantes dos altos lugares. A montanha já
não é uma coisa: é a morada dos deuses. Suponhamos,
agora, que somos uma empresa capitalista que pretende
explorar minério de ferro e que descobrimos uma grande
jazida numa montanha. Como empresários, compramos a
montanha, que, portanto, não é uma coisa, mas
propriedade privada. Visto que iremos explorá-la para
obtenção de lucros, não é uma coisa, mas capital. Ora,
sendo propriedade privada capitalista, só existe como tal
se for lugar de trabalho. Assim, a montanha não é coisa,
mas relação econômica e, portanto, relação social. A
montanha, agora, é matéria-prima num conjunto de
forças produtivas, dentre as quais se destaca o
trabalhador, para quem a montanha é lugar de trabalho.
Suponhamos, agora, que somos pintores. Para nós, a
montanha é forma, cor, volume, linhas, profundidade —
não é uma coisa, mas um campo de visibilidade."

O leitor, conduzido pela mão segura da mestra, tem aí a impressão de


haver superado a crença ingênua, "coisista" e estática do senso comum e
ascendido a uma visão superior onde as pretensas coisas revelam ser, na
verdade, criações culturais, reflexos cambiantes do processo histórico.
Isso vale por um rito iniciático. Ao chegar em casa, o neófito já olha com
desprezo o pai e a mãe que ainda imaginam viver num mundo de coisas,
de realidades objetivas estáticas, enquanto ele já sabe que uma

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montanha não é coisa e sim, conforme o momento histórico, morada
dos deuses, relação econômica e campo de visibilidade.

Como se obtém esse efeito? Basta confundir, pela magia do estilo


elíptico, a mudança do posto de observação do sujeito com a mudança
da natureza do objeto. Assim, a montanha já não é uma coisa que, para
uma determinada tribo, adquire a função de morada dos deuses. Não:
para se tornar morada dos deuses, ela deixa de ser coisa. Não mudou de
significado, de valor, de função: mudou de natureza — como se os
deuses pudessem morar numa não-coisa; como se, para instalar
residência numa montanha, devessem suprimir a sua coisidade; como
se não fosse extraordinariamente difícil, mesmo para seres divinos,
residir num mero ponto-de-vista.

O capitalista, em seguida, realiza milagre maior ainda: deixando


(novamente) de ser coisa, a montanha transforma-se em "relação
econômica". Notem bem a elipse: a montanha já não é uma coisa que,
no quadro da indústria capitalista, serve de objeto a uma relação
econômica. A montanha é a própria relação econômica, não o objeto
dela. Como se uma relação econômica pudesse não ter objeto nenhum
ou ser objeto dela mesma, e como se um objeto qualquer, para ser
matéria-prima industrial, não tivesse de ser, antes de tudo e
primordialmente, alguma coisa. O operário, então, supera o capitalista
na escala do miraculoso: baixa a picareta numa relação econômica,
extrai minério de ferro de uma abstração lógica e, enfim, como Deus na
criação ex nihil, produz de uma não-coisa uma coisa.

Finalmente, para o pintor, a montanha também não é coisa, mas um


"campo de visibilidade". É extraordinário: o objeto visto e pintado já

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não é uma coisa abrangida por um campo de visibilidade, mas é o


próprio campo de visibilidade, sem coisa nenhuma dentro. No seu
campo de visibilidade o pintor enxerga um campo de visibilidade,
provavelmente pintando, em vez de quadros, campos de visibilidade.
Resta apenas perguntar se o esperto marchand, ao fingir que vende um
quadro, não está de fato passando ao ingênuo comprador apenas um
campo de visibilidade ou talvez uma pura relação econômica, em ambos
os casos sem coisa nenhuma dentro.

Em suma, o que se faz nesse texto é induzir o leitor a tomar como se


fosse uma autêntica superação dialética do senso comum o que não
passa de uma grosseira confusão entre a categoria da substância e a
categoria da paixão, entre o que um ente é e as ações que ele pode
sofrer, como se a possibilidade de sofrer tais ou quais ações não fosse,
para o ente, mera propriedade ou acidente, e como se, em suma, o
cavalo, para ser atrelado a uma carroça e tornar-se meio de transporte,
tivesse de deixar de ser cavalo.

O estilo elíptico, aí, não é usado para abreviar a comunicação, mas para
introduzir, nas passagens abreviadas, toda sorte de absurdidades que,
para ser aceitas, devem permanecer abreviadas, de vez que explicitá-las
é desmascará-las. Esse tipo de texto serve precisamente ao leitor
apressado, que prefere antes deixar-se enganar do que ter o trabalho de
descompactar a mensagem. Usando esse tipo de linguagem, um escritor
pode lhe impingir, em poucas páginas, um número significativamente
grande de erros e confusões que, por sua compactação mesma, não
poderão ser identificados senão mediante o uso de técnicas lógicas que
não estão geralmente ao alcance do leitor típico a que se dirigem esses

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Lógica da mistificação, ou: O chicote da Tiazinha

textos — o estudante, o militante operário, a dona de casa, ou mesmo o


homem letrado sem treino especial em filosofia.

No texto que estou examinando, D. Marilena, em não mais de doze


páginas e por meio da técnica do absurdo compactado, conduz o leitor a
aceitar mansamente como verdades admitidas pelo consenso acadêmico
universal diversas outras idéias que, uma vez desentranhadas da massa
de elipses, se revelam assustadoramente pueris. Vejamos uma delas.

Segundo D. Marilena, a teoria aristotélica das quatro causas, que


privilegia a causa final, é o reflexo ideológico inconsciente de uma
sociedade aristocrática. A causa final corresponde ao senhor que dá as
ordens do alto do seu castelo, enquanto a causa eficiente,
correspondente ao escravo que mete a mão na massa para transformar a
realidade, é relegada a um humilhante segundo plano. Já a física de
Descartes, que reconhece a importância autônoma da causa eficiente, é
também reflexo inconsciente, mas de uma sociedade mais avançada
onde o capitalismo já aboliu o trabalho escravo.

Enfim, causa final = inteligência contemplativa = classe dominante.


Em oposição simétrica, causa eficiente = inteligência prática = classe
dominada. A analogismo fácil, o esquematismo barato, dá a essas
explicações, mais que uma credibilidade automática, um tremendo sex-
appeal: de repente, e sem qualquer esforço, o leitor se sente elevado a
um posto de observação mais alto que o de Aristóteles e Descartes, de
onde pode enxergar as forças sociais que determinaram
inconscientemente o curso do pensamento desses dois filósofos, os
quais, coitados, imaginavam ingenuamente estar descrevendo

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fenômenos objetivos da realidade quando não faziam senão ecoar, como


bonecos de ventríloquo, o discurso legitimador dos seus interesses de
classe, isto é, respectivamente, da aristocracia escravagista e da
burguesia industrial. No horizonte mais amplo da contemporaneidade
marilênica, Aristóteles e Descartes já não são homens conscientes e
sábios que têm algo a nos ensinar; são puros "objetos" de análise,
bonecos de mola nas mãos de forças históricas invisíveis, pacientes
psicanalíticos que não se enxergam e que, por isso mesmo, deixam à
mostra o seu subconsciente ante o olhar superior do analista. Aí
descobrimos, desvanecidos, que, na física aristotélica ou cartesiana,

"temos, portanto, uma teoria geral para a explicação da


realidade e de suas transformações que, na verdade, é a
transposição involuntária para o plano das idéias de
relações sociais muito determinadas. Quando o teórico
elabora sua teoria, evidentemente não pensa estar
realizando essa transposição, mas julga estar produzindo
idéias verdadeiras que nada devem à existência histórica
e social do pensador" (p. 10).

Aqui, novamente, a chave do milagre chama-se elipse. Saltando


diretamente de uma doutrina física ao interesse de classe do qual ela
seria uma projeção inconsciente, D. Marilena omite discretamente o
ponto decisivo: se um homem está pensando sobre fenômenos da
natureza física, como se explica que o interesse de classe, tão alheio ao
assunto de seus pensamentos, se imiscua neles e acabe por determinar o
seu curso, de maneira até mais decisiva do que o objeto sobre o qual
discorrem? Como será que, pensando por exemplo na embriologia dos

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Lógica da mistificação, ou: O chicote da Tiazinha

gatos ou na lei de queda dos corpos, posso produzir um discurso que, no


fim das contas, nada diz sobre gatas prenhes ou bolas que caem, mas
apenas afirma o direito que minha classe social tem de viver no bem-
bom à custa da exploração das outras classes? Como se dá, enfim, a
"transposição inconsciente"? Que processos psíquicos, lingüisticos,
neurológicos, determinam que todo teórico do que quer que seja nunca
saiba precisamente do que está falando, mas sempre, imaginando falar
de animais, de mares, de montanhas, de pedras ou de anjos, esteja
sempre falando de outra coisa, sem ter disto a menor idéia? Por quais
mecanismos causais se produziu esse monstruoso fenômeno do
equívoco universal, do qual veio libertar-nos D. Marilena?

Basta fazer essa pergunta para verificar que a transposição alegada,


longe de ser um processo óbvio e patente que pode ser elidido na
exposição sem prejuízo para a compreensão do assunto, tem, ao
contrário, todas as características de um fenômeno mágico, produzido
por meios desconhecidos, sutis e imponderáveis, e que, em vez de poder
explicar o que quer que seja, é ele próprio que requer explicação. Entre a
premissa e a conseqüência, entre o fenômeno e sua alegada explicação,
medeia todo um vasto território de hipóteses arriscadas e pressupostos
imprudentes, cuja veracidade implícita o leitor aceita sem exame, levado
pelo poder hipnótico do discurso elíptico.

Nos exemplos citados, a lista dos pressupostos elididos inclui, ademais,


alguns nexos históricos que, uma vez trazidos à luz, se mostram
assustadoramente falsos. Por exemplo, se é a posição social do sujeito
que determina sua ideologia inconsciente, por que raios a ideologia da

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Lógica da mistificação, ou: O chicote da Tiazinha

aristocracia agrária deveria estar impregnada logo no inconsciente de


Aristóteles — membro de uma família de funcionários urbanos —, e não
no de Descartes, que era precisamente um senhor feudal? E, se isso já
não fosse absurdo suficiente, como poderia o senhor feudal René
Descartes não apenas ecoar inconscientemente o discurso da classe
capitalista industrial, mas ainda fazê-lo em pleno século XVII, dois
séculos antes do surgimento do capitalismo industrial? Como pode a
ideologia de uma classe impregnar-se com tamanha força no
inconsciente de um indivíduo antes mesmo de que essa classe venha a
existir?

É só a mágica da argumentação elíptica que permite a D. Marilena, num


texto tão breve, fazer o leitor engolir tantas mentirinhas tolas e ainda
passar por uma séria expositora do assunto. Principalmente se o leitor
não leu os expositores originais da teoria da ideologia, Marx ou
Mannheim, que decerto a aplicavam com muito mais comedimento e
nunca pretenderam ver em toda ciência antiga uma transposição rasa e
cretina de ideologias de classe.

Os trechos que citei neste estudo não são, lamentavelmente, exceções,


faux pas, fraquezas acidentais de autores que, no mais, permanecem
sérios e respeitáveis. Essas amostras são características do estilo de
Birman e Marilena. Não há uma página desses autores onde não se
possa colher exemplos de pressupostos absurdos meticulosamente
elididos. E seria uma felicidade imaginar que somente esses dois
escrevem assim, mas o fato mesmo de que seu estilo expositivo não
suscite a menor reação de escândalo nos meios acadêmicos, de que ele
seja aí aceito como um modo normal de falar e mesmo como uma

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Lógica da mistificação, ou: O chicote da Tiazinha

realização louvável, já bastaria para mostrar a profunda corrupção


intelectual que domina esses ambientes. Eu poderia aqui enumerar três
dúzias de intelectuais acadêmicos de alto prestígio que escrevem
igualzinho a Marilena e Birman. Gilberto Vasconcellos, Leandro
Konder, José Miguel Wisnik, Emir Sader, Muniz Sodré, Adauto Novaes,
são alguns dos que se afeiçoaram às elipses enganosas ao ponto de
tornar-se viciados. Em todos esses casos, a motivação é claramente
política, e política esquerdista. Isto não quer dizer, decerto, que as
esquerdas tenham o monopólio do estilo elíptico; apenas, no momento,
a hegemonia quase imperial que desfrutam nos meios culturais e
jornalísticos lhes infunde aquela segurança que abole todos os
escrúpulos, ao passo que os poucos direitistas remanescentes, acuados
pelo número e ferocidade dos adversários, recuam para uma atitude
mais sóbria e cuidadosa, argumentando em geral com um certo rigor:
comparar uma análise econômica de Roberto Campos com uma de Emir
Sader é comparar uma aula com uma fofoca. É certo também que todos
os autores mencionados são pessoas de certo talento, pois a arte do
sofisma elíptico exclui, por sua sutileza, os lerdos e mocorongos.

Tecnicamente falando — e digo isto porque pode interessar aos


estudiosos —, todas as elipses enganosas correspondem aos silogismos
erísticos da dialética aristotélica (silogismos que tomam como
universalmente aceitas certas premissas que não são de maneira alguma
universalmente aceitas), montados porém na forma retórica do
entimema — o silogismo com premissa oculta. Há nisso alguma arte,
deve-se reconhecer. A força persuasiva da mistificação elíptica reside,
em grande parte, na dificuldade de sua descompactação, sem a qual as

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Lógica da mistificação, ou: O chicote da Tiazinha

premissas absurdas permanecem protegidas na reconfortante meia-luz


do implícito e não-declarado. Quando, uns anos atrás, escrevi que "uma
lei constitutiva da mente humana concede ao erro o privilégio de poder
ser mais breve do que a sua retificação", era precisamente isso o que eu
tinha em vista. A única maneira de romper a mágica da mistificação
elíptica é explicitar o implícito, recuperar os trechos saltados,
reconstituir os passos lógicos omitidos; e isto, além de dificultoso e,
para o leigo, quase irrealizável, tem ainda o inconveniente de não se
poder expor senão em trabalhos extensos — bem mais extensos, pelo
menos, do que os textos analisados.

O mistificador beneficia-se, assim, não só da distração e do despreparo


técnico de seus leitores, mas também do efeito dissuasivo do
comodismo humano, bem como das limitações de espaço que, na
imprensa, tornam geralmente inviável a publicação das análises e
refutações que reduziriam a pó o renome científico de centenas de
mandarins acadêmicos. Tudo conspira, enfim, para que a mentira
permaneça oculta e protegida numa obscuridade cúmplice. Não é de se
desprezar, nesse panorama, o peso do fator "repetição": quanto mais
exposto a certas elipses sofísticas padronizadas, mais o público as aceita
como argumentos probantes e definitivos, e isto de maneira cada vez
mais rápida e automatizada — donde vem ainda um efeito colateral:
cada vez é preciso menos talento para enganar o público e a cada
geração os compactadores de sofismas podem se permitir ser cada vez
mais tolos, confiados no adágio fatal de que un sot a toujours un plus
sot qui l’admire.

A confusão generalizada, a ausência de clareza e seriedade nos debates

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Lógica da mistificação, ou: O chicote da Tiazinha

intelectuais, jornalísticos e parlamentares, a hesitação e a nebulosidade


em todas as decisões, a atmosfera de escorregadia indefinição e de fuga
às responsabilidades — tudo isso pode ser imputado, sem injustiça, à
praga da argumentação elíptica disseminada entre os intelectuais
brasileiros. Eles podem continuar enganando a muita gente por muito
tempo, e daqui do meu posto de observação, sem a menor esperança de
reconduzi-los ao caminho reto, só o que me cabe é transmitir a cada um
deles o aviso de que já não está a salvo de todo exame crítico. Posso ser
uma voz solitária, posso ser um joão-ninguém, mas isto não muda em
nada o testemunho fundamental: Eu sei quem você é e vi o que você fez.

No entanto, mais grave do que o estado atual de coisas é que, sendo os


mestres da persuasão elíptica os senhores do mundo acadêmico no
momento, é inevitável que seus alunos tomem o seu modus
argumentandi como modelo principal senão único da aquisição de
autoridade intelectual, e gastem os melhores anos de suas vidas no
esforço de aprender a imitá-lo, galgando etapas na ascensão profissional
à medida que se impregnam dos cacoetes de seus professores e
tornando-se, por antecipação, os mistificadores das gerações vindouras.

Ou rompemos agora essa maldita cadeia de transmissão, ou dia virá em


que o povo brasileiro, para ser persuadido de qualquer bobagem, não
exigirá qualquer razão mais séria do que o estalar do chicote da
Tiazinha.

05/04/99

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Entrevista a Diana Nedelcu

Entrevista a Diana Nedelcu

Rádio Nacional, Bucareste, 12 de novembro de 1998

1. Quem é você, que teve a coragem de ter um pensamento


tão livre neste fim de século?

Quando era jovem eu queria me tornar escritor, já possuía um domínio


sólido de minha língua natal e todos me diziam que eu escrevia muito
bem, mas eu me dei conta de que não tinha absolutamente nada a
escrever, de que eu estava vazio de todo conteúdo que valesse a pena
escrever. Assim, deixei de lado meu plano de me tornar escritor e
concebi um novo plano de vida, que era o de me tornar um homem que
soubesse verdadeiramente alguma coisa, mesmo não escrevendo nada.
Desde então, tenho feito grandes esforços de atenção para extrair
conclusões válidas daquilo que a vida me trazia e também daquilo que
eu lia. Pus-me a distinguir minuciosamente, na massa de meus
pensamentos e conhecimentos adquiridos, entre aqueles que eram

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Entrevista a Diana Nedelcu

certos e verdadeiros, aqueles que eram ao menos razoáveis e prováveis,


aqueles que não eram mais que opiniões verossímeis e aqueles que eram
puras fantasias da minha imaginação. Abdiquei de toda pretensão de ter
uma carreira de homem de letras, para me devotar somente àquilo que
se pode chamar a pesquisa da verdade para meu uso pessoal. Foi assim
que me tornei filósofo. E foi assim que o mundo foi poupado de ler os
execráveis livros de juventude que eu jamais escrevi.

Até os 35 anos, eu não falava de assuntos filosóficos com ninguém a não


ser comigo mesmo; vivia numa solidão intelectual quase completa.
Então, comecei a dar conferências para um pequeno grupo de
estudantes. Eu também escrevia, mas apenas resumos para os meus
alunos, e teria continuado de bom grado a fazer o mesmo a vida inteira
se as circunstâncias não me tivessem tirado de minha solidão para fazer
de mim uma espécie de inspetor da saúde mental dos intelectuais
brasileiros. Estou feliz por ter abandonado a modéstia da vida solitária
unicamente para fazer algo de útil e objetivo, sem concessões às minhas
vaidades de juventude, as quais já estavam mortas.

Publiquei o meu primeiro livro apenas aos 47 anos, a pedido de meu


amigo, o poeta Bruno Tolentino, e desde então não parei de publicar
livros e artigos, mas tenho ainda mais de dez mil páginas de notas de
aula, que talvez venham algum dia a se transformar em livros.

Eu não diria que a liberdade de pensamento é uma questão de coragem.


Trata-se unicamente de ver as coisas como elas são, e para tal é preciso
tempo, paciência e modéstia. Creio que uma carreira profissional de
escritor ou professor universitário pode muito bem desviar um homem

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Entrevista a Diana Nedelcu

da pesquisa da verdade e, como eu sempre soube que era fraco como


todos os outros homens, tratei de me colocar fora do alcance dessas
tentações.

Se posso dizer as coisas tais como eu as vejo, sem fazer concessões à


moda ou à pressão de grupos de opinião, é precisamente porque
socialmente e profissionalmente não sou absolutamente nada. Sou
apenas um homenzinho que não exige de forma alguma ser levado a
sério pelas pessoas que se imaginam sérias.

2. Por que você escolheu o caminho do comunismo, quando


era jovem?

Eu não escolhi nada. O comunismo tinha na ocasião o prestígio de uma


verdade estabelecida; bastava ser comunista para ter o prestígio de um
homem de idéias. Mas eu me dei conta de que o comunismo não era
para mim, como para todos os outros, nada mais que o disfarce da
minha ignorância, da minha mediocridade, da minha assustadora
preguiça intelectual. Foi por causa disso que eu renunciei a fazer-me um
jovem escritor: eu não tinha nada a dizer além do que já havia sido
escrito mil vezes por outros escritores comunistas, jovens e velhos. O
que é uma pena é que muitos de meus companheiros de geração tenham
continuado a escrever as mesmas coisas durante três décadas e hoje eles
não possam admitir que alguém tenha abandonado as suas mesmices
para se lançar à pesquisa de algo mais interessante. Eles tomam isso
como um insulto à dignidade da sua filiação ideológica.

Ademais, é falso pensar que as pessoas se tornam comunistas porque

http://www.olavodecarvalho.org/textos/nedelcu.htm (3 de 6)16/4/2007 09:37:40


Entrevista a Diana Nedelcu

têm sede de justiça. Aquele que tem sede de justiça procura, em


primeiro lugar, se abster de cometer injustiças ele mesmo e nunca se
toma por um justiceiro supremo que vai punir todos os maus, porque
isso não é senão uma vaidade pomposa e, em suma, a pior das
injustiças. Os jovens somente se tornam comunistas por vaidade e por
preguiça. A diferença entre mim e meus companheiros de geração é que
eles tiveram mais sucesso do que eu em enganar-se quanto aos motivos
íntimos de sua conduta. Eu não pude me impedir de ver a mim mesmo
tal qual eu era: nada mais que um pequeno farsante comunista, que
queria se descarregar de sua responsabilidade pessoal sobre as costas de
bodes expiatórios abstratos — o capitalismo, os burgueses, etc. Quando
eu me dei conta disso, compreendi o que Nietzsche queria dizer quando
afirmava que "a vergonha é a mãe do aprendizado". Os jovens
esquerdistas de outrora que se tornaram apenas os velhos esquerdistas
de hoje nunca tiveram consciência da miséria moral de suas motivações,
auto-proclamadas idealistas e humanitárias.

3. Os brasileiros são tão superficiais quanto aparenta ser a


sua imagem estereotipada?

Sim, a superficialidade, a leviandade são os pecados capitais dos


brasileiros. Mas eu acho que isso só é verdadeiramente grave nos
círculos intelectuais, porque entre o povo uma certa falta de seriedade
foi o preço a pagar para construir uma sociedade como a nossa, onde as
pessoas de todas as raças e de todas as culturas podem se entender e se
amar umas às outras. Veja: os Estados Unidos são também uma
sociedade multicultural, mas lá os grupos diversos trilham caminhos
separados, cada qual no seu gueto, e dialogam somente ao nível político,

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Entrevista a Diana Nedelcu

por intermédio de seus representantes e sob a proteção da polícia.


Enquanto que no Brasil, os negros, os árabes, os portugueses, os
italianos, os alemães, os judeus sempre viveram juntos dentro dos
mesmos bairros e são todos misturados ao nível da vida social, da
amizade, do casamento, etc., sem que o Estado tenha jamais feito o
menor esforço para ensinar-lhes essas coisas. No Brasil nunca houve
combates de rua entre grupos raciais diferentes (exceto alguns conflitos
menores durante a guerra, quando as pessoas de ascendência italiana e
alemã eram um pouco perseguidas, mas mesmo isso terminou por
completo da noite para o dia assim que a paz foi assinada). Para um
homem viver em paz com pessoas muito diferentes é preciso que ele não
se leve muito a sério, e os brasileiros se habituaram a pensar que as
crenças políticas ou mesmo religiosas têm menos importância, na
prática, do que a paz e o amor. Os brasileiros também são cristãos
pragmáticos: eles acreditam que ter razão vale menos do que fazer um
amigo.

É por isso que os brasileiros são o que são: um povo maravilhoso,


fraternal, generoso, mas estranhamente desprovido de convicções
sólidas e profundas. Mas se naquilo que diz respeito às pessoas do povo
isso não é grave, nos intelectuais a falta de solidez se torna um perigo e
uma doença assustadora, porque os intelectuais têm responsabilidades
incomparavelmente mais pesadas. É por isso que eu vejo os brasileiros
como um povo maravilhoso que produz os intelectuais mais
abomináveis do universo.

4. Qual é o seu ponto de vista sobre a cultura norte-


americana e européia de hoje?

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Entrevista a Diana Nedelcu

Aquele que perde o senso do absoluto perde da mesma forma o senso


das relatividades. Uma cultura que rompeu seus laços com o senso de
infinitude metafísica está condenada a dar uma importância absoluta a
imbecilidades que não têm nem mesmo importância relativa. A cultura
européia e norte-americana de hoje me parece totalmente obcecada por
questões menores da atualidade política e social. Veja: são sempre essas
recriminações mútuas de grupos raciais, essas briguinhas de família,
essas frustrações sexuais que exigem ser tratadas pela lei e pelo Estado
— tudo isso é para mim o cúmulo da mesquinharia. O pior é que
recursos extraordinários são postos a serviço de debates totalmente
desprovidos de importância e dos quais ninguém vai se lembrar dentro
de três ou quatro décadas. Em tais circunstâncias, o automatismo e o
verbalismo tendem a se substituir à consciência.

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Deus acredita em você?

Deus acredita em você?


Entrevista à Rádio Europa Livre (repórter Cristina Poienaru)
Bucareste, 21 de outubro de 1998

— Você acredita em Deus?

— Respondo como Henry Miller: o problema não é se eu acredito


em Deus, mas se Deus acredita em mim.
A realidade de Deus é para mim uma evidência invencível, na
medida em que Deus se identifica com a infinitude metafísica que é o
fundamento de toda realidade possível. As pessoas hoje em dia têm
alguma dificuldade de compreender isso porque se deixaram enganar
por falsas lógicas (como a de Georg Cantor, por exemplo) e acabaram
por perder todo sentido da infinitude metafísica.
A resposta de Miller significa que nossa vida é uma história escrita
tanto por Deus quanto por nós mesmos, e que no enredo você corre o
risco de escolher o papel de farsante, de mentiroso, de vigarista. É
importante ter idéias verdadeiras, mas isso não é tudo. É preciso
também viver no verdadeiro, isto é, não fingir que você sabe o que não

http://www.olavodecarvalho.org/textos/europalivre.htm (1 de 9)16/4/2007 09:37:56


Deus acredita em você?

sabe, nem que não sabe aquilo que sabe perfeitamente bem. Se você não
é fiel a essas duas exigências, sua vida é uma mentira e o conteúdo
pretensamente verdadeiro de seus pensamentos não é senão uma parte
da farsa total - aquela parcela de verdade de que a mentira precisa para
se tornar mais verossímil. Aí Deus não pode acreditar em você, porque,
no fundo, você não existe.

— Você acha que é bom existir uma crença religiosa sem


igreja?

— Certamente. O alto clero mentiu muito para os fiéis no século XX


e eles têm o direito de guardar uma certa distância da Igreja, certamente
sem renegá-la, mas num espírito de espera prudente até que Deus se
digne de lhes dar novas luzes. Para não dar senão um exemplo, um
pouco antes do Concílio a Igreja de Roma assinou com as autoridades
soviéticas o tristemente célebre Pacto de Metz, que a obrigava a abster-
se de toda denúncia contra os regimes comunistas durante as sessões do
Concílio. O pacto, que era secreto, foi ocultado da imprensa ocidental e
não foi divulgado senão algum tempo depois, pelos jornais soviéticos. Se
você leva em conta que até essa época os regimes comunistas já tinham
matado quase uma centena de milhões de pessoas, das quais pelo
menos uns trinta milhões de cristãos que não tinham cometido outro
crime senão o de ser cristãos, você compreende a gravidade quase
infinita desse acordo. Hoje em dia condena-se o Papa Pio XII por ter
feito certo silêncio em torno da perseguição aos judeus na Alemanha,
mas quem queira desculpá-lo pode ao menos alegar, para raciocinar por
absurdo, que não eram ovelhas do seu rebanho, que ele não tinha a
obrigação de dar o alarme se o lobo atacava apenas as ovelhas do seu

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Deus acredita em você?

vizinho. Mas o que se pode pensar do pastor que entrega ao lobo as


ovelhas do seu próprio rebanho? Ante essa cumplicidade abominável, as
críticas bem polidas e de ordem puramente teórica que a Igreja
continuou a fazer ao marxismo não passam de hipocrisia. E como você
haveria de querer que, depois de coisas desse gênero, milhões de fiéis
não perdessem a confiança na Igreja e não escolhessem ser, ao menos a
título provisório, cristãos sem Igreja? Foi o Vaticano que traiu a
confiança deles, é a ele que cabe arrepender-se e lhes pedir perdão, em
vez de fazer essas ridículas genuflexões rituais ante o mundo ateu, que
se tornaram a moda oficial do dia.

— O ecumenismo é possível?

— No tempo em que os pensadores cristãos, muçulmanos e judeus


se compreendiam uns aos outros, não se falava de ecumenismo porque
ele era uma realidade vivente que não precisava de nome. Sto. Tomás e
Sto. Alberto disputavam, decerto, com os judeus e muçulmanos, mas
eles os compreendiam e respeitavam. Após o século XIV todos os laços
espirituais e intelectuais com o Islam e o judaísmo se romperam e hoje
em dia você não encontra senão raros especialistas que sejam capazes,
por exemplo, de lhe dizer os nomes de três ou quatro pensadores
muçulmanos modernos. O diálogo dos espíritos foi substituído pelos
acordos de chancelarias, e hoje em dia o ecumenismo não é senão o
disfarce de uma política globalizante que não tem nada de espiritual. No
entanto o verdadeiro ecumenismo, que é dos espíritos, permanece
sempre possível, e basta recordar o diálogo de Franz Rosenzweig e
Eugen Rosenstock, ou as obras de Louis Massignon, para ter exemplos
concretos dessa possibilidade. Numa escala bem menor, fiz de minha

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Deus acredita em você?

própria vida um exemplo desse gênero de ecumenismo, escrevendo por


exemplo meu ensaio O Profeta da Paz, que é uma exegese simbólica da
vida do Profeta Maomé à luz das tradições católica e judia. Creio que do
ponto de vista da pura interioridade há sempre aproximações
surpreendentes entre as diversas religiões, mas que isso não tem nada a
ver com os espetáculos rituais ecumênicos transmitidos pela mídia.
Falou-se muito do "Estado espetáculo", mas há também uma "religião
espetáculo" que arrisca submergir toda espiritualidade sob uma chuva
de falsas luzes.

— Como você situa o conhecimento na Nova Ordem


Mundial?

— O conhecimento aí arrisca tornar-se uma coisa puramente


material, como um arquivo de dados registrados por meios eletrônicos e
transmitidos de computador a computador sem passar por uma
consciência humana. Hoje em dia pode-se produzir teses acadêmicas
apenas sintetizando dados previamente hierarquizados por
computadores, sem que haja necessidade do menor esforço pessoal de
intelecção. É a perfeição da "consciência coletiva" formada de uma
multidão de cientistas sonâmbulos. A doutrina de Wittgenstein sobre
um pensamento que se pensa a si mesmo sem necessidade de um sujeito
humano torna-se assim uma profecia auto-realizável. Creio que
Wittgenstein foi um gênio da inconsciência, um herói da covardia
intelectual, o criador de uma doutrina que atinge os cumes de uma
estupidez quase inimaginável. No mundo wittgensteiniano que nos
aguarda, os livros não serão lidos senão por eles mesmos, demitindo os

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Deus acredita em você?
leitores humanos. O conhecimento se tornará uma figura de linguagem
para designar os depósitos de dados que não serão conhecidos por
ninguém, e a cultura se tornará um museu eletrônico jamais visitado.
Certamente, haverá sempre alguns indivíduos que farão esforços para
permanecer conscientes, e mesmo a elite dominante terá certa
necessidade dos serviços deles. Mas não consigo nem imaginar os
abismos de sofrimento que eles terão de suportar.

— Você acredita que o século XXI será cristão?

— Não. Bem ao contrário, ele é já em suas raízes o século do


Anticristo, o século da opressão travestida em liberdade, o século em
que as pessoas que matarem os santos acreditarão estar servindo a
Deus. Já vemos formar-se uma espécie de religião administrada, um
falso ecumenismo que une os senhores do dia em torno de um credo
todo feito de lugares-comuns, uma mistura de banalidades moralistas,
de oportunismo político e de um desejo infinito de agradar a mídia. É
certo que Deus pode dispor de outro modo, mas tudo indica que
estamos entrando numa era em que a impostura será a única forma de
religião admitida, e na qual o homem que queira permanecer fiel ao
Espírito não poderá buscá-lo senão no interior de sua alma solitária.

— Qual é sua definição de cultura?

— A cultura antigamente era a busca de objetivos superiores à


simples sobrevivência material. Esta definição aplicava-se igualmente
bem à Grécia e às pequenas culturas indígenas do Brasil. Mas hoje em
dia o que se chama cultura se torna a criação ilimitada de novos apetites
materiais que se multiplicam sem fim e que impedem as pessoas de ter

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Deus acredita em você?

outras ambições. Você vê, todos os debates ditos culturais da atualidade


se desenvolvem em torno de assuntos ligados à vida corporal e à busca
de bens de ordem material. De um lado, são desejos econômicos: os
capitalistas proclamam que o único bem é a riqueza e os socialistas
respondem que o único mal é a pobreza. De outro lado, são ambições de
ordem sexual exaltadas até ao delírio: após os direitos dos
homossexuais, proclama-se o direito à pedofilia, e assim por diante. A
multiplicação das necessidades e das insatisfações materiais (até mesmo
causadas pela própria abundância) não tem limite, uma vez que se
tenha tomado essa direção.
O mais irônico de tudo é que a tradição da cultura "politicamente
engajada", que foi outrora um instrumento de libertação, se tornou um
meio de escravização: ela tem por missão tornar os homens escravos de
suas insatisfações menores, de modo a jamais permitir que olhem para
o céu e aspirem a uma vida mais elevada. É preciso que cada um só
pense naquilo que o incomoda no meio imediato, seja o desejo sexual
insatisfeito, seja a fumaça dos cigarros que o perturba, seja a falta de
dinheiro ou o ódio invejoso que ele volta contra pessoas que ele imagina
mais felizes. As pessoas que se ocupam desse gênero de coisas
permanecem para sempre crianças doentes, não chegam jamais à idade
madura que é renúncia, perdão, tolerância, generosidade. A cultura
tornou-se instrumento da puerilização universal. Não vejo meio de
encontrar uma definição de cultura que se aplique por igual a isso e
àquilo que outrora se chamava por esse nome. Não se trata de espécies
do mesmo gênero, e portanto toda filosofia da cultura está hoje
condenada a não ser senão história das culturas antigas ou legitimação
ideológica desse novo fenômeno que não tem em comum com elas

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Deus acredita em você?

senão o nome.

— A literatura sul-americana está em vias de se tornar a


mais importante do mundo?

— Talvez, mas isso é pouca coisa, numa época em que toda literatura
se reduz a um ludismo imaginativo feito para o consumo ou à
manipulação das massas pela nova administração da alma do mundo. O
sucesso de Paulo Coelho e o Prêmio Nobel dado a esse ridículo
Saramago ilustram com perfeição essas duas funções da literatura.
Meus interesses passam a léguas de distância dessas futilidades, e estou
pouco me lixando para a literatura, seja sul-americana, européia ou
marciana.

— Quais são as fraquezas da democracia?

— Georges Bernanos já tinha dito: a democracia não é o contrário da


ditadura; ela é a causa da ditadura. Basta ver como a noção de direitos
humanos é hoje utilizada para impor às pessoas novas formas tirânicas
de controle do comportamento, para perceber que Bernanos tinha
razão. A democracia, para subsistir, tem de se apoiar sempre em alguma
coisa totalmente diversa, num sistema de valores extrapolíticos ou
suprapolíticos, como por exemplo o cristianismo. Mas a própria
democracia tende a destruir esses valores e em seguida é deixada a si
mesma e se transforma em tirania: tudo democratizar é tudo politizar, e
quando não restam outros valores senão políticos, então é a ditadura,
como a definia Carl Schmitt, a pura luta pelo poder, que não pode levar
senão à vitória dos mais fortes. Hoje em dia, mesmo os debates ditos

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Deus acredita em você?

intelectuais se tornaram pura luta política, isto é, lobby, grupos de


pressão, manipulação de verbas, intimidação dos inimigos, e assim por
diante. É o resultado da democratização, e é indiscutivelmente ditadura.
Para salvar a democracia seria preciso saber limitá-la, isto é, restringir
os critérios democráticos ao território estritamente político e limitar o
território da política, instituindo para além da política uma zona onde
os debates não sejam decididos por meios políticos mas pela razão, pela
sabedoria e pelo amor. Isto seria precisamente a função da cultura, mas
a cultura já está quase completamente politizada e vamos a largos
passos para a ditadura universal, sob o aplauso geral das massas. Como
dizia uma velha canção americana, O when will they ever learn?

— Qual a relação entre a literatura e o totalitarismo


(dizem que o totalitarismo produz boa literatura)?

— Não creio que o verdadeiro artista, para criar belas obras,


necessite nem da liberdade política nem da opressão, nem de riqueza,
nem de miséria. São estimulantes artificiais, exatamente como a
cocaína. Tudo depende da livre vontade, a qual é ela mesma um tipo de
criação artística preliminar à materialização das obras. As condições
exteriores não têm um papel fixo e constante e o artista pode se adaptar
às condições mais diversas. Veja: Thomas Mann e Jacob Wassermann
não esperaram o nazismo para escrever seus mais belos romances, mas
os produziram em plena democracia, ao passo que Dostoiévski criou
toda a sua obra sob a opressão tzarista e Soljenitsin sob a ditadura
comunista. As teorias que fazem a criação literária depender como um
efeito mais ou menos passivo das condições exteriores são obra de gente
incapaz, de professores medíocres que, por si mesmos, não criam nada e

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Deus acredita em você?

não compreendem a criação do que quer que seja. Infelizmente são


essas pessoas que hoje em dia dão o tom dos estudos literários.

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A arte de escrever, Lição 1:


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Olavo de Carvalho

Como alguns leitores têm-me pedido conselhos sobre a arte de


escrever, decidi tirar da gaveta estas observações que redigi seis anos
atrás para um curso que tinha o título, precisamente, de Ler e
Escrever, e às quais nada tenho a acrescentar:

I.

A circular da redação de Veja, reproduzida no número de julho de 1992


do Unidade, jornal do Sindicato do jornalistas de São Paulo, constitui
uma amostra do estado de inconsciência quase hipnótica em que vão
mergulhando a cada dia, impelidos pela mecânica do ofício, os nossos
melhores profissionais de imprensa.

O documento, uma lista de 27 regrinhas baixadas pela chefia com o

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propósito de "combater vícios de linguagem", é apresentado pelo jornal


do Sindicato como um sinal de saúde: uma prova de que Veja, no auge
da fama, não perdeu a cabeça e ainda é capaz de autocrítica.

Encarado no seu contexto mais próximo, como sinal de recuo sensato


ante a tentação da embriaguez, ele pode ser de fato coisa boa. Mas, no
contexto maior da evolução do jornalismo brasileiro ao longo das
últimas décadas, as 27 regrinhas mudam de figura: tornam-se o sintoma
alarmante da consolidação de um conjunto de cacoetes mentais como
Lex maxima do bom jornalismo. Cacoetes, porque não chegam sequer a
ser preconceitos. Preconceitos são crenças que, furtando-se ao exame
consciente, dirigem a conduta, modelam a prática. Já estas regrinhas
não se destinam seriamente a entrar em prática por serem de aplicação
impossível, como demostrarei adiante, e sim apenas a ser alardeadas,
oralmente e por escrito, como emblemas convencionais de boa conduta
jornalística.

Não somente jornalística, na verdade. Consagradas pela repetição,


máximas desse tipo acabam servir de critério para o julgamento de
qualquer escrito, mesmo fora do jornalismo. Já vi muito guru de
redação torcer o nariz ante Eça, Camilo, Euclides ou o Padre Vieira,
porque usavam palavras vetadas no Manual interno: é como desprezar
a Catedral de Chartres porque não cabe nas especificações do BNH.

Que baixem regras, vá lá. Mas deveriam ter ao menos o bom senso de
admitir que especificações ditadas pela mera conveniência tecno-
industrial não têm nenhum valor de critério estético, não constituem,
em nenhum sentido, as regras de estilo, a não ser que se entenda por

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estilo a uniformidade coletiva, isto é, a falta de estilo. Servem para


medir a adequação de um texto ao perfil mercadológico de um
determinado produto editorial, e não para julgar sua qualidade literária,
sua expressividade, sua exatidão, sua coerência, elegância e veracidade.
Não servem nem mesmo para aquilatar do seu valor jornalístico, se
tomado em sentido geral e fora dos cânones daquela publicação em
particular. Como julgar por elas, digamos, o jornalismo de um Mauriac,
de um Ortega y Gasset, de um Alain, ou, mais próximo de nós, de um
Monteiro Lobato? Estilo é a adequação da linguagem de um sujeito às
suas próprias necessidades expressivas, ou às exigências do assunto, e
não a qualquer molde externo prévio, seja ele folgado ou estreito. É só
metaforicamente, e forçando a barra, que a palavra "estilo" pode
designar o sistema uniforme de trejeitos verbais imitado por todo um
corpo de redatores; mais propriamente, esse sistema seria dito uma
padronização da falta de estilo.

A padronização pode ser um mal inevitável. Mas para que exagerar,


vendo nela um bem absoluto, o modelo mesmo de boa escrita? Que um
chefete, cioso da carreira, chegue a introjetar tão profundamente o perfil
do produto que lhe encomendam, ao ponto de mesmo nas horas de folga
não ser capaz de formar frases fora das especificações dele sem sentir
culpa e remorso, é coisa que compreendo; que ele deseje em seguida
moldar a cabeça de seus subordinados segundo essas mesmas
especificações, em prol da disciplina e da eficiência, é coisa que não só
compreendo como também admito e até louvo. Mas que ele, enfim, num
acesso de autoglorificação, se imagine transfigurado num mestre de
português, literatura ou "estilo", é demais. Nenhum tecelão da R. José

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Paulino, ao ajustar suas máquinas para que as blusas saiam na medida,
imagina estar fixando os padrões para o julgamento da elegância
mundial.

Executivos de carreira metidos a teóricos de literatura são o flagelo das


redações. Em nome de um perfil de produto, contingência comercial
elevada a regra áurea do juízo estético, eles impõem padrões de gosto,
lascam a caneta à vontade, divertem-se sadicamente brincando de
Graciliano Ramos ante uma platéia de foquinhas assustados, os quais,
nunca tendo lido o Graciliano de verdade, acreditam mesmo que ele
seria capaz de escrever uma coisa mimosa como esta do manual de
Veja: "Frase curta é bom e eu gosto. Com uma palavra só. Assim.
Tente". Sim, tente: faça uma frescura diferente. Graciliano tinha o senso
da continuidade melódica, jamais confundiria frases curtas com
solavanquinhos histéricos. Nem proferiria máximas desta profundidade
abissal: "Ninguém escreve direito se não ler", sentença que seria digna
do Conselheiro Acácio, se não fosse, aliás, da autoria dele mesmo.
Tomando normas de produção como critérios de gosto literário, essa
gente está transformando o jornalismo naquilo que seus detratores
desejariam que fosse: a espécie mais típica de subliteratura.

Normas de redação, se estatuídas, devem ser apresentadas, com toda a


modéstia, como convenções práticas, neutras, nem melhores nem piores
que quaisquer outras, e nunca como padrões de "bom gosto",
"elegância", etc., que são valores de estética literária muito mais sutis do
que aquilo que esse gênero de manuais está em condições de delimitar.
Os manuais deveriam ater-se, o quanto possível, a aspectos exteriores e
"materiais" da escrita, como ortografia, abreviaturas, padronização de

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nomes, evitando pontificar sobre estilo ou, pelo menos, opinando nisto
com extremo cuidado e tão somente em nome da conveniência utilitária,
não da estética. Nos casos em que fosse absolutamente indispensável
opinar sobre estilo, o melhor seria permanecer num nível genérico e
abstrato, sem descer a particularidades duvidosas, como a de vetar,
individualizadamente, tais ou quais palavras ou expressões. Mesmo
porque o mais elementar conhecimento da estilística mostra que não há
palavras ou expressões que, em si e por si, sejam inelegantes; tudo
depende do contexto, do tom, da engenhosidade maior ou menor com
que sejam utilizadas. No devido lugar, até o execrando "outrossim" pode
cair bem, apesar da famosa tirada de Graciliano Ramos, ao revisar um
artigo da revista Cultura Política: "Outrossim é a p. q. p.".

A amoldagem da cabeça humana a um conjunto de normas práticas, não


contrabalançada pela consciência do caráter meramente convencional
dessas normas, pode produzir nela uma verdadeira mutilação
intelectual, tornando-a, a longo prazo, incapaz de compreender e
apreciar o que quer que esteja fora do padrão costumeiro. A quase
absoluta incapacidade para a leitura de textos mais abstratos, de
filosofia e ciência, por exemplo, que observo em tantos de meus colegas,
não resulta de nenhuma deficiência congênita, mas do costume
adquirido de lidar com uma só das dimensões da linguagem, deixando
atrofiar a sensibilidade para todas as demais: o hábito da escrita plana e
rasa produz a leitura plana e rasa.

Um dos sinais mais patentes de uma inteligência alerta é a percepção de


contradições. Aristóteles já observava que o senso lógico e o senso do
ilógico são uma só e mesma coisa. Quando leio alguma coisa repleta de

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contradições ostensivas e sei que o autor não é imbecil nem está


sofismando de propósito, só posso concluir que ao escrevê-la estava
distraído, sonso ou bêbado. O documento de Veja certamente foi
produzido num desses estados. Prometi e vou mostrar que é um
amontoado de exigências impossíveis, mutuamente contraditórias.
Antes, porém, desejo fazer a seguinte constatação psicológica: Como
não é plausível que um chefe de redação caia em sono letárgico
justamente na hora de emitir ordens importantes, o autor do
documento (que aliás ignoro quem seja) mais provavelmente vive nesse
estado em caráter permanente. Como, de outro lado, também não é
verossímil que Veja tenha escolhido para chefe de redação um sujeito
anormalmente mais distraído que os outros, suponho que seus colegas
também não repararam nas contradições que vou assinalar (como não
atinou nelas o redator de Unidade que transcreveu e elogiou o
documento). Se é assim, então a circular de Veja é sinal de algum
entorpecimento epidêmico da inteligência, que acomete a nossa
categoria profissional.

Os exemplos que dou a seguir mostram o quanto o apego à norma


rotineira, sedimentado por uma prática intensa e contínua, pode tornar
um bom jornalista insensível às piores contradições e transformá-lo
num confiante proclamador de incongruências.

II.

A circular de Veja é um conjunto de regras, mas é também ela mesma


um texto. Essas regras, aplicadas à redação do mesmo texto,
resultariam em suprimir pelo menos um terço dele. Vejam o primeiro

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parágrafo (regra 1):

Cortar todas as palavras supérfluas. Encher lingüiça é a


pior praga de uma revista semanal de notícias.

Aplicada a mesma regra à redação da mesma frase, esta ficaria assim:

Cortar as palavras supérfluas. Encher lingüiça é a praga


de uma revista de notícias.

Em obediência à regra, cortei as seguintes palavras supérfluas:

1o "todas": a expressão "as palavras supérfluas" é genérica; e como um


gênero abrange necessariamente a totalidade das suas espécies, o
pronome é redundante;

2o "a pior": porque praga é necessariamente coisa ruim.

3o "semanal": porque não se entende que a proibição de encher lingüiça


deva ser revogada nas revistas mensais ou nos jornais diários.

Três palavras em duas linhas já não são lingüiça que basta? No entanto
a frase não está mal escrita. A regra é que é excessiva. Já estava, aliás,
infringida antes mesmo de ser escrita; porque na introdução do
documento se diz:

Por mais que fotógrafos, ilustradores, paginadores e


artistas gráficos reclamem...

Pois então: ilustrador não é artista gráfico? Corremos o risco de logo ver

http://www.olavodecarvalho.org/textos/manured.htm (7 de 12)16/4/2007 09:39:05


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o nosso adversário de lingüiças distribuindo avisos "a todos os


endocrinologistas, pediatras, geriatras e médicos", "a todos os homens,
mulheres e seres humanos", etc.

Na mesma introdução, o indigitado elemento verbera os vícios de


linguagem que

...estão conspurcando as nossas páginas com a mesma


voracidade das heresias medievais...

Ô xente! Já se viu alguém "conspurcar com voracidade"? Com


voracidade come-se, devora-se, engole-se, ingere-se, agarra-se.
Conspurcar é fazer mancha, é deixar cair sujeira em cima, indica ou
subentende um movimento para fora, do sujeito para um objeto,
exatamente o inverso do movimento para dentro designado pela
ingestão voraz.

A imagem torna-se ainda mais chocante quando vemos que, na regra 14,
seu autor, com ar de primeiro-da-classe, emite (deveria eu dizer "expele
vorazmente"?) um preceito para a redação de imagens: "Ao optar por
uma linha de imagens, mantenha-se nela". Sim, por exemplo: comece
com uma imagem gastronômica e complete-a com alguma coisa bem
proctológica.

O mais extraordinário é que o supradito ainda menciona, como


exemplos de imagens bem feitas, aquelas que ele mesmo usa na
introdução. Poderia citar-se a si mesmo, aliás, como exemplo de
modéstia, caso já não o tivesse feito ao admitir que não é Moisés e que
suas regras não são as Tábuas da Lei, advertência que, se não lhe

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parecesse muito necessária, seria suprimida (de acordo com a regra 1).

Mas a infidelidade do autor a suas próprias regras não as invalida por


completo, logicamente falando; só o desmoraliza. Para invalidá-las de
vez, seria preciso uma contradição interna: entre regra e regra.

Eis um exemplo. A regra 5 adverte: "Cuidado com os advérbios", e


recomenda suprimi-los, concluindo: "Por si só, o adjetivo qualifica". Lá
adiante, porém, na regra 26, são recomendados como gurus, para o
aprendizado da boa escrita, Machado de Assis e... Euclides da Cunha!
Será que o chefe nunca leu Euclides? Pois este era pródigo em
advérbios; a profusão deles foi um dos defeitos que os críticos de Os
Sertões assinalaram com mais freqüência, obrigando os admiradores do
autor a mobilizar-se em sua defesa (cf., por exemplo, Modesto de Abreu,
Estilo e Personalidade de Euclides da Cunha, Rio Civilização Brasileira,
1963, esp. Pp. 148-152). Como farão os pobres aprendizes para mirar-se,
ao mesmo tempo, no exemplo de Euclides e nas palavras do chefe? E o
exemplo fornecido em testemunho da unanimidade dos advérbios é, no
mínimo, perjuro:

Cuidado com os advérbios. "Fulano é um animal ferrado


nas quatro patas", diz irritadamente Sicrano de Tal. A
citação já mostra que Sicrano estava uma arara. Se não
mostrasse, não seria um advérbio que melhoraria a
situação.

Parece que o elemento não enxerga a menor diferença entre dizer uma
coisa irritadamente, galhofeiramente, ironicamente,

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desdenhosamente, etc.

Uma das diferenças principais entre o oral e o escrito é que, neste


último, as citações geralmente não dizem por si sós o tom, a ênfase, o
gesto, a expressão facial com que as frases foram proferidas; e os
advérbios existem justamente para, nesses casos, "melhorar a situação",
evitando descrições fastidiosas (a não ser que Veja tenha se tornado
multimídia, cada declaração vindo acompanhada do vídeo respectivo).

Além das contradições, há também informações erradas. A regra 6


estabelece:

Salvo engano, o português é uma das poucas línguas que


não desdobra o tempo futuro. Aproveitem. "Collor
mudará o ministério" é muito mais preciso e elegante do
que "Collor vai mudar o ministério".

Aqui o chefe foi salvo pela ressalva. Pois trata-se, precisamente, de um


engano. Celso Cunha, à p. 268 da sua Gramática do Português
Contemporâneo (Belo Horizonte, Bernardo Álvares Editor, 1970),
explica que o verbo auxiliar ir se emprega "com o infinitivo do verbo
principal, para exprimir o firme propósito de executar a ação, ou a
certeza de que ela será realizada num futuro próximo"; ao passo que o
futuro simples admite, numa de suas acepções, a expressão da mera
probabilidade. Caso, portanto, a mudança de ministério seja uma
certeza firme, "Collor vai mudar o ministério" será muito mais preciso
do que "Collor mudará o ministério". É um matiz lógico e temporal da
maior importância. Também em matéria de palavras, a economia pode

http://www.olavodecarvalho.org/textos/manured.htm (10 de 12)16/4/2007 09:39:05


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ser, às vezes, a base da porcaria.

O exemplo dado, aliás, entra também em contradição com a regra 5, que


manda não abusar do "muito". Chamar de "muito mais preciso" algo
que não é nem um pouco mais preciso, é ou não é abusar do "muito"?
Mas a regra mesma de preferir o futuro simples contradiz a regra 20,
que manda preferir, onde possível, a linguagem coloquial. Quem é que,
no coloquial, diz "farei" em vez de "vou fazer"?

Quando à expressão "salvo engano", o autor a emprega ironicamente,


pois crê não estar enganado e aliás veta, na regra 7, o uso dessa mesma
expressão. Só que, como de fato ele estava enganado, a ironia se voltou
contra o ironista. O humor involuntário é o resultado quase inevitável
de escrever sem pensar.

Se estas regras tivessem sido calculadas maquiavelicamente com o


propósito de desnortear foquinhas, para humilhá-los e torná-los dóceis,
nada poderia detê-las. Vejam a regra 13:

Quanto mais concreta a imagem, melhor. Não misture


coisas reais com abstrações. "Os tucanos alçaram vôo
rumo à modernidade" mistura uma ave com um conceito.

A regra é clara. Mas como aplicá-la? Escrevendo, por exemplo, como o


chefe em sua introdução, que "algumas fogueiras se fazem necessárias
para manter a pureza estilística da revista"? Pureza estilística não é
conceito abstrato? Fogo não arde materialmente? Se tucanos não
podem alçar vôo senão rumo a concretíssimos poleiros, as chamas
também não podem consumir solecismos, apenas o papel que os exibe.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/manured.htm (11 de 12)16/4/2007 09:39:05


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Se, queimando esta malfadada circular de Veja, eu pudesse suprimir o


ilogismo de seu conteúdo, sem dúvida teria feito isso; mas, cioso de não
misturar o abstrato e o concreto, abstive-me de recorrer ao ígneo
expediente, e pus-me a redigir estas longas e tediosas observações.

Se elas parecem hostis, insolentes ou malévolas, digo que desconheço


quem seja o redator-chefe de Veja e que nothing personal, just
business. Que a bordoada atinja o erro, não a pessoa de seu autor. Este
deve ser um profissional excelente, pelo menos tão bom quanto seus
colegas, e por isto mesmo o erro é significativo e merecedor de correção
pública, o que não se daria no caso de mera inépcia pessoal.

Também me ocorre um episódio. Ciro Franklin de Andrade, que foi um


dos meus primeiros mestres no jornalismo, tinha um hábito exemplar.
Quando um foquinha escrevia despropósitos, ele o chamava a um canto
e lhe dava, discretamente, paternais explicações. Mas, se a coisa era
obra de um chefe, de um profissional experiente, de um figurão do
jornalismo, ele simplesmente recortava o trecho e o grudava no mural,
para ensinança de aprendizes e castigo de instrutores. Cruel?
Inesquecível.

22/11/98

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O imbecil juvenil

O imbecil juvenil
Jornal da Tarde, São Paulo, 3 abr. 1998

Já acreditei em muitas mentiras, mas há uma à qual sempre fui imune:


aquela que celebra a juventude como uma época de rebeldia, de independência,
de amor à liberdade. Não dei crédito a essa patacoada nem mesmo quando,
jovem eu próprio, ela me lisonjeava. Bem ao contrário, desde cedo me
impressionaram muito fundo, na conduta de meus companheiros de geração, o
espírito de rebanho, o temor do isolamento, a subserviência à voz corrente, a
ânsia de sentir-se iguais e aceitos pela maioria cínica e autoritária, a disposição
de tudo ceder, de tudo prostituir em troca de uma vaguinha de neófito no grupo
dos sujeitos bacanas.
O jovem, é verdade, rebela-se muitas vezes contra pais e professores, mas
é porque sabe que no fundo estão do seu lado e jamais revidarão suas agressões
com força total. A luta contra os pais é um teatrinho, um jogo de cartas
marcadas no qual um dos contendores luta para vencer e o outro para ajudá-lo a
vencer.
Muito diferente é a situação do jovem ante os da sua geração, que não têm
para com ele as complacências do paternalismo. Longe de protegê-lo, essa

http://www.olavodecarvalho.org/textos/juvenil.htm (1 de 4)16/4/2007 09:40:48


O imbecil juvenil

massa barulhenta e cínica recebe o novato com desprezo e hostilidade que lhe
mostram, desde logo, a necessidade de obedecer para não sucumbir. É dos
companheiros de geração que ele obtém a primeira experiência de um
confronto com o poder, sem a mediação daquela diferença de idade que dá
direito a descontos e atenuações. É o reino dos mais fortes, dos mais
descarados, que se afirma com toda a sua crueza sobre a fragilidade do recém-
chegado, impondo-lhe provações e exigências antes de aceitá-lo como membro
da horda. A quantos ritos, a quantos protocolos, a quantas humilhações não se
submete o postulante, para escapar à perspectiva aterrorizante da rejeição, do
isolamento. Para não ser devolvido, impotente e humilhado, aos braços da mãe,
ele tem de ser aprovado num exame que lhe exige menos coragem do que
flexibilidade, capacidade de amoldar-se aos caprichos da maioria - a supressão,
em suma, da personalidade.
É verdade que ele se submete a isso com prazer, com ânsia de apaixonado
que tudo fará em troca de um sorriso condescendente. A massa de
companheiros de geração representa, afinal, o mundo, o mundo grande no qual
o adolescente, emergindo do pequeno mundo doméstico, pede ingresso. E o
ingresso custa caro. O candidato deve, desde logo, aprender todo um
vocabulário de palavras, de gestos, de olhares, todo um código de senhas e
símbolos: a mínima falha expõe ao ridículo, e a regra do jogo é em geral
implícita, devendo ser adivinhada antes de conhecida, macaqueada antes de
adivinhada. O modo de aprendizado é sempre a imitação - literal, servil e sem
questionamentos. O ingresso no mundo juvenil dispara a toda velocidade o
motor de todos os desvarios humanos: o desejo mimético de que fala René
Girard, onde o objeto não atrai por suas qualidades intrínsecas, mas por ser
simultaneamente desejado por um outro, que Girard denomina o mediador.
Não é de espantar que o rito de ingresso no grupo, custando tão alto

http://www.olavodecarvalho.org/textos/juvenil.htm (2 de 4)16/4/2007 09:40:48


O imbecil juvenil

investimento psicológico, termine por levar o jovem à completa exasperação


impedindo-o, simultaneamente, de despejar seu ressentimento de volta sobre o
grupo mesmo, objeto de amor que se sonega e por isto tem o dom de
transfigurar cada impulso de rancor em novo investimento amoroso. Para onde,
então, se voltará o rancor, senão para a direção menos perigosa? A família
surge como o bode expiatório providencial de todos os fracassos do jovem no
seu rito de passagem. Se ele não logra ser aceito no grupo, a última coisa que
lhe há de ocorrer será atribuir a culpa de sua situação à fatuidade e ao cinismo
dos que o rejeitam. Numa cruel inversão, a culpa de suas humilhações não será
atribuída àqueles que se recusam a aceitá-lo como homem, mas àqueles que o
aceitam como criança. A família, que tudo lhe deu, pagará pelas maldades da
horda que tudo lhe exige.
Eis a que se resume a famosa rebeldia do adolescente: amor ao mais forte
que o despreza, desprezo pelo mais fraco que o ama.
Todas as mutações se dão na penumbra, na zona indistinta entre o ser e o
não-ser: o jovem, em trânsito entre o que já não é e o que não é ainda, é, por
fatalidade, inconsciente de si, de sua situação, das autorias e das culpas de
quanto se passa dentro e em torno dele. Seus julgamentos são quase sempre a
inversão completa da realidade. Eis o motivo pelo qual a juventude, desde que
a covardia dos adultos lhe deu autoridade para mandar e desmandar, esteve
sempre na vanguarda de todos os erros e perversidade do século: nazismo,
fascismo, comunismo, seitas pseudo-religiosas, consumo de drogas. São
sempre os jovens que estão um passo à frente na direção do pior.
Um mundo que confia seu futuro ao discernimento dos jovens é um
mundo velho e cansado, que já não tem futuro algum.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/juvenil.htm (3 de 4)16/4/2007 09:40:48


O imbecil juvenil

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Quatro perguntas para Olavo de Carvalho

Quatro perguntas para Olavo de Carvalho


sobre jornalismo cutural

Entrevista realizada via e-mail por Talita Nóbrega, Kátia Portugal e Karla

Szabados, alunas da Faculdade da Cidade do Rio de Janeiro.

O que o sr. entende por Jornalismo Cultural?

Olavo: O jornalismo cultural é, ao mesmo tempo, um reflexo jornalístico


da criação cultural e ele mesmo um tipo de criação cultural. Por
definição, e aliás como qualquer outro tipo de jornalismo, ele tem de
atender a duas ordens de exigências, simultâneas e ambas igualmente
legítimas: as exigências da produção jornalística (prazos, normas de
redação, etc.) e as exigências do seu assunto (no caso, a cultura em
geral). Mas é evidente que aquelas devem ser postas a serviço destas, e
não ao contrário. Uma analogia tornará isso mais claro: o jornalismo
médico é jornalismo, isto é, tem de atender às imposições da técnica
industrial jornalística, mas por outro lado seria absurdo que alterasse o

http://www.olavodecarvalho.org/textos/4perguntas.htm (1 de 4)16/4/2007 09:41:04


Quatro perguntas para Olavo de Carvalho
conteúdo da ciência médica para adaptá-la a essas imposições: o que
tem de ser amoldado à técnica jornalística é a difusão da medicina, e
não a medicina mesma. Caso contrário, o jornalismo médico seria uma
espécie de cópia inferior da medicina - uma falsa medicina amoldada ao
gosto jornalístico. Ora, o que acontece nos nossos suplementos culturais
é que, em vez de amoldar-se às exigências mais altas da cultura, eles
procuram espremê-las no padrão jornalístico de cada publicação, isto é,
nos critérios de interesse vigentes no noticiário geral. Assim, por
exemplo, entre um livro excelente sobre assunto alheio ao noticiário
geral e um livro ruim sobre assunto de interesse jornalístico, este último
é que é valorizado. Com isto, o jornalismo cultural torna-se apenas
"jornalismo geral de assunto cultural", perdendo o que é específico do
jornalismo cultural. O específico, em cada área de jornalismo, reside
precisamente em incorporar critérios que, em si, não são jornalísticos,
mas são próprios do assunto como tal. Uma página de turfe, por
exemplo, não privilegiará um jóquei por ser um tipo bonitão ou por ter
matado a mãe (destaques que seriam legítimos no noticiário geral), mas
por ter se desempenhado bem segundo critérios estritamente turfísticos.
Isto é tão óbvio que nem deveria precisar ser explicado, mas o nosso
jornalismo está tão doente que tem dificuldade em entender essas coisas.

Concorda com a idéia de que o Jornalismo Cultural tornou-se


uma instituição? Por quê?

Durante os anos da ditadura, a imprensa, paradoxalmente, melhorou


muito, ao tornar-se o centro dos grandes debates nacionais, chegando a
superar, em certos pontos, o debate universitário. O prestígio cultural
de alguns jornais e revistas subiu às nuvens. Os atuais suplementos

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Quatro perguntas para Olavo de Carvalho

culturais são o efeito materializado desse prestígio, são prestígio


institucionalizado. Infelizmente, a força que os constituiu desde dentro
já se extinguiu, e eles são apenas uma cópia de si mesmos.

Como são realizados os trabalhos numa editoria cultural?

Isso mudou muito. Antigamente, quem escrevia para os suplementos


culturais eram as pessoas de real valor nas diferentes áreas da criação
cultural. Vale a pena vocês darem uma espiada nos antigos suplementos
do Estadão, do JB, de O Jornal, etc. Eram uma coisa assombrosa. A
partir do momento em que os critérios jornalísticos gerais começaram a
predominar sobre as exigências específicas de cada área da cultura,
julgou-se que qualquer repórter deveria ser capaz de fazer matérias
culturais - o que é um critério absurdo, que não se ousa adotar, por
exemplo, no jornalismo esportivo, onde ainda se respeita o
conhecimento especializado. No antigo jornalismo cultural, não havia
pauta, exceto para uma ou duas matérias: para o resto, formava-se um
grande corpo de colaboradores especializados, cada qual capaz de
acompanhar as novidades no seu próprio setor, e respeitava-se o
material que enviassem. No estilo atual, os editores de suplementos (em
geral eles próprios gente de formação apenas jornalística e sem nenhum
mérito especial em literatura ou ciências, por exemplo) se tornaram
tiranetes e a pauta se tornou uma régua destinada a tudo nivelar pela
altura da cabeça deles. Para piorar, adotou-se nas páginas culturais a
medida padrão das matérias do noticiário geral, sempre curtinhas
porque se destinam a um público que supostamente odeia ler. Hoje em
dias os ensaios brilhantes de Otto Maria Carpeaux ou Álvaro Lins
seriam recusados sob a alegação de falta de espaço (tanto mais absurda

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Quatro perguntas para Olavo de Carvalho

e demagógica quanto mais os jornais cresceram em número de páginas


desde a década de 50). E o mais deprimente de tudo é que esses
editores, quanto menos se exige deles em preparo cultural, mais
autoridade adquirem: eles têm hoje até mesmo o direito de meter a
caneta no texto alheio, como se um escritor profissional fosse um
foquinha necessitado da sábia assistência de um copy desk. Os
suplementos culturais de hoje assinalam, enfim, uma usurpação da
cultura pela classe jornalística - gente tão prepotente quanto a casta
militar que nos governou por vinte anos.

Quais os critérios usados nas críticas culturais?

É difícil generalizar, mas acho que a importância jornalística, o apelo


político imediato e as preferências de grupos reivindicantes acabaram
por predominar sobre o critério do interesse profundo, que subentende
uma visão histórica muito mais abrangente do que, em geral, a dos
resenhistas. O que acaba vigorando é uma concepção redutivista, onde
só tem importância nas páginas culturais aquilo que poderia ser
transferido tal e qual para as páginas de noticiário geral,
comportamento, diversões, etc. Aquilo que tenha importância somente
intelectual, filosófica ou científica, sem se traduzir em conseqüências
políticas ou comportamentais imediatas, é como se não existisse.

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Carta de Olavo de Carvalho à revista Sui Generis

Carta de Olavo de Carvalho à revista Sui


Generis

Rio de Janeiro, 22 de Julho de 1998

Revista Sui Generis


A/c Sr. Nelson Feitosa - Diretor de Redação
R. Santa Clara, 307 - Copacabana
Rio de Janeiro RJ
Fax: 021 235 0743

Prezados Senhores,

No exercício do meu direito de resposta, e sem prejuízo de outras


providências que a lei me faculte, peço a V. Sas. publicar as seguintes

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Carta de Olavo de Carvalho à revista Sui Generis

linhas:

Sui Generis reproduziu minhas declarações com razoável fidelidade – o


que antigamente era obrigação, mas hoje é mérito. Pelo menos nisso, a
repórter Clarisse Pereira não me decepcionou.

Na abertura, porém, o editor acrescentou algumas observações


insultuosas, falsas, umas difamatórias, outras também caluniosas, que
aliás prejudicam menos a mim do que ao leitor, o qual, militante gay ou
não, merece a verdade.

1. Não se dá, em qualquer instituição universitária do Brasil ou do


mundo, título acadêmico de "filósofo" e sim apenas o de "bacharel em
filosofia" e o de "doutor em filosofia", que não podem nem pretendem
conferir a seu portador o estatuto de filósofo, mas somente o de
professor de filosofia em ginásios ou faculdades – subentendendo-se aí
distância análoga à que vai de um escritor a um simples professor de
português. Em vista disso, e tendo-se dado conta do ridículo em que
caíam, há mais de um ano meus detratores já desistiram de lançar sobre
mim o improvisado epíteto de "filósofo auto-intitulado" (ou
"autonomeado"), de que se socorreram na primeira hora e que não
denunciava, enfim, senão o provincianismo mental de seus usuários.
Ressuscitá-lo, agora, é falso, sem razão e extemporâneo.

2. O termo mais adequado para dizer o que queriam, na época, teria


sido "autoproclamado", mas nem com isto os infelizes atinaram. A
imprecisão vocabular é marca inconfundível de quem fala depressa, sem
pensar, movido pela raiva insensata – o que foi o caso deles como agora

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Carta de Olavo de Carvalho à revista Sui Generis

é o de vocês. Mas, mesmo que àqueles afoitos difamadores tivesse


ocorrido o termo preciso, isto de nada lhes adiantaria, porque não
encontrariam uma só linha de minha autoria onde eu me proclamasse
filósofo. Quem assim começou a me designar foi Jorge Amado, logo
seguido de Roberto Campos e de Sebastião Vila Nova, diretor do
Instituto Joaquim Nabuco, o qual, na sessão que essa entidade

promoveu em minha homenagem em 1o. de maio de 1997, fez ainda


questão de sublinhar: "Filósofo, e não apenas professor de filosofia" –
distinção que por si bastaria para resolver o caso. Daí por diante essa
designação, honrosa mas aliás irrelevante ao exercício de minhas
atividades profissionais, tornou-se hábito corrente na imprensa.

3. Mas o mais grave não é isso. Com uma leviandade atroz, Sui Generis
atribui ao "meio acadêmico", assim em geral e anônimo, uma acusação
de que eu estaria "em conchavo com a elite do ensino privado no país".
A palavra "conchavo" denota contato subterrâneo para fins não muito
lícitos, e seu emprego tem a manifesta intenção de atrair sobre mim
suspeitas nebulosas e insinuações malévolas. Saibam vocês ou não, isto
é crime. Sendo assim, Sui Generis tem a obrigação de declarar
nominalmente de quem partiu a acusação, para que eu possa tomar
contra o caluniador as providências judiciais cabíveis. Não havendo
designação da fonte, a revista assumirá automaticamente a
responsabilidade pela falsa denúncia.

4. Pior ainda, vocês dizem que o entrevistado "carrega a pecha de


racista". Ora, não carrego nem jamais carreguei pecha alguma.
Ninguém jamais me chamou de racista, e, se chamasse, seria
imediatamente processado por crime de calúnia. Aqui,

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Carta de Olavo de Carvalho à revista Sui Generis

novamente, Sui Generis esconde-se atrás de anônimos e inexistentes


terceiros para lhes atribuir covardemente, com mão de gato, a pecha
que ela própria quer lançar sobre mim. Para tornar a coisa ainda mais
grave, ninguém, desejando espalhar uma acusação, recorreria a meios
tão tortuosos e indiretos, se não soubesse que é falsa. Isto acrescenta ao
crime de calúnia o agravante do dolo e a perversidade da má
consciência.

5. O emprego do rótulo "homofóbico" mostra também a inequívoca


intenção de difamar o entrevistado. "Homofobia" significa horror e
repugnância irracionais pela pessoa do gay ou da lésbica, coisa de que
não dei o menor sinal ao longo de minhas declarações, se duras e
incisivas contra uma ideologia, sempre respeitosas e até delicadas no
tocante a pessoas e a seus hábitos privados.

Se vocês pretendem desacreditar como fobia e prevenção irracional


qualquer argumento contra a ideologia gay, por mais racional e
ponderado que seja, então, no ato, desmascaram seu intuito de
atemorizar mediante chantagem verbal aquele a quem não podem
vencer no campo da argumentação razoável. Os qualificativos com que
designam a minha argumentação – "racional, mas não por isso menos
homofóbica" – são, nesse contexto, um primor de nonsense, pois a idéia
que nasce de considerações racionais não pode, ao mesmo tempo, ser
mera expressão de uma fobia irracional.

A distinção entre ser contra a ideologia gay como tal e ser "homofóbico"
é clara e patente como a diferença entre não querer comprar um
cachorro e ter fobia de cachorros. Se vocês buscam encobri-la com a

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Carta de Olavo de Carvalho à revista Sui Generis

poeira de uma imprecisão vocabular premeditada, mostram desrespeito


ao leitor e à própria causa que defendem. Se, ao contrário, a confusão
não é premeditada mas brota da pura e simples raiva que, no atropelo
de expressar-se, mete os pés pelas mãos, então, desculpem, mas fóbicos
são vocês: são logofóbicos – têm medo e ódio da razão.

6. Logo na primeira frase, vocês já mostram que ou não entendem o que


digo ou pretendem impedir que o leitor o entenda. Perguntado se sou de
direita, respondi: "Neste país não há ninguém de direita. Se querem que
eu fique na direita, fico." Trata-se, evidentemente, de uma ironia contra
as rotulações maniqueístas que nada esclarecem. Como interpretar isso
no sentido de que o entrevistado "diz com orgulho que é homem de
direita"? Onde é que vocês têm a cabeça? Sua sanha de carimbar não se
detém nem mesmo ante a elementar distinção entre sentido direto e
oblíquo? Ou, ao contrário, enlouquecidos pelo preconceito, perderam
toda sensibilidade lingüística? Fico com esta última hipótese, não só por
ser a mais caridosa, mas porque é a mais apta a dar conta de um texto
medonhamente escrito, de estilo tatibitate enragé, onde o verbo
"vaticinar" aparece como sinônimo de "qualificar".

7. Quanto à rotulação "vaidoso", é mero adjetivo solto no ar, que nada


diz sobre um indivíduo de cujas qualidades e defeitos pessoais vocês não
têm a menor idéia e a propósito das quais teria sido mais honesto não
dizer nada. Mas não deixa de ser significativo do estado de espírito de
quem o emprega, vindo da parte de um grupo militante que não se
contenta em buscar com a modéstia humanamente admissível a
satisfação de seus desejos carnais, mas se permite construir, para
melhor adorná-los ante o espelho, toda uma ridícula Weltanschauung

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Carta de Olavo de Carvalho à revista Sui Generis

pseudofilosófica e pseudoteológica. Gays, no mundo, sempre houve,


como sempre houve aficionados do álcool, do fumo ou das corridas de
cavalos. Mas nenhum deles pensou jamais em fazer de seu gosto pessoal
uma nova revelação sinaítica, habilitada a revogar cinco milênios de
judaísmo e dois de cristianismo. Para isto, realmente, é preciso mais do
que ser simplesmente vaidoso: é preciso uma vaidade inflada até as
dimensões de uma obsessão demencial. Por isto não me ofende que o
movimento gay me chame de vaidoso, como não me ofenderia que Fidel
Castro me chamasse de comunista.

8. Por fim, vocês dizem que sou "verborrágico". Posso até sê-lo – é
doença profissional de quem vive da palavra –, mas jamais chegaria ao
cúmulo de preencher centenas de revistas, livros, conferências e
congressos, incansavelmente, com a teorização de meus deleites sexuais.
E antes de dizer se padeço ou não de diarréia verbal, terão vocês
contado o número das acusações que, mediante adjetivos e expressões
adjetivas, derramaram num só jato fétido sobre a incauta pessoa que
lhes concedeu, por amabilidade, uma entrevista? Direitista,
homofóbico, conchavista, verborrágico, polêmico, vaidoso,
racista, sofista, pré-kantiano... Talvez vocês não padeçam de
verborragia crônica, mas, no momento em que escreveram isso,
estavam certamente em crise aguda.

Quando optei por dar à sua repórter explicações minuciosas e didáticas,


em vez de respostas lacônicas, não fiz isso por compulsão de falar, mas
por simples demonstração de respeito e de boa vontade, que vocês, ao
dar-lhe interpretação maliciosamente invertida, provaram não merecer.
Doravante, saberei conter meu animus loquendi. Na próxima entrevista

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Carta de Olavo de Carvalho à revista Sui Generis

que me pedirem, direi uma só palavra. Não a anuncio agora para não
estragar o prazer de dizê-la pessoalmente.

Com meus melhores votos,

Olavo de Carvalho

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

Abaixo a malícia: só quem confia vence


Entrevista com ALAIN PEYREFITTE

por OLAVO DE CARVALHO - Versão completa

NB - Esta entrevista saiu na revista República de

julho de 1998, mas um tanto cortada para caber

no espaço disponível. Por isto resolvi reproduzir

aqui, por extenso, os ensinamentos que recebi, em

Paris, de um dos homens mais inteligentes do

mundo.

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

"Não existe mais que uma e uma só fórmula

para fazer de um homem um homem autêntico:

a fórmula que prescreve a ausência de toda fórmula.

Nossos ancestrais tinham uma bela palavra,

que resumia tudo: a confiança."

Franz ROSENZWEIG

[Introdução]

A proverbial afeição dos franceses às revoluções e golpes de estado não


impediu que, desse povo tão mal acomodado na ordem democrática
nascessem, talvez em compensação, algumas das inteligências mais
aptas a captar a essência da democracia e a diagnosticar os perigos que a
ameaçam. O que não é de estranhar é que tais homens fossem tão pouco
profetas em sua própria terra.

Dentre esses pregadores no deserto, o mais conhecido é Alexis de


Tocqueville, o primeiro a observar, no seio da própria democracia
americana nascente, a contradição até hoje irresolvida - e cada vez mais
aguçada - entre igualdade e liberdade. Logo abaixo dele vem Frédéric
Bastiat, pioneiro no diagnóstico da natureza voraz e tirânica do Estado
moderno. Menos falado, porém altamente respeitado de quem o
conhece, é Bertrand de Jouvenel, inteligência implacavelmente realista
que destruiu o mito das liberdades crescentes, pondo em seu lugar a
demonstração do crescimento ilimitado do poder, da distância cada vez
maior entre governantes e governados.

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

Esses três pensadores têm em comum o pessimismo histórico, a


apreensão de democratas sinceros que vêem a liberdade extinguir-se e,
olhando em torno, não descobrem meios de defendê-la contra a marcha
avassaladora do poder.

Mas este que vou lhes apresentar agora, se compartilha com eles o
temor ante os perigos, destaca-se, surpreendentemente, pelo otimismo
com que enxerga o futuro. Alain Peyrefitte não é, no entanto, nenhum
sonhador. Basta ver os seus olhos para reparar que, por baixo do sorriso
simpático, se esconde um observador temível, a quem só um tolo
procuraria enganar.

O otimismo de Peyrefitte, além de bem contrabalançado por uma dose


de ceticismo, é de um tipo diferente do habitual. Não se baseia somente
na esperança, mas na simples constatação de um fato: a liberdade de
decisão humana, que nenhum determinismo logrou jamais revogar, seja
para instaurar em lugar dela a necessidade do mal, seja a fatalidade do
bem crescente. Peyrefitte é otimista pela simples razão de que o
pessimismo é uma ilusão deprimente baseada na presunção de já
conhecermos o futuro. O futuro a Deus pertence, e Deus seria um
verdadeiro idiota se criasse seres capazes de decisão sem deixar na mão
deles ao menos uma parcela da responsabilidade por esse futuro.
Peyrefitte é otimista porque entende que, ora mais, ora menos, é sempre
possível agir. E quem vai provar que não?

Mas estou precipitando as conclusões. Devo dizer, primeiro, quem é


Alain Peyrefitte. Membro da Academia Francesa, diplomata de carreira,

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

estadista, historiador, cientista político, jornalista, foi colaborador,


amigo e homem de confiança do general Charles de Gaulle por três
décadas, deputado em todas as legislaturas da V República e várias
vezes ministro: da Educação, da Justiça, do Interior, do Planejamento,
da Cultura, da Pesquisa Científica. Preside hoje o conselho editorial do
Figaro, ainda o mais poderoso diário francês. Seu pensamento social e
político já foi objeto de muitas teses, artigos e congressos, inclusive no
Institut de France, dos quais nenhuma notícia chegou a estas plagas.

O primeiro sinal de termos percebido a existência desse espírito


extraordinário foi dado no ano passado pela Casa Jorge Editorial, que
publicou O Império Imóvel ou O Choque dos Mundos, em tradução de
Cylene Bittencourt. Mas, por fascinante que seja, esse relato da
expedição de lorde McCartney à China em 1792, se tudo nos revela sobre
o mal crônico de um Império paralisado pela suspeita de todos contra
todos, não nos diz muito sobre sua própria ligação com as concepções
mais gerais de seu autor sobre a natureza e o funcionamento da
sociedade humana, das quais é a exemplificação fundada no estudo
meticuloso de um caso particular. Por isso ou pela proverbial letargia
que a acometeu desde há quatro décadas, a imprensa cultural nem
sequer registrou a edição dessa obra-prima da ciência histórica, onde o
rigor do método, em vez de ostentar-se na língua de chumbo do
pedantismo universitário, se oculta elegantemente sob um estilo
narrativo animado, pulsante e cinematográfico.

Coincidência ou não, o próprio autor não começou por expor suas


concepções, mas por exemplificá-las num caso concreto, o do seu
próprio país. Le Mal Français, publicado em 1976, tornou clássico o

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

retrato da uma nação roída pela suspicácia, sempre em busca de um


governo forte que a proteja de si mesma e de um líder golpista ou
revolucionário que a proteja do governo forte. Les Chevaux du Lac
Lagoda, em 1981, demonstrava as raízes ideológicas e culturais da
criminalidade juvenil, que aqueles mesmos que as plantaram buscavam
ocultar sob um discurso convencional contra o sistema econômico (já
vimos esse filme, não vimos?). Nesses e em outros trabalhos, ora
partindo do exemplo francês, ora do chinês (que conheceu de perto
como chefe, em 1971, da primeira missão oficial do Ocidente ali
admitida durante os anos da Revolução Cultural), Peyrefitte foi
traçando o perfil histórico, sociológico, político e administrativo da
"sociedade de desconfiança", o Leviatã paralisado pela malícia e por
dúvidas paranóicas a respeito de si mesmo.

Foi só em 1995 que a teoria subjacente a essas análises apareceu com


todas as letras, primeiro numa explosiva série de conferências no
Collège de France, Du "Miracle" en Économie, e logo em seguida na
obra magna, La Societé de Confiance, publicada pelas Éditions Odile
Jacob e imediatamente celebrada como acontecimento de primeira
grandeza por Pierre Chaunu, Alain Touraine, Jacques Le Goff, Raymond
Boudon e muitos outros. (Alertado pelo embaixador Meira Penna, li
essa obra e convenci a Faculdade da Cidade a publicá-la em tradução -
também de Cylene Bittencourt -, que estará nas livrarias numa das
próximas semanas.)

A teoria começava por prosseguir as investigações célebres de Max


Weber sobre capitalismo e protestantismo e por contestar seus
resultados. O surto de progresso capitalista nos países protestantes,

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

contemporaneamente freado nos católicos, não foi devido


predominantemente a fatores religiosos, mas a fatores culturais mais
amplos que determinaram a diferente atitude de católicos e protestantes
ante a economia moderna. A diferença era radical: do lado católico, a
desconfiança generalizada que clamava por mais controle, mais
policiamento, mais burocracia, mais punições. Do outro, uma confiança
pujante que estimulava a criatividade, a variedade, a iniciativa.
Confiança, em primeiro lugar, dos homens uns nos outros: por que
supor que o nosso próximo quer o nosso mal e não apenas, como todos
nós, o seu próprio bem? Por que não acertarmos as coisas entre nós e
ele, em vez de chamar um terceiro para nos policiar a todos? Eis a base
de toda negociação, de todo contrato, de toda eficácia. De outro lado,
confiança no poder que cada homem tem de decidir, de agir, de lutar
por um destino melhor conforme seu próprio entendimento, livre de
uma autoridade acachapante que imponha a todos a camisa-de-força de
uma noção padronizada do "melhor".

Essa diferença surge, primeiro, nas idéias, na fantasia, na cultura.


Depois consolida-se em leis e costumes. Por fim, dá frutos na economia:
riqueza, progresso, desenvolvimento.

O protestantismo contribuiu, sim, para esse resultado, mas menos por


suas concepções teológicas e morais explícitas enfatizadas por Weber -
predestinacionismo, ética da poupança - do que pelo simples fato de
estimular a liberdade e a variedade, livre do peso excessivo de uma
velha burocracia controladora. E se enquanto isso o catolicismo atrasava
o desenvolvimento econômico em outras partes do mundo, também não
foi por causa do conteúdo de sua fé, em si mesmo neutro

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

economicamente, mas simplesmente porque a hierarquia, assustada,


em vez de superar criativamente as oposições, se enrijeceu numa atitude
paranoicamente defensiva que só pensava em mais controle, mais
centralismo, mais burocracia. Em certos países o desenvolvimento
econômico foi favorecido pela ausência de controles. Em outros, não foi
apenas desfavorecido: foi detido, foi proibido, foi estrangulado no berço
por autoridades que o confundiram, tragicamente, com os demônios
que o cercavam. Na Espanha, em Portugal, na Itália e parcialmente na
França, o desenvolvimento não foi nunca um inimigo da Igreja: foi o
bode expiatório das culpas católicas e anticatólicas. Ao condená-lo, o
catolicismo fez um tremendo mal a si mesmo, do qual procura agora
redimir-se. Mas exagerando na expiação, cai no extremo oposto, a
adesão aos progressismos de esquerda, que, como sempre acontece com
os opostos, o leva de volta ao erro originário: o culto do centralismo
inibidor, agora em versão socialista.

A tese é tão patente, tão óbvia, que o ouvinte não resiste a se perguntar:
"Por que não pensei nisso antes?"

A própria tese responde: não pensamos nisso porque estávamos


infectados de materialismo histórico, que nos punha na pista falsa.
Buscávamos as causas econômicas primeiro e nos recusávamos
obstinadamente a investigar outras hipóteses, mesmo quando a
perseverança no dogma nos obrigava a apelar a explicações
mutuamente contraditórias: a Inglaterra desenvolveu-se porque tinha
carvão; o Japão, porque não tinha carvão. Como enfeitiçados,
projetávamos em causas externas a responsabilidade de nossas ações, e

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

não víamos em parte alguma a causa mais óbvia de tudo o que nos
acontece: as decisões humanas, fundadas em crenças e valores.

O presente que a obra de Peyrefitte faz à humanidade é múltiplo e de


uma riqueza incalculável: ensina-lhe as condições do desenvolvimento
econômico, reúne os materiais históricos que as demonstram, desvela-
lhe o único obstáculo real, que reside em sua própria alma, mostra-lhe
os meios de superá-lo, alivia os antagonismos religiosos que a paralisam
e, de quebra, liberta-a da mais opressiva e esclerosante de todas as
obsessões: o materialismo histórico, o determinismo econômico.

Não há, nos meios intelectuais europeus, quem não tenha, mesmo a
contragosto, alguma gratidão a esse desbravador da floresta das idéias.
Só alguns americanos ainda se fazem um pouco de desdenhosos,
inconformados talvez de que um latino tenha compreendido o
capitalismo melhor que eles.

Se o Brasil for esperto, não há de empinar o narizinho, fazendo-se de


superior, em vez de sentar e ouvir com humildade uma lição que é para
o bem de todos e a felicidade geral das nações.

[Texto completo da entrevista]

CONFIANÇA: É UMA BELA PALAVRA,


TALVEZ A MAIS BELA, JUSTAMENTE PORQUE

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

NÃO É SOMENTE UMA PALAVRA

- Um de seus primeiros ensaios já trazia o título O Sentimento de


Confiança. Foi publicado em 1947. Você teve experiências pessoais, de
infância ou de juventude, que despertassem sua atenção para a
importância decisiva da confiança nas relações humanas?

A idéia de que a confiança é a condição primeira de todo


desenvolvimento humano não é uma hipótese escolar. Portanto ela não
saiu do meu cérebro como Atenas nasceu inteiramente armada do
cérebro de Zeus. E não se trata de uma experiência privilegiada,
reservada a alguns. A importância da confiança nas relações humanas é
tal que, de um modo ou de outro, todo mundo se defronta com ela desde
a primeira infância. Desde que que vem ao mundo, o homenzinho se vê
confiado a seus pais, a educadores, a médicos. A confiança que lhe dão
ou lhe recusam, aquela que ele ganha em si mesmo, aquela que ele
concede aos outros, em suma, o clima de desconfiança ou de confiança
no qual ele evolui constitui o elemento vital do seu desenvolvimento. O
aprendizado da autonomia e da responsabilidade é a descoberta
paralela da autoconfiança e da confiabilidade do outro. Essa descoberta,
é claro, não é necessariamente explícita. Alguém é consciente do ar que
respira? A confiança, como o ar, é de tal maneira vital que só notamos
sua importância quando ela começa a faltar. A desconfiança tinha
envenenado o fim da IIIa. República. A França traía a confiança de seus
compatriotas, mas também a de seus aliados. Foi talvez a falência do
meu país, surdo ao apelo tchecoslovaco, e a falsa confiança inspirada
nos acordos de Munique que me revelaram a importância capital da
confiança.

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

Sem dúvida, meus pais, professores que amavam apaixonadamente seu


ofício e seus alunos, haviam despertado em mim a confiança nas
virtudes do trabalho, da lealdade, da constância. Mas creio de fato que
foram os dramas da nossa nação que me serviram de despertador. E,
depois, houve de Gaulle: aquele que forçou o destino por uma confiança
sobre-humana na França e na liberdade, aquele que, no pior momento
do desastre, acreditou na inversão da derrota em vitória.

Pergunto-me de Franz Rosenzweig, que você cita, não buscou sua


concepção da confiança justamente no inferno das trincheiras, por uma
espécie se sobressalto salutar, ao ver que o humano, sob a chuva de
bombas, se via reduzido a uma matrícula obediente a ordens sem apelo
e fórmulas inautênticas. Ora, a confiança não é uma fórmula vazia: é um
gesto unido à palavra, um ponto de apoio e de partida, ao mesmo tempo
estável e dinâmico. Confiança: é uma bela palavra, talvez a mais bela,
justamente porque não é somente uma palavra.

TODA POLÍTICA DIGNA DO NOME


EXIGE CONFIANÇA
NAQUELES QUE A DIRIGEM

- Carl Schmitt definia a política como a confrontação amigo-inimigo,


acima de todos os valores que lhe servissem de pretexto. Sob esta
perspectiva, uma "política de confiança" não poderia ser senão uma
contradição de termos. Como você define a política?

Carl Schmitt exaltou a confrontação amigo-inimigo a um ponto que me


parece inaceitável. Veja-o citar Saint-Just: "Entre o povo e seus

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

inimigos, nada há em comum, exceto a glória." Para Carl Schmitt, o mal


é irremediável: a confrontação armada é ao mesmo tempo uma razão e
um meio de viver. Ele chegou a escrever, em 1947, quando, na prisão,
aguardava um eventual julgamento em Nuremberg: "Infeliz de quem
não tem inimigo."

Schmitt fez da guerra uma fatalidade, não no sentido maltusiano onde


"uma boa guerra nos viria a calhar", mas num sentido providencial,
quase teológico. Foi na Teologia Política que ele escreveu: "Não se
poderia eliminar do mundo a inimizade entre os homens proibindo-se
as guerras moda antiga entre Estados, propagando uma revolução
mundial e tentando transformar a política mundial em polícia do
mundo." Sem dúvida ele tinha em vista o fracasso da Sociedade das
Nações e de seu pacifismo irresponsável. Mas parece-me inteiramente
perverso pensar a política internacional em termos necessariamente
conflituais.

Defino a política como a mobilização das energias individuais em torno


de um objetivo comum. Toda política digna deste nome supõe uma
confiança naqueles que a dirigem. Uma política internacional não
merece o nome de política se não visa a uma forma de cooperação em
vista de um objetivo comum e proveitoso para todos - o que não exclui
de maneira alguma uma sã concorrência no manejo dos meios de atingi-
lo. De outra maneira, a política não é senão uma guerra larvada, e a
guerra, segundo o dito de Clausewitz, a continuação da política por
outros meios - continuação inevitável e mesmo, em si, necessária do
ponto de vista de Schmitt.

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

O VERDADEIRO LIAME POLÍTICO


É O DA CONFIANÇA-ESPERANÇA,
A CONSTRUÇÃO DE UMA OBRA COMUM

- Ainda sob esse ponto de vista, Hobbes dizia que o Estado nascera do
medo, ou, o que dá na mesma, da desconfiança. Hobbes enganou-se ou
o advento desse fenômeno novo chamado "desenvolvimento" traz uma
mudança na natureza mesma do Estado?

Carl Schmitt jamais escondeu sua admiração por Hobbes. Em A Noção


do Político, ele o chama "um grande espírito político" e proclama sua
adesão à concepção hobbesiana de um estado de natureza que conduz à
guerra de todos contra todos: bellum omnium contra omnes. O
raciocínio de Hobbes repousa sobre dois princípios, cujo
desenvolvimento Schmitt admirava: 1o., cada um tem um direito
ilimitado em tudo o que ele deseja; 2o., os homens têm uma inclinação
natural a prejudicar-se uns aos outros.

Daí resultam "suspeitas e desconfianças contínuas" (De Cive, I:XII),


donde a guerra perpétua. Só o medo de morrer (timor mortis), o temor
pelo próprio corpo (bodily fear) impelem os homens ao desarmamento e
à conclusão de um pacto. Hobbes pretende que desse pacto possa nascer
uma confiança mútua. Mas ele reconhece a precariedade dela. A
confiança, para ele, não passa de uma desconfiança desarmada. É
confiança por deficiência, porque não há mais nada a temer.

O verdadeiro liame político é o da confiança-esperança, a construção de


uma obra comum, o desenvolvimento de um empreendimento

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

concertado, no qual os atores têm um sentimento de ganhar, e não


somente de salvar a pele. O pressuposto da doutrina de Hobbes é sem
dúvida a idéia de penúria relativa, que obriga os homens a pactuar se
não quiserem se matar uns aos outros. Mas o verdadeiro móvel da
associação humana deve ser, como você o sugere, a esperança de um
desenvolvimento, de um aumento dos recursos e dos serviços, graças à
cooperação contratual de iniciativas livres, inovadoras e responsáveis. É
mais para o lado de Locke que para o de Hobbes que se encontrarão os
fundamentos de uma política de confiança.

É SEMPRE DOS INDIVÍDUOS QUE


SE FAZ ABSTRAÇÃO, PARA AFOGÁ-LOS
NUMA ESTATÍSTICA GERAL

- Aquele que teve a coragem de enfatizar a ação do indivíduo na


produção da História não pode senão enfocar as "causas" e as "leis" da
História como uma espécie de ídolo ao qual os homens atribuem
magicamente a autoria de suas próprias ações. Você está de acordo
com Eric Voegelin quando ele diz que o hegelianismo e o marxismo são
formas de "magia negra", uma auto-alienação dos poderes do homem
às potências abstratas?

De todos os cultos destrutivos, o mais perverso é o culto da abstração. E


é sempre dos indivíduos que se faz abstração, para afogá-los numa
estatística geral, numa configuração de conjunto, numa análise
estrutural. Não nego os serviços prestados pela história serial, pela
história quantitativa, pela avaliação estatística. Todas essas técnicas
permitem afinar a descrição dos fenômenos sociais e econômicos. Mas

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

não fornecem a explicação deles. Nem o advento do Espírito Absoluto,


nem o movimento do conceito, nem a luta de classes, nem a lei da baixa
tendencial da taxa de lucro explicam o que quer que seja.

Marx pretendia ter recolocado em pé a dialética hegeliana,


desembaraçada da sua ganga mística. E, no entanto, a superstição
teórica não é menor em Marx que em Hegel. Lembre-se, por exemplo,
de que a expropriação da burguesia, que explorou o trabalhador
independente, é concebida como uma "negação da negação" e se produz,
segundo Marx, "com a mesma necessidade que preside às metamorfoses
da natureza". Não estou seguro de que Hegel teria investido nesse
necessitarismo tanto quanto Marx. Não esqueçamos que Hegel era um
grande leitor de Adam Smith. Suas Lições sobre a Filosofia da História
desvelam, no meio das astúcias intermináveis da razão, a audaciosa
iniciativa do indivíduo humano.

- Em A Sociedade de Confiança, você disse que a encíclica Mater et


Magistra trouxe o reconhecimento da iniciativa individual na
promoção do desenvolvimento. Por que então o pontificado de João
XXIII e o Concílio Vaticano II acabaram por favorecer de tal modo as
correntes esquerdistas e socialistas da Igreja?

Na Mater et Magistra, afirma-se, principalmente, que tudo no mundo


econômico resulta da iniciativa pessoal dos particulares, quer ajam
individualmente ou associados de diversas maneiras para a busca de
interesses comuns. Sua exaltação do "gênio criador dos indivíduos"
contrastava evidentemente com o modelo estruturalista que então
estava no apogeu.

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

Mas, como o magistério mencionava o princípio da destinação universal


dos bens, e como ele condenava a injusta repartição dos meios de
produção, a reivindicação da "iniciativa pessoal e autônoma em matéria
econômica" acabou sendo obliterada em proveito de uma teologia da
libertação que consistia, de fato, em libertar-se de toda teologia. A Igreja
julgou inútil reiterar sua condenação do materialismo histórico. Mas
não se tratava de um silêncio de aprovação. Evidentemente, os
apóstolos do marxismo cristão compreenderam de outra forma: "Quem
cala, consente." E a púrpura cardinalícia foi enrolada à força sob a
bandeira vermelha.

O MATERIALISMO DAS NEUROCIÊNCIAS


INDICA QUE OS CIENTISTAS
TÊM MEDO DA INICIATIVA INDIVIDUAL.

- O materialismo histórico, desmoralizado enquanto teoria, permanece


muito forte enquanto pressuposto inconsciente entre os intelectuais.
Na sua opinião, isso ainda vai durar?

É espantoso ver o materialismo sobreviver aos desmentidos sangrentos


que lhe são infligidos pela história e pela ruína material das sociedades
que ele construiu, quer dizer, destruiu. Mas o prestígio do materialismo
ainda está intacto entre os intelectuais. Seu poder simplificador
continua a fascinar os espíritos: ele é sedutor porque é redutor.
Certamente, ninguém mais ousa falar abertamente de forças produtivas
e de relações de produção, das contradições dialéticas do capital e da
luta de classes. Mas, na construção do mercado mundial, não se fala
senão de estruturas, de instituições, de uniformização. Similarmente, o

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

desenvolvimento das neurociências numa direção estritamente


materialista indica o medo que os cientistas têm da capacidade de
iniciativa do indivíduo. Queira-se ou não, são os homens que fazem a
história, e não ela que os faz. Mas uma moda intelectual, corrente nas
ciências humanas, considera esta asserção uma heresia. Se nos
abandonássemos a essa moda, essas ciências não teriam de humanas
senão o nome. Deveríamos chamá-las ciências da matéria humana.

Parece que Bergson explicou muito bem essa tendência da inteligência


humana à rigidez geométrica, essa predileção pelos organogramas
impessoais, essa recaída da energia espiritual na inércia material.

O MANIQUEÍSMO
AINDA TEM
BELOS DIAS PELA FRENTE

- A força persuasiva do materialismo histórico sendo devida em


grande parte à impregnação do imaginário coletivo pelas artes e
espetáculos (o "Titanic" acaba de explicar pela luta de classes o
naufrágio da civilização), não lhe parece que uma nova visão das
coisas permanecerá ineficaz enquanto não influenciar a mentalidade
dos artistas?

Você acredita mesmo que O Encouraçado Potemkin ou os Coros do


Exército Vermelho tenham contribuído para impregnar nos espíritos as
teses do materialismo histórico? A última cena do Potemkin exalta a
contingência da livre adesão fraternal à Revolução. Quanto aos Coros do
Exército Vermelho, eles cantam os feitos de Tchpaiev ao transpor o

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

Ural, ou os de Kutusov diante dos exércitos de Napoleão. Eles se exibem


no mundo inteiro: são uma das raras instituições que sobreviveram ao
regime comunista. São belas vozes de baixos em uniforme: mas não são
argumentos em favor da dialética do marxismo-leninismo. Creio antes
que a força persuasiva do materialismo histórico está em todos os
espíritos, em estado de latência, Ela exprime a segurança de um
esquema inelutável, o culto da ciência que se pretende "pura", o mito da
infalibilidade, o medo da inovação, e, no fim das contas, a tendência à
desconfiança. Não nego que cineastas e romancistas se deleitam nos
enredos da luta de classes. Mas será por culpa deles que o público ainda
os aprecia? O maniqueísmo ainda tem belos dias pela frente.

SOMOS TODOS
MATERIALISTAS HISTÓRICOS
INCONSCIENTES

- O liberalismo, vencedor no campo econômico, não corre o risco de


naufragar se a cultura permanecer sob a hegemonia socialista? O
liberalismo não estará caindo vítima de um materialismo histórico
inconsciente?

Sua sugestão é sutil e subscrevo-a de bom grado. Somos todos, em


diversos graus, materialistas históricos inconscientes. Aderimos
espontaneamente, mesmo quando somos persuadidos do contrário, à
tese do primado da infra-estrutura econômica e material sobre a
superestrutura cultural e espiritual. Esta tendência inata ao fatalismo
oferece uma segurança intelectual e um álibi contra a exigência de
responsabilidade e o desafio da adaptação contínua.

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

Novamente, a hegemonia cultural socialista não é, em si mesma, uma


fatalidade. É preciso crer que o público das democracias encontra
alguma satisfação nela e alivia, por esse meio, um forte sentimento de
culpabilidade em relação às responsabilidades que não foram
assumidas. Privada de seu inimigo hereditário (o comunismo), a
economia de mercado deve gerir sozinha a criação e a partilha de
riquezas. Ela deve enfrentar o desafio de um desenvolvimento humano e
eqüitativo, fundado em iniciativas livres e competitivas.

O LIBERALISMO ECONÔMICO
NÃO PODE SOBREVIVER
SEM UM LIBERALISMO CULTURAL

- Na mesma linha de pensamento: não será um erro trágico supor que


a liberalização da economia seja a condição necessária e suficiente de
todas as outras liberdades? Não é concebível que um Estado possa ser
liberal em economia e ditatorial e tudo o mais? Por exemplo, nos
Estados Unidos o liberalismo é hegemônico em economia, o estatismo
recua, mas é crescente a intervenção do Estado na vida privada dos
cidadãos.

O estruturalismo de inspiração marxista formulou, na esteira de Ernest


Labrousse, uma nova "lei dos três estados": o Econômico comanda o
Social, e o Social comanda o Mental. Se fosse assim, bastaria liberalizar
a economia para liberalizar a sociedade e a cultura. Você cita, com
razão, o exemplo dos Estados Unidos.

Pode-se dizer que os Estados Unidos são "libertários" (libertarian) no

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

plano econômico, mas "comunitários" (communitarian) no plano social.


Tudo se passa como se o extremo desregramento do emprego, dos
preços, dos salários fosse compensado pelo acréscimo de controle social.

A profecia de Tocqueville confirma-se portanto com uma precisão


espantosa. Como atores da vida econômica, os americanos "giram sem
repouso em torno de si mesmos para obter pequenos e vulgares
prazeres... Cada um deles, retirado num canto, é como que estranho ao
destino de todos os outros: seus filhos e seus amigos particulares
formam, para ele, toda a espécie humana. Quanto às privações por que
passam seus concidadãos, ele está ao lado deles, mas não os vê". Em
contrapartida, como cidadãos dos Estados Unidos, eles estão
submetidos a um "poder imenso e tutelar, que se encarrega sozinho de
assegurar o seu poder e velar sobre a sua sorte, não buscando senão fixá-
los irrevogavelmente na infância" (Da Democracia na América, T. II,
parte 4, cap. 6).

Na China, temos outro caso do lema "Economia primeiro", para evitar


que a expressão cultural e psicológica das frustrações materiais
acumuladas em quarenta anos de comunismo comprometa a passagem
progressiva e prudente a uma liberalização cultural. As "Cem Flores"
tornaram os chineses prudentes. Mas, ao contrário do que se passa nos
Estados Unidos, o controle social drástico vai afrouxando
progressivamente, ao passo que nos Estados Unidos assistimos a uma
regressão quase infantil.

Em todos os casos, o liberalismo econômico não pode se expandir e


sobreviver sem um liberalismo cultural e psicológico, isto é, sem uma

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

cultura e um clima de confiança: confiança na competição de iniciativas


responsáveis, confiança na mobilidade intelectual, geográfica,
profissional, aposta na adaptação, na inovação, nas trocas.

A IDEOLOGIA GAY
EXPRIME UMA DESCONFIANÇA
ANTE O OUTRO SEXO

- As novas correntes de opinião que cresceram depois da última


Guerra Mundial (feminismo, negritude, ideologia gay, etc.) não são de
natureza a favorecer antes a desconfiança do que a confiança?

Essas novas correntes de opinião nasceram do choque de duas guerras


mundiais. A emancipação das mulheres, por exemplo, começou no dia
seguinte da Primeira Guerra: enfermeiras e operárias do armamento
não queriam voltar para casa como se nada tivesse acontecido. Do
mesmo modo, as colônias africanas solicitadas pelo esforço de guerra
tomaram consciência de que seus "deveres" implicavam o
reconhecimento de "direitos". A descolonização é o produto das duas
guerras.

Mas, ao lado dessas justas reivindicações, ou no seu seio mesmo,


exprimem-se tendências ao encolhimento, à vontade de cada um ser ele
mesmo sem o outro, de ficar "entre os seus", sem mistura, sem
capacidade de integração, sem esforço de adaptação. É uma reação
comparável à regressão endogâmica que afeta certas sociedades
"primitivas".

Pode se perguntar se a ideologia gay que se diz tolerante, aberta, etc.,

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

não exprime, em muitos casos, uma desconfiança ante o outro sexo, um


medo da diferença sexual. A verdadeira confiança, em contrapartida,
não é nem confinamento em si nem fusão e perda de si.

TANTO FAZ MATAR INOCENTES


EM NOME DO PROLETARIADO
OU DA RAÇA SUPERIOR

- Uma coisa que me espantou muito desde que cheguei à França na


semana passada, é que todo o mundo parece associar muito facilmente
o Front Nacional do Sr. Le Pen à história dos crimes nazistas,
enquanto se obstina em não fazer nenhuma associação análoga entre
a extrema esquerda e os crimes incomparavelmente maiores do
regime comunista na URSS, na China, etc. Por que é tão fácil ser
esquerdista sem jamais ser responsabilizado pelos males do stalinismo
enquanto todo o homem de direita está sempre sob o risco de ser
associado ao neofascismo? Por que é tão fácil atrair a desconfiança
contra os homens de direita?

A fascinação dos intelectuais pela ideologia marxista introduziu dois


pesos e duas medidas na avaliação dos crimes contra a humanidade.
Fazem como se os milhões de homicídios perpetrados pela União
Soviética não fossem da mesma natureza que os cometidos pela
Alemanha nazista.

Torturar e matar um inocente em nome do proletariado ou da raça


superior, não deveria ter nenhuma diferença. Parodiando uma fórmula
célebre, poder-se-ia dizer que mais vale errar com Stalin que com Hitler.

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

No entanto, a biologia ariana e a biologia soviética são imposturas do


mesmo nível. E mesmo supondo-se que o marxismo-leninismo fosse
"cientificamente superior", nenhum saber, nenhum programa justifica a
eliminação física ou moral de um só indivíduo. É tempo, como o diz
Hannah Arendt, de compreender que os extremistas de direita e de
esquerda estão solidários no crime.

Voltando aos sobressaltos da política francesa, deve-se sublinhar a


evidente má-fé de uma esquerda que se faz de virgem assustada pelas
"vozes do Front Nacional", quando ninguém se comove com as vozes do
PC, sem falar da extrema esquerda ainda mais dura. Reconheçamos,
todavia, que as declarações turvas, talvez perversas do presidente do FN
sobre as desigualdades das raças, sobre o "detalhe" dos crematórios, a
posição flutuante que ele mantém entre o legítimo controle da
imigração e um desencadeamento de funções xenófobas, tudo isto
favorece a associação do FN à história dos crimes nazistas.

- De modo mais geral: se a direita aceita renunciar a toda aliança com a


extrema direita enquanto a esquerda conserva seu direito de fazer
alianças com quem quer que seja (até mesmo com a extrema direita), a
direita não estará em vias de cometer suicídio? Que será da política
francesa amanhã, na sua opinião?

As eleições regionais e cantonais de 1998 se desenrolaram numa


atmosfera de armadilhas e de chantagem. A esquerda chegou a
intimidar a direita e a lhe ditar seu comportamento face aos eleitores.
Ela pretendeu dar lições de republicanismo brandindo o FN como um
espantalho (ela, que sempre traficou o modo de escrutínio para dividir a

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

direita, favorecendo o FN). É urgente sair dessa lógica das alianças e dos
casamentos de ocasião, desses anátemas republicanos e dessas
excomunhões.

As direitas podem e devem se reunir. Elas são majoritárias no país. Elas


devem reconquistar para um programa de direita toda a sua base
eleitoral, incluindo os eleitores do FN, que não pertencem nem à
esquerda que se serve deles para desacreditar a direita, nem à direita
clássica que precisa de seus votos. Os eleitores que votaram no FN só
pertencem a si mesmos. Se eles sucumbem às sereias do racismo e da
xenofobia, não queremos o seu apoio. Se eles aceitam uma política de
direita que respeite os direitos humanos, devemos propô-la. A
exasperação deles é tão respeitável quanto a cólera dos partidários da
Liga Comunista Revolucionária. A única saída para a política francesa é
suspender o anátema que pesa sobre os eleitores do FN e apresentar-
lhes uma verdadeira política de direita, sem ódio nem vingança, uma
política de exigência, de respeito, de solidariedade e de
empreendimento, em suma: uma sociedade de confiança.

COMUNISMO E NAZISMO
EXPLORARAM O RESSENTIMENTO
DAS MINORIAS ÉTNICAS

- A confiança não terá entre seus pressupostos indispensáveis a


unidade ou a coerência da cultura, isto é, dos sentimentos e valores?
Como você enfoca uma política de confiança nas condições do
"multiculturalismo"?

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

A confiança é ao mesmo tempo causa e efeito da coesão cultural. Sem


língua comum, sem valores compartilhados, sem pontos de referência
coletivos, nada de confiança. Mas, sem confiança, os pontos de
referência desabam, os valores divergem em função de interesses
particulares. A língua mesma cessa de ser um instrumento de
transmissão e de coesão, para se tornar um critério de segregação, talvez
de exclusão. Ela era uma via de comunicação: torna-se uma barreira.
Nossos sociólogos descreveram esse fenômeno de esclerose, ao qual eles
próprios cederam. Em Ce Que Parler Veut Dire ou em La Réproduction,
Pierre Bourdieu pôs em evidência o papel discriminante dos usos
lingüísticos, mas o fez numa língua que, ela mesma, raramente é
acessível ao comum dos mortais...

Ele deveria ter tirado daí a conclusão que se impõe: a perda, num povo,
de sua identidade nacional, constitui uma ameaça à indispensável
confiança social. As experiências de bilingüismo oficial mostraram que
não se troca de cultura como se troca de camisa.

Goethe dizia que quem não conhece língua estrangeira não conhece
verdadeiramente a língua materna. Creio nisso também. Mas o contato
e o intercâmbio com o outro não implicam a fusão, a
intercambiabilidade, a indiferenciação. Aliás, o universalismo forçado
prepara o leito dos separatismos, das reivindicações agressivas, como o
mostraram as ex-federações das Repúblicas socialistas.

Não esqueçamos que Stalin começou sua funesta carreira como


comissário das nacionalidades, nem que o regime nazi explorou
sistematicamente as frustrações das minorias étnicas.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/peyrefitte.htm (24 de 26)16/4/2007 09:41:28


Abaixo a malícia: só quem confia vence

As etnias são como o Etna. Parecem ter perdido todo caráter vital, e sua
atividade parece reduzir-se a alguns números folclóricos, sobrevivências
de um longínquo passado de erupções e de conflitos. Mas, tente-se
extinguir essas manifestações de superfície, e elas voltam com toda a
força, vomitando lavas ardentes. O cosmopolitismo, quando perde o
respeito pela alma dos povos, parece-se com um edifício construído
sobre a boca de um vulcão. O concerto das nações deve permanecer uma
polifonia, onde muitas vozes, de timbres variados, se juntam e se
superpõem em ritmos diferentes mas harmonizados, onde os refrões e
as coplas se respondem de parte a outra. Uma monotonia forçada
engendraria a dissonância e a discórdia. O uníssono forçado produz a
desunião.

É preciso portanto levar a sério o multiculturalismo. Longe de ser um


obstáculo que se deve pulverizar, ele poderia bem constituir um ponto
de apoio necessário à Organização das Nações Unidas, como o
pressentiu Claude Lévi-Strauss. Unidas não quer dizer uniformes, nem
reduzidas ao idêntico. O mito de uma identidade universal revela-se tão
perigoso quanto a cultura sistemática dos particularismos locais.

Ninguém detém o monopólio do humano, e sobretudo não a detém


nenhuma instituição que pretenda representar as aspirações de todos os
homens, sem pedir a opinião deles.

A NOVA ORDEM MUNDIAL:


BUROCRACIA EM CIMA,
CAOS E BANDITISMO EM BAIXO

http://www.olavodecarvalho.org/textos/peyrefitte.htm (25 de 26)16/4/2007 09:41:28


Abaixo a malícia: só quem confia vence

- Num mundo em que as organizações criminosas como a máfia russa


expandem por toda parte uma atmosfera de segredo e de conspiração,
enquanto por outro lado vai se constituindo algo como um Estado
mundial, ou ao menos uma polícia global para enfrentá-las, os fatores
de desconfiança não tendem a se tornar incomparavelmente mais
fortes que os fatores de confiança? Como você enfoca uma sociedade de
confiança em escala mundial?

A nova ordem mundial arrisca muito parecer-se a um edifício muito


instável. Na superfície e em altura, uma burocracia universalista segura
da exatidão de seus planos. Mas, nos porões do edifício, uma rede
subterrânea de lutas de influências, de mercados clandestinos.

A única alternativa ao desenvolvimento do banditismo é a aplicação


vigilante do princípio de subsidiariedade; a recusa de concentrar a
organização da sociedade, das trocas, dos preços agrícolas, a um nível
muito elevado. A confiança é vivida na relação bilateral de troca de bens
e de serviços, no respeito das especificidades locais. Ela não se decreta
pelo alto, pois a confiança não se ordena. É ela que ordena tudo.

É a partir de micro-sociedades de confiança - empresas, associações


culturais, grupamentos de interesses econômicos, que se edifica uma
sociedade de confiança em escala mundial - e não ao inverso.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/peyrefitte.htm (26 de 26)16/4/2007 09:41:28


Gramscianos enfezadinhos, uni-vos

Gramscianos enfezadinhos, uni-vos

Alguns dias atrás, tendo encontrado na Internet um site brasileiro


dedicado a Antonio Gramsci – o ideólogo italiano que critico duramente
em A Nova Era e a Revolução Cultural –, propus aos responsáveis pela
página um intercâmbio de links, argumentando, em tom de blague, que
seria bom constar da sua bibliografia pelo menos um livro contra o
gramscismo, "para não dar na vista" já que alegavam ser tão
democráticos. Os fulanos levaram a coisa a mal, subiram nos
tamanquinhos e, em pleno dia de Natal, me enviaram uma carta
enfezada.

Reproduzo aqui, seguido da minha resposta, esse singular documento


(grifos meus):

Carta de Luiz Sérgio Henriques, Carlos Nelson


Coutinho e Marco Aurélio Nogueira

http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm (1 de 9)16/4/2007 09:41:41


Gramscianos enfezadinhos, uni-vos

Sr. Olavo de Carvalho:

Surpreendeu-nos o tom da mensagem que nos foi enviada com a sua


assinatura. Desde logo, o senhor, que tanta questão faz de falar em
"amor à democracia", não parece nem um pouco constrangido em nos
fazer imposições para que entre nós se estabeleça algum diálogo. Já por
isto, não lhe reconhecemos autoridade para nos cobrar a prática da
democracia, nem aceitamos a imposição de "condições" para
escolhermos os links a incluir em nosso site.

Certamente, registraremos em nossa "Bibliografia", na próxima


alteração do site, o seu livro sobre Gramsci, que até então
desconhecíamos. Faremos isso porque nossa intenção, nessa parte do
site, é documentar tudo o que se escreveu sobre Gramsci em nosso País,
contra ou a favor, de boa ou de má qualidade. Nesse sentido,
agradecemos-lhe a indicação do seu livro e lhe solicitamos a gentileza de
nos enviar outros títulos sobre Gramsci que, porventura, o senhor tenha
produzido (ou de que tenha conhecimento) e que ainda não constem da
nossa "Bibliografia".

Essa inclusão, contudo, não implica de modo algum que consideremos


necessário, conforme o senhor afirma, que conste em nossa
"Bibliografia" um livro "contra" Gramsci "para não dar na vista". "Dar
na vista" de quem? Felizmente, como já não vivemos numa
ditadura, não temos muita preocupação -- aliás, temos muito

http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm (2 de 9)16/4/2007 09:41:41


Gramscianos enfezadinhos, uni-vos
orgulho -- em sermos identificados como um site de esquerda,
empenhado na luta pela democracia e pelo socialismo, o que, aliás, está
expresso com todas as letras na apresentação do mesmo. Para nós, é
questão de critério e seriedade que essa definição político-ideológica
fique "à vista" de todos os que freqüentam "Gramsci e o Brasil".

Consideramos muito positivo que o senhor tenha na Internet um site


pessoal, no qual expressa suas posições políticas e filosóficas, entre elas
as que criticam Antonio Gramsci. Estamos seguros de que o senhor
também é a favor de que pessoas de esquerda, identificadas com
Gramsci e com o socialismo, possuam seu próprio site, no qual
manifestam outras posições, radicalmente diferentes das suas.

Em "Gramsci e o Brasil", incluímos "links" de páginas que julgamos


importantes para a difusão de nossos valores democráticos e socialistas
-- e não colocamos, aos "linkados", nenhuma "condição" para essa
inclusão. Portanto, não estamos interessados no intercâmbio que, sob
"condições", o senhor nos propõe. Sem mais, no momento, também
lhe desejamos os melhores votos.

Luiz Sérgio Henriques


Carlos Nelson Coutinho e
Marco Aurélio Nogueira,

responsáveis por "Gramsci e o Brasil".


http://www.artnet.com.br/gramsci
gramsci@artnet.com.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm (3 de 9)16/4/2007 09:41:41


Gramscianos enfezadinhos, uni-vos

Resposta de Olavo de Carvalho

Prezados gramscianos,

Muito obrigado pela promessa de citar o meu livro na sua bibliografia,


mas de que raio de imposição vocês estão falando? Não sabem a
diferença entre impor e propor? A confusão na sua carta é patente:
começam reclamando que "impus" e terminam confessando que
"propus" - e com isto mostram que sua queixa de "imposição" foi puro
fingimento. Um desafio, por definição, não se impõe. Propus um e vocês
correram da raia. Isto foi tudo. Se em seguida tentaram disfarçar,
encobrindo sua defecção sob as aparências de um nobre ato de
independência moral, não posso, sinceramente, dizer que esperava de
vocês outra atitude.

Quanto ao exercício da democracia, supus talvez ingenuamente que


cobrá-lo fosse um direito de todos os brasileiros e nunca imaginei que
fosse necessário ter alguma autoridade especial para isso. Peço informar
como se adquire essa autoridade. Anos de militância a favor do regime
que assassinou 100 milhões de pessoas seriam talvez credencial
bastante? Ou é necessário, depois disso, limpar-se de toda má-
consciência mediante duas ou três palavrinhas de abjuração ditas da
boca para fora?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm (4 de 9)16/4/2007 09:41:41


Gramscianos enfezadinhos, uni-vos

Também não sou eu quem faz tanta questão de falar em "democracia":


vocês é que repetem obsessivamente essa palavra a cada três linhas, não
sei se para exorcizá-la ou para criar um simulacro de parentesco entre
ela e o "socialismo", termo antinômico do qual fazem acompanhá-la
com uma constância verdadeiramente pavloviana.

Qualquer que seja o caso, colocarei na minha página um link para a sua,
que funcionará como uma bela coleção de notas de rodapé para
confirmar minha opinião de que o gramscismo é apenas uma forma
elegantemente perversa de totalitarismo.

Sua resposta também será ali reproduzida, para que todos os visitantes
tenham o prazer de conhecer a mentalidade gramsciana ao vivo e a
cores. Muitos deles já conhecem essa mentalidade, em geral, mas terão
aí a oportunidade de captar uma nuance especificamente brasileira que
ela vem adquirindo, a qual consiste em cultivar propositadamente o
medo da extinta ditadura para poder incriminar como prenúncio de
truculências direitistas qualquer crítica mais veemente que se faça à
esquerda nacional. É com essa nuance, aliás, que vocês procuram
insinuar que eu, um cidadão sem cargo público nem dinheiro nem
partido, sou uma ameaça viva contra a existência do seu site. Que bela
comédia!

Mas raciocinem, por favor: se eu desejasse extinguir o seu site, por que
haveria de propor um intercâmbio de links com ele?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm (5 de 9)16/4/2007 09:41:41


Gramscianos enfezadinhos, uni-vos

Com meus melhores votos de Natal e Ano Novo,

Olavo de Carvalho

PS 1 - Caso vocês não tenham compreendido o desafio que lhes propus,


explico de novo: podem vir em dois, em três ou em mil, e lhes provarei,
por a + b, que gramscismo é totalitarismo, por mais que pareça outra
coisa. Não fiquem com medo de mim, pois não sou ponta de nenhum
iceberg direitista. Sou apenas um rapaz latino-americano e falo somente
em meu próprio nome.

PS 2 - Vejo que vocês comemoraram o Natal reunindo-se em três para


bolar uma resposta coletiva, quase um abaixo-assinado. Nunca vi
maneira mais extravagante (ou gramsciana) de celebrar o nascimento
de N. S. Jesus Cristo. Espero que pelo menos o aniversário de Antonio
Gramsci vocês passem festivamente com suas famílias em vez de se
irritar pensando em mim.

Comentário extra

Os signatários da carta de Natal dizem que não impõem nenhuma


condição para colocar algum link na sua homepage, mas, ao mesmo
tempo, confessam que só escolhem os que lhes pareçam "importantes

http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm (6 de 9)16/4/2007 09:41:41


Gramscianos enfezadinhos, uni-vos

para a difusão de nossos valores democráticos e socialistas" – o que


subentende evitar criteriosamente os que possam difundir valores
democráticos anti-socialistas. É contraditório, mas não é nada
estranho. Os militantes gramscianos fazem exatamente assim por toda
parte – jornais, editoras, estações de TV, universidades –, professando
em palavras a abertura pluralista e praticando a seletividade mais
sectária, até que reste uma só voz audível e tudo o mais seja eco. A
cultura brasileira vai se transformando assim num vasto sistema de
hyperlinks gramscianos, sempre sob a alegação de democracia.

Vocês já repararam, por exemplo, que quando algum direitista ilustre


como Roberto Campos ou Miguel Reale é entrevistado na TV ele é
sempre submetido a um interrogatório agressivo que procura
comprometer sua imagem? Já notaram que, inversamente, quando o
entrevistado é um figurão esquerdista, como Paulo Freire, José
Saramago ou Oscar Niemeyer, as perguntas são sempre de natureza a
mostrar que são criaturas lindas-maravilhosas? Por que só põem
esquerdistas para entrevistar direitistas, enquanto os esquerdistas têm
o privilégio de ser sempre entrevistados por seus simpatizantes?
Acham que isso é coincidência? Não é não. É um sistema, é uniforme e é
mundial. Leiam este parágrafo de Alain Peyrefitte (ex-ministro do
Interior do governo gaullista), escrito quando estava no poder o
socialista Mitterand:

O domínio da esquerda sobre os jornalistas, reforçado pela tutela

política da televisão, induziu àquilo que um socialista lúcido,

Thyerry Pfister – jornalista que foi conselheiro técnico do

Primeiro-ministro Pierre Mauroy – chama ostensivamente de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm (7 de 9)16/4/2007 09:41:41


Gramscianos enfezadinhos, uni-vos

"lógica manipuladora". Esta exprime-se mediante a

proximidade, habilmente mantida, entre a esfera do poder e os

"formadores de opinião", através de um "jornalismo de

conivência".

Já se viu uma conivência mais acentuada do que, por exemplo,

no dia em que o presidente da República se fez interrogar na

televisão pelas esposas de dois de seus ministros? Alguém será

capaz de imaginar o general de Gaulle, Georges Pompidou ou

Valéry Giscard d’Estaing fazendo-se interrogar assim "em

família"? Que reações essa prática não teria suscitado!

Alain Peyrefitte, La France en Désarroi, em De la France, Paris,

Omnibus, 1996, p. 1034.

Esse gênero de manipulação tem nome: é a revolução cultural


gramsciana.

E aqui vai, como prometido, o link para a página democrática onde


quem não é comunista não tem vez:

http://www.artnet.com.br/gramsci

Olavo de Carvalho

26/12/98

http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm (8 de 9)16/4/2007 09:41:41


Gramscianos enfezadinhos, uni-vos

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/enfeza.htm (9 de 9)16/4/2007 09:41:41


Fórmula da minha composição ideológica

FÓRMULA DA MINHA COMPOSIÇÃO IDEOLÓGICA

Olavo de Carvalho

Alguns leitores cobram-me uma autodefinição ideológica. Outros, mais


solícitos, apressam-se em fazê-la por mim, catalogando-me seja como
neoliberal, seja como anarquista, seja como conservador, seja até como
fascista e o diabo a quatro. Surdo às demandas dos primeiros, que me
parecem artificiais e de puro capricho, não posso, no entanto,
permanecer insensível ante os esforços dos segundos, que traduzem, a
olhos vistos, um anseio genuíno e profundo de suas almas, e, mais que
um anseio, uma necessidade vital absoluta, a qual, se não atendida,
acaba por se atender a si mesma como um estômago de pobre que,
desprovido de alimento, se autodigere mediante uma úlcera. Essas
pessoas, com efeito, não sabendo o que fazer de suas vidas sem um
catálogo ideológico de tudo, e não dispondo de informações cabais sobre
a minha personalidade política, acabam por construí-la com pedaços de
si mesmas, colhidos nos bas fonds dos seus respectivos subconscientes e

http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm (1 de 9)16/4/2007 09:41:55


Fórmula da minha composição ideológica

constituídos substancialmente de temores, suspeitas, fantasias


macabras e uma vasta coleção de demônios.

Não suportando mais ver tanto sofrimento inútil, nem me conformando


com tamanho desperdício de criatividade que mais utilmente se
empregaria no hobby literário, ao qual algumas dessas criaturas aliás se
dedicam nas horas vagas de seu penoso mister catalogante, decido-me,
pois, a fornecer enfim meu perfil ideológico, e não apenas meu perfil de
ambos os lados mas também meu auto-retrato de frente e de costas.
Direi, em suma, o que vocês querem saber, que não é necessariamente o
que vocês querem ouvir.

Infelizmente, não posso me definir com uma só palavra, como seria do


gosto de tantos, pela simples razão de que não acredito haver algum
conceito abrangente capaz de juntar, numa só unidade compacta, as
diferentes atitudes e opiniões de um indivíduo ante os diversos setores
da vida. O tipo assim descrito teria a coerência em bloco de uma
caricatura, de um Idealtypus weberiano ou de um arquétipo platônico,
1
mas nada teria de um ser humano .

Toda fórmula ideológica pessoal compõe-se de um amálgama de


preferências e repulsas variadas, umas referentes à política, outras à
moral, outras à religião, outras à vida econômica e assim por diante.
Esses vários elementos não formam quase nunca uma unidade coerente,
embora tendam à coerência como numa assíntota, aproximando-se dela
sem jamais alcançá-la. Tal esforço de coerenciação denomina-se,
precisamente, filosofia, uma atividade que, pela própria natureza, é
constante e sempre inacabada.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm (2 de 9)16/4/2007 09:41:55


Fórmula da minha composição ideológica

Não podendo, portanto, me definir com um termo unívoco, limito-me a


dar uma lista dos vários elementos que compõem, como podem, minha
ideologia pessoal.

1. Em economia, sou francamente liberal. Acho que a economia de


mercado não só é eficaz, mas é intrinsecamente boa do ponto de vista
moral, e que a concorrência é saudável para todos. Há dois tipos de
pessoas que não gostam da concorrência: os comunistas e os
monopolistas. Às vezes é difícil distingui-los. Quem foi que disse: "A
concorrência é um pecado"? O Dr. Leonardo Boff adoraria ter dito, mas
não disse. Quem disse foi John D. Rockefeller. E, como se vê pelo
episódio bíblico de Marta e Maria (ou de Esaú e Jacó), a concorrência
não é pecado nenhum. Pecado é um sujeito ser John D. Rockefeller ou o
Dr. Leonardo Boff.

Como liberal sou contra o socialismo e contra toda forma de Estado


corporativo, seja de estilo mussoliniano, seja católico. Acredito, com
Sto. Tomás, que há um preço justo para cada coisa. Mas, como
observavam os conimbricenses, o número de variáveis a levar em conta
no cálculo do preço justo é ilimitado, e a única maneira de encontrá-lo é
deixar que as pessoas discutam livremente e admitir que, de algum
modo, vox populi, vox Dei. O Estado existe apenas para impedir que os
concorrentes se comam vivos, para assegurar as condições logísticas da
prática do liberalismo e para, last not least amparar in extremis quem
não tenha a mínima condição de concorrer no mercado.

2. Em religião, sou tradicionalista e conservador. Não, não sou eu que


sou assim. Religião é tradição e conservação. É o fator de imutabilidade

http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm (3 de 9)16/4/2007 09:41:55


Fórmula da minha composição ideológica

que faz contraponto à História, e sem o qual o movimento não seria


sequer percebido. Por isto, o Concílio Vaticano II podia ter mexido em
tudo, menos no essencial: o rito e a doutrina. Ao contrário, ele virou o
essencial de pernas para o ar, apegando-se idolatricamente à
imutabilidade do secundário, como por exemplo o celibato dos padres.
Tendo invertido o senso das proporções, o Concílio tornou a Igreja uma
instituição insensata e ridícula, que condena seus próprios santos
enquanto se prosterna ante os inimigos. Mas não defendo a
imutabilidade só do Catolicismo: acharia uma insensatez mudar uma só
palavra do Corão, da Torá ou dos Vedas.

3. Em moral, sou anarquista. Acredito que há princípios morais


universais, permanentes, que a inteligência discerne por baixo da
variação acidental das normas e costumes, e acredito, enfim, que há o
certo e o errado. Mas, por isso mesmo, impor o certo é errado, a não ser
em caso de vida ou morte. O sujeito que faz o certo só por obediência e
sem compreendê-lo acaba por transformá-lo no errado. "Experimentai
de tudo e ficai com o que é bom", recomendava S. Paulo Apóstolo, meu
amado guru. É uma questão de viver e aprender. Mas como podemos
aprender, se um tirano paternalista nos proíbe de errar? Por isto deve
haver a mais ampla liberdade de escolha e de conduta, e a autoridade
religiosa deve se limitar a ensinar o certo, com toda a paciência, sem
tentar expulsar o pecado do mundo à força. E se nem os religiosos, que
por sua dedicação à vida interior têm autoridade para falar dessas
coisas, devem impor regras morais à força, muito menos deve fazê-lo o
Estado, que afinal não passa de uma gerência administrativa, a coisa
mais mundana e prosaica que existe. As leis devem fundar-se apenas em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm (4 de 9)16/4/2007 09:41:55


Fórmula da minha composição ideológica

considerações práticas de ordem, segurança e interesse coletivo, muito


corriqueiras, e jamais em motivos pretensamente elevados de ética, que
terminam por fazer da burocracia estatal um novo clero, e do Código
Penal um novo Decálogo. A coisa mais nojenta que existe é a metafísica
estatal.

4. Em educação, sou mais anarquista ainda: não acredito em ensino


obrigatório do que quer que seja e noto que a expansão hipertrófica do
sistema de ensino, público ou privado, só cria novas formas de
analfabetismo. Acho que a educação deveria ser livre, que cada um deve
buscá-la na medida de suas necessidades, e considero uma
monstruosidade totalitária que, após proclamá-la um direito, o Estado
moderno faça dela um direito obrigatório. Acho aliás que o mesmo se
dá com muitos outros "direitos", que você acaba exercendo a muque ou
sob pena de prisão. Era um absurdo que as mulheres não pudessem
trabalhar, mas é um absurdo maior ainda que, obrigadas a trabalhar,
não possam ficar em casa para criar seus filhos. Complementarmente, é
um crime que se obrigue uma criança a fazer trabalho de adulto, mas é
um crime maior ainda que ela seja impedida de ganhar seu próprio
dinheiro, fazendo, se quiser, um trabalho que esteja à altura de suas
capacidades e que, no fim, há de educá-la muito mais do que qualquer
escola. Tornei-me jornalista ainda quase um menino, aos dezessete
anos, e aprendi na redação o que três décadas de escola não me
ensinariam. Esta porcaria de governo que temos hoje me tiraria de lá e
me poria numa escola para aprender português nos livros de Paulo
Coelho.

5. Em política internacional, e sobretudo em comércio internacional,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm (5 de 9)16/4/2007 09:41:55


Fórmula da minha composição ideológica

sou radicalmente nacionalista, protecionista e tudo o mais que os


globalistas odeiam. Isso não quer dizer que eu seja contra a globalização
da economia. Muito menos há aí qualquer contradição com a crença
liberal acima subscrita. Apenas, entendo que globalismo não é o mesmo
que monopolismo das grandes multinacionais, e que, assim como estas
se associam umas com as outras – e com certos Estados – para ficar
mais fortes, é justo que o empresário nacional, sobretudo o pequeno,
busque apoio do seu próprio governo para não ser esmagado pelos
monopólios internacionais. Aí a intervenção do Estado não é contra o
liberalismo ou a concorrência: ela é, ao contrário, o fator equilibrante
que impede a extinção do liberalismo e sua substituição pelo
monopolismo. O mais detestável dos socialismos é o socialismo dos
ricos.

6. Em filosofia, sou realista, meus gurus sendo Aristóteles, Sto. Tomás,


Leibniz, Husserl e Xavier Zubiri, todos os quais afirmam o poder
humano de conhecer as coisas como são. Husserl e Zubiri, no meu
entender, foram os únicos filósofos realmente grandes deste século, e
perto deles um Foucault ou um Deleuze são apenas meninos de escola.
Acho que marxismo, estruturalismo, desconstrucionismo, psicanálise,
neo-relativismo, neopositivismo, etc. etc., são filosofias boas para
analfabetos funcionais e portanto atendem a uma autêntica necessidade
social criada pela rápida expansão do ensino universitário, onde é
preciso fabricar professores cada vez mais rápido e cada vez mais
barato. Ler o Dr. Freud, Poulantzas, La Pensée Sauvage ou Richard
Rorty já é esforço bastante para essa gente, que morreria de congestão
cerebral após meia página de Zubiri ou das Investigações Lógicas.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm (6 de 9)16/4/2007 09:41:55


Fórmula da minha composição ideológica

7. Em História, acredito na relatividade do progresso e acho que todo


progresso se paga com perdas que nem sempre valem a pena. É claro
que aprecio os computadores e os direitos constitucionais, mas penso
nos milhões de vidas humanas que foram sacrificadas no altar do
progresso e me pergunto se nós, sobreviventes, não saímos diminuídos
2
moralmente pelos próprios benefícios que recebemos . Um índio, que
anda pelado no meio do Xingu, não tem Internet mas não carrega, nas
costas, o peso de tantos pecados históricos. O progresso, sem dúvida, é
vantajoso. Mas não tem a dignidade de um genuíno ideal moral. É
apenas uma conveniência prática, e quando procura se enfeitar com
uma ideologia autoglorificadora, com as pompas de uma utopia
futurista, sobretudo "científica", aí, meus filhos, é que ele se encarna
num Robespierre, num Lênin, num Hitler, num Mao, num desses
monstros que os séculos antigos não poderiam sequer imaginar. Gosto
do progresso, não nego. Mas não sou seu entusiasta e não sacrificaria,
por ele, a vida de um cabrito. O progresso tanto mais vale quanto menos
custa.

8. Em todos os domínios e circunstâncias, sou contra o governo


mundial. Ninguém deve governar o mundo, senão Deus. A ONU, a
Unesco, o Banco Mundial, as grandes corporações multinacionais, a
Internacional Socialista e todas as entidades do gênero são para mim a
encarnação mesma da megalomania e do desejo ilimitado de poder. Isso
não quer dizer que os Estados nacionais sejam anjinhos, pois, como já
informava a Bíblia, "os anjos das nações são demônios". Quer dizer
apenas que o chefe mundial dos demônios é muito pior do que todos
eles somados.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm (7 de 9)16/4/2007 09:41:55


Fórmula da minha composição ideológica

Que as pessoas acostumadas a identificar globalização e liberalismo não


vejam aí contradição alguma. A unificação política e administrativa do
mundo não beneficiará o liberalismo, mas o extinguirá para sempre,
instituindo a "Terceira Via". Que é a Terceira Via? É aquela síntese de
capitalismo e socialismo que, resguardando a liberdade de movimento
para as grandes empresas que apoiam o governo, planeja, controla e
determina tudo o mais. Essa síntese não é nova. Surgiu na década de 20
e se chama fascismo. Naquela época o fascismo era coisa de escala
nacional. Hoje querem fazer um fascismo mundial e, para disfarçar,
fazem campanhas alarmistas contra os remanescentes do fascismo old
style, como Le Pen e o Dr. Enéias, os mais autênticos bois-de-piranha
da boiada universal. Para enfrentar o governo mundial é preciso criar
um novo nacionalismo, liberal, democrático, inteligente, capaz de tomar
parte no jogo da globalização sem deixar que transformem nosso país
numa província ou numa colônia de férias para turistas sexuais. E para
isso é preciso resistir ao maquiavélico jogo duplo que, de um lado,
exaltando falsamente o liberalismo, tudo submete a um planejamento
global e, de outro, incentivando maliciosamente reivindicações
socialistas malucas e toda sorte de ressentimentos doentios, divide o
povo, desorienta os intelectuais, debilita o Estado brasileiro e nos deixa,
a todos, à mercê do poder multinacional.

Foi para atender aos ditames dessa minha ideologia compósita, segundo
as várias exigências que me parecessem mais razoáveis no momento e
na situação, que já tive a ocasião de votar em Lula e em Roberto
Campos, em Maluf e Brizola, em Ulisses Guimarães e em Delfim Netto,
em Franco Montoro e em Fernando Henrique Cardoso. Não votei em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm (8 de 9)16/4/2007 09:41:55


Fórmula da minha composição ideológica

Collor: tomei um Engove e votei no Lula. Na eleição seguinte, não votei


em Lula: tomei um Engove e votei em FHC. Mas escolhi sempre
conforme o detalhe concreto do que estivesse em discussão e não
conforme aquela linearidade rígida de quem é "direitista" ou
"esquerdista" como se torce pelo Coríntians ou se crê em Jesus Cristo:
de uma vez por todas e por toda a vida. Pois esta coerência só se pode
ter nas coisas profundas, duráveis e do coração, e não nessa agitação
epidérmica que é a política, onde, sem aviso prévio, de repente as
pessoas, idéias e coisas se convertem em seus contrários.

23/12/98

NOTAS:

1. Talvez por isso os líderes de maior coerência ideológica em bloco, na história do


nosso país, foram também os mais estéreis politicamente, como Carlos Lacerda e
Luís Carlos Prestes, ao passo que outros deixaram obra mais durável justamente
porque se permitiram ajustes e combições "pragmáticas". Voltar

2. Isso não implica a adesão a nenhuma teoria maluca da "culpa coletiva". O que
digo é que nos tornamos culpados, individual e concretamente, pelos custos do
progresso, na medida em que aceitamos seus benefícios levianamente, sem
gratidão consciente pelas gerações que se sacrificaram por nós. Voltar

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/compideo.htm (9 de 9)16/4/2007 09:41:55


O segredo de João Pedro Stedile

Nota - Não encontrei um único jornal ou revista que quisesse publicar este

escrito. Como ele contém informações que me parecem importantes para

quem deseje compreender o que se passa no Brasil de hoje, dou graças aos

céus por poder reproduzi-lo nesta homepage, abrigo de minha minguada

liberdade de expressão.

O segredo de João Pedro Stedile

"He that never compares his notions with those of others, readily

acquiesces in his first thoughts, and very seldom discovers the

objections which may be raised against his opinions; he, therefore,

often thinks himself in possession of truth,

when he is only fondling an error long since exposed."

Samuel Johnson

http://www.olavodecarvalho.org/textos/stedile.htm (1 de 13)16/4/2007 09:42:10


O segredo de João Pedro Stedile

Quando um sujeito não quer ver a realidade, não adianta nada ela posar
diante dele escandalosamente nua. O juiz que rejeitou a denúncia de
apologia do crime apresentada contra o sr. João Pedro Stedile alegou
que um simples discurso desse personagem não podia ter causado atos
de vandalismo. Em algum lugar do passado S. Excia. deve ter tido diante
dos olhos, mesmo que fugazmente, um exemplar do Código Penal. Se
nele houvesse detido sua atenção por mais alguns segundos, teria talvez
notado que a apologia do crime é crime em si, ainda quando impotente
para suscitar resultados práticos.

Mas, além de juridicamente descabida, a impotência política que a


sentença atribuiu às palavras do Sr. Stedile contradiz também tudo o
que se sabe, em história e em psicologia social, da eficácia da palavra-de-
ordem desfechada por um líder sobre a massa organizada. Pois o Sr.
Stedile não falou, no ar e à toa, para meia-dúzia de mendigos reunidos
casualmente numa praça, e sim para uma tropa bem preparada, bem
trabalhada, pronta para a ação como um canhão carregado que aguarda,
para disparar, apenas uma discreta fagulha.

A comparação, aliás, peca por míngua: secundado pelo apoio quase


unânime da mídia e pela solidariedade providencial de políticos e
juristas de miolo mole que insistem em estender aos ricos incitadores de
pobres a excusa do "estado de necessidade", um discurso do Sr. Stedile
não é uma fagulha: é uma explosão em cadeia, que começa com o chiado
de um pavio e termina ribombando e derrubando prédios por todo o
território nacional.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/stedile.htm (2 de 13)16/4/2007 09:42:10


O segredo de João Pedro Stedile

Mas que a sentença seja absurda e fundada num pretexto risível não
implica que devamos lamentá-la. Por mim acho ótimo que o Sr. Stedile
continue a circular livre pelas ruas, despido da aura de mártir que três
minutos de cadeia bastariam para conferir a um homem jamais
seriamente maltratado por qualquer adversário, e que até o momento
não tinha pretexto aceitável para se fazer de coitadinho.

É notória a habilidade da esquerda para elevar às dimensões


publicitárias de um holocausto qualquer pequena incomodidade que se
lhe inflija. O sr. Leonardo Boff, por exemplo, tornou-se um novo Cristo
no Gólgota por conta das duas ou três amáveis reprimendas que lhe
deram em Roma, enquanto seus inimigos conservadores – de Lefebvre a
Castro Mayer – eram sumariamente excomungados sem que a grande
imprensa lhes concedesse sequer um espacinho para modestas
lacrimejações.

Não. Nada de cadeia. Quero ver o Sr. Stedile livre e forte para agüentar
certas verdades que, mais dia menos dia, hão de aparecer. Para homens
como ele, cadeia não dói. O que dói, a única coisa que dói na alma de um
revolucionário profissional, é ver exposto aos olhos do público o segredo
em cuja meticulosa ocultação reside a fórmula da vitória.

Quando falo em segredo, não imaginem que me refiro ao submundo


mental do inconsciente. Nada sei da psicologia pessoal do Sr. Stedile e
me dou por satisfeito de continuar a ignorá-la. O segredo do Sr. Stedile
não está nas suas emoções profundas, mas numa doutrina política que,
para ser eficaz, tem de se resguardar cuidadosamente de declarar seu
nome.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/stedile.htm (3 de 13)16/4/2007 09:42:10


O segredo de João Pedro Stedile

Essa doutrina compõe-se, com efeito, de duas partes: as premissas, que


o Sr. Stedile alardeia abundantemente, e a conclusão fatal, que ele omite
discretamente. As premissas são as seguintes: 1) entre as classes sociais
há contradições de interesses; 2) algumas dessas contradições são
antagônicas, isto é, não têm solução pacífica.

A conclusão, que o Sr. Stedile jamais declara, mas que qualquer garoto
de escola pode tirar sem dificuldade, é que ou a sociedade terá de viver
num estado de guerra permanente, ou uma das classes terá de ser
eliminada — sendo difícil conceber como se poderia dar fim a uma
classe sem suprimir fisicamente bom número de seus membros.

Essa doutrina é nossa conhecida de velhos e sangrentos carnavais.


Levada à prática, custou a vida de mais de 100 milhões de pessoas — o
episódio mais mortífero da História humana desde o dilúvio.

Mas estou pondo o carro adiante dos bois. Deixem-me contar a história
desde o começo. Meu interesse pelas crenças do Sr. Stedile nasceu há
tempo em Porto Alegre, onde, com meu amigo, o brilhante estudioso
Cândido Prunes, tive durante algumas horas, na Bienal do Livro de
1997, o extravagante prazer de debatê-las com o próprio Sr. Stedile e seu
fiel escudeiro frei Sérgio Görgen.

Tendo-as ouvido, não saí, no entanto, estupefato, pela simples razão de


que já as viera ouvindo pela vida a fora, pelo menos desde os quatorze
anos de idade, quando pela primeira vez topei com um comissário do
povo incumbido de ensinar aos jovens o caminho da felicidade
universal, que, como o resumiu um adágio da Revolução Francesa,

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O segredo de João Pedro Stedile

consiste em enforcar seres humanos uns nas tripas dos outros.

Quem ficou estupefato foi o próprio Sr. Stedile, porque, habituado pela
mídia a um tratamento de menino mimado, pela primeira vez em sua
vida teve a pedagógica e repugnante oportunidade de ouvir uma
resposta substantiva. Sim, reconheço que maltratei sadicamente o
cérebro do Sr. Stedile, mostrando-lhe as últimas coisas que ele desejaria
saber.

Não é de espantar que ele tenha saído espumando de cólera, batendo o


pezinho e maldizendo, alto e bom som, a hora em que aceitara o convite
para o debate.

Mas vamos por partes. Após ter exposto as premissas de sua doutrina, o
Sr. Stedile deu alguns exemplos de contradições antagônicas. O
primeiro foi que o regime instalado no país em abril de 1964 esmagara
as Ligas Camponesas mediante a eliminação física de seus líderes.
Respondi que o episódio se dera em 1963, um ano antes da posse do
Marechal Castelo Branco, que só poderia ter cometido o crime pelos
métodos do Exterminador do Futuro.

Alegou então o Sr. Stedile, como prova da violência reacionária contra


os camponeses progressistas, o massacre de Canudos. Canudos,
respondi, fora um movimento monarquista e conservador, afogado em
sangue pelos progressistas que tinham acabado de derrubar o regime
imperial.

Em resposta, o cortejo de militantes que acompanhava o Sr. Stedile em


trajes típicos — boné, sacola a tiracolo — começou a gritar, vaiar e uivar,

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O segredo de João Pedro Stedile

para impedir que os fatos históricos continuassem a tirar de seu guru


todo o prazer de viver. Não tive remédio senão disparar sobre os
valentes meninos um enérgico "Cala a boca!", que, para minha surpresa,
os fez mudar de atitude instantaneamente, passando dos rosnados viris
aos muxoxos de donzela magoada. Alguns levantaram-se para protestar,
com pose de aluninhos bem comportados, contra a grosseria do
debatedor escolhido para confrontar-se com a alma delicada do Sr.
Stedile. O próprio Sr. Stedile, aproveitando a deixa, declarou que se
soubesse que iria receber da parte de seu opositor um tratamento tão
brutal, jamais teria ido àquele lugar maldito. Estas sábias palavras
foram aplaudidas com entusiasmo. Eu mesmo as aplaudi, fascinado pela
desenvoltura artística com que aquele talentoso orador passava do furor
heróico aos gemidos de autocomiseração.

Percebi então que o Sr. Stedile só estava acostumado a enfrentar-se com


dois tipos de pessoas: no campo, fazendeiros armados que desejariam
matá-lo; na cidade, políticos, intelectuais e ricaços que o adulam. Um
simples cidadão sincero, capaz de lhe dizer na lata coisas patentes, era
demais para a sua cabeça.

Pior ainda ficou ele, esfregando nervosamente as mãos na


impossibilidade de me estrangular em público, quando eu disse que o
MST, embora pose de inimigo número um do imperialismo, não faz
nenhum dano aos poderes internacionais; que estes, ao contrário, lhe
dão vasto apoio financeiro e midiático em troca de sua ajuda para
enfraquecer o Estado nacional brasileiro, o que é parte essencial da
estratégia globalizante, empenhada em fomentar movimentos de

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O segredo de João Pedro Stedile

reivindicação que obriguem as nações a viver de ajuda internacional;


que, no conjunto, o MST só ataca empresários rurais, uma classe que,
poderosa regionalmente, nada significa em escala mundial; e que,
enfim, tudo se resume no velho circuito descrito por Bertrand de
Jouvenel: um poder maior e central, para se afirmar, destrói poderes
intermediários com a ajuda de uma massa de insatisfeitos que nem de
longe imaginam a quem servem.

A estas observações ninguém me respondeu nada. Os cérebros ficaram


paralisados pelo impacto de uma novidade indigerível.

Concluí então que uma causa fundada na falsidade e no auto-engano só


poderia propagar-se à força de mentiras. A mais notável delas era o
famoso "estado de violência" que, segundo o MST afirma e a imprensa
mundial ecoa, é geral e endêmico no campo brasileiro. Exibi então as
estatísticas trazidas no livro de autoria do próprio Stedile, A Questão
Agrária no Brasil, segundo o qual a taxa de homicídios em toda a área
rural brasileira — todo um continente, habitado pela quarta parte da
população brasileira —, tinha sido de 40 a 50 casos por ano entre 1991 e
1995 — um número aproximadamente igual à quota, não anual, mas
mensal, dos morros cariocas, cuja população não chega a dois milhões
de pessoas. Os dados do Sr. Stedile mostravam que, comparado às áreas
urbanas, o campo é a área mais estável e pacífica do Brasil. Como
conseguia o MST fazer tanto alarde em torno de tão minguados horrores
sem o apoio interesseiro dos poderes internacionais, que a doutrina
oficial da esquerda afirmava serem aliados dos latifundiários? Era aos
fazendeiros ou ao MST que a Comunidade Econômica Européia dava
dinheiro, a ONU legitimação política, a grande imprensa novaiorquina

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O segredo de João Pedro Stedile

respaldo publicitário? Quem, afinal, servia às forças globalizantes?

Convidado a dirigir perguntas ou objeções a seu opositor, o Sr. Stedile


declarou que nada tinha a responder a um sujeito tão horroroso, sendo
seu aristocrático mutismo secundado pelo de frei Sérgio Görgen, seu
acólito. Respondi a essa não-pergunta observando que era próprio do
monólogo totalitário nada perguntar, mas viver imerso na auto-
satisfação de afirmar, afirmar e afirmar.

Ainda sem responder, o sr. Stedile entrou logo nas suas "considerações
finais", de pé para fazer da mesa de debates um palanque, gesticulando
muito, ocupando por meia hora, sem apartes, o prazo de dois minutos
que lhe fora concedido, e preenchendo-o com um vocabulário seleto, no
qual se discerniam, entre outros termos científicos, o nome da mais
velha profissão da humanidade e o do membro masculino, ambos
começando com ''p" e terminando com "a", sendo no fim
entusiasticamente aplaudido pelos que haviam protestado contra a
incontinência verbal de seu adversário.

Em seguida, alegando não sei quais compromissos, retirou-se do debate,


cumprimentando todos os membros da mesa exceto um (no que seria
depois imitado por frei Sérgio, religiosamente).

Após a saída do líder, os militantes dividiram-se: uns foram embora,


desistindo de uma conversa que não poderia trazer ao MST nenhum
dividendo político. Outros redobraram de ferocidade. Um deles gritou
que nós outros, defensores de um determinado "modelo de sociedade"
éramos uns "mercadores da morte". Outro, ou o mesmo, não lembro

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O segredo de João Pedro Stedile

direito, afirmou que o capitalismo matara todos os índios. Ao primeiro,


convidei a mostrar, nos meus livros, uma linha, ao menos, que
propusesse algum modelo de sociedade. Ao segundo, ou ao mesmo,
observei que a destruição das nações indígenas no Brasil fora anterior
ao advento do capitalismo, tratando-se portanto, de um segundo
Exterminador do Futuro. Seguiram-se novos gritos e protestos, sendo
então encerrada, entre apupos e furores, a singular troca de idéias.
Troca na qual levei prejuízo, não tendo recebido nenhuma em
retribuição das minhas.

Ao voltar ao Rio, tive a surpresa ingratamente lisonjeira de descobrir


que muitas pessoas consideravam uma covardia abominável designar-
me para enfrentar o Sr. Stedile, tendo em vista o que presumiam ser
uma desproporcional dotação de nossos respectivos QIs (no entanto
jamais cotejados cientificamente). Essa reação revelou-me um curioso
traço da nossa psicologia coletiva: ela encara a inteligência e o
conhecimento como forças físicas, que nos debates deveriam ser
graduadas igualitariamente, a bem da justiça. Quando um simples
cidadão sem cargo ou dinheiro, armado tão somente de sua cabeça e de
seus estudos, enfrenta um líder político que vem escorado em vastas
organizações, verbas milionárias e uma massa de militantes
enfurecidos, o covarde é o primeiro, não o segundo. Entre Cícero com
sua eloqüência e César com seus exércitos, covarde é Cícero. Entre Leon
Trotski com seus panfletos e Stálin com seus guardas, covarde é Trotski.

Mas, deixando de lado essas manifestações de igualitarismo paroxístico,


muito influentes aliás nas "políticas culturais" de hoje, tive ainda, em
casa, a ocasião de completar minhas impressões lendo numa revista de

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O segredo de João Pedro Stedile

São Paulo (Caros Amigos, Ano 1, no 8, nov. 1997) uma longa entrevista
do sr. Stedile, onde finalmente acreditei ter compreendido algo da sua
personalidade política.

A chave para a decifração dessa criatura enigmática está no estilo do seu


discurso. Desde o falecimento do ministro José Maria Alkmin, nenhum
brasileiro superou o Sr. Stedile na arte da linguagem escorregadia. Mas
entre eles há diferenças substanciais. O primeiro era nebuloso em tudo;
o segundo o é apenas no que se refere à sua identidade política, sabendo
ser bastante claro e incisivo ao definir a dos adversários. Alkmin era
vago em atos e palavras, o Sr. Stedile o é somente em palavras: seus atos
têm um sentido muito definido, que o discurso nebuloso busca disfarçar.

A técnica do Sr. Stedile consiste em evitar dar às suas ações mais óbvias
os nomes que elas obviamente têm. Ele se esquiva às definições pela
mesma razão com que um índio se esquiva de fotografias: para evitar
que sua alma seja capturada. A palavra é poder: aquilo que podemos
nomear, podemos de algum modo dominar. O sucesso das ações do Sr.
Stedile depende em última instância de que ninguém saiba exatamente
o que ele está fazendo. Por isto, num mundo em que tantos se queixam
da incompreensão alheia, ele foge da alheia compreensão como um
vampiro foge da luz do dia.

A nebulosidade começa pela própria figura social do personagem. Esse


intelectual diplomado em Economia por uma universidade paga (PUC
do Rio Grande) procura falar errado como um homem do povo, mas às
vezes se equivoca e inadvertidamente começa a conjugar os verbos e
flexionar os adjetivos com aprimorada correção. No debate em Porto

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O segredo de João Pedro Stedile

Alegre, acuado pelos cálculos de Cândido Prunes, ele primeiro se fez de


ignorante, dizendo que não era justo cobrar de um simples lutador pelas
nobres causas a leitura de "tudu êssis livru" (sic); tão logo sentiu
firmeza, começou a despejar sobre o adversário estatísticas e cálculos —
impertinentes, mas expostos em linguagem de professor da USP.

Mais nebuloso ainda é o estado em que ele procura manter a identidade


do MST — "um movimento sui generis, ao mesmo tempo de caráter
popular, sindical e político", que os esquerdistas mesmos não
entendem, pois "nunca existiu um movimento que reunisse essas três
características". Será mesmo? Em escala nacional, sim. Mas, na história
do mundo, um movimento que invade terras e instala no campo uma
administração paralela para ir tomando aos poucos o lugar dos órgãos
oficiais não é novidade nenhuma. Surgiu na Rússia pré-revolucionária
com o nome de soviete. Até a principal diferença que separa o MST dos
movimentos sindicais assinala a sua identidade com os sovietes: ele não
se compõe só de camponeses, como um sindicato de classe, mas inclui
engenheiros, economistas, assessores de imprensa e, last not least,
técnicos em guerrilha. Sim, ele não é um órgão de representação
profissional. É um braço da estratégia revolucionária e a semente da
futura administração rural comunista. Ao lançar o manto da
nebulosidade sobre um fenômeno de identidade tão manifesta, o Sr.
Stedile açambarca em proveito da estratégia comunista, espertamente, o
próprio fato de o comunismo estar fora de moda: desconhecendo tudo
da estratégia leninista que lhe parece coisa do passado, o público não
poderia reconhecê-la nem mesmo sob o mais tênue e relaxado disfarce,
e encontra-se pronto a servi-la quando ela se apresenta sem nome.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/stedile.htm (11 de 13)16/4/2007 09:42:10


O segredo de João Pedro Stedile

É por isso que o Sr. Stedile, após defender as velhas e ortodoxas


doutrinas da luta de classes, da destruição do aparelho de Estado
burguês, etc. etc., pode, sem corar, negar que é marxista, negar que é
leninista e, para cúmulo, negar até mesmo, como o faz com vigor em sua
entrevista, que seja um homem de esquerda no sentido mais geral do
termo!

"Detestamos rótulos", afirma ele. "Fazemos uma campanha permanente


contra o rótulo". Mas essa firme determinação inverte-se quando a cola
vai para o outro lado. Os inimigos do MST são facilmente catalogados
em "neoliberais", "imperialistas", "reacionários" etc., sem que isto
desperte a rotulofobia do Sr. Stedile. Eu mesmo tive a oportunidade de
receber, da parte de militantes do movimento, o carimbo de
"neoliberal", embora minha única participação em entidades que
professam essa doutrina tenha sido, precisamente, uma conferência no
Instituto Liberal do Rio sob o título "Por que não sou neoliberal".

Não é preciso dizer que, no são entendimento humano, nem todos os


nomes são meros rótulos, catalogações exteriores inadequadas à
natureza da coisa. Quando chamamos uma galinha de galinha, um
jumento de jumento ou o Sr. Stedile de Sr. Stedile, não estamos
rotulando: estamos nomeando. Mas quando o Sr. Stedile, tendo negado
peremptoriamente que é esquerdista, logo em seguida se qualifica de
"socialista cristão" e mesmo após o galo cantar três vezes não explica
que raio de coisa poderia vir a ser um socialismo não-esquerdista, então
compreendemos que ele está precisamente se rotulando para esconder
por trás do rótulo o verdadeiro nome da coisa; que, em suma, ele prefere
antes o mais falseado dos rótulos, quando lhe é útil politicamente, do

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O segredo de João Pedro Stedile

que o mais apropriado dos nomes, quando lhe é politicamente


incômodo.

O sr. Stedile pode ser, no plano pessoal, um homem honesto — honesto


com sua esposa, com seus credores, com seus amigos. Nada sei que,
como ente biológico e civil, o desabone. Política e intelectualmente,
porém, seu discurso é a coisa mais tortuosa, mais mentirosa e mais
dissimulada que tem aparecido no cenário nacional. E que sua figura
política seja imposta ao público como a imagem por excelência do bom
menino, como a encarnação mesma dos "sentimentos nobres"
massacrados pelo cínico mundo capitalista, eis aí a prova de que este
país vai perdendo, junto com o senso da verdade, todo discernimento
moral.

Inédito (17/05/98).

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/stedile.htm (13 de 13)16/4/2007 09:42:10


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

O africanismo de Pierre Verger:


uma polêmica

De Marília Tavares para Olavo de Carvalho

Acabei de enviar essa mensagem a uma lista que freqüento. A questão é


que há uma antropóloga com doutorado em religião afro. Chamou
minha atenção ela "vender" a idéia dos mitos afro serem lindíssimos,
das religiões afro todas serem algo muito rico, ademais ela se preocupa
com a possibilidade de essas culturas acabarem, ela computa todos os
ganhos e propõe soluções para os impasses, ela coloca na lista textos
sobre rituais ou mitos do candomblé e umbanda... Mas quando
perguntei o porquê de ainda se sacrificarem animais no ritual de
sacralização dos búzios, entre outros, quando quase todas as religiões já
colocaram muitos desses sacrifícios em versões mais "light", recebi uma
resposta ofendida, como se eu tivesse dito o maior absurdo, como se a
tivesse ofendido em suas crenças... Apesar de que diz que só fala sobre
isso como antropóloga. Essa resposta que segue abaixo é em resposta a

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (1 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

uma outra pessoa (...) que pega meu gancho (...) e insiste na pergunta
mas sob outro prisma, sobre sacrifícios e as tradições, etc. Não coloco a
pergunta (...) que está implícita, só a resposta dada pela antropóloga.
Achei que o texto que coloquei em resposta se aplica em parte nesse
caso de ambigüidade de postura, mesmo não sendo ela uma mãe de
santo e, talvez, nem praticante da religião.

De Rita para Marília

Bom, pra não ficar falando antropologuês, lembro só que não podemos
avaliar as práticas de uma religião estando fora dela ou comparando
com outras, pois não dominamos todos os significados nem os sentidos
e qualquer coisa pode nos parecer exótica, aberrante, primitiva, ridícula.
Sistemas religiosos são como linguagens. Se eu disser smiaeb e reclamar
que você não compreende, o que você me diria?

É complicado, mesmo. :-)

De Marília para Rita

Essas palavras me fizeram lembrar um artigo que li hoje de manhã:

"(...) No Brasil, que é de fato o único pais do mundo onde as religiões


africanas se expandem, a maior parte de seus seguidores já não é
constituída de negros e sim de mestiços, e a maior celebridade religiosa
que os representa é um branco francês: Pierre Verger. (...) A propósito
do sr. Verger, é preciso lembrar que a ambigüidade do seu personagem
vai além do simples fato de ser um branco a suprema autoridade da
religião negra: o sr. Verger é um ser bifronte, misto de antropólogo e pai-

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (2 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

de-santo – uma posição que lhe permite mudar a clave de seu discurso
conforme as demandas do momento, ora falando do culto africano com
a liberdade de um espectador científico livre e descomprometido, ora
com a autoridade de um porta-voz oficial. Essa duplicidade de papéis
por sua vez permite que ele desfrute do prestígio da autoridade religiosa
sem ter de arcar com a concomitante responsabilidade. Os hierarcas das
demais religiões, se recebem a veneração e obediência de seus fiéis, por
outro lado têm de responder, perante a sociedade, pelos pontos de sua
doutrina que pareçam duvidosos ou extravagantes aos olhos dos não-
crentes. (...) Nenhum desses sacerdotes está em posição de furtar-se às
cobranças que os de fora possam fazer à sua religião. É precisamente
essa a posição que o sr. Verger ocupa na sociedade brasileira. (...) Assim,
por exemplo, no seu recente livro Ewé. O Uso das Plantas na Sociedade
Yoruba (Salvador, Odebrecht, 1995) ele nos dá várias receitas de
mandingas usadas no candomblé para matar pessoas, sem que a
ninguém ocorra acusá-lo de pregar uma religião homicida – pois afinal
ele está falando como observador científico e não como porta-voz
responsável pela crença que prega. É um privilégio que nenhuma
autoridade religiosa deste mundo pode invocar. (...) Para piorar as
coisas, a nenhuma autoridade religiosa deste mundo é moralmente
permitido ensinar a prática de ritos sem que esteja persuadida da
eficácia desses ritos. Um rabino não submeterá meninos ao bar-
mitzvah, ou um padre os submeterá ao batismo, dizendo-lhes ao mesmo
tempo que se trata provavelmente de ritos inócuos, sem eficácia neste
mundo ou no outro. Mas o caráter peculiar de sua religião e a posição
ainda mais peculiar que dentro dela ocupa permitem que o sr. Verger
ensine os ritos homicidas ao mesmo tempo que deixa numa conveniente

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (3 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

ambigüidade as questões que uma consciência religiosa sã jamais


deixaria de buscar esclarecer: Esses ritos funcionam ou não? São
praticados ou não? Pois, se declaradamente não funcionam, sua
religião é uma farsa. Se funcionam, é intrinsecamente homicida. Se
funcionam e são correntemente praticados, já não se trata somente de
uma doutrina homicida, mas de um costume homicida generalizado e
legitimado pela religião. Convenhamos que são questões incômodas.
Mas por que conceder ao sr. Verger o privilégio de permanecer na
indefinição ante essas perguntas, quando as demais autoridades
religiosas são constantemente cobradas até mesmo por violências
indevidas e sem relação com o dogma – ou mesmo contrárias a ele –
que seus correligionários tenham cometido no passado?"

(Olavo de Carvalho, em "A divida dos faraós", em O Imbecil Coletivo:


Atualidades Inculturais Brasileiras, Rio de Janeiro: Ed. da Faculdade
da Cidade, 1996.)

Ehh...acho complicado mesmo!

Não é?

Abraços

Marília

De Aluizio para Marília

Qual jornal publicou o artigo que está citado na mensagem? Gostaria de


lê-lo por inteiro, pois a afirmativa de que Fatumi Verger "e a maior

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (4 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

celebridade religiosa que os representa é um branco" no próprio texto


apresentado fica esclarecida a impropriedade da afirmação. Conheci
Fatumi. Estive duas vezes por bastante número de horas em cada vez o
suficiente para tirar minha conclusão: Fatumi era um estudioso sério na
forma como estudava todavia enquanto crente ou praticante o fazia com
reservas. Aquelas reservas que sua cultura, origem européia e educação
igual impunham. Creio que acreditava nos preceitos e fundamentos do
candomblé, mas, não creio que tivesse se envolvido com o mesmo
ímpeto com que muitos outros indivíduos se envolveram. Notadamente
aqueles de origem e cultura diferentes.

Bom final de domingo

Aluizio

De Marília para Rita

Seria possível você comentar os pontos que são equívocos de dados e de


análise para nos esclarecer?

Grata,

Marília.

De Rita para Marília

Marília

Warning: é uma lonnnga resposta:Como você pediu, aqui vão meus


comentários sobre o texto que você enviou. Não pude mandar ontem

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (5 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

porque estava trabalhando no paralelo em outras coisas.

[Segue-se a mensagem, reproduzida abaixo em itálico, com as respostas


de Olavo de Carvalho]

Respostas de Olavo de Carvalho

1.

Diz o autor Olavo de Carvalho: "(...) No


Brasil, que é de fato o único pais do mundo
onde as religiões africanas se expandem..."

Isto não é absolutamente verdade. As


religiões africanas vêm se expandindo por
todo o mundo, especialmente para Estados
Unidos (levadas pelos caribenhos e sul
americanos, especialmente brasileiros) e
Europa. Já existem terreiros de candomblé e
umbanda em Milão, Paris, Frankfurt,
Genebra, e em vários estados americanos.
Também na América do Sul elas vêm
crescendo amplamente. Para confirmar estas
informações, vejam-se as pesquisas de Maria
Júlia Carozzi, Rita Segato, Reginaldo Prandi,
e outros (vou colocar uma bibliografia
especializada no meu site e todos poderão

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (6 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

pegar lá, pois é extensa). (Olavo, não chama


a atenção que todos são brasileiros? O que
vejo em enciclopédias internacionais é sobre
o crescimento do islamismo) a maior parte
de seus seguidores já não é constituída por
negros e sim de mestiços,

O problema de se definir quem é negro ou


mestiço é clássico. Não se pode dizer que os
mulatos e caboclos não são negros ou que
são. O fato é que 60% da população
brasileira tem ascendência negra. As
estatísticas dizem que a maior parte dos
adeptos das religiões afro-brasileiras são
mulheres, mulatas e negras, de extração
social baixa e escolaridade básica. Ver os
trabalhos de Prandi, Amaral & Silva, Amaral.

Resposta: D. Rita joga com um duplo sentido da palavra "expansão" e,


mais que me confundir, confunde a si mesma. Os caribenhos e sul-
americanos que foram para os EUA e a Europa já praticavam os cultos
afro nos seus países de origem e simplesmente continuaram a praticá-
los, transmitindo-os a seus filhos, nos países aonde foram viver. Isso
não é expansão do culto, é simples crescimento demográfico de uma
etnia e aumento vertiginoso das taxas de imigração. Nos EUA e na
Europa esses cultos continuam, no essencial, limitados a suas
comunidades étnicas de origem (elas sim, crescentes) e não conquistam
adeptos fora delas num ritmo nem de longe comparável ao que sucede

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (7 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

no Brasil, onde amplos setores da classe média e alta sem a mais remota
ancestralidade africana (incluindo parcela significativa da
intelectualidade acadêmica e da classe governante) se põem cada vez
mais sob o guiamento de pais-de-santo. Isto é fenômeno exclusivamente
brasileiro (com a possível exceção de Cuba, onde o governo durante
algum tempo apoiou discretamente esses cultos para boicotar a Igreja;
mas não tenho dados sobre os resultados efetivos dessa política).

O crescimento das religiões afro fora do Brasil é, por assim dizer,


"vegetativo", condicionado ao aumento de populações imigrantes, ao
passo que no Brasil é crescimento ativo, tal qual o é, no mundo, o
crescimento do Islam, que se expande entre europeus e norte-
americanos brancos sem ancestrais muçulmanos.

D. Rita estuda muito, mas não adianta estudar sem inteligência.

2.

"e a maior celebridade religiosa que os


representa é um branco francês: Pierre
Verger."

Pierre Verger não é e nem nunca foi


considerado uma celebridade religiosa.
Sempre foi considerado um pesquisador que
respeitava e amava a cultura religiosa afro-
brasileira, que o recebeu de braços abertos e

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (8 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

lhe deu um cargo honorífico. O fato de ele


representar um importante papel na
recuperação de informações, na tradução e
registro dos elementos culturais e se dispor a
discuti-los com pessoas fora da academia
terminou por dar a ele um caráter marginal:
mal visto pela academia por sua excessiva
aproximação com o que era seu objeto de
estudo (a religiosidade), e visto com muita
desconfiança pelos religiosos, que apesar de
reconhecerem o valor do seu trabalho e
receberem-no muitas vezes, ressentiam-se de
suas entrevistas dizendo que não era um
crente, mas um admirador. O Aluízio
apontou com clareza o espírito de Verger, a
quem também conheci pessoalmente e de
quem sei claramente que tinha uma posição
de imenso respeito pelo sentimento de Fé, que
ele não possuía, mas compreendia e
admirava como quem admira uma obra de
arte do sentimento humano. Mas ele jamais
foi uma celebridade religiosa. Celebridade
religiosa foram Mãe Menininha do Gantois,
Mãe Senhora, João da Goméia e atualmente,
em menor grau, mãe Stela do Opô Afonjá.

Resposta: Novamente, uma confusão do sentido das palavras. Verger é

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (9 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

ou não é "uma celebridade religiosa"? Sim e não. É óbvio que no meu


texto essa expressão tem um sentido irônico, para refletir a
ambigüidade mesma do personagem, que por um lado era uma
tremenda força legitimadora a serviço dos cultos afro perante o mundo
acadêmico (nesse sentido, uma "celebridade" e não uma "autoridade",
embora na África fosse recebido em muitas tribos quase com honras de
chefe de Estado) e, por outro, não podia mesmo ser uma autoridade
religiosa "oficial" num culto que não tem hierarquia oficial nenhuma e
onde tudo é uma questão de prestígio informal, escorregadia a mais não
poder. A própria D. Rita reconhece essa ambigüidade, mas apenas nos
seus reflexos exteriores entre os acadêmicos, de um lado, e os religiosos,
de outro, como se esse duplo reflexo fosse o fruto de um engano geral e
não emanasse da duplicidade de papéis do próprio Verger. Se Verger
tinha ou não tinha "fé", se a tinha às terças, quintas e sábados e não
tinha às segundas, quartas e sextas (descansando no domingo como o
bom Deus), isso é perfeitamente irrelevante, pois a tentativa de
introduzir o conceito de "fé" num culto mágico (onde o que conta, ao
menos supostamente, é a atuação objetiva das forças em jogo e não a
subjetividade do "crente", que nesse caso se diria antes um "cliente") é
uma cristianização artificial e ex post facto, sem o menor sentido e,
aliás, sem a menor respeitabilidade científica. O que importa é que,
perante a academia, Verger era um representante dos cultos afro e, no
meio afro (pelo menos quando havia algum acadêmico olhando), era
apenas um observador antropológico simpático. É o próprio Monsieur
Ouine (de Oui+Non) do romance de Bernanos.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (10 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

3.

"A propósito do sr. Verger, é preciso lembrar


que a ambigüidade do seu personagem vai
além do simples fato de ser um branco a
suprema autoridade da religião negra: o sr.
Verger é um ser bifronte, misto de
antropólogo e pai-de-santo – uma posição que
lhe permite mudar a clave de seu discurso
conforme as demandas do momento, ora
falando do culto africano com a liberdade de
um espectador científico livre e
descomprometido, ora com a autoridade de
um porta-voz oficial. Essa duplicidade de
papéis por sua vez permite que ele desfrute do
prestígio da autoridade religiosa sem ter de
arcar com a concomitante responsabilidade."

Jamais Pierre Verger falou como pai-de-


santo. ALGUNS religiosos, ou por menor
tradição ou intelectualizados é que tomaram
seus trabalhos como "bíblia" do candomblé,
coisa que ele jamais se propôs como objetivo.
Para se certificar disso, leiam-se todos os
trabalhos de Pierre Verger e os
comentaristas deste trabalho, entre eles

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

Silva, Prandi, Ferretti, Braga e outros.

Resposta: Santa Misericórdia! Se D. Rita admite que os trabalhos de


Verger chegaram a ser tomados como bíblia por "alguns" crentes
(quantos? dois? três? dez mil?), isto resulta precisamente em admitir
que ele foi aceito como autoridade religiosa dentro dos próprios meios
afro, ainda que por ignorantes. E aliás quem julgará a ignorância ou
sapiência deles: a acadêmica D. Rita ou o próprio meio religioso que os
aceitou como membros, aceitando, por tabela, que seguissem a
autoridade de Verger? D. Rita argumenta como um cardeal que dissesse
que o bispo Macedo não é autoridade religiosa porque não foi ordenado
padre e só é seguido por ignorantes. Ora, autoridade religiosa, por
definição, é quem como tal é aceito por uma roda de crentes, grande ou
pequena, culta ou inculta. O próprio Jesus Cristo só foi aceito, no início,
por uns poucos homens incultos, e certamente não teve de aguardar o
beneplácito de cultíssimos cardeais para se tornar autoridade.

4.

"Os hierarcas das demais religiões, se recebem


a veneração e obediência de seus fiéis, por
outro lado têm de responder, perante a
sociedade, pelos pontos de sua doutrina que
pareçam duvidosos ou extravagantes aos
olhos dos não-crentes. (...) Nenhum desses
sacerdotes está em posição de furtar-se às

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

cobranças que os de fora possam fazer à sua


religião. É precisamente essa a posição que o
sr. Verger ocupa na sociedade brasileira."

Como Verger não era um hierarca da


religião, e sim um etnógrafo que convivia
com o grupo estudado, grupo este que bem
sabia sobre sua posição, jamais alguém
pretendeu cobrar de Verger algo que ele não
se propunha como objetivo de vida ou
científico. Conseqüentemente, nada poderia
lhe ser cobrado senão do ponto de vista
acadêmico, e isto sempre foi feito e cobrado
muito caro o fato de ele não analisar seus
dados e tomar uma posição sobre o papel
destes cultos na sociedade brasileira.

Resposta: Conversa mole. Se os livros dele circulavam como "bíblias",


influenciavam religiosamente seus leitores. Por outro lado, os mesmos
livros não apareciam ante o mundo acadêmico como meros estudos
neutros, mas como apologia e – por que não dizê-lo – como propaganda
dos cultos afro, e não deixaram de ser eficazes nesse sentido, como se vê
pela ampla adesão de intelectuais e acadêmicos a esses cultos.

Assim, Verger, pela sua atuação prática, tinha força de autoridade,


prestígio de autoridade, mas, como essa autoridade ficava implícita, ele
podia a qualquer momento isentar-se da correspondente
responsabilidade (ou ser dela isentado por solícitos admiradores como

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

D. Rita).

5.

Também não é verdade que os sacerdotes de


várias religiões não se furtem a responder
sobre dogmas religiosos. TODOS fazem isto
quando sabem que as questões são
polemicas.

Resposta: No cristianismo e no judaísmo a apologética, com sua


componente polêmica essencial, é uma das partes mais importantes da
formação do sacerdote, e no Islam (onde não há sacerdócio formal), ela
é obrigação estrita de todo crente. A polêmica com os descrentes e com
os fiéis de outras religiões constitui – para nos atermos só aos textos
clássicos do cristianismo – pelo menos uma quarta parte dos trezentos
volumes (de mil páginas cada) da Patrística Latina e dos quatrocentos
da Grega. Todas as Sumas católicas nada fazem senão reproduzir
polêmicas correntes da época, e todo o imenso desenvolvimento da
dialética como arte da discussão, entre Aristóteles e Hegel, foi devido
exclusivamente ao clero católico, o que seria realmente um esforço
inexplicável se tudo fosse para fugir das polêmicas. Mais
modernamente, os jesuítas se tornaram célebres por sua habilidade
argumentativa, e não há uma só objeção ao dogma católico que não
tenha produzido centenas de livros e folhetos jesuíticos em resposta.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (14 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

Compreendo que D. Rita, com a cabeça cheia de antropologia, não tenha


tido tempo para conhecer as religiões que ela julga provavelmente
serem "de brancos" (talvez também de imperialistas), e se limite a
projetar sobre elas os preconceitos do meio mais cretino, inculto e
provinciano que existe, que é o da ciência social acadêmica (sobretudo
brasileira).

Não é curioso que uma acadêmica ocidental, sem raízes africanas, saiba
tanto sobre os cultos afro e ignore a sua tradição própria tradição de
origem ao ponto de imaginar que os padres fogem de polêmicas, quando
na verdade não fizeram senão polemizar por dois mil anos?

E não é curioso que esses antropólogos estudem tão profundamente


uma só religião – justamente uma das mais estranhas ao seu meio de
origem –, e ignorem tão profundamente todas as demais (exceto,
eventualmente, as que foram postas na moda pela New Age)? Não é
inevitável que, por falta de pontos de comparação, percam totalmente o
senso das proporções e acabem recorrendo a conceitos inadequados a
seu objeto, como por exemplo o conceito de "fé" aplicado a um culto
mágico?

6.

E dizer que Pierre Verger ocupa uma posição


na sociedade brasileira é um exagero, dado
que a imensa maioria dos brasileiros

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (15 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

desconhece quem ele seja. Talvez ele tenha


um papel importante para o candomblé, e em
muito menor grau a umbanda, por seu
trabalho etnográfico.

Resposta: D. Rita viu quantas páginas inteiras de jornais e revistas


prantearam a morte desse ilustre desconhecido? Viu quantos livros de
arte ele, em vida, publicou em edições caríssimas financiadas por
empresas milionárias? Viu quantas celebridades estrangeiras foram
render-lhe homenagens em vida e no funeral? E note: todos os que
falaram sobre ele jamais o apresentaram como um puro cientista, mas
sempre como alguém que personificava o espírito mesmo da cultura
afro.

Negar que Verger fosse uma celebridade e que essa celebridade fosse
um emblema (ao menos publicitário e legitimador) do africanismo no
Brasil é mais que um erro: é uma mentira tola.

7.

"Assim, por exemplo, no seu recente livro


Ewé. O Uso das Plantas na Sociedade Yoruba
(Salvador, Odebrecht, 1995) ele nos dá várias
receitas de mandingas usadas no candomblé
para matar pessoas, sem que a ninguém
ocorra acusá-lo de pregar uma religião
homicida – pois afinal ele está falando como

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

observador científico e não como porta-voz


responsável pela crença que prega. É um
privilégio que nenhuma autoridade religiosa
deste mundo pode invocar."

Do ponto de vista da antropologia, ciência


que Pierre Verger pretendia praticar (os
antropólogos nem sempre aceitam o trabalho
de Verger como antropologia e sim como
etnografia (descrição detalhada e sem
valores pré-estabelecidos de uma prática ou
um fenômeno cultural), porque ele não faz a
tal análise a que me referi acima, ele
certamente não está fazendo proselitismo do
assassinato apenas porque mostra em seus
livros que existe em magia uma receita para
matar pessoas. Do ponto de vista científico,
que é o ponto de vista de Verger, nenhuma
fórmula mágica será capaz de matar uma
pessoa. As pessoas morrem de doenças
(físicas ou psicossomáticas) e acidentes, e
jamais pela interferência de qualquer
elemento sobrenatural ou vontade divina. E
como ele não escrevia para religiosos e sim
para a academia, este problema não deveria
existir.

Resposta: Se um apologista diz que numa determinada religião há ritos

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

e receitas para matar pessoas e que essa religião é uma coisa linda, que é
que se pode concluir senão que, do ponto de vista dessa linda religião e
desse lindo apologista matar pessoas por meio de ritos e receitas é coisa
normal e louvável? Não há como fugir disso, por mais piruetas verbais
que se dêem.

8.

Apenas, Pierre Verger esqueceu que numa


sociedade urbana, pluricultural, cosmopolita,
seus trabalhos estariam em livrarias, e tanto
acadêmicos como não acadêmicos teriam
acesso a seus trabalhos, lendo-os e
interpretando-os como bem quisessem. (...)
Mas como Verger era um fotógrafo, mesmo
seus textos têm esta preocupação com o
detalhe, com a minúcia, muitas vezes vistas
pelos pais e mães de santo como uma traição
de Verger...

Resposta: Ou seja: o único erro do Sr. Verger foi dar com a língua nos
dentes, revelando aos profanos um segredo homicida que deveria ficar
restrito ao círculo de iniciados.

9.

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

"Para piorar as coisas, a nenhuma autoridade


religiosa deste mundo é moralmente
permitido ensinar a prática de ritos sem que
esteja persuadida da eficácia desses ritos."

Mas Verger não acreditava que estava


ensinando ritos. Estava descrevendo. Quem
vai aprender nos livros dele é porque não
sabe nada e deveria ter aprendido com seus
mais velhos.

Resposta: Mas esses "mais velhos" teriam de ser tremendamente


hipócritas para, em público, dar um cargo honorífico ao sr. Verger e, em
particular, advertir a seus filhos para que não acreditassem numa
palavra do ensinamento dele, não é verdade? De modo que, das duas
uma: ou reconheceram sinceramente que o Sr. Verger tinha alguma
autoridade para falar em nome da sua religião ou eram todos uns
embrulhões como ele. Tertium non datur.

10.

"Um rabino não submeterá meninos ao bar-


mitzvah, ou um padre os submeterá ao
batismo, dizendo-lhes ao mesmo tempo que
se trata provavelmente de ritos inócuos, sem
eficácia neste mundo ou no outro."

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

Certamente. Mas Verger, não era um


sacerdote. O Sr. Olavo se equivoca
novamente, tomando como premissa, penso,
o fato de Pierre Verger ter recebido o oye
(cargo) de Oju Obá depois que estudou o jogo
de búzios. Esta foi a maneira que o
candomblé encontrou para submeter Verger
ao duplo código, exigindo de modo sutil, que
ele se comprometesse minimamente com a
religião. O que ele se recusou a fazer,
deixando bastante claro seu respeito e
admiração, mas sua posição observador e
não de adepto.

Resposta: O motivo político, oportunista ou maquiavélico que levou os


candomblezeiros a dar o cargo ao Sr. Pierre Verger é absolutamente
irrelevante, tal como é irrelevante, para a legitimidade do cargo, que um
sujeito seja nomeado cardeal por ser um santo ou por ser sobrinho do
prefeito. Se ao mesmo tempo Verger, continuando a fazer propaganda
do candomblé, se recusava a assumir uma responsabilidade explícita,
isto só confirma o que eu disse: era um homem de dupla face, o
bilinguis maledictus de que fala o Evangelho.

11.

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

"Mas o caráter peculiar de sua religião e a


posição ainda mais peculiar que dentro dela
ocupa permitem que o sr. Verger ensine os
ritos homicidas ao mesmo tempo que deixa
numa conveniente ambigüidade as questões
que uma consciência religiosa sã jamais
deixaria de buscar esclarecer: Esses ritos
funcionam ou não? São praticados ou não?"

Novo equívoco. Estas perguntas não se


colocam pra um cientista. Se funcionam ou
não funcionam a partir da fórmula não é
importante, pois se tem como premissa de
que são meras abstrações rituais, onde o
desejo de morte do outro é mais importante
que a fórmula.. O importante é que se
acredite que funcione. Todo o sistema de
relações vai mudar a partir da idéia que se
tenha de que é possível matar de longe. O
mesmo para se são praticados ou não.

Resposta: Bem sei que os antropólogos pensam assim, mas o fato de


pensarem assim torna ilegítimo o ponto-de-vista antropológico e reduz
a antropologia à pseudo-ciência que ela jamais deixou de ser. Dizer que
a eficácia mortífera de um instrumento qualquer é irrelevante para o seu
estudo, que o que importa é a "função social" da crença nessa eficácia,
eis um pressuposto absurdo e pueril que os antropólogos aceitam como
um dogma, sem nem pensar na enormidade do que estão dizendo. Pois,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (21 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

se a eficácia do instrumento é objetivamente comprovada, o motivo de


crer na sua eficácia é um; e, se não é jamais comprovada, o motivo é
outro completamente diverso. Acreditar que essas duas "crenças"
possam ter numa cultura um papel idêntico é tapar o sol com a peneira.

Curiosamente, os mesmos antropólogos que proclamam a identidade


funcional do homicídio e do mero desejo de matar são os primeiros a
denunciar como violência repressiva injusta os processos contra as
bruxas na Idade Média, alegando que a intenção mortífera das bruxarias
era apenas uma ilusão inofensiva.

De um ponto de vista mais geral, tive recentemente, no New Europe


College de Bucareste, uma troca de idéias com o Prof. Jacques Julliard,
um estudioso de religiões da Universidade de Paris, o qual não teve
remédio senão concordar com as minhas observações, que transcrevo a
seguir:

Pour plus kantien qu’on se veuille, les réligions ne sont pas


que des expressions du désir et du sentiment. Elles ont des
doctrines qui portent sur la réalité et qui font des
jugements sur le vrai et le faux. Quelques uns de ces
jugements concernent des realités d’ordre supra-sensible
que la tradition kantienne jamais reniée par
l’establishment universitaire a quelque raison de mettre au-
delà de nos moyens de vérification, mais quelques autres
concernent des faits – ou supposés tels –, par exemple que
les armées du Pharaoh ont eté englouties par la mer, que
Jésus-Christ a guéri des lépreux ou qu’il a multiplié des

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

pains, que tel saint a fait tel miracle à tel endroit ou qu’un
homme illettré a écrit en langue très cultivée le plus beau
livre de la littérature arabe. La verité des jugements de ce
dernier tipe, qu’il n’est pas impossible d’établir du moins
en théorie par des moyens purement humains, est censée
valoir comme indice, si ce n’est pas comme preuve, des
jugements du premier type, c’est à dire, comme des
renforcéments apportés à la foi par la miséricorde divine.
La connexion inséparable de ces deux types de verités est
même quelque chose d’essentiel et d’omniprésent en toutes
les grandes réligions. Depouillées de leur prétention à dire
la vérité, et surtout de cette solidarité mutuelle des verités
visibles et invisibles, les réligions ne deviennent que des
écritures indéchifrables, des esthétismes muets que chacun
est libre d’interpreter à son aise, c’est à dire, elles n’ont
plus de sens que projéctif et, à vrai dire, hallucinatoire.
C’est comme si on avait la prétention d’expliquer
scientifiquement la symptomatologie paranoïaque d’un
homme qui s’affirme persecuté pour un chien sans nous
demander le moins du monde s’il-y-a où s’il-n’y-a pas un
chien quelconque derrière lui.

Cependant, il est un fait incontestable que tout l’approche


moderne et soi disant scientifique des réligions, quand il ne
nie pas tout d’emblée et sans la moindre discussion la
verité de leurs doctrines, commence du moins pour faire
abstraction de leur vérité ou fausseté et pour ne les étudier

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica
"qu’en tant que phénomènes sociaux" (où historiques,
anthropologiques, sémiotiques, etc.), comme si leur
phenomenalité même n’était pas celle d’une doctrine qui se
présente comme vraie; comme si des affirmations coupées
de toute rélation avec leur objet pouvaient encore être
"comprises" si ce n’est que comme des pures formes vides.
On parle donc de croyance réligieuse, de rites réligieux, de
code moral réligieux, de symbolisme réligieux, comme si
tout cela était inventé à propos de rien et d’une façon
complètement indifférente aux objets spirituels et
matériels qui en sont le contenu intentionnel. Il est
presque inévitable qu’une telle façon d’envisager la réligion
finisse pour en faire un schème vide qui peut être
transposé et utilisé en profit de quelque doctrine que ce
soit. Sous cet aspect, l’étude prétendument scientifique des
réligions est, par un côté, une succession d’éssais pour fuir
le noyau de son sujet, et, d’un autre côté, il est un
instrument d’adaptation des extériorités de la réligion aux
bésoins de doctrines non-réligieuses, c’est à dire, il est une
machine à produire des "réligions de substitution". La
question que je vous pose est partant celle-ci: Comment
des sciences tellement conçues peuvent expliquer le
phénomène des réligions de substitution? Est-ce que
l’intélligence de nos contemporains a réussi à produire ce
prodige de petitio principii qui sérait une science capable
de déduire de sa propre existence la nature de son objet?

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O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

12.

"Pois, se declaradamente não funcionam, sua


religião é uma farsa. Se funcionam, é
intrinsecamente homicida. Se funcionam e
são correntemente praticados, já não se trata
somente de uma doutrina homicida, mas de
um costume homicida generalizado e
legitimado pela religião."

Você nota que todo o problema dele é que ele


ACREDITA que se a fórmula funcionar os
que lêem os livros vão sair matando todo
mundo e a culpa é do Verger?

Resposta: Se eu acreditasse estritamente nessa hipótese ela não seria


hipótese e não teria sido escrita com a conjunção condicional "se". E uso
a mesma conjunção para dizer: Se D. Rita não fosse uma pessoa
tremendamente confusa – como em geral o são os cientistas sociais –,
ela se absteria de buscar compensação para a fragilidade de seus
argumentos ocultando-se por trás de diagnósticos conjeturais sobre as
pretensas intenções ocultas de seu adversário.

13.

Que se ele conhecesse o candomblé, jamais

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (25 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

poderia supor que é uma religião homicida,


senão com o malicioso intuito de ver nela
algo demoníaco, como a igreja católica
sempre fez, os protestantes e etc. por não
compreenderem e não se darem o trabalho
de compreender o pensamento destas
religiões? Elas, pelo contrário, são religiões
de vida. No candomblé não existe pecado e
não é necessário morrer pra ser feliz."

Resposta: Precisamente: as religiões "da vida" são precisamente aquelas


onde a violência ritual contra seres humanos é um costume
estabelecido. Sugiro a D. Rita que, em vez de ficar lendo dezenas de
antropologuinhos de vigésimo time, leia logo René Girard e tire essa
dúvida para sempre. A bibliografia não é extensa: bastam La Violence et
le Sacré, Le Bouc Emissaire e Choses Cachées depuis la Fondation du
Monde.

14.

"Convenhamos que são questões incômodas.


Mas por que conceder ao sr. Verger o
privilégio de permanecer na indefinição ante
essas perguntas, quando as demais
autoridades religiosas são constantemente
cobradas até mesmo por violências indevidas

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (26 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

e sem relação com o dogma – ou mesmo


contrárias a ele – que seus correligionários
tenham cometido no passado?" (Olavo de
Carvalho, em "A divida dos faraós", em O
Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais
Brasileiras)

Pois então. Verger nunca foi uma autoridade


religiosa. Talvez apenas do ponto de vista de
algumas pessoas como o Sr. Olavo. Logo,
todo o texto é um grande equívoco ao pedir
explicações que Verger não deve e nunca
deveu e que agora, depois de morto, jamais
dará. Gostaria apenas de entender por que o
texto se chama "A dívida dos faraós", pois
nada vi nele que justificasse tal título.

Resposta: O texto chama-se "A dívida dos faraós" porque diz logo de
cara o seguinte: "Movidos pela oratória de intelectuais esquizofrênicos,
os negros agora exigem uma indenização dos bisnetos de seus antigos
senhores, mas ao mesmo tempo gabam-se de ser descendentes dos
faraós, que escravizaram dezenas de povos durante quinze séculos. Não
vejo como poderão escapar da pergunta: — Por que vocês não pagam
primeiro o que devem aos judeus?" Não vejo como explicar isso mais
claro, mas talvez D. Rita, de tanto estudar antropologia, não tivesse
tempo de ler a Bíblia para saber que os judeus foram escravos dos
egípcios.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verger.htm (27 de 28)16/4/2007 09:42:28


O africanismo de Pierre Verger: uma polêmica

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Reparando uma injustiça pessoal

Reparando uma injustiça pessoal

OLAVO DE CARVALHO

Discurso pronunciado no
Clube Militar do Rio de Janeiro
em 31 de Março de 1999.

Transcrição revista pelo autor.

NB – Meu artigo "A história oficial de 1964", publicado em O Globo de


19 de janeiro de 1999, que nenhum mandarim da esquerda ousou
responder, todos deixando o espinhoso encargo para uma inábil
professorinha do interior que acabou confirmando todos os meus
argumentos, trouxe para o autor um presente inesperado e — nos dias
que correm — bastante incômodo: a amizade dos militares. É preciso
estar maluco para declarar isto em público, mas é certo que essa
amizade muito me honra e me alegra. E foi ela que levou dois ilustres
militares brasileiros, o Cel. Luís Paulo Macedo Carvalho, presidente do
Instituto de História e Geografia Militar, e o Gen. Hélio Ibiapina Lima,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/reparando.htm (1 de 25)16/4/2007 09:42:42


Reparando uma injustiça pessoal

presidente do Clube Militar, a me convidar para falar nessas duas


instituições, respectivamente nos dias 30 e 31 de março passado. O que
eu disse numa e na outra foi mais ou menos a mesma coisa, mas o
discurso do Clube Militar foi gravado e transcrito, o que me permite
reproduzi-lo nesta homepage. O discurso foi pronunciado de
improviso, sem notas. Publico aqui a transcrição integral da gravação
em fita, sem alterações, apenas corrigida em detalhes de linguagem e
completada nos pontos truncados. — O. de C.

Agradeço comovido ao General Hélio Ibiapina e a todos os queridos


amigos do Clube Militar este convite que muito me alegra, e peço
permissão para começar esta conferência com uns detalhes
autobiográficos, não por vaidade, absolutamente, mas apenas porque
alguns fatos da minha vida se encaixam muito bem no assunto que
vamos abordar aqui.

Existem pessoas que têm o dom de se aproximar de quem está no poder.


Eu pareço que fui brindado com o dom contrário. No tempo dos
governos militares, logo no começo, entre 1966 e 68, eu era um
militante do Partido Comunista e odiava os militares; eu os chamava de
"gorilas", como aliás todo mundo naquele meio. Tive muitos amigos e
parentes que foram prejudicados pelo governo militar e durante todo
aquele período eu me senti marginalizado, como muitos membros da
minha geração, em razão de minha hostilidade ao regime. Hoje em dia,
quando os esquerdistas estão no poder, dominam tudo e estão passando
muito bem de saúde, já não estou mais ao lado deles e estou aqui

http://www.olavodecarvalho.org/textos/reparando.htm (2 de 25)16/4/2007 09:42:42


Reparando uma injustiça pessoal

falando para vocês. Por isto é que digo que fui brindado com este dom
de fazer sempre as amizades mais inconvenientes no momento. Todos
conhecemos muitas pessoas que fizeram carreira no regime militar e tão
logo a situação mudou trataram de trocar de amizades, porque era
melhor para a sua saúde...

Ora, toda a experiência que vivi, primeiro ao lado dos esquerdistas e


depois numa longa solidão para a qual me retirei após ter me desiludido
com a perspectiva socialista, para poder meditar e refazer de certo modo
o meu mundo de idéias, toda esta experiência me ensinou, em primeiro
lugar, a inconveniência de falar quando não se tem um mínimo de
certeza razoável. Devo lembrar aos senhores que a minha atuação
pública começa apenas em 1996, com o livro O Imbecil Coletivo. Até aí a
minha vida tinha sido muito modesta, muito discreta, dando minhas
aulinhas e escrevendo uns livros de filosofia que ninguém lia. Só
publiquei O Imbecil Coletivo porque observei a ascensão de um tipo de
mentalidade destrutiva, não só do ponto de vista político mas sobretudo
no que diz respeito à destruição da inteligência humana. Tendo
observado fatos cada vez mais alarmantes, na área cultural, e vendo que
ninguém dava sinal de tê-los percebido, eu disse a mim mesmo: "Parece
que sobrou para mim". Então, com competência ou sem ela, foi
necessário fazer alguma coisa. Esse livro, na época, desencadeou uma
onda que eu não diria de raiva, foi mais onda de pânico, entre pessoas
do meio intelectual que jamais tinham sido criticadas no mais mínimo
que fosse e que estavam acostumadas com o dogma da intangibilidade
sacrossanta de suas pessoas. Um deles, lembro-me claramente, foi o
prof. Leandro Konder, um comunista histórico, um homem que nunca

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Reparando uma injustiça pessoal
foi criticado par nada, um homem sem defeito, um homem sem mácula
e que, onde quer que vocês perguntem a respeito dele, lhes dirão: "O
Leandro é uma moça", "O Leandro é um cavalheiro, é um gentleman."
Dele não se fala mal. E esse homem, por conta do seu prestigio de
gentleman, vinha não só mentindo compulsivamente em assuntos
culturais, mas pregando idéias bastante destrutivas, por trinta anos
protegido pelo manto de sua pretensa delicadeza. Então, quando ousei
mexer nessa figura, muita gente ficou escandalizada, parecia que ia ter
um enfarte, e eu notei que para essas pessoas doía mais nos seus
corações ver alguém destratar intelectualmente um Leandro Konder,
um Oscar Niemeyer ou alguém assim, do que ouvir blasfêmias contra
Jesus Cristo. Eu cheguei a ver pessoas, em conferências minhas,
passarem mal fisicamente ao ver-me desmascarar certas figuras da sua
adoração. Tudo isso eu vi com estes dois olhos, não estou inventando
nada. Eu vi no rosto dessas pessoas a emoção que a Bíblia chama
"escândalo". Que é o escândalo, no sentido bíblico do termo? O
escândalo é um fato que desmente a nossa fé, que viola a integridade da
nossa alma e abala a nossa confiança na ordem do universo.

Então, quando eu dizia certas coisas para certas platéias, as pessoas


sentiam a emoção do escândalo, uma espécie de terror espiritual ante a
morte do seu Deus. Não posso dizer que os artigos que publiquei,
reunidos nesse livro, tenham suscitado propriamente ódio ou rancor. Eu
tenho certeza de que suscitaram medo.

As pessoas sempre me perguntam se nunca recebi pressões ou se fui


intimidado ou ameaçado. Sim, isso aconteceu algumas vezes, mas
ninguém fica trinta anos quieto num canto, pensando, para depois

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Reparando uma injustiça pessoal

recuar ao surgir a primeira reação adversa. Recuamos só quando, na


juventude, no arrebatamento do entusiasmo, nos levantamos de
improviso contra algo que no calor da hora nos parece errado e o
adversário reage, aí sim nos intimidamos e corremos e pomos o rabo
entre as pernas. Praticamente toda a minha geração fez isso. Fez isso
baseada sobretudo no mito lisonjeiro de que a juventude é idealista e de
que a juventude tem amor à justiça. Ora, o que vocês achariam de um
juiz de quinze anos de idade que condenasse o réu sem sequer tê-lo
ouvido? Não há amor à justiça quando não há amor à verdade, e não há
amor à verdade quando não há sequer a paciência de esperar para
conhecê-la. Isto quer dizer que esse famoso amor à justiça que se atribui
à juventude é apenas vaidade, pretensão e arrogância. Evidentemente
esses sentimentos baixos, como todas as paixões infames de que o ser
humano é capaz, sempre podem ser muito bem trabalhados e
aproveitados por pessoas sedutoras. A palavra "sedutor" vem do latim
sub ducere. Ducere é "conduzir", e sub, "por baixo". Quer dizer: o
sedutor é alguém que nos conduz pela nossa parte inferior, pela nossa
parte fraca e pelas nossas tendências abissais ocultas. Ora, não há
tendência mais baixa do que a vaidade e a arrogância rancorosa. Quem
quer que diga a um garoto de quinze anos que ele é superior à geração
de seus pais porque tem o espirito da justiça é apenas um sedutor barato
e mentiroso. Mas acho que não houve na história do século XX uma
única geração que não tenha ouvido esse canto de sereia. Eu também
ouvi, eu também fui seduzido, eu também achei maravilhoso me
imaginar o grande justiceiro: aos dezessete, dezoito anos eu tinha a
certeza de que sabia quais eram os males do mundo, de que eu sabia
quais eram os culpados pelos males do mundo e qual a punição que

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Reparando uma injustiça pessoal

deveria lhes ser aplicada. Também tinha a certeza de que o principal


mal do mundo era que não me dessem os instrumentos de punir todos
os culpados. Ou seja: para resolver tudo bastava uma só coisa — dar o
poder absoluto ao Olavo de Carvalho e a seus cumpinchas. Então tudo
estaria resolvido, isto eu achava aos dezessete anos e toda a minha
geração pensava como eu. Vocês chamam isso de espirito de justiça? Eu
chamo de espirito de estupidez, espirito de arrogância, espírito da
pretensão boba. A diferença entre eu e os meus companheiros de
geração é a seguinte: eu percebi isso e eles não.

Quando falo em companheiros de geração, às vezes se trata de pessoas


que me eram bem mais próximas que meros companheiros de geração.
Durante um certo tempo dividi um apartamento com o Rui Falcão, que
foi presidente do PT, e ambos éramos amigões do José Dirceu, que não
saía dali; então, esses eram os meus companheiros. Eu percebi que eu
era um palhaço arrogante e eles nada perceberam de si mesmos até hoje.

Não sei se cheguei a ser alguma coisa que preste, mas aquela porcaria
que eu era já não sou mais. Não consigo mais me enganar com tanta
facilidade, não consigo dizer a mim mesmo, como naquela época:
"Olavo, você sabe quem são os culpados dos males do mundo", "Olavo,
você tem o direito de reivindicar a posse do chicote universal para
açoitar o lombo de todos os malvados", e assim par diante. Ora, estou
com 52 anos, alguma coisa devo ter aprendido neste período, mas
certamente, se aprendi, foi porque me abstive de falar durante vinte
anos ou mais. Ontem mesmo, na conferência que fiz no Instituto de
Geografia e História Militar, estava contando que fiz como Buda, que,
sendo tomado por uma dúvida, sentou ao pé de uma árvore e disse: Não

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Reparando uma injustiça pessoal

me levanto daqui até descobrir a resposta. Eu também tive um amigo, já


falecido, que foi um grande psicólogo clinico, Juan Alfredo César
Müller, o qual, na sua juventude, tendo terríveis dúvidas vocacionais,
entrou numa igreja e disse para si mesmo: "Vou me ajoelhar e vou rezar
até obter a resposta ou vou morrer ajoelhado aqui." Assim, ele obteve a
evidência, uma espécie de sinal divino de que ele devia seguir a carreira
de psicólogo, e raramente uma vocação foi tão acertada como a desse
grande gênio da psicologia clinica . Quando a gente quer a verdade a
gente faz assim, quando a gente não quer a gente inventa uma qualquer,
a que nos pareça a mais lisonjeira, a que agrade ao nosso grupo de
referência, e condenamos o resto do mundo porque ele não concorda
conosco. Quem estudar brevemente a história do século XX verá que
todos os movimentos destrutivos, todos os movimentos responsáveis
por massacre de mi1hões de pessoas, todos eles, foram sempre
encabeçados por jovens, e que a militância a serviço desses movimentos
foi sempre de jovens. Isso será porque o jovem tem espirito de justiça?
Somem o número dos mortos; cem milhões do comunismo, mais vinte
mi1hões do fascismo e assim par diante, sem contar a maravilhosa
militância de 1968 — Woodstock — em favor da disseminação das
drogas, que transformou o mundo num feudo dos traficantes. Quantas
pessoas as drogas mataram e a quem incumbe a culpa disso? A culpa
inteira cabe a estes jovens, cujos pais covardemente continuam a
lisonjeá-los, dizendo: "Vocês têm o espirito da justiça", "Vocês têm o
espirito da verdade", "Vocês são melhores que nós". Nunca se deve dizer
isso a um filho, nunca, nunca, nunca. Um século de lisonja à juventude
deu em duzentos mi1hões de mortos. Será que não está na hora de parar
com isso? Será que não está na hora de os adultos aprenderem que os

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Reparando uma injustiça pessoal

jovens não devem ser lisonjeados e sim educados, mesmo que isto os
contrarie? Muito bem, eu tive um monte de filhos, tenho oito filhos,
nunca os maltratei, nunca os humilhei, mas também nunca os lisonjeei.
Eu disse apenas o que um pai deve dizer a um filho: "Eu te amo, meu
filho", "Saia de cima do muro que você vai cair", "Pare de maltratar o
seu irmãozinho", e todas essas coisas de pai. Mas nunca disse: "Você é a
encarnação do espírito de justiça", "Você é a consciência moral do seu
pai", e nenhuma dessas coisas covardes que corrompem a alma da
juventude. Podemos expressar bons sentimentos pelos nossos filhos
sem lhes inocular a mais destrutiva das ilusões. Mas a nossa geração
recebeu doses imensas, doses cavalares desta lisonja. E, assim
lisonjeados, acreditamos que bastava nos dar armas e que o resto nós
faríamos: construiríamos um mundo melhor. E como construiríamos
um mundo melhor? Pelo velho expediente de matar — matar quem não
o desejasse. Esta é sempre a solução, qualquer que seja o problema, não
é mesmo? Nós tomamos em sentido literal o que dizia Jean Paul Sartre:
"O inferno são os outros". Basta matá-los e está tudo resolvido, basta
matar quem não concorda conosco. Sendo educado nesta mentalidade,
— da qual felizmente me livrei, mas me livrei progressivamente, porque
é uma ilusão pensar que você se livra do veneno marxista simplesmente
trocando a carteirinha do seu clube; não é assim, é um processo interior
que requer uma verdadeira psicanálise, uma retirada progressiva dos
enclaves, dos complexos, dos cacoetes mentais que se impregnam
profundamente na nossa alma —, tendo sido educado nesta
mentalidade, foi assim que julguei o movimento de 1964. Para julgá-lo,
condená-lo e abominá-lo eu não precisei saber quase nada a respeito
dele. Bastou ouvir uma palavra. E qual era essa palavra? Era a palavra

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Reparando uma injustiça pessoal

mágica – "a Direita". Qual era o crime dos militares? Eles eram a
Direita. Ora, a Direita quer dizer necessariamente o mal, portanto eles
eram o mal encarnado. Não interessava saber o que estavam fazendo,
por que estavam fazendo, etc. Não era preciso saber nada a respeito
deles para odiá-los e condená-los. Era uma espécie de maldade
onto1ógica que estava grudada na constituição deles,
independentemente do que fizessem ou deixassem de fazer. Se um
militar socorresse um doente na rua ele continuaria sendo mau, e se um
homem da esquerda maltratasse uma criancinha, ainda assim ele
continuaria sendo bom, porque a bondade e a maldade não dependiam
dos atos e sim da identidade ideológica. Ora esta metafísica, esta
horrenda metafísica maniquéia, ela na verdade é a essência mesma da
política. Um dos grandes teóricos da política no século XX foi Carl
Schmitt. Ele se perguntou qual a essência da política, o que distingue a
política de outras atividades, o que distingue a política da moral, do
direito da economia etc. E ele diz o seguinte: quando um conflito entre
facções não pode ser arbitrado racionalmente pela análise do conteúdo
dos conceitos em jogo e quando portanto o conflito se torna apenas
confronto nu e cru de um grupo de amigos contra um grupo de
inimigos, isto chama-se — Política. Ora, é fácil você compreender que
nesse sentido a definição de Schmitt inverte a definição de Clausewitz
que diz que a guerra é uma continuação da política por outros meios.
Schmitt descobriu, muito mais realisticamente, que a política é uma
continuação da guerra par outros meios. Ora, durante toda a história
humana existiu política mas havia outras dimensões e outras atividades
que eram consideradas mais importantes. A religião era uma delas,
mesmo os governantes se ocupavam mais de religião que de política. No

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Reparando uma injustiça pessoal

século XIX, um homem chamado Napoleão Bonaparte descobre uma


coisa terrível: a política, diz ele, é o destino inevitável dos tempos
modernos. Tudo vai virar política e os homens não se ocuparão senão de
política. Ele descobre a politização geral de tudo. E o que significa a
politização geral? Significa que todos os conflitos já não poderão mais
ser arbitrados pela análise dos conteúdos dos termos em questão, mas
serão resolvidos sempre por um confronto de forças entre o grupo dos
amigos e o grupo dos inimigos. Ou seja, terminou a civilização e
começou a barbárie. A politização geral de tudo é simplesmente a
barbárie, a violência institucionalizada, seja sob a forma de violência
física, seja como a violência moral da mentira imposta como verdade
obrigatória. Napoleão previu isso no começo do século XIX, mas a
previsão dele só se torna plenamente efetiva no Século XX. No século
XX tudo é politizado, e por isso mesmo este foi o século mais violento e
mais sanguinário da história humana. A partir do século XIX você vê
um crescimento do índice de violência, absolutamente incomparável
com o crescimento paralelo da população. A politização geral da vida
quer dizer que um garoto de quinze, de dezesseis anos, que mal está
entrando na vida, que não tem a menor idéia do que se passa neste
planeta, já está cooptado, já está inscrito no grupo dos amigos, cuja
única finalidade é matar o grupos dos inimigos. Mas isto é vida? Isto é
perspectiva que se ofereça a um jovem: politizá-lo desde o berço,
oferecer-lhe o vício da militância política como se fosse a encarnação
mais alta da ética e do bem? Ora, quantas vezes não ouvi intelectuais
brasileiros fazendo a apologia da politização, condenando as pessoas
que não são politizadas! Por exemplo, um homem que se ocupe mais de
religião do que de política é condenado como um cretino ou um

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Reparando uma injustiça pessoal

inconsciente, um indivíduo que se ocupa mais com o sustento de sua


família do que de política parece uma criatura inferior. Quando
analisamos o termo e entendemos as implicações praticas deste
conceito, vemos que esta apologia da politização é a coisa mais
monstruosa que algum ideólogo já inventou. Ora, foi à luz desta
mentalidade que eu julguei, sem conhecê-lo, o movimento de 1964.
Tendo percebido que eu já tinha condenado o réu sem nem tê-lo ouvido,
sem nem ter visto a cara dele, sem nem ter sabido onde ele estava, um
dia constatei a minha própria ignorância e disse: Bem, agora tenho de ir
para casa e pensar no assunto.

Então eu me fiz a pergunta filosófica decisiva. A pergunta filosófica


decisiva é "Quê?" — Quid? Eu me perguntei: Quê aconteceu em 1964? O
que foi exatamente aquilo? Ou seja, vamos deixar de lado por uns
momentos a avaliação dos acontecimentos, a investigação de suas
causas profundas, a conjeturação de suas conseqüências a longo prazo,
etc. etc., e vamos fazer a mais simples e a mais decisiva das perguntas.
Quê aconteceu?

Ora, o que aconteceu em 1964 foi o seguinte. Em janeiro daquele ano,


Luiz Carlos Prestes esteve em Moscou, apresentando a Mikhail Suslov
um relatório da situação brasileira. Não sei qual foi o conteúdo deste
relatório, mas a conclusão de Suslov foi bastante significativa: ele
chegou à conclusão que o Brasil estava maduro para ter uma guerra civil
no campo, e autorizou então Luiz Carlos Prestes, em seu retorno ao
Brasil, a desencadear essa guerra civil no campo. Luiz Carlos Prestes
voltou com a autorização e, se não executou a tarefa de imediato,
decerto a teria executado ao longo do tempo. Se não havia ainda a

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Reparando uma injustiça pessoal

condição para desencadear uma guerra civil no campo em escala


nacional, havia no entanto condições para paralisar a economia,
instaurar a rebelião entre as Forças Armadas e fazer tudo para tornar
viável a guerra civil encomendada por Suslov. Em suma, estava sendo
montado aqui algo cujo tamanho as pessoas às vezes não avaliam. O que
seria uma revolução comunista num país do tamanho do Brasil? Seria
certamente a maior revolução comunista da história das Américas. Era
isso que estava sendo montado aqui. Ao mesmo tempo é evidente que
estava sendo montada uma reação a essa revolução. Que reação era
esta? De onde partia? Partia sobretudo de algumas lideranças civis.
Particularmente em São Paulo do Governador Adhemar de Barros e no
Rio do Governador Cantos Lacerda. Um dos recursos que estes dois
líderes utilizaram para fazer face a uma eventual ameaça comunista foi a
constituição de tropas paramilitares com dinheiro que recolhiam de
empresários e com o apoio discreto e evidentemente ilegal das policias
militares desses dois Estados. Os detalhes do Rio eu não conheço (o
assunto está sob pesquisa e não posso assegurar nada sobre a extensão
dos recursos paramilitares sob o comando de Lacerda), mas a situação
de São Paulo eu conhecia muito bem. A Policia Militar, que então se
chamava Forca Pública, era uma espécie de igreja ademarista, um culto
ademarista, uma seita. Os oficiais da PM parecia que já nasciam
ademaristas, como se estivesse no ADN. Se o Adhemar de Barros lhes
dissesse: "Vocês peguem um carregamento de três mil metralhadoras e
entreguem na rua tal numero tanto", eles fariam. E assim foram se
construindo certas organizações paramilitares como par exemplo a PAB
(Patrulha Auxiliar Brasileira), que era uma tropa de vagabundos e
arruaceiros, lumpenproletários, exatamente como as tropas fascistas de

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Reparando uma injustiça pessoal

Mussolini. Ora, eu não acredito que o fascismo seja o pior dos males, o
fascismo é uma reação ao comunismo, o fascismo está para o
comunismo assim como a febre está para uma infecção. O fascismo não
é causa sui, não é ele que se produz a si mesmo, mas ainda assim é uma
coisa bastante perigosa. Não sei medir a extensão destas tropas
paramilitares fora de São Paulo. Na Paraíba certamente havia
organizações desse tipo. Um historiador comunista chamado Moniz
Bandeira que apesar de comunista sempre me pareceu honesto no que
escreve, diz que provavelmente havia na Paraíba por volta de dez mil
homens armados. Muito bem, descobri essas coisas uns anos atrás,
quando estava estudando para poder reescrever os capítulos finais de
uma obra chamada O Exército na História do Brasil, publicada pela
Odebrecht e pela Biblioteca do Exército. Na época eu era um redator
autônomo contratado pela Odebrecht, e um dos serviços que vieram
parar na minha mesa foi o de corrigir o texto desse livro. O capítulo
referente à Revolução de 1964 tinha muitas lacunas e decidi completá-lo
por minha conta. Foi revirando livros e documentos, fazendo entrevistas
com testemunhas da época, que me dei conta dessas coisas, mas havia
alguém que já havia descoberto tudo isso muito antes de mim: o então
General Humberto de Alencar Castello Branco, em setembro de 1963,
era chefe do Estado Maior do Exército, e fez um discurso alertando seus
companheiros para o perigo da proliferação de organizações
paramilitares, que num momento de crise poderiam usurpar as funções
das Forças Armadas. Ele não se referiu apenas à famosa organização de
esquerda, os "Grupos dos Onze", nem às Ligas Camponesas: ele falou no
plural, sem mencionar cor ideo1ógica, e subtendendo que quaisquer
organizações paramilitares eram um insulto e um perigo para as Forças

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Reparando uma injustiça pessoal

Armadas regularmente constituídas. Ora, eu vim a me preocupar com


isto em 1996, o Gen. Castelo Branco se preocupou em 1963: dá para
medir o tamanho da minha sonolência, da minha burrice, da minha
idiotice? Dá para vocês medirem o estado de hipnose em que vivi
durante todos esses anos entre 1964 e 1996, para um dia acordar e ver
que este homem já havia percebido tudo isso trinta e três anos antes?
Muito bem, estavam lá os comunistas montando a sua revolução e os
governadores direitistas montando suas tropinhas paramilitares de
fascistinhas, a PAB tinha até aquela vestimenta cáqui, muito
característica, que lembrava as camisas pardas das SA. Então, com um
monte de comunistas armados de um lado e fascistas armadas do outro,
que é que ia acontecer? Certamente, a Noite de São Bartolomeu. Mas a
direita sempre foi mais combativa, mais corajosa, e estava mais armada:
isto quer dizer que se a iniciativa da reação aos comunistas dependesse
exclusivamente dos lideres civis, não teria chegado um único
comunista vivo ao fim do ano de 1964. A revolução comunista teria
falhado. Os comunistas seriam derrotados, como o foram pelas Forças
Armadas. Mas quantos eles teriam matado e quantos deles teriam
morrido? O número é incalculável, mas além disso ainda podemos
compreender que, em plena época da chamada Guerra Fria, as duas
grandes potências não duelavam diretamente, mas sim através de
situações exatamente como essa, montadas em países periféricos.
Portanto, se houvesse uma guerra civil aqui, todo mundo iria querer
ajudar os dois lados. Seria um festival de generosidade universal: os
Estados Unidos mandando armas e assistência técnica para um lado e a
União Soviética e a China mandando armas e assistência técnica para o
outro. Seria uma efusão de bondade fantástica, como foi no Vietnã. E

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Reparando uma injustiça pessoal

teríamos vivido este drama par uma década ou duas. Isto era o cenário
que estava montado, isto não é uma conjetura feita a posteriori, isto
eram os planos que já estavam em andamento de parte a parte. Na noite

de 31 de março para 1o. de abril, o que faz porém o Exército? Ele toma a
dianteira, ocupa as ruas, desmonta a máquina comunista, coloca uma
focinheira nas tropas direitistas e por fim corta a cabeça dos seus
líderes, primeiro encostando-os, depois chegando a cassar os mandatos
de Adhemar de Barros e Carlos Lacerda, porém, antes mesmo disto,
tomando uma medida mais decisiva ainda que foi criar a Inspetoria
Geral das Polícias Militares, com o que todas as policias militares
estaduais, virtuais colaboradoras das tropas paramilitares de direita do
Brasil inteiro, foram submetidas diretamente à autoridade do Exército e
voltaram à disciplina normal. Esta imensa operação de desmontagem de
uma revolução esquerdista e de um aparato bélico direitista, quantas
mortes custou? Duas, três, cinco no máximo. Quantas pessoas
morreram em conflitos políticos entre 1964 e o fim do mandato do
Marechal Castelo Branco? Quantas? Cinco? Seis? Este foi o preço que
nós pagamos pela desmontagem não só da maior máquina
revolucionária já construída pelos comunistas em toda a América
Latina, em todas as três Américas, mas também, pela desmontagem do
aparato bélico de reação direitista civil, que simplesmente desapareceu
da história e entrou no esquecimento. Foi isto o que aconteceu em 1964.
Quando vemos isto, só há uma coisa que podemos dizer: Foi
absolutamente genial. Não é qualquer um que desmonta uma bomba
desse tamanho com uma perda de vidas humanas tão reduzida, tão
insignificante. É claro que depois houve alguma violência porque
decorridos quatro anos a esquerda se rearmou e se lançou à aventura

http://www.olavodecarvalho.org/textos/reparando.htm (15 de 25)16/4/2007 09:42:42


Reparando uma injustiça pessoal

das guerrilhas. Em razão das guerrilhas morreram umas trezentas


pessoas entre os guerrilheiros e duzentas pessoas do outro lado. Na pior
das hipóteses, quinhentas pessoas — isto ao longo de mais de uma
década, num pais do tamanho de um continente. Este talvez tenha sido
o preço mais barato em vidas humanas que qualquer regime do mundo
já pagou pela reconquista da sua própria estabilidade. Nunca se deteve
uma revolução comunista com tão poucas mortes. Ora, mas sempre
vamos encontrar um engraçadinho para nos dizer: "Mas uma só morte
já é revoltante!" Ora, nós sabemos perfeitamente que essa atitude é um
teatro histérico, um fingimento. Quando se diz que um total de
quinhentas mortes é menos grave que um de mil mortes — ou do que as
dezessete mil mortes de adversários do regime cubano —, aí já está
implícito que todas as mortes são más. Só podemos fazer um cálculo do
mal maior ou menor se já admitimos que ambos são males. Mas toda
vez que se diz que aqui houve menos violência, que um adepto do
regime sanguinário de Fidel Castro não tem autoridade moral para
criticar o uso moderado que o nosso governo militar fez de uma
violência que a própria esquerda inaugurou, sempre aparece um
hipócrita, um sofista, um mentiroso comunista para fingir que é tão
cristão, tão bondoso, que não admite a morte de um mosquito, e é
precisamente esse tipo de calhorda que vem nos atirar ao rosto a bela
frase: "Mas uma só morte já é revoltante!" Ora, qualquer principiante
de lógica sabe que não é possível nivelar urna afirmação categórica e
uma afirmação comparativa. Por exemplo, se digo que Aids é mais grave
do que gripe, não estou fazendo apologia da gripe, estou subentendendo
que ambas são doenças, que ambas são males, não é isso? E, se um
indivíduo ameaçado de Aids descobre que tem apenas gripe e se regozija

http://www.olavodecarvalho.org/textos/reparando.htm (16 de 25)16/4/2007 09:42:42


Reparando uma injustiça pessoal

com isto, devemos concluir que ele gosta de gripe, que ele ama a gripe,
que ele é um apologista da gripe e desejaria espalhar os germes da gripe
no mundo? O alívio do mal menor será uma apologia do mal? Só um
tipo perverso, como são intelectualmente perversos todos os comunistas
sem exceção, pode fingir que acredita numa coisa dessas. Quando nós
mostramos que o preço pago por este país para se libertar de urna
guerra civil que provavelmente não terminaria nunca foi um preço
baixo, sempre aparece não só um farsante para insinuar que adoramos
pagar esse preço, mas também aparece sempre um engraçadinho que
nos diz que o que estamos fazendo é "contabilidade macabra". Qual de
vocês já não ouviu esta expressão? Ora, todos sabemos que os
comunistas odeiam "contabilidade macabra". E por que a odeiam?
Odeiam-na por um motivo muito simples. Odeiam-na porque toda soma
do número de vítimas mostra que eles são os maiores assassinos, que
eles têm o primeiro prêmio do morticínio universal, que nenhum regime
do mundo pode se igualar, em sanha mortífera, ao desses benfeitores do
gênero humano. Se somamos o número total de vítimas do comunismo
neste século, vemos que é superior ao número de mortes de duas
guerras mundiais, somado ao número de vitimas de todas as ditaduras
de direita, mais o número total de vitimas de terremotos, enfartes e
epidemias variadas. Isto não é força de expressão: é um simples fato,
medido matematicamente. Ou seja, o comunismo foi o pior flagelo
conhecido pela humanidade desde o dilúvio universal. Não há outro
termo de comparação. A peste negra, proporcionalmente, foi menos
grave do que o comunismo. Será que perdemos totalmente o senso das
proporções? Ou será que o medo de sermos acusados de fazer
"contabilidade macabra" nos torna cegos para as proporções dos males?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/reparando.htm (17 de 25)16/4/2007 09:42:42


Reparando uma injustiça pessoal

Será que os defensores de uma ideologia tão assassina, tão


intrinsecamente homicida, têm alguma autoridade moral para falar mal
da nossa "contabilidade macabra", coma se o feio, como se o mal, não
estivesse em cometer os homicídios e sim em somá-los? Como se fazer
cadáveres fosse menos grave do que contá-los? Quem condena a
"contabilidade macabra" é sempre aquele que tem mais crimes a
esconder, que tem portanto uma boa razão para não querer fazer as
contas. Pois a contabilidade, macabra ou não, mostra que num país de
mais de uma centena de milhões de habitantes um governo militar
conseguiu deter uma revolução sem fazer mais de cinco vítimas, e que
em seguida esse mesmo governo conseguiu desmontar uma guerrilha
sem matar mais de trezentos combatentes (perdendo ele próprio
duzentos), enquanto na vizinha ilha de Cuba, em tempo de paz e sem ser
desafiado por qualquer guerrilha, o governo comunista matava quase
duas dezenas de milhares de pessoas. Não, macabra não é a
contabilidade: macabro é o esforço de ocultar os resultados do balancete.

Ora mas foi somente isso que aconteceu em 1964 — um movimento


muito bem sucedido, que desmonta duas máquinas de guerra e devolve
a paz à nação, com um número de perdas insignificante? Não! Em
seguida, as pessoas que fizeram o movimento tinham de governar.
Governar como? Tinham um programa? Tinham ao menos uma
ideologia pronta? Não tinham. Tanto não tinham, que os governos
nascidos da Revolução de 1964 tentaram, nos anos subseqüentes, duas
políticas exatamente contrárias: primeiro uma política liberal
internacionalista, com Castelo, e depois uma política estatizante
nacionalista, com Geisel. Ou seja, eles tentaram as duas pontas do

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Reparando uma injustiça pessoal
espectro ideo1ógico que então havia no país. Isso prova que não tinham
ideologia nenhuma. Ora, não ter ideologia nenhuma significa que esse
movimento não foi feito para implantar uma ideologia determinada,
mas que foi feito simplesmente para tirar o pais de uma emergência
catastrófica, e que, apesar de não se apresentar com programa algum,
acabou tendo uma folha de realizações bem superior, seja à da Era
Vargas, seja à dos governos que lhe sucederam. Quais são essas
realizações? Voltemos à definição: o movimento de 1964 foi um
movimento de emergência para desmontar duas máquinas de guerra,
para impedir que o pais entrasse numa guerra civil e que em seguida,
mesmo não tendo ideologia nem planos definidos, conseguiu — o quê?
Vamos ver: em 1964, o número de pessoas que viviam na miséria, que
viviam com menos de um salário mínimo neste país era de sessenta por
cento da população nacional. Quando terminou o regime militar, eram
vinte e poucos por cento. Ou seja, esse regime que não tinha ideologia,
que não tinha planos, que nem sabia o que haveria de fazer, conseguiu
tirar da miséria quarenta por cento da população brasileira. O que são
quarenta por cento da população brasileira? São, hoje, setenta milhões
de pessoas, na época uns cinqüenta milhões. Aí é que eu me pergunto:
Será que estamos todos dormindo? Será que não percebemos as coisas?
Será que perdemos o senso das proporções? Digam-me vocês: Qual o
regime do século XX, qual o plano econômico, por mais genial que
fosse, seja o Plano Qüinqüenal de Stálin ou o New Deal de Roosevelt ou
qualquer outro, que conseguiu retirar da miséria e deu condições de
vida humana a 50 mi1hões de pessoas no prazo de uma geração? Quem
fez isso? Quem pode se gabar de tanto? Nós conseguimos fazer. Quando
digo "nós", "nós, brasileiros, fizemos", — vejam que coisa irônica! —,
estou atribuindo a mim as obras e as g1órias daqueles a quem eu

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Reparando uma injustiça pessoal

abominava e a quem chamava de "gorilas". E eles, os abomináveis


gorilas, me deram a possibilidade de hoje poder dizer com orgulho: Nós,
brasileiros, fizemos isso, nós tivemos a vitória — a maior vitória sabre a
miséria que se conheceu no século XX. E será que temos motivo para
sentir vergonha disso? Será que um daqueles meninos de quinze anos
que eram meninos de quinze anos aos quinze anos e que agora aos
cinqüenta e tantos continuam meninos de quinze anos, bobocas
irresponsáveis e sobretudo mentirosos, será que um desses meninos
tem autoridade para julgar e condenar o movimento que fez isso?

Quando nos perguntamos o que aconteceu em 64, foi isto. Houve


prisões, houve torturas, houve mortes. Eu tive parentes que foram
torturados, eu próprio passei muito medo e humilhações. Tive amigos
que foram mortos. Um amigo querido meu, João Leonardo da Silva
Rocha, apanhou tanto de alguns soldados, segundo se dizia, que ficou
louco. Nunca mais ficou bom. Mas eu teria de ser um monstro de
mesquinharia para condenar em bloco, por esses atos de violência, por
revoltantes e intoleráveis que sejam em sua própria escala, um regime
que salvou o pais de uma guerra civil e que salvou cinqüenta milhões
pessoas da miséria. Porque ninguém conseguiu fazer tanto com tão
pouca violência. Ora, falamos em trezentos, quatrocentos, quinhentos
mortos! Quantas pessoas morreram nos Estados Unidos em conflitos
políticos no mesmo período? Quantos negros foram espancados e
mortos, quantos brancos assassinados em represália? E isto em plena
vigência da democracia, com todas as garantias da ordem jurídica, sem
o perigo de uma guerra civil. Para matar quatrocentos, quinhentos ou
trezentos, os americanos não precisam de uma guerra civil. Na guerra

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Reparando uma injustiça pessoal

civil deles morreram cinco milhões — foi a maior guerra que o mundo
conheceu até então. E o nosso regime, para parar uma guerra civil, e
depois para desmontar a guerrilha, matou trezentos e perdeu duzentos.
Devemos comparar os nossos militares aos governantes de outras
nações, aos cubanos, aos espanhóis antepassados do Dr. Garzón que
queimavam freiras em massa, aos americanos que se matam sem cessar,
aos lindos lordes ingleses que nunca pararam de matar irlandeses, aos
russos que mataram trinta milhões de seus compatriotas, aos chineses
que mataram sessenta milhões, ou devemos compará-los a Deus e
condená-los por não serem perfeitos? Se houve um governo humano
que fez melhor, me mostrem qual. Sobretudo, se houve um governo
comunista que fez melhor, me mostrem. Eu nunca vi. Mas todas estas
coisas óbvias que estou dizendo parece que foram perdidas de vista, que
se tornaram invisíveis e incompreensíveis, ofuscadas por tantas
mentiras e tanto falatório comunista recompensado a peso de ouro por
empresários de imprensa venais e irresponsáveis. E tudo isso foi
perdido de vista por um motivo muito simples: esse governo militar,
que era não opressivo, que não era um governo fascista, não tinha um
dos principais traços que caracterizam todas as ditaduras e todos os
movimentos fascistas: ele não tinha a menor vontade de inculcar uma
ideologia na população. Ele não tinha nenhuma ideologia para inculcar.
De vez em quando fazia uns cartazes, "Brasil, ame-o ou deixe-o", ou
mandava passar uns anúncios de suas realizações, uma estrada, uma
usina, uma ponte — tudo com menos alarde e menos despesa do que
qualquer governo civil antes ou depois dele. Isso foi tudo. Pergunto eu:
Havia doutrinação fascista nas escolas? Havia um cinema doutrinário
pago pelo governo para inculcar idéias fascistas na população? Não: O

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Reparando uma injustiça pessoal

governo dava dinheiro para a oposição fazer filmes! Havia programas


de TV martelando e remartelando o discurso oficial 24 horas por dia,
como em Cuba e em todos os países comunistas e fascistas? Não! Não
havia. As novelas, o gênero mais popular de TV, eram usadas pelo
governo para transmitir propaganda ideológica? Não. As novelas eram
todas escritas por comunistas notórios como Dias Gomes e Janette
Clair, e quando o governo censurava alguma cena erótica julgando-a
imprópria para o horário das oito quando as crianças estavam
acordadas, era uma tempestade de protestos! Havia editoras dominadas
pelo governo publicando material ideológico o tempo todo para inculcar
a doutrina oficial na população? Não! Ao contrário, nunca o mercado de
livros esquerdistas foi tão próspero — no mais das vezes com subsídios
do governo —, nas universidades só havia propaganda comunista e
simplesmente não se notou um esforço ideo1ógico par parte do governo.
O único passo que o governo deu nesta direção foi a disciplina de
Educação Moral e Cívica. Mas o que aconteceu com a EMC? Eu estava
lá, "meninos, eu vi". Eu vi isto acontecer. Eu vi o Partido Comunista
decidir, muito simplesmente: colocaremos os nossos militantes em
todas as cátedras de EMC e as transformaremos em canais de
propaganda comunista. Assim disse e assim fez. O governo o impediu?
Fez algo para impedir? Não! Ou seja, além de dar liberdade para os
comunistas fazerem o que fizeram, ainda criou instrumentos, financiou
filmes comunistas, deixou comunistas ocuparem as cátedras de EMC,
deixou que os comunistas tomassem toda a imprensa e toda a
universidade onde hoje exercem cinicamente um poder de censura.
Tudo isso aconteceu porque havia um cidadão chamado Golbery do
Couto e Silva que acreditava numa tal teoria da "panela de pressão". E o

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Reparando uma injustiça pessoal

que era a panela de pressão? Era que, dizia ele, "não podemos tampar
todos as buracos, tem de haver uma valvulazinha..." E onde era essa
valvulazinha? Eram as universidades e a cultura, o movimento editorial
e o show business — eram todos os canais de comunicação das idéias.
Tudo isso foi entregue pelo próprio governo nas mãos dos comunistas.
Mas que bela teoria, hein? Era só o que as comunistas queriam. Era só o
que eles queriam para fazer da sua derrota militar a sua vitória política,
porque naqueles anos estavam começando a entrar no Brasil as obras do
ideólogo italiano Antonio Gramsci. Este dizia adeus à teoria leninista da
insurreição e criava uma nova estratégia baseada em duas coisas: de um
lado, aquilo que chamava de Revolução Cultural, ou seja, o domínio do
vocabulário, o domínio dos automatismos mentais, de modo que as
pessoas, sabendo ou não, passem a falar e pensar como os comunistas e
acabem aceitando o comunismo, com ou sem esse nome, como se fosse
a coisa mais natural do mundo; de outro lado, o que ele chamava de a
longa marcha da esquerda para dentro do aparelho de Estado, ou seja:
ocupar todos os postos da burocracia. Lentamente, com muita calma,
através de ocupação de espaço, de nomeações, até mesmo de concursos,
— par exemplo, o governo abre um concurso para a Policia Federal e,
quando você vai ver, noventa por cento dos candidatos que se
apresentam são comunistas, foram mandados ali para isso.

Ora que raio de governo fascista era esse, que não tinha militância, que
não tinha partido de massas, que não tinha ideologia, que não tinha
sequer um programa de doutrinação das massas, um discurso para ser
repetido nas escolas? É simples: esse governo nunca foi fascista. Foi um
governo de emergência, criado para impedir uma guerra civil e que

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Reparando uma injustiça pessoal
chegou ali e teve de governar de alguma maneira, sem nunca ousar
aprofundar sua intervenção na história brasileira, ao ponto de constituir
uma legitima revolução. O movimento de 64 foi uma revolução? Eu
acho que não foi. Também acho que disputar com as esquerdistas e
insistir no termo "revolução" quando dizem que foi apenas um golpe é
ceder a uma tábua de valores esquerdistas, a um vocabulário
esquerdista. Porque para um esquerdista uma revolução é a melhor
coisa do mundo. Comunistas é que adoram revoluções. Para que temos
de imitá-los? O que temos de responder-lhes é: Vocês, comunistas, que
façam suas revoluções. Nós fazemos coisas modestas, nas quais morre
menos gente, nós não somos assassinos profissionais, nós não estamos
o tempo todo tentando virar o mundo de cabeça para baixo, nós só
agimos na emergência para impedir catástrofes. Porque nós não somos
como vocês, nós não temos a solução de todos males, nós não somos o
bem encarnado, nós não acreditamos que temos a verdade revelada que
nos autorize a matar metade do mundo para salvar a outra metade. Em
suma, nós somos gente, somos seres humanos, não somos anjos do
Senhor como vocês, não temos autoridade para fazer a História à nossa
imagem e semelhança, e por isto mesmo, ao tomar o poder em 1964,
governamos com sabedoria, com paciência, com bondade, com
brandura e sobretudo protegemos vocês contra a direita civil que queria
matá-los. Se chegou um único comunista viva ao fim de 1964, ele deveu
isso a quem? Às Forças Armadas.

Isso foi o que aconteceu em 1964. Pergunto: onde estava eu? Eu estava
dormindo. Dormindo no berço esplêndido da mitologia esquerdista,
alimentado de palavras, sobretudo de adjetivos: "Fascista!",
"Explorador!", "Imperialista!" Ah!, como essas palavras mexiam

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Reparando uma injustiça pessoal

comigo! Como eram poderosas! Alimentando-me delas, pude passar


muito tempo sem me perguntar o que acontecia na realidade. Quando
finalmente — e a contragosto — descobri o que acontecera, eu me disse:
Quê posso fazer agora? Eu não posso mudar o curso da história passada,
mas posso dizer algumas coisas boas àquelas pessoas que participaram
desses acontecimentos, que tiveram uma participação em 1964 e que
ajudaram a construir o Brasil. Não adianta chegar hipocritamente para
vocês e pedir desculpas. Não se trata disso. Mas há uma coisa que posso
fazer. Posso lhes dizer: Não se envergonhem da sua obra. Levantem as
suas cabeças, tenham orgulho e não permitam que nenhum hipócrita
comunista venha se fazer de seu fiscal. Nunca, nunca cedam a sua
dignidade ao falso moralismo da hora, nunca sacrifiquem aquilo que é
elevado e digno em vocês àquilo que é baixo e vil num outro qualquer.
Era isso que eu queria pedir a todos vocês. Muito obrigado.

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Três sonetos de Olavo de Carvalho

TRÊS SONETOS DE OLAVO DE CARVALHO

I. O OLHO DIREITO, OU: SONETO PERPLEXO

A vitória do tolo é um mistério sacral


e já arranquei mil vezes meu olho direito,
mas na órbita vazia resplandece, igual,
a glória incompreensível do idiota perfeito.

"Sim, sim; não, não" – mas o olho que não vê o que vê


diz sim ou não? Senhor, é a Ti que devo olhar
com o olho que não tenho, e ver o que ele crê
haver por trás do que, nas trevas, já não há?

Eu gostaria, sim, de poder extirpar,


junto com o olho, o mundo, mas não sei dizer
se essa sangrenta mágica vai funcionar:

http://www.olavodecarvalho.org/textos/sonetos.htm (1 de 4)16/4/2007 09:43:00


Três sonetos de Olavo de Carvalho

tornar caolho o justo há de retificar


o mal que ele a si mesmo faz ao pretender
trocar o sim por não em vez de o declarar?

14/02/97

II. AVISO DE COBRANÇA, OU: SONETO CALVINISTA

Quando eu for rico, ostentarei na pança


o emblema da fé bíblica, belíssimo,
provando que não sou o que tu pensas,
e sim aquele a quem se chama "O Próximo".

Como a mim mesmo me amarei, deixando


a ti o encargo do louvor devoto,
que há de me confirmar, a cada instante,
que politicamente sou correto.

Como um cão tu andarás por onde eu ande,


dizendo lá ao teu Deus que, não sei quando,
te fiz um bem do qual já não te lembras

mas que Ele bem conhece, pois nas sombras


onde crês abrigar-te, me esquecendo,
há um boleto bancário te esperando.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/sonetos.htm (2 de 4)16/4/2007 09:43:00


Três sonetos de Olavo de Carvalho

14/02/97

III. ADEUS, OU: SONETO DO DEFUNTO BRASILEIRO

— Tendo a terra por único ornamento,


que mau defunto é aquele que, sem nome,
baixa ao fundo mais vil do esquecimento?
Morreu de bala, de velhice ou fome?

— O sino que de longe estais ouvindo


redobra só por quem ninguém conhece,
porque não era ninguém, morreu dormindo
e era o tipo que em vida já se esquece.

— Deixou viúva, filhos, testamento?


— Não tinha a quem deixar, e não deixou.
— Pois há de emudecer sob o cimento

sem sequer um adeus de quem ficou?


— Já lhe foi dito adeus quando nasceu
e não adianta falar com quem morreu.

01/10/97

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Três sonetos de Olavo de Carvalho

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O pequeno difamador Ivan Cavalcânti Proença

O pequeno difamador Ivan Cavalcânti


Proença

Rio de Janeiro, 11 de Maio de 1999

Ao
Sindicato dos Escritores do Estado do Rio de Janeiro
Jornal Tribuna do Escritor
Av. Heitor Beltrão, 353, Tijuca
Rio de Janeiro 20550-000 RJ

e-mail: seerj@vetor.com.br

Prezados Senhores,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/proenca.htm (1 de 5)16/4/2007 09:43:20


O pequeno difamador Ivan Cavalcânti Proença

Em carta à Tribuna do Escritor de março de 1999, o sr. Ivan Cavalcânti


Proença informa ter lido, num artigo meu publicado em O Globo de 19
de janeiro, "entre outras indecências, que até que foram muito poucos
os esquerdistas mortos pela Ditadura, levando em conta a população".
Decente como ele só, e escandalizado de que semelhante truculência
fosse assinada por um indivíduo que aquele diário qualificava de
"escritor", o sr. Proença foi correndo delatar o fato ao Sindicato dos
Escritores do Rio de Janeiro, o qual por sua vez se apressou em
comunicar ao distinto público que o indigitado apologista de
morticínios, para alívio geral da classe, não pertencia ao seu quadro de
associados.

O sr. Proença parece considerar-se escritor, e talvez até o seja, pois não
há razões para duvidar da autenticidade da sua matrícula sindical que,
na falta de maiores glórias curriculares, ele pode esfregar na cara de
qualquer um como prova de algo que, pelo exame estilístico da sua
cartinha, ninguém chegaria a imaginar. E como um escritor tem de ser
necessariamente leitor habilitado, não posso admitir a hipótese de que o
sr. Proença tenha compreendido tão mal ou porcamente aquilo que com
a maior simplicidade jornalística escrevi em O Globo e com cujo sentido
tantas empregadinhas domésticas e pilotos de carrinhos de sorvete
atinaram sem qualquer dificuldade.

O que ali realmente se diz é que três centenas de esquerdistas mortos


por um governo direitista num país de cem milhões de habitantes são
uma dose bem modesta de crueldade política em comparação com os
dezessete mil direitistas mortos por um governo esquerdista num país

http://www.olavodecarvalho.org/textos/proenca.htm (2 de 5)16/4/2007 09:43:20


O pequeno difamador Ivan Cavalcânti Proença

de população quinze vezes menor. Nada podendo contra esses números


em que o cotejo estatístico de Brasil e Cuba tanto empana a imagem
beatífica que os comunistas apreciam alardear de si mesmos, e em cuja
autoridade postiça se escoram para impingir ao mundo a lenda do
monopólio direitista da maldade, o sr. Proença optou por manipular
cirurgicamente a minha frase, amputando dela toda menção ao caso
cubano, de modo a dar a impressão de que não se tratava de uma
comparação e sim de um horripilante apelo retroativo ao massacre de
mais esquerdistas.

O dano injusto que o sr. Proença pretendeu fazer à minha reputação


entre os escritores cariocas já está feito. A mágica besta da citação
falseada já iludiu os leitores da Tribuna do Escritor. Este jornal tem
agora o dever de impedir que a mentira se propague, e para tanto basta
que publique este desmentido, sem cortes ou alterações. Mas, para não
cair naquele tipo de imparcialidade cínica que se mantém a igual
distância da verdade e da mentira, o Sindicato dos Escritores do Rio de
Janeiro tem a obrigação de tirar o caso a limpo, examinando o meu
artigo linha por linha para verificar que não tem, mesmo de longe, a
nuance homicida que lhe atribui perversamente o sr. Proença. Anexo,
para tanto, uma cópia do texto, e apresento a essa entidade, neste ato,
não somente o pedido de retificação que me é facultado pelo direito de
resposta, mas também uma comunicação formal da infração de ética
profissional cometida pelo seu associado Ivan Cavalcânti Proença, um
escritor que não se vexa de remanejar as palavras alheias segundo o
molde de uma intenção difamatória baixa, vil e covarde.

Indivíduos como o sr. Proença apostam sempre na própria

http://www.olavodecarvalho.org/textos/proenca.htm (3 de 5)16/4/2007 09:43:20


O pequeno difamador Ivan Cavalcânti Proença

insignificância, contando com que suas vítimas, por compaixão ou


preguiça, não se darão o trabalho de punir agressores tão miúdos. Fique
ele avisado de que agora mexeu com alguém que não é suficientemente
orgulhoso para se dispensar de esmagar um piolho que o incomoda.
Contra o sr. Proença já estão sendo tomadas portanto as medidas
judiciais cabíveis, sem prejuízo da solicitação que ora encaminho à
entidade representativa dos escritores cariocas.

Não sou, é verdade, membro do Sindicato, mas tenho mais de uma


dezena de livros publicados, objetos de enfático louvor de Jorge Amado,
Josué Montello, Herberto Sales, Ariano Suassuna, Edson Nery da
Fonseca e tantos outros escritores de primeiro plano, escrevo
regularmente artigos de crítica literária para a revista Bravo! e, como se
isso não bastasse, sou também membro da União Brasileira de
Escritores, Seção de São Paulo, inscrito sob o número 2775.

Por fim, como não há mal que não traga em seu bojo algum bem,
aproveito a ocasião para pedir a minha inscrição no Sindicato dos
Escritores do Rio de Janeiro, dado que agora resido nesta cidade e
muito apreciaria ter um contato mais próximo com os colegas de ofício
que essa entidade dignamente representa.

Atenciosamente,

Olavo de Carvalho

http://www.olavodecarvalho.org/textos/proenca.htm (4 de 5)16/4/2007 09:43:20


O pequeno difamador Ivan Cavalcânti Proença

Muniz Sodré se explica

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/proenca.htm (5 de 5)16/4/2007 09:43:20


Aviso aos navegantes

Aviso aos navegantes

Em 4 de setembro de 1996, poucas semanas após a edição de O Imbecil


Coletivo, o Jornal do Brasil reuniu em espalhafatosa primeira página
do seu segundo caderno alguns intelectuais esquerdistas que, sem ter
lido a obra, emitiam a seu respeito declarações furiosas e
assombrosamente uniformes, como se obedecendo a uma mesma voz
de comando. As entrevistas refletiam bem o estado de terror pânico
que o livro havia semeado entre o alto sacerdócio comunista,
revelando ao mesmo tempo a vacuidade intelectual e a índole
mesquinhamente corporativa do domínio que esse clero do demônio
exercia sobre as universidades e as instituições culturais em geral, seja
para fins de mafiosa ajuda mútua, seja para utilizá-las como peças de
uma estratégia de dominação comunista.

Um dos entrevistados — o mais veemente — foi o prof. Muniz Sodré de


Araújo Cabral, ex-diretor do Instituto de Comunicações da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, teórico dos cultos afro-

http://www.olavodecarvalho.org/textos/avinaveg.htm (1 de 3)16/4/2007 09:43:32


Aviso aos navegantes

brasileiros e autor de vários livros, entre os quais A Verdade Seduzida


(Rio, Francisco Alves, 1983) e Jogos Extremos do Espírito (São Paulo,
Rocco, 1994), este último severamente criticado em O Imbecil Coletivo.

As declarações do prof. Sodré já não importam, mesmo porque ele as


renegou. O que importa é que a justiça acabou por prevalecer no caso,
desde que o declarante, convocado pelo meu advogado Dr. Jayme

Mesquita a explicar-se perante o juiz da 28ª Vara Cível da Comarca do


Rio de Janeiro, apresentou a seguinte retratação formal:

Categórica e formalmente, nada sei, não


sendo de meu conhecimento qualquer obra
ou fato que desabone a honra e a dignidade
do sr. Olavo de Carvalho, sobretudo no
concernente ao livro O Imbecil Coletivo, cujo
teor jamais me ofendeu ou agrediu
pessoalmente. Apesar de eventuais
divergências de opinião, nada sei que
desabone o autor, intelectual sério.
Finalmente, qualquer declaração contrária a
isso, a mim atribuída, não deve ser
considerada, mas relegada ao esquecimento.

MUNIZ SODRÉ DE ARAÚJO CABRAL

Assim terminou, melancolicamente, mais uma investida do bloco


carnavalesco "Acadêmicos de Sierra Maestra" contra a reputação de
um escritor brasileiro que ousou não acompanhar o ritmo da sua

http://www.olavodecarvalho.org/textos/avinaveg.htm (2 de 3)16/4/2007 09:43:32


Aviso aos navegantes

marchinha.

O episódio é altamente educativo. Mostra que sempre vale a pena


recorrer aos tribunais contra ataques desse gênero, por insignificantes
que sejam, pois é a repetição impune de pequeninas mentiras que
acaba por produzir as grandes injustiças.

Nunca é sábio deixar que inimigos covardes, apostando na própria


insignificância, nos dêem agulhadas confiando em que não haveremos
de reagir a agressões tão mesquinhas.

Todos os boquirrotos que, fugindo de uma discussão honesta,


preferirem ultrapassar as fronteiras da licitude na sua ânsia de usar
contra mim o expediente vil e calhorda da difamação, e que não
tiverem no devido tempo a prudência e o bom-senso do prof. Muniz
Sodré, serão tratados com o rigor que merecem.

Rio de Janeiro, 14 de Maio de 1999

OLAVO DE CARVALHO

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Carta do Ministro do Exército a Olavo de Carvalho

http://www.olavodecarvalho.org/textos/gv.htm (1 de 2)16/4/2007 09:43:46


Carta do Ministro do Exército a Olavo de Carvalho

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Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

Carta de um cego acordado


a uma vidente adormecida

NB — Recebi em 28 de maio de 1999 um longo e-mail, de uma leitora


cujo nome não divulgarei exceto se ela tomar a iniciativa de me
autorizar a fazê-lo, o qual julguei merecer uma resposta detalhada, não
só porque parecia de boa-fé, mas porque resumia, de certo modo, alguns
enganos padronizados que determinada categoria de leitores (não muito
vasta, graças a Deus) comete quase que invariavelmente na
interpretação de meus escritos. Esses erros são sempre do tipo
assinalado certa vez pelo educador Cláudio Moura Castro, ao dizer que
neste país ninguém lê o que um autor escreveu, mas o que se imagina
que ele quis escrever. Lendo-me desta maneira, e diagnosticando
minhas intenções com aquela espevitada psicologia divinatória que
tantas vezes substitui a pura e simples atenção à leitura, minha
correspondente chegou à conclusão de que sou um sujeito "cego de
ódio" — um diagnóstico que supõe em quem o faz a capacidade de
enxergar, para além do texto, os rins e o coração do infeliz autor.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (1 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

Respondendo-lhe, respondo a outros e me poupo, assim, algumas horas


de escrita. Transcrevo a seguir a resposta, intercalada com o texto
integral da carta recebida.

Caro Sr. Olavo de Carvalho,

Tenho acompanhado (não sem certa perplexidade) o


gradual aumento do seu indisfarçado ódio pela
"esquerda" ou qualquer coisa que lembre comunismo.

Sempre gostei muito de ler as coisas que o senhor escreve.


Tenho simpatia por iconoclastas. Mas o senhor tinha algo
mais, era mais consistente, mais coerente. Hoje, quando
leio alguns de seus últimos textos, penso sempre num
homem dominado pela emoção, pela raiva, espumando
enquanto digita.

Antes que o senhor me identifique com o que chama de


"hipócritas da KGB" ou coisa equivalente, gostaria de
dizer que sou uma leitora imparcial e só.

A razão da minha perplexidade vem de eu ter me


enganado a respeito daquilo que o movia a escrever.
Achava eu, ingenuamente, que o senhor pretendia sempre
buscar a verdade em tudo e em todos, não poupando
ninguém. Vejo, desolada, que não se trata disso. O senhor
está cego de ódio..

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (2 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

Prezada amiga,

Já que a senhora tem dado atenção a meus livros, devo retribuir dando à
sua carta a atenção que merece, respondendo-a ponto por ponto, para
que não sobrem no fim dúvidas ou suspeitas quanto aos motivos e
propósitos do que escrevo.

Não estou entre os que crêem que o ódio seja um sentimento


abominável. Estes fingem que nada odeiam, que agem sempre pelo puro
amor — mas na verdade não se pode amar o que quer que seja sem odiar
aquilo que o nega ou ameaça. A escolha não é entre amor e ódio, mas
entre diferentes objetos de amor e de ódio. A perversão lingüística que
fez do ódio e do amor respectivamente sinônimos do mal e do bem só
serviu para desorientar as pessoas e disseminar a hipocrisia que ama o
bem sem odiar o mal ou odeia o mal sem amar o bem. Essa perversão é
um dos mecanismos mais insidiosos de esvaziamento do cristianismo
para trocá-lo por um pseudocristianismo que se esgota em pura disputa
política e que sabemos muito bem quem inaugurou. Cristo, ao contrário
de todos os Gandhis de Hollywood, jamais condenou o ódio. O que Ele
disse foi: "Na verdade, amais o que devíeis odiar e odiais o que devíeis
amar". Coisas como o comunismo, o nazismo, o fascismo, o regime
haitiano dos Tonton Macoute, o estupro, o aborto em massa, a pedofilia,
etc., DEVEM ser odiadas por todos os homens de bem e este ódio em
nada empana a objetividade do julgamento, já que a objetividade em
moral consiste precisamente em discernir e reconhecer nas coisas,

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Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

segundo o mandamento de Cristo, o odiável e o amável, segundo as


várias gradações de relatividade compatíveis com o caráter complexo e
misto das realidades deste mundo que não é céu nem inferno. Quanto
ao caráter inteiramente odioso do comunismo, ninguém que se
pretenda católico pode hesitar um só instante em proclamá-lo, de vez
que a isto o obrigam duas sentenças papais proferidas ex cathedra e
incorporadas, portanto, à doutrina da Igreja: "O comunismo é
intrinsecamente mau" (Pio XI, Divini Redemptoris, 1937) e "O
comunismo é doutrina nefanda totalmente contrária ao direito
natural" (Pio IX, Qui pluribus, 1846). Terei sido, acaso, mais duro com a
esquerda do que o foram esses papas? É evidente que mesmo um fiel
católico tem o direito de sondar as razões de tão rigorosa condenação —
e não se pode sondar as razões de nada, filosoficamente, sem colocá-lo
ao menos temporariamente em dúvida —, mas o fato é que já fiz esse
exame, durante trinta anos, tanto pelo conhecimento direto que tive do
assunto como militante do Partido Comunista entre 1966 e 1969, como
pela reflexão posterior e pelo estudo de livros cuja relação sobe a muitas
centenas, incluindo os clássicos do marxismo: tudo isto com a ressalva
de que durante um longo período de recolhimento nada escrevi nem
disse sobre o assunto, só me pronunciando a respeito a partir de 1995,
sem nenhuma pressa portanto. A senhora há de compreender
facilmente que atribuir minhas opiniões ao puro ódio — no sentido
pejorativo de emoção cega — não é nem um pouco realista.

Cego e desmemoriado, pois, se assim não fora, talvez


lembrasse do que escreveu sobre Bernanos. Aliás, um

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (4 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

lindo ensaio publicado na Revista Bravo. Uma das coisas


mais contundentes que já li. Dizia o senhor que Bernanos
tinha "razão contra todos".

Cara senhora: quando Bernanos escrevia, existiam na sua pátria uma


poderosa direita e uma poderosa esquerda, cada uma com seus jornais,
suas cátedras universitárias, suas glórias literárias, seus militantes
furiosos, suas tropas de choque, etc. Ele podia colocar-se entre duas
facções porque, simplesmente, elas existiam. No Brasil um longo
trabalho de "ocupação de espaços" fez com que só restassem em campo
as idéias esquerdistas, o vocabulário esquerdista, os sentimentos
esquerdistas, etc., de modo que hoje até mesmo o PFL subscreve teses
tão profundamente esquerdistas como a affirmative action, enquanto o
governo nominalmente de centro-direita dissemina através das cartilhas
do MEC a mais pura doutrinação marxista. O deslocamento do
panorama mental para a esquerda foi tão completo que hoje um simples
neoliberal como Roberto Campos, um centro-direita voitaireano e
anticlerical, já é rotulado de "extrema-direita", o que prova que ninguém
mais sabe, sequer, o que é direita. A idéia mesma de direita desapareceu
do horizonte visível dos brasileiros. A imparcialidade supõe a existência
de partes, minha senhora. Não se pode ficar no meio entre nada e
alguma coisa, mas só entre alguma coisa e outra coisa. Opor-me
violentamente à esquerda é a única maneira de abrir um espaço para
que venha a existir uma direita, e acho imprescindível que exista uma
direita, o que não significa que, quando ela aparecer, eu vá estar
comprometido com ela e não vá me permitir escrever a seu respeito

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (5 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

coisas tão horríveis quanto escrevo hoje sobre a esquerda. O que não
teria cabimento seria escrever, hoje, contra uma facção que não existe.
Quanto à centro-direita neoliberal, que com todo o seu
comprometimento esquerdizante é o máximo de direita possível hoje
em dia, tenho escrito um bocado de coisas contra ela, e a senhora as
encontrará facilmente na coleção de meus artigos publicados no Jornal
da Tarde. Não tenha a menor dúvida de que alguns neoliberais,
chocados com meu artigo "Viva o fascismo!" de 5 de março de 1999, me
escreveram e-mails tão furiosos quanto o seu, acusando-me de estar
cego de ódio contra o neoliberalismo. Discursos contra o ódio, como a
senhora vê, não são monopólio de ninguém, e aliás são a ocupação
predileta de quem não tem o que dizer.

Ainda estava maravilhada com esse texto quando


descobri uma palestra feita no Clube Militar em que o
senhor dizia aos ouvintes "Não se envergonhem da sua
obra. Levantem as suas cabeças, tenham orgulho e não
permitam que nenhum hipócrita comunista venha se fazer
de seu fiscal." Que estranho, pensei... Desde quando
tortura e perseguição são motivo de orgulho? Ou isso não
deve ser considerado parte da obra dos militares? Nesse
caso, então Fidel Castro também tem do que se orgulhar,
pois não há em Cuba uma criança que não esteja na
escola ou que careça de assistência médica.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (6 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

Sua argumentação simplesmente não é honesta. Louvar o saldo global


da obra dos militares, somando os bens e descontando os males, é bem
diferente de louvar os males. A feiúra moral dos atos de violência
cometidos pelo governo militar foi explicitamente afirmada no meu
discurso, junto com a grandeza de seus atos positivos, que, no resultado
final e dentro do quadro das alternativas permitidas pela situação,
superaram grandemente esses males.

Mas trinta anos de hegemonia cultural da esquerda neste país mudaram


tão profundamente os hábitos de pensamento e os simples reflexos
automáticos da opinião pública, que hoje se tornou natural para muitas
pessoas — que nem se imaginam esquerdistas — uma completa
duplicidade moral no julgamento de atos e homens. De um lado, essas
pessoas se acreditam esclarecidas e democráticas, abominam qualquer
dogmatismo moral, detestam a idéia de um bem e de um mal absolutos
e professam tudo julgar de acordo com a relatividade das situações e
circunstâncias. Mas, quando o que está em julgamento é "a direita", a
execrável direita, então abdicam de todo senso das proporções, recusam-
se a qualquer avaliação comparativa das circunstâncias e alternativas
reais, e tudo julgam segundo padrões absolutistas de certo e errado. Se
dizemos que de todas as reações a uma revolução comunista já havidas
no mundo a brasileira foi documentadamente a mais branda, a mais
respeitosa das leis e direitos, a menos violenta, a menos repressiva, e
desafiamos nosso adversário a nos citar um único exemplo contra a
nossa tese, ele imediatamente escorrega para fora do ponto em
discussão e declara solenemente que um só ato de violência já é
abominável e que o fato de a contra-revolução brasileira ter sido menos

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (7 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

violenta que as outras é apenas um fator quantitativo que nada significa.


Ou seja: quando se trata de julgar "a direita", a moral dogmática
absolutista, abstratista e a-histórica, que essas mesmas pessoas
condenam como um reacionarismo ideológico, torna-se de repente o
critério único e legítimo para o julgamento de tudo.

Assim, minha senhora, não há condição de discutir, pois o pressuposto


de toda discussão é um mínimo de honestidade e de fidelidade de cada
parte às suas próprias premissas.

Se a senhora compreende que atos humanos devem ser julgados de


acordo com padrões humanos, admitirá também que, em política, não
existe o bem absoluto, mas apenas o mal menor ou um bem
aproximativo. Nesse sentido, o movimento de 1964, como reação a uma
revolução comunista em marcha, foi excepcionalmente brando,
considerando-se que os hábitos sanguinários dos comunistas deixavam
prever um morticínio incalculavelmente maior no caso de chegarem ao
poder. Só para a senhora fazer uma idéia, O LEVANTE COMUNISTA
DE 1935 MATOU MAIS DE QUINHENTAS PESSOAS EM MENOS DE
UMA SEMANA. Os militares que se puseram em ação no dia 31 de
março tinham plena consciência de estar prevenindo o mal maior, pois
lembravam-se bem dessas vítimas, então recordadas anualmente numa
celebração oficial que o establishment esquerdista pós-Constituição de
1988 aboliu para evitar comparações incômodas e perguntas
irrespondíveis. Como a senhora vê, todos os cadáveres são iguais
perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros.

Ademais, senhora, faça um breve cálculo sobre os acontecimentos de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (8 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

1964-1984. Do lado das forças do governo, havia aproximadamente 30


mil soldados e policiais mobilizados contra a guerrilha rural e urbana.
Do lado da guerrilha, havia não mais de quinhentos combatentes. O
governo fez aproximadamente trezentas vítimas, os guerrilheiros
duzentas, o que significa a média de 0,01 vítima para cada combatente
governista, em contraste com a média de 0,4 feita por cada guerrilheiro
individual. É uma diferença, senhora, de 1 para 40, por soldado.
Proporcionalmente, se a esquerda tivesse o mesmo número de
combatentes que as forças legais, conservando o poder de fogo de cada
soldado, teria matado 12 MIL PESSOAS. Diga agora qual das duas
forças, a governista e a esquerdista, foi mais assassina, e diga se para
impedir a morte de doze mil pessoas é excessivo matar trezentas. Esses
cálculos, senhora, são obrigatórios para quem quer que pretenda, no
julgamento de tais fatos, ser justo e imparcial como a senhora diz que é.
Recusar-se a essa comparação é ceder a impressões carregadas de ódio
irracional, coisa bem diferente do ódio refletido e justo a que se refere
N. S. Jesus Cristo.

Concordo com o senhor que os militares eram muito


menos castradores do que qualquer outro representante
de governo comunista e mataram menos. Isso é verdade,
mas ainda não vejo motivo de "orgulho".

A senhora não chega a compreender que paralisar com tão pouco

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (9 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

derramamento de sangue uma revolução em marcha é uma proeza


NUNCA IGUALADA, nem de longe, em toda a história ocidental? Não
chega a compreender que, nas circunstâncias, manter a disciplina e
reduzir ao mínimo possível os inevitáveis atos de crueldade foi um feito
político e moral de grandeza excepcional? A senhora, no comando de
um Exército incumbido de enfrentar uma revolução, conseguiria fazer
melhor? Quem, no mundo, conseguiu? A senhora se imagina investida
de poderes divinos?

Lembro de outra passagem do mesmo discurso em que o


senhor diz assim "Será que não está na hora de os adultos
aprenderem que os jovens não devem ser lisonjeados e
sim educados (...) ?" Eu pergunto, será que a lição das
lisonjas só serve para os jovens? Acho que não, acho que é
para todos. Não diz a Bíblia que homem que lisonjeia o
próximo arma-lhe uma rede aos passos?

Cara senhora, quantos candidatos a senhora já ouviu fazerem a apologia


do eleitor adulto ou ancião? Quantos filmes e novelas a senhora já viu
fazerem a defesa dos pais contra a rebelião dos jovens? Quantas canções
populares a senhora ouviu assumirem a defesa dos sentimentos dos
adultos contra as pretensões das novas gerações? Por favor, não me faça
descrer da sua inteligência. O mundo, no século XX, regurgita de
lisonjas à juventude.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (10 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

Bem, eu não tenho nada contra os militares, só por eles


serem militares. Mas não gosto de qualquer governo que
seja totalitarista. Tanto os confessos quanto os
camuflados.

O conceito de totalitário não se aplica ao regime militar brasileiro,


exceto como figura de retórica muito chinfrim. O totalitarismo implica,
além de uma concepção global que os militares nunca tiveram, uma
organização popular de apoio, que não houve, o controle da cultura e da
linguagem, que não foi sequer tentado, a implantação de uma nova ética
através da educação, que não foi nem mesmo cogitada, etc. etc.

Apesar de ter ficado bastante intrigada com o seu


discurso, ainda achava que o senhor talvez tivesse escrito
aquele texto sob coação moral irresistível. Afinal, o autor
do "Imbecil Coletivo" não ia dizer a ninguém que se
orgulhasse de nada. Pelo contrário, questionaria sempre.

Questionar por questionar é tão bobo quanto nunca questionar nada. E


direi a um homem que se orgulhe de seus atos, para levantar seu moral,
sempre que o veja cercado de acusadores que, imputando-lhe crimes

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (11 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

que não cometeu, procurem lhe incutir falsas culpas para o manipular
melhor.

De novo, senhora, peço que faça as contas, agora com relação às


torturas. O Brasil teve, no regime militar, não mais de 2.000 presos
políticos. Supondo-se, para raciocinar per absurdum, que TODOS
tivessem sido torturados por um total de 30 horas cada um, seria
preciso 60 mil horas de trabalho dos torturadores, ao longo de 20 anos,
ou seja, 3 mil horas anuais. Portanto: bastaria um único torturador,
trabalhando 8 horas por dia durante 20 anos, para fazer TODO esse
serviço. Suponhamos, porém, que o torturador não trabalhasse sozinho,
mas com um parceiro: para torturar todos os presos políticos do Brasil
seria preciso DOIS torturadores. Para ser mais flexíveis ainda,
admitamos que cada torturador só trabalhasse três meses por ano.
Neste caso, OITO torturadores bastariam. Mas, para irmos ao absurdo
da concessão, admitamos que cada dupla de torturadores agisse sob
ordens de toda uma cadeia de comando que, descendo de um general
para um coronel, deste para um tenente-coronel, deste para um major,
para um capitão, para um tenente, um sargento e um cabo, então
teríamos, para cada uma das quatro duplas, mais oito cúmplices. Sendo
quatro as duplas, teríamos, além dos torturadores diretos, mais 32
cúmplices, ou seja: um total de 40 torturadores, diretos e indiretos,
bastaria, com sobras inconcebivelmente generosas, para torturar
TODOS os presos políticos brasileiros, na hipótese aberrante de que
nenhum destes tivesse sido poupado. Ora, a senhora acha mesmo que
todas as forças armadas brasileiras — 300 mil homens — deveriam se
sentir culpadas, e continuar a sentir-se culpadas vinte anos depois, pelas

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (12 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida
ações de 40 indivíduos? Não é antes mais justo dizer aos outros 290.960
que ergam suas cabeças e não se deixem intimidar por acusadores mal
intencionados?

Durou pouco essa ilusão. Li há poucas horas o seu


comentário da semana e constatei que o senhor acha que
a Esquerda é o mal encarnado assim como a Esquerda
acha que a Direita é o mal encarnado. Em outras
palavras, o senhor ainda é o mesmo jovem indignado e
cego dos idos de 64. Está cometendo agora o mesmo erro
de julgamento apressado de outrora. Será que daqui a 30
anos o senhor vai estar no Clube Comunista pedindo
desculpas também?

A esquerda não é o mal encarnado porque o mal encarnado é o espírito


revolucionário que ora se expressa por meio da esquerda, ora da direita
— a Montanha e a Gironda da Revolução Francesa, Leviathan e
Behemoth do livro de Jó na interpretação de Blake. Como no momento
a expressão dominante e quase única no Brasil é a esquerda, esta
assume de fato o papel de encarnação do mal, até que a roda da História
complete seu giro e esse papel seja novamente assumido pela direita. Se
meus livros tomam como referência uma escala temporal mais vasta, é
natural que meus escritos jornalísticos, concentrando-se na atualidade,
tomem por alvo o mal onde ele está no momento, e não onde poderá
estar amanhã. Para ter uma visão mais completa de ambos os lados da

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (13 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

coisa, leia O Jardim das Aflições.

Quanto à pergunta sobre o Clube Comunista, é evidente que, se minhas


palavras de hoje servirem algum dia para legitimar uma onda atroz de
mentiras contra comunistas e eu na ocasião nem me der conta do que
esteja acontecendo, só tardiamente vindo a perceber o mal, terei a
obrigação moral de pedir desculpas aos comunistas tão logo venha a
percebê-lo. Nunca me considerei superior a esse tipo de dever moral.
Apenas espero que, se essa onda de mentiras de fato vier a se
desencadear contra os comunistas, eu não esteja na ocasião tão surdo e
cego quando estive quando começaram a se espalhar, com a minha
insensata ajuda, as mentiras contra os militares. No momento, porém,
semelhante onda não é nem de longe previsível, visto que os comunistas
dominam com mão de ferro quase todas as redações de jornais e, nas
TVs, só não controlam o valente Boris Casoy e o teimoso Alexandre
Garcia (a terceira exceção era Paulo Henrique Amorim, mas já deram
cabo da carreira dele tão logo ele cometeu o pecado mortal de anunciar
diante das câmeras que 96 por cento dos telespectadores consultados
eram contra a libertação dos seqüestradores de Abílio Diniz).

Isso me lembra outro texto seu: "O abandono dos Ideais".


Quase me esqueço de explicar o que foi que eu vi no
comentário que me fez constatar as minhas suspeitas.
Bem, o senhor falava sobre o Estado de Direito que "os
hipócritas da KGB" gostam tanto de defender. Dizia que
hoje não há mais direito a privacidade, que o dinheiro

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (14 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

público não pode se sobrepor ao direito de conversar


numa boa no telefone.

Caro senhor Olavo, a mesma Constituição que consagrou


o Estado de Direito e o direito de privacidade, consagrou
outros princípios. Só no artigo quinto são mais de 70. E,
sabe de uma coisa, não há hierarquia entre eles. Pois é.
Freqüentemente, alguns princípios entram em choque. Aí
os juristas precisam fazer uma escolha, uma vez que um
terá de prevalecer sobre o outro. Então eles fazem uma
ponderação, no caso concreto, para saber qual princípio
privilegiar. Parece-me que é justamente o que acontece
agora. O senhor sabe que as pessoas que lidam com a
coisa pública estão vinculadas a lei. Pois muito bem, a lei
diz que o administrador, o agente público deve se reger
por princípios tais como o da moralidade, imparcialidade,
igualdade e coisas assim. Tais princípios devem ser
rigorosamente respeitados porque o agente não está ali
administrando o seu dinheiro, o seu patrimônio, para que
se tenha alguma garantia de que as coisas se processarão
de modo limpo. Ele esta ali com um poder que lhe foi
conferido, delegado. Portanto tudo quanto ele fizer deverá
e será passível de controle externo. A ponderação de
princípios entra aí, estão em jogo dois direitos: o da
privacidade do agente e o da sociedade de ver seu
patrimônio administrado honestamente, de acordo com a
lei, a qual consagra o bem público, se sentir segura. Qual

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (15 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida
o senhor acha que deve prevalecer, nesse caso?

Suas especulações jurídicas, cara senhora, são absolutamente


desnecessárias, pois não há contradição alguma entre o direito
individual à privacidade e o direito da sociedade à honesta
administração de seus bens — e o que está em jogo não é nada disso. O
que está em jogo é que, sob a alegação de proteger o dinheiro público,
foi feita uma escuta ILEGAL, isto é, um "grampo" não autorizado pela
competente autoridade judicial. Isto, em si, é crime infinitamente mais
grave do que qualquer desvio de dinheiro público, pois importa em
usurpar a autoridade mesma do Estado e não apenas os seus bens
materiais. A custódia que o Estado exerce sobre os bens materiais do
povo advém da sua autoridade, e não esta dos bens materiais. De
maneira complementarmente análoga, o direito que a senhora exerce
sobre seu dinheiro advém da cidadania, e não esta da posse do dinheiro,
a qual está para o primeiro como a conseqüência está para a causa, ou
como a parte está para o todo. Logo, a usurpação de seus bens materiais
atenta contra um de seus direitos, mas um atentado contra a sua
cidadania viola todos eles ao mesmo tempo. Do mesmo modo, é mais
grave atentar contra a autoridade do Estado do que contra os bens
públicos. Qualquer criança pode compreender este raciocínio, que é
juridicamente insofismável, moralmente certo e logicamente exato.

É evidente que, no curso de uma investigação de corrupção ou de


qualquer outro crime, o Estado tem o direito de grampear telefones,
contanto que isto seja feito de maneira legal, isto é, determinado pela
autoridade judicial competente e não pelo arbítrio de um policial

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (16 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

qualquer e muito menos de um "araponga" a serviço de uma facção


política. Se, por acaso, o grampo ilegal revela uma verdade, ele presta
com isto um desserviço à justiça, pois invalida essa verdade como prova
judicial e dá ao suspeito uma oportunidade de ouro para se safar
incólume. Ademais, só quem pode decidir da veracidade ou não de uma
prova judicial é a própria justiça e não a senhora, nem a imprensa, nem
a assembléia inteira dos arapongas reunidos. Ao proclamar que o
grampo é prova verdadeira de um verdadeiro crime, a senhora prejulga
o acusado e dispensa o exame judicial da questão. Se milhões de pessoas
pensarem como a senhora, a gritaria do povo numa praça valerá como
tribunal supremo, e isto evidentemente nada tem a ver com o Estado de
direito, que NUNCA é o reinado absoluto da massa enfurecida. O poder
emana do povo, sim, mas não por quaisquer meios, e sim somente
através das leis que esse mesmo povo tenha aprovado por meio de uma
assembléia eleita pelo voto. Se o povo deseja tornar lícitos todos os
grampos e instituir o direito universal à espionagem, então que eleja
outra assembléia e vote outra Constituição, louca o quanto seja — mas,
até lá, que aja dentro das leis que ele próprio instituiu.

O indivíduo ou a sociedade? Essa "autoridade do Estado"


que o senhor fala não casa com o princípio dito violado
pelos "arapongas" da esquerda. Que eu saiba, no Estado
de Direito, o poder é do povo. O povo é o poder
constituinte originário, portanto, não há que se falar em
autoridade estatal, como se isso fosse uma redoma
insuspeita e inviolável.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (17 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

O povo, senhora, não é um monarca absoluto que possa mudar o curso


das coisas por mero capricho, a qualquer momento. O povo, senhora,
não tem todos os direitos e, sobretudo, não tem só direitos. Mais que o
governante, ele tem deveres — e o primeiro deles é não violar, movido
pelo ódio que lhe inspire uma determinada pessoa ou um fato em
particular, os princípios gerais que ele mesmo estabeleceu antes que o
ódio lhe subisse à cabeça. Um povo que não é capaz disto não é um povo
— é uma horda de loucos e bandidos. Infelizmente, esta distinção,
apagada pelo discurso interesseiro de jornalistas intrigantes e políticos
ávidos de poder, está desaparecendo cada vez mais das consciências
neste país, e as pessoas, de boca cheia, chamam de "Estado de direito" a
tirania da massa insuflada por demagogos.

O presidente deve satisfações (e muitas) de tudo o que faz.


Então o princípio da moralidade pode ser mitigado pelo
princípio do sigilo das ligações telefônicas? Pode até ser
que isso ocorra em sede de direito penal, mas é
inconcebível em política.

O favorecimento ilícito é crime previsto na legislação penal e é portanto


uma questão penal. Nenhum julgamento político deste mundo pode,
legitimamente, sentenciar que houve ou não houve crime, nem muito

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (18 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

menos condenar o acusado a qualquer penalidade que seja. O


julgamento político pode apenas decidir de o acusado deve ou não
permanecer no cargo, INDEPENDENTEMENTE DE SER ELE
CULPADO OU INOCENTE. Julgamentos políticos decidem mandatos,
não culpa ou inocência. Se a senhora quer um julgamento político para
FHC, tem todo o direito de defender a sua proposta, mas jamais o de
proclamar, antes do julgamento pelo devido tribunal penal, que seu
odiado presidente da República é culpado de crime. O simples fato de a
senhora tomar uma mera punição política como atestado de uma culpa
real é sinal de que o ódio cego não está precisamente onde a senhora o
supôs, mas sim nos seus próprios olhos.

Infelizmente, o critério político vem se substituindo cada vez mais não


apenas aos princípios do Direito mas à própria moralidade,
pretendendo decidir sobre a veracidade ou inveracidade das denúncias,
sobre a culpa ou inocência dos acusados e, last not least, sobre o bem e
o mal em sentido absoluto. A a politização de todos os domínios da
existência é, precisamente, a definição do totalitarismo.

É bom saber, minha senhora, que um impeachment é apenas uma


derrota política, absolutamente alheia ao direito e à moralidade. Numa
democracia, uma sentença judicial transitada em julgado prova alguma
coisa; um impeachment prova apenas que o outro lado foi mais forte.
Um país onde a força política é sinônimo de justiça e de moralidade está
bem próximo da ditadura pura e simples.

Para encerrar, cara senhora, talvez a senhora não esperasse uma


resposta tão meticulosa, mas percebi que escreveu sua carta sob forte

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (19 de 20)16/4/2007 09:43:59


Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

emoção, que prova o seu sincero interesse no assunto, e julguei que suas
observações, por injustas e até insultuosas que fossem, não indicavam
qualquer má-fé da sua parte, e que por isto deveriam ser respondidas
com paciência e método, como perguntas de um aluno numa aula.

Creia, senhora, que não sou nada do que a senhora diz. Mas, se a
senhora antes me admirava tanto quanto diz ter admirado, o choque de
encontrar em meus escritos alguma opinião flagrantemente contrária às
suas pode ter transformado repentinamente a admiração excessiva em
injusto desprezo, pois, como diz o provérbio árabe, "se alguém te louva
por qualidades que não tens, logo estará te condenando por defeitos que
também não tens".

Escreva quando quiser. Respondo em geral a todos os e-mails, mas não


me comprometo a fazê-lo na hora porque viajo muito e às vezes minha
correspondência fica aguardando semanas a fio.

Com meus melhores votos,

Olavo de Carvalho

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/cego.htm (20 de 20)16/4/2007 09:43:59


Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

Entrevista de Olavo de Carvalho ao


Embaixador Caius Traian Dragomir

Caius Traian Dragomir, médico psiquiatra e escritor, foi embaixador


da Romênia em Paris, é o presidente do Partido Liberal romeno e foi
candidato à Presidência da República nas últimas eleições. Atualmente
dirige a mais importante revista cultural romena, Viatsa Romaneasca,
que publicou esta entrevista em novembro de 1998.

— Fale-nos sobre a sua formação, sobre as influências


dominantes que moldaram o seu espírito.

Desde muito cedo, notei que o chamado "progresso do conhecimento"


consiste quase exclusivamente em acumular registros - livros, teses
acadêmicas, discos, fotografias, dados computadorizados -, que vão
constituindo, ao lado ou em cima do mundo físico onde vivemos, uma
segunda camada, um segundo mundo tão complicado quanto o primeiro

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dragomir.htm (1 de 27)16/4/2007 09:44:14


Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

e às vezes mais ininteligível do que ele. A "cultura" deixa de ser um


patrimônio espiritual, um bem interior possuído pelos homens, e passa
a constituir-se de objetos, de coisas, tanto quanto o é o mundo físico.
Considera-se que um país é culto não porque tem muitos homens
verdadeiramente sábios, mas porque tem muitas universidades, muitos
institutos científicos, muitos museus, muitas galerias de arte, enfim:
muitos depósitos de registros materiais. A cultura perde assim sua força
explicativa e iluminante e se torna um amontoado opaco, necessitado,
por sua vez, de explicação.

Muito jovem, decidi que meu caminho não seria o de participar dessa
produção industrial de registros, mas de contribuir, de alguma maneira,
para a inteligibilidade do conjunto, resgatar o sentido da cultura como
atividade interior e não como produção material.

Esse foi o motivo de eu ter-me dedicado ao ensino direto, face a face


com o aluno, e só ter estreado em livro aos 47 de idade - uma das
estréias mais tardias das letras brasileiras. O preço desta opção é que a
maior parte de minha obra ainda circula apenas sob a forma de
apostilas e gravações de aula.

Mas, antes de me dedicar ao ensino, tive de me ensinar a mim mesmo. A


questão que isso me colocava era a de como adquirir conhecimento na
maior quantidade possível sem perder o elo entre conhecimento e
consciência. Dito de outro modo: nunca permiti que entrasse na minha
mente um conhecimento que fosse "meramente" funcional ou
pragmático: tudo o que entrava tinha de ser pensado, analisado,
avaliado, comparado com os conhecimentos anteriormente adquiridos,

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

enfim personalizado. Inspirou-me nisso a frase de Piaget: "Quando o


coelho come alface, não é o coelho que se torna alface, mas a alface que
se torna coelho." Parecia-me que, no ensino universitário, se fazia
precisamente o contrário: as pessoas amoldavam-se facilmente ao
linguajar, aos conceitos e ao modus ratiocinandi das disciplinas que
aprendiam, mas não adaptavam esses conhecimentos ao seu próprio ser
pessoal, de modo que eles formavam em volta das suas almas uma casca
estranha, jamais assimilada, a cuja forma a sua consciência tinha de se
amoldar, comprimindo-se e mutilando-se. Era como o aprendizado de
um papel social no qual não acreditamos e que nem levamos a sério; que
apenas usamos como um instrumento nas horas de trabalho,
abandonando-o na soleira da porta quando retornamos para casa onde
podemos voltar a ser nós mesmos. Era, com toda a extensão do termo,
uma ciência sem consciência.

Isso acontecia mesmo no ensino de filosofia. O aluno amoldava-se ao


linguajar e aos cacoetes mentais da filosofia ensinada, e tão logo
conseguia falar como os professores, pensar como os professores, sentia-
se realizado e seguro como um menino que, ao conseguir imitar os
adultos mesmo sem compreendê-los, se sente adulto.

É evidente que esse vício não afeta só o ensino, mas o próprio modo de
fazer ciência e de produzir cultura: produz-se uma ciência que é, no fim,
inconsciente dos fundamentos da sua própria ininteligibilidade. Ora,
uma ciência sem consciência logo se torna uma ciência sem outro valor
científico que não o meramente convencional.

Desde cedo senti que esse tipo de ciência, esse tipo de cultura, seria o

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

meu inimigo jurado, e decidi não descansar enquanto não o ferisse de


morte, pelo menos na escala da cultura nacional brasileira. Vi nele o
inimigo por excelência da consciência humana e a raiz de todas as
tragédias do século XX: comunismo, racismo, nazismo, alienação, etc.

Toda a educação nacional estando comprometida com uma concepção


da cultura coisificante e alienante, a questão de minha própria educação
teve de ser resolvida por mim mesmo, por meios que eu próprio
inventei.

Logo compreendi que a questão da inteligência, da consciência e da


natureza do conhecimento seria para mim, ao mesmo tempo, um
problema teórico e prático, isto é, que eu teria de investigar a natureza
do conhecimento no próprio processo de ir adquirindo conhecimento. A
teoria do conhecimento nada valeria se não fosse, ao mesmo tempo,
uma ética e uma pedagogia, ou melhor, uma psicagogia ou guiamento
da alma. Conhecer e aprofundar a natureza da inteligência era uma só e
a mesma coisa que tornar-se inteligente, assumir as responsabilidades
da inteligência, colocar a inteligência no centro e no comando da
personalidade.

Isso ligava-se de perto a uma segunda questão: a inteligência é por


natureza sistêmica, unificante, orgânica. Ela repele o inorgânico, o
disperso, o fragmentário, que é morto. Logo, era preciso buscar a
unidade do conhecimento na unidade da consciência, e vice-versa. Isto
colocava enfim a questão do conhecimento como sistema orgânico, ou
da unidade do conhecimento. Quando digo que essa unidade deve ser de
tipo sistêmico - e não apenas "sistemático" -, subentendo que não pode

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

tomar a forma de um sistema dedutivo, como no racionalismo clássico,


mas sim a de uma unidade vivente que se identifica, em última análise,
com a unidade de um ente vivo e consciente: o indivíduo humano real,
unidade psicofísica e espiritual, é o padrão da unidade do
conhecimento. O homem, o indivíduo humano, é o portador do
conhecimento efetivo. O conhecimento enquanto bem social é apenas
conhecimento potencial, é coleção de registros e convenções que, para
tornar-se conhecimento efetivo, deve ser efetivado, atualizado na
consciência do indivíduo vivente.

Mais ainda, só no plano do indivíduo autoconsciente é que o


conhecimento pode adquirir validade: só na consciência individual
vivente se realiza a prova apodíctica, só o indivíduo tem acesso efetivo
às verdades universais, enquanto a coletividade deve se contentar com
fórmulas mais ou menos convencionais — ou consensuais — de uma
verdade meramente potencial.

Essa foi a inspiração originária de todo o meu esforço filosófico. É claro


que, partindo dessa base, fui descobrindo, nos livros e nas aulas, muitos
desenvolvimentos possíveis. Até agora, só publiquei uma parte ínfima
de minhas notas de aula, sobretudo em Aristóteles em Nova
Perspectiva e em O Jardim das Aflições; a maior parte de meus livros
publicados trata apenas de crítica cultural, com uma filosofia
subentendida mas não muito explicitada.

— Fale das influências recebidas.

Em filosofia, as influências determinantes que recebi foram a de Husserl

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

(principalmente o de Lógica Formal e Lógica Transcendental e o da


Crise das Ciências Européias), e a de Aristóteles. Do primeiro, recebi a
noção da lógica pura como teoria da ciência; do segundo, a noção da
organicidade do sistema das ciências, que depois submeti a uma
reinterpretação ainda mais radicalmente organicista e até "holista" no
livro Aristóteles em Nova Perspectiva.

Devo muito, no entanto, aos estudos de religião comparada e simbólica


tradicional (René Guénon, Frithjof Schuon, Titus Burckhardt, Seyyed
Hossein Nasr) e às noções de alquimia natural e espiritual que recebi de
dois amigos, Juan Alfredo César Müller e Michel Veber. O primeiro foi
um gênio da psicologia clínica, que, além de me revelar todo o mundo
do pensamento analógico e simbólico também me abriu os olhos para a
obra de L. Szondi, o grande psiquiatra húngaro, o único pensador que
conseguiu dar um sentido prático e clínico à dialética da liberdade e do
destino. Do segundo, um instrutor de artes marciais doublé de artista
plástico e aliás o mais importante escritor inédito do Brasil, recebi
ensinamentos vitais sobre a alquimia espiritual na tradição chinesa.

Recebi ainda o impacto decisivo da doutrina vedantina, da qual tomei


conhecimento por Swami Dayananda Sarasvati, diretor da Academia de
Estudos Védicos de Bombaim, que eu e alguns companheiros trouxemos
ao Brasil para dar conferências e se tornou um grande amigo do nosso
país. Ele me pôs na direção certa em que devem ser lidas as obras de
Shankaracharya, provavelmente o mais alto espírito metafísico que já
habitou este mundo.

Um pouco mais tarde, descobri, esquecidas do mundo, as obras do

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grande filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos, que fez um esforço
de gigante para reordenar o conjunto das ciências filosóficas à luz de
uma nova teoria do conhecimento fundada nos números pitagóricos,
compreendidos não como quantidades, mas como categorias lógicas e
ontológicas.

— Como v. interpreta o problema das relações entre


civilizações hoje em dia? Há descontinuidades históricas ou
geográficas no campo da civilização, ou só podemos falar de
evolução contínua e suas nuanças?

A chamada civilização ocidental pôs sua pata sobre o mundo inteiro, e


não existe nenhuma outra em condições de se opor a ela. A resistência
islâmica é quixotesca, e tão contaminada de ocidentalismo que, na
Arábia Saudita, para cumprir a lei tradicional que proíbe um homem de
ficar sozinho num recinto com mulheres estranhas, as classes femininas
assistem às aulas por um circuito interno de TV. Quem teve essa idéia
imaginou estar pondo a técnica moderna ocidental a serviço da tradição,
mas na verdade subjugou a tradição às exigências de uma civilização
técnica avassaladora.

O Ocidente unificou o mundo, mas o unificou por baixo, pela técnica e


pela economia, não por cima, pelo espírito e pelos valores. Não digo isso
como quem lamenta, mas como quem constata um fato. Nos últimos
séculos, toda superioridade material é obtida mediante a perda dos
valores que dão sentido à vida. Isso acontece com as culturas e nações
em particular e com a humanidade em geral. Veja por exemplo o caso
dos judeus: tornaram-se poderosos política e militarmente, mas já não

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

são mais judeus, no sentido espiritual do termo: esqueceram Jeová e se


tornaram adoradores de si mesmos. Do mesmo modo, a civilização
ocidental, cristã na sua inspiração originária, dominou as outras
civilizações, mas já não é mais cristã. E tenho motivos para duvidar de
que o fundamentalismo islâmico seja realmente fundamentalista; ele
me parece ser antes uma inovação revolucionária, uma politização da
tradição, sem verdadeiro fundamento espiritual, uma espécie de
"teologia da libertação" islâmica. Todos perderam o sentido dos valores
espirituais, com a diferença de que os ocidentais e os judeus tiveram um
ganho material em troca, e os demais nem isso.

Em todo caso, não podemos esquecer que, quando o Império Romano


unificou o mundo então conhecido, ele o fez também só pela força
material desprovida de espiritualidade, e que logo em seguida veio o
cristianismo insuflar vida nova no corpo da civilização romana, ao
mesmo tempo que o poder político-militar romano se desfazia.
Provavelmente, dentro de alguns séculos, ou talvez décadas, a
civilização mundializada que hoje conhecemos virá a receber um novo
influxo dos céus, ao mesmo tempo que se desfará em cacos a estrutura
político-militar e midiática que hoje está sendo montada para sustentá-
la.

Por via das dúvidas, acho que, longe de estar entrando num período de
decadência, a americanização do mundo mal começou. O ciclo que o
mundo vive hoje é o da Revolução Americana que se mundializa, e isto
não está no fim: está no começo.

Os intelectuais de esquerda — a gente mais estúpida e ridícula que

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

existe no mundo — acham que combatendo o liberalismo e propagando


a socialdemocracia estarão se opondo à expansão do império
americano. Isso é loucura. Os Estados Unidos são hoje uma
socialdemocracia, onde a privatização da economia é compensada por
uma intromissão cada vez maior do Estado nos outros setores da vida, a
começar pela vida privada, pela alma dos cidadãos: o neoliberalismo da
economia vem junto com um crescente socialismo da psique e da
cultura; quer se lute em favor de um ou de outro, quem acaba favorecido
no final é o Império mundial, o Império americano, cujos dois braços
são a esquerda e a direita.

Quanto à socialdemocracia, é perfeitamente compatível com o


neoliberalismo, como se vê no caso da Suécia, onde 95 por cento do
capital industrial estão nas mãos de grupos privados e onde não
obstante o Estado controla toda a economia através do sistema
financeiro e previdenciário, assim como controla toda a vida social e
psíquica através da espionagem interna, da doutrinação maciça, da
estupidificação das massas pela educação estatal, do controle totalitário
da vida privada e até da vida física dos cidadãos. A luta aparente entre
neoliberais e socialdemocratas, que se observa hoje em toda parte, terá
como único resultado transformar o mundo numa imensa Suécia de
língua inglesa.

Se querem entender o que está se passando por trás dos conflitos


aparentes, perguntem a si mesmos por que os grandes organismos
internacionais, que são o núcleo do futuro governo mundial, favorecem,
na economia, a adoção de princípios neoliberais, ao mesmo tempo que
ajudam com verbas e apoio publicitário todos os movimentos

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

esquerdistas e revolucionários, como por exemplo os "Sem Terra" no


Brasil e os movimentos de imigrantes nos países europeus. É porque
sabem que as duas linhas de ação irão convergir para um resultado
único: o fortalecimento do poder mundial e da síntese "sueca":
privatização da economia, estatização de tudo o mais.

No meu país, os intelectuais de esquerda dizem que sou de direita,


porque combato projetos ditos "progressistas" como o direito ao aborto,
as quotas preferenciais de empregos para determinadas raças, etc. Não
entendem que esses projetos estão enquadrados na política geral
globalizante e que, ao defendê-los, servem ao Império Americano que
ingenuamente imaginam combater. Sem perceber, a esquerda tornou-se
serva do que antigamente ela denominava "imperialismo".

Mais ridícula ainda é a luta pelo "multiculturalismo", que, defendendo


os direitos de determinadas raças ou culturas, imagina estar se opondo
ao projeto globalizante, sem perceber que o multiculturalismo é a
estratégia globalizante para a neutralização das diferenças. O negro que
proclama seu direito de viver na América vestido de africano imagina
exaltar a cultura africana, mas só faz provar a flexibilidade e a força do
sistema americano: ele prova, de certo modo, a superioridade da cultura
ocidental, ao mostrar que ela pode assimilar culturas africanas e não
pode ser assimilada por elas.

— A civilização atual tem um potencial destrutivo que ameace


a humanidade?

Certamente. O presente ciclo histórico, inaugurado no século XVIII,

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

baseia-se na concepção prometéica de que o homem, em vez de apenas


governar o mundo, deve reinventá-lo. O número de "receitas de mundo"
que os filósofos inventaram nos últimos séculos é impressionante, e
mais impressionante ainda é o número de vítimas que são imoladas no
altar do suposto "mundo melhor": a Revolução Francesa, em um ano,
matou quase um milhão de pessoas - mais gente do que a Inquisição
matou em cinco séculos. Daí por diante o preço do futuro em vidas
ceifadas no presente não cessa de crescer, até chegarmos aos cem
milhões de vítimas do comunismo. A monstruosidade do fenômeno
comunista é tanta, que a mente humana se recusa a tomar consciência
dele. Atônita, faz de conta que de nada sabe. Mas o comunismo matou
mais gente do que duas guerras mundiais, somadas ao número de
vítimas de todas as epidemias, terremotos e desastres aéreos e às de
todas as ditaduras de direita. O comunismo foi, em suma, a coisa mais
mortífera que já aconteceu à humanidade desde o dilúvio bíblico. Supor
que tudo isso possa resultar de simples desvios acidentais de um ideal
que permanece nobre em essência é, para dizer o mínimo, ingenuidade.
A meu ver, o ideal comunista - a construção deliberada de uma
"sociedade mais justa" - é intrinsecamente mau. Não existe justiça
nenhuma em planejar de antemão a vida das gerações futuras,
obrigando-as a arcar com o peso de milhares de decisões que não
tomaram e com as quais talvez não venham a concordar. É monstruoso
decidir hoje, de maneira irrevogável, a vida dos homens de amanhã. A
idéia de uma intervenção global dos reformadores sobre a sociedade é
monstruosa em si, independentemente do conteúdo das suas propostas
(ou pretextos). Nenhum homem, a não ser que esteja investido de
autoridade profética - atestada por milagres - deve ter tamanho poder.

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

Ora, a idéia central da nossa civilização (e não só do comunismo) é


precisamente a busca da sociedade perfeita, do Estado perfeito, que
implica necessariamente a moldagem planificada do futuro, a supressão
fatal da liberdade de decisão das gerações futuras.

Essa idéia produz necessariamente a extensão indefinida da capacidade


legisferante do Estado, que hoje, em certos países, regula até mesmo as
relações íntimas entre seres humanos, os olhares e os sentimentos. Se o
comunismo foi a versão mais radical dessa tendência, nem por isto ela
deixa de ser crescente nas sociedades ditas democráticas, onde, se o
Estado dá mais liberdade para a atividade econômica, para compensar
vai suprimindo rapidamente todas as outras liberdades, como acontece
na Suécia e nos Estados Unidos, onde o cidadão, livre para ganhar
dinheiro, é cada vez mais fiscalizado e policiado em sua vida privada. O
Estado procura inclusive jogar os indivíduos e os grupos uns contra os
outros, para melhor imperar sobre todos: ele promete proteger os filhos
contra os pais, as esposas contra os maridos, os pobres contra os ricos,
os gays contra os heterossexuais, os não-fumantes contra os fumantes,
e vice-versa, enfim, todos contra todos, e ninguém se pergunta como ele
poderá fazê-lo sem o crescimento desmesurado do seu próprio poder. A
ampliação dos chamados "direitos humanos" resulta, em última
instância, num crescimento do poder, num crescimento da tirania. O
pior é que os povos vão se habituando a isso e, enganados pela
propaganda que os lisonjeia pelos maravilhosos direitos adquiridos, não
se lembram de fazer a conta dos direitos perdidos. Fala-se, por exemplo,
em direitos da mulher. Ora, durante toda a história do Ocidente a
mulher teve o direito de não ser diretamente atingida pelas guerras; as

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

batalhas travavam-se fora ou em torno das cidades, justamente porque


dentro delas havia mulheres e crianças que deviam ser preservadas.
Esse direito era líquido e certo. Hoje ele não existe mais: não apenas as
guerras matam indiscriminadamente homens, mulheres e crianças, mas
todos os Estados vão inventando instrumentos legais para obrigar as
mulheres (quando não as crianças) a prestar serviço militar. Outro
exemplo: hoje já se aceita como coisa normal e legítima o uso de
instrumentos subliminares para o controle de comportamento das
multidões, que quatro décadas atrás era denunciado como monstruosa
intrusão da autoridade tirânica.

Não digo que isso é um potencial destrutivo apenas: é a destruição em


marcha.

Se me perguntarem o que se deve fazer, respondo que não sei, de modo


geral, mas que uma coisa é certa: é preciso absolutamente deter a fúria
planificadora dos governantes, é preciso acordar do delírio prometéico,
é preciso reconhecer que nenhuma geração é sábia o bastante para
resolver os problemas das gerações futuras, é preciso absolutamente
anular as decisões que mutilem gravemente a liberdade de decisão dos
que ainda não nasceram. Mas hoje a ambição prometéica é tão
alucinada que já não quer só legislar sobre todas as coisas, mas pensa
até em predeterminar geneticamente a vida das gerações futuras.
Nossos governantes já não querem ser apenas profetas-legisladores:
querem ser deuses. Primeiro equipararam-se a Moisés, depois ao
próprio Jeová.

— V. atribui às civilizações sul-americana ou leste-européia

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

algum estatuto distinto ou elas têm que ser consideradas


como partes integrantes de outras unidades culturais e
históricas ?

A situação hoje é bem clara: uma civilização, muitas culturas. É evidente


que emprego os termos no velho sentido de Spengler: civilização como
uma superestrutura técnica, econômica e administrativa, cultura como
um modo de ver e sentir próprio de um determinado povo.

Ora, a civilização que se denomina Ocidental afasta-se cada vez mais de


suas bases culturais mais amplas (greco-latina, judaico-cristã) para se
tornar cada vez mais estreitamente moderna, tecnológica e anglo-
saxônica. É uma tragédia que isso aconteça precisamente no momento
em que essa civilização se mundializa e começa a imperar
materialmente sobre todas as culturas. Nos Estados Unidos, país que
está na liderança do processo civilizador, as elites se mostram cada vez
mais incapazes de absorver o legado da cultura Ocidental e se fecham
em concepções improvisadas, em arranjos de ocasião fundados nas
contingências e interesses tecnopolíticos do momento. Nas
universidades norte-americanas, ganha prestígio uma tese monstruosa
chamada "autonomia filosófica", segundo a qual é desnecessário estudar
as filosofias anteriores ao ciclo intelectual iluminista, isto é, ao
nascimento das concepções atualmente vigentes nos Estados Unidos. A
filosofia, nesse sentido, começaria, no máximo, com Descartes. Em
suma, a cultura norte-americana parece tornar-se cada vez mais
limitada e provinciana (provinciana inclusive no sentido temporal do
estreitamento da consciência histórica), ao mesmo tempo que crescem a
importância e o poderio dos EUA como líderes da civilização mundial.

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

Os países da Europa Ocidental, ainda que mais apegados a suas raízes


culturais, americanizam-se rapidamente e não parecem ter vigor para
reagir à nova barbárie. A causa disto é que, acostumadas a identificar
prestígio cultural e poderio político-econômico, tendem a inibir-se
intelectualmente ante o país mais forte e deixar-se guiar por ele.
Acostumadas a carregar numa mão o báculo (símbolo da autoridade
espiritual), na outra o cetro (símbolo do poder monárquico), ao perder o
cetro inibem-se de usar o báculo e acabam perdendo, junto com o poder
material, toda autoridade espiritual.

É aí que culturas como a sul-americana (especificamente a brasileira) e


a leste-européia (e especificamente a romena) podem exercer um papel
benéfico e fundamental para o rumo das coisas no mundo. Nossos
países jamais foram senhores do mundo, e por isto entre nós a elevação
cultural e espiritual não esteve jamais associada ao poder material. Por
esta mesma razão, estamos muito mais próximos das nossas raízes
respectivas (e, a fortiori, das raízes gerais da cultura Ocidental) do que
os EUA e a Europa Ocidental podem estar. EUA e Europa estão
demasiado identificados ao momento histórico para poder transitar
livremente pela atmosfera espiritual de outras épocas: tendem a julgá-
las desde o ponto de vista cronocêntrico, que faz do hoje o topo e o juiz
da História, e que é uma grande ilusão. Nós, ao contrário, sul-
americanos e leste-europeus, podemos estar à vontade em Roma ou na
Idade Média. Nós ainda compreendemos o que os homens dessas
épocas queriam dizer e temos, por isto, um sentido muito mais agudo
dos valores eternos e supra-históricos. Somente nós podemos, hoje,
impedir que esses valores se percam para sempre no torvelinho

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

globalizante que as nações mais poderosas nos impõem de maneira


apressada e inconseqüente. Somente nós podemos exigir dos senhores
do dia a obediência a valores espirituais que eles, arrastados na voragem
do prometeanismo reformador, já nem sequer entendem mais. Eles são
como um rei muito poderoso e semi-enlouquecido na contemplação
eufórica do seu poder quase ilimitado. Nós somos o velho sábio asceta
que pode devolver ao rei o uso da razão, porque nós vemos as coisas na
perspectiva de um tempo mais longo e avaliamos melhor as
conseqüências dos atos humanos.

Além disso, é preciso levar em conta os tesouros da psicologia nacional,


que cada um de nossos povos conserva como um legado de sabedoria
instintiva, que a civilização globalizada desconhece.

Os romenos, por exemplo, têm a arte de sobreviver num mundo cruel


sem comprometer-se intimamente com a crueldade. Vocês se livraram
de seus nazistas e de seus comunistas sem persegui-los, sem fuzilá-los,
mas simplesmente absorvendo-os numa nova situação da qual eles
participam por hipocrisia mas sem prejudicá-la seriamente. Isto é de
uma sabedoria admirável, num mundo onde se considera que é
absolutamente necessário punir crimes políticos cometidos quarenta ou
cinqüenta anos atrás. É sabedoria comparável à de Maomé, que dizia
aos fiéis: "Os hipócritas são nossos amigos, não nossos inimigos", e que,
ao invadir triunfante a cidade que o expulsara, puniu cinco e não mais
de cinco inimigos, perdoando todos os demais. O purismo imbecil que
quer aplicar a lei a ferro e fogo é pior que a hipocrisia: é o fingimento
total, a mentira total. Que sentido existe em punir um Maurice Papon
porque perseguiu judeus cinqüenta anos atrás e continuar exaltando ao

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

mesmo tempo os comunistas que, apoiando o pacto germano-soviético,


se tornaram cúmplices do crescimento nazista? Na verdade, quem grita
pedindo a condenação de um criminoso está em geral encobrindo outro
criminoso, ou vários.

Quando Cristo disse "Bem-aventurados os que têm fome e sede de


justiça", quis enaltecer aqueles que buscam ser justos, que buscam
abster-se de fazer injustiças, não aqueles que querem espalhar cadeias,
guilhotinas e cadeiras elétricas pelo mundo a pretexto de fazer justiça.
Acho que esse sentido da fragilidade - e às vezes da absurdidade - da
justiça humana é particularmente desenvolvido no povo romeno e na
cultura romena.

Quanto aos brasileiros, que foram poupados às grandes tragédias do


século, eles têm um senso muito agudo da pessoa humana concreta, que
tem mais valor do que sua ideologia, sua classe, seu grupo racial, sua
herança cultural etc. No Brasil é coisa muito comum, banal mesmo,
milionários terem amizade com homens do povo, pessoas de uma raça
se casarem com as de outra. Quanto aos grupos religiosos, já éramos
ecumênicos muito antes que essa palavra entrasse na moda. Meu pai
freqüentava ora o culto católico, ora o protestante, e ninguém via nisso a
menor contradição. Mesmo pessoas radicalmente diferentes podem
conviver, mais que em paz, num ambiente de verdadeira e sincera
cordialidade. Veja você: minha mãe, que sempre foi muito católica e
durante décadas trabalhou no escritório do Arcebispo de São Paulo,
ficou escandalizada quando um casal gay (um travesti com seu
"marido") se mudou para o seu prédio. Passadas algumas semanas,

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

começou a achar graça e levar a coisa para o lado cômico. Depois de uns
meses, vou visitar minha mãe e encontro-a tomando chá com a travesti,
conversando animadamente como velhas amigas. Uns anos depois a
travesti morreu de Aids e minha mãe chorou copiosamente, repetindo:
"Ela era tão boa amiga..." O mais extraordinário de tudo é que, em tese,
minha mãe ainda continua até hoje absolutamente contrária à
legalização dos casamentos gays. Não era portanto por convicção
ideológica que ela aceitava a travesti sem discriminações ou
preconceitos: era por legítima afeição humana, que se sobrepunha a
todos os abstracionismos ideológicos. São coisas maravilhosas que só
existem no Brasil.

— V. ainda considera importante o papel histórico das


revoluções ?

Há na cultura mundial de hoje toda uma mitologia, toda uma


idealização das revoluções, como se não fossem acontecimentos
separados, mas sim etapas de uma caminhada em direção à liberdade
crescente. Pode-se discernir, de fato, um sentido geral e unitário na
sucessão de revoluções — mas ele não aponta na direção da liberdade
crescente e sim no do crescimento do poder, no do aumento da
distância entre o poderoso e o homem comum. Na Idade Média, as
armas do senhor de terras não eram muito diferentes daquelas que um
camponês enraivecido poderia usar em caso de necessidade: espada,
machado, maça. Ademais, o senhor feudal vivia entre os camponeses,
participava do seu cotidiano e estava ao seu alcance. O poderoso de hoje
dispõe de armas que estão até mesmo acima do que o homem comum
pode imaginar, e pode, à distância, destruir cidades inteiras. Ele dispõe

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

também de uma rede de informantes que, por meios eletrônicos, podem


fiscalizar o cidadão vinte e quatro horas por dia sem que este perceba. O
Estado pode hoje, instantaneamente, saber tudo sobre a vida
econômica, profissional, social, sexual e mental de qualquer cidadão. A
vida do homem comum tornou-se indefesa e transparente, enquanto a
autoridade se tornou opaca, invisível e onipresente. É absolutamente
ridículo pretender que os pequenos direitos conquistados pelo cidadão
compensem esse crescimento desproporcional da autoridade.

As revoluções foram o instrumento por excelência do processo de


extensão ilimitada do poder. Luís XIV, para recrutar soldados, tinha de
ir pessoalmente de cidade em cidade, implorando que os nobres e a
plebe se alistassem. Conseguiu juntar 140 mil homens, o maior exército
da Europa. A Revolução instaura o recrutamento militar obrigatório e
em poucas semanas reúne um milhão de soldados, número logo
superado pelas tropas em luta — igualmente recrutadas à força — na
Guerra Civil Americana, que completa a obra da Revolução da
Independência consolidando o Estado americano. A Revolução Russa
cria o recrutamento obrigatório de mulheres e crianças e instaura o
maior Estado policial da História.

A força transformadora das revoluções provém menos da violência do


que do caos e da nebulosidade em que se desenrolam, e no qual as
pessoas perdem todo o senso dos valores e das proporções, sentindo-se
desorientadas e dispondo-se a aceitar, para escapar da insegurança,
toda exigência absurda que a nova autoridade lhes faça. A fraude que faz
um povo aceitar a escravidão sob o nome de liberdade pertence à
essência mesma das revoluções. E como as revoluções têm sido o meio

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

essencial de transformação do mundo, é fatal que essa transformação vá


sempre no sentido de um entorpecimento da consciência, no sentido de
uma espécie de imbecilização que torna os homens escravos, dirigindo
seu ódio contra inofensivos bodes expiatórios.

Mas é claro que não devemos chamar de "revolução" somente os


processos violentos de tomada do poder. Qualquer aceleração
intencional das transformações políticas, que ultrapasse a capacidade de
compreensão do povo e o arraste numa sucessão de acontecimentos
cujo sentido ele não pode captar, é uma revolução. Hoje assistimos a
uma imensa revolução mundial, que vai instaurando um poder global
cuja natureza pouquíssimas pessoas parecem compreender.

Ao longo de toda a história humana, só três constantes gerais foram


observadas: a constante de Malthus, isto é, o aumento da população, a
constante de Huntington (refiro-me ao geógrafo, Ellsworth Huntington,
não ao politólogo, Samuel Huntington), isto é, a tendência à absorção de
civilizações menores nas maiores, até à completa mundialização, e a
constante de Jouvenel, isto é, a centralização do poder e aumento dos
meios de dominação, um processo só aparentemente compensado pela
democratização das instituições. A população jamais parou de crescer,
os contatos entre civilizações jamais pararam de ser cada vez mais
intensos, e o poder jamais cessou de se tornar cada vez mais forte e
centralizado à custa da supressão dos poderes intermediários. Estes três
processos, inicialmente independentes, começam a se interligar a partir
do século XVIII, e as revoluções aceleram o processo global.

— V. falou sobre a globalização da ignorância. Como é que v.

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

considera o fenômeno da globalização e que papel histórico


tem a ignorância ?

"Globalização", ou unificação financeira do mundo, não é um projeto. É


um fato consumado. Mas para funcionar com pleno rendimento ela
ainda tem de eliminar certos resíduos da velha autonomia dos poderes
nacionais. É para isso que serve a esquerda, e para nada mais.

Na vasta estratégia concebida pelos senhores do mundo para a


unificação econômica, moral, política e administrativa da espécie
humana, cabe à chamada "esquerda" uma tarefa muito determinada,
que ela cumpre com admirável subserviência e disciplina. Essa tarefa é
tripla: em primeiro lugar, debilitar os Estados nacionais, despertando
reivindicações que não possam ser atendidas com os recursos existentes
dentro de suas fronteiras, mas requeiram ajuda externa que fatalmente
os fará submeter-se cada vez mais às organizações internacionais. São
características, nesse ponto, as reivindicações ligadas à ecologia, à
distribuição da renda, aos direitos de trabalhadores imigrantes e de
minorias étnicas, etc. Em segundo lugar, boicotar toda solução local ao
problema do banditismo, de modo que este se agrave até requerer a
intervenção de poderes transnacionais (unificação policial-militar do
mundo). Finalmente, promover a destruição de todos os valores e
símbolos associados à idéia de pátria, família, tradições - a base
psicológica das autonomias nacionais. Neste tópico são decisivas a
propaganda do aborto, a luta pela legalização das uniões gays e causas
similares, que aos poucos vão acostumando os povos a novos padrões
morais - uniformes em escala mundial - e a uma intervenção cada vez
maior do Estado na vida privada: de modo que cada Estado nacional

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

adquire tanto mais poder sobre seus cidadãos quanto mais se submeta,
no plano externo, aos poderes internacionais. Num futuro que alguns
analistas prevêem para muito breve, os parlamentos nacionais
legislarão sobre trânsito e sobre uso dos banheiros públicos, mas não
sobre economia ou política externa.

Quanto mais a esquerda lutar por esses três objetivos, mais ela
contribuirá para tornar mais pleno e eficaz o domínio planetário
exercido por aquelas poucas dezenas de banqueiros dos quais já
depende, hoje, a sorte das nações.

Nos países em que o pathos esquerdista inclui o forte apego a um


discurso nacionalista, este discurso não apenas se mostra inofensivo na
prática, como ainda contribui para tornar ainda mais invisível, aos olhos
da população e da esquerda mesma, o resultado global que os esforços
esquerdistas vão favorecer em última instância. Ele ajuda a conservar os
militantes no estado hipnótico de falsa consciência necessário, por
definição, a todo inocente útil.

Que a unificação do mundo se fará sob o signo do capitalismo, é coisa


que já não se discute. O problema é saber qual tipo de capitalismo e qual
o lugar que, no quadro mundial, caberá a cada nação. O primeiro desses
problemas não posso discutir aqui. Quanto ao segundo, nada impede
que economias fortemente estatizadas se integrem bem no conjunto
capitalista do mundo: basta que o socialismo local siga as normas do
jogo internacional e reserve dentro de seu território um bom espaço
para a livre atuação de empresas multinacionais. A China, aliás, vive
disso. O poder mundial está disposto a negociar com as esquerdas dos

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

vários países, vendendo apoio para a conquista do poder local em troca


de bons serviços à globalização. Uma esquerda boazinha e obediente
concentrará então suas forças no combate a poderes regionais, que, uma
vez destruídos, cedam lugar a uma das duas forças que então restarão
no tabuleiro: o Estado e as multinacionais. As invasões de terras no
Brasil, por exemplo, tornam a agricultura uma atividade muito cara e
perigosa que, dentro de algum tempo, só o Estado e as multinacionais
terão condições de financiar. Eis aí por que é o MST (Movimento dos
Sem-Terra) e não os proprietários de terras quem recebe dinheiro do
Exterior: é salário por serviços prestados, nada mais.

É simples: o projeto neoliberal que se diz estar em curso de implantação


no mundo não é liberal. É uma fusão de elementos neoliberais e
socialistas, destinada a fazer microcosmicamente, no seio de cada
sociedade que governa, uma divisão territorial entre esquerda e direita
similar àquela que dominou o mundo desde o acordo de Yalta: a
economia fica para os capitalistas, a cultura e a política para os
socialistas. À liberdade de mercado, no setor econômico, se alia o
dirigismo socialista em tudo o mais - na educação, na formação
psicológica das massas, nas relações de família, na ecologia, na moral
pública e privada, em tudo, enfim, que não interfira nas decisões
econômicas das grandes empresas. Desviando para esses setores extra-
econômicos o clamor reivindicante que antes ameaçava desaguar numa
economia socialista, os poderes multinacionais dividem o mundo
segundo a mais confortável das repartições: liberdade para o dinheiro,
burocracia estatal para os seres humanos. É por isto que os governos
hoje chamados neoliberais e direitistas, como o de Fernando Henrique

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

Cardoso, ao mesmo tempo que se esforçam por privatizar empresas,


apoiam entusiasticamente políticas esquerdistas e revolucionárias,
como o aborto sob proteção do Estado, o fornecimento estatal de drogas
à população, as leis de affirmative action, etc. a estatização das escolas,
etc. É a fórmula perfeita, para cuja consecução hoje colaboram, com
inconsciência ovina, os rebanhos de sem-terra, de militantes negros, de
gays, de lésbicas e tutti quanti - falsos rebeldes, muito bem protegidos
pelo pastor estatal e pelo ruidoso cão-de-guarda midiático. Alguém tem
dúvida de que essa orientação global, tão idêntica em todos os países,
tão conveniente à harmonia do mundo, provém das mesmas fontes da
tão execrada receita econômica do FMI?

É preciso ser cego para não perceber essas coisas, por trás do tênue véu
de filó que a mídia tece para escondê-las.

— Qual é o lugar que v. atribui à literatura, na cultura do


presente?

Hoje como sempre, a função da literatura é explorar e estruturar


verbalmente o mundo do imaginário, do possível. Junto com as outras
artes, a literatura abre um campo de possibilidades que delimita o
mundo imaginário onde vivem os homens de uma época. É nesse campo
e não para além dele que os homens fazem suas escolhas, colhem suas
idéias, criam suas teorias e suas técnicas. A literatura, em especial,
delimita o imaginário verbalizável e predetermina assim o campo
inteiro das discussões. Para mim, não há uma separação dual, mas uma
perfeita continuidade entre as artes, a filosofia e a ciência: formam
como uma árvore, onde as artes são a raiz e a ciência o fruto. As obras

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

de filosofia e ciência, nesse sentido, fazem parte da "literatura" ou são


uma extensão dela.

Mas é claro que, assim como as artes abrem o espaço do imaginário,


podem também fechá-lo, limitá-lo, torná-lo repetitivo e compressivo.
Boa parte da literatura de massas hoje em dia faz exatamente isso,
dando ao povo a ilusão de estar-se tornando culto quando na verdade
está apenas assimilando cacoetes mentais, esquemas de valor
padronizados, etc.

— Sei que v. dá uma grande importância à obra de Constantin


Noica. O Senhor quer falar na sua aproximação dele?

Não conheço profundamente a obra de Noïca, li apenas alguns de seus


textos e ouvi alguns depoimentos a respeito, mas parece-me que esse
grande pensador tem a proposta de uma nova Paideia capaz de formar
homens à altura de compreender o que se passa no mundo e de chegar
aos cumes da autoconsciência humana.

Nos últimos anos, li poucos livros que me entusiasmassem tanto quanto


as Seis Doenças do Espírito Contemporâneo, que busca restaurar o
sentido da filosofia como medicina do espírito e reconquista da unidade
da consciência — um objetivo que é também o de toda a minha vida e
que faz de mim, espero, um irmão menor de Constantin Noïca.

— Quais são, segundo sua opinião, as figuras humanas


paradigmáticas deste fim de milênio ?

Os grandes homens do século XX estiveram no campo do saber, não no

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

da ação. Edmund Husserl é maior que Hegel ou Kant. Poucos séculos


tiveram homens espirituais da altura de René Guénon, Râmana
Maharshi e Franz Rosenzweig.

Mas, para mim, a figura paradigmática por excelência é Viktor Frankl, o


médico judeu que, no inferno dos campos de concentração, redescobriu
a idéia do sentido da vida e, em troca da dor, devolveu ao mundo o
caminho da felicidade em vez de lições de ressentimento.

— Como é que o senhor contrói hoje em dia sua futura obra


política e filosófica. Organizada acerca de que idéias e
situações?

Resumidamente, busco resgatar o valor da consciência individual


humana como sede única do conhecimento universal e apodíctico, e
empreender em nome dela a crítica radical da cultura consensual,
versão acadêmica da cultura de massas.

Até o momento concentrei meu trabalho de escritor filosófico


principalmente em duas áreas: a crítica cultural, que a meu ver é o
começo e a motivação de onde emerge uma filosofia, e a teoria do
conhecimento, que é o princípio da elaboração dessa filosofia. Como
professor e conferencista, no entanto, abranjo uma área muito maior,
que vai da filosofia da religião à Teoria do Estado.

De modo mais detalhado, descrevo o meu trabalho no documento


"Esboço de um sistema de filosofia", que no momento eu não saberia
resumir.

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Entrevista de Olavo de Carvalho ao Embaixador Caius Traian Dragomir

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O que acontece quando o Dr. Rubem César Fernandes faz força para pensar

O que acontece quando


o Dr. Rubem César Fernandes
faz força para pensar

Rio de Janeiro, 11 de Junho de 1999


Ilmo Sr. Editor de Opinião - O Globo
Fax. 534.5535

Prezado Senhor,

Em O Globo de 10 de junho, o dr. Rubem César Fernandes faz o que


pode para tentar provar que nós, cidadãos comuns, não devemos usar
amas; que o uso destes mortíferos instrumentos deve ser coisa da
polícia e só dela. O resultado do extenuante esforço silogístico é que
todos os doze argumentos que ele encontrou provam exatamente o
contrário: que é perigosíssimo dar o monopólio das armas à classe
policial:

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O que acontece quando o Dr. Rubem César Fernandes faz força para pensar

1. "A arma de fogo ameaça as pessoas mais próximas", expostas às


conseqüências "das tensões que nos esquentam a cabeça no dia-a-dia",
diz ele. Mas nenhuma profissão esquenta mais a cabeça que a de
policial, e nenhum grupo profissional, como conjunto, está mais
envolvido em crimes com armas de fogo do que a classe policial. Logo, é
insensatez dar o monopólio do uso de armas justamente a esse grupo.

2. "Uma arma ao alcance da mão transforma conflitos banais em


tragédias irreversíveis." É verdade. Principalmente quando o portador
da arma é um policial, que não precisa pensar duas vezes antes de fazer
uma asneira, porque está ciente de que, para apagar as pistas do autor
da tragédia, seus colegas de corporação possuem conhecimentos
técnicos e meios de ação faltantes à população em geral.

3. "É fácil produzir acidentes com armas de fogo." Sim, principalmente


quando a gente as carrega à maneira dos policiais cariocas: um 38 no
coldre com o cano voltado para trás, bem à altura do umbigo dos
transeuntes, e uma automática na cinta, com o cano apontado para os
testículos do temerário portador. Criativa mistura de Eros e Thanatos
que o dr. Freud pode explicar, mas o dr. Rubem não pode justificar.

4. "A arma de fogo é mais eficaz para agredir do que para defender."
Sim, e a melhor prova disto são os crimes cometidos por policiais
armados contra pessoas que nem de longe teriam meios de atacá-los.

5. "A arma de fogo aumenta, imediatamente, a gravidade do problema."


Sim, principalmente quando policiais militares entram atirando num
fuzuê entre civis desarmados.

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O que acontece quando o Dr. Rubem César Fernandes faz força para pensar

6. Este argumento é especial: não precisa ser desmentido porque se


desmente a si mesmo. Após reconhecer que "a arma de fogo não é causa,
mas instrumento", logo na linha seguinte o ilustre sociólogo declara que
"68 por cento dos homicídios são causados por armas de fogo". Um
sujeito que de uma linha para a outra se esquece do que vinha falando
está na hora de ir dormir, e não de dar conselhos sobre assunto grave.

7. "O uso da arma de fogo está fora de controle." Sim, as únicas armas
que têm controle são aquelas vendidas em lojas, com nota fiscal e
registro. A nova lei proíbe justamente estas, e deixa livres as outras,
apreendidas de delinqüentes e revendidas por policiais. Por que tanta
pressa em controlar o controlado, esquecendo o resto? E se, como diz o
dr. Rubem, o principal sintoma de descontrole é que "os bandidos
atiram demais, e a polícia responde atirando demais", por que
deveremos dar o monopólio das armas justamente aos dois grupos mais
descontrolados?

8. "Os adolescentes e os jovens são os que mais se expõem ao risco das


armas de fogo. No Rio, as armas de fogo mataram mais adolescentes do
que todas as outras causas de morte reunidas." Sim, e nas mãos de
quem estava a maioria dessas armas? Justamente nas de policiais e
bandidos — as duas classes que, pela lei de proibição, terão o monopólio
do uso de armas.

9. "A polícia está no centro do conflito. Atirar na polícia tornou-se um


tabu, banalizou-se." Sim. Mas quantos cidadãos atiraram na polícia com
armas legalmente registradas?

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O que acontece quando o Dr. Rubem César Fernandes faz força para pensar

10. "A maior parte das armas apreendidas é de fabricação brasileira."


Tanto faz. O que importa é saber quantas delas tinham registro e
quantas eram armas ilegais.

11. "A cada brecha que se abre (por exemplo, para colecionadores),
multiplicam-se as chances de desvios." A cada nova arma apreendida
pela polícia, essas chances multiplicam-se muito mais.

12. "O número de armas em circulação é grande o bastante para


alimentar o comércio clandestino por muito tempo." Logo, a lei de
proibição é inócua, exceto contra o cidadão honesto que não compra
armas no comércio clandestino.

O dr. Rubem, definitivamente, não sabe distinguir um argumento pró


de um argumento contra. Talvez seja essa dificuldade de distinguir as
direções que o induza a julgar que as armas são mais perigosas para
quem está por trás do cabo do que para quem está na frente do cano.

Sugiro que o dr. Rubem volte a cuidar da comidinha dos pobres, como
fazia nos bons tempos de um movimento que, se continuar a exibi-lo em
público no papel de seu guru, terá logo o nome mudado para "Viva
Rindo".

Atenciosamente,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/rcfpensa.htm (4 de 5)16/4/2007 09:44:29


O que acontece quando o Dr. Rubem César Fernandes faz força para pensar

Olavo de Carvalho, Rio de Janeiro.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/rcfpensa.htm (5 de 5)16/4/2007 09:44:29


Jurisprudência hedionda

Jurisprudência hedionda
República, junho de 1999.

Sexta-feira, 14 de maio, fui convidado pelo programa Opinião Nacional,


da TV Cultura de São Paulo, a dizer por telefone, do Rio, o que pensava
das quotas raciais nos empregos. O que penso é simples: conferir
direitos especiais aos cidadãos de determinada raça é negá-los aos de
outras raças; é racismo descarado. Porém, mal eu havia começado a
dizê-lo, o entrevistador Heródoto Barbeiro me informou que um outro
convidado, diante das câmeras, iria responder às minhas
abreviadíssimas declarações de entrevistado invisível.

Era um advogado de nome Hédio — sim, Hédio — da Silva Júnior,


fundador de um tal Centro de Estudos de Relações de Trabalho e
Desigualdade e especialista em processos de negros contra brancos. Não
fiquei sabendo se o doutor era branco ou preto, pois minha TV a cabo
estava desligada por falta de pagamento. O que pude compreender do
que ouvi foi que até o momento seus clientes são raros, já que a
população negra não está consciente de ser vítima do racismo, e ainda

http://www.olavodecarvalho.org/textos/hedionda.htm (1 de 7)16/4/2007 09:45:03


Jurisprudência hedionda

mais escassos os seus possíveis sucessos forenses, já que a população


branca não está consciente de ser racista e assim é quase impossível
provar crime de racismo. No intuito de remediar tão lamentável
situação, empenha-se o referido causídico numa campanha de
esclarecimento para que os brancos se tornem racistas assumidos e os
pretos se sintam horrivelmente discriminados — um resultado que,
segundo ele, trará a completa e definitiva eliminação do racismo
brasileiro.

Um exemplo dos métodos usados para tão nobre finalidade consiste em


apregoar que qualquer anúncio de emprego que exija "boa aparência"
exclui, por hipótese, os candidatos pretos, todos de péssima aparência
na aparente opinião do dr. Hédio. Se o anunciante nem de longe pensou
nisso, dane-se: como se trata de racismo inconsciente, pouco importa o
que você pensa que está fazendo — quem sabe é o dr. Hédio. Ele lhe dirá
quais foram suas intenções inconscientes — e você irá parar na cadeia
por um crime que não sabe que cometeu.

O dr. Hédio inaugura, com isso, uma revolução jurídica de


conseqüências portentosas. Na antiga ciência do direito, o criminoso
não podia alegar ignorância da lei. Na nova, ninguém poderá alegar
ignorância dos conteúdos do próprio inconsciente. A invenção é
inteiramente original no mundo jurídico, já que seu único antecedente
foi no campo da literatura de ficção (v. Franz Kafka, O Processo). Em
homenagem a seu criador, será portanto denominada, no futuro,
jurisprudência hedionda.

Mas tudo isso só chegou ao meu conhecimento depois, quando uma boa

http://www.olavodecarvalho.org/textos/hedionda.htm (2 de 7)16/4/2007 09:45:03


Jurisprudência hedionda

alma paulista me reproduziu parte da entrevista gravada. Na hora, só o


que ouvi foi a resposta que o dr. Hédio me ofereceu diante das câmeras
— um insulto seguido de uma mentira:

— Esse é o discurso típico de um servidor do poder. É um argumento


desatualizado, que foi muito usado durante a ditadura.

Revidei o insulto mais ou menos assim. A causa defendida pelo dr.


Hédio tem o apoio do governo Bill Clinton, da Rainha da Inglaterra, da
ONU, do Banco Mundial, das fundações Ford e Rockefeller, de centenas
de empresas multinacionais, do New York Times e todo o establishment
midiático norte-americano, do nosso presidente e sua digníssima
esposa, da Rede Globo, da TV Cultura — e eu é que sou um servidor do
poder! A estratégia assumida dos poderes globalistas contra as nações é
precisamente fomentar lealdades supranacionais (raciais, sexuais,
ecológicas) para enfraquecer a unidade das culturas nacionais e solapar
o poder dos Estados. Eles gastam nisso rios de dinheiro, inclusive no
programa de educação discriminatória (só para negros) financiado no
Brasil pelo Bank Boston — tudo para garantir as costas quentes de gente
como o dr. Hédio. Esse doutor era realmente um cara de pau.

Mais tarde descobri que o dr. Hédio recebe ajuda em dinheiro da União
Européia e da Fundação Ford. Ele não é portanto um "servo" do poder:
é um empregado bem pago. É um representante imperialismo cultural
empenhado em jogar brasileiros contra brasileiros, em destruir nossa
confiança no alto valor da nossa cultura inter-racial para que,
esquecidos da nossa superioridade moral nesse ponto, consintamos na
abjeção de receber lições de democracia racial de um povo que finge

http://www.olavodecarvalho.org/textos/hedionda.htm (3 de 7)16/4/2007 09:45:03


Jurisprudência hedionda

combater seu próprio racismo invertendo os polos da discriminação. É


um propagandista da demagogia globalista politically correct, o mais
pérfido instrumento que alguém já inventou para quebrar o pacto da
lealdade nacional, dividindo para reinar. Como advogado que incita os
negros a se sentir discriminados quando não o são e os brancos a
assumir à força de chantagem emocional um racismo que abominam, o
dr. Hédio vive disso, ganha com isso e não tem com isso o menor drama
de consciência: quem poderá abalar aquela firmeza de convicção que
nasce do matrimônio indissolúvel entre uma ideologia insana e um
sólido interesse profissional? O rótulo difamatório de "servidor do
poder" que o doutor colava na minha testa era enfim a mesma coisa que
aquele racismo que ele atribuía aos outros: pura autoprojeção. E a
população negra deste país há de depositar sua confiança nesse tipo de
gente?

À segunda observação do dr. Hédio eu teria respondido, se pudesse, que


o debate das quotas foi posterior ao fim da ditadura e não pode antes
disso ter suscitado qualquer argumento que fosse; que portanto a
estapafúrdia alegação hédica, hediana, hedionda ou hediota só se
explicava pelo safadíssimo desejo de criar um comprometimento
artificioso da minha imagem com a de uma ditadura que, na época, só
não me pôs na cadeia porque não chegou a minha vez. Mas não pude
dizer mais nada: diante da minha resposta à primeira parte, o
entrevistador Barbeiro agradeceu gentilmente minha participação e
desligou rapidinho, ciente de que fizera, ao me convidar, a maior
barbeiragem. Afinal, todo o programa fora calculado para realçar, com
dinheiro público, o charme e a simpatia das doutrinas hediondas.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/hedionda.htm (4 de 7)16/4/2007 09:45:03


Jurisprudência hedionda

NOTA

Com o título editorial "Só preto, com preconceito" , este artigo saiu na
revista República de junho de 1999, em reação a um insulto claramente
difamatório que me fora lançado pelo dr. Hédio da Silva no programa
Opinião Nacional, da TV Cultura de São Paulo. Fui ali chamado de
"servo do poder". O sujeito podia ter-me chamado de qualquer coisa,
que eu nem ligaria. Disso, não. Ninguém tem o direito de colar esse
rótulo infamante na testa de um homem que para conservar sua
independência consentiu em não ter casa própria, nem carro, nem
cartão de crédito, nem cheque especial, e que tanto ama essa
independência que nem chega a sentir falta dessas coisas não obstante
úteis e saudáveis; de um homem que sempre viveu de seu trabalho e
nunca recebeu (nem pediu) subsídio de poderoso nenhum, brasileiro ou
estrangeiro; de um homem, sobretudo, que se alguma vez abriu a boca
foi sempre e sistematicamente para defender o mais fraco: a esquerda,
quando a direita mandava; a direita, hoje, quando a esquerda impera e
ganha dinheiro a rodo. Fiz minha divisa o apelo de Ortega y Gasset --
"En toda lucha de ideas o de sentimientos, cuando veáis que de una
parte combaten muchos y de outra pocos, sospechad que la razón está
en estos últimos. Noblemente prestad vuestro auxilio a los que son
menos contra los que son más" --, e não admito que este meu único

http://www.olavodecarvalho.org/textos/hedionda.htm (5 de 7)16/4/2007 09:45:03


Jurisprudência hedionda

ponto de orgulho seja enlameado pelas palavras de um bocó


irresponsável que nunca me viu e não sabe quem sou. Desprovido de
meios de resposta proporcionais à amplitude de divulgação da ofensa,
pois a repercussão da TV é incalculavelmente superior à da palavra
escrita, respondi à despropositada agressão verbal por meio do único
veículo que estava a meu alcance naquele momento. Inconformado de
que eu exercesse, mesmo com limites, o meu direito de resposta, o
pretensioso causídico telefonou furioso para a redação de República,
ameaçando tomar contra a revista não sei quais providencias judiciais
que, na sua imaginação, seriam cabíveis no caso. Valha-me Deus! O
sujeito quer insultar à vontade e ainda processar quem responda. Mas
pretensões judiciais extravagantes não me espantam num advogado
cuja especialidade é defender pessoas que nem sabem que foram
ofendidas contra pessoas que nem sabem que as ofenderam. Qualquer
que seja o caso, estou aqui aguardando ansiosamente a convocação da
Justiça para ter o prazer de repetir na frente da autoridade cada
palavra que escrevi neste artigo, acrescentando ainda a seguinte
informação comprobatória: o arrogante difamador que se permite
chamar os outros de "servos do poder" é autor de uma obrinha jurídica
que acaba de ser publicada com o patrocínio da Fundação Ford e
da Comunidade Econômica Européia (1).

Disse, repito e provo: Servo do poder é você, Hédio da Silva.

(1) V. Hédio da Silva Jr. Anti-racismo - coletânea de leis


brasileiras - federais,estaduais, municipais, São Paulo, Ed.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/hedionda.htm (6 de 7)16/4/2007 09:45:03


Jurisprudência hedionda

Oliveira Mendes, 1998. Apoio cultural: Comunidade Européia, Centro


de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, Secretaria
Nacional de Direitos Humanos, Fundação Ford. (1a. edição), 311 pp.

15/06/99

P. S. - Se o dr. Hédio quiser responder ao artigo ou à nota que lhe dá


fecho, concederei ao distinto, nesta homepage e sem qualquer
restrição, aquele mesmo direito de resposta que tanto o escandaliza
quando usado para rebater um insulto seu.

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Piada sinistra

Piada sinistra
Ombro a Ombro, Ano XII, no 133, jun. 1999

Quando criança, fiquei muito impressionado ao ver na série de


documentários Século XX o célebre prefeito de Nova York, Fiorello La
Guardia, destruindo a marretadas uma montanha de máquinas caça-
níqueis. Também fiquei impressionado ao ver há poucos dias, na TV
brasileira, o governador Anthony Garotinho destruindo a marretadas
uma pilha de armas apreendidas. Era o mesmo símbolo, nos dois casos,
ambos calcados no estereótipo de Elliot Ness triunfante sobre o mal e a
desordem. Mas o que me impressionou foi constatar como duas cenas
aparentemente similares e originadas num modelo comum podiam ser,
no seu sentido profundo, simetricamente opostas. Os caça-níqueis de La
Guardia tinham sido apreendidos da Máfia: durante anos tinham
servido à jogatina ilegal. As armas foram apreendidas de cidadãos
honestos: nenhuma jamais serviu à prática de crime, nem havia o
menor sinal de que seus proprietários planejassem usá-las para esse
fim.

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Piada sinistra

O aparente enigma da identidade dos símbolos com oposição de


significados resolve-se pela velha fórmula de Karl Marx: a História se
repete como farsa. E no caso brasileiro a farsa ainda teve o desplante de
repetir-se a si mesma, ampliada em escala federal, na hora em que o
presidente da República enviou ao Congresso a nova lei que proíbe em
todo o país a venda de armas.

Embora o presidente tivesse ao menos a prudência de declarar que a


nova lei tem um sentido "simbólico", o que é o mesmo que confessar
que é inócua e não vai diminuir em nada a violência e o crime, é
manifesto que ela se inspira no exemplo do governador carioca.

Ora, o que Anthony Garotinho tem a ensinar ao país sobre o controle da


criminalidade é rigorosamente nada. Até o momento, a campanha "Rio
Desarme-se" não tomou uma única arma de bandido. Sua única
realização no combate à criminalidade foi desarmar as vítimas. E que
essa estupidez se consume por meio de pressão publicitária ou de uma
lei não faz a menor diferença. Fiorello La Guardia acabou com a
exploração dos caça-níqueis em Nova York porque tomou aos
criminosos o instrumento do crime. Não havia por lá nenhum Anthony
Garotinho para lhe sugerir que tentasse obter o mesmo resultado
apreendendo as moedas do bolso dos cidadãos.

Na verdade, não foi essa a única vez em que o governador demonstrou


sua tendência incoercível à inversão grotesca da ordem das coisas.
Quando um bandido foi morto pela polícia num tiroteio, e seus
comparsas, em protesto, invadiram o Túnel Santa Bárbara para atear

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fogo em viaturas de propriedade do Estado, Garotinho ficou solidário


com os revoltosos, subindo o morro para pedir desculpas pela
brutalidade... dos policiais.

As duas atitudes, na verdade, se complementam: se bandido também é


povo, logo, povo também é bandido. Uma vez que os bandidos são bons
cidadãos que merecem desagravo oficial quando enfrentam a polícia a
tiros, nada mais lógico do que apreender as armas do povo para que não
cometa qualquer atrocidade contra assaltantes, assassinos, estupradores
e traficantes. Depois disto restaria ainda a hipótese de agredi-los a tapa,
se não fosse cruel atentado contra os direitos humanos.

Mas coerente é também o governador com a política de seu partido,


pois, se alguém ainda se lembra, foi sob idêntica alegação e promessa de
diminuir por esse meio a violência no Rio que o ex-governador Leonel
Brizola, criador e primeiro mentor de Garotinho, suspendeu toda ação
da polícia nos morros, instaurando ali o regime feudal dos chefes do
tráfico que exclui do Estado de direito os tristes habitantes daquela
parte da cidade. Na época, não foi menor do que hoje a gritaria em favor
da "nova política de segurança pública" que, como a de Garotinho,
prometia mundos e fundos. O fracasso inevitável custou, para os
cidadãos cariocas, milhares de vidas. Para o sr. Leonel Brizola, custou
apenas uns arranhões passageiros na sua reputação de político esperto.
A única diferença é que na época ainda houve na imprensa alguma
oposição a Brizola, enquanto hoje Garotinho conta com o apoio maciço
da mídia monoliticamente dominada pela esquerda.

Coerente, ainda, é o governador com a estratégia da revolução

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Piada sinistra

comunista, que seu partido tão bem representou ao longo das últimas
décadas. Pois Lênin, logo após chegar ao poder, recomendava aos
agentes do novo governo: "Procure catalogar todos aqueles que
possuam armas de fogo, para que as mesmas sejam confiscadas
no momento oportuno, tornando impossível qualquer
resistência à nossa causa."

Coerente não só com a linha geral, mas com as tradições de luta da


esquerda no Brasil. Pois, se durante os anos da ditadura militar os
esquerdistas presos selaram no cárcere uma aliança com o banditismo
organizado, na esperança de cooptá-lo para a luta armada, e se nos anos
seguintes a proteção ostensiva do brizolismo aos senhores dos morros
consolidou esse pacto infernal, é sensato que, numa etapa seguinte da
tomada do poder, o esquerdismo já elevado à condição de dominador do
Estado reparta com seus tradicionais aliados o monopólio da posse das
armas, excluindo desse privilégio o restante da população. Cercado
desde baixo pelas forças policiais devidamente doutrinadas, e desde
cima pelo exército informal dos morros, o povo inerme e acovardado
nada mais poderá fazer senão dizer amém ao formidável poder
totalitário que não terá sequer de recorrer à violência para fazer-se
obedecer.

Coerente, ademais, com as grandes mudanças havidas no cenário


ideológico da esquerda internacional. Pois, se de um lado a estratégia
gramsciana da ocupação lenta e sutil do aparelho de Estado foi
progressivamente aceita como superior à técnica leninista da
insurreição, de outro lado a velha ortodoxia da estatização radical dos
meios de produção cedeu lugar a um melting pot meio

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socialdemocrático, meio fascista, onde as grandes empresas, seguras de


terem um lugar privilegiado na nova ordem, passam a colaborar
generosamente com a esquerda em ascensão, sabendo que sua liberdade
econômica não será debilitada mas sim reforçada pela extinção de todas
as demais liberdades. Aderindo à estratégia mais recente, mas
conservando um pé nas tradições pedetistas, Garotinho soube tirar
proveito do que há de melhor nos dois mundos, pondo o prestígio
posadamente nacionalista da velha esquerda a serviço do oportunismo
internacionalista da nova.

Coerente é finalmente o governador ao defender a hipótese de diminuir


a criminalidade tomando as armas de brinquedo das mãos das crianças.
Coerente porque nada mais lógico, para acabar com a brincadeira, do
que um garotinho tomar os brinquedos dos outros.

É verdade que Garotinho não saiu tomando brinquedos à força,


covardemente, mas ofereceu trocá-los por chocolates. Garoto esperto.
Mas, se a proposta for estendida aos delinqüentes, adultos na maioria,
não creio que chocolates sejam ainda uma barganha tentadora. Será
preciso trocar as metralhadoras Uzi e os fuzis AR-15 por papelotes de
cocaína — com o risco, é claro, de que os traficantes venham a acusar o
governo de concorrência desleal.

Quando o governador promete, com atos dessa natureza, libertar o Rio


do crime e da violência, o mínimo que qualquer pessoa em seu juízo
perfeito deve concluir é que está diante de uma piada sinistra. E seria
realmente uma piada, se a proibição das armas tivesse o objetivo
alegado pelo governador e não o de simplesmente enfraquecer a

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Piada sinistra

população para que não resista, amanhã ou depois, às imposições da


nova ordem socialista.

É possível, no entanto, que, mesmo do ponto de vista do alegado


propósito de refrear o banditismo, essas medidas surtam algum efeito.
Pelo menos um efeito psicológico: alguns bandidos devem estar tão
perplexos de que alguém pretenda combatê-los por meios tão
formidavelmente inócuos, que se absterão de fazer todo mal pelos
próximos meses e se manterão paralisados, em ansiosa expectativa,
supondo que o governador, ao fazer-se de louco, deva estar escondendo
alguma carta na manga.

Quando passar esse efeito, quando eles perceberem que as autoridades


não têm nenhuma arma secreta por baixo da afetação de esquisitice,
que, bem ao contrário, o governo apostou na encenação precisamente
porque nada mais pode nem pretende fazer contra eles, aí uma imensa
gargalhada de alívio sacudirá os morros, e na cidade haverá choro e
ranger de dentes.

E então surgirá a pergunta temível, que por enquanto ninguém quer


fazer: se amanhã ou depois, num assalto, for morto a tiros algum ex-
proprietário de arma que a tenha depositado piedosamente no altar da
"Rio Desarme-se", os autores da lei de proibição das armas serão
responsabilizados criminalmente por o haverem desprovido de seus
meios de legítima defesa?

A resposta é: Não. A campanha e a lei que gerou foram concebidas de


modo a que seus criadores possam lucrar com a mera hipótese de seus

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Piada sinistra

efeitos positivos, sem ter de arcar com a responsabilidade de qualquer


conseqüência negativa, por mais material, direta e imediata que seja. No
entanto, é fato: submetido a um massacre publicitário que não deu a
menor chance aos argumentos contrários, o povo aceitou a proposta.
Embriagados de crença milenarista na possibilidade de mudar a
realidade por um gesto patético de autonegação histérica, milhares de
bons cidadãos incapazes de matar uma mosca fizeram fila para livrar-se
de revólveres enferrujados e espingardas de caça, na esperança louca de
assim abrandar uma violência para a qual nem eles nem suas armas
jamais contribuíram no que quer que fosse. Jamais um contrato leonino
foi assinado pela parte mais fraca com tanta presteza, alegria, confiança
e esperança. Não faltou, no rito de autocastração popular, nem mesmo
um esforço para envolver a mistificação numa atmosfera beatífica de
sacrifício religioso, com os altares das igrejas abertos para a deposição
dos instrumentos do mal que nunca fizeram mal algum. E, como se não
bastasse toda essa tempestade de injeções de morfina mental, a TV
Globo, uma vez assinado pelo governador o decreto de proibição da
venda de armas, rapidamente selecionou para a noite seguinte o filme
Tombstone — a história do valente xerife que proibiu o porte de armas
na sua cidade —, acrescentando-lhe nas legendas um subtítulo que vale
por uma campanha eleitoral: "A justiça está chegando." Se isso não é
manipular a opinião pública, se isso não é abusar da boa-fé popular, não
sei o que mais pode ser.

Com um ar de inocência que raia o cinismo, o governador alega, em prol


da nova lei, que defender a população é dever do Estado, não do próprio
povo. Em lógica isto chama-se um non sequitur — um raciocínio

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Piada sinistra
descaradamente sofístico em que a conclusão não se segue da premissa:
de que o Estado tenha o dever de nos defender não se segue que ele
tenha o direito de impedir que nos defendamos se ele não nos defende.
Pois, a partir do momento em que os meios de exercício da legítima
defesa são suprimidos, a integridade física de cada cidadão deixa de ser
um bem que lhe pertence por direito natural e se torna uma concessão
do Estado. E mesmo que houvesse — para raciocinar per absurdum — a
pretendida conexão lógica entre o dever alegado e o direito suprimido, o
Estado teria ainda a obrigação de cumprir primeiro o seu dever, antes
de exigir que abdicássemos do nosso direito. O xerife de Tombstone,
afinal, já era célebre inimigo e matador de bandidos quando proibiu as
armas na cidade, enquanto a corrente política do sr. Garotinho, ao
contrário, só tem na sua folha de serviços uma história de tolerância
cúmplice, para não dizer uma história de amor com o banditismo. Virgil
Earp pagou com seu próprio sangue e o de seus irmãos o acréscimo de
autoridade que exigiu aos moradores de Tombstone. Já o sr. Garotinho,
ao desprover os cidadãos de seus meios de defesa pessoal em troca da
mera promessa de uma proteção policial que não tem meios de lhes dar,
assina uma promissória que será resgatada com o sangue dos outros. O
que ele exige é que apostemos, na sua promessa de nos dar uma
segurança impossível, nada menos que a nossa própria vida e a de
nossos familiares, enquanto ele não aposta senão seus votos na próxima
eleição. E se o governador não tem o poder de nos dar uma proteção à
altura do sacrifício que nos exige, quanto mais não estará abaixo tal
encargo o governo federal, o qual não consegue controlar nem mesmo a
polícia palaciana que grampeia impunemente os telefonemas do próprio
presidente da República!

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Piada sinistra

Do ponto de vista moral e lógico, é óbvio que, se a obrigação de


desarmar-se é total e incondicional, — como tende a sê-lo na medida em
que os sofismas de Garotinho sejam aceitos como sã filosofia pela
legislação federal —, também será total e incondicional a obrigação da
polícia de extinguir a criminalidade por completo, pois, se o Estado não
tolera que o cidadão tenha meios de autodefesa contra a agressão
armada, o cidadão não tem por que tolerar a mínima falha do Estado na
tarefa de defendê-lo. No entanto, essa justa proporção dos direitos e
deveres recíprocos entre cidadão e Estado não será respeitada. O
cidadão que seja encontrado com uma arma será preso, e se depois de
solto for assassinado a tiros na primeira esquina antes que a polícia
possa socorrê-lo, ninguém será punido por tê-lo tornado indefeso. Ora,
não há responsabilidade quando não há punição pelos erros. A lei
contradiz portanto, da maneira mais flagrante, o preceito que a justifica:
o Estado, por meio dela, se exime de toda responsabilidade pela nossa
segurança no instante mesmo em que diz assumir o monopólio da sua
proteção. Uma lei tão arrogante, pretensiosa e leviana, que atenta não
só contra a letra da Constituição Federal mas contra os princípios
elementares do direito, é uma lei nula e inane desde o momento em que
se assina.

O voto de confiança que o governador está cobrando dos cariocas só é


comparável, na proporção do risco envolvido, àquele que Deus exigiu de
Abraão, com a diferença de que Garotinho não terá nenhuma obrigação
de fornecer o carneiro para colocar no lugar das vítimas sacrificiais. Por
aí se tem a medida do impacto psicológico da operação, que parece
calculada por engenheiros comportamentais para deixar o povo

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Piada sinistra
paralisado e sonso numa espécie de transe emotivo no qual ele se
disporá a ceder tudo, tudo, em troca da miragem de um bem impossível.
Tenho razões para supor que tão fina estratégia de manipulação da
opinião pública não brotou espontaneamente da cabeça de Garotinho,
como Minerva da cabeça de Júpiter, mas veio pronta de organismos
internacionais dispostos a usar os brasileiros como cobaias para a
aplicação de uma política de desarmamento geral das populações que é,
comprovadamente, um item prioritário do programa da Nova Ordem
Mundial. A suspeita é tanto mais razoável quando se nota que a
poderosa revista Time, trocando sua aparente função noticiosa pela
auto-atribuída missão de decretar os rumos da História alheia, já se
adiantou à decisão dos brasileiros para nomear Garotinho um dos
líderes maiores incumbidos dirigir o Brasil globalizado do século XXI. E
por que Garotinho deveria merecer tamanho destaque antecipado, se
até o momento sua única realização foi precisamente a campanha que
segue item por item a receita de sociedade ideal ditada pelas potências
globalizantes? Estas coisas, sim, requereriam investigações e uma CPI,
se este país ainda tivesse um mínimo de sanidade e senso de honra
nacional.

Mas, qualquer que seja o caso, o que o governador Anthony Garotinho


está exigindo de nós é um crédito de confiança que, em todas as
hipóteses imagináveis, não será pago pelo depositário da confiança e
sim pelo depositante. Exatamente como aconteceu com quem confiou
na política de segurança de Leonel Brizola.

A proposta é tão obviamente imoral, ilógica, insensata e irresponsável,


que, pelo simples fato de tentar impô-la à credulidade dos cidadãos, os

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Piada sinistra

mentores da campanha "Rio Desarme-se" já deveriam ser postos na


cadeia por exploração da boa-fé popular. Tanto mais porque, se o
monopólio estatal das armas só por uma hipótese implausível poderá
refrear criminosos que nunca precisaram de autorização do Estado para
ter e usar armas, seu efeito imediato e incontornável é o de deixar a
população tão desarmada ante os bandidos quanto ante a autoridade
estatal, hoje depositada nas mãos de uma corrente política cujo namoro
com o banditismo organizado é fato histórico conhecido de todos.

A piada sinistra de Garotinho só é piada quando damos crédito a seus


objetivos declarados. Basta compreender que o propósito da estratégia
adotada nada tem a ver com a eliminação do banditismo, e a piada
revela sua face de coisa mortalmente séria.

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Educação e consciência

Educação e consciência

Entrevista de Olavo de Carvalho


a Luís Mauro Martino

publicada em Educação, jul. 1999

"O autor deste livro é um sujeito cheio de: a) ressentimento e inveja; b)


incompreensão dos caracteres da cultura brasileira; c) maquiavelismo
autopromocional". Esse questionário, ao estilo do imposto de renda,
abre O Imbecil Coletivo, obra mais famosa do filósofo Olavo de
Carvalho.

A brincadeira é uma resposta às inúmeras críticas recebidas pelo livro.

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Educação e consciência

Não é para menos: nos dois volumes de O Imbecil, Olavo de Carvalho


ataca com veemência as "atualidades inculturais brasileiras." Inclui-se
sob essa denominação a "elite intelectual, arrebatada por modas e
paixões que a impedem de enxergar as coisas mais óbvias."

Coordenador do Seminário de Filosofia da Faculdade da Cidade, no


Rio de Janeiro, o filósofo conseguiu um êxito raro no mercado
editorial: seu Imbecil Coletivo, apenas três anos após o lançamento, já
está em sua sexta edição.

A educação não escapa de suas cogitações. Não poupa críticas a Paulo


Freire, às análises marxistas da educação e à "educação jornalística".
Mas também propõe mudanças na escola. O interesse dos alunos, e
não o programa, determina o que será estudado. Além disso, estudos
empíricos da realidade teriam lugar ao lado do estímulo à imaginação.

Educação - Em O Imbecil Coletivo, o senhor fala da "educação


jornalística" em oposição à educação humanística." Poderia precisar
melhor a questão?

Olavo de Carvalho - "Educação jornalística" consiste, sumariamente,


em selecionar os temas e autores segundo o destaque momentâneo que
recebem na mídia. Você sabe quem era o autor mais lido e estudado nas

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Educação e consciência

nossas escolas secundárias por volta de 1910? Um tal de Pelino Guedes,


que o tempo sepultou irremediavelmente, como amanhã sepultará
Zuenir Ventura, Frei Betto, Leonardo Boff e todas essas nulidades
esplêndidas que, por mero espírito de patota política solidária, o lobby
da mediocridade esquerdista impinge aos nossos meninos de escola.
Lendo Lima Barreto, nos escandalizamos com o fato de que nossos
bisavós pudessem ter dado mais atenção a Pelino Guedes do que a ele. E
a atual geração de professores, que prefere Zuenir Ventura a Alberto da
Cunha Melo, Caetano Veloso a Bruno Tolentino, será objeto de riso dos
nossos bisnetos.

Em contraste com essa educação interesseira e imediatista, o conceito


de educação humanística pressupõe um recuo ante a moda presente, um
esforço para ver a atualidade na escala de um tempo muito mais longo,
em que as ninharias do dia desaparecem sem deixar vestígios.

Educação - Quais possibilidades educativas o senhor vê na televisão?

Carvalho - A televisão, como o cinema, só pode ajudar a educação num


sentido auxiliar, secundando o ensinamento verbal naqueles campos
onde a documentação por imagens seja imprescindível como elemento
de prova das afirmações. Mas a tendência hoje é fazer das imagens a
parte ativa do ensino, reduzindo a palavra a um comentário auxiliar —
e, quando se faz isso, o resultado é o emburrecimento líquido e certo,
independentemente de qual seja a matéria ensinada e da qualidade das
imagens que a transmitem. Pensar por imagens é para gatos e
orangotangos. A imagem estimula a fantasia e produz um sentimento de
simpatia ou antipatia, sem passar pela reflexão consciente. A

http://www.olavodecarvalho.org/textos/educacao.htm (3 de 9)16/4/2007 09:45:28


Educação e consciência

"civilização da imagem" é a civilização da credulidade sonsa.

Estudantes viciados em aprender por imagens perdem toda capacidade


e até mesmo todo desejo de compreender: tudo o que querem é obter da
maneira mais rápida e impensada um sentimento de concordância com
a idéia que lhes é apresentada — e, quando não conseguem sentir essa
concordância, produzem a esmo objeções irracionais, que nas suas
cabecinhas de melão fazem as vezes de "pensamento crítico". O trabalho
dos professores, hoje, consiste apenas em direcionar os sentimentos de
hostilidade irracional do aluno contra alvos políticos pré-selecionados.

Educação - Existiria uma função pedagógica da mídia?

Carvalho - Qualquer meio de transmissão de idéias pode ter uma


função pedagógica, se aqueles que o dominam assim decidirem. Mas
tudo depende do que esses senhores compreendem por pedagogia. Para
propagandistas baratos como Leandro Konder, Marilena Chauí ou Emir
Sader, pedagogia consiste em suscitar hostilidade contra seus desafetos
políticos do momento. Nunca um desses senhores escreveu na imprensa
uma linha que não gotejasse ódio político e um grotesco moralismo
maniqueísta. Na cabeça deles, se é que têm alguma, isso é pedagogia.

Quando me refiro aos "senhores da mídia", não me refiro aos donos das
empresas. Estes são apenas uns covardões e omissos que se deixaram
seqüestrar pelos comitês políticos a que entregaram suas empresas. O
nome Roberto Marinho, hoje, só serve para disfarçar sob uma fachada
direitista o poder do lobby esquerdista que domina tiranicamente a
Rede Globo.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/educacao.htm (4 de 9)16/4/2007 09:45:28


Educação e consciência

Educação - Como o senhor considera o uso dos meios de comunicação


como material pedagógico?

Carvalho - Os jornais devem ser lidos e analisados em sala de aula,


sobretudo para mostrar o quanto mentem. Mas aí há um reparo a fazer:
quase todos os instrumentos de análise ideológica foram criados por
intelectuais esquerdistas e só servem para desmascarar a ideologia
capitalista, nunca para evidenciar a manipulação esquerdista da opinião
pública. Nesse sentido, o alegado desmascaramento ideológico
transforma-se em mascaramento. Ademais, o desenvolvimento da
consciência crítica não deve ser prematuro, não deve começar na
infância ou na pré-adolescência, quando tudo tem um efeito emocional
muito profundo. Nessa fase, o esforço de despertar o espírito crítico só
consegue produzir a sua caricatura emotiva, que é o ódio passional e a
suspeita irracional contra tudo e contra todos.

Isso seca a alma, produz neuroses sem fim e não tem proveito educativo
nenhum. Muitos pretensos educadores, hoje, dedicam-se a produzir isso
e nada mais, e se acham grandes benfeitores da humanidade quando
conseguem envenenar a alma de um adolescente contra os pais, contra a
História, contra tudo, exceto, é claro, contra eles mesmos — os
manipuladores bem protegidos atrás de um muro de malícia.

Educação - Em seu livro, o senhor aponta que a crença em Deus


parece excluída dos círculos intelectuais. Como situar a questão das
aulas de religião nas escolas?

Carvalho - Todo estudo de religião nas escolas torna-se apenas um

http://www.olavodecarvalho.org/textos/educacao.htm (5 de 9)16/4/2007 09:45:28


Educação e consciência

discurso sobre as religiões enquanto fenômenos sociais e históricos.


Pessoas educadas nessa base acabam automaticamente dando por
pressuposto que a moderna ciência social e histórica tem uma
perspectiva "superior" à das antigas religiões, uma perspectiva capaz de
abrangê-las e explicá-las — a superioridade, enfim, da consciência real
sobre a fantasia subjetiva. Mas essa idéia é que é fantasista, já que a
ciência social e histórica das religiões ainda é feita sobre hipóteses e
conjecturas e profundamente contaminada de preconceitos ideológicos.

Só para lhe dar um exemplo, a psicologia ascética, que é uma disciplina


prática desenvolvida pelas religiões antigas, é um saber rigoroso,
fundado em séculos de observação. É ridículo supor que uma
cienciazinha improvisada, que se imagina muito séria só por ser
materialista, possa abranger e explicar a velha psicologia ascética.

Educação - Gramsci e Althusser criaram uma tradição, muito


difundida, sobre a atuação da escola como um "aparelho ideológico"
do Estado. Como o senhor considera essa questão?

Carvalho - No regime capitalista a escola só parcialmente está


integrada no aparelho ideológico do Estado. A simples existência de
escolas particulares assegura o pluralismo, a variedade, a liberdade. Só
de maneira muito remota, problemática e, às vezes, invertida e
contestatória a escola reflete, assim, a ideologia dominante. Mas,
certamente, uma parte das escolas desempenha esse papel, sobretudo a
rede de ensino público. Ora, que fazem, diante disso, os ideólogos tipo
Freytag? Assumem que essa parte é o todo, fingindo ignorar que a
escola particular é justamente o inverso de um aparelho ideológico

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Educação e consciência

estatal e, pregando a estatização de todas as escolas, aí sim transformam


todo o sistema educacional num aparelho ideológico de doutrinação e
propaganda. Ou seja: acusam os outros de fazer precisamente aquilo
que eles próprios pretendem fazer. O mínimo que posso dizer desse tipo
de teorização é que é vigarice.

Educação - A educação brasileira parece orientar-se segundo


paradigmas contraditórios: o utilitarismo convive com a preocupação
em criar novos paradigmas que contradigam o primeiro. Como o
senhor analisa isso?

Carvalho - Sua colocação é perfeita: as duas ideologias em disputa


procuram apenas utilizar, manipular as crianças, para torná-las
instrumentos da economia e da política. Uns falam em nome da
"eficácia", outros da "mudança". Ninguém está interessado nas crianças.

Educação - Nesse aspecto, qual a importância de Paulo Freire no


cenário intelectual brasileiro?

Carvalho - Paulo Freire é um sujeito oco, o tipo acabado do pseudo-


intelectual militante. Sua fama baseia-se inteiramente no lucro político
que os comunistas obtêm do seu método. Esse método, aliás, não passa
de uma coleção de truques para reduzir a educação à doutrinação
sectária. Um dia teremos vergonha de ter dado atenção a essa porcaria.

Educação - Kant, Schopenhauer e Rousseau consideravam a leitura


de romances, durante a infância e adolescência, prejudicial ao
estudante. O que o senhor acha disso?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/educacao.htm (7 de 9)16/4/2007 09:45:28


Educação e consciência

Carvalho - Penso exatamente o contrário. É bobagem querer ensinar a


"realidade" a meninos que ainda não têm a mínima condição de
discerni-la da fantasia. É muito mais importante estimular a
imaginação, abrir o horizonte do possível, despertar aspirações. E isso a
arte e a ficção fazem de maneira exemplar. Leibniz dizia que o menino
que visse mais figuras, mesmo que fossem de coisas imaginárias e
falsas, acabaria por se tornar o mais inteligente. A amargura, a irritação,
o ceticismo doentio e a revolta da juventude são, muitas vezes, o
resultado de um empobrecimento prematuro da imaginação, forçado
por uma educação que, entre um garoto saudável e um neurótico
pedante, prefere este último.

Educação - Quais modificações o senhor faria no modelo educacional?

Carvalho - Se eu fosse organizar um programa de ensino, privilegiaria


as artes e a atividade física no ensino inicial, depois iria gradualmente
introduzindo elementos de História dramatizados e o estudo das
ciências no ambiente da natureza, estimulando ao mesmo tempo o
espírito de aventura, a coragem, a iniciativa pessoal e os sentimentos
mais elevados. O ensino da língua seria todo feito pela leitura e imitação
dos clássicos. Só muito tardiamente se entraria na reflexão gramatical. É
claro que essa graduação não seria rígida, mas se adaptaria aos talentos
e demandas de cada aluno — pois o que melhor se aprende é aquilo que
se quer aprender. As perguntas e o interesse espontâneo dos alunos
devem ser uma indicação preciosa para o professor. Os autores de
"programas de ensino" uniformes e padronizados são, para mim,
encarnações do Dr. Simão Bacamarte — o psiquiatra doido d' O
Alienista.

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Educação e consciência

Educação - Matthew Liepmann debate-se a favor do ensino da


filosofia desde o primeiro grau. O senhor concorda?

Carvalho - A filosofia é a reflexão crítica sobre o conhecimento e a


cosmovisão. Ela pressupõe conhecimentos extensos, experiência da vida
e um certo patrimônio de opiniões formadas que possam se tornar
objeto de discussão. Sem isso, a discussão filosófica não tem matéria-
prima e se torna puro confronto retórico vazio. Logo, não é atividade
para crianças. O ensino da filosofia na escola secundária logo degenera
em pura troca de opiniões, quando não em doutrinação ideológica
rasteira.

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Quem ganha com a proibição das armas

Quem ganha com a proibição das armas

Rio de Janeiro, 21 de Junho de 1999

O Globo
Cartas dos Leitores
Fax 021 534 5535

Senhor redator,

Defendendo a proibição da venda de armas, o sr. Jorge Werthein,


maliciosamente, atribui a interesses comerciais e corporativos toda
oposição ao projeto. A questão fica assim reduzida ao estereótipo: "a
minoria sedenta de lucros contra a maioria desejosa de paz e não-
violência". Uma causa que tem de ser defendida mediante esse tipo de

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Quem ganha com a proibição das armas

argumentação — característica mistura de lisonja, intriga e fingimento


—, já denuncia no ato sua própria desonestidade. É sempre o lobo que
acusa o cordeiro, fingindo elevado moralismo. O sr. Werthein, porta-voz
local da Unesco, pertence a uma classe — a burocracia globalista — que
tem tudo a ganhar com o desarmamento da população mundial e sua
redução à condição de rebanho inofensivo. Seus interesses são os das
grandes corporações que mandam no mundo. Não espanta que tente
ocultá-los jogando a opinião pública contra os pequenos lojistas e os
cidadãos donos de armas, como se estes fossem uma poderosa e voraz
classe dominante. O sr. Werthein acha que assim passarão
despercebidos, por trás de um discurso meloso e insinuante, os
gigantescos interesses antinacionais que defende.

Mas nenhum brasileiro consciente há de crer numa só palavra do que


ele diz. Quem fala em nome da Unesco fala em nome da mais vasta
ambição de poder que já se viu na história humana.

Atenciosamente,

Olavo de Carvalho, Rio de Janeiro

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Aviso ao sr. Brum

Aviso ao sr. Brum

Chega-me a notícia de que um tal sr. Brum (não darei o nome todo, mas
está anotado na minha agenda) procurou os profs. Francisco Antonio
Dória e Muniz Sodré, oferecendo-lhes uma mercadoria insólita:
histórias escabrosas a respeito de Olavo de Carvalho.

Consta que os dois acadêmicos reagiram de maneira correta e nobre,


dizendo, na cara do proponente, que não estavam interessados no
negócio.

Para que o sr. Brum não desperdice mais tempo e esforço em vão, sugiro
que envie sua proposta diretamente a esta homepage, que lhe fornecerá
um cadastro de possíveis clientes, os quais talvez até se disponham a lhe
pagar, em troca das escabrosidades prometidas, a quantia equivalente a
1 (hum) cafezinho.

O sr. Brum não me levará a mal se eu aproveitar essa ocasião para tratar
dos meus próprios interesses comerciais, oferecendo-lhe, a preço

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Aviso ao sr. Brum

módico, mais algumas informações horripilantes a respeito de mim


mesmo, as quais, sendo de primeira mão, certamente obterão altos
lucros de revenda no mercado da babaquice universal.

Olavo de Carvalho

05/07/99

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/brum.htm (2 de 2)16/4/2007 09:45:57


Carta de Hélion Póvoa Neto

Carta de Hélion Póvoa Neto

23/06/99

A seção "Diga o que quer, ouça o que não quer" bem poderia se
chamar: "Leia aqui a resposta ao que você não disse". Ao comentar
carta que escrevi à revista "Bravo" em fevereiro de 1998, o sr. Olavo de
Carvalho diz que "o leitor que deseja um debate deve expressar
opiniões definidas sobre pontos precisos". Conselho que ele é o
primeiro a desconsiderar.

Ao contrário do que afirma o sr. Carvalho, não o convidei ao


debate, não sugeri a sua exclusão da revista em questão, e
não sou psicanalista, nunca o fui e jamais o serei (que oráculos
consultará o sr. Carvalho?). A carta está lá, para quem quiser ler, no
número de 1998, como está a resposta grosseira - por mim ignorada -
de Carvalho no número de abril de 1998.

Como se faz quando alguém que prega critérios de verdade distorce,

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Carta de Hélion Póvoa Neto

mente e manipula só para conquistar algumas poucas linhas em sua


pr'pria homepage para esbravejar contra aquilo que pensa que os
outros pensam dele? Acionamos a Justiça, denunciamos ao Procon por
fraude contra os que o consomem, pedimos a sua interdição por
motivos psiquiátricos ou simplesmente o ignoramos como se deve fazer
com aqueles que não merecem a menor consideração nem respeito?

Atenciosamente,

Helion Póvoa Neto

Resposta de Olavo de Carvalho

Reaparecendo das sombras do nada em que minha memória falível o


havia desterrado, ergue-se o dr. Póvoa, com um formidável atraso, para
protestar contra coisas que escrevi em Bravo! de março de 1998. Não
me deixa alternativa senão reler tudo aquilo e em seguida informar ao
remetente a inútil vaidade de suas caretas ameaçadoras:

1) Eu nunca disse que o dr. Póvoa me convidou para um debate. Quem


disse — aliás no intuito de defendê-lo — foi a leitora Helga Helena
Monteiro (v. carta nesta mesma homepage), e, precisamente, respondi
que ele não fizera nada disso, limitando-se sugerir minha exclusão da
revista Bravo!. Fingindo que pus palavras na sua boca, o dr. Póvoa põe
algumas na minha.

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Carta de Hélion Póvoa Neto

2) O dr. Póvoa que largue de se fazer de ingênuo. Escrever a uma revista


expressando repulsa à presença de um determinado sujeito no quadro
de redatores é sugerir sua exclusão, e de maneira bem pouco sutil. Mas
isto já virou uma regra. Dos sujeitos que enviam cartas a editores para
protestar contra algo que eu disse, cinqüenta por cento começam por
lamentar que a imprensa me conceda espaço para escrever. Que outro
sentido tem isto, senão a de sugerir que a imprensa se livre de um
colaborador lamentável? O efeito acumulado de cartas desse teor é bem
previsível. Alvos mais paranóicos suspeitariam de uma campanha
orquestrada. Da minha parte, diagnostico: é simples repetição de um
cacoete stalinista, irreprimível em certas cabecinhas feitas à imagem e
semelhança do inventor da "arma da fome".

3) Num ponto o dr. Póvoa diz a verdade: ele, de fato, não é psicanalista.
Admito que errei quanto a esse detalhe, o qual, aliás, no conjunto da
questão, não fede nem cheira. É preciso ser um bocado teatral para
afirmar que essa imprecisão miúda e irrelevante atesta uma intenção de
"distorcer, mentir e manipular".

4) No que diz respeito às alternativas de ação perfeitamente malucas


que o dr. Póvoa conjetura - acionar a Justiça, denunciar-me ao Procon,
etc. etc. -, provam apenas que ele tem dificuldade de rebater palavras
com palavras e que, diante de um adversário que o irrita, sente o
impulso quase irresistível de fazer algo contra ele. Mas, diziam os
escolásticos, para agir é preciso ser. Não cumprindo esta última
condição, o dr. Póvoa limita-se a fantasiar vingancinhas, retorcendo-se
de raiva ao mesmo tempo que procura fingir uma indiferença superior.

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Carta de Hélion Póvoa Neto

A alternativa de me ignorar olimpicamente não parece, no entanto,


estar ao alcance de um sujeito que ainda se mostra tão nervoso depois
de decorrido todo esse tempo da publicação de minha resposta. A
profusão mesma de estratégias belicosas que ele conjetura contra mim
prova que o dr. Póvoa tem pensado dia e noite na minha humilde
pessoa. Lamento não poder retribuir sua atenção.

Atenciosamente,

Olavo de Carvalho

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Picuinhas comunistas

Picuinhas comunistas

Durante vinte anos a obra ensaística de Otto Maria Carpeaux ficou


esquecida, abandonada às traças pela máfia esquerdista que o grande
crítico tanto ajudara em vida. De repente, esse tesouro é desenterrado
por um estranho, por alguém que além de não ser membro do Clube já
mostrou seu total desprezo a essa entidade, cuspindo na reputação
sacrossanta de alguns de seus diretores. É o escândalo. De norte a sul do
país um brado de alerta percorre as fileiras da instituição:

— Roubaram-nos o Carpeaux!

— Quem foi?

O mensageiro baixa os olhos:

— Foi... "a direita"!

Horror! Horror! Horror! Que fazer?, pergunta o secretário-geral, José

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Picuinhas comunistas

Stálin Lênin da Silva. Descer o cacete não é possivel — dialetiza —: não


podemos criticar quem faz o que seria nossa obrigação. Silenciar? Não
podemos: seria deixar para a direita o domínio do espaço aéreo. Por fim,
fazendo uso do centralismo democrático, ele mesmo responde,
enunciando a linha justa:

— Celebrar a descoberta, omitindo o descobridor.

Assim, anos de pesquisas, setecentas e vinte notas de rodapé e uma


introdução de oitenta páginas — o primeiro estudo abrangente que se
fez da obra de Carpeaux, com dados inéditos e questões jamais
perguntadas — desaparecem das folhas dos jornais, como se nunca
tivessem existido. Nada podendo falar contra — porque, raios nos
partam, o negócio está bom mesmo —, o melhor é não falar nada. Para
não caracterizar juridicamente a falta de todo crédito (pois aí já seria
dar a cara para apanhar), o nome de Olavo de Carvalho constará na
ficha técnica, em letras miúdas, junto com a data e o preço do exemplar.
Nem uma palavra sobre ele no corpo dos textos.

— E isso ainda tem uma vantagem: badalamos as editoras e assim as


jogamos contra ele. E, se ele reclamar, diremos que é vaidade ofendida.

Um risinho de auto-lisonja percorre a assembléia: "Ai, como somos


maquiavélicas!" Respingos de satisfação molham algumas calcinhas.

A linha justa já foi levada à prática na Folha de S. Paulo de 4 de julho.


Agora, em O Globo do dia 17, em matéria assinada pelo velho Pires, o
Pires propriamente dito — aquele mesmo d'O Imbecil Coletivo —,
escolhido para a tarefa precisamente por não poder ter isenção para

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Picuinhas comunistas

falar de quem, em público e sem qualquer contestação, já o chamou de


mentiroso.

Aguardam-se as manifestações de fidelidade do JB, de Veja, de Isto É e


das demais células.

O mais curioso do caso é a desenvoltura com que esses comunistas


consideram o Carpeaux coisa sua, esquecendo a brutal campanha de
difamação que, orquestrada por Dalcídio Jurandir, Oswald de Andrade
e o futuro dissidente Carlos Lacerda, moveram contra o escritor tão logo
ele desembarcou no Brasil. O episódio é brevemente relatado na minha
Introdução, e acaba de ser relembrado ao meu editor, José Mário
Pereira, por Moacir Werneck de Castro, um dos participantes da
operação, hoje aparentemente envergonhado dela, não sei se
moralmente ou apenas politicamente, como é de praxe entre
comunistas.

O leitor brasileiro não sabe que está sendo enganado, que cada página
dos grandes jornais do país é calculada, controlada e censurada pela
direção comunista que se apossou dessas publicações, cujos
proprietários, atemorizados pelo apoio ostensivo do governo Clinton à
esquerda brasileira, tentam salvar a pele ficando caladinhos e puxando,
quando podem, o saco de seus seqüestradores.

O leitor brasileiro ainda imagina viver num país onde há liberdade de


imprensa.

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Picuinhas comunistas

17/07/99

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O pensamento vivo de Luiz Noronha

O pensamento vivo de Luiz Noronha

Apenas algumas horas depois de entrarem na minha homepage os


avisos sobre as Picuinhas comunistas e sobre o Pires, recebi um
telefonema de um sr. Luiz Noronha, que tinha lido esses avisos e estava
fulo da vida. Aos berros, ele me informou as seguintes coisas
(transcrevo-as literalmente, até aonde minha memória alcança):

1ª Quem manda no Segundo Caderno de O Globo é ele. Foi ele quem


designou o Pires para fazer a resenha dos Ensaios Reunidos.

2ª Ele, Luiz Noronha, não reconhece em mim autoridade bastante para


reclamar do que quer que ele faça publicar no Segundo Caderno.

Diante de tão significativas declarações, sugeri ao Sr. Noronha que as


escrevesse e assinasse, em vez de berrá-las pelo telefone.

— Não escrevo nada!, respondeu.

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O pensamento vivo de Luiz Noronha

E, tendo desligado o telefone após mais algumas manifestações de


cortesia que foram respondidas à altura, nada mais disse nem lhe foi
perguntado.

São poucas e breves, portanto, as amostras que nos restam do


pensamento vivo de Luiz Noronha. Se bem as compreendi, passo a tirar
delas as conseqüências lógicas inescapáveis, que traduzem, na medida
em que o pode o discurso humano, o fundo abissal desse pensamento:

1ª Se foi o sr. Noronha quem mandou o Pires escrever o que escreveu,


das duas uma: ou ele deu essa ordem com plena consciência de que o
Pires era um notório desafeto meu, já denunciado publicamente por ter
feito uma resenha desonestíssima de O Imbecil Coletivo, ou então deu a
ordem sem saber nada e com total inocência. No primeiro caso, faltou à
mais elementar ética jornalística. No segundo, mostrou que não sabe em
quem manda, exercendo portanto sua autoridade às cegas sobre um
caderno do qual nem sequer leu os números anteriores.

2ª O sr. Luiz Noronha não admite que eu escreva em minha própria


homepage sem que ele me conceda autoridade para tanto.

Uma vez compreendido o sentido das duas declarações, respondo, à


primeira, que, se atribuí ao Pires a culpa de designar-se a si mesmo para
uma tarefa que eticamente lhe era imprópria, foi porque, então, eu
ignorava que o Pires tivesse um chefe. Agora sei e, portanto, corrijo: o
Pires tem, sim, uma desculpa. Ele não fez porque quis. Fez porque o
Noronha mandou. As coisas ficam assim melhores para o Pires no Juízo
Final, inclusive tendo em vista o desconto devido aos que, neste vale de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/noronha.htm (2 de 3)16/4/2007 09:46:41


O pensamento vivo de Luiz Noronha

lágrimas, já pagaram parte de seus pecados agüentando um Noronha


nas costas.

Quanto à segunda, respondo ao sr. Noronha: vá dar ordens ao Pires, e


olhe lá, que já é demais para a sua competência. Por escandaloso que
isto pareça a um sujeito tão ávido da glória de mandar, a minha
homepage não está sob a jurisdição de Noronha nenhum, e ela existe
justamente para assegurar que, mesmo num país infestado de
Noronhas, ainda pode subsistir, via internet, um pouco daquela
liberdade de expressão que dia a dia vai desaparecendo da mídia
impressa.

21/07/99

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Chegam-me avisos temerosos, advertindo que o Noronha é grandão

Noronha II

Chegam-me avisos temerosos, advertindo que o Noronha é grandão. É


isso! Cresceu demais, coitado, o cérebro atrofiou. E, como D. Quixote,
que ficou maluco de tanto ler romances e se persuadiu de que era
cavaleiro andante, o Noronha leu muito Paulo Roberto Pires e agora
acha que é editor da minha homepage.

22/07/99

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/noronha2.htm16/4/2007 09:47:06
República Popular das Letras

REPÚBLICA POPULAR DAS


LETRAS
Seção de Alistamento de Militantes, Amiguinhos e Puxa-Sacos
em Geral

Últimas Adesões ao Pacto de Silêncio


(ou: Consenso Nacional da Vaca Amarela)

Nós, abaixo assinados, comprometemo-nos, pela nossa honra


profissional, a nada informar ao público leitor sobre os
trabalhos de pesquisa, introdução e notas realizados pelo sr.
Olavo de Carvalho para a edição dos Ensaios Reunidos de Otto
Maria Carpeaux.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/repletras.htm (1 de 3)16/4/2007 09:47:24


República Popular das Letras

Signatário Publicação Data

Nelson Ascha Kessab Folha de S. 14 de julho de


Paulo 1999

Luiz Paulo Roberto Pires O Globo 22 de julho de


Noronha 1999

Rosane Pavam e Pavamzinho Gazeta Mercantil 25 de julho de


1999

Daniel Piza Nabola Gazeta Mercantil 25 de julho de


1999

Aguardam-se novas adesões a qualquer momento.

Traidores e Adversários do Pacto

"Fico devendo a Olavo de Carvalho, ao editor José Mário, da Topbooks,


e à UniverCidade Editora, que patrocinou o livro, uma das minhas
maiores alegrias em tantos anos de estrada, na vida em geral, na
literatura em particular."

CARLOS HEITOR CONY, Folha de S. Paulo, 15 de julho de


1999.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/repletras.htm (2 de 3)16/4/2007 09:47:24


República Popular das Letras

"O ensaio biobibliográfico de Olavo de Carvalho é muito bom porque


consegue fazer distinções que a esquerda brasileira jamais conseguiu."

ALBERTO DINES, carta a José Mário Pereira, 13 de julho de


1999.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/repletras.htm (3 de 3)16/4/2007 09:47:24


Quem trabalha para quem

Leituras recomendadas - 4

Quem trabalha para quem

Você leu "O enigma que é solução"? Então conheça aqui um dos dados do problema.

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Quem trabalha para quem

http://www.olavodecarvalho.org/textos/coimbra.htm (2 de 3)16/4/2007 09:47:38


Quem trabalha para quem

De hoje em diante, quando você ouvir um sujeito defender "causas populares", verifique
primeiro se ele recebe dinheiro das fundações Ford, Rockefeller ou Carnegie.

E quando ouvir um esquerdista fazer um discurso inflamado contra o neoliberalismo, lembre-

se de três coisas: 1ª Neoliberalismo não tem nada a ver com liberalismo. Liberalismo é
liberdade para a iniciativa econômica popular; neoliberalismo é economia global dirigida — o

socialismo dos ricos. 2ª O neoliberalismo é um projeto abrangente, que inclui (e


compatibiliza com os interesses da estratégia global) todos os programas atualmente
defendidos pela esquerda no Brasil (aborto, controle de armas, casamentos gays, quotas

raciais etc. etc.). 3ª A palavra "neoliberalismo", na nossa imprensa, não significa nada disso,
mas é sinônimo de FHC. Ao falar contra o neoliberalismo, a esquerda está apenas disputando
com FHC o cargo de executor local dos planos neoliberais. Ela jamais baterá de frente nos
interesses estrangeiros que a sustentam. Não se trata portanto de uma luta contra o dono,
mas apenas contra o gerente. Derrubado FHC, mudará o estilo da subserviência: passaremos
do esculacho risonho à anarquia sangrenta. Os donos do mundo já anunciaram: para eles, dá
na mesma.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/coimbra.htm (3 de 3)16/4/2007 09:47:38


Piza Nabolla strikes again

Piza Nabolla strikes again

Ao leitor Diogo Rosas Gugisch, de Curitiba, que protestava contra o


boicote da Gazeta Mercantil ao meu trabalho de estudioso e intérprete
da obra de Otto Maria Carpeaux, o sr. Daniel Piza Nabolla, editor do
caderno de cultura desse jornal, enviou a seguinte resposta, que o
destinatário me retransmitiu hoje por e-mail:

Caro Diogo,

Imaginar que dei minhas opiniões em contraste com as de Olavo de


Carvalho é que é uma gozação. Quanto ao trabalho de pesquisa de dois
anos em ritmo "mouro", soube que ele não estava sozinho, ao contrário
de mim quando organizei o livro de Francis (além disso, montar
verbetes é bem mais complicado do que juntar artigos). Mas não
desmereço a empreitada, não tanto que a destacamos em capa. Um
abraço,

Daniel Piza

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Piza Nabolla strikes again

A resposta evidencia que toda discussão racional se tornou impossível


no presente caso, porque a discussão racional subentende a referência a
um conjunto de dados que seja acessível a ambas as partes, e a diferença
entre o comércio editorial e o estudo científico da literatura não está, ao
menos no momento, acessível ao sr. Piza Nabolla.

Sua antologia de frases de Paulo Francis é o tipo da obrinha de ocasião,


que nenhum repórter tarimbado levaria mais de uma semana para
realizar, principalmente se composta, como é o caso do Dicionário da
Côrte, exclusivamente de textos recentes, conservados nos arquivos
eletrônicos dos jornais que os publicaram, e prontos para obeceder ao
comando Copy and Paste do programa Word. Quanto a "montar os
verbetes", por enigmática e prestigiosa que se anuncie esta expressão,
consiste apenas em colocá-los em ordem alfabética, tarefa que, se pode
apresentar dificuldades temíveis desde o ponto de vista do sr. Nabolla,
não deve ter sido tão árdua para o seu computador, mesmo que não se
tratasse de um pentium e sim — como o próprio sr. Nabolla — apenas de
um pentelium.

Que o sr. Piza Nabolla enalteça até às nuvens a micharia que, com
atrozes dores de parturiente, foi tudo quanto até hoje o seu cérebro
criador pôde dar ao mundo, é coisa que não se deve estranhar, pois,
afinal, até as ratazanas lambem as crias, sem nojo algum e até com ares
de quem pariu coisa que preste.

Que, porém, ele o faça em detrimento de algo como os Ensaios


Reunidos, alegando que "montar verbetes é bem mais complicado do

http://www.olavodecarvalho.org/textos/nabolla.htm (2 de 5)16/4/2007 09:47:55


Piza Nabolla strikes again

que juntar artigos", só mostra que não tem a menor idéia do que seja a
pesquisa e edição de textos literários. Não posso, evidentemente,
argumentar com alguém que ignora tão completamente um dado
essencial da discussão. Mas esse dado é acessível a qualquer aluno de
letras e é, na verdade, a condição prévia para o ingresso nos estudos
literários, de vez que nenhum estudante incapaz de distinguir entre uma
simples publicação comercial e um documento preparado para uso
científico logrará chegar ao fim do primeiro ano de faculdade.

"A proliferação dos erros produziu a multiplicação das explicações",


dizia Joubert. É verdade, mas não vejo sentido em ficar explicando ao
sr. Piza Nabolla que a pesquisa de jornais extintos, em arquivos de
quatro Estados, seguida de cotejo e anotação de 3.000 páginas de
originais defeituosos e da redação do primeiro estudo abrangente sobre
o seu autor, não é propriamente "juntar artigos". Ele teria a obrigação
de saber disso, ou, não o sabendo, pelo menos deveria ter imaginação
bastante para fazer uma idéia da coisa. Mas a imaginação pressupõe o
senso das proporções, que, já se viu, falta completamente ao sr. Nabolla.

Que a responsabilidade de um caderno de cultura seja entregue a um


sujeito capaz de expor com tanta candura sua ignorância dos elementos
básicos da investigação literária, eis um fato que ilustra, mais que
qualquer outro, o estado de completo descalabro a que chegou a nossa
imprensa soi disant cultural.

Mas não é somente no aspecto intelectual que o sr. Nabolla Piza está
bem abaixo das responsabilidades que nominalmente lhe incumbem.
Pelo lado moral ele não está nada melhor. Pois, além de ser um

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Piza Nabolla strikes again

ignorante presunçoso, é também um mentiroso e um difamador.

Mentiroso, porque simplesmente não é verdade que ele preparou


sozinho o Dicionário da Côrte de Paulo Francis — antologia de autor
vivo que contribuiu pessoalmente para a feitura da obra, não só lendo e
aprovando a seleção, mas escrevendo-lhe o prefácio (Dicionário da
Côrte de Paulo Francis, São Paulo, Companhia das Letras, 1996).

Difamador, porque a frase "soube que ele (Olavo de Carvalho) não


estava sozinho (na preparação do livro de Carpeaux)" é um primor de
ambigüidade perversa, destinado a deixar no leitor a impressão de que
meus méritos não são somente meus, mas também de algum misterioso
ghost writer.

Sim, porque essas palavras não podem se referir a meus auxiliares —


pesquisadores, revisores, artistas gráficos —, a cujas contribuições,
ostensivamente listadas e reconhecidas no começo do livro, nada deve o
meu trabalho pessoal de intérprete e biógrafo de Otto Maria Carpeaux.

Ninguém, para referir-se a fato público e notório, usa a expressão


"soube que...". Ao contrário: este modo de dizer alude a alguma
informação discreta ou sigilosa, a que o falante teria tido acesso por
meios especiais. Ao usá-la, o sr. Piza Nabolla tenta deixar o leitor com a
pulga atrás da orelha, perguntando a si mesmo: "Qual será o cérebro
que move o Olavo de Carvalho?".

Da minha parte, não tentarei incutir na mente dos leitores pergunta


semelhante no que concerne ao fofoqueiro que pretende assim minar
minha reputação: ninguém daria atenção às minhas insinuações, pois

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Piza Nabolla strikes again

todo mundo já sabe que nenhum cérebro move o sr. Nabolla.

30/07/99

LEIA TAMBÉM:

Os roedores da glória

de José Ingenieros

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Aviso aos manifestantes

Aviso aos manifestantes

Diante da notícia, que me chega de fonte abalizada, segundo a qual o


pessoal do PSTU pretende fazer uma manifestação pública de repúdio à
minha presença no I Colóquio Luso-Brasileiro de Pesquisa Filosófica
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais, 24 de agosto de 1999, 9h00), devo advertir aos
interessados que:

1º A manifestação conta com todo o meu apoio, porque eu também acho


que não deveria ir lá.

2º Para adiantar o expediente, já estou distribuindo bottons e cartazes


com os seguintes dizeres:

ABAIXO EU.
3º Aceito contribuições para a campanha pela minha própria extinção.
Se a campanha não lograr alcançar suas altas finalidades, os fundos

http://www.olavodecarvalho.org/textos/manifesta.htm (1 de 2)16/4/2007 09:48:08


Aviso aos manifestantes

reverterão em benefício de mim mesmo.

02/08/99

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Carta de uma estudante

Carta de uma estudante


com resposta e um Post scriptum de Olavo de Carvalho

25/06/99

Sr. Olavo de Carvalho,

Meu nome é N., tenho 19 anos, curso o segundo ano de jornalismo.


Acabo de ler seu artigo, "Patifarias", no JT de hoje, 5 de agosto.
Confesso que fiquei muito intrigada com algumas afirmações suas e
gostaria de saber exatamente de que se trata. Que relações existem
entre índios e estrangeiros? Eu realmente ignoro qualquer informação
sobre o assunto e é algo que me preocupa. O que você quis dizer com:
"está sendo levado ao comunismo (...)", ao referir-se a uma aliança
entre FHC e a esquerda?

Infelizmente, sou obrigada a reconhecer que a nossa imprensa está


"tomada", por assim dizer, por pensamentos antiquados e esquerdistas
que a impedem de exercer sua função com a transparência que seria

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Carta de uma estudante

devida. Noto isso dentro da própria Faculdade, motivo de algum


desencanto meu, em que somente os pensadores com alguma
inclinação esquerdista são valorizados. Discute-se muito Karl Marx e
dá-se pouca – ou nenhuma – importância a alguém que discorde dele,
em qualquer aspecto que seja. Todos – professores, alunos e, se bobear,
até os porteiros – dizem as mesmas coisas, têm as mesma opiniões...
Chega a ser entediante. Os ricos são sempre os vilões e os pobres,
coitadinhos. Não estou fazendo apologia da usura, da ganância, das
desigualdes sociais gritantes. Apenas acredito que essa visão simplista
é patética, beirando o absurdo.

Aproveito para parabenizá-lo pela coragem de ser uma voz dissonante


no lamaçal de unanimidade estúpida. Li seu livro, O Imbecil Coletivo, e
embora discordasse de alguns de seus argumentos e não tivesse
exatamente as mesmas convicções, não posso deixar de congratulá-lo
pelo serviço essencial de enxergar além daquilo que Karl Marx disse.

Gostaria, sinceramente, de uma resposta para as inquietações que


você acaba de causar com seu artigo. Agradeço a atenção,

N.

Resposta de Olavo de Carvalho

Prezada amiga,

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Carta de uma estudante

Muito obrigado pela sua atenção aos meus escritos e pelas palavras
gentis com que se refere a eles. Quanto ao assunto dos índios, ligue para
a Biblioteca do Exército (021 519-5707, 516-2366) e peça um exemplar
do livro "A Farsa Yanomami". É um depoimento escrito por um major
do Exército, ex-secretário de Segurança de Roraima, quando estava para
morrer de câncer, e tem o peso das palavras dos moribundos. Esse livro
lhe dará uma idéia de coisas abismantes que se passam dentro do
território nacional com a cumplicidade do governo e da imprensa. O
único jornalista que se atraveu a tocar no assunto, Janer Cristaldo, foi
posto na lista negra e não há mais lugar para ele na imprensa de São
Paulo.

Só para lhe dar uma idéia, o mapa da reserva indígena de Roraima


coincide exatamente com a das mais ricas reservas minerais do país.
Para ocupá-la, uma ONG inglesa inventou uma tribo (nunca existiram
ianomâmis), reunindo 5.000 índios dispersos e convencendo o governo
de que, para morar, eles necessitavam de um território do tamanho do
Estado do Pará. A reserva foi delimitada e hoje lá é proibida a entrada
de brasileiros. Leia o livro.

Quanto ao comunismo, o ex-secretário de Estado norte-americano


Warren Christopher foi bastante enfático ao anunciar que qualquer
governo de esquerda que chegasse ao poder pelo voto seria garantido
pelas Forças Armadas dos EUA. A política americana com relação ao
comunismo mudou muito desde os tempos de Ronald Reagan. Sem
compreender isto, nada se compreenderá do que acontece no Brasil.
Clinton, que na juventude viveu em Moscou num daqueles programas

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Carta de uma estudante
para estudantes, montados pelo Partido Comunista para cooptar
colaboradores e espiões, foi eleito Presidente com o apoio do Partido
Comunista e logo nomeou a China "Parceiro Preferencial" para
investimentos dos EUA, desobrigando-a de qualquer cláusula
referente a direitos humanos (uma moleza que nunca se deu a
nenhum país do mundo). O principal sócio dos investimentos
americanos na China é o Exército chinês, de modo que, quanto mais
dinheiro os americanos ganham lá, mais aumenta o poderio militar dos
chineses. Recentemente, foi descoberto um caso de espionagem nuclear
chinesa no Laboratório de Los Alamos, e a Casa Branca fez tudo para
bloquear as investigações. Após alguns anos de experiência em
"negócios da China", o governo americano agora declara abertamente
que é indiferente ao regime das nações com que comercia, e que
qualquer país da América Latina, por exemplo, que se torne comunista,
continuará sendo bem tratado pelos EUA desde que preserve os
investimentos norte-americanos. O que a experiência chinesa ensinou
aos americanos é que um governo comunista é o melhor parceiro dos
investimentos estrangeiros, porque, numa sociedade policial, há mão de
obra barata, sem greves nem arruaças, e no mercado não há
concorrência. O paraíso, em suma. Para garantir as boas relações com a
China, o governo norte-americano chegou a pressionar os estúdios de
Hollywood que tinham feito filmes como "Sete Anos no Tibete",
"Kundun" e "Justiça Vermelha" (que denunciavam atrocidades chinesas
no Tibete: um milhão de mortos), para que tirassem logo os filmes de
cartaz. "Kundun" de Martin Scorsese, ficou em exibição no Brasil menos
de uma semana. Paul Eisner, o novo chefão da Disney e homem de
Clinton, admitiu ter boicotado "Sete Anos no Tibete" para agradar aos
chineses. A coisa foi muito criticada na Câmara e Clinton disse que ia

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Carta de uma estudante

rever suas decisões, mas substancialmente a política pró-chinesa não


mudou nada.

Com o que aprenderam na experiência chinesa, os americanos


mudaram sua política para a América Latina e passaram a dar dinheiro
e apoio a movimentos esquerdistas – todos, é claro, devidamente
compromissados a, uma vez no poder, ser bonzinhos para com os
investimentos estrangeiros. Um acordo nesse sentido foi sacramentado
pelo secretário de Estado Christopher numa reunião com FHC e Lula
(lembra-se de que Lula voltou dos EUA falando bem dos investimentos
americanos, rompendo uma tradição de cinqüenta anos da esquerda
brasileira sem que ninguém na esquerda protestasse?). A ascensão das
esquerdas nos últimos anos é inteiramente devida à ajuda norte-
americana. A Inglaterra dá uma ajudinha também.

A nova política neoliberal imposta aos países do Leste Europeu exige


que cada país que entre na comunidade econômica mundial implante
imediatamente em seu território um conjunto de novas leis (veja o
depoimento do ministro Andrei Pleshu na minha homepage). No campo
social, as principais leis são: desarmanento dos civis, legalização do
aborto, casamentos gays, quotas raciais – quase todo o programa
da nossa esquerda. O governo e a oposição esquerdista obedecem
igualmente as imposições da nova ordem neoliberal e divergem somente
no que diz respeito às privatizações, um item que é absolutamente
irrelevante do ponto de vista do capital estrangeiro, pois nesse campo
nenhuma decisão é jamais definitiva, pois, por definição, o que é
estatizado hoje pode ser privatizado amanhã e vice-versa.

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Carta de uma estudante

Quanto ao MST, com uma das mãos recebe dinheiro do Exterior e com a
outra vai atacando e desmantelando a estrutura agrária brasileira até o
ponto em que as fazendas se tornam inviáveis e têm de ser vendidas a
firmas estrangeiras. Você já notou que nenhuma propriedade americana
foi invadida até hoje pelo MST?

Vou parar por aqui, porque estou cansado e tenho de ir dormir. Mas
acho que já dá para você fazer uma idéia de quanto o nosso país está
cercado e amarrado, e de quanto a esquerda, junto com o governo, é
responsável por isso.

Com meus melhores votos,

Olavo de Carvalho

Post scriptum

Nossa esquerda procura dar ao povo a impressão falsa de que


neoliberalismo consiste em privatizações, de que combatendo
privatizações ela está combatendo a Nova Ordem Mundial e sendo
muito nacionalista. Conversa mole. As privatizações são um item
secundário dentro da Nova Ordem Mundial, cujas diretrizes, no
essencial, os esquerdistas obedecem fielmente, uns por safadeza, a
maioria sem saber a quem serve.

Quanto aos nossos nacionalistas, quase todos estão no caminho errado.

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Carta de uma estudante

Uns procuram se aliar com a esquerda, que se aproveita deles para


atrair sobre si o prestígio histórico do discurso nacionalista. Outros
estão com tanta raiva de FHC que chegam a imaginar que, derrubado o
presidente, a Nova Ordem Mundial estará vencida e o Brasil erguerá a
cabeça. Outros, ainda, recebem o seu discurso nacionalista pronto de
organizações estrangeiras que se fingem de inimigas da Nova Ordem
Mundial. Santa Mãe de Deus! Só mesmo um brasileiro pode ser tonto o
bastante para acreditar num nacionalismo importado.

Toda a política brasileira, no momento, é farsa e engano. Não pode


haver uma política sã quando a vida intelectual de um país está podre.
Os intelectuais têm a obrigação de tentar enxergar claro e de informar
ao país o que realmente está acontecendo. Em vez disso, deixam-se
tomar por paixões políticas estereotipadas. Ninguém pode se instalar na
realidade de hoje ao mesmo tempo que, na imaginação, ainda está
vivendo uma história de trinta anos atrás. Quando ouço os discursos da
esquerda, sinto que estou assistindo a um filme sobre 1968, um ano que
de fato, para essa gente, não terminou. Um trauma, dizia o meu amigo
Juan Alfredo César Müller, paralisa o tempo e faz você viver no passado.
Nossa esquerda ainda está lutando contra os militares, enquanto a Nova
Ordem Mundial já a engoliu e já a subjugou a seus interesses sem que
ela o perceba. Nacionalistas, liberais, esquerdistas estão todos
dormindo, hipnotizados, com a cabeça no mundo da Lua. Só quem não
está dormindo são os representantes locais da Nova Ordem Mundial,
que estão muito bem distribuídos, sem dar na vista, entre os partidários
dessas três correntes.

A tragédia brasileira é que o nosso país ainda tem um sonho a realizar e

http://www.olavodecarvalho.org/textos/carta.htm (7 de 8)16/4/2007 09:48:25


Carta de uma estudante

está lutando para se afirmar como nação numa época em que tudo vai
contra isso. Nossa chance é pequena e temos de usar a cabeça, senão
seremos esmagados entre as tenazes da Nova Ordem Mundial. O maior
perigo é a divisão do nosso país entre forças políticas — estatizantes
versus privatizantes, MST versus FHC, negros versus brancos — cujo
confronto foi planejado pelos senhores da Nova Ordem para produzir,
pela técnica do "gerenciamento de conflitos", os mesmos resultados
independentemente de quem seja o vencedor nominal da parada. Esse
resultado chama-se: dissolução do poder nacional.

Nossa única esperança é um revigoramento da vida intelectual, pelo


qual possamos enfrentar os tremendos think tanks montados pela Nova
Ordem Mundial para nos dirigir. A luta, hoje, é pelo domínio do
conhecimento. Quem não entender o que se passa será submergido pela
complexidade dos tempos que se aproximam.

07/08/99

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/carta.htm (8 de 8)16/4/2007 09:48:25


Obrigado

Obrigado

9 de Agosto de 1999

Prezados amigos,

Muito obrigado a todos pelas manifestações de solidariedade. O que


mais me espanta nos fatos recentes é justamente que, ascendendo ao
poder sem a menor resistência, arrombando uma porta aberta com a
ajuda do dono da casa, a esquerda hidrófoba esteja de tal modo
acostumada a seus privilégios de menina mimada, que já não suporta a
mínima oposição, nem mesmo teórica e vinda de um homem só. Nada,
nem um gesto, nem uma palavra pode contrariar as exigências da grã-
senhora, que, imbuída de seu estatuto de dona de todas as virtudes,
condena à morte, pelo crime de estar "despreparado para o debate
democrático", um simples cidadão isolado que ousou não gostar dela,
desprezar os encantos da madame. Com isto, ela se desmascara: a

http://www.olavodecarvalho.org/textos/obrigado.htm (1 de 4)16/4/2007 09:48:36


Obrigado

prepotência raivosa da Rainha de Copas já permite vislumbrar nela os


traços da velha prostituta que, no leste europeu e na China, se
embriagou do sangue de cem milhões de pessoas.

No artigo que publiquei na Folha de S. Paulo na última quinta-feira,


aplaudi a abertura da Unicamp para os trabalhadores rurais no ciclo
"Realidade Brasileira" e critiquei a uniformidade ideológica das lições
transmitidas, a ausência de um confronto entre posições diversas. Em
resposta, fui acusado de ter preconceito contra os pobres e de não estar
"preparado para o debate democrático". A Novilíngua de 1984 já está,
portanto, adotada como idioma oficial do Brasil.

Ato contínuo, chega-me a notícia de que estão tramando a minha morte.


Isso já não é mais apenas a boa e velha incompreensão, a clássica
sonsice do imbecil coletivo. É ódio insano, é demência assassina em
busca de um bode expiatório.

Agradeço a todos os amigos a corajosa solidariedade com que me


reconfortaram na hora do confronto com o absurdo máximo. Entre os
que me escreveram, há pessoas de todas as orientações políticas e
algumas sem política alguma, mas todas irmanadas no propósito de
conservar a razão no meio do caos. E isto é, de fato, a única coisa que
importa neste momento.

Nos próximos dias, através de minha homepage e de e-mails, procurarei


manter os amigos informados do desenrolar dos fatos.

Com meus melhores votos,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/obrigado.htm (2 de 4)16/4/2007 09:48:36


Obrigado

Olavo de Carvalho

PS - Entre centenas de e-mails que me trouxeram o conforto da

solidariedade, um, um só, veio agravar a tristeza e o desgosto que, diante dos

fatos que venho relatando, não posso evitar sentir. Num tom de certeza

inquestionável, o sujeito declarava que eu havia "inventado essa história, um

truque dos mais rasos", e ainda afirmava que meus escritos se compunham de

"xingamentos", nada mais. O lado mais irônico do episódio é que, no meio de

tantas preocupações quanto à minha vida e à dos meus, ainda tive a pachorra

de responder a esse missivista, chegando a trocar com ele uns três ou quatro e-

mails que já iam virando mais uma depois de tantas polêmicas de imprensa.

Foi só aos poucos que me dei conta do desatino em que ia entrando. O cidadão

me surpreendia no momento mais difícil de minha vida, me disparava meia

dúzia de injúrias, me chamava para o mais extemporâneo dos bate-bocas — e

eu, como se tivesse todo o tempo e todo o sossego do mundo, ainda lhe

concedia a honra de uma resposta! Há momentos em que a boa-fé se torna

uma insensatez suicida. Acostumado, como professor e conferencista, a nunca

recusar explicações nem mesmo ao mais estúpido e mal intencionado dos

perguntadores, pois afinal ser professor é investir naquele fundo de

honestidade que se pressupõe existir em todo ser humano, lá ia eu de novo,

como se diz, dando bom-dia a cachorro e chamando gato de "meu tio". De

fato, quando a crueldade mental ultrapassa um certo ponto, ela estonteia de

tal modo sua vítima que esta não se dá conta do que está se passando e cai

numa passividade sonsa que se oferece, indefinidamente, a novos maus tratos.

A malícia, a perversidade, a torpeza de mentalidade necessárias para puxar

http://www.olavodecarvalho.org/textos/obrigado.htm (3 de 4)16/4/2007 09:48:36


Obrigado

naquela hora aquele tipo de duelo verbal eram quase inimagináveis — e, por

isto mesmo, custei a imaginá-las e percebê-las. Quando dei por mim, já havia

perdido horas preciosas dando explicações a quem, no fundo, não as queria

nem um pouco, e tanto não as queria que, sem pedi-las, me havia julgado e

condenado como inventor de minha própria desgraça, sem precisar, para

tanto, de outro fundamento lógico senão sua convicção de que a esquerda

brasileira é boa e eu sou mau. Por uns instantes pensei em reproduzir aqui as

cartinhas infames. Depois examinei melhor o assunto, e julguei que não era o

caso. Para que expor com detalhes a baixeza de quem procurava transformar

um frustrado assassinato físico num bem sucedido assassinato moral? Não,

não vou insistir nisso. Não é preciso nem mesmo dar o nome do remetente.

Ele sabe quem ele é — e não há nada no mundo que possa libertá-lo deste

castigo.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/obrigado.htm (4 de 4)16/4/2007 09:48:36


A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial

A Justiça brasileira perante a Nova Ordem


Mundial

Mensagem enviada por Olavo de Carvalho ao II Encontro Regional da Justiça

do Trabalho da 15ª Região, S. José do Rio Preto, SP.

Impossibilitado de estar fisicamente presente a esse simpósio, atendo ao


gentil convite do TRT de Campinas enviando como representantes,
desde o outro lado do oceano, alguns exemplares dessa espécie de seres,
por natureza, alados e aéreos: as palavras. Num escritor, elas são os
únicos atributos que importam; e talvez, desobstruídas de toda
interferência da minha presença física, acabem me representando
melhor do que eu mesmo. Dito isto, entro no assunto. De tempos em
tempos ouvimos falar que a justiça brasileira está em crise. Crise é um
estado de conflito radical entre os princípios fundamentais e as leis
incumbidas, teoricamente, de realizá-los na esfera prática. Quando uma
sociedade perde de vista os princípios que a inspiram e fundamentam,
as discussões sobre as leis proliferam ilimitadamente, sem que ninguém

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A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial

tenha a certeza íntima e sincera de defender a opinião correta, pois só os


princípios poderiam fundar esta certeza e nessa hora o que falta não são
opiniões, mas justamente os princípios capazes de arbitrá-las. É aí que
cada um procura tanto mais teimosamente persuadir os outros quando
menos persuadido ele próprio se encontra. Ao mesmo tempo, junto com
as opiniões, proliferam as próprias leis, numa tentativa estéril e vã de
ordenar por fora aquilo que por dentro já não é senão fragmentação e
desordem no meio da cegueira geral.

Recentemente, um amigo meu, o advogado Cândido Prunes, me


informou que, só no que concerne a um item específico e limitado — a
alocação de recursos do orçamento federal —, o número de dispositivos
legais já sobe a 5.200, entre leis, decretos, medidas provisórias, etc. etc.
Idêntico florescimento quantitativo observa-se em muitos outros
domínios da legislação, entre os quais é até covardia mencionar o direito
tributário. A multiplicação das normas vigentes tem dois efeitos
bastante óbvios: em primeiro lugar, elas perdem sua força normativa, já
que cada uma é atenuada, mediatizada, desviada e eventualmente, na
prática, até mesmo neutralizada por uma centena de outras. Em
segundo lugar, se considerarmos — para voltar só ao caso do orçamento
— que só raríssimos seres humanos são capazes de decorar 5.200
versos, quanto mais 5.200 normas, a situação assim criada torna nulo e
sem efeito um dos princípios fundamentais, que é aquele segundo o qual
ninguém tem o direito de alegar desconhecimento da lei. Na prática,
ninguém tem mais é a possibilidade de alegar, verossimilmente, o
CONHECIMENTO da lei. Nenhum brasileiro pode hoje, nos atos mais
simples da vida comercial, familiar, funcional, etc., acreditar que sua

http://www.olavodecarvalho.org/textos/justica.htm (2 de 11)16/4/2007 09:48:48


A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial
simples boa-consciência espontânea seja um indicador confiável de que
ele está dentro da lei. Quando as leis se transformam num emaranhado
inabarcável a olho nu, a prudência recomenda que o cidadão esteja
ciente de que a qualquer momento pode estar cometendo alguma
infração sem perceber.

Eis aí um exemplo de conflito radical entre um princípio e as leis que,


teoricamente, deveriam ser o seu prolongamento lógico. Ao contrário do
que acontece no domínio do puro pensamento teórico, onde as
conseqüências derivam das premissas linearmente e sem desvios, no
curso tortuoso da vida histórica acontece que as conseqüências se
voltam contra as premissas e, numa rebelião suicida, revogam seus
próprios fundamentos. Isso é o que se denomina uma crise da justiça.

A expressão "crise da justiça" parece denotar, desde logo, o império da


injustiça. E o império da injustiça, por sua vez, não pode apresentar
outra aparência senão a de um caos sangrento, a luta de todos contra
todos. Será isso o que ocorre no Brasil?

Algo na vida cotidiana de algumas grandes capitais parece confirmar


esse diagnóstico. A atmosfera de medo, brutalidade e desconfiança, o
banditismo triunfante e auto-satisfeito, a insubordinação e corrupção de
tantos funcionários do Estado — tudo isto confirma a veracidade ao
menos parcial do diagnóstico de injustiça generalizada que se associa
espontaneamente à expressão "crise da justiça".

No entanto, quem percorra o interior do Brasil, tanto o campo quanto as


pequenas cidades nas quais se distribui a maior parte da nossa
população, ou mesmo as capitais de província que ainda não entraram

http://www.olavodecarvalho.org/textos/justica.htm (3 de 11)16/4/2007 09:48:48


A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial

em crescimento canceroso e conservam proporções compatíveis com a


escala humana, não encontra nada daquela turva e inquietante
desordem que sacode as capitais maiores. Mesmo nas regiões mais
pobres, onde a desigualdade social mais pronunciada deveria — se a
violência tivesse causas econômicas — produzir os maiores distúrbios, o
que se observa ainda é o mesmo bom e velho povo brasileiro de sempre,
ordeiro, pacífico, sempre mais inclinado a enfrentar suas dificuldades
pelo trabalho e pela oração do que a jogar as culpas sobre outras pessoas
(mesmo quando estas têm de fato uma parcela de culpa nada pequena)
e sempre resistindo, com uma serenidade milagrosa, à tentação da
amargura e do ressentimento.

Em 1997, num debate de que participei em Porto Alegre, defrontei-me


com o sr. João Pedro Stedile, o qual, agitando os braços e elevando a
voz, proclamava existir na área rural brasileira "um estado endêmico de
violência". Com toda a calma, mas sem poder conter de todo o riso ao
menos discreto que a situação me inspirava, apelei ao testemunho do
próprio sr. Stedile, que dizia uma coisa enquanto orador e outra
completamente diversa enquanto escritor. Pois o livro de sua autoria, "A
Questão Agrária no Brasil", do qual, por uma dessas coincidências
providenciais, um exemplar tinha vindo parar às minhas mãos algumas
horas antes do debate, informava que em toda a extensão do campo
brasileiro, onde se concentram mais de 30 por cento da nossa
população, o número de homicídios, ao longo da última década, não
tinha passado de 40 por ano, um número inferior ao registro, não digo
anual, mas mensal, de qualquer delegacia de bairro nas grandes
capitais. O número, se algo provava, era que o campo era ainda, como

http://www.olavodecarvalho.org/textos/justica.htm (4 de 11)16/4/2007 09:48:48


A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial
sempre, a região mais pacífica do Brasil. E esse número seria ainda
reduzido pela metade se líderes apressados como o próprio Sr. Stedile,
incitando e comandando invasões sem sentido nem proveito, não
tivessem precipitado artificialmente situações de ódio que uma
estratégia mais inteligente e mais humana teria evitado, alcançando
com menos dores os objetivos de um movimento que, em si, nada tem
de injusto.

O sr. Stedile não deve ter apreciado muito essas observações, pois,
quando chegou a sua vez de me interpelar, recusou-se a fazê-lo,
bufando, esfregando nervosamente as mãos e alegando que seu
oponente não merecia a honra de ser interrogado, afirmação que
interpretei como sinal de que suas perguntas, se as fizesse, teriam sido
demasiado científicas para os meus parcos recursos intelectivos.

Mas conto esse episódio só para ilustrar que, em plena crise da justiça,
reconhecida e proclamada por todos, o estrato mais profundo da vida
brasileira, a vida do povo brasileiro, permanece obediente a regras
tradicionais de convivência que nem a confusão das leis, nem a
perplexidade dos intelectuais urbanos, nem a brutalidade e a corrupção
das grandes cidades lograram abalar.

Ao dizer isto, acabo de formular um problema. Problema, dizia Ortega y


Gasset, é consciência de uma contradição. Porque o fato é que nós,
homens letrados, professores, jornalistas, doutores, bacharéis, nos
atormentamos diante da crise da justiça, que para nós significa
desorientação e caos, significa não saber o que fazer, significa
perplexidade e dificuldade para discernir o certo e o errado, enquanto
no interior do Brasil os homens iletrados, o povão que com tanta

http://www.olavodecarvalho.org/textos/justica.htm (5 de 11)16/4/2007 09:48:48


A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial

empáfia denominamos ignorante, parece perfeitamente orientado,


perfeitamente sabedor do certo e do errado, perfeitamente capaz de
obedecer quase que por instinto às regras não escritas que
tradicionalmente ordenam as relações entre os homens, os grupos, as
famílias, e permitem que a vida, mesmo no meio de tantas dificuldades
e desventuras, ainda tenha um rosto humano.

A justiça está em crise? Sim, a justiça escrita está em crise. Os papéis


avolumaram-se, os registros acumularam-se, as decisões de tantos
legisladores e intérpretes foram formando uma montanha densa de
enigmas e impossibilidades, até o ponto em que os tribunais inferiores,
não sabendo o que fazer, têm de chutar cada vez mais os problemas para
os escalões superiores e estes, como se fossem deuses, têm de arbitrar o
inarbitrável, inteligir o ininteligível e produzir justiça desde o acúmulo
de injustiças.

A última coisa que eu desejaria ser, hoje, é ministro do Supremo


Tribunal Federal. Contaram-me que cada uma dessas criaturas tem de
examinar, em média, oito processos por dia. Algum de vocês já teve de
tomar na vida uma decisão forçada pela urgência das circunstâncias?
Pois esses senhores tomam uma atrás da outra, incansavelmente,
movidos a comprimidos para não dormir e a enxertos de pontes de
safena. Sim, a justiça dos homens letrados está em crise.

Essa crise, para piorar, não vem só de dentro. De todos os lados, vendo a
justiça vacilar, outros homens letrados perdem a confiança nela e a
atacam, desejando subjugá-la, pedindo que seja submetida a controle
externo — como se o controlador não tivesse de ser em seguida

http://www.olavodecarvalho.org/textos/justica.htm (6 de 11)16/4/2007 09:48:48


A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial

controlado por outro controlador, e este por outro, e assim por diante
infindavelmente, e como se a proliferação dos controles não fosse, por si
própria, a prova mais eloqüente do descontrole do conjunto.

Mas, no meio de tanta celeuma e desorientação geral, olhem em torno.


Não verão um povo descontrolado e possesso, mas um povo tranqüilo e
firme, fiel a normas de senso comum que ninguém lhe ensinou, que
parecem vir espontaneamente do fundo das épocas ou talvez do fundo
da natureza das coisas. Esse povo, que desconhece as leis, parece
conhecer mais profundamente que nós, letrados, os princípios que as
fundamentam. Eles bastam para orientá-lo nas questões básicas da vida,
pelo menos até o ponto em que é necessário recorrer à justiça dos
letrados, porque aí tudo se complica formidavelmente.

Não é de hoje que esses dois Brasis coexistem em camadas separadas e


mutuamente impenetráveis como o óleo e a água: o Brasil da ordem
costumeira, lento, firme, seguro de si, e o Brasil das leis escritas,
nervoso, inquieto, sempre devorando-se a si mesmo em acessos furiosos
de autodestruição em que o proibido se torna obrigatório e o obrigatório
proibido.

Não será precisamente nesse descompasso entre a vida e as leis que


reside a famosa "crise da justiça"?

Nesse caso, a justiça brasileira não está em crise só neste momento. Ela
viveu em crise, pelo menos, desde o século passado.

As leis são obras de gente letrada, e a gente letrada tem o hábito de


olhar menos para o povo iletrado do interior do que para as gentes

http://www.olavodecarvalho.org/textos/justica.htm (7 de 11)16/4/2007 09:48:48


A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial

ainda mais letradas do Exterior. Sim, desejamos acompanhar as


transformações do mundo, temos medo do que vão dizer de nós em
Nova York e Paris, tememos ser chamados de atrasados e caipiras. Por
isto, tão logo alguma nova doutrina surge por lá, nos apressamos a
remoldar por ela todo o conjunto das nossas leis. Nossas constituições,
que se sucedem velozmente, refletem menos a ordem real da nossa vida
do que os ideais da classe letrada, a que o povo permanece
profundamente indiferente. Não as fizemos para expressar o que
realmente somos, para manifestar por escrito os princípios que
governam a nossa vida. Ao contrário: fizemo-las para ser o que não
éramos, fizemos para nos tornar, por obrigação escrita, aquilo que, de
olho num mundo em rápida transformação, as classes letradas
desejavam que fôssemos. Repetidamente, nós, o povo, temos
decepcionado essas grandes esperanças dos reformadores.
Repetidamente temos insistido em ser somente o que somos.

A crise atual da justiça, novamente, sacode as classes letradas sobre o


pano de fundo da indiferença popular, reiterando o descompasso entre
os dois Brasis.

No momento, porém, a crise apresenta um componente novo, ausente


em todas as mudanças anteriores, traumáticas o quanto fossem, com
que procuramos adaptar a um mundo em mudança um povo que quase
sempre insistia em não mudar. É que antes nos limitávamos a copiar,
com admiração e inveja, as novas normas produzidas no Exterior.
Éramos nós, os letrados brasileiros, que íamos no encalço da moda.

Agora, os novos moldes não esperam até que os copiemos. Já não somos

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A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial

nós que os procuramos. São eles que nos procuram, são eles que se
impõem, respaldados em poderes incalculavelmente vastos que decidem
os destinos do mundo e não nos perguntam se concordamos.

As novas normas, os novos valores, as novas leis, os novos critérios vêm


prontos do Exterior e não querem saber nossa opinião. Os nos
adaptamos, ou somos jogados para fora dos trilhos da História, ou ao
menos para fora do mundo economicamente real. Nossa única escolha é
entre a obediência e a exclusão. Eis a justiça brasileira ante a Nova
Ordem Mundial.

Crise da justiça? Esta expressão, como vimos, tem sentido duplo.


Designa, de um lado, a confusão geral entre os doutores, à qual o povo
permanece largamente indiferente, regido, como sempre, por princípios
e costumes que ele não aprendeu com os doutores. Este é o sentido
imediato da expressão "crise da justiça".

Mas, numa escala histórica mais duradoura, ela designa o descompasso


permanente entre a esfera das leis escritas, sempre em mudança para
acompanhar o ritmo do mundo, e a vida do povo brasileiro, que,
assentando-se nos princípios e na autoconfiança da consciência limpa,
não precisa conhecer as leis para agir de maneira correta e sã.

Há duas crises da justiça brasileira: a nova e a velha. A nova reflete a


dificuldade que as classes letradas encontram para criar um aparato
judicial que funcione tão bem quanto se supõe que funcione a justiça de
tal ou qual país dito mais avançado. Essa crise reflete o desejo das
classes letras de lutar contra o arcaísmo, o desejo de entrar na

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A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial

modernidade.

Mas a crise mais velha, o divórcio entre leis e costumes, agrava-se


precisamente na medida em que a classe letrada vai mudando as leis
antes mesmo que o povo tenha se dado conta de que elas existem. Por
isto dizia Euclides da Cunha: "Estamos condenados ao progresso." Sim,
condenados: o progresso, a modernidade, nos vem sempre de fora, de
repente, como um traje apertado que nunca nos cabe direito.

Enquanto esse desajuste consistiu apenas numa diferença de ritmo


entre as classes letradas e o povo, foi sempre possível alguma solução de
compromisso, graças ao gênio brasileiro do meio-termo, da conciliação,
das soluções práticas fundadas num acordo tácito de descumprir as leis
da maneira mais legal possível. Mas agora já não são as nossas classes
letradas que buscam adaptar-se a um modelo estrangeiro admirado e
invejado. Agora é o próprio modelo que chega de repente e nos impõe,
do dia para a noite, as mais bruscas modificações de costumes, de
normas, de leis.

A modernidade bate à nossa porta, não como um portador de boas


novas, mas como um oficial-de-justiça que nos traz uma intimação:
adaptem-se ou morram.

A questão que se coloca para todos nós, nesta hora, é se esta adaptação
supremamente radical e brusca não abrirá até às dimensões de um
abismo intransponível o hiato já existente entre a cultura do nosso povo
e as instituições legais com que as classes letradas procuram revesti-la.
A questão é saber se, para ajustar-nos ao mundo, não nos

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A Justiça brasileira perante a Nova Ordem Mundial

desajustaremos definitivamente de nós mesmos, perdendo, para


sempre, o senso de unidade cultural já tão enfraquecido por tantas
adaptações anteriores. A questão é saber se, para adaptar-nos à Nova
Ordem Mundial, não institucionalizaremos a desordem nacional,
cristalizada no abismo entre a cultura popular e as leis.

A Nova Ordem Mundial, por si — garanto —, não está nem ligando para
esse problema. O que ela quer é obediência, ajuste, concordância,
coerência geométrica de um mundo arquitetado por engenheiros
comportamentais para a maior glória do poder global. Se para tanto for
preciso esmagar aqui e ali um país a mais ou a menos, quem se importa?
O carro da História, dizia Trotski, esmaga as flores do caminho.

Entre o carro e as flores, deixo portanto vocês ante esse enigma, que não
me cabe resolver em seu lugar.

Que cada um, no silêncio da sua intimidade, medite e receba, com a


ajuda de Deus, a inspiração melhor, e que o pensamento de todos acabe
por encontrar o caminho mais afortunado para este país.

Muito obrigado a todos pela sua atenção.

26/08/99

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Medalha do Pacificador

Medalha do Pacificador

Embora eu nunca tenha pacificado coisa nenhuma e tenha antes


passado os últimos anos a arranjar encrenca em cima de encrenca, o
Exército Brasileiro, representado pelo Comando Militar do Leste, me
conferiu no dia 25 de agosto —Dia do Soldado — a Medalha do
Pacificador.

Habitualmente indiferente a aplausos e homenagens, estou


profundamente comovido com essa honra que a força terrestre me
concedeu, pois, numa nação onde todas as instituições vêm se
desmoralizando rapidamente, entre volúpias de autodestruição
masoquista, o Exército brasileiro tem conservado bem alta a sua
dignidade que, pensando bem, é a dignidade de todos nós.

Quando assumi a defesa dessa dignidade contra os ataques que lhe


desferiam uns sujeitos levianos e hipócritas, sempre soube que estes me
chamariam de reacionário, direitista, servo do imperialismo, etc. Pois

http://www.olavodecarvalho.org/textos/pacifica.htm (1 de 3)16/4/2007 09:48:59


Medalha do Pacificador

servos do imperialismo são eles, que, corroendo incessantemente a


honra do Exército Nacional a pretexto de vingar ofensas praticadas por
meia dúzia de oficiais trinta anos atrás, acabam por colaborar
servilmente com o projeto da Nova Ordem Mundial de desmontar as
Forças Armadas da América Latina e transformá-las em polícias a
serviço do neodespotismo globalista, do feroz monopolismo que se
arroga — valha-nos Deus! — o prestígio do nome "liberal". E a Nova
Ordem bem lhes retribui, fazendo chover sobre suas organizações e
partidos toda sorte de prêmios, incentivos, estipêndios e subsídios. Foi
preciso que esta nação descesse ao fundo mais obscuro da cegueira
moral para que indivíduos a soldo de potências estrangeiras tivessem o
desplante de chamar de servo do imperialismo um defensor da
integridade nacional. É, definitivamente, o reino da Novilíngua.

Mas com os militares ainda se pode falar o português claro e dizer, sem
medo de represálias lingüísticas, que dois mais dois são quatro, que as
vacas dão leite e as galinhas botam ovos, que imperialismo é
imperialismo e Brasil é Brasil.

Estou cansado da lenga-lenga antimilitar que, nos círculos intelectuais,


sempre foi emblema de bom-mocismo e sinal convencional da pretensa
superioridade metafísica da gente de toga sobre a gente de farda. Nos
últimos anos, só entre homens fardados encontrei interlocutores
sensíveis, inteligentes, informados, capazes de perceber as sutilezas da
presente situação do Brasil no mundo, as quais escapam, no entanto,
àqueles doutores que por seu ofício teriam a obrigação de ser os
primeiros a percebê-las. É que esses doutores se esclerosaram e
mumificaram no culto idolátrico do seu próprio passado, se debilitaram

http://www.olavodecarvalho.org/textos/pacifica.htm (2 de 3)16/4/2007 09:48:59


Medalha do Pacificador

na nostalgia de utopias onde já nem se distingue o cheiro do bolor e o do


sangue, se corromperam até à completa paralisia intelectual no vício
deprimente do ressentimento e do revanchismo, enquanto os militares,
com devoção sincera, se renovavam, estudavam, pensavam, discutiam e
zelavam pelo futuro do Brasil. Foi assim que a toga virou mortalha da
inteligência e os homens de farda assumiram as responsabilidades da
classe intelectual moribunda.

Estou, portanto, muito orgulhoso e profundamente comovido por ter


sido objeto dessa atenção carinhosa que o Exército Brasileiro me
devotou.

Que Deus lhes retribua, meus irmãos.

Olavo de Carvalho

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Meira Penna, psicólogo social

Meira Penna, psicólogo social


Comunicação enviada por Olavo de Carvalho ao simpósio do Instituto Liberal

(Londrina, 12 de setembro de 1989) em homenagem ao embaixador José

Osvaldo de Meira Penna.

Lamento não poder estar presente para ajudar pessoalmente a purgar


esse medonho pecado da inteligência nacional, que é o desinteresse
geral pela obra notabilíssima de José Osvaldo de Meira Penna. Lamento-
o, sobretudo, justamente porque, de todos os aspectos dessa obra rica e
multilateral, o mais digno de nota, pela originalidade e pioneirismo, é
justamente este que me caberia examinar nesse simpósio. Meira Penna
repórter e viajante ("Xangai"), Meira Penna filósofo político ("Ideologias
do Século XX"), Meira Penna historiador das idéias ("O Espírito das
Revoluções"), Meira Penna sociólogo da burocracia brasileira ("O
Dinossauro"), são apenas algumas facetas desse espírito poliédrico que,
do ponto de vista da expressão literária, deve ser colocado, sem
hesitação, entre os nossos melhores escritores. Mas é sobretudo como
psicólogo social que ele fez algo cuja importância nenhum brasileiro

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpenna.htm (1 de 8)16/4/2007 09:49:13


Meira Penna, psicólogo social

consciente pode ignorar, o que significa que, se muitos o ignoram, é


porque estão menos conscientes do que se imaginam. Esse déficit de
consciência, que todos no fundo sentem, encontra um falso alívio, de
tempos em tempos, em manifestações de rebeldia, mas meramente
teatrais, passivas e doentes, pois se esgotam no mero protesto e, tendo
protestado, já crêem ter feito o melhor que podiam. Sonhar que acorda é
a melhor maneira de o preguiçoso enganar o despertador.

Os estudos sociais, no Brasil, começaram, no século passado, sob o


patrocínio do positivismo, do evolucionismo e do materialismo em
geral. O marxismo, que veio a dominá-los no século XX e que ainda é a
clave dominante do debate social brasileiro, é digno herdeiro e
continuador dessas escolas. Sua influencia vai bem além do círculo dos
marxistas "ex professo" e domina, por sua influencia residual quase
hipnótica, até mesmo boa parte do pensamento que se imagina ou se
pretende mais hostil ao comunismo. Domina, é claro, menos pelo
influxo positivo do que, negativamente, pelas limitações e viseiras que
impõe, como tabiques, ao olhar do investigador.

O mais espesso desses tabiques é aquele preceito metodológico que,


ordenando começar o exame da sociedade humana pelos seus
fundamentos econômicos e tentar explicar por estes as manifestações --
ditas "superestruturais" -- da política, da religião, da moral e da cultura,
acaba por confundir o cardápio com a comida e por persuadir-se, de
maneira preguiçosa e semiconsciente, de que a sociedade efetivamente é
assim e assim funciona: do econômico para cima. E como o trajeto da
base econômica, isto é, do econômico supostamente básico, até as mais
etéreas construções do pensamento abstrato pode ser bem longo,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpenna.htm (2 de 8)16/4/2007 09:49:13


Meira Penna, psicólogo social

tortuoso e cheio de hiatos, a dificuldade mesma de percorrê-lo acaba


por fazer com que todas as atenções dos estudiosos se gastem nesse
esforço -- e o resultado final é que todos se transformam, mesmo a
contragosto, em remendadores do marxismo. Numa comédia com
Walther Mathau e Jack Lemmon, inspirada numa peça de grande
sucesso na Broadway, "A Primeira Página", um dos personagens, tendo
levado um tiro nos testículos, se torna famoso e rico como escritor
graças ao sucesso do seu livro "As Delícias da Impotência". O sucesso do
marxismo é precisamente desse tipo: a impossibilidade de produzir com
base nele uma descrição adequada da sociedade faz com que as
tentativas se renovem indefinidamente, com o que, se nenhum
resultado válido se obtém do ponto de vista científico, ao menos algo se
ganha do ponto de vista editorial e político, pois o marxismo acaba se
tornando, no fim das contas, o único assunto dos cientistas sociais. E
qualquer cientista social acusado de marxista fanático pode enfim
responder: Sou, mas quem não é?

Para sair disso, de nada adianta combater o marxismo, ao menos no


campo da ciência social. Todo argumento alegado contra o marxismo
busca provar, antes de tudo, a falácia da sua argumentação econômica,
e, no esforço de deduzir dessa prova uma nova visão da sociedade
humana, o que se consegue é apenas construir um edifício similar ao
marxismo, no qual a base econômica, ou pelo menos a discussão dela, é
o fundamento de tudo o mais. É óbvio que esse tipo de argumentação
pode ser em seguida facilmente absorvido e integrado no marxismo
mesmo, mui dialeticamente. Contribui para tanto, de maneira ainda
mais alucinante, a mania nacional de economia. Com a mediocrização

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpenna.htm (3 de 8)16/4/2007 09:49:13


Meira Penna, psicólogo social

da cultura, todas as discussões se tornam políticas e, com a


mediocrização da política, todas as discussões se concentram na
economia. As páginas de economia, que no meu tempo de jornalista
econômico ninguém lia, tornaram-se desde a década de 80 a seção
nobre dos jornais, monopolizando pelo menos metade das manchetes a
cada ano. Com isto, torna-se incoercível a tendência generalizada para
fazer girar em torno do econômico o que possa restar de discussões
políticas, culturais, morais, etc. Enfim, o sujeito mesmo que do alto dos
escombros do muro de Berlim declara que o marxismo está falecido
acaba, ele próprio, por demonstrar a vitalidade do defunto, ao apelar a
argumentos econômicos para explicar a queda do comunismo. Pelo
menos no que diz respeito ao economicismo, o marxismo está vivo e
bem vivo, no mínimo como um defunto que, assumindo a forma sutil de
fantasma, se assenhoreasse do corpo do seu próprio coveiro para nele
sobreviver na condição de parasita invisível.

Para escapar do íncubo marxista, não basta falar mal dele. É preciso,
decididamente, tomar outra direção, contornar as discussões sem fim
sobre as bases econômicas da História, experimentar olhar a sociedade
humana por outras claves e demonstrar que estas são mais eficazes e
dotadas de maior força explicativa.

Pouquíssimos estudiosos brasileiros se aventuram nessa direção. E,


dentre os que o fizeram, a maioria, por timidez ou obediência residual
ao fantasma da autoridade científica marxista, acaba voltando sempre
ao mesmo vocabulário -- as classes sociais, os meios de produção, etc.
etc. etc. --, isto quando não regridem mais ainda, apelando a conceitos
da ciência materialista pré-marxista e falando em raças, em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpenna.htm (4 de 8)16/4/2007 09:49:13


Meira Penna, psicólogo social

hereditariedade, em condicionamento geográfico e assim por diante.

Não escapam totalmente dessa derrota regressiva nem mesmo um


Oliveira Vianna, um Gilberto Freyre, um Raymundo Faoro, um José
Honório Rodrigues, isto para não falar da legião de estudiosos de
segundo plano que superlotam um país que é, pelos meus cálculos, o
recordista mundial de cientistas sociais "per capita".

Dos muitos livros que li sobre o Brasil, só uns poucos ousavam buscar
chaves explicativas totalmente diferentes, irredutíveis a todo
cientificismo materialista e a todo marxismo residual. Um foi "O
Patriarca e o Bacharel", de Luís Martins, que estudava certas condutas
típicas da nossa classe dominante a luz da psicanálise ortodoxa. Mas,
depois de Herbert Marcuse, tornou-se fácil reintegrar na vulgata
marxista qualquer diagnóstico psicossocial freudiano, e com isto o livro
de Luís Martins perdeu o veneno. Outro foi "Desenvolvimento e
Cultura", de Mário Vieira de Mello, que, abordando o esteticismo
congênito da nossa cultura letrada, herdado de Rousseau e
Schopenhauer, acabava por encontrar para certas constantes da vida
nacional explicações bem mais sólidas e razoáveis do se poderiam
encontrar em qualquer neomarxismo consciente ou inconsciente, seja
uspiano, puquiano, isebiano ou o escambau. Mas Vieira de Mello não
voltou ao assunto. Derivou para temas doutrinais de filosofia política, e
o veio aberto pela sua sondagem da nossa psicologia nacional
permaneceu inexplorado. Só quem ousou abrir um novo caminho e
percorrê-lo, com notável teimosia, até consolidar certos resultados na
forma de uma visão integral da sociedade brasileira, foi José Osvaldo de
Meira Penna.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpenna.htm (5 de 8)16/4/2007 09:49:13


Meira Penna, psicólogo social

Seus livros "Psicologia do Subdesenvolvimento" e "Em Berço


Esplendido", embora construídos de ensaios independentes, acabam
por constituir uma abordagem metódica e integral da nossa sociedade
desde o ponto de vista da psicologia junguiana, isto é, desde um ponto
de vista que nem deve o que quer que seja a tradição marxista e
materialista dos nossos estudos sociais, nem pode ser reduzido aos
pressupostos dessa tradição por nenhum procedimento lógico
imaginável. Se Meira Penna não pode ser engolido no ventre do bicho-
papão universitário, não é apenas porque desagrada ao paladar desse
gordo animal que nada rejeita, tudo absorve e tudo transforma em
marxismo. É porque ele é, de fato, um corpo estranho. É porque não
existe nenhuma operação intelectual, por mais engenhosa, que possa
reduzir a vulgata acadêmica brasileira uma visão da sociedade brasileira
que começa por enfocá-la não desde o PNB ou desde a distribuição da
propriedade territorial, mas -- com o perdão da palavra -- desde a alma.

Quando digo abordagem metódica e integral estou dizendo que, nesses


estudos, a metodologia é explícita e sua aplicação se estende a
praticamente todos os aspectos mais salientes da vida nacional, desde a
administração pública até o convívio familiar e os sentimentos íntimos,
tudo sistematicamente ordenado segundo os conceitos e categorias da
escola junguiana, que Meira Penna domina, segundo me parece, melhor
do que qualquer psicólogo de ofício neste país.

Mas, quando digo escola, é preciso ver que o faço "cum grano salis". A
escola junguiana pode ser acusada de tudo (e eu próprio a acuso de
muitas coisas), menos do rígido ortodoxismo que se imputa, com razão,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpenna.htm (6 de 8)16/4/2007 09:49:13


Meira Penna, psicólogo social

à psicanálise freudiana. Pela própria ordem e seqüência que Carl-Gustav


Jung impôs ao seu trajeto de investigador -- ou antes, que lhe foi
imposta pela experiência da vida --, a auto-realização do eu consciente
entra aí como o centro e a chave da visão da sociedade e do mundo, o
que significa que, com a variedade inesgotável das evoluções
individuais, novas e novas formas de investigação se tornam possíveis,
tornando a influencia junguiana uma espécie de "spray" disseminado
invisivelmente no ar e assumindo mil formas, de modo bem diferente da
marcha monolítica das bem disciplinadas legiões freudianas. Daí que,
na aplicação das descobertas de Jung ao estudo da vida social ou do que
quer que seja, a margem de originalidade possível é bem ampla. No caso
de Meira Penna, essa originalidade provém sobretudo de que, não sendo
somente um psicólogo social junguiano, mas também um profundo
doutrinário e polemista liberal, ele produziu uma síntese pessoalíssima
da visão arquetipal junguiana da sociedade com a sua própria
abordagem de certos fenômenos brasileiros observados desde o ponto
de vista de uma crítica liberal, como o burocratismo estatal, o
juridicismo desvairado, a ilegalidade consentida, etc. etc.

Se eu estivesse fisicamente presente nesse simpósio, não resistiria à


tentação de descrever com mais detalhes o resultado dessa abordagem
-- um misto de junguismo, filosofia liberal e tropicologia que é uma das
visões mais esclarecedoras, consistentes, humanas e interessantes que
alguém já produziu sobre a nossa vida e o nosso país.

À distância, e por escrito, não posso senão repetir que nenhum


brasileiro consciente pode ignorar essa visão. A "Psicologia do
Desenvolvimento" e "Em Berço Esplendido" são um duplo toque do

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpenna.htm (7 de 8)16/4/2007 09:49:13


Meira Penna, psicólogo social

despertador. Eles não deixam você fingir que acorda. Eles sacodem você
da cama e, em vez de apenas sonhar com alternativas ao marxismo,
provam o movimento andando.

Se Meira Penna não houvesse escrito mais nada, só com esses dois livros
ele já estaria colocado num posto bem alto no panteão de clássicos dos
estudos brasileiros. Que poucos tenham percebido que ele já está lá faz
tempo, é algo que em nada depõe contra ele. Depõe é contra os muitos,
que, para variar, não sabem o que estão perdendo. Quanto a vocês, aqui
reunidos, os "happy few", o seleto fã-clube de Meira Penna,
cumprimento-os pelo seu discernimento e bom gosto, o que no fim das
contas, me desculpem, é cumprimentar a mim mesmo, que há décadas
sou sócio-atleta desta bem-aventurada confraria.

Muito obrigado pela sua atenção.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpenna.htm (8 de 8)16/4/2007 09:49:13


Jornalismo e verdade

Jornalismo e verdade

Entrevista a um grupo de estudantes da PUC-Minas

Sr. Olavo de Carvalho,

Somos alunos de Jornalismo da PUC-Minas. Estamos nos formando no


final deste ano e conforme exigido pela universidade, estamos
realizando uma pesquisa acadêmica sobre a objetividade no
jornalismo impresso. O titulo da monografia e "Objetividade
Jornalística: Um Conceito Subjetivo".

Como parte deste trabalho, temos entrevistado vários profissionais de


imprensa. Se fosse possível, gostaríamos que o Sr. colaborasse
respondendo as questões a seguir:

Desde já agradecemos e aguardamos sua resposta

Adrilles Jorge, Rodrigo Morais e Leonardo Martins

http://www.olavodecarvalho.org/textos/jornalismo.htm (1 de 6)16/4/2007 09:49:30


Jornalismo e verdade

Respostas de Olavo de Carvalho

1) Quais as principais conseqüências, positivas e negativas, da


influencia do jornalismo americano e seus conceitos de objetividade e
imparcialidade na imprensa brasileira?

A suposição de que a realidade possa ser picotada em "fatos" e de que


estes possam ser expressos numa linguagem padronizada não está
presente só no jornalismo americano. Há no mundo anglo-saxônico
toda uma tradição filosófica que pensa assim e cujo peso na formação
das normas jornalísticas vigentes é geralmente negligenciado pelos
estudiosos de jornalismo. "O mundo é o conjunto dos fatos. Fatos são
alterações de um estado de coisas." Estas palavras poderiam constar de
qualquer manual de jornalismo, mas são o começo do "Tractatus" de
Ludwig Wittgenstein. O dano que esta obra trouxe à inteligência
mundial é incalculável. As viseiras mentais que o molde jornalístico
americano impõe a leitores e profissionais são apenas uma parcela
ínfima da herança mórbida da escola de Wittgenstein e Russel.

2) A objetividade jornalística e uma utopia ou uma realidade possível?

A objetividade é sempre possível. O que não é possível é garanti-la


mediante regrinhas e norminhas padronizadas. A objetividade é, em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/jornalismo.htm (2 de 6)16/4/2007 09:49:30


Jornalismo e verdade

última análise, humildade perante o real – a humildade da inteligência.


É talvez a mais difícil das virtudes. Não é coisa que se conquiste sem
uma ascese interior, dificilmente acessível a pessoas que, como os
jornalistas, vivem num meio antes propenso à tagarelice do que à
reflexão. A probabilidade de que a massa dos jornalistas alcance essas
alturas é a mesma de que todos os homens do mundo se tornem
virtuosos por força das normas legais. Em geral, o conceito padronizado
de objetividade é justamente um refúgio contra a necessidade de um
esforço pessoal de descoberta e admissão da verdade.

3) A imprensa atual pratica a objetividade jornalística?

No sentido redutivo do termo, sim. Mas no sentido forte da palavra


objetividade, não.

4) A quem interessa a hegemonia deste tipo de jornalismo (dito


objetivo e imparcial) preconizado atualmente?

Há dois grupos de interesse que hoje partilham quase sem conflitos, por
um acordo de cavalheiros, o domínio sobre o jornalismo nacional: os
donos das empresas e os grupos políticos que fazem a cabeça da classe
jornalística. Os primeiros entendem jornais e revistas como produtos,
que devem atender à demanda do mercado. Os segundos entendem-nos
como meios de criar ressentimento e ódio no povo para produzir uma
revolução e tomar o poder. Na perspectiva dos primeiros, objetividade

http://www.olavodecarvalho.org/textos/jornalismo.htm (3 de 6)16/4/2007 09:49:30


Jornalismo e verdade

significa dar igual tratamento à verdade e ao erro, de modo que o leitor


se torne incapaz de distingui-los. Na dos segundos, consiste em jogar a
culpa de tudo sobre alvos previamente selecionados, destinados a
perecer como bodes expiatórios numa futura carnificina redentora.
Misture essas duas coisas, em doses equilibradas, e terá a fórmula do
jornalismo brasileiro atual: a perfeita mistura da amoralidade com o
falso moralismo.

5) Na sua opinião, quais veículos impressos atualmente fogem a essa


regra do jornalismo dito objetivo?

Que los hay, los hay. Mas não vou citar nomes.

6) No que se refere a estruturação de linguagem, o jornalismo mantém


estreitas relações com outras áreas do conhecimento, tais como a
economia, a literatura, a ciência, etc. E possível manter a objetividade
adequando essas outras linguagens – nem sempre objetivas – ao
padrão de linguagem jornalístico?

É sempre possível converter uma linguagem especializada numa


linguagem geral, mas com isto se perde a virtude máxima da
terminologia técnica, que é a brevidade, e se torna necessário fazer
textos mais longos. Como o jornalismo atual, paradoxalmente, tende a
exigir textos tanto mais curtos quanto mais aumenta o número de
páginas dos jornais e revistas, o resultado é que a conversão do

http://www.olavodecarvalho.org/textos/jornalismo.htm (4 de 6)16/4/2007 09:49:30


Jornalismo e verdade

especializado no geral se faz de maneira estereotipada e falsa, mediante


a adoção de cacoetes verbais cuja repetição contínua e cuja aparente
simplicidade produzem no leitor uma ilusão de compreensão.

7) A crescente despersonalização do jornalismo não seria mais útil a


própria empresa jornalística, posto que, com uma liberdade
diferenciada do que hoje existe para o jornalista escrever (exceção feita
aos colunistas), poderíamos criar um publico especifico do jornalista e
ano do jornal?

A despersonalização do jornalismo é útil aos senhores da imprensa,


mas, como expliquei, há dois grupos de senhores e não um só. Há de um
lado os proprietários, de outro os mentores políticos. Ambos lucram
com a despersonalização: os primeiros conseguem assim definir melhor
o "perfil do produto", tornando o jornal uma coisa tão fixa e repetível
quanto uma embalagem de sabonete; os segundos conseguem dar às
opiniões do seu grupo um ar de impessoalidade que as faz passar por
convicções gerais da sociedade. "Tutto è burla nel mondo", concluía o
Falstaff de Verdi.

8) Não ha uma evidente contradição na apologia que se faz ao


discurso da objetividade jornalística, sendo que esse mesmo discurso e
sustentado por regras e enunciados subjetivos, ou seja, regras
produzidas pela própria mídia?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/jornalismo.htm (5 de 6)16/4/2007 09:49:30


Jornalismo e verdade

Há sim. Isto já está dito na resposta a uma pergunta anterior.

9) A delimitação do espaço e o molde preestabelecido da enunciação da


noticia não são fatores que podem superficializar os assuntos tratados
e, por conseguinte, prejudicar a chamada "objetividade jornalística"?

Sem a menor sombra de dúvida.

10) Qual seria o modelo de jornalismo ideal?

Cada um tem o seu ideal, e o jornalismo ideal seria aquele que desse
campo livre à pluralidade de ideais, portanto à variedade das formas
também. Se eu fosse dirigir um jornal, me inspiraria na divisa do "Pif-
Paf" de Millôr Fernandes – "Enfim, um escritor sem estilo" – e
estamparia logo na primeira página: "Enfim, um jornal sem linha
editorial."

17/10/99

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Quatro palermas

Quatro palermas

Carta à revista Educação

No Brasil de hoje não se discutem doutrinas, opiniões, coisas e fatos,


mas pessoas. A linha de fronteira entre as correntes em debate é gostar
ou não gostar do fulaninho.

A atividade pensante, nessa atmosfera, reduz-se à mútua esfregação dos


egos – asinum asinus fricat –, e a enfezadas manifestações de
repugnância coletiva aos que, por falta de tempo ou de interesse, não
desejem participar desses jogos de masturbação recíproca em que tanto
se comprazem as pessoas maravilhosas.

Infelizmente, como o número de envolvidos dessa atividade lúdica é


demasiado grande para que todos as epidermes possam se tocar
diretamente, a maioria anônima tem de se restringir a uma forma

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Quatro palermas

oblíqua e simbólica de participação, contentando-se com esfregar, à


distância, as imagens midiáticas dos jogadores. A disputa entre os
blocos de fãs de Marlene e de Emilinha Borba, nos anos 50, marcou
para sempre o perfil da nossa fisionomia cultural, tornando-se o
arquétipo dos debates filosóficos no país do bunda-lê-lê.

As reações de alguns leitores à minha entrevista em Educação seguem


rigorosamente essa linha. Não discutem, aliás nem mencionam,
qualquer de minhas opiniões sobre educação. Mas como, de passagem,
eu mencionasse o sr. Paulo Freire à guisa de exemplo de alguma coisa
que vinha dizendo, quatro palermas se encresparam, agarraram-se ao
nome do personagem para fazer dele o centro da discussão e, em bloco,
como convém a foliões, saíram gritando: Ele não gosta de Paulo Freire?
Que canalha! Tem de gostar! Tem de gostar!

No seu empenho belicoso, empregaram fartamente todo o erudito


arsenal do ouvir-dizer, que naquele tempo tinha por fonte bibliográfica
a Revista do Rádio e hoje a Rede Globo de Televisão.

Um deles, cuja carta, certamente em razão de sua relevância intelectual,


saiu em formato de artigo, escreve uma página inteira contra O Imbecil
Coletivo, só para no fim admitir que não o leu. Na página seguinte,
oferece como prova de que Alberto da Cunha Melo, Gerardo Melo
Mourão e Bruno Tolentino não podem ser grandes poetas o fato,
certamente incontestável, de que também não os leu. Desejando
pronunciar-se a favor de Paulo Freire, nada diz em defesa de suas
doutrinas e práticas – para o que teria sido preciso conhecê-las, o que já
seria exigir demais –, porém alega algo de mais decisivo: o tamanho do

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Quatro palermas

seu fã-clube. Tal é, de fato, o critério supremo de arbitragem nos


programas de auditório.

Já contra minha afirmação de que a esquerda é hegemônica na Rede


Globo, o referido articulista recorre a um modus arguendi ainda mais
irrefutável. Fulmina-a pondo as mãos nas ancas, franzindo o narizinho
com ar de desdém e deixando cair dos lábios em bico a sentença
implacável com que as empregadinhas, do alto de seus tamancos,
provam sua infinita superioridade ante os soldadinhos da PM: "Ah, é,
mano?" E sai rebolando, todo vitorioso. Quem, com efeito, ousaria
contestar tal argumento? Longe de mim tamanha pretensão.

Um outro, com ar de paternal sapiência, concede que "nem todas" as


minhas opiniões são descartáveis, com o que logra obter infalivelmente
o efeito desejado: dar à platéia a impressão de que as conhece todas,
pintar com o pouco que ouviu dizer a imagem de um saber direto, vasto
e notório, posar como o grande crítico que já absorveu e superou o
pensamento de Olavo de Carvalho.

Não é preciso dizer que este também sai todo contente, como se tivesse
feito realmente alguma coisa, remirando-se deleitosamente no espelho
que lhe serve de consciência e pronunciando sobre si mesmo o juízo de
consagração definitiva: "Mãe, olha eu.!"

Um terceiro, com ar misterioso, assegura que a expressão "o imbecil


coletivo" é um erro de concordância, sonegando porém aos leitores
profanos os fundamentos sintáticos de tão profunda assertiva, hauridos
decerto numa ciência gramatical destinada, por uma cláusula pétrea da

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Quatro palermas

regra iniciática, a permanecer secreta para todo o sempre. Feito isto,


nada mais disse nem lhe foi perguntado.

Do último, nada tenho a comentar, exceto que desfere contra mim a


pergunta fulminante: "QUEM É Olavo de Carvalho?". Sim, porque no
debate intelectual brasileiro o argumento decisivo em todos os domínios
do conhecimento é – como diria Léon Bloy – ser aquilo que se
convencionou chamar de "alguém". Quem exige do interlocutor suas
credenciais de "alguém" prova, automaticamente, que se trata de um
"ninguém" e que ele próprio, por seu lado, é indiscutivelmente
"alguém". Diante da firmeza do interrogante e da mudez do interrogado,
o ouvinte fica inibido de admitir para si mesmo que desconhece a
ambos, e, para não passar vergonha ante os circunstantes (que também
ignoram tudo do caso mas que ele imagina estarem informadíssimos),
sai proclamando que o primeiro – ora, quem é que não sabe? – é pessoa
universalmente conhecida.

Assim, pois, nada respondo, e deixo ao missivista o desfrute das


agradáveis sensações decorrentes de fazer-se passar por "alguém",
lamentando apenas que sejam tão fugazes. Nem tudo é perfeito. Mas
resta sempre a esperança: ainda há de se inventar um modo de
prolongar esse orgasminho.

25/10/99

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Quatro palermas

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O bicho-síntese

O bicho-síntese

Publicado em Bravo!, out. 99

James Bryce, no fim do século passado, observou que para a elite


brasileira as palavras eram mais reais do que as coisas. Transcorrido um
século da visita do diplomata inglês, temos de admitir que o verbalismo
assinalado por ele não é apenas o hábito de um grupo social localizado.
O culto das palavras, uma hipersensibilidade às harmonias sonoras que
chega a distrair do curso do pensamento, a idolatria da técnica verbal
vista como o supremo sinal de inteligência a despeito do conteúdo ralo
ou nenhum são constantes da mentalidade brasileira, independentes
dos grupos e classes, das épocas e situações.

Quem hoje em dia assista na televisão a entrevistas de intelectuais e


políticos se surpreenderá -- caso não esteja ele próprio contaminado ao
ponto de não notar nisto nada de anormal -- com o fato de que seja
possível criar tantas opiniões com tão poucas idéias. Mais

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O bicho-síntese

surpreendente ainda é a capacidade que essas criaturas têm de


reproduzir os mais tontos lugares-comuns com a fisionomia
concentrada de um pensador que impusesse a seu cérebro as provações
dolorosas de uma sondagem intelectual profundíssima. Abaixando o
volume e contemplando esses senhores na pureza da sua expressão
visível, diríamos que cada um deles é um Leibniz a enunciar as sutilezas
do cálculo infinitesimal ou um Swedenborg a surpreender os incrédulos
com a descrição dos mundos celestes. Aumentamos o volume, e
percebemos que estão apenas falando mal ou bem do governo. Um dia
vi na TV Cultura o sapientíssimo Paulo Freire. Tinha o cenho franzido,
as mãos em garra, o olhar fixo na distância como quem divisasse no
horizonte uma verdade longamente buscada. Tudo isso para soltar esta
jóia: "Devemos ser tolerantes -- mas não com os nossos inimigos".
Mesmo ouvida com a maior boa vontade, essa frase nada mais significa
senão que devemos chamar a intolerância de tolerância.

O que mais impressiona nesse fenômeno é a precisão, a arte, mesmo,


com que no Brasil quem não tem nada a dizer sabe imitar, na entonação
das frases e no suporte gestual, o estilo dos sábios e profetas.

Um sintoma característico é o modo nacional de ler poesia. O teste


decisivo do valor poético é a paráfrase em prosa, a explicitação do
sentido (ou sentidos) do verso. Um só verso deve conter muitas
sentenças em prosa, compactadas na unidade indissolúvel de música e
significado. "Life is but a walking shadow" ou "Transforma-se o amador
na coisa amada" contêm filosofias inteiras. Um público universitário
não poderia prosternar-se de adoração devota ante um verso como
"Amor morto motor da saudade", se notasse que significa apenas que o

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O bicho-síntese

poeta sente falta de sua ex-namorada -- e, pior ainda, se percebesse que


um sentimento banal não se torna mais valioso por vir empacotado na
aliteração tô-tô-mô-mô. Portanto ele evita notar isto. Contorna a
questão do valor poético recusando-se a fazer a paráfrase
desmistificadora e, para sustentar a ilusão, atribui à poesia o estatuto de
um mistério excelso que não deve ser profanado pelo exame racional --
sendo a palavra "racional", aí, pronunciada em tom de infinito desprezo.
O puro jogo sonoro, a coceirinha nos ouvidos, torna-se o emblema de
uma ciência secreta, inacessível ao comum dos mortais. A mistificação
nada pode sem a ajuda da automistificação.

Diante de semelhante fenômeno, um observador severo e isento


diagnosticaria na classe letrada nacional um caso de psitacismo
endêmico. Erraria, no entanto. A habilidade dos psitacídeos esgota-se
no mimetismo sonoro, ao passo que o fato aqui mencionado comporta
igualmente uma essencial componente muscular e gestual, sobretudo no
que concerne à reprodução das expressões mais finas do rosto humano.
Isto não há papagaio que faça. Para chegar a tanto, é preciso acrescentar
às potências vocais dessa ave a desenvoltura cênica e malabarística do
outro animal emblemático da fauna mental brasileira: o macaco. Sim, a
arte nacional da imitação é tão rica, que não pode ser simbolizada por
um animal só, mas exige um bicho composto, macaco e papagaio ao
mesmo tempo: o papaco ou macagaio, também chamado papamaco,
pacagaio ou mapapaco. O nome pode variar tanto quanto as
manifestações onímodas da criatura mesma. Deixo-o aos cuidados dos
cultores de combinações sonoras não substancialmente mais lindas que
tô-tô-mô-mô, e resumo meu argumento declarando que, qualquer que

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O bicho-síntese

seja o caso, o sentido da maior parte dos ditos e escritos em circulação


no país só pode ser apreendido mediante um conceito que sintetize,
num termo único, macaquice e papagaiada.

08/09/99

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História e Ilusão

História e Ilusão
Olavo de Carvalho

Países como o Brasil, a Romênia, a Polônia, a Bulgária, sofrem de um


terrível complexo de marginalidade porque sentem que foram excluídos
da História. Olham com inveja para os "grandes centros" de onde vêm
as correntes de acontecimentos e idéias, e choram ao contemplar sua
própria insignificância.

Mas a "importância histórica" é quase sempre apenas uma ilusão


lisonjeira, que nada tem a ver com a relevância objetiva dos homens,
dos atos e das doutrinas. Afinal, o que é ser importante, historicamente?
É ser falado e servir de pretexto, por meio do que se fala, à produção de
mais falatórios e mais acontecimentos. Na quase totalidade dos casos, a
soma destas pretensas conseqüências, em vez de pôr em evidência a sua
suposta causa, termina por encobri-la e desfigurá-la completamente, até
transformá-la em algo completamente diferente daquilo que foi e obrigá-
la a servir a finalidades diversas ou opostas àquelas que originariamente

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História e Ilusão

as inspiraram. Se os fatos e idéias de uma época chegam a subsistir na


época seguinte, não é em geral como forças agentes que produzem os
efeitos que lhes são próprios, como a semente de maçã produz macieiras
e os ovos de galinhas trazem ao mundo novas galinhas e não patos, mas
sim como mitos que servem de pretexto à produção de efeitos
completamente estranhos à sua natureza originária. Cada época serve-
se do passado como de uma criada de cama e mesa, aproveitando-se
dela para suas próprias finalidades, com o descaramento do grão-
senhor que se deleita no corpo da escrava sem ter na mais mínima conta
os desejos da sua alma.

O exemplo mais característico é a Revolução Francesa. O que, dela, mais


veio a exercer influência sobre o mundo não foram os fatos ou idéias dos
quais ela se constituiu efetivamente, mas um mito criado a posteriori
por Karl Marx, o modelo denominado "revolução burguesa". De acordo
com este modelo, o crescimento da economia capitalista no Ancien
Régime foi de tal monta, que exigiu uma reestruturação geral do
sistema de propriedade e, conseqüentemente, a mudança da ordem
jurídica; os aristocratas reagiram à mudança necessária e, em
decorrência, foram para a guilhotina, inaugurando-se então a época
burguesa. Em parte por sua elegância geométrica, em parte por dar ao
movimento socialista o pretexto ideal para que se apresentasse como o
inevitável capítulo seguinte da história, esse esquema entrou no
vocabulário corrente das discussões políticas, foi absorvido nos livros
didáticos e acabou por se apossar de todas as mentes ao ponto de
passar, hoje, por uma verdade óbvia e autoprobante. Em seu nome
fizeram-se novas revoluções, criaram-se países e correu sangue em

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História e Ilusão

quantidades que o próprio Robespierre, se as visse, desmaiaria de


horror.

No entanto, a pesquisa histórica jamais deu a mínima confirmação


científica à crença de que a Revolução Francesa foi uma luta de classes,
muito menos a luta vencedora da burguesia em ascensão. Para começar,
os aristocratas, malgrado seus preconceitos seculares contra o comércio
e a indústria, já eram os maiores capitalistas antes da Revolução e
continuaram a sê-lo depois dela. Em segundo lugar, as reações mais
violentas ao novo regime não vieram da aristocracia, mas dos
camponeses, em parte sob a inspiração da Igreja, cujos bens haviam
sido confiscados em proveito dos capitalistas mais ricos que podiam
comprá-las, isto é, em última análise, principalmente dos aristocratas, e
só secundariamente dos novos capitalistas sem títulos de nobreza. Basta
olhar o número de marqueses, condes e barões entre os donos das
grandes indústrias e bancos para perceber que quem manda na França
ainda são os mesmos senhores de antes de 1789. Os burgueses, é claro,
estão lá, mas não em proporções substancialmente maiores do que no
Ancien Régime. A única classe que efetivamente subiu, com a
Revolução, foram os intelectuais: a constituição do novo sistema
universitário e da indústria editorial moderna deu a eles a posição de
soberania com que haviam sonhado durante o "século das Luzes". E as
únicas classes efetivamente lesadas foram os pequenos camponeses e os
padres, aqueles sendo subjugados pelo Estado burocrático e espoliador,
estes perdendo, junto com os bens da Igreja, todo vestígio de
autoridade. Se fosse possível equacionar em termos de classes o que se
passou na Revolução, o mais certo seria dizer que ela foi a luta dos

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História e Ilusão
aristocratas, capitalistas e intelectuais contra a Igreja e o povo, aquela
sendo virtualmente excluída das classes dominantes, este tendo sua
fúria aplacada pela ilusão dos direitos políticos outorgados como
compensação pela perda dos antigos privilégios regionais e corporativos
-- um péssimo negócio, se considerarmos que a Inglaterra, respeitando
até hoje esses privilégios, pôde construir com base neles uma autêntica
democracia, enquanto a França revolucionária se precipitava numa
seqüência alucinante de crises, golpes, revoluções, morticínios e
ditaduras, para só no fin de siècle conseguir estabilizar, mal e mal, um
regime democrático.

Se a Revolução Francesa, tal como foi na realidade, houvesse


determinado o curso dos acontecimentos na Europa e nas Américas,
fatalmente o centro produtor dessa mudança decisiva, a França, teria
assumido as rédeas da História e se tornado a potência dominante no
mundo. No entanto, desde a Revolução, a França não fez senão recuar
perante a Inglaterra, a Rússia, a Alemanha e os Estados Unidos, até
tornar-se hoje uma pseudopotência acovardada e servil, que vive das
ilusões do passado e ridículas encenações de soberania.

Isso mostra que o fator decisivo, na produção dos efeitos da Revolução,


não foi a verdade histórica do que se passou na França, mas sim o mito
da Revolução burguesa, inventado por um alemão e bem aproveitado
por americanos, russos e chineses.

Vista sob o ângulo da História das Idéias -- que é a história das


aparências --, a França moderna pode parecer um grande centro
produtor do acontecer histórico, digno da inveja dos pobres países
marginais em cujas opiniões ninguém fora deles jamais prestou atenção.

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História e Ilusão

Mas será mesmo invejável a sorte de um país com cuja História os


outros fazem o que querem, mutilando-a, desfigurando-a e inventando-
a a seu belprazer para usá-la em proveito próprio, enquanto ele próprio
vai sendo, aos poucos, atirado à lata de lixo do esquecimento? Não será
bem melhor o destino do país que, ignorado pelos outros, não se torna a
vítima de uma auto-imagem ilusória inventada desde fora e pode,
portanto, conservar suas idéias claras e seu autodomínio intelectual?

26/09/99

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Carpeaux nos EUA

Carpeaux nos EUA

Todo brasileiro que faça alguma coisa pelo seu país deve estar
preparado para ver as sementes que lançou no solo pátrio
germinarem antes no Exterior do que aqui. Se a imprensa local fez
tudo o que pôde para ocultar os meus esforços de editor e biógrafo de
Otto Maria Carpeaux, o Center for Portuguese Studies and
Culture da Dartmouth University, ao preparar sob a direção do
Prof. João Cezar de Castro Rocha uma edição especial de
Portuguese Literary & Cultural Studies que estuda as influências
estrangeiras na formação da cultura nacional, e que não podia deixar
de conter um capítulo sobre a obra de Carpeaux, não hesitou em
encomendá-lo a alguém que se dedicara seriamente ao resgate dessa
obra, em vez de pedi-lo aos tradicionais aproveitadores políticos e
saqueadores de túmulos.

Como tantos outros brasileiros que passaram por essa situação, não
posso deixar de considerá-la ao mesmo tempo reconfortante e

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Carpeaux nos EUA

constrangedora. Reconfortante porque, afinal, é um reconhecimento.


Constrangedora porque mostra, uma vez mais, que a elite intelectual
nacional continua incapaz de se governar a si mesma e necessitada de
guiar-se pelo exemplo estrangeiro.

Reproduzo aqui o texto que enviei para essa louvável publicação da


Dartmouth University. Dentro de algumas semanas receberei o texto
da tradução inglesa, que também constará desta página. — O. de C.

Otto Maria Carpeaux

Olavo de Carvalho

Portuguese Literary & Cultural Studies. Special Issue, No. 4,


2000, "Brazil 2000", João Cezar de Castro Rocha (org.),
Universidade de Massachusetts, Dartmouth.

----------------

O conhecimento começa com o espanto, e o espanto surge da percepção


de problemas. Problema, dizia Ortega y Gasset, é consciência de uma
contradição. A insensibilidade aos problemas, que repousa em certezas
convencionais sem que mesmo as contradições mais gritantes lhe
perturbem o sono, é sinal seguro de decadência intelectual, seja dos

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Carpeaux nos EUA

indivíduos, seja das coletividades e nações.

Quem deseje, por curiosidade sociológica ou afeição aos abismos,


avaliar a profundidade da queda da vida intelectual no Brasil de hoje
pode colher uma amostra significativa desse fenômeno nas reações
unânimes da imprensa cultural brasileira à recente edição dos Ensaios
Reunidos de Otto Maria Carpeaux (Vol. 1, Rio, Topbooks, 1999). Foi
tudo uma repetição dos elogios feitos à beira do túmulo do escritor
quando da sua morte em 1978 — sem uma só menção aos problemas de
interpretação de sua vida e obra, para os quais chamei expressamente a
atenção dos leitores na longa introdução que preparei para o volume.
Eis alguns:

1. Otto Maria Carpeaux chegou ao Brasil em 1939 e, tão logo estreou no


jornalismo com ensaios literários publicados no Correio da Manhã, foi
alvo de uma violenta campanha de difamação movida pelos comunistas.
Ao morrer, em 1978, tinha-se tornado o ídolo máximo da
intelectualidade comunista no Brasil. Dá-se isto por explicado pela
oposição feroz do escritor ao regime militar de direita, mas se esta
explicação valesse ela se aplicaria também ao romancista Carlos Heitor
Cony, companheiro de Carpeaux nessa batalha heróica e desigual, no
entanto até hoje antipatizado pelos comunistas. A tranfiguração de
Carpeaux de bête noire em santo beatificado permanece, pois, um
problema, e um tanto mais enigmático porque, enquanto crítico e
historiador, Carpeaux jamais aderiu ao marxismo. Sabe-se que no Brasil
contribuições financeiras ao Partido Comunista — fortemente
hegemônico na imprensa e nos meios editoriais — bastam para absolver
um escritor de qualquer pecado ideológico, como aconteceu, por

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Carpeaux nos EUA

exemplo, com o grande romancista José Geraldo Vieira, que se tornou


comunista de carteirinha sem deixar de ser, nos livros, o cristão
conservador que sempre fôra (se o leitor americano não compreende
estas coisas, saiba que no Brasil também ninguém as compreende;
apenas as admite). Mas Carpeaux nunca teve dinheiro.

2. Carpeaux ou Otto Karpfen, judeu nascido em Viena em 1900,


converteu-se ao catolicismo aos trinta anos de idade e no curso da
década seguinte tornou-se um dos principais teóricos da direita católica
que governava a Áustria sob a liderança de Engelbert Dolfuss. Após a
queda do regime, com a invasão nazista, encontrou refúgio no Brasil
graças à intervenção do Vaticano. No estudo aliás notável Os Judeus do
Vaticano, de Avram Milgren, seu nome, aliás com grafia errada, consta
da lista dos judeus que receberam falsas certidões de batismo para
escapar à perseguição. É um equívoco: Carpeaux não apenas era católico
desde bem antes da guerra, mas, quando os nazistas entraram em
Viena, ele já era conhecido como teórico do regime austrocatólico,
através de seu livro A Missão Européia da Áustria (Österreichs
Europäische Sendung, 1936). Ademais, na correspondência que logo
após sua chegada ao Brasil trocou com Álvaro Lins, seus sentimentos
católicos são bem patentes. É pois um espanto para o pesquisador que
esse católico tenha sido sepultado sem ritos religiosos porque, segundo
alegou então a viúva em declarações à imprensa, ele "era homem sem
religião". Ainda que a hipótese de uma apostasia senil após a conversão
tardia seja um tanto extravagante, ela poderia ser aceita se, no
depoimento do amigo mais íntimo do escritor, Carlos Heitor Cony, não
constasse a informação de que Carpeaux, até o fim da vida, fazia

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Carpeaux nos EUA

regularmente suas orações, e se o testemunho igualmente insuspeito do


filólogo Antônio Houaiss não nos informasse que ele tinha medo de
tocar em assuntos religiosos nas rodas intelectuais brasileiras,
fortemente materialistas. Bem, se, do ponto de vista de um biógrafo,
isso não é problema, não sei o que seja um problema. Para explicá-lo,
sugeri a hipótese de que o exilado, cansado de sofrer, disfarçava sua
opinião para não desagradar seus anfitriões brasileiros, quase todos
ateus. Mas é apenas uma hipótese, e toda encrencada. Como é que um
homem tão valente contra os inimigos podia ser tão frouxo ante os
amigos? E, ademais, como conceber que a precaução do escritor
contaminasse sua esposa ao ponto de esta fazê-lo levar o disfarce para o
além-túmulo? Não, nada aí está explicado.

3. Carpeaux escreveu toda a parte mais valiosa de sua obra — os


melhores ensaios e a monumental História da Literatura Ocidental—
num período de não mais de seis anos, entre 1941 e 1947. São quase
cinco mil páginas. Fora disso, sua produção continuou volumosa, mas
foi caindo de qualidade até baixar ao nível do louvor convencional, na
biografia de Alceu Amoroso Lima, seu último escrito. Em 1968,
Carpeaux anunciou o fim de sua carreira literária, prometendo dedicar o
resto de seus dias à luta política. Assim fez, dispersando seus talentos
em polêmicas contra o regime que, se então tiveram a mais assombrosa
repercussão, hoje só conservam interesse como documentos históricos.
E o fato é que ele já vinha perdendo impulso desde vinte anos antes, de
modo que sua famosa abdicação, longe de poder ser compreendida pela
motivação exclusivamente política, parece ter sido a cristalização final
de um longo processo de autonegação depressiva. Mas isto é também

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Carpeaux nos EUA
pura hipótese, se bem que confirmada pelo depoimento de um íntimo
amigo de Carpeaux, o escritor pernambucano Edson Nery da Fonseca.

Não vou me prolongar em exemplos. Os que citei já bastam para


mostrar que Otto Maria Carpeaux, no Brasil, é tanto mais desconhecido
quanto mais celebrado. O preguiçoso alheamento com que seu vasto
círculo de admiradores e amigos se absteve, por vinte anos, de reunir
em livro seus escritos jornalísticos dispersos — uma assombrosa coleção
de obras-primas do ensaio literário — já mostra que tinham mais
interesse em cultuar um estereótipo do que em divulgar uma obra. O
motivo disto é bem evidente. Se Carpeaux, de início rejeitado pela
massa da intelligentzia esquerdista e só aceito por um grupo seleto de
cérebros privilegiados — um grupo politicamente diversificado ao ponto
de incluir o comunista Graciliano Ramos ao lado dos conservadores
Manuel Bandeira e Augusto Frederico Schmidt — acabou por se tornar
um ídolo das esquerdas, isto foi graças à série de artigos políticos
publicados no Correio da Manhã a partir de 1964 com os quais obteve a
fama de inimigo público número 1 do regime militar (o qual aliás nunca
o perseguiu seriamente, limitando-se a mover-lhe um processo no qual
foi polidamente interrogado por algumas horas e que terminou sendo
suspenso pela promotoria mesma). A imagem de Carpeaux que se
consolidou na imprensa foi a de um militante comunista, que trazia a
essa corrente política o reforço da pena afiada por uma erudição
prodigiosa a serviço de um estilo literário que deve ser qualificado, no
mínimo, de delicioso. Ora, a publicação dos ensaios literários completos
dissolvia essa imagem simplória, revelando um Carpeaux religioso e
místico, admirador de Léon Bloy, e um elitista preocupado, na linha de
Ortega y Gasset, com a ascensão de massas de ignorantes ao comando

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Carpeaux nos EUA

da máquina cultural. Não espanta que a intelectualidade de esquerda,


prevendo as dificuldades, adiasse indefinidamente um confronto com
essas contradições, nem que, mesmo após a publicação dos Ensaios
Reunidos, preferisse fazer de conta que não tinha visto nada...

Mas não há homenagem póstuma que possa fazer justiça a um escritor


se os louvores que a compõem não vêm junto com um sério esforço de
compreensão. Por isto, o coro de elogios que se seguiu à morte de
Carpeaux e, agora, à publicação dos Ensaios, acabou, de maneira
aparentemente paradoxal, por depreciar o escritor, ressaltando-lhe os
méritos menores de erudito e divulgador sem atentar para o que sua
obra tem de mais original e valioso. Pois o valor e a originalidade dessa
obra residem, precisamente, nas suas contradições.

Para começar, a História da Literatura Ocidental é uma tentativa de


responder de maneira sintética e simultânea a preocupações
dificilmente compatíveis: a compreensão sociológica das épocas e a
individualização estilística dos autores, a apreensão da unidade
histórica de uma civilização e a avaliação judicativa das obras
singulares. Fortemente escorado nos métodos que aprendeu de
Burckhardt, Dilthey, Weber e Max Dvorak, mas também inspirado no
senso croceano da individualidade irredutível da obra poética, Carpeaux
busca ser inseparavelmente historiador e crítico — e, se falha aqui ou ali,
exagerando os julgamentos de obras para harmonizá-los com o desenho
das épocas, no conjunto ele se sai perfeitamente bem e compõe uma
obra ímpar na bibliografia historico-literária, alguma coisa de
equivalente, na escala do Ocidente como um todo, ao que Francesco de
Sanctis fez com a literatura italiana. Para o crítico Mauro Gama, a

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Carpeaux nos EUA

História da Literatura Ocidental é "simplesmente a melhor obra do


gênero já publicada em qualquer língua e em qualquer país".

Em segundo lugar, o modo de pensar de Carpeaux enfatiza antes os


problemas do que as soluções, o que o leva a parecer inconclusivo. Alma
sacudida por dúvidas e contradições temíveis, ele usa o seu próprio
estado interior de perplexidade como instrumento de sondagem das
obras e das épocas, e o resultado tem de ser, em muitos casos, uma
pergunta sem resposta. Para muitos leitores o choque dessas
contradições é uma experiência especialmente perturbadora e
desagradável. Não percebem que é essa peculiar forma mentis do
escritor o que lhe permite acompanhar o drama íntimo das idéias por
baixo das suas manifestações literárias sem cair no simplismo das
soluções forçadas.

O estilo literário de Carpeaux reflete o caráter paradoxal de sua visão do


mundo. Às vezes, durante páginas e páginas, ele assume o ponto de vista
do escritor que está analisando, defendendo as idéias dele como se
fossem as suas próprias, para logo em seguida desmenti-las brutalmente
ou relativizá-las com a simples menção de um ou dois fatos que as
contradizem. O leitor que exige certezas finais é levado ao desespero,
mas para aqueles que se deleitam na contemplação da realidade como
tal, a leitura de Carpeaux é uma rara exaltação do espírito. No conjunto,
a História da Literatura Ocidental permanece uma das obras mais
sólidas nesse gênero, superando de muito a de Arnold Hauser,
divulgada no Brasil contemporaneamente a ela e ainda hoje investida de
muita autoridade e prestígio no nosso país.

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Carpeaux nos EUA

Por isso não é exato dizer, como Franklin de Oliveira, que o maior
mérito de Carpeaux é ter introduzido no Brasil os métodos da
Geisteswissenschaft de Dilthey. A História da Literatura Ocidental, se
bem que moldada à luz desses métodos, é algo mais que simples
divulgação deles. É realização que ultrapassa, por sua amplitude e
perfeição, qualquer aplicação que os próprios inventores deles possam
ter-lhes dado. Nesse sentido, ela não é uma contribuição da escola de
Dilthey à cultura brasileira, mas uma contribuição brasileira à escola de
Dilthey.

Por isto, no meu livro O Futuro do Pensamento Brasileiro (Rio,


Faculdade da Cidade Editora, 1998), no capítulo dedicado a extrair da
massa de produções do pensamento brasileiro a lista quintessencial das
conquistas fadadas a permanecer quando tudo o mais se desvaneça, não
pude deixar de colocar, ao lado dos escritos de Gilberto Freyre, de
Miguel Reale e de Mário Ferreira dos Santos, a obra historiográfica e
ensaística de Otto Maria Carpeaux.

O critério aí adotado foi simples: tomei como obras intrinsecamente


dotadas da capacidade de durar, não aquelas que "representassem o
Brasil", pois nada nos garante que os homens dos séculos vindouros
desejarão saber do Brasil, mas sim aquelas que, desde o Brasil, levasse a
cada homem, de qualquer país, um ensinamento que o ajudasse a
compreender melhor o sentido da vida humana em geral e a dele
próprio em particular. O clássico, por definição, não fala de si, da sua
época, do seu país: fala de nós. Uma obra histórica — preparada,
amparada e completada por uma multidão de ensaios — que logre
mostrar a unidade interna do desenvolvimento literário no Ocidente, de

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Carpeaux nos EUA

Homero a Valéry, é por si mesma um microcosmo da alma humana e se


torna merecedora de que o leitor se aproxime dela com um temor
devoto, consciente da advertência latina: De te fabula narratur.

13/10/99

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Da dúvida crédula

Da dúvida crédula

Olavo de Carvalho

O que leva um homem a duvidar é ou a percepção de um problema


sugerido pelos dados de uma realidade ao menos aparentemente
contraditória, ou uma sugestão de sua própria imaginação excitada pelo
medo, pela suspeita, pela incompreensão, pela simples má vontade. Tal
é a diferença entre a dúvida filosófica e a dúvida ociosa.

A mente treinada não tem dificuldade em distinguir esses dois tipos de


dúvidas e em rejeitar o segundo como indigno de atenção filosófica.
Quatro séculos de cultura céptica, porém, fizeram da dúvida imaginária
um hábito, um valor e um dogma do senso comum, tão difícil de
desarraigar quanto as mais toscas superstições e crendices, e igualmente
danoso para a inteligência.

Num meio social desguarnecido de valores culturais consolidados, a


dúvida ociosa pode alastrar-se para todos os domínios da atividade

http://www.olavodecarvalho.org/textos/credula.htm (1 de 4)16/4/2007 09:51:22


Da dúvida crédula

pensante, paralisando as inteligências e tornando impossível o


aprendizado. Não hesito em dizer que, entre os jovens estudantes
brasileiros, esse fenômeno é o maior obstáculo à aquisição de uma
cultura filosófica.

É da própria essência da dúvida filosófica articular-se racionalmente em


vista de uma solução, ao passo que a dúvida ociosa é, por natureza,
obsessiva e proliferante. Enquanto o questionador filosófico só rejeita
uma afirmação quando os motivos de negá-la sejam patentemente mais
razoáveis que os de aceitá-la, o espírito acometido de dúvida ociosa não
hesita em proceder como se simples hipóteses inventadas, pelo simples
fato de serem destrutivas, devessem ser mais confiáveis do que as
crenças do senso comum ou os dados dos sentidos. Ao velho prestígio
romântico do negativo e do macabro acrescenta-se a moda mais
recente: a apologia geral da "independência" e da "rebeldia" faz com que
cada um se sinta um grande homem quando em nome de hipóteses
artificiosas nega aquilo que vê ou sente, sem notar que, ao fazê-lo,
sacrifica suas percepções autênticas e pessoais no altar de um cacoete
coletivo, e que sua afetação de independência crítica não passa, assim,
do mais puro servilismo e espírito de rebanho.

Duas influências filosóficas remotas que, por estar incorporadas em


correntes de opinião coletivas, exercem facilmente sobre a mente dos
principiantes uma autoridade tendente a legitimar o ceticismo ocioso,
são a filosofia analítica e o marxismo. A primeira oferece ao estudante a
possibilidade de viver imerso num mar de dúvidas paralisantes, das
quais se sente ao mesmo tempo solidamente abrigado sempre que foge
para o recinto estreito do "método científico", como se este não fosse

http://www.olavodecarvalho.org/textos/credula.htm (2 de 4)16/4/2007 09:51:22


Da dúvida crédula

apenas um conjunto de procedimentos coletivos de verificação e prova


que subentende, na mente individual que o pratica, a capacidade para
uma infinidade de certezas diretas que transcendem, em muito, os dois
critérios admitidos nesse mesmo método, isto é, os dados atomísticos
dos sentidos e as leis da lógica indutiva. Quanto ao segundo, oferecendo
para as dúvidas filosóficas a falsa solução de absorvê-las na praxis
revolucionária, o que no fim das contas não é senão mudar de assunto,
permite que na mente do estudante coexistam, sem choque aparente, a
dúvida mais corrosiva ante os valores e crenças do adversário e a mais
sonsa credulidade ante as pretensões da sua própria ideologia. Que
ambas essas filosofias acabem sempre se fechando nas suas "tradições"
próprias, incapazes de dialogar com o que quer que não consinta em
obedecer às regras de seus respectivos "universos de discurso", e que
cada uma delas esteja inseparavelmente associada a um esquema de
poder - capitalista e comunista --, já deveria ser suficiente para mostrar
que a mente que se pretenda livre e independente não deve, desde logo,
aceitar as premissas de uma ou de outra. Mas a dúvida ociosa, sendo por
natureza irracional e sentimental, não busca verdadeiro conhecimento,
e sim apenas o apoio prestigioso de uma coletividade que a estimule a
duvidar seletivamente daquilo que odeia e crer não menos
seletivamente naquilo que adora. Por isto mesmo ela sente uma atração
irresistível por uma dessas ideologias, quando não pelas duas ao mesmo
tempo, dizendo ante Wittgenstein e Marx: Entre les deux, mon coeur
balance.

A dúvida crítica é apenas uma dentre as muitas operações da


inteligência discursiva, e seu exercício fecundo subentende a

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Da dúvida crédula

inteligência íntegra, informada e culta, armada daquele senso das


proporções que só uma longa educação pode dar. Mas, precisamente, a
dúvida prematuramente estimulada, seja pela moda, seja por interesses
políticos maldosos, faz com que o exercício dessa operação em
particular se antecipe e se substitua ao todo da inteligência, bloqueando
qualquer aprendizado possível.

Enquanto não libertarmos desse círculo vicioso a mente do estudante


brasileiro, não haverá autêntica filosofia entre nós.

14/12/99

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da


vida

Primeira Meditação de Ano Novo

Por vezes, do fundo obscuro da alma humana, soterrada de paixões e


terrores, nasce um impulso de libertar-se da densa confusão dos tempos
e erguer-se até um ponto onde seja possível enxergar, por cima do caos
e das tormentas, dos prazeres e das dores, um pouco da harmonia
cósmica ou mesmo, para além dela, um fragmento de luz da secreta
ordem trancendente que — talvez — governa todas as coisas.

É o impulso mais alto e mais nobre da alma humana. É dele que nascem
todas as descobertas da sabedoria e das ciências, a possibilidade mesma
da vida organizada em sociedade, a ordem, as leis, a religião, a
moralidade, e mesmo, por refração, as criações da arte e da técnica que
tornam a existência terrestre menos sofrida.

Nenhum outro desejo humano, por mais legítimo, pode disputar-lhe a

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

primazia, pois é dele que todos adquirem a quota de nobreza que


possam ter, residindo mesmo aí o critério último da diferença entre o
humano e o sub-humano (ou anti-humano) e, por conseguinte, para
além de toda controvérsia vã, a chave da distinção entre o bem e o mal.
É bom o que nos eleva à consciência da ordem e do sentido supremos, é
mau o que dela nos afasta. Não tem outro significado o Primeiro
Mandamento: Ama a Deus sobre todas as coisas.

Acontece que a esse impulso fundamental corresponde um outro,


derivado mas não menos forte: aquele que leva o homem que entreviu a
ordem e o sentido a desejar repartir com os outros homens um pouco
daquilo que viu. Não há certamente maior benefício que se possa fazer a
um semelhante: mostrar-lhe o caminho do espírito e da liberdade, pelo
qual ele pode se elevar a uma condição que, dizia o salmista, é apenas
um pouco inferior à dos anjos. Tal é, substancialmente, a forma
concreta do amor ao próximo: dar ao outro o melhor e o mais alto do
que um homem obteve para si mesmo. Amamos o nosso próximo na
medida em que o elevamos à altura dos anjos. Fazemos-lhe o mal
quando o rebaixamos à condição de bichinho, seja com maus tratos, seja
com afagos.

Nessas duas exigências está contida, dizia Cristo, toda a lei e os profetas.

Para grande escândalo do relativismo pedante que desejaria nos


convencer da geral discórdia entre os valores culturalmente admitidos
nas várias sociedades, a universalidade desse duplo mandamento é um
dos dados mais evidentes da história mundial. Não há com efeito
civilização, por mais remota ou "bárbara", que não tenha valorizado,

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

acima de todas as outras virtudes e motivações humanas, o impulso


para o conhecimento e o ensino da "única coisa necessária". O prestígio
universal do sacerdócio — no sentido amplo que Julien Benda dava à
palavra clerc, que inclui a presente classe dos "intelectuais" — é o mais
patente sinal de que, por trás de toda a confusão aparente das línguas, a
humanidade unânime tem plena consciência de uma hierarquia de
valores que, se fosse questionada, suprimiria no ato a possibilidade
mesma do questionamento, já que não se pode questionar um saber
exceto em vista de um saber mais alto.

***

A observações gerais, suficientemente óbvias para só terem de ser


lembradas explicitamente em situações de desorientação e confusão
incomuns, eu desejaria aqui dar alguns desenvolvimentos mais
particularizados e mais ligados à existência histórica, concernente, de
um lado, à cultura e à civilização — consideradas ainda em escala geral
—, de outro à presente e catastrófica situação da cultura brasileira.

Com relação ao primeiro ponto:

1. Embora o impulso ascensional a que me referi seja sempre e


universalmente o mesmo, o movimento de doação e repartição que se
lhe segue tem de tomar, por força, a forma dos canais de comunicação
existentes numa sociedade historicamente dada: língua, símbolos,
valores, etc. Daí que se possa sempre observar, no estudo das
manifestações superiores da espiritualidade, esse duplo
direcionamento, que de um lado atesta a convergência dos caminhos

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

percorridos pelos homens espirituais de todo o mundo ("tudo o que


sobe converge", dizia Teilhard de Chardin), de outro a pluralidade
inesgotável das formas assumidas pelos testemunhos incorporados ao
legado cultural: textos, obras de arte, leis, etc. (1)

2. Todo fenômeno de ascensão interior, sem exceção, começa sempre


com um indivíduo isolado — e que, no curso da sua caminhada, é levado
a isolar-se ainda mais da comunidade em busca da necessária condição
de concentração espiritual —, e se completa com a irradiação de parte
dos conhecimentos obtidos, de início numa discreta roda de
companheiros ou discípulos investidos da mesma disposição para o
isolamento e a concentração, em seguida em círculos cada vez maiores,
até abranger comunidades, sociedades e civilizações inteiras. (2)

3. No processo de irradiação, intervêm a memória e o registro. De início


transmitidos oralmente e sustentados pela presença e pelo exemplo do
mestre, os ensinamentos não tardam a registrar-se, não raro sob a
forma compacta de sentenças lacônicas ou de narrativas alusivas e
simbólicas — ou grafismos, ou melodias — que constituirão o núcleo
irradiante em torno do qual se formará, com o tempo, a cultura. Esta
pode abranger desde simples repetições imitativas das formas
originárias até uma infinidade de desenvolvimentos intelectualmente
relevantes. Qualquer que seja o caso, é uma fatalidade da constituição
humana que a reprodução das condições internas e psicológicas do
aprendizado, que depende exclusivamente da livre iniciativa dos futuros
aprendizes e só pode ser estimulada mas não determinada pela cultura,
não acompanhe jamais a velocidade da proliferação das criações
culturais que refletem o núcleo inspirador inicial de maneiras cada vez

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

mais distantes, apagadas, indiretas e finalmente invertidas. O que


começou como uma intuição direta da ordem suprema termina como
debate entre ignorantes e cegos esmagados sob toneladas de registros
materiais tornados incompreensíveis.

4. Esses três momentos refletem, no microcosmo da história humana,


os três gunas ou "movimentos básicos do cosmos" de que fala a doutrina
hindu: sattwa ou movimento ascensional, rajas ou movimento
expansivo, e tamas, ou movimento descendente, degradante e
"entrópico". Rajas nasce de sattwa assim como o Segundo
Mandamento decorre do Primeiro. O terceiro momento nasce do
segundo, quando se torna autônomo e perde sua raiz no primeiro:
quando o amor do ser humano ao ser humano já não visa a elevá-lo
acima de si mesmo, mas se limita a desejá-lo e agradá-lo, o amor se
degrada em lisonja, a lisonja em manipulação e a manipulação em ódio.
No fim já não é possível distinguir uma coisa da outra e o ponto mais
fundo do engano se atinge quando o grosseiro e o brutal, a revolta e o
fanatismo passam a ser aceitos socialmente como manifestações do
"autêntico", quando são apenas o resultado de uma longa sedimentação
de erros e um condensado de todas as idolatrias passadas. Na esfera
intelectual, a mesma coisa: quando o ensino e a cultura já não
transmitem a inspiração originária mas põem em seu lugar o culto
idolátrico das formas acumuladas historicamente (o que pode tomar a
forma do dogmatismo seco, ou do estetismo, ou do formalismo social,
etc.), ainda resta a possibilidade de uma reconquista do sentido interior,
mas a proliferação mesma das criações culturais, ilusoriamente tomada
como riqueza, torna isso cada vez mais difícil, e por fim a acumulação de

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

pontos cegos se condensa num aglomerado de erros fundamentais —


uma "revelação satânica" — que, justamente por seu caráter compacto,
obscuro, brutal e impressionante, é tomado ilusoriamente como uma
descoberta libertadora. Que um "filósofo" tenha chegado a explicar a
história pela organização econômica, como se a organização econômica
surgisse do nada, como se ela pudesse brotar diretamente do substrato
animal do homem, como se ela não fosse reflexo e subproduto da
elevação do homem em direção à percepção da ordem cósmica — eis um
curioso e trágico exemplo dessa inversão onde a densidade mesma das
trevas é tomada como uma espécie de fulgor. (3)

5. Um dos traços marcantes do período entrópico é que a própria


administração de uma vasta e crescente coleção de registros culturais
requer a formação de uma classe de letrados para a qual esse legado,
considerado em si mesmo e independentemente de qualquer referência
às suas fontes inspiracionais, se torna objeto de estudo e devoção.
Técnicas especiais são criadas para esse fim — a bibliografia e a
bibliologia, a filologia, a crítica histórica dos documentos, a análise
estrutural — e essas técnicas por sua vez se acumulam até o ponto de
constituir um universo cultural de direito próprio. Algumas delas
podem visar à simples conservação ou reconstituição dos documentos,
outras à sua "interpretação" em função das épocas e ideologias, outras a
elucidar sua estrutura interna, etc. Todas são alheias ao problema
central: assegurar que o examinador tenha a condição interior de elevar-
se à experiência originária da qual o documento é registro. Essa
condição é dada por pressuposta ou deixada à casualidade do maior ou
menor talento pessoal. Ela está completamente fora do processo

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida
investigativo e educativo, que assim tem o seu foco inteiramente
voltado, seja para os registros em si, seja para suas circunstâncias, para
o que lhes está em torno. Mostrar habilidade no domínio dessas torna-
se o critério essencial de seleção e avaliação na vida intelectual, e o
decorrente desvio das discussões para uma infinidade de aspectos
menores e irrelevantes produz a criação de novas e novas técnicas,
tornando a vida intelectual uma insensata demonstração de força e, no
fim, produzindo por inevitável reação o surgimento de técnicas para
destruir as técnicas e para provar a absoluta inocuidade dos
documentos.

***

Com relação ao segundo ponto, isto é, à situação atual da cultura


brasileira, o que é preciso enfatizar é o seguinte:

1. Em quinhentos anos de existência, a cultura deste país não deu ao


mundo um único registro de experiência cognitiva originária. Nossa
contribuição ao conhecimento do sentido espiritual é, rigorosamente,
nula. Não há nas correntes culturais do mundo um único símbolo,
conceito, idéia ou palavra essencial à conhecimento, que tenha sido
descoberta de um brasileiro. Toda a nossa "produção cultural" consiste
apenas de prolongamentos e ecos de registros absorvidos de culturas
estrangeiras. (4) Nesse sentido, nossa cultura é rigorosamente
"periférica" em relação à história espiritual do mundo. Periférica,
portanto, num sentido bem diverso ao que essa palavra tem no jargão
do academismo esquerdista (Celso Furtado, Fernando Henrique
Cardoso, etc.), onde centro e periferia são economicamente
determinados e daí decorre uma teoria grotesca que identifica o centro

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

espiritual do mundo ao centro do poder econômico — teoria ela mesma


periférica, no sentido que dou ao termo.

2. Como entramos no curso da história num momento em que as


culturas que nos serviam de fontes já se encontravam elas próprias num
estado avançado de decomposição entrópica, perdendo cada vez mais de
vista as intuições originárias e enrijecendo-se num formalismo do qual
agora tentam desesperadamente sair mediante a decomposição geral
das formas (como um homem que, cansado de tentar em vão
compreender um livro passa a rasgá-lo na esperança de da sua
decomposição física obter a sua quintessência), toda a história da nossa
cultura é a do eco de um eco, da sombra de uma sombra. Todos
sabemos disso e temos vergonha disso. Procuramos inutilmente aliviar
essa má-consciência lançando as culpas no econômico (o que já é reflexo
de uma ilusão, portanto duplamente periférico), ou então apegando-nos
à quantidade e declarando que o volume de uma produção irrelevante e
repetitiva é prova de nossa "criatividade".

3. Considerando-se os nossos cinco séculos de história, a extensão física


e o volume populacional deste país, a nulidade da nossa contribuição
espiritual chega a ser um fenômeno espantoso, sem paralelo na história
do mundo. O desinteresse, a letargia espiritual da cultura brasileira, a
prisão da inteligência nacional na esfera do econômico imediato, são
sinais de uma pequenez de alma que jamais se observou em tão
impressionante escala coletiva. Se existissem verdadeiros estudiosos
acadêmicos entre nós esse tema seria motivo de preocupação e debates.
Mas toda a nossa vida acadêmica é ela própria reflexo desse fenômeno,
que escapa portanto ao seu horizonte de visão: nossas classes letradas

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

não têm força sequer para tomar consciência da sua própria miséria
espiritual.

4. Nem mesmo no domínio religioso, que é aquele onde a busca


espiritual tem o seu suporte mais fácil e natural, registramos uma única
experiência que atestasse algo como um contato direto, mesmo breve e
fugaz, entre um brasileiro e o sentido da vida cósmica. Toda a nossa
"religiosidade" é periférica e imitativa, resíduo da decomposição de
cultos extintos ou cópia de pseudo-religiões inventadas na Europa ou
nos Estados Unidos.

5. É exatamente por isso que toda ideologia nacionalista, entre nós, tem
sido simplesmente reativa e oportunista, já que não pode se fundar em
valores espirituais inexistentes. A pressa com que nosso povo copia
hábitos e modos de falar estrangeiros, dando mesmo a seus filhos
nomes ingleses ou franceses, mostra a profunda indiferença popular por
uma cultura que nada tem a lhe dizer sobre o sentido da vida e que, no
máximo, lhe fornece, na música popular, no futebol e no Carnaval, os
meios e a ocasião de se anestesiar, por meio de ruídos sem sentido,
contra o sem-sentido da vida. Nosso nacionalismo, por isto, não pode se
compor de verdadeiro amor à pátria, exceto em estreitos círculos — por
exemplo nas Forças Armadas ou em antigas famílias de altos servidores
públicos — que têm sua história comunitária ligada às lutas pela
formação política do Brasil e por isto amam sua criação. Pode também
haver um certo amor à pátria na constatação direta de certas virtudes
espontâneas da sociedade brasileira, mas esta constatação, em vez de
ser reforçada no nível da cultura letrada é aí desmentida à força de

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

sofismas de um artificialismo impressionante (produzidos, é verdade, a


soldo das fundações Ford e Rockefeller, mas por pessoas que, por outro
lado, sendo esquerdistas, se acreditam piamente nacionalistas e anti-
americanas, o que já basta para atestar a leviana superficialidade de
suas inteligências). Fora disso, o nacionalismo no Brasil se constitui
apenas de ressentimento anti-americano — motivado antes pelas culpas
recalcadas da classe letrada do que por queixas objetivas, embora estas
existam — e não tem nenhum fundamento cultural autêntico.

6. Toda aspiração nacional de tornar-se "grande potência" com uma


base cultural tão nula está condenada, de antemão, seja ao fracasso, seja
a um sucesso que se tornará, caso alcançado, um flagelo para a
humanidade, obrigada a curvar-se ante a força bruta de novos bárbaros
que nem sequer têm um senso próprio de orientação na História onde
interferem cegamente.

7. Todo patriotismo, aqui, é investimento num país imaginário e


meramente possível, apenas toscamente prenunciado pelas virtudes
populares espontâneas que mencionei, as quais aliás se dissolvem
velozmente sob o impacto do discurso destrutivo que hoje é o Ersatz de
moralidade entre as nossas classes letradas. Quem deseje contribuir
para que esse país se torne realidade só tem um caminho a seguir: lutar
para que a cultura brasileira se ligue às fontes centrais e permanentes
do conhecimento espiritual, para que a experiência da visão espiritual
ingresse no nosso horizonte de aspirações humanas e, uma vez obtida,
faça explodir, com a força das intuições originárias, todo um mundo de
formas imitativas e periféricas, gerando uma nova vida.

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

O resto é pura agitação sem finalidade.

OLAVO DE CARVALHO

31/12/99

NOTAS

1. Sempre houve por isso uma tensão criadora entre a abordagem "interna" ou
espiritual desses estudos e a sua abordagem "externa": cultural, histórica,
sociológica, etc. Um exemplo do primeiro ponto de vista — um corte "estático" no
panorama das espiritualidades mundiais, mostrando a substancial unidade das
experiências interiores em todas as épocas e civilizações — é dado na monumental
antologia de textos sagrados, espirituais e místicos organizada por Whitall N.
Perry sob o título A Treasury of Traditional Wisdom (Pates Manor, Bedfont,
Middlexex: Perennial Books, 1971, 2nd. Ed. 1981). A abordagem "externa" é
também necessária, mas é realizada em geral por diletantes a quem o sentido
"interno" escapa por completo — Mauss, Benedict, Mead, Lévy-Strauss, Sapir,
para não falar nada da vulgata marxista —, e seu resultado é praticamente nulo.
Mircea Eliade, no seu clássico Tratado de História das Religiões, parte de uma
efetiva apreensão interior da unidade, mas, diante da variedade dos fenômenos
que a manifestam, não consegue passar da primeira etapa do esforço de
racionalização científica, que é a classificação. Bem mais longe vai Eric Voegelin
em Order and History, 5 vols., Baton Rouge: Louisiana University Press, 1956-
1981, gigantesco e bem sucedido esforço de articular, segundo um corpo
organizado de conceitos e métodos, a unidade latente da percepção da ordem e a
sucessão histórica de suas várias manifestações.
2. Um breve exame da regularidade invariável com que esse fenômeno se repete ao
longo das eras, bem como da constância com que em torno deles se articulam as
grandes mutações históricas, basta para notar que o Primeiro e o Segundo
Mandamentos não são apenas as banais receitas normativas e devocionais em que
os converteu a estúpida pseudo-religiosidade contemporânea (vaticana inclusa),
mas a clave reguladora do devir, os princípios fundamentais da ontologia do ser
histórico.
3. Imaginar que essa macabra inversão da realidade pudesse levar a outro resultado
que não à criação do Estado mais homicida que já existiu é coisa de hipnotizados.
O marxismo é a causa intelectual direta de tudo o que se passou no mundo
comunista e todo marxista é cúmplice consciente ou inconsciente do genocídio
soviético-chinês. — Aliás, já passei do tempo em que, tendo-me despedido do meu
marxismo juvenil, ainda podia falar de Karl Marx com respeito. Quanto mais o

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Espírito e cultura: o Brasil ante o sentido da vida

conheço, mais o desprezo. Ele nunca foi filósofo, foi apenas um satanista
deslumbrado, um mentiroso contumaz e um charlatão capaz das piores
falsificações científicas, além de um racista capaz de se referir a negros e orientais
como "lixo étnico", um burguês hipócrita capaz de proibir à mesa da família a
presença do filho bastardo que tivera com a empregada, e, o que é pior de tudo,
um espião a serviço do governo austríaco, delatando por baixo do pano os
mesmos companheiros nos quais insuflava o ardor revolucionário com discursos
impregnados de ódio. Se querem tirar a dúvida, leiam, além dos capítulos
indispensáveis que lhe dedicaram Paul Johnson em Intelectuais e Edmund
Wilson em Rumo à Estação Finlândia, o assombroso Marx and Satan, de
Richard Wurmbrand. O pastor Wurmbrand, uma das figuras exponenciais da
espiritualidade do século XX, judeu convertido ao protestantismo, foi preso e
torturado pelos comunistas durante quatorze anos (as cicatrizes das torturas
repetidas foram comprovadas por uma comissão da ONU) pelo crime de levar o
conforto religioso aos prisioneiros.
4. Creio que a obra de Mário Ferreira dos Santos contém mais de um registro de
descoberta espiritual originária e que, por isto mesmo, quando a palavra "Brasil"
tiver se apagado da memória do mundo, essa obra ainda viverá. Mas, por
enquanto, não há lugar para ela numa cultura nacional que ainda não se elevou à
altura de compreendê-la, e por isto seria injusto chamá-la de contribuição
"brasileira". Um país não tem nenhum direito de se apropriar de méritos que não
soube sequer reconhecer. Trata-se portanto de descoberta de um indivíduo, que
por estar fora da sua cultura nacional nada deve a ela e, a rigor, vale mais do que
ela inteira.

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A origem da burrice nacional

A origem da burrice nacional

Bravo!, dez. 1999 / jan. 2000

Repetidamente um fenômeno tem chamado a atenção de professores


estrangeiros que vêem lecionar no Brasil: por que nossas crianças estão
entre as mais inteligentes do mundo e nossos universitários entre os
mais burros? Como é possível que um ser humano dotado se
transforme, decorridos quinze anos, num oligofrênico incapaz de
montar uma frase com sujeito e verbo? É fácil lançar a culpa no governo
e armar em torno do assunto mais um falatório destinado a terminar,
como todos, em uma nova extorsão de verbas oficiais.

Difícil é admitir que um problema tão geral deve ter causas também
gerais, isto é, que não pertence àquela classe de obstáculos que podem
ser removidos pela ação oficial, mas àquela outra que só nós mesmos, o
povo, a "sociedade civil", estamos à altura de enfrentar, não mediante
mobilizações públicas de entusiasmo epidérmico, e sim mediante a

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A origem da burrice nacional

convergência lenta e teimosa de milhões de ações anônimas, longe dos


olhos turvos da nossa vã sociologia.

Ora, a condição mais óbvia para o desenvolvimento da inteligência é a


organização do saber. Nossas energias intelectuais mobilizam-se mais
facilmente em torno de uns poucos núcleos de interesse fortemente
hierarquizados do que numa dispersão de focos de atenção espalhados
no ar como mosquitos. Discernir o importante do irrelevante é o ato
inicial da inteligência, sem o qual o raciocínio nada pode senão patinar
em falso em cima de equívocos. Se, porém, cada homem tivesse de
realizar por suas forças essa operação, reduzindo a um esquema
quintessencial de sua própria invenção a totalidade dos dados
disponíveis no ambiente físico, milhões de vidas não bastariam para que
ele chegasse a obter um começo de orientação no mundo. A cultura,
impregnada na sociedade em torno e resultado de sucessivas filtragens
da experiência acumulada, dá pronto a cada ser humano um quadro dos
ãngulos de interesse essencial, de modo que não resta ao indivíduo
senão operar nesse mostruário um segundo recorte, em conformidade
com os seus interesses pessoais.

Quando digo que a cultura está impregnada na sociedade em torno, isto


significa que a seleção dos pontos importantes transparece na
organização das cidades, nos monumentos públicos, no estilo
arquitetônico, nos museus, nos cartazes dos teatros, na imprensa, nos
debates entre as pessoas letradas, nos giros da linguagem corrente, nas
estantes das livrarias e, last not least, nos programas de ensino.

Quem quer que desembarque num país qualquer da Europa ou em

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A origem da burrice nacional

alguns da Ásia já obtém, por um primeiro exame desse mostruário, uma


visão bem clara dos pontos de interesse mais permanente, que
constituem uma espécie de fundo de referência cultural, bem distinto
dos focos de atenção mais atual e momentânea que se recortam sobre
esse fundo sem encobri-lo.

Só de andar pelas ruas, o cidadão aí pode enxergar os marcos que o


situam num lugar preciso do mapa histórico, desde o qual ele pode
medir quanto tempo as coisas duraram e qual a sua importância maior
ou menor para a vida humana.

Se ele olha para os cartazes dos teatros, nota que certas peças estão
sendo reencenadas este ano porque são reencenadas todos os anos, ao
passo que outras, que fizeram algum sucesso no ano passado,
desapareceram do repertório. Basta isto para que ele adquira um senso
da diferença entre o que importa e o que não importa.

Ao entrar em qualquer livraria, o contraste entre as estantes onde estão


sempre expostos os mesmos títulos essenciais e aquelas onde os
lançamentos mais recentes se revezam mostra-lhe a diferença entre o
patrimônio escrito de valor permanente e o comércio livreiro de alta
rotatividade.

Na escola, ele sabe que vai aprender certas coisas que seus pais, avós e
bisavós também aprenderam, e outras que são novidade e que talvez
terão desaparecido do currículo na geração seguinte.

Tudo, em suma, no ambiente plástico e verbal contribui para que o


indivíduo adquira, sem esforço consciente, um senso de hierarquia e de

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A origem da burrice nacional

orientação no tempo histórico, na cultura, na humanidade.

No Brasil isso não existe. O ambiente visual urbano é caótico e disforme,


a divulgação cultural parece calculada para tornar o essencial
indiscernível do irrelevante, o que surgiu ontem para desaparecer
amanhã assume o peso das realidades milenares, os programas
educacionais oferecem como verdade definitiva opiniões que vieram
com a moda e desaparecerão com ela. Tudo é uma agitação superficial
infinitamente confusa onde o efêmero parece eterno e o irrelevante
ocupa o centro do mundo. Nenhum ser humano, mesmo genial, pode
atravessar essa selva selvaggia e sair intelectualmente ileso do outro
lado. Largado no meio de um caos de valores e contravalores
indiscerníveis, ele se perde numa densa malha de dúvidas ociosas e
equívocos elementares, forçado a reinventar a roda e a redescobrir a
pólvora mil vezes antes de poder passar ao item seguinte, que não chega
nunca.

Nesse ambiente, a difusão das novidades intelectuais, em vez de


fomentar discussões inteligentes, só pode atuar como força entrópica e
dispersante. Não há nada mais consternador do que uma inteligência
sem cultura, despreparada, nua e selvagem que se nutre do último vient-
de-paraîte e arrota uma sucessão de perguntas cretinas onde a
sofisticação pedante do raciocínio se apóia na mais grosseira ignorância
dos fundamentos do assunto. Acrescente-se a esses ingredientes a
arrogância juvenil estimulada pelas lisonjas demagógicas da mídia, e
tem-se a fórmula média do estudante universitário brasileiro. É
impossível discutir com ele. Quando a mente assim deformada entra a
produzir objeções numa discussão, seu interlocutor culto e bem

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A origem da burrice nacional

intencionado, se não é muito enérgico no emprego da vara-de-marmelo,


leva desvantagem necessariamente: quem pode vencer um debatedor
tenaz que, confiante na aparente correção formal do seu raciocínio, está
protegido pela própria ignorância contra a percepção da falsidade das
premissas? Com um sujeito assim não cabe a gente argumentar. Cabe
apenas transmitir-lhe as informações faltantes -- educá-lo, em suma.
Mas, precisamente, ele não vai deixar você educá-lo, porque a ideologia
de rebelde posudo que lhe incutiram desde pequeno o faz pensar que é
mais bonito humilhar um professor do que aprender com ele. Eis como
o menino inteligente se transforma num debatedor idiota, vacinado
para todo o sempre contra qualquer conhecimento do assunto em
debate.

As objeções cretinas nascem, decerto, de um impulso saudável. Não há


mais notório sinal de inteligência filosófica do que a capacidade de
perceber contradições, a sensibilidade para a presença de problemas. O
brasileiro tem isso até demais. Contrariando o lugar-comum que afirma
a nossa falta de vocação para a filosofia, eu diria que somos o povo mais
filosófico do planeta. A prova disso é o nosso senso de humor. O
engraçado nasce, como as perguntas filosóficas, da percepção de
incongruências lógicas ou existenciais.

Mas que destino terá o jovem pensador que, a braços com o debate
filosófico, se veja privado de uma perspectiva histórica, de uma visão da
evolução das discussões, de um conhecimento enfim, do status
quaestionis? Mesmo na doce hipótese de que por natural instinto de
comedimento ele se recuse ao bate-boca estéril e prefira trancar-se em

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A origem da burrice nacional

casa para raciocinar a sós, ele não passará nunca de um especulador


maluco, de um novo Brás Cubas a rebuscar em vão soluções já mil vezes
encontradas, a polemizar com as sombras de seus próprios enganos, a
esgotar-se em perguntas estéreis e em tentativas de provar o impossível.
Enfim, cansado e amedrontado de um mergulho solitário que não
arrisca levá-lo senão ao hospício, ele aderirá, por mero instinto
autoterapêutico, ao discurso padronizado mais à mão. Uma carteirinha
do PC do B lhe dará um sentimento de retorno à condição humana. E
não há nada mais perigoso no mundo do que um idiota persuadido da
sua própria normalidade.

Tal é o destino da maior parte da nossa jovem inteligência. (1)

Quem esteja consciente dessas coisas não poderá deixar de admitir que
elas são a conseqüência inapelável da nossa incapacidade, ou recusa, de
absorver o legado histórico da Europa e do mundo. Quanto mais nos
"libertamos" de um passado que daria sentido de historicidade à nossa
inteligência, mais nos tornamos escravos de uma atualidade invasiva
que a desorienta e debilita.

Nesse sentido, os movimentos de "libertação" e de "independência", que


cortaram nossas ligações com as raízes européias, não nos libertaram
senão da base mesma da nossa autodefesa, para nos deixar, inermes e
sonsos, à mercê das perturbadoras casualidades da mídia e da moda.
Roubaram-nos o mapa do mundo, para nos deixar perdidos no meio de
um deserto onde é preciso recomeçar sempre o caminho, de novo e de
novo, para não chegar a parte alguma. Destituíram-nos do senso da
hierarquia e das proporções, para nos tornar escravos de debates

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A origem da burrice nacional

viciados e conjeturações ociosas que não nos deixam pensar nem agir.

Oferecer a um povo esse tipo de falsa libertação é algo que está, para
mim, na escala dos grandes crimes, na escala do genocídio cultural. E
não é de espantar que, no meio de tantas hesitações e equívocos,
ninguém seja capaz de perceber a ligação óbvia entre esse tipo de
iniciativas "modernizantes" e o estado catastrófico de uma cultura que
se entrega sem reação, por mínima que seja, ao estupro midiático
internacional. Não é de espantar que ninguém note o elo de
cumplicidade -- secreta mas indissolúvel -- entre o fetichismo da
independência estereotipada e a realidade da dependência crescente.

Não me perguntem portanto o que acho de Mários, Oswalds, Menottis,


Bopps e tutti quanti, bem como de seus cultores e discípulos atuais que,
desmantelando o idioma sob pretextos morbidamente artificiosos e
pedantes, o entregam inerme nas mãos de quem faz dele a lixeira dos
detritos do inglês midiático. Nem me peçam, em público, para opinar
sobre quaisquer outros importadores de novidades culturais que de
tempos em tempos refazem o Brasil no molde do último figurino.

Esse tipo de reformador cultural deslumbrado, que, sem uma autêntica


visão universal das coisas e movido somente pela comichão de
atualismo, quando não pela ânsia de épater le bourgeois, se mete a
destruir valores que não compreende, é a praga mais nefasta que pode
se abater sobre uma cultura em formação, induzindo-a a destruir as
bases em que começava a se erguer e não pondo em seu lugar senão
pseudo-valores efêmeros cuja rápida substituição abrirá cada vez mais,
sob os pés dela, o abismo sem fim das duvidas ociosas e das perguntas

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A origem da burrice nacional

cretinas.

Se queremos preservar e desenvolver a inteligência do nosso povo, em


vez de a esfarelar em tagarelice estéril, o que temos de importar não é a
novidade: é toda a História, é todo o passado humano. Temos de
espalhar pelas ruas, pelos cartazes, pelos monumentos, pelas livrarias e
pelas escolas as lições de Lao-Tsé e Pitágoras, Vitrúvio e Pacioli,
Aristóteles e Platão, Homero e Dante, Virgílio e Shânkara, Rûmi e Ibn
'Arabi, Tomás e Boaventura.

Quem, antes de fortalecer a inteligência juvenil com esse tipo de


alimento, a perturba e debilita com novidades indigeríveis, é nada
menos que um molestador de menores, um estuprador espiritual. E, se
o faz com intuito político ou comercial, o crime tem ainda o agravante
do motivo torpe.

08/11/99

NOTA

1. ão desprovido de retaguarda histórica está o nosso povo, que o impacto do show


business, entre nós, é mais profundo e devastador do que em qualquer outra
parte.

Tombando como bombas sobre uma superfície mole e disforme onde nada lhes
resiste, as imagens dos os ídolos da TV assumem a dimensão de arquétipos
formadores. O peso de 50 milênios de história da civilização recua para uma
distância inalcançável, torna-se evanescente e como que irreal, enquanto umas
aparências que se agitam na telinha ocupam todo o espaço visível e se impõem
como a única realidade.

Querem medir a profundidade desse impacto? Reparem nos nomes das pessoas.
A cada nova investida da mídia, uma nova geração de brasileiros se desgarra da
história para flutuar, como asteróides errantes, no mundo das identidades

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A origem da burrice nacional

imaginárias: chamam-se "Michael" ou "Diane", quase que invariavelmente


grafados Máiquel, ou Máicom, e Daiane). Inútil explicar isto pelo mero senso de
macaquice. O fenômeno reflete uma doença mais profunda: a completa
vulnerabilidade de um povo desprovido do senso de retaguarda histórica.

Não estou criticando os pais dessas crianças. O que os motiva é um impulso


elevado e nobre. Dar nome a uma criança é libertá-la da escravidão natural e
protegê-la sob o manto da tradição e da cultura. É subtraí-la da insignificância
empírica para elevar sua existência a um sentido universal. O nome de um anjo,
Miguel, Gabriel, faz de seu nascimento uma mensagem de Deus. O nome de um
santo, João, Pedro, Teresa, Inês, alista-a entre os beneficiários de acontecimentos
miraculosos. Os de um animal nobre, de um astro do céu -- Leão, Hélio e Eliana --
associam-na ao simbolismo espiritual das coisas da natureza. Ao chamar suas
crianças de Máiquel e Daiane, o brasileiro pobre expressa o protesto da sua alma
contra a sociedade que as condenou a uma existência irrisória e cinzenta, e busca
associá-las à corrente dos prestígios que representa a vida realizada, plena, feliz.
Mas, em primeiro lugar, Máiquel e Daiane são falsos sentidos universais. Não são
nomes de gente. São griffes, copiadas errado de uma língua desconhecida, falada
num país distante do qual essas crianças estão ainda mais excluídas do que de
uma possível vida feliz na sua terra natal. Para augurar uma vida feliz a essas
crianças seria preciso chamar-lás Miguel e Diana, nomes de forças sutis sem
referência geopolítica. A modulação norte-americana exorcisa o arcanjo e a deusa,
não deixando em seu lugar senão os rótulos que farão de duas vidas humanas os
reflexos anônimos de duas imagens efêmeras.

Há nesse hábito brasileiro um fundo de autocondenação, um evidente sintoma


depressivo. Chamar a uma criança Máiquel ou Daiana é declarar que ela só seria
feliz se tivesse nascido nos Estados Unidos. Mas ao mesmo tempo seu próprio
nome, com grafia errada, prova que não nasceu. Ela está, portanto, condenada ao
infortúnio.

Esses nomes não são bons augúrios, como os do arcanjo São Miguel e da deusa
Diana: são pragas sinistras lançadas sobre inocentes. Precisamente por carregar
nome grotescos essas crianças terão dificuldade de ascender socialmente no seu
próprio país. Em segundo lugar, o personagem cujo nome se copia é, em si
mesmo, um nada, um fogo-fátuo, destinado a desaparecer sob a maré de novas
imagens da mídia. Aos quarenta anos, quem carregue seu nome será um
anacronismo vivo, como o é hoje quem se chame Neil ou por conta de Neil Sedaka
ou Pat em homenagem a Pat Boone.

As intenções dos pais terão se desvanecido junto com essas glórias de quinze
minutos. Os nomes dessas crianças serão as marcas aviltantes de uma irrecorrível
condenação à insignificância.

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Apologia de Émile Boutroux

Apologia de Émile Boutroux

Introdução a: Émile Boutroux, Aristóteles,


Rio, Editora Record, 2000,
Vol. 2 da Biblioteca Record de Filosofia.

Tradução de Olavo de Carvalho e Carlos Nougué (1)

Introdução e notas de Olavo de Carvalho

Apesar do previsível boicote da imprensa incultural, o livro de


Constantin Noica, As Seis Doenças do Espírito Humano, fez sucesso e a
primeira edição já está quase esgotada. Ainda durante este mês de
janeiro irá para as livrarias, segundo informa a Record, o Volume 2 da
Biblioteca de Filosofia que essa prestigiosa editora publica em
convênio com o Instituto Brasileiro de Humanidades. Trata-se do
Aristóteles de Émile Boutroux, a melhor introdução breve ao
pensamento de Aristóteles que alguém já escreveu neste mundo. (O
volume 3, A Origem da Linguagem, de Eugen Rosenstock-Huessy, está

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Apologia de Émile Boutroux

em fase de revisão.) – O. de C.

O texto que se vai ler foi redigido inicialmente por Émile Boutroux
como verbete para a Grande Encyclopédie (Paris, 1886) e depois
incluído pelo autor nos seus Études d’Histoire de la Philosophie (1897).
Com seus cento e tantos anos de idade, ainda é uma das melhores
introduções ao estudo da filosofia de Aristóteles (2), e, fora um ou
outro ponto corrigido pela pesquisa mais recente ~ do qual dou ciência
nas notas de rodapé ~, dificilmente se encontrará um guia mais seguro
para orientar os primeiros passos do estudante que ingressa no
assunto.

A causa dessa vitalidade reside não só no extenso conhecimento que o


autor tinha das obras do Estagirita e de seus comentadores antigos e
modernos, porém, muito mais que isso, na conaturalidade entre seu
espírito e o do mestre que ele celebra como encarnação suprema do
gênio grego.

Excetuando-se talvez F. W. von Schelling e Félix Ravaisson, que o


antecederam sob mais de um aspecto, ninguém no século XIX estava
mais dotado para apreender a intimidade do pensamento de
Aristóteles do que o autor de De la Contingence des Lois de la Nature
(1874), título que, para quem sabe do que se trata, já é toda uma
declaração de aristotelismo.

Para captar o sentido dessa afinidade, é preciso compreender o que

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Apologia de Émile Boutroux

Boutroux queria dizer com a "contingência das leis da natureza".

A história das concepções modernas sobre o mundo físico pode-se


dividir, grosso modo, em duas épocas: o império do mecanicismo e a
era da física indeterminista. O primeiro origina-se no século XVII, com
Galileu, alcançando seu apogeu na centúria seguinte com Descartes e
Newton. A segunda esboça-se no século XVIII, com Leibniz, mas não
alcança sua plena expressão senão dois séculos depois, com Max
Planck e Werner Heisenberg. O confronto desses dois estilos de pensar
a natureza confirma o dito de Arthur O. Lovejoy segundo o qual toda a
história intelectual do Ocidente é apenas um conjunto de notas de
rodapé a Platão e Aristóteles. Pois, no sentido mais rigoroso dos
termos, o mecanicismo clássico é platônico e o indeterminismo
moderno é aristotélico.

Platônico quer dizer, até certo ponto, pitagórico. A noção pitagórica de


que Deus escreve o livro da natureza em caracteres matemáticos,
longo tempo abandonada no Ocidente, foi vigorosamente retomada
pela ciência renascentista, dando surgimento à concepção mecanicista
de que, uma vez apreendidas as equações fundamentais do universo,
tudo o mais se poderia conhecer por dedução matemática.

Nada mais distante da verdade histórica do que a crença popular de


que a nova ciência se voltou para a observação do mundo natural,
negligenciada pelos escolásticos. A primeira objeção que estes
levantaram contra a lei galilaica da inércia foi, precisamente, que ela
se opunha aos fatos observados. Galileu inventou, isto sim, o
experimento matematizado, o que é o mesmo que dizer: o experimento

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Apologia de Émile Boutroux

idealizado, que não corresponde a nenhum fato particular da


experiência, mas sim à "fórmula" matemática por trás dos fatos. A
ciência assim concebida não lidava com a natureza dada na
experiência, mas com estruturas gerais que, governando
invisivelmente os acontecimentos naturais, só são apreensíveis sob a
forma de relações matemáticas. É patente a inspiração platônica deste
recuo da mente desde a multiplicidade sensível à unidade de umas
quantas fórmulas.

Matematização quer dizer, desde logo, simplificação. A antiga ciência


aristotélica também buscava a simplificação, mas sempre pelo método
de remontar dos seres individuais às suas espécies por meio da
abstração e da classificação, permanecendo sempre estreitamente
referida aos dados sensíveis dos quais havia partido. Na ciência
renascentista, o que se busca já não é a "essência" ~ o conteúdo
intelectualmente apreensível por trás dos dados sensíveis ~, mas
apenas a fórmula, a equação que relaciona uns aos outros esses dados
sensíveis, independentemente de qual seja a "natureza" dos seres
considerados. Em ambos os casos a mente procedia por abstração:
mas uma coisa é reduzir vários entes à unidade de seus traços comuns,
suprimindo as variações acidentais, outra coisa é reduzi-los a suas
medidas, proporções e relações. A descrição científica do mundo perde
assim em alcance ontológico e força explicativa o que ganha em
precisão matemática e aplicabilidade técnica. Todos os dados não
redutíveis ao modelo matemático tinham de ser excluídos da área de
investigação, em benefício da coerência do sistema ~ uma perda que,
de início, não pareceu grave, porque as relações matemáticas obtidas

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Apologia de Émile Boutroux
podiam, em seguida, ser aplicadas de volta à natureza sensível,
demonstrando-se exatas. A busca da exatidão vai então cada vez mais
substituindo a busca do quid, da essência, até o ponto em que se torna
possível produzir uma descrição assombrosamente exata e eficaz de
algo que não se tem a menor idéia do que seja.

É absolutamente errado dizer que a nova ciência "derrubou" ou


"contestou" o que quer que fosse da ciência antiga. Ela limitou-se a
mudar de assunto, investigando em outras direções e respondendo a
novas perguntas que jamais tinham interessado à ciência antiga.
Fortemente influenciada por Aristóteles, esta última não acreditava
muito na eficácia do método matemático no domínio das ciências da
natureza. As realidades matemáticas, segundo Aristóteles, são
essencialmente fixas e imutáveis, não podendo por isto corresponder
perfeitamente aos fatos da natureza, que é, por definição, o reino da
mutação ~ do nascimento e da deterioração (genesiV kai ftoraV ,
guênesis kai ftorás). Uma ciência da natureza que procedesse
principalmente por medições e comparações matemáticas chegaria, no
máximo, a leis de probabilidade razoável, objeto da dialética, muito
abaixo do ideal da certeza demonstrativa (apodeixiV , apodêixis), que
era o objetivo supremo da ciência aristotélica.

Mas, no primeiro momento, nenhum dos próceres da nova escola


pensou nisso. Os sucessos da física matematizada eram tão
estrondosos que qualquer objeção aristotélica assumia o ar de uma
negação insensata do fato consumado. Toda a mitologia moderna que
contrasta a imagem de uma ciência medieval puramente lógico-
verbalista com a da nova ciência voltada para "a observação da

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Apologia de Émile Boutroux

natureza" ~ mitologia que ainda é transmitida nas escolas, a despeito


de já mil vezes desmoralizada pela pesquisa histórica ~ nasce,
paradoxalmente, dos sucessos obtidos pela aplicação de modelos
matemáticos que só sob aspectos muito determinados e limitados
correspondiam à realidade observada. Para fazer uma idéia de quanto
a imagem estereotipada da transição renascentista chegou a dominar
as consciências, basta ver que até um homem da autoridade de Albert
Einstein chega a proclamar que Galileu libertou a ciência física de um
jugo aristotélico de mais de um milênio (3). Ora, na época de Galileu,
não fazia nem três séculos que as concepções físicas de Aristóteles
tinham reingressado em circulação no Ocidente, por intermédio de
Sto. Alberto Magno, suscitando, em vez de aprovação geral, uma geral
hostilidade que só aos poucos foi vencida. Por outro lado, é fato que o
aristotelismo dos escolásticos era de tipo muito atenuado pela
mediação da doutrina cristã, e que um aristotelismo strictu sensu só
vem a surgir, por ironia, justamente no renascentismo italiano, com
Pietro Pomponazzi ~ isto é, no período mesmo do qual a cultura de
almanaque transmitida nas escolas e manuais populares data o fim da
hegemonia aristotélica no pensamento ocidental.

Qualquer que fosse o caso, o sucesso do modelo matemático, ampliado


pelos desenvolvimentos extraordinários que lhe deu Newton, conferiu
à nova ciência a autoridade de uma nova revelação sinaítica. De lado
a lado, o continente europeu é varrido por uma onda de matematismo,
que abrange desde as discussões teológicas até a jardinagem:
Descartes aposta na conversão dos infiéis pela argumentação more
geometrico, enquanto nos jardins de Versalhes a vegetação rebelde é

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Apologia de Émile Boutroux
disciplinada até reduzir-se ao formato de um tabuleiro de xadrez.
Deslumbrada pela claridade das equações que aparentemente tudo
explicavam (embora sua força descritiva viesse justamente de
haverem desistido de explicar o que quer que fosse), ainda no século
seguinte ~ que é o da efetiva propagação européia do mecanicismo,
por meio da obra de Voltaire Élements de la Philosophie de Newton
(1738) ~ a exaltação dos entusiastas chega a ver na nova ciência um
novo fiat lux, o retorno ao momento primordial da criação:

God said: "Let Newton be!" ~ and all was light. (4)

Uma das poucas vozes discordantes é Leibniz. Matemático ele próprio,


e dos maiores, mas igualmente versado na filosofia escolástica
(principalmente portuguesa), que os novos filósofos haviam
abandonado sem exame, ele adverte que

"nem toda a natureza do corpo consiste somente na extensão, isto


é, em grandeza, figura e movimento, mas que importa
necessariamente reconhecer nela algo que tenha relação com as
almas e que se designa habitualmente por forma substancial...
Pode-se até demonstrar que a noção da grandeza, da figura e do
movimento não é distinta como se imagina, e que encerra algo de
imaginário e de relativo às nossas percepções." (5)

A ousadia desse parágrafo era tanta, que historicamente seu efeito


ficaria retido por mais dois séculos. A época que acabava de encontrar
mais um argumento para o mecanicismo na distinção de Bacon entre
as qualidades primárias e secundárias dos objetos, isto é, entre a
grandeza e as qualidades sensíveis, acreditando piamente na

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Apologia de Émile Boutroux

objetividade da primeira e na subjetividade das últimas, não podia


mesmo engolir, da noite para o dia, a escandalosa proclamação de que
a grandeza "tem algo de imaginário" e de que aquilo que há de real e
objetivo nos seres é o seu individual e irredutível quid ~ a abominável
"forma substancial" dos escolásticos.

Assim, ficou o dito pelo não dito. A "época das Luzes" faz-se de
avestruz, despede-se de Leibniz com as chacotas de Voltaire (que o
caricatura sob o personagem do Dr. Pangloss) e deixa as objeções para
depois, sem imaginar que renasceriam com força centuplicada no
século XX.

Leibniz, no entanto, já prevê que, pelo caminho matematizante, as


ciências iriam acabar desistindo de toda certeza e tendo de se
contentar com as probabilidades razoáveis de que falava o velho
Aristóteles. Retribuindo o mal com o bem, ele se põe a pesquisar a
matematização das probabilidades, terminando por descobrir o
cálculo infinitesimal, incumbido de determinar a partir de que ponto
uma diferença pequena se torna irrelevante, e construindo assim a
única esperança de que uma física reduzida à probabilidade dialética
possa conservar ainda o estatuto de ciência rigorosa. A utilidade dos
estudos de Leibniz para a ciência do século XX é incomensurável.

Mas, antes que o legado leibniziano pudesse ser retomado, foi


necessário uma longa batalha para abalar e enfim destruir as falsas
certezas em que se fundavam as ambições totalitárias do mecanicismo,
abrindo assim a possibilidade de um retorno à modéstia do
probabilismo aristotélico-leibniziano.

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Apologia de Émile Boutroux

Nessa luta, a contribuição de Émile Boutroux é sem dúvida de um


valor que nem sempre os historiadores lhe têm sabido reconhecer. De
la Contingence des Lois de la Nature é, simplesmente, a contestação
radical das "imutáveis leis matemáticas da natureza" em que o
mecanicismo havia apostado o destino da humanidade européia.

A argumentação de Boutroux parte de uma base kantiana. Nas


matemáticas reina a absoluta necessidade lógica, mas os juízos
matemáticos são puramente analíticos, no sentido kantiano, isto é,
suas conclusões já estão contidas em suas premissas. Assim, por mais
que busquemos adaptar as realidades do mundo sensível a um padrão
de exatidão matemática, jamais o conseguiremos por completo,
porque, de um lado, a ciência da natureza não pode contentar-se com
puros juízos analíticos e deve, ao contrário, produzir juízos sintéticos
obtidos da experiência; por outro lado, esses juízos sintéticos não terão
outro fundamento senão a indução, que não poderá jamais obter senão
certezas aproximativas. Os juízos produzidos pela ciência da natureza
não serão nunca juízos categóricos, mas juízos contingentes.

Se Boutrox tivesse parado aí, teria apenas repetido Kant, assinalando


um limite constitutivo do nosso conhecimento experimental. Mas,
prossegue ele, a contingência não está só nos juízos científicos que
produzimos sobre a natureza: está na natureza mesma. A diferença
essencial entre as entidades matemáticas e os seres do mundo físico
não reflete apenas alguma imperfeição da nossa mente, mas a
natureza mesma destes e daquelas. Se não conseguimos reduzir todo o
cosmos a umas quantas equações das quais tudo o mais se pudesse

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Apologia de Émile Boutroux

deduzir matematicamente, é simplesmente porque os seres da


natureza não são entidades matemáticas, formais, imutáveis, alheias
ao tempo e ao espaço, mas, ao contrário, sua forma mesma de
existência é a mudança no espaço e no tempo. Na natureza, ao
contrário do que acontece no domínio lógico formal, podem acontecer
coisas novas, imprevistas. A necessidade natural existe, sim, mas é
uma necessidade condicional e relativa. Mais ainda, não é um só e
mesmo padrão de necessidade relativa que impera em todo o universo,
mas este se divide em estratos, que vão subindo da necessidade mais
imperiosa até a quase completa indeterminação, não vigorando em
parte alguma nem o absoluto determinismo nem o acaso completo. Daí
que, sendo impossível alcançar uma perfeita exatidão matemática nas
leis gerais da natureza, a matematização da ciência natural acabe
tomando a forma de um raciocínio de aproximação probabilística. (6)

O contingencialismo de Boutroux, se por um lado revigora as críticas


de Aristóteles ao método matemático na filosofia natural, por outro
enuncia da maneira mais enfática o programa que mais tarde viria a
ser realizado pelo indeterminismo de Planck e Heisenberg.

O mais interessante, no caso, é que o próprio Aristóteles, ao enfatizar


as limitações do método matemático em física, não apenas se abstém
de negar toda utilidade a esse método, mas ele próprio lança as bases
para o estudo matemático do movimento, indo, portanto, muito além
do que, na época renascentista, puderam perceber tanto seus
seguidores quanto seus detratores (7). Esta observação, posta em
relevo bem recentemente, mostra que o contingencialismo das leis da
natureza estava bem mais próximo do espírito do aristotelismo do que

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Apologia de Émile Boutroux

talvez o próprio Boutroux o houvesse percebido.

É evidente que a dívida de Boutroux não era só com Aristóteles. Ele


aprendeu muito com a teoria do hábito enunciada pelo seu mestre
Félix Ravaisson, ao qual De la Contingence des Lois de la Nature é
dedicado. Segundo Ravaisson, a capacidade de adquirir hábitos é uma
propriedade geral da natureza. Ravaisson define o hábito como

"a maneira de ser geral e permanente, o estado de uma


existência considerada quer no conjunto dos seus
elementos, quer na sucessão das suas épocas.

Hábito adquirido é aquele que é conseqüência de uma


mudança.

Mas o que se entende especificamente por hábito, e que


constitui o assunto deste trabalho, não é somente o hábito
adquirido, mas o hábito que, em decorrência de uma
mudança, é contraído em relação a essa mudança mesma
que lhe deu nascimento.

Ora, se o hábito, uma vez adquirido, é uma maneira de ser


geral, permanente, e se a mudança é passageira, então o
hábito subsiste para além da mudança da qual é resultado.
Ademais, se ele não se refere, enquanto hábito e por sua
essência mesma, senão à mudança que o engendrou, o
hábito subsiste por uma mudança que já não é e que não é
ainda: por uma mudança possível; ~ eis o sinal mesmo
pelo qual deve ser reconhecido." (8)

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Apologia de Émile Boutroux

No entender de Ravaisson e Boutroux, as proclamadas "leis" da


natureza são em verdade hábitos, que, embora possam permanecer
estáveis por um tempo impensavelmente longo, nada têm de eterno e
imutável.

O contingencialismo não antecipou apenas a física de Planck e


Heisenberg. Ele também resolveu, antecipadamente, todas as
contradições em que viria a debater-se, em seus confrontos com o
mecanicismo das ciências físicas, a escola alemã das "ciências do
espírito" (Geisteswissenschaften). O pressuposto básico de que parte
essa escola é a distinção estabelecida por Wilhelm Dilthey ~ inspirado
em Windelband e Rickert ~ entre "compreensão" e "explicação", a que
corresponde outra, entre "sentido" e "causa". Os fatos da natureza,
segundo Dilthey, explicam-se pelas suas causas; os fatos da história e
da cultura compreendem-se pelo seu sentido. Esta radical oposição de
métodos entre ciências da natureza e da cultura foi logo em seguida
relativizada por Max Weber, ao alegar que, embora sem aspirar a
formular leis causais de ordem geral, as ciências da cultura não
podem abdicar totalmente da explicação causal nem do instrumental
matemático.

Esta objeção de Weber foi amplamente aceita pelos cientistas sociais,


mas pouquíssimos dentre eles tiveram a ousadia de levá-la às suas
últimas conseqüências. Que conseqüências? Simplesmente isto: Se o
método causal e matemático não pode ser excluído da ciências
humanas, quem garante que, reciprocamente, o método compreensivo
não possa ser aplicado às ciências da natureza? Falar num sentido dos

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Apologia de Émile Boutroux

fatos da natureza é, para o mecanicista de estrita observância,


anátema. A natureza tal como enfocada pela ciência desde Galileu é
pura coisa, objetividade muda. Toda tentativa de captar nos fatos do
universo um sentido, um valor, é pura "criação cultural", para não
dizer antropomorfismo primitivo. Mas será mesmo assim? O combate
à concepção coisista da natureza começou, no nosso século, da
maneira mais modesta, em círculos de marginais e excluídos da
comunidade acadêmica. O primeiro deles foi René Guénon. Em O
Reino da Quantidade e os Sinais dos Tempos (1945), ele atacou, com
base na cosmologia vedantina, a redução da ciência natural aos
aspectos quantitativos, que separa artificialmente mundo natural e
mundo humano, e exigiu um retorno a antigas cosmologias que
integravam ambos numa visão da natureza como manifestação visível
de realidades espirituais. Titus Burckhardt, um continuador de
Guénon, assim resume a crítica do mestre:

"A mais mínima percepção, o fato de que apreendamos


com os sentidos um objeto qualquer, de que o
incorporemos à rede de imagens interiores e de que o
espírito o reconheça como verdadeiro e real, constitui um
processo indivisível que demonstra como, neste mundo,
condições de tipo muito variado se inserem umas nas
outras, umas em modo espaço-temporal, outras em modo
temporal não espacial e outras, ainda, em modo supra-
espacial e supratemporal. Disto resulta que a ‘realidade’
não consiste em meras ‘coisas’, mas representa uma ordem
de inconcebível sutileza e multiplicidade de níveis. Todos

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Apologia de Émile Boutroux

os povos que não estejam deformados pela modernidade


sabem disso. Ter consciência da multíplice gradação
interna da existência faz parte da experiência primordial
humana. Só em virtude de uma evolução muito peculiar do
pensamento foi possível chegar ao ponto de aceitar uma
ciência baseada exclusivamente em dados numéricos como
explicação satisfatória do cosmos." (9)

Embora Guénon fosse ainda mais fundo na crítica, demonstrando, em


Les Principes du Calcul Infinitésimal (1952), que a ciência
quantitativista acabara perdendo a noção mesma do que era
quantidade e entrando com isto nas mais grotescas contradições, a
comunidade acadêmica fez questão estrita de ignorá-lo.

Mas, aos poucos, críticas semelhantes começaram a brotar de dentro


do próprio grêmio. Edmund Husserl, talvez o filósofo de maior
influência nos círculos acadêmicos europeus de sua época, mostra, em
A Crise das Ciências Européias, que a matematização da imagem da
natureza importa em ignorar diferenças decisivas entre estratos da
realidade. Uns anos depois, a antropóloga Mary Douglas contesta a
noção de que todos os significados entrevistos na natureza por
civilizações antigas sejam meras "criações culturais" arbitrárias, sem
conexão com propriedades objetivas da natureza: sem apoio em dados
objetivos da natureza, nenhum simbolismo é possível. (10) O
simbolismo natural não apenas existe mas é a condição mesma para a
existência das culturas. O ataque se radicaliza quando Seyyed Hossein
Nasr, laureado historiador das ciências, lança sobre a concepção
quantitativista da natureza a culpa pelo desastre ecológico, que, a essa

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Apologia de Émile Boutroux

altura, começa a preocupar os meios científicos. (11) Quase ao mesmo


tempo, Raymond Ruyer, biólogo eminente, informa ao mundo que o
conjunto de idéias cosmológicas informalmente compartilhado pela
elite científica norte-americana não só se opõe radicalmente a todo
cientificismo mecanicista mas forma, de maneira quase espontânea, as
bases de uma visão gnóstica do universo. E uma das bases dessa gnose
é justamente a constatação de que todo materialismo mecanicista
toma o mundo pelo avesso:

"O materialismo consiste em crer que ‘tudo é objeto’, ‘tudo


é exterior’, ‘tudo é coisa’. Ele toma por pressuposto o
caráter ‘superficial’ da percepção visual e da consciência
científica. Ele toma como ‘lado direito’ o avesso dos
seres." (12)

Em direta oposição a essa visão das coisas, os gnósticos de Princeton


insistiam em que a forma própria de existência de tudo quanto existe é
ser algo em si mesmo, é possuir um quid, uma consistência interna,
uma identidade e, no fim das contas, quase um ego. (13)

De um passo, a ciência do século XX não apenas voltava às formas


substanciais dos escolásticos e de Leibniz mas também demolia o muro
entre ciências da natureza e ciências da cultura, entre "explicação" e
"compreensão". Na perspectiva de Ruyer, já não seria descabido a um
físico ou a um biólogo indagar, para além das causas e processos, o
sentido de um fato natural. Estava assim aberta a via para a
reconstituição da ciência compreensiva da natureza reivindicada por
Guénon, Burckhartdt e Nasr. E um dos instrumentos que Ruyer

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Apologia de Émile Boutroux

apontava como mais promissores nesse sentido era justamente uma


disciplina científica de criação recente que até então, aplicada
unilateralmente ao domínio das ciências humanas, parecera destinada
a fortalecer os preconceitos matematizantes: a teoria da informação.
Nas ciências da natureza, ela daria o resultado inverso: uma vez
enfocado qualquer fenômeno natural como um processo de
transmissão e recepção de informações, a consideração de um sentido
se tornava não apenas uma possibilidade, mas uma necessidade.

Não é preciso exagerar, na história da progressiva demolição da fé


mecanicista, o papel que depois de Ruyer desempenharam Thomas
Kuhn, com a teoria das "revoluções científicas", e Michel Foucault, com
a alegação de que as epistemes ~ sistemas de chaves básicas de todo o
pensamento científico de uma época ~ se sucedem de maneira
arbitrária. A irracionalidade da História ~ até mesmo da História das
ciências ~ nada prova contra a razão. Mas dificilmente a crença na
mecanicidade matemática do universo poderia resistir a um abalo
como o que lhe deu o biólogo Rupert Sheldrake com sua teoria da
ressonância mórfica:

"A Natureza é essencialmente habitual. Entre os gregos


desenvolveu-se a idéia de que o mundo é governado por
princípios invisíveis, não-materiais, que transcendem
espaço e tempo. Os pitagóricos conceberam-nos como
números e relações numéricas; os platônicos, como idéias
ou Formas intemporais. Estes pressupostos erigiram-se em
fundamentos da ciência moderna, e do século XVII em
diante os princípios imateriais governantes do universo

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Apologia de Émile Boutroux

material foram concebidos como leis imutáveis moldadas


por um Deus matemático.

Até a década de 60, essa velha idéia parecia mais ou menos


inquestionável; o universo mesmo era visto como uma
máquina eterna, e portanto o que poderia ser mais natural
do que o fato de leis o governarem? Mas, com a revolução
cosmológica causada pela teoria do Big Bang, o cosmos
tornou-se mais parecido com um organismo em
desenvolvimento do que com uma máquina eterna. Ele
parece ter nascido uns 15 milhões de anos atrás, e ter-se
desenvolvido e crescido desde então. A totalidade da
natureza evoluiu; um dia não houve átomos, nem
moléculas, nem estrelas ou planetas, nem cristais ou
células viventes. Todos esses sistemas desenvolveram-se
no curso do tempo. Assim, por que continuaríamos a
pressupor que num universo em evolução as leis que os
governam foram fixadas de antemão, antes até que o
universo viesse a existir?

Por que não explorar a possibilidade de que as


regularidades da natureza tenham efetivamente evoluído?
Talvez elas dependam de hábitos que se desenvolvem
organicamente dentro do universo, antes que de leis
impostas por uma mente matemática preexistente."

A idéia de que as regularidades da natureza se assemelham antes a


hábitos do que a leis eternas foi proposta por Sheldrake no livro A New

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Apologia de Émile Boutroux

Science of Life: The Hypothesis of Formative Causation ("Uma Nova


Ciência da Vida: A Hipótese da Causalidade Formativa"), em 1981, e
desenvolvida em The Presence of the Past: Morphic Resonance and the
Habits of Nature ("A Presença do Passado: A Ressonância Mórfica e os
Hábitos da Natureza", 1988).

Essa hipótese postula que os sistemas auto-organizantes,


de todos os níveis de complexidade ¾ como átomos,
moléculas, cristais, células, organismos, sociedades,
planetas e galáxias ¾ , são estruturados por campos
específicos chamados campos mórficos, e que estes
campos contêm uma espécie de memória coletiva derivada
de coisas anteriores da sua mesma espécie. Assim, cada
cristal de aspirina, por exemplo, ou cada pé de carvalho, é
moldado por um campo que é ele mesmo moldado pela
influência cumulativa dos cristais de aspirina e pés de
carvalho que os antecederam. A influência dos sistemas
similares anteriores, agindo através ou por meio do espaço
e do tempo, ocorre pelo processo da ressonância mórfica,
que envolve uma ação do semelhante sobre o semelhante.
(14)

Paracelso ou Agrippa não diriam isso melhor. A teoria da ressonância


traz de volta, precisamente, as velhas noções da analogia, das
simpatias, das correspondências, enfim as similitudes, (15) tão
decisivas na filosofia antiga e medieval da natureza, que a episteme

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Apologia de Émile Boutroux

renascentista acreditava haver banido para sempre e que,


historicamente falando, só tinham sobrevivido, a duras penas, no
interior do gueto esotérico perpetuamente assediado pela inquisição
científica moderna.

A ciência deste fim de século pode não estar ainda totalmente livre da
contaminação mecanicista, com o seu cortejo de seqüelas totalitárias.
Mas a ampliação do horizonte das perguntas possíveis foi tal, que hoje
em dia nenhum filósofo ou cientista pode, sem incorrer em pecado de
dogmatismo que não passará despercebido a ninguém, proclamar a
existência de um abismo intransponível entre a ciência moderna e a
ciência antiga e medieval, nem muito menos instalar-se na primeira
com a presunção cega com que, ainda em 1932, um Léon Brunschvicg,
lendo os sábios do passado, se sentia um homem adulto a ouvir
histórias de crianças. (16)

Mas, no século passado ~ no século de Darwin e Spencer, de Haeckel e


Comte ~, essa presunção imperava por toda parte, e o establishment
acadêmico fazia coro quase unânime à profecia de Renan:

"A ciência não terá destruído os sonhos do passado senão


para lhes pôr no lugar uma realidade mil vezes
superior." (17)

Desafiar essa certeza era expor-se à chacota, ao boicote, ao


isolamento. E o que mais impressiona, na filosofia francesa do século
XIX, é a vigorosa atualidade que apresenta, para nós de hoje, o grupo
de pensadores que, dentro da própria cidadela acadêmica, ousaram

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Apologia de Émile Boutroux

opor-se a esse formidável consenso. Ler hoje Renan ou Comte, ou


qualquer dos outros profetas do império científico-materialista, é
sentir o cheiro inconfundível da morte e do passado. Ler Ravaisson,
Ollé-Laprune, Lachelier, mas principalmente Boutroux, é entrar numa
atmosfera que é nossa e, em certos momentos, é conversar com alguém
que nos fala, por antecipação, do mesmo tipo de ciência que hoje salta
do século XX para o terceiro milênio.

Curiosamente, muito do pensamento desses precursores permanece


desconhecido daqueles que, por descendência direta ou até mesmo
ressonância mórfica, expõem hoje idéias análogas às suas. No
parágrafo de Sheldrake acima citado, fica bem claro que ele ignora
por completo que a doutrina dos hábitos da natureza já fora exposta,
com todas as letras, com mais de cem anos de antecedência, por Émile
Boutroux, partindo de uma idéia de seu mestre Félix Ravaisson.

Nem Ravaisson nem Boutroux jamais esconderam o que suas idéias


deviam a Schelling, a Leibniz e sobretudo a Aristóteles. Idêntica dívida
têm hoje, sabendo-o ou não, os homens de ciência que se abrem ao
estudo dos imprevistos, das singularidades irrepetíveis, do misterioso
acordo entre ordem e desordem que se observa por toda parte num
cosmos bem diferente da máquina, escrava da ordem matemática,
imaginada pela ciência renascentista. (18) A distinção de Aristóteles
entre um reino celeste e metafísico, regido por leis eternas, e um
mundo sublunar ou natural, submetido à mudança e capaz de imitar a
estabilidade do primeiro mediante algum meio-termo entre mudança e
permanência, é uma idéia que ressoa, com toda a sua força, não só nas
descobertas de Sheldrake mas ~ só para dar mais um exemplo ~ na

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Apologia de Émile Boutroux

teoria das catástrofes de René Thom. (19)

Mas a simples capacidade de extrair riquezas de dentro de um legado


aristotélico que estava soterrado sob três séculos de maledicência já
mostra a poderosa independência de pensamento que animava
aqueles dois filósofos franceses, aquela independência que lhes
permitia examinar a ciência antiga com uma visão direta e objetiva,
saltando por cima das viseiras impostas pelo establishment acadêmico
de então.

No caso de Boutroux, essa independência soma-se a outro fator, que o


torna, também, um esplêndido historiador da filosofia. É que o filósofo
da contingência, tendo rejeitado as supostas leis eternas da natureza,
não poderia em seguida cair escravo ante pretensas leis de ferro do
devir histórico, a cujo culto a influência hegeliana vinha afeiçoando
boa parte da intelectualidade européia. Como frisou André Canivez,
Boutroux, em seus estudos históricos,

"se opõe ao neo-hegelianismo e insiste numa filosofia da


história que não seja demonstração de uma regularidade
preestabelecida no fundo de singularidades parciais
mutuamente neutralizadas. Ele preferiu trazer à luz a
atividade do livre-arbítrio no fio da continuidade histórica.
Não há um sistema da história. Ela não é a ressurreição das
doutrinas mortas, mas o acionamento de seus recursos
inesgotáveis. O historiador une-se, assim, ao teórico da
contingência". (20)

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Apologia de Émile Boutroux

Não há, de fato, compreensão mais humilde, mais objetiva e mais


profunda de uma filosofia do que aquela que, em vez de "explicá-la"
pelo "seu tempo histórico", remetendo-a ao museu das idéias
inofensivas, (21) busca, ao contrário, compreender-se a si mesma por
ela, revigorando a sua força e a sua luz originárias e demonstrando
mais uma vez a verdade da sentença de Hoffmansthal: "Para o
espírito, tudo está presente."

O Aristóteles que o leitor vai encontrar no presente volume ~ e também


aquele que se encontrará nas Lições sobre Aristóteles, do mesmo autor,
a ser publicadas em breve nesta coleção ~ não é portanto um dado
histórico de uma cultura extinta, exibido por um arqueólogo, mas um
tesouro filosófico e científico revivificado por um intérprete capaz de
"pôr em ação os seus recursos inesgotáveis".

Rio de Janeiro, 31 de Julho de 1999

Olavo de Carvalho

NOTAS

1. Utilizamos para a tradução o texto da 4ª ed., Paris, Alcan, 1925. Por motivos
técnicos, omitimos nesta edição os acentos das palavras gregas citadas.
2. E, para continuar esses estudos, nada melhor que as Lições sobre Aristóteles
pronunciadas por Boutroux na École Normale Supérieure entre 1879 e 1879, que
serão publicadas proximamente nesta coleção.
3. Albert Einstein e Leopold Infeld, A Evolução da Física, trad. Giasone Rebuà, Rio,
Zahar, 1976, Cap. I ("A ascensão do conceito mecânico").

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Apologia de Émile Boutroux

4. William Blake.
5. Discours de Métaphysique, § 12.
6. Cf. N. Denyer, "Can physics be exact?", em F. De Gandt e P. Souffrin (eds.), La
Physique d’Aristote et les Conditions d’une Science de la Nature. Actes du
Colloque organisé par le Séminaire d’Epistémologie et d’Histoire des Sciences de
Nice, Paris, Vrin, 1991, pp. 73-83.
7. Cf. F. De Gandt, "Sur la détermination du mouvement selon Aristote et les
conditions d’une mathématisation", em F. De Gandt e P. Souffrin, op. cit., pp. 85-
105.
8. De l’Habitude (1838), ed. Jean-François Courtine, Paris, Vrin, 1984, p. 1. ~ Do
Hábito é uma das edições programadas para a presente coleção.
9. Ciencia Moderna y Sabiduría Tradicional, trad. Jordi Quingles y Alejandro
Corniero, Madri, Taurus, 1979, p. 9. ~ Uma coletânea de escritos de Burckhardt
sobre o tema está programada para a presente coleção.
10. Símbolos Naturales. Exploraciones en Cosmología, trad. Carmen Criado, Madri,
Alianza Editorial, 1988.
11. The Encounter of Man and Nature. The Spiritual Crisis of Modern Man,
Londres, Allen and Unwin, 1968 (Há tradução brasileira, O Homem e a Natureza,
Rio, Zahar).
12. Raymond Ruyer, La Gnose de Princeton. Des Savants à la Recherche d’une
Réligion, 2ª ed., Paris, 1977.
13. Op. cit., p. 59.
14. "The principles of universal habit", publicado em: Peter Lorie and Sidd Murray-
Clark, History of the Future: a Chronology, Londres, Pyramid Books, 1989, pp.
16-19.
15. V. Michel Foucault, Les Mots et les Choses. Une Archéologie des Sciences
Humaines, Paris, Gallimard, 1966, pp. 32 ss.
16. Léon Brunchvicg, Les Âges de l’Intelligence, Paris, P.U.F., 1934 (curso da
Sorbonne em 1932; 4ª ed., 1954).
17. Ernest Renan, L’Avenir de la Science, em Pages Choisies, Paris, Calmann-Lévy,
1890, p. 231.
18. Que Aristóteles visse nos astros uma estabilidade e permanência divinas,
confundindo assim com o reino metafísico uma parte do mundo físico, é
evidentemente uma aplicação particular errada de uma distinção geral que, em si,
permanece válida. Mas tal era a atmosfera de hostilidade antiaristotélica (no
fundo, antiescolástica ou anticatólica) no Renascimento, que a criança foi jogada
fora com a água do banho: ao rejeitar as concepções astronômicas de Aristóteles,
a nova ciência desprezou, junto com elas, a fina distinção entre o domínio físico e
o metafísico, que já continha em seu bojo a antecipação do probabilismo
leibniziano. Confundindo o acidental com o essencial, viciou na raiz suas próprias
aspirações de progresso e acabou por aprisionar-se, pois dois séculos, na ilusão
mecanicista.
19. V. René Thom, "Matière, forme et catastrophes", em M. A. Sinaceur (org.), Penser
avec Aristote, Toulouse, Ères-Unesco, 1991, pp. 367-398.
20. André Canivez, "Aspects de la philosophie française", em Yvon Belaval (org.),

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Apologia de Émile Boutroux

Histoire de la Philosophie, Paris, Gallimard (Bibliothèque de la Pléiade), 1974, t.


III, p. 455.
21. V. Olavo de Carvalho, O Futuro do Pensamento Brasileiro, Rio, Faculdade da
Cidade Editora, 2ª ed., 1997, cap. I, § 1, "A história e o sentido da eternidade".

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

Gilberto Freyre:
maior que a própria imagem

Escrevi esta introdução, a pedido do embaixador Jerônimo Moscardo,


para a edição romena de Casa Grande & Senzala, em curso de
publicação pela Fundação Brasil-Romênia, Bucareste. — O. de C.

Foi o crítico paulista Antônio Cândido quem delineou a imagem


consagrada com que Gilberto Freyre aparece, hoje, no panteão da
memória nacional. Essa imagem está inseparavelmente associada à
"redescoberta do Brasil" na década de 30, movimento que, assinalando
um súbito florescimento das ciências sociais e a abertura de novas
possibilidades para a compreensão da história nacional, encontrou suas
expressões mais altas e mais típicas em três livros que se tornaram
clássicos: Formação Histórica do Brasil, de Caio Prado Júnior, Raízes
do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda, e Casa Grande & Senzala, de
Gilberto Freyre.

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

O que havia em comum nesses três livros era a introdução, no estudo da


sociedade brasileira, de novos métodos de investigação importados dos
centros criadores do pensamento mundial. Caio Prado Jr. trazia a
primeira interpretação marxista mais consistente (porque
inconsistentes já havia muitas) das bases da nossa formação; Buarque
de Hollanda aplicava à compreensão da realidade brasileira os
instrumentos da nova escola histórica francesa; Gilberto, os da moderna
ciência antropológica norte-americana, adquiridos de Franz Boas na
Columbia University.

Somadas, essas contribuições davam um giro considerável nos estudos


sociais brasileiros, até então dominados pela mentalidade oitocentista
do positivismo (mais de Littré que de Comte) e do evolucionismo (mais
de Spencer e de Haeckel que de Darwin), interpretados, além disso,
mais à luz de intuições literárias improvisadas que de uma discussão
científica pesada.

Os efeitos dessa renovação do pensamento propagaram-se muito além


dos círculos acadêmicos. Ajudaram a moldar as correntes políticas que
então se formavam na esteira da Revolução de 1930 chefiada por
Getúlio Vargas, movimento autoritário e nacionalista, mas rico de
promessas graças à sua própria ambigüidade constitutiva, na qual
haveria lugar para o desenvolvimento de três linhas de influência
ideológica reforçadas, se não geradas, pelos três livros de que estamos
falando, embora nenhum de seus autores fosse adepto ex professo do
regime produzido pela Revolução. É que, mais que um regime político, a
"era Vargas", malgrado todos os conflitos e mesmo as crueldades que a

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

assinalaram, foi uma época de tomada de consciência da nacionalidade,


um tempo de extraordinária autoconfiança patriótica que mudou o
ritmo da nossa História e marcou, de uma vez para sempre, a fisionomia
do Brasil. Uma de suas características mais fecundas — e certamente aí
reside a explicação do brilho invulgar que rodeia sua imagem histórica
— foi justamente sua capacidade de absorver na ideologia
governamental, rapidamente e sem a menor reserva, todas as criações
mais notáveis do pensamento, das artes e das letras. Vargas, homem
culto e conhecedor certeiro da alma humana, não se contentava em
proteger, desde fora e na posição de mecenas oficial, as manifestações
da cultura. Ele as compreendia profundamente, com notável visão
intuitiva da contribuição que cada uma, com as extremas diferenças
individuais que as singularizavam, trazia à definição do perfil nacional.
Assim, por exemplo, ele percebeu de imediato a extraordinária elevação
de nível que a obra de Heitor Villa-Lobos trazia ao padrão musical
brasileiro, e investiu o maestro de plenos poderes para implantar, em
todas as escolas do país, o ensino do canto coral. Ao mesmo tempo,
promoveu o samba dos morros cariocas ao estatuto de síntese da
musicalidade popular brasileira — um papel que esse ritmo, na verdade
apenas uma das centenas de expressões regionais num país que é talvez
o mais variado do mundo sob esse aspecto, conserva até hoje perante o
mundo. Considerada enquanto símbolo da nacionalidade, a mulata
sambando na avenida é, a rigor, uma invenção de Getúlio Vargas. Ao
mesmo tempo que fomentava as ciências e a discussão filosófica,
cercando-se de homens de gênio como o jurista Francisco Campos e o
filósofo Djacir Menezes, estendendo a proteção oficial dos cargos
públicos até mesmo aos escritores mais notoriamente hostis ao regime,

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

como Graciliano Ramos — comunista libertado da prisão por iniciativa


pessoal do presidente —, Vargas incentivava a produção de comédias
cinematográficas, as célebres "chanchadas" dos estúdios Atlântida — de
uma graça despretensiosa que ainda hoje faz rir.

Definir e realçar a personalidade da nação foi uma das preocupações


centrais do governo Vargas — e aqui os três livros que mencionamos
desempenharam papéis essenciais. O de Buarque de Hollanda forneceu
ao regime um dos temas principais do seu discurso ideológico: o
conceito da "cordialidade" como o traço singularizador do povo
brasileiro. O termo, que expressa eficazmente a primeira impressão que
todo visitante tem da conduta nacional, suscitou polêmicas sem fim e,
em tempos mais recentes, teóricos interessados em enfatizar a
"violência do sistema" para legitimar a violência revolucionária têm
denunciado a "cordialidade" como um mito criado pela propaganda
oficial de Vargas. A imputação é falsa. Buarque de Hollanda era um
cientista sério e, ademais, um aristocrata paulista que não podia ver
com bons olhos o regime do populista gaúcho. Se sua observação exata
da conduta brasileira deu um argumento ao regime, isto prova apenas
que as ditaduras às vezes podem dizer a verdade.

O livro de Caio Prado Jr. pareceria, dos três, o menos assimilável. Mas o
alinhamento tático dos comunistas com a burguesia nacionalista,
estritamente seguido pelo autor, fez com que a análise marxista da
nossa História se tornasse um argumento em favor da industrialização
do país, então iniciada por empresários de São Paulo com o apoio de um
governo fortemente imbuído das idéias protecionistas do economista
romeno Mihail Manoilescu. Da Formação do Brasil Contemporâneo, as

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

classes dirigentes, com a anuência tácita dos comunistas, só absorveram


o que trazia água ao moinho de Manoilescu, deixando a luta de classes
para depois.

Finalmente, o livro de Gilberto trazia ao governo Vargas a peça mais


importante do seu discurso nacionalista: um anti-racismo solidamente
fundamentado e a defesa entusiástica da miscigenação, celebrada como
causa da singularidade brasileira, numa linha que depois seria adotada
também, com belicosa e sarcástica eloqüência, por Darcy Ribeiro,
também antropólogo. E se Gilberto agiu como puro descendente
intelectual de Franz Boas, sem qualquer interesse político num regime a
que em seguida viria a se opor abertamente como deputado eleito por
um partido liberal, Darcy, por seu lado, se tornaria o principal teórico e
mentor do governo nacional-esquerdista de João Goulart, o principal
herdeiro ideológico de Getúlio Vargas.

Num ambiente em que o evolucionismo anglo-saxônico aliado à moda


racista germanizante fazia a elite olhar com crescente desânimo a nossa
população de mestiços, a prova gilbertiana da eficácia da adaptação de
mulatos e cafuzos ao trabalho nos trópicos despertou subitamente a
consciência do valor da nacionalidade e criou uma atmosfera de orgulho
e esperança que muito contribuiu para os ambiciosos planos reformistas
do governo Vargas.

Considerados como expressão "do seu tempo", esses três livros

marcaram portanto (1o.) a inauguração do nacional-progressismo como


ideologia dominante das elites intelectuais brasileiras; (2o.) a
independência das ciências sociais brasileiras em relação a suas fontes

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

tradicionais oitocentistas, e o início de uma nova era marcada pela


influência predominante da escola histórica francesa, do marxismo e da
antropologia norte-americana.

Assim situado historicamente, Gilberto Freyre, com todas as honras de


pioneiro que ninguém lhe nega, pôde ser facilmente datado, catalogado
e embalsamado. Quando Antônio Cândido celebra a leitura de Casa
Grande & Senzala nivelando-a à dos outros dois livros e fechando-a no
nicho das influências decisivas que formaram sua própria geração, a
glória máxima do homenageado reduzia-se enfim à de precursor do
homenageante. Mas Antônio Cândido não punha, nisso, a menor
pretensão pessoal. Homem discreto e sutil, afinado com os seus colegas
de ofício, falava em nome de sua geração. Que geração? A dos antigos
estudantes que agora, na data em que ele escrevia, se haviam tornado
professores e dominavam a maior universidade brasileira — a de São
Paulo —, aí implantando, aos poucos e com as mais escrupulosas
precauções acadêmicas, a hegemonia marxista que hoje, consagrada, já
se escancara sem precaução ou escrupulosidade alguma.

Que a ambígua homenagem de Antônio Cândido objetivava no fim das


contas contribuir apenas para esse resultado, neutralizando
polidamente qualquer resistência que pudesse inspirar-se no
democratismo liberal de Freyre, é algo que se vê pela continuação
imediata da história. Após esse prefácio marcante, logo a primeira
manifestação da USP a respeito de Gilberto Freyre toma a forma de uma
pretensa Aufhebung marxista do seu pensamento. Ideologia da Cultura
Brasileira, de Carlos Guilherme Mota, tirava a conclusão lógica dos
postulados de Cândido: se Gilberto tinha sido a expressão da ideologia

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

nacionalista de uma época extinta, essa expressão, considerada no fio do


tempo, nada mais podia significar senão uma etapa dialética em direção
ao reino uspiano das luzes; e Gilberto, não aderindo à nova corrente,
sobrevivera-se a si mesmo e esclerosara-se no reacionarismo, como o
provava seu recente apoio ao regime militar, bête noire da
intelectualidade esquerdista e da USP em particular. Reconhecendo a
presença de sementes "progressistas" no ventre da obra gilbertiana,
Mota diagnosticava sua coexistência dialética com outras tantas
"reacionárias", para em seguida colocar-se a si mesmo (e, como perfeito
cavalheiro, a seus colegas de universidade) entre os frutos das
primeiras, cabendo a Gilberto em pessoa o papel de joio do seu próprio
trigal.

Assim, a USP passava, sutilmente, da homenagem ambígua à


condenação explícita. Que ao mesmo tempo um homem de idéias
bastante similares às de Gilberto — Darcy Ribeiro — fosse poupado de
equivalente vexame, graças ao fato de ter-se alinhado aos inimigos do
regime militar, mostra até que ponto as idéias no Brasil podem ser
julgadas não pela sua veracidade ou falsidade intrínsecas, mas pelas
atitudes políticas de ocasião que, com ou sem relação com elas, seus
autores venham a assumir. E tão estupidificada pela politização se
encontrava o debate público, que ninguém pareceu se dar conta de que,
se os dois teóricos máximos da miscigenação brasileira, em tudo e por
tudo nela concordes, podiam ter optado por dois campos políticos
opostos, era porque, obviamente, essa teoria não falava em favor de um
campo ou de outro e não cabia julgá-la politicamente. Mas dizer isto é,
ainda hoje, e tragicamente cada vez mais, para um desses campos a

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

prova de que estamos no outro e de que, como inimigos, no sentido que


Carl Schmitt dá ao termo, não devemos ser admitidos no debate
intelectual.

Gilberto Freyre, homem avesso a disputas ideológicas, reagiu ante esse


fenômeno como puro cientista social, investigando as causas que
podiam levar homens de formação científica — e da melhor formação —
a perverter o aparato conceitual da ciência em puro instrumento de
retórica sectária. Foi daí que surgiu, na terminologia sociológica
freyreana, o conceito do "intelectuário", misto de intelectual e
funcionário — do Partido, do Estado, da seita religiosa.

Toda a interpretação intelectuária do pensamento de Gilberto Freyre


nasce de um erro de perspectiva: toma como centro e ápice da obra
interpretada o que é centro dos interesses do intérprete. Casa Grande &
Senzala, que para seu autor era apenas um primeiro ensaio aplicativo de
um método ainda em fase de concepção, tornou-se, graças ao impacto
que obteve sobre uma determinada geração de leitores, a última palavra
de Gilberto Freyre. À luz deste livro, ou à sombra dele, foi
compreendido o restante do empreendimento freyreano, inclusive nos
desenvolvimentos teóricos mais elaborados e consistentes que viria a
alcançar nos dois volumes da Sociologia (1945) e nas aplicações mais
avançadas de Além do Apenas Moderno (1973). Em vez de subordinar
as etapas ao sentido do conjunto, ordenado segundo a enteléquia que o
primeiro livro do autor apenas insinua, inverteu-se a prioridade,
fazendo do começo o fim e o limite e tornando invisível, ou irrelevante,
tudo o que veio depois.

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

Muito contribuiram para esse efeito, de um lado, as qualidades


estilísticas do livro, decerto um dos escritos mais realizados do autor,
literariamente, e, de outro lado, a hegemonia que a geração de leitores
representada por Antônio Cândido exerceu sobre a opinião média do
leitor culto brasileiro, exceto na província natal de Freyre, esse
Pernambuco tão forte no caráter quanto independente nas idéias e
incapaz de vergar-se à opinião dominante nos centros mais prósperos e
ruidosos. Não é exagero dizer que, se todo o Brasil leu Casa Grande &
Senzala, só os intelectuais pernambucanos — um Pessoa de Moraes, um
Vamireh Chacon — meditaram profundamente as lições posteriores de
Gilberto Freyre, chegando a apreender o sentido global da arquitetônica
em que esse livro se inseria como pedra inaugural e não como fecho de
abóbada, enquanto os sulistas e especialmente os paulistas se cerravam
na retrovisão congelada, hipnótica, do impacto inicial de 1933.

É evidente que Casa Grande & Senzala, por si, já trazia em germe toda a
ciência freyreana, mas, como dizia Hegel, quando perguntamos o que é
um carvalho não nos contentamos com que alguém nos mostre uma
bolota. O sentido pleno desse grande livro, só o conquista quem
consinta em examiná-lo à luz de tudo o que dele foi provindo, aos
poucos, no curso de uma carreira de cientista, pensador e escritor que
foi marcada pela auto-renovação constante numa linha de fidelidade a
um projeto inicial. Aí revela-se que esse projeto não foi só o de renovar
os estudos sociais brasileiros mediante a aplicação de novos métodos
aprendidos no Exterior, especialmente de Franz Boas, mas, ao
contrário, o de renovar toda a ciência social mundial mediante a
invenção de métodos revolucionários, que ao mestre de Columbia

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem
deviam bem menos do que Casa Grande & Senzala, tomado
isoladamente, daria a perceber.

De Franz Boas Gilberto aprendeu, em primeiro lugar, o comedimento


extremo e quase tímido nas generalizações; em segundo lugar, a
ponderação dos fatores culturais, psico-sociais, educacionais e médico-
sanitários no exame das relações entre as raças, que acabava por
neutralizar as pretensões de superioridade intrínseca de qualquer delas.

Isso, no Brasil de 1933, bastou para virar tudo do avesso, tornando em


motivo de orgulho o que era motivo de descrença e fazendo de Casa
Grande & Senzala o marco unanimente reconhecido de uma nova etapa
não só das nossas ciências sociais, mas da nossa autoconsciência
nacional.

Já é muito, para um livro só. Mas reduzir a esse primeiro capítulo a


contribuição de Gilberto Freyre, fazendo do restante de sua obra apenas
a acumulação de detalhes comprobatórios a uma tese já vitoriosa, é,
francamente, ocultar uma vida de glórias sob a sombra de uma
juventude promissora.

No conjunto, a obra de Freyre representa a constituição de toda uma


nova ciência social — ou melhor, de um novo edifício inteiro das
ciências humanas — com base no pressuposto ecológico, eco-histórico
ou eco-cósmico, da unidade biológica da espécie humana e da unidade
espacial do cenário onde se desenrola a sua história. É dessa dupla
unidade, Homem e Terra, considerada na diferenciação dos tempos, das
condições locais e das ações possibilitadas pela liberdade humana, que
decorre a unidade múltipla das perspectivas que a ciência gilbertiana

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

permite lançar sobre seu objeto. Recusando-se a estatuir entre os vários


fatores determinantes da vida humana uma hierarquia a priori, ou
mesmo a buscar essa hierarquia por indução, o método de Gilberto
Freyre não se dissolve numa proliferação de enfoques díspares porque,
no fim das contas, tudo é remetido de volta aos postulados iniciais —
unidade planetária e unidade da espécie —, que tudo ordenam por si
mesmos, espontaneamente, sem necessidade de qualquer camisa-de-
força lógica para reduzir a uma unidade artificial a multidão dos fatos e
visões.

Foi por ter-se situado desde o início nessa perspectiva ao mesmo tempo
central e abrangente que Gilberto Freyre pôde tornar-se o inaugurador
— nem sempre reconhecido — de tantos métodos e enfoques que,
parecendo marginais e esquisitos na época, viriam mais tarde a se
tornar universalmente dominantes. Já nas páginas de Casa Grande &
Senzala o leitor comprovará que Gilberto, no início da década de 30, já
praticava com a naturalidade de um velho conhecedor as técnicas
interdisciplinares, o enfoque sistêmico, o holismo, a abordagem
ecológica, a "história das mentalidades", a "história da vida privada" e
não sei mais quantos estilos de pensar que depois entraram na moda
sob os nomes de outros autores. E basta comparar este livro com o
tratado Sociologia para perceber que essa antecipação não foi apenas o
golpe de sorte de uma inteligência notavelmente intuitiva, mas sim um
esforço de ciência sistemática, fundada na mais explícita consciência
dos problemas metodológicos envolvidos nessa tentativa pioneira e bem
sucedida.

A mais cruel das homenagens que se pode prestar a um sábio, a um

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artista, a um filósofo, a um escritor, é enfatizar um de seus méritos


parciais com o intuito de ocultar a grandeza maior do todo. O
suprassumo dessa atitude reducionista é caricaturado no folclore
literário brasileiro numa fala que se atribui ao sambista Ary Barroso,
quando lhe perguntaram o que achava do maior dos compositores
brasileiros, Heitor Villa-Lobos:

— Foi um grande jogador de bilhar.

Um dos traços mais repulsivos da mentalidade das classes letradas


brasileiras é precisamente seu temor das alturas, sua inibição paralítica
de reconhecer qualquer grandeza que suba acima daquele nível em que
a palavra "gênio" pode ser aplicada, metonimicamente, a um sambista
ou jogador de futebol. Admite-se, portanto, que Gilberto ou Villa-Lobos
foram gênios... tanto quanto Mané Garrincha ou Chico Buarque. Mais
que isso, para essa mentalidade, já é idolatria, "culto da personalidade",
devoção mórbida.

Esse tipo de homenagem amesquinhante foi abundantemente praticado


com a figura de Gilberto Freyre, principalmente após sua morte,
quando, calada a voz do maior dos nossos cientistas sociais, subiu ao
palco uma geração de talentos menores empenhada em tudo nivelar à
sua modesta estatura.

Não vejo o menor sentido em transigir com isso. Para mim, Gilberto é
uma das encarnações permanentes do gênio brasileiro no que ele tem de
mais alto e portanto de mais inassimilável à "cultura brasileira", no
sentido redutivo de medianidade típica que hoje se dá correntemente a

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Gilberto Freyre: maior que a própria imagem

essa expressão. Ele tem o perfil inconfundível de um sábio universal, de


um supremo historiador e teorizador da vida social, alguém apenas
menor que Weber e certamente maior que Braudel ou Hobsbawn.

Diante de tantas obras que reduzem a vida humana a uma de suas


dimensões, a obra de Gilberto se notabiliza precisamente pela
universalidade e abertura de suas perspectivas, às quais nada, nada do
que é humano é indiferente.

Somente nessa escala é possível falar, sem figura de linguagem, de


"ciência humana". O que o leitor romeno vai encontrar neste livro é
ciência humana no sentido mais forte e mais belo da expressão: uma
ciência do homem feita na medida do homem. Não mais, nem menos.

25/12/99

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Vocações e equívocos

Vocações e equívocos

Olavo de Carvalho

Bravo!, fevereiro de 2000

Se você escreve, ou pinta, ou faz sermões na igreja, ou toca música, ou


monta a cavalo, ou tira fotos, ou faz qualquer outra coisa que pareça
interessante, já deve ter ouvido mil vezes a pergunta: "Você faz isso por
dinheiro ou por prazer?" Tão infinitamente repetível é essa fórmula, que
ela deve revelar algum traço profundo e permanente do modo brasileiro
de ver as coisas – um lugar-comum ou topos da nossa retórica diária.

Ora, todo lugar-comum é um recorte que enfatiza certos aspectos da


realidade para momentaneamente dar a impressão de que os outros não
existem. Logo, para compreendê-lo é preciso perguntar, antes de tudo, o
que é que ele omite.

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Vocações e equívocos

O que está omitido na pergunta acima é a possibilidade de que alguém


se dedique de todo o coração a alguma coisa sem ser por necessidade
econômica nem por prazer – ou, pior ainda, que continue se dedicando
a ela como se fosse a coisa mais importante do mundo mesmo quando
ela só dá prejuízo e dor de cabeça. O que está omitido nessa pergunta —
e no modo brasileiro de ver as coisas — é aquilo que se chama vocação.

Vocação vem do verbo latino voco, vocare, que quer dizer "chamar".
Quem faz algo por vocação sente que é chamado a isso pela voz de uma
entidade superior — Deus, a humanidade, a História, ou, como diria
Viktor Frankl, o sentido da vida.

Considerações de lucro ou prazer ficam fora ou só entram como


elementos subordinados, que por si não determinam decisões nem
fundamentam avaliações.

No mundo protestante, germânico, há toda uma cultura e uma mística


da vocação, e a busca da vocação autêntica é mesmo o tema do principal
romance alemão, o Wilhelm Meister de Goethe. Nos países católicos a
importância religiosa da vocação, consolidada na ética escolástica do
"dever de estado" (por exemplo, o dever dos pais de família, dos
comerciantes, dos militares etc.), foi perdendo relevo depois do
Renascimento, cavando-se um abismo cada vez mais fundo entre o
sacerdócio e as atividades "mundanas", esvaziadas de sentido na medida
em que só o primeiro é considerado vocacional em sentido eminente.
No Brasil, para agravar as coisas, a população foi constituída sobretudo
de três espécies de pessoas: portugueses que vinham na esperança de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/vocacao.htm (2 de 4)16/4/2007 09:53:17


Vocações e equívocos

enriquecer e não conseguiam voltar, negros apanhados à força e índios


que não tinham nada a ver com a história e de repente se viam mal
integrados numa sociedade que não compreendiam. É fácil perceber daí
o imediatismo materialista dos primeiros (o qual, quando frustrado, se
transforma em inveja e azedume que tudo deprecia, e que com tanta
facilidade se disfarça em indignação moralista contra a corrupção e as
"injustiças sociais"), e mais ainda a total desorientação vocacional do
segundo e do terceiro grupos, brutalmente amputados do sentido da
vida e por isto mesmo facilmente inclinados a sentir-se marginalizados
mesmo quando já não o são mais.

Um pouco da ética da vocação existe ainda entre nós graças à influência


dos imigrantes, especialmente alemães, árabes e judeus, mas existe de
modo tácito, implícito, jamais consagrado como valor consciente da
nossa cultura e muito menos valorizado pelas escolas e pelos governos.

A realização superior do homem na vocação é então substituída pela


mera busca do emprego, visto apenas como meio de subsistência e sem
nenhuma importância própria no que diz respeito ao conteúdo. A
adaptação conformista a um emprego medíocre e sem futuro é
considerado o máximo do realismo, a perfeição da maturidade humana.
Tudo o mais é depreciado (e por isto mesmo hipervalorizado e
ansiosamente desejado) como "diversão". Assim, entre o trabalho
forçado e a diversão obsessiva (da qual o Carnaval é a amostra mais
significativa), acumula-se na alma do brasileiro a inveja e uma surda
revolta contra todos os que levem uma vida grande, brilhante e
significativa, sobre os quais, mesmo quando são pobres, paira a suspeita
de serem usurpadores e ladrões, pelo menos ladrões da sorte. Daí a

http://www.olavodecarvalho.org/textos/vocacao.htm (3 de 4)16/4/2007 09:53:17


Vocações e equívocos

famosa observação de Tom Jobim: "No Brasil, o sucesso é um insulto


pessoal." Sim, nesse meio não se compreende outra lealdade senão o
companheirismo dos fracassados, em torno de uma mesa de bar,
despejando cerveja na goela e maledicência no mundo. Este é um país
de gente que está no caminho errado, fazendo o que não quer, buscando
alívio em entrenenimentos pueris e desprezíveis, quando não
francamente deprimentes.

Nossa ciência social, atada com cabresto maxista e cega às realidades


psicológicas mais óbvias da nossa vida diária, jamais se deu conta da
imensa tragédia vocacional brasileira que condena milhões de pessoas a
viver presas como animaizinhos, entre a dor inevitável e o prazer
impossível.

É que a explosiva acumulação de paixões infames, inevitável nessa


situação, é o caldo de cultura ideal para a germinação dos
ressentimentos políticos. E uma ciência social rebaixada a instrumento
auxiliar da demagogia não há de querer lançar luz justamente sobre
aquela treva confusa da qual a demagogia se alimenta.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/vocacao.htm (4 de 4)16/4/2007 09:53:17


Quigley e as armas

Quigley e as armas

O presidente Clinton já declarou que a substância de sua política se


inspira nas lições de seu professor de História em Harvard, Carroll
Quigley. Que é que um jornalista, um cientista político ou um simples
cidadão acordado faz quando ouve isso? Ele compreende
imediatamente que aquilo que se passa na cabeça do chefe da nação
mais poderosa do mundo vai provavelmente acabar se passando com o
mundo. Então, supondo-se que ele deseje saber o que vai acontecer com
o mundo, ele vai até uma livraria, compra os livros de Quigley e lê.

No Brasil, até hoje, nenhuma daquelas pessoas maravilhosas que vivem


nos dizendo para onde vai o mundo deu até hoje o menor sinal de saber
quem é Quigley e muito menos o que ele pensa. Nenhum teórico do PT,
nenhum acadêmico da USP, nenhum desses comentaristas iluminados
que aparecem na TV e nos jornais dizendo que Clinton isto, Clinton
aquilo, se interessou em saber quais são e de onde vêm as idéias de
Clinton.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quigley.htm (1 de 4)16/4/2007 09:53:31


Quigley e as armas

A inteligência brasileira é hoje dirigida por usurpadores, farsantes e, na


melhor das hipóteses, cegos guias de cegos. Por isto mesmo são tantos,
entre eles, os que apóiam a campanha do desarmamento civil. Se
tivessem lido Quigley, compreenderiam imediatamente aonde Clinton
quer chegar com essa campanha, tão afoitamente endossada pelo nosso
próprio presidente. Pois não é possível que Clinton, poucos meses após
ter confessado a origem de suas idéias, ignorasse justamente a fonte
daquela que inspira uma tomada de posição tão decisiva para o futuro
da liberdade do mundo. Essa origem encontra-se na página 34 de
Tragedy and Hope. A History of the World in Our Time (New York,
MacMillan, 1966), a obra principal de Carrol Quigley. Transcrevo:

"Quando as armas são baratas de comprar e tão fáceis de usar que


qualquer um pode usá-las após um curto período de treinamento, os
exércitos geralmente se compõem de massas de soldados amadores. A
Era de Péricles na Grécia clássica e o século XIX na Civilização
Ocidental foram épocas de ‘armas de amador’ e de cidadãos-soldados.
Mas o século XIX foi precedido de uma época em que as armas eram
caras e requeriam longo período de treinamento. Períodos de ‘armas de
especialista’ são geralmente períodos de exércitos pequenos de soldados
profissionais (usualmente mercenários). Num período de ‘armas de
especialista", a minoria que possui essas armas pode geralmente forçar
à obediência a maioria que não as tem; portanto um período de ‘armas
de especialista’ tende a dar surgimento a um período de domínio pelas
minorias e de governo autoritário. Mas um período de ‘armas de
amador’ é um período no qual todos os homens são mais ou menos
iguais em poder militar, uma maioria pode forçar a minoria a se

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quigley.htm (2 de 4)16/4/2007 09:53:31


Quigley e as armas

submeter, e então tende a surgir um governo de maioria ou mesmo


democrático. O período medieval, no qual a melhor arma era
geralmente um cavaleiro montado (claramente uma arma de
especialista), foi um período de domínio da minoria e governo
autoritário. Mesmo quando o cavaleiro medieval foi tornado obsoleto
pela invenção da pólvora e o aparecimento das armas de fogo, estas
novas armas eram tão caras e tão difíceis de usar (até 1800), que o
domínio da minoria e o governo autoritário continuaram a existir...
Mas, depois de 1800, as armas se tornaram mais baratas e fáceis de
manejar. Por volta de 1940 um Colt custava 27 dólares e um mosquete
Springfield não mais que isso, e estas eram armas tão boas quanto
qualquer outra que se podia adquirir naquele tempo. Assim, exércitos
de massa de cidadãos, equipados com essas armas baratas e fáceis de
usar, começaram a substituir os exércitos profissionais, a partir de 1800
na Europa e mesmo antes disso na América. Ao mesmo tempo, o
governo democrático começou a substituir os governos autoritários."

Não é possível ser mais claro do que isso. A democracia não apenas
requer a proliferação de armas entre os cidadãos, mas é um produto
dela. Clinton aprendeu isso com Quigley e sabe que tomar as armas do
povo é extinguir a democracia. Quando ele atingir esse resultado e
houver choro e ranger de dentes, que ninguém, portanto, o acuse de
imprevidência. Ele previu, desejou e fez.

Olavo de Carvalho

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quigley.htm (3 de 4)16/4/2007 09:53:31


Quigley e as armas

17/02/00

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Minha aluna e o Marcos Bagno

Minha aluna e o Marcos Bagno

Carta e comentários

Graça Salgueiro faz parte de um grupo de alunos do Recife, que se


reúnem mensalmente para assistir às fitas do Seminário de Filosofia e
depois me enviam perguntas por e-mail ou telefone. — O. de C.

Querido professor,

Sou amiga de longuíssima data do escritor e lingüista Marcos Bagno,


a quem o senhor se refere no artigo "Quem Come Quem". Como sua
homepage é muito extensa, só recentemente li esse texto e, sendo amiga
da pessoa a quem o senhor se refere, e conhecedora do livro
Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz, me senti, por uma
questão de consciência, no dever de informar ao meu amigo o que se
falava sobre sua obra. Fiquei estarrecida com o seu artigo, porque, na

http://www.olavodecarvalho.org/textos/bagno.htm (1 de 7)16/4/2007 09:53:46


Minha aluna e o Marcos Bagno

ocasião em que li o livro achei-o revolucionário (no sentido de


transformador). Ocorre que o senhor enxerga o que ninguém mais viu!
Seus comentários são absolutamente pertinentes e, por isso mesmo,
acreditei ser importante que o autor conhecesse seus argumentos,
porque essa é a tese que ele brevemente estará defendendo, no
doutorado que faz na USP. Fiquei bem chateada com a resposta que ele
me enviou, pois dizia que a sua opinião não contava, que o sr. era um
reacionário direitista e que servia de chacota em todas as
universidades. Isso me deixou triste por ele, porque mostrou não ter
bom alcance de visão, além de não ter maturidade, nem humildade,
para averiguar nas críticas, o que poderia melhorar a qualidade do
seu trabalho. Mostrou-se bem uspiano, aquele que outrora eu via como
uma das pessoas mais cultas e inteligentes que conheci.

Obs. — Não reclamemos do prof. Bagno. Ele merece até um pouco de


gratidão. Não podendo refutar as críticas que fiz à sua tese, contenta-se,
com exemplar modéstia, em cochichar pelos cantos no recinto fechado
da universidade, bem protegido entre seus alunos, longe de mim e de
um confronto que em tais condições lhe seria mais temível que a peste.
Se ele reagisse em público, isto me obrigaria a desenvolver as
observações casuais que fiz no meu artigo, entrando numa análise
detalhada que reduziria a pó as demais pretensões científicas desse
rapaz, e então eu seria, com justa razão, acusado de bater em criança.
Deixemos, pois, as coisas como estão. Outro dia pensei em responder às
críticas tolas que ele fizera a um projeto do deputado Aldo Rabelo em
defesa da língua pátria. Mas depois admiti que não era necessário: um
sujeito chamado Bagno já contém no próprio nome a indicação precisa

http://www.olavodecarvalho.org/textos/bagno.htm (2 de 7)16/4/2007 09:53:46


Minha aluna e o Marcos Bagno
do que deveria ir fazer.

Não fique triste, querida, pois decepções com amigos de juventude são
uma fatalidade incontornável na vida de quem aprende, evolui e vê os
companheiros de geração ficando cada vez mais para trás, cada vez mais
burros, cada vez mais rígidos e encarquilhados naquela forma de velhice
que é, de todas, a única realmente lamentável: a velhice de livre escolha.
Certa vez um amigo meu, a quem a ditadura preservou da decadência
obrigando-o a refugiar-se nos EUA, onde acabou casando e ficando, veio
visitar a terrinha e me convidou a ir a um jantar de ex-alunos do nosso
antigo colégio. "Não vá lá", aconselhei. Ele foi. No dia seguinte estava
acabrunhado com o espetáculo de decrepitude prematura que acabara
por presenciar. Da infância e da adolescência devemos conservar
somente o espírito — a curiosidade da primeira, a coragem da segunda
—, nunca as pessoas, a não ser que elas conservem esse espírito
também, mas aí já não se tratará de amigos de ontem, e sim de amigos
de sempre. Curiosamente, a maior parte de meus amigos tem trinta
anos a mais ou a menos que eu: meu círculo de relações divide-se numa
ala geriátrica e outra pediátrica. Da minha geração sobraram só três,
que estão, veja só, um nos EUA, outro na Itália, outro na China. Dos
demais, pouco me importo, pois são a geração mais calhorda que este
país já teve — a geração decadente por excelência, no sentido que
Rosenstock dá à palavra: "Decadência é ficar acovardado por dúvidas e
não ter a coragem de transmitir uma fé à geração seguinte. A decadência
da geração mais velha produz a barbárie da mais jovem." Olhe o José
Serra e compreenderá o Marcos Bagno.

Estou lhe comentando esses fatos, embora saiba que em nada há de lhe

http://www.olavodecarvalho.org/textos/bagno.htm (3 de 7)16/4/2007 09:53:46


Minha aluna e o Marcos Bagno

afetar, para corroborar aquilo que penso a seu respeito. Quando lhe
chamo "querido Professor" é por ter um respeito enorme pela sua
condição de professor e filósofo, e por confirmar isso na prática,
tomando como premissa o que o sr. fala na fita nº 3: " O filósofo é
aquele que transmite um ensinamento, dá o exemplo e exerce uma
influência". Eu venho aprendendo com os seus ensinamentos, seus
exemplos e isso, de certa forma, me influencia intelectualmente. Tenho
aprendido a ver com olhos mais críticos e a exercitar a lógica, tão sua
íntima. Por natureza (e formação - sou psicóloga clínica de linha
freudiana) sou muito analítica: analiso tudo, levanto mil hipóteses,
vejo todas as possibilidades, até chegar a uma conclusão. Mas, sempre
que leio um artigo seu ou assisto uma fita das aulas do Seminário,
acabo com a mesma pergunta: "Por que eu não pensei nisso antes?"

Obs. – "Por que é que eu não pensei nisso antes?" é o mais alto elogio
que se pode fazer a um pensador. Muito obrigado, minha querida.

Sabe aquela história do ovo de Colombo? Pois é. Fiquei assim com a


fita nº 4, quando o sr. aborda a questão da Psicanálise, em que o
Consciente, que é o descobridor das outras instâncias psíquicas, não é
considerado na ordem das coisas. A sua interpretação é tão óbvia, tão
fantástica, o sr. disseca os fatos, ponto por ponto, até chegar na raiz
da questão, e por que ninguém viu isso antes? Nem o próprio Freud???
Pode rir, ou me apelidar de "a Louca do Jardim", mas aplaudi nessa
parte. Sou assim, completamente destrambelhada. Rio, choro, aplaudo
quando assim tocada. Por isso mesmo fico chocada quando o chamam
de raivoso, reacionário, arrogante. Não sei onde está isso tudo
escondido, pois eu não consigo ver. Graças a Deus. Não estou lhe

http://www.olavodecarvalho.org/textos/bagno.htm (4 de 7)16/4/2007 09:53:46


Minha aluna e o Marcos Bagno

jogando confete, até porque acho isso medíocre e babaca; quando lhe
digo essas coisas é por honestidade de pensamento e entusiasmo,
enorme até, acreditando que o feed-back é uma coisa necessária
(embora o sr. já não precise mais disso).

Obs. – "Raivoso" é óbvio que não sou. Uma das coisas que mais irritam
certos fulanos é justamente sua incapacidade de me irritar, de me fazer
perder o bom-humor e a desenvoltura verbal que vem dele. Não sou
raivoso, mas eles adorariam que eu o fosse, pois a raiva emburrece e
deixa a gente à mercê do adversário. Todo sujeito raivoso escreve
naquele tom de pretensa dignidade ofendida que se infla e engrandece
para impressionar e só consegue é cair no ridículo. Como eles ficariam
felizes se eu lhes desse assim minha cara a tapa, como eles tão
generosamente me dão as suas. Já "arrogante" vem de ab-rogare, =
"exigir antes", e designa o ator que exige aplausos antes do espetáculo.
Decerto não é o meu caso, pois esperei até os 48 anos para publicar meu
primeiro livro justamente para me certificar de que havia superado a
ânsia juvenil de aplausos, mesmo depois do espetáculo. Quanto a
"reacionário", não é qualificativo totalmente injusto. "Reacionário" é a
palavra com que os candidatos a tiranos designam aqueles que oferecem
uma incômoda resistência às suas tentativas de assalto ao poder. Os
comunistas usaram esse termo nos versos da "Internacional" e os
nazistas na "Canção de Horst Wessel" para qualificar seus inimigos. A
crença subentendida é que quem é contra eles é contra o progresso. Se o
progresso consiste em botar essa gente no governo, então sou
reacionário, sim, com muita honra, como o foram Nelson Rodrigues, T.
S. Eliot, Jorge Luís Borges, Miguel de Unamuno, Fernando Pessoa e

http://www.olavodecarvalho.org/textos/bagno.htm (5 de 7)16/4/2007 09:53:46


Minha aluna e o Marcos Bagno

tantos outros cujo exemplo me inspira. Prefiro viver no passado a


submeter-me a um futuro moldado por Hitler, Stalins, Castros e tutti
quanti. Antes um passado vivo que um futuro morto.

Quanto a você, minha querida, pode ser destrambelhada o quanto


queira, mas uma coisa é certa: sou seu fã. Sua sensibilidade às nuanças
do meu discurso mostra que não assiste às aulas só com a inteligência,
mas com o seu ser inteiro, condição, aliás, para que a inteligência esteja
lá.

Agora, tem uma coisa que eu queria lhe dizer: a qualidade das fitas (ou
a pouca qualidade) tem dificultado a compreensão das palavras ditas
em certos momentos, pois com a tradutora, muitas vezes ela não
espera o sr. acabar de falar, de modo que nem escutamos o que o sr.
diz, nem o que ela diz. Às vezes, também, o sr. põe a mão na boca, num
gesto super-comum, mas abafa o som, tornando-o ininteligível. É
possível minimizar essas falhas? Estou tentando transcrever as fitas,
mas esses acidentes dificultam bastante. Perdoe a exigência; é que
tudo isso tem sido muito importante para mim. Até quando o sr. fica
no Brasil? Depois que o sr. voltar, posso continuar escrevendo? Se eu
não estiver sendo chata, cansativa, inconveniente, gostava imenso que
isso fosse possível, mas, por favor, me informe se isso lhe desagrada.

Obs. - Tenho muitos cacoetes que um orador profissional policiaria com


mais cuidado. Não prometo livrar-me deles, pois quando estou dando
aula fico tão absorvido no assunto que não noto nem se estou de
braguilha aberta. O que posso e prometo fazer é solicitar que os alunos
me vigiem e que o encarregado da gravação peça repetições das falas

http://www.olavodecarvalho.org/textos/bagno.htm (6 de 7)16/4/2007 09:53:46


Minha aluna e o Marcos Bagno

obscuras. OK? Quanto à tradutora, minha queridíssima amiga romena


Iulia Baran, ela não tem culpa de ser esperta e captar meu pensamento
— com notável exatidão — antes de eu acabar a frase. Em todo caso, vou
pedir-lhe que ela refreie sua exuberância.

Fico no Brasil enquanto me deixarem. Ainda este ano volto à Romênia,


mas por poucas semanas. Quanto às suas cartas, pode enviá-las aos
montes, que muito me alegram. Mas de vez em quando fale um pouco
de mal de mim, senão os Bagnos vão achar que você está recebendo uma
graninha da direita internacional.

Sinto uma necessidade muito grande de comentar as minhas


descobertas e, nem sempre tenho com quem. Faço isso sempre com
Ronaldo, mas ele está de férias, e por isso anda meio disperso, apesar
de continuarmos com o grupo e de nos vermos. Ele também tem a
mesma generosidade e paciência com as minhas ignorâncias, como o
senhor. Obrigada, mais uma vez, por tudo que venho aprendendo.

Obs. – Obrigado por me deixar ensinar. Em geral, quando tento fazer


isso, as pessoas querem me bater.

Beijinhos - Graça Salgueiro.

Obs: - Beijões - Olavo de Carvalho. E abraços afetuosos ao Ronaldo e


aos demais membros do grupo.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/bagno.htm (7 de 7)16/4/2007 09:53:46


Falsíssimo Veríssimo

Falsíssimo Veríssimo

Num recente debate no Fórum Sapientia, aprovei entusiasticamente a


indicação do sr. Luís Fernando Veríssimo para o "Prêmio Imbecil
Coletivo" de 1999. Para não ser acusado de favorecimento injusto,
apresento aqui as razões que, no meu entender, adornam de sobrantes
méritos o cronista gaúcho na disputa pelo ambicionado galardão. - O. de
C.

O sr. Luís Fernando Veríssimo, que na juventude chegou a ser


engraçado, tornou-se na idade madura um exibidor profissional de ódio
político paramentado de indignação moral. Não há profissão mais
rentável no Brasil de hoje. Em todo caso, o sucesso do tolo não é motivo
para que se torne assunto destas crônicas, as quais não têm por objetivo
insuflar no leitor a revolta contra aquelas banalidades invencíveis que a
sabedoria recomenda aceitar com a mais resignada e indiferente mudez.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verissimo.htm (1 de 7)16/4/2007 09:54:01


Falsíssimo Veríssimo

Eu nunca tocaria no nome do sr. Veríssimo se ele não houvesse tocado


num assunto que, por tê-lo lecionado desde 1978, tenho o direito de
supor que seja da minha conta. Mais que tocar, ele aí mexeu e remexeu,
não só com a inabilidade rombuda de quem soldasse circuitos de HD
com um maçarico de funileiro, mas também com aquela desenvoltura
presunçosa do palpiteiro que, se imaginando um pregador entre índios,
crê poder sem risco de vexame fazer passar por sábia a mais compacta
ignorância.

Num de seus recentes sermões à taba, o sr. Veríssimo, apelando a


elementos de erudição latina adquiridos na noite anterior entre um
bocejo e outro, ensinou à indiada que o problema dela era acreditar no
trivium de preferência ao quadrivium. Os silvícolas, diante de
diagnóstico tão atemorizante, ficaram preocupadíssimos. Mas, para não
ser acusado de abusar da boa-fé popular, o sr. Veríssimo logo explicou
aos primitivos do que se tratava. Trivium e quadrivium compunham, na
educação medieval, o sistema das Artes Liberais -- o primeiro dedicado
à prática da retórica oca e pomposa (gramática, lógica e retórica), o
segundo ao estudo dos mistérios sapienciais (aritmética, geometria,
música e astronomia). O Brasil, concluia o sr. Veríssimo, estava na
pindaíba porque nas afeições nacionais o trivium "superou as artes
precisas, tornadas inconseqüentes pela irrelevância política. A
gramática, a retórica e a lógica – ou a gramática, a retórica e a lógica a
serviço das abstrações e do narcisismo no poder – definem a realidade.
As palavras substituem os fatos" (O Globo, 17 set. 99).

Não vou aqui apelar ao expediente demasiado óbvio de dizer que o sr.
Veríssimo, jamais tendo se notabilizado como praticante de artes

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verissimo.htm (2 de 7)16/4/2007 09:54:01


Falsíssimo Veríssimo

matemáticas, e não tendo feito outra coisa na vida senão juntar palavras
em vista do efeito desmoralizante que pudessem exercer sobre seus
desafetos políticos, é em tudo e por tudo um profissional do trivium e,
neste, especificamente da retórica, da qual o humorismo polêmico é
uma das ferramentas mais típicas e indispensáveis.

Não farei isso por um motivo muito simples. Comparações históricas


deslocadas do seu sentido originário para adaptar-se à força a um
argumento contencioso voltado contra políticos do dia não fazem parte
do arsenal da ciência retórica, aquela em que se notabilizaram os
tratados de Aristóteles, Quintiliano e, para citar o mais ilustre entre os
recentes, Chaim Perelman. São instrumentos da baixa retórica
conhecida como erística -- a técnica mais ou menos improvisada de
simular argumentos para confundir o adversário ingênuo e
impressionar a platéia leiga. Consagrei ao estudo desses instrumentos e
dos meios de desmascará-los o meu livro Como Vencer um Debate sem
Precisar Ter Razão. A Dialética Erística de Arthur Schopenhauer (Rio,
Topbooks, 1998), cuja leitura recomendo fortemente ao sr. Veríssimo,
com a advertência de que este conselho não é anúncio comercial e sim
prescrição de dever escolar. Se o houvesse lido, o sr. Veríssimo
compreenderia que a retórica não faz mal nenhum ao Brasil, pelo
simples fato de que há décadas está ausente do nosso currículo escolar
(enquanto o francês ou o americano lhe dão lugar de destaque) e, sendo
completamente ignorada, não pode ter culpa de que pessoas como o sr.
Veríssimo ou seus desafetos pratiquem em lugar dela uma outra coisa
qualquer, chamando-a de retórica.

Que a comparação do sr. Veríssimo é forçada, é. Mais não poderia ser. O

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verissimo.htm (3 de 7)16/4/2007 09:54:01


Falsíssimo Veríssimo

trivium e o quadrivium não tiveram nunca o sentido que ele lhes dá. Ele
foi parar tão longe do assunto que se torna difícil explicar onde errou,
porque todo erro supõe alguma referência à realidade, e as Artes
Liberais do sr. Veríssimo são apenas a imaginação de um caipira cuja
distância dos estudos medievais se mede em escala interestelar. A
lógica, por exemplo, nunca teve nada a ver com eloqüência -- pelo
menos no sentido atual e brasileiro do termo --, e a retórica excluía
expressamente do seu domínio a mera arte oratória com que a confunde
o sr. Veríssimo, concentrando-se antes na avaliação da credibilidade dos
argumentos perante os vários tipos de públicos e correspondendo,
mutatis mutandis, ao que hoje é a psicologia da comunicação, uma
ciência "de fatos" que, se pode ser acusada de alguma coisa, é de
pobreza de abstração. Quem quer que tenha dado ao menos uma
lambida na Retórica de Aristóteles sabe disso, donde concluo que o sr.
Veríssimo se absteve dessa experiência gustativa, talvez temendo que
pudesse lhe ser letal.

Por isto mesmo ele não pode ser acusado sequer de praticar a erística. O
argumentador erístico domina seu arsenal de truques e sabe quando
trapaceia. Já o sr. Veríssimo age com plena inocência, porque não tem a
menor idéia do que está dizendo. Comparando uma coisa que
desconhece com outra da qual tem apenas uma vaga idéia, ele chega a
conclusões que lembram as de um drogado recém-emerso de uma bad
trip a conjeturar em vão onde está e o que foi fazer ali.

Desde logo, imaginar que as artes da linguagem lidem com "abstrações"


enquanto as matemáticas se ocupam de "fatos" reflete aquela completa
ignorância contra a qual não valem argumentos, melhor convindo, em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verissimo.htm (4 de 7)16/4/2007 09:54:01


Falsíssimo Veríssimo

tais circunstâncias, a chinela da mãe para mandar o sabidinho para a


escola.

Em segundo lugar, dizer que os brasileiros preferem a lógica à música é


algo tão extravagante que não compreendo que alguém o profira em
estado de sobriedade. Bem ao contrário, o que se pode afirmar com
razoável certeza é que a afeição dos brasileiros à musicalidade é tão
extremada que chegam a fazer dela um substituto da lógica,
persuadindo-se da veracidade de uma sentença tão logo afetados por
suas qualidades sonoras. O próprio sr. Veríssimo, como se nota pelo
caso presente, não parece submeter suas opiniões a outros testes senão
o puramente auditivo.

Em terceiro, ignorar o papel central que a música e as matemáticas


desempenham na retórica do poder contemporâneo -- a primeira
moldando a sensibilidade das massas, as segundas estruturando toda a
ideologia científica que domina desde a política econômica até a
administração de nossos corpos pelo establishment médico-sanitário --,
já é elevar a cegueira às dimensões de um culto religioso.

Em quarto lugar, as Artes Liberais compunham um sistema coeso, de


modo a permitir, justamente, que o pensar com palavras e o pensar com
números formassem uma base única para a compreensão das ciências
voltadas a realidades superiores que transcendiam palavras e números.
Se há pois disciplinas que valem o mesmo, e entre as quais não se pode
estabelecer nenhuma diferença de valor, são aquelas que compõem o
trivium e o quadrivium, todas elas igualmente elementares e aliás
perpassadas de estruturas comuns que tornam impossível separá-las,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verissimo.htm (5 de 7)16/4/2007 09:54:01


Falsíssimo Veríssimo

como por exemplo as associações entre as órbitas planetárias e as


categorias da gramática, ou entre estas e os sólidos geométricos do
platonismo. Expliquei alguma coisa disso no meu livreto Astros e
Símbolos (1985), que está esgotado, se bem que não tanto quanto a
minha paciência de ouvir gente como o sr. Veríssimo falar do que ignora.

E não é estranho que, tão despreparado para lidar com o assunto, o sr.
Veríssimo embarque por fim na confusão, que se tornou obrigatória na
nossa imprensa, entre "o poder" e "o governo". Refletindo a
incapacidade geral de discernir entre a organização jurídica nominal de
um país e as estruturas mais profundas que a determinam --
incapacidade que chega a ser espantosa numa geração que se gaba de
marxista --, o ocupante mais ou menos casual de um cargo eletivo
passou a ser "o poder", enquanto o vasto império midiático que lá o
colocou e de lá há de tirá-lo quando bem entenda se converte, por meio
da performance do sr. Veríssimo e grande elenco, na personificação do
não-poder, do excluído, do brasileiro pobre que geme inerme sob o
tacão dos poderosos. Com truques como esse (também meio
inconsciente, pois o sr. Veríssimo jamais seria esperto o bastante para
pensar numa coisa dessas), a classe falante oculta o seu próprio poder,
fazendo do governo o bode expiatório cujo ruidoso sacrifício permitirá
que, por baixo das sacudidas periódicas na superfície do noticiário, ela
permaneça, como Minas, onde sempre esteve.

Alguns dirão, lendo estas linhas, que abusei das minhas forças, que
joguei décadas de estudo contra um pobre cronista sem pretensões
eruditas. Mas o sr. Veríssimo, como aliás toda a geração de pessoas que
hoje dominam o pequeno jornalismo e o show business, não apenas tem

http://www.olavodecarvalho.org/textos/verissimo.htm (6 de 7)16/4/2007 09:54:01


Falsíssimo Veríssimo

pretensões eruditas como se prevalece delas para se tornar uma espécie


de maître à penser habilitado a dirigir o curso do destino mental
brasileiro, subindo infinitamente acima de suas sandálias de cronista de
província nas quais seus rechonchudos pezinhos cabiam com perfeição.

Não há hoje sambista, roqueiro, comentarista esportivo ou apresentador


de TV que se abstenha de posar de intelectual e dar lições. A causa disto
é patente: uma certa corrente política, desejando exercer sobre o país a
hegemonia intelectual, e só dispondo de raríssimos estudiosos sérios em
suas fileiras, teve de improvisar "quadros" -- que é como ela denomina
as pessoas --, e rodear sujeitos como o sr. Veríssimo de um prestígio e
de uma autoridade absolutamente desproporcionais às suas
capacidades. O resultado é que hoje a denúncia do verbalismo nacional,
tão decisiva para a correção dos nossos costumes, se converteu em
imitação simiesca de si própria e se prostituiu em demagogia
ornamentada de falsa erudição: o verbalismo criou anticorpos e se
alimenta de auto-acusações.

05/10/99

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/verissimo.htm (7 de 7)16/4/2007 09:54:01


Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

Gilberto Freyre: Ciência social e consciência


pessoal

OLAVO DE CARVALHO
Diretor do Seminário de Filosofia
do Centro Universitário da Cidade, Rio de Janeiro

Comunicação apresentada ao
Seminário Internacional “Novo Mundo nos Trópicos”
Centenário do Nascimento de Gilberto Freyre
Fundação Gilberto Freyre, Recife, 24 de março de 2000

Uma das dificuldades que se apresentam na constituição de qualquer


ciência é o problema de onde encontrar o seu objeto. Nas ciências
naturais, esse objeto está dado em torno e pode ser apreendido pelos
sentidos. Mas mesmo essa aparente facilidade é enganosa, primeiro
porque os limites entre as espécies de seres da natureza são
freqüentemente ambíguos e nebulosos, segundo porque os objetos
naturais não vêm com rótulos informando quais as perguntas que
devemos fazer a respeito deles; e, quando começamos a fazer estas
perguntas, não raro os objetos a que nos referíamos nos respondem que
elas não se aplicam propriamente a eles, mas sim a algum outro tipo de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/freyre2.htm (1 de 12)16/4/2007 09:54:16


Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

objetos adjacentes ou circunvizinhos, ou mesmo a entes que não


existem na natureza e que foram apenas inventados por nós mesmos.

Para eludir essa dificuldade, costumamos apegar-nos à unidade das


palavras que designam áreas inteiras da realidade dada. Usamos, por
exemplo, a palavra “física”, supondo que existe no universo um campo,
ou uma faixa, correspondente a objetos que chamamos “físicos”. Mas
com um pouco de estudo descobrimos que essa palavra significava uma
coisa para Aristóteles, outra para Newton, outra para Planck. Aí não
temos alternativa senão perguntar se essas três significações dadas à
palavra designam três aspectos percebidos sucessivamente no mesmo
objeto ou três objetos completamente diferentes. No primeiro caso,
contraímos a obrigação de descobrir qual a unidade ou substância da
qual esses três aspectos são as propriedades ou acidentes. E, quando
tivermos a felicidade de descobri-lo, teremos inaugurado uma quarta
acepção da palavra física, incumbida de designar o estudo científico do
objeto unitário cujos aspectos separados foram estudados
sucessivamente por Aristóteles, Newton e Planck. Na segunda hipótese,
isto é, se descobrimos que o termo escolhido designou historicamente
três objetos diversos e independentes, o problema que isto nos coloca é
mais espinhoso ainda: trata-se agora de saber se as distinções entre as
três ciências que receberam ao longo do tempo o mesmo nome de
“física” correspondem a distinções objetivas, isto é, às fronteiras que
separam os entes entre si, ou se refletem apenas três distintas direções
possíveis da atenção humana, projetada acidentalmente sobre entes,
propriedades e acidentes escolhidos a esmo.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/freyre2.htm (2 de 12)16/4/2007 09:54:16


Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

Que existem fronteiras entre os entes, que eles não se apresentam


fundidos e indistintos numa mixórdia universal, a mais banal
experiência o confirma. A obviedade desta constatação pode dar lugar a
situações cômicas. Quando o falecido presidente Jânio Quadros,
indagado por que bebia, respondeu que bebia porque se tratava de
líquido, já que se fosse sólido o comeria, talvez não tivesse a idéia de
enunciar um princípio de metodologia científica, mas de fato o fez. O
“comer” pode ser uma metáfora do “conhecer”. Se não podemos comer o
líquido ou beber o sólido, não podemos conhecer todas as coisas pelos
mesmos modos, ou instrumentos. Não podemos conhecer a estrutura de
um mineral pela memória afetiva, nem a vida de Napoleão Bonaparte
por dedução geométrica. Em última instância, o delineamento do
campo de uma ciência aparece quando ela esbarra em fronteiras
ontológicas intransponíveis. Edmund Husserl dizia que não pode haver
uma geometria dos leões ou uma embriologia dos triângulos -- o que faz
dele, no mínimo, um precursor do presidente Jânio Quadros.

Mas, na prática científica, raramente chegamos a essas situações limite:


uma boa parte das investigações e debates se desenrola numa zona
fronteiriça sujeita às mais alucinantes disputas de jurisdição. O
problema torna-se ainda mais desesperador porque, uma vez
constituído um sistema de distinções entre os campos do saber, por
mais provisório que seja, esse sistema se materializa imediatamente
numa estrutura administrativa: a divisão dos departamentos numa
universidade ou instituto de pesquisa. Aí o conflito de jurisdições entre
conceitos lógicos se converte num conflito entre poderes, prestígios e
interesses humanos, do qual, para usar o termo mais comedido, direi

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Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal
que é uma confusão dos diabos.

Ora, se essa confusão dos diabos pode instalar-se no seio mesmo da


ciência natural, ao ponto de Michel Foucault e Thomas Kuhn não
lograrem explicar as mudanças de orientação da imagem física do
cosmos de época em época senão como rotações acidentais e em última
análise irracionais do eixo das atenções, quanto mais desorientador não
deve ser o panorama no campo das ciências ditas humanas, onde o
objeto não está dado à percepção sensível mas tem de ser apreendido no
curso da nossa participação pessoal na produção e modificação dessa
coisa -- se é que é coisa -- denominada sociedade humana? Nesse campo
de conhecimento, jamais chegamos a saber ao certo se o nosso objeto
existe ou se ele passou a existir porque dissemos que existe. Um
exemplo característico é o conceito de ideologia de classe. As classes
economicamente distintas “têm” seus respectivos discursos ideológicos
ou passam a tê-los desde o instante em que um intelectual, fundado no
conceito de ideologia de classe, ensina a cada uma o que ela deveria
dizer em defesa de seus próprios interesse de classe? Outro exemplo é o
“inconsciente” freudiano. Cada um de nós “tem” um inconsciente
pessoal ou adquire um na hora em que o psicanalista o ensina a assumir
como parte de si um amálgama de pensamentos semipensados -
pequenas percepções, chamava-as Leibniz - que andam soltas no
ambiente familiar, social e físico?

Dos nossos cientistas sociais, nenhum se preocupou mais com essas


questões do que Gilberto Freyre. Ora, a elucidação delas é o fundamento
mesmo da possibilidade de uma ciência social. Sondar até o fundo essa
indistinção de fronteiras, submergir corajosamente nesse “mare

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Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

magnum” onde todas as correntes se entremesclam, impregnar-se da


variedade e da confusão sem perder o ideal de unidade e coerência, eis a
única esperança de que as ciências sociais venham a ter um objeto que
não seja apenas a projeção de um método previamente escolhido -- um
preconceito, no sentido mais rigoroso do termo.

Dos nossos cientistas sociais, repito, nenhum levou mais a fundo essa
impregnação na natureza plástica e omnímoda do seu objeto, nem mais
longe sua disposição de abrir-se a todas as correntes, a todas as
hipóteses, a todas as perguntas.

Só com isso ele já se isenta do vício redibitório de pelo menos noventa


por cento da produção científica na área de humanas, que é o pendor
kantiano de constituir o objeto segundo as exigências do método, em
vez de adaptar o método às exigências do objeto. Esse vício torna-se
ainda mais grave nos países jovens, cuja elite intelectual, ansiosa de
ombrear-se a seus mestres estrangeiros, empenha tanto esforço em
dominar os métodos que acaba não lhe sobrando tempo de prestar
atenção no objeto. Como por sua vez a opinião dos cientistas tende a ser
imitada nos debates públicos, o Brasil que se discute na mídia e no
Parlamento acaba se parecendo muito mais com uma alucinação de
cientistas sociais do que com o país onde vivemos nossa vida de todos os
dias. Um exemplo são as discussões atuais sobre discriminação racial.
Lemos na Teoria da Justiça de John Rawls que todos os conceitos
constitutivos da idéia de democracia se resumem, em última instância,
no conceito de igualdade. Ficamos maravilhados porque isto nos dá um
método até mesmo quantitativo para medir o coeficiente de democracia
de um país, e a disparidade de renda entre brancos e negros surge como

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Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

uma prova inequívoca de que no Brasil não existe democracia racial


nenhuma. Se, além disso, lemos no prof. Florestan Fernandes que as
relações entre raças correspondem à estrutura da dominação de classes
(que na verdade é uma doutrina enunciada muito antes por Stálin), aí
pouco falta para nos persuadirmos de que a sociedade brasileira é
nazista. Então ouvimos o presidente Clinton declarar, no seu discurso
em Kosovo, que o Exército americano é um exemplo de integração
racial, ficamos profundamente envergonhados de não ser tão
democráticos como os americanos e, ato contínuo, sentimos a urgência
de copiar o modelo americano de integração racial, onde o Estado surge
como o mediador entre grupos raciais separados e socialmente
incomunicáveis. Olho para tudo isso e não posso deixar de sentir que
estou em outro planeta. Mas o que aconteceria se, em vez de
projetarmos sobre o objeto os métodos de Rawls e de Stálin tivéssemos
nos perguntados como esse objeto se constituiu e como ele chegou ao
nosso conhecimento? Aí veríamos que, entre a abolição da escravatura e
os nossos primeiros passos para ingressar no moderno capitalismo
industrial, na década de 30, decorreram nada menos de quarenta anos.
Ou seja: os escravos libertos tiveram quarenta anos para multiplicar-se
sem que a evolução da economia multiplicasse concomitantemente os
empregos. Eles não foram expelidos dos empregos por serem pretos.
Simplesmente não havia empregos. Que é que isso tem que ver com a
discriminação racial? Para não dizer que não tem nada, lanço a seguinte
hipótese: nós, racistas brancos, decidimos de propósito não
industrializar o Brasil para não dar emprego aos malditos pretos. Fora
essa hipótese, é melhor vocês lerem o estudo do prof. Alberto Oliva,
Florestan Fernandes: Ciência e Ideologia, e comprovarem que Eric

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Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

Voegelin tinha toda a razão ao declarar que a perversão ideológica das


ciências sociais nem sempre vem de uma falsificação intencional da
realidade (coisa de que o prof. Florestan não seria capaz), mas do
simples vício kantiano de aderir a um método antes de esperar que o
objeto diga a quê veio.

Em comparação com isso, o que faz Gilberto Freyre? Ele se pergunta,


antes de tudo, como o objeto veio ao seu conhecimento pessoal. A
evocação da infância não é a expressão de um simples pendor
autobiográfico, literário. Ela expressa a consciência de que o objeto das
ciências sociais não é dado aos sentidos, mas à pessoa concreta, ao eu
autoconsciente que ele próprio se autoconstitui à medida que responde
a um chamado, obedece ordens, formula pedidos, ocupa um lugar,
desempenha funções, etc. O modo de apresentação do objeto das
ciências sociais é esse e somente esse. Ele não existe em parte alguma do
cosmos se não existe na biografia dos seres humanos. Ora, do objeto das
ciências físicas os primeiros sábios não hesitaram em concluir, desde
muito cedo, que seu modo de se apresentar revelava algo de sua
constituição. Se eles se manifestavam afetando os nossos sentidos, eles
podiam ser conhecidos pela ação que exerciam sobre o nosso corpo,
distinguindo o que era sua ação própria do que era nossa reação
corporal. Quando falamos de “propriedades da luz”, compreendemos
que em parte o que sabemos da luz vem de uma reação corporal à
estimulação luminosa, mas em parte vem de algo que, não podendo ser
explicado por essa simples reação, constitui aquilo que a luz é “nela
mesma”. Um cão adormecido, quando estimulado por uma luz forte,
desperta imediatamente. Mas nós, além de sermos despertados pela luz,

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Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal
isto é, de sabermos o que a luz faz conosco, sabemos que a luz “é”
luminosa. Por isto ela pode ser estudada não apenas no poder
estimulante que tem sobre nós, mas em suas “propriedades”, naquilo
que lhe é próprio, que é dela. Esta distinção, que o filósofo basco Xavier
Zubiri não hesita em definir como o específico da percepção humana,
está na base de todo conhecimento científico possível.

Mas para apreender o objeto das ciências humanas não basta, como no
caso do objeto natural, distinguir o que é ação dele e o que é resposta
minha, e não basta precisamente porque, ao contrário do que acontece
com a luz, na qual estão fisicamente separadas as propriedades dela e as
reações da minha fisiologia, minha resposta à sociedade humana faz
parte constitutivamente dessa sociedade. Não podendo separá-las, o
modo de conhecê-las terá de consistir em articulá-las, o que faz da
ciência social, inseparavelmente, um exercício de autoconsciência.
Aquele que não sabe por onde e como a sociedade humana veio até ele e
o constituiu ao mesmo tempo como membro dela e como
individualidade distinta nada sabe da sociedade humana exceto pelos
meros nomes que, nos tratados de sociologia, designam os produtos da
abstração que outras inteligências operaram sobre ela. Esses nomes
podem ser combinados numa infinidade de sentenças, que em sua mera
formulação verbal podem ser compreendidas por pessoas que, jamais
tendo contado a si mesmas a história de seu próprio ingresso na
sociedade humana, não têm a condição de tornar presentes à sua
consciência os objetos de que elas falam. Pode-se compreender e até
discutir um tratado inteiro de sociologia, psicologia ou ciência política
sem quase nada saber da sociedade. A prova inequívoca de que isto
acontece se evidencia quando o estudioso não é capaz de apreender sua

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Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

própria realidade pessoal com a mesma grade de conceitos com que


discute sociologia. Isto se verifica da maneira mais eloqüente quando as
próprias circunstâncias concretas em que uma teoria é enunciada
desmentem o conteúdo que ela afirma. Por isto mesmo, em ciência
social, o “argumentum ad hominem” nem sempre é desprezível mas
pode ser utilmente integrado no método. Ele permite averiguar quando
uma teoria é uma visão que um homem pode projetar sobre o mundo
exterior mas na qual não pode ele próprio se instalar como personagem.
O exemplo clássico é, de novo, a teoria da ideologia de classe. Se a
ideologia tem um vínculo essencial com a classe economicamente
definida, a possibilidade de um homem ter a ideologia de uma classe
que não a sua deve ser uma exceção, não a regra. Mas como em geral os
proletários só aderem à ideologia proletária quando alertados pelos
intelectuais e estes aderem a ela sem nenhuma ajuda proletária, o fato
mesmo de que tantos intelectuais proclamem um vínculo essencial entre
classe e ideologia é um forte indício de que esse vínculo é acidental.

Eis por que tanto da ciência social moderna tem a aparência


inconfundível de um fingimento histeriforme, como no caso de um
sujeito que saia gritando que não consegue falar.

Para escapar dessa armadilha, Gilberto Freyre vai à fonte mesma onde
se constitui o objeto da ciência social, que é a constituição da própria
consciência pessoal na sua interação com os demais personagens da
trama social. Giambattista Vico assinalava que conhecemos melhor
aquilo que nós próprios fazemos do que as coisas que nos chegam
prontas. A constituição da própria personalidade é, assim, o único lugar
onde podemos encontrar, em estado puro, o objeto da ciência social. É

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Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

por onde me conheço que conheço a sociedade.

Não por coincidência, no instante mesmo em que Gilberto iniciava sua


autobiografia da família patriarcal brasileira, um outro grande cientista
social, o alemão Eugen Rosenstock, publicava seu livro “Revoluções
Européias”, que se apresentava como o projeto de uma “autobiografia
da Europa”. Autobiografia no sentido de que a expansão da consciência
histórica de um indivíduo, até abranger uma evolução de alguns
milênios, era ali mostrada como resultado e retorno reflexivo dessa
mesma evolução. Cada sinal deixado pela evolução passada transparecia
em episódios da vida de Eugen Rosenstock, e a evolução pessoal de
Eugen Rosenstock era, ao mesmo tempo, uma reconquista do sentido
do passado histórico. Em nenhum momento consciência pessoal e
consciência histórica se separavam.

Mas, em Rosenstock, a palavra “autobiografia” tinha o sentido de uma


chave interpretativa apenas. Em Gilberto ela torna-se instrumento
material de investigação: ele parte da sua autobiografia pessoal para as
autobiografias dos outros, para os registros de memórias familiares,
para as histórias ouvidas de velhas escravas, para as cartas íntimas de
políticos e senhores de terras -- e, ampliando o horizonte em círculos
concêntricos, vai chegando passo à passo à autobiografia do Brasil.

Quando ele diz que descobriu o Brasil, esta frase deve ser compreendida
num sentido muito mais profundo e vital do que geralmente se faz.
Gilberto descobriu o Brasil na sua própria alma à medida que esta alma
se constituía descobrindo o Brasil.

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Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

Nenhuma ciência lida com fatos concretos. O concreto não é o fato


isolado no desenho da sua essência, mas o fato integrado na multidão de
acidentes que o possibilitam. Toda ciência, para apreender seu objeto,
deve destacá-lo por abstração, fazendo dele uma essência ideal que
possa ser objeto de proposições gerais, as quais em seguida serão
verificados por experiências ou constatações também seletivas e
abstrativas. Mas o objeto da ciência social demanda um tipo especial de
abstração. A essência abstrata ideal que ela visa a obter é nada mais
nada menos que a essência abstrata da própria sociedade considerada
na sua existência concreta, vivente, total. Por isto a abstração, em
ciência social, jamais alcança aquele nível de generalização em que já
não é mais preciso o retorno cognitivo à experiência direta e pré-
científica. A marca dos grandes cientistas sociais é justamente sua
capacidade de ir e vir entre a esfera dos conceitos estabilizados e a
realidade social em perpétua mutação e reconstituição; mas esta
realidade só é encontrada, de novo e de novo, na experiência humana do
próprio homem de ciência no curso de sua vida pessoal concreta. A
autobiografia não é apenas o começo da ciência social, é o seu perpétuo
recomeço, o cíclico mergulho da abstração científica na fonte da eterna
juventude.

Exercício de generalização científica a partir de um exercício de


autoconsciência e vice-versa, a ciência social é, assim, um capítulo
essencial da prática da sabedoria.

Eis a lição mais alta que Gilberto Freyre, entre os grandes cientistas
sociais do mundo, encarnou com a máxima perfeição. Eis por que, mais
que um mestre, ele se tornou para nós um modelo, alguém a quem

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Gilberto Freyre: Ciência social e consciência pessoal

voltaremos sempre não só em busca de ensinamento, mas de inspiração.

20/03/00

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Consciência crítica e inconsciência geral

Consciência crítica e inconsciência geral

Rascunho para uma conferência

Convidado a participar do Seminário Internacional "Novo Mundo nos

Trópicos", realizado no Recife de 21 a 24 de março de 2000 em homenagem

ao centenário de nascimento de Gilberto Freyre, comecei a tomar umas

notas que, prolongando-se muito além do que poderia caber nos 20 minutos

ali reservados a cada expositor, acabaram sendo abandonadas e cedendo

lugar a comunicação completamente diversa, reproduzida em outro lugar

desta homepage. Como essas notas, no entanto, não fossem totalmente

destituídas de interesse, julguei que seria útil colocá-las também à disposição

dos visitantes. -- O. de C.

Certas condutas típicas de um povo são tão repetitivas que acabam por
receber um nome e uma explicação padronizados. Conduta, nome e

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Consciência crítica e inconsciência geral
explicação formam assim a unidade de uma auto-imagem que, ao
tornar-se um lugar-comum, um topos, reforça os três ao mesmo tempo:
a conduta é agora um ato consciente, a reincidência voluntária num
modo de agir que tem nome e se conhece a si mesmo.
Independentemente de receberem uma valoração positiva ou negativa, o
understatement inglês, a meticulosidade germânica, o teatralismo
italiano, a ranhetice francesa, o praticismo americano, o
sentimentalismo russo, a modéstia japonesa, a melancolia judaica são
reconhecidos num relance, tanto pelo observador quanto pelo agente
mesmo, de modo que o primeiro saiba o que fazer e o segundo
compreenda o que está acontecendo: o esquema de conduta é ao mesmo
tempo um padrão de reconhecimento. A cultura superior, seja sob a
forma de expressão literária ou de ciência social, dá a essa síntese a
consagração que faz dela um emblema nacional. Aí todo mundo sente
que sabe o que está fazendo, sabe do que está falando e sabe, em suma,
onde está. Os lugares-comuns servem exatamente para isso e se
chamam lugares precisamente por isso. Eles constituem, na selva da
linguagem, as clareiras onde as pessoas se reúnem e conversam, pois
con/versar não é outra coisa senão versar sobre as mesmas coisas, e
des/conversa é quando um sujeito, fingindo falar da mesma coisa, fala
de outra, frustrando a comunicação. Sua conduta, aí, já não pode ser
explicada pelo padrão convencional: requer a investigação de
motivações pessoais ocultas: ele parece estar na clareira mas já fugiu
para o meio do mato. Quando a transparência da conversa é nublada
pela obscuridade da desconversa, a tranquilidade cede lugar a
conjeturas inquietantes. O elo da solidariedade social foi rompido, há
alguém conspirando na sombra. Basta esta observação para notarmos
até que ponto esses lugares-comuns, essas sínteses autoconscientes de

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Consciência crítica e inconsciência geral

conduta, nome e interpretação, constituem a base da convivência


humana.

No Brasil, porém, tem acontecido um fenômeno muito peculiar, que


assinala a anormalidade e a ineficácia da nossa conversação nacional.

Algumas de nossas condutas mais típicas e repetíveis têm uma


conotação declaradamente negativa, de modo que se torna mais fácil
acusá-las nos outros do que reconhecê-las em nós mesmos. Quando
dizemos que nosso povo é leviano, fútil, inconseqüente, irresponsável,
só podemos usar essas expressões para explicar a conduta alheia, não a
nossa, pois confessar-se leviano ou fútil não é explicar a própria conduta
e sim problematizá-la. Quando digo que fulano ou beltrano é fútil e
irresponsável, cheguei a uma conclusão e, de certo modo, livro-me do
sujeito. Se digo que eu próprio sou essas coisas, não posso me livrar de
mim mesmo e dar o caso por encerrado. Tenho de fazer alguma coisa:
corrigir-me, encontrar alguma justificativa que me tranquilize ou, no
mínimo, tentar persuadir-me, se puder, de que o melhor é relax and
enjoy. Não cheguei portanto a uma conclusão, mas ao começo de um
problema.

Por isto, quando com ou sem justiça usamos essas expressões


pejorativas para explicar as condutas de nossos conterrâneos,
rompemos a unidade dos lugares-comuns: criamos situações nas quais
só podemos sentir que sabemos o que está acontecendo se ao mesmo
tempo supomos que aquele de quem falamos não sabe o que está
fazendo. Ou então devemos admitir que é um cínico, decidido a relax
and enjoy às nossas custas.

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Consciência crítica e inconsciência geral

Mas, ao mesmo tempo, essas expressões constituem efetivamente


lugares-comuns, pois, sempre que usadas, são de inteligibilidade
imediata para quem ouve. Só que têm esta peculiaridade: servem
apenas para que as pessoas se comuniquem sobre os ausentes, não
sobre os presentes. Uma assembléia na qual todos admitissem em voz
alta que são levianos ou trapaceiros se dissolveria imediatamente numa
anarquia geral, numa troca de socos ou numa efusão de arrependimento
coletivo.

Esses lugares-comuns têm portanto a característica peculiar de que só


podem reunir uma parte da coletividade à custa de excluir outra. Nós, os
responsáveis, conversamos sobre os levianos. Nós, os sinceros e
honestos, conversamos sobre os fingidos e cínicos. Se eles entrassem na
sala, mudaríamos de assunto na hora ou teríamos de armar uma cena
deprimente.

Para facilitar, chamarei a esse tipo de expressões lugares-comuns


ambíguos, porque são como a "árvore de dourados pomos" do soneto
célebre, que "só está onde nós a pomos e nunca a pomos onde nós
estamos". Ao contrário dos lugares-comuns "normais", que servem ao
mesmo tempo para o reconhecimento mútuo e para o auto-
reconhecimento, esses só servem à primeira finalidade se excluem a
segunda. Só permitem que saibamos do que estamos falando se,
decididamente, não estamos falando de nós mesmos. Só criam uma
ponte de comunicação entre o falante e o ouvinte na medida em que
erguem um muro entre consciência e autoconsciência. Só lançam uma
luz sobre o objeto da conversa quando projetam uma sombra sobre o

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Consciência crítica e inconsciência geral

sujeito que fala. Não são instrumentos para a intercomunicação, mas


para a comunicação apenas. São instrumentos para um homem falar
sem ser falado. São instrumentos para falar mal.

Ora, em qualquer sociedade é sempre normal, necessário e não raro


justo falar mal de alguém.

O que não é normal nem provavelmente justo é que o vocabulário com


que conversamos sobre nosso próprio povo se constitua
predominantemente de instrumentos para falar mal. Pois aí esse
povo nunca pode tomar consciência de si como um todo. Cada cidadão
ou grupo só pode falar "do povo" quando se exclui dele. Ninguém pode
reconhecer o todo na parte, o coletivo no individual, o genérico no
íntimo. A unidade analógica de macrocosmo e microcosmo está
rompida. E como essa unidade é, na mente humana, o padrão mesmo
do nexo entre autoconsciência e cosmovisão, o resultado é que cada um
só pode sentir que conhece a sociedade onde está se, no mesmo
instante, se desconhece a si mesmo. E, se é verdade que aquele que se
desconhece a si mesmo perde a autoridade para julgar o próximo, um
vocabulário no qual cada um só pode julgar o próximo desconhecendo-
se a si mesmo é o vocabulário da inconsciência geral que se traduz em
geral intercondenação.

Tal é, no momento, o vocabulário da conversação brasileira. Basta ler os


jornais, ouvir os noticiários de TV ou conversar com os vizinhos para
ouvir diariamente os termos "impunidade", "corrupção", "falta de ética",
"sem-vergonhice" usados como descrições apropriadas dos caracteres
mais salientes da sociedade brasileira, ao mesmo tempo que, sob a

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Consciência crítica e inconsciência geral

pressão das classes falantes e de campanhas internacionais, se torna


elegante e obrigatório negar ou desmoralizar como mentiras ideológicas
as mais óbvias qualidades humanas dessa sociedade, como a boa
convivência entre as raças, a cordialidade, a tolerância religiosa, o
caráter ordeiro e pacífico, etc.

Ora, se a maior parte das palavras de que disponho para falar sobre o
meu povo designa coisas francamente ruins, não tenho mais um
vocabulário que me permita falar dele e de mim ao mesmo tempo. Se
falo dele, não falo de mim; se falo de mim, não tenho meios de me
compreender como caso particular de uma regra geral. Mas apreender o
geral no particular e o particular no geral é simplesmente a operação
essencial da inteligência humana. Bloquear essa intelecção a pretexto de
sanear o panorama político é destruir a alma de uma nação pelo prazer
de castigar alguns de seus filhos piores. É atear fogo ao tribunal para
punir os réus.

Arrebatada numa torrente de maledicência, nossa opinião pública se


vangloria de estar subindo na escala da "consciência crítica" no instante
mesmo em que solapa as bases de qualquer consciência possível.

***

Um exemplo de lugar-comum ambíguo consagrado não só na mídia


como numa enxurrada de trabalhos acadêmicos é o famoso
"autoritarismo" da sociedade brasileira. Com isto, não se pretende dizer
que o povo brasileiro seja mandão, mas, precisamente ao contrário, que
é um povo que tem dificuldade de tomar suas próprias decisões e de agir

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Consciência crítica e inconsciência geral

sem o beneplácito de uma autoridade. O número dos indivíduos


autoritários seria na verdade bem pequeno. Eles constituem uma elite
que faz e acontece, enquanto a maioria só é autoritária às avessas, isto é,
na sua necessidade de obedecer. O padrão autoritário da elite, admite-se
no entanto, se repete em escala menor entre o povinho, quando por
exemplo um guarda de trânsito ou um caixa de banco age com
autoridade ministerial ou mesmo legislativa, improvisando normas que
se sobrepoem à lei escrita e impondo-as, sem contestação, ao cidadão
atônito que, desconhecendo as leis, tem de admitir como lei a
autoridade de ocasião.

Esse fenômeno já foi descrito milhares de vezes na literatura e na


ciência social. Ele constitui um topos, mas um topos é uma síntese de
conduta, nome e interpretação. A conduta pode surgir espontaneamente
dentro da prática diária, mas o nome e a interpretação são criações da
classe letrada, da reflexão dos intelectuais. Esse nome e essa
interpretação, por sua vez, refluem sobre a conduta, modelando-a,
canalizando-a e delimitando as possibilidades de corrigi-la, reforçá-la
ou modificá-la quando isto entrar em linha de consideração.

Nesse topos em particular, a primeira coisa que me surpreende é o


nome, que subentende uma interpretação rebuscada e indireta.
Autoritarismo é mandar. A compulsão de obedecer denomina-se
subserviência. Quando um sociólogo denomina "autoritarismo" à
conduta do brasileiro que não age sem as bênçãos da autoridade, ele não
está nomeando a conduta, mas algo que supõe ser a causa dela. A
denominação, aí, subentende que o brasileiro não é subserviente porque
é, mas porque o obrigam a ser. E quem o obriga é a elite autoritária.

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Consciência crítica e inconsciência geral

Pode ser até que as coisas sejam realmente assim, mas saber se são ou
não são depende de exame, e para quê haveremos de examinar as
causas profundas de um fenômeno se o seu próprio nome já nos fornece
uma explicação? Para percebermos o quanto esse procedimento
denominativo é esquisito e anormal, imaginem como ficaria, por
exemplo, o sentimentalismo russo se em vez de ser designado por um
nome descritivo já fosse desde logo nomeado pela designação de suas
supostas causas. Teríamos de saber o que foi que mexeu com os
sentimentos russos e os tornou assim. Eles já não seriam um povo
sentimental, mas um povo submetido a situações comoventes. Mas
como qualquer um, submetido a situações comoventes, se inclina a
tornar-se sentimental, estaríamos com isso dizendo que o povo russo
não é mais nem menos sentimental do que qualquer outro, mas apenas
que alguém o comoveu. Com isso, a especificidade da sua conduta
estaria dissolvida numa conjeturação de causas, e aí não
distinguiríamos mais um russo de um japonês.

Esse modo de denominar as coisas é muito rebuscado e esquisito,


mesmo porque se a conduta é um dado de experiência acessível a
qualquer observador, a conjeturação das causas é um problema
científico sujeito a controvérsias sem fim. Denominar à subserviência
brasileira "autoritarismo" reflete menos o dado imediato observável do
que uma seletividade ou um viés na mente do observador que lhe dá
nome. Ora, este observador consiste precisamente nas classes letradas e,
dentro delas, especificamente dos cientistas sociais. A denominação
escolhida não nos garante a veracidade da causa apontada, mas nos
garante que a classe que lhe deu nome tende a enxergar o fenômeno

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Consciência crítica e inconsciência geral

desde um ponto de vista especial, ignorando os demais pontos de vista


possíveis. A subserviência brasileira pode ser ou não ser o reflexo de um
autoritarismo, mas as classes letradas estão preocupadas acima de tudo
com o problema da autoridade e enxergam tudo através dele.

Levadas e de certo modo hipnotizadas pela denominação introjetada


sobre o fenômeno, suas investigações estão assim fadadas a tomar
sempre a mesma direção: sublinhar cada vez mais o autoritarismo das
classes dominantes, excluindo a priori outras causas talvez mais
determinantes.

Como, por outro lado, a classe acadêmica e universitária está


impregnada de uma mitologia progressista na qual a história caminha
para a liberdade crescente, e como não desiste de crer nisso nem mesmo
diante do fato brutal do totalitarismo moderno, então é fatal que tudo
aquilo que lhe cheire a autoridade coatora deva lhe parecer um resíduo
de um passado autoritário, condenado a dissipar-se ao longo da
evolução democrática. Deste modo, a subserviência de um cidadão ao
guardinha é explicada como "resíduo da mentalidade colonial", como
eco do temor do escravo ante o chicote do sinhozinho, mesmo quando o
guardinha é negro e o cidadão que se encolhe é um descendente de
altivos poloneses. O ridículo imensurável desta explicação é obscurecido
pela sua comodidade e pelo fato de ser repetida em livros assinados por
autoridades acadêmicas diante das quais os estudantes se encolhem
como o cidadão ante o guardinha.

Se perguntamos por que a classe acadêmica tende a repetir essa pseudo-


explicação ao ponto de fazer dela um cacoete, a resposta deve ser

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Consciência crítica e inconsciência geral

procurada na constituição mesma desta classe. Composta


essencialmente de jovens de classe média e alta militantes de
movimentos políticos de esquerda, repetidamente frustrados em suas
ambições pelo governo Vargas e depois pelo regime militar, a classe dos
estudantes de ciências sociais comporta um número imenso de pessoas
que se dedicaram ao estudo teórico da sociedade e da política por terem
sido privadas dos meios de ação. A ciência social é aí um sucedâneo e
um complemento da militância, e a situação existencial dessas pessoas
se define essencialmente por seu confronto com a autoridade e pela
frustração de seu desejo de mandar. Quem se sente sufocado por uma
autoridade são os estudantes de ciências sociais, não o povo brasileiro
em geral sobre o qual eles projetam ingenuamente sua auto-
interpretação.

Mas, para impugnar uma teoria, não basta desmascará-la como


projeção ideológica de interesses e preconceitos de classe, porque às
vezes as ideologias também dizem a verdade. É preciso mostrar os fatos
que essa teoria esconde e que, se levados em consideração, exigiriam
substituí-la por uma teoria melhor.

Os fatos que a teoria do "resíduo colonial autoritário" omite são de duas


ordens: (1) um autoritarismo, mesmo real, não produz por si a
subserviência, mas pode produzir exatamente o contrário: a rebelião e o
espírito de independência; (2) uma coisa notável nas origens da
sociedade brasileira é a ausência completa de um corpo de normas e
valores concensuais legitimados pela religião e entretecidos na vida
cotidiana, servindo de padrões de julgamento eficientes e
automatizados, seja nas situações da vida pública, seja da vida privada.

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Consciência crítica e inconsciência geral

Encontramos esse sistema de normas vigente com toda a força das


certezas inabaláveis, já desde os primeiros passos da república norte-
americana. A ideologia da independência e dos Fouding Fathers, com
uma imensa retaguarda ética e religiosa, é para os americanos um ponto
de referência inabalável nas discussões públicas e nos julgamentos das
controvérsias privadas. Não apenas esse conjunto constituiu desde o
início uma idelologia coerente e explícita, mas nela se expressavam
tanto os anseios da nação quanto os sonhos e ambições dos cidadãos
particulares. Tão forte foi aí a solidariedade do micro e do macro que os
pais fundadores e seus sucessores no governo da república americana
puderam ser cultuados, sem falsificações notáveis, como modelos das
qualidades humanas que os cidadãos aspiravam realizar.

Nada disso existiu nem existe no Brasil. Desde o início, nossa


independência se destaca pela sua absoluta falta de cosmovisão própria,
obrigada a costurar às pressas pedaços de discursos franceses e
americanos absolutamente deslocados da situação social real e com
freqüência incoerentes entre si. Os valores afirmados em público
serviam só para ser afirmados em público ou, pior ainda, para criar um
arremedo de justificação ante os observadores estrangeiros. Nunca
foram convicções profundas que pudessem orientar a construção de
uma nova sociedade e muito menos penetrar nas almas dos cidadãos e
tornar-se a expressão de seus sonhos íntimos. Os próprios governantes,
a um tempo, maçons e fiéis de uma igreja que excomungava a
maçonaria, não podiam sequer sonhar em ter um corpo de valores
coerente, mas tiveram de exercitar desde o início a duplicidade entre
palavra e ação, a duplicidade de motivos que reduz toda a moral pública

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Consciência crítica e inconsciência geral

a um conjunto de pretextos nos quais no fundo ninguém acredita.

Ora, onde as normas são um amálgama confuso de pretextos, ninguém


pode acreditar nelas, e aquilo em que não acreitamos não pode ser um
guia para orientar nossas ações. Desde o início da nossa vida
independente, cada brasileiro vive desprovido de critérios de
julgamento, perdido entre nuvens e sombras, tateante e incerto, sem
jamais saber se o que faz é certo ou errado, se pode revelar suas
motivações íntimas em público ou se deve ocultá-las para não ser
ridicularizado. É simplesmente impossível atribuir à mera coincidência
o fato de que todos os personagens do escritor mais representativo do
Brasil-Império, todos, sem exceção, sejam criaturas de fumaça,
vacilantes entre a mentira proposital e o auto-engano inconsciente.
Mesmo o melhor deles, o conselheiro Aires, só encontra a unidade da
sua alma na contemplação esteticista de um cético melancólico que,
incapaz de agir, observa o mundo com uma certa pena que não chega
sequer a ser uma decidida piedade cristã.

Ora, a falta de convicções profundas, a ausência da fé normativa só


deixa à alma individual duas alternativas: perder-se na hesitação e na
incerteza covarde ou, ao contrário, afirmar a vontade própria num ato
de arbitrariedade que passe por cima de todas as considerações morais.
Daí a divisão dos brasileiros entre o cidadão encolhido e o guardinha
autoritário. Na ausência de normas, cada um faz o que pode; tudo
depende do acaso que acabará dando sempre a vitória aos mais
impudentes e brutais.

O próprio autoritarismo surge daí: é a afirmação da vontade de poder

http://www.olavodecarvalho.org/textos/conscrit.htm (12 de 14)16/4/2007 09:54:29


Consciência crítica e inconsciência geral

que não reconhece nenhuma autoridade acima de si e, na


indeterminação geral, vence ao afirmar suas próprias determinações
livremente criadas. Também não pode ser pura coincidência que o
nosso mais durável ditador, e ao mesmo tempo um dos nossos mais
eficientes governantes, tenha tido como leitura de cabeceira e inspiração
constante de suas ações as obras de Nietzsche. No ambiente de incerteza
e vacilação geral, fala mais alto a voz do Super-Homem que improvisa
suas próprias normas. A famosa "lei de Gerson", que é senão o
reconhecimento de que a única norma vigente é aquela que legitima a
vitória do mais descarado?

Em sua permanente revolta contra qualquer resíduo de autoridade ou


de moral religiosa, a classe letrada confunde o seu próprio interesse de
luta edípica com as necessidades da nação brasileira e, ajudando a
destruir o pouco de sentimento moral que resta na família brasileira,
promovem aquele mesmo ambiente de incerteza e hipocrisia no qual
cada cidadão não tem alternativa senão ceder ante a arbitrariedade do
mais brutal ou aprender ele próprio a arte da brutalidade.

As classes letradas e mais especificamente os cientistas sociais no Brasil


estão em completo divórcio com a realidade da vida e não conseguem,
com seu linguajar onde o pedantismo imita a ciência, senão expressar a
imensa distância que existe entre o foco da sua atenção e o alegado
objeto de seus estudos.

20-03-2000

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Consciência crítica e inconsciência geral

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Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

Cartas comentadas sobre lingüística e


gramática

De Maria Oliveira para Olavo de Carvalho

Olá, Olavo, tudo bem?

Li seu artigo na Bravo! de março e acabo de recuperar na sua H.P. o


artigo "Quem come Quem", que julgo ser o primeiro que deu origem à
polêmica com o professor Bagno.

Seu segundo artigo (março 2000 na Bravo) é espetacular, tive vontade


de conhecer a tese do prof. Bagno para checar se o acadêmico
desenvolve um argumento tão simplista e ingênuo.

Mas o texto original "Quem come Quem", a meu ver, não guarda o
mesmo brilho.

Semanas atrás, em uma das listas literárias de que participo

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Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

(predominante de escritores brasileiros e portugueses), enfrentamos


uma discussão cerrada sobre o uso de estrangeirismos X os seminários
em defesa da língua nacional que andam na moda aqui no Brasil.

Posso estar cometendo um grande engano, mas meu argumento central


na discussão era de que a identidade nacional associada à língua
nacional é uma criação dos Estados-Nações, demarcada em fins do
século XIX.

OBSERVAÇÃO DE OLAVO DE CARVALHO - Você está, sim,


cometendo um grande erro. A promoção das línguas nacionais como
instrumento de unificação dos povos veio muito antes da consolidação
dos Estados-Nações e foi uma das condições que a possibilitaram. A
Itália do séc. XIII em que Dante escreveu a Divina Comédia em língua
local e polemizando em favor desse idioma despertou um senso de
unidade nacional (em “Sobre a Eloqüência Vulgar”) era um conjunto
disperso de ducados e principados, e o mesmo é verdade quanto à
Alemanha, unificada primeiro pela tradução da Bíblia por Lutero e só
muitos séculos depois unificada politicamente. Se as línguas nacionais e
suas normas fossem impostas por decretos arbitrários de governos, a
tese do Bagno não estaria nada errada. Mas o fato é que as nações
nascem das línguas, e não estas daquelas. Por isto mesmo é impossível
conservar um senso de identidade nacional quando, à força de
conformar-nos a uma atualidade sociológica criada pela mídia e pelo
imperialismo cultural, abdicamos de conservar o senso de unidade
histórica da língua, o qual só pode ser sustentado com base na tradição
literária perpetuamente revivificada pelo ensino (para a noção de
tradição literária, baseio-me principalmente em F. R. Leavis e T. S.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartas.htm (2 de 13)16/4/2007 09:54:45


Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

Eliot). Ora, se o ensino da gramática rompe com a tradição literária,


adaptando-se ao fato consumado sociológico determinado por fatores
extranacionais e antinacionais, a tradição mesma acaba sendo rompida,
o gosto literário cai, a língua se torna confusa e tosca, os debates
públicos caem para o nível dos slogans brutais, o próprio nacionalismo
assume o sentido de uma revolta suicida. Isso aconteceu na Alemanha
entre as duas guerras. Karl Kraus foi o grande campeão da língua alemã
contra sua dissolução pelos jornalistas e publicitários, na qual via, com
olho profético certeiro, o prenúncio da tragédia nacional. Análoga
degradação já está acontecendo no Brasil, e o simples fato de
analfabetos funcionais como Marcos Bagno serem aceitos como mestres
do idioma já é sinal da perda geral da inteligência lingüística,
substituída por um pedantismo pseudo-científico bom apenas para
enganar caipiras.

Usei como exemplos dados de Eric Hobsbawm- Nações e Nacionalismo


-, que cita a adoção do italiano (ou pelo menos ao que deu origem à
língua italiana atual), pós-Unificação Italiana, argumentando que essa
foi uma escolha consciente e arbitrária de uma língua falada por cerca
de 2,5% da população para se tornar língua nacional, escolhida entre as
tantas faladas nas regiões da Itália e principalmente relata o
estabelecimento da escola primária (portanto da alfabetização e adoção
de uma única língua normativa) por todos os Estados-nacionais . Escola
primária e exército foram aliados importantes no fermento do
nacionalismo de fins do XIX e XX.

O. DE C. - Hobsbawm não sabe italiano o suficiente para compreender


que o dialeto toscano, escolhido para unificar nação e ensino, era já o

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartas.htm (3 de 13)16/4/2007 09:54:45


Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

mais desenvolvido, literariamente, o que tinha o maior número de


documentos escritos, portanto o único que, na prática, podia servir de
base a uma reforma do ensino.

Enfim, penso que precisaríamos fazer esse mergulho profundo que você
propõe em seu texto, levando em conta que a nossa identidade nacional
(associada à língua) e mesmo a dos portugueses e dos demais europeus
é um fenômeno relativamente novo e a preocupação com os
estrangeirismos da moda (isso me lembrou um pouco os argumentos de
Saramago quando veio ao Brasil, na época em que ganhou o prêmio
Nobel e, indignado, dizia que estávamos sendo colonizados) talvez não
seja a questão crucial.

O. DE C. - Saramago tem toda a razão. Apenas lamento que ele não


tenha dito coisa parecida quando, por influência soviética, as escolas
romenas diminuíram o tempo de ensino do grego e do latim para que as
crianças pudessem aprender... russo!

Por outro lado, desenvolver literariamente um dialeto é lançar as


sementes de uma revolução da qual pode resultar seja o nascimento de
uma nova nação. Por isto as grandes potências expansionistas
(Inglaterra e URSS, por exemplo) sempre fomentaram o
desenvolvimento dos dialetos nas nações que desejavam dominar, ao
mesmo tempo que, nos seus próprios territórios e nas áreas já sob seu
domínio, impunham com mão de ferro a unidade da língua nacional.
Stálin, não se esqueça, foi lingüista, desenvolveu a lingüistica como
arma de guerra e assinalou explicitamente essa distinção estratégica.
Hoje em dia a técnica intervencionista mudou um pouco: como o único

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartas.htm (4 de 13)16/4/2007 09:54:45


Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

império que restou é tão gigantesco que pode abarcar comunidades de


muitas línguas sem abalar a estrutura jurídico-política do conjunto, ele
impõe a mesma política “multicultural” a nações mais fracas que não
podem arcar com tal multiplicidade sem dissolver-se ou sem ter de
submeter-se a poderes extranacionais. Por exemplo, na Romênia, um
país paupérrimo e em crise, as organizações internacionais fomentam a
criação de escolas independentes em língua húngara para a população
de húngaros da Transilvânia. Os húngaros se enchem de brios e já falam
em separatismo. Para evitar o separatismo, o governo romeno, sem
recursos próprios, corre para os braços das organizações internacionais
em busca de socorro. Tudo isso foi muito bem calculado mais de
cinqüenta anos atrás e hoje é aplicado em escala mundial, com a
prestimosa colaboração de jovens lingüistas burros que se entusiasmam
com o valor nominal das belas causas e, mesmo quando recebem
dinheiro de fundações internacionais, não se dão conta de para quem
trabalham, continuando, ao contrário, a imaginar-se muitos
nacionalistas. Para os planejadores estratégicos do império, manobrar
intelectuais do Terceiro Mundo é mais fácil do que tirar um doce da
boca de uma criança.

Quanto à polêmica- norma culta X norma "popular"- ela não é nova, não
é mesmo? Está presente na educação desde o debate entre Saviano e
Paulo Freire, lembra-se? O primeiro defendia que era democrático levar
o que há de Universal na produção do conhecimento (ocidental) às salas
de aula e o segundo por meio do seu método buscava a chave (nas
palavras chaves) para abrir o universo embotado dos analfabetos e
excluídos através da consciência, recuperando a auto-estima desses.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartas.htm (5 de 13)16/4/2007 09:54:45


Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

Ambos queriam a integração da massa excluída, ambos queriam


desenvolver a auto-estima, mas os caminhos bastante diversos se
debateram e ocuparam longos anos nos cursos de pedagogia.

O. DE C. - O problema da democracia é que começa querendo


democratizar os bens valiosos e termina por democratizar a avaliação
dos bens. Aí os antigos produtos culturais vulgares com que a massa era
alimentada antes da democracia são promovidos por aclamação ao grau
de bens supremos, e, em nome da democracia, o elitismo não apenas
volta com toda a força mas é consagrado como sinônimo de
igualitarismo. Começamos por querer das às massas Bach em vez de
Gugu Liberato e terminamos por não conseguir distinguir um do outro.

Tudo isso reflete a degradação da inteligência, o acúmulo de confusões


grosseiras nas cabeças dos intelectuais, que estendem noções de
filosofia política para além de suas fronteiras lógicas. Sabe onde isso
termina? No “Socialismo intergalático” dos trotskistas: ETs de todas as
galáxias, uni-vos!

Na discussão entre Saviani e Paulo Freire, estou decididamente com o


primeiro, mesmo porque nunca acreditei na sinceridade de Freire, um
manipulador contumaz.

Continuamos com baixa auto-estima, continuamos produzindo


analfabetos, mas o pior, a meu ver, é o número crescente dos índices de
analfabetismo político... analfabetismo acadêmico, analfabetismo
jornalístico....

Beijão e saiba que gostei deveras de sua HP, suscitou-me idéias! Coisa

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartas.htm (6 de 13)16/4/2007 09:54:45


Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

difícil hoje em dia....

Frô

Maria Oliveira

afrodite_fro@uol.com.br

De Olavo de Carvalho para Maria Oliveira

Prezada amiga,

Sua carta, que muito agradeço, será respondida através da minha


homepage, pois a discussão que levanta é importante demais para ficar
só entre nós dois. Tudo bem?

Um beijão e os melhores votos do

Olavo de Carvalho

De Maria Oliveira para Olavo de Carvalho

Sem problemas, Olavo. Gostaria de lhe enviar uma resposta que uma
amiga postou ao seu artigo da Bravo de março (eu coloquei o endereço
do seu site numa das listas literárias de que participo, indicando a
leitura) e ela levantou algumas questões bastante pertinentes.

Há também um debate (estrangeirismos X identidade nacional) que


gerou cerca de 35 correspondências e envolveu muito dos escritores e
poetas na lista (Escritas- lista lusófona, que tem como mediador um

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartas.htm (7 de 13)16/4/2007 09:54:45


Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

poeta português), mas essa discussão, apesar de riquíssima, tem a


participação de pessoas que não se sentiram à vontade em verem
migradas discussões internas à lista.

Um grande abraço,

Frô

Segue a mensagem sobre o seu artigo na Bravo! de março 2000.

De Rosita Samarani Prates para Maria Oliveira

16 de Março de 2000

Putz, Frô!

Quanto pano pra manga dá esse artigo...

A velha rixa da Lingüística com a Gramática Normativa... Confesso estar


em dúvida desde que pus meus pezinhos (que eufemismo, 39!) no curso
de Letras. Meu professor querido amado fofinho do meu coração era
pela tradicional (o "querido-amado-fofinho" era só eu que achava, ele
era uma Aracy ao cubo!); as posições dos lingüistas, porém, sempre me
pareceram difíceis de combater.

Em sua argumentação, Olavo de Carvalho induz muito bem à conclusão


de que a lingüística troca um preconceito por outro, mas não é bem
assim. Ela não se propõe a trocar uma receita literária por uma receita
social: propõe o fim do receituário. Para a lingüística, não há normas de
"bem falar".

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartas.htm (8 de 13)16/4/2007 09:54:45


Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

O. DE C. - Uma ciência que não possui instrumentos para fazer uma


distinção não possui também autoridade para decretar que essa
distinção não existe ou que outras ciências não possam discerni-la. A
lingüistica, no caso, segue o mesmo erro dos antropólogos, que de início
professam abster-se metodologicamente de juízos de valor sobre os
fatos culturais e terminam por decretar que entre esses fatos não há
diferenças de valor – como se a abstinência metodológica de abordar
uma questão fosse o instrumento ideal para solucioná-la! Deduzir do
método o fato é, realmente, mais do que pode suportar o saco humano.
Esse erro grotesco está tão generalizado que constitui, por si, um
alarmante sintoma de obscurecimento da inteligência, da queda no
barbarismo, que a profusão de pedantismos em circulação, longe de
disfarçar, só acentua mais ainda.

Essa história de sair a campo para para ver o que o pessoal culto anda
falando para impor seu idioleto a todos os falantes é coisa de gramático
tradicional metido a moderninho, que acende uma vela pra deus, outra
pra mim. Pensa estar fazendo ciência, mas continua com mania de
estabelecer o certo e o errado e de empurrar normas goela abaixo.

O. DE C. - Você tem toda a razão: o Bagno usa pretextos extraídos da


lingüistica para impor um neo-normativismo sociológico fundado no
império do fato consumado. Ora, um dos princípios elementares do
método científico é que não existe meio lógico de transfigurar o fato em
norma. A gramática normativa tradicional, ao contrário, parte de
valores consensuais explícitos – a identidade nacional, a continuidade
da consciência histórica, o diálogo entre a consciência individual e a

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Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

tradição literária, a analogia macrocosmo-microcosmo entre cultura


nacional e pessoal, etc. – e procede à regulamentação sistemática da
língua com base nesses valores. Isto é certamente muito mais científico
do que a pretensa “gramática de base lingüística”. A língua enquanto
instrumento de cultura, de educação, de autoconsciência, transcende
infinitamente o alcance conceptual e metodológico da lingüistica em
geral, mas está rigorosamente dentro da esfera de jurisdição da velha
filologia, da qual deriva a gramática normativa.

Outra coisa difícil é falar da Lingüística como uma coisa única. Há


estruturalistas, funcionalistas, gerativistas, lingüistas do texto
(originários de todas as correntes), que promovem arranca-rabos
fenomenais. Desses, os que mais se meteram em questões do ensino de
línguas foram os estruturalistas e os lingüistas do texto, esses últimos
disparadamente melhores. É que o objeto deles não é a sentença, é o
texto (mais difícil de ser delimitado, mas, certamente mais
representativo); além disso, fazem uma abordagem mais "orgânica",
mais... real, oras! O estruturalismo originou aquelas aulinhas babacas
de preencher lacunas a partir de paradigmas. Credo! O trabalho a partir
de estruturas textuais é muito mais produtivo, criativo... Afinal, não
falamos por sentenças, falamos por textos (ainda que de uma só
sentença).

O. DE C. - As diferenças entre escolas lingüísticas permanecem alheias à


questão aqui discutida, pois a questão da gramática normativa tem
aspectos que escapam de toda abordagem lingüística e entram em
terrenos mistos onde os lingüistas não apitam nada mas onde a
filologia, por ser ao mesmo tempo menos pretensiosa em seus métodos

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Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

e mais abrangente em seu objeto (a cultura inteira), ainda pode fazer


alguma coisa.

Os principais problemas da lingüística são dois: - primeiro, é muito


recente o tratamento científico da língua (o que abre para um terceiro
problema, que é o generalizado modelo iluminista de ciência, do qual
anda difícil pra qualquer uma delas fugir - né, Frô?), pois até o início do
século o modelo de gramática era o receituário greco-romano,
normativo, baseado nos escritores consagrados (*). É covardia pisar nos
calos de uma ciência tão recente. - segundo, ...

O. DE C. - A língua enquanto objeto da lingüistica é uma seleção


abstrativa operada arbitrariamente por Ferdinand de Sausurre no corpo
de língua viva. Leia A Origem da Linguagem de Eugen Rosenstock (em
breve na Biblioteca de Filosofia da Record), e verá a que ponto a
pretensão de opinar sobre a totalidade da língua a partir de
generalizações obtidas de uma pequena fatia dela é pura alucinação. A
própria multiplicidade de escolas em debate na lingüistica mostra que
ela ainda está numa fase de confronto retórico e muito longe de entrar
no que Kant chamava “o caminho seguro da ciência”. Os lingüistas
deveriam botar ordem na sua própria casa antes de querer regulamentar
o mundo ou mesmo antes de decretar se existe ou não existe expressão
lingüística melhor ou pior.

...ai, gente... são duas e trinta da manhã... fiquei caprichando tanto no


primeiro problema (tanto, que abri para um terceiro), que não lembro
mais o que eu ia falar... não vou apagar, vou deixar assim, pra ficar
devendo o resto...

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartas.htm (11 de 13)16/4/2007 09:54:45


Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

Ah! eu lembro o que ia dizer no asterisco(*): se o barato do escritor é


justamente explorar novas possibilidades da língua, que coisa mais
chata virar norma depois, não?

O. DE C. - [Adendo] Não se preocupe, minha amiga. As normas não


estreitam o campo de possibilidades, pela simples razão de que são elas
que o criam. No linguajar corrente da mídia e da universidade,
fortemente impregnada de preconceitos ideológicos e de um certo
espírito de rebelião pueril, “norma” virou sinônimo de amarra, de
limitação, de escravidão. Mas uma falsa semântica não tem o poder de
mudar a estrutura da realidade. A norma é precisamente a ordenação
racional pela qual a ação humana organizada pode vencer as limitações
naturais e tornar possível a liberdade individual. Toda língua compõe-se
de normas, e quando a gramática normativa explicita essas normas ela
faz delas um instrumento de ação. Uma língua sem normas explícitas
teria ainda estrutura e ordem internas, apenas essa estrutura e ordem,
permanecendo implícitas e inconscientes, escravizariam totalmente o
pensamento humano, subjugando-o a regras desconhecidas. A língua,
em vez de servir ao pensamento, seria substitutivo dele, e as
inteligências se desperdiçariam buscando combinações gramaticais em
vez de, apoiadas numa estrutura gramatical fixa e consciente, estar
livres para pensar. A gramática é a arte da construção de sons e
grafismos, e ela serve ao pensamento como a arte da construção civil
serve aos propósitos de uso do edifício. Se o uso, ao contrário, passa a
ser determinado pela construção, o morador serve ao edifício e não este
àquele. A simplificação e normatização dos meios cria a liberdade na
esfera dos fins. Uma gramática “livre” de normas criaria uma lógica

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Cartas comentadas sobre lingüistica e gramática

escrava da gramática. Seria a maior catástrofe intelectual de toda a


história humana.

Huãããããmmmmmm, minhammm, minhammm,


minhammmmmmmm...!!!!!!!!!!!!!! (bah, engoli vocês com esse bocejo!)

Beijos, Rosita

Rosita Samarani Prates

rositasp@zaz.com.br

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I Congresso do Instituto Brasileiro de Humanidades

I Congresso do Instituto Brasileiro de


Humanidades

Vassouras, RJ, 16-18 de junho de 2000

Primeira comunicação

Ao longo de vinte e cinco anos de atividade pedagógica, Olavo de


Carvalho deu cursos sobre temas diversos, em muitas cidades do Brasil
e algumas do Exterior. Só muito raramente os cursos eram repetidos.
Assim, os ensinamentos transmitidos pelo filósofo permaneceram
dispersos entre grupos que não tinham qualquer comunicação entre si.

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I Congresso do Instituto Brasileiro de Humanidades

Para dar aos alunos e ex-alunos de Olavo de Carvalho a oportunidade de


um intercâmbio de informações e de documentos sobre o que
aprenderam nesses cursos, será realizado em 16, 17 e 18 de junho do
corrente, no Hotel Mara (Vassouras, Estado do Rio de Janeiro), o I
Congresso do Instituto Brasileiro de Humanidades.

Assim, pela primeira o público terá acesso a uma certa visão de conjunto
do pensamento filosófico de Olavo de Carvalho. Essa visão é
necessariamente experimental e provisória, principalmente por ter como
objeto uma filosofia vivente, em constante estado de elaboração.

Não sendo possível abranger todos os temas lecionados, o próprio Olavo


de Carvalho fez uma seleção dos oito principais, designando como
expositores oito alunos que tiveram a oportunidade de estudá-los mais
detidamente. As apostilas principais sobre cada tema serão postas à
disposição de todos os presentes. Outros alunos que tenham assistido a
aulas ou conferências ou que possuam manuscritos e apostilas de Olavo
de Carvalho sobre esses temas estão convidados a complementar as
exposições com as informações de que disponham.

O objetivo desde I Congresso é principalmente didático e informativo. Ele


não pretende ainda aprofundar a discussão dos temas, mas colocar à
disposição dos participantes o material informativo que possa servir de
base a discussões nos Congressos vindouros do IBH e nos cursos em geral.

Embora o Congresso seja dirigido principalmente a alunos e ex-alunos de


Olavo de Carvalho, as incrições serão abertas também para o público
interessado em geral, dentro dos limites da capacidade de acomodação do

http://www.olavodecarvalho.org/textos/congresso.htm (2 de 5)16/4/2007 09:55:01


I Congresso do Instituto Brasileiro de Humanidades

local escolhido.

Os temas serão os seguintes:

1. Filosofia da Educação. (1) Filosofia como unidade do conhecimento na unidade


da consciência e vice-versa. (2) Inteligência e verdade. (3) Os graus de certeza
2. Gnoseologia. (1) Ser e conhecer. (2) O princípio do conhecimento por presença.
(3) O círculo de latência. (4) A tripla intuição fundamental.
3. Psicologia. (1) A definição de psique. (2) As camadas da personalidade. (3)
Astrocaracterologia. (4) O trauma de emergência da razão.
4. Teoria do discurso 1. Os quatro discursos de Aristóteles.
5. Teoria do discurso 2. Os gêneros literários.
6. Ética. (1) Princípios eternos e normas transientes. (2) O princípio de autoria.
7. Filosofia política. (1) Ser e Poder. (2) Teoria reformada das castas.
8. Filosofia da História. (1) Quem é o sujeito da História? (2) A noção de
"Império" em O Jardim das Aflições.

O início dos trabalhos será na sexta-feira às 17 horas e o término no


domingo ás 16h30 Na próxima comunicação serão especificado o
cronograma e os expositores.

Inscrição e forma de pagamento

Apartamento Apartamento
Data Inscrição
duplo single
até 2 de maio R$ 60,00 R$ 140,00 R$ 210,00
entre 2 de maio e 2 de junho R$ 60,00 R$ 154,00 R$ 231,00

transporte Rio - Vassouras: R$ 50,00 (opcional)

Pagamentos até 2 de maio: O preço da inscrição é R$ 200,00 (incluindo


hospedagem) O participante deverá efetuar o pagamento de R$ 100,00
(50%) até o dia 2 de maio e os 50% restantes até o dia 2 de junho. É
indispensável o cumprimento dessas datas para garantir reservas e

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I Congresso do Instituto Brasileiro de Humanidades

tarifas. Para apartamento single há um adicional de R$ 70,00.

Pagamentos após 2 de maio: Os preços de hospedagem sofrem um


aumento de 10%. Com inscrição incluída, os valores finais para
apartamento duplo e single ficam sendo, respectivamente, R$ 214,00 e R
$ 291,00. O prazo para inscrição termina no dia 2 de junho.

A empresa IETUR, agenciadora do evento, oferece um serviço opcional de


transporte Rio-Vassouras (ida e volta) em ônibus, classe turismo, a um
preço de R$50,00. Para este serviço é necessário um número de 15
pessoas e a confirmação até 22 de maio. Local e horário do embarque
serão confirmados em breve.

Os depósitos deverão ser efetuados em nome de Paulo Vieira da Costa


Lopes, na conta 108912-9, agência 3110-0 do Banco do Brasil. Deverá ser
enviado um fax do comprovante do depósito para o telefax 021-xx-295
1699.

Coordenação

Paulo Vieira da Costa Lopes e Nanci Galvão (Rio de Janeiro)

Edson Manoel de Oliveira Filho (São Paulo)

Informações

Secretaria do Congresso: Av. N. S. de Copacabana, 195 Sala 414 - Rio

de Janeiro (D. Edna), das 14h00 às 20h00 de 2a a 6a feira - Telfax. 021


295-1699 e 275-6439).

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I Congresso do Instituto Brasileiro de Humanidades

Contato em São Paulo: Edson Manoel de Oliveira Filho: Fone 011 572-
5363.

Conta bancaria para depósitos: Banco do Brasil, Ag. 3110-0, Conta

no 108912-9, em nome de Paulo Vieira da Costa Lopes.

Internet: As informações sobre o Congresso serão periodicamente


atualizadas, se necessário, através da homepage de Olavo de Carvalho:
http://www.olavodecarvalho.org

Informações por correio eletrônico: paulocl@antares.com.br ou


edsonfilho@cy.com.br

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

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Sucesso total

Sucesso total
do I Congresso do Instituto Brasileiro de Humanidades

Hotel Mara, Vassouras, RJ, 17 e 18 de junho de 2000

Vista parcial da platéia.

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Sucesso total

Bate-papo no jardim do Hotel Mara.

Nelson Lehmann da Silva, Henriette Fonseca, Lúcia de Fátima


Junqueira, Olavo de Carvalho.

O embaixador José Osvaldo de Meira Penna, presidindo a


sessão, e o palestrante Fernando Manso.

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Sucesso total

Fotos de Wagner Wuo

Documentos do I Congresso do IBH

Série 1

A documentação do I Congresso do IBH será posta à disposição do


público à medida que se torne disponível. Os resumos das palestras
deverão aparecer aqui já nos próximos dias. A transcrição completa será
publicada em livro e parcialmente reproduzida neste site. As fitas de
vídeo, a cargo da É-Realizações, deverão estar prontas para distribuição
dentro de algumas semanas.

I. Depoimento

ALVARO VELLOSO DE CARVALHO

O Indivíduo, No. 15 - 23/06/00

Seria uma pretensão desmesurada minha resumir de forma adequada o


que aconteceu no I Congresso do Instituto Brasileiro de Humanidades,
ocorrido em Vassouras no último fim de semana. Acredito que maiores
detalhes deverão ser disponibilizados nos próximos dias, inclusive as
fitas das palestras e talvez até suas transcrições. Quero, pois, apenas dar
uma idéia geral do que foi o congresso.

E, antes de mais nada, é preciso dizer que ele superou todas as minhas

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Sucesso total

expectativas, tanto pela organização (considerando-se que foi o


primeiro), quanto pelo altíssimo nível das palestras.

A idéia do Congresso era dar um panorama geral da obra do prof. Olavo


de Carvalho, uma obra vastíssima, que se estende por praticamente
todos os domínios do conhecimento humano, e, para tanto, o próprio
professor escolheu oito temas centrais, apesar de deixar de lado outros
temas igualmente importantes, como seus trabalhos sobre o simbolismo
e sobre religiões comparadas.

Nenhum outro tema poderia abrir os estudos senão a pedagogia


desenvolvida por Olavo, por sua vez decorrente de sua concepção da
inteligência como "capacidade para apreender a verdade". O tema foi
muito bem apresentado por Ronaldo Castro de Lima Jr., apesar de ele
ter sido chamado uma semana antes do Congresso para substituir a
pessoa que inicialmente faria a palestra. Para os interessados no tema,
um belo resumo das idéias pedagógicas do Olavo encontra-se no texto
"Inteligência e verdade", definido pelo próprio Ronaldo, em sua
apresentação, como "preâmbulo iniciático" da filosofia do Olavo..

Estabelecido o conceito de inteligência, resta saber ainda como ela se


desenvolve, isto é, estudar a psicologia humana. Os estudos do Olavo
sobre assunto foram apresentados em duas palestras. Lúcia de Fátima
Junqueira, em apresentação absolutamente brilhante, tratou do tema "A
definição da psique e a astrocaracterologia", mostrando como o Olavo
foi buscar o conceito de psique subentendido em toda a diversidade de
coisas que os psicólogos modernos dizem a respeito, e como, daí, ele
partiu para o estudo do desenvolvimento do caráter no ser humano e,

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Sucesso total

posteriormente, para uma tentativa de correcioná-lo com a figura do céu


(daí o nome "astrocaracterologia"). Essa parte da obra é pouco
conhecida por quem entrou em contato com o Olavo há pouco tempo, e
não há nada publicado a respeito além do livreto O Caráter como forma
pura da personalidade. Existem quilos de papel com transcrições de
cursos sobre o assunto, e imagino que alguém deverá reuni-los e divulgá-
los um dia.

A outra parte da palestra, com aplicações formidáveis em pedagogia,


tratou do "Trauma da emergência da razão", apresentado por Henriette
Fonseca. A palestra foi uma grande novidade para mim, e parece que
não há nem mesmo transcrições de aulas sobre o assunto, o que é
lamentável.

O dito "trauma" é o momento no desenvolvimento cognitivo individual


em que a intuição, que é a porta de entrada dos dados, encontra uma
barreira onde não consegue penetrar; olha para algo e o encara não
mais como substância, mas como pergunta. É aí que o sujeito busca
elaborar uma síntese parcial temporária, a partir de sua experiência
acumulada.

É evidente a importância do estudo dessa espécie de "ponto de partida"


da racionalidade individual, inclusive porque os traumas cognitivos são
muito mais importantes para o desenvolvimento do indivíduo do que os
traumas afetivos, estes exaustivamente abordados pela psicologia
moderna.

Depois da pedagogia e da psicologia, o que mais poderia vir senão a

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Sucesso total

gnosiologia?

E, na palestra mais aguardada do Congresso, Fernando Manso


apresentou com coerência e poder de síntese admiráveis as respostas do
prof. Olavo às questões mais espinhosas da filosofia, como o
fundamento da objetividade do conhecimento e as relações entre sujeito
e objeto.

Essa gnosiologia, que é mais propriamente chamada uma


"ontognosiologia", será o tema do muito aguardado livro O Olho do Sol,
ainda em fase de preparação, mas algumas de suas idéias centrais já
podem ser encontradas na página do prof. Olavo, em textos como "Da
contemplação amorosa", "Kant e o primado do problema crítico",
"Descartes e a psicologia da dúvida", "Ser e conhecer", "A unidade de
sujeito e objeto", "Conhecimento e presença", "Kant e a mediação entre
tempo e espaço", "Notas sobre simbolismo e realidade" e "Identidade e
Univocidade".

Uma observação: pela quantidade de textos que citei, já é possível


perceber o valor do trabalho do Fernando, ao unificá-los e expor
conceitos anteriormente expostos de forma esparsa sob uma perspectiva
única.

A última palestra do primeiro dia foi proferida pelo próprio prof. Olavo
de Carvalho, intitulou-se Da Anamnese ao Anagnorismos e versou sobre
o "método anamnético" usado pelo prof. Olavo e que me perdoem mas
não vou me aventurar a resumir aqui. Digo apenas que este método
toma como modelo básico da certeza aquilo que apenas o indivíduo que

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Sucesso total

os conhece testemunhou (os "atos sem testemunha" da frase que abre o


site do Olavo) e, aumentando a consciência do indivíduo sobre a própria
vida, os próprios atos exteriores e, principalmente, interiores, vai
aumentando a sua confiança na própria inteligência para tratar de
questões cada vez mais amplas, desde que ele as perceba como
objetivamente importantes.

Claro que, a intuição sendo incapaz de ser expressa diretamente, mas


apenas por seu reflexo discursivo, era necessário que, complementando
a ontognosiologia e o método filosófico, o prof. Olavo desenvolvesse
uma teoria do discurso. Ele não a desenvolveu propriamente, mas a
descobriu implícita em Aristóteles, estabelecendo uma nova chave
interpretativa para o sistema aristotélico.

A excelente palestra do nosso caríssimo amigo e freqüente colaborador


Alexandre Bastos teve, justamente, como tema a "Teoria dos Quatro
Discursos".

Essa eu posso me aventurar a resumir da seguinte maneira: o discurso


humano é uma potência única, que se atualiza de quatro maneiras
diversas (i.e., segundo um determinado esquema de possibilidades), a
poética, a retórica, a dialética e a analítica, que se distinguem entre si
por seus níveis de credibilidade, que são, respectivamente, possível,
verossímil, provável e certo.

O básico da teoria foi expresso no livro Aristóteles em nova perspectiva,


lançado pelo prof. Olavo há uns três anos (um de seus capítulos está
disponível em português e em francês). Mas Alexandre fez mais que

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Sucesso total

repetir as explicações desse livro. Ele mergulhou nas centenas de


páginas de transcrições de aulas do Olavo sobre o assunto, e daí extraiu
uma maneira original de expor a importância da teoria e a
demonstração de sua veracidade. De quebra, atacou as pretensões
totalizantes da "nova escola de retórica" de Chaim Perelman e do
formalismo lógico de Wittgenstein.

Ainda dentro da teoria do discurso, Pedro Sette Câmara, que dispensa


apresentações, foi o responsável pela exposição dos "Fundamentos
metafísicos dos gêneros literários", teoria dos gêneros literários
apresentada no livreto Os fundamentos metafísicos dos gêneros
literários e definida pelo próprio Pedro, em sua palestra, como a única
além da de Northrop Frye (à qual não se opõe, apenas enfoca o assunto
de outra maneira) a propor seriamente uma resposta a respeito do que
são realmente os gêneros literários.

O modo de existência dos gêneros literários é definido por Olavo como


sendo esquemas de possibilidades que balizam as elocuções, da mesma
maneira que as direções do espaço balizam a caminhada. São os modos
de elocução.

Pertencendo ao mundo humano, são delimitados pelas mesmas


condições que delimitam este: tempo, espaço e quantidade. Dessas
determinações, e seus sucessivos entrecruzamentos, são deduzidos os
diversos gêneros, sendo, por exemplo, o gênero narrativo decorrente do
tempo, o gênero expositivo do espaço e o gênero lírico do número.

A palestra a seguir iniciou o tema geral da "filosofia da ação",

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Sucesso total

começando do começo: a filosofia da ética, apresentada por este que vos


escreve.

Meu trabalho foi, essencialmente, o de coerenciar e reunir


demonstrações que tinham sido dadas pelo prof. Olavo em textos e
aulas esparsas, sendo que o núcleo do tema se concentrava no "curso de
ética" pronunciado no Rio de Janeiro em 1994.

Se eu tivesse escrito um texto para a palestra, com certeza o


disponibilizaria aqui, mas fiz apenas apontamentos e um conjunto de
citações, que acabariam servindo mais para confundir que para
esclarecer.

Dividi a palestra em quatro partes, cada uma delas, por sua vez, dividida
em seções:

I- O objeto da filosofia ética, i.e., do que trata a filosofia moral ou ética?


O mais importante, neste ponto, era distinguir a filosofia moral das
diversas morais sociais, e identificar onde se manisfesta o problema
ético.

II- A autoconsciência como fundamento da moral. Neste ponto,


mediante rigorosa análise do cogito cartesiano, mostrei, seguindo o
Olavo, a absoluta necessidade do princípio de autoria e de que forma ele
fundamenta a moral.

III- Resposta às objeções kantianas à objetividade do conhecimento


moral.

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Sucesso total

IV- A materialidade da moral baseada no princípio de autoria, que,


embora pareça ser puramente formal, como diria Kant, na verdade,
aponta (e fundamenta objetivamente este apontamento) para um valor
moral muito claro: a unidade do sujeito.

Tenho certeza de que algum dia o "curso de ética" será revisado e


publicado. Mas os princípios básicos dessa exposição estão na terceira
parte do texto "Da contemplação amorosa", bem como no capítulo do
Jardim das Aflições sobre a "ética de Epicuro".

A filosofia da ação continua na investigação sobre "natureza e formas do


poder", definido como tema nuclear das ciências sociais. Esta parte da
filosofia política do Olavo foi bem apresentada por Luciano Saldanha
Coelho, que seguiu a linha de demonstração dos textos do próprio Olavo
sobre o assunto.

Essa linha é basicamente a seguinte: poder é possibilidade concreta de


ação; ação é transformação deliberada de um estado de coisas; ação no
sentido político é determinar voluntariamente as ações de outrem. Agir,
no sentido estrito, é produzir obediência. Os tipos de poder decorrem,
então, das motivações objetivas da obediência, que são três: a força
física, o dinheiro e o carisma, sendo mais efetivo o poder quanto menos
ele estiver "no" indivíduo.

Daí decorrem os modos do poder e suas divisões, com a teoria


reformada das castas, que aplica os conceitos hindus de castas à
sociologia, definindo as castas como o esquema geral dos modos de
atuação dos indivíduos.

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Sucesso total

Dito assim, é difícil entender a importância dessas observações e a


extensão de suas aplicações; isso só ficará claro para quem leia os textos
inteiros. Mas algumas dessas aplicações podem ser encontradas no
próprio Jardim das Aflições e nos artigos de jornal em que o prof. Olavo
analisa a situação política do Brasil e do mundo. Eu mesmo, dentro das
minhas muitas limitações, tenho tentado aplicar esses princípios à
análise política.

A palestra que encerrou o Congresso foi cercada de suspense, porque


não sabíamos se o Marcelo De Polli (webmaster da página do Olavo e
expositor com enormes recursos didáticos, que não teve condições de
usar), encarregado dela, teria condições físicas de apresentá-la, por ter
sido tomado por uma forte febre dois dias antes da apresentação. Na
hora, Marcelo acabou aparecendo e, com muitas dificuldades para falar,
apresentou a palestra sobre a filosofia da História do Olavo, que parte
da pergunta "quem é o sujeito da História?".

Ora, estão sempre contando a história, mas nunca se definiu claramente


a história de quem. Para ser sujeito de qualquer ação, é preciso que o
ente preencha as seguintes condições: unidade substancial, unidade
autoral e unidade subjetiva. Basta observar isso para notar que a
história não pode ser história das classes sociais, porque estas não têm
unidade autoral, nem das raças, nem das nações, pelo mesmo motivo.

De quem, então, é a história? Disse Marcelo, resumindo o Olavo: "o


sujeito da ação histórica deve, ao mesmo tempo, transcender a duração
da vida individual e ter unidade substancial, autoral e subjetiva."

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Sucesso total

Não vou continuar a demonstração do Olavo, exposta pelo Marcelo,


porque isso requereria que eu entrasse em inúmeras questões sobre
ação histórica, mas vou dizer apenas que é possível ver o método
decorrente dessa filosofia em ação no Jardim das Aflições, que usa a
idéia do "império" como chave explicativa para a história da cultura nos
últimos dois milênios, e desenvolve essa idéia mostrando a ação dos
diversos sujeitos históricos.

O Congresso terminou aí, e foi um grande sucesso. Tanto que o próximo


já está sendo organizado.

II. Anotações de Olavo de Carvalho

Feitas durante as palestras e projetadas na tela.

1. Inteligência, verdade e certeza

Ronaldo Castro de Lima Jr.

1. Preâmbulo iniciático
2. Evidência
3. Verdade não é quantidade, é qualidade
4. Parcial não quer dizer falso

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Sucesso total

5. Função sintética do intelecto


6. Virtude dianoética – conhecimento dos princípios
7. Devolver a cicuta aos atenienses
8. Integridade do conhecimento e do sujeito
9. Moral, admissão da verdade
10. Verdade como domínio, âmbito, a um tempo, do inteligir
e do ser (viver)
11. Intimidade do sujeito consigo próprio
12. Tensão necessária a conhecer a verdade
13. Amor e magia
14. Inteligir e integridade – coincidência entre estrutura do
sujeito e do mundo
15. O texto é um guia para o iniciante.
16. Conhecimento não é mero processo formal
17. Dizer as coisas como são. O ser é medida da verdade.
Logo, a verdade é uma dimensão do ser.
18. Bondade e inteligência.

Observações dos ouvintes

MARCELO DE POLLI

O ambiente acadêmico e as condições existenciais do conhecimento da


verdade.

LUCIANO SALDANHA COELHO

O problema da verdade e a verdade do problema (v. exposição Fernando


Manso).

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Sucesso total

NELSON LEHMAN DA SILVA

Pressupostos. Comunicação. A verdade é comunicável?

VERA MÁRCIA

Comunicação superior-inferior num ambiente "inferior". Função do


"inferior". Esoterismo e exoterismo.

ROMEU CARDOSO

Possibilidade da certeza.

NELSON LEHMAN

Aletheia. Verdade mostrada NA coisa.

2. A Definição da Psique e a
Astrocaracterologia

Lúcia de Fátima Junqueira

Henriette Aparecida da Fonseca

1. A DEFINIÇÃO DA PSIQUE

Lúcia de Fátima Junqueira

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Sucesso total

1. Psicologia, biologia e cosmologia – Aristóteles


2. Definição mais estreita do campo – psicologia
experimental – séc. XIX
3. Fenômenos psíquicos e ser da psique.
4. A psique individual como tema autônomo –
cristianismo.
5. Estudo científico da individualidade – Freud e Klages.
6. Quid est?
7. Dois tipos de definições correntes: (a) aristotélicas
(cosmológicas); (b) por enumeração de fenômenos.
8. Método: hermenêutica do discurso dos psicólogos.
9. Que outras causas um ato humano pode ter (não
psíquicas)? (a) Físicas; (b) Lógicas; (c) Acaso. A psique é
o 4º tipo de causa.
10. Causa e necessidade – física e lógica.
11. Acaso – multiplicidade inabarcável e irreconstituível de
causas.
12. Causas psicológicas agem através das outras três e não
diretamente.
13. Psique = zona de indeterminação onde as demais causas
se combinam.
14. Eficiência, liberdade, individualidade, criatividade,
vontade de poder = características da psique.
15. Eficiência – proveito do organismo individual.
16. Liberdade – combinação de fatores. Diferença entre
liberdade e acaso.
17. Psique é fenômeno da ordem da liberdade e não da
necessidade.
18. Criatividade – combinações sui generis.
19. Individualidade – Não há psique em geral.

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Sucesso total

20. Vontade de poder – expansionismo.


21. Expansão através da retração = introjetar as causas
físicas, lógicas e acidentais.
22. O homem coere as formas de limitação numa auto-
limitação chamada Ego.
23. Memória – abstração e generalização = imagem do
mundo.
24. Organização lógica e cronológica. Contar a própria
história = Ego.
25. Ego = limitação autobiográfica da psique, segundo cortes
moldados nas demais necessidades.
26. Escolhas e perseverança = destino.
27. SEGUNDA PARTE. Caracterologia x psicologia
generalizante
28. Unidade singular do sujeito x constantes gerais humanas
29. Caráter = Marca indelével de nascença.
30. Caracterologias comparadas e astrocaracterologia.
31. Klages – Caráter = direções da atenção, valores e
motivações.
32. Captação da individualidade é intuitiva, não se faz por
quadros de classificação.
33. Szondi.
34. Le Senne.
35. Caráter como estabilização progressiva.
36. Jung = abordagem cognitiva do caráter.
37. Astrocaracterologia – isolar dos demais o fator
astrológico do caráter.
38. Compatibilidade caracterologias-horóscopo.
39. Hereditário e cultural – Isolar.
40. Há algo que não é nem natural nem cultural = você

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Sucesso total

mesmo.
41. Isso é o caráter em astrocaracterologia.
42. As posições planetárias têm algo a ver com o caráter mas
não o produzem; apenas delimitam as possibilidades que
o compõem.
43. Causa formal e eficiente.
44. Caráter = condição formal da individualidade.
45. Investigação fenomenológica e não causal.
46. O "que" antes do "por que".
47. Caráter – fronteira entre o psíquico e o pré-psíquico.
48. Critérios para a comparação entre os horócopos e os
elementos fixos da personalidade constatados
empiricamente.
49. Horóscopo = figura estática do céu. Caráter = figura
estática da individualidade.
50. Casas astrológicas.
51. Correspondência (não analógica) entre dois sistemas.
Sistema solar : caráter em geral. Horóscopo : caráter
individual.
52. Diferenciação das potência cognitivas.
53. Intuição (Sol) Sentimento (Lua) Fantasia (Vênus)
Vontade Reativa (Marte) Vontade Pura (Júpiter) Razão
(Saturno).
54. Doze casas.
55. Em que medida a comparação é possível. Dois relatos
idênticos, obtidos por método (a) biográfico-
caracterológico; (b) astrológico.
56. Dois aspectos do estudo da psique segundo OC : estático
(horóscopo-caráter), dinâmico (camadas da
personalidade).
57. Camada : foco temporário da psique.

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Sucesso total

58. Passagem de camada a outra, por absorção – gênero e


espécie.
59. Doze camadas.
60. Traços de caráter mudam de valor conforme a camada.
12 níveis de interpretação.
61. Camada I – Caráter.
62. II - Hereditariedade.
63. III – Aprendizado, ambiente cultural e social.
64. IV – História pessoal afetiva, valores individualizados
pela experiência.
65. V – Espaço Vital (Kurt Lewin).
66. VI – Habilidade, domínio obtido pela autolimitação do
espaço vital. Resultados, efetividade. Distribuição
racional de energias.
67. VII – Papel social. Expectativas ante o outro.
Reciprocidade.
68. VIII – Forma estabilizada da personalidade. Auto-
avaliação ( = "caráter" segundo Le Senne).
69. IX – Personalidade intelectual. Fins transpessoais.
Autonomia da cobrança interior.
70. X – Eu transcendental. Dever universalmente humano
encarnado na individualidade. Certeza.
71. XI – Responsabilidade histórica. Ser julgado pela
humanidade. Fins históricos.
72. XII – Responsabilidade perante o sentido da vida. Juízo
Final. "Caminhar diante de Deus".
73. Pesquisa científica em astrocaracterologia.

2. O TRAUMA DE EMERGÊNCIA DA RAZÃO - Henriette

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Sucesso total

Aparecida da Fonseca

1. Barreira ao conhecimento intuitivo.


2. Tripla intuição ( OBS – Depois eu explico).
3. Potência cognitiva - faculdade cognitiva
4. Trauma da emergência da razão
5. Faculdade não é camada
6. Psicopatologia
7. Ciclos de Saturno : história do quadro racional pessoal
8. Busca da certeza a partir da experiência acumulada, por
sínteses parciais temporárias.
9. Experiência fragmentária x natureza totalizante da
razão.
10. O não-saber.
11. Trauma antropológico: a conquista do domínio racional
pelas sínteses parciais.
12. Casa astrológica com Saturno: dado básico pelo qual o
indivíduo começa a estruturação racional do seu cosmos.

3. A teoria dos quatro discursos

Alexandre Bastos

T4D como alternativa a teorias correntes

1. Nova compreensão do aristotelismo


2. Nova pedagogia

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Sucesso total

3. Modelo de teoria histórica


4. "Duas culturas" (C. P. Snow)
5. "Dois hemisférios"
6. Dupla via de demonstração: filologia e reconstrução
ideal analítica
7. História da filosofia: luta contra a entropia
8. Dissolução da organicidade dos sistemas em "teses"
isoladas conflitantes.
9. Método genético de Aristóteles
10. Werner Jaeger - contestação da unidade lógica do
sistema
11. "Dois sistemas" de Aristóteles: do platonismo ao
empirismo
12. Pierre Aubenque
13. Contestações a Jaeger e Aubenque
14. Racionalismo x empirismo – desmembramentos do
aristotelismo
15. "Intelectualismo"
16. Aquisição x validação do conhecimento
17. Experiência sensível x lógica
18. Sensibilidade – memória – fantasia (imaginação &
memória) – esquema fático – esquema eidético (Mário
Ferreira e Jean Piaget)
19. Fantasia – espécie
20. Hugo de S. Vítor: imaginatio mediatrix
21. Falta a "lógica da imaginação" no sistema aristotélico
22. Andrônico de Rodes – estruturação das obras de
Aristóteles
23. Critério de Andrônico : ordem das ciências = ordem dos
textos.

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Sucesso total

24. Ciências teoréticas, práticas e técnicas


25. Retórica e poética: ciências técnicas?
26. Motivos para inserir a Poética e a Retórica no Organon.
27. A mesma ciência pode ter um aspecto teorético, prático e
técnico. Ex.: a dialética.
28. Redescoberta da Poética no Renascimento
29. Renascimento: fim do aristotelismo nas ciências ou
começo do aristotelismo nas artes?
30. Separação entre a elite acadêmica e os artistas na Idade
Média.
31. Solmsen: a analítica supera a dialética. (?)
32. Desinteresse dos filósofos pela Poética aristotélica a
partir do Renascimento.
33. Retomada dos estudos aristotélicos no séc. XIX:
Boutroux – Brentano – neo-escolástica.
34. A retórica segundo Boutroux.
35. Avicena e Sto. Tomás: 4 discursos.
36. Duas direções da lógica: identidade e não-contradição
(categorias e silogística).
37. Progressiva independência da silogística até o século XX.
38. Formalismo. Perda da conexão lógica-ontologia.
39. Inexistência de uma hierarquia de valor entre os 4
discursos.
40. Eric Weil: a dialética É o método científico em
Aristóteles.
41. Escola de Port-Royal: a lógica como "arte de pensar".
42. Analítica: coerência intrínseca do pensado (não do
pensar).
43. Diferença de funções e não de valores.
44. Modelo da ciência platônica: a geometria.

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Sucesso total

45. Evidência (sem contradição unívoca).


46. "Sócrates é mortal" não é evidência intuitiva.
47. Evidência e prova.
48. Nexo evidência-prova. Transmissão da evidência ao
interior da prova.
49. Evidência do nexo.
50. Idéia pura de ciência.
51. Dialética: busca da evidência; analítica: transmissão da
evidência ao interior da prova.
52. Dialética: logica inventionis (lógica da descoberta).
53. Descoberta dos princípios.
54. Analítica parte das certezas; a dialética parte dos
problemas.
55. A analítica é inútil sem a dialética (Weil).
56. Dialética: sucessão de percepções intuitivas das
contradições até à percepção dos princípios
subentendidos.
57. Suporte simbólico e ritual da metafísica.
58. Chaim Perelman – nova retórica.
59. Confusão dialética-retórica em Perelman.
60. Retórico e retor.
61. Retórica como técnica e como teoria. Abandono da
teoria retórica desde o Renascimento.
62. Filosofia x retórica (Perelman).
63. Retórica: fornecedora dos problemas.
64. Conflito de opiniões = pressuposto da dialética.
65. Dialética: compreensão profunda do discurso retórico.
66. Valor filosófico da Poética. Conhecimento do possível.
67. Graus de credibilidade.

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Sucesso total

68. Verossimilhança: estabilização do possível.


69. Forçosidade e credibilidade – a forçosidade (lógica) é
inversamente proporcional à credibilidade (psicológica).
70. Atualizar em imagens os conceitos.
71. Prova analítica da necessidade de 4 discursos a partir do
conceito de discurso.
72. Intuição e discurso – Unidade e proporcionalidade
73. Teoria do discurso e teoria dos gêneros subentendem
uma teoria da ação.

AMÍLCAR ROSA

Imaginário, escolha e passagem entre camadas da


personalidade.

4. Os gêneros literários

Pedro Sette Câmara

1. Status quaestionis
2. Épico, lírico e dramático.
3. Tentativa de classificar os gêneros pelo conteúdo.
4. Falta de correspondência entre as obras e seus supostos
gêneros.
5. Fracasso das classificações empíricas.
6. Os gêneros são esquemas de possibilidades.
7. Wellek & Warren: teoria institucional.

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Sucesso total

8. Condições da existência corporal: tempo, espaço e


número.
9. Do número decorrem o verso e a prosa: descontinuidade
e continuidade.
10. Raios e círculos. Seu simbolismo direto e inverso.
11. Denotação e conotação. Falsa distinção de prosa e verso.
Seria preciso cruzar esse critério com o de continuidade
e descontinuidade para tornar possível uma
classificação.
12. Narrativo. Tempo – contínuo e descontínuo.
13. Triplo tempo. Eternidade, perenidade e temporalidade.
14. Eternidade – Imperativo (amr)
15. Perenidade (aoristos). Tempo das parábolas.
Possibilidades reatualizáveis.
16. Narrativa contínua e descontínua – ficção e história –
repetível e irrepetível.

5. Ética

Álvaro Velloso de Carvalho

Filosofia moral não é disciplina independente

1. Éticas sociais e filosofia moral


2. Organismo e organização
3. Demanda moral do indivíduo e da coletividade
4. Busca de princípios universais

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Sucesso total

5. Universalidade não é obrigatoriedade geral prática; é


apenas validade teórica.
6. Dos princípios decorrem os critérios para o julgamento
das éticas sociais historicamente existentes.
7. Moral e tipologia das condutas.
8. Identidade do agente
9. Conduta socialmente condicionada e julgamento
individual autônomo.
10. O sujeito cartesiano ou lógico não é o sujeito da ação
moral.
11. Caráter abstrato do ego cartesiano.
12. Abstração da memória é impossível.
13. Memória, continuidade, sujeito, ego.
14. Memória é pessoal e intransferível.
15. Autoria.
16. O princípio de autoria é constitutivo do sujeito.
17. Transformações involuntárias podem aumentar os meios
de ação voluntária.
18. Absorção progressiva da responsabilidade imputada, na
medida da ampliação mesma dos meios de ação.
19. Absorção da responsabilidade pelas ações meramente
possíveis.
20. Autoconsciência não é natural nem cultural. É
possibilidade inerente à natureza e aos papéis sociais,
atualizada pelo princípio de autoria.
21. A identidade não pode provir da absorção de papéis
sociais, porque esta absorção pressupõe o auto-
reconhecimento.
22. Fazer e padecer. Sujeito e objeto. Dualidade de funções
inerente à consciência individual.
23. Mundo de recordações pessoais – orbe de

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Sucesso total

responsabilidade.
24. Princípios de autoria e de absorção da responsabilidade
imputada = mandamentos –1 e –2.
25. São decorrências da unidade do real.
26. Princípio de autoria está na base da distinção entre real e
imaginário. O real só existe para quem sabe que é autor
de seus atos.
27. A objetividade do conhecimento é função da liberdade
moral que aceita o princípio de autoria.
28. Conhecimento objetivo e sinceridade.
29. Responsabilidade pelos atos interiores.
30. O primeiro princípio cognitivo é o primeiro princípio
moral.
31. O fundamento da moral é o mesmo fundamento do
conhecimento em geral.
32. Conhecimento por admissão: reconhecimento da
impossibilidade da dúvida radical.
33. Honestidade intelectual: não fingir que sabe o que não
sabe nem que não sabe o que sabe.
34. Não há diferença efetiva entre juízos de realidade e
juízos de valor.
35. Resposta à objeção kantiana de que esses princípios são
formais.
36. A unidade do sujeito não é um preceito formal, mas um
bem real, visado pelos atos do sujeito.
37. Ampliação do círculo de responsabilidade = decorrência
do princípio de autoria.
38. Responsabilidade e autopreservação.
39. Repressão da consciência moral (rejeição da culpa) vai
contra a integridade do sujeito. É, já, a morte.
40. Doença psíquica consiste apenas em diminuição da

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Sucesso total

esfera da psique, isto é, em absorção dela pelas demais 3


causas.
41. Absorção da responsabilidade = caminho do bem =
caminho da saúde mental.
42. Abdicação da liberdade abstrata (sartreana) = conquista
da liberdade concreta.
43. Metanóia.
44. "Viver sem culpas" é a mãe.
45. Aceitação do estreitamento das possibilidades =
aceitação da morte = aceitação da vida.

6. Natureza e formas do poder

Luciano Saldanha Coelho

1. Domínios ontológicos irredutíveis


2. Produzir, destruir e orientar-se
3. Objetos do poder: objetos materiais, corpo humano,
idéias e crenças.
4. Dieta = assembléia dos produtores (e trabalhadores)
5. Império = nobreza de toga e nobreza de espada.
6. Igreja = cultura e tradição.
7. Dois aspectos em cada poder. Ativo e passivo.
8. Polo ativo – unidade e concentração do poder.
9. Polo passivo – multiplicidade e divisão.
10. Dieta: polo ativo = produtores, homens ricos
(concentração da riqueza); polo passivo = trabalhadores

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Sucesso total

(divisão da riqueza)
11. Império: polo ativo = milícia, casta armada; polo passivo
= justiça (distribuição).
12. Igreja: polo ativo = cultura (concentração do saber); polo
passivo = tradição (distribuição, equalização das
crenças).
13. O poder segundo B. Russel. Conceito nuclear das
ciências sociais = todas as proposições gerais podem ser
reduzidas a proposições sobre o poder.
14. Erro de Russel : deduzir diretamente proposições
particulares, antes de ter o arcabouço teórico geral.
15. Exigências do conceito nuclear. (1) geral; (2)
determinado; (3) adequado.
16. "Poder divino" não é poder no sentido desta ciência.
17. Que é o poder (no sentido humano)?
18. Poder = possibilidade concreta de ação.
19. Ação = transformação deliberada de um estado de
coisas. (Conservação deliberada é também
transformação, neste sentido).
20. Ação no sentido estrito (político) = determinar
voluntariamente as ações de outrem. Produzir
obediência.
21. Tipos de poder vêm das motivações objetivas da
obediência. 1 – Força física. 2 – Dinheiro (riqueza). 3 –
Carisma.
22. Lugar do poder. Só a força física "está" no seu portador.
23. Só o poder carismático implica obediência automática.
24. Quanto menos o poder "está" no portador, maior é esse
poder.
25. Modos do poder (...)
26. Força física: gerativa, operativa, curativa, destrutiva,
coadjuvante (atua sobre a imaginação).
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Sucesso total

27. Dinheiro. Força delegada por uma ordem pública.


28. Poder carismático – delegado pelos seguidores.
29. Castas – Tipologia independente da estrutura social
historicamente existente.
30. Clero – governantes – produtores – braçais.
31. Castas e classes – distinção.
32. Classes – distinção econômica, isto é, feita segundo o
ponto de vista da casta produtora.
33. Ex.: Lula – proletário ou governante? É um membro da
casta governante, oriundo da classe proletária.
34. O poder está sempre na casta sacerdotal e na
governante, independentemente da estrutura econômica
vigente.
35. Uma classe não pode "tomar o poder" no sentido estrito.
Forma-se apenas uma nova casta sacerdotal, que forma
uma nova casta governante.
36. Máfia é casta governante (armada).
37. Casta sacerdotal – ex.: profetas e fundadores de
religiões; místicos, mestres, etc.; filósofos e ideólogos,
"intelectuais"; escritores e artistas; jornalistas,
publicitários etc. ; show business; beautiful people.
38. Constante de Jouvenel: concentração progressiva do
poder. Constante de Ellsworth Huntington: aproximação
progressiva. Constante de Malthus: crescimento da
população. Constante de OC: apropriação dos meios de
ação naturais.
39. Corolário da constante de Jouvenel: expansão dos
direitos é expansão do poder.
40. Expansão da profissão científica produz concentração do
poder.
41. Planejamento estatal da cultura. Preparação do
ambiente psicológico para a introdução das mudanças

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Sucesso total

tecno-científicas.
42. Iron Mountain Report. Crise ecológica como substituto
do nazismo e do comunismo no papel de inimigo.
43. Mutação planejada do sentido dos símbolos naturais.
44. Controle externo da psique.
45. Ruptura entre camadas profundas e superficiais da
psique.
46. Política = interface entre as nobrezas.
47. A política é a continuação da guerra por outros meios
(inverso de Clausewitz). Política é a disputa não violenta
dos meios de violência.
48. Divisão dos poderes de Locke & Montesquieu é
puramente normativa e abrange somente divisões
internas do Estado. Os três são eminentemente
absorvíveis uns pelos outros, exceto no que diz respeito à
absorção do judiciário pelo executivo.
49. Distinção entre essa divisão e a divisão das castas.
50. Estado, economia e cultura.
51. Cultura no Brasil = instrumento da economia ou do
Estado.

7. Tipos espirituais e castas

Paulo Mello

Não fiz anotações durante esta palestra, improvisada e


excelente. - O. de C.

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Sucesso total

8. O sujeito da História

Marcelo De Polli

1. Condições do sujeito da ação: Unidade substancial,


unidade autoral, unidade subjetiva
2. Horizonte de consciência (a) contemplativa; (b)
decisória. Limites do raio de ação.
3. O indivíduo tem possibilidade de ação histórica até certo
ponto, dependendo de seu horizonte de consciência
decisória.
4. Raça não pode ser sujeito da ação histórica, pois não tem
unidade autoral.
5. Classe, nação, cultura, etc. Idem.
6. O sujeito da ação histórica deve, ao mesmo tempo,
transcender a duração da vida individual e ter unidade
substancial, autoral e subjetiva.
7. Entidades que atendem a esse requisito: tradições
espirituais; organizações esotéricas e sociedades
secretas; dinastias reais e nobiliárquicas.
8. O rito imprime no fundo da imaginação um novo
conjunto de símbolos que delimita as possibilidades de
concepção e ação.
9. As entidades que podem ser sujeitos da história têm
mecanismos rituais de auto-reprodução que asseguram
sua unidade e continuidade.
10. Atuação dessas entidades não é política, é espiritual e
simbólica.
11. Castas não são sujeitos da história.
12. Unidade do Império romano é dada pela religião

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Sucesso total

romana; a troca de religião dissolve o Estado.


13. Maçonaria na Revolução Francesa – todos eram maçons:
o Rei, os nobres, os revolucionários.
14. Personagens do drama histórico atual: Império leigo
maçônico (EUA); tradições (judaica, islâmica, cristã);
dinastias européias.
15. Missão unificadora auto-atribuída pelo Império
americano.
16. Importância do elemento secreto na história moderna.
17. Estado laico.

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500 anos em cinco notas

500 anos em cinco notas

Bravo!, abril de 2000

Em primeiro lugar, os quinhentos anos de Brasil não são de Brasil: são


de um império português de ultramar que se desmembrou sob os golpes
da diplomacia inglesa, prestimosamente auxiliada por intelectuais
nativos que achavam estar fazendo um grande benefício para as
gerações vindouras. O que representaria no mundo de hoje um bloco
político-econômico Portugal-Brasil-África era coisa que não podiam
imaginar, mas que os ingleses imaginavam perfeitamente bem e por isto
mesmo temiam como à peste. O espectro do império mulato emergente
assombrava as noites britânicas como a profecia de uma nova expansão
moura. Vocês viram o filme Queimada, de Gillo Pontecorvo? É a
história do Brasil.

A independência brasileira sacrificou no altar dos interesses


momentâneos de senhores de terras um projeto de envergadura

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500 anos em cinco notas

mundial, colocando-nos imediatamente sob o jugo de bancos ingleses


que, mais tarde, nos atirariam à aventura genocida da guerra do
Paraguai.

Nada mais ilustrativo do que a vida trágica do nosso Patriarca. O


Andrada acreditava num projeto-Brasil superior ao do império luso, e
por isto mesmo, logo após a Independência, se opôs vigorosamente a
fazer empréstimos no Exterior. O impulso profundo que movia as rodas
da história não demorou a esmagar as cegas ilusões do pioneiro: o
Andrada foi demitido e enviado para o exílio, enquanto a nova classe
dirigente iniciava a novela sem fim da dívida externa. A Independência
não veio para ampliar o horizonte brasileiro, mas apenas para estreitar
o português. Missão cumprida, o chefe do movimento podia ser jogado
fora.

A vulgata marxista de hoje nos impinge a lenda de que a Independência


e a queda do Império foram etapas de uma revolução destinada a nos
coroar de glórias. Mas isso só prova que o "marxismo" é Marx para
crianças. Marx em pessoa dizia que as colônias da África e da América
Latina que se tornassem independentes cairiam ipso facto fora da
História. Caíram.

Pensem nisso, rotuladores de plantão, antes de me nomear apologista


do colonialismo luso. Não se trata de defender regimes -- coisa de
desocupados como vocês --, mas de contar a História.

***

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500 anos em cinco notas

Nesses quinhentos anos, o Brasil foi sobretudo uma criação da iniciativa


oficial, especialmente militar, passando de atropelo sobre a passividade
atônita de uma sociedade civil desconjuntada e inerme. Historiadores
esquerdistas repetem que a História no Brasil se faz por cima, sem o
povo. Têm razão. Mas daí deduzem que precisamos de uma grande
revolução para dar chance ao povo. É o protótipo do non sequitur.
Nenhuma revolução jamais integrou povo nenhum na História, pela
simples razão de que os regimes revolucionários têm de ser
hipercentralizados ou morrer no nascedouro. Cada revolução cria uma
nova classe governante infinitamente mais distante do alcance do povão
do que os donos do Ancien Régime. Revoluções servem apenas a uma
jovem elite voraz, semente da futura Nomenklatura. Para se integrar na
História um povo não precisa de revoluções. Precisa de paz e tempo, lei
e ordem. E intelectuais honestos, que discutam as coisas com franqueza,
sem segundas intenções políticas. É a única esperança.

***

O que mais falta no momento é o último item da lista. A geração de


intelectuais que atualmente está no comando não tem nenhuma
franqueza, suas palavras são um festival de arrière-pensées. Para
começo de conversa ela é desonesta ao usar a palavra "poder" como

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500 anos em cinco notas

sinônimo de governo. A elite do poder não é o governo: é um vasto


sistema de conexões que abrange as instituições de cultura, a mídia, as
diretorias de empresas, as igrejas, os partidos, o establishment
educacional etc. etc., enfim, a rede inteira hoje dominada por aqueles
mesmos que fingem estar de fora e ser heróicos coitadinhos em luta
contra os de cima. No Brasil, "poder" tornou-se sinônimo de FHC.
Todos os outros dizem ser a massa anônima dos deserdados. Quando
um João Moreira Salles financia um traficante em fuga, isto é a
prepotência do poder em todo o esplendor da sua feiúra: o poder do
dinheiro aliado cinicamente ao poder de matar. Mas ninguém diz isso.
Uma escorregadia desconversa geral dá ao conluio do ricaço com o
bandidão o ar de uma solidariedade entre excluídos. Isso é fraude, e a
elite vive dessa fraude. Por isso mesmo nenhum acadêmico, no Brasil, se
aventura a fazer um estudo como o clássico The Power Elite de C.
Wright Mills. Ninguém deseja confessar que está entre os que mandam.

Essa mentira é básica demais, é central demais para que qualquer setor
do nosso debate público escape de ser contaminado por ela. Um povo
tem o direito de saber, em primeiro lugar, quem manda nele. Um povo
não pode assumir seu destino nas mãos se a elite que hipocritamente o
convida a fazê-lo se esconde por trás de bodes expiatórios, eleitos
precisamente para isso. Nesse sentido, do Império para cá, o povo foi
cada vez mais excluído: no tempo de Pedro II o poder da elite intelectual
estava à mostra, seu telhado de vidro rebrilhava ao alcance de todas as
pedras como o telhado dos deputados e ministros. Hoje ele se tornou
invisível sob os ataques que move aos ocupantes de cargos nominais.

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500 anos em cinco notas

***

Bem escondidinha, a elite pode cultivar em segredo os intuitos mais


perversos, sempre posando de coorte de anjos.

Assim, por exemplo, uns anos atrás ocorreu-lhe a idéia de que todos os
valores positivos ainda dotados de credibilidade numa época de
degradação geral podiam ser reciclados para servir ao imediatismo de
suas ambições políticas.

O mais notório desses valores foi a "ética". É natural que um povo que
se sente ludibriado sem saber por quem tenha um fundo e dolorido
anseio de moralidade. Com um pouco de esperteza, esse anseio pode ser
pervertido em desconfiança, a desconfiança em ódio, o ódio em
instrumento de destruição sistemática de lideranças indesejáveis.

A existência da vasta máquina de espionagem política que se montou


desde então para pôr em movimento a fábrica de denúncias e manter a
nação em sobressalto já constitui, por si, a total corrupção do sistema.
Quanto mais intensamente essa máquina atua, mais a atmosfera se
sobrecarrega de chantagens, deslealdades, mentiras. Mas a máquina
permanece invisível, lançando petardos contra a corrupção que ela
própria alimenta. Seu primeiro efeito é embotar na mente do público o
senso da gravidade relativa dos males. Hoje um funcionário que desvie
uma verba, corrompendo uma repartição, já parece mais criminoso do
que o espião que grampeia telefones, desvia papéis, usurpa a função

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500 anos em cinco notas

policial do Estado e corrompe todo o sistema.

A ética não é uma ciência exata. Seu exercício depende de um esprit de


finesse capaz de avaliar quantidades não mensuráveis. Existe em todo
ser humano um conhecimento espontâneo dos princípios morais. Os
princípios não são regras: são critérios formais que embasam as regras.
As regras variam conforme os tempos e lugares, mas subentendendo
sempre os mesmos princípios. Qualquer selvagem sabe que aquilo que
põe em risco a comunidade inteira é mais grave do que o que dana
apenas uma parte dela. Qualquer analfabeto compreende que o que é
mais básico e geral deve ser preservado com mais carinho do que aquilo
que é periférico e particular.

As virtudes morais de um povo podem ser arranhadas aqui ou ali pelo


descumprimento de regras específicas. Mas se a percepção dos
princípios gerais é embotada, não é uma ou outra virtude que cai: é a
possibilidade mesma de distinguir entre a virtude e o vício. É nesse
preciso instante que o discurso de acusação moral se transforma na caça
oportunista aos bodes expiatórios. Tão confundido e atordoado pelos
moralistas de ocasião tem sido o povo brasileiro, que já começa a aceitar
como normais e louváveis a delação de parentes, o grampo generalizado
e a nova escala de valores na qual surrupiar um dinheiro do Estado é
mais criminoso do que matar, estuprar, vender tóxicos para crianças.
Crenças como essas destroem, na base, qualquer ordem possível e
alimentam ad infinitum a criminalidade.

Não foi só a "ética". Iguais reciclagens sofreram as noções de caridade,


de paz, de direito, de história. Todas as palavras que expressam as

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500 anos em cinco notas

aspirações mais altas foram prostituídas, rebaixadas, moídas na


máquina do oportunismo. E a aliança do banqueiro com o assassino
brilha no altar da "solidariedade".

A destruição da lingugem precede o embotamento das consciências.


Para elevar a moralidade de um povo é preciso aguçar o seu senso dos
valores, não embotá-lo. Quem, a pretexto de punir políticos corruptos,
destrói as bases mesmas da moral pública, ou é um idiota irrecuperável
ou tem uma agenda secreta. A diferença é que a idiotice sente alguma
vergonha de si mesma; a ambição política, não.

***

Quando me pergunto como a geração atualmente no poder – a minha


geração – pôde se sujar tanto, a pergunta automaticamente se inverte:
Como ela poderia permanecer limpa, se entrou no cenário desprovida
de qualquer crença positiva, e confiante apenas no maquiavelismo da
ação política? Sim, os jovens letrados dos anos 60 não acreditavam em
nada, exceto em tomar o poder. Riam de Deus, do bem, da moralidade,
prosternavam-se de adoração ante os mais mínimos desejos e caprichos
de suas almas egoístas, embelezados por uma moral ad hoc fornecida
por charlatães franceses e americanos. Eram cínicos, perversos,
aproveitadores ingratos, exploradores de seus pais. Cada um deles,
quando dava uma transada ou fumava um baseado, se acreditava

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500 anos em cinco notas
merecedor da gratidão da humanidade: estava fazendo a revolução,
pombas!

Hoje essa gente tem o poder e refaz o Brasil à sua imagem e semelhança.
Por isto, em quinhentos anos de História, nunca estivemos tão baixo.

Olavo de Carvalho

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Fórum expõe divergência Estado x empresas

Fórum da Liberdade 2000 Porto Alegre, 4-5 de abril de 2000 CORREIO


DO POVO
PORTO ALEGRE, QUARTA-FEIRA, 5 DE ABRIL DE 2000

Fórum expõe divergência Estado x


empresas
Oradores não se entenderam nos primeiros pronunciamentos, fazendo
aflorar as questões ideológicas de governo e empresários

Lewin criticou o intervencionismo do Estado na


história

Já na abertura do XIII Fórum da Liberdade, realizado ontem na Fiergs,


sobressaiu a divergência ideológica entre empresários e governo
estadual. Ao passo que Sérgio Lewin, presidente do Instituto de Estudos
Empresariais (IEE), organização promotora do fórum, defendeu o
'egoísmo racional', social e economicamente empreendedor do
capitalismo, o governador Olívio Dutra advertiu os participantes para a
'ingenuidade' da crença de que o Estado não deve participar ativamente
da vida econômica. Também no primeiro debate da manhã, a
divergência aflorou. Em uma de suas intervenções, o filósofo e jornalista
Olavo de Carvalho, autor de 'O Imbecil Coletivo: Atualidades Culturais

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Fórum expõe divergência Estado x empresas

Brasileiras', alfinetou: 'Em vez de me sentir constrangido de dirigir uma


empresa que desse lucro, eu me sentiria constrangido em dirigir um
Estado que desse prejuízo'. (1)

'Uma sociedade em que poucos têm muito e muitos têm muito pouco
não pode ser caracterizada como equilibrada', contestou o governador à
platéia lotada do Teatro do Sesi, que aprovou as colocações de Olavo de
Carvalho e o discurso do presidente do IEE. Os 2.530 participantes
aplaudiram Lewin, principalmente quando ele enfatizou: 'Está na hora
de parar de pensar que destruindo os ricos pode-se enriquecer os
pobres'. Para essa colocação em particular, o governador insistiu que é
necessário penalizar a parcela de 'ricos' que, ao longo de 500 anos,
exploraram a população pobre.

O confronto de ideologias e os discursos ásperos, apesar de polidos, não


resultam em atritos entre o governo e o empresariado, na avaliação de
Olívio Dutra. 'A explicitação das diferenças de opinião é fundamental
para a consolidação do planejamento do futuro e faz parte do processo
civilizatório', disse Olívio.

Em seu discurso, Lewin criticou o perfil assistencialista e


intervencionista do Estado, presente na história brasileira, e salientou
que o grande problema no Brasil é a carência de capital humano com
formação. O membro do Conselho Nacional dos Institutos Liberais e
presidente da comissão executiva do Programa Gaúcho da Qualidade e
Produtividade (PGQP), Jorge Gerdau Johannpeter, concordou com a
posição de Lewin. Para Gerdau, os investimentos do Estado na indústria
de base, apontados pelo governador como uma intervenção positiva e

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Fórum expõe divergência Estado x empresas

necessária, poderiam ter sido feitos em educação e saúde. 'O projeto de


infra-estrutura básica foi implantado pelo Estado a um alto custo',
argumentou.

Correio do Povo
Porto Alegre - RS - Brasil

(1) Nota do administrador da homepage do jornal : O governador

Olívio Dutra havia afirmado, dias antes, que jamais dirigiria uma empresa

privada, por ser entidade voltada para o "lucro egoísta".

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Vilém Flusser e a dúvida cartesiana

Leituras Recomendadas - 18

Vilém Flusser e a dúvida cartesiana

Agradeço a meu amigo Fernando Klabin ter-me chamado a atenção


para o recém-publicado A Dúvida, de Vilém Flusser, filósofo judeu
tcheco que viveu trinta anos no Brasil e escreveu em português vários
livros de primeira ordem. Flusser, porque era um filósofo de verdade,
permaneceu sempre um marginal em relação ao establishment
uspiano e preferiu aproximar-se do grupo de Miguel Reale e Vicente
Ferreira da Silva no Instituto Brasileiro de Filosofia. Não me espanta,
e aliás muito me reconforta, que esse espírito superior tivesse me
antecedido na linha de investigações que adotei ante o cartesianismo
(v. Descartes e a Psicologia da Dúvida, nesta homepage). O livro A
Dúvida, onde ele realiza esse exame fundamental, tinha permanecido
inédito até agora. Ainda não o li e não sei como Flusser encaminha a
investigação. Pelo que leio na excelente resenha de Gustavo Bernardo,
parece que a diferença específica reside no fato de que ele propõe e

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Vilém Flusser e a dúvida cartesiana

intenta o "duvidar da dúvida" como uma meta ideal, como um capítulo


seguinte na linha que vai de Descartes a Husserl, ao passo que eu
asseguro que a dúvida da dúvida é simplesmente um fato psicológico,
que a estrutura mesma do ato de duvidar pressupõe duvidar da
dúvida, algo que não foi percebido nem por Descartes nem por Husserl
e cuja descoberta, até certo ponto ao menos, torna inviável o uso da
dúvida sistemática como método filosófico. Flusser seria assim uma
sentinela avançada da tradição cartesiana, enquanto eu me coloco
decididamente fora dela e retorno ao método anamnético de Sto.
Agostinho, no qual o cogito não surge como fundamento
epistemológico, mas como simples momento no processo destinado a
revelar o fundamento divino da autoconsciência humana. De outro
lado, ele enfatiza a crença como ponto de partida da dúvida, ao passo
que eu assinalo a presença de uma multidão de crenças afirmativas no
próprio tecido interno do processo dubitativo. Parece que é isso,
mas não sei. Vamos ler. O caso é apaixonante. E tudo o que Flusser
disse merece ser ouvido com a maior atenção. - O. de C.

Resenha de A Dúvida por Gustavo Bernardo

O Globo, 28 de março de 2000

A Dúvida, de Vilém Flusser. Relume-Dumará 104 pgs. R$ 15.

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Vilém Flusser e a dúvida cartesiana

‘Vilém Flusser foi um pensador vigoroso, denso e incisivo. Para ele, o


pensar filosófico era uma urgência vital". Assim Celso Lafer, no prefácio
de "A dúvida", define obra e personalidade do filósofo tcheco-brasileiro
que escrevia em quatro línguas e pensava sempre como imigrante ou
estrangeiro, permitindo-se perspectiva absolutamente original sobre
textos, imagens e acontecimentos.

Flusser nasceu em 1920, em Praga, e morreu em 1991, em Praga; aos 20


anos fugiu dos nazistas para o Brasil, onde viveu 30 anos, para depois
morar na França. Publicou mais de 30 livros - a maioria em alemão
embora os tenha escrito também em português como "Língua e
realidade" (1963), "A história do diabo" (1965), "Ficções
filosóficas" (1998) e este "A dúvida", inédito em qualquer língua e que é
a síntese de sua obra.

Assim define Flusser seu mais espinhoso tema: "A dúvida é um estado
de espírito polivalente. Pode significar o fim de uma fé, ou pode
significar o começo de uma outra. Pode ainda, se levada ao extremo,
instituir-se como ‘ceticismo’, isto é, como uma espécie de fé invertida.
Em dose moderada estimula o pensamento, mas em dose excessiva
paralisa toda atividade mental".

Para haver a dúvida, é preciso haver pelo menos duas perspectivas, isto
é, alguma dualidade. Antecedendo às duas perspectivas, é preciso que
antes tenha havido "uma fé". Logo, o ponto de partida da dúvida é
sempre uma fé. Ora, o estado primordial do espírito é e tem de ser a

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Vilém Flusser e a dúvida cartesiana

crença, não a dúvida. A dúvida desfaz a ingenuidade e, embora possa


produzir uma fé nova e melhor, esta não pode mais ser vivenciada como
"boa". As certezas originais, abaladas pela dúvida, são substituídas por
novas certezas, mais refinadas e sofisticadas, porém não mais originais,
exibindo a marca da dúvida que lhes serviu de parteira.

O último passo do método cartesiano, que nem Descartes nem Husserl


se atreveram a dar, implica duvidar da dúvida. Flusser arrisca esse
passo. Descartes, e com ele todo o pensamento moderno, aceita a
dúvida como indubitável, e por isso não pode dar o último passo. A
última certeza cartesiana, que o popularizou - "penso, logo, existo" -
deve ser lida como: "duvido, logo, existo". A certeza cartesiana é, para
Flusser, a última certeza autêntica do pensamento ocidental, gerando as
principais hermenêuticas da modernidade, não por acaso
hermenêuticas da suspeita: marxismo e psicanálise.

A dúvida da dúvida é um estado fugaz do espírito e, também, um passo


de Sísifo. Embora possa ser experimentado, ele não pode ser sustentado
(como a pedra nas costas). Negando a si mesmo, vibra, indeciso, entre
extremos opostos: ora o ceticismo absoluto, ora o positivismo ingênuo,
do qual também só pode duvidar por princípio. A dúvida da dúvida
impede qualquer descanso.

O caminho de Sísifo redemoinha-se se perseguimos a questão: por que


duvido? Ora, porque sou. Então, duvido de que sou. Logo, duvido de
que duvido, em última análise (abissal). Parece um jogo fútil de
palavras, mas o pensamento contemporâneo reconhece vivencialmente
esse dilema.

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Vilém Flusser e a dúvida cartesiana

O retorno dos físicos a Deus e o apoio dos cientistas sociais em conceito


tão vago como pós-modernidade indicam a beira do mesmo abismo. A
problematização e o esvaziamento do conceito "realidade" acompanham
o progresso, nessa medida perigoso, da dúvida. Nossa civilização
construiu-se a partir da dúvida cartesiana, ou seja, dúvida limitada pelo
cogito e, é claro, por Deus. Ultrapassar esses limites é experimentar o
niilismo.

Confirmam o absurdo as reações desesperadas contra o absurdo. No


campo da filosofia pululam os "neos". Na ciência tentam-se reformular
premissas em bases mais modestas. Na razão prática multiplicam-se
seitas religiosas. Nas ciências sociais apela-se para o "pós-pós". Na
política ressurgem inautenticamente conceitos esvaziados.

É muito fácil ler nas palavras de Flusser ceticismo e apocaliptismo, para


permitir oposição igualmente fácil com otimismos baratos e logicismos
vazios. No entanto, o seu pensamento não cabe nessas chaves porque
não finge que não sente ou não enxerga o limite da dúvida.

A procura da verdade em si mesma indica saúde mental e existencial; o


que se acha através dessa procura revela muitas vezes, porém, doença e
absurdo. Logo, a procura não deve perder de vista o momento fundador,
a saber, o movimento mesmo de procurar. Nesse momento não somos
nem apocalípticos nem integrados, nem pessimistas nem otimistas, mas
sim conseqüentes.

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Vilém Flusser e a dúvida cartesiana

GUSTAVO BERNARDO é professor de Teoria da Literatura na


UERJ.

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Ignorância e poesia

Ignorância e poesia

Minha amiga Graça Salgueiro chamou-me a atenção para as frases dos


vestibulandos da UFRJ/1999 publicadas algum tempo atrás pelo Jornal
do Brasil como exemplos de burrice juvenil. Pois fiquem sabendo que
entre elas há verdadeiros achados - provando que nos abismos da
ignorância podem ocultar-se tesouros de intuição poética.
Sinceramente, algumas são tão boas que eu gostaria de tê-las escrito:

"O nervo ótico transmite idéias luminosas ao cérebro" parece saído


diretamente de um livro de filosofia natural do século XVIII.

"O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de


necessidades" não ficaria nada mal num artigo de Roberto Campos.

"A igreja ultimamente vem perdendo muita clientela" é a expressão


correta de um fato puro e simples, pelo menos para quem sabe no que a
Igreja se transformou.

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Ignorância e poesia

"O sol nos dá luz, calor e turistas" é lindo. Parece saído de uma crônica
de Carlinhos Oliveira, ou mesmo de Rubem Braga.

"A harpa é uma asa que toca" é uma maravilha, um verso digno da
Anthologia graeca. Ezra Pound daria pulos de entusiasmo.

"A insônia consiste em dormir ao contrario." Stanislaw Ponte Preta


daria um braço para produzir uma frase dessas.

"A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos" é
talvez a mais exata definição da fé, aliás bem próxima de uma de S.
Paulo Apóstolo.

"A Previdência Social assegura o direito à enfermidade coletiva" é José


Osvaldo de Meira Penna no seu melhor estilo.

Eu daria um 10 a todos esses meninos e os aprovaria no curso de Letras.


No mínimo, eles escrevem melhor do que os repórteres do JB.

O. de C.

09/04/00

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A sociedade de desconfiança

A sociedade de desconfiança

– e o que sobra no fundo dela

Uma recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo, publicada em O


Estado de S. Paulo no domingo, 2 de abril de 2000, mostrou que os
jovens brasileiros de 14 a 24 anos não confiam nos partidos, no governo,
na escola, nos juízes nem nos padres, mas confiam em suas famílias. 80
por cento deles confiam totalmente nos pais, 18 por cento confiam
parcialmente, só um por cento não confia nada. Os outros índices de
confiança total foram: deputados e senadores, 1 por cento; governo, 1
por cento; juízes, 12 por cento; padres, 30 por cento; professores, 39 por
cento. A classe que mais se aproxima da família na ordem da
confiabilidade – os professores – não merece metade da confiança que
os jovens têm nos pais.

Os representantes das classes suspeitas centamente interpretarão isso


como sinal de alienação da juventude, mas, da minha parte, acho que o
julgamento desses jovens é equilibrado e certeiro, pelo menos muito

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A sociedade de desconfiança

mais que o da minha geração, que negava confiança aos pais e a


concedia ao primeiro demagogo que aparecesse.

Um por cento de desconfiança é uma grande vitória da família contra


todos os poderes unidos que buscam ferozmente destruí-la atirando os
filhos contra os pais. É uma vitória dos sentimentos naturais contra os
ardis de todos os intrigantes políticos, intelectuais e eclesiásticos que
buscam atirar os jovens contra a autoridade paterna para poder usurpá-
la e desfrutar dela em benefício próprio.

Esse resultado é também uma boa ocasião para os profissionais da


mídia tomarem consciência de que seus poderes, espetaculosos e
medonhos o quanto pareçam, são limitados a longo prazo. Três décadas
de ataque maciço à família – no cinema, na TV, nos livros e nas escolas
– só resultaram nisto: os jovens acreditam na família e em mais
ninguém.

A pesquisa não perguntou se acreditam na mídia, mas pelo menos num


ponto essa pergunta já está respondida: eles não acreditam em nada do
que a mídia diz contra a família.

Olavo de Carvalho

02/04/00

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A sociedade de desconfiança

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O bem e o mal segundo Olívio Dutra

O bem e o mal segundo Olívio Dutra

Olavo de Carvalho

Um empresário é um sujeito que ganha a vida organizando a atividade


econômica. Ele acumula um capital, investe, ganha, paga suas dívidas
para com os fornecedores, os empregados e o Estado, e no fim, se todo
dá certo, tem um lucro. A quase totalidade do lucro é reinvestida no
mesmo ou em outros negócios. Uma parte ínfima ele pode gastar em
benefício próprio e da família. Se seu negócio é muito, muito próspero,
mesmo essa parte ínfima basta para que ele compre mansões, iates,
jatinhos e jatões, carros de luxo, cavalos de raça, e tenha, se é do seu
gosto, múltiplas amantes. Em geral ele se contenta com muito menos.

Um político de esquerda é um sujeito que ganha a vida tentando jogar


os empregados contra os empregadores. Ele mostra aos operários os
aviões, os cavalos de raça e os carros de luxo do patrão e grita: "É
roubo!" No começo ele faz isso de graça. É um investimento. Assim
como o empresário investe dinheiro, ele investe insultos, gestos, caretas
de indignação, apelos à guilhotina. Em troca, dão-lhe dinheiro. Ele vive

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dutra.htm (1 de 5)16/4/2007 09:56:40


O bem e o mal segundo Olívio Dutra

disso. Quando alcança o sucesso, pode dispor de mansões, iates,


jatinhos e jatões, carros de luxo, cavalos de raça e amantes em
quantidade não inferior às do mais próspero capitalista.

Tanto a atividade do empresário quanto a do político de esquerda pode


ser exercida de maneira honesta ou desonesta. O empresário pode dar
golpes em seus fornecedores, vender produtos fraudados, sonegar o
pagamento devido aos operários, ou então pode pagar tudo direitinho e
vender produtos bons. Do mesmo modo, o político de esquerda pode
desviar dinheiro público, utilizar-se indevidamente de imóveis do
Estado, possuir sob ameaça aterrorizadas empregadinhas domésticas
como o fazia Mao-tsé-tung. Ou então pode fazer tudo dentro da lei que
ele próprio instaurou e ser incorruptível como Robespierre.

A diferença é a seguinte: da atividade do empresário, mesmo o mais


desonesto, resultam sempre uma ativação da economia, uma elevação
da produtividade, a expansão dos empregos. Esses resultados podem vir
em quantidade grande ou pequena, mas têm de vir necessariamente,
pela simples razão de que "empresa" consiste em produzi-los e em nada
mais.

Da atividade do político de esquerda, mesmo o mais honesto, resultam


sempre um aumento do ódio entre as classes, o crescimento do aparato
estatal que terá de ser sustentado pelos padrões com dinheiro extraído
aos empregados e consumidores, a politização geral da linguagem que
transformará todos os debates em confrontos de força e, em última
instância, desembocará num morticínio redentor. Esses resultados
também podem vir em quantidades grandes ou pequenas, mas virão

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dutra.htm (2 de 5)16/4/2007 09:56:40


O bem e o mal segundo Olívio Dutra

necessariamente, pois "política de esquerda" consiste em produzi-los e


em nada mais.

Um empresário, honesto ou desonesto, está no auge do sucesso quando


pode, sem prejuízo de seus investimentos, comprar mansões, iates,
carros de luxo, jatinhos, jatões etc. Ele alcança isso quando se torna um
mega-empresário. Para chegar a esse ponto, ele tem de deixar em seu
rastro fábricas, bancos, plantações, jornais, canais de TV e mil e um
outros negócios dos quais vivem e prosperam milhares de pessoas.

Em político de esquerda, honesto ou desonesto, está no auge do sucesso


quando destruiu toda oposição às suas idéias e comanda uma sociedade
fielmente disposta a realizá-las. Ele alcança isso quando se torna o chefe
de uma revolução vitoriosa. Para chegar a esse ponto, ele tem de deixar
em seu rastro milhares ou milhões de cadáveres, edifícios destruídos,
plantações queimadas, órfãos e viúvas vagando pelas ruas, fome,
miséria e desespero.

O governador Olívio Dutra acha que é imoral ser empresário e que é


lindo ser um político de esquerda.

Ele não tem maturidade intelectual suficiente para perceber que o


sucesso final de um empresário, mesmo desonesto, traz sempre mais
bem do que mal, e que o sucesso final de um político de esquerda,
mesmo inflexivelmente honesto como ele, produz uma quantidade de
mal acima do que qualquer bem poderá jamais reparar.

O governador Olívio Dutra, como qualquer outro político de esquerda,


tem uma consciência moral deformada por um uso falso da linguagem.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dutra.htm (3 de 5)16/4/2007 09:56:40


O bem e o mal segundo Olívio Dutra

Ele ouviu dizer na infância: "Lucro egoísta", "justiça social", e


impregnou-se de tal modo desses símbolos verbais do mal e do bem,
que pôs sua vida a serviço do que lhe parece uma nobre causa: combater
as coisas que têm nomes feios e louvar as que têm nomes bonitos. Uma
coisa que criou as nações mais prósperas e livres da Terra deve ser
muito má, pois tem o nome hediondo de "lucro egoísta". Uma coisa que
matou cem milhões de bodes expiatórios e reduziu à escravidão e à
miséria um bilhão e meio de outros inocentes deve ser ótima, pois leva o
belo nome de "justiça social".

Romper a unidade mágica de nomes e coisas é uma operação dolorosa.


Custa vergonhas e humilhações à mente altiva. Mas é o preço da
maturidade. No julgamento são do homem maduro – o "spoudaios" --,
via Aristóteles a única esperança de um governo justo, do predomínio,
ainda que relativo e precário, do bem sobre o mal. Não existe bem onde
não existe amor à verdade, e não existe amor à verdade onde uma mente
obstinada se apega ao instinto pueril de julgar as coisas pelos nomes que
ostentam.

O problema do governador Olívio Dutra, assim como de milhares que


pensam como ele, já foi diagnosticado por Jesus Cristo dois milênios
atrás: "Na verdade, amais o que devíeis odiar e odiais o que devíeis
amar." Eles pecaram contra o Espírito, protegendo-se por trás da belas
palavras contra a visão das realidades feias, e receberam como castigo
exatamente aquilo que pediam: a cegueira forçada tornou-se
espontânea, e hoje a sua moralidade invertida lhes parece a atitude mais
natural do mundo, a única maneira possível de julgar as coisas -- o
caminho do bem, fora do qual tudo é perdição e "lucro egoísta".

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dutra.htm (4 de 5)16/4/2007 09:56:40


O bem e o mal segundo Olívio Dutra

Não creio sequer que valha a pena rezar para que despertem. Eles não
despertarão enquanto não enviarem milhões de seres humanos para o
sono eterno.

07/04/00

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Skidmore: Faça o que eu digo e não o que eu faço

Skidmore: Faça o que eu digo e não o que eu


faço

Carta de um observador inteligente

Prezado Professor Olavo de Carvalho,

A revista Veja desta semana publicou uma entrevista com o brasilianista


Thomas Skidmore, que pretendeu nos alertar para o fato de a nossa elite
intelectual aplicar, equivocadamente, soluções estrangeiras aos
problemas brasileiros. Essa constatação soou, para os jornalistas de
Veja, como uma grande novidade, merecedora de destaque - tanto que o
título da entrevista é "Chega de Receitas". Primeiramente, constato que
o alerta do americano só pode ser tido e vendido como novidade por
quem nunca tenha lido Olavo de Carvalho, ou tenha se esquecido de que

http://www.olavodecarvalho.org/textos/skidmore.htm (1 de 5)16/4/2007 09:57:06


Skidmore: Faça o que eu digo e não o que eu faço

o leu. Razão pela qual cabe acrescentar às palavras de Skidmore que,


além de não termos uma classe intelectual que capte a nossa realidade,
ainda nos damos ao luxo de ignorar solenemente os poucos espíritos
que conseguem, heroicamente, produzir algo totalmente diferente do
discurso da nossa delirante classe acadêmica que, quanto mais
desvinculada da realidade se torna, mais convicta fica de que seu
problema é a falta de recursos para a produção de estudos que
justifiquem suas teses, numa espécie masturbação incessante que,
quanto mais insiste em negar os fatos, mais fantasias possibilita. Mas o
pior de tudo é que o homem que nos critica por não termos "cabeças
tentando formular políticas alternativas", por não termos "uma receita
própria", por seguirmos "a política que vem de Washington" em vez de
procurarmos "uma solução brasileira", nos elogia porque o Presidente
Fernando Henrique tem "enfatizado a necessidade de reconhecer os
direitos das minorias". O Sr. Thomas, embora salientando os
"problemas" da política de cotas de vagas para negros, cita-a como um
sinal de avanço na discussão da discriminação racial. Assim, o sujeito
que nos acusa de importar soluções alienígenas acha maravilhoso que
adotemos aqui os problemas existentes no estrangeiro. Teremos
avançado na discussão da questão racial quando os nossos negros,
seguindo o exemplo de seus irmãos americanos, se revoltarem contra a
exploração de que são vítimas e os brancos brasileiros tomarem
consciência dos males que causaram. Para o Sr. Thomas, seguir o
receituário do FMI é um sinal do vácuo da intelectualidade brasileira. Já
a intenção de adotarmos a política americana em relação aos negros não
é tão grave assim; chega a ser uma prova da nossa evolução, cuja prova
insofismável, para o Sr. Skidmore, é O FATO DE COLOCARMOS A

http://www.olavodecarvalho.org/textos/skidmore.htm (2 de 5)16/4/2007 09:57:06


Skidmore: Faça o que eu digo e não o que eu faço

QUESTÃO NOS MESMOS TERMOS QUE OS AMERICANOS. Ou seja, a


cópia servil de fórmulas é execrável em matéria econômica, mas em
outras áreas é coisa bastante aceitável. Se seguimos as orientações de
Bill Clinton, estamos importando soluções que não nos servem. Já se
um negro brasileiro supõe ser tão discriminado quanto um negro
americano, está avançando, e não importando um problema, porque os
dramas dos nossos negros são, por certo, bastante semelhantes aos dos
"afro-americanos".

Note ainda, por favor, que o Sr. Thomas utiliza a expressão "direito das
minorias" para se referir à questão racial no Brasil. Basta isso para nos
dar, primeiro, a noção de sua capacidade para pensar os problemas sem
adotar as "fórmulas" que ele critica e, segundo, nos indicar quem
alimenta os nossos intelectuais com soluções que contrariam os fatos, a
lógica e a razão. Nossa classe pensante, que o Sr. Skidmore repudia, tem
com as idéias defendidas pelo historiador americano um parentesco
maior do que ele gostaria de reconhecer.

Amilcar Nadu

paulofrancis@hotmail.com

Resposta de Olavo de Carvalho

Você viu as coisas como são. O homem nos vende sua receita no instante

http://www.olavodecarvalho.org/textos/skidmore.htm (3 de 5)16/4/2007 09:57:06


Skidmore: Faça o que eu digo e não o que eu faço

mesmo em que nos aconselha fugir de todas as receitas. E nos vende


logo a mais inadequada, a mais alienada. Finge-se de amigo do Brasil
para nos impingir a politica clintoniana do "dividir para reinar". Será
que um dia nossos nacionalistas perceberão que essas fórmulas de
democracia prêt-à-porter são mais perigosas para a unidade nacional
do que todas as privatizações? Uma empresa vendida ao estrangeiro
pode ser recomprada ou, em caso extremo, encampada. A unidade
cultural, uma vez fragmentada em comunidades étnicas mutuamente
hostis, não se recupera nunca. Por isso os mesmos poderes estrangeiros
a quem interessam certas privatizações dão dinheiro a rodo à militância
esquerdista para fomentar a criação artificial de conflitos raciais. Por
isso o discurso da nossa esquerda é suicida e auto-neutralizante: ele
fortalece aquilo que sonha destruir.

O "multiculturalismo", com toda a legislação paternalista


correspondente, serve precisamente para nações onde as comunidades
étnicas não querem viver juntas, mesclar-se, esquecer suas diferenças e
unir-se na celebração da unidade do espírito, mas apenas coexistir
intactas, justapostas e mutuamente estranhas, tendo o Estado por
mediador. O multiculturalismo é a paz racial das nações racistas.

O Brasil tem coisa melhor a oferecer ao mundo.

O modelo brasileiro de integração racial é o melhor que existe, só


comparável ao modelo islâmico (28 nações sem conflito racial), mas
livre, ademais, dos problemas de hostilidade religiosa que neste
subsistem.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/skidmore.htm (4 de 5)16/4/2007 09:57:06


Skidmore: Faça o que eu digo e não o que eu faço

O que temos de fazer é aprofundar nossa compreensão desse modelo,


aperfeiçoá-lo (pois ainda há enclaves racistas, grupos mal integrados no
tronco maior da nossa cultura), elaborá-lo intelectualmente e fazer dele
uma política autoconsciente que possa ser ensinada, como terapêutica,
às nações ainda enfermas de loucura racista.

Um abração do

Olavo de Carvalho

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João Ubaldo e o besteirol

João Ubaldo e o besteirol


Texto e comentário

1. O besteirol dos 500 anos

JOÃO UBALDO RIBEIRO

O Estado de S. Paulo, domingo, 23 de Abril de 2000

Levando-se em conta nossa pitoresca realidade contemporânea, até que


a quantidade de besteiras ditas e escritas sobre o controvertido
aniversário do Brasil não dá para surpreender. O que chateia um
pouquinho é que diversas dessas besteiras continuarão a perseguir-nos
pela vida afora, algumas talvez trazendo conseqüências indesejadas. A
principal delas, naturalmente, é a de que o Brasil começou em 1500,
quando nem mesmo no nome isso aconteceu, posto que éramos uma
ilha quando os portugueses primeiro viram as terras daqui e, durante

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muito tempo, o Brasil que duvidosamente existia não tinha nada a ver
com o Brasil de hoje.

A impressão que se tem é que, do povo às autoridades e mesmo aos


entendidos, acha-se que o Brasil já estava no mapa, com as fronteiras e
características atuais, no momento em que Cabral chegou. Teria tido até
um nome nativo, já proposto, pelos mais exaltados, para substituir
"Brasil": Pindorama, designação supostamente dada pelos índios ao
nosso país. Não sou historiador, mas também não sou tão burro assim
para acreditar que os índios tinham qualquer noção geopolítica, ou
alguma idéia de que pertenciam a um "país" chamado Pindorama. Não
havia qualquer país, é claro, nem sequer a palavra Pindorama devia
fazer sentido para os ocupantes que os portugueses encontraram aqui,
se é que ela era usada mesmo. No máximo, significaria o único mundo
conhecido deles. Parece assim que os nossos índios administravam
impérios e cidades como os dos maias, astecas ou incas, quando na
verdade, que perdura até hoje, viviam neoliticamente e a maioria
esgotava os numerais em três - era o máximo que conseguiam contar e o
resto se designava como "muito".

Como corolário disso, vem a tese de que fomos invadidos. Com perdão
da formulação pouco ortodoxa da pergunta, quem fomos invadidos?
Todos nós, salvante os mais ou menos 400 mil índios que sobraram por
aí, somos descendentes dos invasores, inclusive os negros, que não
vieram por livre e espontânea vontade, mas também não viviam aqui na
época de Cabral e hoje constituem parte indissolúvel de nossa, digamos
assim, identidade. Imagino que haja quem pense que, diante de uma
delegação portuguesa, algum diplomata ou general índio tenha

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argumentado que se tratava da ocupação ilegal de um Estado soberano


do Oiapoque ao Chuí e que aquilo não estava certo, cabendo talvez a
intervenção das Nações Unidas.

Se a História tivesse tomado rumos um pouquinho diferentes, nossa


área hoje podia estar subdividida em vários países diferentes, uns
falando português, outros espanhol, outros holandês, outros francês. Do
Tratado de Tordesilhas às capitanias hereditárias, aos movimentos
separatistas e à ação do barão do Rio Branco, muita coisa se passou para
que nos tenhamos tornado o Brasil que somos hoje. Ninguém chegou
aqui e descobriu o Brasil já pronto e acabado (se é que podemos falar
assim mesmo agora), isto é uma perfeita maluquice. O Brasil, é mais do
que óbvio, se construiu lentamente e às vezes aos trancos e barrancos.

Compreende-se que nativos de países como o Peru, o México e outros,


notadamente na América Central, se sintam invadidos. Até hoje são
numerosos e discriminados, muitos nem falam espanhol e, quando
aportaram os conquistadores, tinham cidades maiores do que as
européias. (3) Mas nós? Quem, com a notável exceção do amigo pataxó
e da jovem senhora xavante que ora me lêem, foi aqui invadido? Vamos
supor, já jogando no terreno da absoluta impossibilidade, que o
chamado mundo civilizado ignorasse a existência destas terras até hoje.
Teríamos aqui, não o Brasil, mas uns 4 milhões de nativos de beiço
furado e pintados de urucu e jenipapo (nada contra, até porque furamos
as orelhas, nos tatuamos e usamos batom, é uma questão de estilo), que
não falavam as línguas uns dos outros, matavam-se entre si com alguma
regularidade e cuja tecnologia não era propriamente da era informática.
Brasil mesmo, nenhum.

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Mas está ficando politicamente correto, suspeito eu que por motivos


incorretíssimos, abraçar a tese da invasão do Brasil. "Nós fomos
invadidos, fomos invadidos!", grita em português brasileiro, a única
língua que sabe, um manifestante mulato, em Porto Seguro. Será
possível que não se perceba a vastidão dessa sandice? Daqui a pouco - e
aí é que mora o perigo - entra na moda de vez e os resquícios das nações
indígenas que ainda subsistem deverão aspirar à soberania sobre os
territórios que ocupam. Como na Europa Oriental, cada etnia quererá
ter seu Estado e sua autonomia, com bandeira, hino, moeda (dólar, para
facilitar) e passaporte. Que beleza, forma-se-á por exemplo, depois de
um plebiscito entre os índios, o Estado Ianomâmi, completamente
independente e ocupando área bem maior do que muitos outros países
do mundo juntos, reconhecido pelas organizações internacionais e
protegido pelo grande paladino da liberdade dos povos, os Estados
Unidos, que mandariam missionários e ajuda econômica e tecnológica
e, dessa forma, investiriam desinteressadamente numa área tão pobre
em recursos econômicos e que tão pouca cobiça desperta, como a
Amazônia. E, se protestássemos, a Otan bombardearia o Viaduto do
Chá, a ponte Rio-Niterói e o Elevador Lacerda, como advertência.
Cometeram-se e cometem-se crimes inomináveis contra os índios, que
devem ter seus direitos assegurados. Também se cometeram e cometem
crimes contra grande parte dos brasileiros não-índios, outra vergonha
que precisa ser abolida. Mas isso não tem nada a ver com a tal invasão,
assim como a outra série de besteiras intensamente veiculada, segundo
a qual, se não houvéssemos sido colonizados pelos portugueses,
estaríamos em melhor situação, assim como estão em melhor situação a

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antiga Guiana Inglesa, o Suriname, a Indonésia, a Nigéria, a Somália, o


Sudão e um rosário interminável de ex-colônias européias, quando na
verdade se trata de um caso claro de o buraco achar-se bem mais
embaixo. Como é que se diz "babaquice" em tupi-guarani?

2. Comentários de Olavo de Carvalho

"Não há nada a comemorar. O descobrimento foi uma violência, um


estupro, um roubo que privou de seus direitos os autênticos brasileiros,
habitantes e donos desta terra por usucapião desde milênios antes da
chegada dos portugueses, que só trouxeram maldade e doenças a esses
povos que aqui viviam em harmonia paradisíaca."

Nenhuma frase foi mais repetida na comemoração dos 500 anos de


Brasil. Martelada e remartelada dia e noite por intelectuais e políticos,
índios e antropólogos, Tvs e rádios, jornais e cartazes, camisetas e livros
de escola. Um massacre publicitário. É próprio desse tipo de
propaganda atemorizar preventivamente os recalcitrantes, numa
advertência tácita de que não se atrevam a contestar nem mesmo em
pensamento a mensagem onipresente. E de fato ninguém se atreve:
cada um teme ser olhado com hostilidade, excluído da comunidade dos
bons cidadãos, acusado de racismo, de nazismo, de virtual assassino de
índios e negros, um genocida, um inimigo da espécie humana, um
verdadeiro Judas, responsável pelo Holocausto, pela crucificação de
Cristo, pela extinção do mico-leão dourado, pelas taxas de juros e pela

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explosão de Chernobyl.

Nenhuma campanha de persuasão pública, ao longo de toda a nossa


História, se compara a essa lavagem cerebral de proporções
continentais. Nem para fazer a Guerra do Paraguai, para derrubar o
Império, para abolir a escravatura, para enfrentar o Eixo nos campos da
Itália ou para vencer quatro Copas do Mundo mobilizamos tanta
energia propagandística quanto nesse esforço nacional para transformar
500 anos de história numa ocasião de vergonha, luto e penitência, para
negar enfim a legitimidade moral da nossa existência enquanto nação.

Curiosamente, ouvi essa frase pela primeira vez aos dez ou onze anos, e
não levei mais de cinco minutos para perceber que se tratava de um
raciocínio esquizofrênico, de uma contradição de termos, de um
joguinho lógico tipo Aquiles e a tartaruga. Mas, naquela época, ela era
dita cum grano salis. Quem a pronunciava tinha a consciência de
enunciar um gracejo para mexer com portugueses ou uma mentirinha
piedosa para massagear o ego indígena.

Hoje todos a repetem a sério, com ares de quem ensina uma verdade
científica ou uma doutrina moral da mais alta dignidade. A reação
espontânea de um cérebro sadio, de perceber no ato a incongruência, é
sufocada como tentação abominável, e logo termina por desaparecer das
consciências. A absurdidade consagra-se como um lugar-comum,
incorpora-se à linguagem corrente como a tradução universalmente
aceita de uma verdade evidente de per si.

Quando a mente de uma criatura chega a esse grau de paralisia, de

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estupidez, de letargia abjeta, já não há mais nada a conversar com ela.


Assim é hoje o homem brasileiro. João Ubaldo Ribeiro está de parabéns
por ser, dentre as vozes oficiais das classes falantes, a primeira que
vence o natural desânimo e se dispõe a discutir o que, em condições
normais, não teria jamais de ser discutido.

Sua crônica "O besteirol dos 500 anos" (O Estado de S. Paulo, domingo,
23 de Abril de 2000) é uma obra de caridade feita para aliviar, por
instantes ao menos, a miséria mental de um povo que hoje se acomoda
tão bem à mais espantosa privação intelectual quanto mais baba de
indignação ante qualquer vazamento de dinheiro.

Eu gostaria apenas de acrescentar-lhe as seguintes notas:

● Que líderes negros, ao mesmo tempo que chamam os brancos de


"invasores" do Brasil, isentem da mesma pecha os membros de
sua própria raça sob a alegação de que vieram a contragosto, eis
um argumento muito usado nos últimos dias, e no qual há menos
burrice do que racismo puro e simples. Os brancos trazidos à
força como prisioneiros já formavam um contingente enorme
quando os escravos negros começaram a chegar. Se a condição de
invasor é definida pela participação voluntária na ocupação do
território - o que está subentendido no argumento que desculpa
os negros -, esses brancos evidentemente não podem ser
catalogados como invasores, a não ser que o critério adotado para
condenar ou absolver o participante involuntário seja
estritamente racial: forçado a lutar contra os índios, o prisioneiro
será declarado culpado se for branco, inocente se for negro.

● Não é muito realista explicar como emanação espontânea da


babaquice nacional o requintado argumento sofístico que,
atribuindo a sociedades tribais as prerrogativas de modernos
Estados soberanos, torna o público cego e surdo para a mais
óbvia das realidades: que a noção mesma de soberania, bem
como de lei e direito em geral – inclusive o direito de usucapião
invocado para nomear os índios "os verdadeiros donos do Brasil"

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– foi trazida e ensinada pelos europeus a povos que não tinham a


menor idéia dessas coisas. Para qualquer ser humano no pleno
gozo de suas faculdades mentais, um direito que vem trazido no
bojo de uma mudança histórica não pode ser alegado contra essa
mesma mudança histórica: não se pode alegar em defesa da
autoridade imperial de Pedro II as prerrogativas constitucionais
dos governantes republicanos, em favor da antiga religião estatal
romana os princípios cristãos que a aboliram ou em prol do
domínio colonial inglês os direitos estatuídos pela Constuição
Americana. A percepção intuitiva dessas coisas faz parte da
natureza humana. Faz parte do que os escolásticos chamavam
sindérese, o conhecimento espontâneo dos princípios básicos
subentendidos em qualquer regra moral. Mas pode ser suprimida
por uma doutrinação estupidificante do tipo 1984, que habitue as
almas a repetir slogans autocontraditórios e a aceitá-los sem
exame, até que a abstenção do juízo crítico se torne automática e
irreversível. O cidadão que aceite uma vez o argumento da "nação
indígena" injeta na própria mente uma espécie de vírus
informático puerilizante que o incapacitará para o julgamento
moral dos casos mais óbvios. Essa técnica mistificadora não foi
inventada por índios analfabetos, mas por técnicos a serviço de
ONGs e governos estrangeiros. Até a ONU e a Unesco dão cursos
regulares sobre como criar e dirigir "movimentos sociais", e hoje
não há em parte alguma do Terceiro Mundo um só grupo
revoltado que não tenha sido formado e treinado por
profissionais suecos, ingleses, americanos, franceses. O discurso
vem pronto e é muito bem calculado para paralisar o raciocínio
crítico ante qualquer protesto apresentado em tons patéticos. No
caso brasileiro, a rebelião extemporânea contra um dominador
que já foi embora há dois séculos é o melhor diversionismo
preventivo contra qualquer veleidade de revolta contra os
invasores atuais. Crianças e adolescentes são particularmente
vulneráveis a esse tipo de manipulação psicológica, hoje aplicado
em todas as escolas com a aprovação e o estímulo das
autoridades. Não é preciso enfatizar a brutalidade psicológica, o
maquiavelismo criminoso por trás desses esforços soi disant
humanitários. Mas é claro que pessoas adultas, mesmo letradas,
caem no engodo com a mesma facilidade das crianças: a
solicitude com que nossas lideranças de esquerda se prestam a
colaborar com os novos invasores forma um contraste
deprimente com os inflamados discursos nacionalistas que lhes
sobem aos lábios ante o leilão de qualquer empresa estatal. E essa
gente não vê a menor contradição em defender o patrimônio de

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uma nação ao mesmo tempo que, com o discurso


antidescobrimento, se nega a legitimidade da existência mesma
dessa nação. A consciência nacional está em decomposição, o
Brasil está caindo para um estado de menoridade intelectual que,
daqui a pouco, tornará razoáveis e legítimas quaisquer pretensões
estrangeiras de nos administrar como colônia.

● Não estudei os maias, mas a cultura azteca, com todo o seu


avanço tecnológico, era uma monstruosidade, um totalitarismo
sangrento fundado no sacrifício ritual de seres humanos.
Diariamente, em cada cidade e aldeia, se arrancava o coração de
uma vítima, geralmente criança, para oferecê-lo ao deus Sol, a
pretexto de persuadi-lo a iluminar a Terra na manhã seguinte.
Em 1985 visitei o Museu da Universidade Livre e inúmeros
templos remanescentes em vários pontos do México, lendo o que
encontrava a respeito e observando, nos monumentos e pinturas
sacras, as marcas da imaginação inconfundivelmente macabra de
toda uma civilização que não conseguia conceber a divindade
senão sob o aspecto do terrível e do persecutório. Além disso, os
aztecas foram apenas os últimos da fila numas dezenas de povos
que ali se sucederam na base da destruição sangrenta dos
antecessores, não raro por meios de uma covardia ímpar, como
por exemplo espalhar cascavéis numa aldeia adormecida ou
convidar os membros da tribo vizinha para uma festa e envenená-
los todos de uma vez. Os espanhóis que fizeram cessar à força
esse morticínio milenar merecem a mesma gratidão que as tropas
aliadas que destruíram o III Reich, com a ressalva de que estas
tiveram muito menos complacência com os não-combatentes,
incluindo velhos, mulheres e crianças. A sociedade azteca era tão
perversa que já aspirava à sua própria destruição: quando
Hernán Cortez entrou com um punhado de soldados arrasando
tropas mil vezes superiores em número, os índios acreditaram
que era seu deus, Quetzalcoatl, que voltava à Terra para um
acerto de contas. E acho que foi mesmo. Se não foi ele, foi um
deus melhor, talvez aquele a quem os espanhóis chamavam o
Espírito Santo. Se existe o direito moral de protestar contra a
extinção da sociedade e da religião aztecas, existe também o de
proclamar que a erradicação do canibalismo, da clitorectomia ou
dos campos de concentração foi uma violência cultural
intolerável. Se em nome do relativismo cultural pode-se justificar
os sacrifícios humanos ou qualquer atrocidade "cultural" do
mesmo estilo, com muito mais razão se poderia argumentar em
favor da escravatura mesma, afinal um hábito muito mais

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disseminado, menos truculento e economicamente mais útil do


que arrancar corações para dar de comer ao Sol.

● A história oficial diz que o canibalismo aqui só era praticado por


umas poucas tribos. Não sei. Mas muitas outras faziam – e
fizeram até recentemente -- controle da natalidade pelo delicado
expediente de sepultar vivas as crianças indesejadas. Com a
chegada da Funai, esse costume foi progressivamente
abandonado e as tribos começaram a crescer. Muitos dos índios
que hoje gritam contra os "invasores brancos" teriam sido
enterrados como excedente populacional se a maldita civilização
ocidental não tivesse violado a integridade das culturas indígenas,
ensinando-lhes que matar crianças não é um meio decente de
reduzir despesas. Se ela mesma aliás vem desaprendendo essa
lição, regredindo ao ponto de aceitar como normais e respeitáveis
os costumes bárbaros que outrora ajudou a erradicar, é normal
que ela perca rapidamente a autoridade moral que tinha sobre os
índios e agora consinta em ouvir deles, com a cabeça baixa, as
mais extraordinárias absurdidades.

● Outra sentença repetida ad nauseam nas últimas semanas é que


"os índios já estavam aqui milênios antes da chegada dos
portugueses". Daí conclui-se que cinco milhões de índios– a
quarta parte da população da cidade de São Paulo – tinham a
propriedade legítima e incontestável de um território maior que a
Europa, enquanto dez milhões de portugueses se espremiam
numa área exígua e passavam fome sem ter mais onde plantar.
Na verdade os índios não tinham é propriedade nenhuma e
direito nenhum, porque as tribos espalhadas pelo território não
constituíam uma nação e nem sequer um condomínio, vivendo
antes como bandos hostis ocupados em desalojar-se uns aos
outros por meios da violência, malgrado a abundância de espaço
livre, roubando aos inimigos não somente suas terras mas
também – era o costume – suas mulheres, às vezes também seus
cadáveres, para comê-los. E ninguém se dá conta da verdadeira
cisão esquizofrênica que é preciso trazer na alma para poder
advogar, a um tempo, o direito de os Sem-Terra invadirem
fazendas e a legitimidade sacrossanta da posse de um continente
inteiro por um grupo que constituiria, nessas condições, a mais
poderosa casta latifundiária de todos os tempos.

● De outro lado, os lusos também estavam na Lusitânia, os gauleses


na Gália, os bretões na Bretanha e os saxões na Saxônia milênios
antes da chegada dos romanos. Se vieram a crescer e tornar-se

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por sua vez dominadores foi porque não rejeitaram a nova cultura
como um estupro, mas a aceitaram e a absorveram como um dom
salvador e se tornaram, até com mais legitimidade do que os
romanos, seus representantes e portadores. Muitos de nossos
índios fizeram isso: abandonaram a cultura tribal, entraram na
nova sociedade, adotaram a religião cristã. O Parlamento e as
universisases estão repletos deles, e cada família antiga deste país
se orgulha de ter mais de uma gota de sangue indígena. Os outros
caíram vítimas de uma antropologia maluca intoxicada do
"relativismo cultural" da charlatã Margaret Mead e empenhada
em conservá-los como objetos de museu e bichinhos de
estimação. Os primeiros representam a força e a glória das raças
indígenas. Os segundos, a vergonha e a morbidez de um atavismo
insano, alimentado e manipulado por um dominador mais rico e
malicioso do que aquele contra o qual hoje ostentam uma revolta
esquizofrênica e deslocada no tempo. Nada mais patético do que
um índio que, acreditando ou fingindo lutar contra o fantasma do
domínio português extinto, se torna instrumento e servo do
dominador globalista. O barão de Itararé tinha razão ao contestar
Auguste Comte: os vivos não são governados pelos mortos; são
governados pelos mais vivos.

● É verdade que, num Brasil cada vez mais afastado de suas raízes
espirituais pelo impacto avassalador do globalismo materialista, a
fidelidade dos índios às suas tradições religiosas é um exemplo
capaz de fazer corar um frade se o frade for realmente de pedra e
não daquela substância eminentemente não-ruborizável que
forma a dupla Betto e Boff. Eu mesmo escrevi coisas bem
contundentes em defesa dessas tradições. Mas elas adquirem
valor somente como alternativas neo-românticas ao
anticristianismo militante da sociedade moderna. Ante uma
população descristianizada, elas se tornam, de maneira quase
paradoxal, um testemunho de Cristo. Um testemunho parcial e
tosco, mas, no deserto espiritual contemporâneo, um testemunho
valioso. Mas concluir daí que são melhores do que o cristianismo
pleno é subtrair-lhes até mesmo esse valor de contraste, fazendo
delas apenas mais um instrumento de desespiritualização do
mundo. Eis por que a preservação das tradições indígenas é uma
causa ambígua, que só deve ser defendida com os maiores
cuidados para que as boas intenções, caminhando sobre um fio de
navalha, não sejam retalhadas e postas à venda no mercado das
mentiras contemporâneas.

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● O protesto de João Ubaldo Ribeiro só pôde ser publicado porque


veio com a assinatura de um membro da Academia bastante
queridinho das esquerdas e porque se limitou a constatar, com a
leveza habitual dos escritos desse autor, os aspectos mais
periféricos e folclóricos de uma situação que, bem analisada, é de
gravidade trágica. Qualquer abordagem mais séria do problema
está rigorosamente proibida em toda a imprensa nacional. O
jornalista gaúcho Janer Cristaldo sofreu ameaças, processos e
exclusão do ofício pelo crime de ter denunciado como farsa (sem
jamais ter sido contestado com fatos e argumentos) o suposto
massacre de uns índios na fronteira Brasil-Bolívia. O livro do ex-
secretário da Segurança Pública de Roraima, coronel Menna
Barreto, A Farsa Inanomâmi (Biblioteca do Exército, 1996), a
obra mais importante sobre o uso da fachada indigenista para a
ocupação da Amazônia por ONGs e governos estrangeiros, não foi
nem será noticiado em qualquer jornal deste país. Nesse
depoimento ditado no leito de morte, e do qual dois terços foram
suprimidos pelas autoridades antes de autorizar a publicação
póstuma, o autor denuncia que nunca existiu nenhuma tribo
Ianomâmi, que uma tribo biônica foi montada às pressas por
agentes imperialistas para dar um arremedo de legitimidade à
reivindicação de um "Estado indígena" administrado por
organismos internacionais.

● Com mais razão ainda, estão vetadas pela censura prévia


quaisquer notícias de violências e atrocidades cometidas por
índios contra as populações das cidades próximas às suas
reservas (e cada brasileiro que retorna dessas regiões tem coisas
horríveis a contar). Mas a probição nâo abrange somente os fatos
da atualidade. As violências de índios contra brancos e a
crueldade interna da sociedade indígena foram suprimidas dos
livros de História, para que as novas gerações, após a lavagem
cerebral que sofrem nas escolas, jamais venham a saber que a
"brutal destruição" das culturas indígenas consistiu sobretudo na
extinção de costumes hediondos como o canibalismo, a
liquidação sistemática de prisioneiros, o sepultamento de
crianças vivas e o roubo de mulheres. Outro dia, num noticiário
da TV sobre uma exposição comemorativa dos 500 anos, duas
imagens mostradas uma logo apósa outra resumiram da maneira
mais eloqüente o estado de barbárie e de estupidez a que a
mentalidade nacional está sendo reduzida pelo esforço conjugado
da mídia: primeiro, vinha o arcebispo da Bahia repetindo
melosamente os pedidos convencionais de "perdão" da Igreja

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católica por ter cristianizado os índios à força; logo em seguida, as


câmeras mostravam o manto envergado pelos caciques durante o
rito de devorar solenemente os cadáveres de seus adversários.
Pedir perdão por ter substituído a costumes como esse a prática
da religião cristã é fazer-se, despudoradamente, apóstolo de
Satanás.

● Raciocinando como esse prelado, eu teria também um pedido de


perdão a apresentar. Meu nome de batismo é homenagem a
Santo Olavo, rei e padroeiro da Noruega. A história desse santo
guerreirro é contada na Saga de Olaf Haraldson, de Snorri
Sturlson, leitura deliciosa, um clássico da literatura épica. Na
juventude, Olavo notabilizou-se pelo gosto das aventuras e por
um bizarro senso de humor: mandavam-no selar um cavalo, ele
selava um bode e saía correndo para não apanhar do avô. Ainda
adolescente, comandou com sucesso batalhas navais. Depois deu
de rezar e, quando subiu ao trono, tornou-se o sujeito que
cristianizou a Noruega a muque. Antes, as populações locais
tinham costumes bem semelhantes aos dos nossos índios:
invadiam aldeias para roubar mulheres, queimavam todos os
prisioneiros, jogavam no lixo as crianças indesejadas. Olavo
mandou parar com essa história e, para mostrar que não estava
brincando, matou os chefes e sacerdotes de várias tribos e disse
que faria o mesmo com quem não se batizasse. O pessoal então
parou de enterrar criancinhas vivas e começou a confessar e
comungar. Hediondo genocídio cultural, não é mesmo? Pensando
nos feitos imperialistas desse meu homônimo, passo noites em
claro, batendo no peito em crises de arrependimento midiático
pela extinção da cultura viking. Afinal, aqueles fulanos estavam
lá, como aqui a turminha do Xingu, milênios antes da chegada
dos cristãos...

24/04/00

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Conversa sobre estilo

Cartas e respostas

Conversa sobre estilo

E-mail de L. B.

28 de abril de 2000

Senhor Olavo de Carvalho,

É um grande prazer poder falar com o senhor. Depois que tomei contato
com um artigo de sua autoria, na Revista Bravo!, passei a procurar por
mais informações a seu respeito. Qual não foi minha surpresa ao
descobrir que o senhor dispõe de uma homepage? Confesso que me
flagrei, a um só tempo, satisfeito e muito surpreso. Explico-lhe, a seguir,
a razão de minha surpresa. As primeiras vezes que li seus artigos, logo
imaginei se tratar de um grande espírito erudito. Bastou que um curto
período de tempo passasse para que eu constatasse minha hipótese. A
erudição, a clareza de idéias e o tom incisivamente polêmico de suas

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Conversa sobre estilo

ponderações levaram-me a crer se tratar de um intelectual do nível de


um José Guilherme Merquior, por exemplo. Não lhe comparo a ele, pois
qualquer tentativa neste sentido seria por demais descabida. Contudo,
chamou-me a atenção dois traços comuns aos dois: a erudição e o ardor
pela polêmica. Estou enganado a esse respeito? Pois bem, passei a
freqüentar o site que abriga seus textos, lendo muitos de seus artigos e
algumas anotações sobre episódios daquilo que generosamente
poderíamos qualificar de "nossa vida filosófica". Novamente, notei a
valiosa dimensão de sua obra.

Alguns comentários de sua autoria deixaram-me um tanto perplexo.


Refiro-me, por exemplo, a nota que fizera ao artigo "Marilena Chauí: a
segunda excomunhão de Espinosa". Seria necessário o emprego do
termo "peido", para aquilatar as observações de Marilena? Não seria
esta uma maneira muito pouco polida de iniciar um debate? Não
imagine o senhor que tomei as dores desta professora. Tenho cá
profundas divergências como ela, contudo cumpre lembrar que o mútuo
respeito seria altamente proveitoso para elevar o nível de qualquer
contenda, dentro e fora, do meio acadêmico. Chamou-me também a
atenção os comentários, profundamente agressivos, que fizera sobre os
professores Carlos Nelson Coutinho, Luis Sérgio Henriques e Marco
Aurélio Nogueira. Notei um certo tom de molecagem quando o senhor
mencionou que os três deveriam comemorar o aniversário de Gramsci
sem se irritar com o senhor.... Creio que os professores acima
mencionados sejam dignos do maior respeito. Além de serem pioneiros
nos estudos sobre Gramsci no Brasil, são pessoas cuja postura
democrática já ficou provada tanto nos anos em que o país vivia seu

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Conversa sobre estilo
regime de exceção, quanto no presente.

O senhor poderá imaginar que estou lhe escrevendo para tomar


satisfação sobre sua postura. Não se trata disso, em absoluto. Mesmo
porque, sou seu admirador. Gostaria apenas de lhe propor uma reflexão
acerca de sua conduta no trato com seus eventuais interlocutores.
Espero que entenda minhas intenções.

Voltemos a falar sobre a maneira com a qual conduz seus debates...


Creio que erudição e, se me permite o uso do termo, truculência não
sejam adjetivos complementares. Aliás, seria de supor que à erudição
fosse necessário a companhia da elegância, da polidez. Talvez um bom
exemplo de intelectual polêmico e elegante seja Antonio Candido.
Imagino que o senhor conheça a elegância com a qual ele sempre tratou
seus adversários, políticos e intelectuais, durante o longo tempo que se
dedicou ao debate público. Não me recordo de um fato sequer em que
este grande intelectual tenha preterido a finesse e a elegância. Mesmo
quando debatia com figuras adeptas de um certo ranço autoritário,
como é o caso de Miguel Reale. Lembro ao senhor que nem mesmo em
sua juventude – época em que os homens são mais impetuosos –
lograra o uso de termos depreciativos e vulgares. Cito a esse respeito,
sua contenda com Oswald de Andrade nos anos quarenta...

Agora, mudando um pouco de assunto, creio que o peso de certas


colocações de sua autoria seja excessivamente inadequado. Aqui
gostaria que me respondesse, se possível, a seguinte questão: no debate
intelectual qualquer uma das partes envolvidas pode "provar" alguma
coisa? O termo provar é adequado quando tratamos dos temas versados
pelas Ciências Humanas e pela Filosofia? Creio, em minha humilde

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Conversa sobre estilo

opinião, que não! Em Filosofia não se prova nada, apenas é possível


refutar, contradizer certas colocações. Não se trata, como poderia o
senhor imaginar, de uma discussão semântica, mas categorial. Não
concorda? Gostaria muito de saber sua opinião, sobretudo porque vi um
comentário seu que me chamara a atenção: "lhes provarei por a mais b
que gramscismo é totalitarismo". Como o senhor pretendia "provar"
isso? Não seria mais conveniente dizer: "posso mostrar que, em certo
sentido, gramscismo pode estar associado a totalitarismo"?

Caro Olavo, sou seu admirador e muito me afligiria que tomasse minhas
palavras como uma provocação. Minha intenção não é essa. Gostaria
que respondesse a esse e- mail – o que, muito me agradaria.

Deixo-lhe um grande abraço e aguardo, ansiosamente, por suas


considerações.

L. B.

Resposta de Olavo de Carvalho

Prezado amigo,

Muito obrigado pela sua mensagem e pela maneira gentil com que se
refere a meus escritos, malgrado a perplexidade que eles lhe causam.
Essa perplexidade é natural, porém ela se atenuaria bastante se, em vez

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Conversa sobre estilo

de medi-los pelo padrão dos escritores citados em sua carta, você os


aferisse pelos meus modelos. A obra de um escritor, afinal, deve ser
avaliada pelo que ele está tentando fazer, não pelo que os outros, com ou
sem razão, acham que ele deveria fazer. Meus mestres de estilo, para a
parte polêmica de meus escritos, foram Tertuliano, São Bernardo de
Clairvaux, William Hazlitt, Léon Bloy, Georges Bernanos e Camilo
Castelo Branco. São autores muito pouco freqüentados pela nossa
intelectualidade acadêmica, a qual, por falta de repertório, escolhe seus
modelos no jornalismo da moda, impondo assim, pela repetição fácil,
um padrão de polidez fingida que acaba por passar como o único modo
elegante e aceitável de escrever. São Bernardo, pregando do alto do
púlpito - uma situação de discurso que me permito considerar um tanto
mais solene do que um bate-boca entre acadêmicos -, dizia: "Os
pregadores esforçados são como os bois que puxam o arado. Os
preguiçosos vêm atrás e comem a bosta dos bois." O dr. Antônio
Cândido, que é homem fino, jamais escreveria uma coisa dessas. Por
isto mesmo São Bernardo converteu multidões, enquanto o dr. Antônio
Cândido só consegue nos mostrar o quanto é chique ter uma alma
vacilante.

Não é de espantar que, contrastado ao modelo pó-de-arroz, o estilo de


qualquer um que escreva desde a medula de sua pessoa deva parecer
"truculento". No entanto esta palavra, que já se tornou um chavão entre
meus desafetos acadêmicos para qualificar meus escritos, e que nâo sem
certo automatismo você emprega com o mesmo fim, é obviamente
inadequada ao objeto que busca circunscrever, e denota em quem a usa
- nâo me leve a mal - apenas a falta de domínio do vocabulário. Um

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Conversa sobre estilo
escrito nâo pode ser truculento sem um certo pathos emocional que
falta completamente às produções deste jocoso e pedagógico escriba. O
que essas criaturas querem dizer no fundo é que tais escritos as
assustam, mas, como não fica bem confessar temor ante a simples
demonstração de verdades óbvias, recorrem ao clássico expediente dos
covardes orgulhosos, que é medir a periculosidade da ameaça pelo
tamanho do pavor que lhes infunde, em vez de graduar este por aquela
como o fazem as almas dotadas de uma quota normal de valentia e
serenidade. Nessa ótica torta e subjetivista, não há meio de distinguir
entre a contundência de uma prova e a truculência do puro insulto: não
podendo refutar a primeira, fingem-se de alvos do segundo,
transferindo a discussão da esfera dos fatos para a das boas maneiras,
onde se sentem mais a salvo. Dizer que pessoas capazes de recorrer a
esse tipo de subterfúgio são "intelectuais dignos de respeito", caro
amigo, é ter uma concepção bem mesquinha do que sejam
intelectualidade, dignidade e respeito.

Se fosse preciso definir com poucas palavras a maneira que adoto nos
meus escritos jornalísticos - pois há outros, que requerem outras artes -,
eu diria que são antes desconfortáveis ou inquietantes, na medida em
que mesclam, às vezes na mesma frase, estilos e tons diversos, passando
com a maior sem-cerimônia da fala nobre e solene dos juristas antigos
ao deboche grosso dos humoristas populares e sambistas, da melodia
sutil ao estridor das dissonâncias bárbaras (coisa que aprendi com o
meu amado e idolatrado Heitor Villa-Lobos) ou fazendo mil e um outros
arranjos que os doutores cândidos jamais fariam, e que faço no preciso
intuito de habituar o leitor ao duplo jogo da fala e das coisas, em cuja
apreensão intuitiva reside metade, não menos, da arte de aprender: de

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Conversa sobre estilo

um lado, a fala é o caminho para a verdade e deve simbolizar, no seu


corpo mesmo, os movimentos da mente que se interroga entre luzes e
sombras, movimentos que não são jamais lineares como a
demonstração lógica que ex post facto recapitula e celebra a
consistência dos resultados obtidos; de outro lado, a verdade não se
identifica jamais por completo com a fórmula verbal que a veicula, e o
escritor, tendo sempre de deixar a parte final do serviço a cargo dos
dons intuitivos do leitor, deve preparar bem o terreno para o lance
decisivo, seja por meio daquelas longas oposições dialéticas que afiam a
lâmina da inteligência, seja - quando não há espaço para isso, como nos
artigos de jornal - por meio de paradoxos verbais que, de maneira
compactada e simbólica, façam a mesma coisa. (Explico essa técnica na
apostila Debates e provas, que o amigo encontrará nesta mesma
homepage.) Eis como, no exíguo espaço do mais desprezível dos
gêneros literários, se pode deixar in nuce um leque de demonstrações
latentes insinuadas, fazendo da crônica jornalística, em vez da opinião
solta que ela habitualmente é, o prefácio ou resumo de aulas e tratados,
de modo que, pelo simples ruído longínquo das máquinas que se
aproximam, o adversário pressinta o exército de tratores que passaria
em cima de suas pobres objeções se ele tivesse - como geralmente não
tem - a coragem de publicá-las. E eis a raiz da falsa - ou, em certos
casos, fingida - impressão de truculência: o leitor pego em flagrante
delito de falsa consciência já se sente de antemão esmagado, e, não
sabendo bem explicar a si mesmo as razões de seu desconforto (pois
num primeiro instante a apreensão das provas implícitas é apenas
semiconsciente), busca um alívio postiço apegando-se à primeira
palavra mágica que lhe pareça ter o poder de, xingando o farmacêutico,

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Conversa sobre estilo

neutralizar o efeito do remédio. Mas ôôô, coitado! Quando o sujeito se


entrega a esse impotente arremedo de exorcismo, é o meu feitiço que já
está operando dentro de sua alma, forçando-a a assimilar aos poucos a
verdade que rejeitara no primeiro impacto. Muito poucos, quando se
completa o processo, têm unidade de consciência bastante para recordar
como começou. Daí que aqueles que mais bufam de indignação ou se
contorcem em caretas de afetado desprezo ante meus escritos sejam os
primeiros a repeti-los, com outras e bem mal disfarçadinhas palavras,
meses ou anos depois. Isto já se tornou rotina. Na verdade, não me
ofende que, para aceitar o que aprenderam comigo, tenham de atribui-
lo a si mesmos. Um professor nada poderia ensinar se não fizesse
alguma concessão ao orgulho pueril dos alunos mais bobos.

Eis também como, pela simples variação do estilo, se pode habituar o


leitor de boa vontade a aceitar a verdade independentemente da
expressão verbal que a reveste, com a condição de que ele tenha
imaginação bastante para saber que a escolha de um estilo pode ter
razões que a etiqueta desconhece. É só tomando o estereótipo vigente
como medida e padrão que se pode tentar caracterizar o meu estilo
mediante o apelo a chavões como "agressivo", "desrespeitoso" etc.,
categorias que se aplicam antes ao julgamento de trabalhos de classe em
escolas primárias do que a uma conversa sobre literatura séria, onde as
exigências da polidez banal devem ceder lugar a considerações mais
altas. Se há de fato critérios em que minha escrita jamais aspirou a
enquadrar-se, são aqueles da literatice bem-educadinha que nos anos
50 as nossas letras pareciam ter definitivamente superado graças à
"truculência" de autores como José Lins do Rego, Jorge Amado e

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Conversa sobre estilo
Nelson Rodrigues, e que hoje voltam a imperar com toda a força dos
mandamentos politicamente corretos, chamando a polícia quando um
escritor simplesmente transpõe para o gênero ensaístico e filosófico a
liberdade de estilo já consolidada na literatura de ficção. E se algo
poderia me deprimir ao ponto de fazer naufragar o respeito que sinto
por mim mesmo enquanto escritor, seria constatar no meu jeito de
escrever alguma semelhança, mesmo remota, com aquilo que nos
manuais de redação jornalística e nas rodas do esquerdismo chique,
especialmente uspiano, se tem na conta de bom-tom. Vade retro,
Satana! O bom-tom, caro amigo, é péssimo juiz literário. Foi o apego ao
bom-tom que fez Voltaire tapar suas delicadas narinas ante a
"truculência" (sic) das peças de Shakespeare, predizendo que muito em
breve seriam esquecidas pelo público... Note, de passagem, que o termo
"truculência" não é totalmente descabido para descrever Titus
Andronicus, por exemplo, e que as regras de polidez literária em que
Voltaire se escudava para proferir esse julgamento eram genuínos
padrões de elegância enobrecidos por uma venerável tradição literária
(leia por exemplo Buffon), e não aquele receituário de inibições e
macaquices que faz as vezes de elegância entre os Tonton Macoute do
jornalismo nacional. Pois nem assim Voltaire acertou.

Já outros pontos de sua carta não necessitam dessas explicações para


ser respondidos, porque repousam em simples erros de observação. Por
exemplo, sua pergunta sobre se o uso da palavra "peido" para qualificar
certas declarações de D. Marilena Chauí não seria "uma maneira muito
pouco polida de iniciar um debate". A resposta é: seria, sim. Mas no
caso eu não estava iniciando nada, e sim respondendo a um insulto.
Essa senhora, confessando nada conhecer de minha obra e de minha

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Conversa sobre estilo

pessoa, me havia qualificado de "cafajeste". Ninguém apela a tão pesado


adjetivo sem ser movido pela raiva, e, se respondo a esse hidrófobo
insulto com o meu cálculo do valor relativo dos peidos humanos e
símios, quem saiba ler com sensibilidade há de notar que, em vez de dar
o troco na mesma moeda, oponho à fúria histérica de minha atacante
um imperturbável senso de humor. Nesse e nos casos análogos, quem
quer que me chame de "raivoso" está apenas projetando sobre os meus
escritos a reação mórbida que eles suscitam nas pessoas de maus bofes.

Na verdade, no caso não havia debate nenhum. Se houvesse, ele teria


começado com o meu escrito "Lógica da mistificação, ou: O chicote da
Tiazinha", o qual demonstrava mediante rigorosa análise de texto o
caráter mistificatório de certas exposições de D. Marilena. Em vez de
responder ou corrigir-se, D. Marilena preferiu dizer que não me
conhecia e no mesmo ato provar, por sua explosão de raiva, que me
conhecia perfeitamente bem.

Quanto aos srs. Carlos Nelson Coutinho, Luis Sérgio Henriques e Marco
Aurélio Nogueira, nem é certo dizer que enquanto intelectuais "sejam
dignos do maior respeito", nem que "sua postura democrática já ficou
provada". Nenhum gramsciano pode ser digno de respeito na esfera
intelectual, desde que o próprio Gramsci reduz a atividade intelectual à
propaganda revolucionária e quem se presta a isso rebaixa a inteligência
em geral – e a sua em particular – ao mais infame dos papéis. Ideologia
é prostituição da inteligência: poses auto-dignificantes e badalação na
mídia não mudam isso em nada. E não há "postura democrática"
nenhuma em pessoas que, reunindo-se às dezenas para fazer a
beatificação coletiva do seu ídolo pela internet, se furtam ao debate

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Conversa sobre estilo

quando desafiados por um oponente solitário e ainda fazem trejeitos de


dignidade ofendida quando ele lhes propõe uma simples troca de links
entre as respectivas homepages, que é a coisa mais democrática do
mundo. Democrático sou eu, que mesmo não retribuído coloquei na
minha página um link para a deles.

Não, meu amigo, não se iluda com a fala mansa daqueles que dominam
o meio acadêmico e o subjugam a ambições políticas. Eles podem falar
manso porque sua fala não é expressão de sua realidade pessoal, e sim
disfarce para encobri-la. O prof. Antônio Cândido, enquanto falava
manso em público, não deixava de conspirar, em petit comité, para
sufocar a voz de seus desafetos na tribuna uspiana. Parafraseando
Theodore Roosevelt, o lema dessa gente é: Speak softly and carry a big
stick.

É verdade que Antônio Cândido foi educadíssimo ao discutir com


Miguel Reale na imprensa. Mas para quê ser grosseiro com o adversário,
quando se pode boicotá-lo pelas costas e ainda fazer bonito aos olhos da
multidão? Muita gente se deixou, no caso, iludir pela aparência. Parece
que você também.

Em contraste com a máscara democrática das palavras a encobrir o


autoritarismo das ações, Miguel Reale sempre foi duro ao falar dos
esquerdistas, porém lhes manteve inalteravelmente aberta, ao longo de
quarenta anos, a tribuna da sua Revista Brasileira de Filosofia,
certamente a única, dentre as grandes revistas de cultura do Brasil, que
soube merecer por inteiro o qualificativo de "pluralista".

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Conversa sobre estilo

Mais absurdo ainda é que, ao enaltecer o tratamento polido que o prof.


Cãndido deu a seu adversário, você ainda insinue que isso foi até
demasiada honra para alguém que carregava o "ranço autoritário" de
Miguel Reale. É isso o que eu chamo raciocinar por estereótipos da
mídia, sem levar na mínima conta a realidade dos fatos.

O único "ranço autoritário" que se pode atribuir a Miguel Reale é a sua


participação juvenil no integralismo, um movimento que, por mais
imbecil que nos pareça hoje, sempre agiu de maneira honrada e
conservou as mãos limpas de qualquer cumplicidade em ações tirânicas,
tendo sido antes vítima de repressão brutal e tendo partido dele, aliás, o
primeiro protesto brasileiro contra a perseguição aos judeus na
Alemanha.

Não é vergonha nenhuma ter sido integralista. Vergonha é ter sido


comunista. Vergonha é ter pertencido a um movimento que, após sofrer
sob a ditadura Vargas perseguições idênticas às que sofreram os
integralistas, ainda teve o descaramento de se tornar cúmplice de seu
próprio algoz.

Eu, pelo menos, me envergonho do meu passado comunista, e contra o


integralismo nada tenho a alegar exceto o pecado de babaquice.

Quanto à participação de Reale no movimento de 1964, leia, investigue,


estude os atos dele como secretário da Justiça em São Paulo ou como
reitor da USP, bem como as contribuições dele à legislação federal, e
diga onde, como, quando esse homem atentou contra alguma das
liberdades democráticas fundamentais.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/estilo.htm (12 de 13)16/4/2007 09:57:39


Conversa sobre estilo

"Ranço autoritário" é um chavão de fácil efeito, a que muita gente


recorre quando não tem nada a dizer contra personagens que lhe
desagradam.

Por fim, devo dizer que sua objeção contra as provas em filosofia ou em
ciências humanas é apenas a repetição ingênua de outro chavão. Muitas
coisas foram provadas, positivamente, ao longo de vinte e quatro
séculos de filosofia. Porém mais numerosas ainda são as cabeças que as
desconhecem e as bocas que repetem o que elas dizem. Se deixo esta
discussão para outra ocasião e lugar, é porque nesta mesma homepage
você encontrará lugares e ocasiões bastantes para comprovar o que digo.

Com meus melhores votos,

Olavo de Carvalho

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/estilo.htm (13 de 13)16/4/2007 09:57:39


Drogas e prioridades

Drogas e prioridades

Olavo de Carvalho

Folha de S. Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2000

O dr. José Carlos Dias, ao sair do Ministério da Justiça alertando o


governo para "não transigir com os reacionários e a direita", mostrou
que estava no cargo menos para combater o tráfico de drogas do que
para fazer política de esquerda. Que esses objetivos fossem conflitantes,
nada mais natural: a esquerda fez a apologia das drogas desde a década
de 60 e é moralmente responsável pela disseminação do vício. Se,
passados quarenta anos, a troca de gerações no poder eleva um
esquerdista à posição de repressor oficial do tráfico, ele pode até se
esforçar para dar uma aparência verossímil ao seu desempenho, mas
acabará se traindo mais dia menos dia e confessando que sua luta não
era contra os traficantes e sim contra "a direita". De fato, como poderia
desejar mover guerra ao tráfico um adepto confesso da liberação das

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Drogas e prioridades

drogas? E o ex-ministro não se limitou a suportar como formalidade


incômoda seu papel de comandante nessa luta, mas arrogou à sua
pessoa o controle dos meios práticos de combate, condenando as
iniciativas independentes. Como explicar o ciumento apego desse
homem ao comando de uma guerra que declaradamente não era a sua,
exceto pela hipótese de que ao assumi-lo ele tivesse outros objetivos,
mais discretos e a seu ver mais relevantes?

Para um esquerdista, a luta ideológica é tudo. Todos os demais objetivos


e desejos humanos, por mais elevados e urgentes, devem ser
subordinados a essa exigência primeira, única e obsediante: derrubar a
democracia capitalista, instaurar em seu lugar o império da
nomenklatura. O combate às drogas não constitui exceção. Se nas
circunstâncias do momento ele serve acidentalmente ao supremo
objetivo político, pode até ser usado. Se é inútil ou indiferente a esse
fim, deve esperar pacientemente na longa fila de prioridades. E se por
acaso se opõe aos intuitos revolucionários, deve ser substituído pela
propaganda das drogas e pela resistência a todo esforço repressivo,
como o foi nos anos 60 e 70. Os esquerdistas, enfim, não têm nada
contra ou a favor das drogas: simplesmente servem-se delas ou da sua
repressão conforme lhes convenha.

Não estou pondo em dúvida a moralidade pessoal do ex-ministro, estou


apenas dizendo aquilo que sempre disse: que não existe nem pode
existir esquerdista intelectualmente honesto, que esquerdismo é, por
definição, desonestidade intelectual. Essa desonestidade pode
permanecer disfarçada durante algum tempo, mas desponta em toda a
plenitude da sua feiúra sempre que um esquerdista sobe a um cargo de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/drogas.htm (2 de 6)16/4/2007 09:57:51


Drogas e prioridades

poder no "Estado burguês": aí não é mais possível esconder a dupla


lealdade que o compromete, de um lado, com a defesa do Estado, de
outro, com a sua destruição. Por mais elevada que seja sua intenção, ele
terá de apelar a todas as complacências dialéticas de uma moralidade
frouxa para se acomodar a uma condição objetivamente contraditória.
Ninguém pode passar por isso sem se corromper interiormente e sem
espalhar no ambiente os germes da sua inconsistência. Ser esquerdista,
nessas horas, é necessariamente incorrer na maldição bíblica: bilinguis
maledictus, maldito o homem de duas línguas.

Isso tornou-se patente não só no caso do ex-ministro Dias como


também no do ex-subsecretário da Segurança do Rio de Janeiro, Luís
Eduardo Soares, criatura bifronte, que com uma de suas cabeças
perseguia os policiais envolvidos com o tráfico e com a outra dava
respaldo ao amigo banqueiro para ajudar um traficante a estudar
guerrilha. A explicação do aparente paradoxo reside, como sempre, na
unidade do critério ideológico subjacente às ações opostas: há um
tráfico bom e um tráfico mau. O mau é aquele que se alia a velhas elites
policiais comprometidas com o passado, com o regime militar e, numa
palavra, com a "direita". O bom é aquele que almeja fazer parceria com
os guerrilheiros de Chiapas para armar no Brasil a maior guerra civil de
todos os tempos e instaurar aqui o "reino de Deus na Terra", que é como
Frei Betto, uma indiscutível autoridade em assuntos celestes e
terrestres, denomina o regime cubano. A Banda Podre não é podre por
ser podre, mas por ser "de direita". A podridão esquerdista é pura e sem
mácula como uma hóstia consagrada. Confirma-o a beatificação de João
Moreira Salles, celebrada na Sala da Cinemateca pela fina flor do

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Drogas e prioridades

radicalismo chique quando do lançamento do filme "Notícias de uma


Guerra Particular", um ataque moralista ao hediondo costume que os
policiais têm de atirar nos traficantes que atiram neles. Contra esse
modo "militaresco" (sic) de lidar com os pobres e oprimidos capitães do
tráfico, o seráfico cineasta propõe um método alternativo mais humano
e cristão: dar-lhes dinheiro para que vão ao Exterior aprimorar seus
conhecimentos da técnica de matar.

Perseguir os traficantes, ajudá-los ou simplesmente esquecê-los é, pois,


para a mentalidade esquerdista, uma simples questão de oportunismo.
Prioridade, mesmo, só existe uma: eliminar a execrável "direita", seja
com a ajuda dos traficantes, seja a despeito deles, seja enterrando-os na
mesma cova com os "reacionários". O ex-ministro Dias pode, na sua
imaginação subjetiva, ter tentado levar a sério o papel de supremo-
comandante do combate às drogas. Mas seu velho comprometimento
ideológico, mais durável e exigente que as obrigações passageiras de um
cargo público, acabou por prevalecer. Outro tanto passou-se na alma do
Dr. Luís Eduardo Soares.

Se fosse possível existir um esquerdista intelectualmente honesto, esse


homem de exceção compreenderia que a erradicação do flagelo das
drogas é um objetivo que deve estar acima de toda picuinha ideológica,
que esquerdistas, direitistas e quantas mais facções políticas existam
devem unir-se incondicionalmente numa guerra qual depende a
salvação das futuras gerações. Mas esse homem não é o ex-ministro
Dias, como também não é o dr. Soares.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/drogas.htm (4 de 6)16/4/2007 09:57:51


Drogas e prioridades

13/04/00

Apêndice

Apelo dramático ao sr. Caio Aguilar Fernandes

"No mínimo confusas as idéias do sr. Olavo de Carvalho ("Drogas e


prioridades", Folha de S. Paulo, 24 de abril de 2000): abusando da
adjetivação e de generalizações mancas como argumento de autoridade,
vincula a esquerda nacional à disseminação das drogas na atualidade.
Nada mais intelectualmente honesto que isso."

Caio Aguilar Fernandes


( Ribeirão Preto, SP)

"Painel do Leitor", Folha de S. Paulo, 25 de abril de 2000.

Nota de Olavo de Carvalho

Se alguém conhece o signatário da coisa acima reproduzida, favor


solicitar-lhe que forneça, para alívio do perplexo e inconsolável autor do
artigo mencionado, os seguintes itens:

http://www.olavodecarvalho.org/textos/drogas.htm (5 de 6)16/4/2007 09:57:51


Drogas e prioridades

1. Lista das confusões que observou no artigo e provas de que elas


estão no texto, não na cabeça do leitor.
2. Lista dos adjetivos sobrantes, e razões pelas quais os referidos
seriam dispensáveis.
3. Lista das generalizações mancas e provas de que mancam.
4. Explicação de como uma generalização afirmada pelo próprio
autor de um texto pode ser ao mesmo tempo um argumento de
autoridade invocado por ele.

01/05/00

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/drogas.htm (6 de 6)16/4/2007 09:57:51


Tocqueville e o totalitarismo

Tocqueville e o totalitarismo

Caro Olavo,

Resolvi comprar o livro Democracia na América após ler os seus elogios


sobre ele, mas já na primeira parte, surgiu uma dúvida: Tocqueville fala
que a religião protege os homens contra paixões insensatas de tudo
conhecer, portanto de tudo mudar, acabando assim com a paixão pela
igualdade que ameaçava a liberdade. Mas só que a religião impedia a
tirania da igualdade para instaurar a tirania dos costumes. Pois eram os
costumes religiosos que influenciavam as leis como a pena de morte
para os adúteros, separação das crianças dos pais que não as colocavam
na escola, passando a guarda para a sociedade, e até leis que proibiam o
tabaco! (Code 1650).

Estas leis não eram impostas mas sim votadas pelo livre concurso dos
interessados. Não acho que podemos isentar a religião neste caso,
culpando só o estado civil da época, já que "O puritanismo era quase

http://www.olavodecarvalho.org/textos/tocqueville.htm (1 de 6)16/4/2007 09:58:03


Tocqueville e o totalitarismo

tanto uma teoria política quanto uma teoria religiosa, e que ele se
confundia em vários pontos com as teorias democráticas e republicanas
mais absolutas."(Pág.43) A política e a religião eram tendências
diversas, mas não contrárias. Os costumes religiosos influenciavam as
leis de caráter tirânico, que eram realmente cumpridas, como mostra o
autor. Como eu já li a sua apostila Humanismo e Totalitarismo,eu
pergunto pro senhor: Será mesmo que as outras épocas não conheceram
o totalitarismo? Com certeza era um totalitarismo em menor escala,
mas não deixa de ser uma semente do totalitarismo vindouro. Será que
a religião não está isenta de culpas pelo totalitarismo na América de
outra época? Podemos dizer também que as leis da sociedade puritana
não influenciaram em nada o totalitarismo posterior? Segundo uma
dedução do próprio Tocqueville, é bem capaz, já que "As leis conservam
seu caráter inflexivel,quando os costumes já se submeteram ao
movimento do tempo." Há por acaso uma data ou um período que
mostra que os costumes religiosos deixaram de ditar as leis? Se há, será
que durante essa transição não houve influência do espírito tirânico
dessas leis sobre o novo sistema legislativo? Se a igualdade exagerada é
uma ameaça à liberdade, até que ponto também é a religião? Fico por
aqui, agradecendo desde já pela atenção.

Um abraço,

Marcelo Wick

kritya@bol.com.br

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Tocqueville e o totalitarismo

Resposta de Olavo de Carvalho

Sua pergunta é enormemente complicada, pois não existe "a" religião, e


sim uma multidão de fenômenos diversos e às vezes heterogêneos que
recebem nome. Já no próprio exemplo que você cita, o puritanismo é
uma dissidência de uma dissidência, uma espécie de cristianismo de
terceiro grau, e como tal evidentemente haverá pontos de semelhança e
de diferença entre ele e o tronco remoto do qual proveio.

De modo geral, a idéia de um controle total do governante sobre os


indivíduos só aparece realizada nos antigos impérios "cosmológicos" ~
Egito, Babilônia, China. Já em Platão (República), a vaga recordação de
um Estado "perfeito" na qual parecem flutuar resíduos do modelo
egípcio é projetada para o futuro, ou para um tempo abstrato: a u~topia
é também u~cronia. A idéia reaparece no Renascimento, insuflada pela
onda de nostalgia platônica e pitagórica. Vem tingida de três novas
nuances: a ciência matematizante da natureza, a autoconfiança
prometéica no poder do homem e a influência de seitas gnósticas
persuadidas de que o mundo criado é o mal e deve ser substituído por
um mundo inventado pelo homem. Eric Voegelin (History of Political
Ideas) assinala ainda o impacto que as vitórias de Tamerlão tiveram
sobre a mente ocidental, promovendo a imagem do governante todo-
poderoso que, pela sua força, engenho e sorte, se coloca acima do bem e
do mal (tal a origem do Príncipe de Maquiavel). A influência conjugada
das seitas gnósticas e da nova mitologia do rei onipotente está na
origem das idéias modernas de absolutismo e de razão-de-estado, sem

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Tocqueville e o totalitarismo

as quais a possibilidade de um controle oficial sobre as vidas dos


indivíduos não é sequer pensável.

Daí por diante, fica difícil distinguir, na ascensão do domínio oficial


sobre os homens, o que é de origem estatal, o que vem das autoridades
religiosas. O que é certo é que tanto aquele quanto estas já estavam sob
o domínio de concepções que não têm nada a ver com o cristianismo tal
como conhecido antes disso. Também é certo que, pelo lado oficial, o
"ancien régime", mesmo intoxicado de razão-de-estado, conservou
muitas das liberdades medievais pelo menos até a Revolução Francesa.
Ninguém compreenderá a brutal diferença entre a liberdade antiga e a
tirania moderna se não souber que a idéia mesma de uma lei uniforme
para todos os habitantes de um território nacional só se implantou com
a Revolução; que, antes disso, a diversificação em direitos regionais e
municipais, prerrogativas de casta, de ofício, de família, etc. era tão
complexa que nenhum governante nacional podia sequer sonhar em ter
sobre a população o controle que desde então se tornou coisa banal e
corriqueira; é à luz de uma ilusão retroprojetiva que "leis como a pena
de morte para os adúteros, separação das crianças dos pais que não as
colocavam na escola, passando a guarda para a sociedade, e até leis
que proibiam o tabaco", para citar os seus exemplos, adquirem alcance
comparável aos controles exercidos por governos modernos, seja
ditatoriais, seja mesmo democráticos. Só a título de comparação, note
que o governante mais poderoso do "Ancien régime", Luís XIV, para
formar um exército de 140 mil homens, o maior da Europa então, teve
de ir pessoalmente de cidade em cidade implorar que as pessoas se
alistassem, ao passo que o governo da Revolução recrutou um milhão de

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Tocqueville e o totalitarismo

soldados em poucas semanas implantando o serviço militar obrigatório


e a pena de morte para os recalcitrantes. Outro exemplo: até o
Renascimento, os papas não tinham sequer a autoridade de nomear os
bispos, que eram escolhidos por negociações locais. Outro ainda: a
posição dos judeus na sociedade, durante toda a Idade Média, variava
de cidade para cidade, numas vigorando sua exclusão dos cargos
públicos, noutras esses cargos sendo praticamente monopolizados por
eles. Não resta dúvida: o controle central é, no Ocidente, invenção
moderna. À luz desse fato, não tem sentido atribuir o mesmo peso a
uma lei moderna e a uma lei antiga cujo conteúdo verbal seja
semelhante. A idéia mesma de uma lei uniforme para toda a nação surge
por obra dos humanistas, que promovem a restauração do Direito
Romano com sua concepção de unidade sistêmica, totalmente ignorada
na mixórdia do direito local e consuetudinário vigente na Idade Média.
Ora, sem lei uniforme é contra-senso falar de totalitarismo. Não deixa
de ser elucidativo que o país europeu que mais se conservou imune a
qualquer tentação totalitária, a Inglaterra, fosse também aquele que
mais conservou os direitos medievais, por confusos que fossem,
preferindo a confusão da variedade ao risco de uma unidade tirânica.

Que pudesse haver tiranias locais e diferenças de maior ou menor


autoritarismo de época para época é um fato que não as torna de
maneira alguma "sementes" do totalitarismo moderno, pois não há
relação causal ou continuidade entre uma coisa e outra. Quando mais
não fosse, pela razão seguinte: nenhuma dessas tiranias jamais se
legitimou através de uma teoria, de uma doutrina, que pudesse
permanecer após o fim do regime e influenciar as gerações seguintes. A

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Tocqueville e o totalitarismo
continuidade de um "modelo" supõe a continuidade da sua fórmula
ideal, e a fórmula ideal do governo absoluto só surge mesmo no
Renascimento, vinda da fusão do novo modelo do déspota oriental, que
enfeitiçava todas as consciências, com o princípio de ordenação racional
trazido pelo direito romano e pelas novas concepções científicas. O
totalitarismo no fim das contas é isso: despotismo científico. Quando
Tocqueville assinala o parentesco entre o totalitarismo e a ilusão de
saber tudo, ele acerta na mosca: sem a idéia da ciência total não há
legislação total, nem portanto governo totalitário.

A resposta, portanto, é não. Não há em toda a história ocidental antes


do Renascimento nada que se assemelhe ao totalitarismo moderno.

01/05/00

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Missão cumprida

Missão cumprida

Olavo de Carvalho
Folha de S. Paulo, 10 de Maio de 2000

Diante do que expliquei sobre a esquerda e as drogas na Folha de 24 de


abril, Marilene Felinto, enfezada criaturinha empenhada em mostrar
serviço à ortodoxia ascendente, ligou sua máquina de denunciar e, nas
linhas que consagrou à minha pessoa em 2 de maio, informou às
autoridades do futuro Brasil socialista que sou perigoso, fascista,
racista, homofóbico e extrema-direita, além de espírito de porco,
paranóico, péssimo filósofo e falso desmascarador do discurso alheio -
tudo isso sic.

Como ela usasse outros parágrafos do seu artigo para despejar de


quebra um pouco de bile sobre o governador Garotinho e aproveitasse o
restante para louvar a beleza, o charme e demais qualidades que
compõem a seus olhos o sex appeal do traficante Marcinho VP, assim
como para enaltecer os dons intelectuais que fazem do gatíssimo
estuprador e assassino um profundo filósofo, compreende-se que não

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Missão cumprida

lhe restasse espaço para dizer o que, afinal, havia de errado nos meus
argumentos. Mas é claro que ela jamais teve a intenção de fazê-lo. Porta-
vozes de uma hidrofobia coletiva não têm de apresentar razões.
Convocam a massa enraivecida, apontam com o dedo um suspeito,
gritam o nome do candidato à guilhotina, e pronto. Missão cumprida. O
nome do inimigo está registrado: no dia da vingança, não escapará.
Marilene Felinto pode ir dormir em paz, sonhando cenas de amor
bandido com Marcinho VP.

Não vou portanto discutir com a temível senhorita. Não vou tentar
juntar, para examiná-los como se fossem coisa lógica, os cacos de um
pensamento que expressa apenas uma personalidade errática e
fragmentária, capaz de buscar no ódio projetivo a bodes expiatórios o
alívio factício das paixões inconciliáveis que lhe atormentam a alma.
Aristóteles já alertava para a incongruência de debater com incapazes.
Não vou prostituir a arte da lógica tentando fazê-la valer contra uma
mente desconjuntada que, imediatamente após me atribuir um
"simplismo direita-esquerda", sai me acusando logo de quê? De
"direitista"! Nem vou tentar me explicar a alguém que ignora
completamente os fatos em questão, ao ponto de imaginar que a ajuda
das esquerdas à disseminação das drogas é mera opinião minha e não
um fato notório reconhecido por quem quer que tenha vivido a década
de 60 ou lido alguma coisinha a respeito.

O desprezo pela razão e a arrogância de opinar sem o mínimo


conhecimento do assunto definem inconfundivelmente o incapaz a que
se refere Aristóteles. Porém a Felinto realiza ainda com mais perfeição a
essência da inépcia, na medida em que nem mesmo entende o que lê,

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Missão cumprida

pois me acusa de "ver esquerda e direita em tudo" justamente porque


escrevi que um ex-ministro enxergou esquerda e direita num caso onde
essas categorias eram totalmente descabidas. Aí o conselho do Estagirita
já não expressa mais uma simples conveniência prática, mas uma
necessidade lógica imperiosa: se uma pessoa não pensa, não sabe do
que fala e não compreende o que lhe dizem, discutir com ela é não
apenas inútil, mas impossível.

Diante de tanta estupidez, não vale nem a pena examinar o artigo dessa
moça pelo lado moral. Não vou me entregar à faina inglória de remexer
as trevas, contemplando a baixeza inominável de uma mentalidade da
qual sua portadora, desprovida do dom da consciência, decerto se
orgulha. Também não vale a pena protestar em vão contra a frivolidade
monstruosa que, na volúpia de insultar, apela a imputações criminais de
extrema gravidade - tão artificiosas, tão deslocadas de seu alvo, que não
chegam a ter sequer a inocente dignidade do ridículo e são apenas, no
fim das contas, uma coisa disforme e triste, uma esquisitice gratuita e
deplorável.

Não me resta portanto muito o que dizer. Quero apenas registrar que
Marilene Felinto cumpriu sua tarefa, a seus olhos talvez a mais alta a
que um ser humano possa aspirar. Ela ergueu-se no meio da praça e
apontou um suspeito. Não é para isso, afinal, que servem os jornalistas?
Quando o Brasil tiver um governo comunista, ela poderá exibir seu
artigo às autoridades e reivindicar aposentadoria especial por seus
relevantes serviços de alcagüetagem de inimigos do povo.

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Missão cumprida

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Sintomas

Sintomas

E-mail enviado à Folha de S. Paulo em 15 de Maio de 2000.

A propósito das cartinhas de Eduardo Longo e Maria Isabel Brunacci,


publicadas nesse jornal nos dias 11 e 12 respectivamente.

Senhor Redator:

A constância obsessiva com que expressões de repugnância física - asco


e desejos de vômito - aparecem nos protestos das pessoas que me
odeiam é para mim um motivo de lisonja e satisfação. Assinala que,
diante dos meus escritos, essas criaturas se vêem privadas do dom de
argumentar. Paralisada a sua inteligência pela obviedade do
irrespondível, vem-lhes o impulso irrefreável de uma reação física. Já
que lhes arranquei a língua, querem sair no braço. Mas, como bater em
mim seria ilegal e ademais as exporia à temível possibilidade de um
revide, a última saída que lhes resta é voltar contra seus próprios corpos
o sentimento de raiva impotente que as acomete, donde resulta todo um

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Sintomas

quadro sintomatológico de diarréia, tremores, cólicas e convulsões. Não


suportando passar sozinhas por tão deprimente experiência clínica,
apressam-se então em registrá-la por escrito e publicá-la na Folha de S.
Paulo, na esperança de que alguém mais forte, revoltado ante a exibição
de tanto sofrimento, dê cabo do malvado autor que as deixou nesse
estado miserável.

Como esse anseio não se realizará, o que se recomenda para o momento


é o tratamento de praxe com soro fisiológico para contrabalançar a
perda de fluidos vitais.

Olavo de Carvalho

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O sono de um justo

O sono de um justo

Olavo de Carvalho
Zero Hora, Porto Alegre, 20 de Maio de 2000

Uma vez o sr. João Pedro Stedile disse que ninguém compreendia o
MST, entidade “sui generis” avessa a todas as classificações. Apressei-
me a contestá-lo, proclamando que não via ali nada que não fosse
rigorosamente igual à estrutura dos sovietes – um movimento
revolucionário empenhado em tomar pela força grandes parcelas do
território e instalar nelas uma administração paralela que acabaria por
se substituir aos órgãos do Estado.

Hoje percebo que levei em conta só a parte de cima, a cúpula e a


organização do movimento, sem prestar atenção na sua base: a origem
social e a mentalidade de seus militantes. Pintei o MST com as feições
do sr. Stedile, sem reparar que o barco podia carregar passageiros bem
diferentes da carranca que lhe servia de proa.

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O sono de um justo

Uma pesquisa recente dos órgãos de segurança demonstrou que a


maioria dos militantes do MST não só acredita em propriedade privada
da terra como também a deseja ardentemente para si. A horda de
deserdados não sonha em atear fogo no mundo, num paroxismo de
vingança suicida, mas em conquistar a plácida estabilidade de uma
pequena-burguesia rural.

Minhas observações sobre a ideologia e a estratégia do movimento


continuam válidas, mas com significação alterada no quadro maior que,
infelizmente, percebi com atraso. Tal como avaliei no início (cinco anos
antes de que a imprensa em geral desse o primeiro sinal de percebê-lo),
o MST não luta por terras, e sim por uma revolução comunista. A
diferença é que o faz usando militantes que não têm a menor idéia do
abismo que existe entre suas aspirações pessoais e a estratégia adotada
nominalmente para atendê-las. Sim, o MST é “sui generis”: é um
exército comunista composto de adeptos do capitalismo. A prova de que
o objetivo da estratégia traçada pelos seus líderes não é a posse de terras
está no fato de que, quanto mais terras lhes dão, mais eles se revoltam,
mais se ampliam suas ambições e mais descaradamente político-
ideológico se torna o seu discurso. Ademais, quem quer terra trata de
cuidar dela quando a adquire, e o MST vai deixando no seu rastro acres
e mais acres na devastação e no abandono (isto quando não destrói a
obra já pronta nas fazendas que usurpa), enquanto parte para a
ocupação de prédios urbanos que, por definição, não poderiam servir de
moradia para lavradores instalados a milhares de quilômetros de
distância.

Se essa estratégia aumenta formidavelmente o poder e a capacidade

http://www.olavodecarvalho.org/textos/justo.htm (2 de 3)16/4/2007 09:58:38


O sono de um justo

intimidatória da liderança emeessetista, o fato é que ela leva o


movimento para longe de seus objetivos declarados de início. Ela adia a
realização dos sonhos de milhares de agricultores pobres para o dia em
que o sr. Stedile, elevado à condição de governante da futura República
Socialista Soviética do Brasil, tendo liquidado todos os inimigos de
classe e derrubado todos os obstáculos internos e externos à construção
do novo regime (uma operação que na URSS durou oitenta anos e nunca
terminou), tenha enfim, numa tarde estival, na varanda de sua “dátcha”,
os lazeres de um ditador bem sucedido e possa voltar seus olhos para o
passado, tentando puxar do limbo do esquecimento a resposta a uma
pergunta evanescente: o que era que queriam mesmo aqueles velhos
companheiros que o ajudaram, com tantos sofrimentos, a alcançar tão
alta glória? Mesmo que ele encontre a resposta, o que será um feito
notável em tão avançada idade, não será mais preciso lhes dar terras
neste mundo, pois já as terão com abundância no outro. E o sr. Stedile,
com as pálpebras pesadas do esforço de memória, tombará lentamente
no sono dos justos, com a consciência tranqüila de só não ter feito
aquilo que o tempo tornou desnecessário.

19/05/00

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Caros umbigos

Caros umbigos

Este texto não me pareceu caber em nenhuma das publicações para as


quais tenho escrito. Ficou portanto na gaveta, ou melhor, no HD, de
onde sai agora direto para esta homepage. - O. de C.

A revista Caros Amigos, de certo sucesso nos últimos tempos, é um


mostruário significativo das idéias dominantes na intelligentzia
nacional. Como essas idéias não são muitas, um exame da coleção
completa basta para por à mostra o inteiro horizonte de consciência
dessa gente – um quadro que se notabiliza menos pelo que abrange do
que pela imensidão do que deixa fora.

A seleção é, em parte, intencional. Se personalidade quer dizer


constância nas escolhas e rejeições, poucas publicações podem se gabar
de ter tanta personalidade. Redatores, colaboradores e até entrevistados
solidarizam-se num fundo de concordância ao qual a discussão de
divergências menores dá o colorido que faz a unanimidade parecer

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Caros umbigos

menos de convicções que de atitudes. Isto revela a felicidade na escolha


do nome, destinado a vender a imagem da intelectualidade progressista
como um círculo de pessoas maravilhosas unidas espontaneamente pela
força atrativa de suas virtudes e de seus encantos. Um espírito de
companheirismo informal, sublinhado pelo estilo solto e popularesco da
linguagem, dá uma tremenda força de sedução persuasiva à idéia
subjacente de que todas as pessoas boas e inteligentes fazem parte da
patota e se amam perdidamente.

Os jornalistas mais velhos não terão dificuldade em reconhecer aí a


ampliação em escala nacional da atmosfera reinante na equipe da velha
Realidade, da qual algumas estrelas brilham agora em Caros Amigos
como numes tutelares a perpetuar o espírito da coisa. O culto do umbigo
comum permitiu que essas pessoas permanecessem unidas ao longo de
três décadas, acumulando um sentimento de identidade grupal tão forte
que um dia pôde finalmente transbordar do círculo originário para
abarcar toda a intelligenzia.

A destreza com que se reproduz essa imagem de edição em edição


produz três efeitos bem previsíveis. O primeiro é a automática obtenção
da cumplicidade do leitor: atraído pelo convite de juntar-se aos bons
para ser um deles, ele logo se incorpora espiritualmente ao time,
adquirindo por procuração o estatuto de pessoa maravilhosa.

O segundo incide sobre os infelizes que caiam no desagrado da patota.


Num ambiente só de gente linda, qualquer feiúra, por mínima que seja,
forma um contraste chocante. Ser reprovado pelos Caros Amigos não é
ser criticado na imprensa: é ser expelido da esfera da bondade e do

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Caros umbigos

diálogo, é ser excomungado, é ser rejeitado para as trevas exteriores


onde tudo é inominável malícia e perversidade. Para complicar ainda
mais a situação da vítima, a referência pejorativa aos de fora é feita com
aquela desenvoltura de quem se dirige a um círculo de entes queridos
que não levam nada a mal. Expressões como "canalha", "ladrão" e "f. da
p." (por extenso) podem ali ser usadas com a maior inocência, porque
ninguém tem a impressão de estar falando em público. O impacto
conjugado da intenção e do estilo é mortífero: ai daquele que é odiado
em comum pelos que se amam uns aos outros.

O terceiro efeito recai sobre os próprios orquestradores da operação. No


ambiente de fusão solidária, as contradições mais explosivas podem ser
abrigadas sem dar na vista. Eis como a coisa funciona. O programa geral
e o vocabulário são ferozmente antiglobalistas e nacionalistas. Caros
Amigos seria, no panorama de neoliberalismo e Nova Ordem Mundial,
um emblema de resistência minoritária correspondente ao que foram,
na ditadura militar, O Pasquim ou Movimento. Graças ao milagre da
unidade sentimental, no entanto, ninguém estranha que ali apareça,
encarnando a resistência nacionalista, nada menos que a dupla Boff &
Betto, composta de um adepto confesso do poder global e de um notório
apologista da New Age, ideologia oficiosa da Nova Ordem Mundial.
Também ninguém vê nada de mais em que a guerrilha cultural
nacionalista dê o maior apoio a movimentos indígenas que lutam pela
transferência de parcelas do nosso território para as mãos de solícitos
administradores multinacionais.

Suprimidas da festinha as discussões sobre esses tópicos desagradáveis,


o antiglobalismo de Caros Amigos reduz-se a uma retórica feroz

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Caros umbigos

dirigida contra alvos perfeitamente inócuos. Da Nova Ordem Mundial,


só dois componentes podem ser atacados à vontade: o governo FHC e a
velha imagem do Tio Sam já fartamente demonizada pela esquerda
nacionalista dos anos 50. O primeiro, coitado, por mais que distribua
propaganda marxista para as crianças através do MEC, consta como o
emblema mesmo do direitismo hidrófobo só porque diz amém a Bill
Clinton e Tony Blair, ídolos das esquerdas nas suas respectivas pátrias.
Quanto à segunda, os Amigos estão confiantes em que lutar contra o
globalismo é descer a lenha no puritanismo, nos Founding Fathers e em
tudo quanto de tradicional e americano vem sendo arrasado pela
ideologia politicamente correta da Nova Ordem Mundial. A Nova
Ordem, penhorada, agradece: com inimigos como esses, quem precisa
de amigos?

Mas, para não dizer que não inovou em nada, um dos últimos números
de Caros Amigos, pelas mãos de Gilberto Felisberto de Vasconcellos,
traz ao arsenal nacionalista uma descoberta extraída das obras de Silva
Mello e destinada a abalar os alicerces do poder global: se os
americanos são mais altos, nós temos o peru maior. No mínimo, isso
prova de que é injusto acusar o time de ficar olhando somente para o
próprio umbigo: ele olha também o que está logo abaixo.

22/05/00

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Filósofo acidental

Filósofo acidental

Entrevista de Olavo de Carvalho a Rachel Bertol


Publicada em O Globo em 25 de maio de 2000

Ano passado, Olavo de Carvalho recebeu o telefonema de um militante


de esquerda avisando que havia um complô para assassiná-lo. Filósofo
autodidata e autor de livros como "O imbecil coletivo", que causou ira
em segmentos da intelectualidade, Olavo ficou assustado. Mesmo sem
saber se a informação era verdadeira, aceitou o convite de um amigo

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Filósofo acidental

para trabalhar na Romênia. Ficou quatro meses fora e na volta não


deixou a pena cair: continuou a escrever, diariamente, suas apostilas,
tratados de filosofia, críticas agudas à política, aos intelectuais, à
imprensa. Agora, oferecerá um pouco de sua verve aos leitores do
GLOBO, escrevendo semanalmente a partir deste sábado na página 7 do
jornal. Também estreará na revista "Época".

- Posso até ser um polemista, mas não é este o centro das minhas
atenções. Estou contente com essas novas colaborações. Serão oito
artigos por mês, em que falarei de assuntos variados, não só dos
polêmicos. Terei espaço para explicar minhas posições - afirma Olavo,
de 53 anos, e que só há cinco começou a se lançar em controvérsias
públicas, quando seu desentendimento com a Sociedade Brasileira para
a Pesquisa Científica (SBPC) ganhou ampla cobertura na imprensa.

Um comitê da entidade rejeitara a publicação de um trabalho seu sobre


Aristóteles com argumentos cujas críticas Olavo passou a distribuir
encartadas na apostila de aula. Em pouco tempo, o caso virou notícia.
Nessa época, publicou por insistência do poeta Bruno Tolentino seu
primeiro livro de filosofia, "O jardim das aflições - de Epicuro à
ressurreição de César: ensaio sobre o materialismo e a religião civil".

Prazer e divertimento
na esgrima intelectual

A fama de polemista cresceu com a publicação de "O imbecil coletivo",


em 1997, uma reunião de críticas ao tratamento dado à cultura nos
jornais.

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Filósofo acidental

- Fazia anos eu acompanhava o movimento intelectual brasileiro e via


uma decadência acentuada cada vez que abria o suplemento de cultura
de um jornal. Eram publicadas coisas de um primarismo que há 20 anos
não seriam aceitas no ginásio - afirma Olavo, que contesta o tipo de
reação que causou. - Por que não podemos ser contra uma, duas, três ou
20 coisas ao mesmo tempo? Mas no Brasil, se somos contra algo, cria-se
logo a idéia de que somos a favor do seu contrário.

A principal crítica à esquerda e aos intelectuais brasileiros em geral


refere-se à falta de rigor que advém, segundo Olavo, do pensamento
ideológico, modelo concebido a partir de Gramsci. A expressão "imbecil
coletivo" é uma paródia do intelectual coletivo proposto pelo filósofo
italiano.

- O pensamento ideológico não quer saber da realidade, mas busca


produzir acontecimentos. Todo o conhecimento vira pretexto para
forçar acontecimentos. Sou contra o próprio Gramsci, culpado dessa
concepção que abre a porta ao vale-tudo. A ideologização da cultura
imbecilizou as pessoas. No século XX, o malefício do pensamento
ideológico é contado em milhões de mortos.

Na raiz da sua crítica, porém, não há apenas indignação. Olavo confessa


ter prazer com a esgrima intelectual.

- Divirto-me um bocado. Enquanto escrevo, fico rindo, prevendo como o


adversário ficará bravo e será em vão. Nunca tive raiva de ninguém
nesse negócio. Mas se o sujeito quer virar objeto de gozação, a gente faz
isso - afirma ele rindo.

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Filósofo acidental

Olavo não se diz de direita, mas gostaria que houvesse um partido de


direita no país, "pela democracia". A política brasileira, na sua visão, é
hoje um jogo exclusivo de partidos de esquerda. Nos artigos do GLOBO,
discutirá essas opiniões e questões que o inquietam e são temas dos
livros em preparação. Em "O olho do Sol", já com 700 páginas, busca
fundamentar a idéia de evidência científica; em "Ser e poder: a questão
fundamental da filosofia política", até o momento com 200, apresenta
uma nova definição do poder. Sua homepage (http://www.
olavodecarvalho.org/) é uma boa porta para se entrar em contato com
esse universo.

Olavo diz que o saber foi sua única ambição. Na adolescência, vivia com
a deprimente sensação de nada entender. Na escola, a biologia e o latim
foram seus únicos interesses, por influência de dois ótimos professores.
Quando, aos 17 anos, começou a trabalhar em jornal - no "Notícias
populares", de São Paulo - e filiou-se ao Partido Comunista, sentiu um
buraco em sua formação. Freqüentou como ouvinte aulas na PUC e na
USP, mas se decepcionou.

- Tive uma impressão de carência: eu precisava me educar e não


encontrava educação à altura do que queria. Faltava-me um abismo de
conhecimento e nas aulas não aprenderia nada - conta Olavo, que então
decidiu traçar um programa individual de estudo.

Ao jornal, precisava dar apenas cinco horas por dia e o resto do tempo
passou a ser ocupado com aulas de cinema, teatro e muita leitura.
Formou pouco a pouco uma biblioteca que refletia o desenvolvimento

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Filósofo acidental

histórico das disciplinas que elegera: filosofia, estudos literários e


religiões comparadas. Ao longo dos anos e das mudanças - teve oito
filhos em três casamentos - vendeu quatro bibliotecas, com cerca de 15
mil volumes no total.

- Na ditadura militar, com muitos amigos presos, torturados, mortos,


percebi que o Brasil ia ladeira abaixo para as trevas. Achei que o melhor
era me retirar e estudar para entender o que se passava. Isolei-me dos
20 aos 47 anos.

A astrologia da Idade Média como base

Com o tempo, diminuiu a atividade jornalística para se dedicar mais aos


cursos, os Seminários de Filosofia, que dá duas vezes por mês no Rio e
em São Paulo. Calcula ter tido cerca de cinco mil alunos e escrito umas
dez mil páginas. A filosofia veio por contingência.

- Quando quis estudar, estava resolvendo um problema pessoal. A


perspectiva profissional em filosofia é muito prejudicial. Quando se
quer virar filósofo ou professor de filosofia, estuda-se já com esse canal,
como se fosse uma profissão. Mas a filosofia não é essencialmente isso,
ela é acidentalmente isso. A filosofia é sobretudo um saber, uma
consciência que se adquire.

A visão de mundo de Olavo tem raiz no mergulho que fez aos 30 anos na
cultura da Idade Média, época que estudou por mais de dez anos,
aproveitando seus conhecimentos de latim. Ele diz-se aficionado por
astrologia.

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Filósofo acidental

- Sem conhecer astrologia não se conhece nada da cultura medieval.


Quis estudar a simbólica daquela época.

Durante um tempo, dedicou-se aos estudos islâmicos - aprendeu árabe e


recita trechos do Alcorão - e ganhou um prêmio na Arábia Saudita em
1985 por um livro de 200 páginas (não publicado) sobre Maomé, no
qual usou os conhecimentos da simbólica medieval para interpretar
episódios da vida do profeta. Pratica o cristianismo, mas afirma que
ficaria à vontade para professar o islamismo. Isso porque, na sua
opinião, cristianismo, islamismo e judaísmo têm no fundo o mesmo
objetivo. A existência de Deus é para Olavo uma obviedade suprema, a
base fundadora de tudo.

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Uma experiência com o Santo Daime

Notas do Seminário de Filosofia

Uma experiência com o Santo Daime

Já faz uns meses que saiu, em República, a narrativa do sr. Otávio Frias
de Oliveira Filho de suas experiências com o Santo Daime, das quais
saiu mais cético do que nunca.

Como o assunto é de muito interesse para meus alunos, acho que não é
tarde para fazer, em torno desse relato, algumas observações, a primeira
das quais é a própria expressão da minha surpresa ante o fato de que
um cético esperasse obter, da ingestão de uma substância alucinógena –
acompanhada ou não da audição de pregações sobre suas supostas
virtudes revelatórias – alguma conclusão válida a respeito dos
fenômenos espirituais e místicos em geral.

Transes induzidos por drogas simplesmente desligam algumas defesas


pragmáticas habituais e deixam o sujeito voando, durante uns minutos,
pela variedade de mundos que sua fantasia possa criar com

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Uma experiência com o Santo Daime

reminiscências de leituras, imagens soltas na memória e sensações


ampliadas. Isso tem tanto a ver com o conhecimento espiritual quanto
um bebê fazer pipi na fralda tem a ver com o Kama-Sutra. O que um
sujeito consegue com tais "experiências" é apenas danar a pouca aptidão
que ainda lhe reste para conhecimentos dessa ordem, e eu gostaria que
este meu aviso chegasse ao sr. Otávio Frias Filho em tempo de preservá-
lo desse efeito.

O conhecimento espiritual é bem alheio a qualquer gênero de


"experiências", principalmente porque reside na aquisição, espontânea
ou voluntária, de uma nova maneira de ser geral e permanente que, por
isto mesmo, não pode ser objeto de sensação ou experiência tanto
quanto a personalidade mesma, considerada em conjunto, jamais o é.

Essa nova maneira também pouco tem a ver com mudanças exteriores
na conduta ou nos sentimentos, mas se manifesta não raro por efeitos
de ordem bem sutil e pouco perceptíveis ao meio, como por exemplo a
aquisição de um discernimento intelectual fora do comum, da
compreensão imediata e intuitiva do sentido das Escrituras, da
capacidade de aplacar instantaneamente ódios e temores, de discretos
dons curativos, etc., conforme a variedade inesgotável das propensões
individuais.

Do ponto de vista cognitivo, a mudança consiste principalmente num


"recuo" que permite a seu beneficiário olhar a vida presente numa outra
escala. Um de seus mais óbvios e primários sinais é o "sentido de
eternidade", que, para encurtar a explicação, direi que é a capacidade de
enxergar o fluxo do tempo como se fosse um círculo, onde cada ponto

http://www.olavodecarvalho.org/textos/daime.htm (2 de 6)16/4/2007 10:07:06


Uma experiência com o Santo Daime

está ligado a um centro que por sua vez não flui (não confundir com o
"eterno retorno", que é apenas a aparência materializada e caricatural
que essa noção adquire para quem a conhece apenas por seus reflexos
no imaginário).

Essa aquisição - e o sentido de eternidade é apenas um primeiro passo


numa série potencialmente ilimitada de conquistas espirituais - nada
tem a ver com "vivenciar uma experiência". Ela é um modo de ser no
qual, sem qualquer mudança sensível, a consciência do homem
espiritual é incorporada e potencializada de maneira permanente e
mesmo imperceptível a não ser por seus efeitos a longo prazo. A
distância que isso guarda de toda "experiência" é similar àquela que
existe entre um animal pintado na tela e um animal vivo.

Uma outra característica do conhecimento espiritual é o seu caráter


imediato, incontestável e nítido, que torna desnecessária qualquer
explicação suplementar e, ao contrário, produz a capacidade de explicar
de maneira perfeitamente clara - a quem conheça a mesma linguagem
por outras fontes, é certo - uma infinidade de coisas que o próprio
sujeito antes não sabia nem imaginava. O conhecimento espiritual é
freqüentemente descrito como luz sobre luz, ou como uma luz dentro de
outra luz, precisamente porque nada tem de enigmático mas é a solução
de muitos enigmas exceto o derradeiro, que é o mistério de sua
claridade mesma. Visões e sonhos, em si, nada têm de espiritual,
podendo ser apenas, acidentalmente, o veículo psíquico - e quase
"corpóreo" - que transporta o conhecimento. A maior parte dos
conhecimentos espirituais se transmite sem qualquer imagem ou
sensação. O teste decisivo é aquilo que fica, aquilo que se incorpora na

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Uma experiência com o Santo Daime

alma como evidência intuitiva permanente, pouco importando o canal


psíquico do qual tenha se aproveitado casualmente ou mesmo a
completa ausência de um canal identificável. O sr. Otávio Frias, que saiu
da sua experiência carregando todas as dúvidas com que entrou, deve
portanto estar ciente de que sua "experiência" não teve nada de
espiritual e consistiu apenas de uma excitação neuronal momentânea.

Mas que nada tenha tido de espiritual não quer dizer que seja nula do
ponto de vista dos efeitos espirituais que dela podem resultar para o
sujeito do experimento, que neste caso se diria mais propriamente sua
vítima. Pois uma das marcas características da pseudo-espiritualidade é
precisamente o contraste patético entre a intensidade psíquica
hipertrófica das vivências subjetivas e o seu resultado cognitivo dúbio
ou irrelevante.

Que para pessoas muito presas às limitações da percepção pragmática


vulgar uma experiência desse tipo possa ter às vezes um impacto
desestruturante, eventualmente benéfico pelo fato de abrir seu
pensamento à concepção de possibilidades mais amplas de
conhecimento, é coisa que não se pode negar. Mas, de um lado, esse
efeito consiste apenas numa oportunidade de mudar de opinião, o que
está longe de ter qualquer alcance espiritual por mínimo que seja, e, de
outro lado, o mesmo resultado pode advir de qualquer experiência
inusitada, como uma doença grave, um perigo de morte ou uma paixão
amorosa intensa.

Uma época em que essas experiências, por si, adquirem o prestígio do


"espiritual" (ao ponto de a inevitável constatação da sua inocuidade

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Uma experiência com o Santo Daime

servir de argumento em favor do materialismo), é uma época em que


uma mentalidade pueril se assenhoreou de todas as consciências,
dividindo-as entre uma credulidade sonsa e uma suspicácia apedêutica,
que não podem sair do materialismo puro e simples senão para cair
naquilo que o Dalai-Lama chamou "materialismo espiritual", e do qual
certamente a proposta do Santo Daime é amostra típica e inconfundível.

Nunca é demais lembrar que, se para as classes letradas de hoje essas


questões de espiritualidade são uma selva selvaggia onde só penetram
a medo e com emoções de noviças setecentistas ante um livro picante,
outras culturas, antes da nossa, tiveram extensa prática nesses domínios
e deixaram seus conhecimentos registrados em obras que um homem
informado, se deseja opinar nessa área, não deve ignorar. A tipologia
das experiências interiores, por exemplo, é assunto arquiconhecido dos
que se dedicam a estudos teológicos, mesmo dentro do campo católico
que não está a uma distância inacessível do nosso meio, mas ao qual
tantos hoje sonegam atenção por presumir, ingenuamente, que por
milagre nasceram providos de um nível de consciência superior que
remete a uma desprezível "idade das trevas" toda a tecnologia espiritual
das épocas que tiveram uma, e principalmente (argh!) a católica.

Para tirar dessa ilusão quem nela esteja. recomendo a leitura de um


manual elementar que ainda umas décadas atrás era estudado em todos
os seminários, e que versa sobre o "discernimento dos espíritos", isto é,
a ciência de distinguir a fonte humana ou biológica, angélica ou
demoníaca de nossas "experiências" interiores. Trata-se de Les
Phénomènes Mistiques Distingués de leurs Contrafaçons Humaines et
Diaboliques, de Mons. Albert Farges, Paris, Maison de la Bonne Presse,

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Uma experiência com o Santo Daime

1920. O fenômeno Leonardo Boff, por exemplo, explica-se inteiramente


pela supressão desse tipo de estudos do programa dos seminários.

Há milhares de obras similares de origem budista, islâmica, judaica etc.,


atestando a existência de um consenso mundial a respeito das
estruturas do universo espiritual, e uma gigantesca antologia foi reunida
por Whitall N. Perry em A Treasury of Traditional Wisdom, Pates
Manor, Bedfont, Middlesex, Perennial Books, 1981, a cujo estudo seria
bom que o sr. Otávio Frias Filho - ou qualquer outro interessado - se
dedicasse atentamente antes de se entregar a novas "experiências".

Olavo de Carvalho

06/06/00

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A filosofia não é para os tímidos

A filosofia não é para os tímidos

Entrevista de Olavo de Carvalho a Zora Seljan


Jornal de Letras, da Academia Brasileira, julho de 2000

1- O que é ser filósofo?

É acreditar piamente na capacidade humana de compreender a


realidade -- e apostar a vida nessa crença. A apoteose da razão começa
com um ato de fé. Hegel já dizia isso: sem a fé no poder do espírito,
nada de investigação filosófica. A filosofia, como o reino dos céus, não
foi feita para os tímidos e recalcitrantes. Mas a essa primeira aposta
segue-se um compromisso, que é o de nada ignorar da realidade
propositadamente. O filósofo tem de abrir-se inteiramente à variedade
dos fatos que se apresentam, sem se refugiar em explicações
prematuras. Em vez de inventar explicações, tem de esperar que a
realidade as sugira e as comprove, mesmo que, nessa espera, ele
arrisque ficar quase louco na confusão dos dados. Por isso não gosto de

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A filosofia não é para os tímidos

chamar os filósofos de "pensadores". Pensar é fácil. O difícil é pensar as


coisas como são – e para isto é preciso contrariar muitas vezes o nosso
pensamento, obrigá-lo a ir para onde não quer. Por isso, também, não
vejo diferença substancial entre filosofia e ciência. As ciências são
apenas estabilizações provisórias de certas investigações filosóficas,
para as quais se encontrou um método consensual que pode ser
praticado uniformemente por toda uma comunidade, mas que, de
tempos em tempos, são dissolvidas de novo no mar do questionamento
filosófico profundo.

2- Como vê a situação atual dos estudos filosóficos no Brasil?

Desastrosa, embora menos do que seria de esperar. Revistas como a


"Presença Filosófica", a "Revista Brasileira de Filosofia" e a "Síntese" de
Belo Horizonte (que não sei se ainda circula) salvam a nossa honra.
Mas, no geral, o que se vê é empulhação ideológica mais rasteira
dominando o cenário. Só para dar um exemplo: a capacidade quase
instintiva para distinguir entre um conceito e uma figura de linguagem é
a marca do talento para os estudos filosóficos, a condição inicial para o
ingresso na filosofia. Nossos filósofos acadêmicos mais badalados,
depois de décadas de estudo, ainda não adquiriram essa habilidade
elementar. Só se ocupam de espalhar entre os alunos a confusão e a
obscuridade de suas almas toscas, e compensam sua miséria interior
mediante a participação exibicionista em campanhas políticas. O pior é
a moda da filosofia para crianças, um cabide de empregos e um abuso
da inocência infantil: a filosofia não é coisa para crianças, como supõe o
nosso execrável Ministério da Educação. Alquimicamente falando, a
filosofia é o enxofre que cristaliza o mercúrio, a mente volátil, para

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A filosofia não é para os tímidos

produzir o sal – a alma perfeita. A cristalização prematura é um desastre


alquímico, o congelamento da alma. Os professores de filosofia estão
ajudando nossas crianças a sufocar suas percepções autênticas sob um
discurso pseudo-intelectual de um artificialismo desesperador.

3- Como unir senso de humor, eloquência de argumentação e


lucidez filosófica?

Essas coisas vêm sempre juntas ou então não vêm. O fundador da


tradição filosófica, Sócrates, era uma síntese das três. Platão não ficava
atrás. E até os escritos que nos restaram de Aristóteles, meros
rascunhos técnicos para exposição em classe, deixam transparecer o
fino senso de humor que certamente animava suas conversações com os
alunos.

4- Sua reinterpretação de Aristóteles pode levar-nos a uma


visão unificada de toda a filosofia grega?

Sinceramente, espero que sim. Aristóteles estava muito consciente da


sua posição no quadro evolutivo da filosofia que o antecedeu, e todo o
seu pensamento é não apenas uma reflexão sobre essa evolução, mas
quase a materialização dela sob a forma de ordem e sistema – como
quando você ouve uma melodia e de repente percebe essa seqüência
temporal sob a forma de um desenho, de um gráfico: o tempo que vira
espaço. Primeiro os gregos conheceram o discurso mitopoético das
epopéias e da lírica, depois o discurso retórico dos sofistas, depois a
dialética de Sócrates e Platão e por fim a estrutura lógica revelada por
Aristóteles. Essa seqüência histórica é idêntica à própria estrutura

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A filosofia não é para os tímidos

interna do sistema de Aristóteles, tal como acredito havê-la desvelado


na "teoria dos quatro discursos". Esse fenômeno de um sistema no qual
se refaz e se perfaz conscientemente a evolução histórica é um grande
milagre do espírito. Alguns místicos islâmicos consideram Aristóteles
um profeta, e acho que têm razão.

5- Como foi sua experiência recente na Romênia, suas


conferências lá, seu contato com escritores e universidades
da terra?

A Romênia é hoje a minha segunda pátria. Tenho tantos amigos lá


quanto no Brasil, e nenhum inimigo exceto o frio. Também tenho
ótimos amigos entre os romenos que vivem aqui, como Gheorghe
Legmann, valente batalhador em prol das relações Brasil-Romênia. Os
romenos são um povo cultíssimo, com a alma aprimorada pelo
sofrimento. O número de sábios "per capita" lá é impressionante. É
também um país lindíssimo, a maior reserva natural da Europa, com
florestas cheias de ursos e lobos que nunca ouviram falar de crise
ecológica nem do Ibama. Mas os países vizinhos não deram à Romênia a
menor chance. Invadiram e roubaram a infeliz o quanto puderam, e lhe
impuseram a camisa-de-força dos regimes totalitários, primeiro o
nazismo, depois quarenta anos de comunismo. Hoje os romenos,
espoliados pela Nova Ordem Mundial, são um povo cansado, esgotado,
descrente, com dificuldade para enxergar suas próprias qualidades mais
óbvias. No entanto, no meio da mais negra miséria, não perdem o gosto
de estudar. São um exemplo para os brasileiros, que só admitem o
estudo como meio de arranjar emprego ou de adornar conversações de
salão. Os romenos adoram o Brasil (deram até o nome de Copacabana a

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A filosofia não é para os tímidos

uma praia no Mar Negro, e o hino da seleção romena de futebol é um


samba), e a nossa presença lá faz bem a eles. Talvez ninguém tenha feito
mais para melhorar a auto-imagem dos romenos do que o embaixador
brasileiro, Jerônimo Moscardo, hoje um imbatível "pop star" em
Bucareste. Acho que todo brasileiro deveria passar um tempo lá para ver
o que é dignidade na miséria e para deixar de chorar de barriga cheia.
Bucareste é a capital mais pobre da Europa – e a mais pacífica.
Simplesmente não há assaltos à mão armada. Quando volto a este nosso
país onde um frango assado custa dois dólares, fico perplexo ante a
classe média tão gordinha e tão revoltada, que só reclama da vida e que
justifica a violência em nome da "miséria": queria que essa gente fosse
ver os milhares de meninos de rua que em Bucareste têm de se esconder
no esgoto durante o inverno, e que vêm nos pedir esmola em inglês,
francês ou alemão, com um ar de inocência que dia a dia vai
desaparecendo dos olhos das nossas crianças, corrompidas por falsos
educadores.

6- Como vê a obra de Emil Cioran no pensamento de nosso


tempo?

Cioran não pode ser lido ao pé da letra, senão você estoura os miolos,
coisa que ele próprio não fez, o que mostra que estava ciente da dose de
ironia dos seus escritos (ele dizia que era um farsante e que as pessoas
perceberiam isso se o compreendessem). Cioran assume a palavra em
nome do demônio, acusador da humanidade, e nos desafia a assumir a
responsabilidade da defesa. Jogando entre verdades patentes e exageros
verossímeis, ele sempre nos deixa uma brecha salvadora, e é
precisamente nesses hiatos, nessas falhas propositais da sua

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A filosofia não é para os tímidos

argumentação, que reside o mais inteligente da sua obra, na verdade


mais pedagógica ou psicoterapêutica do que filosófica. Cioran pode
induzir você ao desespero, à resignação estóica ou a uma retomada da fé
e da esperança. Ele pode ser um veneno ou um remédio: você decide.

7-Dá-se bem com o computador?

Maravilhosamente. Foi uma afinidade à primeira vista. Na verdade,


acho que eu nunca teria publicado livros se não existisse computador:
foi ele, e só ele, que me permitiu colocar em ordem escritos acumulados
ao longo de vinte anos. E hoje a internet é meu principal meio de
informação.

8- Acha o exercício do jornalismo regular importante na sua


obra?

Quando a gente escreve só para um círculo de alunos, como fiz por


muito tempo, tende a criar um estilo compacto, cheio de abreviaturas e
subentendidos, que no fim vira um negócio hermético, ou então a
multiplicar as explicações com um didatismo minucioso que se prolonga
demais. Voltar ao jornalismo regular foi uma disciplina muito saudável,
que me obrigou a exercícios diários para conciliar aquilo que Horácio
considerava inconciliável: brevidade e clareza. De outro lado, isso me
deu a oportunidade de colocar em circulação idéias que vim "chocando"
na solidão ao longo de vinte anos, e que me parece que podem ser úteis
para o Brasil.

9-Signo, preferências, família.

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A filosofia não é para os tímidos

Signo: Touro com ascendente Aquário (como Karl Marx, droga!), Lua
em Leão, Marte e Mercúrio em Áries, Júpiter culminante no Escorpião.

Preferências: Livro – A Bíblia e o Corão, as escrituras hindus no


comentário de Shânkara, a Metafísica de Aristóteles, a Divina Comédia,
Dostoiévsky inteiro, Walter Scott e Pío Baroja selecionados, poesias de
Camões, Antonio Machado e William Butler Yeats. Comida – Churrasco.
Bebida – Café. Hobby – Fumar em lugares proibidos. Bichos – Cães e
cavalos. Roupa – A mais barata. Perfume – Água e sabão. Cigarros –
Ducados,espanhol, e Romeo y Julieta, cubano, da mesma fábrica dos
charutos (cigarros bons são o meu único luxo). Música – Canto
gregoriano; Bach; Haendel; Wagner; velhas canções italianas e
irlandesas; música caipira de qualquer parte do mundo. Sonho de
consumo: um "Irish wolfhound". Custa uma nota e come muito.

Família: a melhor coisa do mundo. Pena que os filhos sejam apenas oito.

10-E o futuro? Qual é o lugar do Brasil no mundo?

Acho que o Brasil passa pelo momento mais difícil e mais decisivo da
sua História. Temos o sonho de ser uma nação e temos o direito de sê-
lo, mas, no momento em que estamos quase para realizar esse sonho, as
nações já não estão na moda e o governo mundial avança a passos de
gigante. Nosso desafio é provar que somos capazes de representar os
ideais superiores da humanidade melhor do que o governo mundial.
Mas, para isso, precisamos de três coisas: absorver rapidamente o
legado espiritual de todas as civilizações, aprender a esquivar-nos das
alternativas ideológicas estereotipadas com que a estratégia mundialista

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A filosofia não é para os tímidos

nos divide, e superar um falso nacionalismo nativista, complexado e


debilitante, que é hoje facilmente manipulável pelas esquerdas vendidas
à Nova Ordem Mundial. Temos de criar um novo nacionalismo, capaz
de competir no mercado mundial. Costumo chamá-lo de nacional-
liberalismo, com a ressalva de que não é um sistema ideológico mas
apenas um arranjo de ocasião, uma solução brasileira de improviso.

O maior obstáculo são os intelectuais, fortemente apegados a esquemas


ideológicos absurdos, a ressentimentos antimilitares que são muito bem
aproveitados (e bem pagos) pela estratégia mundialista para nos
debilitar, e a ódios pessoais racionalmente inexplicáveis, como essa
birra contra o Roberto Campos, um homem que, no campo das ações e
não do blá-blá-blá, fez mais pelo Brasil do que toda a esquerda reunida.
Para dobrar essa gente, só mesmo a paciência do Antônio Olinto.

22/06/00

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Um acerto de contas com a astrologia

Um acerto de contas com a astrologia

Entrevista de Olavo de Carvalho a Roberta Tórtora


Porto do Céu, Recife, junho 2000

Como a Astrologia contribuiu para a sua formação?

Muito. Não existe possibilidade alguma de entendimento de qualquer


civilização antiga sem o conhecimento da Astrologia. O modelo de visão
do mundo baseado nos ciclos planetários e nas esferas esteve em vigor
durante milênios e isto continua a estar, de certo modo, no
"inconsciente" das pessoas. Apesar de algumas deficiências no modelo
astrológico, foi ele quem estruturou a humanidade pelo menos a partir
do império egípcio-babilônico, o que significa, no mínimo, cinco mil
anos de história. A Astrologia é um elemento obrigatório, por isto quem
não a estudou, não estudou nada, é um analfabeto, um estúpido. O
trabalho mais vigoroso nas ciências humanas do século XX, por
exemplo, só aconteceu depois da existência do Instituto Warburg,

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Um acerto de contas com a astrologia

fundado em Londres por um milionário judeu fugido da Alemanha, que


juntou, durante 20 anos, as melhores cabeças do século em torno de
uma coleção de manuscritos astrológicos e alquímicos. Sem este estudo,
a comunidade acadêmica nunca teria qualquer possibilidade de
compreensão real das civilizações antigas.

Quais as conseqüências da perda deste conhecimento em


nosso tempo?

A conseqüência é simplesmente não entender mais o passado. Se


alguém não entende as civilizações antigas, não sabe mais onde está. É
uma amnésia.

Como foi que o Sr. entrou em contato com a Astrologia?

Foi uma casualidade. O Dr. Müller contratou-me na época em que eu


trabalhava no Jornal da Tarde para redigir um curso de psicologia
baseado em astrologia, já que era argentino e não dominava muito bem
o português. Depois destas aulas, um mundo sem limites se abriu para
mim.

Qual é a sua relação com a Astrologia hoje?

O meu acerto de contas com a astrologia foi o curso


"Astrocaracterologia", uma espécie de conclusão que tirei dos meus
vinte anos de estudo e que fechou a minha contribuição para o assunto.
Eu equacionei a Astrocaracterologia de tal modo que, para avançar de
onde parei, só mesmo a pesquisa experimental. Para se formar uma
ciência, é preciso levantar uma série de conceitos; destes conceitos, tirar

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Um acerto de contas com a astrologia

hipóteses; das hipóteses, um método e dos métodos, as pesquisas. A


parte teórica eu pude concluir, mas daí para frente, a
Astrocaracterologia deixou de ser problema teórico para ser de
investigação científica. Eu não tenho condições de dar continuidade a
estas pesquisas porque precisaria de tempo, gente e dinheiro. Voltar a
mexer neste assunto só me deixaria desesperado, porque eu não poderia
realizar as investigações necessárias para responder as questões que
levantei.

É possível resgatar a Astrologia tradicional nos dias de hoje?

Não sei. Isto é um tremendo abacaxi. Primeiro: não existe uma só


astrologia tradicional, mas milhares. Quando falamos "tradicional",
estamos nos reportando a certas épocas, onde esta Astrologia estava
integrada completamente nas civilizações. Se a pergunta é "nas
condições da nossa sociedade, é possível produzir uma astrologia
tradicional?", a resposta é "não". Precisamos retomar o estudo
astrológico de um outro plano, para estruturar uma ciência. Só que não
fizemos nem uma coisa nem a outra. Os astrólogos não fizeram porque
têm preguiça e os outros, porque têm preconceito. Só quem se
interessou realmente pela Astrologia foram historiadores e filólogos,
cuja função não é desenvolver a Astrologia, mas estudar o que ela foi e
qual o lugar dela nas civilizações antigas. Estes fizeram a sua parte e
levaram a coisa a sério.

O trabalho dos astrólogos, então, seria pesquisar junto aos

http://www.olavodecarvalho.org/textos/astrologia.htm (3 de 8)16/4/2007 10:07:30


Um acerto de contas com a astrologia

textos antigos e desenvolver a astrologia enquanto ciência, já


que é impossível o resgate da astrologia tradicional?

Eu não diria que esta é a única possibilidade. Você não imagina como
esta sua pergunta é difícil. A resposta é: não sei (risos). Não sei.

O Sr. afirma no seu livro "Astros e Símbolos" que não é


possível a compreensão da Astrologia sem a prática de um
esoterismo vivente, só alcançado através de um compromisso
com um exoterismo ortodoxo. É neste sentido que é
impossível a compreensão desta e de outras ciências
tradicionais em nosso tempo?

A própria descrição de esoterismo e exoterismo, que levei a sério por


muito tempo, eu não aceito mais. Ela não é suficiente, é muito pobre,
apesar de poder ser válida. Esoterismo e exoterismo são conceitos que
só se aplicam tal e qual no conceito islâmico, onde existe uma fronteira,
uma lei exotérica clara que funciona para todo mundo, e organizações
esotéricas, que são para os que estão interessados. Esta fronteira, tão
clara no mundo islâmico, não existe no mundo cristão e em outras
tradições. Como é que podemos falar em esoterismo e exoterismo no
contexto budista, por exemplo? Na obra de René Guenon, ele aplica este
conceito a todas as tradições, mas isto é uma espécie de "islamização"
das religiões e o próprio Guenon estava consciente disso.

A Astrologia, então, pode ser resgatada num contexto


cultural, mas não a astrologia tradicional?

A Astrologia esteve integrada de algum modo às tradições, mas hoje em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/astrologia.htm (4 de 8)16/4/2007 10:07:30


Um acerto de contas com a astrologia

dia não temos mais tradição espiritual nenhuma. Temos, sim, uma
devastação. Como é que podemos recuperar somente a Astrologia, se ela
é apenas um pedaço do equipamento? Só podemos no sentido de estudo
histórico, de compreensão do passado ou então sob uma forma de
ciência, do modo como as ciências hoje são compreendidas.

Esta visão que o Sr. tem hoje é diferente da apresentada nos


seus livros sobre Astrologia.

Os três livros que escrevi sobre Astrologia foram redigidos para um


grupo de pessoas que estavam metidas até a goela no esoterismo
islâmico. Para entender-se o que está escrito, é preciso saber para quem
foi escrito. Nada do que está ali pode ser transposto para um público
geral sem que sejam feitas as devidas conversões. Se eu fosse reeditar
estes livros, no lugar de uma página, teria que escrever trinta. Com estas
perguntas, você não tem idéia da complicação que me arrumou (risos).
A maior parte das coisas que está me perguntando, eu terei que
responder "não sei". São talvez as questões mais espinhosas da nossa
civilização e, no entanto, tem gente que dá palpites sobre elas a torto e a
direito.

Esta perda das tradições espirituais tem alguma coisa a ver


com a era de Aquário?

A era de Aquário é exatamente isto, a era da farsa, e já estamos nela. O


Anticristo já está aí. Hoje, através dos meios de comunicação, é possível
que dez pessoas mintam simultaneamente para bilhões e a farsa fica
estabelecida.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/astrologia.htm (5 de 8)16/4/2007 10:07:30


Um acerto de contas com a astrologia

Existe alguma espécie de compensação para os homens que


estão vivendo na nossa época?

Sim. As pessoas são julgadas com menos severidade. Deus, nesta época,
suporta coisas que em outros tempos não suportaria. Nós estamos
conversando sobre coisas aqui que, no passado, demoraríamos uns vinte
anos para compreender, só depois de rezar muito. Hoje não precisamos
passar por diversas práticas ou rituais de iniciação para
compreendermos uma série de coisas. Esta é uma espécie de
compensação natural ou sobrenatural, da mesma forma que o
julgamento de Deus sobre as almas torna-se muito mais brando. Se você
está no meio da confusão geral e ainda está tentando descobrir o que é o
certo, no meio de pessoas que não sabem mais distinguir o bem do mal,
então você já fez muito.

O Sr. não utiliza os planetas Urano, Netuno e Plutão em suas


análises astrológicas. Acha impossível estabelecer um
simbolismo correto para estes planetas?

Não sei. Deixei este assunto de lado, porque achei que ele era mais um
abacaxi. Se há alguém que não pode opinar sobre o assunto, este alguém
sou eu. Não atendo para leitura de mapas há uns vinte anos, mas foi
exatamente depois que deixei de trabalhar profissionalmente que
comecei a estudar mesmo a astrologia. Se você está em dúvida a respeito
de tudo e mexendo nos pilares de uma ciência, não tem como trabalhar
com ela no campo da prática diária. Não dá para desmontar um carro e
andar nele ao mesmo tempo. O questionamento teórico da Astrologia é
muito profundo. Não utilizei Urano, Netuno e Plutão porque percebi

http://www.olavodecarvalho.org/textos/astrologia.htm (6 de 8)16/4/2007 10:07:30


Um acerto de contas com a astrologia

que isto me colocava perguntas muito mais complicadas do que aquelas


com que eu estava lidando, utilizando apenas os sete planetinhas.

O que o Sr. pensa das interpretações atribuídas a estes


planetas descobertos nos últimos séculos?

Urano, por exemplo, recebe uma interpretação já muito ligada ao


próprio espírito moderno. Certas organizações esotéricas agem,
ritualmente, no sentido da interpretação que elas próprias atribuíram
ao planeta. Os ciclos destes astros começam a trabalhar mais neste
sentido, porque são reforçados pela ação humana. Eu não acredito,
realmente, que um planeta possa trazer a ideologia da revolução
francesa. Agora, quando se quer realizar uma grande mudança no
mundo, saber da existência de um novo planeta pode ser maravilhoso,
já que possibilita a realização de toda uma reinterpretação da história,
com base nos significados que você mesmo quis atribuir a ele. Acontece
a mesma coisa com Netuno e Plutão, mas isto não quer dizer que estas
interpretações não funcionem, porque parcialmente estes efeitos podem
corresponder ao dos planetas, embora sejam apenas uma parte
destacada do significado total daquele astro. Até o sétimo planeta, os
astrólogos contavam com uma interpretação estável entre várias
civilizações e não dá para justificar estas interpretações apenas como
produto ideológico de tais civilizações. Mas nestes últimos, você tem
interpretações específicas da astrologia ocidental, feita quase que
totalmente por sociedades secretas. Essas interpretações não tem
universalidade, apesar de poderem ser parcialmente válidas. Acho que
somente lá perto do século XXV que será possível entender este

http://www.olavodecarvalho.org/textos/astrologia.htm (7 de 8)16/4/2007 10:07:30


Um acerto de contas com a astrologia

problema. A gente pode perguntar tudo, mas não ter todas as respostas
de uma vez.

A astrologia está, então, numa encruzilhada?

Sim, ela está em uma confusão miserável. Nunca um século foi tão
difícil de ser entendido contemporaneamente como este. Nós estamos
vivendo numa era verdadeiramente terrível. O número de coisas que dá
para saber e utilizar como orientação é muito pequeno. A humanidade
sempre soube mais ou menos o que estava acontecendo, as decisões de
reis e príncipes não eram mistérios inimagináveis. Hoje são. As pessoas
poderosas estão distantes, cercadas por muros e muros de segredos e
mentiras. Os instrumentos de ocultação são monstruosos. Mais do que
na era da informação, estamos na da ocultação.

Diante de todas estas confusões incorporadas à Astrologia


nos dias de hoje, ainda vale a pena falar sobre o assunto?

Se é para as pessoas entenderem o que está acontecendo, é claro que


vale a pena. As discussões públicas sobre isto são muito problemáticas,
e é preciso ter paciência para explicar tudo, o que numa entrevista é
impossível. Vale mais é ensinar para aqueles que estão dispostos a
estudar ao longo dos anos.

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Prêmio Casa Grande & Senzala 2000: Declaração de Voto

Prêmio Casa Grande & Senzala 2000:


Declaração de Voto

Olavo de Carvalho

Membro do júri do Prêmio Casa Grande & Senzala 2000, para


livros de interpretação da cultura brasileira publicados no
ano passado, enviei este relatório à Comissão Organizadora
em 14 de julho. Agora tive a satisfação de saber, da
Fundação Joaquim Nabuco, promotora do concurso, que
o Primeiro Prêmio foi atribuído, por maioria de votos, ao
livro que escolhi, a História das Crianças no Brasil, obra
coletiva organizada pela Profa. Mary del Priore, do
Departamento de História da USP. A Comissão concedeu
também Menção Honrosa a Errantes do Fim do Século,
da Profa. Maria Aparecida de Moraes Silva, que, como
outros membros do júri, recomendei especialmente para isso.
Ao divulgar aqui o texto desta Declaração de Voto, expresso
a grande alegria que me infunde a vitória das minhas

http://www.olavodecarvalho.org/textos/voto.htm (1 de 6)16/4/2007 10:07:43


Prêmio Casa Grande & Senzala 2000: Declaração de Voto

candidatas, às quais auguro uma longa vida de sucessos na


profissão científica que tão honrosamente representam. --
O. de C.

Dos seis livros que me foram apresentados, dois merecem destaque: a


História das Crianças no Brasil de Mary del Priore (org.) (1) e Errantes
do Fim do Século, de Maria Aparecida de Moraes Silva (2). Pela
profusão dos dados, pela minúcia das análises, pelo rigor da
documentação e, last not least, pela limpidez da linguagem, eu votaria
neste último, se o quadro teórico que o fundamenta não fosse tão
estreito, bem na tradição dogmática de certa ciência social paulista para
a qual o esquema marxista do conflito de classes continua a ser o nec
plus ultra da explicação sociológica, com todo o cortejo de conotações
denuncistas e pejorativas que o acompanha de praxe, pronto a fazer de
cada tese universitária uma arma mortífera nos combates políticos e
jornalísticos. Que esse esquema venha agora enriquecido pelas
conotações da moda acadêmica norte-americana que dão teor de luta de
classes às disputas de raças e às discórdias entre sexos, não o torna
menos rígido e repetitivo, apenas revela sua ambição imperialista de
tudo engolir, mesmo à custa das combinações mais forçadas, e de tudo
transfigurar em combustível para sua máquina de guerra ideológica.
Esse fundo polêmico nada teria de mais – de vez que ciência e paixão
não se excluem –, se não fosse hábito e norma da referida tradição
excluir, a priori, toda e qualquer outra hipótese ou explicação possível,
não se dando nem o trabalho de mencioná-las, quanto mais o de discuti-
las, e formando com a única que sobra, pelo acúmulo das descrições

http://www.olavodecarvalho.org/textos/voto.htm (2 de 6)16/4/2007 10:07:43


Prêmio Casa Grande & Senzala 2000: Declaração de Voto

convergentes que a legitimam, uma poderosa impressão de


verossimilhança que até o seu meio acadêmico de origem, otário de seu
próprio engodo, acaba por tomar como base científica de uma crença
racional. O que há de errado aí não é a paixão: é que essa paixão
estreite, em vez de ampliar, o horizonte de concepção do pesquisador. É
que seja paixão regressiva e não aventureira. É que seja obstinação
atávica em vez de arrebatamento criativo.

Errantes do Novo Século é a aplicação, correta e elegante, de um


esquema explicativo aprendido, fixo e infindavelmente repetível. Mas é
aplicação correta, limpa, digna, com vários momentos notáveis. É
produto bom de uma escola ruim.

Se existe menção honrosa neste concurso, peço pois concedê-la à Profa.


Maria Aparecida de Moraes Silva.

Mas o Prêmio propriamente dito não posso deixar de atribuir, com


alegria, a Mary del Priore e à equipe com que realizou esta magnífica
História das Crianças no Brasil. Desde logo, pela originalidade e
importância do tema, tão essencial para a compreensão dos
mecanismos íntimos da História, e tão abandonado num país onde a
atenção obsessiva aos problemas da educação escolar faz esquecer o
estrato mais básico e decisivo da formação das mentalidades, que é a
educação doméstica, a vida de família, onde se constela, às vezes em
formas definitivas, a visão de mundo que vai orientar a existência adulta.

Se é verdade que "the Child is the Father of Man", uma história que
omita as crianças ou que só enfoque nelas a identidade pública e

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Prêmio Casa Grande & Senzala 2000: Declaração de Voto

administrativa de futuros cidadãos, sem ir até às raízes emocionais e


íntimas da sua mentalidade, é, se me permitem o paradoxo, uma
História sem passado, uma História onde as vidas começam no meio,
como estátuas que boiassem no ar sem pedestal.

Esta obra merece o Prêmio, também, pela abrangência do tratamento.


Abrangência, primeiro, no tempo, que inclui desde os heróicos horrores
da vida das crianças nos primeiros navios que aqui aportaram trazendo
os colonizadores, até a triste condição dos pequenos trabalhadores e das
crianças que vagam pelas ruas no Brasil de hoje, passando pelo
cotidiano doméstico de meninos e meninas no Brasil-Colônia e no Brasil
Império e pelos reflexos, na vida infantil, das guerras e das grandes
transformações econômicas. Abrangência, em seguida, vertical,
compreendendo todos os principais grupos e classes sociais.
Abrangência, por fim, no sentido da variedade dos pontos de vista, que,
sem a pretensão de esgotar as possibilidades de um tema praticamente
ilimitado, trata de cercá-lo por vários ângulos, formando, como diz a
própria organizadora, "um cruzamento de olhares".

Não havia mesmo outra forma de devassar um terreno ainda


praticamente virgem, no qual a forma do conjunto ainda se escondia sob
uma multidão de perguntas setoriais irrespondidas – agora já em parte
respondidas.

Se este livro merece um Prêmio que leva o nome da obra capital de


Gilberto Freyre, é ainda e sobretudo por ser o primeiro sério esforço
coletivo de universitários brasileiros para atender a um apelo do próprio
autor de Casa Grande & Senzala no sentido de que se escrevesse "uma

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Prêmio Casa Grande & Senzala 2000: Declaração de Voto

história do menino brasileiro – da sua vida, dos seus brinquedos, dos


seus vícios – desde os tempos coloniais até hoje" (3). A História das
Crianças no Brasil é obra que se insere com posto de honra na tradição
gilbertiana – a mais poderosa e vivente nas nossas ciências sociais –,
não somente por trazer a resposta a esse desafio científico lançado já em
1921, mas porque, na sua própria tessitura interna, permanece fiel à
lição essencial do mestre, que é a de jamais perder de vista, no estudo da
sociedade e de suas transformações, o elo vital entre o público e o
privado, o grande e o pequeno, as mutações estruturais de longo alcance
e os episódios da vida dos personagens de carne e osso.

Destaca-se, na coletânea, o trabalho subscrito pela própria


organizadora, onde a força arquitetônica do grande painel não exclui a
observação de detalhes por vezes surpreendentes e inusitados, mais
reveladores, às vezes, do que todas as estatísticas e todos os registros
oficiais.

Não me espanta que tão belo trabalho nos venha de historiadora da


USP. Já por várias vezes tenho assinalado na instituição paulista, ao
lado da miséria pomposa de sua sociologia e de sua filosofia, a
seriedade, a criatividade e a riqueza intelectual do seu Departamento de
História. Confirmo-as novamente neste livro. Ele tem desde já seu lugar
assegurado na coleção de obras sem as quais não é possível conhecer e
compreender o Brasil. É realização tão importante para todos nós que,
de certo modo, ter participado dela já constitui, para cada um de seus co-
autores, um prêmio. É obra que já nasceu premiada.

Rendo-me, pois, ao fato consumado e, sem a mínima hesitação, voto na

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Prêmio Casa Grande & Senzala 2000: Declaração de Voto

História das Crianças no Brasil, de Mary del Priore e sua equipe, para o
Prêmio Casa Grande & Senzala deste ano.

Poá, SP, 14 de Julho de 2000

Olavo de Carvalho

Notas

1. São Paulo, Editora Contexto, 1999.

2. São Paulo, Unesp, 1999.

3. Cit. em História das Crianças no Brasil, p. 11.

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Aviso do cacete

Aviso do cacete

Em 18 de julho, Sérgio Augusto meteu na Bundas o seguinte aviso: “SE


VOCÊ NÃO GOSTA DO FILÓSOFO OLAVO DE CARVALHO, VAI SE
REGALAR COM O CACETE QUE MOACIR WERNECK DE CASTRO
DÁ NELE.”

Não li o artigo do Moacir, portanto até agora não vi cacete nenhum. Mas
o Sérgio Augusto jura que viu. Viu e gostou. Tanto gostou que o inseriu
em Bundas, sob forma de aviso prévio, para excitar a curiosidade dos
apreciadores.

Não me incluo entre eles, mas, por obrigação profissional, vou ter de ler
essa coisa. Prometo responder sem hostilidade -- nem vaselina.

24/07/00

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cacete.htm (1 de 2)16/4/2007 10:07:56


Aviso do cacete

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Aviso do Cacete - 2

Aviso do Cacete - 2

O que a gente não faz para contentar os colegas! O Sérgio Augusto


queria porque queria que todo mundo fosse ver o cacete do Moacir
Werneck de Castro.

Pronto, Sérgio Augusto. Já fui. Vi o cacete do Moacir. Só uma coisa a


declarar: ele tem fimose intelectual.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/cacete2.htm16/4/2007 10:55:38
O último dos desinformatas

O último dos desinformatas

Desinformata, s. m. – Primata da espécie Homo pentelius,


também denominado Sinanthropus maoensis ou Embrulionis
loquax.
Seus restos fósseis foram descobertos por ele mesmo na
redação da revista Bundas.

(Dicionário de Novilíngua)

Capítulo 1. Provas da existência de Moacir


Werneck de Castro

A manipulação das palavras para fazê-las dizer o contrário do que dizem


é um dos componentes essenciais da técnica da desinformátsia,
"desinformação", concebida na década de 30 pelo Comintern como
arma de guerra psicológica no vale-tudo contra o capitalismo. Até a

http://www.olavodecarvalho.org/textos/moacir1.htm (1 de 6)16/4/2007 10:55:54


O último dos desinformatas
década de 70, pelo menos, havia no Partidão dúzias e dúzias de
militantes profissionais habilitados a demonstrar que a chuva sobe, que
o vapor desce e que a raiz quadrada de dois é dois ao quadrado. George
Orwell, comunista arrependido, foi um dos primeiros a revelar a um
estupefato mundo a existência desse idioma especial, que ele
denominou "Novilíngua" e no qual, como sabe quem leu seu romance
1984, paz é guerra e guerra é paz, liberdade é tirania e tirania é
liberdade. Só quem jamais foi militante comunista imagina que a
descrição oferecida nesse livro seja uma caricatura: ela é a transcrição
fiel dos procedimentos lingüísticos utilizados na propaganda comunista
por técnicos altamente qualificados. Mas, com a decadência do
comunismo, esses profissionais foram rareando e hoje, para ver um
deles em ação, temos de procurar nas páginas do Granma, publicação
oficial do governo de Cuba, o último jornal pensado e escrito
inteiramente em Novilíngua.

Por exemplo, no número de junho dessa publicação aparece em letras


gorduchas a seguinte manchete: "Americanos matam milhares de
cubanos no estreito da Flórida!". Você lê isso e arregala os olhos de
espanto: Como?! Um genocídio ocorrendo bem no quintal dos EUA e a
imprensa do mundo livre não diz uma palavra a respeito? Por instantes,
você se sente vítima de uma conspiração imperialista para esconder da
opinião pública um crime hediondo, e dá graças aos céus de ser o
felizardo que, deparando por acaso com um número do Granma, furou
o bloqueio, descobriu a verdade – e a verdade o libertou.

Aí você compra o jornal e vai ler as páginas internas. Sabe do que se


trata? É o seguinte: como anualmente milhares de cubanos fogem para

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O último dos desinformatas

a Flórida, apinhados em jangadas, espremidos em barris ou debruçados


à borda de um pneu, preferindo ao regime de Fidel Castro os perigos de
uma travessia suicida, e como o governo dos EUA garante asilo político
a essas pessoas, a culpa de que muitas delas morram comidas por
tubarões ou afogadas sob ondas de vinte metros é... de quem? Do
governo americano, é claro. A oferta de asilo político, diz o Granma, é
"um ímã assassino" que atrai inocentes cubanos para o abismo. Quem
atira o fugitivo aos braços da morte não é o perseguidor: é quem estende
a mão ao perseguido.

Esse tipo de raciocínio é praticado há tanto tempo pela imprensa


cubana, que provavelmente os habitantes da ilha já se acostumaram a
tomá-lo como inteiramente natural. Talvez tenha sido por isso que a
medicina de Cuba fez fortuna vendendo aos EUA e ao Brasil uma vacina
contra a meningite B que é tremendamente eficaz para todas as pessoas
– exceto as do grupo de risco. Dito de outro modo: se, pela sua idade e
constituição física, você está praticamente a salvo de contrair meningite
B, a vacina cubana vai ajudá-lo a conservar-se como está: praticamente
a salvo de contrair meningite B. Mas, se você tem quatro anos ou
menos, ou seja, se é um forte candidato a contrair meningite B, então a
vacina cubana fará de você exatamente o que você já é: um forte
candidato a contrair meningite B. Dito de outro modo ainda mais
didático: na Novilíngua cubana, vacina é não-vacina e não-vacina é
vacina. Compreenderam como a coisa funciona?

Não, não compreenderam ainda. Pelo menos não compreenderam tudo.


A Novilíngua não serve só para falar e escrever, mas também para ler e
ouvir. Se há um estilo novilingüístico de dizer, há também um jeito

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O último dos desinformatas

novilingüístico de interpretar o que os outros dizem. E aí é que a técnica


se revela em todo o esplendor da sua fecalidade. Pois, se é com tanta
sem-cerimônia que seus praticantes invertem o sentido dos fatos,
sobrepujando à força de trejeitos mentais as mais duras imposições da
ordem física e temporal das coisas, com quanto mais desenvoltura não
hão de virar do avesso meras palavras, criaturas etéreas, feitas de vento,
incapazes de lhes opor a mínima resistência corporal?

Demonstrarei, mais adiante, esse aspecto mais elevado e sublime da


desinformátsia. Mas é impossível fazê-lo sem exemplos, e seria uma
incomodidade ter de buscá-los sempre no Granma, que só se vende
numas poucas bancas do centro. Muito mais confortável seria ter à mão
alguns de manufatura local, em língua vernácula, subsidiados pelo
governo e colocados, por farta distribuição, ao alcance de todos os
interessados.

Pois eis que vos anuncio a boa nova: encontrei. Encontrei coisa melhor
que meros exemplares. Encontrei um fabricante. Encontrei um técnico
em Novilíngua autenticamente brasileiro, um raro e valioso exemplar,
comunista de pai e mãe, com curso de marxismo-leninismo e tudo, o
sobrevivente, enfim, de uma raça que tudo nos induzia a supor extinta.
É verdade que, embora movendo-se e falando, aos olhos desatentos do
principiante ele em pouco ou nada se diferencia de um fóssil. Mas não
vos deixeis iludir pelo seu jeitão hierático de testemunha do paleozóico,
nem pela poeira de museu que lhe encobre a nobre calva de
pithecanthropus. Pois esse augusto cocuruto (1) já esteve, um dia,
encoberto de imponente juba que fazia de seu proprietário, entre os
símios, o que podia haver de mais parecido a um leão. Ele já não tem

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O último dos desinformatas

dentes, é certo, e, quando pensa que rosna, mia. Mas, nas noites
lúgubres do asilo, se vísseis com que ferocidade morde a sopinha! Então
saberíeis quem ele foi um dia, e tremeríeis. Pois ele é, na ausência de
seus inumeráveis confrades mortos, a última encarnação viva da
Novilíngua – sim, a desinformátsia feita gente.

Descobri-o, senhores, não por mérito meu, e sim por iniciativa dele
próprio. Não fui procurá-lo. Foi ele que veio a mim. Quando leu um
artigo meu em O Globo de 8 de julho, uma chispa de entusiasmo bélico
incendiou todas as teias de aranha do seu cérebro, e a múmia, senhores,
se ergueu da tumba para o sagrado combate. Abriu o baú, paramentou-
se lenta e solenemente de suas velhas armas – o escudo da ignorância, o
elmo da burrice, a malha de ferro da mentira, o bacamarte da calúnia –
e recitando ritualmente verbetes do Dicionário de Novilíngua que é o
livro revelado da sua confraria, veio à liça.

A arena literária que ele escolheu para o nosso enfrentamento não


poderia ser mais adequada ao feitio do seu espírito: Bundas, a única
revista, no mundo, que tem por nome a designação do órgão pensante
de seus colaboradores.

Na edição de 24 de julho desse órgão, que se não é de grande penetração


é ao menos de grande penetrabilidade, meu antagonista fez despencar
sobre mim, com a potência incomparável de algumas décadas de
flatulência retida, o golpe que deveria me abater por terra, segundo os
seus cálculos, por umas quinze gerações.

Sim, senhores, falo-vos do último dos desinformatas: Moacir Werneck

http://www.olavodecarvalho.org/textos/moacir1.htm (5 de 6)16/4/2007 10:55:54


O último dos desinformatas

de Castro.

Ora, direis, é apenas um velho safado. E eu vos direi, no entanto: É


mesmo.

Prometi responder-lhe sem hostilidade. Pois vou fazê-lo não só sem


hostilidade, como também sem pressa. Meticulosamente. Lentamente.
Um pouco por dia. Quero vê-lo saborear gota a gota, até o amargo fim, o
néctar da sua própria babaquice.

Nota

(1) Não confundir "augusto cocuruto" com Sérgio Augusto.

Não perca:

Capítulo 2: Que cazzo é o fascismo?

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/moacir1.htm (6 de 6)16/4/2007 10:55:54


Que Cazzo é o Fascismo?

O Último dos Desinformatas

Capítulo II

Que Cazzo é o Fascismo?,


ou: O Homem de Bundas perante a História

§ 1. Pressupositório

O título "Homem de Bundas" não é de maneira alguma um plágio do


"Homem de Visão" instituído pela antiga revista Visão para premiar o
vidente do ano. Não é uma homenagem, é um termo científico. Os
fósseis de antropóides recebem, tradicionalmente, os nomes dos
lugares onde foram descobertos. Há o Homem de Java, porque foi
descoberto em Java, o Homem de Pequim, o Homem de Lagoa Santa
etc.. Mesmo o Homem de Piltdown, que não foi descoberto em parte
alguma, é o Homem de Piltdown porque nesse local o Pe. Teilhard de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cazzo.htm (1 de 11)16/4/2007 10:56:08


Que Cazzo é o Fascismo?

Chardin encontrou uns ossos de macaco enterrados lá por um


engraçadinho anti-evolucionista, que hoje se sabe não ter sido outro
senão Sir Arthur Conan Doyle.

Moacir Werneck de Castro, descoberto em estado semifóssil na


redação de Bundas, é pois sem dúvida o Homem de Bundas,
independentemente da hipótese, aventada por alguns paleontologistas,
de que ele seja os restos mortais do macaco Tião.

Assim, no confronto com a História, onde uns entram de pé, outros de


quatro, outros rastejando, ele entra de ré, mostrando aquela parte do
seu ser onde se realiza a síntese kantiana dos dados sensíveis com as
formas a priori, saindo o produto inteligível, em seguida, pelo mesmo
canal.

Inteligível, em termos. Há quem recue diante dessa massa obscura e


densa, composto hilético-eidético de não se sabe quê com sabe-se lá o
quê. Eu, porém, que sou um sujeito frio e insensível, e tendo ademais
recebido em meu próprio ser alguns respingos da dita substância, não
hesitarei em examiná-la.

§ 2. Supositório

Não vou, desde logo, demonstrar as alterações que o velhinho, no


exercício de suas altas funções desinformáticas, introduz no significado

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cazzo.htm (2 de 11)16/4/2007 10:56:08


Que Cazzo é o Fascismo?

do meu texto para fazê-lo dizer o que não disse. É verdade que nisso ele
dá o melhor de si, num esforço notável para me fazer parecer muito
malvado e para despertar contra mim o ódio e a revolta dos leitores que,
não me conhecendo, venham a me julgar só pelo que ele diz. Mas,
justamente por ser essa parte a mais significativa da forma mentis do
Homem de Bundas, sua análise pode ficar para o fim.

Por enquanto, vou fazer de conta que estou discutindo com um sujeito
honesto, com o qual eu não tivesse outras divergências senão de ordem
intelectual e científica.

Nesse terreno, diz ele que é absolutamente falsa minha asserção de que
a noção corrente do fascismo como ideologia capitalista foi um truque
de propaganda inventado por Stálin para apagar a má impressão do
pacto germano-soviético.

Transcrevo (grifos meus)

"Na verdade, a fórmula atribuída a Stalin foi fruto de uma


análise elaborada pelo movimento comunista internacional
no início (e não no fim) da década de 30. É ridículo dizer
que ela nasceu para dissipar a má impressão causada
pelo pacto de não-agressão germano-soviético, que data
de agosto de 1939. Já em 1933, perante o tribunal nazista
de Leipzig, onde era acusado do incêndio do Reichstag,
Dimitrov enfrentou corajosamente Goering e Goebbels,
definindo a ditadura fascista como ‘a ditadura do capital
de Thyssen e Krupp’ (os magnatas da indústria do aço

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cazzo.htm (3 de 11)16/4/2007 10:56:08


Que Cazzo é o Fascismo?

alemã."

Segundo ele, portanto, errei duplamente, na autoria e na data: a teoria


nem foi inventada por Stalin, porque na verdade foi descoberta coletiva
do Partido, nem se disseminou no mundo a partir de 1939, porque em
1933 George Dimitrov já sabia dela.

Mas a verdade é precisamente o contrário do que ele diz. Em vez de ser


invenção coletiva atribuída retroativamente a Stalin, a teoria aí
mencionada foi invenção pessoal de Stalin, assumida retroativamente
pelo universal cordão de puxa-sacos que atende pelo nome de Partidão.
Ela foi apresentada pela primeira vez pelo próprio Josef Stalin em 1924,
pelo menos seis anos antes de que começasse a tal "análise demorada
pelo movimento comunista internacional". A informação está na página
366 do vol. II da biografia de Stalin por Isaac Deutscher (trad. José
Laurênio de Melo, Rio, Civilização Brasileira, 1970), que por sua vez a
encontrou no vol. VI das Obras Completas do grande guru dos povos,
edição russa de 1947-8. O "coletivo" apenas disse amém, como sempre
fazia, à palavra do guia, pai e mestre. Em 1933, a coisa já era doutrina
oficial do Partido e Dimitrov não fez senão repeti-la.

Acontece que, até a guerra, a visão soviética do fascismo não exerceu


influência considerável fora do movimento comunista e do círculo de
seus "companheiros de viagem". Desde a Revolução, a Rússia se fechara
tanto ao mundo exterior que, ao planejar-se a invasão do território
russo, o próprio serviço secreto do Reich – o mais interessado no
assunto, decerto -- não tinha a mais vaga idéia do potencial bélico
soviético. Foi a guerra que abriu definitivamente a Stalin as páginas da

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Que Cazzo é o Fascismo?

imprensa ocidental e permitiu que sua velha teoria, que de nada lhe
servira para sua orientação na prática (veremos adiante), fosse usada,
agora, como arma de propaganda.

Mesmo no que diz respeito à origem da teoria como tal, Moacir erra
fragorosamente nas datas e na autoria, atribuindo ao "coletivo" do
Partidão em 1931 uma idéia pessoal que Stalin já lhe impusera desde
1924. Pretender usar como prova de que ela já estivesse disseminada no
mundo ocidental a partir de 1933 o fato de que Dimitrov então a
recitasse de cor e salteado é, para dizer o mínimo, viajar na maionese.
Pois não consta que Dimitrov àquela altura fosse nenhuma autoridade
intelectual para o mundo não-comunista, ao ponto de sua palavra
expressar o consenso universal. Ele era um membro do Comitê Central
do PCUS, um membro da corriola interna que repetia servilmente o que
o mestre mandasse. Depois de sua declaração no Reichstag, muito
tempo ainda se passaria antes que a doutrina soviética do fascismo,
alardeada aos quatro ventos, se tornasse voz corrente nos países ociden
tais – e isto só pôde acontecer, precisamente, quando essa doutrina, já
não servindo para mais nada (de vez que a própria guerra já era seu
desmentido formal), se rebaixou de diagnóstico estratégico a mera
fórmula de propaganda.

Não deixa de ser curioso que Moacir, endossando em substância a teoria


stalinista do fascismo, atribua a Stalin, linhas adiante no mesmo artigo,
"uma estratégia errada" na luta antifascista. Uai, essa estratégia, que
Trotski denunciara de antemão como mãe dos desastres que se
seguiriam, baseava-se precisamente no diagnóstico do fascismo como
"organização de combate da burguesia" e como "ditadura dos Krupps e

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Que Cazzo é o Fascismo?

dos Thyessen". Pois Stalin, já em 1924, levado pela lógica implacável


dessa premissa, concluiu que a grande burguesia, sendo a mãe do
fascismo e do nazismo (que para ele era tudo a mesma coisa), tinha o
comando do processo e, usando de Hitlers e Mussolinis a seu bel-prazer,
não teria e menor dificuldade para se livrar deles quando se tornassem
incômodos, bastando, para isso, recorrer ao outro braço da sua máquina
política, então muito mais vigor oso: a socialdemocracia. Logo, concluía
Stalin, deduzindo do diagnóstico a estratégia, tudo o que havia a fazer
era combater a socialdemocracia. Ora, o que veio a acontecer foi
precisamente o contrário: o nazismo passou como um trator por cima
da socialdemocracia e da grande burguesia, mostrando que tinha
gasolina própria.

Que é que Stalin fez então? Com a maior sem-cerimônia inverteu sua
estratégia: aliou-se à grande burguesia do Ocidente para esmagar o
nazismo. Era, embora tardia, a coisa certa. Mas, se na constituição do
fascismo predominasse realmente o fator "classe" em vez do fator
"nação", essa aliança seria inconcebível: por que a grande burguesia que
dominava a Inglaterra, a França e os EUA iria se aliar a seus inimigos
proletários para combater os nazistas, em teoria seus amigos e
servidores? Resposta: a teoria estava simplesmente errada. O próprio
Stalin reconheceu isso implicitamente ao mudar de estratégia. A ruína
da estratégia era a ruína da teoria que a embasava. Se justamente a
partir daí essa teoria se impregnou na mente dos intelectuais de
esquerda ocidentais a ponto de eles a repetirem como verdade de
evangelho e de até hoje um bocó de mola como o Homem de Bundas
acreditar nela, que outra explicação isso pode ter senão que o líder

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Que Cazzo é o Fascismo?

soviético achou que, imprestável como guiamento prático das ações, ela
ainda podia render alguns dividendos na área da publicidade? Lembro-
me de ter lido, anos atrás, uma tese universitária, de ilustre autor
comunista brasileiro, que diagnosticava até o nosso fascismo doméstico,
o integralismo, como fenômeno do "capitalismo hipertardio" – o que
bem mostra a que tipo de contorcionismo mental a intelectualidade
esquerdista pode se submeter só para ser fiel à tradição: o único meio de
explicar o integralismo pela teoria de Stalin era tornar "hipertardio" o
nosso capitalismo que, na época considerada, mal acabara de nascer...

Trotski opôs veemente resistência, desde o começo, à teoria de Stalin,


mas quem iria dar ouvidos a Trotski? Ele bem percebeu o potencial
totalitário do nazismo, advertindo que burgueses e socialdemocratas
não conseguiriam detê-lo. Mas é evidente que não há nenhuma conexão
lógica entre essa acertadíssima observação e a teoria marxista da luta de
classes. Um nazismo com força própria, incapaz de ser controlado pela
grande burguesia, não podia ser explicado a partir do esquema marxista
clássico, do qual, ao contrário, a teoria de Stalin é que constituía a
aplicação lógica mais ortodoxa. Para explicar a força do nazismo, teria
sido preciso ver nele um movimento da classe média, de intelectuais
frustrados e de funcionários públicos, isto é, um movimento composto
substancialmente das mesmas classes que fizeram todas as revoluções
neste mundo, inclusive a própria revolução russa. Mas a tanto não
chegava a lucidez de Trotski. Do ponto de vista estritamente marxista, a
teoria de Stalin parecia a mais correta. Entre uma observação
verdadeira sem base marxista suficiente e uma teoria falsa com ampla
base marxista, todo mundo escolheu a segunda.

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Que Cazzo é o Fascismo?

Desmoralizada pela ascensão avassaladora do nazismo, desmoralizada


pela mudança estratégica de Stalin à entrada da guerra, desmoralizada
pela aliança dos comunistas com a grande burguesia ocidental, a teoria
stalinista do fascismo ainda tem adeptos fiéis neste mundo. As
universidades brasileiras estão repletas deles. Mas nenhum deu a ela o
destino que merecia. Só o Moacir teve a coragem para tanto: pois o
melhor a fazer com essa teoria era mesmo metê-la na Bundas.

3. Pós-supositório

Moacir diz também que os comunistas "sempre estiveram na linha de


frente da luta contra o fascismo". Mais conversa mole. A famosa
campanha antifascista lançada no início da década de 30 sob a direção
de Karl Radek foi apenas um truque para jogar areia nos olhos dos
antifascistas ocidentais, para que não percebessem a colaboração
secreta, então cada vez mais intensa, entre a URSS e a Alemanha
nazista, colaboração da qual o próprio Radek, em carta confidencial a
um amigo, confessava: "O que escrevo (contra o fascismo) é uma coisa.
As realidades são coisa completamente diferente. Ninguém pode nos
dar o que a Alemanha tem dado... Só idiotas podem imaginar que vamos
romper com a Alemanha" (1).

Além desse objetivo diversionista, a campanha ainda teve duas outras


finalidades: cooptar "companheiros de viagem" para o Partido entre os
intelectuais ocidentais e infiltrar espiões nos governos dos países

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cazzo.htm (8 de 11)16/4/2007 10:56:08


Que Cazzo é o Fascismo?

aliados. Os dois objetivos foram alcançados com grande sucesso. No


campo da espionagem, lançaram-se então as sementes que explodiriam
décadas depois nos escândalos Philby e Alger Hiss. Quanto ao
recrutamento, não se deve confundir "companheiros de viagem" com
meros simpatizantes. Estes são amigos ocasionais, aqueles são
colaboradores recrutados, que não se inscrevem no Partido, conservam
sua identidade pública de intelectuais independentes, para dar
autoridade moral a seus pronunciamentos em favor do comunismo, e ao
mesmo tempo, em segredo, são controlados e vigiados pelo serviço
secreto comunista. Os mais conhecidos "intelectuais progressistas" das
décadas de 30 e 40, como Ernest Hemingway, John dos Passos, Sinclair
Lewis, Romain Rolland, serviram ao comunismo nessas condições. O
esquema montado para conservá-los sob o controle do Partido incluía
desde subvenções em dinheiro, com a permanente ameaça de
divulgação, até arranjos para envolvê-los em casos amorosos com espiãs
soviéticas. O articulador de todas essas operações era Willi Münzenberg.
Um de seus auxiliares imediatos foi Arthur Koestler, que depois se
rebelou contra o comunismo, tornando-se alvo de violentas campanhas
de publicidade pelo resto de sua vida. André Gide, um dos
"companheiros" cooptados, deu para trás e escreveu uim livro contra a
URSS. John dos Passos fez a mesma coisa. Mas ninguém teve a coragem
de contar toda a história, até que a viúva de Münzenberg, Babette Gross,
já velhinha, decidiu botar a boca no mundo.

Tanto os espiões quanto os "companheiros" agiram exclusivamente no


terreno das democracias ocidentais, trabalhando contra os governos de
seus próprios países e não contra a Alemanha. Quando, acidentalmente,

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Que Cazzo é o Fascismo?

faziam algo contra o nazismo, era sempre de forma a beneficiar a União


Soviética e não os Aliados ocidentais, como por exemplo quando Ludwig
Wittgenstein, tendo decifrado uns códigos navais alemães, os passou ao
governo da URSS e não ao da Ingleterra que lhe dera abrigo, proteção e
honrarias. (2)

Enquanto isso, os soviéticos faziam grandes negócios com a Alemanha e


continuavam iludindo o público com seu verbalismo antifascista, do
mesmo modo que Hitler, ao passo que perseguia os comunistas alemães
(que Stálin lhe entregara de mão-beijada), tomava o máximo cuidado
para não desagradar a URSS em nada. O cúmulo da duplicidade ocorreu
na guerra da Espanha, quando a URSS, posando de antifascista em todo
o mundo e recrutando voluntários para as Brigadas Internacionais, ao
mesmo tempo boicotava as tropas republicanas no front e facilitava, por
todos os meios, a vitória franquista. (3)

O julgamento de Dimitrov em Leipzig pelo incêndio do Reichstag foi


outra farsa, bem encaixada no objetivo maior da "campanha
antifascista". Em pleno dia, Dimitrov, um agitador procurado em toda a
Europa, entrou com seus dois assessores Popov e Tanev num
restaurante que era um dos mais famosos pontos de encontro de
militantes nazistas e simplesmente ficou sentado, à espera de que o
prendessem. No julgamento, deu seu showzinho verbal, ecoado até às
nuvens pela campanha no resto da Europa, e em seguida ele e seus
ajudantes voltaram à URSS sem maiores problemas. Dimitrov
continuou seu trabalho normal no movimento comunista, enquanto
Popov e Tanev, que sabiam demais sobre o julgamento de Leipzig,
foram mandados para o Gulag e desapareceram.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cazzo.htm (10 de 11)16/4/2007 10:56:08


Que Cazzo é o Fascismo?

Notas

1. Cit. em Stephen Koch, Double Lives. Spies and Writers iin the Secret Soviet War
of Ideas Against the West, New Yorkm The Free Press, 1994, p. 54.
2. V. Richard Kimberly, Wittgenstein e Hitler.
3. V. George Orwell, Hommage to Catalonia.

Não perca:

Capítulo 3: Pensando com Bundas

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/cazzo.htm (11 de 11)16/4/2007 10:56:08


O debate na PUC

O debate na PUC

O debate promovido pelo Instituto Mário Alves no dia 11 de agosto na


PUC de São Paulo foi um sucesso em toda a linha, malgrado algumas
notas destoantes. Transcorrido num ambiente de notável cordialidade,
deu aos participantes a oportunidade de confrontar três interpretações
da obra de Gilberto Freyre, todas elas bem fundamentadas.

O dr. Jacob Gorender, um dos mais célebres líderes comunistas


brasileiros, foi o primeiro a falar, apresentando um resumo das suas
objeções à interpretação gilbertiana do Brasil, publicadas pela primeira
vez em O Escravismo Colonial (São Paulo, Ática, 1980).

O Escravismo Colonial é uma das melhoras obras que alguém já


escreveu sobre esse período histórico. Não hesito em considerá-la tão
importante, mutatis mutandis, quanto Casa Grande & Senzala.
Gorender aí discute com todos os intérpretes do Brasil-Colônia, diverge
de todos e ganha a parada. Prova que a economia colonial não pode ser

http://www.olavodecarvalho.org/textos/debate.htm (1 de 5)16/4/2007 10:56:27


O debate na PUC

definida nem como feudal, nem como patriarcal, nem como capitalista,
nem muito menos como simples "economia exportadora", mas que foi
um modo de produção original, o escravismo mercantil, baseado
inteiramente na mão-de-obra escrava. No hemisfério Ocidental, o Brasil
foi assim o país escravista por excelência.

No meu entender, essa tese está ali provada e bem provada. Discordei
apenas das objeções que, dela, Gorender deduzia contra a descrição
freyreana da sociedade colonial. Gorender alegava que a "instituição
fundamental" desse período fora o escravismo, e não a família

patriarcal. Objetei que: 1º a busca da "instituição fundamental" da qual


se pudessem deduzir todas as outras é uma preocupação legítima dentro
do marxismo, mas não tem sentido no método freyreano,

essencialmente pluralista e pragmático, alheio a reduções causais. 2º


Casa Grande & Senzala não é obra de história econômica e sim de
"história das mentalidades". Mesmo se o pano-de-fundo econômico da
sociedade colonial fosse diferente daquele que Freyre imaginava, isso
não impugnava e! m na da a descrição que ele fez da psicologia colonial,
tão bem documentada e provada quanto a argumentação econômica de

Gorender. 3º Se entre duas teses bem provadas parecia haver uma


contradição, essa contradição, por um lado, não impugnava nenhuma
das duas, porque as descrições eram feitas desde pontos de vista
diferentes e não facilmente articuláveis. De outro lado, essa contradição
nos colocava um problema histórico dos mais interessantes – como
pôde se desenvolver a mentalidade patriarcal, descrita por Freyre, ao
lado do escravismo mercantil diagnosticado por Gorender. Longe de
fugir desse problema impugnando arbitrariamente uma das duas teses,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/debate.htm (2 de 5)16/4/2007 10:56:27


O debate na PUC
deveríamos enfrentá-lo e tentar resolvê-lo, pois aí talvez residisse algo
de muito importante para a compreensão da história brasileira. Por
exemplo, se é fato que o regime dominante foi o escravismo mercantil,
também é fato que houve mais miscigenação aqui do que nos outros
países escravistas, e, se a miscigenação não pode ser explicada,
obviamente, pelo próprio escravismo mercantil, então ela deve ter tido
outras causas, que, atuando independentemente da base econômica e
até contra ela, produziram o ambiente psicológico descrito em Casa
Grande & Senzala. Que causas? Essa questão era um instigante desafio
para os cientistas sociais brasileiros.

O deputado Aldo Rebelo falou por último, apresentando uma eloqüente


defesa da obra freyreana e atacando com veemência as tentativas de
trocar o modelo brasileiro de integração racial – que nessa obra
encontra sua auto-expressão e se torna um valor autoconsciente – pelo
modelo americano. Como concordo em gênero, número e grau com a
posição do deputado, e como tenho argumentado em favor dela em
artigos de jornais e revistas, não preciso resumi-la de novo aqui. Por
uma feliz coincidência, eu acabava de enviar a Época mais um artigo
sobre o assunto, que estava sendo impresso nas oficinas da Editora
Globo enquanto conversávamos na PUC e foi para as bancas na manhã
do dia 12.

Uma nota destoante foi dada pelo próprio deputado, quando,


gratuitamente, afirmou que a Igreja católica negava que negros e índios
tivessem alma – uma inverdade, um absurdo e uma impossibilidade
pura e simples, pois a Igreja tinha santos negros canonizados desde dez
séculos antes da descoberta do Brasil, e quanto aos índios seria cômico

http://www.olavodecarvalho.org/textos/debate.htm (3 de 5)16/4/2007 10:56:27


O debate na PUC

um esforço tão grande da parte da Igreja para catequizar criaturas


desprovidas de alma, livres, portanto, da possibilidade das penas
infernais.

Atruibuo à pura e simples desinformação essa tirada de mau-gosto, que


em si não teve importância no contexto da discussão e que não modifica
em nada a imagem positiva de Aldo Rebelo, um dos melhores políticos
brasileiros, pelo qual tenho o maior respeito e admiração.

Outra nota desafinada veio de militantes negros enragés, um dos quais


disse umas coisas sobre Auschwitz que não compreendi absolutamente,
e outro que alegou ser a famosa "família brasileira" uma filha, não do
casamento, mas do estupro das negras pelos brancos. Como meu filho
Luiz, um característico mulato brasileiro, estivesse na platéia, pedi-lhe
que se apresentasse e perguntei ao cidadão se o julgava um produto do
estupro, sugerindo-lhe que, se não pudesse defender essa tese ali
mesmo, na frente do pai do rapaz, tivesse a amabilidade de ficar calado,
o que ele fez sem maiores objeções.

Em todo caso, a apresentação que suscitou mais reações foi a do


deputado Rebelo, muito incômoda, é claro, para certo tipo de militantes
black subsidiados por fundações norte-americanas. Mesmo assim, essas
objeções foram tímidas, pelo simples fato de que seria muito difícil
alguém impugnar a tese do deputado sem se desmascarar, no ato, como
um adepto do imperialismo global. E quem iria querer fazer isso, diante
de uma platéia de duzentos brasileiros?

O Instituto Mário Alves está de parabéns pela iniciativa do debate. A

http://www.olavodecarvalho.org/textos/debate.htm (4 de 5)16/4/2007 10:56:27


O debate na PUC

situação do mundo é complicada, ninguém pode pretender tê-la


compreendido por inteiro, e a única maneira de lançar alguma luz sobre
o assunto é falar francamente. Numa época em que tantos vêm tentando
bloquear o debate ou transformá-lo numa pura disputa erística a serviço
da luta pelo poder, foi uma grande alegria poder conversar com Aldo
Rebelo e Jacob Gorender. Por instantes, senti que estávamos de volta a
um outro Brasil, aquele Brasil onde enfezados esquerdistas e obstinados
conservadores prodiam trocar idéias – porque tinham idéias – sem
ódios, temores ou desconfianças caipiras.

14/08/00

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/debate.htm (5 de 5)16/4/2007 10:56:27


Que é que você quer com a filosofia?

Que é que você quer com a filosofia?

Entrevista de Olavo de Carvalho a Fabíola Cidral

Jornal Vidaqui (São Paulo), 31 de agosto de 2000

Em primeiro lugar, o senhor poderia definir a filosofia?

É um cacoete universal dizer que a filosofia não se define, mas estou


persuadido de ter encontrado uma boa definição, da qual nenhuma das
filosofias existentes escapa e que não se aplica a nenhuma outra
atividade cognitiva: Filosofia é a busca da unidade do conhecimento na
unidade da consciência e vice-versa. Esta definição aplica-se inclusive às
filosofias que negam o conhecimento ou que negam a unidade da
consciência.

No seu Seminário de Filosofia o senhor ensina a prática da filosofia. O


que é praticar filosofia?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quee.htm (1 de 9)16/4/2007 10:56:42


Que é que você quer com a filosofia?

No meu curso, filosofar é partir de um problema colocado pela vida real


e, mediante sucessivos exames, tentar elevar-nos a um ponto de vista
universalmente válido a respeito dele. Em seguida, descer novamente
para examinar nossas atitudes práticas, morais, diante dele. Nestas
subidas e descidas, o auto-exame se torna tão importante quanto o
estudo objetivo do problema e é inseparável dele.

Qual a sua dica para quem deseja começar a estudar a filosofia?

Decidir, em primeiro lugar, se você quer a filosofia como simples


profissão acadêmica, como autêntica disciplina intelectual, como
guiamento integral da alma ou tudo isso junto. A profissão acadêmica é
hoje o túmulo da filosofia e recomendo-a a quem tenha vocação de
coveiro. Se você quer a filosofia como disciplina intelectual, certifique-se
primeiro de que tem já uma boa cultura científica e humanística
(sobretudo literária e histórica) e um amplo domínio do idioma. Em
seguida, anote as perplexidades e os problemas que essa educação
adquirida suscitou em você, e, uma vez confirmado que esses problemas
são realmente problemas para você, que você tem um interesse vital
neles, vasculhe os clássicos da filosofia para saber o que disseram a
respeito. Nessa pesquisa pode ser útil um bom dicionário de filosofia, ou
um repertório como o que Mortimer Adler e Mark Van Doren
organizaram para a série "Great Books of the Western World". Organize
as respostas em ordem cronológica e, se o conjunto delas não satisfizer à
sua demanda de respostas, busque formular suas próprias respostas
pessoais, tratando de manter a discussão num nível compatível com o
que foi alcançado pelos filósofos que trataram do assunto antes de você.
Quando você tiver conseguido fazer isso com um único problema

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quee.htm (2 de 9)16/4/2007 10:56:42


Que é que você quer com a filosofia?

filosófico, por modesto que seja, você já será um autêntico estudante de


filosofia. Se daí para diante não puder mais prosseguir sozinho, venha
falar comigo e lhe darei mais umas dicas.

Quais os outros estudos que estão necessariamente ligados com a


filosofia?

É o que eu vinha dizendo. A filosofia é uma reflexão sobre o


conhecimento adquirido, e supõe, por isto, uma boa cultura pessoal,
principalmente a cultura da imaginação (através das artes). Se eu fosse
planejar a educação de um aluno ideal, primeiro eu abriria para ele os
horizontes do imaginário, através do teatro, da literatura, do cinema, da
música, dos mitos, das religiões, dos símbolos; depois o poria em
contato com os debates públicos, a política, as leis, a constituição
objetiva da sociedade. Quando ele chegasse a um ponto de saturação,
com milhões de contradições se agitando na sua cabeça, aí sim
começaria o aprendizado da crítica filosófica, complementado pelo
estudo das ciências. Mas esse aluno ideal não existe, e essa gradação
seriada, na prática, tem de ser feita de maneiras inversas, cruzadas e
combinadas.

Qual o perfil das pessoas que freqüentam o seu curso?

Pessoas desiludidas com o ensino acadêmico da filosofia.

O senhor acredita que estudar filosofia pode mudar a vida de uma


pessoa? A sua mudou?

Se o estudo da filosofia não mudar a pessoa – e quero dizer mudar para

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quee.htm (3 de 9)16/4/2007 10:56:42


Que é que você quer com a filosofia?

melhor --, é porque simplesmente não se realizou, ficou nas


exterioridades, na imitação, na "cultura" filosófica. O estudo verdadeiro
começa na hora em que, tendo obtido pela primeira vez uma solução
pessoal válida para um problema filosófico, o aluno sente um repuxão
na consciência, um apelo a se tornar melhor para ser digno daquilo que
sabe.

Como foi a sua formação? Quando despertou este interesse pela


cultura?

Meu interesse em saber nasceu na adolescência, diretamente suscitado


por uma angustiante sensação de não estar entendendo nada – nem da
minha vida, nem da conduta das pessoas em torno, nem do que me
ensinavam na escola. Minha formação começou no autodidatismo, por
absoluta impossibilidade de encontrar, na época, um ensino à altura do
que eu necessitava. Mas não foi um autodidatismo de diletante, porque
aos quinze anos eu já me preocupava com a questão mesma da auto-
educação, lia muitos livros sobre o assunto e tentava manter meu
aprendizado num nível comparável ao do que eu sabia existir nos
melhores centros universitários, não só da época como também de
outras épocas. Fica aí um conselho: se você quer se educar a si mesmo,
tem de estudar primeiro a questão mesma da educação, para não cair
num caos de leituras sem proveito.

Mais tarde, quando julguei ter chegado ao limite do que podia aprender
sozinho, comecei a escrever para estudiosos consagrados, pedindo ajuda
e orientação em questões específicas. Incomodei muita gente, no mundo
todo, com minhas perguntas, e em geral fui muito bem recebido. Só

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quee.htm (4 de 9)16/4/2007 10:56:42


Que é que você quer com a filosofia?

tardiamente me interessei por um determinado curso universitário,


então dirigido pelo Pe. Stanislavs Ladusans, um filósofo estoniano
residente no Brasil. No fim de tudo você descobre que a única finalidade
da educação é habilitar o sujeito a aprender sozinho, isto é, a ser um
autoditada.

Quais os autores que mais o influenciaram?

Aristóteles, Sto. Tomás, Leibniz, Schelling, Husserl, René Guénon, Eric


Voegelin, Xavier Zubiri, além, naturalmente, das escrituras sacras das
várias tradições religiosas e também de algumas obras fundamentais da
literatura (A Divina Comédia de Dante, as peças de Shakespeare) e das
ciências humanas (os escritos de Max Weber, de Lipot Szondi, de Viktor
Frankl, por exemplo).

Quais os filósofos da atualidade que o senhor admira?

Depois de Voegelin e Zubiri não apareceu mais nada de interessante na


filosofia propriamente dita. Mas, nas ciências humanas, há esse
esplêndido René Girard.

E qual o maior da história?

Aristóteles. Quanto mais tempo passa, maior ele fica. Hoje, na filosofia
das ciências, Aristóteles é a grande novidade, depois que os biólogos o
descobriram.

Como veio a idéia de lançar o primeiro livro?

Durante muito tempo eu mesmo publiquei meus livros, em tiragens

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quee.htm (5 de 9)16/4/2007 10:56:42


Que é que você quer com a filosofia?

pequenas, para um círculo de alunos e amigos. Em 1995, por insistência


do Bruno Tolentino, lancei "O Jardim das Aflições" numa tiragem
maior, por uma editora profissional. Aí, por uma coincidência, fui
trabalhar na Editora da Faculdade da Cidade e lancei por lá "O Imbecil
Coletivo", que deu uma encrenca dos diabos e me lançou em polêmicas
de imprensa, que não procurei mas das quais não fugi e nas quais,
graças a Deus, me saí muito bem.

Como é a sua preparação para escrever uma obra? E um artigo?

Leio sempre de lápis na mão, anotando idéias, perguntas e objeções que


a leitura me sugere. Faço também certos exercícios mentais, por
exemplo o de tentar traduzir em imagens plásticas uma idéia abstrata,
ou, ao contrário, o de tentar expressar em palavras certas impressões
fugazes – sensações, recordações. Em seguida esqueço tudo e mudo de
assunto. Meses depois a coisa toda reaparece organizada e límpida. Aí
exponho minhas conclusões em aula e as submeto, com a ajuda dos
alunos, a toda sorte de críticas, e faço novas leituras para tirar as
dúvidas. Só então fixo a coisa por escrito. É um método complicado e
apareceu sozinho, com a experiência. Não sei se serviria para outras
pessoas, mas comigo funciona.

Para os artigos, não preciso me preparar, pois utilizo sobras das


informações colhidas para as aulas. Apenas tenho de caprichar mais na
redação, pois uma coisa é escrever para alunos, que me conhecem e já
sabem situar tudo no contexto certo, outra coisa escrever para pessoas
que nunca me viram mais gordo.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quee.htm (6 de 9)16/4/2007 10:56:42


Que é que você quer com a filosofia?

"O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras" foi a sua obra


mais polêmica e mais vendida. Qual a causa do "Imbecil Coletivo"?

Eu ficava muito impressionado com a tolice cada vez maior dos nossos
intelectuais, sobretudo no que eles escreviam em revistas e jornais de
cultura. Peguei o hábito de toda semana, no começo da aula, a título de
aquecimento mental coletivo, comentar essas coisas para a classe. Ao
voltar para casa, escrevia o que tinha dito e na semana seguinte
distribuía o escrito para os alunos. Assim fui colecionando, sem
nenhuma intenção de livro, os capítulos que vieram a compor "O
Imbecil Coletivo".

É verdade que o senhor já recebeu ameaças de morte?

Ameaças, não. O que recebi foi informação de um "insider" arrependido,


que me disse que um grupo a que pertencia já tinha mapeado meus
trajetos e horários, já fazia ponto na esquina do meu prédio e aguardava
o momento propício de armar uma tragédia. Contei a coisa a um amigo
e ele me sugeriu que pusesse um aviso na minha homepage, para que o
grupo soubesse que o plano tinha vazado. Um outro amigo, o ex-
ministro da Cultura, Jerônimo Moscardo, embaixador do Brasil na
Romênia, leu a coisa e me ofereceu um trabalho temporário em
Bucareste. Fiquei lá uns meses até a coisa amansar e voltei.

Qual o seu maior sonho profissional?

Na área da investigação, completar as pesquisas que comecei. Como


escritor, completar os livros em preparação, especialmente "O Olho do
Sol" e "Ser e Poder". Na educação, conseguir formar uma centena de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/quee.htm (7 de 9)16/4/2007 10:56:42


Que é que você quer com a filosofia?

intelectuais da pesada para eles educarem o Brasil de amanhã, se


houver tempo. No jornalismo, quebrar o monopólio que domina a
cultura brasileira e abrir espaço para um debate intelectual decente.
Feitas essas coisas, pretendo me dedicar mais à vida espiritual, porque
no fundo a única coisa interessante é Deus.

Quais leituras que o senhor indicaria para aqueles que queiram saber
um pouco mais sobre Filosofia?

A "História da Filosofia" de Frederick Copleston e "Dialectics" de


Mortimer J. Adler são um bom começo.

Quando será lançado o próximo livro? Qual o assunto?

Vou lançar em breve uma coletânea de ensaios, "História e Ilusão" e


uma reedição de "O Jardim das Aflições". Tenho também dois livros
escritos pela metade, "O Olho do Sol", sobre teoria do conhecimento, e
"Ser e Poder", filosofia política. Espero terminá-los logo.

Quantos artigos o senhor escreve por semana? Para quais jornais e


revistas?

Escrevo quatro artigos mensais para "O Globo", quatro para "Época",
dois para o "Jornal da Tarde", dois para "Zero Hora" e um para
"Bravo!", além de colaborações esporádicas em revistas e jornais de
estudantes.

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Que é que você quer com a filosofia?

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Crença e percepção

Crença e percepção

Olavo de Carvalho

Notas para uma das próximas aulas do Seminário de Filosofia.

A consciência cognitiva do sujeito concreto – com tudo o que nele está


subentendido de biológico, de histórico-social e de espiritual – é
rigorosamente o único campo de observação onde podem ser estudados
diretamente os problemas da teoria do conhecimento. Os processos
cognitivos não podem ser totalmente objetivados e reduzidos a
esquemas gerais e médios sem que deixem de ser, precisamente,
processos cognitivos e se tornem seus meros símbolos lingüísticos,
submetidos portanto a leis e condições que, em relação ao
conhecimento enquanto tal, são, por assim dizer, de segundo grau e, na
verdade, coisa já diversa e outra.

O processo do conhecimento deve ser surpreendido in fieri, isto é, no


lugar e no momento onde se dá. Só aí pode-se dizer que o observamos.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/crenca.htm (1 de 5)16/4/2007 10:57:04


Crença e percepção

Ele nunca se dá genericamente ou especificamente, mas sempre


singularmente e no próprio sujeito que o examina. Fora disso,
escapamos da observação e entramos na rememoração e na análise
lógica.

Nesse sentido, colocar uma questão como a das origens ou fundamentos


da nossa "crença no mundo exterior", como se fosse coisa básica e da
qual dependesse a validade cognitiva da percepção, é uma grave
alienação das condições concretas em que se dá a nossa relação com o
mundo exterior e a reflexão que fazemos sobre ela.

O mundo exterior, no instante em que é apreendido, não é jamais


apreendido como "crença", e sim como dado, presença, injunção ou
coisa assim, sem qualquer mediação de uma crença. Se não fosse assim,
não haveria diferença entre nossa relação com o mundo exterior e a
relação que temos com nossas crenças, isto é, não haveria diferença
entre o agir e sentir, de um lado, e a memória e reflexão, de outro –
diferença que, não obstante, não só se nos apresenta de maneira
imediata e intuitiva mas é também a condição mesma da própria
reflexão.

A "crença" no mundo exterior não é pois um elemento da percepção e da


ação, mas um momento da reflexão, totalmente ausente no ato mesmo
da percepção e da ação. A prova mais eloqüente disto é que aqueles
filósofos que não creem no mundo exterior percebem esse mundo da
mesma maneira que os outros, que nele crêem; ou, mais claramente
ainda, eu próprio, se alternadamente creio no mundo exterior ou duvido
dele, filosoficamente, nem por isto o percebo diferente no instante em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/crenca.htm (2 de 5)16/4/2007 10:57:04


Crença e percepção

que o percebo.

Como elemento da reflexão, desnecessário à percepção e à ação, a


"crença" não pode ser apreendida empiricamente no ato da percepção e
da ação senão per accidens e nas ocasiões excepcionais em que entre
nelas um componente essencial de reflexão, como por exemplo no ato
da leitura ou da comparação consciente entre um objeto percebido
agora e um outro conservado na memória.

Isso já basta para provar que a crença, não sendo essencial ao


conhecimento perceptivo do mundo exterior, também não pode ser
fundamento dele, mas somente fundamento de conclusões que, na
reflexão, tiramos eventualmente do que sabemos dele. A noção de
"crença" é pois uma premissa menor que introduzimos na reflexão
gnoseológica, mas que não obtemos diretamente do exame dos processo
cognitivos concretos, e sim de uma suposição extra que fazemos ex post
facto para "explicá-los".

Ora, de onde podemos extrair a idéia de que nossa aceitação espontânea


dos dados percebidos é uma "crença", senão de um raciocínio que,
partindo da dúvida cética ou crítica, coloca essa aceitação "entre
parênteses"? Se, na reflexão, fazemos abstração da presença atual dos
dados e raciocinamos somente sobre sua representação, seus conceitos
ou seus símbolos, aí já se introduziu entre sujeito e objeto aquele hiato
sem o qual não haveria a possibilidade da dúvida e portanto a
possibilidade de explicar como "crença" aquela aceitação espontânea.
Mas é esse hiato que, precisamente, não pode haver no ato da percepção.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/crenca.htm (3 de 5)16/4/2007 10:57:04


Crença e percepção

A aceitação espontânea dos dados não é, de maneira alguma, uma


"crença", embora possa, na reflexão, se expressar sob a forma de crença.
Acreditar, portanto, que a resposta a uma pergunta sobre "qual o
fundamento da nossa crença no mundo exterior" possa nos ajudar a
compreender algo sobre os processos reais e concretos do conhecimento
é confundir percepção e reflexão e afastar-se infinitamente da
possibilidade de uma elucidação do problema.

A consideração destas observações basta para por à mostra a inocuidade


das longas especulações que, sobretudo na tradição filosófica anglo-
saxônica, têm se concedido a esse ponto.

O fenômeno da aceitação espontânea deve ser estudado em si mesmo,


tal como se dá efetivamente no ato da percepção, e não na interpretação
secundária a que damos o nome de "crença". Bem ao contrário, a
aceitação espontânea é que pode ser alegada retrospectivamente como
razão em favor da crença ou da descrença. Podemos, é claro, refletir
sobre essa aceitação espontânea, mas jamais caindo na esparrela de
confundi-la com uma "crença", pois, uma vez feita a confusão, não
encontraremos outro fundamento para a crença senão a crença mesma
e, aí, fazer correr rios de tinta não nos libertará da dúvida cética nunca
mais, como parece acontecer, de fato, na tradição anglo-saxônica,
mesmo entre os autores mais "realistas", como por exemplo Bertrand
Russel, que nunca pode crer no mundo exterior sem sentir que faz uma
concessão à fragilidade humana ou, pior ainda, que se permite uma
indulgência no pecado.

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Crença e percepção

03/09/00

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Tudo o que você queria saber sobre a direita -- e vai continuar não sabendo

Tudo o que você queria saber sobre


a direita – e vai continuar não sabendo

Olavo de Carvalho
O Globo, caderno Prosa & Verso, 22 de setembro de 2000

O leitor sabe quem são von Mises, Hayek, Rothbard, Kirk, Muggeridge,
Horowitz, Sowell, Babbit, Scruton, Peyrefitte, Jouvenel, Voegelin,
Guénon, Nasr, Schuon, Lindblom, Rosenstock-Huessy, Rosenzweig,
Kristol? Se perguntar a um direitista culto, ele lhe dirá: São os principais
pensadores de direita do século XX. Mas, se procurar os seus nomes na
lista de verbetes deste "Dicionário Crítico do Pensamento de Direita",
não os encontrará. Em lugar deles, topará com uma lista de tarados,
psicopatas, esquisitões, assassinos e genocidas -- de Röhm a Eichmann
--, muitos deles de identidade ideológica incerta, além de autores de
terceira ordem e personagens de importância episódica. De escritores
significativos, só os mais enfezados e atípicos, como Charles Maurras,
que terminou excomungado por um papa conservador, e Ezra Pound,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/naosabendo.htm (1 de 4)16/4/2007 10:57:17


Tudo o que você queria saber sobre a direita -- e vai continuar não sabendo

cujos escritos políticos ninguém leu e que o próprio autor do verbete só


conhece por referência indireta. Dos direitistas normais sobraram
apenas Ortega, Pareto, Schmitt, Michels, Mosca, Heidegger, Gentile e
Burke, além de alguns brasileiros. Em compensação, há verbetes sobre
Walt Disney, cuja única contribuição ao "pensamento de direita" foi
delatar uns agentes comunistas, sobre Eleonora Duse, da qual só não se
pode dizer que não deu nada porque foi amante de um direitista, e sobre
Monica Lewinsky, que para a direita só deu assunto.

Se você quer saber o que é a direita, não há de ser aqui que vai obter
uma resposta. Mas, se quer saber o que a esquerda deseja que você
imagine que a direita é, então, amigo, este é o livro para você. Devore
estas páginas em que 120 professores torraram o melhor de seus
neurônios e uma substancial verba de pesquisa, e sairá ignorando tudo
o que é preciso ignorar para passar de ano na escolinha de militantes em
que se transformou a universidade brasileira.

É verdade que o Dicionário começa com uma introdução onde o


organizador mostra não ignorar o assunto de todo. Mas, se ele sabe o
que é conservadorismo, então por que permite tanto esforço, no resto do
livro, para confundi-lo com fascismo e nazismo, que tiveram contra si as
mais poderosas forças conservadoras da modernidade, o
"establishment" norte-americano e o Império Britânico? De 282
verbetes, 67 são sobre nazismo -- a quarta parte do livro, sem uma
menção sequer ao fato de que eminentes conservadores julgam o
nazismo um movimento de esquerda. Especialmente útil para
consolidar a noção falsa é a profusão de verbetes sobre anti-semitismo,
todos omitindo que esse fenômeno nada tem de essencialmente

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Tudo o que você queria saber sobre a direita -- e vai continuar não sabendo

direitista, já que endossado por Karl Marx e praticado abundantemente


na URSS.

Um "dicionário do pensamento de esquerda" que, omitindo a maioria


dos autores essenciais, ao mesmo tempo enfatizasse os cem milhões de
mortos, o Gulag, os Processos de Moscou e o trabalho escravo que
construiu as economias da URSS e da China, mesmo sem faltar com a
verdade nos detalhes, seria considerado pura propaganda direitista e
não mereceria comentário. Mas este é propaganda enganosa, que atribui
à direita pecados notórios da esquerda, como por exemplo a política
racial norte-americana que fortalece as identidades dos grupos
separados, incentivando o orgulho e a divisão.

As 460 páginas do livro, divididas pelo número de autores, resultam em


menos de quatro para cada um, seguidas de indicações bibliográficas
que raramente ultrapassam o total de cinco títulos e quase nunca se
reportam a textos originais. Não obstante, o organizador proclama que
redigi-las custou quatro anos de trabalho e não poderia ter sido feito
sem o auxílio financeiro de três instituições patrocinadoras. Espero,
pelo bem da reputação intelectual da equipe, que isso não seja verdade.

O que não se pode negar é que se trata de obra original: este é, nos anais
da história editorial, o primeiro livro dedicado a um dos autores que o
subscrevem.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/naosabendo.htm (3 de 4)16/4/2007 10:57:17


Tudo o que você queria saber sobre a direita -- e vai continuar não sabendo
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O homem que está polemizando o Brasil

O homem que está polemizando o Brasil

Este editorial e o artigo do prof. Cândido Prunes que o segue foram


publicados no Informativo do Instituto Liberal do Rio Grande do Sul,
Ano VI , Setembro de 2000. O homenageado agradece, profundamente
comovido, mas protesta com veemência contra a afirmativa de que é
fluente em meia dúzia de idiomas: ele é gago por igual em todos eles. -
O. de C.

Olavo de Carvalho não é daqueles pensadores que vivem dependurados


na mídia para exercitar a musculatura do seu ego. Praticamente foi
intimado pelo amigo e poeta Bruno Tolentino a polemizar o besteirol
letrado em voga na imprensa brasileira. Agora que está assinando
periodicamente colunas em publicações nacionais (além da mensal no
Jornal da Tarde, as semanais em O Globo e na revista Época), parece

http://www.olavodecarvalho.org/textos/polemizando.htm (1 de 5)16/4/2007 10:57:32


O homem que está polemizando o Brasil

que o Brasil finalmente começará a reconhecer o seu mais polêmico e


culto pensador. Para os seus amigos e admiradores, o site (www.
olavodecarvalho.org) que ele mantém atualizado na internet já era uma
referência obrigatória. Quem quiser se vacinar contra o festival de
asneiras que assola o país em todas as direções, encontra ali várias
opções para se imunizar contra as idéias viciadas. Dos debates pontuais
(desarmamento da população, educação, os sem-terra, aborto, etc.),
passando pelos textos de apresentação da coleção Biblioteca de Filosofia
(“A coleção se inspira na idéia de sacudir um pouco a letargia mental
dos nossos meios universitários, cujo cardápio de leituras é muito
repetitivo”, diz), pelos filmes que mais admira, Olavo de Carvalho é um
exemplo cada vez mais raro do que assinala a frase de Nelson
Rodrigues: “É um contínuo de si mesmo”. Este é mais um achado de
outro amigo e parceiro em polêmicas, o advogado Cândido Prunes, que
afirma: “Olavo de Carvalho é plural. Olavo é Olavos de Carvalho”.

De fato, se fosse unicamente para atender o seu maior prazer


intelectual, ficaria sossegado no seu canto estudando e exercendo a
atividade que mais gosta: ensinar filosofia com bom humor, ou seja,
ensinar a quem gosta de pensar sem cartilhas. Mas a nossa alienação
cultural, ambientada por modas e paixões, que a impedem de enxergar
as coisas mais óbvias, fizeram que ele levantasse a suspeita de que algo
no cérebro nacional não ia bem. Daí saltou a sua veia de polemista
número um do país.

Em uma entrevista à revista República, em fevereiro deste ano, Olavo de


Carvalho rejeita, no entanto, o papel de líder do que quer que seja: “Eu
defendo uma idéia não porque ela seja de direita ou de esquerda, mas

http://www.olavodecarvalho.org/textos/polemizando.htm (2 de 5)16/4/2007 10:57:32


O homem que está polemizando o Brasil

porque parece coincidir com a realidade do momento. Eu não tenho


nenhuma pretensão de chefiar movimento. Se o Brasil quiser um
ideólogo, que vá procurar outro”, alerta.

De uma vez por todas longe da universidade, Olavo de Carvalho apenas


pretende continuar a escrever seus livros, que já ultrapassam uma
dezena, nos quais cinema e filosofia de primeira qualidade podem
conviver tão bem para o espanto cada vez maior de seus leitores e
alunos. “Não reclamo, não saio por aí gritando que professor deveria
ganhar mais. Levo a vida que escolhi, faço o que gosto. Não vejo por que
deva responsabilizar os outros por minhas opções. Se eu quisesse ficar
rico, deveria ter escolhido outra profissão”.

Todos os Olavos de Carvalho

Cândido Prunes
Doutor em Direito Econômico

A obra e o estilo de Olavo de Carvalho são únicos no cenário intelectual


brasileiro. Professor, jornalista, escritor e, principalmente, polemista,
ele tem contribuído para o debate de idéias mais do que qualquer
pessoa. Na verdade chegamos quase a estar convencidos de que não
existe apenas um, mas sim vários Olavos de Carvalho.

Ora o vemos engajado em acirrada polêmica com os hierarcas da Igreja

http://www.olavodecarvalho.org/textos/polemizando.htm (3 de 5)16/4/2007 10:57:32


O homem que está polemizando o Brasil

da libertação, esgrimindo argumentos teológicos que revelam um


conhecimento profundo da Filosofia cristã. Ora o mesmo Olavo vê-se no
meio da discussão sobre reforma agrária, redargüindo com igual
habilidade as falácias sobre a qual repousa a retórica dos sem-terra. Ora
Olavo vê-se às voltas com juristas e criminalistas, apresentando as
verdadeiras raízes da criminalidade brasileira. Ora recebemos a notícia
de que é um festejado escritor no mundo árabe, autor de uma
interpretação do Alcorão. Num mesmo dia pode-se também ler um
profundo ensaio sobre semiótica publicado em alguma revista
especializada, ou um artigo de jornal bem humorado outorgando o já
consagrado prêmio “Imbecil Coletivo” a alguma figura do universo
intelectual brasileiro tido acima do bem e do mal. O mesmo Olavo pode
defender com sua pena tanto uma grande causa nacional, como um
simples aluno do primeiro ano vítima do patrulhamento ideológico
vesgo de alguma reitoria atrabiliária e acovardada pelo rosnar histérico
de estudantes de uma gauche saudosista. Poliglota, é fluente do francês
ao romeno; do italiano ao árabe, do inglês ao latim. O leitor que for a
uma livraria também vai constatar a impressionante produção
intelectual dos Olavos de Carvalho: livros de filosofia (Aristóteles em
Nova Perspectiva, O Jardim das Aflições, O Futuro do Pensamento
Brasileiro); traduções anotadas (Como Vencer um Debate Sem Precisar
Ter Razão, de Schopenhauer); polêmicas notáveis com a
intelectualidade tupiniquim (O Imbecil Coletivo, fenômeno editorial
brasileiro, com várias edições esgotadas, ignorado pela grande
imprensa); organização de coletâneas, apresentando grandes
intelectuais que efetivamente contribuíram para o avanço das idéias no
Brasil (Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux, cujo texto de

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O homem que está polemizando o Brasil

apresentação é antológico) e por aí segue: uma obra de dimensões


únicas.

Mas a atividade mais impressionante dos Olavos de Carvalho não é com


a pena muitas vezes (com razão e humor) inclemente com os
impostores. Quem já teve a oportunidade de ser seu aluno, pôde
descortinar um outro universo filosófico: clareza de pensamento;
raciocínio crítico; lógica implacável. Esses atributos tornaram os Olavos
de Carvalho inaceitáveis para uma boa parte da mediocridade
acadêmica, jornalística e intelectual brasileira. Expondo os erros
(quando não o ridículo) de sua forma de pensar, os diversos Olavos de
Carvalho são pessoal e atabalhoadamente atacados pelos que vestem a
carapuça, ou são simplesmente ignorados por aqueles que poderiam
com eles aprender muita coisa.

Como se todas essas virtudes não fossem suficientes, todos os Olavos de


Carvalho são singularmente corajosos.

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Comentários às refutações borrônicas

Comentários às refutações borrônicas

Ao publicar nesta homepage os presentes comentários, enviei ao mesmo


tempo a seguinte carta à redação de Época:

Senhor redator: Preferindo guardar meu espaço em Época para coisas


mais importantes, coloquei em meu website, http://www.
olavodecarvalho.org, uma resposta detalhada ao blefe pueril com que,
na edição de 21 de outubro, o sr. Luca Borroni-Biancastelli fingiu
refutar minhas críticas a Lord Keynes.

Olavo de Carvalho

No meu artigo “Palmas para Keynes” (Época, 16 set. 2000) , fiz as


seguintes afirmativas: 1. Keynes protegeu o círculo de espiões soviéticos
de Cambridge. 2. A proposta econômica de Keynes resultava em fazer do
Estado o maior dos capitalistas. 3. O New Deal inspirado em Keynes deu

http://www.olavodecarvalho.org/textos/borronicas.htm (1 de 12)16/4/2007 10:57:48


Comentários às refutações borrônicas

errado e só foi salvo pela eclosão da guerra (que, por definição, favorecia
o controle estatal da economia). 4. A famosa sentença “A longo prazo
estaremos todos mortos” pode ser lida como resposta de Keynes à
crítica de que transformar o Estado em empreendedor geraria inflação
através do aumento dos gastos públicos. 5. Os admiradores que louvam
Keynes como salvador do capitalismo são sobretudo burocratas
esquerdistas aos quais ele deu um lugar de honra no seu novo modelo
pseudocapitalista.

Prometendo arrasar mediante seu saber econômico de grosso calibre a


minha “pseudo-análise” de leigo, o prof. Luca Borroni-Biancastelli
(Época, 21 out. 2000) responde com evasivas às duas primeiras
afirmações, nada diz quanto à terceira, falseia os dados
históricos para fingir que desmente a quarta, e por fim dá uma
boa confirmação involuntária à quinta com sua ira de
esquerdista ferido pelas críticas liberais a seu idolatrado
Keynes.

Se isso é uma refutação, o prof. Borroni é um triângulo isósceles. Mas


não me espantaria que ele acreditasse ser um triângulo isósceles, já que
pensa também que meu artigo é uma “pseudo-análise” da teoria de
Keynes, quando obviamente não há ali análise nenhuma, quer genuína,
quer postiça, mas, precisamente ao contrário, a simples expressão
sintética de um julgamento.

É compreensível que quem não sabe distinguir análise de síntese


também não saiba a diferença entre uma refutação e a simples
expressão de uma discordância irritada, sublinhada pela ostentação

http://www.olavodecarvalho.org/textos/borronicas.htm (2 de 12)16/4/2007 10:57:48


Comentários às refutações borrônicas

grotesca de sentimento de superioridade perfeitamente ilusório que


denota antes uma mentalidade de adolescente.

Mas, além de tomar a síntese por análise, o prof. Borroni ainda acredita
que ela é sobre a teoria de Keynes. Basta ler meu artigo com atenção
para verificar que sobre o conteúdo das idéias de Keynes ele contém, no
total, uma só frase, e que essa frase não fala da teoria e sim da proposta
prática que o autor dessa teoria houve por bem deduzir dela. Análise é
divisão de um todo nas suas partes constituintes, e não se vê como seria
possível fazê-la, autêntica ou facticiamente, numa sentença breve e
única que, além do mais, não fala de nenhuma delas e se contenta com
apontar um efeito histórico do conjunto.

Para ser pseudo-alguma-coisa é preciso ter ao menos uma vaga


semelhança com essa coisa, e meu artigo não se parece em nada com
uma análise. Ele pode portanto ser tudo o que o prof. Borroni queira,
pode ser até um aglomerado de bobagens, mas não pode, em hipótese
alguma, ser uma pseudo-análise.

Para um carrancudo Ph. D. empenhado em defender sua jurisdição


acadêmica contra o leigo intruso, o prof. Borroni não se revela muito
hábil no domínio dos instrumentos elementares de toda linguagem
científica.

Para ajudar o ilustre sábio a superar essa sua dificuldade, esclareço, a


título de exemplo pedagógico, que o primeiro parágrafo destes
comentários é um desmembramento analítico das partes do meu artigo
“Palmas para Keynes” e que o segundo é uma síntese dos defeitos que

http://www.olavodecarvalho.org/textos/borronicas.htm (3 de 12)16/4/2007 10:57:48


Comentários às refutações borrônicas

encontrei na argumentação de seu crítico, os quais, para maior clareza,


passo a analisar criticamente:

1. Em resposta à minha afirmativa de que Lord Keynes favoreceu a


espionagem soviética em Cambridge, o prof. Borroni diz: “Quanto às
inclinações ideológicas do grande economista, a verdade é que Keynes
sempre execrou as idéias de Marx.” Ora, uma acusação de cumplicidade
em espionagem não pode, obviamente, ser refutada mediante a alegação
das convicções ideológicas do suspeito. Espionagem não é militância,
que subentende adesão mental. Espionagem pode-se fazer por
profissão, por suborno, por interesse político, por envolvimento forçado,
por chantagem, por espírito de aventura, por mil e um motivos dos
quais a ideologia não é nem de longe o mais relevante. No círculo de
espiões em Cambridge, o autor da mais importante contribuição à URSS
foi Ludwig Wittgenstein, cujas crenças políticas estavam ainda mais
distantes do marxismo que as de Keynes. Da alegação extemporânea do
prof. Borroni só se pode concluir que ele ignora não apenas o que é
refutação, mas também o que é espionagem e, ademais, tudo o que
aconteceu em Cambridge.

2. À minha afirmativa de que “A mágica besta da economia keynesiana


consistia em fazer do Estado o maior dos capitalistas”, o prof. Borroni
oferece duas respostas. A primeira assegura, com ponto de exclamação,
que “Keynes nunca defendeu tal tese!”. A segunda, linhas adiante,
declara que, para Keynes “o governo só deve assumir a tarefa de
promover a retomada do crescimento econômico quando as
condições do sistema não permitirem a atuação eficaz do
capital privado”. Bem, desde logo seria melhor o prof. Borroni

http://www.olavodecarvalho.org/textos/borronicas.htm (4 de 12)16/4/2007 10:57:48


Comentários às refutações borrônicas

escolher uma das duas respostas, pois elas são incompatíveis: ou Keynes
não admitiu que se adotasse nunca a proposta de um Estado-
empresário, ou admitiu adotá-la em determinadas circunstâncias.
A diferença é, precisamente, a que existe entre nada e alguma coisa.
Essa distinção pode ser obscura e dificultosa para o prof. Borroni, mas
não creio que o seja para o restante da humanidade.

Ademais, há nesse caso um outro aspecto que, como aliás praticamente


todos os demais, passou despercebido ao nosso Ph. D.: é que, se Keynes
só admitia o Estado-empresário em certas circunstâncias, isto é,
“quando as condições não permitirem a atuação eficaz do capital
privado”, essas eram precisamente, segundo ele próprio, as
circunstâncias vigentes no momento em que ele publicou sua Teoria e,
de modo geral, em toda a fase histórica que vai do fim da I Guerra
Mundial até... a morte de Keynes! Ou seja: Keynes “nunca” admitiu a
transformação do Estado em empresário, exceto... durante o tempo todo
em que viveu.

A resposta do prof. Borroni é, portanto, apenas uma tentativa frustrada


de lançar uma cortina de fumaça sobre aquilo que todo mundo sabe:
malgrado todas as mediações e atenuações teóricas possíveis, que na
prática ficaram sem efeito, a proposta de Keynes consistiu, sim, em
fazer do Estado o maior dos empresários, aumentando desmedidamente
os gastos públicos e elevando a inflação a alturas estratosféricas.

3. Embora a afirmação do completo fracasso da aplicação das propostas


keynesianas nos Estados Unidos esteja no centro mesmo do meu
argumento contra Keynes, o prof. Borroni nada lhe responde. A omissão

http://www.olavodecarvalho.org/textos/borronicas.htm (5 de 12)16/4/2007 10:57:48


Comentários às refutações borrônicas

é significativa, pois, se um sujeito ameaça dar cabo de nossas opiniões e


depois, em vez de mirar bem no coração e acertá-las com um tiro
mortal, fica tentando roer pelas bordas com uma boca sem dentes, a
única conclusão possível é que não estamos diante de um adversário
sério, mas de um ignorante muito fraco e abusado.

4. Segundo meu artigo, à crítica de que transformar o Estado em


empreendedor geraria inflação através do aumento dos gastos públicos
Keynes teria respondido com sua célebre evasiva “A longo prazo
estaremos todos mortos.” O prof. Borroni acusa-me de citar a frase fora
do contexto e informa que ela, na verdade, foi uma crítica a Alfred
Marshall.

Bem, é certo dizer que coloquei a citação fora do contexto, mas o prof.
Borroni faz pior: coloca-a num contexto falso.

Na verdade puramente textual, a frase não foi dita nem para defender a
teoria do próprio Keynes nem para atacar a de qualquer outro. Foi
apenas uma observação a propósito de empréstimos de guerra
concedidos pelo Tesouro inglês em 1917 e cujo retorno estava
demorando mais do que o esperado. (1)

Eu e o prof. Borroni, portanto, ambos cometemos o mesmo delito. Não é


delito grave, em si mesmo. Uma frase dita em determinada ocasião por
um pensador pode ser perfeitamente usada para resumir ou parafrasear
coisas que ele disse em outra ocasiâo, caso o sentido geral coincida ao
menos esquematicamente. Por exemplo, Karl Marx não disse em parte
alguma de O Capital que “a moderna sociedade burguesa não eliminou

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Comentários às refutações borrônicas

os antagonismos de classe”. Ele disse isso no Manifesto Comunista,


trinta anos antes, mas a frase resume, de antemão, páginas e páginas de
O Capital. Portanto, num texto jornalístico, sem obrigatória fidelidade
literal ou remissão científica a fontes textuais, não haveria nada de mais
em usar essa frase como alusão à doutrina de O Capital.

Identicamente, não é abuso usar da frase de Keynes sobre o empréstimo


de 1917, seja para resumir sua atitude ante as advertências de seus
críticos, seja para condensar sua crítica a Marshall, pois o sentido é
esquematicamente o mesmo em ambos os casos e em ambos trata-se
apenas de aludir e resumir sem distorcer. Na verdade, o uso dessa frase
como uma espécie de síntese da atitude intelectual de Keynes tornou-se
geral entre economistas e não-economistas, keynesianos ou
antikeynesianos, mais ou menos como se faz com o “Eppur si muove” de
Galileu ou o “Cogito ergo sum” de Descartes, também citados
abundantemente fora de contexto, sem qualquer prejuízo do sentido
geral das idéias que resumem. Não há nisso nada de especialmente
perverso.

A perversão começa no preciso momento em que o prof.


Borroni tenta induzir o leitor a crer que, das duas alusões
deslocadas, uma é abusiva troca de contexto e a outra, a sua,
uma rigorosa citação textual. Aí já abandonamos o terreno da
licença jornalística e entramos no da falsificação de fontes.

Nossos delitos, pois, não são o mesmo. A diferença é a que existe entre
uma figura de estilo usada para abreviar a explicação e uma fraude
concebida para fins difamatórios.

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Comentários às refutações borrônicas

5. Que os louvores a Keynes como salvador do capitalismo venham


sobretudo de pessoas que teriam tudo para odiá-lo se ele realmente o
fosse, é coisa que não preciso provar, pois o próprio prof. Borroni o
prova no momento em que qualifica minhas críticas de “apologia da
direita econômica mais obtusa”. A palavra “direitista”, certamente, só
pode ser um insulto desde o ponto de vista da esquerda, e é este o ponto
de vista que o prof. Borroni subscreve ao fazer a apologia de Keynes.

O tom irritado das suas observações, o nervosismo de uma lógica que se


atropela e esborracha em autocontradições a cada linha bem mostram
que o prof. Borroni ressentiu minhas críticas a Keynes como uma ofensa
intolerável à dignidade do ofício de economista que ele crê, por motivos
insondáveis, representar muito bem. E tão piamente ele se imagina a
encarnação mesma do saber acadêmico nessa área, que, sem a menor
suspeita de que possa ter-se enganado, ele supõe que quem quer que
diga as coisas que eu disse de Keynes só pode tê-las aprendido de ouvir-
dizer ou de introduções populares de segunda-mão escritas por leigos.

Bem, mesmo que essa conjetura fosse verídica, ela não bastaria para
impugnar essas críticas como “velhos chavões desprovidos de qualquer
fundamento científico”, precisamente porque o valor de uma crítica não
está no prestígio acadêmico da sua fonte, mas na veracidade do seu
conteúdo.

Mas o fato é que, ao embarcar nessa suposição com fé de carbonário, o


prof. Borroni só revela a sua completa ignorância de que tais críticas a
Keynes – e outras muito mais graves – não constam só de livretos
populares e sim de obras fundamentais da economia, que, por não as

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Comentários às refutações borrônicas

conhecer, ele imagina inexistentes e impossíveis de existir.

Ludwig von Mises, por exemplo, o mestre da escola austríaca, e


indiscutivelmente um clássico da ciência econômica, diz que a
esperança de corrigir as distorções da economia mediante a intervenção
do Estado “é a fábula de Papai Noel elevada por Lord Keynes à
dignidade de doutrina econômica, entusiasticamente apoiada
por todos aqueles que esperam obter vantagens pessoais com
os gastos do governo” (2). É o mesmo que eu digo em “Palmas para
Keynes”. O prof. Borroni pode alegar que isso é “de direita” e que ser de
direita é o supremo pecado. Mas terá a cara de pau de alegar que é
opinião de não-economista ou citação extraída de manual popular? Do
mesmo modo, não será um excesso de presunção crer, sem exame, que
nada se pode alegar contra Keynes exceto “velhos chavões sem valor
científico”, quando a própria doutrina de Keynes é descrita por von
Mises como uma coleção de “crenças populares racionalizadas e
elevadas à categoria de uma doutrina quase-econômica”?

Por que ludibriar o público, levando-o a imaginar que está diante de um


confronto entre o saber especializado e a ignorância leiga, quando os
ataques a Keynes não partem de fontes estranhas à ciência econômica,
mas de economistas muito mais qualificados que um milhão de
Borronis?

Mais adiante, diz von Mises: “Na prática, todos esses expedientes
de uma suposta política de pleno emprego mais cedo ou mais
tarde conduzem à instauração de um socialismo modelo
alemão (nazismo).” Terá o prof. Borroni a desfaçatez de negar que a

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política econômica keynesiana do governo Roosevelt se apoiou em


medidas policiais e repressivas, com campo de concentração e tudo? Se
tem, que leia então John T. Flynn, The Roosevelt Myth (3), e depois
opine com conhecimento de causa, em vez de presumir que a exibição
caipira de títulos acadêmicos substitui com vantagem a informação
exata e o estudo sério.

O mais curioso no texto do prof. Borroni é sua confissão final de que


Keynes tinha “escasso interesse pela máquina burocrática estatal” e que
isso constitui “um ponto frágil” da sua doutrina, bem como, aliás, da de
Marx. Ora, esse desinteresse, mais que mera fragilidade teórica do
pensamento de Keynes, revela nele (como também em Marx) uma
espantosa leviandade e um imoral desinteresse pelos meios práticos de
realização de suas idéias. Pois, se a burocracia é o instrumento por
excelência da mudança, ignorá-la é simplesmente falsear por completo o
próprio raciocínio econômico, produzindo a impressão de que o Estado
é um Deus ex machina que pode agir sobre a economia sem depender
dela, sem ser sustentado por ela, dando miraculosamente ao povo algo
que não tomou desse mesmo povo. É desencadear conseqüências
econômicas, políticas e sociais monstruosas, cuja previsão deve
constituir motivo de inquietação para todos, exceto para o teórico
nefelibata que, do alto da sua torre de marfim, considera o mundo um
jogo intelectual e, seguro de estar morto a longo prazo, faz dos destinos
da humanidade um brinquedo, como O Grande Ditador de Charlie
Chaplin.

Por isso mesmo, não considero imprópria a linguagem com que falei de
John Maynard Keynes. Segundo o prof. Borroni, é linguagem “de

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Comentários às refutações borrônicas

taberna”, porque usa o termo “desgraçado”. Mas “desgraçado” é termo


religioso: designa aquele que foi excluído da Graça. Keynes e seu círculo
de amiguinhos em Cambridge estavam bem cientes de sua radical
inimizade a um Deus que não chegavam a declarar inexistente. Por isso
mesmo, numa caricatura explícita, denominaram “Os Apóstolos” a seu
grupo, unido não no amor de Cristo, mas na mútua sedução erótica e na
comum afeição a jogos intelectuais de um artificialismo sem par, entre
os quais o mais divertido era a espionagem a serviço de uma ideologia
assassina na qual nem sequer acreditavam: se podiam brincar com o
inferno, por que não haveriam de brincar com os destinos da Terra?

Esse aspecto das coisas é fundamental para quem deseje compreender a


inspiração que movia o grupo de Cambridge. Posso falar dele com mais
detalhe, numa outra ocasião. Mas ele está tão longe do círculo de visão
do prof. Borroni quanto a burocracia estava longe das cogitações
daquele que, brincando, brincando, entregou a ela as chaves da
onipotência. Por isso, em vez da associação bíblica que o autor do texto
teve em vista, a palavra “desgraçado” só traz ao seu pretenso crítico a
evocação extemporânea de um ambiente de taberna em cuja
conversação, decerto, predominam expressões de teor bem diverso,
provavelmente até mais adequadas a descrever o caráter de Lord
Keynes. Nisto, como em tudo o mais, o prof. Borroni passou longe da
questão. Talvez assim seja melhor: ele não tem ainda nem o saber nem a
maturidade espiritual necessários para tomar consciência do tipo de
jogo em que se meteu.

Olavo de Carvalho

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Comentários às refutações borrônicas

Notas

(1) Collected Works, vol. IV, p. 65.

(2) Ação Humana. Um Tratado de Economia, trad. Donald

Stewart Jr., Rio, Instituto Liberal, 2a. ed., 1995, p. 748.

(2) Old Greenwich, Connecticut, Popsvox Publishing, 1997.

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Petismo e revolução armada

Petismo e revolução armada

Entrevista de Olavo de Carvalho à Rádio Gaúcha


21 de agosto de 2000
Transcrição de Luiz Triches dos Reis

NB - Todas as correções que introduzi estão assinaladas entre


colchetes. - O. de C.

Ranzolin: O senhor é filósofo e jornalista, conhecido dos


gaúchos pelos artigos que publica em Zero Hora. Por que o
senhor tem afirmado que a esquerda tornou-se hegemônica?

Olavo de Carvalho – Veja que, desde que começou o regime militar, a


esquerda brasileira começou uma vasta operação, que já vem de muitas
décadas, que consistia, primeiro, em infiltrar-se em todos os escalões do
aparelho de Estado. Segundo: tomar de maneira avassaladora todos os
meios de comunicação, as instituições culturais, o aparato educacional e
até mesmo os consultórios de psicologia, consultórios de

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Petismo e revolução armada

aconselhamento matrimonial, todos os canais por onde o povo ouve


alguma coisa. Isso chama-se, na estratégia do teórico esquerdista
Antonio Gramsci, que é a grande influência da esquerda brasileira, a
“Revolução Cultural”. Ou seja, operar uma transformação tão sutil na
escala de valores, no imaginário, na mente das pessoas, que se possa
fazer uma transição para um governo comunista quase que de maneira
indolor. A dor só será sentida depois, quando os comunistas já
estiverem com o poder na mão e começarem as perseguições, as ações
punitivas. Mas a transição ninguém percebe que já está acontecendo, e
acontece diariamente, diante dos nossos olhos, sendo que o público está
muito mal-informado. Veja, por exemplo, o PT. Ele é um partido sui
generis. Se você vê a propaganda do PT, o que [os candidatos dele]
falam em palanques, anúncios, artigos e discursos na Câmara, é uma
coisa. Se você lê o material interno, discutido em congressos do PT, é
outra. Para fora eles falam em combate à corrupção, em democracia.
Dentro, eles falam em tomada do poder, em luta de classes, em toda
aquela velha conversa comunista. É um partido que por dentro é uma
coisa, por fora, é outra. Isso já é uma coisa de uma desonestidade tão
grande, que nem vejo como um partido desses possa existir legalmente.
É o único partido que adquiriu os meios e o direito de agir na esfera
legal e na ilegal. Por um lado participa de eleições, por outro lado, tem
ramificações [clandestinas] e apóia o movimento armado. Ou uma coisa
ou outra. Ou você participa da esfera legal, das eleições, ou você parte
para a esfera ilegal e pega em armas e faz uma revolução armada. Agora,
o PT tem o direito de atuar nas duas frentes.

Ana Amélia: Se há essa infiltração da esquerda dentro do

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Petismo e revolução armada

“establishment” governamental e em todas as áreas que o


senhor acabou de citar, como é que eles não denunciaram os
desmandos no caso do TRT de São Paulo, por exemplo, já que
eles estão dentro do sistema?

Olavo de Carvalho – Veja, tudo isso é feito de uma maneira lenta e


calma. O processo é de uma sutileza fantástica. Na Itália, onde essa
técnica foi utilizada pela primeira vez, o Partido Comunista tinha
preparado a tomada do poder durante quarenta anos, tanto que
ofereceram ao seu secretário-geral, Palmiro Togliati, o cargo de
primeiro-ministro. Ele não aceitou, por achar que era prematuro. Isso
depois de quarenta anos. Imagine a sutileza do negócio. Isso não é feito
do dia para a noite. E veja: incentivar a corrupção para depois denunciá-
la é uma coisa característica [dos comunistas]. A atividade cultural da
esquerda, dentro das escolas, sobre a mente popular, visa sempre
destruir o centro de valores, o centro de moral. Isso incentiva [a
corrupção, é] uma das principais causas da corrupção. Aí, quando a
corrupção acontece, o partido a denuncia. E jamais assume a sua
responsabilidade por esse estado de coisas.

Ranzolin – Professor, não quero perder a oportunidade de


perguntar o que o senhor quer dizer quando afirma que
dentro da ideologia comunista o significado de luta pela
democracia tem um significado específico, bem diferente do
que tem na linguagem corrente.

Olavo de Carvalho – Isso é uma questão clássica, vem de 1910,


quando o Lenin fez a revolução na Rússia. Você faz a revolução em duas

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Petismo e revolução armada

etapas, a primeira [é] democrática, e a segunda é a revolução socialista.


Exatamente como na Rússia, onde houve duas revoluções, exatamente
como na China, ou em Cuba. Primeiro uma mudança democrática que
só serve para abalar a estrutura do sistema. Na hora em que ele está
destruído, você cria um caos, onde o grupo que comanda o processo
adquire o poder absoluto. “Luta pela democracia” é um termo técnico,
uma etapa para a revolução comunista. No Brasil, ninguém mais sabe
disso. Fora do círculo que promove isso, o povo não sabe. O povo não
tem mais informação, está acreditando que o comunismo acabou, que
não existe mais, não é? A própria esquerda alimenta isso. Abrindo um
parêntese: eu não sou contra a esquerda, não. O que não deve existir é
uma esquerda revolucionária, isto é, a pior das corrupções, das
maldades. As pessoas só acreditam em corrupção quando envolve
dinheiro. Quando é uma corrupção gigantesca, que envolve a tomada do
poder, para instalação de um poder absoluto, [o povo] não percebe que
isso é corrupção.

Ranzolin – Mas aqui no Brasil houve, o senhor mesmo tocou


nesse ponto, uma luta pela redemocratização, uma luta para
retomar a normalidade democrática. Aí o senhor diz que
apenas uma parte dos objetivos foi alcançada, a parte menor.
Qual era a parte maior?

Olavo de Carvalho – No plano da esquerda -- esse plano inclusive


está escrito, está falado --, a revolução tinha duas etapas. A primeira era
a redemocratização, que era simplesmente para criar uma situação
caótica, seguida pela tomada do poder. É exatamente o que está
acontecendo. Se você [examinar] todo o processo redemocratizatório e a

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Petismo e revolução armada

Constituição de 1988, [verá que ele] é todinho conduzido pela esquerda.


Um grupo de esquerda muito discreto, não necessariamente formado
pelas pessoas que aparecem. Não estou falando em Luíza Erundina e
Olívia Dutra, mas de gente muito mais sofisticada, que estudou o
marxismo por vinte ou trinta anos, [pessoas] que estão habilitadas a
implementar esse processo da revolução sutil, da revolução cultural, que
eles chamam também de revolução passiva, o que é maligno, porque a
revolução passiva é a que acontece sem ninguém perceber e onde a falta
de reação do povo é interpretada pela cúpula comunista como
aprovação.

Ranzolin - O senhor é a favor da extinção da esquerda?

Olavo de Carvalho – De maneira nenhuma! Todo país tem de ter


esquerda, centro e direita. O que não pode é um partido usar
instrumentos revolucionários.

Ana Amélia – O senhor citou alguns partidos que estariam


comprometidos com essa revolução. Agora, o PPS, o PSB de
Arraes, o PDT de Brizola, o PSDB, estariam nessa linha?

Olavo de Carvalho – O PSB eu não tenho informações corretas, eu


não posso dizer. Mas as ligações entre o PT e o MST são evidentes. Há
uma parceria. Um faz as coisas na esfera da violência e o outro se senta
no Parlamento. Se você olhar a história do comunismo, vai ver que é
assim há séculos. Só que a fórmula é escondida do povo. O povo não
sabe dessa diferença [entre os] discurso das teses internas do PT e a sua
propaganda. Essa diferença é notável. Mas o povo não lê esses

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Petismo e revolução armada

documentos.

Ranzolin – O que fazer para fortalecer a democracia do País,


em última análise?

Olavo de Carvalho – Em primeiro lugar, é necessário que os partidos


que não são de esquerda, que não são coniventes com essa coisa, tomem
consciência de que nós estamos vivendo em um processo revolucionário
em preparação acelerada. Estamos à beira da tomada do poder pelos
comunistas num processo revolucionário. O Brasil foi designado para
ser o lugar onde a fênix comunista vai renascer. Isso é uma decisão
firme tomada [pela] esquerda, o processo está em curso, acontecendo
[sob as] nossas barbas. A primeira coisa é tomar consciência e se
informar urgentemente. E adquirir também o senso de ter as
informações para perceber que coisas que outros partidos consideram
imorais, para os comunistas são perfeitamente normais. Por exemplo,
você fazer uma campanha só de fachada, sem a intenção verdadeira de
levar aquilo adiante, é uma coisa impensável. Para os comunistas, não.
Por exemplo, a famosa Campanha Contra a Fome e a Miséria, do
Betinho. Para o público o Betinho dizia uma coisa, em particular [dizia
que seu objetivo] não era nada daquilo. Era chegar à socialização dos
meios de produção. Dentro do regime comunista. [Em] público, [a
campanha] era [para] socorrer os pobres numa emergência, no recinto
privado eram recursos para fazer a revolução. Essa campanha contra a
corrupção que [está] aí, você veja que nos autos de acusação nunca tem
gente da esquerda, nunca tem gente deles. Compreendeu? Isso está
muito bem articulado. Se você pegar a classe jornalística de São Paulo e
Rio, 75% são petistas e estão coniventes com isso.

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Petismo e revolução armada

Ana Amélia – O fato de eles cuidarem mais da moralidade não


é para ter essa imagem de pureza perante a opinião pública?

Olavo de Carvalho – Bom, é muito simples, de fato eles cuidam mais


da moralidade. Pelo seguinte: eles têm mais poder sobre os seus
militantes. Eles visam ao processo revolucionário e não vão permitir que
os seus militantes estraguem a revolução roubando um pouquinho de
dinheiro aqui e ali. São muito policiados, nesse sentido. Eles passam a
impressão [de honestidade], mas essa honestidade é só com o dinheiro
público. O que eles estão fazendo por trás, essa desmontagem do
sistema, essa operação revolucionária clandestina, é infinitamente mais
desonesta do que qualquer desvio do dinheiro público.

Ana Amélia – Como é que a direita está se articulando contra


isso?

Olavo de Carvalho – Em primeiro lugar, não existe mais direita


nenhuma. Há partidos muito enfraquecidos que nem têm uma tomada
de posição. O pessoal do PFL só tem discurso em favor da iniciativa
privada. E ponto. Como um discurso desses pode se opor a uma
operação dessas [dimensões]? Não há ninguém no PFL que saiba disso
que eu estou falando!

Ana Amélia – Nem o ACM?

Olavo de Carvalho – Que ACM? Aquele não sabe nada. É um homem


ingênuo. É um bobão. É isso o que eu estou dizendo: [é] preciso cultura,
é preciso conhecimento, é preciso ter estudado história. Nossos políticos

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Petismo e revolução armada

são todos semi-analfabetos, não lêem livros. A história das revoluções


comunistas ninguém conhece no Brasil, e [ela] está acontecendo de
novo sob as nossas barbas.

Ana Amélia – Nesse aspecto, pelo menos um setor não está


agindo com a sutileza que o senhor comenta. É o caso do MST.
Que é um dos movimentos mais importantes...

Olavo de Carvalho – (interrompendo) O MST é um dos braços. Como


eu disse, existem duas frentes, ou dois andares. Existe a atuação legal,
através do Partido Comunista (1), e a ilegal, que é preparar a guerrilha,
os guerrilheiros, a rede de espionagem. O MST é uma das alas do
negócio. Mas em perfeita consonância com o resto da esquerda. Não se
estudam mais essas coisas. As pessoas ignoram. Na juventude fui
comunista. Estudei as obras de Lenin, de Karl Marx. Fui um comunista
até muito aplicado. Para um comunista experiente, isso que eu disse é
arroz-com-feijão, mas, para a população brasileira, isso aqui é um
[mistério] (2), ninguém tem a menor idéia disso. Tem pessoas aí que, se
você [lhes disser] que o PT é um partido comunista, dirão que você está
maluco, porque o PT jamais fala isso em público. Então, eu digo: leiam
as atas dos congressos do PT, leiam o material interno do PT, que não é
secreto, e vocês verão que as decisões, a estratégia, tudo é exatamente
igual a todos os partidos comunistas do mundo.

Ranzolin – E qual é professor, qual é o recurso ideológico dos


liberais dentro desse quadro?

Olavo de Carvalho – Veja bem, em primeiro lugar: nunca se deve

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Petismo e revolução armada

desejar destruir a esquerda. Tem de existir uma esquerda. Mas ela deve
ser disciplinada para abdicar dos recursos revolucionários. Ela não pode
ao mesmo tempo participar do processo eleitoral legal e estar tramando
a guerrilha, treinando guerrilheiros, juntando armas, criando um
aparato de espionagem. Como existe hoje uma rede de espionagem
petista, todos sabemos que existe, com um serviço secreto muito mais
vasto que qualquer serviço secreto do governo. Então, temos um partido
político que tem o privilégio de operar secretamente campos de
guerrilha – e não é bem um partido, é um aglomerado de partidos de
esquerda – que tem uma série de direitos e de possibilidades que os
[outros] partidos não têm. Você imagine, por exemplo: se se descobrisse
que o PFL está treinando um grupo de terroristas para soltar bombas no
PT, toda a cúpula do PFL seria presa na mesma hora. No entanto, nós
descobrimos que o PT, o PC do B, através de suas ligações clandestinas,
estão treinando guerrilheiros, e não acontece nada... Note bem que o
Governo Fernando Henrique é cúmplice disso aí.

Notas

(1) Evidente lapsus linguae da minha parte. Eu quis dizer Partido

dos Trabalhadores. Mas no fundo é a mesma coisa.

(2) Na transcrição consta “estouro”, mas lembro-me claramente

de ter dito “mistério”.

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Guerras santas

Guerras santas

Olavo de Carvalho
Bravo!, novembro de 2000

Grande parte das culturas antigas concedia aos chefes, aos guerreiros e
poderosos o direito de livrar-se, quando bem entendessem, dos fracos
indesejáveis. Crianças, velhos e doentes podiam ser mortos por simples
capricho de homens jovens e saudáveis que não queriam trabalhar para
sustentá-los. Isso foi assim durante milênios. Foi assim no Egito, na
Babilônia, no Império Romano, na China, na Arábia pré-islâmica. Foi
assim entre os celtas, germanos, vikings, africanos, maias, aztecas e
índios brasileiros. Foi assim quase por toda parte. O número de
inocentes enterrados vivos, queimados, entregues às feras ou
despedaçados em rituais sangrentos em nome dessa lei bárbara é
incalculável.

É toda uma humanidade que foi eliminada do caminho dos fortes,


ambiciosos e triunfantes senhores de antigamente.

http://www.olavodecarvalho.org/semana/bravo00nov.htm (1 de 5)16/4/2007 10:58:23


Guerras santas

O morticínio permanente só foi interrompido graças à ação de duas


forças que emergiram bem tarde no cenário da História: o cristianismo,
no Ocidente, o islamismo no Oriente. Antes delas, o judaísmo já
conhecia a incondicionalidade do "Não matarás". Mas o judaísmo não é
uma religião proselitista: os judeus, nação minoritária, limitaram-se a
praticar entre si um modo de vida mais elevado e mais humano, sem
poder ou pretender ensiná-lo aos povos em torno. (O budismo e o
hinduismo também tiveram acesso a verdades similares, mas seu caso é
especial e deixarei para analisá-lo noutra oportunidade.)
Essencialmente, foi graças à moral cristã e à lei muçulmana que o
universal direito à vida, revelado inicialmente aos judeus, se tornou
patrimônio de todos os homens.

Não houve, ao longo da história, fato mais decisivo. Pois ele não
importou somente numa extensão quantitativa. Ao transferir-se para
classes de pessoas que antes não o desfrutavam, ou que o desfrutavam
somente como concessão de outras pessoas, o direito à vida sofreu
radical mutação qualitativa: passou de relativo a absoluto, de
condicionado a incondicionado e condicionante. Tornou-se o primeiro
de todos os direitos, do qual todos os demais decorrem.

Conceder ao ser humano um direito qualquer, de propriedade ou


herança, por exemplo, negando-lhe ao mesmo tempo o direito de
existir, é, de fato, apenas uma piada demoníaca. Mas essa piada foi o
"script" verdadeiro das vidas de milhões de seres humanos.

Hoje em dia qualquer criança compreende que a prioridade do direito à


vida é algo simplesmente lógico, que flui da natureza das coisas.

http://www.olavodecarvalho.org/semana/bravo00nov.htm (2 de 5)16/4/2007 10:58:23


Guerras santas

Apóstolos dos "direitos humanos" tomam-no como uma obviedade


elementar, como o pressuposto indiscutido e indiscutível dos seus
discursos.

Mas poucos se lembram de que o reconhecimento dessa obviedade


natural não foi natural nem óbvio. Para disseminá-lo, foi necessário
vencer as resistências prodigiosamente obstinadas das culturas antigas.
Monges, pregadores, santos foram trucidados por toda parte aonde
levassem essa mensagem, tão evidente em si mesma quanto hostil a
toda organização social fundada na precedência de outros direitos:
direitos de sangue, direitos territoriais, direitos de casta. Para muitas
culturas, ceder nesse ponto era abdicar de instituições, leis, privilégios
milenares. Era autodestruir-se, era dissolver-se na unidade maior da
cultura recém-chegada, portadora da nova lei. Muitos povos souberam
adaptar-se à transição sem grandes perdas, tornando-se eles próprios
porta-vozes da melhor notícia que a humanidade já havia recebido.
Outros obstinaram-se na defesa de direitos imaginários. Por isso foi
necessário destruir suas culturas.

A cada guerra empreendida pelos exércitos cristãos e islâmicos contra as


nações que rejeitavam sua lei, foram garantidas, à custa da morte de uns
milhares de soldados, as vidas de milhões de seus descendentes. A
extensão dessa obra salvadora é imensurável. Jamais um bem tão
fundamental foi legado a tantas gerações de seres humanos.

Por isso essas guerras foram santas. Por isso foi santa a vontade de
domínio que fortaleceu mais os portadores do novo direito universal do
que os defensores de costumes locais. Dos descendentes dos povos

http://www.olavodecarvalho.org/semana/bravo00nov.htm (3 de 5)16/4/2007 10:58:23


Guerras santas

derrotados, que hoje, movidos por um saudosismo artificial e fingido, se


prevalecem dos direitos recebidos dos vencedores para fazer a apologia
das culturas derrotadas e condenar sua destruição como um crime
inominável, a maioria, se os vencidos tivessem triunfado, simplesmente
não existiria. Em algum ponto da história de suas famílias a
continuidade da sua linha ancestral teria sido interrompida: sua bisavó
teria sido sepultada viva, seu tetravô entregue às feras, o tetravô de seu
tetravô estrangulado no berço ou largado no chão até morrer de fome --
tudo sob as bênçãos de reis, hierofantes e tradições veneráveis.

Em cada grupo de índios que aparecem gritando contra a destruição de


sua cultura ancestral, uma coisa é certa: se ela não tivesse sido
destruída, muitos deles não teriam vivido para ver a luz do dia.

Eu próprio, descendente de celtas e germanos, com muita probabilidade


não estaria aqui escrevendo, se algum monge cristão não tivesse detido
no ar o braço do sacerdote bárbaro, erguido para o sacrifício de um meu
antepassado.

Por isso, alegar os "direitos humanos" como argumento para condenar a


destruição de culturas que viveram de ignorá-los e desprezá-los é não
apenas um contra-senso lógico, mas uma mentira existencial. Se os
direitos do ser humano são primeiros e incondicionais, os direitos das
culturas têm de ser, necessariamente, secundários e relativos. Para que
os homens sejam iguais em direitos, é preciso que entre as culturas
prevaleça não a igualdade, e sim a hierarquia que coloca no lugar mais
alto aquelas que reconhecem a igualdade dos homens, a começar pela
incondicionalidade do direito à vida. Entre a igualdade dos homens e a

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Guerras santas

igualdade das culturas há uma incompatibilidade radical, que somente


pode ser ignorada por uma ideologia autocontraditória, esquizofrênica e
perversa.

Não obstante, é essa ideologia que prevalece hoje no ensino e nos meios
de comunicação, induzindo crianças e jovens a revoltar-se, em nome do
direito e da liberdade, contra as condições sem as quais esse direito e
essa liberdade jamais teriam podido vir a existir.

Transmitir semelhante ideologia às novas gerações é cindir as


inteligências em formação, cavando um abismo intransponível entre sua
visão estereotipada do passado histórico e sua percepção da realidade
presente. É destruir na base a possibilidade de toda consciência
histórica, e, com ela, as condições de acesso à maturidade intelectual
responsável.

É verdade que o discurso incriminatório contra as grandes culturas que


humanizaram o planeta está na moda, que repeti-lo faz um professor
brilhar ante a classe -- ou ante as câmeras -- como modelo de sujeito
moderninho e de mente aberta. Mas até quando nós, pais, havemos de
tolerar que a inteligência de nossas crianças seja sacrificada no altar das
vaidades de professores que não sabem o que dizem?

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Censura e desinformação

Censura e desinformação

Olavo de Carvalho

Especial para Ternuma

Publicado no site http://www.ternuma.com.br em 26 de Novembro de


2000

Quantas reportagens o prezado leitor leu na imprensa ou viu na TV, ao


longo dos últimos vinte anos, sobre esquerdistas mortos pelos governos
militares? Quantas sobre os homicídios cometidos pelas organizações de
esquerda? Quantas sobre a revolução comunista já em plena realização
em março de 1964, que uma reação oportuna fez abortar?

Basta o leitor responder a essas perguntas com dados exatos, e terá uma
idéia do que é bloqueio de informações. Sim, o controle que a esquerda
exerce sobre os meios de comunicação no Brasil já não pode ser
chamado de “patrulhamento”, porque patrulhar é vigiar homens livres.

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Censura e desinformação

Os poucos liberais e conservadores que ainda restam na nossa imprensa


são prisioneiros. Não estão sob a vigilância de “patrulhas”. Estão sob a
guarda de carcereiros. Ainda podem se mover, mas seu espaço é
controlado para não ultrapassar uma área mínima, calculada na medida
justa para dar uma impressão de democracia. E devem se restringir a
áreas seletas, especialmente à seção editorial e aos comentários
econômicos, só lidos por uma elite. O noticiário, que atinge a massa dos
leitores, é zona proibida. A seleção é extremamente inteligente: os
direitistas podem ter “opiniões”; a seleção dos “fatos” fica com a
esquerda.

Tão completo e inquestionado é o domínio que ela aí exerce, que, com a


maior desenvoltura, pode passar da seleção à invenção sem sentir o
menor escrúpulo de consciência ou o menor temor de ser desmascarada.

Outro dia, ouvi, num programa de TV que se dava ares de reconstituição


histórica, a informação de que no governo militar a censura mudou para
mais tarde o horário da novela "Sangue do meu Sangue" porque ela
tratava da luta abolicionista.

Isso dito assim, na lata, com uma prodigiosa cara de pau.

Mas a sucessão de lendas macabras que faz as vezes de "História"


daquele período é tão caudalosa, a expressão de seriedade com que
renomados professores repetem essas fábulas é tão convincente, e
sobretudo o silêncio daqueles que conhecem os fatos é tão geral e
profundo, que é bem possível que a população, reduzida à mais inerme
sonsice por esse massacre midiático, chegue mesmo a acreditar que os

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Censura e desinformação

militares de 1964, além de assassinos, sádicos, torturadores, ladrões e


vendidos ao imperialismo, eram também escravagistas.

Diariamente, dez ou vinte mensagens desse tipo são enxertadas na


programação de vários canais. "Enxertadas" é a palavra. São sempre
frases breves, com aparência de casuais, inseridas no curso de alguma
fala sobre assunto diverso, de modo a captar não a atenção do
espectador, mas, precisamente, a sua desatenção. Não visam a produzir
a aquisição consciente de uma informação, mas a absorção inconsciente
de um hábito. Não se incorporam ao acervo de conhecimentos do
espectador, mas à programação de suas reações impensadas, que, por
isto mesmo, ele acaba sentindo como as mais livres e espontâneas.

Não menos perversa do que a ocultação completa ou do que a


insinuação velada é a pseudo-divulgação, que noticia um fato de modo a
propositadamente evitar que chame a atenção. Esta notícia, por
exemplo, que normalmente deveria suscitar debates e novas
investigações, saiu num canto de página, como que para encerrar o
assunto:

Cuba treinou 202 brasileiros, diz Exército

Mário Magalhães

Folha de S. Paulo, domingo, 11 de junho de 2000

O governo de Cuba promoveu, de 1965 a 1971, treinamento de

guerrilha para no mínimo 202 militantes de esquerda brasileiros.

Eles fizeram cursos -- de três meses a um ano de duração -- de

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Censura e desinformação

guerrilha rural e urbana, fotografia, imprensa, enfermagem,

inteligência, instruções revolucionárias e explosivos.

Num programa padrão de seis meses, eram dadas aulas de

fabricação de bombas caseiras, uso de armas, sabotagem,

camuflagem e outras técnicas de ações clandestinas na cidade e no

campo.

Ao voltar, os brasileiros recebiam um kit dos cubanos com US$

1.000, roupas e orientações para contatar companheiros no Brasil.

Havia dez instrutores militares principais.

As informações constam do álbum "Cursos realizados em Cuba",

documento confidencial distribuído para órgãos de repressão

política em 21 de novembro de 1972 pelo Comando do 1º Exército.

O álbum, com 107 páginas, foi encontrado pela Folha no Arquivo

Público do Estado do Rio.

As fontes aparentes são depoimentos de guerrilheiros depois

presos no Brasil -- não é citada a tortura, então disseminada -- e

agentes infiltrados que cursaram a "escola" cubana.

De acordo com o Exército, outros 43 brasileiros podem ter

recebido, no período 1965-71, formação militar do governo

comunista de Fidel Castro.

O objetivo era prepará-los para a luta armada contra o regime

militar brasileiro (1964-85). Não deu certo.

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Censura e desinformação

Da lista elaborada pelo Exército, há pelo menos três militantes que

hoje são parlamentares: os deputados federais José Dirceu (PT-

SP) e Fernando Gabeira (PV-RJ) e o deputado estadual do Rio

Carlos Minc (PT).

Dirceu integrou o Molipo (Movimento de Libertação Popular).

Gabeira, o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro).

Minc, a Var-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária --

Palmares) e a VPR.

Atualmente, os três são tidos como "moderados" pela esquerda

mais radical.

Assim um jornal resguarda sua imagem de imparcialidade, ao mesmo


tempo que contribui decisivamente para que só a voz de um dos lados
seja ouvida. Por que a "Operação Condor", tão logo desentranhada dos
arquivos, desperta um escândalo nacional, e logo depois a notícia da
interferência cubana que a provocou é publicada discretamente, sem
comentários e sem o menor eco nos programas de TV, nos meios
intelectuais, no próprio governo? A resposta é simples: após quarenta
anos seguidos de "trabalho de base" nas redações, sem encontrar a
menor resistência, os comunistas conseguiram impor seus critérios
ideológicos como se fossem a única norma existente, a única norma
possível do bom jornalismo. Hoje em dia, milhares de jornalistas que de
comunistas não têm nada subscreveriam a seguinte declaração: "A
missão da imprensa é minar, pela crítica, as instituições vigentes" -
sem saber que a frase é de Karl Marx e que ela não é uma receita para

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Censura e desinformação

fazer jornalismo e sim para fazer uma revolução comunista.

A característica mais notável do atual jornalismo brasileiro é a troca


progressiva da informação pela desinformação sistemática.

O termo desinformação surgiu pela primeira vez em língua russa:


desinformátsia. É termo técnico concebido pelo Comintern — o
comando do movimento comunista internacional — para designar o uso
sistemático de informações falsas como instrumento de desestabilização
de regimes políticos.

O objetivo central da desinformação é produzir o completo descrédito


das instituições, induzindo a opinião pública a transferir aos agentes da
desinformação a confiança que normalmente depositaria no Estado, nas
leis e nos costumes tradicionais. O processo é bem conhecido e já foi
descrito em muitos livros, por exemplo o clássico de Roger Mucchielli,
La Subversion (Paris, Bordas, 1971) e o Tratado de Desinformação de
Vladimir Volkoff (publicado originalmente em francês pelas Éditions du
Rocher, mas do qual só tenho em mãos a tradução romena, Tratat de
Dezinformare. De la Calul Troian la Internet, tr. Mihnea Columbeanu,
Bucuresti, Antet, s/d).

O Petit Robert define desinformação como “o uso de técnicas de


informação, notadamente de informação de massa, para induzir em
erro, ocultar ou travestir os fatos”. Desinformar, segundo o mesmo
dicionário, é “informar de maneira a ocultar determinados fatos ou a
falsificá-los”. Mas a palavra não apareceu em línguas ocidentais antes de
1972, quando o Chambers Twentieth Century Dictionary, publicado em

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Censura e desinformação

Londres, traduziu desinformátsia como “deliberate leakage of


misleading information”.

A desinformátsia não apareceu de repente, mas teve antecedentes


milenares — Sun-Tsu já dizia: “Todo esforço de guerra baseia-se no
engodo”. As diferenças específicas que a tornam um fenômeno peculiar
do século XX são as seguintes:

1. Ela é usada não somente como instrumento de guerra entre Estados,


mas sobretudo por forças revolucionárias que agem dentro de seus
próprios países, seja por iniciativa própria, seja a serviço de outros
Estados.

2. Para muitos Estados modernos — bem como para os poderes


internacionais que hoje nos impõem uma “Nova Ordem Mundial” —
fomentar revoluções nos outros países tornou-se um modus operandi
normal e predominante, mesmo em tempo de paz. A moda começa com
a casa real francesa, que ajuda a Revolução Americana para prejudicar a
Inglaterra, sem imaginar que com isto atraía a maldição sobre si
mesma. A Inglaterra aprende a lição e ao longo do século XIX fomenta
revoluções nas colônias americanas para destruir seus concorrentes
ibéricos. Os EUA atiçam revoluções no México para se apropriar do
Texas e da Califórnia. Até aí, porém, o uso desse instrumento era
esporádico. A Revolução Russa assinala o surgimento do primeiro
Estado voltado essencialmente a fomentar revoluções no resto do
mundo: cada “guerra de libertação” resulta na expansão colonial da
URSS. A Alemanha nazista copia esse procedimento durante algum
tempo, sem muito sucesso. Com a queda da URSS, a China e Cuba

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Censura e desinformação

tornam-se os derradeiros fomentadores de revoluções comunistas, ao


mesmo tempo que a disseminação de revoluções — com o nome
atenuado para “movimentos sociais” — é adotada pelos grandes
organismos internacionais como um dos procedimentos básicos para
expandir e consolidar seu poder sobre as nações do Terceiro Mundo.

3. De elemento auxiliar dos meios de ataque físicos, a informação


tornou-se o campo e instrumento predominante da atividade guerreira.

Tudo isso veio a tornar a desinformátsia uma arma de uso generalizado


e permanente, principalmente depois que, pela primeira vez na história
dos imperialismos, a expansão da URSS se fez muito mais pelo artifício
de fomentar revoluções do que pelo envio de tropas, de modo que
praticamente cada “guerra de libertação” ocorrida no século XX
terminou com a instauração de mais um satélite soviético.

Não obstante, a liberdade de imprensa assegurou que, nas democracias


ocidentais, uma grande parte dos meios de comunicação conservasse
sua independência, seja dos governos de seus próprios países, seja de
forças internacionais interessadas em utilizá-los para seus objetivos.
Assim, uma diferença radical entre o jornalismo profissional de
informação e o jornalismo de desinformátsia e combate permanece
ainda bem visível, em linhas gerais, na maioria dos grandes jornais dos
EUA e da Europa.

O que singulariza o caso brasileiro é a total supressão dessa diferença e


a adoção maciça da desinformátsia em lugar dos procedimentos válidos
do jornalismo. Tão geral e avassaladora foi essa transformação, que hoje

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Censura e desinformação

a maior parte dos jornalistas já não tem mais a menor idéia do que seja
o jornalismo normal e, ao praticar descaradamente a desinformátsia,
acredita estar fazendo o único e melhor jornalismo possível. Apenas
uma elite dirigente tem plena consciência de que não está informando o
público, mas manipulando-o para utilizá-lo numa operação de guerra.
Nas redações, a maioria dos profissionais não tem sequer uma
consciência teórica dessa distinção.

Por isso, mais do que nunca, só logram acesso à informação correta os


cidadãos que tenham a iniciativa de buscá-la pessoalmente nas fontes,
hoje tornadas mais acessíveis pela internet. Existirá censura mais
pérfida do que aquela que consegue vetar a divulgação da sua própria
existência? Existe. É aquela que continua a fazê-lo quando as notícias
vetadas já passaram à História. É aquela que bloqueia não apenas o
acesso ao presente, mas ao passado. Mas a proibição do passado é, por
seu lado, a mais importante notícia – ela também vetada – sobre a vida
presente. Por isso o site de Ternuma, ao revelar o passado proibido,
ilumina mais ainda o presente.

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Livros sobre a ditadura petista no Rio Grande

Livros sobre a ditadura petista no Rio


Grande

Muita gente me escreveu perguntando onde comprar os livros que citei


em artigo de "O Globo" em 28 de outubro, e que descrevem a escabrosa
situação do Rio Grande do Sul sob domínio petista. Dois deles, já sei
onde encontrar. Dos demais vou procurar me informar.

Os 500 dias do PT, no governo, são outros 500 do deputado Onyx


Lorenzoni, pode ser encontrado:

Em São Paulo: (Maury Mello)


Batatais comércio e representação de livros - (011) 32662976 ou
32663097;

Rio de Janeiro: (Sr. Arthur)


Eldorado Sudeste comércio de livros - (021)2385542 - 5726593;

Brasília: (Sr. José Quinderê)


J.Quinderê distribuidora de livros - (061) 3476461 - 347.73.86;

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Livros sobre a ditadura petista no Rio Grande

Curitiba: (Sr. Antônio Ferreira)


Livraria Millenium - (041) 3620296;

Belo Horizonte: (Sr. Ailton)


Agencia de Revistas e Livros Líder - (031) 2614372 - 2610464;

Vitória (Sr. Silvio)


Livraria Logus (027) 227.51.99.

Os 500 dias do PT, no governo, são outros 500 é uma publicação da


Editora Sulina, Porto Alegre-RS e terá sessão de autógrafos na 46ª feira
do Livro de Porto Alegre, na próxima segunda-feira, 13, às 20 horas.

Totalitarismo Tardio: O Caso do PT, de José Giusti Tavares (org.) pode


ser comprado na Editora Mercado Aberto:

e-mail: mercado@vanet.com.br
Rua Dona Margarida, 894
Bairro Navegantes - Porto Alegre (RS) - CEP 90.240-610
Fone: (051) 337-4833 - Fax: (051) 337-4905

ou então pelos seus distribuidores:

Acre
Livraria Universitária
Rua Rio Grande do Sul, 331
Rio Branco – AC
69903-420
Fone: (068) 224-3432

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Livros sobre a ditadura petista no Rio Grande

Amazonas
Metro Cúbico Livros e Revistas
Rua 24 de Maio, 415
Manaus – AM
69010-080
Fone: (092) 234-3030

Bahia
Livraria Multicampi
Rua Direita da Piedade, 203
Salvador – BA
40070-190
Fone: (071) 321-4024

Ceará
Tropical Editora
Av. do Imperador, 1517
Fortaleza – CE
60015-052
Fone: (085) 231-3620

Distrito Federal
Vitor Celestino Ferreira Moreira
CLS 304 – Bloco B – Loja 24
Brasília – DF
70337-520
Fone: (061) 224-9018
Livraria Eldorado

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Livros sobre a ditadura petista no Rio Grande

SIG Quadra 01 – Lote 725 – Asa Sul


Brasília – DF
70610-400
Fone: (061) 223-7688

Espírito Santo
Livraria Logos
Av. Carlos Moreira, 61
Vitória – ES
29052-111
Fone: (027) 222-1856 / 227-5199

Goiás
Livraria Gold
Rua 70, 388 – Setor Central
Goiânia – GO
74290-270
Fone: (062) 225-4847 / 223-6329

Mato Grosso
Marchi Livraria e Distribuidora Ltda
Av. Getúlio Vargas, 381
Cuiabá – MT
78005-000
Fone: (065) 322-6967

Minas Gerais
JLM Distribuidora de Livros

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Livros sobre a ditadura petista no Rio Grande

Rua Bahia, 478 – loja 16


Belo Horizonte – MG
30160-010
Fone: (031) 212-1020 / 212-1811
Livraria Luziadas
Rua João Neves de Ávila, 1836
Uberlândia – MG
38400-089
Fone: (034) 234-9548

Pará / Amapá
Conte Cunha Ind. E Com. Ltda
Rua C. João Alfredo, 10
Belém – PA
66013-000
Fone: (091) 223-9422

Paraná
A. Lorenzet Distrib. E Com. De Livros Ltda
Av. São José, 587 – Loja 03
Curitiba – PR
80050-350
Fone: (041) 262-8992

Pernambuco
Urbanos Comércio e Representação Ltda
Rua da Floresta, 12-A Santo Amaro
Recife – PE

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Livros sobre a ditadura petista no Rio Grande

50110-220
Fone/Fax: (081) 423-3226

Rio de Janeiro
ECM Distribuidora de Livros Ltda
Rua Pareto, 23 – Tijuca
Rio de Janeiro – RJ
20550-120
Fone: (021) 264-2815

Rio Grande do Norte


Potylivros Distribuidora Ltda
Rua Felipe Camarão, 609 – Centro
Natal – RN
59025-200
Fone: (084) 211-2001 / Fax: (084) 211-5068

Rio Grande do Sul


LMC Comércio e Distrib. De Livros Ltda
Av. Independência, 588
Porto Alegre – RS
90035-071
Fone: (051) 224-5288
Multilivro Com. E Repr. Ltda
Av. Osvaldo Aranha, 440/SL. 101
Porto Alegre – RS
90040-190
Fone: (051) 311-2109

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Livros sobre a ditadura petista no Rio Grande

Santa Catarina
Livraria Cuca Fresca
Rua Fernando Machado, 33
Florianópolis – SC
88010-510
Fone: (048) 222-9966 / 223-6582

São Paulo
Editora da Universidade de São Paulo
Cidade Universitária Armando Salles de Oliveira
Av. Prof. Luciano Gualberto – Trav. J, 374
São Paulo – SP
05655-010
Fone: (011) 818-4151
Distribuidora Loyola de Livros Ltda
Rua Conselheiro Ramalho, 692/694
São Paulo – SP
01325-000
Fone: (011) 287-0688
Mercado de Letras Ltda
Rua Tiradentes, 673
Campinas – SP
13023-191
Fone: (019) 234-1214

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Livros sobre a ditadura petista no Rio Grande

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Resposta ao deputado José Dirceu

Resposta ao deputado José Dirceu

Olavo de Carvalho

Em Época de 20 de janeiro o deputado José Dirceu diz que no número


anterior da mesma revista denunciei a existência de uma rede de
espionagem petista, da qual ele seria o chefe. Não é exato. Quem
denunciou foi, em fins de 1993, o governador Esperidião Amin,
espantado da desenvoltura com que o deputado brilhava nas CPIs
exibindo documentos que não poderiam ter sido obtidos por nenhum
meio legal.

Por exemplo, José Dirceu agora alega que seu partido usa de quatro e
não mais de quatro meios de investigação: “a leitura do Diário Oficial,
os requerimentos de informações oficiais, a pesquisa no Sistema
Integrado de Administração Financeira (Siafi) e a atuação nas CPIs,
sendo que este último instrumento permite a quebra legal de sigilo
bancário”. Mas, na CPI sobre os “anões do orçamento”, quando se

http://www.olavodecarvalho.org/semana/jdirceu.htm (1 de 6)16/4/2007 10:58:59


Resposta ao deputado José Dirceu

descobriu o “propinoduto” que ia do bolso do deputado José Lourenço


para o suplente Orlando Pacheco, José Dirceu sabia até os números das
cédulas que haviam escorrido por esse canal. Nenhum daqueles quatro
meios daria acesso a tal informação. Portanto, ou Dirceu participara
pessoalmente da safadeza – hipótese absurda – ou tinha lá um olheiro
cujo nome não foi revelado. Foi de acontecimentos como esse que o
governador Amin acabou deduzindo a hipótese da existência daquilo a
que, na época, deu o nome humorístico de “PTpol”.

Ao mencionar agora esses fatos, apenas repeti notícias velhas e de


domínio público. Mas, como o caso foi abafado e as notícias acabaram
por desaparecer das páginas da imprensa, José Dirceu, apostando na
falta de memória do público, apresenta a simples repetição delas como
se fosse uma novidade escandalosa inventada por um caluniador.

Com idêntica malícia, ele procura incutir no leitor a impressão de que,


em vez de protestar contra o uso de meios de investigação ilícitos,
reclamo contra a investigação mesma, com o objetivo de ajudar uma
elite corrupta a impedir a apuração de seus delitos. Ele me associa, em
particular, aos esforços da tropa de choque governista para cobrir com
um manto de proteção a pessoa do sr. Eduardo Jorge.

Mas que tenho eu a ver com Eduardos Jorges e toda essa gente? Será
que já não falei mal desse governo o bastante e já não me mantive longe
dele o suficiente para que qualquer tentativa de me confundir com ele se
desmascare, no ato, como safadíssima desconversa?

É verdade que do lado do governo há muita gente abafando

http://www.olavodecarvalho.org/semana/jdirceu.htm (2 de 6)16/4/2007 10:58:59


Resposta ao deputado José Dirceu

averiguações de corrupção. Só que, com muito mais razão, o outro lado


procura abafar não apenas a investigação, mas até a simples discussão
jornalística de algo muito mais grave que suspeitas de corrupção, que é
a suspeita de usurpação da autoridade policial do Estado por um partido
político.

Não digo que essa usurpação seja uma certeza absoluta. Mas há indícios
dela suficientes para justificar, se não a investigação oficial que o caso
merece, ao menos a discussão pública, que o deputado agora quer
impedir mediante uma estúpida e arrogante ameaça de processo. Ele
sabe perfeitamente que essa ameaça é blefe. Ainda não vivemos numa
ditadura socialista na qual um profissional de imprensa possa ser
punido judicialmente por relembrar notícias de jornais velhos.

É verdade, como afirma o deputado, que “uma das mais importantes


funções de um partido político em sua atividade parlamentar é
justamente a de controle e fiscalização do poder público”. Mas essa
verdade torna-se um simples instrumento de engano quando ela serve
para escamotear uma outra verdade, igualmente simples e evidente: a
verdade de que o vigia também tem de ser vigiado. O PT de José Dirceu
quer fiscalizar, mas não admite ser fiscalizado. Essa atitude só dá ainda
mais verossimilhança à suspeita da existência da PTpol, pois, se um
partido se coloca acima do Estado, das leis e da moralidade pública, por
que não haveria de colocar-se também acima dos serviços de segurança?

Aliás, outro fato esquecido, ao qual na sua réplica o deputado não alude
nem de longe, e que na época deu ainda mais credibilidade às suspeitas
do governador Amin, é que o mágico que tirava da cartola as mais

http://www.olavodecarvalho.org/semana/jdirceu.htm (3 de 6)16/4/2007 10:58:59


Resposta ao deputado José Dirceu

extraordinárias informações sigilosas estava especialmente habilitado a


fazê-lo por ser especialista em informação, contra-informação,
estratégia e segurança militar, com treinamento em Havana. Mais
habilitado ainda porque não se limitara a estudar o assunto, mas
adquirira experiência profissional no serviço secreto cubano, ao ponto
de, em seguida, ser considerado apto a comandar, em nome dos
patrocinadores cubanos da operação, a reorganização da luta armada no
Brasil. Mas também não sou eu quem o diz. É Luís Mir, nas pp. 612 ss.
de seu livro A Revolução Impossível. A Esquerda e a Luta Armada no
Brasil (São Paulo, Best-Seller, 1994).

Mas aí me vem à cabeça uma pergunta. Não é extraordinário que, no


instante mesmo em que tinha nas mãos o poder de destruir seus
inimigos, um homem que gastara os melhores anos de sua juventude
estudando os meios inusitados e subterrâneos de obter informações
renunciasse asceticamente ao seu “know how” de agente secreto e se
limitasse estritamente ao uso dos quatro prosaicos meios legais acima
mencionados?

Não digo que semelhante mutação psicológica seja impossível. As


variações da mente humana são infinitas. Digo apenas que é estranha.
Tanto mais estranha porque José Dirceu não caiu de pára-quedas nesse
tipo de estudos, mas os desejou ardentemente e, para adquiri-los,
enfrentou com valentia obstáculos difíceis. De início, ele não foi aceito
para o treinamento em Cuba, porque a ALN, organização terrorista a
que pertencia, impugnou sua candidatura por considerá-lo (sic) “um
carreirista” e “pouco digno de confiança” (Mir, p. 613). Pois não é que
Dirceu, com a obstinação de um autêntico alpinista social da revolução,

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Resposta ao deputado José Dirceu

foi galgando os degraus da escala até chegar a Raul Castro, irmão de


Fidel, e obter dele o ansiado pistolão que lhe deu acesso à sonhada
carreira? Mais até que à simples carreira: num gesto de paternal
solicitude, Raul abriu-lhe documentos reservadíssimos do governo
cubano (id., ibid.). Com isso, Dirceu deu a volta por cima, como um
patinho feio transfigurado, e saiu de lá falando grosso com os
companheiros que o tinham desprezado.

Não é notável que uma promissora carreira tão arduamente conquistada


seja de repente interrompida, sem explicações, em favor de uma banal
função de parlamentar, envolvido tão-somente naqueles processos
constitucionais e legais que na sua juventude o futuro deputado, como
bom marxista, desprezava como “formalismos jurídicos burgueses”?

Se essa transformação ocorreu de fato, é o deputado quem fica a nos


dever, numa bela autobiografia, a narrativa de tão prodigioso
acontecimento interior, que ouso comparar ao “estalo” de Vieira ou à
conversão do Apóstolo Paulo.

Eu, da minha parte, exerço apenas o sacrossanto direito de não


entender. Na verdade, não entendo nem mesmo como é possível que um
ex-agente secreto a serviço de uma nação estrangeira possa, no Brasil,
chegar a presidente de um partido sem que isto cause o mínimo
escândalo público, a mínima discussão, a mínima pergunta. Já
pensaram o que José Dirceu, o mais temível interrogador de suspeitos
no palco das CPIs, faria com Esperidião Amin se descobrisse, ou apenas
desconfiasse, que antes de entrar na carreira política no Brasil ele tinha
sido agente da CIA?

http://www.olavodecarvalho.org/semana/jdirceu.htm (5 de 6)16/4/2007 10:58:59


Resposta ao deputado José Dirceu

27/1/2001

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/semana/jdirceu.htm (6 de 6)16/4/2007 10:58:59


Obrigado, dona Cecília

Obrigado, dona Cecília

Olavo de Carvalho

Dona Cecília Coimbra, voltando à carga em O Globo de 20 de janeiro,


queixa-se de que respondi a ela e a Márcio Moreira Alves como
indivíduos, “ignorando e retirando todo o conteúdo grupal/coletivo de
uma determinada luta”.

Ora, dona Cecília! Se eu dissesse que a senhora, o sr. Gilberto Molina, o


Márcio e o tal de Betto, ao me atacar, agiam como grupo organizado,
vocês com a maior facilidade me tachariam de paranóico. Agora, que a
senhora confessou, não corro mais esse risco.

O que se passa entre os esquerdistas e eu desde há alguns anos nada


tem, realmente, de uma livre discussão entre indivíduos. É uma ação
coletiva de organizações poderosas, ricas, tentaculares, que, através de
seus agentes na imprensa, tentam destruir um sujeito inconveniente.
Vocês têm tempo, recursos, arquivos, contatos internacionais,

http://www.olavodecarvalho.org/semana/cecilia.htm (1 de 7)16/4/2007 10:59:12


Obrigado, dona Cecília

funcionários, computadores em rede, todo um arsenal à disposição para


sustentar indefinidamente uma guerra que, para cada um de vocês,
custa muito pouco. Produzir calúnias e intrigas em escala industrial,
nessa base, é a coisa mais fácil. O alvo solitário, tendo de responder a
tudo nos intervalos da luta pela vida, desleixando família, estudos e
interesses particulares, acabará por tombar, exausto, ou por desistir.
Pelo menos é com isso que vocês contam. De fato, diariamente a
preguiça me aconselha a desistir. Discutir com almas deformadas, que
um longo treinamento ideológico tornou insensíveis à distinção entre
verdade e falsidade, é tão inútil quanto tentar ensinar grego clássico a
uma manada de porcos-espinhos. No entanto, algo me diz que, se eu
desistisse, os porcos-espinhos continuariam porcos-espinhos, mas eu já
não seria eu mesmo. No terceiro dia de silêncio, já começariam a me
brotar os espinhos nas costas. Assim, pois, continuo.

A desproporção de forças nessa disputa evidencia tão bem a covardia e a


perfídia de um dos contendores, que em geral ele prefere manter em
segredo a unidade de suas tropas, dando a impressão de que os gritos e
pedras que se elevam contra seu adversário desde pontos diversos são o
efeito espontâneo de uma reação popular.

Só na última semana, recebi nada menos de seis ataques através da


imprensa, sem contar os e-mails carregados de insultos, os constantes
apelos à minha demissão enviados às publicações em que escrevo e as
intervenções maliciosas, com nomes falsos, destinadas a confundir os
debates e a criar uma atmosfera de suspeita no Forum que mantenho na
minha homepage na internet. Tudo isso não me atemoriza no mais
mínimo que seja mas me mantém ocupado e me exaure na faina da

http://www.olavodecarvalho.org/semana/cecilia.htm (2 de 7)16/4/2007 10:59:12


Obrigado, dona Cecília

matar insetos – pois seria loucura recusar orgulhosamente um olhar de


atenção ao escorpião que se arma para me picar o dedão do pé. E, se é
óbvio que esse assédio multilateral nada tem de espontâneo, também é
certo que, até agora, eu tinha uma certa inibição de mencionar sua
origem “grupal/coletiva”, para não acrescentar, ao desconforto da
perseguição, a humilhação de ser chamado de maluco por aqueles
mesmos que me puseram nessa situação maluca.

Mas a senhora – como direi? – deu o serviço. Liberou o assunto


proibido. Mostrou que malucos são vocês, malucos e obsediados pelo
“íncubo ideológico” de que falava Eric Voegelin; malucos ao ponto de
tentar aprisionar um sujeito numa armadilha paranóica só para depois,
quando ele se queixa, poder acusá-lo de paranóico. Mas
conspiraçõezinhas de intrigantes dependem inteiramente do segredo, e
o segredo depende de que, entre os conspiradores, nenhum seja vaidoso
o bastante para gabar-se dele em público. Peço pois desculpas por ter
atribuído inicialmente sua atitude à ma-fé em vez de à idiotice: a
senhora junta as duas em doses iguais.

Devo lhe agradecer, ainda, por ilustrar com tanta clareza, neste seu
segundo artigo, os procedimentos de manipulação de texto que, por
alto, assinalei no primeiro. Onde digo que um crime “é menos grave”,
a senhora logo traduz para “é justificável”. É assim que a senhora
transmuta as minhas palavras, de um apelo ao equilíbrio, numa “defesa
subliminar da tortura”.

Sou-lhe igualmente grato, aliás, pela redação atenuada que agora a


senhora deu à sua caluniazinha. Antes, eu era acusado de ostensiva

http://www.olavodecarvalho.org/semana/cecilia.htm (3 de 7)16/4/2007 10:59:12


Obrigado, dona Cecília

“defesa da tortura”. Durante a semana, a senhora – ou o “grupal/


coletivo”, o que dá na mesma – leu melhor, vacilou, viu que não dava
para sustentar esse absurdo, mas, não desejando dar o(s) braço(s) a
torcer, optou pelo meio-termo: a “defesa” pura e simples tornou-se
“defesa subliminar”. Deve ser subliminar mesmo. Tão subliminar, que
nem eu a percebi.

Não obstante essa patente vontade de falsear, a senhora se gaba de que


o seu grupo, “acima de qualquer pendência política, é contra qualquer
tipo de terrorismo”. Para prová-lo, alega que o TNM não denuncia
somente os crimes da ditadura, mas “também os que acontecem nestes
tempos neoliberais”. Quer dizer: vocês não discriminam a direita nova;
falam dela como falam da velha. Com essa notável declaração, vocês
exibem sua carteirinha de identidade ideológica no ato mesmo de jurar
que não têm carteirinha nenhuma.

O TNM, na verdade, só existe com a finalidade sectária de denunciar os


crimes de um lado para esconder os do outro.

Neste mesmo momento, enquanto a senhora revolve papéis velhos, em


busca de indícios que possa alegar contra direitistas nonagenários ou
mortos, centenas de pessoas estão sendo torturadas nos cárceres de
Cuba, do Vietnã, da Coréia do Norte, da China, com a cumplicidade
moral, cultural e política de brasileiros. Um exemplo é o médico cubano
Oscar Elias Biscet, reconhecido como “prisioneiro de consciência” pela
Anistia Internacional, que está sendo torturado numa prisão de Havana
pelo simples fato de falar contra a política fidelista de abortos em massa.
Enquanto isso o governo do Rio Grande do Sul gasta um milhão e

http://www.olavodecarvalho.org/semana/cecilia.htm (4 de 7)16/4/2007 10:59:12


Obrigado, dona Cecília

duzentos mil reais dos cofres públicos para a propaganda do


comunismo cubano, ao mesmo tempo que a senhora e sua gangue se
mobilizam para destruir a reputação de quem ache que é mais
importante denunciar esses crimes de hoje do que vingar ofensas
políticas de trinta anos atrás. Se isso não é ajudar o torturador,
então não sei o que é ajudar, nem o que é torturador.

A senhora se denuncia até quando pretende bancar a esperta, acusando


falhas na minha leitura do seu artigo. Digo que a senhora citou não mais
que um exemplo de vítima de atentados militares, e a senhora pula de
alegria, achando que descobriu um erro, pois se lembra de ter citado
três. Mas não, dona. O que a senhora fez foi citar uma vítima de
atentado militar... e atribuir aos militares dois atentados de autoria
desconhecida. Não são, pois, três exemplos: é um exemplo verdadeiro e
dois falsos. Sei que para a senhora dá tudo na mesma, mas, lamento,
não sou capaz de ler do modo como a senhora quer ser lida.

Se a senhora quisesse mesmo punir pessoas más, não precisaria buscá-


las nos arquivos históricos. Há muitos carrascos vivos. Se a senhora tem
TV a cabo, ligue na Worldnet (Canal 29) a partir das 6h30 da manhã, no
programa “TV Martí”, seção “Presídio Político”, e verá um desfile
interminável de dedos cortados, orelhas arrancadas, olhos vazados. São
os prisioneiros fugidos daquele país que Frei Betto, amigo inseparável
do TNM, proclama ser “o reino de Deus na Terra”. Pelo seu número e
atualidade, esses casos deveriam nos escandalizar muito mais do que
aquilo que, numa época distante, os mortos fizeram aos mortos. Mas a
senhora e o sr. Molina preferem escrever a expressão “perigosos
comunistas” entre irônicas aspas, para dar a impressão de que não há

http://www.olavodecarvalho.org/semana/cecilia.htm (5 de 7)16/4/2007 10:59:12


Obrigado, dona Cecília

periculosidade alguma nos torturadores cubanos e nos seus


acobertadores locais. Isso não é ser cúmplice moral da tortura?
Subliminar, portanto, é a senhora. Mas não tão subliminar que a gente
não perceba claramente o viés deformante que a senhora interpõe entre
o leitor e a visão dos fatos.

Perigoso, no seu entender, é o “perverso silêncio” em torno dos crimes


da nossa ditadura militar. Mas que silêncio? A senhora não lê jornal,
não vê televisão? Não tem filhos na escola, que venham lhe reproduzir o
discurso das professorinhas contra os “horrores da ditadura”? Não ouve
o alarido incessante da mídia em torno dos “anos de chumbo”? Não lê as
notícias que a senhora mesma manda plantar contra meros suspeitos
que, imediatamente e antes de qualquer comprovação judicial, são
então demitidos de seus cargos e expostos à execração pública?

Silêncio há, sim, em torno dos crimes da esquerda. Um silêncio total,


obstinado, sistemático, só varado pelo site de Ternuma, um miúdo
fragmento de memória histórica cercado de ameaças e insultos por
todos os lados. Os defensores da guerrilha brasileira, por exemplo,
alegam que ela foi reação legítima contra a ditadura. Mas como
poderia sê-lo, se já existia antes da ditadura, no tempo de
João Goulart, em plena vigência das liberdades
democráticas? Então ela já era dirigida e financiada desde Cuba. Eu e
muita gente na esquerda sempre soubemos disso, mas era proibido
falar. Se déssemos com a língua nos dentes, desmantelaríamos nossa
própria retórica, confessando que a abominável “direita” tinha dito a
verdade, que as guerrilhas não eram reação nenhuma contra a ditadura,
que a ditadura é que era uma reação legítima contra uma agressão

http://www.olavodecarvalho.org/semana/cecilia.htm (6 de 7)16/4/2007 10:59:12


Obrigado, dona Cecília

internacional. Para ocultar isso, não só mentimos na ocasião, mas


continuamos mentindo durante vinte anos. Com uma diferença: eu
parei; vocês continuam. A pesquisadora Denise Rollemberg, que
segundo leio em Elio Gaspari foi a primeira a conseguir investigar o
assunto depois de três décadas de compacta censura, diz que esses
“episódios são guardados a sete chaves e quem conhece não fala”. Não
fala, para “não dar armas ao inimigo”. No meu tempo de militância, essa
desculpa justificava tudo. Éramos adestrados para sobrepor, ao critério
verdade-falsidade, o par schmittiano amigo-inimigo. Esse adestramento
é o pai de todos os totalitarismos, de todas as tiranias, de todas as
mentiras ideológicas. E nós o aceitávamos como o mais alto padrão de
moralidade concebível, cobrindo de injúrias quem não se enquadrasse
nele. O seu maldito “grupal/coletivo”, dona Cecília, não é outra coisa
senão o sindicato dos adestradores.

23/1/2001

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/semana/cecilia.htm (7 de 7)16/4/2007 10:59:12


O Brasil tem filósofo

O Brasil tem filósofo

Entrevista de Olavo de Carvalho a Gramática On-line

Um dos mais conhecidos (e polêmicos) pensadores da atualidade, Olavo


de Carvalho conversa com o Gramática On-line a respeito de filosofia,
cultura e, é claro, língua portuguesa

Por Júlio Tanga

"Olá, amigo. O Olavo de Carvalho está respondendo aos sucessivos


ataques por parte de alguns órgãos de imprensa, fato que o impossibilita
de responder-lhe agora. Você receberá resposta o mais rápido possível."
É certo que esse e-mail, enviado atenciosamente ao Gramática On-line
como justificativa da eventual demora com que se daria a entrevista,
atesta a vida nada consensual do filósofo e jornalista tido por muitos
como dos maiores pensadores da atualidade. O nome Olavo de Carvalho

http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm (1 de 13)16/4/2007 10:59:30


O Brasil tem filósofo

é, para alguns, sinônimo de polêmica, talvez porque, diferentemente dos


que se sentem apontados em seu livro O Imbecil Coletivo: Atualidades
Inculturais Brasileiras, ele se destaque por defender a liberdade da
consciência individual contra a tirania da autoridade coletiva.
Diferenças ideológicas deixadas de lado, é indiscutível (e interessa-nos
mais nesta entrevista) a qualidade da expressão e do conteúdo das
idéias desse pensador que mais brasileiros deveriam conhecer.

Olavo Luiz Pimentel de Carvalho, 54, nasceu em Campinas, interior de


São Paulo. Estudou Filosofia no Conjunto de Pesquisa Filosófica da PUC
do Rio de Janeiro por três anos, sob a direção do Padre Stanislavs
Ladusãns. Apesar de não ter podido terminar o curso - fechado após a
morte de Ladusãns -, Olavo de Carvalho não quis dar prosseguimento
aos seus estudos em outra instituição de ensino superior. "Os outros
cursos de Filosofia que eu conhecia neste país não me interessavam,
pois eram demasiado ruins", diz o estudioso, que não se considera um
autodidata, por ter desfrutado a orientação de muitos mestres,
principalmente no campo das religiões comparadas.

Pai de oito filhos e já por quatro vezes avô, o filósofo dedica-se, entre
outras atividades, aos seus livros (está sendo publicado o décimo quinto
de sua autoria) e artigos veiculados em grandes periódicos brasileiros.
Merecem atenção especial do pensador os Seminários de Filosofia que
conduz em São Paulo. O curso, que atrai estudantes e profissionais de
diversas áreas, é reconhecido como um dos mais sérios e consistentes
dos que se conhecem. Encontram-se excertos das apostilas do curso -
além de inúmeros textos publicados por e sobre Olavo de Carvalho em
vários jornais e revistas - no site www.olavodecarvalho.org, mantido e

http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm (2 de 13)16/4/2007 10:59:30


O Brasil tem filósofo

atualizado desde maio de 98 pelo próprio professor. A página, visitada


por cerca de 600 internautas diariamente, já recebeu o título de Site do
Mês (OpenLink / abril de 99) e mostra, por si só, por que seu criador
gera tanta polêmica no meio intelectualóide e por que a qualidade de
seu texto chama tanto à atenção. Sem dúvida alguma, é um dos poucos
sites da rede mundial de computadores que induzem a uma reflexão
realmente crítica. Uma infinidade de temas é abordada com linguagem
simples, bem-humorada, apimentada e abrasileirada, encarrapitada em
uma qualidade gramatical de causar inveja a muitos jornalistas e
profissionais das letras. A maioria dos textos está disposta
integralmente no site, que é gratuito.

Entrevistado pelo Gramática On-line, Olavo de Carvalho falou sobre


suas preferências de leitura, sobre filosofia e, principalmente, sobre a
Língua Portuguesa e seu estudo.

Gramática On-line - Comecemos falando um pouco sobre a sua área.


Na sua opinião, que é a Filosofia? Há diferenças entre concepções
antigas e modernas de Filosofia?

-- A Filosofia, segundo a entendo, é a unidade do saber realizada na


unidade da consciência e vice-versa. Creio que essa definição absorve e
domina praticamente todas as definições antigas e modernas. Aliás, foi
obtida da comparação delas.

Gramática On-line - Muitas pessoas têm dúvida quanto à atuação


profissional do filósofo. Além de lecionar, que atividades pode exercer

http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm (3 de 13)16/4/2007 10:59:30


O Brasil tem filósofo

o formado em Filosofia?

-- A Filosofia, em si, não é uma atividade profissional (e espero que não


se torne isso nunca), mas um tipo de know-how que está subentendido,
ou deveria estar, em inumeráveis profissões, especialmente o ensino, a
pesquisa científica em todas as áreas, as artes, a política, a medicina.

Gramática On-line - Atualmente, as faculdades em geral formam


realmente filósofos? Ou são só professores de Filosofia?

-- Ninguém pode dar o que não tem nem ensinar o que não sabe. Não
há um só filósofo no nosso meio acadêmico, e a prova é que esse meio
rejeita, por medo e preconceito, todo filósofo autêntico que apareça
dentro ou fora dele. Dizer que uma Marilena Chauí, um Leandro Konder
sejam filósofos é um ultraje à filosofia. A primeira é uma professora de
ginásio, o segundo é um propagandista barato. Mas é só esse tipo de
gente que a universidade aceita. Já o Villém Flusser, um gênio
espantoso, acabou desistindo do Brasil e foi publicar seus livros na
Alemanha, onde imediatamente foi reconhecido como um dos
pensadores mais originais das últimas décadas. No Brasil aqueles
entojadinhos da USP faziam pouco dele, empinavam o nariz diante dos
seus escritos porque eram publicados em jornal – como se Gabriel
Marcel ou Ortega y Gasset também não tivessem sido eminentemente
jornalistas. Mário Ferreira dos Santos e Vicente Ferreira da Silva
também foram postos para escanteio, e até Miguel Reale, reitor da USP,
era discriminado dentro da sua própria universidade. Agora, com
quarenta anos de atraso, a USP decidiu absorver o prof. Reale,
concedendo ao mestre um lugarzinho modesto ao lado de quinze micos

http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm (4 de 13)16/4/2007 10:59:30


O Brasil tem filósofo

na coletânea Conversas com Filósofos Brasileiros, na qual ele é


obviamente o único filósofo presente. Ora, esses quatro nomes –
Flusser, Reale e os dois Ferreiras – perfazem o essencial da filosofia
brasileira deste século – o que vale dizer que a filosofia esteve
rigorosamente fora da universidade, por obra de medíocres e invejosos
que se empoleiraram como urubus nas chefias de departamentos. O que
a universidade brasileira tem feito contra a filosofia é simplesmente
criminoso.

Gramática On-line - Nota- se que há muitas faculdades de Filosofia (e


Letras) espalhadas pelo país. Essa proliferação de faculdades é boa ou
ruim para o ensino qualitativo da Filosofia?

-- É péssima. Quanto mais gente falando do que não entende, mais


confusão, mais empulhação, mais verbalismo oco vai circular pelo país.
A filosofia universitária no Brasil só vai começar quando o MEC ou
instituição similar fizer uma edição padrão dos escritos daqueles quatro
grandes pensadores e a distribuir como leitura obrigatória em todas as
faculdades. Não pode haver ensino da filosofia senão com base numa
filosofia vivente.

Gramática On-line - Pode- se dizer que hoje em dia há grandes


pensadores, como Sócrates, Platão, Santo Agostinho, etc.?

-- Eric Voegelin e Xavier Zubiri superam todos os demais pensadores


da segunda metade do século XX.

Gramática On-line - Quais são seus autores favoritos (da filosofia e de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm (5 de 13)16/4/2007 10:59:30


O Brasil tem filósofo

outras áreas)?

-- Em filosofia, Aristóteles, Leibniz, Sto. Tomás, Schelling, Husserl,


Voegelin, Zubiri, Lonergan, Éric Weil, Louis Lavelle. Na literatura,
Dante e Shakespeare, Dostoievski e Stendhal, Camões e Camilo,
Manzoni e Scott, Pío Baroja, Thomas Mann e Jacob Wassermann,
Antonio Machado, Apollinaire, T. S. Eliot e William Butler Yeats. Mas
gosto também muito de ler historiadores - meus prediletos são Taine,
Huizinga e Oliveira Martins - e obras de psicologia, principalmente as
de Viktor Frankl, Lipot Szondi e Maurice Pradines. Nas ciências sociais,
Weber e Ludwig von Mises. Em religião, além da Bíblia, do Corão e dos
Upanishads, releio sempre a Legenda Dourada de Giacomo di Varezzo,
um livro que me parece ter certos dons miraculosos. Sou aficionado de
temas islâmicos e retorno sempre aos livros de Ibn Arabi, René Guénon,
Henry Corbin, Frithjof Schuon, Titus Burckhardt, Seyyed Hossein Nasr.
Adoro as polêmicas de Chesterton, de Bernanos, de Nelson Rodrigues.
Gosto também de livros de memórias e depoimentos, sobretudo de
políticos, agentes secretos e criminosos que um dia envelhecem e
perdem o medo de contar o que sabem; mas também relatos de vidas
extraordinárias: meu preferido desde a infância, relido com encanto
crescente de tempos em tempos, é Hunter, de John A. Hunter (uma
coincidência de nome e profissão): memórias de um caçador de leões e
elefantes, certamente o melhor livro de psicologia animal que alguém
escreveu antes de Konrad Lorenz.

Gramática On-line - Diante de tantos autores, de tanta leitura, que o


senhor diz sobre o jovem? Com o desenvolvimento da Sociedade da
Informação, o jovem tem pensado menos ou mais? Está mais fácil ou

http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm (6 de 13)16/4/2007 10:59:30


O Brasil tem filósofo

mais difícil pensar?

-- Os computadores e a internet, em si, são um imenso benefício para


todas as atividades intelectuais. O problema é que pessoas incapazes de
absorver mesmo doses moderadas de informação se vêem de repente
submetidas a um bombardeio informático. No mínimo, isso infunde
nelas a ilusão de que estão por dentro de todos os assuntos. Na verdade,
para tirar proveito da internet o sujeito precisa ter as habilidades
conjuntas de um pesquisador acadêmico, de um jornalista e de um
oficial de informações. O número de pessoas que tira real proveito da
internet é ínfimo. Que fazer pelas outras? Bem, da minha parte já faço o
que está ao meu alcance: procuro desenvolver nos meus alunos aquelas
habilidades conjuntas. Mas não creio que os demais educadores estejam
conscientes dessa necessidade, porque eles próprios não têm em geral
esse tipo de formação.

Gramática On-line - Além de ler, qual é o seu hobby? Uma atividade


que lhe proporcione prazer...

Não tenho nenhum hobby em especial. Tudo o que faço me


proporciona imenso prazer, sobretudo estudar, escrever, dar aulas,
conviver com a minha família maravilhosa e com os meus amigos,
comer, amar, rezar, dormir. Se tivesse tempo livre, iria caçar e andar a
cavalo, coisas que fiz muito na infância. Música, ouço de vez em quando,
mas sempre as mesmas, principalmente Mozart e Wagner. Filmes, já vi
todos os que queria ver.

Gramática On-line - Falemos um pouco sobre a Gramática. Quais são

http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm (7 de 13)16/4/2007 10:59:30


O Brasil tem filósofo

os primeiros registros dos estudos lógicos e gramaticais?

-- Os primeiros estudos gramaticais no Ocidente resultaram da


tentativa de aplicar à linguagem, considerada materialmente, os
conceitos da lógica de Aristóteles. Mas a aplicação foi muito rasa e um
logicismo extemporâneo deixou cicatrizes em toda a gramática
ocidental. Quem estudou isso a fundo e procurou corrigir essas
distorções foi Eugen Rosenstock-Huessy, cujo livro A Origem da
Linguagem deve sair em breve pela Biblioteca de Filosofia que dirijo na
Editora Record.

Gramática On-line - Ao seu ver, qual é a melhor maneira de


desenvolver no cidadão a habilidade de escrita e leitura?

-- Expliquei algo disso no meu artigo "Aprendendo a escrever" (O


Globo, 3 fev. 2001). Primeiro o sujeito tem de adquirir, pela leitura de
obras de história, de cronologia e de bibliografia, um senso da unidade
do campo das letras. Um bom começo é a História da Literatura
Ocidental de Otto Maria Carpeaux, ou a série Great Books da
Encyclopaedia Britannica. Mas em seguida, ou ao mesmo tempo, tem de
ler os clássicos e tentar imitá- los, formando um repertório de meios de
expressão. Terceiro, tem de manter esse repertório em contínuo
acréscimo e desenvolvimento, pela prática da escrita.

Gramática On-line - Entre as características de Olavo de Carvalho,


uma que merece destaque é a habilidade lingüística. O seu texto
mostra-se, ao mesmo tempo, fiel às normas do ensino prescritivo do
idioma (a chamada norma culta da língua) e acessível a um grande

http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm (8 de 13)16/4/2007 10:59:30


O Brasil tem filósofo

número de leitores. Leitura qualitativa e quantitativa basta para que


se alcance essa habilidade? O domínio das estruturas fonética,
morfológica e sintática é realmente necessário?

-- Há dois tipos de pessoas: as que aprendem por indução e as que


primeiro precisam conhecer a regra geral para depois reconhecê-la na
prática. O aprendizado da gramática é necessário a ambas, mas em
momentos diferentes. As do primeiro tipo (e eu mesmo estou entre elas)
devem acumular uma grande experiência de leitura antes de ter a
primeira lição de gramática, porque já terão aquela experiência que lhes
permitirá reconhecer do que a gramática está falando. Mas há pessoas
que precisam estudar gramática primeiro. O educador é que tem de ter
o tirocínio para perceber o que é melhor para o seu aluno.

Gramática On-line - Como o jornalista Olavo de Carvalho vê a


situação dos textos impressos dos meios de comunicação. Os cursos de
Jornalismo estão levando a sério a abordagem (ou estudo) da
linguagem? Qual é a solução?

-- A linguagem da mídia é um compactado de cacoetes funcionais. O


sujeito que aprende a escrever com base nela vai tender inevitavelmente
a compactá-la ainda mais. Só os grandes escritores têm o gênio, o
espírito do idioma. É preciso aprender a escrever com Camilo e
Machado, e só depois simplificar o idioma para adaptá-lo às
necessidades da mídia. Para fazer comida desidratada é preciso partir
da comida autêntica: se o sujeito desidrata o que já vem desidratado,
acaba comendo areia.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/temfilosofo.htm (9 de 13)16/4/2007 10:59:30


O Brasil tem filósofo

Gramática On-line - O senhor estudou profundamente a Gramática ou,


como explicam alguns jornalistas, apela na maioria das vezes à
intuição para escrever adequadamente?

-- Não sei quem foi que disse que cultura é aquilo que sobra quando a
gente esquece o que aprendeu. Fiz muitos exercícios de gramática,
seguindo especialmente a velha Gramática Metódica de Napoleão
Mendes de Almeida, e procurei incorporar o aprendizado de tal modo
que a regra aprendida funcionasse automaticamente. Hoje, que escrevo
com correção, esqueci metade da nomenclatura gramatical e ela não me
faz falta nenhuma. A gramática é um estudo reflexivo que pressupõe de
certo modo o conhecimento prático do idioma e não pode substituí- lo.
Mas, como eu já disse, as mentes muito dedutivas e analíticas precisam
já de um pouco de gramática no começo do aprendizado.

Gramática On-line - Tem-se falado muito sobre a influência da língua


na sociedade e vice-versa. A difusão intolerante da Gramática
tradicional dá origem, segundo alguns sociolingüistas, ao preconceito
lingüístico, sentimento por meio do qual se mantém o desrespeito às
variantes lingüísticas divergentes da norma culta, da variante de
prestígio. O senhor acha que o ensino rigoroso da Gramática, como
era antigamente, pode contribuir para a manutenção desse
preconceito? A norma culta é, como dizem, mais uma das imposições
de uma minoria que visa a manter as classes sociais distantes umas
das outras?

-- Esses sociólogos são simplesmente charlatães que querem tirar


proveito político de uma observação falseada da realidade. Não estamos

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O Brasil tem filósofo

na Inglaterra, onde o falar correto ou incorreto basta para identificar


imediatamente a classe social a que o sujeito pertence. Aqui, as classes
altas falam e escrevem tão errado quanto o povão, e só quem se
interessa pela norma culta são escritores e gramáticos pobretões e
marginalizados. Por outro lado, exigir que o aluno, em vez de aprender a
norma culta geral, se apegue eternamente aos modos de falar do seu
bairro ou da sua classe social, isto sim é discriminá-lo, barrando-lhe o
acesso a uma norma que existe justamente para ser o terreno comum da
comunicação democrática. Os inimigos da norma são obscurantistas
que querem prender cada pessoa no gueto lingüístico e social da sua
infância, bloquear a comunicação social e inviabilizar a democracia. Os
que inventaram essa ideologia sabem perfeitamente que o propósito
dela é criminoso. Os que a repetem como papagaios do alto de suas
cátedras são apenas tolos desprezíveis.

Gramática On-line - Na sua opinião, é mais eficaz combater o


preconceito lingüístico ou difundir de maneira mais figurativa os
conhecimentos do idioma?

-- O único preconceito lingüístico que existe no Brasil é contra a


linguagem correta. Ninguém é criticado neste país porque fala errado,
mas, se usa uma única palavra que a platéia desconheça, é rotulado
imediatamente de pedante, e assim todos contribuem para o
empobrecimento do idioma. Há na sociedade brasileira uma espécie de
populismo atávico, regressivo, mórbido e masoquista. Temos de acabar
com ele, e qualquer ensino da gramática é útil para esse fim.

Gramática On-line - Certa vez, quando o Gramática On-line julgou que

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O Brasil tem filósofo

houvesse uma falha de digitação no seu site (a palavra muçulmano foi


escrita com dois ss), o senhor disse que escreveu intencionalmente a
forma que transgride a registrada. Referiu-se, ainda, a um sistema
fonético independente, de sua autoria. O senhor poderia explicar em
que consistem essas ações dissidentes?

-- Foi apenas um truque que inventei para facilitar o aprendizado do


árabe clássico. O sistema internacional de transliteração é complicado e
incoerente. Em árabe a escrita pode ser abreviada mediante a omissão
das vogais, como numa taquigrafia. Na transliteração internacional você
nunca sabe se as letras são vogais ou consoantes. Inventei então uma
transliteração na qual as consoantes eram grafadas em maiúsculas e as
vogais em minúsculas. Só que para isso era preciso que cada letra árabe
correspondesse a uma e uma só letra portuguesa. Naturalmente, isso
acabava por afetar os próprios termos árabes aportuguesados, como por
exemplo "mussulmano", que é uma adaptação de musslim. Na minha
transliteração, musslim se escreve MuSSLiM, indicando que, na escrita
corrente - por exemplo, num jornal árabe -, se escreveria apenas
MSSLM. A utilidade disso é extraordinária para o aluno estrangeiro,
porque, para o árabe, a consoante, conforme o contexto, já sugere
imediatamente a vogal que a acompanha, e para nós não, o que é um
problema, já que as declinações (nominativo, genitivo e acusativo) são
indicadas precisamente pelas vogais. Há um belo livro de introdução ao
árabe, Arabic Made Easy, de Abdul Hashim, que estou adaptando para
o português com a minha transliteração. Mas ainda vai demorar para
ficar pronto, porque tenho pouco tempo para trabalhar nisso.

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O Brasil tem filósofo

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René Girard e a coletividade homicida

René Girard e a coletividade homicida


Olavo de Carvalho
Transcrição de intervenção na mesa-redonda
em torno do pensamento de René Girard,
realizada no anfiteatro da UniverCidade (Rio de Janeiro), 17 nov. 2000.

Depois do que o Prof. Girard nos ensinou, não temos mais o


direito de ser ingênuos sobre nossas crenças, sobre a ética, o bem e o
mal etc. O Brasil há mais de dez anos está envolvido numa espécie de
discurso ético purgativo, segundo o qual acredita-se que com a punição
dos corruptos tudo ficará bem. E isso está tão evidentemente
relacionado com o rito sacrificial do bode expiatório que eu gostaria de
sugerir que aproveitássemos a presença do Prof. Girard entre nós como
uma oportunidade para meditarmos a onda moralizante brasileira à luz
dos seus ensinamentos: não estaríamos procurando apenas mais um
pretexto edificante para a violência e a perseguição?

Mas eu desejaria também colocar um outro problema, de ordem


teórica, que me atormenta desde que li alguns dos livros do Prof. Girard.

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René Girard e a coletividade homicida

É o seguinte: evidentemente, existe nas religiões essa constante que ele


assinalou desde o início das suas investigações, que é o elemento
sacrificial, porém há também outras constantes. Uma delas é a presença
da linguagem simbólica. Não houve nenhuma religião que viesse ao
mundo inicialmente sob a forma de uma doutrina logicamente exposta,
de um sistema lógico-doutrinal. Ao contrário, pode-se desenvolver um
sistema lógico-doutrinal ao longo do tempo, mas a forma inicial de
representação da religião é sempre uma narrativa ou um poema
simbólico, seja composto de elementos fictícios ou de acontecimentos
reais -- como a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo -- fortemente
carregados de simbolismo. O que caracteriza esse elemento simbólico é
o fato de ele poder ser compreendido em diferentes níveis, que guardam
entre si uma ligação analógica. Quando tomamos o conjunto das
narrativas e símbolos de uma religião, podemos ver ali ou o esquema da
ordem da sociedade ou o esquema da ordem da alma, do mundo interior
do indivíduo humano. Nesta última hipótese, temos a perspectiva que se
aproximaria mais da mística ou do “esoterismo”, e na primeira, temos
uma perspectiva legalística, “exotérica”, da autoridade religiosa, das
regras morais e da construção do Estado. Ora, conforme encaramos esse
conjunto sob um aspecto ou sob o outro, obtemos, às vezes, sentidos
inversos. Por exemplo, num aspecto místico, de busca de uma perfeição
espiritual pelo indivíduo, aquilo que corresponde à ascese ou à alquimia
interior, seria exatamente aquilo que no plano social, no plano coletivo,
corresponderia justamente à matança, ao genocídio. Isto é muito nítido
no Baghavad-Gitâ, ou na narrativa bíblica das guerras judaicas: o que,
na ordem dos fatos exteriores, é violência e morticínio, na ordem
interior é ascese, autodomínio espiritual, vitória sobre as paixões

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René Girard e a coletividade homicida

violentas. Na religião islâmica, há uma série de práticas interiores das


ordens místicas, que têm pouco a ver com as obrigações legais e rituais
da religião coletiva, mas se destinam a utilizar a substância das paixões
mais inferiores, mais violentas, como matéria-prima que, queimada no
forno, no altar da prática mística, se converterá em virtude, em
conhecimento espiritual, naquele sentido em que é possível dizer, com
Sto. Agostinho, que as virtudes são feitas da mesma matéria dos vícios:
partindo dos vícios, tomando-os como matéria-prima e queimando-os
no forno da meditação e da concentração, o pecado se substitui pela
graça. Quando abandonamos esse nível interior e rebatemos isso para o
plano da sociedade, aí entramos em plena matança dos inocentes, em
plena perseguição do bode expiatório.

Para colocar esse problema de maneira mais clara, eu vou sugerir a


leitura comparativa de dois livros: um é do próprio Prof. Girard, que é O
Teatro da Inveja, o qual interpreta toda a obra de Shakespeare à luz da
teoria do desejo mimético, da inveja e do bode expiatório; o outro livro,
que interpreta a obra de Shakespeare no sentido interior e místico, é o
de Martins Lings, que se chama The Secret of Shakespeare. São as duas
melhores obras que já se escreveram sobre Shakespeare. As
interpretações que elas nos apresentam são radicalmente diferentes e se
colocam em planos distintos, mas pessoalmente não vejo antagonismo
entre elas. Vejo uma complementaridade justamente quando, passando
do nível interior para o nível exterior, coletivo ou político, saímos do
espírito que vivifica para a letra que mata, isto é, passamos da
abordagem místico-ascética (Lings) para a abordagem ritualístico-
sacrificial (Girard). É justamente o aspecto da letra exterior que

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René Girard e a coletividade homicida
corresponde ao território abrangido por este esplêndido estudo do Prof.
Girard, A perseguição. O que eu gostaria de saber é como é que ele
articula esses dois planos, se é que essa comparação já lhe ocorreu. O
tema, em si, é de importância extraordinária e nos lança no núcleo mais
vivo, mais explosivo do problema da interpretação das criações
culturais: como é que aquilo que de um lado significa a matança dos
inocentes pode, por outro lado, significar o sacrifício do eu, do egoísmo
e das paixões violentas? O próprio Prof. Girard insinua uma solução ao
dizer que o coletivo é assassino por natureza, afirmação que devemos
articular com a lição de Sto. Agostinho, de que a verdade que salva
habita no interior do homem. Essa articulação abre perspectivas para a
compreensão do caráter intrinsecamente anti-espiritual e homicida de
todo coletivismo, eternamente em guerra contra o reino interior, o reino
de Cristo. Pois o reino de Cristo é, essencial e inseparavelmente, o
resgate da vítima sacrificial e a afirmação do primado da interioridade.

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Paulo mercadante e a alma brasileira

Paulo Mercadante e a alma brasileira

Olavo de Carvalho

Introdução de A Coerência das Incertezas. Símbolos e Mitos na


Fenomenologia Histórica Luso-Brasileira, publicado pela É Realizações.

Paulo Mercadante destacou-se entre os historiadores brasileiros


sobretudo por um de seus primeiros livros, A Consciência
Conservadora no Brasil. É obra tão essencial que, até certo ponto,
justifica a relativa desatenção com que foram recebidos seus escritos
posteriores. Tal é, aliás, o destino de muitos escritores brasileiros,
vítimas de estréias felizes que obscurecem toda a sua produção
subseqüente.

Na área do pensamento e das ciências humanas, esse fenômeno é ainda


mais marcante. Não lhe escapou nem o próprio Gilberto Freyre,
enquadrado para sempre na imagem inicial moldada pelo sucesso de
Casa Grande & Senzala.

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Paulo mercadante e a alma brasileira

Não há nisso, aliás, injustiça nenhuma: não se espera nem se exige que
um pesquisador, tendo resolvido uma questão central da disciplina que
o ocupa, faça novas descobertas mais decisivas em seguida. Mas às vezes
ele de fato as faz, como as fez o Gilberto de Sociologia e de Além do
Apenas Moderno, e como as faz Paulo Mercadante neste surpreendente
e enigmático A Coerência das Incertezas. Quando essas descobertas
passam despercebidas pelo público, o escritor, garantido por seu
prestígio inicial, nada perde. Quem perde é o público, que, satisfeito
com o antigo dom, se esquece de estender a mão para receber o novo.

Mas o que Paulo Mercadante dá aos leitores neste novo livro é ao


mesmo tempo algo de precioso e de sutil, que não se entregará
facilmente nem mesmo a quem estenda a mão. O que este livro tem a
dar não é aquilo que a maioria dos interessados na nossa História está
costumeiramente buscando. É a resposta a perguntas que só os mais
atentos e os mais finos observadores chegaram a fazer. Os demais,
mesmo que passem por aqui, talvez nem cheguem a perceber de que
raio de coisa o autor está falando.

Para dar aos leitores uma idéia do que encontrarão nas páginas que se
seguem, talvez seja bom voltar um pouco à Consciência Conservadora.
O problema de que ali se trata é decerto o mais decisivo na história de
qualquer país: o que pensam e por que assim pensam os homens que
mandam. No jargão das ciências sociais, é “a ideologia da classe
dominante”. Mas o termo ideologia tem, desde seu inventor,
Napoleão Bonaparte, a acepção de um discurso evanescente, ideal,
irreal. Segundo Marx, esse véu de irrealidades, Ideenkleid, “vestido de

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Paulo mercadante e a alma brasileira

idéias”, encobre a dura realidade da luta econômica. De outro lado, toda


ideologia tende a organizar-se em sistema, a racionalizar-se e justificar-
se mediante cadeias de argumentos, mobilizando exércitos de
intelectuais e de educadores para que façam da cultura e do ensino a
ampliação e reprodução desse sistema.

E aí já começavam, para o investigador da ideologia brasiliensis, os


problemas cabeludos. De um lado, a nossa classe conservadora era
muito pouco inclinada aos discursos e teorizações. Pragmática e
imediatista, raramente fazia questão de elaborar justificativas
meticulosas para o que fazia, contentando-se em apelar a algum
pretexto convincente, para fins do imediato, e em contar com o
esquecimento geral, a longo prazo. Assim, essa ideologia não podia ser
constatada diretamente em textos e documentos: tinha de ser escavada
como que do subconsciente, à maneira daqueles discursos silenciosos
que um psicanalista desentranha das condutas mudas que os encobrem.
Em segundo lugar, tão logo o conteúdo mais ou menos implícito do
pensamento das nossas classes dominantes começava a mostrar-se aos
olhos do investigador, não se parecia em nada com um vestido de idéias
a encobrir uma realidade, mas bem ao contrário, era de certo modo o
traslado mesmo dessa realidade, apreendida da maneira mais simples,
direta e chã. A “consciência conservadora” era de fato um pragmatismo,
um arranjo oportunista de soluções oportunas. Que esse arranjo, no
mais das vezes, se compusesse de ideais teoricamente contraditórios,
cuja acomodação resultaria escandalosa do ponto de vista das mentes
mais apegadas à coerência discursiva, era coisa que não abalava no mais
mínimo que fosse a classe dos senhores, mais interessada em viver do

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Paulo mercadante e a alma brasileira

que em filosofar. Mais ainda, a coexistência de valores incompatíveis,


longe de ser sinal de irrealismo ou de falta de sensibilidade, era muitas
vezes a expressão a mais exata possível do quadro de circunstâncias, a
equação certeira das forças econômicas e políticas em jogo. Por
exemplo, o Brasil de 1822 não podia abdicar nem das idéias liberais que
inspiravam o movimento de independência, absorvidas na Europa pelos
filhos da nossa aristocracia que lá iam estudar, nem das bases
econômicas, fundamentalmente agrícolas e escravistas, que davam a
esses jovens os meios de ir lá estudar e adquirir essas idéias. A solução
pragmática foi “conciliar, antes de tudo, a revolução nas relações
externas de produção com o escravismo nas relações internas de
produção”, “conciliar o instituto da escravatura e o liberalismo
econômico”.[1]

Mas em 1822 não se tratava só de uma revolução, e sim da fundação de


um país, da busca de um senso de unidade profunda, de um “instinto da
nacionalidade”, para usar a expressão consagrada de Machado de Assis.
A rebelião anticolonial, para justificar a existência do novo país, recorre
ao discurso do romantismo, de Burke, Savigny e Adam Müller, reação
conservadora aos excessos da razão iluminista. “Ao invés de considerar
a sociedade e o Estado como resultante de relações contratuais, o
romantismo os vê como unidade espiritual; prefere as mudanças
imperceptíveis que se acumulam silenciosamente, repelindo as
transformações violentas provocadas pelas rebeliões; coloca a
superioridade dos costumes como sedimentação da consciência jurídica
de um povo e em lugar de um Direito Natural comum a todas as épocas
e a todas as latitudes estatui que todas as normas de comportamento se

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Paulo mercadante e a alma brasileira
vinculam necessária e historicamente a cada nação.” Porém, ao mesmo
tempo, o desejo mesmo de dar expressão jurídica à nacionalidade
produz a tendência de “realizar-se através de uma unificação apelando
para uma superestrutura jurídica que tudo abrangesse e justificasse”.
Transplantado para a nação nova e emergente, o primado romântico do
costume sobre a lei assume a figura paradoxal de um formalismo
jurídico avassalador. Não menos paradoxalmente, os valores liberais
eram afirmados como inspiração perfeitamente autêntica e sincera dos
próceres da independência e, ao mesmo tempo, neutralizados pela sua
absorção no aparato jurídico “que tudo abrangia”: “O próprio
liberalismo econômico seria reduzido a preceito de direito público.”[2]

Conceitos como revolução, reação, liberalismo, nacionalismo, etc.,


foram criados na Europa para refletir as forças em jogo em diferentes
fases de uma sucessão histórica, à medida que ela se desenrolava ante os
olhos de seus intérpretes. Amoldá-los a uma situação na qual essas
forças, sucessivas do outro lado do oceano, apareciam simultâneas e
entremescladas, foi a grande realização ideológica das nossas classes
conservadoras. Conciliação e adaptação têm sido, desde então, os
instrumentos de uma sobrevivência que de outra forma seria
inexplicável. Os arranjos e improvisos, requerendo de um lado uma
extrema finura psicológica e um senso prático formidável, dificultavam,
de outro lado, a elaboração teórica mais demorada, lançando uma névoa
geral no campo das idéias ao mesmo tempo que, na prática, as coisas se
resolviam de algum modo. Daí a pobreza teórica do nosso
conservadorismo e a facilidade pragmática e quase cínica com que, no
poder, ele absorve o discurso e os ideais da oposição progressista ou
mesmo revolucionária, para realizar, na prática, o que seus inimigos

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Paulo mercadante e a alma brasileira

sonharam em teoria.

Ter chegado a essa profundidade na sondagem das raízes da política


nacional fez de A Consciência Conservadora no Brasil um clássico da
“história das mentalidades”.

Mas, nos trinta e cinco anos que se passaram desde sua publicação, a
curiosidade investigativa de Paulo Mercadante não só foi ampliando o
horizonte de temas e problemas que interessavam à sua devoção
científica (a mentalidade do homem regional, em Os Sertões do Leste; o
confronto de duas éticas em Militares e Civis; a influência paralisante
das doutrinas comunistas na cultura brasileira, em Graciliano Ramos),
mas, graças aos estudos filosóficos a que se dedicou com intensidade
crescente ao longo dos anos, foi observando as coisas desde um ponto
de vista cada vez mais profundo e mais pessoal. Em A Consciência
Conservadora, movíamo-nos ainda num terreno que, malgrado a
originalidade do ponto de vista, era ainda o da tradição historiográfica e
sociológica brasileira. A partir de um certo ponto da sua carreira,
Mercadante desembocou em questões que escapavam formidavelmente
ao horizonte de consciência dos nossos cientistas sociais em geral --
limitado por um materialismo e um imediatismo superficial que muito
têm a ver com a formação da mentalidade das nossas classes
conservadoras -- e abriam um campo totalmente novo de investigações.
A partir daí, ironicamente, o investigador se tornou um outsider
precisamente no momento em que se viu dotado de seu mais fino
instrumental analítico. Por uma infeliz coincidência, isso se deu
contemporaneamente à tomada dos meios de comunicação cultural por
um movimento político que, na ideologia, é herdeiro direto daquele do

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Paulo mercadante e a alma brasileira

qual Mercadante, com toda uma geração de intelectuais de esquerda, se


desligou quando da revelação do célebre Relatório Kruschev de 1956, e,
na psicologia, é um fruto do irracionalismo sociopático infundido na
intelligentzia esquerdista do Terceiro Mundo pela crescente influência
da New Age, do ecologismo e da apologia marcusiana do
lumpenproletariado. O pensamento de Mercadante se tornava mais
sutil e mais profundo justamente na hora em que a vida intelectual
neste país sacrificava tudo no altar do simplismo e se reduzia cada vez
mais à obsessiva repetição de slogans e cacoetes. Concomitante ao
florescimento geral do imbecil coletivo, a individualização da forma
mentis de um grande espírito resultou num isolamento monástico
imposto pelas circunstâncias. Seus trabalhos, muitos da mais alta
relevância para todos os estudiosos da área, como por exemplo a
monumental edição anotada das obras de Tobias Barreto, em dez
volumes, passaram a ser recebidos com o silêncio sepulcral que, na falta
de coragem para a difamação direta, é a reação-padrão da esquerda
brasileira às realizações valiosas de seus desafetos.

Mercadante é um dos homens mais humildes, bondosos e ternos que já


habitaram esse planeta. Além disso, é inteligente demais para esperar
que cretinos o compreendam, e foi dotado pela Providência com um
senso de humor que lhe permite sair incólume das mais deprimentes
situações mediante um sorrisinho irônico e um gracejo. Admiradores
seletos, entre os homens mais cultos do país, – um Roberto Campos, um
Vamireh Chacom, um Meira Penna – nunca lhe faltaram. Dos outros ele
nada tinha a receber, e, se não recebiam o que lhes dava, eles é que
perdiam.

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Paulo mercadante e a alma brasileira

Esse mesmo isolamento contribuiu, decerto, para que as meditações do


estudioso fossem tomando um rumo cada vez mais peculiar, mais
distante das preocupações (ou meras ocupações) dos nossos cientistas
sociais acadêmicos.

Quando levada às suas últimas conseqüências, a história das


mentalidades desemboca na história do subconsciente, que é, a fortiori,
o subconsciente da história. Por baixo das ideologias, começa a se
revelar a camada mais decisiva e misteriosa dos nexos sutis entre a
história linear e o tempo cíclico do mundus imaginalis, a esfera dos
símbolos, mitos e imagens primordiais que, desaparecendo e
aparecendo à superfície dos fatos com regularidade assustadora,
parecem constituir algo como o quadrante onde se movem os ponteiros
da história. A partir dos anos 60, esse domínio, que mui
apropriadamente recebeu o nome de meta-história, foi despertando a
atenção de notáveis pesquisadores em todo o mundo. Henry Corbin,
Jean-Charles Pichon, Eric Voegelin, Raymond Abellio mostraram que as
relações entre história e mito não se explicavam pela mera distinção
grosseira da infra-estrutura material e da superestrutura ideal a que as
tinha reduzido a mistura de marxismo e positivismo, dominante nos
meios acadêmicos desde o século passado e hoje, felizmente,
moribunda. Muitas vezes, os mitos pareciam prefigurar a história,
determinando de algum modo o seu curso: longe de ser puras criações
dos homens históricos, eles tinham uma força criadora e determinante
por si próprios. Sua presença ativa, encoberta pela sucessão dos fatos
político-sociais, revelava-se de tempos em tempos pela recorrência dos
mesmos símbolos, das mesmas imagens, que, emoldurando o

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Paulo mercadante e a alma brasileira

imaginário dos personagens, determinava invisivelmente o curso dos


seus pensamentos e das suas decisões. Foi ao estudo dessa ordem de
coisas que Mercadante, isolado da tagarelice ambiente, se dedicou cada
vez mais.

Porém, a essa ciência misteriosa e desafiadora, Mercadante acrescentou


uma ênfase nova e pessoal, derivada dos estudos de ciência física que,
desde a juventude, o ocuparam apaixonadamente. Isso permitiu que ele
se integrasse, como portador de uma contribuição bastante original,
numa linha de investigações que, no mundo, é ainda nova e mal
compreendida e, no Brasil, é radicalmente ignorada pelo establishment
universitário.

Vamos defini-la. À medida que no campo das ciências humanas se


desmoralizavam as noções de progresso linear e de causalidade
predominante, dissolução similar sofria, na ciência física, o
determinismo mecanicista. A constatação desse duplo fracasso abriu
para alguns estudiosos um campo de trabalho que é hoje o mais
promissor de todos: a investigação das analogias entre causalidade física
e causalidade histórica, ambas compreendidas segundo uma matriz
quântica e indeterminista.

Tal é o tema das investigações que, referidas especificamente à


fenomenologia histórica luso-brasileira, Paulo Mercadante nos
apresenta neste livro extraordinário.

Nesse campo, os símbolos, surgidos do impacto das percepções


sensíveis sobre a memória e a imaginação, aparecem como condensados

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Paulo mercadante e a alma brasileira

de experiências e de expectativas, formando como que o substrato


imaginativo da inteligência racional. Assim, no domínio da ação
coletiva, qualquer idéia, qualquer decisão, remetem sempre a um fundo
simbólico que as emoldura, limita e, até certo ponto, determina.

Os símbolos pairam sobre a história como possibilidades de concepção


que, em certos momentos, “descem” e se convertem em possibilidades
de ação. O que determina sua descida e seu retorno, seu aparecimento e
desaparecimento no cenário da história, parece ser um fator tão
misteriosamente individual e irredutível como aquele que, em física
subatômica, determina os movimentos de uma partícula singular. Na
escala humana, porém, essa irredutibilidade não pode ser explicada
como “irracional”: o indivíduo que apreende o nexo simbólico e o
converte em ação deliberada opera, como bem percebeu Weber, de
maneira estritamente racional. O irracional, o imprevisível, está
somente no acaso que, em certos momentos, fornece ou sonega às forças
históricas em conflito o personagem individual decisivo, a mente
consciente capaz de apreender o novo sentido de velhos símbolos e,
articulando-os com a situação presente, inaugurar uma nova
possibilidade e um novo estilo de ação histórica. À análise desse
personagem, o líder articulador como o chama Paulo Mercadante, são
dedicadas algumas das páginas mais luminosas deste livro. Entre o
encadeamento das ações pretéritas, a recorrência cíclica dos símbolos, o
acaso que produz ou não produz o líder articulador e por fim a
interferência do indivíduo consciente que interpreta a situação à luz dos
símbolos e desencadeia novas ações, a rede de ligações é sutil e incerta
demais para poder condensar-se num determinismo, ainda que

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Paulo mercadante e a alma brasileira
atenuado, porém ao mesmo tempo é coerente demais para que nela
nada se veja além de uma sucessão de casualidades furiosas. Daí o
título: A Coerência das Incertezas. Trata-se de apreender um nexo de
sentido onde não é possível (ainda) falar de uma conexão causal direta.

Os capítulos de teoria estão, decerto, entre os mais interessantes deste


livro. Mas a passagem à ilustração concreta, à fenomenologia dos
símbolos e de sua recorrência na história luso-brasileira mostra que a
especulação teórica não trabalhou no terreno das meras hipóteses. O
tecido de símbolos no qual nossa história nacional se move mostra aqui,
pela primeira vez, seu padrão, sua forma, sua figura. Nossa vida coletiva
já não é uma “história contada por um idiota”. De maneira ainda
obscura, mas firme e decisiva, ela expressa um fundo de sentido sobre o
qual os indivíduos, seja como líderes articuladores, seja como simples
particulares, podem projetar o sentido de suas vidas pessoais, seguros
de se integrar num projeto histórico já quase milenar. Após ler o livro de
Paulo Mercadante, dissolve-se, como num exorcismo, muito da
impressão de gratuidade, de absurdo e de inutilidade que infecta e
debilita a experiência de ser brasileiro. De fato, essa experiência tem
sido, muitas vezes, a de viver jogado num aglomerado caótico de átomos
errantes ou a de tentar vencer o absurdo mediante o apelo – e o apego --
a algum mito arbitrário, sem raiz, escolhido pela força da moda ou pela
invencionice individual, um arremedo de sentido da vida. É só quando
se descobre o nexo de mito e história que a unidade do sentido ideal
pode encontrar, na multiplicidade dos fatos, o terreno fértil onde
consiga passar da potência ao ato, realizar-se não como ficção
histericamente reiterada, mas como vida autêntica.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/pmercadante.htm (11 de 12)16/4/2007 11:00:02


Paulo mercadante e a alma brasileira

Sob esse aspecto, este livro de Paulo Mercadante tem, sobre a alma
brasileira, um efeito nitidamente curativo.

Não que esse efeito seja fácil de obter. A leitura deste livro é por vezes
árdua, tantas são as alusões e subentendidos que entremeiam a
exposição, e que, como os símbolos históricos mesmos, requerem um
leitor capaz daquela apreensão criativa sem a qual a mágica não se
realiza.

Mas o esforço será amplamente recompensado. Pois aqui já não se trata


somente de história, nem mesmo de história mítica e simbólica, mas
sim de, através dessas disciplinas, abrir uma passagem para o sentido
da vida.

Este é, pois, para quem o saiba ler, um livro de sabedoria.

São Paulo, 5 de Novembro de 2000

[1] A Consciência Conservadora no Brasil, Rio, Saga, 1965, pp. 249-250.

[2] Id., p. 252.

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Mentira e racismo

Mentira e racismo

O Correio do Povo de Porto Alegre faz uma cobertura salafrária do


Fórum da Liberdade e me recusa o direito de resposta.

Olavo de Carvalho

Na sua edição de 11 de abril, o “Correio do Povo” de Porto Alegre,


fingindo narrar coisas que se teriam passado no Forum da Liberdade,
impingiu ao seu público leitor duas grossas mentiras.

Primeira. É absolutamente falso que em resposta ao prof. Og Leme,


o qual defendia a privatização do ensino, eu tivesse respondido que essa
opinião rebaixava a educação “ao nível do adestramento de um animal”.
Eu nunca disse isso, nunca pensei isso. Ao contrário: concordo com a
proposta do dr. Leme e, ao comentá-la, nada disse sobre animais,
mesmo porque não tinha reparado na presença do repórter do “Correio

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mentracismo.htm (1 de 7)16/4/2007 11:00:15


Mentira e racismo

do Povo”.

Segunda. O “Correio” diz que “Olavo de Carvalho gerou polêmica


ao negar a existência de racismo no país. A afirmação foi rebatida, com
dados do IBGE, pela jornalista Míriam Leitão.” Mas o que se deu foi
precisamente o contrário. Quem iniciou a polêmica foi a própria
Míriam, que emitiu uma opinião e alegou fatos estatísticos para
respaldá-la, sendo refutada por mim mediante a demonstração de que
entre a opinião e os fatos não existia a menor conexão lógica. Diante
disso, Miriam limitou-se a declarar que se mantinha firme na sua
convicção – o que, certamente, era um direito dela mas não era de
maneira alguma um argumento.

O falseamento da narrativa se repete-se, quase “ipsis litteris”, na


coluna de Denise Nunes, agravada pela insinuação pérfida que dá às
declarações da mediadora Miriam Leitão o sentido de uma repreensão
disciplinar destinada a refrear um debatedor abusado. Ora, como é que
Míriam poderia ter-me “repreendido”, se sua intervenção veio antes e
não depois da minha? Conforme a própria Míriam confirmou em
entrevista à TV Globo, a repreendida foi ela -- repreendida pelo público,
que protestou contra o excesso de intervenções da mediadora nos
debates.

O repórter e a colunistas sincronizaram suas tesouras para operar


uma drástica cirurgia nas minhas palavras, transmutando-as de “O
Brasil não é um país racista” para “Não há racismo no país”, o que é
coisa totalmente diversa. Para “existir racismo” num país basta que ali
haja racistas, mesmo tímidos e indolentes, mesmo raros e esparsos,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mentracismo.htm (2 de 7)16/4/2007 11:00:15


Mentira e racismo

mesmo sem poder ou militância, mesmo refugiados no mais fundo do


esquecimento e da marginalidade. Nesse sentido, não há um só país do
mundo, nem mesmo o Brasil, que possa se dizer totalmente isento de
racismo. Um país assim só existe na Terra do Nunca. Mas para um país
“ser racista” é preciso que o racismo seja ali uma ideologia operante,
ativa, inspiradora de movimentos, partidos e associações. Para um país
“ser racista” é preciso que o racismo nele seja crença amplamente aceita
por uma parcela significativa da opinião pública e fortemente inscrita
nas leis, nos costumes, na cultura popular e erudita. Nada disso
acontece no Brasil. (1) Por isso, diante do desafio que lancei a Miriam
Leitão – que me apontasse partidos racistas, literatura racista,
organizações racistas, militância racista, conflitos de rua entre grupos
racistas, que me apontasse, enfim, no Brasil, qualquer coisa similar às
manifestações que comprovam a existência do intenso racismo nos
EUA, na França, na Inglaterra, na Alemanha ou em qualquer desses
países arrogantes que hoje querem nos dar lições de “democracia racial”
--, a mediadora nada pôde alegar, exceto que, a despeito de minhas
objeções, reiterava sua opinião. Em resposta a isso, última palavra da
controvérsia foi minha: “Todo ser humano tem o direito de recusar a
verdade.”

Mas, além de inverter, falsear, mentir, d. Denise ainda dá mostras


de uma extraordinária leviandade na sua maneira de resumir meu
argumento. O que eu disse, em resposta às estatísticas de inferioridade
econômico-social dos negros, citadas por Míriam como provas do
racismo brasileiro, foi que entre um dado econômico e sua interpretação
causal a relação não é nunca direta e auto-evidente como ela procurava

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mentracismo.htm (3 de 7)16/4/2007 11:00:15


Mentira e racismo
fazer crer. Para que esse efeito econômico pudesse ser explicado pelo
racismo, seria preciso provar a presença atuante de uma ideologia
racista na sociedade brasileira, em dose capaz de produzir esse
resultado pelo acúmulo de exclusões propositais dos negros pelos
brancos nos empregos, nas vagas escolares. etc.. Mas, na completa
ausência dos meios concretos da propaganda ideológica – organizações,
livros, discursos, revistas, folhetos, assembléias, etc. –, o fator “racismo”
só poderia ser alegado como causa daquele efeito econômico mediante a
hipótese de uma transmissão mágica, imaterial, telepática. Longe de
constituir prova de racismo, aquela estatística só poderia ser associada
ao racismo caso este já estivesse provado por outros meios e se todas as
outras causas que pudessem explicar o fato econômico nela apontado
tivessem sido excluídas. Mas, entre essas outras causas, havia pelo
menos uma que não só era fato histórico comprovado, mas bastava por
si para explicar o fenômeno sem nenhum auxílio da hipótese “racismo”:
entre a abolição da escravatura e o primeiro surto industrial brasileiro
decorreram quatro décadas e meia; nesse ínterim, a população negra,
desamparada por seus antigos senhores, se multiplicou
formidavelmente sem que houvesse a menor possibilidade de integrá-la
como mão-de-obra livre numa economia capitalista simplesmente
inexistente. Entre a hipótese da exclusão acidental causada por um fator
econômico objetivo e a de uma ideologia que se trasmite magicamente
por meios mágicos, só cretinos e mentirosos interesseiros podem achar
que “disparate” é a primeira.

Qualquer principiante de metodologia científica sabe que oferecer


uma estatística como se fosse ela própria sua auto-explicação causal é,
cientificamente, uma fraude. Pior ainda a fraude se torna quando a

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Mentira e racismo

diferença residual de padrão econômico entre grupos raciais, não


podendo ser atribuída aos efeitos da ideologia racista num país onde
essa ideologia não existe, passa ela própria a ser designada pelo termo
“racismo”, como acontece hoje em dia em todos os jornais e na boca do
próprio presidente da República, numa pirueta semântica destinada a
inculpar de crime hediondo um povo inocente. (2)

Essa fraude hoje é impingida à opinião pública brasileira por


iniciativa de nações racistas -- tão racistas que para controlar mal e mal
o seu racismo tiveram de recorrer a métodos corretivos policiais --, as
quais, com o slogan do “Brasil racista”, buscam destruir um valor
essencial da nossa identidade nacional, quebrar a unidade moral da
nossa população e subjugar este país às suas grotescas imposições
culturais globalistas e imperialistas. Rios de dinheiro da Comunidade
Econômica Européia, das Fundações Ford e Rockefeller e de empresas
estrangeiras como o BankBoston correm hoje para os bolsos de
qualquer pseudo-intelectual que queira colaborar com esse
empreendimento sinistro, certamente a mais brutal intervenção
psicológica que um poder estrangeiro já ousou realizar sobre a cultura
nacional. Seja entre os liberais de conveniência, seja nas hostes da
esquerda fimgidamente nacionalista, não faltam traidores, sabujos e
vendidos que se prestem a fazer esse serviço, uns por dinheiro, outros
pela simples vaidade de posar de “politicamente corretos” nas revistas
chiques. Se há um tipo de racismo que me parece inteiramente
justificado, é este: tenho o maior desprezo por essa raça de canalhas.

15 de abril de 2001

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Mentira e racismo

Notas

(1) É claro que no Brasil há pessoas racistas, mas não há um só


grupo racista organizado, exceto, por ironia, os grupos negros que,
ludibriados pela fraude estrangeira, começaram recentemente a
desenvolver um ódio irracional aos brancos e já o expressam em suas
letras de “rap”. Pelos frutos os conhecereis: durante quase dois séculos,
a música popular brasileira deu testemunho da nossa integração racial,
da nossa cultura miscigenada e da cura progressiva e irrefreável das
feridas da escravidão. De uns anos para cá, pela primeira vez o ódio
racial, trazido de fora por ONGs e empresas milionárias a pretexto de
“affirmative action”, fez seu ingresso no nosso repertório musical.

(2) Fraude comparável é a das estatísticas de opinião que, da


crença geral na existência de uma coisa, deduzem a realidade objetiva
dessa coisa e não a simples existência da opinião mesma como fato
social. A moda foi lançada, creio que em 1998, pela revista IstoÉ, que se
destaca das demais publicações semanais pelo seu sectarismo cínico. De
uma sondagem de opinião na qual oitenta e tantos por cento dos
entrevistados afirmavam haver racismo no Brasil, a revista concluía, em
manchete espetaculosa, que havia encontrado “a prova definitiva” do
racismo brasileiro. Mas a estatística, obviamente, provava o contrário.
Os oitenta e tantos por cento que denunciavam a existência de racismo
faziam isso precisamente porque eram anti-racistas. Anti-racista,
igualmente, era a parcela minoritária que, julgando defender a boa
imagem do Brasil, negava a existência de racismo no país. Somadas as
duas parcelas, os racistas, se algum sobrava, só poderiam ser pinçados
no número residual dos indecisos e desinformados, descontando-se,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mentracismo.htm (6 de 7)16/4/2007 11:00:15


Mentira e racismo

evidentemente, os autenticamente indecisos e desinformados. Vender


revistas com a manchete “Racismo: a prova definitiva”, em tais
circunstâncias, foi evidentemente propaganda fraudulenta. Se eu fosse
assinante dessa porcaria impressa, teria levado o caso à Delegacia do
Consumidor.

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Argemiro Ferreira: o estilo e o homem - I

Argemiro Ferreira: o estilo e o homem - I

Olavo de Carvalho

Em dezembro de 2000, o jornalista Argemiro Ferreira publicou na


revista Bravo! um necrológio do roteirista de cinema, Ring Lardner Jr.,
que o apresentava como vítima inocente da perseguição mccarthista. Na
edição de fevereiro da mesma revista, contestei essa versão dos fatos.
Agora, em junho, Argemiro respondeu à minha contestação.

Como não quero que nada nessa disputa fique nebuloso, vago e
sem conclusão, e como a plena elucidação do caso requer um exame
longo e meticuloso, incompatível com as limitações de espaço da revista,
colocarei em Bravo! apenas um aviso, chamando a atenção do leitor
para as explicações que, nesta página, passo a apresentar em capítulos,
que irei escrevendo à medida que me sobre tempo para consagrar a esse
episódio, de escassa importância em si mesmo mas bastante oportuno
pelo muito que revela da história contemporânea.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro.htm (1 de 5)16/4/2007 11:00:28


Argemiro Ferreira: o estilo e o homem - I

1. Estilística argemírica

§ 1. Argemiro, segundo ele mesmo

O estilo é o homem. Antes de entrar no mérito da questão,


analisemos, pois, o estilo do sr. Argemiro Ferreira.

Segundo ele, a contestação que ofereci ao seu artigo foi “uma


diatribe”, “um assalto”, repleto de “ofensas” e “insultos” à sua pessoa –
tudo isso sic. Mas a única menção que ali fiz a essa pessoa está na
epígrafe, extraída de Boileau: “Un sot a toujours un plus sot qui
l’admire.”

A palavra sot, como consta em qualquer dicionário da língua


francesa, significa simplesmente “bobo”.

Um menino de cinco anos, chamado de “bobo” por um colega de


escolinha maternal, pode ficar profundamente magoado e achar que foi
vítima de um insulto mortal, de uma ofensa intolerável, de um assalto à
sua honra e dignidade mirins. Diria até que lhe desabou em cima “uma
diatribe”, se conhecesse o vocábulo. Não conhecendo, pode substituí-la
por um beicinho e pela ameaça temível: “Vô contá pa pofessôla.”

Um homem adulto, se reage assim, é louco ou está tramando


alguma.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro.htm (2 de 5)16/4/2007 11:00:28


Argemiro Ferreira: o estilo e o homem - I

Não insultei Argemiro nem vou insultá-lo agora. Vou apenas


observar que sua afetação puerilmente espalhafatosa de brios ofendidos,
se premeditada, depõe contra sua honestidade; se espontânea, contra
sua sanidade; em ambos os casos, contra sua credibilidade.

Mas nada se pode concluir com certeza desse detalhe estilístico


isolado. É preciso verificar se, ampliando histrionicamente a expressão
de seus próprios sentimentos, o sujeito não faz o mesmo com a dos
alheios.

§ 2. Eu, segundo Argemiro

Vejamos portanto como ele descreve os meus sentimentos.

Do senador Joe McCarthy fiz, no meu artigo, os seguintes


julgamentos:

1) Inépcia: “Longe de ter intimado gente demais, o senador pode


ser acusado de parar o serviço na metade... O mccarthismo... foi uma
investigação mal feita, que não conseguiu provar a verdade.” Estas
frases referem-se ao seguinte fato: comparado à montanha de provas
que investigações posteriores nos Arquivos de Moscou encontraram
contra os suspeitos dos quais McCarthy, tendo as dicas certas, não
conseguira provar nada de substancial, o seu belo Comitê de Atividades
Anti-Americanas foi obviamente um fracasso.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro.htm (3 de 5)16/4/2007 11:00:28


Argemiro Ferreira: o estilo e o homem - I

2) Fraqueza moral: “Quanto a McCarthy, bem, ele não foi um


herói. Sempre buscou mais brilho do que resultados. Quando atacado
em sua vida pessoal (coisa que só um idiota não previria que os
comunistas iriam fazer, sendo eles o que são), começou a beber e
morreu de depressão. Também não foi homem de elevada moralidade:
quando não tinha provas, permitia que sua assessoria as inventasse, (se
bem que todos os incriminados fossem mesmo culpados, como se
revelou depois).”

3) Ausência de culpa: “Mas não foi nenhum bandido, não


mentiu em nada de substancial e, ao contrário, acertou em praticamente
tudo.”

Para qualquer pessoa que saiba ler, esses parágrafos significam que
McCarthy foi um idiota, um incapaz, vaidoso, fraco de caráter,
indulgente com a mentira própria e alheia, o qual, querendo liderar uma
causa patriótica que estava acima da sua capacidade, pôs tudo a perder
embora tivesse, em geral, as informações certas contra as pessoas certas.

Tal era e é minha opinião sobre Joe McCarthy. Traduzida para o


argemirês, porém, ela fica assim:

“A risível paixão do acusador [Olavo de Carvalho] pela ‘filosofia’


de McCarthy, quase guindado a panteão de herói e de grande
pensador universal...”

“A obstinação absurda de encarar o mccarthismo como escola de


pensamento...”

http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro.htm (4 de 5)16/4/2007 11:00:28


Argemiro Ferreira: o estilo e o homem - I

“O guru do sr. Olavo de Carvalho...”

“O discípulo do ‘filósofo’ McCarthy...”

De vaidoso e fraco que comprou uma briga superior às suas forças,


McCarthy transformou-se em herói. De idiota e inepto, em grande
pensador universal e meu guru.

O estilo é, de fato, o Argemiro Ferreira.

É o estilo de um sujeito que não tem o menor senso das proporções


nem o menor respeito pela realidade. É o estilo da ênfase forçada, do
hiperbolismo fingido, o estilo artificiosamente bufo dos farsantes,
mentirosos e difamadores.

Mas, por favor, nada de conclusões apressadas. Nada de inferir, só


do estilo, o homem. Antes de dizer que Argemiro é farsante, mentiroso e
difamador, é preciso examinar a substância do que ele escreve.

Pois, quando eu disser que ele é farsante, mentiroso e difamador,


não quero dizê-lo como insulto. Quero dizê-lo como tradução exata da
realidade, sem ênfases argemíricas.

[Continua]

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro.htm (5 de 5)16/4/2007 11:00:28


Argemiro Ferreira, o estilo e o homem - II

Argemiro Ferreira, o estilo e o homem - II

Continuo aqui publicando, sem preocupação de ordem, as notas


que me ocorre tomar de vez em quando a propósito da contestação que
Argemiro Ferreira ofereceu ao meu artigo sobre “as duas listas negras”.
Se essas notas acabarem se prolongando além da dose de atenção que
esse miúdo palpiteiro parece merecer, isto será devido somente àquele
paradoxo tão precisamente assinalado por Rivarol: “Il ne faut souvent
qu’un trait pour peindre les grands hommes, il en faut une infinité pour
peindre les petits.”

§ 1. O modus arguendi de um charlatão

Passando do estilo ao conteúdo, noto que a técnica argumentativa


de Argemiro é perfeitamente coerente com o seu uso da linguagem,
ambos servindo ao mesmo propósito de ludibriar o leitor.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro2.htm (1 de 6)16/4/2007 11:00:53


Argemiro Ferreira, o estilo e o homem - II

Contestar uma argumentação é, simplesmente, transformar suas


asserções em perguntas e mostar que as respostas negativas funcionam
melhor que as afirmativas. Convertidas em perguntas, as afirmativas
que fiz no meu artigo sobre a lista negra ficariam assim:

1. É ou não verdade que, enquanto em Washington algumas centenas


de pessoas eram interrogadas na Comissão McCarthy e liberadas, na
Rússia eram fuzilados três milhões de dissidentes?

2. É ou não verdade que, nessas condições, nivelar essa Comissão aos


tribunais soviéticos ou falar igualmente de “atmosfera de terror” num
caso e no outro é, na melhor da hipóteses, uma hipérbole de mau gosto?

3. É ou não verdade que, nessas condições, qualquer abuso que


McCarthy possa ter cometido contra os que colaboravam com o regime
soviético foi moralmente menos grave do que essa colaboração mesma?

4. É ou não verdade que os únicos comunistas condenados à morte


nos EUA, Julius e Ethel Rosenberg, jamais passaram pela Comissão
McCarthy?

5. É ou não verdade que, na época, informações sobre os massacres


soviéticos eram abundantes na imprensa norte-americana e que, desta
forma, Ring Lardner Jr. não podia tê-los ignorado?

6. É ou não verdade que o Partido Comunista Americano, como aliás


qualquer outro partido comunista no mundo, colaborava ativamente
com a espionagem soviética?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro2.htm (2 de 6)16/4/2007 11:00:53


Argemiro Ferreira, o estilo e o homem - II

7. É ou não verdade que, para esse fim, a KGB usava (além de seus
agentes profissionais, é claro) tanto os militantes do Partido quanto
meros “companheiros de viagem”? É ou não verdade que a ambigüidade
mesma da condição de “companheiro de viagem” foi sempre usada pelos
partidos comunistas como um instrumento de ação subterrânea nos
países não-comunistas?

8. É ou não verdade que, nessas condições, muitos suspeitos


interrogados pelo Comitê McCarthy se prevaleceram de uma
ambigüidade de linguagem, alegando “não ser comunistas” (no sentido
de membros do Partido) sem deixar de ser por isso autênticos
comunistas (no sentido de colaboradores informais da espionagem
soviética)?

9. É ou não verdade que ninguém da “lista negra de Hollywood” foi


interrogado pela Comissão McCarthy?

10. É ou não verdade que a discriminação dos não-comunistas em


Hollywood antecedeu a repressão aos comunistas?

Para contestar efetivamente meus argumentos, se quizesse fazê-lo


com honestidade, bastaria a Argemiro Ferreira responder “Não” a cada
uma dessas perguntas e provar que esta resposta é melhor do que
aquelas que ofereci.

Não podendo fazer isso de maneira alguma, ele desliza para longe
do assunto e, para dar à sua escapada um ar de resistência heróica,
recorre aos seguintes expedientes.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro2.htm (3 de 6)16/4/2007 11:00:53


Argemiro Ferreira, o estilo e o homem - II

1. Alterar grotescamente o que eu disse, recorrendo para isso ao


hiperbolismo bufo que é o equivalente comunista do senso de humor.
Uma vez assim maquiadas as minhas afirmações, negá-las a priori ou
desmoralizá-las, evidentemente com a maior facilidade, já que foram
preparadas para esse fim.

2. Revestir a farsa com um verniz de seriedade, dando uma profusão


de detalhes sobre fatos marginais, irrelevantes para a essência da
discussão.

3. Mentir pura e simplesmente, falseando datas, nomes e situações.

§ 2. Dois exemplos

Como o uso do expediente número 1 já foi bastante denunciado no


Capítulo I, e como o 2 requer explicações mais demoradas, que deixarei
para depois, dou logo de cara três exemplos do expediente número 3:
mentir.

1. Afirmei que o Comitê McCarthy só interrogava funcionários do


Estado. Argemiro responde: “Era assim que devia ocorrer, pelas regras
internas da casa [o Senado]. Mas, na prática, ninguém conseguia
impor limites ao senador.” Para prová-lo, cita o caso do escritor James
Wechsler, que, não sendo funcionário público, teria sido intimado “por
vingança... pelas críticas feitas a McCarthy no New York Post”.
Argemiro mente. Wechsler era funcionário público, sim. Era assessor do
governador de Illinois, Adlai Stevenson, e foi nessa condição que foi

http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro2.htm (4 de 6)16/4/2007 11:00:53


Argemiro Ferreira, o estilo e o homem - II

intimado; pois o governador, jamais acusado de ser ele próprio


comunista (ao contrário do que diz Argemiro), era declaradamente um
protetor de comunistas e por isto McCarthy o considerava -- com toda a
razão, segundo o que hoje se sabe -- suspeito de negligência em matéria
de segurança. Argemiro – ou quem acredite nele – pode averiguar : a
notícia, sem a mínima ambigüidade, está no New York Times de 28 de
outubro de 1952. [1]

2. Para provar que “vítimas inocentes foram arruinadas” pelo


Comitê McCarthy, Argemiro apela à velha lenda da mulher humilde (e
ademais negra) que “perdera o emprego ao ser intimada a depor” e que
McCarthy continuou a perseguir embora soubesse da sua inocência. É
um dos cartões-postais clássicos que ilustram a lenda tenebrosa criada
em torno de Joe McCarthy pelas ações conjugadas de milhões de
Argemiros. Novamente, é tudo falso. A personagem dessa historieta
comovente chamava-se Annie Le Moss. Era uma funcionária do
Departamento de Sinalização do Exército, uma área de risco onde o
regulamento militar proibia dar emprego a pessoas suspeitas de ligação
com o Partido Comunista, em razão da óbvia colaboração deste com a
espionagem chinesa e soviética. Na época, a imprensa anti-McCarthy fez
de Annie o protótipo da vítima inocente, alegando que ela fora
confundida com outra Annie Le Moss, branca, esta sim militante do
Partido Comunista mas não funcionária do Exército. McCarthy, mesmo
sem ter provas cabais, e confiado tão somente no testemunho de Mary
Mackward, uma agente do FBI infiltrada no Partido, insistiu até o fim
que Annie era comunista, o que foi explorado pela imprensa como prova
de sua maldade, sublinhada por insinuações de racismo. Argemiro

http://www.olavodecarvalho.org/textos/argemiro2.htm (5 de 6)16/4/2007 11:00:53


Argemiro Ferreira, o estilo e o homem - II
subscreve a acusação e a nuance. Só há um problema: Annie era
comunista mesmo. A prova, porém, só veio tarde demais, quando
McCarthy já estava morto e a lenda da sua perseguição a uma pobre
mulher negra já havia se consolidado como artigo de fé na seita
multitudinária dos Argemiros. Em 1958, o Departamento de Justiça
divulgou os documentos do Partido Comunista, jamais contestados pelo
Partido mesmo, onde constava, acima de qualquer possibilidade de
dúvida, o registro da militante: Annie Le Moss, 72 R Street SW,
Washington DC. Duas Annie Le Moss, uma negra e a outra branca,
podiam coexistir no Partido. Mas não no mesmo endereço, caramba.
[2]

[Continua]

Notas

[1] V. Richard J. H. Johnston, “Senator Accuses Governor of Sympathy


With and Aid to Communist Cause”, N. Y. Times, Oct. 28th 1958.

[2] V. Reports of the Subversive Activists Control Board, Vol. 1,


Washington DC, Government Printing Office, 1966, pp. 93-94.

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E-mail enviado a Alberto Dines em 27 de junho de 2001

E-mail enviado a Alberto Dines em 27 de


junho de 2001

Prezado Alberto Dines,

Num artigo recente do Observatório da Imprensa você escreveu que o


Dr. Ronald Levinsohn, “como não sabe pensar nem sabe escrever, paga
aos que pensam e escrevem para ele. Mesmo que o façam
canhestramente. Um deles é o Goebbels brasileiro, filósofo da nova
direita tupiniquim, ex-marxista radical, cujo sonho é trabalhar para
Sílvio Berlusconi mas, por enquanto, resigna-se em escrever para dois
veículos do Grupo Globo.” E, linhas adiante: “Levinsohn & Cia. acusam-
me de ‘perseguir’ aqueles que no JB me substituíram. Idiotice tamanha
só pode partir do parvo ilustrado, o Goebbels redivivo.”

Algumas pessoas dizem que o personagem aí aludido sou eu – ou pelo


menos, aquele que você imagina que eu seja. Descontada a adjetivação

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dines.htm (1 de 3)16/4/2007 11:01:06


E-mail enviado a Alberto Dines em 27 de junho de 2001

infamante, sintoma neurótico que deixo de analisar porque a vida


mental de Alberto Dines não é assunto de meu interesse, a descrição,
em alguns pontos objetivos, confere com a minha pessoa: sou de fato o
único filósofo “de direita” (digamos assim), ex-marxista, que escreve
para dois veículos do Grupo Globo.

Não havendo outro que se encaixe simultaneamente em todas essas


categorias, é razoável supor que sou de fato eu o sujeito a quem você
atribui, entre outras lindas qualidades, a de autor de escritos
difamatórios contra a sua pessoa, supostamente encomendados e pagos
pelo Dr. Ronald Levinsohn.

O fato é que você está redondamente enganado. Nunca participei das


polêmicas do Dr. Levinsohn, nunca escrevi uma só linha a pedido
(muito menos a mando) dele ou de qualquer outro diretor da
UniverCidade. Especialmente, nunca escrevi nem disse uma só palavra
contra você. Não sou nem poderia ser o autor das enormidades que você
me atribui e, pior ainda, nem sequer as tinha lido até agora. Só fiquei
sabendo delas porque alguém me alertou por e-mail e, incrédulo, fui
conferir no Observatório da Imprensa. E lá estavam, acompanhadas de
um revide pelo menos tão insano quanto elas próprias.

Devo supor que o mestre do jornalismo esqueceu o dever elementar de


informar-se antes de me acusar? Ou que, ao contrário, mentiu de
propósito contra um inocente?

Nenhuma dessas duas hipóteses é boa para você, mas prefiro apostar na
primeira. Continuarei apostando nela pelas próximas 48 horas. Se até lá

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dines.htm (2 de 3)16/4/2007 11:01:06


E-mail enviado a Alberto Dines em 27 de junho de 2001

você não se retratar publicamente, admitindo que nada sabe de


qualquer envolvimento meu na querela Levinsohn-Dines, serei
obrigado a recorrer à Justiça, para resguardar o meu direito de não ter
minha reputação manchada por efeito de um bate-boca do qual, até
agora, eu ignorava tudo, rigorosamente tudo.

Olavo de Carvalho

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/dines.htm (3 de 3)16/4/2007 11:01:06


Nota sobre o livro de Marie-France James

Nota sobre o livro de Marie-France James

Olavo de Carvalho

Aos que ainda se interessem pelo episódio Fedelli, informo que da


p. 305 do livro de Marie-France James, Ésotérisme et Christianisme
Autour de René Guénon (Paris, Nouvelles Éditions Latines, 1981)
constam as seguintes palavras:

“Au nombre des habitués du Caire [i. e., freqüentadores da casa de


René Guénon], rappelons le Sheikh Abdel Razel, professeur de
Philosophie Mussulmane, Martin Lings, un certain Paterson,
universitaire anglais islamisé sous le nom de Sheikh Abu Bakr... Parmi
les guénoniens de passage, signalons dejà l’explorateur Marco Pallis,
accompagné du fils de Ananda K. Coomaraswamy...”

Na verdade o Seikh Abu Bakr não era “un certain Paterson”, mas o
próprio Martin Lings, este sim um autêntico “universitaire anglais
islamisé”.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli.htm (1 de 3)16/4/2007 11:01:19


Nota sobre o livro de Marie-France James

A identidade de Lings é novamente trocada na foto de capa, só que


desta vez ele aparece como Titus Burckhardt. Para tornar as coisas
ainda mais confusas, alguém com o nome de Burckhardt, mas que não
me parece ser ele de maneira alguma, aparece na foto da p. 129 ao lado
de Frithjof Schuon e Jean-Albert Cuttat.

Obviamente a autora não conheceu Lings ou Burckhardt nem


mesmo por fotografias, embora na época em que ela escreveu o livro o
sr. Lings fosse um nome bem conhecido nos círculos acadêmicos
europeus, como diretor da Seção de Manuscritos Orientais do Museu
Britânico, e Burckhardt fosse um renomado editor de livros de arte.

Outro personagem mencionado no parágrafo, o sr. Marco Pallis,


teria podido, se consultado, desfazer todos esses erros. Como encontrá-
lo? Fazendo o que eu próprio fiz quando precisei de uma informação
dele: simplesmente pedi seu número à telefonista de Londres e falei
com ele. É quase inverossímil que alguém empenhado numa
investigação séria sobre o círculo de René Guénon no Cairo tivesse se
omitido de tomar precaução tão elementar. O sr. Pallis era a pessoa
mais gentil do mundo, e um homem capaz de perder horas ao telefone
com um desconhecido do Terceiro Mundo não teria decerto se negado a
receber uma pesquisadora acadêmica européia.

Mais obrigatório ainda a um pesquisador católico seria consultar o


filho de Ananda K. Coomaraswamy, o dr. Rama P. Coomaraswamy,
citado pela srta. James como freqüentador, junto com Pallis, da casa de
René Guénon no Cairo. O dr. Rama é um conhecido teólogo que nas

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli.htm (2 de 3)16/4/2007 11:01:19


Nota sobre o livro de Marie-France James

décadas de 70 e 80 lecionou num seminário católico no Estado de New


York e publicou vários artigos de polêmica anticonciliar. Por trás da
ferocidade polêmica de seus livros, era um tipo bastante simpático e
acessível, que sem nada saber de mim me recebeu em sua casa de New
Haven em 1986 e teria feito o mesmo pela srta. James se ela consentisse
em procurá-lo.

O que me espanta na srta. James é que, tão meticulosa ao informar-


se sobre os meios católicos franceses, que constituíam apenas o pano de
fundo da sua narrativa, ela fosse tão desleixada ao tratar do círculo de
René Guénon, que era o próprio miolo do assunto.

Tal é o motivo pelo qual, desde o ponto de vista puramente


historiográfico, e independentemente do que se pense pró ou contra
René Guénon, julgo que o livro da srta. James não deve ser tomado às
pressas como fonte confiável de informações a respeito.

27 de junho de 2001

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli.htm (3 de 3)16/4/2007 11:01:19


Pauteiro da USP

Pauteiro da USP

Não suporto mais ser o pauteiro não remunerado do Departamento de


Filosofia da USP. Anuncio o lançamento de O Jardim das Aflições, a
Editora da USP marca para o mesmo dia o de Entrevistas com Filósofos
Brasileiros. Lanço uma Biblioteca de Filosofia pela Editora Record,
dona Marilena Chauí solta uma coleção com o mesmo nome pela
Editora da Unesp. Coloco na minha Biblioteca uma obra sobre
Aristóteles, ela também põe uma na sua (tirando da gaveta, às pressas,
uma tese de Oswaldo Porchat que durante 34 anos ninguém sentiu
urgência de publicar). Fundo o Instituto Brasileiro de Humanidades, a
USP vem atrás com seu Curso de Humanidades, anunciando
pomposamente que é o primeiro do país.

Até quando vai durar essa palhaçada? Se não sabem o que fazer, se para
posar de pioneiros têm de correr no encalço do que fingem desprezar,
por que não largam de hipocrisia e se inscrevem logo como alunos do
meu Seminário de Filosofia?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/pauteiro.htm (1 de 2)16/4/2007 11:01:31


Pauteiro da USP

Olavo de Carvalho

30/6/01

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/pauteiro.htm (2 de 2)16/4/2007 11:01:31


Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

Aviso de Alberto Dines

&

Considerações sobre a universidade

1. Após recalcitrar um pouco, no aguardo de provas que lhe enviei em


seguida, o jornalista Alberto Dines me avisou por e-mail, ontem, estar
persuadido de que não fui o autor dos ataques contra ele, e prometeu
publicar isso na próxima edição do Observatório da Imprensa, terça-
feira que vem, cancelando portanto as referências ofensivas que fez à
minha pessoa.

Para documentar o que se passou realmente por ocasião da querela


entre a UniverCidade e o prof. Gianotti, enviei a Alberto Dines e publico
logo abaixo o ensaio, infelizmente incompleto, “Crise da universidade
ou eclipse da consciência?”, que foi a minha resposta a Gianotti,
publicada parcialmente na revista Livro Aberto, de São Paulo. Essa
resposta, assinada, era de teor bem diverso daquela que logo a seguir

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dines2.htm (1 de 36)16/4/2007 11:01:49


Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

saiu no Jornal do Brasil e que terminou por desencadear o conflito


entre a UniverCidade e Alberto Dines. Não fui, não sou nem serei nunca
o ghost writer de ninguém.

2. Como se depreenderá da leitura desse ensaio, minha posição no


debate universidade pública versus universidade privada não coincide
plenamente nem com a da UniverCidade nem com a da comissão
Gianotti, endossada por Alberto Dines.

No meu entender, embora haja lugar tanto para a universidade


empresa quanto para a universidade repartição pública, nenhuma
dessas duas fórmulas atende satisfatoriamente ao objetivo essencial da
idéia de universidade, que é a preparação da elite intelectual. A primeira
é orientada para o mercado de trabalho, a segunda para um conceito
gramsciano, vil e oportunista, de “elite intelectual” compreendida como
o novo “Príncipe” de Maquiavel, sinistro planejador de tramóias
revolucionárias. Dito de outro modo, a primeira faz empregados, a
segunda militantes. Nenhuma das duas pode produzir o tipo de cientista
e erudito acadêmico que o país necessita para se afirmar como potência
cultural – o primeiro passo (e não o último, como o concebe a miserável
imaginação uspiana) da construção de uma autêntica soberania
nacional.

A fórmula que tenho em vista, e que nunca cheguei a expor


satisfatoriamente por escrito, mas só oralmente nas minhas aulas, dá o
marco orientador das atividades do Seminário de Filosofia, que concebi
como um laboratório com a ambição de aí produzir a semente, ao
menos teórica, dessa futura universidade essencial, que provavelmente

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

permanecerá no reino das idéias, não havendo no momento as


condições sociais que permitam realizá-la. Entre essas condições, a
primeira é a existência de uma elite econômica e política consciente da
verdadeira função da cultura superior – isto é, de uma elite que seja
precisamente o contrário daquela que temos no Brasil.

Sobre o mesmo tema, peço também a atenção do leitor para o artigo “De
volta à Academia”, que será publicado proximamente no Jornal da
Tarde de São Paulo.

Olavo de Carvalho

30/6/01

Crise da universidade ou eclipse da


consciência?

Olavo de Carvalho

PARTE I

Não é nada mau que um diagnóstico, por superficial que seja, do


estado de coisas na universidade brasileira venha precedido, a título de
aquecimento, por um breve retrospecto da idéia de universidade em sua

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

evolução histórica.

E a primeira coisa que, nesse retrospecto, salta aos olhos, é a


seguinte: quem busque retraçar, ao longo dos registros da história, o
desenho das relações entre universidade e cultura superior, descobre
que não apenas inexiste qualquer identidade entre esses dois termos,
mas que sua oposição dialética é uma das principais alavancas do
progresso cultural no Ocidente.

Poder universitário e vigor cultural são pólos que ora se atraem,


ora se repelem, mas jamais chegam a identificar-se por completo.

Para começo de conversa, as universidades não surgem como


instituições oficiais, mas como clubes de aficionados, que, movidos pelo
puro anseio de conhecimento, se cotizavam e mandavam vir os
melhores professores de onde estivessem.

O entusiasmo dessa época pelo estudo e pela ciência é hoje coisa


tão difícil de imaginar, que buscamos explicá-lo por motivações
secundárias e acidentais de ordem utilitária e política. Dizemos, por
exemplo, que as universidades “se destinavam” a formar funcionários, a
produzir a legitimação ideológica do status quo, etc. etc. [1]
Deformamos a perspectiva, projetando sobre homens bem diferentes a
hierarquia de prioridades de nossos contemporâneos.

As prioridades típicas da nossa época, pelas quais os homens


matam, morrem e – o que às vezes é pior – escrevem, são no fundo duas

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dines2.htm (4 de 36)16/4/2007 11:01:49


Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

e apenas duas: a eficácia do aparato tecno-econômico, a divisão do


poder político. Quase tudo o que fazemos, pensamos e dizemos em
público tem uma destas duas finalidades: azeitar a máquina da
produtividade, alterar a constituição do Estado. Essa alternativa
expressa o conflito entre a burguesia capitalista e a intelligentzia de
classe média, tantas vezes mais poderosa que ela; este conflito, por sua
vez, se expressa na dupla concepção da cultura como mercado e da
cultura como militância, oposição que por fim vai gerar as duas idéias
de universidade que esgotam o repertório do que geralmente se diz a
respeito nos debates nacionais: a universidade como formadora de mão-
de-obra especializada, a universidade como berçário de teóricos e
militantes da revolução. É fatal que os adeptos da primeira concepção
enfatizem a praticidade imediata, enquanto os da outra lhes opõem
argumentos de natureza fingidamente ética e idealística, fundados no
pressuposto absurdo de que a fome de poder político é coisa
essencialmente mais nobre que o desejo de riquezas. A constelação das
idéias em debate esgota-se em dois lindos sistemas de racionalizações
pro domo sua, ambos baseados no princípio de que a universidade deve
“servir” a alguma classe, e divergindo apenas quanto a quem deve levar
o prêmio: os senhores do capital ou a vanguarda autonomeada das
“forças populares”. Que ambas as classes em disputa devam, elas sim,
servir a algo que as transcenda (e transcendendo unifique na busca do
bem comum); e que este algo possa estar simbolizado precisamente na
idéia mesma de universidade, eis algo que escapa ao horizonte visual do
debate universitário brasileiro; e esta limitação, por sua vez, projeta-se
retroativamente sobre quanto digam uns e outros da universidade de
outros tempos.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dines2.htm (5 de 36)16/4/2007 11:01:49


Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

Mas a universidade medieval era criação nova e, como tal, fruto


tenro da inventividade pessoal ainda não fixada na cristalização
entrópica das idéias no molde das ideologias de classe. Tudo o que é
obra humana, afinal, nasce na intimidade de consciências livres e
generosas, para depois ser usurpado pelos porta-vozes de ambições
coletivas que, por si, nada criam. E quando ex post facto um intelectual
de aluguel vem explicar as criações pelo interesse de classe a que
acabaram servindo à revelia, age como o ladrão que fizesse de seu
próprio interesse pessoal a razão e o propósito dos trabalhos de sua
vítima. Muito do que chamamos “ciência social” é pura racionalização
da mentira existencial de seus beneficiários. Eles não podem
compreender que alguém sirva a propósito mais alto que o interesse
deles ou de seus adversários. Eis por que não compreendem a
universidade medieval.

Para os homens do fim da Idade Média, o estudo era parte inerente


da devoção religiosa que absorvia suas almas num movimento para o
alto. É tão estúpido explicar a universidade medieval pela sua função
econômica, administrativa e política, quanto explicar o impulso
religioso pelo desejo de subir na hierarquia eclesiástica.

A identidade da “cultura” e do “culto” remontava à época em que os


limites entre o clero e o restante da sociedade eram fluidos. Data desse
tempo a ambigüidade da palavra francesa clerc (inglês clerk), que
designa ao mesmo tempo um sacerdote e um funcionário, um
escrevente. Após a dissolução do Império Romano, a Igreja acumulou as

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

funções de guiamento religioso, ensino básico e administração civil


informal. De um lado, só os membros do clero sabiam ler e escrever; de
outro, qualquer um que soubesse ler e escrever tinha automaticamente
o estatuto de clérigo [2] . O clero incluía uma multidão de sacerdotes
virtuais, que exerciam todas as funções de padres, exceto a
administração dos sacramentos. A paixão da filologia, da conservação e
decifração dos documentos antigos, foi ainda alimentada pelo profundo
sentido de consciência histórica inerente à fé católica, tal como já
aparece, por exemplo, em Sto. Agostinho e sua Cidade de Deus. São
homens animados por esse espírito de devoção intelectual que, a partir
do século XII, fundam as universidades.

De início, elas não têm nenhuma função senão facilitar o acesso


dessas pessoas aos conhecimentos que desejavam. A massa de
estudantes de todos os países que aflui aos primeiros centros
universitários é designada como discere turba volens (“massa dos que
querem aprender”).

Mais característica ainda da mentalidade que inspirava esses


primeiros universitários foi justamente a importância central que, após
algumas resistências iniciais de ordem eclesiástica, veio a assumir na
nova instituição a doutrina aristotélica, que celebrava a contemplação, a
vida teorética, como o mais alto estado humano, subordinando-lhe as
atividades práticas, políticas inclusive [3] .

E se outra prova fosse preciso para demonstrar o infinito respeito


que se tinha então pelo conhecimento como tal, independentememente
de qualquer integração útil de seus resultados na prática coletiva, basta

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

notar o estatuto privilegiado que então se concedia ao estudante, e que


importava, no fim das contas, em isentá-lo de quase todas as obrigações
civis para que pudesse ocupar-se tão somente de seus estudos. Esse fato
mostra-se ainda mais relevante na medida em que a maioria dos
estudantes era constituída de estrangeiros, que findo o período escolar
iriam voltar para suas terras de origem e em nada poderiam beneficiar a
sociedade local. Não obstante essa sua ostensiva “inutilidade” social –
assim a chamaríamos hoje –, todo aluno estrangeiro tinha sempre a
certeza de poder contar com a ajuda dos ricos cidadãos locais para
custear seus estudos: o mecenato era geral e corriqueiro (como ainda
hoje o é, por exemplo, na sociedade indiana para os estudantes de
Vedanta das academias tradicionais), e não implicava a expectativa de
nenhuma recompensa prática.

A universidade desse tempo é, por um lado, instituição


estritamente privada, com estatuto similar ao de uma corporação de
estrangeiros. Os professores vivem das contribuições de seus alunos e,
em parte, da ajuda das dioceses. Nenhum governo local pensa, de início,
em subordinar a universidade a seus interesses e objetivos, nem consta
ter algum governante olhado com revolta e escândalo o crescimento do
poder e da influência daquela massa turbulenta de mentalidade
ferozmente independente e contestadora [4] . A condição privilegiada
do estudante e do professor, mesmo pobres, mesmo estrangeiros, reflete
uma sociedade onde o conhecimento ainda é tido como finalidade e
valor em si mesmo, independentemente de seu uso em benefício de
terceiros.

Por outro lado, a noção de universitas scientiarum, da

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

universidade como detentora e transmissora do sistema total do saber,


está completamente ausente durante os três primeiros séculos, a contar
da fundação da Universidade de Bolonha, reconhecidamente a pioneira
(1143). Essa pretensão só surgirá mais tarde, quando, com o
aparecimento do Estado nacional absolutista, são fundadas as primeiras
universidades estatais, já com ambição totalitária, prenunciando a
esclerose do gênio acadêmico. No início, no período áureo,
“universidade” é apenas universitas magistrorum et scholiarum, “o
conjunto dos professores e estudantes” – é o nome de uma corporação,
não de uma teoria sistêmica [5] . E, em retribuição talvez das atenções
maternais que a sociedade em torno lhe dedica, essa corporação tem
uma concepção muito modesta acerca da própria autoridade intelectual.
Ela não abarca todo o saber, nem dá a última palavra quanto à verdade
ou falsidade nas discussões correntes. Acima e em torno dela há outras
instâncias que sabem e opinam – a começar pela autoridade eclesiástica
que, detentora da tradição revelada, é reconhecida espontaneamente
como guardiã de um fundo comum de crenças e valores a que se recorre,
em última instância, para arbitrar as questões que o confronto dialético
se veja impotente para resolver. Há também a palavra, não oficial mas
poderosamente convincente, dos religiosos isolados, dos místicos, dos
monges, que exercem, praticamente à margem de todo controle
hierárquico, uma influência direta sobre a opinião pública. Há os
poetas, os trovadores errantes, que de cidade em cidade vão levando
novas idéias, novos sentimentos. Há os sábios independentes, muitos
deles alquimistas, a ocupar-se de investigações nas quais só com muita
prudência um universitário se arriscaria a opinar [6] . Há as
corporações de ofícios, detentoras de conhecimentos espirituais,

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

científicos e técnicos que escapam ao domínio universitário. A


universidade é, no meio de todas essas fontes de ensino, apenas a maior
em número de membros, mas não a mais poderosa ou importante. Nem
mostra qualquer pretensão de tornar-se tal.

As relações entre a universidade e essas outras fontes exemplifica


de maneira particularmente clara a concepção tipicamente medieval de
um equilíbrio dinâmico entre poderes múltiplos, concepção que se
perderá com o advento do absolutismo, para só ressurgir nas
democracias do século XIX, mas agora apenas como um ideal e não
como uma prática real e cotidiana.

A universidade não apenas não surgiu para atender a qualquer


necessidade do establishment, como foi a interferência cada vez maior
dos poderes externos que provocou, entre os séculos XIV e XVII, as
sucessivas mudanças mais ou menos traumáticas que afastaram o
ambiente universitário do centro da vida intelectual.

Essas crises manifestaram-se a partir do momento em que a


população universitária, crescendo muito, se revelou um depósito
potencial de apoio político que passou a ser disputado entre a Igreja e os
poderes civis: de um lado, o Sacro Império, de outro, os Estados
nacionais nascentes. Esta disputa fez com que novas concepções de
ensino se implantassem de fora para dentro, de cima para baixo,
sufocando a criatividade que tinha sua raiz na iniciativa espontânea da
discere turba volens – os homens desejosos de aprender.

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

Se, por um lado, a autoridade eclesiástica passou a exigir cada vez


mais que o ensino se impusesse limites doutrinais que seriam mais
próprios à pura catequese – o que mais tarde o grande teólogo John
Henry Newman viria a excluir da definição mesma de universidade [7]
–, por outro lado as novas monarquias não apenas fundaram
universidades oficiais, de cuja direção a massa dos estudantes estava
alijada quase que por hipótese, mas também foram forçando para fazer
das já existentes instrumentos para a expressão culta de valores e
crenças nacionais, até o ponto em que se perdeu por completo um dos
valores essenciais da idéia original de universidade: o
internacionalismo. Junto com ele perde-se também o sentido do
conhecimento como finalidade, adotando-se em seu lugar o ponto de
vista (hoje aceito como verdade de evangelho) de que a universidade
deve “servir” a algum fim prático: ao progresso social, à indústria, à
identidade nacional, à manutenção ou à alteração do status quo, e mil e
um outros interesses em disputa. A idéia criadora fragmenta-se:
terminou a era da universidade, começa a história das universidades. A
fragmentação vai mais longe ainda quando, com a Reforma protestante,
as novas facções religiosas (logo imitadas pela Igreja velha) convocam
as universidades para torná-las guardiãs de suas respectivas ortodoxias.

Não por coincidência, a concepção totalizante do sistema do saber,


e da universidade como seu depósito privilegiado, aparece justamente
nessa época. Sua aceitação generalizada e quase automática (ao ponto
de o novo sentido da palavra universitas como universitas scientiarum
acabar se sobrepondo ao antigo no vocabulário corrente das classes
letradas) reflete de um só golpe a queda e a ascensão das universidades:

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

a queda de sua capacidade criativa, a ascensão, provavelmente


compensatória, de suas ambições ao poder intelectual, ao guiamento
ideológico de toda a sociedade. Tal como ensinam as antigas escrituras
hindus, a perda do impulso ascensional (sattwa) é seguida de uma
expansão “horizontal” (rajas) que a compensa de maneira mais ou
menos ilusória; será preciso aguardar o século XX para que o
movimento se complete, numa queda abissal (tamas) que transformará
as universidades em quartéis-generais de movimentos totalitários
(fascismo, nazismo, comunismo, fundamentalismo). Veremos isto mais
adiante.

Mas, como se diz, Deus não fecha uma janela sem abrir uma porta.
Ao mesmo tempo que as universidades se fecham num orgulhoso
dogmatismo, surge, fora dela, uma nova intelectualidade capaz de
renovar a ciência e o pensamento. Não por coincidência, mas por uma
espécie de efeito homeopático, ela nasce dentro da mesma aristocracia
que fora responsável pela estatização do ensino. É uma intelectualidade
palaciana, constituída de servos da corte, de altos funcionários da
burocracia, de nobres independentes fechados em seus castelos, como
esse extraordinário seigneur du Perron, René Descartes, militar
aposentado que medita ousadamente sobre sua juventude perdida no
dogmatismo universitário e, abdicando de toda a falsa ciência adquirida,
decide recomeçar desde o único ponto de apoio capaz de subsistir à
devastação da cultura: a consciência individual, que para existir basta
pensar que existe. Idêntico recuo desde a autoridade coletiva à
consciência própria realiza o juiz de instrução e par do Reino, Francis

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

Bacon, proclamando que tudo é preciso averiguar com os olhos da cara.


Do mesmo modo, um pouco antes, o movimento do humanismo
literário, que puxa do esquecimento todo o legado literário da
antigüidade, nada deve às universidades. Símbolo da independência da
nova intelectualidade humanística, Petrarca recusa a cátedra que lhe
oferece em 1550 a recém-fundada universidade oficial de Florença. O
maior de todos os pensadores no período que vai do século XIV ao
XVIII, quase um novo Aristóteles – G. W. von Leibniz – passa a vida
entre os diplomatas e as damas da corte, longe dos muros da severa
instituição. O mesmo vale para seu adversário, pensador superficial mas
o mais poderoso divulgador de idéias de todos os tempos: Voltaire. E,
seja entre os humanistas, seja entre os filósofos, seja entre os
investigadores de ciências naturais, todos os que permanecem dentro da
universidade enfrentam ali toda sorte de dificuldades, mostrando que os
felizes tempos da liberdade acadêmica tinham acabado para sempre, ao
passo que os progressos da indústria livreira criavam, para a nova
intelectualidade independente, um vasto público fora das academias.
Por isso, os grandes debates que, sobretudo na passagem do século XVII
ao XVIII, mudam radicalmente a face intelectual do mundo são um
acontecimento radicalmente extra-universitário [8] .

Mas não existe, em história, homogeneidade de etapas. Enquanto


isso se passava nos centros dominantes, um movimento inverso se
desenvolvia num país marginalizado, que só muito recentemente
conquistara os meios de fazer cultura superior na sua língua nacional. A
extraordinária revolução cultural que vai de Kant a Hegel, o chamado
idealismo alemão, é fenômeno essencialmente universitário e

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

inconcebível fora das condições do trabalho acadêmico. Também não


por coincidência, mas por um nexo bastante plausível, o que
possibilitou esse avanço foi precisamente o “atraso” em que as
universidades alemãs se encontravam em relação a suas congêneres da
França e da Itália. Ali conservavam-se muitos antigos usos e interesses
medievais e, com eles, não apenas a velha liberdade acadêmica, mas
uma flexibilidade que contrasta dramaticamente com a rigidez
dogmática de períodos posteriores que, não obstante, se acreditaram
mais esclarecidos e progressistas. Ao anunciar seu curso sobre Filosofia
da Mitologia, F.-W. von Schelling observa:

“Esperais, talvez, não sem razão, que eu voz explique o título que
dei a esta série de lições, e isto, sem dúvida, não por ser ele novo ou
porque não se o tenha visto figurar senão recentemente nos programas
de cursos universitários. Se, com efeito, se desejasse deduzir desta
última observação uma objeção contra tal iniciativa, bastaria lembrar a
louvável liberdade que reina nas nossas universidades, e que faz com
que os professores não sejam obrigados a ater-se aos títulos das
especialidades admitidas e consagradas, mas possam estender sua
ciência a novos domínios que lhes estavam fechados, e introduzir
assuntos até então estranhos e abordá-los de uma maneira livremente
escolhida, o que com freqüência resulta não somente em dar a esses
assuntos um sentido mais elevado, mas em ampliar, de certo modo, a
ciência mesma.” [9]

Se examinarmos brevemente o repertório de assuntos então


abordados na universidade alemã, veremos o quão relativas podem ser
as noções de “avanço” e “retrocesso” em história: pois, se esse repertório

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

incluía temas então considerados anacrônicos e já de havia muito


retirados do currículo das universidades francesas, como discussões em
torno da mística, da alquimia, da astrologia, do simbolismo natural, dos
“princípios ocultos da natureza” (todos abordados, em seu tempo, por
Sto. Tomás de Aquino, Roger Bacon, S. Boaventura) e da interpretação
de sonhos [10] , não é menos verdade que, depois de Henry Corbin,
Edgar Morin, Mircea Eliade, Gilbert Durand e Antoine Faivre, esse
temário soa ousadamente “moderno”.

Não é preciso dizer que, se Alemanha pôde conservar essa força


herdada de um passado distante e fazer dela uma semente do futuro, foi
precisamente porque sua constituição como nação era incipiente,
permanecendo como um amálgama “medieval” de principados e
ducados independentes enquanto no resto da Europa se perfilavam
rigidamente os novos Estados nacionais, com suas obedientes
universidades oficiais. Daí também o estatuto ambíguo do professor
universitário alemão na época, por um lado um dignitário habilitado a
honras quase de ministro de Estado, por outro, às vezes, um pobretão
dependente, como seus antepassados medievais, das mensalidades de
parcos alunos [11] .

O século XIX trará, por toda parte, a constituição formal e


definitiva das universidades européias como organismos oficiais, partes
integrantes da burocracia estatal, submetidas a regulamentos bastante
uniformes para instaurar, desde cima, um arremedo do antigo
internacionalismo [12] .

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

Num primeiro instante, a injeção de dinheiro público permite a


instalação de imensas bibliotecas e laboratórios, o empreendimento de
viagens de investigação que os eruditos já não sonhavam desde o tempo
em que Alexandre subsidiava Aristóteles, e tudo concorre para uma
efervescência geral da qual resulta uma floração de idéias, algumas
realmente valiosas, outras infectadas de uma espécie de provincianismo
temporal que se torna inevitável sempre que uma época, iludida por
seus sucessos, encontra deleite em imaginar-se o auge e coroamento dos
tempos [13] .

Data daí a formação de uma espécie de “consenso científico”


dominante, que, do alto de sua autoridade acadêmica, julga
implacavelmente as idéias e os homens, separando os eleitos e os
reprovados. [14]

E não é nem de longe uma coincidência que as idéias que, geradas


entre esse tempo e o início do século XX, vieram a influenciar mais
profundamente o curso dos tempos, fossem quase todas produtos de
intelectuais autônomos, extra-universitários, às vezes marginais e
réprobos, de Joseph de Maistre a Karl Marx e Tocqueville, de Darwin a
Freud, de Kierkegaard ao próprio Nietzsche, o qual, embora fosse do
ponto de vista empregatício um membro da casta ensinante, jamais
produziu um único trabalho acadêmico e só escrevia fora dos cânones
universitários. Também não é de estranhar que, prosseguindo a
tendência inaugurada no século XIX, o debate público de idéias seja aí
dominado por escritores independentes, Hugo, Zola, Péguy, Maurras,
Mathew Arnold, cujo prestígio os acadêmicos se limitam a parasitar

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

humildemente. Novamente, a ambição de mandar vem junto com a


incapacidade de compreender.

Ao mesmo tempo, o desejo mesmo de integrar-se na praxis coletiva


faz com que as universidades, decaindo intelectualmente, encontrem
uma nova função para justificar sua existência: a preparação de técnicos
para preencher as vagas na indústria, no comércio e na administração
pública. Tornam-se meras escolas profissionais, para substituir o
aprendizado tradicional nas corporações de ofícios que o advento do
capitalismo moderno havia destruído. Aos poucos, a população
universitária se hierarquiza em estratos: em baixo, uma vasta multidão
de estudantes prodigiosamente incultos, voltados à aquisição de
técnicas profissionais para subir (ou não naufragar) na vida econômica;
em cima, uma elite que despreza essa massa de classe média e se sente
acuada dentro da própria casa.

É no século XX que a estatização produz seu efeito fatal: a


completa politização das universidades, tornadas servas atentas e
obrigadas das modas ideológicas do momento, sempre prontas a
produzir bibliotecas inteiras para legitimar as doutrinas extravagantes
de caudilhos, ditadores, utopistas, agitadores de rua e loucos no sentido
estrito do termo. Não é de espantar que, após o inusitado crescimento
dos corpos discentes de um século para outro, a força nacionalizante e
politizante que se apossara das universidades passasse a ser
representada mais pelos estudantes do que pelo próprio establishment
acadêmico, que perde o controle do monstro que gerara. A classe média
estudantil adere com alegria feroz aos novos movimentos políticos,
desiludida com um ensino que falhara às suas promessas de ascensão

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

social, e a massa iletrada e diplomada vai constituir o grosso dos


exércitos de militantes que depredam universidades, queimam
bibliotecas, espancam e matam professores, à cata de judeus, de
reacionários, de comunistas, de fascistas, de católicos, de negros, de
brancos – enfim, dos bodes expiatórios apropriados ao estado de ânimo
do momento. Otto Maria Carpeaux descreve em termos inimitáveis a
massa estudantil a serviço dos totalitarismos [15] :

“Por toda parte onde há aqueles regimes os estudantes estão nas


vanguardas da violência... Considerando... a ascensão de camadas
novas, que o século XIX ainda não conhecia, verdadeiros exércitos de
empregados privados, de funcionários públicos, de pequenos
empresários, todos formados num regime de ensino secundário ou
superior muito facilitado, essas massas de homens, todos mais ou
menos educados, essas multidões de “pequenos intelectuais”... deve-se
precisar o pensamento: o fas-cismo e o bolchevismo têm o lado comum
de serem expressões das novas classes médias. E a ideologia que
permite explicar o espírito das novas classes médias é a ideologia
pequeno-burguesa, violenta-mente revolucionária e antiintelectualista.
Explica-se, por isso, que Georges Sorel, o pai espiritual comum do
fascismo e do bolche-vismo, Georges Sorel, o ideólogo da violência, seja
um homem pro-fundamente pequeno-burguês...

É uma criança essa nova classe média; mas uma criança perigosa,
cheia dos ressentimentos dos déclassés, furiosa contra os livros que já
não sabe ler e cujas lições já não garantem a ascensão social. Está
madura para a violência.

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

...Ridiculizam ou anatematizam todos os esforços independentes,


desinteressados, do espírito... A violência antiintelectualista das no-vas
classes médias é, afinal, uma falta de educação, ou, antes, o fruto de
uma falsa educação... Em geral, estas massas graduadas se distinguem
dos iletrados somente por uma autoridade profissional que as torna
menos úteis que perigosas... Eles, porém, os iletrados, têm sempre
razão, porque são muitos e ocupam um lugar de elite, esse ‘proletariado
intelec-tual’, sem dinheiro ou com ele, isso não importa. Julgam tudo, e
tudo deles depende. Lêem os livros e decidem sobre os sucessos de
livraria, criticam os quadros e as exposições, aplaudem e vaiam no
teatro e nos concertos, dirigem as correntes das idéias políticas, e tudo
isto com a autoridade que o grau acadêmico lhes confere. Em suma,
desempenham o papel de elite. São os nouveaux maîtres, os señoritos
arrogantes, graduados e violentos; e nós sofremos as con-seqüências,
amargamente, cruelmente.”

Ao mesmo tempo, a universidade em perpétua agitação já não


pode concorrer, em produtividade científica e tecnológica, com duas
novas instituições que vão surgindo: os laboratórios de pesquisas da
empresas privadas e as forças armadas. Duas guerras mundiais
produzem o crescimento ilimitado da pesquisa militar, cujas criações –
dos microcomputadores ao leite condensado – se tornarão depois, em
tempo de paz, a base da vida diária em todo o planeta [16] . A título de
explicável compensação neurótica, a politização dentro das
universidades radicaliza-se ao ponto de consagrar em formulações
teóricas explícitas a redução da vida intelectual à afirmação peremptória
e brutal dos desejos e ressentimentos dos grupos mais barulhentos, com

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade
a recusa de toda arbitragem racional.

Este retrospecto teve apenas o intuito de fornecer aos leitores


alguns lembretes, que se mostrarão úteis na hora de pensar sobre o
estado da universidade brasileira, que é o que farei na continuação deste
trabalho.

09/07/98

PARTE II

A História mostra, desde logo, que o termo “universidade” é um ca-


rimbo genérico aplicado mal e mal a uma pluralidade de coisas
distintas, al-gumas antagônicas. O mais platônico dos essencialistas,
espremendo até seu último neurônio, não conseguiria encontrar no céu
das formas puras uma idéia capaz de abarcar, ao mesmo tempo, a
discere turba volens medieval, sedenta de contemplação teorética, os
elegantes institutos de formação de uma casta governante, os núcleos
auxiliares para o treinamento de mão-de-obra indus-trial e as estações
redistribuidoras de slogans político-ideológicos – quatro coisas que, ao
longo da História, receberam um mesmo nome por motivos que não
podem ter sido mais respeitáveis do que o simples desejo de
comodidade léxica.

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

Não haveria nisso maior problema, se tudo fosse uma questão de


dis-cernir entre nomes e coisas. A distinção das essências por trás da
unidade de nome é atividade corriqueira não só do filósofo, mas do
historiador profissio-nal. O problema está em que, enquanto a
instituição vai mudando de natureza, não muda, em substância, a alta
avaliação que a classe acadêmica faz de si mesma, como se os méritos de
uma atividade extinta se conservassem, por mágica, após a mutação que
a substituiu por algo de radicalmente novo e di-verso. Ontem fazíamos
dialéticos e contempladores? Hoje, com o mesmo ar de dignidade,
fabricaremos retóricos, homens práticos e governantes; amanhã, sem
nada perder do nosso aplomb, despejaremos nas ruas milhões de empre-
gadinhos sem retórica nem dialética, mas carregados dos
conhecimentos úteis e práticos necessários aos que obedecem sem
pensar; e, finalmente, quando já não pudermos fazer nem isso,
infundiremos nessa massa de ignorantes o or-gulho da paixão, que fará
o mundo tremer. Passaremos de filósofos a minis-tros, de ministros a
gerentes, escriturários e caixas de banco, de gerentes e escriturários a
agitadores de rua e consumidores preferenciais do mercado de drogas –
sempre conservando intocado, acima de toda contingência histórica, o
prestígio dos valores eternos que apadrinharam nossa primeira hora: o
supe-rior desinteresse do conhecimento, a intangibilidade da
consciência intelec-tual, a autonomia da casta pensante, o ar
beatificamente blasé do sábio en-volto numa atmosfera que já não é
deste mundo. Por mais que as coisas mudem, o discurso da
autoveneração universitária jamais vacila; ele cresce mas não muda; ele
pode acrescentar novas razões às que o mundo já tem para adorar essa
instituição; abdicar das antigas, nunca. À razão aristotélica somar-se-á a

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

razão de Estado; à razão de Estado, a razão contábil; e quando se come-


çar a injetar no mercado uma massa incalculavemente grande de
semiletrados a que nenhum arranjo contábil possa dar qualquer
emprego lucrativo, então se acrescentará, a essas três razões que
enaltecem a instituição universitária, a razão suprema: a superioridade
numérica. Pois aí já serão tantos os doutores que todos desejarão sê-lo,
e o simples risco de ter de diminuir o número dos formandos no ano
vindouro espalhará o terror e a revolta por toda a popula-ção. A
supremacia da universidade está, enfim, garantida: para onde quer que
vá o carro da História, a instituição paira intacta acima do bem e do
mal, se não aos olhos de todos, ao menos aos únicos olhos em que ela
crê: os seus próprios.

Essa permanência é tanto mais estranha quando se considera que


todas as principais instituições humanas, vendo mudar o quadro
histórico maior e sua função dentro dele, passaram por angustiantes
questionamentos de sua utilidade e valor na nova situação. Notem bem:
eu disse todas. O exército, a polícia, as igrejas, a família, os
parlamentos, o empresariado, os sindicatos, as organizações terroristas
e sociedades secretas, os partidos políticos e entre eles até mesmo esse
recordista de presunção que é o Partido Comunista – to-das essas
entidades veneráveis tiveram de enfrentar um dia a hipótese de seu
fracasso essencial e a eventualidade de uma auto-extinção saneadora.
Sacudi-das uma após a outra pelas crises históricas dos últimos séculos,
todas tiveram de responder à pergunta decisiva de Esperando Godot: “E
se a gente se ma-tasse?” É fato que, de um modo ou de outro, todas
sobreviveram, mas medi-ante arranjos traumáticos que lhes ensinaram,

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade
de uma vez por todas, as virtu-des da modéstia e a necessidade de
negociar em vez de exigir.

A única instituição humana que jamais enfrentou essa crise de


consci-ência foi, por ironia, aquela que se proclama o depósito
privilegiado da cons-ciência humana. A única que conservou intacto a
seus próprios olhos o antigo prestígio foi aquela que, na sucessão de
suas mutações, mais perdeu de vista os feitos e valores que lhe valeram
originariamente esse prestígio. A única que jamais duvidou de si foi
aquela que mais vezes perdeu o senso de identi-dade e mais vezes
trocou sua missão sacrossanta por algum papel de ocasião, pronta a
despi-lo de novo na primeira oportunidade.

“Ocasião” e “oportunidade”, estará dizendo o leitor, talvez sejam as


palavras-chave. A universidade seria a mais oportunista das entidades, o
bicho mais camaleônico da fauna institucional humana, especialista em
sobrevivên-cia e imbatível no marketing da própria alma. Isto não deixa
de ter algo de verdade. Mas o que singulariza a instituição universitária,
como vimos, não é apenas sua capacidade de adaptação, e sim sua
imunidade às dúvidas e per-plexidades que acompanham normalmente
todo processo de adaptação. E aí a adaptabilidade já nada explica, se
não vier acompanhada de uma resistência coriácea a todo auto-exame,
de uma indiferentismo moral que raia a inconsci-ência sociológica e a
pura e simples mentalidade delinqüencial.

A adaptabilidade universitária não seria, então, um puro recorde


de sobrevivência – em si mesmo neutro ou até meritório, sob certos
aspectos –, mas o indício de algo obscuro, ameaçador e perverso no
fundo da alma da in-telectualidade moderna, a marca visível de um

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

escotoma na câmara ótica da classe social que se incumbiu a si mesma


de enxergar por todos nós.

Esse diagnóstico não é, por enquanto, nada mais que mera


hipótese. Mas três tendências suficientemente visíveis da conduta
universitária parecem dar-lhe uma confirmação impressionante.

Em primeiro lugar, o discurso de autolegitimação permanece


imune não só às transformações histórico-sociais mais amplas, e sim
também às mu-danças no estatuto social, econômico e administrativo
da própria instituição universitária.

Em segundo lugar, essa instituição, tão pronta a afirmar a


continuidade de sua identidade ao longo dos tempos e a deduzir dela a
persistência de seus méritos, é, dentre todas, a menos disposta a
assumir a responsabilidade histó-rica de seus atos, a mais pronta a
expulsar, do seu horizonte de consciência, as mais óbvias conexões de
causa e efeito entre a formação universitária que as pessoas recebem e
os grandes desastres que elas produzem na condução de suas vidas – ou
da vida do mundo, no caso dos poderosos. É, enfim, a institui-ção mais
cheia de defesas e racionalizações, no sentido psicanalítico destes
termos: defesas contra a verdade do seu passado, racionalizações para
fugir à responsabilidade das conseqüências presentes.

Em terceiro lugar, é a instituição mais propensa a encarar-se, na


hora do acerto de contas, como mero agente passivo nas mãos de outras
forças so-ciais, evitando por toda lei tomar consciência de si como
sujeito agente e fonte autônoma de poder.

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No prosseguimento deste trabalho (Partes III, IV e V), vou,


primeiro, examinar mais em detalhe essas três ordens de tendências;
em seguida, mos-trar como as três, juntas, enformam o espírito, o
conteúdo e a letra de um do-cumento bastante característico da
mentalidade da classe universitária brasi-leira, isto é, o manifesto “Em
defesa da universidade”, assinado por José Arthur Gianotti, Luiz
Pinguelli Rosa e outras figuras típicas – ou até arquetí-picas – do nosso
meio acadêmico [17] ; por fim, vou sugerir algumas linhas de análise
que, costumeiramente abandonadas in limine em toda discussão da
questão universitária no Brasil, me parecem no entanto nada
desprezíveis.

14/07/98

PARTE III

A idéia da universidade medieval como uma congregação discipli-


nada, uniforme e obediente a uma ortodoxia imposta de cima é das mais
tolas que já passaram por alguma cabeça humana. O mais breve exame
dos debates filosóficos daquele tempo basta para mostrar que não só
havia plena liberdade de palavra mas também que ali se incentivava

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

entre os pro-fessores um ostensivo confronto de idéias que em qualquer


universidade brasileira de hoje – e mesmo em muitas européias e norte-
americanas – soaria como um escândalo intolerável.

O mais espantoso nisso é que, no meio de uma sociedade onde o


cristianismo era o pressuposto inabalável de todas as crenças humanas,
os autores não cristãos fossem es-tudados e debatidos com respeito e
veneração. Aqueles que imaginam que a História vai no sentido da
liberdade crescente, que todo passado foi um tempo de obscurantismo
do qual o progresso nos libertou, simplesmente não se dão conta do que
pode ter significado a existência, na universidade cristã, de discípulos
devotos de Averroes e Avicena. Para fazer uma idéia do que isso
representou em liberdade de pensamento, não é preciso nem mesmo
tentar imaginar o destino que teria hoje uma filosofia judaica numa
universidade islâmica, ou vice-versa. Não é preciso tanto. Não é pre-ciso
nem mesmo mencionar episódios extremos de intolerância fanática,
como aquele que recentemente foi patrocinado pela PUC-Rio [18] .
Basta lembrar o isolamento profilático e rancoroso em que a iluminadís-
sima Universidade de São Paulo aprisionou, durante décadas, o Prof.
Ruy Affonso da Costa Nunes – autor da mais consistente História da
Educação que já se escreveu no mundo –, pelo simples fato de ser um
católico con-servador que se temia contaminasse perigosamente as
alminhas estudantis criadas a puro leite progressista.

Os ignorantes de plantão sempre mencionam, a propósito da


univer-sidade medieval, o domínio obsediante que, sobre todas as
mentes, exer-ciam as doutrinas de Aristóteles. Nunca lhes passou pela
cabeça perguntar como elas chegaram a conquistar esse privilégio. Pelo

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jeito com que eles que falam do assunto, parece que foi por decreto
papal, com penalidades para os recalcitrantes. Mas foi exatamente ao
contrário. Tão logo divulgada no Ocidente no século XIII, a partir das
traduções árabes, a Física de Aris-tóteles foi impugnada por um
concílio. A impugnação significava apenas rejeição dogmática de uma
doutrina, não proibição de ensiná-la. Longe de desaparecer das salas de
aula, como hoje acontece com qualquer doutrina que desagrade a um
chefete de departamento, a ciência aristotélica tornou-se tema predomi-
nante de exame e discussão na Universidade de Paris, a mais vigorosa
da época. Evidentemente os primeiros a tocar no assunto não fizeram
senão expor e desenvolver a condenação, que atingia 28 teses
importantes da Fí-sica. Aconteceu que apareceram imprevistos
defensores de Aristóteles, en-tre os quais Sto. Alberto Magno e Sto.
Tomás de Aquino. Com isto, não só o lado aristotélico levou a melhor
nos debates, mas a universidade, persua-dida, acabou adotando, como
linha “oficial”, não a opinião que fora deter-minada pela autoridade do
concílio, mas aquela que se sobressaíra no con-fronto puramente
intelectual. O aristotelismo que vai progressivamente dominando as
universidades do século XIII até o XVI não é filho do auto-ritarismo,
mas de uma liberdade inspirada no respeito de todos à argumen-tação
racional. Esse desprendimento, essa veneração aos direitos da inteli-
gência, são inimagináveis, hoje, em qualquer debate acadêmico
brasileiro, onde aqueles que são derrotados no campo intelectual logo
recorrem a ex-pedientes admnistrativos ou à difamação pura e simples
para boicotar e ca-lar os adversários, com sucesso infalível. Qualquer
membro do esta-blishment universitário brasileiro que fale em
“obscurantismo medieval” deve ser considerado, pois, um hipócrita, um

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ignorante ou ambas essas coi-sas. Mas, não por coincidência, as últimas


décadas viram surgir no seio da universidade pátria uma verdadeira
epidemia de estudos sobre a Inquisição e as guerras medievais contra as
heresias – e esses estudos não precisam nem mesmo ser lidos para criar,
entre os estudantes, um preconceito anti-medieval (e anticatólico,
sobretudo) que os impede de fazer as compara-ções mais óbvias.

Mas, se estou fazendo essa apologia da liberdade de pensamento


me-dieval, é porque ela nos introduz da maneira mais eficaz no tema da
“auto-nomia universitária” – um item do discurso ideológico acadêmico
que conserva inalterado prestígio desde os tempos do averroísmo latino.

As universidades medievais não lutavam por autonomia, pela sim-


ples razão de que eram realmente autônomas. Organizações livres,
apoia-das nos próprios estudantes e numa rede de solidariedades que se
espalhava informalmente por todo o edifício social, não precisavam da
proteção de nenhum poder em especial e podiam se mover entre os
grandes deste mundo sem comprometer-se com eles, ora dando apoio a
um contra o ou-tro, ora mudando de partido, ora se refugiando num
soberbo indiferentismo. Imaginem o que seria, hoje, uma universidade
brasileira que, por decisão corporativa, se permitisse apoiar ora a
esquerda, ora a direita, ora nenhuma delas: não duraria até a eleição
seguinte.

A autonomia da universidade medieval não era um ideal; era sim-


plesmente um fato. A existência e a relativa durabilidade deste fato,
porém, não resultaram da pura vontade, mas se assentaram numa base
socio-eco-nômica compatível. Essa base resume-se em três coisas: 1)

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Em princípio, os únicos responsáveis pela manutenção de professores e


servidores eram os alunos – a turba discente era turba pagante. 2) Por
outro lado, a socie-dade em geral e especialmente as classes ricas e as
dioceses se incumbiam de ajudar os alunos pobres, de maneira a
neutralizar o quanto possível os efeitos da exclusão econômica. 3) Por
fim, a universidade não tinha de dar lucro – nem econô-mico nem
político –, já que o prestígio social e religioso do conhecimento induzia a
sociedade a aceitar, de boa vontade, a repartição de gastos que não lhe
pareciam de maneira alguma um prejuízo ou um desperdício.

Organizações privadas, sem fins lucrativos, apoiadas no consenso


de seus membros e numa forte solidariedade cultural – não será preciso
lem-brar o sucesso que essa fórmula viria a alcançar, seis séculos
depois, na constituição das grandes universidades norte-americanas.

Mas o curioso é que, ao tornar-se órgãos da Igreja ou órgãos do


Estado, as universidades pretenderam conservar intacto, sobre uma
nova base fran-camente hostil, o antigo privilégio da “autonomia” – daí
nascendo a secular comédia de erros que é a luta dos protegidos contra
o protetor que deles espera serviços e recompensas.

Não é preciso dizer o que representou para a classe dos


professores, economicamente, socialmente, politicamente,
mentalmente, sua transfor-mação de intelectuais autônomos (free
lancers, diríamos hoje) em funcio-nários eclesiais e estatais, incumbidos
ex professo de falar em nome de uma autoridade, de um consenso
estabelecido, de uma ortodoxia dominante. Não é fantástico que essa
gente toda, trocando a liberdade pela segurança, jamais confessasse

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

haver vendido a primogenitura por um prato de lenti-lhas, mas antes


continuasse a exaltar idealisticamente a própria liberdade de
pensamento como se ela ainda fosse uma realidade, passando mais
tarde a culpar pelas inevitáveis restrições decorrentes do negócio tão-
somente o comprador? Data daí, sem dúvida, o nascimento do espírito
de pomposa hipocrisia, de dogma-tismo travestido de liberdade
científica, que viria a se tornar, nos últimos dois séculos, a marca
inconfundível da casta acadêmica em todo o mundo.

Ao longo de cinco séculos, quase ninguém enfatizou o bastante que


a autonomia universitária, como qualquer outra forma de liberdade, não
pode subsistir como forma pura, amputada das condições socio-
econômicas que dão espaço à sua existência. É evidente que, mesmo nas
piores condições, sempre haverá espíritos livres, indivíduos livres,
capazes de sobrepor-se à coerção ostensiva ou sutil e manter alto o
estandarte do pensamento. Mas pode-se razoavelmente esperar que
esse dom seja compartilhado uniformemente por toda uma casta que
cresce dia a dia e que se compõe de funcionários cada vez mais
profissionalizados, mais limitados, mais dependentes?

A insistência verbal no ideal da autonomia, acompanhada de uma


afoita disposição de vender a preço vil, uma a uma, todas as condições
que permitiriam realizá-la, eis um traço constante e praticamente
imutável da mentalidade da casta universitária.

27/07/98

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[Continua]

NOTAS

[1] V. Kenneth Minogue, O Conceito de Universidade, trad. Jorge Eira


Garcia Vieira, Brasília, UnB, 1981.

[2] Embora muitas das escolas paroquiais tivessem maioria de alunos


do sexo feminino – numa época em que escrever e ler era tido por coisa
indigna dos varões guerreiros –, nenhuma função administrativa se
atribuía às mulheres, cujo aprendizado não tinha outra finalidade,
enfim, senão o adorno de suas almas e o enriquecimento da cultura
doméstica, que se afirma por fim como um esteio vital da tradição
cultural e pedagógica européia que hoje se dilui com velocidade
apocalíptica. Data daí, por exemplo, a origem remota do costume das
leituras em família, em voz alta, após a refeição noturna, costume que se
conservará até o século XIX nas principais nações e dará a base
mercadológica essencial para a expansão da indústria livreira, na época
dos grandes romances. Bastam esses fatos para comprovar, de um lado,
o valor autônomo que a Idade Média atribuía à educação; de outro, o
peculiar estatuto da mulher medieval, muito distinto do que hoje
procura impingir-nos um doentio rancor feminista sob color de ciência
histórica. V. George G. Coulton, Medieval Village, Manor and

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

Monastery, New York, Harper & Row, 1960, e Life in the Middle Ages,
selected, transl. and annotated by G. G. Coulton, 4 vols. in one,
Cambridge, Univ. Press, 1954, bem como, só para períodos posteriores,
Régine Pernoud, La Femme au Temps des Cathédrales, Paris, Stock,
1980.

[3] Ecoando um dogma estabelecido do automatismo mental


esquerdista esquerdista, feito sob medida para pessoas de QI 12, nossas
professorinhas uspianas (por exemplo D. Marilena Chauí, em Que é
Ideologia?, São Paulo, Brasiliense, 1980, Col. “Primeiros Passos”)
proclamam, como coisa líquida e certa, que o primado aristotélico da
contemplação sobre a ação expressa a ideologia de uma classe
aristocrática dominante hostil às “forças populares” que pegam no
pesado. Mas como poderia ser assim, se a ocupação principal e
obsessiva da classe dominante helênica era a praxis política e se sua
educação se constituía exclusivamente de retórica e artes militares,
disciplinas práticas por excelência? Expressão das idéias de um
reduzido círculo de intelectuais não raro marginalizados e hostilizados,
a nova concepção platônico-aristotélica da vida contemplativa só virá a
se tornar dominante mil e tantos anos depois, e mesmo assim só entre
membros do clero, continuando alheia à mentalidade da aristocracia
guerreira.

[4] V. Jacques Le Goff, Os Intelectuais na Idade Média, trad.


portuguesa, Lisboa, Europa-América, s/d.

[5] V. Maria Amélia Salgado Loureiro, História das Universidades, São


Paulo, Estrela Alfa, s/d.

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

[6] Sto. Tomás, por exemplo, arrisca, com cuidadosa modéstia, alguma
teorização astrológica na Summa contra gentios (Livro III) e alquímica

em “Sobre as operações ocultas da natureza”, opósculo no. 2 do catálogo


de Reginaldo.

[7] “The view taken of a University in these Discourses is the


following: –That it is a place of teaching universal knowledge. This
implies that its object is, on the one hand, intellectual, not moral; and,
on the other, that it is the diffusion and extension of knowledge rather
than the advancement. If its object were scientific and philosophical
discovery, I do not see why a University should have students; if
religious training, I do not see how it can be the seat of literature and
science.” John Henry Newman, The Idea of a University Defined and
Illustrated: I. In Nine Discourses delivered to the Catholics of Dublin;
II. In occasional Lectures and Essays addressed to Members of the
Catholic University, ed. Ian T. Ker (Oxford, 1976).

[8] V. Paul Hazard, La Crise de la Conscience Européenne: 1680-1715,


Paris, Arthème Fayard, 1961.

[9] Ausgewählte Schriften, Frankfur-am-Main, Suhrkamp Verlag,


1985, Band 5, S. 11.

[10] V. Antoine Faivre, “La philosophie de la nature dans le


romantisme allemand”, em Yvon Belaval (org.), Histoire de la
Philosophie, Paris, Gallimard, 1974 (“Bibliothèque de la Pléiade”), pp.
11-45.

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

[11] O Privat-Dozent, figura típica do ensino da época, é precisamente


isso: o professor que, ligado a uma universidade, não tem remuneração
fixa, mas recebe o quanto se coleta entre os alunos no fim do mês.

[12] Mas a praga nacionalista tinha vindo para ficar: até hoje é
espantoso, para um observador de Terceiro Mundo, que acompanha
com beata admiração o progresso do conhecimento em todos os grandes
centros simultaneamente, notar como em cada um deles os eruditos se
permitem ignorar os trabalhos de seus colegas de outros países, só
tomando ciência deles quando são traduzidos ou ganham destaque na
imprensa internacional. Nada mais consternador, e ao mesmo tempo
paradoxalmente reconfortante para o provinciano, do que constatar o
provincianismo mental das grandes capitais.

[13] Sobre o provincianismo temporal e o cronocentrismo, v. meu livro


O Futuro do Pensamento Brasileiro. Estudos sobre o Nosso Lugar no

Mundo, 2a. ed., Rio, Faculdade da Cidade Editora, 1998, Cap. I.

[14] Sobre as conseqüências nefastas que a formação desse consenso


teve especialmente para o ensino da filosofia em todo o mundo, v. meu

breve ensaio “Estatais do pensamento”, em Bravo!, São Paulo, ano 1, no.


3, dez, 1997.

[15] Otto Maria Carpeaux, “A idéia de universidade e as idéias das


classes médias”, em A Cinza do Purgatório, Rio, Casa do Estudante do
Brasil, 1942, reproduzido em Ensaios Reunidos, 3 vols., Organização,
prefácio e notas de Olavo de Carvalho (em curso de edição pela
Topbooks em associação com a Faculdade da Cidade Editora).

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

[16] “Quase todos os confortos com que a tecnologia nos ajuda na vida
diária foram criações da pesquisa militar. Enquanto isso, os
universitários se ocupavam precipuamente de criar e fomentar as
ideologias que produzem guerras. Da Revolução Francesa até hoje —
com a notória exceção do expansionismo bismarckiano —, não se fez
uma só guerra por exigência de militares, mas todas para realizar
alguma doutrina acadêmica, fosse de Karl Ritter ou de Georges Sorel ou
de Vilfredo Pareto, de Carl Schmitt ou de Régis Débray. Os militares
sempre dizem que não dá, mas acabam se rendendo, como os caciques
da Idade da Pedra, à mágica das palavras. Isso não quer dizer que, nos
tempos modernos, as atribuições das castas tenham se invertido. Ao
contrário: é da natureza das coisas que os homens de idéias inventem os
pretextos de matar, obrigando os homens de armas a inventar os meios
de sobreviver — os quais acabam, por inescapável conseqüência,
melhorando a vida dos sobreviventes.” O. de C., “O pajé”, Jornal da
Tarde, São Paulo, 12 de junho de 1997.

[17] “Em defesa da universidade”, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4


de julho de 1998. O documento, segundo nota de rodapé, “resulta de
reunião promovida pela COPEA (Coordenação de Programas de
Estudos Avançados da UFRJ) em 29 e 30 de maio de 1998”. Os 26
signatários formaram, na ocasião, o “Grupo de Defesa da Universidade
Pública” e inauguraram uma coleta de adesões por e-mail, fax e correio
– o que subentende que não apenas expressaram uma opinião, mas
pretendem fazer dela uma força politicamente agente.

[18] V. meu livro A Longa Marcha da Vaca para o Brejo. O Imbecil


Coletivo II (Rio, Topbooks, 1998), segunda parte.

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Aviso de Alberto Dines & Considerações sobre a universidade

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dines2.htm (36 de 36)16/4/2007 11:01:49


Alberto Dines responde

Alberto Dines responde


Explicações de Alberto Dines publicadas no Observatório da Imprensa, na
seção de cartas, na edição de 3 de julho.

Como foi informado ao Prof. Olavo de Carvalho, este Observatório tem


periodicidade semanal não podendo, por isto, atender à sua exigência
quanto a uma explicação ou retratação em 48 horas. Em posterior troca
de e-mails que pode ser classificada entre civilizada e cordial,
evidenciou-se que o missivista não foi o autor daquela peça marrom
produzida e financiada pela UniverCidade (ou Univer$idade) e
publicada no Jornal do Brasil. Sendo assim, ficam sem efeito os
qualificativos pessoais que este Observador a ele dirigiu e registrado um
pedido formal de desculpas. Ficam mantidas, porém, as divergências de
carater ideológico, razão da veemência.

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/dines3.htm16/4/2007 11:02:15
O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

O método de aliciamento
do sr. Orlando Fedeli

por Amilcar Nadu

A única vez que chamei algum aluno do sr. Fedeli para vir falar

comigo foi com a finalidade declarada e pública de que levasse a

seu guru a gravação de minha aula, em razão de minha falta de

tempo para lhe dar uma resposta por escrito. Já o sr. Fedeli, no

seu esforço de salvar da minha nefasta influência as almas de

meus alunos, desenvolve intenso trabalho subterrâneo de

aliciamento, do qual às vezes, por acaso ou por falha da segurança,

umas amostras chegam ao meu conhecimento. Meu aluno Amilcar

Nadu, por exemplo, foi convocado pelo sr. Fedeli a vir de Curitiba

ouvi-lo explicar as razões pelas quais, no entender do guru

montfortiano, ele deveria abandonar meu curso imediatamente e

filiar-se às hostes fedélicas. Infelizmente, o tiro saiu pela culatra:

de volta à sua terra, Amilcar julgou que tinha o dever de me

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli4.htm (1 de 36)16/4/2007 11:02:29


O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

informar da conversa. O título é de minha responsabilidade. assim

como os comentários – em vermelho – que a entremeiam.

Já pelo contraste entre os altos pretextos alegados e os métodos

sórdidos de alcoviteiro, o sr. Fedeli dá, com seu exemplo pessoal, a

mais fiel ilustração daquilo que dizia Simone Weil: “Estar no

inferno é acreditar, por engano, que se está no céu”. – O. de C.

Prezado Prof. Olavo de Carvalho,

Em abril, forneci ao senhor alguns dos dados que obtive sobre o Sr.
Orlando Fedeli. Tive, antes, o cuidado de, num período de quatro meses,
ouvir ao menos 3 testemunhas diretas que me confirmassem os
depoimentos umas das outras. Com base nisso, pude apurar que o Sr.
Fedeli se auto-atribuiu a missão de salvar a alma das pessoas mediante
o guiamento de suas inteligências. No cumprimento de sua missão,
Fedeli diz, a sério, que ir ao seu Seminário é mais grave que matar uma
pessoa.

Se isso não configura intenção de difamar e prejudicar, o Código

Penal está errado.

Basta, para demonstrar o grau de alarmismo criado por esse senhor, o


fato de ter um certo ex-aluno do Seminário chegado ao ponto de me

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

ligar em Curitiba, onde resido, dispondo-se a fornecer-me hospedagem


para que eu pudesse ter com OF [1] .

Durante a investigação que realizei, eu já havia tentado apurar com os


hoje freqüentadores da Associação Montfort, quais as divergências que
Fedeli teria com o senhor e a que livros eu deveria recorrer para inteirar-
me delas. Nenhum dos freqüentadores da Associação Montfort foi,
porém, capaz de me expor com a mais mínima precisão o pensamento
fedeliano. Limitaram-se a assinalar que Fedeli conhecia extremamente
bem a sua filosofia e a gnose, e que provara as íntimas ligações entre
uma e outra, bem como a falsidade do “maometismo”. Espantou-me a
mudança veloz de posição daquelas pessoas.

Na verdade, essas pessoas jamais “mudaram de posição”. Já

chegaram falando da Associação Montfort (que então eu

desconhecia) e oferecendo-se gentilmente para gravar as minhas

aulas. Depois, desapareceram repentinamente, levando as

gravações, e começaram a fazer contatos com os demais alunos

meus para levá-los à Associação Montfort. Que é que posso supor

diante disso, senão que vieram desde o início como agentes do sr.

Fedeli e não como alunos?

De minha parte, procuro seguir sempre a Teoria dos Quatro Discursos,


que tenho testado inúmeras vezes, e que, nesses casos, funciona como
uma armadura espiritual que permite ao estudante enfrentar as mais
temíveis controvérsias sem fragmentação da consciência e sem crises
desnecessárias [2] . E, à luz dela, sempre tive claro que, antes de me
posicionar sobre o que quer que fosse, deveria eu inteirar-me dos

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

termos do debate. Assim, jamais receei encontrar o Sr. Fedeli. Tive


mesmo, antes de confirmar o que ele havia dito sobre freqüentar o
Seminário, alguma curiosidade a respeito de sua obra. Quando, porém,
vieram as provas sobre o contexto em que aquela invectiva fora feita,
restou-me apenas a obrigação intelectual de não negar ouvidos a quem
pretenda revelar dados que eu supostamente desconheça. Ao ser
informado no sábado (não cheguei a comentar isso com o senhor) que o
Sr. Fedeli estava “à minha disposição” e ao sentir que uma eventual
negativa minha poderia, e seria, interpretada como a fuga de um
medroso que se furta à responsabilidade de encarar a verdade, fui
sinceramente disposto a ouvi-lo e a anotar tudo quanto pudesse.
Relatarei resumidamente, nas linhas seguintes, e tentando preservar ao
máximo a ordem cronológica, como transcorreu a nossa conversa, que
se deu na presença de mais duas testemunhas. Antes, porém, esclareço
que o relato abaixo foi feito em tópicos não por uma decisão arbitrária
ou por preguiça, mas por ser a forma escrita que melhor retrata o tipo
de argumentação do Sr. Fedeli: não há transição entre os temas.
Interrompe-se a discussão bruscamente e muda-se rapidamente de
assunto. Não há partes compondo um todo. Há uma coleção
fragmentária de “provas”, expostas com extrema velocidade e em tom
sentencial.

1. Fedeli nos busca no metrô e nos leva numa mini van à Associação
Montfort. A caminho de lá, quer saber o que houve na aula recém finda
(aula do mês de abril) . É informado da fita, que lhe será exibida na
Quarta feira próxima. Registra que o seu silêncio público é uma
proposta tácita de acordo. Diz que não vai parar enquanto não

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

desmascará-lo e que o senhor vai “levar um pau”.

Tenho o direito de interpretar isso ao modo de Fedelis e Felipes,

como ameaça de agressão física? Ou, ao contrário, as palavras

chãs da conversação oral do sr. Fedeli devem ser ouvidas com a

sensibilidade literária que ele recusa conceder à leitura das

minhas figuras de estilo? Sou eu que, quando uso uma metáfora

inspirada em Léon Bloy, faço ameaça bruta em vez de figura de

linguagem, ou é o sr. Fedeli que, quando vocifera ameaças diante

de testemunhas, faz literatura e deve ser interpretado com

distanciamento estético?

Pergunta a mim e a meu amigo, (o terceiro aluno já frequentava a


associação Montfort) sobre o tempo que freqüentamos o Seminário e
como havíamos conhecido o senhor. Depois de saber sobre como o
conhecemos, alega, ironicamente, que estamos recebendo doutrina
gnóstica disfarçada de combate ao comunismo e dá algumas boas
risadas. Ao saber que meu amigo freqüenta o seminário há apenas 2
meses, diz: “que bom! A sua cabeça ele ainda não teve tempo de
envenenar”. Menciona, ainda, a existência de um padre a quem o
senhor, desorientado, teria pedido conselhos sobre como lidar com a
ameaça fedeliana. Tal padre teria “mandado” – e Fedeli, para assinalar a
existência de uma organização (tema ao qual retornarei adiante) à qual
o senhor se subordinaria, usava ainda a expressão “eles mandaram” – o
senhor ignorá-lo.

Aqui o sr. Fedeli entra na área da difamação simples e direta. Não

pertenço a organização nenhuma, esotérica ou exotérica, política

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

ou religiosa. Não pedi orientação a padre nenhum, embora saiba

quem é o sacerdote ao qual o sr. Fedeli se refere.

Ao chegar à Associação minha primeira e quase que instintiva atitude é


a de olhar os trajes das mulheres: estão todas de saia.

1) Fedeli nos leva a uma sala reservada e nos mostra o livro sobre a vida
de René Guénon que havia citado de Segunda mão. Mostra fotos de
René Guénon, Titus Burckhart e um terceiro, o único cuja obra
desconheço, e os chama repetidas vezes de palhaços, pois “se vestem de
árabes” sem sê-lo. “Palhaçada”, repete Fedeli enquanto exibe várias
fotos do livro.

Essa brutalidade configura nitidamente o crime de ultraje a culto

(Art. 208 do Código Penal) e já basta para mostrar quem é esse sr.

Fedeli. Talvez, para melhor esclarecimento, convém lembrar que

só 8 por cento dos muçulmanos são árabes e que no entanto o uso

do traje árabe nos ritos, sem ser estritamente obrigatório, é

considerado um dever de polidez a que poucos homens religiosos

se furtam voluntariamente. Pela lógica do sr. Fedeli, se eu, num

rito judaico, metesse na cabeça um solidéu, parecendo portanto

judeu sem sê-lo, me tornaria automaticamente um “palhaço”.

Palhaço, para mim, é aquele que, sem ser Jesus Cristo

(resguardada a hipótese de engano da minha parte, é claro),

proclama “salvar almas”. Mais que palhaço: charlatão.

2) O.F diz que Guénon era toxicômano, pois os de sua seita usavam

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

regularmente e prescreviam haxixe e ópio. Faz ainda outros ataques a R.


G.

Esse sujeito não mede realmente o que diz. Seu comportamento é

nitidamente o de um furioso alucinado, cego de ódio e despeito.

3) Fedeli tenta rebater a sua alegação de que teria ele citado o livro em
questão sem ler. Diz que “agora o está lendo” e que foi o senhor quem
não leu o livro. Como prova desta afirmação, relembra que o senhor
houvera dito que a autora da obra não sabia que Martin Lings e Sidi
Abu-Bakr eram a mesma pessoa e que atribuíra a M. Lings episódios
que haviam se passado com Burckhardt e vice-versa. Exibe-me, então, o
índice onomástico do livro. Mostra-me que o nome de Martin Lings é ali
citado numa única página e que, portanto, seria impossível existir troca
de episódios.

Surpreendo-me vivamente. Respondo ao senhor Fedeli que o índice


onomástico só poderia ser tomado como prova do número de vezes em
que a pessoa de Martin Lings aparecesse no livro se não tivesse havido a
confusão mencionada pelo senhor. (Deveria ser evidente que, se a
autora atribuiu a outros os episódios ocorridos a Lings e que se, para
ela, Lings e Abu-Bakr eram pessoas diferentes, o índice onomástico não
poderia saber mais que a escritora e, por por algum processo miraculoso
- apontar, no nome Martin Lings, as páginas referentes a Abu Bakr. Não
poderia o índice, também, registrar, no nome Martin Lings as páginas
dos episódios que com ele se passaram e que a autora tenha creditado a
Burckhardt) O Sr. Fedeli brande o livro em suas mãos, replicando algo
como: Você não está vendo? Que episódios trocados que nada! Quem

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

não leu o livro foi ele! Como poderia haver troca de episódios se o
Martin Lings só é citado uma vez no livro? Você não está vendo aqui? E
conclui (reproduzo com exatidão): “Esse Olavo é um chutador!” Fico
boquiaberto.

Ora, meu saco, se Lings foi trocado por outro personagem, é o

nome deste que aparece, e não o dele. (V. nesta homepage minha

“Nota sobre o livro de Marie-France James). A falta não somente

de lógica no próprio raciocínio, mas de simples compreensão da

lógica imediata daquilo que ouve, revela o estado em que se

encontra esse homem.

4) Surge a questão sobre a gnose e o gnosticismo. Fedeli confirma o que


um de seus alunos me havia dito: não há diferença entre eles. Segundo
Fedeli, a aparente diferença foi inventada por René Guénon, que havia
sido denunciado por sua amiga (Noema?) como membro da renovação
hinduísta da antiga gnose, e visava a inocentá-lo. Fedeli recorre, para
demonstrar a identidade de gnose e gnosticismo, à origem etmológica
dos termos. Para ele, o fato de gnose e gnosticismo serem termos
oriundos de um mesmo tronco já demonstra cabalmente que são um
único só e mesmo fenômeno. (Percebo, de imediato, a extravagância de
um raciocínio que pretende tomar a origem etimológica dos termos
como prova evidente da origem e da identidade do conteúdo das
doutrinas que eles designam. Sinto-me tentado a dizer que, se assim
fosse, poder-se-ia, a partir da premissa da identidade etmológica das
palavras “vírus” e “veneno”, concluir que o vírus da AIDS e o arsênico
seriam idênticos em sua origem e semelhantes em sua composição.
Contenho-me. Minha presença ali se devia ao meu desejo de conhecer, e

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

não à minha vontade de argumentar, e eu já havia – impensadamente –


polemizado com o senhor Fedeli minutos antes, conforme descrito no
tópico anterior. Não era minha intenção fazer o papel de “Felipe
Coelho”, que, segundo pude apurar, decidiu, após ter lido René Guénon,
conhecer o Sr. Fedeli para “dar-lhe um cacete” (reproduzo o que me
disse um amigo dele) e acabou “convertido”. Acalmei-me pensando que,
longe de ocupar, no sistema fedeliano, o lugar de prova central, o estudo
etimológico que me fora revelado teria ali um papel secundário,
coadunando-se com outros elementos de muito maior valor probante.
Devia eu, portanto, ouvi-lo em silêncio.)

5) Fedeli assinala que gnosticismo, gnose e metafísica guénoniana são


uma só e mesma coisa. Esta coisa, para O.F, é, também, a sua metafísica
que, segundo ele, o senhor define como sendo o “conhecimento da
natureza”. Contenho-me novamente.

Bravo Amilcar. Haja paciência para ouvir tanta tolice!

6) Após enunciar a definição de metafísica que ele imputa ao senhor,


Fedeli apresenta o que, para ele, em conjunto com tal definição, seria a
prova inequívoca do seu gnosticismo: o seu conceito de filosofia. Diz
Fedeli que tal conceito jamais existiu e que é uma “invenção sua” e sua
apenas, sem qualquer relação, portanto, com a Filosofia propriamente
dita. Esta invenção seria, à evidência, gnóstica. Fedeli exemplifica:
pretender fazer do homem e do conhecimento uma unidade é o mesmo
que dizer que o homem e as coisas conhecidas são, também, uma
unidade. E isto porque ambos possuiriam uma “fagulha” do intelecto
divino, que deveria ser acessada. Para Fedeli, portanto, toda a sua

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

filosofia, e a sua “interpretação” das filosofias anteriores, seria um


esforço para explicar, justificar e promover esta “unidade” gnóstica,
entre sujeito, objeto e “Deus”, realizada pela intuição. Para Fedeli, só
Deus pode conhecer “o todo” e sua proposta de unidade seria,
exatamente a de dar ao homem este conhecimento e, portanto,
indentificá-lo com Deus. E seria essa a sua gnose.]

Porca miséria. O sr. Fedeli aí prova sua total inaptidão para ser até

mesmo aluno do meu curso. Qualquer aluno que compreendesse

dessa maneira minhas explicações sobre teoria do conhecimento

seria convidado a retornar ao curso primário.

Peço a palavra. Mentalmente, estou “vendo” a sua entrevista ao


embaixador Caius Tragomir. Reproduzo, abaixo, o excerto em que me
baseei para dialogar com o Sr. Fedeli:

“(..)Isso ligava-se de perto a uma segunda questão: a inteligência é

por natureza sistêmica, unificante, orgânica. Ela repele o

inorgânico, o disperso, o fragmentário, que é morto. Logo, ERA

PRECISO BUSCAR A UNIDADE DO CONHECIMENTO

NA UNIDADE DA CONSCIÊNCIA, E VICE-VERSA. ISTO

COLOCAVA ENFIM A QUESTÃO DO CONHECIMENTO

COMO SISTEMA ORGÂNICO, OU DA UNIDADE DO

CONHECIMENTO. QUANDO DIGO QUE ESSA UNIDADE

DEVE SER DE TIPO SISTÊMICO – E NÃO APENAS

"SISTEMÁTICO" –, SUBENTENDO QUE NÃO PODE

TOMAR A FORMA DE UM SISTEMA DEDUTIVO, COMO

NO RACIONALISMO CLÁSSICO, MAS SIM A DE UMA

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

UNIDADE VIVENTE QUE SE IDENTIFICA, EM ÚLTIMA

ANÁLISE, COM A UNIDADE DE UM ENTE VIVO E

CONSCIENTE: O INDIVÍDUO HUMANO REAL,

UNIDADE PSICOFÍSICA E ESPIRITUAL, É O PADRÃO

DA UNIDADE DO CONHECIMENTO. O homem, o indivíduo

humano, é o portador do conhecimento efetivo. O conhecimento

enquanto bem social é apenas conhecimento potencial, é coleção

de registros e convenções que, para tornar-se conhecimento

efetivo, deve ser efetivado, atualizado na consciência do indivíduo

vivente” [3]

À luz desse trecho, que eu verdadeiramente “via” em minha frente,


procurei fazer ver ao senhor Fedeli que: (a) a sua (a de O de C)
explicação de unidade estava disponível na internet; (b) a sua concepção
de unidade era bastante diferente da que ele lhe atribuía: Fedeli
empregava “unidade” como sinônimo de “identidade” [4] e atribuía isso
ao senhor, que empregava “unidade” em outro sentido (o “estrato lógico
do conceito”, ou, na terminologia de Mortimer Adler, os “termos” eram
diferentes, muito embora a palavra fosse a mesma). Se, por exemplo,
digo – como o senhor faz na entrevista ao embaixador - que o
organismo humano é uma unidade, não estou dizendo que o coração e o
pulmão são uma só e mesma coisa. E era, neste sentido, como deixa
claro o excerto acima (e a aula de maio), que o senhor empregava o
vocábulo. Porém, Fedeli se sentia no direito de dizer que a sua unidade
significava que o conhecedor e o conhecido eram uma só e mesma coisa
(as partículas divinas, que se “uniam”).

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

Fedeli toma a palavra. (Noto que ele – que, segundo me informaram,


conhecia extremamente bem a sua filosofia – desconhecia a objeção por
mim levantada). Em resposta, diz-me que tem vários livros que
comprovam o que ele antes me afirmara. Diz-me, ainda, que o senhor
“inventa essas coisas para nos enganar e que, como eu não entendo
nada de filosofia, fica muito fácil me enganar”. Olha nos meus olhos e
diz: “Filho, eu não estou mentindo para você. Eu não minto para os
meus alunos. Eu não sou o Olavo de Carvalho. Eu prefiro morrer a
mentir para um dos meus alunos.” E, prossegue: “Como você pode
acreditar num homem que diz que está na direita e que já avisa que
pode voltar para a esquerda? (Esta indagação só serve, naquele
momento, para me provar que Fedeli desconhece o seu conceito de
direita e esquerda, disponível, aliás, no Imbecil Coletivo II. Para O.F,
quando o senhor diz que pode voltar a apoiara esquerda, está dizendo
que pode voltar a apoiar o marxismo). Simplesmente não consigo
responder a tão grosseira confusão.

Como é que esse idiota não entende que, por exemplo, diante da

ameaça de uma ditadura de extrema-direita, seria moralmente

obrigatório, mesmo a contragosto, apoiar a esquerda, caso esta

reforçasse o lado democrático? Fazer do anti-esquerdismo um

princípio metafísico absoluto e imutável em vez de uma simples

atitude prudencial e contintente é mais que fanatismo: é doença. E

dizer que há uns fulanos que me consideram um extremista de

direita! Nunca viram um, na verdade.

9) Fedeli expõe novas “provas” do seu gnosticismo. Alega que o senhor


diz que o homem conhece e que a pedra conhece porque ambos

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

possuem “centelhas divinas” que se “encontram” no ato de


conhecimento.

“Centelha divina”, para encurtar a história, é a vovòzinha. O

entendimento que esse sujeito tem (ou finge ter) da minha

filosofia é puro delírio projetivo.

Peço a palavra. Digo ao senhor Fedeli que ele esquece-se que, na sua (a
de O de C) terminologia, conhecer é simplesmente receber informação e
ser conhecido é transmitir informação e que existe, além disso, o
inteligir, que é apreender a verdade. A pedra “conhece”, mas só o
homem intelige. Assim, não poderia ele realizar aquela equiparação,
com vistas a dizer que a pedra, no ato de conhecimento, “inteligiria” a
fagulha divina do homem, e vice-versa. Cito o já famoso exemplo da
pedra, que recebe informações sobre a lei da gravidade, mas não
trasmite informações para si própria (o que, aliás, na sua terminologia,
chama-se consciência). Descabida, portanto, a alegação do senhor
Fedeli, que supõe presentes, no homem e na pedra, capacidades
idênticas (pois idênticas as fagulhas divinas) de conhecimento,
inteligência e consciência, necessárias à, por assim dizer, “unificação”
no sentido fedeliano.

Fedeli toma a palavra e diz que conhecer e inteligir são uma só e mesma
coisa (noto, pela sua entonação, que ele até então desconhecia ou não
havia meditado sobre distinções terminológicas supramencionadas) e
que essas distinções o senhor as inventara para nos enganar e, como eu
não entendia nada de filosofia, ficava muito fácil me enganar.

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

Paciência tem limites. Minha gnoseologia, então, não é minha

gnoseologia. É um disfarce que inventei para não confessar que

sou gnóstico! Valha-me Deus!

Uma das testemunhas, (que até então estavam em absoluto silêncio),


vem em socorro de Fedeli e diz que a pedra não “conhece” a lei da
gravidade, mas sim a “padece”. Fedeli concorda. (Percebo, de imediato,
o equívoco, exatamente oposto ao anterior. Se, antes, à palavra unidade
era dado um significado diferente do que ela possui no seu conceito de
filosofia, agora, em relação à palavra “conhecer”, fazia-se o contrário:
trazia-se à colação uma outra palavra (padecer) cujo significado (estrato
lógico), naquele contexto, era idêntico ao do vocábulo utilizado pelo
senhor (conhecer). E com isso – com um sinônimo - se pretendia provar
um “equívoco” seu.) Não verbalizo o raciocínio entre parênteses, por
receio de magoar a testemunha que se manifestara. Limito-me a coçar a
cabeça.

O entendimento que essa gente tem das minhas explicações é

fantástico. Não é realmente possível que alguém com mais de 12

de QI confunda a ação da gravidade, que a pedra padece de fora,

com a informação mineralógica que está na própria pedra e da

qual, portanto, a pedra é registro e portadora. Nem é possível que,

lendo meus textos de gnoseologia, alguém confunda o sentido

ativo do conhecer humano com o sentido passivo em que as

pedras e plantas são registros de conhecimentos potenciais. Muito

menos possível é que, após fazer essa confusão, o cretino a

atribua... a mim!

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

Uma vez que eu houvera dito que, na sua terminologia, inteligir era
apreender a verdade, Fedeli, em tom desafiador, pergunta “E o que é a
Verdade?”. (Tal frase fora dita no calor da discussão, e nem Fedeli nem
eu reparamos na semelhança, que só agora percebo, com a passagem
bíblica.)

Respondo: verdade é o fundamento cognitivo universal e permanente de


validade dos juízos.

Fedeli assusta-se e, reagindo como se tivesse ouvido uma frase em


grego, exclama e interroga: “Hein?!”

Repito lentamente a frase, e fica evidente aos presentes que Fedeli


nunca antes ouvira a sua definição de verdade. Aqui já não se pode dizer
que Fedeli tenha lido, mas não tenha meditado. Não. Por sua reação, ele
jamais antes tivera conhecimento daquela definição.

De chofre, Fedeli nega a veracidade do seu conceito, dizendo que trata-


se de uma invenção sua, com a função de nos enganar e que, como eu
não entendia nada de filosofia, ficava muito fácil me enganar. Fedeli
sustenta que a verdade é a adequação do juízo ao objeto, e diz que
sempre foi assim. Respondo-lhe que isso, na sua terminologia, chama-se
“veridicidade”, mas sou ignorado.

Está aí: o “conhecedor profundo” da minha filosofia ignora por

completo os conceitos lógicos de verdade e veridicidade, que são

pontos de partida do meu pensamento. E ainda diz que são

“invenções minhas”, como se um filósofo ser autor de sua própria

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

filosofia fosse um demérito!

10) Fedeli muda o rumo da conversa para a questão do maometismo


[5] . Pergunta-me se já li o Alcorão e respondo-lhe que não. Informo-lhe
que li apenas a tradução, que é considerada um “livro de doutrina”;

Fedeli, surpreso, indaga: “Ué, que história é essa? E a tradução do


Alcorão não é o Alcorão”? E responde por mim: “Ah! Já sei! É por causa
daquela história do gato! Ele ainda anda contando aquela história de
que o Alcorão paralisa gato? E vocês acreditam nessa bobagem?!”

Respondo ao senhor Fedeli que não fiz aquela observação tendo em


vista a história do gato (que de fato não me ocorrera), mas sim tendo em
vista os ensinamentos que eu havia colhido de sites de teologia
islâmicos, que chamavam eles mesmos as traduções de “livros de
doutrina” e apenas o original de Alcorão. Acrescento, ainda, que o
Alcorão mesmo traz em seu corpo o desafio aos incrédulos: desafia-os a
escreverem, se puderem, um livro semelhante.

Fedeli surpreende-se novamente. Afirma que no Alcorão não há o


desafio a que me referi.

Pergunta-me sobre a tradução que eu lera. Respondo-lhe que ela não


possui editora, pois a retirei de um website [6] . Fedeli me diz que
possui inúmeras traduções do Alcorão e que em nenhuma delas há
aquele desafio.

Charlatãozinho barato. Você, Orlando Fedeli, não leu NUNCA

tradução nenhuma do Corão. Se tivesse lido encontraria esse

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

arquiconhecido desafio já na Sura II:23 e repetido em X:38 e

XI:13.

Com essa, já são três as falsas remissões que você faz a livros que

não leu. Não basta isso para que a gente perceba com quem está

lidando?

Finalizo a controvérsia, dizendo ao senhor Fedeli que aceitava a


impugnação que ele fazia da minha tradução e que, sendo falsa a base
em que me apoiei, eu me limitaria a ouvi-lo e a pedir que ele me
indicasse algumas traduções confiáveis. Fedeli me diz que há várias
traduções boas e que depois me recomendará algumas. Eis os
argumentos de Fedeli contra o “maometismo”:

— Maomé era um pobre analfabeto e casou-se com sua Segunda mulher


para aplicar-lhe o “golpe do baú”.

— a Segunda mulher de Maomé era pessoa pouco confiável e dona de


caravana, o que lhe possibitava travar frequentes contatos com
estrangeiros;

Quanta erudição! Rica e dona de caravana era a primeira esposa

de Maomé, não a segunda.

— esses estrangeiros, judeus, é que teriam ditado a Maomé o Alcorão

Esses judeus deviam ser doidos, para ditar a Maomé um livro que

os acusava de haver falsificado a Torah.

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

— Maomé inclusive frequentava a casa desses judeus, que o obrigavam,


à noite, a decorar o Alcorão;

De que subliteratura ele tirou essas histórias da carochinha? São

fofocas de hospício, meu Deus! Nenhum islamólogo ocidental com

um mínimo de respeitabilidade acadêmica jamais deu atenção a

esse gênero de tolices. Leiam Arberry, Dermenghem, Eliade,

Corbin, Massignon e tutti quanti – não verão nada disso.

— As provas da influência judaica seriam (1) os excertos em que Maomé


jura pela oliveira e pela figueira, árvores só existentes em terras dos
judeus

Esse raciocínio prova o contrário do que pretende. O próprio

Maomé dizia que o livro não fora escrito por ele, e sim ditado pelo

Arcanjo Gabriel. Aliás é o que diz o próprio Corão. Por que, então,

o livro deveria falar só de coisas vistas por Maomé?

O raciocínio do sr. Fedeli é um grosseiro non sequitur: o livro não

é revelado: logo, foi escrito pelo próprio Maomé e só pode falar de

coisas que Maomé conhecia; mas fala de coisas que Maomé

desconhecia; logo, o livro não é revelado. Que papagaiada!

— (2) o Alcorão menciona. Deus é um e, portanto, só pode haver uma


religião verdadeira;

Vil exploração de uma aparência de significado. O Corão afirma,

sim, a unidade da religião verdadeira, mas inclui nela

explicitamente os judeus e os cristãos, o que significa que

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

“religião” nesse contexto, tem um sentido mais amplo,

correspondente à palavra árabe din, que o sr. Fedeli desconhece.

— Outra prova de que não há qualquer influência divina no Alcorão


seria o seu critério de edição. Na ausência de coerência interna, só
restou aos editores o critério do “tamanho” das suratas. Em função
daquele é que foi estabelecida a sequência destas. Para Fedeli, isso é
algo ignomioso, afrontoso à inteligência e de um ridículo sem par. Isso o
leva a indagar: “Como pode alguém acreditar num livro cujos capítulos
foram dispostos em função da sua extensão?”

A ordem dos livros da Bíblia é um arranjo posterior, totalmente

ignorado pelos autores inspirados no momento em que os

escreviam. Isso acaso depõe contra a Bíblia? Ou o sr Fedeli,

porque conhece essa ordem, compreende melhor o livro sagrado

do que os autores humanos que não a conheciam? Basta esta

observação para notar que a objeção inventada por ele contra o

Corão é pura malevolência delirante.

O Corão, nas edições comentadas dos teólogos, é disposto em

ordem segundo o arranjo teológico dos temas, mas não se viu

(nem há) razão para que essa ordem estatuída ex post facto

devesse predominar nas edições simples.

Tendo eu dito que não discutiria a matéria em função de haverem sido


impugnadas as minhas fontes, limitei-me a, em função desta última
crítica de Fedeli, formular-lhe duas perguntas, sendo a segunda de
ordem metodológica. Primeira: perquiri sobre o destino dos hindus,

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

muçulmanos e todos quantos, mesmo involuntariamente, não haviam


recebido os influxos do cristianismo. Fedeli foi taxativo: “Se
continuarem assim, irão todos para o inferno” (cito literalmente).
Alguns segundos de silêncio são feitos; todos querem explicações. Fedeli
mantém-se quieto e firme. Passo à Segunda questão: Indago-lhe se,
aquele mesmo esforço que ele fizera para demonstrar a incoerência
interna e a falsidade do Alcorão, ele havia também feito em relação ao
cristianismo e a Igreja Católica, a fim de verificar que resultados obteria
[7] . E se, o mesmo esforço que fizera para coerenciar os ensinamentos
da Igreja, as passagens bíblicas e todo o depósito de conhecimentos
cristãos, ele dispensara também à tradição islâmica.

Fedeli entra em estado de superexcitação. Olha para uma das


testemunhas e exclama: “Eles querem me pegar em contradição! Ha!
Ha! Ha!”. Olha para a outra e, vibrando, fala: “Eles acham que vão me
pegar em contradição!”. E ri de novo. “Pois não vão não!” [8] .

O homem, de fato, não está bom.

Fedeli “responde-me” que “antes de converter-se, estudou muito a


religião católica, e que não há livro mais perfeito e harmônico que a
Bíblia. (Desnecessário dizer que minha pergunta não fora a esse
respeito).

11) Provavelmente descontente com o fato de eu não haver mudado de


opinião a respeito do Seminário e do senhor, Fedeli tenta recorrer a
provas mais “acessíveis”. Pergunta-me: “Mas escute aqui, você não
percebeu ainda que está numa organização maçônica, em que alguns

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

são eleitos para receber os ensinamentos esotéricos? Você não notou


que o pessoal do Rio recebe um tratamento diferenciado? O Pedro Sette
Câmara, por exemplo, sabe de um monte de coisas que você não está
sabendo.” (o tom da frase deixa subentendido que Fedeli também
dispunha das informações de Pedro Sette e que elas confirmariam a tese
fedeliana).

Que coisa espantosa! Os alunos que freqüentam meu curso há

mais tempo sabem mais do que aqueles que chegaram depois! Tal

é a prova de que se trata, inequivocamente, de uma organização

maçônica! C. Q. D.

Respondo ao senhor Fedeli que: sinceramente eu nunca havia reparado


em nada daquilo e que, ao contrário, eu sabia que o senhor havia
recomendado a uma pessoa que se afastasse da maçonaria [9] .

Fedeli replica informando-me que o senhor pertence à maçonaria do


Grande Oriente.

Mentira pura e simples. Não pertenço a Maçonaria

nenhuma, do Oriente ou do Ocidente, do Norte, do Sul

ou de Catolé do Rocha. Não pertenço a nenhuma

sociedade, secreta ou pública, com exceção do Sindicato

dos Jornalistas e da União Brasileira de Escritores. O sr.

Fedeli, aí, revela-se mais que nunca o autêntico

charlatão manipulador, que joga com informações falsas

sabendo que o interlocutor não tem meios de conferi-las.

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

Objeto, indagando-lhe se o Padre a que o senhor teria pedido orientação


também pertencia à maçonaria do Grande Oriente.

Fedeli informa-me que o Padre é membro da maçonaria ocidental, e que


ambas as maçonarias estariam unidas nessa empreitada pois, assim
como judeus e romanos uniram-se para crucificar o Cristo, agora
também as forças maçônicas do oriente e do ocidente uniram-se
movidas pelo interesse comum de impedir a vitória do cristianismo.

Conheço o padre a que ele se refere. É um membro do grupo

fundado por Gustavo Corção e, como este, um antimaçom

ferrenho (coisa que eu próprio não sou, pois me permito ter as

minhas próprias idéias – nefando pecado! – sobre as relações

entre Igreja e Maçonaria, as quais idéias expus nos capítulos finais

de O Jardim das Aflições). Nada, nada na vida ou nos atos desse

sacerdote indica nem de longe qualquer ligação com a Maçonaria.

Ao perguntar-me de onde poderia o sr. Fedeli ter tirado idéia tão

estapafúrdia, a única hipótese que me ocorreu foi a seguinte: o

padre de que ele fala é um judeu convertido, e em geral os teóricos

da conspiração maçônica, como o sr. Fedeli, não falam só de

conspiração maçônica, e sim judaico-maçônica. Não vejo que

outra linha de raciocínio ele pode ter seguido, se é que isso é linha

e se é que é raciocínio.

12) (O que relatarei neste tópico e nos dois próximos foi discutido entre
a exposição dos argumentos contra o islamismo. Por eu não poder
precisar o ponto exato em que os temas foram abordados, e por serem
questões relativas apenas à sua filosofia e que em nada se relacionam

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

com o islamismo, tratarei delas em tópicos distintos, registrando, uma


vez mais que entre os temas não houve transição harmônica, razão pela
qual mantenho o esquema expositivo até aqui adotado.) Fedeli me diz
que a dialética [10] é gnóstica, pois teria função de paralisar e inutilizar
a razão, para que a intuição entrasse em operação e promovesse o
“conhecimento” na acepção gnóstica do termo. Para provar o papel
paralisante da dialética, toma uma caneta em suas mãos e me diz algo
bem próximo disso: “Olhe aqui. Isso aqui é uma caneta. Ou é ou não é.
Não tenho que ficar “dialetizando” nada. Para que ficar no ‘é caneta ou
não é caneta’?”

Mas que supremo idiota! Ele nem percebe que está dialetizando! A

conclusão inescapável é que ele não tem a menor idéia do que seja

dialética, pois não a reconhece nem quando ela sai da sua própria

boca.

Essa alternância “dialética” inviabilizaria o conhecimento racional,


possibilitando apenas o intuitivo. E, para Fedeli, o intuitivo, ao menos
na sua filosofia (não ficou claro a esse respeito o alcance da posição de
OF), seria, como já vimos e como veremos no próximo tópico, a
unificação das partículas divinas.

A interpretação que o sr. Fedeli faz da dialética bastaria para

arruinar – se valesse mais que um arroto de mico – todo o método

de Aristóteles e, junto com ele, a estrutura da disputatio

escolástica que modela a Suma Teológica de Sto. Tomás. Não creio

que devamos nos ocupar dessa hipótese.

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

Respondo a Fedeli que ele havia, para provar a função paralisante e a


inutilidade da dialética, recorrido a um objeto de experiência. Estou
“vendo” o seu texto Gilberto Freyre: Ciência Pessoal e Consciência
Social:

“Usamos, por exemplo, a palavra “física”, supondo que existe no


universo um campo, ou uma faixa, correspondente a objetos que
chamamos “físicos”. Mas com um pouco de estudo descobrimos
que essa palavra significava uma coisa para Aristóteles, outra
para Newton, outra para Planck.” .

Pergunto a Fedeli sobre como resolver o problema sem recorrer à


dialética para equacioná-lo. Ele me “responde”: “Evidentemente, só um
deles está certo. Os outros estão errados. Só há uma Física” [11] .

Credo in unum Deum transformou-se em Credo in unam

Physicam. E o gnóstico sou eu, porca miséria! Nunca esperei viver

o bastante para ver uma coisa dessas! Longe de mim a tentação de

discutir com o autor dessa doutrina, mas, para informação dos

demais, não custa lembrar que o método da física aristotélica é

dialético e que a crença em uma física absolutamente unívoca, sem

as ambigüidades e imprecisões que Aristóteles (um antecessor do

probabilismo) via em tudo quanto é da natureza sensível, é um

sonho gnóstico renascentista, do qual tratei em O

Jardim das Aflições. Não tive tempo nem sou paranóico

o bastante para ficar ciscando indícios de gnosticismo no

pensamento vivo de Orlando Fedeli, mas asseguro que

esse não é o único.

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

(Estou “vendo” o resto do texto [12] , mas sou incapaz de citá-lo, por
colocar o Sr. Fedeli em situação extremamente constrangedora. Neste
momento abateu-se sobre mim a máxima desolação).

13) Fedeli explica ao meu amigo o problema da intuição, da razão, e do


conceito. Diz a ele que conceito vem de conceber e que quem concebe é
a razão, e não a intuição. Esta consiste em ir em direção a, ao passo que
aquela é que, abstraindo, “conceberia”.

E abstrai de onde, caramba, senão dos dados intuídos?

Eis porque faltaria qualquer base ao que o senhor chama de


intuicionismo radical, que seria, para OF, apenas mais um elemento
gnóstico, resultado do seu menosprezo pela abstração e pela razão,
faculdade incapaz de apreender as centelhas divinas, centelhas estas
cuja apreensão se daria pela intuição [13] .

Lá vem ele de novo com a centelha divina. O objeto de intuição é a

forma presente. Se dentro dela há uma centelha divina ou não,

isto é problema do Orlando Fedeli, do qual nunca me ocupei.

14) Fedeli retomou a exposição sobre o Alcorão e no seu curso, não pôde
deixar de reparar em meu estado. Pede-me para que fale com ele e, com
simpatia, pergunta-me se estou magoado. Arrisca conjecturar que eu
estaria magoado pelo fato de ele estar atacando alguém de quem eu
gostava muito (o senhor). Nada mais longe do que de fato se passava
comigo, e que já descrevi. Balbucio algumas palavras, desolado.

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

14) Fedeli nos adverte que Jesus, em muitos casos, passava apenas uma
vez pela vida das pessoas, e que, portando, devíamos estar muito
atentos para que, quando ocorresse essa passagem, não a jogássemos
fora e nos condenássemos.

Essa ostensiva negação da misericórdia divina faz do sr. Fedeli um

herético de carteirinha. Jesus jamais nos abandona. Ele fica

conosco e bate à nossa porta até o último instante. Bate até à porta

de um renitente culpado de superbia como o sr. Fedeli. Não

temam, portanto: quando o sr. Fedeli voltar as costas a vocês,

dizendo “Não vos conheço”, Jesus ainda os conhecerá e amará

como sempre amou.

15) Fedeli se diz contrário a que freqüentemos o Seminário: nos explica


que sua missão é a de salvar jovens e que, nos últimos vinte anos, salvou
muitos rapazes e moças. Por isso, explica, pediu aos seus alunos que
ainda frequentavam o Seminário que levassem à presença dele rapazes e
moças – alunos apenas do Seminário - verdadeiramente dispostos a
conhecer.

Só quem salva é N. S. Jesus Cristo. O sr. Fedeli não pode se salvar

nem a si mesmo. Principalmente depois de dizer uma enormidade

dessas.

16) Temos de deixar a Montfort, em virtude de o último ônibus para


Curitiba estar quase de saída. Rezamos todos uma ave-maria, e Fedeli
pede a Nossa Senhora que nos ilumine. Suplica-lhe para que nos faça
ver a verdade, seja ela qual for e que, se for ele o mentiroso, não nos

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

deixe a mãe do Cristo retornar à Montfort.

Amilcar Nadu não retornou e, a cada dia que passa, mais se

mostra escandalizado com a demencial soberba do “salvador de

almas”. O voto do sr. Fedeli a Nossa Senhora está valendo, ou era

só para impressionar?

17) Fedeli coloca-se à nossa disposição, inclusive para vir a Curitiba


quando desejarmos. Diz que nos dará aulas sempre que quisermos, com
a única “condição” de nunca nos cobrar nada.

A generosidade com que o sr. Fedeli oferece gratuitamente seus

ensinamentos permite concluir que nem ele nem sua Associação

vivem deles – nem de mensalidades quaisquer, que seriam uma

forma indireta de pagamento das aulas, fazendo de seu

oferecimento um ardil, coisa que nem me passou pela cabeça,

evidentemente. Por outro lado, ele não deve ser um homem

ocupado com afazeres rentáveis, já que ocupa seus dias caçando

heréticos e estudando textos esquecidos de autores desprezíveis,

coisa que não lhe é de nenhum proveito material (e, creio eu, nem

mesmo espiritual, mas isto não vem ao caso). Sendo assim, e já

que ele se dispensa de qualquer averiguação antes de afirmar

resolutamente minha filiação a tais ou quais organizações

secretas, será que há de se ofender se eu perguntar – apenas

perguntar – quem, afinal, sustenta essa brincadeira toda? Ele não

é obrigado a me responder, nem eu a acreditar na sua resposta.

18) Ao nos despedirmos, retorno ao assunto do “Maometismo” e peço ao

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

Sr. Fedeli que me recomende as traduções do Alcorão que ele julgava


confiáveis, uma vez que a minha havia sido impugnada. Fedeli me
responde que há várias traduções. Peço-lhe que me recomende alguma,
e ele me diz para “ler qualquer uma, pois aquilo é tudo lixo do mesmo
jeito”.

Lixo são as remissões fingidas a livros nem lidos nem

consultados. Lixo é espalhar informações falsas

prevalecendo-se da impossibilidade em que o

interlocutor está de verificá-las. Lixo é usar um voto a

Nossa Senhora como blefe para impressionar a platéia.

Lixo é, em toda a linha, o exemplo que Orlando Fedeli dá

a seus alunos.

19) Fedeli nos leva a uma estação do metrô, e retornamos a Curitiba.

Notas

[1] O oferecimento de hospedagem não foi, de forma alguma, um ato de


mera gentileza. Posso dizê-lo com certeza porque quando frequentei o
extinto Seminário Literário, Bruno Tolentino incomodado com o fato de
eu ter de dormir em hotéis, indagou de modo indireto mas bastante
claro ao hoje aluno de Orlando Fedeli, se poderia ele me hospedar,
tendo obtido em resposta uma negativa que veio em forma de mudança
de assunto. Quando a mesma pessoa, que nunca antes havia me ligado,

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

telefonou-me oferecendo-se para hospedar-me, tive assim redobrados


os já significativos indícios de que havia o meu amigo recebido a
orientação superior de tentar “salvar-me”, orientação esta que, como
veremos, o senhor Fedeli explicitará ao final da nossa conversa.

[2] A demonstração das aplicações da TQD em campos como o da


Psicologia e de seu valor como armadura espiritual foram já fornecidas
oralmente a Luciane Amato, e por ela aprovadas.

[3] Note, por favor, que não havíamos tido, ainda, a aula do mês de
maio, em que o senhor explicou – inclusive com certas atualizações em
relação à terminologia usada na entrevista ao embaixador – as diversas
acepções

[4] E mesmo o termo identidade seria aqui equívoco. Fritof Schuon, por
exemplo, diferencia a “identidade substacial” da “identidade
essencial” (Da Unidade Transcendente das Religiões). Esta observação
me ocorrera concomitantemente à que estava verbalizando ao senhor
Fedeli, mas por absoluta incompetência minha, não a formulei. Cumpre-
me, aliás, registrar, que me foi tremendamente difícil expor o que expus
ao senhor Fedeli, em primeiro lugar, por incompetência e, em segundo,
porque, como registrei e como veremos, o senhor Fedeli, ao ser
contraditado, recorria a expedientes pouco dignos de um professor, e
menos dignos ainda de um “salvador de almas”, como ele se denomina.
Como forma de atenuar a minha culpa por tão imperfeita e precária
exposição, expliquei ao meu companheiro de viagem – que mal pôde
dormir - umas dez vezes e com cem vezes mais detalhes – cada objeção
do Sr. Fedeli.

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

[5] Em função dos inúmeros e surpreendentes mal entendidos acima


descritos, eu tentava, naquele momento, compreender as origens
daquela situação para que pudesse encontrar um ponto arquimédico a
partir do qual fosse possível e uma forma diplomática que tornasse
viável explicar ao senhor Fedeli algo da sua filosofia, em tom não
professoral ou polemista. Acostumado, como todos os alunos do
seminário, à má-fé dos comunistas - advogados à altura da causa que
defendem – surpreendeu-me, embaraçou-me e deprimiu-me, (como
reparou o próprio Sr. Fedeli e como veremos adiante) o fato de
encontrar um defensor do cristianismo como o diretor da Associação
Montfort. Minha intenção, àquela altura da conversa, já não era mais a
de ouvi-lo; era a de tentar encontrar um modo de fazê-lo ao menos
considerar a posição verdadeiramente preconceituosa que ele assumira.
A mudança de assunto exigiu de mim e talvez de todos um tremendo
esforço de concentração. No que me concerne, confesso que fui incapaz
de dirigir toda a minha atenção ao novo tema. Preocupava-me muito a
concepção errada que aquele defensor do cristianismo tinha da sua
filosofia.

[6] Naquele momento não me lembrei do endereço do site: http://www.


supervirtual.com.br

[7] A pergunta trazia explícita a regra de Fritojf Schuon, que apontou,


por exemplo, na Bíblia, a intervenção do Espírito Santo, proibindo a
pregação dos Apóstolos em área na qual posteriormente vingaria o
islamismo. Minhas preocupações, porém, eram de outro nível, bem
mais baixo e imediato: o que especificamente me movia a fazer aquela

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

pergunta era o fato de um cristão não perceber os flancos que abre ao,
extra muros, apontar como prova de falsidade de outra tradição o
critério de edição de seu livro. Que aconteceria aos cristãos do site se o
incauto Sr. Fedeli se abrisse um tópico no Fórum Sapientia e, sob o
olhar do Sr. Caio Rossi e outros tantos, lá formulasse as críticas
supradescritas ao Alcorão? Imediatamente choveriam textos, histórias
sob a seleção e edição de Evangelhos etc. Todos os que frequentaram
aquele fórum são, aliás, testemunhas do assanhamento que as
discussões sobre as “tradições” provocam nesse tipo de gente, que tenta
realizar o desejo que o Sr. Otávio Frias sintetizou de modo exemplar:
que as religiões se anulem umas às outras. Eu já havia advertido os
alunos do Sr. Fedeli, desde o segundo mês da polêmica, a não atirar
pedra em telhado alheio sem antes verificar o estado do seu o próprio.
Aconselhei a todos que seguissem as regras de Schuon e as suas.
Exemplifiquei minhas assertivas e deixei claras as minhas
preocupações. Especialmente porque o seu artigo publicado em O Globo
sobre o tema ainda não havia sido escrito, coube-me alertá-los das
possíveis consequências dos ataques que porventura viessem a fazer às
outras tradições.

[8] O fato de o Sr. Fedeli achar que eu formulara a pergunta


maliciosamente, quando o fiz movido pelas preocupações acima
externadas, só aumentou o meu abatimento. Eu, que já me encontrava
afundado na cadeira, desabei de uma vez. Incapaz de encontrar uma
solução, passei a olhar para o vazio. Era esse o quadro que eu via: fala-se
mal de Karl Marx e aparecem, de todos os lados, críticos. Fala-se de um
assunto importantíssimo, espinhoso e novo aos olhos do público, como

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli
o da unidade das religiões (Lembrete de Natal) e ninguém dá a mínima,
o que assinala o total descaso pelos temas religiosos. Num cenário
desses, qualquer manifestação de alguém que pretenda “defender” o
cristianismo é, a princípio, auspiciosa, por assinalar que ao menos existe
preocupação com o assunto, por pouco culto que seja o defensor.
Porém, o auspício transformou-se em suplício, em função do que relatei.
Eu mal conseguia me sustentar, e o clima era o de um velório; nada
mais distante de um ambiente polêmico e mesmo jocoso, que
provavelmente teria lugar se a discussão fosse com um irredutível
petista a respeito de Cuba.

[9] Ocorria-me naquele momento o caso da Professora Luciane Amato.

[10] Não me foi possível, embora eu tenha tentado, apurar o que o


senhor Fedeli entende por dialética. Ele, no início desta discussão, me
perguntou em tom desafiador o que eu entendia por dialética e, quando
iniciei a resposta, explicando-lhe que a dialética, tal como o senhor a
empregava, era a ... Fedeli interrompeu-me, sentenciando que só existia
uma dialética, e passou a exemplificar os seus efeitos com a caneta.
Assim, achei lícito presumir que, para o Sr. Fedeli, a dialética, a “única
que existe” é sempre gnóstica. Empreendi uma pesquisa no site da
Associação Montfort, de onde retirei esse excerto bastante esclarecedor:

“A DIVINDADE DIALÉTICA

A metafísica católica se fundamenta na verdade de que o ser é o que é.

Tal é o princípio de identidade. Todo ser é idêntico a si mesmo. Disso


decorre o principio da não contradição: uma coisa não pode ser ela

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

mesma e outra, ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto.

E isto é assim porque o próprio Criador de todas as coisas é idêntico a Si


mesmo. Essa realidade é confirmada pela Revelação e pela Teologia. "Eu
sou aquele que é", disse Deus, o Ser absoluto, a Moisés no Sinai.

Contrariamente, a dialética - no sentido metafísico do termo - nega a


identidade do ser, o que é uma característica da gnose.

A visão dialética do ser sustenta que este possui, em si mesmo, dois


princípios absolutamente iguais e contrários, em constante oposição.
Imanente a todo ser haveria um constante antagonismo de dois
princípios ou forças opostas que, sendo iguais, se anulariam, causando
uma instabilidade tal que nada seria jamais idêntico a si mesmo.

Os que admitem a dialética afirmam que de tal modo as coisas estão


constantemente mudando que, na realidade, sequer se poderia dizer que
existe a coisa que muda, mas apenas a mudança, o devir. Portanto, não
haveria ser.

Foi o que ensinou, por exemplo, Heráclito.”

(www.montfort.org.br/veritas/mestre.html)

Também Guimarães Rosa é apontado por Fedeli como gnóstico, e sua


dialética apontada como prova do gnosticismo. E, em seu texto sobre o
romantismo alemão, Fedeli dirá que aquele do movimento tem
formulações de natureza paradoxal ou, “mais precisamente, dialética”.

[11] Em função do texto que reproduzi na nota anterior, pude

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

compreender posteriormente o que Fedeli pretendia dizer com o seu “só


há uma Física”. Quando citei a ele a multiplicidade de significados do
termo, Fedeli inexplicavelmente achou que aquilo seria o mesmo que
defender múltiplas mudanças, paradoxais e contraditórias, na realidade
a que o vocábulo se referia. Isso, aliás, atesta mais uma vez um completo
desconhecimento da sua filosofia. A leitura do próprio texto sobre
Gilberto Freyre deixaria bem clara ao Sr. Fedeli a improcedência de sua
suposição. E, o texto “Os três estratos do conceito” colocaria por terra
qualquer dúvida remanescente, ao esclarecer e delimitar
inequivocamente o as relações entre uma palavra, seus diversos
alcances, a intenção de quem a usa e a realidade mesma. Registre-se,
porém, que a minha exposição não deixou margem a dúvidas. Registre-
se ainda que, do fato de haver uma só realidade, evidentemente não se
pode deduzir a inutilidade da dialética, cuja necessidade é atestada pelo
exemplo acima citado e pelo trecho abaixo transcrito. Fedeli deduzia
ainda do fato de haver uma só Física outro fato: o de que apenas um dos
cientistas estaria correto. Não poderiam todos estar errados e nem
parcialmente certos. Esta confusão eu a percebi imediatamente, mas,
novamente, para não embaraçar terrivelmente o Sr. Fedeli, só vim a
comentá-la na viagem de volta, com a outra testemunha que subscreve
este relato.

[12] “Aí não temos alternativa senão perguntar se essas três


significações dadas à palavra designam três aspectos percebidos
sucessivamente no mesmo objeto ou três objetos completamente
diferentes. No primeiro caso, contraímos a obrigação de descobrir qual
a unidade ou substância da qual esses três aspectos são as propriedades

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

ou acidentes. E, quando tivermos a felicidade de descobri-lo, teremos


inaugurado uma quarta acepção da palavra física, incumbida de
designar o estudo científico do objeto unitário cujos aspectos separados
foram estudados sucessivamente por Aristóteles, Newton e Planck. Na
segunda hipótese, isto é, se descobrimos que o termo escolhido
designou historicamente três objetos diversos e independentes, o
problema que isto nos coloca é mais espinhoso ainda: trata-se agora de
saber se as distinções entre as três ciências que receberam ao longo do
tempo o mesmo nome de “física” correspondem a distinções objetivas,
isto é, às fronteiras que separam os entes entre si, ou se refletem apenas
três distintas direções possíveis da atenção humana, projetada
acidentalmente sobre entes, propriedades e acidentes escolhidos a
esmo.”

[13] Na viagem de retorno, expus ao meu amigo o equívoco cometido


pelo senhor Fedeli. Expliquei a ele que em “Os três estratos do conceito”
estava apontada a origem etimológica do termo. Tanto em latim quanto
em alemão, o termo remete à noção de “pegar, agarrar” várias coisas ao
mesmo tempo. Ora, “pegar, agarrar”, requer evidentemente que se “vá
em direção” do objeto. Longe, portanto, de excluir, o conceito exigia a
faculdade intuitiva. Ao senhor Fedeli nada foi dito, pois já havia ficado
claro que seria inútil argumentar com quem não estava disposto a me
ouvir, e que havia havia se dispensado de examinar o texto em tela..

Assinalei ainda a falsa sensação – falsidade registrada em seus textos -


que temos de poder opor um conhecimento “racional” à “intuição”. A
análise etimológica e todas as suas considerações, disse-lhe, deveriam
servir para que, nós próprios observássemos o nosso modo de conhecer.

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O método de aliciamento do sr. Orlando Fedeli

Esta simples auto-observação bastaria (como me bastou) para atestar a


veracidade do intuicionismo.

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu


menino-de-recados

Esse menino, Felipe Coelho, andou freqüentando meus cursos e

ali cumpriu seu papel de alcoviteiro a serviço de seu guru Orlando

Fedeli, acreditando que com isto alcançaria a salvação da alma.

Por isto julguei conveniente publicar aqui mais esta sua fofoca

eletrônica, distribuída em 15 de julho de 2001 a seus ex-colegas do

Seminário de Filosofia. Não imagine o leitor que o signatário

entre na peleja como alguém que, tendo-a observado de longe e

com neutralidade, finalmente toma partido. Se fosse isso, sua

opinião poderia até valer alguma coisa, e essa é a impressão que

ele talvez procure dar aqui, mas desde o início este garoto foi o

principal instrumento de ação do sr. Fedeli, tendo na sua folha de

serviços alguns notáveis feitos de difamação bem conhecidos de

seus ex-colegas. Sem grave imprecisão ele poderia até declarar:

“Orlando Fedeli, c’est moi.” Esta mensagem, de fato, não é a

primeira. É apenas a seqüência do renitente assédio de e-mails

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

com que os agentes do sr. Fedeli cercam meus alunos, a mando

dele, no intuito declarado de tirá-los do Seminário de Filosofia e

levá-los àquilo que ele imagina ser o céu. O empreendimento não

obteve grande êxito, pois só foram para os braços do sr. Fedeli os

dois ou três que tinham vindo de lá. Durante um tempo

representaram o papel de meus alunos só para depois poderem

encenar uma “ruptura” escandalosa. No ambiente de cursos livres,

em São Paulo, “operações” desse tipo são coisa endêmica, mas,

por mais que as veja repetir-se desde a década de 70, não me

acostumo com elas, e sempre me pegam desprevenido. Segue,

pois, a amostra, com alguns comentários meus em vermelho. - O.

de C.

Carta aberta de um ex-aluno a Olavo de Carvalho,


sobre sua gnose

Felipe Coelho

Enquanto meu professor, Orlando Fedeli, não comenta o último


protesto do Sr. Olavo de Carvalho contra a denúncia de sua gnose, eu,
Felipe Coelho, Católico, ex-aluno deste último, comentarei brevemente
alguns pontos de sua tentativa de resposta, entitulada "Mais um golpe
de teatro do charlatão Orlando Fedeli".

O texto do Prof. Orlando Fedeli, como o próprio título indica, não trata

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

apenas do Sr. Olavo de Carvalho, mas também de René Guénon, de


modo que o Sr. Olavo não deveria ter ficado tão lisonjeado com sua
extensão. O que o Prof. Fedeli de fato fez foi aproveitar a deixa para dar
uma mini-aula de gnose, a partir dos "quatro itens da gnose" do "Aviso
2" do Sr. Olavo, com o objetivo principal de esclarecimento dos alunos
deste que porventura sejam ou possam vir a ser Católicos.

A incapacidade de distinguir sentido reto e oblíquo é característica

do leitor enlouquecido pelo ódio e pelo medo. A lisonja a que me

referi foi dita cum grano salis, mas a sutileza escapou tanto a

Fedeli quanto ao fedelho.

Acrescente-se ainda uma citação do próprio Sr. Olavo de Carvalho


corroborando este procedimento: "Não discuti com eles em meu livro
nem vou fazê-lo agora, porque vigarice (intelectual ou qualquer outra) é
coisa que não se discute: vigarice se denuncia, e pronto" (Olavo de
Carvalho, "Por uma Esquerda Melhorzinha", in O Imbecil Coletivo, 2ª
ed., Rio de Janeiro, Faculdade da Cidade, p. 390). Foi o que fez o Prof.
Fedeli: desafiado, denunciou e provou a gnose de Guénon e Carvalho.

Chegamos assim ao cerne da questão: afinal, do que o Sr. Olavo de


Carvalho está sendo acusado? É óbvio que não é de ser um seguidor das
doutrinas de Valentino, Basílides, do gnosticismo dos primeiros séculos.

Há aí duas definições da Gnose. Uma, a do gnosticismo dos

primeiros séculos, corresponde a um fenômeno histórico definido

e a uma heresia condenada pela Igreja. A outra, a de uma Gnose

em sentido amplíssimo que abrange praticamente todas as

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

expressões espirituais e religiosas não cristãs (e mesmo as cristãs

que apresentem algum parentesco mesmo remoto com elas), é um

conceito interpretativo possível, mas a Igreja nem subscreve esse

conceito nem emitiu jamais qualquer decreto que condenasse

como herética a entidade hipotética aí definida. Logo, sou acusado

de que?

(Um terceiro conceito possível de gnose é o de Voegelin. O

gnosticismo ou gnose, aí, corresponde a um fenômeno histórico

contínuo, especificamente ocidental, cuja evolução se estende

desde o gnosticismo dos primeiros séculos até as ideologias

totalitárias do século XX. Este conceito, que me parece o único

razoável, obviamente exclui do âmbito da gnose-heresia as

tradições orientais que o sr. Fedeli nela inclui.)

O próprio estudo do Prof. Fedeli mostra a gnose presente no sufismo, na


cabala, no hinduísmo, e em vários autores de diversas origens
apontados pelo Sr. Olavo como grandes homens espirituais, ficando
claro portanto que a acusação não é de pregar a heresia cristã dos
primeiros séculos.

Sempre a confusão entre a “presença” de elementos soltos e a

identidade da forma total.

A insistência do Sr. Olavo neste ponto tão evidente é no mínimo


estranha. É óbvio também que não se trata de "gnose" como mero
sinônimo de "conhecimento", pois neste caso não haveria razão para se
utilizar o primeiro termo em vez do segundo.

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

Falsificação do sentido de minhas palavras. Uso em geral gnose

para designar o conhecimento especificamente espiritual e não

como sinônimo de conhecimento em geral; e gnosticismo para

designar o fenômeno apontado na definição de Voegelin. Quando

quero me referir ao gnosticismo dos primeiros séculos, uso mais

freqüentemente “heresia gnóstica”. Se o sr. Fedeli e seu fiel

escudeiro consentissem em interpretar meus termos no sentido

que estes têm nos meus textos, e não naqueles que sua própria

imaginação projeta sobre eles, tudo ficaria mais claro. Mas isso

não serve para quem só pretenda jogar lama na água e tirar

proveito da confusão.

A gnose de que o Sr. Olavo de Carvalho é acusado é uma modalidade de


conhecimento específica: trata-se da doutrina herética do conhecimento
direto e unitivo de Deus pelo homem - ou melhor, por aquilo que
haveria de divino no interior do homem -, realizado por meio de uma
intuição que eliminaria a distinção entre sujeito cognoscente e objeto
conhecido - entre o homem, o mundo e Deus -, pois no fundo só Deus
existe, e tudo que há de individual é ilusório.

É absurdo o Sr. Olavo querer dizer que Santa Teresa tinha este tipo de
conhecimento de Deus quando lhe aparecia Nosso Senhor. É claro que,
ao vê-Lo, ela permanecia Teresa, e Ele, Jesus.

Ora, se citei o exemplo da visão de Sta. Teresa é porque é

precisamente esse tipo de conhecimento que tenho em vista ao

falar de gnose, e não algum outro tipo de “conhecimento unitivo”

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

hiperbólico e, a rigor, autocontraditório, que não sei onde esse

moleque pode ter encontrado nos meus escritos (a não ser que ele

confunda o tipo de conhecimento a que me refiro em meus

estudos de gnoseologia -- como por exemplo “Ser e Conhecer” --

com o conhecimento de Deus! Mas isto já seria loucura demais.)

Na verdade, essa noção hipertrófica de conhecimento unitivo não

se encontra nem mesmo na linha mestra do sufismo, a de

Mohieddin Ibn Arabi, metafísico “da unidade absoluta” que, no

entanto, proclama claramente que no ápice de todo conhecimento

unitivo subsiste a dualidade do fiel e de seu Senhor, unidos tão

somente pelo vínculo do amor. Exatamente como na visão de Sta.

Teresa. Se essa visão é chamada “unitiva”, é no preciso sentido em

que aqueles que se unem pelo amor são um só embora

permaneçam existencialmente distintos. Tal é o motivo pelo qual,

aliás, Teresa nesse instante diz a Jesus (não lembro se são

precisamente as palavras textuais): “Tu és Aquele que é – eu sou

aquela que não é” – declaração que afirma, ao mesmo tempo e

inseparavalmente (“dialeticamente”, para horror do sr. Fedeli), a

dualidade de criatura e Criador e a nulidade da criatura ante o

Criador. Não há rigorosamente diferença nenhuma entre essa

perspectiva e a de Ibn ‘Arabi, embora haja muita entre ambas e

uma perspectiva gnóstico-herética (real ou suposta) na qual a

“unidade” fosse interpretada como “identidade”.

Mas, como o Coelhinho só conhece do sufismo o que lhe diz o sr.

Fedeli, é possível que ele imagine que o sufismo é outra coisa.

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

(Num outro documento, o sr. Fedeli, querendo por toda lei lançar

a pecha de herético sobre o esoterismo islâmico, reduz este ao

ismaelismo, que é apenas uma seita dentro de uma seita (isto é, do

shi’ismo) e nada tem a ver com as ordens sufis tradicionais, que o

condenam explicitamente. Mas isto é assunto para outra ocasião.)

Quanto ao demônio, conhece apenas a existência de Deus, não sua


essência, e como se viu acima é justamente a essência de Deus que os
gnósticos pretendem conhecer.

Curioso. Então por que no sufismo o hadith do Profeta, “Meditai

as qualidades, jamais a essência”, é considerado uma regra áurea

da prática espiritual? (Por “qualidades”, entendem-se os 99 nomes

de atributos de Allah que constam no Corão.)

Quanto à salvação, o Sr. Olavo de Carvalho disse recentemente: "Isso


não quer dizer que o Papa esteja errado ao afirmar que o cristianismo é
a única via de salvação. Como poderia estar errado, se o conceito mesmo
de 'via de salvação' não se aplica ao Islã ou ao judaísmo?" (Olavo de
Carvalho, "Mensagem de Natal", O Globo, 23.12.2001). Das duas uma:
ou o Sr. Olavo aqui admite que, não sendo vias de salvação, o
maometismo e o judaísmo levam ao inferno, e neste caso seria Católico;
ou então, como é evidente, o Sr. Olavo adere a uma escatologia não-
Católica e gnóstica, e defende também a doutrina de que nem todos
precisam ser salvos, que a salvação não exige uma fé determinada e
certa, pois bastaria o conhecimento. E isso é gnose.

Non sequitur: “se” não são vias de salvação, “portanto” levam ao

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

inferno. Esse menino é mesmo um traslado fiel da lógica fedélica.

Aliás, Frithjof Schuon, que até muito recentemente o Sr. Olavo de


Carvalho considerava "homem espiritual de primeiro plano e
formulador do único método válido já concebido para a comparação e
aproximação das religiões" (in O Jardim das Aflições, 2ª ed., É
Realizações, São Paulo, 2000, p. 308),

(considero ainda, mas, ao contrário de Fedelis e Felipes,

compreendo a distinção entre respeitar um homem espiritual e ser

seu discípulo)

trata a fé exatamente como o Sr. Olavo, como caminho para a gnose: "A
Fé não poderá opor-se ao Conhecimento [de Deus, ou seja, a gnose] da
qual é, ao contrário, como vimos, um modo iniciático..." (Frithjof
Schuon, Da Unidade Transcendente das Religiões, Trad. Fernando
Guedes Galvão, Livraria Martins Editora S.A., São Paulo, 1953, p. 184).

Completa distorção do sentido do texto de Schuon: “modo

iniciático” não quer de maneira alguma dizer “caminho para a

Gnose”, no sentido em que o caminho deve ser abandonado uma

vez atingida a meta.

E, sobre a natureza do conhecimento gnóstico, o mesmo autor afirma:


"Acrescentamos que no ponto de vista iniciático esta visão [a Visão
Beatífica] pode, e deve até, obter-se ainda nesta vida..." (ibid., p. 179). E
ainda: "...até existem métodos para obter esta graça que equivale, em
suma, a uma 'concretização' da 'visão beatífica'." (ibid., p. 157). (O Sr.

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

Olavo deve lembrar-se de ter lido isto, pois, no parágrafo anterior a este
último trecho citado, encontra-se detalhada por Schuon a comparação
blasfema entre a Virgem Maria e Maomé que o Sr. Olavo resumiu em
seu artigo "Mensagem de Natal", O Globo, 23.12.2000). Registre-se
ainda que, como tudo isso é condenado pela Igreja Católica, Schuon
refere-se a Ela com total desprezo: "A Igreja latina, com seu idealismo
sentimental e irrealista..." (Frithjof Schuon, O Esoterismo como
Princípio e como Caminho, Ed. Pensamento, p. 189).

Reconhecer na Igreja o seu elemento de idealismo sentimental e

irrealista não é de maneira alguma “referir-se a Ela com total

desprezo.” Páginas e páginas de apologia da Igreja escritas por

Schuon são aí suprimidas pela tesoura deixada nas mãos de um

moleque.

Continuando, é notável que o Sr. Olavo de Carvalho confesse aqui não


renegar nada do que escreveu antes de 1995, com exceção de seu artigo
sobre a "gnose de Princeton". Isto significa que não renega o artigo
citado pelo Prof. Fedeli em que apóia as doutrinas defendidas por
Guénon em O Demiurgo (Cf. Olavo de Carvalho, "O Homem e sua
lanterna. René Guénon o Mestre da Tradição contra o Reino da
Deturpação", in Revista Planeta, nº 107, agosto de 1981, p. 17),
doutrinas estas que se enquadram até naqueles seus quatro itens da
gnose, feitos para mascarar a sua própria gnose.

Afinal, o Sr. Olavo de Carvalho confessa mais uma vez que é gnóstico.
Abaixo vai o texto do Prof. Fedeli, seguido da mais atual confissão do Sr.
Olavo de Carvalho, ao comentá-lo (o sublinhado é meu):

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

"Até hoje, ele afirma que há algo superior à fé e às crenças de todas as


religiões - a 'Tradição' primordial - núcleo comum a todas elas. Esse
núcleo ele mesmo o chamou de Gnose. E é esse suposto núcleo que
permite a ele dizer-se, ao mesmo tempo, católico-judeu-islâmico."

Até aqui o Prof. Orlando Fedeli. A seguir, a nova confissão de gnose de


Olavo de Carvalho:

"A existência desse núcleo não é uma doutrina: é um simples fato


empírico, facílimo de comprovar (cf. Whitall N. Perry, A Treasury of
Traditional Wisdom, Pates Manor, Bedfont, Perennial Books, várias
edições). Chamá-lo gnose, tradição, sabedoria perene, filosofia perene
ou qualquer outra coisa é absolutamente indiferente. Todo homem que,
além de conhecer esse fato, admita a veracidade intrínseca e essencial
do referido núcleo de princípios é um “gnóstico”, no sentido lato em que
porventura caiba chamar-me assim, e por isto mesmo não pode ser um
gnóstico no sentido específico em que o sr. Fedeli me acusa de sê-lo, de
vez que a heresia gnóstica, por seu dualismo e sua revolta prometéica
contra a ordem divina, nega frontalmente esses mesmos princípios."

Como já se viu, é precisamente da gnose que o Sr. Olavo reconhece


defender, e não da heresia dos primeiros séculos, que o Prof. Orlando
Fedeli o acusa. Ademais, já foi demonstrado pelo Prof. Fedeli que todos
os especialistas no assunto consideram o gnosticismo (a heresia dos
primeiros séculos) uma espécie do gênero gnose (substrato ou núcleo de
várias heresias). O argumento do Sr. Olavo para negar este fato e
defender a "boa gnose", por meio da alegação de que o gnosticismo seja

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

um "falso conhecimento", é semelhante ao argumento dos comunistas --


que o Sr. Olavo de Carvalho tanto condena, e faz bem de condenar -- ao
afirmarem que o "verdadeiro comunismo" permanece bom após as
experiências genocidas de Stálin, Lênin, Mao e cia., pois estas seriam
"falso comunismo"...

A comparação é simplesmente calhorda. O “bom comunismo” é

apenas uma promessa jamais cumprida, ao passo que uma gnose

sem qualquer comprometimento com a heresia existe há milênios.

Nenhum historiador sério aceitou jamais a tese do sr. Fedeli, que

identifica hinduismo, budismo, islamismo, judaísmo etc. como o

tronco geral de onde sai a espécie de gnosticismo conhecida nos

primeiros séculos da era cristã. O sr. Fedeli é que, partindo da

definição geral que os historiadores dão, a manipula e a aplica

indevidamente a todas essas religiões, criando um elo hipotético

entre elas e a gnose-heresia. Ao apelar à autoridade desses

historiadores, o sr. Fedeli nada mais faz do que falsificar o sentido

do que eles dizem, como falsifica o sentido dos meus textos.

O Sr. Olavo de Carvalho citou recentemente Hans Jonas como "o mais
famoso historiador da gnose", numa breve nota na qual fala em "o
rótulo de gnose (no sentido estrito de Hans Jonas)" (Olavo de Carvalho,
nota a "A face oculta do mundialismo verde", de Pascal Bernardin, in
<http://www.olavodecarvalho.org/convidados/bernardin2.htm>).
Logo, o Sr. Olavo aceita que Hans Jonas usa gnose no sentido estrito,
sentido que é condenado pela Doutrina Católica. Veja-se então o que diz
Hans Jonas: "Na verdade, houve apenas alguns grupos cujos membros

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados
se denominaram expressamente 'gnósticos', 'os que conhecem'; mas já
Sto. Irineu, no título de sua obra, usou o nome 'gnose' (com o acréscimo
de 'falsamente chamada assim') para abranger todas as seitas que
compartilhavam com eles esta ênfase [no conhecimento como meio de
obter a salvação ou ele mesmo como forma de salvação] e certas outras
características.

1) Quem usa o termo gnose nesse sentido – que Sto. Irineu

considera falso – é o sr. Fedeli, não eu. Sinceramente: essa

manipulação de significados já passou de todos os limites do

tolerável.

2) Que eu reconheça ser Jonas “o mais famoso historiador da

gnose” não implica que eu use os termos no sentido que ele lhes

dá.

3) De novo: onde foi que defendi o “conhecimento como meio de

obter a salvação”?

Se, de um lado, não sou acusado de pregar a heresia dos primeiros

séculos e, de outro, nunca preguei o “conhecimento como meio de

obter a salvação”, então, pergunto de novo: de que raio de coisa

afinal me acusam?

Neste sentido podemos falar de escolas, seitas e cultos gnósticos, de


escritos e ensinamentos gnósticos, de mitos e especulações gnósticas, e
mesmo de uma religião gnóstica em geral. Seguindo o exemplo dos
autores antigos que primeiro extenderam o nome [gnose] para além da
autocomposição de alguns grupos, não somos obrigados a parar onde

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

parou seu conhecimento ou interesse polêmico, e podemos tratar o


termo como um conceito classificatório, que se aplica onde quer que as
propriedades definidoras estejam presentes." (Hans Jonas, The Gnostic
Religion, 2nd edition, Beacon Press, Boston, 1991, p. 32, sublinhados
meus).

Sim, mas uma propriedade definidora essencial – a tal

“salvação pelo conhecimento” – está completamente

ausente das minhas supostas “confissões”. Quantas

vezes será preciso pedir a esses tenazes difamadores que

provem esse ponto, que eles mesmos dizem essencial e

de cuja demonstração vêm fugindo há mais de 160

páginas?

Não só os especialistas, mas também o já citado Frithjof Schuon, que faz


a mesma distinção entre gnose e gnosticismo, admite que o gnosticismo
pode ser chamado validamente de gnose -- e da gnose que defende! --
conforme cita-o o Prof. Fedeli em seu trabalho: “Se nós não 'reduzimos'
o sentido da palavra [Gnose] a este sincretismo, nós admitimos
entretanto que, de toda evidência e por razões históricas, que se
chamem de 'gnósticos' também os hereges designados
convencionalmente por esse termo” (F. Schuon, Comprendre l‘Islam,
Ed. du Seuil, Paris, 1976, p. 137, nota 1; apud Orlando Fedeli, A Gnose
"Tradicionalista" de René Guénon e Olavo de Carvalho, in <http://
www.montfort.org.br/cadernos/guenon.html>).

Manipulação de frases, de novo. Se Schuon admite que se use o

termo gnóstico também para designar a heresia dos primeiros

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

séculos cristãos, é óbvio que ele dá ao termo, em geral, outro

sentido.

Ao mesmo tempo em que agora tenta se desvencilhar de Schuon, o Sr.


Olavo de Carvalho aponta a obra principal de Whittal N. Perry como
probante da doutrina herética do núcleo comum das religiões, que seria
a "boa gnose". Justo este livro de Perry que o editor da revista
guénoniana Symbolos, ao resenhá-lo, diz ser nada menos que "una
especie de biblia schuoniana"! (Cf. Federico González, in <http://
personal5.iddeo.es/jmrio/libfg26.htm>). E ainda acrescenta: "Este libro
es tomado como una enciclopedia casi sagrada de sabiduría por los
estudiantes schuonianos de habla inglesa. (...) Sin entrar en la vida
privada de nadie diremos que el mismo M. Koslow señala a Perry como
el colaborador directo de Schuon y a su esposa como íntimamente
allegada a su familia, con quien todo lo comparten; por lo que deben ser
considerados como sus portavoces autorizados o los asociados más
íntimos del suizo; incluso viven en casas vecinas." Aí está: Perry é porta-
voz de Schuon, e o trabalho citado pelo Sr. Olavo como evidência para
seu "ecumenismo radical" é nada menos que uma "bíblia schuônica".
Além disso, o próprio nome da editora do livro de Perry, Perennial
Books, é significativo e mostra sua ligação com a seita "perenialista" de
Schuon. Acrescente-se ainda que o mesmo Perry afirma que este seu
livro foi inspirado no desejo de Ananda Coomaraswamy, amigo de
Guénon, de um dia ter uma suma do pensamento gnóstico, obviamente
para se contrapor à Suma Teológica, de S. Tomás, pilar da Igreja
Católica.

Característica aplicação do método fedélico: mil e tantas páginas

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

de fatos concordantes reunidos no livro de Perry são impugnadas,

num estalar de dedos, por meio de fofoquinhas sobre as ligações

de família do autor! Mais ainda, o menino aí se revela um bom

aprendiz do fabricante de “confissões” que lhe serve de guru. No

texto referido, Perry não diz nada do que Felipe Coelho o faz dizer.

Ele nem fala em “suma do pensamento gnóstico” nem manifesta

qualquer intenção, muito menos uma intenção “óbvia”, de “se

contrapor à Suma Teológica de S. Tomás”, da qual, bem ao

contrário, vários textos são incluídos na coletânea.

Finalmente, o Sr. Olavo cita dois pretensos erros do Prof. Fedeli, que
supostamente trocaria o sujeito de suas frases. Vejamos. No primeiro
caso, Olavo afirma: "Digo, por exemplo, que com tal ou qual argumento
ele 'cortou seu próprio pescoço' - e ele entende que eu estou ameaçando
cortar o seu pescoço". Ora, em seu "Aviso 1" Olavo dissera: "Por
enquanto, não há mal em que o sr. Fedeli vá curtindo sua ilusão de ser
um novo S. Jerônimo, de ter cortado a língua a um infiel (sic). Logo ele
verá que cortou mais é seu próprio pescoço". E isso não é uma ameaça?
Se eu digo a alguém: "Você, ao me acusar, assinou sua própria sentença
de morte", não o estou ameaçando? Por favor.

Nova manipulação, agora do sentido de uma figura de linguagem.

O fato é que escrevo para pessoas que têm sensibilidade para as

nuances de estilo, mas sempre me arrisco a ser lido por um Felipe

Coelho qualquer, cuja cultura literária é a de quem escreve

“entitular” em vez de “intitular” e “extenderam” em vez de

“estenderam”. Duas metáforas em contraponto, sobretudo se

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

compostas de termos que designam um mesmo tipo de objetos e

reforçadas por uma alusão literária, são obviamente

complementares e têm de ser compreendidas uma em função da

outra. À expressão de Léon Bloy, “cortar a língua”, fazem pendant,

quase na mesma linha, as minhas palavras “cortar o pescoço”. É

evidente que, se a primeira dessas expressões não promete

nenhum dano físico, mas apenas desprover o adversário de sua

força de agressão retórica, no mesmo sentido, mutatis mutandis,

deve ser interpretada a segunda. Mais enfaticamente ainda, a

expressão não anuncia que eu vá cortar o pescoço do sr. Fedeli,

mas que este vai cortar seu próprio pescoço, o que, no contexto,

quer dizer obviamente que vai fazer um suicídio argumentativo.

Que se trata de uma alusão literária é coisa que se torna mais

patente ainda pelo fato de que as mesmas palavras de Bloy já

foram citadas como epígrafe de meu livro O Imbecil Coletivo. Para

interpretar isso como ameaça de agressão física, mediante uma

comparação descabida com uma sentença imaginária, é preciso

uma dose extraordinária de má-fé, aliada à ignorância presunçosa

e ao fanatismo cego – ou seja, tudo aquilo que esse menino

aprendeu na escolinha do sr. Fedeli.

Nesses detalhes de interpretação é que se revela melhor o tipo de

olhar – malicioso, perverso e delirante – com que essa gente lê os

meus escritos.

Em contrapartida (veja-se o depoimento anexo de Amilcar Nadu),

como haverá o garotinho de interpretar a ameaça fedélica de me

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados

“dar um pau”, proferida oralmente e sem nenhuma alusão literária

possível? Alegará que ela é “apenas um modo de dizer”, enquanto

um elaborado jogo de metáforas deve ser interpretado segundo

um literalismo grosso, malicioso e redutor?

E veja-se que o Sr. Olavo, em seu "Aviso 2", diz ainda que a denúncia do
Prof. Fedeli "não habilita o sr. Fedeli a receber outra resposta senão
uma que o Código Penal me proíbe: um tapa na cara". Para piorar, o
segundo "erro" consegue ser ainda mais tolo, pois o Sr. Olavo afirma:
"Digo que seus alunos estão assustados e perplexos - e ele entende que o
estou acusando, a ele, de assustar os meus alunos". Reparem bem que
foi exatamente isso que o Sr. Olavo disse em seu "Aviso 3" (os negritos e
o sublinhado são meus): "Respondi às suas acusações, de fato, não por
mérito delas ou de seu autor, mas apenas em atenção a dois ou três
garotos que, sendo alunos dele, também são meus, e que
enquanto o forem terão o direito de obter de mim, na medida em que eu
possa dá-las, as explicações necessárias a tirá-los do estado de
perplexidade e confusão em que tipos como o sr. Fedeli os
jogam para dominá-los."

Novamente, distorção do sentido das minhas palavras, para

produzir uma contradição que não existe. Não foi enquanto meus

alunos que esses meninos puderam ser assustados pelo sr. Fedeli,

e sim, obviamente, enquanto alunos dele. Aliás o próprio Felipe –

o mais perplexo e assustadinho de todos, tão cioso de salvar sua

alminha que por ela não hesita em jogar ao lixo as mais patentes

verdades – já nem era mais meu aluno, mas, por polidez, fiz

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Mensagem do sr. Fedeli, através de um seu menino-de-recados
questão de tratá-lo como se ainda o fosse.

De qualquer forma, isto é uma questão de pouca importância;


fundamental é que ficou provado que o Sr. Olavo de Carvalho não é
Católico, nem judeu, nem muçulmano. É gnóstico.

Diante da qualidade de seus argumentos, não surpreende que o Sr.


Olavo encha sua "defesa" de "adjetivos" ao Prof. Orlando Fedeli. A mim,
quanto mais o Sr. Olavo de Carvalho desce o nível da discussão, mais
lamento ter sido um dia seu aluno.

In Iesu et Maria,

Felipe Coelho.

12.07.2001

A mentira proferida em nome de Jesus e Maria, com fé e

obstinação, é o caminho que o sr. Fedeli ensinou esse menino a

trilhar.

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

Dois estudos sobre Aldous Huxley

Olavo de Carvalho

Prefácios a Admirável Mundo Novo e A Ilha,


escritos para a reedição dessas obras pela Editora Globo, São Paulo,
2001.

1. Admirável Mundo Novo

Se houve no século XX um escritor que nunca cedeu ao cansaço e


ao tédio, que conservou até o fim um apaixonado interesse pela vida e
pelo conhecimento, que não cessou de se elevar a patamares cada vez
mais altos de compreensão, até chegar, em seus últimos dias, às portas
de uma autêntica sabedoria espiritual, esse foi Aldous Huxley.

Como artista, é cheio de imperfeições. Nenhuma de suas obras dá a

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

medida integral da riqueza da sua personalidade ou da solidez de seus


recursos intelectuais. Ao contrário, cada uma delas, se tem o brilho de
um achado literário premiado por um êxito retumbante, desperta em
seguida a suspeita de ter sido apenas um golpe de sorte. Por isto Huxley,
amado pelo público, foi com freqüencia visto com certo desdém pelos
críticos eruditos (o nosso Otto Maria Carpeaux, por exemplo). Mas a
crítica erudita julga livros e não almas. O homem Aldous Huxley, visto
na perspectiva integral de sua vida e de suas obras, é bem melhor do que
a crítica deste ou daquele livro em particular pode revelar. Nessa escala,
o público o enxergou melhor que os críticos. Poucos homens de letras
souberam honrar tão bem, pela seriedade de sua luta pelo
conhecimento, o amor que o público lhes devotou.

Símbolo e resumo de sua trajetória vital é a luta de décadas que ele


empreendeu contra a cegueira. A doença que aos 17 anos reduziu sua
visáo a aproximadamente um décimo do normal não foi para ele, como
provavelmente o seria para muitos outros escritores numa era de
egocentrismo e autopiedade, ocasião de especulações vãs sobre a
maldade do destino. Foi a oportunidade de um mergulho nas fontes
corporais e espirituais da percepção, mergulho que acabou por fazer
dele o autor de reflexões epistemológicas bem mais interessantes do que
muitas obras de filósofos acadêmicos sobre o assunto. Algumas dessas
reflexões surgiram ao longo de sua experiência com os exercícios do Dr.
Bates, um despretensioso oftalmologista norte-americano cujo sucesso
na cura de Huxley veio a tornar célebre. O Dr. Bates era um inimigo dos
óculos. Achava que todo olho doente tem momentos de sanidade que
são estrangulados pela camisa-de-força de uma lente de grau fixo. Muito

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Dois estudos sobre Aldous Huxley
de sua técnica consistia apenas em restaurar no paciente a curiosidade
visual e o amor à luz. Talvez ele nunca tenha atinado com a formidável
importância filosófica de sua técnica. Mas Huxley, à medida que
recuperava a visão graças aos exercícios de Bates, ia fazendo duas
descobertas filosóficas fundamentais. A primeira delas estava sendo
elaborada simultaneamente, sem que Huxleu o soubesse, pelo filósofo
basco Xavier Zubiri, uma das mais poderosas mentes filosóficas deste e
de muitos séculos. Segundo Zubiri, não existe aquela coisa kantiana de
dados sensíveis brutos, caóticos, colhidos pelo corpo e sintetizados na
mente segundo padrões a priori. A percepção humana é,
inerentemente, percepção intelectiva ou, na fórmula zubiriana,
“inteligência senciente”. Isto tapava, de um só golpe, o abismo que três
século de idealismo filosófico haviam cavado entre conhecimento e
realidade. “Realidade”, diz Zubiri, é o aspecto formal que o ser oferece à
percepção humana. Não há uma “coisa em si” a ser apreendida para
além da percepção, porque, precisamente, o que o ser oferece à nossa
percepção é o seu “em si” e nada mais, ou, como diria Zubiri, aquilo que
ele é “de suyo”, de seu, de próprio, de real.

Huxley, que nunca ouviu falar de Zubiri (as obras do filósofo só


vieram a difundir-se no mundo a partir da década de 70, após a morte
de romancista), chegou, pela experiência pessoal da luta pela visão, a
conclusões similares. A “arte de ver” (The Art of Seeing, 1943) não
consistia no esforço interrogativo que, segundo Kant, equiparava o
buscador do conhecimento ao juiz de instrução que inquire ativamente
a testemunha em vez de deixá-la falar o que quer. Bem ao contrário,
consiste numa aceitação passiva e gentil daquilo que as coisas, “de
suyo”, queiram nos mostrar. A redução da libido dominandi intelectual

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

às suas justas proporções fazia do ato de ver uma devoção


contemplativa ante a realidade do mundo.

A segunda descoberta filosófica de Huxley, no curso de seus


exercícios ópticos, filia-o a uma tradiçao ainda mal conhecida no
Ocidente de hoje, e praticamente desconhecida no mundo acadêmico do
seu tempo. A natureza do mundo objetivo, nas suas experiências,
revelava-se essencialmente como luz -- luz no sentido físico, sustentada,
porém, desde o íntimo, pela luz espiritual. A ativação desta última, no
sujeito cognoscente, despertava a sua contrapartida objetiva sob a forma
da luz inteligível que se revelava nas coisas vistas, simultaneamente à
sua revelação pela luz física. A meditação deste ponto remonta à
“filosofia iluminativa” de Shihaboddin Sohrawardi (1155-91) filósofo
persa cujas descobertas só encontraram, no Ocidente, um eco acidental
e longínquo em observações casuais de Robert de Grosseteste (c. 1170-
1253). Huxley soube algo de Sorawardi, anos depois, pois menciona-o
de passagem em algum ensaio. Mas, na época em que fazia as
experiências relatadas em The Art of Seeing, já estava mergulhado, sem
saber, numa atmosfera inconfundivelmene sohrawardiana.

Esses pontos já bastam para mostrar a intensidade filosófica do


mundo interior de Aldous Huxley, o que o coloca num patamar
intelectual bem superior ao da média dos romancistas do seu tempo.

Mas a especulação vivenciada dos mistérios da percepção levou-o a


algumas interessantes experiências no campo da técnica ficcional. Em
“Contraponto” (1923), ele esboça a reconstituição da unidade de uma
atmosfera emocional pela justaposição de detalhes aparentemente

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

separados. Isso poderia fazer pensar, à primeira vista, na síntese


kantiana. Mas, lida com mais atenção, cada cena do romance já traz em
si, como em miniatura, o tônus emocional do conjunto. Não se trata,
pois, da unificação intelectual de um significado a partir de detalhes
insignificantes, mas sim de uma mesma realidade vista em dois planos:
de perto e de longe. Mais que “dados” atomísticos kantiano, os episódios
de “Contraponto” são mônadas de Leibniz, cada uma refletindo, desde o
seu ângulo próprio, a forma do conjunto.

Algo dessa técnica repete-se nas primeiras páginas do “Admirável


Mundo Novo”. Flashes da produção de bebês in vitro, do
doutrinamento de crianças para a cidadania padronizada, das diversões
programadas como parte da disciplina civil, vão recompondo, aos
poucos, a imagem global de um mundo do qual a liberdade de escolha
foi excluída e onde as criaturas repousam confortavelmente na
submissão hipnótica à ordem estatal perfeita. A sociedade futura aí
descrita, que o autor situa no século VII d. F. (“depois de Ford”, ou às
vezes “depois de Freud”) é aparentemente uma utopia, no sentido
definido por Goethe: “Uma série de idéias, pensamentos, sugestões e
intenções, reunidos para formar uma imagem de realidade, embora no
curso ordinário das coisas dificilmente venham a se encontrar juntos.”
Um universo assim construído teria uma constituição nitidamente
kantiana: síntese mental de dados que, na realidade, se encontram
dispersos. Mas essa não é, definitivamente, a estrutura do romance de
Huxley. Nenhum dos elementos da Nova Ordem Mundial que ele nos
apresenta pode ser concebido separadamente. Não se pode controlar
administrativamente as emoções humanas sem a ajuda química (as

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Dois estudos sobre Aldous Huxley
pastilhas de soma), nem habituar as multidões à satisfação bovina de
uma auto-hipnose permanente sem controle laboratorial de suas
predisposições genéticas; nem, muito menos, fazer tudo isto ao mesmo
tempo na escala limitada de um Estado nacional, sem o controle
simultâneo de todo o globo terrestre. Mundialismo, controle genético,
adestramento comportamental e intoxicação coletiva não são dados
soltos para a mente construir com eles uma utopia: são órgãos
solidários e inseparáveis de um mesmo e único sistema. Onde quer que
apareça um deles, os outros o seguirão, mais cedo ou mais tarde. A
lógica deste romance imita e condensa a lógica da História.

Por isso mesmo o “Admirável Mundo Novo” é menos uma utopia,


uma especulação sobre um futuro possível, do que a percepção imediata
do nexo interna por trás de uma pluralidade de modas e escolas de
pensamento que floresciam na época em que o romance foi escrito, e
que constituem a matriz unificada, não somente do mundo possível no
século VII d. F., mas do mundo em que vivemos hoje. Huxley, com
efeito, nada inventou. Tudo o que fez foi perceber a unidade subjacente
às idéias dominantes do seu tempo, que geraram nosso modo de existir
atual. A atmosfera em que vivemos foi, de fato, determinada pelas
concepções de Lenin e Ford, Margareth Mead e H. G. Wells, Malinowski
e Pavlov. As referências, sutis ou abertas, a estes e a muitos outros
“maîtres à penser” da década de 20 abundam nas páginas deste livro,
que portanto pode ser lido menos como uma utopia no sentido
goetheano do que como um diagnóstico da unidade de sentido por trás
de tendências de pensamento que se ignoravam umas às outras no
instante mesmo em que, às cegas, concorriam para erguer as paredes de
um mesmo edifício: o edifício da Nova Ordem Mundial.

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

O Sr. Wells, um autor menor que acabou por ser quase esquecido, é
mencionado de passagem neste livro como um dos principais
construtores da Nova Ordem. Passados oitenta anos, poucos
observadores da realidade de hoje se dão conta de quanto ele contribuiu
para formá-la, coisa que no entanto já estava óbvia para Aldous Huxley
em 1931. O Sr. Wells, no livro “A Revolução Invisível” (1928), foi o
primeiro a apresentar o projeto integral de uma Nova Ordem, que
parece ter inspirado de algum modo os Srs. Clinton e Blair. Que feito de
tão magna importância fosse obra de um autor que representa mais do
que ninguém a mediocridade satisfeita do progressismo moderno, é
coisa que não deve nos estranhar, pois a Nova Ordem, com seus clones,
seus tribunais mundiais e seu controle da internet, não é outra coisa
senão a mediocridade materializada em escala global -- o mundo onde o
Sr. Wells se sentiria tão à vontade quanto Bouvard e Pécuchet.

As contribuições menores não devem porém ser desprezadas.


Nossas concepções atuais sobre o prazer sexual ilimitado como um
direito a que o Estado deve assegurar o acesso igualitário das massas
não teriam sido possíveis sem o relativismo antropológico de Margaret
Mead. Se enquanto cientista ela foi tão precária quanto é minguado o
talento literário do Sr. Wells, nada mais justo: somente a pseudociência
e a pseudoliteratura podem gerar mundos. Sua função, como já dizia
Karl Marx, não é a de compreender o real, mas a de mudá-lo. Mas as
idéias não precisam ser inteiramente falsas para esse fim. Basta que
sejam infladas para além de seus limites razoáveis. Pavlov, por exemplo,
descreveu com acerto a psicologia dos cães. O homem não pode ser
compreendido integralmente à luz da psicologia canina, mas pode ser

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

integralmente manipulado desde a parte canina do seu ser,


transformando-se em algo praticamente indiscernível de um cão, o que
dará à psicologia de Pavlov, na prática, um alcance que ela jamais
poderia ter em teoria. De modo análogo, todos podemos ser levados a
comportar-nos como pacientes psicanalíticos, militantes proletários ou
peças de uma linha de produção, dando uma espécie de “segunda
realidade”, como diria Robert Musil, às ideologias de Freud, Marx e
Henry Ford. Depois disso, contestar essas teorias se tornaria tão difícil
quanto tentar provar o valor da vida a um suicida que, tendo saltado do
décimo andar, já se encontrasse à altura do sexto ou quinto. A
dificuldade que os personagens deste livro encontram para perceber a
irrealidade do mundo social que as rodeia é dessa mesma índole: elas
constroem essa irrealidade a cada instante, com suas próprias vidas, e se
aprisionam nela no ato mesmo de tentar contestá-la em pensamento.

A unidade maciça do pesadelo descrito neste livro não é um


produto da mente, construido com indícios esparsos, um vulgar
“silogismo imaginativo” eisensteiniano em que, dadas duas imagens
reais, o espectador contrói uma terceira, fictícia, e nela crê. É antes a
visão real da unidade da atmosfera cultural dos anos vinte e trinta
condensada em imagens e projetada -- erroneamente -- num século
futuro. Erroneamente, digo eu, porque o próprio Aldous Huxley, em
1959, confessava seu erro de datas: “As profecias feitas em 1931 estão
para realizar-se muito mais depressa do que eu calculava”, afirmou ele
em Brave New World Revisited, uma atemorizante coletânea de ensaios
sobre lavagem cerebral, persuasão química, hipnopédia, influência
subliminar e outras técnicas de manipulação comportamental que,

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Dois estudos sobre Aldous Huxley
previstas para o século VII d. F., já estavam prontas para o uso na
segunda metade do século XX. Passado mais meio século, porém, já
transcendemos a época das descobertas técnicas e entramos, em cheio,
na da sua aplicação rotineira em escala mundial. Uma boa descrição
parcial desse estado de coisas encontra-se no livro de Pascal Bernardin,
Machiavel Pedagoge ou le Ministère de la Réforme Psychologique
(Paris, Éditions Notre-Dame des Grâces, 1998), que analisa as técnicas
educacionais hoje padronizadas em todo o mundo sob os auspícios de
governos e de prestigiosos organismos internacionais. As conclusões do
seu exame são duas. Primeira, a educação das crianças no mundo de
hoje despreza a sua formação intelectual e se dedica quase que
inteiramente ao adestramento comportamental dos perfeitos
cidadãozinhos da Nova Ordem Mundial. Segunda: as técnicas usadas
para esse fim pouco têm a ver com o que que se denominava
tradicionalmente “pedagogia”, mas se constituem essencialmente de
manipulação pavloviana. Que isso ocorra simultaneamente a
experimentos de clonagem humana, à formulação de uma ética
padronizada para abolir todas as diferenças culturais e religiosas, à
instauração de um poder médico global incumbido de receitar e vetar
condutas a pretexto de higiene e saúde, à criação de tribunais mundiais
para impor à toda a humanidade o direito penal de Wells, Bouvard e
Pécuchet -- nada disso é coincidência, nada disso é síntese mental de
dados esparsos. É a unidade de um sistema de erros, cujas sementes
Aldous Huxley identificou em 1931 e cujo crescimento ultrapassou, em
velocidade, os seus mais sombrios diagnósticos.

No entanto, o mundo em que vivemos ainda não se parece, no seu


todo, com o Admirável Mundo Novo. A diferença principal é que neste

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

os “selvagens”, isto é, as pessoas que rejeitavam a existência antisséptica


na sociedade perfeita e continuavam presas de hábitos bárbaros como
ler a Bíblia, rezar e educar seus próprios filhos em vez de entregá-los ao
Estado, se encontravam isoladas geograficamente, vivendo em reservas
a milhares de quilômetros dos centros civilizados. No mundo de hoje,
elas vivem soltas nas grandes cidades, misturadas aos seres humanos
normais que só acreditam nos noticiários da TV e que entregam não só
seus filhos como também seus pais à guarda do Estado. Por isto a vida
moderna não tem a uniformidade tediosa das cidades de Huxley.

Mas isso não quer dizer que, no domínio da estrutura social, ao


contrário do que acontece no da tecnologia, o cumprimento da profecia
esteja atrasado. Nas últimas quatro décadas, a elite bem-pensante
inventou meios tão eficazes de isolar psicologicamente, culturalmente e
socialmente os indesejáveis, que separá-los geograficamente tornou-se
uma despesa desnecessária. A presença de um crente nas altas cátedras
universitárias ou nos cargos de destaque do jornalismo, por exemplo,
tornou-se tão inconcebível, que todos os selvagens que poderiam
ambicionar esses postos recuam espontaneamente para os bas-fonds da
vida social, deixando o palco inteiramente à disposição dos bons
cidadãos. A secretária de Estado Madeleine Albright foi até explícita:
qualquer americano que contribuísse regularmente para uma igreja e se
preparasse ativamente para o Juízo Final se tornariam um virtual
candidato a ter sua vida vasculhada pelo FBI. As reservas de “selvagens”
não estão nos confins da Terra como no romance. Elas estão entre nós.

Nas suas últimas décadas de vida, Aldous Huxley adotou


decididamente uma escala de valores “selvagem”. Mergulhou no estudo

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

das literaturas sapienciais e místicas, adquirindo uma antevisão daquilo


que Fritjof Shuonn viria a chamar “unidade transcendente das
religiões”, tão diferente do ecumenismo burocrático de hoje quanto as
visões de Sta. Teresa ou Jacob Boehme diferiam da leitura de uma
circular da CNBB. Com isso, tornou-se estranho e incompreensível,
simultaneamente, aos materialistas da linha Wells e aos paladinos de
ortodoxias exclusivistas. Aventurou-se mesmo numa tentativa -- falhada
-- de descobrir nas drogas alucinógenas a rota de fuga para fora da
percepção padronizada. Mas a experiência fracassada não foi estéril. Se
não abriu para quem quer que fosse “as portas da percepção”, despertou
Aldous Huxley para a temível realidade da manipulação química do
comportamento, que ele denuncia corajosamente em Brave New World
Revisited, e para os aspectos falazes e ilusórios da democracia, que ele
caricatura impiedosamente em seu último romance, A Ilha, espécie de
contrapartida dialética do Admirável Mundo Novo.

Da observação microscópica do mecanismo da percepção até a


intuição global dos rumos da história humana, o olhar de Huxley jamais
perdeu de vista a unidade do real e, em conseqüência, o senso da
integridade humana, que tantos romancistas, seus contemporâneos,
cedendo à suprema tentação, não fizeram senão dispersar numa poeira
de estilhaços.

Nenhum de seus livros dá conta integral da riqueza de sua


experiência do mundo. Mas em nenhum deles está ausente a tensão
entre o apelo unificante do alto e as brutais forças centrífugas que
tentam dissolver a unidade da consciência para mais facilmente amoldá-
la à mera uniformidade exterior de um mundo forjado. Voltar a si,

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

reconquistar perenemente o senso da verdadeira unidade e, com isto,


redescobrir a luz do espírito em seus reflexos no mundo exterior -- eis o
sentido da vida e da literatura de Aldous Huxley. Poucos escritores, no
século XX, souberam colocar a ocupação literária a serviço de finalidade
tão alta e tão nobre. Por isto a obra de Aldous Huxley, malgrado seu
múltiplos defeitos, sobreviverá. Ela tem o interesse permanente de tudo
aquilo que se volta para “a única coisa necessária”.

26/03/01

2. A Ilha

Os críticos acusaram freqüentemente os personagens de Huxley de


não ser propriamente seres humanos, mas apenas símbolos de idéias.

Contra essa censura posso levantar de imediato três objeções:

1) Mesmo que ela fosse certa, não bastaria para arrasar de vez a
reputação de Huxley como ficcionista, de vez que crítica semelhante já
se fez a Swift e Voltaire.

2) Ela não é propriamente uma censura, mas a definição mesma do


gênero “sátira”, no qual se incluem, de algum modo (já veremos qual),
as principais obras de Huxley. Não é possível satirizar os seres humanos
naquilo que têm de pessoal e autêntico, mas só no que têm de exterior,

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

de típico, de copiado e de mecânico.

3) Mas as histórias de Huxley escapam mesmo às limitações


intrínsecas do gênero satírico. É verdade que Lenina Crowne ou
Bernard Trotsky, em O Admirável Mundo Novo, assim como Will
Farnaby, Robert MacPhail ou o embaixador Bahu, em A Ilha, não são
realmente pessoas de carne e osso: são encarnações das utopias, sonhos
e ilusões da intelectualidade ocidental. Mas se malgrado essa sua origem
puramente intelectual seus destinos nos interessam e nos comovem
como os de gente de verdade, é pelo fato de que, no século XX, o poder
enormemente ampliado da mídia cultural fez com que as idéias
passassem a ter uma influência formadora mais direta e decisiva sobre
os corações humanos. Símbolos, frases-feitas, emoções e trejeitos
mentais criados pelos intelectuais fincaram raízes tão profundas no
subconsciente das pessoas, que se tornaram, em muitos casos,
indiscerníveis das reações pessoais autênticas. É olhar e ver: muitas
personalidades em torno de nós são realmente, literalmente, traslados
de modas intelectuais. Esses tipos só são cômicos e artificiais quando
vistos do exterior, e nossa reação perante eles é ambígua: não
conseguimos nem compartilhar de seus sentimentos ao ponto de sofrer
por eles, nem desidentificar-nos deles o bastante para torná-los
definitivamente cômicos. Pois todos nós, uns mais, outros menos,
macaqueamos as modas culturais, e este é um destino inescapável do
homem moderno: nem possuímos mais aquele fundo comum de valores
e símbolos que permitia ao camponês da Idade Média ser ele mesmo
justamente porque era igual a todos, nem nos tornamos tão
prodigiosamente individualizados que possamos inventar nossa própria

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Dois estudos sobre Aldous Huxley
linguagem. A única autenticidade possível ao homem moderno é um
arranjo mais ou menos pessoal de modelos mais ou menos copiados.

É nessa zona indistinta entre o discurso coletivo e a emoção


autêntica, entre a macaquice intelectual e a vida pessoal efetiva que
Huxley colhe seus personagens. Daí sua maior originalidade como
ficcionista – sua capacidade de fazer o leitor vivenciar o jogo das idéias
estereotipadas como se fosse um drama humano de verdade. Por isso
suas obras não podem rotular-se categoricamente como sátiras, já que
participam, a um tempo, da sátira e do drama: sátira das idéias, drama
dos erros e sofrimentos humanos que essas idéias geraram ao
transformar-se em ações. É precisamente essa visão intermediária entre
a sátira e o drama que o habilita a sondar com olhar profético o futuro
que se gera no ventre das idéias. Cada um de seus romances é como
aquele fantasma do poema de Heine que acordava um homem de
madrugada e, de espada em punho, o ameaçava: “Eu sou a ação dos teus
pensamentos.”

Muito do que Aldous Huxley escreveu é a dramatização satírica das


idéias que se tornaram vida pessoal e tragédia pessoal entre os
intelectuais midiáticos, aqueles seres meio cultos, meio ignorantes, que
desfrutam do privilégio maior da mediocridade -- falar a linguagem
média -- e que por isto dão o tom dos debates públicos, encarnando a
personalidade das épocas. Essas criaturas são as testemunhas principais
que o historiador das idéias interroga. Por exemplo, quem queira
conhecer a mentalidade do século XVIII não irá sondar as profundezas
abissais da ciência de Leibniz, mas deslizar sobre as superfícies
brilhantes de Voltaire e Diderot. Os grandes espíritos não pertencem

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

propriamente à sua época: uma parte do seu ser está mergulhada num
passado imemorial, a outra projeta-se num futuro inalcançável, e só
uma parcela ou recorte deles é visível a seus contemporâneos. Mas a
mente do intelectual médio é o ponto de intersecção dos horizontes de
consciência da sua época: o que aparece na sua tela interior é aquilo que
todos vêem ao mesmo tempo, a coincidência de todos os recortes, a
interconfirmação de todas as percepções e de todas as cegueiras. Por
isto seu discurso é tão bem recebido por seus contemporâneos, e por
isto é tão fácil, das suas palavras, deduzir o que “o público” pensava.

O intelectual médio é ao mesmo tempo o porta-voz e o eco das


modas culturais. Mesmo quando as critica, não vai além delas,
limitando-se a opor uma moda a outra moda, como aqueles que, hoje
em dia, opõem ao socialismo a utopia neoliberal, ou vice-versa, sem ter
a mínima idéia do parentesco que os une.

Huxley era um ouvido especialmente atento às conversações dos


intelectuais médios, das quais ele não apenas captava com facilidade o
“espírito da época”, mas inferia as mais espantosas e acertadas
conclusões sobre o rumo que as coisas iriam tomar se aquelas idéias, em
vez de esgotar-se como puras futilidades de salão, fossem levadas à
prática como modelos do mundo futuro. O Admirável Mundo Novo é o
mundo que teria resultado – e que de certo modo resultou – da
aplicação das modas intelectuais da década de 30. A Ilha é o mundo
criado pelas utopias psicoterapêuticas e orientalistas dos anos 50-60.

Aldous Huxley morreu antes de que essas idéias tomassem corpo


na cultura da “New Age” e, partindo das esperanças utópicas de um

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

novo mundo de sanidade e autoconhecimento, desembocasse na


tragédia mundial das drogas, das seitas escravizadoras, das experiências
psíquicas autodestrutivas. Não obstante, ele captou antecipadamente a
loucura por trás de tudo isso, e é precisamente essa antevisão que dá o
tema deste romance.

Publicado em 1963, este livro foi lido como uma espécie de antítese
do Admirável Mundo Novo. Enquanto o romance de 1932 trazia o
retrato de uma sociedade opressiva e mecanizada, da qual toda
espontaneidade humana tinha sido extirpada em benefício da ordem e
da produtividade, a ilha de Pala era como que a materialização dos
sonhos de liberdade da geração flower power: amor livre, religiosidade
sem dogmas, respeito às diferenças individuais, incentivo à expressão
das emoções, tudo num ambiente ecológico de reverência pela natureza.

Sublinhava essa interpretação o fato de que a utopia fosse, no


capítulo final, brutalmente destruída pelos tanques da vizinha ilha de
Rendang-Lobo, encarnação de tudo o que a juventude dos anos 60 mais
odiava: industrialismo, militarismo, religião tradicional, lei e ordem.

Compreendido assim, A Ilha não era senão a tradução ficcional de


lugares-comuns da retórica esquerdista da época, mista de “New Age” e
“New Left”. Daí o imenso sucesso do livro. Ele parecia dizer tudo o que a
geração mais pretensiosa de todos os tempos queria ouvir. Mesmo a
derrota da utopia, em vez de ter um efeito deprimente, parecia exaltá-la
até às nuvens: Pala fôra destruída por ser boa demais para este mundo,
como Che Guevara, derrotado pelo mais pífio exército sul-americano,
transcendia no mesmo ato os julgamentos humanos e subia aos céus

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

como um Ersatz comunista de Jesus Cristo.

Êxitos de livraria baseados em equívocos de interpretação não são


raros na história da literatura. Na verdade, A Ilha é o mais temível
inquérito sobre o auto-engano da geração que o aplaudiu. No ambiente
de entusiasmo utópico da época, seria impossível que os leitores o
compreendessem. Isso teria exigido deles um realismo cruel, que
mesmo à distância de quatro décadas ainda parece difícil de suportar,
tão contaminados das ilusões e mentiras dos anos 60 permanecemos
hoje. Daí que, deslizando sobre a superfície da narrativa, quase todos os
leitores deixassem escapar os detalhes mais importantes, nos quais se
esconde o sentido mesmo da última lição de um sábio.

Em primeiro lugar, a destruição de Pala não vem do exterior. É o


próprio príncipe herdeiro, Murugan, quem atrai os estrangeiros para
ajudá-lo no golpe militar destinado a romper o equilíbrio do paraíso
agrícola e colocar o país, pela força, na modernidade industrial. Os
ideais da “geração Woodstock”, com efeito, apenas usavam a linguagem
do primitivismo agrícola como veículos de expressão de seu ódio à
sociedade industrial, mas essa revolta era, ela própria, um fenômeno da
intelectualidade urbana e universitária, e supunha uma dose de
liberdade de expressão e meios de comunicação que seriam
inconcebíveis em qualquer sociedade agrícola. Quando Murugan acusa
os governantes de Pala de “conservadores e reacionários”, ele põe o
dedo na ferida: os ideais que produziram Pala jamais poderiam ter
surgido numa economia como a de Pala. A utopia não é destruída do
exterior, mas explodida desde dentro, pela sua autocontradição
congênita.

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

Em segundo lugar, os golpistas, tão parecidos com os militares do


Terceiro Mundo nos seus métodos de modernização autoritária, nada
têm de conservadores e tradicionalistas na sua ideologia. Murugan,
bisneto do Velho Rajá, o fundador de Pala e autor do livro sapiencial em
que se inspira o regime da ilha, acaba se voltando contra as tradições
locais por influência de sua mãe, a rani Fátima, a qual durante sua
formação cultural na Europa recebera a influência dos ensinamentos
teosóficos de Helena Blavatsky, tornando-se devota dos “Mestres do
Astral”, especialmente um tal Koot-Hoomi -- figura inconfundivelmente
diabólica segundo todos os cânones da religião tradicional -- , em cima
de cujas concepções se forma a aliança entre a família real de Pala e os
militares de Rendang-Lobo. Ora, teosofismo e mensagens de Koot-
Hoomi são elementos inconfundíveis da própria ideologia “New Age”.
Embora já um tanto velhos na época, foram reaproveitados na onda
geral de orientalismo pop com que o movimento dos jovens atacava e
corroía as bases cristãs da sociedade Ocidental.

Os militares de Rendang-Lobo também não são, de maneira


alguma, “a direita”. Estão ansiosos para fazer negócios com a Standard
Oil só para poder comprar armas do bloco soviético e dar
prosseguimento ao seu sonho macabro de “revolução permanente”. Seu
chefe, o Cel. Dipa, é uma espécie de Chavez avant la lettre. Seu
modernismo revolucionário representa a outra face da ideologia
“jovem” dos anos 60: o lado brutal e sanguinário personificado pelos
Black Panthers, por Ho-Chi-Minh e Fidel Castro. Pala não é destruída
por seus inimigos, mas pela contradição interna da mais mentirosa
ideologia de todos os tempos, a ideologia da esquerda norte-americana

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

dos anos 60, que pretendia encarnar o espírito de “paz e amor” ao


mesmo tempo que espalhava no mundo “um, dois, três, muitos
Vietnãs”.

Ainda mais significativo é que a origem das concepções utópicas do


regime de Pala remontasse à fusão de vagos remanescentes do budismo
tântrico com as idéias de evolucionismo biológico trazidas, no século
passado, por um médico escocês, meio sábio, meio charlatão, que
adquirira prestígio na ilha curando uma misteriosa doença de seu
governante por meio do “magnetismo animal”. Essa mistura de
budismo heterodoxo, evolucionismo e magnetismo compõe a fórmula
inconfundível do teosofismo de Madame Blavatsky. Assim, a raiz do
utopismo anárquico de Pala e do modernismo autoritário de seu
príncipe golpista é, rigorosamente, a mesma.

Para tornar as coisas ainda mais estranhas, o teosofismo de


Blavatsky foi, notoriamente, um instrumento usado pelo imperialismo
inglês para corroer as tradições religiosas autênticas das nações
orientais e torná-las mais vulneráveis à dominação cultural estrangeira
por meio de um entorpecente pseudo-espiritual fabricado em Londres
por uma vigarista russa. [1]

Pelo lado da ideologia palanesa, portanto, o lixo ancestral não é


menos fedorento que o teosofismo explícito de Rendang-Lobo. Já no
segundo capítulo do livro, o náufrago Will Farnaby, traumatizado pelo
perigo recente, é curado de seus males pelo método freudiano da ab-
reação no curso de uma psicoterapia improvisada... por uma garota de
nove anos. Mary Sarojini MacPhail, a garota, neta do atual guru médico

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

da ilha, resume na sua pessoinha os princípios de educação e ética ali


vigentes: são os princípios do sincerismo, do “botar para fora”, que os
“grupos de encontro” e as técnicas psicoterápicas de “sensibilização” e
“liberação” disseminaram no mundo a partir de Esalen, Califórnia, e
que marcaram inconfundivelmente a atmosfera dos anos 60. O festival
de experimentos psíquicos e “liberações” desembocou no império
mundial dos traficantes de drogas e na transformação da delinqüência
juvenil (e infantil) numa catástrofe global de proporções incontroláveis.
Na época, porém, prometia um novo mundo de espontaneidade e
sanidade. Todas as crianças de Pala são versadas em “auto-expressão”,
aquela confissão simplória e cínica dos próprios maus sentimentos que,
teoricamente, os tornaria inofensivos. O fato é que a “auto-expressão”,
ensinada em grupos-de-encontro por psiquiatras e psicoterapeutas
“libertadores” nos conventos católicos, suscitou entre as monjas uma
epidemia de lesbianismo e de casos amorosos com seus terapeutas,
levando praticamente à destruição de várias ordens religiosas. De
braços dados com o pseudo-orientalismo, a “libertação” psicoterápica
abriu caminho para que milhões de jovens abandonassem o
cristianismo e se entregassem às mais tirânicas manipulações psíquicas
nas mãos de seitas delinqüenciais como “Love Family”, que, em nome
da expressão espontânea das emoções, obrigava crianças de quatro anos
de idade a submeter-se, junto com seus pais, à prática de sexo grupal. A
imensidão dos danos psicológicos trazidos a essa geração jamais poderá
ser medida exatamente. As tristezas e as vergonhas acumuladas são
demasiado profundas para vir à tona. Documentos aterrorizantes
acumulam-se, em pilhas, nos milhares de clínicas especializadas em
tratamentos de egressos de seitas, sobretudo ao longo da Costa Oeste

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

americana -- o lugar onde nasceria, segundo a promessa da época, a


nova civilização de sanidade, paz e amor. [2]

Os efeitos terrificantes, porém, não nasceram do mero acaso. Fruto


e raiz têm sua continuidade lógica. Os “grupos-de-encontro” nasceram
da pesquisa militar sobre guerra psicológica e controle comportamental.
Um de seus pioneiros, Kurt Lewin, já na década de 40 havia chegado à
conclusão de que a pressão sutil e disfarçada do grupo era o meio mais
efetivo de produzir mudanças de comportamento. A lição foi bem
aprendida por Carl Rogers, Fritz Perls, Abraham Maslow e outros
criadores dos “grupos-de-encontro” da década de 60. A “liberação”, em
suma, não passava de “engenharia do consentimento”. Lewin e seus
sucessores haviam descoberto um tipo de controle comportamental
infinitamente mais eficiente e irresistível do que todas as técnicas
descritas no Admirável Mundo Novo. Como admitiu um dos praticantes
do método, Robert Blake, ex-aluno de Lewin no Tavistock Institute de
Londres (a principal academia inglesa de guerra psicológica), “não
importa quanto o orientador desses grupos tente ser não-diretivo, ele
será ainda sutilmente ditatorial e até mais ditatorial (por causa da sua
sutileza) do que o mais rígido adestrador, porque todo o controle está
escondido”. [3] Por uma coincidência que neste contexto adquire as
dimensões de um símbolo, Blake dirigiu um desses grupos justamente
na Standard Oil – a empresa com a qual o príncipe herdeiro Murugan
está louco para fazer negócios.

Após presenciar uma sessão de “educação para o amor” das


crianças de Pala, Will Farnaby, o visitante trazido pelo naufrágio,
protesta: “Isto é puro Pavlov!”. O instrutor, com aquele ar beatífico de

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

tantos lavadores de cérebros da década de 60, responde: “Pavlov usado


exclusivamente com bom propósito. Pavlov para a amizade, para a
confiança, para a compaixão.”

Tanto pelas suas origens blavatskianas quanto pelos métodos de


dirigismo sutil, a ideologia palanesa é irmã gêmea do autoritarismo de
Rendang-Lobo. A Ilha não é a tragédia de um paraíso de liberdade
destruído pela invasão de militares malvados: é a tragédia da
autodestruição de uma utopia intrinsecamente má e mentirosa envolta
em belas palavras.

No momento culminante da narrativa, Will Farnaby, finalmente


rendido aos encantos da “religião sem dogmas” dos palaneses, resolve
experimentar a moksha, a erva alucinógena ritual que, em vez de
precipitar somente o consumidor num estado de apatetado bem-estar
como o soma do Admirável Mundo Novo, lhe abriria as portas do
conhecimento transcendental. Nos primeiros instantes, Will “vê a luz”,
ou pelo menos pensa que vê. Mergulha num estado de beatitude
indescritível e supõe ter conhecido o próprio Deus. De repente, a visão
se transfigura. Abrem-se as portas do inferno: vermes horrendos
aparecem misturados à figura de Adolf Hitler que gesticula e berra. A
visão de Will mostra a verdadeira natureza da religião palanesa: uma
religião de “experiências psíquicas”, incapaz de transcender a dualidade
cósmica e elevar-se ao reino da eternidade. É a religião dos “grupos-de-
encontro”, o substitutivo postiço que uma estratégia política oportunista
quis substituir ao cristianismo. Tão logo Will emerge do transe, ele ouve
os primeiros tiros do exército invasor: é a mentira essencial de Pala que
se desfaz ao mesmo tempo que a falsa visão espiritual.

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

Poucos livros foram tão fundo na compreensão do auto-engano


congênito da cultura contemporânea. Perto da pedagogia palanesa da
ilusão, as técnicas de controle social do Admirável Mundo Novo
parecem ingênuas e rudimentares, assim como perto da engenharia
comportamental dos anos 60 o totalitarismo explícito da década de 30
parece coisa de orangotangos. O diagnóstico impiedoso do
neototalitarismo mental dos anos 60 não pôde ser compreendido por
seus contemporâneos. Eles estavam embriagados na mentira nascente,
e a antevisão de Huxley passou léguas acima de suas cabeças. Mas, hoje,
vivemos no mundo criado por aqueles malditos “jovens idealistas” dos
anos 60. As técnicas de controle social e engenharia do consentimento
já não são experiências limitadas, efetuadas na privacidade de grupos-
de-encontro: são o dia a dia das escolas públicas, onde nossos filhos se
encontram à mercê daquilo que Pascal Bernardin chamou “ministério
da reforma psicológica”. [4] Tal como Mary Sarojini MacPhail, cada
criança, submetida à pressão sutil do grupo, aí adota alegremente as
condutas desejadas, sem ter a mínima idéia de possíveis alternativas.
Nos EUA, os resultados da adoção maciça dessas técnicas no ensino já
são patentes: os índices assustadores de consumo de drogas e a
criminalidade infantil nas escolas públicas levam muitos pais a preferir
educar seus filhos em casa, enquanto a Prefeitura de Nova York,
admitindo-se incapaz de controlar a violência das crianças, privatiza
suas escolas como quem entrega um fardo superior às suas forças. No
Brasil, esse processo ainda está no começo, mas basta ler os
“Parâmetros Curriculares Nacionais” do Ministério da Educação para
perceber que a engenharia de comportamento aí predomina

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

amplamente sobre a formação intelectual e a instrução moral honesta.


O espírito dos “grupos de encontro” dos anos 60 tomou conta da
pedagogia universal, firmemente decidido a “libertar” as crianças do
legado da civilização cristã. Quando a “libertação” mostrar sua outra
face, quando Pala revelar sua identidade com Rendang-Lobo, haverá
choro e ranger de dentes. Mas, como aconteceu com a geração de 60,
nenhum dos autores da tragédia reconhecerá suas culpas: cada um deles
se proclamará um idealista traído pelos rumos imprevisíveis da História
e, revigorado pelo sentimento de inocência, tirará da cartola um novo
projeto de “mundo melhor”.

Aldous Huxley escreveu este livro para nos advertir da culpa


monstruosa que se oculta por trás da inocência dos idealistas.

22/4/01

[1] V. Peter Washington, O Babuíno de Madame Blavatski, trad.


Antônio Machado, Rio, Record, 2000, assim como René Guénon, Le
Théosophisme. Histoire d’une Pseudo-Réligion, Paris, Éditions
Traditionnelles, 1929 (reed. 1978).

[2] Um documentário impressionante da devastação psíquica resultante


dos experimentos psíquicos da década de 60 encontra-se em Flo
Conway e Jim Siegelman, Snapping. America’s Epidemic of Sudden
Personality Changes. New York, Lippincott, 1980.

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Dois estudos sobre Aldous Huxley

[3] Cit. em E. Michael Jones, Libido Dominandi: Sexual Liberation and


Political Control, South Bend, St. Augustine’s Press, 1999.

[4] V. Pascal Bernardin, Machiavel Pédagogue ou le Ministère de la


Réforme Psychologique, Paris, Éditions Notre-Dame des Grâces, 1995.

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Fé, ciência e ideologia: o fundo da questão Fedeli

Fé, ciência e ideologia: o fundo da questão


Fedeli

Olavo de Carvalho

Nos meus escritos, os termos gnose, gnosticismo e heresia


gnóstica designam em geral (e guardadas as exceções devidas a eventual
negligência) três fenômenos distintos:

Gnose – O conhecimento espiritual em sentido genérico.

Gnosticismo – O fenômeno descrito por Eric Voegelin, que


assinala uma continuidade entre as heresias gnósticas dos primeiros
séculos da Era cristã e os modernos movimentos ideológicos de massa.

Heresia gnóstica – As seitas gnósticas dos primeiros séculos do


cristianismo.

Já o sr. Orlando Fedeli usa os três termos para designar um só e

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Fé, ciência e ideologia: o fundo da questão Fedeli

mesmo fenômeno. As heresias dos primeiros séculos, o hinduismo, o


budismo, o judaísmo, o islamismo e as ideologias modernas – tudo,
para ele, são partes ou aspectos de uma mesma entidade, braços de um
mesmo monstro: a Gnose, gnosticismo ou heresia gnóstica, religião do
diabo.

Para legitimar esse uso do termo, ele usa da definição geral de


gnose aceita por alguns estudiosos, mas dando-lhe uma aplicação que
vai muito além do que qualquer deles jamais admitiu e que implica dar
foros de verdade científica à hipótese de uma universal conspiração
gnóstica contra a Igreja Católica, reunindo budistas, comunistas,
muçulmanos, judeus, hinduístas, nazistas, gnósticos no sentido antigo e,
evidentemente, eu.

Nem Hans Jonas, nem H.-C. Puech, nem Hans Urs von Balthasar,
nem Voegelin, nem qualquer outro estudioso, por mais ampla que fosse
sua definição de gnose, jamais a usou para sustentar essa hipótese, a
qual aliás nem sequer mencionam porque, mais que à história, ela
pertence ao domínio da psicopatologia.

É o sr. Fedeli que faz dela esse uso, fingindo escorar-se na


autoridade desses eruditos. Mais ainda: fingindo que semelhante uso é
universal, consensual e indisputado.

A origem da doutrina fedeliana da gnose, com efeito, não está em


nenhuma dessas fontes, mas numa outra, bem pouco acadêmica: está na
teoria da Revolução e Contra-Revolução do dr. Plínio Corrêa de
Oliveira, segundo a qual só há duas correntes históricas no mundo, a

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Fé, ciência e ideologia: o fundo da questão Fedeli

revolucionária e a católica. Esta abrange os que interpretam o


catolicismo no sentido estrito da TFP; aquela, todos os demais seres
humanos, descontados os inocentes úteis e inúteis. Absorvendo a teoria
ao mesmo tempo que renegava o autor -- com quem competira em vão
pela liderança da TFP --, o sr. Fedeli simplesmente trocou o termo
“revolucionário” por “gnóstico”, mas nada acrescentou de substancial à
concepção de seu primeiro mestre e posterior bête noire.

A única diferença é que o dr. Plínio, um aristocrata de


temperamento, não desceria a bravatas pueris na defesa da sua teoria,
por mais absurda que fosse; ao passo que o sr. Fedeli, que tudo quanto
sonhava na vida era ser o dr. Plínio quando crescesse, infelizmente não
cresceu.

No conteúdo, a idéia de ambos é a mesma.

A hipótese aí contida é tão ampla, que ela não pode ser provada
nem impugnada no prazo de uma vida humana ou de infinitas vidas
humanas. Cientificamente, ela é por isso mesmo inaceitável. Fatos
inumeráveis não lhe darão consistência, refutações sem fim não a farão
recuar. Ela é uma escolha, um ato de fé, que o sr. Fedeli, abusivamente,
procura confundir e identificar com a própria fé católica, de modo a
poder condenar como herético quem quer que, na sua divisão dualista
do mundo, não cerre fileiras com ele -- ou com o fantasma do dr. Plínio
-- no seu combate contra tudo o mais. Isto implica, naturalmente,
estender sobre todos os “gnósticos”, no sentido amplíssimo do termo, a
acusação de heresia que a Igreja fez pesar sobre os gnósticos dos
primeiros séculos. Mas isto já não é teoria: é loucura.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli5.htm (3 de 6)16/4/2007 11:03:08


Fé, ciência e ideologia: o fundo da questão Fedeli

O sr. Fedeli tem todo o direito de defender sua idéia, mas nem
mesmo a alegação de insanidade lhe dará o direito de sugerir ou
insinuar que ela corresponda a alguma cláusula do dogma católico tal
como definido pelos Papas e Concílios. Nenhum Papa ou Concílio
subscreveu jamais essa doutrina. Nenhum jamais afirmou a identidade
substancial de todas as espiritualidades não-cristãs com a heresia dos
primeiros séculos, identidade que, para o sr. Fedeli, é a verdade das
verdades.

Abusando das fontes científicas que cita, abusando da fé católica


em cujo nome acusa e condena, o sr. Fedeli não faz senão impingir a
seus discípulos um catolicismo de sua própria invenção – dele ou do dr.
Plínio Corrêa de Oliveira.

Não correspondendo, no conteúdo, à doutrina da Igreja, nem na


forma àquilo que se entende por teoria científica, a doutrina dualista da
Revolução e Contra-Revolução, seja na sua versão originária, seja na
sua adaptação fedélica, não é nem religião nem ciência: é ideologia, no
sentido estrito do termo.

Daí o atrativo que exerce sobre jovens que buscam, não o


conhecimento, nem a purgação de seus pecados, mas uma causa – uma
causa em nome da qual possam, sem o mínimo abalo de sua boa
consciência, mentir e pecar.

Avaliado pelos critérios dessa ideologia, devo ser efetivamente um


gnóstico e um herético, mas não vejo que importância possa ter isso
desde o ponto de vista de uma Igreja e de uma ciência que ignoram

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli5.htm (4 de 6)16/4/2007 11:03:08


Fé, ciência e ideologia: o fundo da questão Fedeli

solenemente o sr. Fedeli, o dr. Plínio e as idéias de ambos.

Todos os esforços que Fedelis e fedelhos façam para provar a


acusação que me imputam são aliás desnecessários e redundantes, visto
que ela já está provada ex hypothesi nos termos mesmos que a
enunciam, sendo “gnósticos” por definição todos os que, rejeitando o
dualismo absoluto de Revolução e Contra-Revolução, não se alinhem
resolutamente com esta última no sentido em que a entende o sr.
Orlando Fedeli – coisa que, de fato, não posso fazer.

Custei um pouco a entender isso, pois, partindo da crença


espontânea na normalidade de meus interlocutores, com total boa fé,
não atinei senão aos poucos com a lógica circular em que se baseava sua
argumentação, irrefutável porque psicótica.

E não pensem que com isso eu esteja proferindo um insulto.


Atenho-me ao terreno científico, reconhecendo com estrita objetividade,
no argumento fedélico, aquela estrutura circular, fechada e
autoprobante que, segundo o clássico estudo La Fausse Conscience, de
Joseph Gabel (um judeu! que horror! um gnóstico!), é a marca
inconfundível e comum do discurso ideológico e do discurso psicótico.

Assim, não vejo por que prosseguir esta discussão. Contento-me


em não ser um gnóstico na acepção tradicional e voegeliniana do termo.
Se o sou ou não no sentido especial que a coisa tem no mundinho
fechado da seita montfortiana, é um problema com o qual o sr. Fedeli e
seus meninos, que já perderam por mim tantas noites de sono, podem
perder todas as que lhes restem. Isso não será jamais da minha conta.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli5.htm (5 de 6)16/4/2007 11:03:08


Fé, ciência e ideologia: o fundo da questão Fedeli

18/07/2001

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli5.htm (6 de 6)16/4/2007 11:03:08


Nota sobre fé e conhecimento e um P. S. muito revelador

Nota sobre fé e conhecimento


e um P. S. muito revelador

Olavo de Carvalho

A palavra fé é compreendida habitualmente em dois sentidos. O


primeiro é o da simples crença, ou adesão voluntária a uma verdade
revelada. A segunda é a da virtude sobrenatural que “move montanhas”.
Pretender que qualquer indivíduo que tenha a fé no primeiro sentido
possua ipso facto a virtude de mover montanhas é intrinsecamente
absurdo e extrinsecamente blasfematório. Desde logo, porque o poder
da vontade sobre a totalidade da alma é relativo e escalar, admitindo
graus que vão desde a simples veleidade até o autodomínio. Em segundo
lugar, o valor da fé-crença depende da compreensão mais ou menos
clara, mais ou menos certa, que o fiel tenha da doutrina à qual deu sua
adesão. Se não fosse assim, a fé protestante teria de valer o mesmo que a
católica, pois a única diferença que há entre elas é a da compreensão
diferente que o crente desta e daquela confissões têm do texto revelado

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli6.htm (1 de 3)16/4/2007 11:03:21


Nota sobre fé e conhecimento e um P. S. muito revelador

a cuja verdade aderem. A fé, nesse sentido, é obviamente inferior ao


conhecimento, na medida em que dele depende o seu valor.

Quanto à fé compreendida como virtude sobrenatural, ela já é em


si mesma conhecimento, e conhecimento em sentido eminente, pois
consiste na presença atuante e reconhecível de Deus, que não se poderia
obter por nenhum meio intelectual imaginável. A palavra “reconhecível”
é aí o ponto decisivo, pois não se poderia falar em “fé sobrenatural
inconsciente”. Nesse plano, portanto, a questão da superioridade
relativa de fé e conhecimento perde obviamente todo sentido, pois não
há conhecimento superior ao da presença imediata do seu objeto, e a fé
sobrenatural é, mais que o sinal dessa presença, a presença mesma.

As sentenças do Concílio de Trento que o sr. Fedeli ostenta com ar


de triunfo nada têm portanto a ver com o sentido em que afirmei – e
reafirmo – a superioridade do conhecimento em relação à fé. O fato de
ele citá-las mostra apenas sua compreensão deficiente das questões que
se mete a discutir e sua incapacidade de elevar-se ao nível das idéias que
finge rebater.

Quanto ao resto da sua resposta, não passa da reafirmação


renitente de suas confusões de sempre, escrita num estilo ginasiano e
com as miseráveis afetações de bom-mocismo que lhe são de praxe.

Olavo de Carvalho
18/7/01

Post scriptum

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli6.htm (2 de 3)16/4/2007 11:03:21


Nota sobre fé e conhecimento e um P. S. muito revelador

Para completar a bufonaria, um detalhe pítoresco. Com aquele ar


entre lisonjeado e humilde do artista que recolhe os aplausos após o
espetáculo, o sr. Fedeli estampa na sua homepage a carta de um leitor,
Fabrício, que o cumprimenta efusivamente pela vitória alcançada no
confronto comigo. Se ele soubesse quem é o tal Fabrício, não ostentaria
com tanta satisfação esse troféu: é um rapaz maluco, gozador
compulsivo, que me envia regularmente e-mails pornográficos e que
agora resolveu incluir o sr. Fedeli entre os figurantes do seu circo. Cópia
da mensagem foi simultaneamente enviada a mim, não havendo pois a
menor possibilidade de dúvida quanto à sua autoria. O sr. Fedeli é,
decerto, vítima inocente dessa gozação, mas não posso dizer que seu
prêmio tenha sido injusto, nem destoante da sua performance a
grotesca nota final tocada pelo missivista.

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli6.htm (3 de 3)16/4/2007 11:03:21


Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

Olavo de Carvalho

Não tendo um corpo de militantes a meu serviço, nem mais que uns
minutos por semana para consagrar ao sr. Fedeli entre viagens e mil e
um trabalhos, não posso evidentemente acompanhar e responder pari
passu às acusações que me fazem ele e seu fiel escudeiro Felipe Coelho.
Nem creio que isso seja importante, pois o tempo, por si, se encarregará
de esclarecer as coisas. A ânsia, a pressa, a velocidade alucinada com
que esses indivíduos disparam incessantemente páginas e páginas de
páginas de acusações contra mim já mostra que não pensam em outra
coisa, que destruir a reputação de Olavo de Carvalho se tornou para elas
uma questão de vida ou morte.

Não me sentindo nem um pouco ameaçado, posso examinar o caso aos


poucos, de maneira mais ou menos casual e assistemática, por mera
curiosidade e sem nenhum intuito de “me defender”, já que a fantasia

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli8.htm (1 de 11)16/4/2007 11:03:33


Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

tribunalícia é do sr. Fedeli e não minha.

Um ponto que me parece especialmente importante é o conceito geral


de gnose que entra nesta discussão.

Quando se trata de aplicar um conceito geral a um caso particular, a


única prova admissível reside na coincidência exata ou pelo menos
adequada das propriedades deduzidas do primeiro com aquelas
observadas no segundo. Logo, para saber se sou um gnóstico ou não,
seria preciso, primeiro, saber qual o conceito geral de gnose usado pelo
sr. Fedeli.

Felizmente, para descobrir isso não é preciso desencavar um conceito de


gnose implícito nas análises que ele fez do meu pensamento. Meses
antes da eclosão da nossa controvérsia ele já havia exposto esse conceito
num trabalho publicado em sua homepage. Isso nos dá a garantia de
colocar a presente análise no terreno firme de uma fórmula inicial
jamais impugnada ou corrigida pelo autor no que quer que fosse,
excluindo também, ao menos por enquanto, a hipótese de que ele tenha
depois concebido uma definição ad hoc para me fazer caber dentro dela.

Para conceituar a gnose, poderíamos dizer que ela pretende ser

"o conhecimento do incognoscível".

Evidentemente, essa conceituação revela uma contradição que é

típica da gnose. Conhecer o incognoscível é uma contradição

conceitual e lógica. Mas ocorre que a gnose repele a inteligência e

a lógica como enganadoras. O verdadeiro conhecimento seria

intuitivo, imediato e não discursivo e lógico.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli8.htm (2 de 11)16/4/2007 11:03:33


Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

Conhecer o incognoscível, de fato, significa dar ao homem o

conhecimento de Deus e do mal, coisas impossíveis de

compreender. De fato não podemos compreender ou conhecer a

própria essência de Deus que é ser infinito e transcendente,

impossível de ser captado por nosso intelecto. Também não

podemos entender o mal e o pecado: o mal enquanto ser não

existe, e o mal moral não tem razão que o justifique.

Assim, a gnose pretende oferecer ao homem um conhecimento

natural que o colocaria em posição de compreender - e portanto

superar - a Deus, de compreender a mal, e, ademais, de conhecer

sua natureza mais íntima, que seria divina.

A gnose é então a religião que oferece ao homem o conhecimento

do bem e do mal.

Ora, sabe-se que a árvore do fruto proibido do Éden era

exatamente a árvore do conhecimento ou ciência do bem e do

mal (Gen. II,10). Assim, teria sido a gnose a tentação de Adão.

Com efeito, a serpente prometeu a nossos primeiros pais que, se

comessem o fruto proibido, "seriam como deuses, conhecendo o

bem e o mal" (Gen., III,5). A tentação de Adão e Eva foi a de se

tornarem deuses. Essa é a grande tentação do homem, que,

levado pelo orgulho, como Lúcifer, não admite sua finitude, não

aceita sua contingência.

Essa tentação é, de fato, uma revolta anti-metafísica. Ora, é esse

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli8.htm (3 de 11)16/4/2007 11:03:33


Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

um outro modo de conceituar a gnose: uma revolta anti-

metafísica.

Se admitirmos essa interpretação da tentação adâmica, teremos

que concluir existência uma continuidade da gnose na História.

E é o que constatam os estudiosos: a gnose apresenta-se

realmente como uma religião ora oculta, ora pública, mantendo

porém unidade e continuidade no transcorrer da História.

...

Essa unidade histórica da gnose através dos tempos e civilizações

é constatada por muitos autores. Dennis de Rougemont, por

exemplo, escreve:

"Mais perto de nós que Platão e os drúidas, uma espécie de

unidade mística do mundo indo-europeu se desenha como em

filigrama no plano de fundo das heresias da Idade Média. Se nós

abraçamos o domínio geográfico e histórico que vai da Índia à

Bretanha, constatamos que uma religião aí se espalhou, para

falar a verdade, de um modo subterrâneo, desde o século III de

nossa era, sincretizando o conjunto dos mitos do Dia e da Noite

tal como eles tinham sido elaborados inicialmente na Pérsia,

depois nos segredos gnósticos e órficos e é a fé maniquéia".

Por sua vez, H. I. Marrou atesta:

"(...) da fato, a gnose e seu dualismo pessimista exprimem umas

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli8.htm (4 de 11)16/4/2007 11:03:33


Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

das tendências mais profundas do espírito humano, uma das

duas ou três opções fundamentais entre as quais o homem deve

finalmente escolher. Claude Tresmontant mostrou bem a

permanência da tentação gnóstica, sem cessar reaparecida, sob

formas diversas no pensamento ocidental no curso de sua

história nos Bogomilas e Cátaros da Idade Média, em Spinoza,

Leibnitz, Fichte, Schelling, Hegel. Poder-se-ia continuar esta

história além do romantismo alemão e até nossos dias: o destino

de Simone Weil é particularmente muito significativo; foi bem o

seu neo-gnosticismo que a deteve finalmente na soleira da Igreja

e sua herança se reencontrava na obra histórica de sua amiga e

discípula Simone de Pétrement". (1)

Um conceito é obtido a partir da síntese abstrativa de traços notados


num certo grupo de fenômenos tomados como exemplares de uma
espécie. Se o conjunto dessas notas conseguiu apreender
adequadamente a essência da espécie, o conceito poderá ser
generalizado para outros fenômenos da mesma espécie. A prova de que
a generalização é adequada -- insisto -- reside na coincidência entre as
propriedades deduzidas do conceito e aquelas observadas nos novos
fenômenos que se pretende abranger nele.

Se o conceito fedeliano de gnose pretende abarcar a continuidade


essencial de um fenômeno histórico em todas as suas manifestações,
estas devem portanto ter algo em comum que permita pensá-las como
unidade. Se a própria formulação lógica do conceito exclui alguma das
mesmas manifestações inicialmente tomadas como exemplares, é

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli8.htm (5 de 11)16/4/2007 11:03:33


Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?
porque ele não apreendeu corretamente a essência considerada, mas
apenas alguns de seus aspectos acidentais. Uma definição feita a partir
da coleta de aspectos acidentais não apenas é incapaz de dar conta dos
fenômenos que abrange, porém, mais ainda, não poderá sem grave erro
ser generalizada para abarcar novos fenômenos, pois estes se arriscam a
não ter com os primeiros outro nexo senão acidental.

Um conceito elaborado nessas condições é garantia segura de confusão


e erro.

Tal é, precisamente, o caso do conceito criado pelo sr. Fedeli. Já no seu


enunciado inicial, “conhecimento do incognoscível”, ele exclui do
fenômeno gnóstico pelo menos duas de suas manifestações modernas
mais inquestionadas pelos estudiosos, isto é, o positivismo e o
neopositivismo. Possuindo todas as seis características da gnose
moderna tal como descrita por Voegelin, estas duas escolas têm como
seu princípio fundamental, justamente, a abdicação sistemática de todo
conhecimento que esteja para lá da experiência sensorial e portanto, a
fortiori, o “conhecimento do incognoscível”.

Logo a seguir, ao afirmar que “a gnose repele a inteligência e a lógica


como enganadoras. O verdadeiro conhecimento seria intuitivo,
imediato e não discursivo e lógico” o sr. Fedeli exclui do fenômeno
gnóstico todo o racionalismo clássico, a começar por Spinoza e Leibniz,
que, linhas adiante, citando Marrou, ele mesmo classifica como
gnósticos. Exclui ainda Hegel, também mencionado como gnóstico por
Marrou. Para fazer uma idéia de quanto Hegel estava longe de todo
intuitivismo, basta dizer que ele qualificava de “inimigo da
humanidade” quem quer que, fugindo à demonstração racional,

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Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

apelasse à sentença de um “juiz interior”.

Um conceito que não somente não pode ser generalizado para abranger
outros fatos, mas que não abarca nem mesmo os próprios fatos
dos quais partiu a sua formulação não é, obviamente, um conceito,
mas apenas a expressão vaga e autocontraditória de uma impressão
subjetiva.

O sr. Fedeli não tem, portanto, nenhum conceito de gnose. Não digo que
tenha um conceito ruim, ou tosco, ou primário. Não tem nenhum. Tem
apenas uma imagem, um símbolo unificador – o da serpente no Paraíso
– em torno do qual pode agrupar, pelo método mágico da analogia, uma
multidão de fatos objetivamente inconexos, cuja acumulação dê ao
conjunto uma aparência de verossimilhança fortemente persuasiva -- na
verdade, tanto mais fortemente persuasiva quanto menos logicamente
fundamentada.

Um símbolo não pode, como um conceito geral, ser aplicado a casos


particulares pelo método racional que confronta as propriedades
observadas neste últimos com as propriedades deduzidas do conceito
geral. Um símbolo pode ser apenas “associado”, por analogia, a outros
símbolos, e organizado numa cadeia de símbolos. Mas uma analogia não
é uma identidade; bem ao contrário, é um misto indissolúvel de
semelhanças e diferenças, de modo que, de uma cadeia simbólica, por
mais extensa e rica que seja, nada se pode concluir quanto à realidade
ou irrealidade dos nexos assinalados.

Também é evidente que qualquer julgamento classificatório que se faça

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Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

de um caso particular tomando como base não um conceito, mas um


símbolo, será logicamente “irrefutável” pelo simples fato de não ter um
conteúdo concetual identificável que permita, nele, separar o verdadeiro
do falso. Tal é exatamente o que acontece com o juízo que o sr. Fedeli
faz dos meus escritos.

Comparado a qualquer esboço de apreensão conceitual, mesmo


canhestra, mesmo errada, essa forma de pensamento é primitiva,
irracional e puramente mágica. O desprezo que o sr. Fedeli mostra ao
irracionalismo gnóstico é pura afetação, ocultando a confiança cega que
ele deposita na sua própria fantasia subjetiva.

Confiar-se a esse método no puro domínio investigativo, sem


conseqüências práticas para ninguém, já seria uma irresponsabilidade
absolutamente intolerável. Usá-lo como critério classificatório para um
julgamento que pode ter efeitos lesivos sobre a reputação alheia é o
cúmulo da leviandade. Mas o que mais se poderia esperar de um sujeito
que, para disparar sobre outrem uma acusação de toxicomania, se
baseia num livro que nem leu?

Espero que, diante dessa constatação, o sr. Fedeli não se apegue ao


subterfúgio de que essa sua definição de gnose foi apenas uma tentativa
informal e provisória – pois isto implicaria reivindicar, para um texto
publicado e referendado pelo autor, o privilégio da interpretação
figurada e liberal, que ele jamais concede às minhas palavras nem
mesmo quando proferidas oralmente, de improviso, e transcritas sem
minha correção. Essa duplicidade de critérios trairia de imediato a mais
completa desonestidade, agravada ainda pelo fato de que o referido

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Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

texto, sendo o único que na sua homepage é consagrado ex professo à


explicitação de um conceito capital na sua obra escrita, assume nela
portanto uma importância igualmente capital.

É evidente que a confusão do sr. Fedeli não tem de ser explicada


necessariamente, em primeira instância, como fruto da malícia. O
detalhe mais pitoresco – ou mais trágico – da sua fantasia é que,
buscando definir a gnose pela sua contradição constitutiva, ele acaba
por emitir, não a definição de uma contradição, mas uma definição
autocontraditória. Qualquer principiante de lógica percebe a diferença
entre o enunciado de uma contradição e um enunciado que se contradiz
a si mesmo. Mas a contradição que o sr. Fedeli vislumbrou no seu objeto
acabou por se apossar do próprio instrumental lógico com que ele
tentava captá-la, e no fim as névoas da gnose encobriram o próprio
olhar que buscava esclarecê-las. O sr. Fedeli é bem mais gnóstico do que
jamais poderia imaginar.

Esse caso ilustra o triste destino do estudioso que, armado de um


instrumental intelectual precário, se aventura a atacar um assunto
superior à suas forças. A forma mentis do sr. Fedeli é inteiramente
moldada e limitada pelos dois únicos elementos que a compõem: a
extensa leitura dos textos doutrinais católicos e as técnicas de pesquisa
historiográfica que aprendeu na USP. Faltam-lhe por completo a
habilidade filosófica para a penetração teorética dos conceitos e a
agudeza semântica para distinguir os sentidos das palavras conforme o
contexto e o momento. Sua incompreensão do que lê raia
freqüentemente a estupidez, como se vê na freqüência com que ele
incorre na confusão entre figuras de linguagem e conceitos formais e na

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Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

alteração pura e simples do sentido das palavras (se bem que seu
discípulo Felipe Coelho supere o mestre nesse ponto, ao interpretar
“virtude salvífica da devoção intelectual” como “salvação pelo
conhecimento”). A prova de que essa confusão não é acidental, mas
reflete uma sua incapacidade crônica, uma falha na sua formação
intelectual e talvez até um escotoma na sua percepção geral do mundo, é
que ele não a comete somente ao ler, mas também ao pensar, como se
viu no presente caso, onde, imaginando elaborar um conceito, ele não
produz senão símbolos e analogias.

A falta de sensibilidade para a diferença entre sentido reto e sentido


oblíquo, portanto um literalismo mecânico e raso, é vício redibitório em
qualquer estudioso cuja ocupação consista, basicamente, em
interpretação de textos. Talvez por isso esse historiador raté tenha
preferido dedicar-se, longe das sutilezas de um público mais culto, à
carreira de líder de seita. Aí, numa atmosfera onde o temor reverencial,
o fanatismo religioso e o constante sobressalto das ovelhas que se
sentem rodeadas de lobos inclinam à atrofia geral do senso das nuanças
da linguagem, o mestre está livre para repassar ao público as suas
deficiências de compreensão, a sua desordem interior e a sua doença
espiritual.

24/07/2001

Notas

(1) Orlando Fedeli, “Gnose: a religião oculta da História”, em http://


www.montfort.org.br.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli8.htm (10 de 11)16/4/2007 11:03:33


Qual o conceito de gnose do sr. Fedeli?

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli8.htm (11 de 11)16/4/2007 11:03:33


Um grupo de psicóticos

Um grupo de psicóticos

Olavo de Carvalho

Nada mais fácil do que livrar-se de um debate chamando o


interlocutor de louco. Não me lembro de ter jamais recorrido a esse
subterfúgio, que, bem ao contrário, foi muito usado contra mim por
pessoas que nada tinham a opor aos meus argumentos. Mas igualmente
fácil e leviano seria obrigar um homem a submeter-se a qualquer
cobrança despropositada de um louco, sob a alegação de que chamar o
louco de louco seria expediente indigno de um debatedor honesto.

A diferença entre as duas situações é que na primeira o sujeito


trata de se desviar rapidamente da conversa mediante uma desculpa de
ocasião, enquanto a segunda implica o exame criterioso da psicologia do
adversário e a prova de que qualquer conversa racional com ele é
impossível. Esta é, precisamente, a situação em que me encontro diante
das acusações que me move o sr. Orlando Fedeli.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli9.htm (1 de 25)16/4/2007 11:03:46


Um grupo de psicóticos

Que ele é maluco, qualquer pessoa com um pouco de experiência


da vida percebe a um primeiro exame. Mas isso não me pareceu razão
suficiente para lhe recusar uma resposta, pois há graus e graus de
loucura e não supus que a dele fosse tanta que inviabilizasse in limine
qualquer possibilidade de diálogo. Foi só aos poucos que me dei conta
da extensão da sua patologia, chegando por fim à conclusão de que
continuar debatendo com ele seria fazer-me de palhaço.

O sr. Fedeli, de fato, não é um debatedor como os outros. Para ele,


alguém discordar de suas opiniões não é simples matéria de divergência
intelectual, mas um pecado intolerável – e não apenas intolerável
moralmente, mas socialmente: algo, portanto, que não apenas se deve
condenar em sentimentos e palavras, mas que deve ser proibido e
reprimido pela autoridade civil. Ele próprio o declara, com
extraordinária candura, ao afirmar que, no seu entender, a liberdade de
consciência é “uma monstruosidade”.

Ao investir contra um antagonista, ele não o faz portanto na


condição de simples debatedor, mas na de autoridade judicial não
reconhecida pelo mundo mau. Daí o estilo policial e tribunalício da sua
argumentação, na qual as expressões “réu”, “culpado”, “acusado” e
“confissão” retornam a cada instante, num refrão obsessivo destinado a
transportar o leitor, da situação real, a uma situação imaginária de
processo canônico, um ambiente aterrorizante onde discordar da
palavra do juiz seria, mais que uma insolência, um risco.

O uso desse estilo numa sociedade livre e democrática, onde


mesmo a autoridade religiosa constituída evita impor suas sentenças

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli9.htm (2 de 25)16/4/2007 11:03:46


Um grupo de psicóticos

acima dos direitos assegurados pela legislação civil, já denota, por si,
uma personalidade anormal. Mas a suspeita de patologia torna-se uma
certeza quando se nota que, em vez de juiz de algum tribunal canônico,
o homem que assim fala é apenas um leigo, um cidadão comum, sem
qualquer autoridade religiosa e, no máximo, chefe de uma seitinha
miserável cuja existência a Igreja ignora solenemente -- um juiz de
fantasia cujo veredicto, por terrificante que pareça, não será levado a
efeito senão no tribunal da sua imaginação.

Que ele possa pensar que seu esse tribunal é o próprio Juízo Final,
e que Deus em pessoa condenará no eterno o que Orlando Fedeli
condene neste mundo, é um direito que eu seria o último a lhe negar,
persuadido que estou de que o princípio da liberdade de consciência
para os homens normais implica, como corolário incontornável, a
liberdade de inconsciência para os loucos, os bêbados e os menores de
idade.

Mas tudo isso ainda não me dissuadia de debater com o sr. Fedeli,
pois o diagnóstico de insanidade não me permitia apostar, a priori, que
se tratasse de quadro clínico irreversível.

Foi só o exame substantivo da sua argumentação que me


demonstrou a total inviabilidade de disputar com ele no terreno
racional. A exposição que se segue mostrará aos leitores que, ao declarar
louco o sr. Fedeli, não lhe dirijo um insulto, nem muito menos apelo a
uma desculpa infamante para me livrar de um superpentelho – por mais
justo que fosse esse apelo nas presentes circunstâncias --, mas faço uma
simples constatação de fato.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli9.htm (3 de 25)16/4/2007 11:03:46


Um grupo de psicóticos

***

O sr. Fedeli publica em sua homepage os depoimentos de Felipe


Coelho com o quem insinuasse que a condição de ex-aluno meu dá a seu
autor algum respaldo para falar a meu respeito com isenção. Vi de fato
essa criatura algumas vezes no meu curso, mas nunca cheguei sequer a
conversar com ela, pois parecia de uma timidez mórbida. Felipe alega
que só se ligou à Associação Montfort depois de freqüentar minhas
aulas; não tenho razão para duvidar do que diz, mas o fato é que, nelas,
estava sempre rodeado de um certo grupo de colegas dos quais alguns já
me falavam da Associação Montfort, sem dizer que eram seus membros,
no tempo em que o Seminário de Filosofia funcionava no Clube
Nacional, três ou quatro anos atrás. Nessa época, uma amiga minha,
cujo nome não vou citar por enquanto porque não lhe pedi autorização,
foi à Associação Montfort e lá encontrou, para seu espanto, todos esses
meninos. Também é patente que, logo ao começar este debate, o sr.
Fedeli, sacando da gaveta um maço de textos meus de vinte anos atrás,
dos quais nem eu próprio me lembrava nem tinha cópias, provou que já
vinha rastreando minha vida desde muito antes, o que dificilmente
poderia fazer sem a ajuda de um devoto círculo de militantes. O caso
configura nitidamente um longo trabalho de penetração, de cerco e de
bisbilhotice.

Mas isso, no fim das contas, não vem ao caso. Sempre conheci mal
essas pessoas e nunca tive interesse em sondar suas vidas. Foi só depois
de eclodido o presente debate que alguns alunos vieram me contar o que
sabiam delas.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli9.htm (4 de 25)16/4/2007 11:03:46


Um grupo de psicóticos

Esse menino, Felipe Coelho, por exemplo, encontrou na


Associação Montfort um grupo religioso feito sob medida para a sua
forma mentis, a de um rapaz inseguro e neurótico ansioso de apoiar-se
numa autoridade, sacrificando no altar dela a sua inteligência e a sua
dignidade pessoal. O sr. Orlando Fedeli atende perfeitamente a essa
demanda, pois ele é, como os nazistas e comunistas, se bem que sob
pretextos diferentes, um apóstolo da extinção da liberdade de
consciência – a tal “monstruosidade”.

A abolição dessa monstruosidade importaria na conversão forçada


de judeus, muçulmanos, protestantes e outros infiéis, ou pelo menos na
proibição de seus cultos respectivos, à imagem do que já se fez em
outras épocas, quando alguém ser o sr. Orlando Fedeli era considerado
normal.

Compreende-se que, na atmosfera dessa doutrina, o rapaz floresça


velozmente em dons que lhe parecem ser do Espírito Santo, mas que são
apenas os do espírito do sr. Fedeli.

Um desses dons é o de encadear, com rigorosa lógica dedutiva,


percepções errôneas da realidade e interpretações falseadas dos textos
que lê.

No curso de uma feroz investida polêmica, ante uma platéia mais


ou menos insegura e desinformada, isso torna as coisas extremamente
difíceis para o interlocutor, pois o antagonismo que o separa do atacante
não é de ordem discursiva, e sim intuitiva, estando cada um situado
num plano de realidade diferente, onde os mesmos nomes podem

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Um grupo de psicóticos

designar coisas inteiramente diversas.

Essa diferença reflete-se, antes de tudo, na leitura muito especial,


muito peculiar que o sr. Fedeli e seu pupilo fazem daquilo que lêem,
especialmente quando lêem com a temerosa expectativa de encontrar ali
algum indício da nefanda liberdade religiosa.

Daí, por exemplo, a tendência a tirar as mais ousadas generalizações,


com ares de certeza absoluta, a partir de indícios minúsculos e isolados.
Fazendo-se de islamólogo após uma breve leitura de Henry Corbin, o sr.
Orlando Fedeli pontifica, por exemplo: “O esoterismo islâmico
apresenta duas correntes principais: o shiismo e o ismaelismo”. (2)

Isto é de uma estupidez fora do comum.

O esoterismo islâmico é constituído essencialmente pelas ordens


sufis (turuq, plural de taríqat, “via”), que são centenas e que na sua
esmagadora maioria seguem a shariat (lei comum) do mundo sunnita.
A distinção entre sunnitas e shiitas nada tem a ver com a de exoterismo
e esoterismo, correspondendo simplesmente a duas modalidades da
religião exotérica, mais ou menos como catolicismo e protestantismo.

Todo crente muçulmano sabe disso, e o sr. Fedeli poderia ter


obtido essa informação em qualquer mesquita ou centro islâmico do
mundo. Provavelmente, como a repugnância a toda contaminação
gnóstica o impede de aproximar-se desses meios, ele prefere estudar o
assunto à distância, confiando-se à autoridade de um único erudito,
Henry Corbin, ignorando que o autor de En Islam Iranien é, ele
próprio, um esoterista islâmico, portanto alguém do qual uma alma

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Um grupo de psicóticos

católica virginal como o sr. Fedeli deveria guardar também asséptica


distância.

O ismaelismo é apenas uma subdivisão do shiismo, e constitui


uma variedade esotérica menor, limitada ao mundo shiita, em oposição
à linha mestra do esoterismo representada pelas ordens sufis do mundo
sunnita.

A confusão grosseira do sr. Fedeli chega ao ponto de, ao comentar


as interpretações do Corão, falar de “exegese shiita ou soufi”, como se
fossem uma só e mesma coisa.

Garanto-lhes que nunca, em décadas de estudo de assuntos


islâmicos, vi alguém ousar falar em público do assunto, com ares de
autoridade magistral e com base num tal desconhecimento da matéria.
A desproporção entre a parcimônia dos meios e o tom de completa
autoconfiança com que o sr. Fedeli entra na discussão daquilo que
ignora é coisa um tanto deprimente de se ver, pois revela menos uma
vigarice consciente do que algum tipo de anomalia psicológica.

Essa anomalia se torna ainda mais visível quando, linhas adiante,


o próprio sr. Fedeli afirma, aliás com exatidão, que os ismaelitas,
perseguidos pela autoridade religiosa, se esconderam dentro das ordens
sufis. Não se compreende como poderiam ou por que haveriam de fazê-
lo se fossem eles mesmos representantes do sufismo, ou se este, ao
contrário do ismaelismo, não fosse um esoterismo aceito pelas
autoridades ortodoxas sunnitas, portanto algo bem distante do shiismo
e mais ainda do ismaelismo. O sr. Fedeli, obviamente, não compreende

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Um grupo de psicóticos

o que ele próprio escreve.

Mais deplorável ainda é o completo descompasso, que se observa


no discurso do sr. Fedeli, entre os conceitos gerais e os fatos
encarregados de exemplificá-los. Ele mal acaba de escrever que a gnose
se distingue pelo seu completo intuicionismo anti-racional, e logo no
parágrafo seguinte já dá como exemplos de gnósticos Leibniz e Hegel,
racionalistas por antonomásia, e aliás o segundo deles inimigo professo
de todo intuicionismo. (3) Isso não pode ser um simples “erro de
lógica”. É, positivamente, uma desconexão entre percepção e linguagem,
uma carência de integração mental, o sintoma de uma fragmentação da
personalidade.

Multiplicada pelo número impressionante de citações coletadas


em noites e noites de trabalho insano, a prática desse curioso modus
interpretandi já se torna mais que um sintoma isolado: é um quadro
clínico completo.

Não é de espantar que, nesse quadro de auto-incompreensão


psicótica, raciocínios formalmente corretos abriguem, da premissa às
conseqüências, as mais prodigiosas confusões entre planos de realidade,
tornando a argumentação do sr. Fedeli uma massa compacta de
sentidos superpostos e fundidos, que para ser discutida ou refutada no
plano lógico teria de ser primeiro analisada psicologicamente e
decomposta em seus elementos heterogêneos e incompatíveis. Como
explicar, por exemplo, que, argumentando pela continuidade
historicamente comprovável da gnose, ele, um historiador de ofício, a
faça remontar à Serpente do Paraíso? (4) Quereria isso dizer que a

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Um grupo de psicóticos

ciência histórica tem meios de rastrear os fatos até à criação do mundo?


Ou que, ao contrário, a história é ancilla theologiae e que aquilo que
valha como artigo de fé deve ser aceito também como prova de
veracidade histórica acima de qualquer protesto possível da
metodologia historiográfica? Tais são os dois únicos sentidos
logicamente possíveis desse conceito. Ambas essas afirmativas, além de
ser absurdas em si mesmas, se contradizem uma à outra, mas, ao
mesmo tempo, ambas estão contidas de maneira inseparável na tese de
que a gnose remonta historicamente – e não só teologicamente, ou
simbolicamente – à Serpente do Paraíso. Que é que isto nos mostra,
acima de qualquer possibilidade de dúvida, senão que a afirmativa não
tem nenhum sentido lógico, mas apenas psicológico, como expressão
irracional de um desejo intenso de fazer per fas et per nefas a História
dizer o mesmo que a Teologia?

Idêntico fenômeno observa-se no uso que o sr. Fedeli e seu pupilo


fazem de uma das expressões que mais obsessivamente reaparecem nos
seus escritos: a tal “salvação pelo conhecimento”. A gnose antiga
acreditava, de fato, num conhecimento intelectivo da essência de Deus
(mesmo assim, com certas reservas), opondo-se nisto à cognitio fidei
que era, segundo a Igreja, o único meio de acesso ao mistério divino.
Por algum motivo insondável, Fedeli e seu pequeno clone espiritual
cismaram que eu acreditava nessa “salvação pelo conhecimento”, cuja
impossibilidade absoluta, no entanto, eu mesmo havia demonstrado nas
aulas sobre “Consciência e estranhamento”, continuação de “Descartes e
a psicologia da dúvida”, meses antes do início desta polêmica. (5) Que se
esforçassem tanto para me atribuir uma doutrina tão contrária ao

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Um grupo de psicóticos
conteúdo expresso das minhas aulas já era, por si, coisa esquisita. Para
isso chegavam ao cúmulo de interpretar como sinônima de “salvação
pelo conhecimento”, no sentido gnóstico, a expressão “poder salvífico da
devoção intelectual”, que manifestamente significa coisa totalmente
diversa, designando apenas a devoção a Deus prestada através do
trabalho intelectual, por exemplo na ascese beneditina. Mais esquisito
ainda, porém, é que, na ânsia de provar que escamoteei
propositadamente alguma coisa no resumo das características
essenciais e constantes da gnose, lá vem de novo o jovem Coelho, na sua
última cartinha, com a “salvação pelo conhecimento”. Mas é óbvio e
patente que essa doutrina não poderia estar presente nas formas
modernas e imanentistas da gnose, para as quais a idéia mesma de
“salvação” é inconcebível. O próprio Coelho, dois parágrafos depois,
insiste na distinção entre gnose transcendentalista e imanentista, (6)
sem perceber que a existência mesma desta distinção exclui a
possibilidade de que a “salvação pelo conhecimento” esteja presente em
toda a gnose, mas tão somente, é claro, na gnose antiga e
transcendentalista. Ora, no momento mesmo em que afirma a
continuidade essencial de um fenômeno qualquer ao longo dos tempos,
nenhum cérebro normal apontará, entre as características que definem
essa essência, um traço que não pode estar presente em todas as suas
manifestações mas só em algumas delas, localizadas num tempo
determinado. Como compreender, portanto, o pensamento do jovem
Coelho? Ele quis dizer que no fundo o marxismo ou o positivismo são
transcendentalistas e visam à salvação da alma pelo conhecimento como
os gnósticos antigos? Ou que, ao contrário, a continuidade da gnose ao
longos dos tempos é irrelevante e só interessam as características da
gnose antiga? Tal como no exemplo anterior, a expressão verbal

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Um grupo de psicóticos

aparentemente lógica abriga dois sentidos que, absurdos em si mesmos,


se contradizem e se unem inseparavelmente no corpo de uma mesma
idéia, caracterizando uma forma inconfundivelmente delirante de
pensar e de escrever. Novamente, a confusão mental é tão flagrante que
não pode ser explicada como simples “erro de lógica”, mas acusa
decisivamente uma falha de percepção daquilo que se escreve, no
momento mesmo em que se escreve. Essa falha torna absolutamente
ininteligível o pensamento do jovem Coelho, que o interlocutor teria de
“interpretar” psicologicamente antes de poder discutir logicamente.

Tantos são os lapsos desse tipo na produção escrita de Fedeli &


Coelho ao longo desta polêmica, que para refutar ou provar seus
argumentos seria preciso primeiro peneirar suas palavras, linha por
linha, para depurá-las desses lapsos e isolar, no meio da massa bruta de
confusões e superposições de sentido, algum sentido logicamente
distinto, exatamente como, numa psicoterapia, o analista busca um
fundo de lógica por trás da massa compacta de símbolos e visões
delirantes do paciente.

O aglomerado imponente de citações e remissões não faz senão


tornar ainda mais invisível, para os autores, o caráter alucinatório do
que escrevem. O exemplo mais recente encontra-se na última cartinha
do jovem Coelho, na qual, para provar que o conceito de gnose de Eric
Voegelin coincide em gênero, número e grau com a definição dogmática
de heresia gnóstica, ele cisca uma definição no glossário de Eugene
Webb e a exibe como troféu. (7) Ora, desde logo um mínimo de
prudência e a simples consciência da situação de discurso
recomendariam ao menino não confiar-se a uma fonte tão notoriamente

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Um grupo de psicóticos

de segunda mão ao discutir com um sujeito que acabava de ser acusado


pelo sr. Fedeli de ciscar definições “em algum site da internet” em vez de
buscá-la em fontes confiáveis (o sr. Fedeli referia-se às quatro
características da gnose antiga, sem saber que eu as havia retirado da
Enciclopédia Routledge). Em segundo lugar, o próprio Webb, no seu
site, avisa que é um amador bem intencionado e não um intérprete
autorizado de Voegelin. Em terceiro lugar, um conceito qualquer, numa
obra filosófica extensa, nunca se pode conhecer pelo seu simples
enunciado sintético (muito menos redigido por um terceiro), mas
requer o exame das aplicações que lhe dá o autor, pois só nestas se
revela o sentido efetivo que ele tem no conjunto do argumento. Ora, na
sua aplicação constante e sistemática ao longo dos 33 volumes de
Collected Works, o conceito de “gnóstico”, em Voegelin, não se opõe a
“católico”, mas a “filósofo”, uma categoria na qual ele inclui, além dele
próprio, é claro, vários pensadores que, na perspectiva fedélica, são
inconfundivelmente gnósticos, como Platão e Schelling. Para piorar as
coisas, mais adiante o menino lança uma suspeita de gnosticismo contra
o próprio Voegelin, o que, confrontado com a afirmativa de que sua
definição de gnose é idêntica à definição dogmática de heresia gnóstica,
resulta em declarar que o próprio Voegelin se acusa formalmente de
herético. A incompreensão da leitura alcança aí o cume de uma
sublimidade quase indizível.

Igualmente reveladora de falta de percepção da realidade é a


alegação – feita de boa fé, segundo parece – de que as transcrições não
autorizadas de minhas aulas, cuja citação pelo sr. Fedeli impugnei como
expediente desonesto, são documentos que podem ser citados à vontade

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Um grupo de psicóticos

porque foram encontrados na minha própria homepage, isto é, no


Forum Sapientia que é uma subdivisão dela. (8) Ora, minha homepage
tem um editor, que sou eu. O Forum Sapientia tem quinhentos e tantos,
que são os participantes da discussão, que ali despejam o que bem
entendem, sem ser fiscalizados ou censurados (exceto quando alguém
me avisa de algum abuso em particular) e sem que eu tenha aliás a
mínima condição de acompanhar simultaneamente todos os debates.
Qual será, pois, o sentido da alegação de Felipe Coelho? Pretende ele
dizer que o que quer que ali alguém descarregue sem minha autorização
e até sem meu conhecimento se torna automaticamente publicação
autorizada por mim? Ou que, ao contrário, a falta de autorização num
caso justifica o uso não-autorizado no outro? É, de novo, o mesmo
esquema delirante: duas afirmações absurdas em si mesmas e
mutuamente contraditórias, que aparecem sintetizadas
inseparavelmente num único pensamento, de aparência lógica
impecável.

E o mais extraordinário é que, após expor assim aos olhos do


público o estado deplorável da sua inteligência, o menino cante vitória,
gabando-se de ter-me feito críticas “devastadoras”, e ainda seja
fortalecido nessa ilusão grotesca pelo incentivo de um mestre
interesseiro e bajulador.

Considerado enquanto técnica argumentativa, o modo de escrever


de Fedeli e Coelho assinala menos uma vontade consciente de iludir do
que a expressão desesperada de uma confusão interior que não busca
propriamente ludibriar, e sim contaminar a platéia. O ludíbrio
consciente pressupõe, no orador, o domínio de seus próprios

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Um grupo de psicóticos

pensamentos e a compreensão da situação de discurso. Ora, ambos


estes requisitos faltam manifestamente no guru e em seu discípulo,
caracterizando, não uma vigarice compartilhada, mas a boa-fé insana de
um delírio a dois.

Duas observações, no entanto, devem matizar esse diagnóstico.

1) Essa loucura não transparece na maioria dos escritos do sr.


Fedeli, pela simples razão de que são simples resumos ou adaptações de
textos tradicionais da Igreja, onde pouco espaço haveria para alguma
efusão pessoal reveladora. De modo geral, é compreensível que um
homem de mente perturbada oculte sua patologia por trás do apego a
uma doutrina sólida, fixa e facilmente repetível, cuja racionalidade
intrínseca, usada como muleta, o dispense de qualquer esforço
intelectual mais comprometedor. A vida intelectual do sr. Fedeli,
resumindo-se no mais das vezes a simples deduções mecânicas do
dogma e a paráfrases de textos lidos, está em geral bem protegida dos
riscos de uma luta pelo conhecimento, mas é claro que não os pode
evitar por completo, e é no instante que eles aparecem que a ordem
aparente da sua vida mental se esboroa ao contato com a complexidade
da situação.

2) A compactação de sentidos contraditórios num discurso


formalmente lógico é, malgrado sua loucura intrínseca, um intrumento
verbal de grande força persuasiva, precisamente por causa do estado de
espírito paradoxal em que deixa seu leitor. Arrastado pela sucessão
lógica de uma demonstração cuja estrutura formal independe
totalmente do sentido dos conceitos, ele acaba por aceitar as conclusões

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Um grupo de psicóticos

sem dar-se conta do terreno semântico lodoso e mole em que se assenta


o edifício aparentemente estável. O exame lógico dos argumentos nada
revelará de anormal. Só a análise semântica e a comparação com a
situação de discurso revelarão a loucura por trás do método, mas
poucos leitores têm o hábito ou os meios de realizá-las. Nos demais, a
superposição de clareza lógica e nebulosidade semântica produzirá um
misto de descoberta e confusão, bem apto a mudar num relance todo o
seu quadro habitual de referências, a arrebatá-los do mundo real e a
despertar neles o sentimento de terem “visto a luz”: a adesão súbita e
total das suas almas a uma idéia cujo significado mal vislumbram. É a
essa mutação repentina do quadro de percepção e a essa conversão
imediata a uma idéia mal compreendida que Flo Conway e Jim
Siegelman, no seu estudo sobre a retórica das seitas populares da New
Age, dão o nome de snapping. (9)

Se o sr. Fedeli manejasse esse instrumento com malícia


consciente, seria um gênio da erística, como Hegel. Mas o abismo entre
o conteúdo de suas argumentações e a situação de discurso mostra-nos
que ele não tem nenhum domínio do que faz, que ele é antes uma vítima
de sua confusão interior do que um produtor deliberado de confusão na
mente alheia. Um raciocínio lógico separado da intuição adequada da
realidade (seja da realidade em torno, seja da realidade representada
nos conceitos do próprio discurso) é, com efeito, sinal inequívoco de
perturbação mental. O ódio mesmo que o sr. Fedeli tem à faculdade
intuitiva revela nele um fundo de consciência de sua anomalia e um
desejo de mutilar a mente alheia para reduzi-la à sua própria medida
pessoal, pois raros tipos humanos realizam tão bem quanto ele a

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Um grupo de psicóticos
definição de “louco” dada por Chesteston: “o homem que perdeu tudo,
menos a razão”.

Tão distante está o sr. Fedeli da situação real de discurso que ele
chega a ostentar como sinais de aprovação da platéia as cartas que lhe
são enviadas por pura gozação pelo tal de Fabrício (pseudônimo de um
hacker comunista) e por um sr. Francisco Nixexé (o qual não existe e
não passa de outro pseudônimo do mesmo cidadão), sem perceber nem
de longe que está sendo usado como personagem de piada. (10) Custei
um pouco a me dar plena conta da sua completa falta de senso de
realidade e creio que de início carreguei demais nas tintas ao atribuir-
lhe intenções maliciosas. A malícia, nele, é totalmente inconsciente: ela
não provém da sua vontade, mas do demônio que se apossou dos seus
pensamentos e os embaralha sem que ele se dê a mínima conta do que
se passa. O mesmo acontece com o jovem Coelho.

Mas é claro que, nessas condições, a perspectiva torta não falseia


somente os textos, e sim a realidade mesma em torno. Vistos dessa
perspectiva, os fatos mudam de tamanho, de sentido e de importância,
adquirindo um novo perfil que os tornaria irreconhecíveis aos
protagonistas que os viveram. Assim, por exemplo, um professor que dê
cursos há vinte anos, para platéias diferentes, fatalmente terá alunos
mais antigos e mais novos, mais próximos e mais distantes, mais
íntimos e mais estranhos, e assim por diante. Uns saberão mais que os
outros, conhecerão o professor mais de perto que os outros,
freqüentarão a sua casa, desfrutarão da intimidade da sua família,
enquanto outros só o verão de longe, pelo seu perfil profissional, mal
ousando lhe dirigir respeitosamente a palavra. Tudo isso é natural,

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Um grupo de psicóticos

inevitável e está na ordem das coisas. Observado desde o ângulo do


caçador de gnósticos, esse fato banal será transfigurado em uma
sociedade secreta, com círculos internos e externos, um discurso
exotérico e outro esotérico, graus iniciáticos, ritos de admissão e pactos
de lealdade mafiosa.

É claro que, num primeiro instante, quem, conhecendo por


experiência direta o meio e os personagens, ouça esta segunda
descrição, a tomará espontaneamente em sentido figurado, como pura
ênfase retórica destinada a realçar as qualidades negativas que o
observador atribui ao grupo observado.

Também eu pensei que fosse isso, e julguei discernir no sr. Fedeli


um propósito conscientemente difamatório.

A um segundo exame, porém, notei que ele acreditava literalmente


no que dizia, e que portanto a diferença entre o que eu sabia do meu
ambiente e o que o sr. Fedeli ali enxergava não era uma simples
diferença de opinião, de julgamento, mas de percepção. O que eu
enxergava como minha realidade cotidiana era para ele apenas um véu
de banalidade astuciosamente urdido por mim para encobrir a
“verdadeira” natureza da minha convivência com meus alunos, que seria
a de iniciador e iniciandos, grão-mestre e neófitos no seio de uma
organização secreta de tipo gnóstico.

Ele via realmente as coisas assim, e não havia o mínimo


fingimento na sua maneira de expressá-lo. O sr. Fedeli é um difamador,
sim, mas não por premeditação: é um difamador espontâneo, é um

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Um grupo de psicóticos

difamador compulsivo e sem qualquer segunda intenção.

O mais estranho era que, jamais tendo me visto de perto, jamais


tendo freqüentado meus cursos e muito menos minha casa, e sabendo,
em suma, muito pouco da minha vida, ele se permitia pintar em
imaginação todo um quadro dela – com tintas sombrias e misteriosas, é
claro – e não só acreditar piamente no que inventava mas também
expor sua ficção em público e defendê-la num tom de quem tivesse a
certeza absoluta do que dizia.

É verdade que ele próprio reconhecia haver, no quadro, uns


detalhes faltantes. Meu aprendizado com Frithof Schuon, o episódio
Idries Shah e a premiação do meu livro O Profeta da Paz na Arábia
Saudita, em especial, lhe pareciam especialmente enigmáticos. Já contei
dezenas de vezes essas histórias a meus alunos e tê-las-ia contado ao sr.
Fedeli, com todo o prazer, se ele me fizesse uma visita e colocasse as
perguntas educadamente. Mas ele preferiu conjeturar as respostas à
distância e, não encontrando nenhuma, resolveu transformar as
perguntas em suspeitas e as suspeitas em acusações públicas,
despejando-as sobre mim aos borbotões, umas atrás das outras, num
tom inconfundivel de interrogatório policial, de modo a dar ao público a
impressão de que eu estivesse escondendo alguma coisa. Era uma
sucessão de cobranças estapafúrdias e insolentes, formuladas desde o
alto da convicção inabalável de que, ante a autoridade implacável de
Orlando Fedeli, mesmo o réu mais obstinado acabaria por ceder e
confessar o crime.

Eu olhava tudo aquilo, estupefato. O homem estava mesmo

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli9.htm (18 de 25)16/4/2007 11:03:46


Um grupo de psicóticos

doidinho.

Um detalhe que me chamou especialmente a atenção foi a


alternância histérica de ênfases contrárias em torno de um mesmo
ponto. Num momento, ele buscava me pintar com as cores de discípulo
e agente da taríqat de F. Schuon. Como eu respondesse que não isso, ele
imediatamante tirava a conclusão de que eu estava “renegando o
mestre” ou tentando “me limpar”, como se qualquer contato com
Schuon fosse motivo de vergonha. Nem de longe lhe passava pela cabeça
que entre o discipulado devoto e a abjuração odienta há mil uma
gradações intermediárias, nas quais um homem normal geralmente de
detém sem chegar aos dois extremos que, para uma alma como a de
Orlando Fedeli, são as únicas alternativas concebíveis. Pois se mesmo ao
sair do Partido Comunista não me tornei do dia para a noite seu
inimigo, mas tomei mais de uma década para examinar o assunto com
toda a serenidade, por que não deveria usar da mesma prudência ao
julgar os ensinamentos de Schuon? Mas, para um fanático como o sr.
Fedeli, todos temos de ser fanáticos: se não somos fanáticos em favor
dele, somos fanáticos contra. Logo, das duas uma: ou eu era fiel
discípulo de Schuon, ou me envergonhava de tê-lo sido. Como poderia
eu explicar ao maluco que não se tratava nem de uma coisa nem de
outra? E ademais: para que me explicar a um idiota insolente?

Suas perguntas simplesmente não podiam ser respondidas, porque


já vinham sempre com preconceitos embutidos e respostas induzidas.

Na verdade, o molde infamante que ele tentava projetar sobre os


episódios de minha vida que não lhe fossem conhecidos era puramente

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Um grupo de psicóticos

projetivo. Como ele próprio, Orlando Fedeli, oculta e distorce episódios


da sua vida para que ninguém o veja como realmente é, compreende-se
que imagine que os outros fazem o mesmo, que todo mundo tenha
sujeiras, como ele, para varrer para baixo do tapete.

É público e notório – e foi publicado no livro de Giulio Folena,


Escravos do Profeta, que o sr. Fedeli nunca impugnou judicialmente –
que o atual guru da Associação Montfort foi membro da TFP, que ali
disputou a liderança com o Dr. Plínio Correia de Oliveira e, derrotado,
saiu falando horrores do guru e fundou uma TFP do B.

Não é um curriculum dos mais edificantes. Que remédio, portanto,


senão negá-lo?

“Não sou ‘dissidente da TFP; sou seu denunciador e acusador”,


proclama ele na sua polêmica com D. Estêvão Bittencourt. Ora, se um
membro de uma organização sai dela atirando e funda uma organização
concorrente, que raio de coisa é ele senão um dissidente?

Fui do grupo de Catolicismo – prossegue ele -- , e quando


descobri que por trás da TFP havia uma seita secreta com idéias
absurdas e cultos delirantes, denunciei a seita a que nunca pertenci,
graças a Deus... Sua maneira de me apresentar -- mutatis mutandis,
isto é, levando em conta as imensas e evidentes diferenças - é injusta
como a de alguém que se referisse a Santo Agostinho, para diminuí-lo,
como "dissidente do maniqueísmo". Ele denunciou, condenou e refutou
o maniqueísmo; não foi "dissidente" dele.

Bem, o mutatis mutandis está aí somente pro forma, pois as

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Um grupo de psicóticos

diferenças entre o caso de Agostinho e o de Fedeli não são só de


tamanho, mas de essência. Agostinho não somente se afastou do
maniqueísmo mas tornou-se expositor e apóstolo de uma doutrina
infinitamente superior, ao passo que Fedeli nunca rejeitou a doutrina
explícita da TFP e sim apenas a “seita secreta” que existiria por trás
dela. Agostinho rejeitou o maniqueísmo enquanto tal, não um
maniqueísmo secreto por trás dele, enquanto o sr. Fedeli só rejeitou a
TFP enquanto organização, não enquanto doutrina. Seu dualismo
radical, que opõe o catolicismo a todas as demais doutrinas religiosas e
até filosóficas como filhas diretas da Serpente do Paraíso, é puro Plínio
Correia de Oliveira. (11) Agostinho superou o maniqueísmo e tornou-se
seu autêntico e poderoso adversário. O sr. Fedeli nunca foi adversário
da TFP: é apenas seu concorrente. Vende doutrina similar, com outra
marca.

Mas, novamente, não creio que o sr. Fedeli esteja mentindo de


propósito. Ele simplesmente se engana quanto à sua própria vida e, por
extensão, quanto à vida alheia: se sua biografia tem um capítulo que
convém varrer para baixo do tapete, daí ele conclui que a minha
também deve ter. Se a dele tem uma história de abujuração de guru, a
minha também deve ter. Tudo isso é tão obviamente projetivo, que nada
mais há a dizer a respeito. Da minha parte, nem me entreguei ao
guiamento de Schuon com a paixão devota com que o sr. Fedeli se
entregou ao Dr. Plínio, nem abjurei do mestre com o ódio retroativo que
o sr. Fedeli sente pelo dele. Segui simplesmente o conselho do Apóstolo:
“Experimentai de tudo, e ficai com o que é bom”, e, sem pressa de
aplaudir ou condenar, vou examinando as coisas que aprendi com

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Um grupo de psicóticos

Schuon, conservando umas, descartando outras, como aliás, suponho, é


o que qualquer homem normal deve fazer em tais circunstâncias.

O deslocamento de perspectiva que pode transfigurar isso na projeção


escabrosa de uma auto-imagem feita de lealdades abjuradas e ódios
vingativos, embora seja em si uma distorção psicótica, também não deve
ser atribuído estritamente a alguma patologia pessoal do sr. Fedeli, visto
que essa patologia é compartilhada ao menos pelo mais combativo dos
seus peões, Felipe Coelho, e provavelmente por outros militantes do seu
grupo. A hipótese de uma psicose grupal me parece muito mais viável,
por ser uma patologia quase infalivelmente presente em grupos
religiosos minúsculos e isolados, que se sentem cercados por um mundo
mau. Ora, o grupo do sr. Fedeli não apenas é microscopicamente
minoritário na sociedade em geral, mas ainda é um dos grupos mais
isolados e rejeitados no âmbito da própria religião que alega defender,
estando colocado, ao mesmo tempo, contra a autoridade dos decretos
conciliares e contra todos os outros grupos tradicionalistas e
minoritários, como a TFP e a Sociedade de São Pio X (lefevriana), que o
têm na conta de um punhado de sociopatas e malfeitores. Se, nessas
condições, pretendesse ser apenas um círculo de elite, cultivador de
conhecimentos de pouco interesse para a massa popular, o isolamento
talvez não lhe pesasse. Mas o grupo do sr. Fedeli é uma entidade de
proselitismo religioso, voltada para a conversão das multidões, cuja
absoluta indiferença às suas pregações exige dos militantes uma
obstinação quase sobre-humana, da qual só os santos e os loucos são
capazes, com a ressalva de que em geral os santos a cultivam na solidão
e os loucos em grupo.

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Um grupo de psicóticos

Somando-se à angustiante desproporção entre sua audiência ideal


e sua audiência real, o isolamento dos montfortianos é ainda agravado
pelo fato de que sua ambição vai muito além da conversão da espécie
humana: ela sonha com a restauração de um poder temporal do clero,
com o advento de um Imperium global capaz de erradicar do mundo a
liberdade religiosa e impor o catolicismo a todo o globo terrestre, a ferro
e fogo – ambição que vai infinitamente além das pretensões atuais do
papado mesmo.

A tensão inevitável entre a amplitude desmesurada do sonho de


poder e a míngua de interesse do meio circundante é o caldo de cultura
ideal para a proliferação da psicose grupal.

Eis os motivos pelos quais não posso satisfazer à demanda de


Fedelis e Coelhos por uma resposta pari passu às suas acusações. Está
acima da minha capacidade fazer ver a essas pessoas que seus
argumentos não podem ser rebatidos ou confirmados no plano racional
porque neles o acúmulo de distorções semânticas, de confusões de
planos, de falsas interpretações e de simples erros de raciocínio é de tal
monta, que requereria, para recolocarem-se as coisas em seus lugares,
um livro mais ou menos do tamanho daquele que consagrei a José
Américo Motta Pessanha, pois o que havia de errado neste, como neles,
não eram simples idéias isoladas, mas uma percepção falsa de toda a
realidade. Erros lógicos podem ser impugnados, vigarices podem ser
denunciadas. Mas uma psicose não se impugna nem se denuncia: uma
psicose analisa-se e trata-se, quando se têm o interesse e os meios de
fazê-lo. Ambas essas condições me faltam por completo. Limito-me,
pois, a diagnosticar o caso em linhas gerais, dando graças aos céus de

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Um grupo de psicóticos

que análise e tratamento de um quadro tão complexo e espinhoso não


estejam sob a minha responsabilidade.

06/08/01

Notas

(1) Debate de Orlando Fedeli com D. Estevão Bittencourt, em

http://www.montfort.org.

(2) “Elementos messiânicos na seita ismaelita de Alamut”, id.

(3) “Gnose: a religião oculta da História”, id.

(4) Id., ibid.

(5) O texto será reproduzido em breve nesta homepage.

(6) Terceira mensagem de Felipe Coelho, em http://www.

montfort.org.

(7) Id.

(8) Id.

(9) Flo Conway & Jim Siegelman, Snapping: America’s

http://www.olavodecarvalho.org/textos/fedeli9.htm (24 de 25)16/4/2007 11:03:46


Um grupo de psicóticos
Epidemic of Sudden Personality Changes, New York, Lippincott,

1982.

(10) Frontispício de http://www.montfort.org.

(11) No seu último escrito, ele procura dar retroativamente uma

interpretação pliniesca à doutrina agostiniana das duas cidades.

Mas, evidentemente, essa doutrina tem um sentido quando

expressa no século V, com os dados civilizacionais de que

Agostinho dispunha, outro no século XXI, com a massa de

informações hoje disponível sobre todas as religiões e tradições.

Tudo o que Agostinho, no seu contexto limitado, visse fora da

Igreja Católica, podia ser sem grave contradição atribuído à obra

do demônio, mas como fazer o mesmo, hoje, com tudo o que

sabemos do hinduísmo e do budismo, do Islam e mesmo de

algumas religiões indígenas, cuja riqueza espiritual só não é visível

ao sr. Fedeli e que o o Concílio explicitamente reconhecem? A

doutrina de Agostinho, atualizada para o estado presente da

pesquisa histórica, ficaria certamente bem diferente da forma que,

por mera ampliação mecânica, lhe deu o sr. Fedeli.

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Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis


Gonçalves

Publicada em O Tempo, Belo Horizonte, 15 de Agosto de 2001

Estive esta semana em Belo Horizonte, onde, a convite do Grupo

Inconfidência, fiz uma conferência para uma platéia de 400

pessoas no Círculo Militar. Na véspera, o diário O Tempo publicou

esta minha entrevista. – O. de C.

O sr. é um filósofo "outsider", fora da academia. Isso foi uma opção


pessoal ou se deveu a alguma circunstância alheia à sua vontade?

Não foi nem uma coisa nem a outra. Foi pura coincidência. Sempre
estudei só para minha orientação pessoal, sem nenhuma ambição -- ou
rejeição -- de carreira acadêmica. Só comecei a dar conferências porque
fui convidado. Gostei e continuei. Mas aí já não tinha mais sentido

http://www.olavodecarvalho.org/textos/regis.htm (1 de 9)16/4/2007 11:03:59


Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

pensar em profissão acadêmica, porque eu já tinha meu campo de


estudos definido, e ele era muito alheio aos interesses acadêmicos do
dia.

Considerando que o diálogo intelectual é uma condição essencial para


o exercício filosófico, qual é a sua relação com seus colegas, os demais
filósofos brasileiros, acadêmicos ou não?

O diálogo é certamente importante, mas, numa situação anormal como


a brasileira, a área de diálogo é muito restrita. Se quero falar sobre a
filosofia de Eric Voegelin, de Xavier Zubiri, sobre as últimas pesquisas
em torno de Aristóteles ou sobre religiões comparadas, quase não há
com quem conversar no ambiente acadêmico paulista e carioca. Não
posso ter diálogo com uns coitados que só leram Marx, Nietzsche e
Derrida, e que acreditam, para valer, que Florestan Fernandes é um
grande pensador. O ambiente acadêmico é provinciano, limitado,
inculto, fanatizado, padronizado e, por autodefesa de fracote, arrogante.
Não há conversa inteligente que possa subsistir aí.

O sr. tem assumido publicamente posições que o vinculam à vertente


ideológica conservadora. Esse fato pode ser deduzido de sua
perspectiva filosófica, ou se trata exatamente do contrário?

Você deveria perguntar isso àqueles que “me vinculam” a essa corrente.
Da minha parte, asseguro que não sou um ideólogo de maneira alguma.
A crítica radical que faço à ideologia dominante nos nossos meios
intelectuais não implica a filiação a qualquer outra ideologia. Aliás, a
crença mesma de que uma ideologia só possa ser criticada desde outra

http://www.olavodecarvalho.org/textos/regis.htm (2 de 9)16/4/2007 11:03:59


Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

ideologia é um dogma comunista perfeitamente inaceitável. Para além


das ideologias há a ciência e a filosofia, e elas dão base suficiente para
uma crítica supra-ideológica de qualquer ideologia. Pessoas que dizem o
contrário não têm experiência pessoal suficiente da ciência ou da
filosofia, já entraram na vida adulta intoxicadas de ideologia e
imaginam que, fora do poço que habitam, não existe nada.

A propósito, existe um pensamento de direita no Brasil (cuja origem


passaria por nomes como Francisco Campos, os militantes do Centro
Dom Vital e, contemporaneamente, Roberto Campos e José Guilherme
Merquior)? O sr. se filia a essa corrente?

“Essa corrente”? Qual? Não há aí corrente nenhuma. Somente na


imaginação comunista poderia haver algo de comum entre um fascista
como Campos, os conservadores católicos do Centro Dom Vital e os
liberais voltaireanos Campos e Merquior. Aí há três correntes
inconciliáveis: uma diz que o poder deve ficar com o Estado, outra com
a Igreja, outra com o livre mercado. As três coincidem apenas no
anticomunismo, mas há milhões de razões para ser anticomunista, e
elas não formam entre si a unidade de uma ideologia. A fantasia
comunista é que, ignorando essa pluralidade de pontos de vista
possíveis, constrói um espantalho de “unidade direitista” e depois se
esconde embaixo da cama, com medo. Ser comunista é ser idiota, e usar
as categorias comunistas de pensamento sem ser comunista é ser ainda
mais idiota.

Sobre Merquior, atribuem-se aos seus livros e ensaios os fundamentos


de uma retomada do pensamento convervador brasileiro. Teria ele

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Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

desempenhado um papel assim tão capital?

Outra confusão. Merquior nunca foi conservador. Foi um liberal-


progressista, como Campos. Conservador foi João Camilo de Oliveira
Torres, foi Gilberto Freyre.

O economista Roberto Campos é outro intelectual "orgânico" (no


sentido gramsciano) do conservadorismo, que tem oferecido algumas
contribuições originais à reflexão sobre a sociedade e o homem
brasileiros. Em que medida ele lhe serve de modelo?

Gosto muito do dr. Roberto, tenho o maior carinho e admiração por ele,
mas seu pensamento não me influenciou em absolutamente nada. Dos
economistas liberais, só devo algumas idéias a Ludwig von Mises e
Eugen von Böhm-Bawerk. Também não recebi influência alguma do
Merquior. Os únicos brasileiros que influenciaram de algum modo o
meu pensamento foram Gilberto Freyre, Mário Ferreira dos Santos e
Miguel Reale, o primeiro um conservador, o segundo um anarquista, o
terceiro um social-liberal (se fosse possível defini-los politicamente e se
suas obras não fossem muito mais ricas do que suas respectivas
identidades políticas). Mas não sou, sob qualquer aspecto pensável, um
seguidor de nenhum deles.

O sr. atribuiu tinturas comunizantes ao ex-candidato á presidência dos


EUA, Al Gore. O sr. não estaria exagerando ao ceder, assim, a um
raciocínio típico da "teoria conspirativa da história"?

Apelar à expressão “teoria conspirativa da história”, no caso, é um


autêntico “argumentum ad ignorantiam”. “Argumentum ad

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Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

ignorantiam” é você deduzir, do seu próprio desconhecimento de uma


coisa, a inexistência da coisa. Baseado nesse raciocínio, as ligações
comunistas de Al Gore só podem mesmo parecer uma hipótese
esquisita, e até conspirativa. Mas relatar um fato não é fazer uma teoria,
muito menos uma teoria conspirativa. E o fato é que a carreira política
dos Gore, pai e filho, foi sempre sustentada pelo dinheiro de Armand
Hammer, que era um dos coordenadores financeiros do Comintern e o
maior lavador de dinheiro soviético de todos os tempos. Dizer isso náo é
“atribuir tinturas comunizantes” a Albert Gore: é afirmar um simples
fato.

Seu nome costuma aparecer na mídia associado ao do ex-delegado e


ex-deputado Erasmo Dias. O sr. coincide com os pontos de vista dele a
respeito da eliminação sumária de criminosos recalcitrantes e outras
proposições igualmente polêmicas daquele militar que vão de encontro
a uma visão, digamos, humanística da sociedade?

Nunca vi meu nome associado ao desse senhor, do qual a única coisa


que sei é que ele prendeu minha esposa, Roxane, quando ela era
militante estudantil. De onde você tirou essa idéia? Aliás, colocar a
discussão da criminalidade entre a “eliminação sumária” e uma “visão
humanística” é estereotipar demais, você não acha? Sabemos
perfeitamente bem que os pretensos defensores de “direitos humanos”
são, ao mesmo tempo, adeptos do regime cubano, que, este sim, pratica
a eliminação sumária não só de bandidos, mas de dissidentes políticos.
Evidentemente o que está em jogo aí não é uma “visão humanística”,
mas um simples pretexto retórico para paralisar a ação policial e
facilitar o advento de uma revolução comunista que implantará um

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Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

regime totalitário e mandará fuzilar imediatamente aqueles mesmos


marginais que usou como instrumento tático, exatamente como fez
Lenin. Quem quer que se oponha a esse jogo é rotulado de adepto de
execuções sumárias, mas isso é um truque verbal muito canalha, não lhe
parece? Hoje em dia, quem quer que defenda o simples direito de um
policial à defesa própria já é chamado de “adepto de execuções
sumárias”. Graças a essa propaganda, o Rio de Janeiro é hoje recordista
mundial de mortes de policiais. A linguagem de todo esse debate está
viciada.

O que acha do sucesso de Paulo Coelho? O sr. concorda com a análise


que se faz na França, atribuindo seu êxito ao fato de ser ele o único
escritor que traz hoje uma mensagem positiva para os que
naufragaram com o ideário de 68 e perderam o leme com a derrocada
do "socialismo real"?

Só li os dois primeiros livros do Paulo Coelho, “O Alquimista” e “Diário


de um Mago”. Eram histórias muito interessantes, mas, se bem me
lembro, achei que ele confundia esoterismo com mera psicoterapia. Não
sei a que se deve o sucesso dele, mas certamente ele não é o único
escritor otimista do mundo.

Alguns críticos atribuem ao sr. uma posição simetricamente


equivalente, do lado ocidental, à dos fundamentalistas muçulmanos e
de outros ideólogos totalitários, ou seja, contrários à visão pluralista
da cultura e da sociedade? Como o sr. responderia a essa crítica?

Que ela é uma estupidez, enunciada por semi-analfabetos que nem

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Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

leram as minhas obras nem sabem o que quer que seja dos
fundamentalistas islâmicos. Aliás, você acredita mesmo que os
comunistas, adeptos do mais sangrento dos totalitarismos, defendam
“uma visão pluralista da cultura e da sociedade”? Você já viu o controle
férreo que essa gente exerce sobre as opiniões no meio acadêmico e
jornalístico? Qualificar a mim como totalitário e a eles como pluralistas
é uma completa inversão da situação real. É impressionante como essas
mentirinhas pueris circulam e acabam sendo aceitas como verdades.

Um de seus temas mais caros é a crítica ao ensino acadêmico no


Brasil. Qual seria a origem dos males apontados e como combater o
estado de coisas atual?

A origem remota é a fragilidade geral das elites intelectuais brasileiras, a


cuja formação ninguém deu a mínima atenção, desde o século passado.
A origem próxima é a apropriação da universidade pela propaganda
totalitária rasteira. Hoje o brasileiro só entra numa universidade para
aprender a recitar slogans maoístas e fidelistas dignos de inteligências
de galinha. Os partidos de esquerda são diretamente responsáveis pela
redução da universidade brasileira à barbárie.

A imprensa brasileira luta para alcançar mais leitores, mas prende-se


aos limites estruturais de um país semi-alfabetizado e a estratégias de
marketing que pregam a popularização. Parece-lhe que essa imprensa
vem cumprindo adequadamente seu papel?

A imprensa é hoje o produto de um conluio entre os interesses


comerciais das empresas e os interesses políticos dos grupos

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Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

esquerdistas que dominam as redações. As empresas, em troca de


dinheiro, deixam os jornalistas-militantes fazer propaganda ideológica,
e estes, em troca de espaço para enganar o leitor com propaganda
ideológica, lutam pelo crescimento econômico das empresas. Isso é
tudo. Graças a esse estado de coisas, notícias fundamentais, como por
exemplo o julgamento do clã Pol-Pot no Camboja (certamente o fato
judicial mais importante desde o tribunal de Nuremberg), são
cinicamente sonegadas ao povo. Simplesmente não há mais jornalismo
no Brasil, com exceções que se contam nos dedos de uma só mão. O que
há, em geral, é manipulação e desinformação.

Como o sr. vê a questão do racismo no país e as relações sociais que


camuflam os conflitos e traumas históricos, negando-os ou
relativizando-os positivamente diante de realidades, como a norte-
americana, onde as reivindições dos afro-descendentes são postas de
maneira muito mais afirmativa?

O racismo brasileiro, se existe nas proporções com que intelectuais a


soldo de fundações americanas querem nos fazer crer que existe, deve
ser mágico, pois se dissemina sem propaganda, sem livros, sem
cartazes, sem sites na internet, sem partidos racistas, e, enfim, por
meios puramente telepáticos. A diferença de padrão econômico entre a
população branca e a negra e mestiça resultou de um fato muito
simples: entre a abolição da escravatura e o primeiro surto de
industrialização, passaram-se quarenta anos. Durante esse tempo a
população negra e mestiça cresceu sem que crescessem as vagas no
mercado de trabalho. Quando abriram as vagas, veio a guerra e elas
foram ocupadas pelos imigrantes, que vinham com melhor formação

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Entrevista de Olavo de Carvalho a Régis Gonçalves

profissional. Então, fatalmente, “negro” virou sinônimo de pobre, de


brega, de desempregado. Isso é menos um preconceito do que a
expressão de uma situação social de efetiva desvantagem. Temos de
tirar essa gente dessa situação deprimente, mas não será com injustas
acusações de racismo ao restante do povo brasileiro que vamos
conseguir isso, sobretudo quando essas acusações são pagas com
dinheiro americano. Esse debate está viciado por uma conjunção
acidental de interesses entre entidades norte-americanas que querem
debilitar nossa identidade nacional e forças esquerdistas locais que
querem aproveitar a onda antibrasileira para fazer demagogia
revolucionária.

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

Entrevista de Olavo de Carvalho


à Revista Digital

Revista Digital, 22/3/2001

Participando de um ciclo de palestras promovido pela ACLAME


(Associação da Classe Média do RS) em universidades do interior do
estado - em cidades como Cruz Alta, Ijuí, Santa Cruz do Sul, Erechim,
entre outras – intitulado Universidade Para Quê?–, o polêmico filósofo
e jornalista Olavo de Carvalho fala de assuntos na pauta dos gaúchos: o
papel da universidades e a Uergs, o governo Olívio Dutra e os
guerrilheiros colombianos, Fórum Social x Fórum da Liberdade, a
ascensão do PT ao poder, segurança pública, e muito mais! Leia e
discuta essa entrevista exclusiva para a Revista Digital.

Professor, o senhor está visitando o Estado a convite da Aclame


(Associação da Classe Média do Rio Grande do Sul), para um ciclo de
palestras intitulado Universidade pra quê?. Qual é a função da
universidade, na opinião do senhor? O senhor acredita que a

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

universidade brasileira perdeu sua função original?

— A universidade pode ter inúmeras funções diferentes. Porém, a


característica que a define é a de constituir o maior centro de busca e
preservação do conhecimento. É uma grande ilusão pensar que a
universidade se destinasse a formar a classe dominante. Na Idade
Média, havia esta consciência do benefício incalculável que o
conhecimento representa, pela sua simples posse. Não se pensava na
hipótese de usar isto para outra coisa, ao contrário, isto era o supremo
benefício.

Com o tempo, a universidade vai adquirindo finalidades secundárias.


Em primeiro lugar, na Renascença, começou a disputa entre os reis e o
papado pelo domínio da universidade. O declínio da intelectualidade
católica dominante da época é terrível - se você compara os intelectuais
dos séculos XII e XIII com aqueles idiotas do Concílio de Trento, é algo
absolutamente deplorável. Há uma queda do nível das universidades
ocasionada pela sua politização, por culpa dos papas e dos reis. Com a
restauração na Alemanha, a universidade conserva uma imensa
autonomia, possibilitando o surgimento do movimento notabilíssimo
que foi o romantismo e o idealismo alemão. Filho direto da liberdade,
da não interferência dos poderes externos na universidade.

No entanto, a partir daí, esta intervenção é cada vez maior, sobretudo e


em primeiro lugar no sentido comercial. A universidade vai se
transformando em uma instituição para a formação profissional, e, logo
em seguida, como efeito quase imediato, vem a politização da
universidade. Não que essas finalidades econômicas e políticas não

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

devam ser atendidas, mas para elas há outros instrumentos.

O senhor acha então que dever-se-ia separar essa questão do


conhecimento instrumental, voltado para fins técnicos e para a
formação profissional?

— A universidade pode abranger tudo isso, mas sem abrir mão da


consciência do valor do conhecimento objetivo. Nesse sentido, ela
poderia se tornar o árbitro das disputas sociais e políticas, realmente
dando uma ajuda na esfera econômica. Mas, se ela perder a sua função
própria e se prostituir a fins comerciais ou políticos, ela perde a
autoridade e se transforma em um órgão auxiliar, ela é subjugada. É o
que acontece hoje.

A maioria dos políticos usa a universidade sem nenhum respeito ao


conhecimento objetivo. Os partidos, sobretudo o famoso PT e esse
pessoal comunista todo, quer instituir a sua doutrina partidária como
programa de universidade, vetando inclusive o conhecimento de
doutrinas antagônicas. Isto é o máximo da prostituição que se pode
conceber na universidade. E no Brasil isto acontece em todas as
universidades, sem exceção.

O senhor traçou uma origem bastante antiga para esse processo de


intervenção política. E no Brasil, quando é que isso começou?

— O Brasil não tem tradição universitária. Ele tem, ao contrário, uma


tradição das faculdades isoladas, que, por não poderem exercer esta
função mais elevada, acabavam virando centros de agitação política. O

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

tempo que os estudantes perderam fazendo passeatas e revoluções foi


tempo roubado à formação da elite intelectual nacional. A desvantagem
que o Brasil leva no cenário internacional ocorre simplesmente pelo
despreparo e pela burrice da sua elite política. Em vez de estudar,
ficavam fazendo passeata. Hoje, temos como resultado esse Congresso
de analfabetos. Em outros países, é uma tradição os políticos de
primeiro plano serem homens que dominam a arte da palavra. Na
França, um político não se incomodará de ser acusado de corrupção,
mas o desafiará para um duelo se você disser que ele cometeu um erro
de gramática. Nos Estados Unidos, um dos políticos mais populistas,
como Theodore Roosevelt, era autor de ensaios literários de valor
extraordinário. Abraham Lincoln era um dos maiores estilistas da
língua inglesa. E isso é uma tradição, que há em quase todos os países.

E o Brasil também tinha esta tradição intelectual, até as décadas de 40 e


50. O tempo da ditadura ainda conservou um pouco, mas, pelo simples
fato de ser uma ditadura, por não se ter uma circulação normal das
idéias e dos debates políticos, rompe-se a tradição. E, na constituinte, se
elegeram pessoas que não sabem conjugar um verbo, completar uma
frase, não têm domínio do idioma. Você tem o exemplo grotesco do
Lula, da Benedita, pessoas que oferecem a desculpa da sua origem
pobre, mas a origem deles não é mais pobre que a de Machado de Assis,
ou mais pobre do que a minha. Machado de Assis era filho de lavadeira,
eu sou neto de lavadeira.

Qual tem sido a reação das comunidades acadêmicas visitadas pelo


senhor neste ciclo de palestras?

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

— Em geral, eles gostam. Quando não gostam, não respondem nada.


Ficam quietinhos [risos].

Existe alguma perspectiva de mudança deste quadro? E, se existe, qual


o papel do governo nisto, ele ajuda ou atrapalha?

— O governo só atrapalha! Ele é o culpado direto disso aí. Não só este


governo, mas todos os governos! Todos os governos sempre tentaram
usar a universidade como instrumento de ação política.

E isto independentemente de partidos?

— E sobretudo criando esta ilusão de que a universidade deve prestar


serviço público. A existência da universidade já é o serviço público! A
finalidade da universidade se esgota na busca e na transmissão do
conhecimento. Se você disser que a universidade tem que planejar a
reforma social, então qual é a diferença entre a universidade e um
ministério? Ou um partido político? Aí se cria uma confusão, perdendo-
se a noção da função específica das várias instituições.

O senhor tem acompanhado a experiência do Rio Grande do Sul na


área da educação, onde se discute a questão da criação da
universidade estadual, a Uergs?

— Sim. Isso é uma palhaçada, mais uma palhaçada. Primeiro, você já


tem um montão de universidades. Essa vai ser mais um cabide de
empregos. Imagine, vai ser uma universidade feita pelo PT, vai ser uma
universidade petista. E é apenas isso o que eles querem: mais um
megafone para fazer propaganda. Aliás, a única coisa que esse

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

governador daqui sabe fazer é propaganda, alardeia obras que ele não
fez, até obras dos seus adversários.

O senhor fez duras críticas ao governador Olívio Dutra em seu artigo


O direito de duvidar, publicado em Zero Hora de 11/03/2001. O senhor
vê mesmo uma relação entre a guerrilha colombiana, o narcotráfico e
a ascensão da esquerda ao poder no Brasil?

— Mas essa relação não sou eu que vejo, são eles mesmos que afirmam!
Eles dizem isso! Eles se irmanam na luta pelo socialismo na América
Latina, eles declaram isso. Não é uma interpretação que eu estou
fazendo. Então, é evidente que, se o PT ganha votos aqui, isso é bom
para a guerrilha colombiana lá. Se o colombiano ganha mais meio metro
quadrado de terra, isto é bom para o PT aqui. Agora, se o dr. Olívio
Dutra não tem interesses ligados a isso, ele que condene as violências da
guerrilha. Eu o desafio em público a fazer isso! Essa guerrilha todo
mundo viu na televisão: os guerrilheiros amarraram uma bomba na
cabeça de uma prisioneira e a mulher explodiu. Essa é a maior
organização criminosa que já existiu no continente. Se o dr. Olívio Dutra
for sincero, que condene esses crimes. Ele que chame o representante
da guerrilha de criminoso, se ele tiver coragem. Esse é o tratamento que
o governador tem obrigação de dar a essa gente. É esse o tratamento
que ele está dando? Não, ele está tratando esses sujeitos como hóspedes
normais! Você recebe o Al Capone na sua casa e o trata como se fosse
um homem honrado e, sobretudo, empresta um megafone nacional para
o sujeito falar, para fazer propaganda? O que fez o Fórum Social
Mundial se não dar a esse pessoal da guerrilha instrumentos de
propaganda? Ora, dar instrumento de propaganda não é cumplicidade?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/redigital.htm (6 de 13)16/4/2007 11:04:12


Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

É o caso de facilitar meios para a apologia do crime. E essa guerrilha é


criminosa.

O senhor tem alguma avaliação de por que este processo de ascensão


do PT ao poder começou no Rio Grande do Sul?

— Em parte é porque você tem uma tradição de estatismo forte, muito


arraigada. Mas é curioso que justamente o gaúcho tenha essa mania,
porque ele não precisa disso, o gaúcho é um tipo independente, que
sempre teve iniciativa própria. Se fosse um povo fracote, incapaz, que
precisa de um governo forte que o proteja, eu admitiria isso. Mas o
gaúcho realmente não precisa disso, esta é uma situação irônica, uma
excrescência. Isso ficou assim por falta de repertório cultural.
Sobretudo, quando não há outras idéias em circulação, você adere às
idéias que estão aí. Por exemplo, a tradição liberal é todinha ignorada
aqui neste país. Você fala de liberalismo, as pessoas não sabem a que
autores você está se referindo, não têm as fontes, nunca leram nada a
respeito, você não vê os livros liberais nas livrarias. Você encontra, no
máximo, um ou outro best seller sobre globalização, livros de terceira ou
quarta categoria. Você não encontra os livros do von Mises, do Hayek,
do Rothbard. Tudo o que há de mais significativo do pensamento liberal
não chega aqui.

Falando nisso, o senhor vai ter uma participação no Fórum da


Liberdade, que está em sua 14ª edição. Como o sr. vê a sua
participação nesse fórum e mesmo a existência deste tipo de iniciativa,
que já está consagrada no estado?

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

— Ah, isso vai ser muito divertido! Em primeiro lugar, porque eu tive
um debate pela imprensa com o deputado José Dirceu, e eu vou
encontrá-lo lá, eu quero que ele me diga, cara a cara, que ele não é um
técnico em inteligência militar formado em Cuba. Ele diz que o PT só
investiga nas fontes oficiais, o que é uma impossibilidade pura e simples
porque, em certas CPIs, o PT aparecia sabendo até o número da cédula
que foi dada em propina para um sujeito. O que mostra que existe
espionagem. E o deputado José Dirceu nega isso aí. Ameçou até me
processar. Agora, ele deve explicar como é que se deu essa estranha
mutação na cabeça dele que, de agente secreto, se transformou em
jurista. Esse é um dos motivos pelos quais eu estou ansiosíssimo para
chegar lá, eu quero que ele me conte essa história.

Como é que o senhor contrasta uma iniciativa como o Fórum da


Liberdade com o Fórum Social, por exemplo? No Fórum da Liberdade
a gente vê que existe contraste de opiniões, o que não parece ser o caso
do Fórum Social.

— O Fórum Social, que pretendeu ser um contraponto ao Fórum de


Davos, verdade foi apenas uma caricatura do Fórum da Liberdade, uma
macaquice muito mal feita, porque ali não tem Fórum nenhum, aquilo é
um coro, o Coro Social Mundial. O conceito de debate deles é o do
centralismo democrático leninista. É o debate interno dos comunistas.
Nesse sentido, não digo nem que eles sejam contra a liberdade: eles são
a favor da liberdade, só que da liberdade para eles! Quem não é da
curriola deles não precisa de liberdade. Esse Fórum Social Mundial foi
duplamente fraudulento: não só por se apresentar como Fórum, o que
não verdade não foi, mas também por posar como o grande inimigo da

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

Nova Ordem Mundial, que o financiou e o paparicou, passou a mão na


cabeça dele e o carregou no colo. Toda a constelação dos grão-senhores
da Nova Ordem Mundial apoiou essa porcaria e esses meninos ficam
fazendo o papel de enfants terribles: “Nós somos os revoltadinhos.” São
nada, são uns vendidos!

O senhor também atribuiu aos intelectuais de esquerda um papel de


formadores de guerrilheiros, durante os anos em que estes intelectuais
estiveram encarcerados com ladrões comuns, durante a época da
ditadura no Brasil.

— Isso é um longo processo. A utilização do banditismo para a revolução


é uma tradição. Começa na Revolução Francesa, Lênin aperfeiçoou a
coisa e ela segue sendo usada, de maneira que não há novidade alguma
nisso aí.

O senhor deve ter visto os movimentos de pequenos agricultores


invadindo a Secretaria da Agricultura do Estado. Será que isso aí é o
feitiço se voltando contra o feiticeiro, ou é pura tática de
desinformação?

— Eu não creio que isso configure um caso de o feitiço virar contra o


feiticeiro em escala maior. Essas coisas não são muito difíceis de
controlar e são percalços no caminho de uma estratégia revolucionária.
Isso acontece mesmo. Agora, no caso dos bandidos, é mais difícil
governá-los. Mas nem por isso foi impossível fazer uma rebelião
simultânea de 29 presídios em São Paulo, preparada desde a década de
70 por intelectuais esquerdistas presos, que ensinaram a essa gente as

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

técnicas de guerrilha e de organização política. Esses mesmos


intelectuais e líderes esquerdistas aparecem na televisão, falando das
causas do banditismo como se fossem autoridades neutras e superiores
no assunto. Ora, as causas são eles mesmos! Nosso banditismo não tem
a ver com problemas sociais, miséria, principalmente porque os grandes
centros produtores de violência não são as regiões mais pobres. Para
falar em causas sociais do banditismo, você precisaria de causas sociais
para transformar o sujeito pobre em um traficante em grande escala, e
isso é impossível. Mas a idéia de que o banditismo tem causas sociais
acaba funcionando como um pretexto legitimador do banditismo. Para o
bandido, essa é uma retórica agradável aos ouvidos dele: o sujeito
investe contra a sociedade e a sociedade é que é culpada. Para o bandido
isso é uma delícia.

Do ponto de vista da segurança pública, o sr. deve ter acompanhado os


protestos de cidades do interior do RS, nas quais a Brigada Militar
está sendo retirada, concentrando suas operações em uns poucos
municípios. Como é que o senhor vê esse processo?

— Isso tem uma lógica. Por um lado, você fomenta a formação de


organizações revolucionárias, como o MST. Você paparica e dá apoio
publicitário à guerrilha. E, por outro lado, você desmonta o aparato
policial civil e militar. Você está agindo com muita lógica. Você está
preparando uma revolução. Mas, como as pessoas hoje em dia não
estudam mais estratégia leninista, só os que a praticam ainda a
estudam, elas vêem esse fatos e os consideram coisas isoladas, quando
tudo isso é de uma lógica absolutamente implacável. A Brigada Militar é
um centro de resistência ao processo revolucionário, logo, temos de

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

desmontá-la, é óbvio!

O senhor acha que isso é apenas a ponta do iceberg?

— Nem ponta de iceberg: o processo é visível! Não se pode nem mesmo


dizer que é uma conspiração, porque o processo está acontecendo na
nossa cara! Por exemplo, toda essa campanha pela ética, inventada em
1990, com a finalidade de atribuir à esquerda o monopólio da
autoridade moral e de jogar as demais tendências umas contra as
outras, está sendo feita na nossa cara, e, depois de doze anos de
experiência, as pessoas ainda não se deram conta disso. A incapacidade
de aprender com a experiência assinala uma grave deficiência mental.
Um país que ainda não aprendeu a unidade desse processo está em um
estado de torpor mental absolutamente patético!

O senhor chegou mesmo a comentar que a briga recente do ACM com o


FHC era resultado desse processo.

— Esse foi um resultado maravilhoso! Prova que a coisa está


funcionando. Eles estão arrebentando com todas as lideranças que
possam se opor no caminho deles, desmontando o país com base em
acusações de corrupção, com uma ressalva: eles próprios nunca são
investigados, porque antes tiveram o bom senso de penetrar na Polícia
Federal, no Ministério Público, e sobretudo na mídia. Se o petista que
está no Ministério Público quer investigar um sujeito, o que ele faz? Ele
solta aquilo para a imprensa, a imprensa noticia e aí ele usa o noticiário
da imprensa como motivo para iniciar a investigação. Na hora que se
inicia a investigação, o sujeito já está queimado, com indisponibilidade

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

de bens, já se abre seu sigilo bancário. A reputação do sujeito está


acabada. No fim, se ele for inocentado pela Justiça, a reputação dele
será restaurada? Não, a reputação do juiz é que estará acabada! Se o
sujeito é inocentado, isso não é prova de que ele é inocente, mas é prova
de que o juiz é culpado. E as pessoas ainda não são capazes de ver aí a
unidade de uma estratégia revolucionária, a qual os próprios
revolucionários já confessaram.

E o senhor acha que há a possibilidade de mudança? Ou o processo de


aprendizado vai ser muito longo?

— Bom, tudo depende de as pessoas se tornarem um pouco inteligentes.


O Gilberto Amado dizia que tinha um orgasmo quando ele encontrava
um brasileiro capaz de juntar causa e efeito. Aqui, para que isso
aconteça, a gente precisa de uma sucessão formidável de orgasmos! Eu
não sei se é possível ainda – mas, se as pessoas tomarem consciência,
essa porcaria acaba em uma semana. A única força que esse pessoal tem
é a ignorância e o torpor da opinião pública, sobretudo da elite, em
especial a elite empresarial. As pessoas estão afundando, vão ser mortas
daqui a pouco e estão brincando com essa coisa, dando dinheiro para
financiar a sua própria liquidação. A primeira coisa a fazer é fechar a
torneira do dinheiro. Aí a brincadeira esquerdista acaba em dois dias.
Porque poder efetivo eles não têm, o poder deles é a ilusão que eles
cultivam na cabeça dos outros. A ilusão, a cegueira, o poder das trevas.

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista Digital

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista do Clube Militar

Entrevista de Olavo de Carvalho


à Revista do Clube Militar

Revista do Clube Militar (Rio de Janeiro), Ano LXXIV, No. 386,

ago.-set. 2001

Qual a causa do desmoronamento da União Soviética?

— A inviabilidade da economia socialista já estava demonstrada, em


teoria, desde a década de 20. A prova, feita pelo maior dos economistas
do século XX, Ludwig von Mises, era bem simples: socialismo é
economia planejada; planejamento supõe cálculo de preços; não
havendo mercado, não há com base em quê fazer o cálculo de preços;
logo, não á possível planejar uma economia sem mercado; portanto, o
socialismo é impossível. A história da URSS é a longa e difícil
demonstração da veracidade desse silogismo contra a teimosia demente
da elite comunista. A economia socialista sobreviveu artificialmente
graças aos seguintes expedientes. Primeiro, a abertura do mercado,

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista do Clube Militar
empreendida por Lênin, que atraiu investimentos estrangeiros em
quantidade; depois, a guerra; terceiro, a ocupação e exploração
descarada dos chamados países satélites; quarto, a exploração da rede
de milionários comunistas do Ocidente, formada por Stálin desde a
década de 30 (para fazer uma idéia de quanto isso representa em
dinheiro, basta ver que na Guerra Civil Espanhola a URSS não teve de
gastar um tostão: toda a pretensa ajuda soviética às forças republicanas
veio de milionários de Nova York e da indústria do cinema norte-
americano). Com tudo isso, o cidadão soviético médio da década de 80
ainda consumia menos proteínas do que um súdito do Tzar em 1913 e
tinha um padrão de vida que, sob muitos aspectos, era inferior ao dos
negros da África do Sul sob o apartheid. Isso não podia, é claro, durar
para sempre. Para derrubar o castelo de cartas, bastava forçar a URSS à
concorrência econômica direta. Foi o que fez Ronald Reagan com o seu
programa de defesa atômica: um investimento monstruoso, que forçou
a URSS a jogar a toalha. A lição que temos a tirar disso é que um regime
tirânico e economicamente inviável pode ter uma longa sobrevida por
meios artificiais se não é forçado a um confronto com a realidade. Uma
ditadura economicamente inviável pode até durar mais do que um
regime democrático próspero, se este for ameaçado desde dentro por
forças revolucionárias. A economia não determina o rumo da história: o
que pode determiná-lo, sim, é o uso político inteligente da economia
como arma. Foi Ronald Reagan - que tantos diziam ser um burrão -
quem nos ensinou isso e liquidou o "Império do Mal". Mas não podemos
esquecer que a KGB, a estrutura policial do império, continua intacta e
hoje infiltrada no mercado de capitais em todo o mundo. A URSS caiu,
mas o movimento comunista continua ativo.

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista do Clube Militar

O que mantém Fidel Castro no poder?

— Não posso dizer isso com certeza, mas dois fatores não devem ser
esquecidos. Primeiro, na avaliação da KGB, Cuba é o mais perfeito
Estado policial do mundo, com um polícia secreta para cada 28
habitantes. Derrubar isso não é fácil. Em segundo lugar, um amigo meu,
importante dignitário da Maçonaria européia, me contou que Fidel
Castro teve a prudência de não perseguir os maçons, ao contrário do que
o regime comunista fez no Leste europeu. Tendo em vista a força que a
Maçonaria tem nos EUA, é normal que isso tenha desestimulado
consideravelmente qualquer iniciativa anticastrista das elites norte-
americanas.

O que acha da indicação do irmão do Fidel, como seu sucessor ?

— Fidel Castro criou um Estado policial capaz de sobreviver à morte de


seu criador. É evidente que a figura carismática deixará um vazio, mas
quem disse que Fidel, morto, não será mais poderoso do que vivo?
Afinal, Che Guevara vivo foi um fracasso como líder guerrilheiro,
tornando-se um sucesso como símbolo após a morte. Nenhum regime
comunista jamais dependeu de um líder em particular para sobreviver.
Pode ser que os exilados aproveitem a morte de Fidel para lançar
campanhas democratizantes, mas a possibilidade de sucesso é remota. A
política norte-americana de "amaciar" o comunismo cubano também
não me parece promissora. O governo de Cuba tem um plano de
revolução continental, está comprometido com Chavez, com as FARC e
com a esquerda brasileira -- não poderá romper com todos esses
compromissos só porque Fidel morreu. Fidel não é mais indispensável

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista do Clube Militar

ao comunismo do que foi Stálin. Raul Castro foi uma peça essencial do
mecanismo do Estado policial. Não creio que tenha a mínima intenção
de liberalizar o regime.

Por que o regime comunista é perigoso para as nações?

— O comunismo, como o nazismo, é um movimento de massas investido


de espírito messiânico. Ele aposta na ruptura do ordem real das causas
históricas e na instauração de uma sociedade inventada. Basta isso para
torná-lo perigoso. Mais perigoso ainda ele se torna porque, alegando
realizar uma mudança historicamente "inevitável", portanto natural, ele
se propõe chegar a ela pelo mais artificial dos meios, que é a revolução.
Uma revolução é sempre a precipitação doentia de mudanças que, em
circunstâncias normais, tomariam um rumo totalmente diverso.
Revolução não quer dizer necessariamente violência física: pode ser a
simples imposição, por meios "legais", de mudanças estruturais cujo
alcance o povo não compreende nem pode acompanhar. Foi assim que
Hitler fez uma revolução na Alemanha. Hannah Arendt acertou na
mosca quando disse que os movimentos totalitários visavam menos a
criar uma ordem social determinada do que a mudar a natureza
humana. O totalitarismo é uma revolta contra a natureza humana,
portanto contra a ordem cósmica e divina.

O regime democrático é uma espécie de panacéia, que serve para todos


os povos, ou cada povo tem de ser prerarado para adotá-la, por meio da
educação?

— A democracia em sentido estrito só deu certo na Inglaterra e nos

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista do Clube Militar

EUA, porque os povos anglo-saxônicos foram preparados para ela,


primeiro, pelo cristianismo (os ingleses cristianizaram-se bem antes do
resto da Europa); segundo, pela economia de mercado, que na
Inglaterra já era muito ativa desde a Idade Média; terceiro, por uma
longa tradição de respeito aos direitos e privilégios formados pelo
tempo e pelo hábito - uma condição que, na Inglaterra, faz a ponte entre
a sociedade feudal e o mundo moderno por meio da continuidade da
monarquia. A democracia é inconcebível sem a noção da inviolabilidade
sagrada da consciência individual, portanto sem a herança grega,
romana e judaico-cristã, e sem a tradição de iniciativa pessoal. Essas
condições existem em poucos lugares do mundo, portanto a idéia
democrática, quando transplantada para fora do mundo anglo-saxônico
e enxertada em condições locais diferentes, resulta em formações sociais
bem diferentes do modelo original. No Brasil, por exemplo, ela encontra
três condições adversas: a tradição de governo central forte, a
cristianização insuficiente das massas, a desorientação e fragilidade dos
indivíduos num território enorme e numa sociedade complexa onde
vieram parar (muitos à força, como os escravos) sem ter um projeto de
vida claro. Ademais, o Brasil é essencialmente uma criação do Exército,
e por isto volta e meia as Forças Armadas, que são o único elemento de
continuidade e coerência no meio do caos, voltam a exercer o papel de
"poder moderador", que no Império transferiram ao Imperador. O
regime militar de 1964 foi uma grande oportunidade perdida. Os
militares poderiam ter educado a nação, mas ocuparam-se somente da
economia e do combate às guerrilhas, deixando a educação nas mãos de
intelectuais esquerdistas insanos.

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Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista do Clube Militar
O ex-metalúrgico Lula, apontado nas últimas pesquisas com 35 por
cento de preferência entre os sleitores, tem condições para ser
presidente da República?

— Certamente não, mas isto não se deve à sua origem operária, nem
mesmo à sua falta de cultura, mas sim ao fato de que, no seu partido, ele
não é um verdadeiro líder e sim apenas um símbolo, um emblema
publicitário populista. Eleger Lula não é eleger um candidato, mas um
partido. Com Lula na presidência, o Brasil terá alguns milhares de
presidentes da República, agindo nos bastidores, totalmente
desconhecidos da população. Alguns deles são funcionários ou ex-
funcionários do Serviço Secreto cubano e trabalham para finalidades
que a população nem imagina. O PT é um partido de duas camadas: há
o programa ostensivo, para fins publicitários, e há a estratégia de longo
prazo, só discutida nos congressos internos e nas reuniões da elite. Essa
estratégia é documentada nas atas de congressos, mas quem lê isso fora
do partido? O velho Partido Comunista usava sempre outros partidos
como fachada, continuando sua ação revolucionária no fundo. O PT é
um tipo novo de organização dupla - ao mesmo tempo fachada e força
revolucionária ativa, mudando de aparência e de orientação quando
bem lhe convenha.

Qual a melhor maneira de esclarecer o povo contra os demagogos?

— Desde logo, é preciso quebrar a hegemonia esquerdista na mídia, na


educação e no mercado editorial. Tudo o que o povo brasileiro
precisaria saber para se orientar na situação atual lhe é sonegado. O
discurso esquerdista ocupa o espaço todo e, nas escolas, já é imposto de
maneira ostensiva e ditatorial, reprimindo severamente os discordes e

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cmilitar.htm (6 de 8)16/4/2007 11:04:25


Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista do Clube Militar

recalcitrantes. Recebo semanalmente dezenas de e-mails de estudantes


que sofrem constrangimento e ameaças pelo simples fato de emitirem
idéias contrárias ao consenso esquerdista dominante. Para quebrar essa
hegemonia, é preciso começar pelo mais fácil: o mercado editorial. É
preciso inundar as livrarias com as obras publicadas na última década
que desmascaram o comunismo e sua atual estratégia, obras que estão
totalmente fora do alcance do leitor brasileiro. Em seguida é preciso
dissolver o monopólio esquerdista da mídia, denunciando as
manipulações e falsificações e levando as denúncias ao conhecimento
não só do povo, mas dos donos de jornais e revistas, para que percebam
o quanto já estão próximos do dia em que as "comissões de redação"
comunistas assumirão ostensivamente a direção das publicações,
repetindo aqui o que fizeram no Chile e em Portugal. Aberta a brecha no
mercado editorial e na mídia, pode-se pensar numa ação de maior
envergadura na esfera da educação. As condições para isso são três:
coragem, tenacidade e dinheiro.

O que determinou o seu afastamento do Partido Comunista?

— Eu tinha vinte e dois ou vinte e três anos. De início, percebi que os


comunistas tinham uma mentalidade muito mais ditatorial do que
aquela que denunciavam no governo militar. Eles explicavam isso como
uma necessidade imposta pela dureza da situação exterior, mas, quando
descobri que nos países onde eles estavam no poder eles não agiam de
maneira diferente, foi o fim. Não rompi ostensivamente com o Partido,
primeiro porque isso me pareceria favorecer o regime militar, do qual
eu não gostava nem um pouco; segundo, porque, abandonando o
marxismo, mergulhei num mar de dúvidas e me parecia desonesto fingir

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cmilitar.htm (7 de 8)16/4/2007 11:04:25


Entrevista de Olavo de Carvalho à Revista do Clube Militar

certezas e dar opiniões quando, na verdade, eu não tinha mais


nenhuma. Assim, fugi de meus companheiros de Partido e me isolei
para estudar e tentar me reorientar no mundo. Hoje vejo que era
mesmo a única coisa decente a fazer.

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Um apelo em favor dos cidadãos hindus do Afeganistão

Um apelo em favor dos cidadãos hindus do


Afeganistão

Recebi de meu amigo José Paulo Carneiro (jpqc@uninet.com.br) o


seguinte e-mail, que acho de meu dever reproduzir nesta homepage. –
O. de C.

Por favor use alguns minutos e LEIA ESTE e-mail.

Em 23 de Maio de 2001 as autoridades do Taleban no Afganistão


confirmaram que todos os Hindus terão de usar uma fita amarela de
pano costurada no bolso de suas camisas para que sejam identificados.
Eles alegam que a medida é para "sua proteção. O mundo já viu isto
antes. Em 1939 o mundo foi chamado, com um alto custo, a livrar-se da
tirania de Hitler, e agora é fácil ver seu discipulo. Lembre-se que
aquêles que deixam de aprender da história ficam
condenados a revivê-la.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/apelo.htm (1 de 7)16/4/2007 11:04:37


Um apelo em favor dos cidadãos hindus do Afeganistão

O histórico do Taleban de desrespeito às outras religiões nos dá altos


motivos de preocupação em relação a sua real motivação que, parece-
nos, seja a "limpeza religiosa". Eês já têm demosntrado seu desdém e
intolerância para com outras religiões e tradições através da violação e
destruição das antigas estátuas Budistas, parte da herança universal,
dentro do Afganistão.

Seja lá qual for sua religião - ou até mesmo caso você não tenha
nenhuma -, esperamos que você concorde que isto é basicamente
errado. "Tudo o que é preciso para que o mal triunfe é que os Homens
de Bem nada façam".

Por favor não seja um dos que nada fazem. Por favor, acrescente a sua
voz.

INSTRUÇOES: Por favor copie este e-mail em uma nova mensagem,


adicione seu nome no fim da lista e encaminhe-a a todos de sua lista de
e-mail.

CASO VOCÊ FOR O nome de número 251, por faor envie uma cópia do
e-mail desta mensagem para: alastair@om-int.com Nós o re-
enviaremos para as Nações Unidas. Então, apague todos os nomes e
reininicie uma cadeia tendo seu nome como número 1 e siga repassando.

MESMO QUE VOCÊ DECIDA NÃO ASSINAR, por favor tenha


consideração e não mate esta petição - reencaminhe-a a seus amigos
para permitir que eles mesmos decidam se devem incluir sua voz. Não
negue-lhes este direito. Se, em última instância você não quer re-
enviaR, por favor ENCAMINHE COMO ESTÁ DE VOLTA PARA

http://www.olavodecarvalho.org/textos/apelo.htm (2 de 7)16/4/2007 11:04:37


Um apelo em favor dos cidadãos hindus do Afeganistão

alastair@om-int.com - PELO MENOS NÃO PERDEREMOS A S


ASSINATURAS COLETADAS ATÉ AQUI.

Obrigado
===========
Ao Secretário Geral, Conselho de Segurança e Assembléia Geral das
Nações Unidas:

Nós, os abaixo-assinados estamos estupefatos pela decisão do governo


do Taleban no Afganistão de exigir que todos os Hindus usem uma fita
de pano amarela costurada no bolso da camisa para que sejam
identificados. A comunhão individual com D'us, seja lá como cada um O
define, é questão de consciência pessoa e não deve ser sujeita a
intimidação ou perseguição. O direito de cada um de orar como queira é
fundamental e inalienável. As Nções Unidas forma fundadas para
derrotar Hitler e seus lacaios os quais exigiam o mesmo de outras
religiões com tôdas as terríveis consequências. É totalmente inacieitável
que passados 60 anos a história se repita.

Nós pedimos o seguinte:

1. Que o governo do Taleban seja notificado de forma mais forte


possível e inequivoca que o mundo não aceitará esta perversão dos
Direitos Humanos.

2. Que antes das Nações Unidas ou seus membros outorgarem ao


reconhecimento do Governo do Taleban, esta política obcena seja
revertida .

3. Que as Nações Unidas ampliem os termos de sanções econômicas

http://www.olavodecarvalho.org/textos/apelo.htm (3 de 7)16/4/2007 11:04:37


Um apelo em favor dos cidadãos hindus do Afeganistão

correntemente em vigor.

1. Alastair Mitton - London UK


2. Robert Mitton - London UK
3. Paulette Budd - London UK
4. Andrew Peake - London UK
5. Pippa Howell - London UK
6. Cecile Kusters - Arnhem, the Netherlands
7. Sarah Malpas - London UK
8. Susan Donnelly - Newcastle UK
9. Paul Donnelly - London UK
10. Pauline Bartholomew - London UK
11. Is0bel McMillan London UK
12. Fiona Adamson
13. Minka Emina Kulenovic La Jolla, US
14. Cath Dolan, London, England
15. Liz Murphy, Murcia, Spain
16. William M. Rueter, Wisconsin, US
17. Jaclyn A. Knapper, Tennessee, US
18. Louise Morris, Tennessee, US
19. Joe Stoud, Matsuyama, Japan
20. Keiko Stroud, Matsuyama, Japan
21.Larry Asher, Nepal
22. Phyl Asher, Nepal
23. Reiny de Wit, Nepal
24. Helen Johnston, Nepal
25. Isaac Thompson, Northern Ireland

http://www.olavodecarvalho.org/textos/apelo.htm (4 de 7)16/4/2007 11:04:37


Um apelo em favor dos cidadãos hindus do Afeganistão

26. Anne Thompson, Northern Ireland


27. Paul Carter, Vancouver, Canada
28. Lois Carter, Vancouver, Canada
29. Bronwyn Short, Vancouver, Canada
30. David Short, Vancouver, Canada
31. Mark Calder, Sydney, Australia
32. Graham Wintle, Surbiton, UK
33. Geoff Chivers, Surbiton, UK
34. Derek Nathan New Malden UK
35. Mary Nathan New Malden UK
36 Rosalind Preston, London UK
37 Marlena Schmool, UK
38 Jack Album, Reading UK
39. Louise Creme, Reading, UK
40. Barbara Stern, UK
41 John Stern, UK
42. Suzie Greene Tedesco, USA
43. Isabella Tedesco, USA
44. Alan Cumming, USA
45. Nick Philippou, USA
46. Eddie Roche, USA
47. Kenny Goss ,USA
48. KIm Bowen, USA
49. Sterling Anderson,USA
50. Maia Anderson, USA
51. Asa Anderson, USA
52. Adrian Anderson, USA

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Um apelo em favor dos cidadãos hindus do Afeganistão

53. Peter Bowen, UK


54. Molly Bowen, UK
55. Phillip Hinton, UK
56. Elizabeth Hinton, UK
57. Makaela Gilchrist, UK
58. Carol Eden, UK
59. Rachel Horner, UK</DIV>
60. Peter Jones, London, UK
61. Christopher Corner London UK
62. David Salter, London UK
63. Michelle Kirschner, London UK
64. David Wise. London UK.
65. Ric Cantor, London UK
66. Laurence Sassoon
67. Alan Levy, London, UK
68. Barbara Desborough London UK
69. Sue Alhadeff, London UK
70. Noelle Ferris, London UK
71. Henrietta Bisgood, Ireland
72. Shane Bisgood, Ireland
73. Mary Ryder, Ireland
74. Ben Ryder, Ireland
75. Audrey Bisgood, Ireland
76. Katie Dehaene, Ireland
77. Edward Bisgood, Ireland
78. Sandra Iggulden, Ireland
79. Richard Iggulden, Ireland

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Um apelo em favor dos cidadãos hindus do Afeganistão

80. Alexander Bisgood, Ireland


81. Louisa Bisgood, Ireland
82. Kate O'Toole, Ireland
83. Bill Whelan, Ireland
84. Paul Brady, Ireland
85. Liz Devlin, Ireland
86. Dick Clement, Los Angeles, USA
87. Jonathan Lynn
88. Paul Hirsch, Pacific Palisades, USA
89. Stephen Gyllenhaal, Los Angeles, USA
90. Robert Achs, New York, USA
91. Joan Reibman, M.D., New York, USA
92. Lori Stevenson, MPH New York , USA
93. Sebastian Bonner, New York City, USA
94. Karen Levine, Brooklyn, USA
95. Dick Koral, Brooklyn, USA
96. Penny M. Polokoff, Brooklyn, USA
97 - Marcos L. Susskind, Sao Paulo, Brazil
98. - Leia Susskind, Sao Paulo, Brazil
99. Jose Paulo Carneiro

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Atenção para O Indivíduo

Atenção para O Indivíduo

Se você quer compreender mesmo os atentados ao World Trade Center


e ao Pentágono, não deixe de acompanhar os comentários de

http://www.oindividuo.com

-- um show de inteligência, que dá de dez a zero em toda a chamada


“grande imprensa”.
Os editores do jornalzinho são alunos meus, mas não os ajudo em nada
e não dou palpite. O mérito é todo deles. – O. de C.

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Educação Liberal

Educação Liberal

Palestra de Olavo de Carvalho

Rio de Janeiro, 18 de Outubro de 2001

Transcrição: Fernando Antônio de Araújo Carneiro

Revisão: Patrícia Carlos de Andrade

Sem revisão do professor

Agradeço comovido as palavras do deputado Carlos Dias e da minha


1
querida amiga Mina Seinfeld . E, aliás, essa é não somente uma
oportunidade para ela falar a meu respeito, mas para contar também
algumas coisas a respeito dela. A professora Mina está envolvida numa
luta que é paralela à minha, onde encontra condições muito parecidas.
Nós dois estamos envolvidos na luta contra as drogas, apenas a espécie
de droga é que muda: sobre as drogas de que ela trata, ainda há a
discussão de se serão liberadas ou não, ao passo que as drogas de que

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Educação Liberal

falo, não apenas estão liberadas, como são obrigatórias. A diferença é


mais ou menos esta. Mas, neste esforço monumental e meritório da
professora Mina, ela encontra a mesma resistência que encontro na
minha área, porque todos estão contra: os drogados, os traficantes, os
que têm interesse político na coisa, os indiferentes e todos aqueles que
querem parecer bonzinhos - todos os politicamente corretos. E, de fato,
quando você vai para um debate é exatamente como ela descreveu: são
trinta pessoas para falar a favor e uma contra e depois, na transcrição,
ainda cortam umas frases do que a pessoa falou e ficam lá somente três
linhas, para provar que o debate foi bastante democrático. Isto é pior do
que não ter debate nenhum, é uma falsificação.

Agradeço muito a meus alunos essa iniciativa. A idéia foi inteiramente


deles, que têm um grande mérito em fazer isto, abrir a outras pessoas a
mesma oportunidade. Nosso curso aqui no Rio tem sido quase que
confidencial. Creio que existe aqui há dezoito anos e nunca foi
anunciado nem avisado; continua existindo, não sei como. Em São
Paulo há toda uma infra-estrutura montada, o número de alunos é bem
grande, e no Paraná são cento e cinqüenta alunos. É um pouco estranho
que aqui no Rio de Janeiro, que ainda é a capital cultural do Brasil,
nosso curso seja tão secreto assim. Não me incomodo se dou aula para
um, dois ou cem alunos: o problema é exatamente o mesmo. Ademais,
esse tipo de ensino requer muito tempo para dar frutos. Calculo mais ou
menos dois anos, para a pessoa começar a perceber o que está mudando
em sua vida, no seu enfoque existencial.

Agora, o tema de hoje, que é a educação liberal, é mais abrangente do


que a proposta do meu curso; o curso é uma das modalidades, um dos

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Educação Liberal

capítulos do que chamaríamos de educação liberal. Liberal não se


confunde com o liberalismo político, a ideologia de Adam Smith,
Herbert Spencer e outros, nem com o sentido da palavra liberal nos
Estados Unidos que quer dizer esquerdista, mas tem a ver com a noção,
hoje em dia puramente nominal, de profissões liberais. Profissões
liberais, como o próprio nome diz, se opõem às profissões servis, que
são exercidas em troca de uma remuneração. Profissões liberais são
exercidas num ato de liberalidade do indivíduo; ou seja, o profissional
liberal está de algum modo obrigado a exercer a sua tarefa somente por
um mandamento interno, somente por um dever interno, e ele tem que
exercer aquilo com ou sem remuneração, ou até mesmo pagando para
exercê-la. Esse é o sentido originário. Por exemplo, o médico na ética da
idade média não poderia jamais recusar um paciente que não tivesse
dinheiro para pagá-lo; o advogado a mesma coisa. E, por isso mesmo,
quando havia uma remuneração, esta se chamava honorário. Honorário
é algo que damos ao indivíduo não pela tarefa que ele desempenhou,
mas em reconhecimento da honra de sua posição na sociedade ou do
mérito de seu saber. Tanto faz dar cinqüenta centavos ou cinqüenta mil,
porque o que vale é a intenção.

Hoje em dia, não é mais assim. Quando consultamos um advogado a


primeira coisa que ele faz é puxar uma tabela de honorários. A
expressão tabela de honorários é uma contradição de termos, pois se são
honorários, não há tabela. Tabelas são de salários ou de preços, tabela
de honorários não é possível.

Na idade média, a formação para as profissões liberais começava com a


absorção do que se chamava as artes liberais. Eram um conjunto de

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Educação Liberal

disciplinas, das quais três tratavam essencialmente da linguagem e do


pensamento e quatro tratavam dos números, entendidos num sentido
muito mais amplo do que hoje estamos acostumados a designar por este
nome, e das proporções. O número seria o sentido geral da forma e da
proporção. As quatro disciplinas que lidavam com o número eram a
aritmética, a geometria, a música e a astronomia ou astrologia. A
astrologia veio a se dividir em duas áreas: a astrologia esférica, que era o
estudo da esfera celeste, e a astrologia judiciária, que era o que hoje
chamamos de astrologia - uma especulação, seja científica ou outra
coisa, sobre as coincidências temporais entre o que se passa no
movimento dos astros e os acontecimentos terrestres. Tudo isso era
considerado parte das matemáticas, ou seja, a matemática era, de modo
geral, a ciência da medida e da proporção. As outras três disciplinas
eram a gramática, a lógica ou dialética, e a retórica.

Esta formação básica, que geralmente começava bem mais tarde do que
hoje, aos quatorze anos, visava a transmitir ao indivíduo, por um lado, o
senso das proporções, o senso da forma do mundo e, por outro lado, os
2
meios de compreensão, expressão e participação na cultura humana .

O que hoje chamamos de educação liberal é uma adaptação das artes


liberais antigas, feita sobretudo por dois educadores, Robert Hutchins e
3
Mortimer Adler , no começo de século . Nesta adaptação, as artes
liberais deixam de se distinguir das artes servis e começam a se
distinguir do ensino profissional. Todas as áreas de ensino visam a
transmitir determinadas habilidades profissionais; as artes liberais, em
contra-partida, visam a formar o cidadão em geral, o cidadão não

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Educação Liberal

especializado. Mais especificamente com a ênfase na idéia de cidadão da


democracia, subentendendo-se democracia pelo sistema onde vale a
pena discutir, onde é possível haver uma discussão e onde há uma
possibilidade de que as questões sejam arbitradas por meio da razão e
não de motivos desconhecidos que uma autoridade possa ter para
decidir assim ou assado.

A discussão é evidentemente inerente à própria idéia de democracia.


Mas, por outro lado, a discussão é perfeitamente inútil se não há
nenhum critério racional para arbitragem das discussões. Se não há
nenhum meio de os lados em disputa provarem as suas razões, ou seja,
se todas as razões se equivalem, então a discussão evidentemente não
vai dar em nada e a coisa no fim será resolvida pelo meio da força. Pode
ser a força física ou a força emocional, o apelo emocional da
propaganda.

Adler e Hutchins eram pessoas que pensavam politicamente de maneira


muito diferente entre si: Adler era mais conservador e Hutchins era
definitivamente esquerdista. Mas, sabendo que há um compromisso
inerente entre a idéia de democracia e a idéia de razão, achavam que
podiam organizar um novo sistema de ensino não apenas baseado na
tradição das artes liberais, mas na experiência acumulada do ensino das
elites americanas. Nos Estados Unidos, antes mesmo da independência,
se formaram vários colégios para a educação da elite que, quase
instintivamente, adotaram como mecanismo básico de ensino, a leitura
e a absorção do legado dos clássicos. Entendemos por clássico, uma
obra que tem valor e interesse permanente, que tenha dado alguma
contribuição que permanece eficaz ao longo dos tempos; aquela obra

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que, a despeito do tempo que passou depois que ela foi escrita, ainda
tem algo a nos ensinar. Particularmente, e mais precisamente, se
designam como clássicas obras que estabeleceram certas noções ou
transmitiram certos ensinamentos, que vão formando patamares
sucessivos de consciência humana, de tal modo que a discussão de
determinados assuntos não tenha mais o direito de descer abaixo
daquele patamar.

Por exemplo, a partir do momento em que Aristóteles formula a ciência


da lógica não é mais possível discutirem-se legitimamente as coisas,
como os sofistas e Sócrates discutiam, utilizando uma lógica
rudimentar, onde os procedimentos de prova se confundiam
provisoriamente a procedimentos destinados a impressionar o ouvinte.
O próprio Sócrates, que é um crítico dos sofistas, incorre
freqüentemente nesse tipo de argumentação. Não por maldade
evidentemente, mas simplesmente porque os dois tipos de
argumentação, a que visa a impressionar e a que visa a provar, não
haviam ainda se distinguido perfeitamente. Essa distinção só veio
mesmo com Aristóteles. E a partir do momento em que essa distinção
fica estabelecida, cria-se uma espécie de patamar de consciência: não
4
temos mais o direito de ignorar a existência dessa distinção .

A técnica da discussão e da prova foi elevada a nível de requinte quase


inimaginável, mais tarde, pelos filósofos escolásticos, que também fixam
um novo patamar de exigência. Depois surgem os processos de
investigação e prova aceitos nas ciências naturais e isto vai se
acumulando como uma série de patamares de exigência de modo que,

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Educação Liberal
teoricamente, não teríamos o direito de entrar na discussão de um
assunto ignorando esses patamares já conquistados.

Dei o exemplo de patamares conquistados em filosofia, mas temos o


mesmo processo em cada uma das ciências e sobretudo nas artes. Por
exemplo, o que vai distinguir a escrita literária da escrita vulgar, nas
artes literárias, é precisamente a consciência de uma evolução dos meios
expressivos da arte, que a primeira traz dentro de si. A escrita literária é
cheia de referências aos antecessores; referências a toda uma evolução
anterior. É praticamente impossível encontrar um único verso da
literatura moderna que não tenha dentro de si várias camadas de
significado que foram sendo acumuladas pela evolução da poesia ao
longo dos tempos. É evidente que, para o leitor perceber isso, é preciso
que ele próprio tenha noção dessa evolução anterior, de modo que na
medida que vai absorvendo esta consciência da evolução da arte
literária, a leitura que faz de um poeta moderno seria imensamente
mais rica do que a que poderia ser feita pelo sujeito que chegasse lá sem
ter o conhecimento das referências. Ou seja, essa evolução vai
sedimentando novas linguagens e novos códigos, cujo conhecimento é a
condição para que se possa participar, de uma maneira consciente, do
mundo cultural, do mundo das discussões, do mundo da comunicação.

A transmissão a um estudante ou a um jovem da consciência desses


patamares é que seria precisamente a educação liberal.

O sistema político moderno é enormemente complexo. Se compararmos


qualquer país hoje - Brasil, Uruguai ou Paraguai - com a República
Romana, veremos que sua organização política é imensamente mais
complexa. Para discutirmos um problema qualquer da economia ou da

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Educação Liberal

política paraguaias, precisaríamos ter um horizonte de consciência


muito mais vasto que o que o cidadão romano ou o cidadão da
democracia grega teriam que ter para compreender seus problemas
locais. A acumulação desses patamares de consciência, portanto, forma
a série de condições que, num dado momento da evolução histórica, o
ser humano precisa cumprir para entender o que está acontecendo em
torno dele. Entender o que está acontecendo não é não é um dever e não
é atribuição de uma profissão especializada, mas é, de certo modo, uma
possibilidade aberta a todos os cidadãos. Não podemos tornar isso
obrigatório porque a aquisição desse patrimônio depende de uma
capacidade pessoal e de uma disposição; uma vocação pessoal. Torná-lo
obrigatório é, portanto, utópico.

Eu não acredito em educação universal obrigatória, de jeito nenhum.


Não acredito em educação de quem não queira se educar. Acredito em
oportunidade universal de educação. Abrir para todos, sim, mas tornar
obrigatório é absolutamente inócuo.

A aquisição da consciência desses sucessivos patamares é uma


possibilidade que está aberta aos cidadãos que desejem compreender o
mundo em que estão. Porque o mundo atual não surgiu do nada, não foi
inventado ontem, resulta de milhões de decisões e ações humanas que
foram se encaixando umas às outras e que produziram resultados que
não estavam sob o controle de ninguém. O código civil de qualquer país
do ocidente e, de fato, toda a legislação moderna, por exemplo,
certamente sofrem a influência do código de Napoleão. Napoleão
chamou uma comissão de juristas que escrevia de um modo e ele riscava
e dizia que não era daquele jeito, mas de outro. Ou seja, o código saiu da

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Educação Liberal

cabeça dele e, a partir desse momento, o impacto foi formidável. Mas se


não temos consciência do modus raciocinandi, das razões que Napoleão
teve para fazer isto desta maneira e não de outra, sofremos o impacto de
novas legislações cujas razões profundas não conhecemos. Ou seja, não
estamos capacitados para discutir aquilo.

Hoje em dia todo mundo acredita que existe o direito à liberdade de


expressão e o direito à liberdade de opinião. Eu não acredito porque,
para haver liberdade de opinião é preciso, em primeiro lugar, haver uma
opinião. Mas a maioria das pessoas que exercem a liberdade de opinião
não tem opinião. Para ter uma opinião, preciso ter prestado atenção em
algo. Freqüentemente vemos pessoas que falam durante dez minutos
sobre assuntos nos quais não prestaram atenção nem por dois minutos.
Então não posso chamar isso de opinião: isto é uma efusão improvisada
de palavras que brotam no momento da pessoa, mas sem nenhuma
relação com o objeto do qual ela está falando. Então se acreditamos no
direito universal à expressão das opiniões, que ele é um dado primeiro e
incondicional, significa que todos têm o direito de falar pelo tempo que
quiserem e todos têm a obrigação de ouvir. Então lhes pergunto: o que é
o direito à liberdade de opinião sem a contra-partida que é o direito de
não ouvi-la, o direito de ir embora? Por exemplo, nenhum de vocês está
obrigado a ficar sentado aí. Vocês estão porque querem, mas têm o
direito de ir embora a qualquer momento.

A própria idéia de direito à liberdade de expressão, à liberdade de


opinião está condicionada ao mérito da opinião, ao valor da opinião. E
esse valor é condicionado, no mínimo, pelo interesse que o próprio

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Educação Liberal

opinante tem no assunto. Imagina que o sujeito não se interessou pelo


assunto o suficiente para se informar a respeito dele por cinco minutos
que sejam. Por que ele teria o direito de falar sobre o assunto durante
seis minutos e teríamos que escutá-lo? A conquista de uma opinião,
portanto, é o primeiro passo para o exercício efetivo da liberdade de
opinião. É evidente que quando o indivíduo expressa sua opinião numa
assembléia, ele está de certa maneira se personificando; está dizendo:
este sou eu, sou o camarada que pensa assim e assado. Dali em diante,
ele será encarado como representante daquela opinião. Mas, se o sujeito
dá uma opinião que pensou na hora e da qual não vai se lembrar nos
próximos dez minutos, ele personifica o quê?

É só reparar um pouco nas discussões públicas que acontecem no Brasil


e percebemos um fenômeno esquisito. Sabemos que as pessoas lêem
pouco; os jornais de grande tiragem vendem hoje cerca de um milhão de
exemplares, sendo que vendiam o mesmo na década de cinqüenta. Ou
seja, a população cresceu formidavelmente, o número de escolas cresceu
mais ainda, e as pessoas continuam lendo a quantidade de jornais que
liam na década de cinqüenta. Quanto aos livros, não tenho cálculos mais
atualizados, mas na década de noventa havia menos livrarias no Brasil
do que na década de cinqüenta. Apesar dessa total falta de interesse em
saber das coisas, as pessoas sempre têm interesse em opinar.
Dificilmente vemos um repórter perguntar a uma pessoa na rua o que
ela acha disso ou daquilo e receber como resposta: não sei, estou por
fora do assunto. Nunca vi isso. As pessoas consultadas sempre têm
opinião sobre qualquer coisa.

Vendo isso ao longo dos tempos, vi que esse é um traço antropológico

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Educação Liberal

muito estranho: uma sociedade onde as pessoas não se interessam pelo


assunto, mas têm um interesse brutal em opinar a respeito dele. Não
estranhamos isso apenas porque já nos acostumamos, mas essa é uma
conduta anormal. É uma anomalia que, repetida ao longo do tempo,
acabamos achando que é normal.

Ora, se tentamos convencer as pessoas de que existe um negócio


chamado cidadania e que esta inclui o direito de opinar sobre questões
públicas - e todos estão persuadidos disso - e ao mesmo tempo não cria
a percepção de que para ter uma opinião é necessário ter prestado
atenção no assunto, o que estamos fazendo com essa cidadania? A está
transformando numa espécie de bolha de sabão, numa fantasia, numa
mentira e numa paródia de si mesma. A noção de cidadania e de
exercício da cidadania faz sentido a partir do momento em que as
pessoas têm realmente opiniões, não confundindo a opinião com uma
efusão qualquer de palavras que brota do inconsciente ou que foi ouvida
num anúncio de rádio anteontem e o sujeito repete. Esse tipo de
falatório é a degradação da liberdade de opinião, ele não é a própria
liberdade de opinião. Sobretudo porque se espera que o exercício da
liberdade de opinião contenha dentro de si a possibilidade de uma
repetição, de uma reiteração e de uma luta pela própria opinião. Supõe-
se que a opinião de um indivíduo valha algo para ele e, por isso, ele luta
por ela. Mas se o sujeito não precisou pensar no assunto, se a opinião
não lhe custou nada, quanto ela vale para ele? E a pergunta fatídica: por
que devo prestar atenção à sua opinião por mais tempo que você levou
para formulá-la? Se você levou dois minutos pensando no assunto, por
que devo ouvi-lo durante três? Quando queremos que os outros façam o

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que não quisemos fazer, que sejam o que não somos, entramos
diretamente no culto à Papai Noel. E chamar isso de formação da
cidadania é achar que puerilizar as pessoas é torná-las cidadãos. Um
homem que acha que os outros têm obrigação de ouvi-lo só porque ele é
bonitinho é exatamente como aquela criança que, quando vem visita em
casa, começa a fazer palhaçada e todos têm que achar bonito e passar a
mão em sua cabeça. Qualquer cidadão que se atreva a falar em púbico
com essa expectativa está se aviltando, está permitindo que a situação
lisonjeie seus desejos pueris. Evidentemente não é esse tipo de
formação do cidadão a que visamos.

Educar o cidadão em primeiro lugar não é educá-lo para falar, mas é


educá-lo para saber, quer ele fale ou não. A famosa participação é
apenas um exercício de uma força interior, de um poder que o indivíduo
tem. A educação liberal consiste em dar a ele este poder, esta força
interior e não em lhe dar os meios e as oportunidades de exercê-los.

Você já conheceu alguma pessoa que não tivesse nenhuma opinião


sobre a sociedade em que vivemos? Acho que a minha avó não tinha
mas ela foi a última pessoa. Se perguntasse isso para a minha avó ela
perguntaria: " do que está falando?" Ela nunca achou que existia essa
possibilidade de ter uma opinião geral sobre a sociedade em que estava.
Mas a partir da minha geração, ou talvez a de meus pais, todo mundo foi
educado para ter uma opinião sobre a sociedade, ou seja, exercer uma
coisa que se chama a crítica social. Qual é sua real possibilidade de ter
uma visão crítica da sua sociedade? Em primeiro lugar, para isso você
precisaria ter uma idéia do funcionamento da sociedade. Isso leva
algum tempo; é um pouco trabalhoso. Mas mesmo que tivesse a visão

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Educação Liberal

geral, você acredita realmente que o membro de uma sociedade


consegue colocar a cabeça para fora dela, acima dela, e julgá-la desde
cima? Se todos somos de certo modo produtos da sociedade em que
estamos, nossas opiniões, incluindo as negativas que sobre a própria
sociedade, são criações dela mesma e fazem parte do mesmo mal que
denunciam. A única possibilidade de haver uma crítica social legítima,
que funcione, é a de que o indivíduo humano de algum modo se coloque
acima da sociedade e consiga ver nela algo que ela mesma não vê. É
necessário que a consciência dele esteja acima do nível de consciência
que aparece nas próprias discussões públicas. Para criticar minha
sociedade como um conjunto, preciso me colocar numa perspectiva que
me permita vê-la como objeto, e daí já não sou mais um personagem ou
um participante da coisa, mas um observador superior; consegui uma
posição acima da confusão, de onde posso ver o que está acontecendo e
julgar o sentido geral das coisas. Assim como para opinar numa briga
entre marido e mulher é preciso que você não seja nenhum deles.
Quando um casal com um problema vai procurar um conselheiro
matrimonial ou um psicólogo, está supondo que ele tem um ponto de
vista superior a cada um deles.

No que consiste esse ponto de vista superior? Consiste em que se tenha


um critério de julgamento que se sobrepõe às paixões e interesses em
jogo naquele momento. Supõe-se, portanto, que você tenha um
conhecimento que o restante da sociedade não tem. Dito de outro modo,
você julga a situação real à luz de uma norma, mas esta norma só será
válida se não tiver sido criada pela própria situação. Vamos voltar ao
exemplo do marido e mulher: a mulher está acusando o sujeito de não

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Educação Liberal

trazer dinheiro suficiente para casa e ele a está acusando de não


desempenhar as tarefas domésticas a contento. Qual a norma que vai
servir para julgar? Pode ser a opinião de um ou a opinião do outro? Não,
a norma tem que ser uma terceira coisa que sirva para arbitrar as duas
ao mesmo tempo. Ou seja, você tem que ter uma medida do justo e do
injusto e esta medida não pode ter sido criada nem pela opinião de um,
nem pela opinião do outro. No caso, trata-se de uma proporção entre
direitos e deveres. É só o conhecimento dessa norma ou dessa
proporção que lhe permitiria julgar a situação e ver qual é a cota de
razão e de desrazão que haveria nessa discussão. O problema é: de onde
vamos tirar essa norma. Se ela foi criada pela própria situação, apenas
expressa um dos lados em conflito. Então ela tem que ser transcendente
à situação. Assim como no julgamento de um processo criminal, o
sujeito matou outro, roubou outro, aplicou estelionato: o tribunal vai
julgar aquela situação à luz de uma lei que transcende a situação.

Se pegarmos nossa sociedade como um todo ou a parcela da história que


conhecemos, todos temos opinião a respeito, mas raramente nos
preocupamos com o problema da norma. Se digo que a sociedade é
injusta, é injusta em face de que norma? Qual é a norma com que estou
julgando? Ou tenho uma norma que seja efetivamente superior ao
horizonte de consciência da discussão pública, ou não posso julgar. Ou,
então, estou tomando partido dentro de um conflito e em seguida sou eu
mesmo um membro desse conflito. Estou raciocinando, portanto, em
circuito fechado, como um cachorro que persegue o próprio rabo.

Existem situações, no entanto, onde aparece um sujeito que tem um


conhecimento que a sociedade não tem. A história de Moisés na Bíblia,

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Educação Liberal

por exemplo: Moisés faz uma crítica da situação, a situação do cativeiro


dos judeus no Egito. Ele acha que a situação está ruim por isso, por isso
e por isso. E se lhe dissessem que a situação é assim desde que o mundo
é mundo? que sempre foi assim e sempre será assim? Que sentido faz
você criticar uma coisa que não tem remédio de maneira alguma? A
crítica estaria anulada. Mas Moisés podia criticar, porque ele tinha
conhecimento do que veio antes e do que viria depois - o conhecimento
profético. Tinha conhecimento de que seu povo podia ser retirado dali e
ir para um outro lugar onde teria uma vida melhor. E de fato fez isto.
Como sabemos que Moisés sabia algo que os egípcios não sabiam?
Porque provou que sabia. Com a travessia do Mar Vermelho, ele provou
que enxergava a situação dos judeus no Egito desde um ponto de vista
superior ao da situação real. Sabia que podia fazer e como fazer e, de
certo modo, conhecia o futuro. Esse futuro era invisível para os
participantes da situação. Era invisível tanto para os egípcios quanto
para os judeus. Eles demoraram quarenta anos para ouvir o que aquele
homem tinha a dizer. Esse é o protótipo da crítica social válida.

Outra crítica social válida também é feita por Sócrates. Sócrates critica
uma situação estabelecida à qual ele não se considera superior. Quando
Sócrates é condenado por um tribunal ateniense, se dirige a esse
tribunal do ponto de vista de um homem que já morreu. Ele
praticamente se considera morto e diz: olha, realmente não sei se vocês
ao me condenarem me fizeram um malefício ou um benefício, porque
não sei exatamente o que é a morte; tenho a impressão de que talvez
seja melhor depois, que talvez vocês tenham me feito um benefício. A
consciência do desconhecimento da morte é uma norma válida para o

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Educação Liberal

julgamento de qualquer situação humana. Todos sabemos que vamos


morrer; e todos sabemos que não sabemos precisamente o que é a
morte, o que se desenrola nela e depois dela. Isto nos dá uma base firme
para julgar todas as situações humanas.

Me lembro de uma conferência brilhante que o filósofo espanhol Julian


Marías fez no Brasil, na época em que a junta militar havia instituído a
pena de morte. Durante a conferência lhe perguntaram se era a favor ou
contra a pena de morte e ele disse: "sou contra por um simples motivo:
não sei o que é a morte e não tenho o direito de condenar um sujeito a
uma coisa que eu não sei o que é; sei o que é prisão, trabalhos forçados,
mas morte, eu não sei o que é e esses senhores também não." Então, na
hora em que o indivíduo emite este julgamento, coloca-se não apenas
acima da discussão pública, mas quase que infinitamente acima dela,
porque a discussão pública é feita em termos de posições relativas, de
posições que podem ter sua validade maior ou menor numa ou noutra
situação. Mas, de repente, chega o filósofo e diz algo que independe de
toda a discussão. No meio das relatividades, ele entra com o absoluto. O
absoluto é este: não sei o que é morte e vocês também não sabem, e
ponto final. Nenhum de nós morreu para contar como é. Isto é o senso
da medida. Em certos momentos, portanto, a consciência pode se
colocar infinitamente acima das questões públicas e encará-las desde
uma medida supeiror que lhe permite um julgamento justo.

Infelizmente isso não acontece sempre. Freqüentemente nos debatemos


em questões onde nos falta a medida e não a encontramos. A única coisa
que sabemos é que esse senso da medida universal pode ser
desenvolvido nas pessoas pela consciência da dimensão histórica, pela

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Educação Liberal

consciência dos sucessivos patamares de consciência alcançados ao


longo do tempo. Porém, o indivíduo que não recebeu a informação
sobre este caso de Moisés, ou simplesmente não meditou sobre o
assunto, simplesmente não tem idéia de que uma certa situação pode
ser julgada em face de uma possibilidade concreta de mudá-la. Note
bem, não é um desejo de mudá-la, mas uma possibilidade concreta
conhecida de antemão. No caso, Moisés sabia porque Deus contou para
ele. Podia ter sabido de outra maneira. Mas ele não achava que a
situação dos judeus na época era ruim apenas porque sim, mas era ruim
em face de um poder do qual Deus tinha investido esse povo antes e em
face de uma promessa que Ele tinha feito para o futuro. Então,
encaixando aquela situação numa sucessão histórica perfeitamente
conhecida, podemos dizer que Moisés podia julgar que aquela prisão era
ruim, porque ele sabia onde estava a porta.

Agora, se estudarmos a história do século XX, veremos uma infinidade


de revoluções, golpes de estado, mudanças políticas feitas por pessoas
que criticavam a situação e que diziam poder mudá-la para melhor e
que produziram situações infinitamente piores. Na década de oitenta,
por exemplo, um cidadão soviético consumia menos carne do que um
súdito do czar em 1913. Isto significa o seguinte: Lenin e Trotsky não
sabiam onde estava a porta; propuseram uma mudança não porque
tinham perfeito conhecimento da possibilidade concreta de realizá-la,
mas apenas porque queriam. É o caso de a gente dizer que este tipo de
crítica social não é legítima: você está criticando uma situação mas não
é melhor do que a situação, é apenas um componente dela; ou seja, a
sua crítica não é uma crítica, é apenas uma queixa, é um sintoma da

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Educação Liberal

própria situação, e portanto não podemos confiar em você para


resolver a situação. Na hora em que você passa por um sofrimento e diz
'ai', o 'ai' não é uma crítica válida da situação, é apenas uma expressão
dela. Tanto que dizer 'ai' não vai curar você de maneira alguma.

Ao longo de todo o século XX, vemos que a crítica social, em sua quase
totalidade, nunca passou de expressão ou de sintoma da situação.
Raramente se viu um empreendimento vitorioso de transformação da
sociedade com base na crítica, que produzisse exatamente o resultado
prometido. Isto significa que, desde o tempo de Moisés ou Sócrates, a
nossa capacidade de crítica social diminui formidavelmente.
Simplesmente não entendemos a sociedade, não gostamos da
sociedade; gostaríamos de mudá-la, mas não chegamos a perceber que
nossa revolta e nosso próprio desejo de mudar são apenas sintomas da
própria situação social e, portanto, impotentes não somente para mudá-
la, mas até para fazer uma crítica objetivamente justa.

São essas constatações que nos colocam a necessidade de conquista de


um patamar ou de uma medida justa e universal, em função da qual a
crítica possa ser feita. Todo ser humano tem essa possibilidade e, de
certo modo, tem esse direito porque embora seja, sob muitos aspectos,
um produto, um efeito ou uma criação de sua sociedade, há algo nele
que transcende a sociedade. Há no mínimo a estrutura biológica. Não
houve nenhuma sociedade que mudasse substancialmente a estrutura
anatomo-fisiológica do ser humano. Esta é uma constante. Portanto
cada um de nós pode dizer que é fruto da sociedade brasileira? Bom, sou
fruto da sociedade brasileira, mas sou membro da espécie humana e,
como membro da espécie humana, existem em mim fatores estruturais

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Educação Liberal

constantes que já existiam antes de o Brasil existir e que vão continuar


existindo depois que o Brasil acabar. Portanto, como membro dessa
espécie animal chamada espécie humana, tenho em meu próprio corpo
um dado que transcende a situação histórica em que vivo. É claro que
não é só a estrutura anatomo-fisiológica do homem que transcende a
situação histórica, existem muitos outros aspectos.

Ao longo da história humana, muitos desses elementos estruturais,


constantes e universais foram se revelando à nossa consciência. E foram
registrados em obras, depoimentos e atos desses seres humanos. A
aquisição desse legado é o que é propriamente o que chamaríamos hoje
de educação liberal, que, nesse sentido, é a formação do cidadão
consciente e portanto capaz de julgar não só fatos da sociedade, mas a
própria sociedade como um todo.

Formar um homem desses não é fácil. As situações vão se tornando cada


vez mais complexas e, de repente, vêem-se emergir no cenário da
história situações absolutamente novas que, apesar de todos os dados
que acumulou em toda a sua educação, você não é capaz de
compreender. Surge, por exemplo, um fenômeno como o totalitarismo
moderno, como nazismo, fascismo e comunismo - fenômenos
supremamente esquisitos, que tudo o que a humanidade ocidental sabia
até o século XIX não bastava para explicar.

A idéia de que tratados internacionais fossem feitos não para ser


cumpridos, mas apenas para ser usados como armadilhas para os
inimigos: isso foi uma novidade na história. Até o século XIX todo
mundo acreditava que tratados eram para ser cumpridos. De repente

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Educação Liberal

aparece um estado, a União Soviética, que acha que não é bem assim,
que não é importante cumprir os tratados, mas sim apenas assiná-los.
De um momento para outro, os tratados se transformam em
instrumentos não para limitar a ação dos contratantes mas, ao
contrário, para dar mais possibilidades de ação contra os demais
contratantes. Hitler levou essa idéia a um nível alucinante: cada
compromisso que Hitler assinou foi assinado com a finalidade específica
de não ser cumprido. Nos acostumamos tanto com isso que hoje
achamos natural.

Certas possibilidades de uso de violência assassina contra países


inimigos não entraram na cabeça humana antes do século XX. A guerra
sem declaração de guerra é um exemplo: você está em guerra com outro
país mas não sabe; de repente soltam uma bomba no seu território. Isso
foi mais uma novidade do século XX. Outro exemplo é o ataque
sistemático às populações civis: não existe mais a noção de campo de
batalha. O que é campo de batalha? É o lugar onde você vai para fazer a
guerra. No século XX isso desapareceu. Não há mais campo de batalha,
há guerra onde você estiver.

Quando começaram a suceder, esses fatos deixaram as pessoas


desorientadas; não havia como explicar. Vemos, portanto, o avanço do
totalitarismo no século XX e a impotência da inteligência humana para
explicar esse fenômeno na época, já que somente hoje temos uma
compreensão mais adequada do fenômeno totalitário. Notamos, então,
que às vezes acontecem coisas novas e que mesmo a acumulação de todo
o legado desses depósitos de consciência adquiridos ao longo dos
séculos não é suficiente para nos situar. Seria necessária uma outra

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Educação Liberal

abordagem e as primeiras tentativas de diagnóstico falham, porque


estão comprometidas de certo modo, inconscientemente, com o mesmo
circuito produtor de idéias que geraram o fenômeno. Você tenta
investigar o fenômeno, mas faz parte dele; tenta diagnosticar a doença,
mas também está doente. Um exemplo característico é o livro da
Hannah Arendt sobre o totalitarismo. Ela investiga, investiga e pega a
pista certa: diz que os fenômenos totalitários não querem criar uma
nova sociedade, querem modificar a natureza humana. A pista é
exatamente esta. Só que, mais adiante, escorrega e diz que acredita na
possibilidade de mudar a natureza humana, apenas não por meios
violentos. E com isso aí a descoberta influencia a visão de quem
descobriu, porque se é possível para o Estado mudar a natureza humana
por meios não-violentos então, prestem bem atenção, a diferença
específica do totalitarismo deixa de ser o projeto de mudar a natureza
humana e passa a ser apenas o emprego da violência. A especificidade
do fenômeno, portanto, se perdeu. Assim, Arendt não consegue levar o
diagnóstico até o fim. Mas ela escreveu o livro no calor do momento e
não podia enxergar a situação com toda a clareza; foi um dos primeiros
diagnósticos abrangentes que se tentou. Se investigasse mais um pouco
veria que, ao longo dos séculos, não surgiu nenhuma idéia ou doutrina
política que visasse a mudar a natureza humana. Todas tomavam a
natureza humana, fosse qual fosse, como pressuposto. Consideravam-na
fenômeno de ordem natural, cósmica, biológica, no qual a sociedade não
pode mexer.

Foi só no século XX que se acreditou que, através da formação de um


certo Estado, leis, burocracia, se poderia mexer na própria natureza

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Educação Liberal

humana. É a diferença que existe entre você ser um criador de animais,


como vacas e galinhas, ou você transformá-los em outra coisa: a idéia de
transformá-los em outra coisa rigorosamente nunca tinha aparecido na
mente humana até o século XX.

Hoje, passados cem anos, temos uma compreensão um pouco maior do


fenômeno totalitário, mas para isso foi necessário remanejar todo o
legado de conhecimentos e repensar a coisa sob mil aspectos. Embora
não seja sempre infalível, esse processo de recuperação do legado é a
única esperança que temos de entender a nossa situação existencial.
Não existe nenhum outro meio. Aliás, existe um outro meio; existe o que
a Bíblia chama de sabedoria infusa: Deus e os anjos infundem em você,
sem que saiba. Vai dormir sem saber e acorda sabendo. Tirando esta
hipótese, a única outra hipótese que existe é a da acumulação do legado
da consciência humana ao longo dos séculos. A finalidade da educação
liberal é exatamente esta. E isto é simples: consiste na aquisição dos
documentos necessários, no estudo desses documentos e na
revivescência das experiências cognitivas e existenciais que estão
registradas nesses documentos. Ou seja, você vai ler a Bíblia, Platão ou
Aristóteles, não no sentido apenas de adquirir informação, mas no
sentido de tornar suas as experiências cognitivas que se registraram
nesses documentos.

Por exemplo, Aristóteles insiste muito numa coisa que chama


maturidade. Maturidade não no sentido fisiológico, mas no sentido
intelectual. O homem maduro é o homem que teve certas experiências e
aprendeu com elas. Uma dessas experiências é a plena experiência da
norma, da existência da norma. A maior parte das pessoas

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Educação Liberal

simplesmente não teve isso; vê as coisas acontecerem e as opiniões se


entrechocarem, mas nunca chegou a experienciar as famosas leis não-
escritas de que fala a tragédia grega. Por exemplo, em Os suplicantes de
Sófocles, dois jovens gregos fogem do Egito, onde o rei queria obrigá-los
a um casamento que não desejavam, e vão parar numa ilha. Nesta ilha
pedem asilo ao rei local. O rei fica num dilema porque, por um lado,
havia uma tradição de dar asilo a quem pede e, por outro, dando asilo
ele se arriscava a uma guerra contra o Egito. Ele imediatamente
argumenta para os jovens: " na legislação egípcia não há nada que
impeça o rei de obrigá-los a casar com quem vocês não querem,
portanto o rei do Egito não cometeu nenhuma ilegalidade" . E eles
respondem: " é, mas acima das leis do Egito há as leis não-escritas, há as
leis divinas. A lei divina diz que ninguém pode ser obrigado a casar
contra sua vontade." O rei se toca com aquilo e, em seguida, tem outro
problema: o regime na ilha era constitucional e ele não era monarca
absoluto. Tem, portanto, que levar o problema à assembléia. Reúne,
então, a assembléia e, por meio de um longo e tocante discurso,
consegue persuadir a assembléia a aceitar o risco da guerra, para não
infringir as leis não-escritas.

A tragédia grega era um acontecimento cívico, não apenas um


espetáculo teatral. Era um empreendimento promovido pelo governo
para a educação dos cidadãos. Nessa tragédia e em muitas outras, qual é
a mensagem transmitida? A idéia de que um país é obrigado às vezes a
se colocar em risco para não infringir as leis não-escritas. Ou seja, esse
governo argumentava contra si mesmo, contra seu interesse, e educava
as pessoas assim. É claro que o momento da história em que aparece a

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tragédia grega é um momento excepcionalmente luminoso na história


da consciência humana. Há inúmeras tragédias gregas onde se concede
razão ao inimigo da pátria, o troiano. Toda a educação recebida na
escola, os discursos políticos etc., induziam as pessoas ao patriotismo e
a tragédia entrava como elemento compensador, para que as pessoas
não tomassem em sentido absoluto os valores do patriotismo, porque
esses valores eram relativizados por valores mais altos. Então, quando
existe uma comunidade política capaz desse nível de consciência, é
evidentemente um momento luminoso da história. E o milagre grego de
que falamos não pode, evidentemente, ser encarado apenas em termos
de realizações estéticas ou científicas, mas sobretudo como um
momento culminante na história da consciência humana.

Existem muitos outros momentos de consciência exemplar na história.


Um é a história que se passa com o genro de Maomé, Ali. Um excelente
orador, cujos discursos estão entre os mais belos da literatura universal,
Ali foi um fracasso total como político, mas um grande guerreiro. Conta-
se que, numa das batalhas, ele encurralou um inimigo, conseguiu
desarmá-lo e encostou a espada em sua garganta. O inimigo então o
xingou; ele ficou perplexo, colocou a espada na bainha e foi embora. Em
seguida, o inimigo diz: " você está com a espada na minha garganta, me
derrotou, e só porque o xingo... venci você com um xingamento?" Ele
diz: " não, não é isso, é que fiquei com raiva de você, e se o matasse, eu
não seria mais um guerreiro, seria um assassino, porque o teria matado
por raiva pessoal e não tenho nada contra você. Isso aqui é guerra.."
Esta ética guerreira durou séculos. Até o século XIX ainda havia
amostras de um espírito de luta cavalheiresco que predominava na

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Educação Liberal
guerra.

Há outro episódio famoso que se passa entre príncipes muçulmanos e


espanhóis. Uma batalha estava prestes a ocorrer em determinado lugar
e os muçulmanos erraram o caminho. Em vez de parar no lugar da
batalha, foram parar no castelo do príncipe espanhol que iria combatê-
los. Só que o castelo estava vazio, só estavam lá a rainha e suas aias,
mucamas e crianças. Conta-se que a rainha saiu do castelo e passou-lhes
um sabão: "não têm vergonha de encurralar mulheres e crianças
assim?" Eles pediram desculpas e foram embora.

Se comparamos isso com o panorama do século XX, onde vemos, não


massas de população, mas elites intelectuais capazes de se fecharem
completamente à metade da realidade, para encarar somente a metade
que lhes interessa, então, de fato, nossa comunidade política está
infinitamente abaixo do nível de consciência daquelas comunidades.

Imaginem o que aconteceria hoje em qualquer país do mundo. O que


aconteceria com o sujeito que dissesse que não ocupou a cidade porque
só havia mulheres e crianças? Iria para a corte marcial. Seu dever
militar se sobrepõe ostensivamente às normas não-escritas, as quais não
são sequer levadas em consideração. Elas simplesmente não existem
mais. O que há hoje, não é só um fenômeno de imoralidade, mas um
fenômeno de baixo nível de consciência, porque o indivíduo acredita
que aquele interesse militar imediato é real e que a norma não-escrita é
irreal. Ele infringe a norma não-escrita, porque acredita que ela não
existe, que é apenas invenção, produto cultural, crença. Só conhece a
norma não-escrita, por referência escrita ou oral, ouviu falar que existe,
mas não tem experiência pessoal dela. Não há nem a situação do

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Educação Liberal

indivíduo que, através da educação, chegou a perceber que essas normas


não-escritas efetivamente existem.

Dike é a idéia grega justiça cósmica; é uma experiência que se pode


fazer, não uma invenção cultural; uma experiência que requer certo
nível de maturidade. Então, quando Aristóteles enfatiza que somente o
homem maduro pode guiar a comunidade, está se referindo aos homens
que conseguiram absorver um certo número de experiências decisivas,
que colocam a sua alma um pouquinho acima do nível de consciência de
sua comunidade. Não quer dizer que precisem ser santos ou profetas ou
heróis, mas são simplesmente pessoas que têm uma amplitude anímica
um pouco mais vasta, porque chegaram a ter certas vivências. Quando
não temos isso e, não obstante, temos uma formação universitária, um
diploma, e as julgamos as situações evidentemente pelas experiências
que temos. No começo do século XX, houve uma série de antropólogos
que saíram pelo mundo fazendo recenseamentos dos usos e costumes
dos vários lugares. Quando notaram que aquilo que era proibido num
lugar era obrigatório no outro, tiraram a conclusão de que todas as
normas eram culturalmente relativas. Isto foi especialmente divulgado
no mundo por Margareth Mead e Jules Benedict. Eles fizeram um
sucesso tão grande que, hoje em dia, essa convicção do relativismo
antropológico é tida como um dogma: todas as morais são
culturalmente relativas. É no mínimo curioso que nunca ninguém tenha
feito a seguinte pergunta: me aponte uma sociedade onde o homicídio
seja legítimo? Ou, me aponte uma sociedade onde o casamento seja
proibido. Ou, me aponte uma sociedade onde qualquer forma de
conhecimento seja proibido. Simplesmente não existem tais sociedades.

http://www.olavodecarvalho.org/palestras/2001educacaoliberal.htm (26 de 40)16/4/2007 11:05:25


Educação Liberal

Isso quer dizer que, por baixo da variação acidental de normas aqui ou
ali, existe uma infinidade de normas universais que nunca foram
contestadas por civilização ou cultura alguma. A lista das regras e
normas permanente é infinitamente maior do que a das normas
variáveis. Então isso quer dizer que esses antropólogos, baseados em
sua pequena experiência acidental de ter conhecido uma ou duas
comunidades, generalizaram para a espécie humana, de modo que a
visão total da humanidade fica reduzida ao tamanhinho da amplitude de
consciência de dois ou três antropólogos, que viram meia dúzia de
coisas. Nas ciências humanas, isso se tornou norma no século XX: o
indivíduo proclama que tudo o que ele não viu não existe e tudo o que
está fora de seu círculo de experiência só pode existir como invenção,
como crença ou como criação cultural e portanto não tem importância
nenhuma.

Uma educação baseada nisso seria uma deseducação, porque ela está de
cara bloqueando a possibilidade de certas experiências.

A humanidade toda deixou documentos de pessoas que conversaram


com Deus. Eles não existiram? São milhões e milhões de documentos,
falei com Deus e obtive tal resposta. Falar com Deus e obter tal resposta
é uma experiência. É algo que acontece ou não acontece. Não é uma
teoria evidentemente, é um fato, ou ele é fictício ou ele é real. Algum
antropólogo de alguma universidade já convidou alguém para fazer essa
experiência e ver o que acontece? Alguém ensinou a você: para falar
com Deus é assim e assado, a coisa tem uma lógica, requer um certo
tempo, tem um vai-e-vem, tem um feedback? Não, porque eles também
não sabem. Dizem que houve pessoas que acreditaram em Deus, Deus é

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Educação Liberal

uma crença e nada sabemos a respeito. Como nada sabemos a respeito?


E esses depoimentos todos? Vamos fazer de conta que nada disso
existiu? Toda essa gente estava no mundo da lua e você foi o primeiro
que descobriu a realidade? Construíram-se civilizações, legislações,
sociedades, vidas humanas, tudo em cima disso, e era ficção? Prefiro
apostar na hipótese contrária de que esse pessoal todo sabia do que
estava falando. Ou seja, algo nos aconteceu e se não temos o mínimo
acesso a esse tipo de vivência então nada sabemos a respeito, e não é
uma atitude científica rotular de crença o que você não sabe o que é.

Durante quanto tempo você é capaz de manter um fio de raciocínio


dentro de si, sem se dispersar completamente? Vamos chamar de
raciocínio, o encadeamento de silogismos - premissa maior, premissa
menor, conclusão. Quantos silogismos em linha você é capaz de fazer
dentro de si, sem se dispersar e perder o fio da meada? Um, dois e olhe
lá. Isto quer dizer que a dispersão é o seu estado habitual. Compare-se,
por exemplo, a um praticante de uma mística ascética qualquer, que
aprende a se concentrar numa palavra ou um nome que designa uma
qualidade divina durante, digamos, dezesseis horas seguidas; que
aprende a afastar qualquer outro pensamento de sua mente. Você acha
realmente que a visão que o homem disperso tem pode ser idêntica à do
homem concentrado? É claro que não. Isto quer dizer que, em outras
épocas, houve homens muito concentrados, capazes de limpidez de
pensamento, de auto-consciência - e logo explico o que quero dizer com
essa auto-consciência - e que tiveram acesso a certas experiências e
deixaram testemunhos delas, e esses documentos são preciosos. Mais
tarde, aparece um sujeito sem concentração nenhuma, uma alma

http://www.olavodecarvalho.org/palestras/2001educacaoliberal.htm (28 de 40)16/4/2007 11:05:25


Educação Liberal

totalmente dispersa, totalmente fragmentada, com auto-conhecimento


precaríssimo, dizendo que tudo são crenças. Ora, faça-me o favor!, isto é
a anti-educação. Se queremos entender esses documentos, temos que
criar a condição psicológica para refazer as experiências que estão
subentendidas neles.

Alguém já ouviu falar da prece perpétua? É uma técnica da igreja


ortodoxa. Existe um livro extraordinário sobre isso chamado "Relatos
de um peregrino russo" - uma abreviatura de milhares de escritos dos
místicos ortodoxos ao longo do tempo. O peregrino russo é um homem
simples que um dia ouve na missa o padre dizer a sentença de Jesus:
orai sem cessar. Ele diz: " como orai sem cessar? Ninguém pode orar
sem cessar, a gente reza e depois vai fazer outra coisa." Sai então
procurando, pergunta para um, pergunta para outro, até que encontra
um monge que diz: " você vai rezar junto com o ritmo de sua respiração,
vai dizer Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim; e vai dizer isso
com plena intenção; você só quer uma coisa na vida: que Jesus tenha
pena de você. Vai esquecer todo o resto e vai fazer isso, vinte e quatro
horas por dia, pelo resto de sua vida." Talvez, se conseguir prestar
atenção na piedade divina, com um pouco dessa concentração, acabe
percebendo que ela existe. Agora, pelo simples fato de ter lido sobre esse
negócio de piedade divina, você diz que isso é crença? Mas, como? Você
conhece a coisa, sabe do fenômeno que está sendo falado, ou sabe
somente as palavras?

Assim como esta prática existem milhares no mundo - budistas,


judaicas, islâmicas, hinduístas e outras. Tudo isto é totalmente
desconhecido do ensino moderno. O ensino se tornou uma arte de falar

http://www.olavodecarvalho.org/palestras/2001educacaoliberal.htm (29 de 40)16/4/2007 11:05:25


Educação Liberal

sobre coisas que se desconhece completamente. Não estou me referindo


ao ensino religioso. Se pedir ao padre, ao rabino, ou ao aiatolá, ele vai
ensinar a você algumas coisas da religião dele, o formulário de crenças
dele, e vai dizer que todas as outras não interessam. Ele também já não
está falando de experiências, está falando de uma crença determinada.
Não é disso que estou falando. Estou falando de realidades e não de
formulários de dogmas que dizem que isso está certo e aquilo está
errado. Do mesmo modo, as experiências subjacentes à filosofia de
Platão ou à filosofia de Aristóteles também são condições indispensáveis
para que você as compreenda. Quando Platão falava na Academia, ou
Aristóteles no Liceu, eram literalmente homens maduros falando com
outros homens maduros. Não era uma discussão entre almas dispersas.

Todos aqui já sentiram, por exemplo, acessos de tristeza ou de


desespero que não sabiam de onde vieram. Todo mundo já teve isso.
Ora, se existe algo na sua própria alma que você não sabe de onde veio,
existe um conteúdo que é estranho a você. Ou seja, a sua alma é tão
conhecida sua, quanto uma cidade onde acaba de desembarcar pela
primeira vez; você está perdido dentro de você. Sua alma é o
instrumento pelo qual você conhece o mundo, mas se ela própria é tão
desconhecida assim, quantos metros espera avançar no caminho do
conhecimento, antes de ter limpado as lentes com que vai olhar este
mundo? Uma certa limpidez da alma, portanto, um certo conhecimento
do indivíduo por ele mesmo, de modo que ele saiba de onde vêm suas
emoções, de onde vêm seus desejos e o que o compõe efetivamente por
dentro, são condições sine qua non da verdadeira educação. Não existe a
educação sem o efetivo auto-conhecimento. Mas, se num curso de

http://www.olavodecarvalho.org/palestras/2001educacaoliberal.htm (30 de 40)16/4/2007 11:05:25


Educação Liberal

filosofia universitário, você levantar este problema, dirão: "se quer auto-
conhecimento, que vá procurar um padre ou um psicanalista, que nós
estamos aqui para estudar filosofia." Que raio de filosofia é esta que não
se preocupa nem em saber se a alma do sujeito está habilitada para
aquilo? Que raio de ensino é este que não cumpre a condição da
maturidade que o próprio Aristóteles e o próprio Platão colocam como
condição básica para o estudo da filosofia? Isto quer dizer que, ao longo
dos tempos, a noção de educação foi sendo perdida. Ela é conservada
apenas em núcleos muito limitados; há grupos de pessoas que sabem e
continuam cultivando aquilo, como sempre. Mas o ensino de massas,
público e privado, não está dando às pessoas senão um grosseiro
simulacro de educação. Não cabe a mim julgá-lo ou modificá-lo; não sou
ministro da educação, nem quero ser. Se me pedissem um projeto de
educação nacional, me esconderia debaixo da cama e pedir socorro à
minha mãe. Esse problema está acima da minha capacidade, como está
acima da capacidade do ministro da educação ou de qualquer outro que
ocupe o lugar dele.

A educação requer sobretudo essa situação: há o professor e os alunos.


Querem um plano de educação para vocês? Esse, eu sou capaz de
inventar, dentro de um universo operacional abarcável. O professor
conhece seus alunos, sabe até onde pode levá-los e sabe o que pode
fazer, isto é o máximo. A idéia de um plano de educação que abarque
toda uma nação, isto para não falar em toda a humanidade, como faz a
ONU hoje, é evidentemente simulacro, não existe. Os planos atuais de
educação que estão sendo impostos no mundo inteiro pela ONU, que é
para a formação do cidadãozinho perfeito da Nova Ordem Mundial,

http://www.olavodecarvalho.org/palestras/2001educacaoliberal.htm (31 de 40)16/4/2007 11:05:25


Educação Liberal
foram inventados na década de cinqüenta por um sujeito chamado
Robert Muller, que era discípulo de uma pseudo-esoterista chamada
Alice Bailey, uma mulher completamente maluca, da doutrina dos raios
cósmicos, que conversava com extra-terrestres; esse cara pega as obras
de Alice Bailey, adapta para a formação de um plano educacional
mundial e este plano está sendo implantado. Evidentemente isto é uma
caricatura grotesca. Quando falo dessas coisas, estou falando de mística
verdadeira, coisas que foram acumuladas ao longo de cinco mil anos de
judaísmo, dois mil anos de cristianismo, mil e quinhentos anos de
islamismo, quase dez mil anos de hinduísmo, não de uma doida
americana que conversou com extra-terrestres. Então, o sujeito que
aprendeu com esta visionária de extra-terrestres pode fazer um plano
para educar o mundo e eu, que aprendi coisa melhor, só tenho um plano
para educar vocês. É porque sei o que é educação e esse sujeito
evidentemente não sabe. Sei quanto é complexa a educação, o quanto
ela requer de contato direto e comprometimento total do professor com
seus alunos, porque se trata não apenas de transmitir certos
conhecimentos, mas de elevar o indivíduo para a possibilidade de certas
experiências interiores, que darão poder à sua inteligência e poder à sua
capacidade cognitiva. Educar é transmitir um poder. E esse poder, não
posso injetar em você; posso dizer mais ou menos onde ele está e você
pode procurar, posso dizer como você pode abrir a caixa e pegar o que é
seu. É a partir desse enriquecimento da experiência interior e a partir da
idéia de concentração, de continuidade da consciência, que o indivíduo
se abre à possibilidade de compreensão desses documentos deixados ao
longo das eras. Informar simplesmente a existência disso já é fazer
alguma coisa. Mas, além de informar, podemos de vez em quando dar
alguma dica de como o indivíduo se torna capacitado para pegar esse

http://www.olavodecarvalho.org/palestras/2001educacaoliberal.htm (32 de 40)16/4/2007 11:05:25


Educação Liberal

legado.

Durante muito tempo, o ensino ocidental esteve consciente disso. Se


lemos os escritos dos grandes educadores da idade média como Hugo de
São Vitor, Santo Alberto Magno, vemos que o começo das universidades
preservou ainda a consciência disso aqui. Por volta do século XV, mais
ou menos, a universidade se torna objeto de disputa entre Vaticano e
estados nacionais. A partir daí, as universidades vão se tornando, cada
vez mais, meios para fins que não são os de seus estudantes. Ainda
pertenço à escola antiga: acredito que a finalidade da educação é o
estudante, é o indivíduo humano, um cara real. O que ele vai fazer com
isso depois simplesmente não é da minha conta. Acho um assinte a
promessa de educação para o desenvolvimento, porque estará
pressuposto que se vai educar o sujeito para fazer determinada coisa, e
que essa coisa vai ter um resultado global x. Ou seja, programa-se a vida
inteira do cara. Educação para a paz, educação para o desenvolvimento,
educação para a cidadania, tudo isto, no fim das contas, é educar o
indivíduo para uma finalidade que não é necessariamente a dele. Então
isto não é educação, é programação. A finalidade da educação, tal como
entendo e tal como foi entendida ao longo de todos os tempos, é a
maturidade. O que o homem maduro vai fazer com o que ensinei é
problema exclusivamente dele, ele vai exercer a maturidade dele, não a
minha. Quando ele tiver um problema na mão a situação será outra, os
dados serão outros e não existe nenhuma possibilidade de um professor
antever tudo isso. Isso significa que, uma vez conquistada a maturidade,
a finalidade da educação está terminada, acabou, seu educador tem que
ir embora para casa. E você se transforma num educador, se quiser, ou

http://www.olavodecarvalho.org/palestras/2001educacaoliberal.htm (33 de 40)16/4/2007 11:05:25


Educação Liberal

vai fazer outra coisa, pois não é só na educação que homens maduros
são necessários.

Mas essa total desatenção ao fenômeno da maturidade, aliada a uma


atenção excessiva aos usos que a pessoa supostamente vai fazer da
educação, faz com que praticamente toda a educação do século XX faça
do aluno um meio e nunca a finalidade. Ou seja, a educação se torna
serva da política, serva da economia, serva da guerra, serva de qualquer
outra coisa e o aluno por sua vez se torna servo desse processo. Acho
isso uma imoralidade. Não gostaria de praticar isso. A possibilidade de
uma educação que não se encaixe nisso é evidentemente aberta, dentro
do próprio sistema democrático, pela possibilidade da educação livre. É
claro que a democracia, como qualquer outro regime, também
programa as pessoas para serem servas de um plano já dado de
antemão, mas ela tem uma vantagem: não cerca o indivíduo por todos
os lados, deixa aberta algumas possibilidades. A democracia induz o
indivíduo, mas não o obriga completamente. O problema é que
geralmente as pessoas não sabem das possibilidades que a democracia
deixa em aberto. Ou não sabem, ou as desprezam. As possibilidades de
auto-educação e de educação livre são coisas preciosas que existem no
regime democrático, das quais temos que tirar proveito de algum modo.

A idéia mesma de que essa proposta educacional se encaixasse de algum


modo dentro do esquema educacional vigente é contraditória, afinal de
contas o sistema educacional vigente tem a sua finalidade também, a
formação profissional e o adestramento das pessoas para a mecânica da
democracia. Mas é claro que a educação de massas - pública ou privada
- visa a formar massas e não indivíduos, o que quer dizer que se

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Educação Liberal

trocarmos todos os alunos, não faz diferença alguma. Mas na educação


verdadeira, cada indivíduo é precioso. E, até por isso, pode existir na
educação efetiva o fenômeno do aborto pedagógico. Eu mesmo já tive
uma boa coleção de abortos pedagógicos, em que vi que, num
determinado momento, o florescimento da consciência é totalmente
obstaculizado pelo meio. O meio coloca no indivíduo certos conflitos
que, ou o paralisam, ou o fazem até recuar. O meio social no qual
estamos trabalhando não é inteiramente hostil à educação: deixa uma
certa margem em aberto. Mas a capacidade de desestímulo que o meio
brasileiro tem para a educação é absolutamente fantástica. A
curiosidade é desestimulada e o simples fato de o sujeito querer saber
alguma coisa não é considerado normal;

Outro dia estava conversando com meu irmão sobre como, quando
pequeno, ele gostava de fazer rádios de pilha. Gostava de eletrotécnica.
Inventou isso sozinho, da cabeça dele, foi tentar fazer e aprendeu. E
todas as pessoas em torno achavam aquilo muito esquisito e diziam:
"por que você está mexendo com isso? Tem que se preparar para ganhar
dinheiro."Em muitos meios, não necessariamente nos mais pobres, é
assim até hoje.

Vamos pensar na idéia de que o máximo de realismo que se pode ter na


vida é pensar apenas em ganhar dinheiro. Ótimo, você se dedica a algo
apenas para ganhar dinheiro. Vamos supor que você fabrique copos,
mas não porque goste e sim para ganhar dinheiro. No dia seguinte pega
o dinheiro que ganhou com os copos e vai comprar água mineral. Mas
acontece que o sujeito que abriu a mina e engarrafou a água também fez
para ganhar dinheiro. E com o que ganhou, também vai comprar uma

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Educação Liberal

outra coisa que só foi feita para dar dinheiro. Então se você compra um
sapato, este foi feito para quê? Não para fazer sapato, mas para ganhar
dinheiro, o sapato não é finalidade, a finalidade é o dinheiro. Enfim,
todas as ações do processo produtivo são exclusivamente meios, e não
há uma única coisa que se possa comprar, que valha a pena ser
comprada. Ninguém fez nada para que aquilo valesse. A idéia de que a
atitude realista e madura na vida é pensar apenas no dinheiro esquece
que é necessário que exista algo que se possa comprar com o dinheiro.
Que se este algo nunca é a finalidade, é sempre secundário, é sempre
sacrificado ao dinheiro. Se eu fizer um objeto ou outro, de um jeito ou
de outro, e ganhar a mesma coisa que se fizesse um determinado bem
feito, então para que fazer este bem feito? Você faz o seu produto mal
feito, ganha seu dinheiro e vai todo contente comprar outro produto que
também é mal feito. Isto é uma radical incompreensão do processo
econômico. Mas isso é uma coisa que se vê no Brasil. Viajando pelo
mundo, não vemos as pessoas agindo assim.

A visão negativa que temos do processo capitalista faz com que o


pratiquemos de maneira negativa. Não gostamos dele e por isso o
corrompemos. Se fosse socialismo, faríamos exatamente a mesma coisa.

Esse rebaixamento geral das expectativas, dos valores da vida, é um


dado constante na sociedade brasileira e é um tremendo desestímulo.
Faz com que haja no processo educacional muitos fenômenos de aborto,
de indivíduos que vão se desenvolvendo até certo ponto e de repente
têm uma crise, um pânico. Uma crise muito comum é a do indivíduo
que percebe que, quando está percebendo algo, sabendo algo que os
outros não sabem ou não percebem, cria-se uma dificuldade de

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Educação Liberal

comunicação. Por exemplo, se você é muito apegado a seu grupo de


amigos de juventude, não pode se educar, porque ou você os educa a
todos juntos ou vai amadurecer mais do que eles e eles vão se tornar uns
chatos para você e não vão gostar mais de você. A educação tem esse
preço, aquele que sabe não é facilmente compreendido pelo que não
sabe. Muitas pessoas, quando constatam isso, recuam ou caem no seu
processo educacional e se castram espiritualmente, para não perder
amizades ou apoio familiar, que evidentemente não valem a pena.

Mas é essencial entender, para encerrar, que a definição de educação


liberal é a preparação da alma para a maturidade. O homem maduro é o
único que está capacitado a fazer o bem para o meio em que está.
Porque o bem também tem que ser conhecido. O discernimento entre o
bem e o mal não vem pronto; não adianta ter um formulário, os dez
mandamentos ou ter o código civil e penal. Isto não resolve muito. O
bem e o mal são uma questão de percepção, que tem que ser afinada
para cada nova situação que você vive, porque costumam aparecer
mesclados. Jesus disse: na verdade amais o que deveríeis odiar, e odiais
o que deveríeis amar. Este é todo o problema da educação, desenvolver
no indivíduo, mediante experiências culturais acumuladas, a capacidade
de discernimento para que ele saiba em cada momento o que deve amar
e o que deve odiar. Ninguém pode dar essa fórmula de antemão, mas a
possibilidade do conhecimento existe e está consolidada em milhões de
documentos. Uma educação bem conduzida pode levar o indivíduo à
maturidade do verdadeiro julgamento autônomo.

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Educação Liberal

Notas

1. Diretora do programa Drug Watch International. [voltar]

2. Aliás, a idéia corrente, abundantemente repetida por jornalistas

e intelectuais brasileiros, de que o ensino na época fosse limitado

aos nobres, é talvez a mais idiota que alguém já meteu na cabeça,

porque o característico da nobreza durante toda a idade média era

precisamente não estudar. O estudo era considerado uma

ocupação imprópria para os nobres e só própria a dois tipos de

pessoas: aqueles que se dirigiam ao clero e as mulheres. Portanto

as mulheres eram privilegiadas no ensino medieval.

Aproximadamente 60% ou 70% do público escolar eram

compostos de mulheres.

Este é um detalhe que qualquer estudioso da idade média sabe,

mas que você nunca vê mencionado em parte alguma. É como se

houvesse um escotoma, um ponto preto que impede as pessoas de

saberem disso. Esse detalhe por si basta para derrubar toda uma

visão da história, que é aquela visão de que a história transcorre

de um estado de escravidão, dominação e autoritarismo para um

estado de maior liberdade e democracia. Esta visão está

subentendida em praticamente tudo o que se discute nesse país e

em metade do mundo. E é evidente que basta um pouquinho de

estudo efetivo da história para ver que as coisas realmente nunca

se passaram assim. Na verdade, idéias como as modernas

ditaduras e os modernos autoritarismos são coisas que, na

antiguidade e na idade média, nem passariam pela cabeça de um

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Educação Liberal
governante. A hipótese, por exemplo, de haver um cadastro

eletrônico onde estão todos registrados, onde se pode acompanhar

a conduta de cada um, saber quanto o sujeito gastou, onde ele

esteve e, em caso de dúvida, poder usar tudo contra ele, é uma

idéia que se fosse dada a Gengis Kahn, ele acharia monstruosa. Ou

seja, Gengis Kahn não pretendia ter tanto poder assim, poder que

hoje em dia qualquer governante ditatorial, e até democrático, tem

sobre as pessoas.

A História, portanto, ao contrário do que diz o famoso clichê, tem

seguido no sentido de um crescimento da autoridade. A

autoridade vai conquistando meios de ação sobre os indivíduos de

que nunca antes dispôs e, ao mesmo tempo, surgem mecanismos

compensadores como a liberdade de imprensa e o ensino

universal. Mas, elas por elas, o autoritarismo tem ganhado a

corrida. [voltar]

3. Mortimer Adler é autor do livro "Como ler um livro" (pegar

referências). [voltar]

4. Ora, não termos o direito de fazer alguma coisa não significa

que não a façamos. Na prática, a mistura de procedimentos

legítimos e ilegítimos é um fato do nosso dia-a-dia. A maneira

mais prática e fácil de fazer prevalecer sua tese, é fazer como

fizeram no debate mencionado por Mina Seinfeld, em que você

desaparece com a tese do adversário e a sua, por ser a única

existente, acaba prevalecendo. [voltar]

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Cartas dos Leitores à revista Época

Cartas dos Leitores à revista Época

Estas são algumas das cartas enviadas à revista Época durante a


semana passada. Não requerem o mínimo comentário, mas agradeço
de coração a todos os remetentes. - O. de C.

Prezado Diretor de Redação da Revista Época,

Sou assinante dessa conceituada revista e, habituada a iniciar a leitura


pela página onde o Filósofo Olavo de Carvalho escreve seus artigos
semanais, fui surpreendida na última edição com outra pessoa em seu
lugar. O que aconteceu para que outra pessoa, competente, mas de
orientação ideológica oposta ao mencionado colunista, ocupasse seu
lugar na revista? Olavo de Carvalho é uma das poucas vozes dissonantes
do pensamento massificado e emburrecedor, que infesta as redações de
jornais e revistas informativas do País. Não quero crer que, por ele ser
um dos poucos que possuem a coragem de desmascarar a farsa e o
trabalho cuidadosamente elaborado pela desinformatzia esquerdista,
com a lucidez e a perspicácia de uma águia, tenha sido substituído.
Entretanto, se o motivo por mim exposto foi a causa da sua substituição,
acredito que estamos diante de um caso de censura à liberdade de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (1 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

expressão, inaceitável por qualquer tendência ou corrente de


pensamento vigente no Brasil. E, em nome dessa liberdade de
expressão, solicito-lhe, gentilmente, que reveja as posições da revista e
devolva-nos o jornalista que justifica minha assinatura à Revista Época.
Atenciosamente,
Graça Salgueiro Maria das Graças de Arruda Salgueiro
irinna@terra.com.br

Prezados Senhores,

Desde maio de 2000, o filósofo Olavo de Carvalho tem escrito


semanalmente artigos para o jornal O Globo e para a revista Época, nos
quais tem abordado, de forma cristalina e muitas vezes contundente,
sempre com impressionantes inteligência e erudição, temas
fundamentais para o homem moderno, e principalmente pontos cruciais
da história e da política nacional e internacional. Olavo tem sido um dos
poucos se não o único intelectual brasileiro a analisar os problemas e a
história do pensamento nacional por um ângulo que não seja o
esquerdista, normalmente unilateral e engessado pelos dogmas
marxistas. Se seu texto só tivesse essa única qualidade, já mereceria
nosso louvor, ou no mínimo nossa atenção. Mas Olavo tem sido uma
"vox clamantis in deserto". Em vez de encetar diálogos honestos e
dignos, como convêm a todo intelectual digno do nome, seus artigos
tem sido solenemente ignorados pela intelligentsia esquerdista, por
motivos que podemos detectar mas que não vêm ao caso agora. E, para
nossa surpresa, justamente a revista Época, que vinha possibilitando a
um número expressivo de leitores a oportunidade de ler os excelentes

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (2 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

textos de O. de Carvalho, parece ter decidido impor-lhe o mesmo


silêncio com que nossa intelligentsia tem "reagido" aos seus textos,
vetando-lhe o artigo que seria publicado na edição de 03/11. Não
podemos aceitar que uma revista prestigiosa como a Época, que vinha
demonstrando ser imparcial e aberta às diversas tendências e enfoques
de análise jornalística e intelectual, venha perpetrar tal censura (essa é a
palavra) a um de seus mais importantes articulistas. Ressalte-se o fato
de que na Época (e também em O Globo) os textos de Olavo saem (ou
saíam?) sempre na sessão "Opinião", o que exime a revista de qualquer
responsabilidade ou compromisso com as idéias do articulista. Ainda
assim seu último texto foi proibido. O que (ou quem) levou Época a tal
decisão? Reconhecemos que os editores (e os donos) de um veículo de
imprensa devem ter autonomia para decidir o que publicar, mas nos
causa espécie o fato de um articulista acima da média ser sumariamente
censurado, sobretudo nesse país em que a palavra "censura" se tornou
um verdadeiro anátema, principalmente nos meios esquerdistas.
Manifesto aqui o meu repúdio à censura imposta por Época ao filósofo
Olavo de Carvalho, na esperança de que não percamos o privilégio e a
oportunidade de ler, nessa conceituada revista, os textos de um dos
maiores intelectuais que o Brasil já teve. Pois não será outro o requisito
que diferencia um veículo de imprensa dos demais se não a
imparcialidade.
Marcos Grillo/RJ
mgrillo@vento.com.br

Prezados Senhores:

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (3 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Gostaria de saber por que, na última edição, não foi publicada a coluna
do Filósofo Olavo de Carvalho. Tomara não tenham os senhores
resolvido "abafar" a voz mais independente, culta e incômoda de toda a
imprensa brasileira. Eu simplesmente me recuso a pelo menos pensar
nessa possibilidade. Num país onde jornalismo é quase sempre paixão
arrazoada, a inteligência ácida de Olavo de Carvalho faz a diferença. Por
favor, respondam-me.
Waldson Muniz
wal.muniz@uol.com.br

Caro Prof. Olavo de Carvalho:

Venho, através desta, expressar meu apoio ao Sr. devido à dispensa


sumária da revista Época. Mandei e-mail para a redação da mesma
criticando e muito tal atitude, ainda mais de pensar que seria possível
substituí-lo por uma mulher que não sabe se expressar claramente e de
idéias opostas às suas. Sou irmão de um grande admirador seu, Nestor
José Forster, que me mostrou as luzes de suas sábias palavras! De forma
alguma o Sr. se preocupe, pois, sem dúvida, não será revista Época que
me impedirá (e não só a mim) de ler seus brilhantes artigos, pois sei que
sempre os encontrarei neste muito bem montado site.
Cordialmente,
João Paulo K. Forster

Caro Olavo

Agora entendí porque sua página na revista Época desta semana não

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (4 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

saiu publicada. Você foi censurado.! Estranha essa atitude da revista.


Certamente a crítica ao Aloysio foi considerada "inoportuna". É como
você diz, estamos em vias de assitir a cenários mais graves do que
aqueles vividos em 1964. Outro dia dei-me conta de uma das razões
básicas, do porque desse estado de ânimo que permeia nossa imprensa e
nossa classe média, em geral. Ao analisar o resultado do último censo de
2000, verifiquei, através do Almanaque Abril 2001, que nossa
população hoje atinge os 170 milhões de habitantes. Em 1970 eramos
cerca de 90 milhões ( 90 milhões em ação, lembra-se ?). Pois bem, mas
o que me deixou deveras preocupado foi constatar que mais da metade
da nossa população, hoje, cerca de 100 milhões, é constituída de pessoas
com menos de 40 anos( de 0 a 39 anos) ou seja sem nenhuma vivencia
pessoal própria e confiável sobre o que aquí se passou no período
1964/1979. Ou seja, para essa massa de gente, a guerra revolucionária
que aquí aconteceu, não passa de uma mera "abstração", abstração essa
muito bem guardada a sete chaves, e mantida na geladeira pela mídia e
pelos professores de nossa rede de ensino. Certamente você já fez essa
constatação, porém, creio que a maioria do nosso pessoal ainda não se
deu conta da desvantagem que estamos levando nessa guerra de
desinformação. A esquerda foi muito perspicaz em perceber essa
mobilidade da nossa população e viu que deveria se concentrar nessa
massa, que não tinha registros passados em suas mentes, para colocá-la
a seu serviço. Receba minha solidariedade e meus cumprimentos.
Apesar de tudo, há que continuar denunciando, e você é o único que
pode fazê-lo, seja por seu conhecimento, seja por sua inegável
competência para realizá-lo.
Um forte abraço,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (5 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Scheliga

Cadê o Olavo de Carvalho ?

Esta pergunta deve ser feita porque a única novidade intelectual dos
últimos tempos no Brasil e neste veículo de comunicação é a coluna do
Sr. Olavo de Carvalho, único brasileiro genuinamente a serviço da
"verdade das coisas", que apoiado em gigantes como Aristóteles e São
Tomás de Aquino e em número escasso de mestres da Civilização
Ocidental, descortina e desmascara a trama da realidade que nos cerca e
que a cada dia torna-se mais tenebrosa, por efeito da ação nefasta dos
seguidores de pigmeus da humanidade do nível de Gramsci, Fidel
Castro, Karl Marx, Lênin, Mao, Che Guevara e cia. Perguntar pela
coluna do Sr. Olavo de Carvalho é procurar saber pelo único farol que
ilumina atualmente o panorama intelectual brasileiro, dominado pela
grotesca filosofia de botequim que se resume na máxima de que o "O
povo é deus". Incomodar-se com ele ou considerar que é uma mera
coluna de opinião descartável, assemelha-se à atitude daquelas criaturas
que vivem nas trevas da caverna de Platão, aterrorizados com a
possibilidade de ver a luz do dia, ou seja, odiá-lo é odiar a luz divina que
nele reflete e nos outros, no máximo, refrata. Assim sendo, dirijo-me
aos Senhores Diretores da Revista "Época", solicitando-lhes que nos
permita ler ao Sr. Olavo de Carvalho semanalmente. Atenciosamente.
Edison Madruga Martins
madrugamartins@ig.com.br

Caríssimo Olavo,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (6 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Nós, seus leitores fiéis, fomos surpreendidos não apenas pela ausência
de seu artigo na última edição de "Época" (datada de hoje, 5/11) como
pela publicação, em seu lugar, do bestialógico de Maria Aparecida de
Aquino _mais uma paupérrima variação da cantilena "os-EUA-é-que-
são-o-Grande-Satã".
O que houve? A revista vai parar de publicar suas colaborações ou
revezar seus textos com os de outros articulistas (presumivelmente,
mais ao gosto da ortodoxia gramsciana)?
Atenciosamente,
Rogério Ortega

Caro Olavo,

Imagino que você esteja ocupadíssimo. Fiquei chocado com a Época.


Censurar o seu artigo já é inadmissível. Mas colocar no lugar essa idiota
da central de propaganda do PT, vulgo USP, é sórdido. A seguir
reproduzo as mensagens (assinadas) que enviei à "Época" e ao "Globo":
"Prezados Srs.
Assíduo leitor dessa revista, fiquei perplexo ao constatar, na edição
desta semana, que a coluna do Prof. Olavo de Carvalho havia sido
ocupada por ilustre desconhecida, que insulta o leitor com um
amontoado de absurdos sobre os EUA e o terrorismo. A luz intensa do
mais original intelectual brasileiro foi tomada pelas trevas de uma
propagandista vulgar. Ou retorna o Prof.Olavo de Carvalho ou Época vai
perder leitores. E inteligência." Abração, Nestor Forster Jr. Caro Editor
da Revista Época Paulo Moreira Leite: Um dos principais motivos que
assino essa revista é o fato de saber que todo o domingo lerei um artigo

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (7 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

de Olavo de Carvalho, o único jornalista brasileiro que tem coragem de


colocar o dedo na ferida.
No entanto, neste último domingo, percebi que não havia nanhum
artigo de Olavo de Carvalho. No seu espaço havia a professora Maria
Aparecida Aquino, da USP, boa profissional, mas não possuí um pingo
da verve e da coragem de Olavo de Carvalho.
Gostaria de saber do senhor se está acontecendo uma nova política de
redação, com a saída de Augusto Nunes, que implica na sutil anulação
de um sujeito que sempre foi contra a corrente, em especial a corrente
esquerdista que infesta o Brasil com uma ideologia que não corresponde
à realidade. Se este foro caso, quero deixar bem claro a minha ojeriza a
essa manobra dissimulada. Como acredito que o senhor é uma pessoa
de boa-fé e que não cairá nessa armadilha, espero que o senhor
reconsidere qualquer que seja a sua decisão e, de uma forma lúcida,
volte a dar espaço à única voz que tenta fazer algo de útil a esta nação
que está indo para o abismo.
Cordialmente,
Martim Vasques da Cunha
Jornalista

Senhor Redator,

Estranhei a ausência do artigo semanal do filosofo Olavo de Carvalho.A


única voz que se levanta na mídia nacional discordante da uníssona
máquina da esquerda, NÃO PODE SER CALADA. Suspenderei minha
assinatura caso a lacuna se repita.
Prof. Nelson Lehmann

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (8 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

nelson@essencial.com.br

Mestre Olavo:

Leitor assíduo da revista Época, anticomunista visceral, notei com


estranheza, sua ausência na edição de 5 de Novembro [número 181].
Tenho toda a sua magnifica obra. Acabo de remeter E-Mail ao Editor
Chefe da Época. E fui taxativo: É censura da pior qualidade vermelha:
Auto Censura. Você foi direto ao ponto nevrálgico dos gregori da vida:
Marchamos para o comunismo disfarçado. A longa marcha da vaca, em
direção ao brejo!!
Cel. Sóstenes Pernamuco Pires Barros
spernambuco@uol.com.br

Prezado Senhor Diretor de Redação

Causou-me bastante estranheza a ausência da coluna de Olavo de


Carvalho na edição de ontem, 4 de novembro. Considero o filósofo
Olavo, o mais claro e objetivo colunista do Brasil e seus artigos só têm a
enobrecer a revista Época distanciando-a das demais, que ocultam
verdades e informações. Não gostaria que uma expressiva parcela da
população, aquela que ainda busca lucidez, fosse privada desses artigos.
Atenciosamente,
Eduy Cezar Ferro
iprd@terra.com.br

Caro Olavo,

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Cartas dos Leitores à revista Época

Estou muito preocupado pois na última edição de Época que vi não


constava sua coluna de opnião. Isso não pode acontecer de forma
alguma, pois é a única voz no jornalismo brasileiro que luta contra o
marxismo, que invade a cada dia nossa mídia e nossos costumes. Vide o
episódio ultrajante do vestibular da UFRJ e a reportagem da própria
Época sobre o assunto, que enaltecia alguns dos baderneiros. Homens
com quase 30 anos de idade fazendo baderninhas infantis sob o velho
pretexto de igualdade do comunismo. Entre em contato comigo.
cesareis33@hotmail.com

Prezado Sr. Diretor de Redação,

Venho manifestar minha surpresa e descontentamento por não


encontrar o artigo do filósofo e jornalista Olavo de Carvalho, na última
edição de Época (no. 181 - 05 de novembro de 2001). Como assinante e
tendo na presença do citado professor - única voz que luta contra a ação
programática de desinformação da imprensa nacional - uma das razões
da renovação para minha assinatura, gostaria que me fosse justificado
seu afastamento das páginas da revista.
Ana Maria B. Accorsi
email: amaccorsi@terra.com.br

Caro Olavo

Primeiro quero dizer que achei lamentável a não publicação de seu texto
por parte da revista Época. Eu já havia mesmo estranhado a presença
daquela professora de história uspiana em seu lugar. Tudo isto faz com

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (10 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

que seus comentários tenham maior impacto. Parece que, por aqui, só
se torna possível cultivar a esperança transcendente. Ainda bem que ao
menos esta existe.
Forte abraço
Yuri http://projetossi.com.br/yuri

Prezados Senhores,

Sou há bastante tempo assinante da revista Veja, mas, de uns tempos


para cá, venho comprando toda semana nas bancas a revista Época, não
só em razão da qualidade (cada vez melhor) da revista, mas
principalmente em função dos artigos do filósofo Olavo de Carvalho.
Estou, inclusive, seriamente inclinado a trocar a assinatura da Veja pela
da Época e passar a comprar aquela esporadicamente. Neste último
domingo, contudo, comprei a revista Época, mas, quando cheguei em
casa para ler, fiquei decepcionado (e me senti lesado) ao ver que no
lugar reservado aos excelentes artigos do referido filósofo, foi publicado
um artigo (ruim) de uma obscura Professora da USP. Gostaria de saber
o que houve e, ainda, se o mencionado filósofo voltará a escrever para a
revista.
Muito sinceramente,
Antonio Claudio Tarré

Caros editores da Revista Época,

Gostaria de fazer uma observação quanto à falta do artigo do filósofo


Olavo de Carvalho na Revista Época desta semana:

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (11 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

O Brasil vem nos últimos anos passando por transformações cuja real
natureza - revolucionária - pouco tem sido divulgada em nossa
imprensa, às vezes por ignorância, outras vezes conscientemente. Olavo
é um dos poucos que tem a coragem de dizer o que realmente se passa
há alguns anos em nosso país. Isto em circunstâncias normais, seria fato
corriqueiro. Mas dada a presente situação, ela é um comprometimento
com o rumo atual das coisas, é aliar-se com aqueles que pretendem
transformar o Brasil em uma Cuba ou uma China.
Com esperança de que os senhores se conscientizem desse fato,
Fernando Carneiro

Prezados Srs,

Causou-me espanto a nao publicacao do ultimo artigo de Olavo de


Carvalho. Qual o motivo?????
Contando com sua pronta resposta,
Marilia Tavares

Caros Senhores,

Informo que causou espécie a decisão da muito lida REVISTA ÉPOCA,


limitando a presença do ilustre e conceituado filósofo Dr Olavo de
Carvalho, a uma vez por mês. Aproximadamente 65% dos sócios do
Clube Militar, espalhados por todos os Estados do Brasi, em universo
que se aproxima dos 60 mil leitores, sentem-se frustrados por não
encontrarem na ÉPOCA as palavras semanais a que estavam
acostumados. Atenciosamente.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (12 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Gen Helio Ibiapina Lima Presidente do Clube Militar

A Revista Época:

Fiquei decepcionado ao não encontrar esta semana a coluna do Olavo de


Carvalho. Espero que tenha sido um problema temporário e que a
coluna volte a ser semanal, pois a leitura dessa coluna é uma das raras
oportunidades que ainda temos de tomar contato com reflexões e
análises elaboradas por um intelectual que realmente tem um
pensamento independente, em vez de se limitar a repetir os slogans
pretensamente corretos politicamente.
Jose Paulo Carneiro

Sr Diretor de Redação da Revista Época

Quero, por meio deste, fazer chegar até V.Sa. minha estranheza pela
ausência do texto do jornalista Olavo de Carvalho, na edição do último
sábado, 03 Nov, dessa revista. Preocupa-me esse fato, pois o referido
jornalista tem se constituído na única voz que tem se erguido-- com
conhecimento de causa e com rara competência-- contra a manipulação
a que hoje está submetido o cidadão brasileiro, promovida pelo
pensamento de esquerda que domina as redações dos principais jornais
e revistas aquí editados. Desconheço os motivos que poderiam haver
determinado o acontecimento a que me refiro, no entanto, diante da
realidade que nos circunda, inclusive na iminência da nomeação de um
ex-terrorista-- para vergonha dos brasileiros-- para o cargo de ministro
da Justiça do nosso país, o silêncio do pensador é deveras inquietante. É

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Cartas dos Leitores à revista Época

assustador que a nação se curve diante dessa afronta que o governo vai
perpetrar--- contra a dignidade da imagem do nosso país no concerto
das demais nações democráticas--- sem que nenhum protesto se faça
ouvir nesse sentido. A idéia de que tal cargo devesse ser ocupado por
pessoa de ilibado caráter e notório saber parece que já vem se tornando
anacrônica entre nós, haja vista os últimos ocupantes daquela pasta.
Uma lástima ! A cada dia que passa, a mediocridade avança, a passos
largos, em nosso país, sem que aqueles que devessem zelar, para que
isso não ocorresse, se manifestem a respeito. Há um silêncio cúmplice
no ar.! Concluo, na esperança de que aquele espaço nobre da revista,
voltará a ser ocupado, já no próximo número, por aquele jornalista, para
o bem da liberdade de pensamento em nossa pátria.
Atenciosamente,
Carlos de Souza Scheliga

Senhores,

Acompanho sempre, em sua revista, os artigos do jornalista e filósofo


Olavo de Carvalho, o qual foi o primeiro e é o único a dar os nomes
corretos às causas dos males que vão tornando a vida preocupante.
Ainda que não fosse possível concordar com todo e qualquer de seus
pontos-de-vista, creio ser de indiscutível importância a presença de tão
corajoso articulista entre os que tornam esta revista uma das mais
respeitáveis publicações do país. Daí meu desalento ao saber da
publicação de seus artigos, os quais passam a rarear. Com isto, entendo
que perde a revista e perde o país, já que os leitores ficamos impedidos
de conhecer o que pensa tão corajoso e franco jornalista e filósofo a

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Cartas dos Leitores à revista Época

respeito do que sucede.


Joel Nunes dos Santos

Caro Prof. Olavo

Não posso deixar de prestar ao sr. meus votos de solidaridade.


Acabei de ler seu desabafo (Intriga Criminosa 2) e agora tenho toda a
comprovação necessária para considerar o sr. acima de tudo uma pessoa
corajosa.
Tenho acompanhado seus artigos há pelo menos um ano e freqüento
seus seminários em São Paulo há 5 meses. As vezes ainda me assusto
com algumas de suas afirmações (principalmente aquelas com respeito
à política políticas) mas isso se deve apenas à restos do vírus da
adolescência esquerdista. Mesmo discordando com alguns pontos é de
se elogiar sua disposição de expor suas idéias de forma honesta, coisa
que 99% da "intelectualidade" deste país é incapaz de fazer.
Não serão esses últimos ataques que vão calar o sr., disso tenho certeza.
Testemunhar a perseguição à sua pessoa só me faz ver o quão corretas
são suas mais duras denúncias e afirmações.
Abraços.
Alessandro Martim Marques
amarques@fma.if.usp.br
"... não cabe à Universidade formar crentes nem sequer sugerir
convicções, mas dar ao estudante capacidade para escolher a sua
convicção." Otto Maria Carpeaux

A imprensa na prensa

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Cartas dos Leitores à revista Época

Dizer que no Brasil existe imprensa livre é tão verdade quanto imaginar
que existe verdade nas declarações do sr.Diógenes. É obvio para muitos
e nem tanto para os desavisados, que a liberdade que possa ter um
veículo de imprensa é a liberdade concedida pelo dono do veículo.
Depende, portanto, de seus interesses e objetivos. Não se trata, pois, de
critica. É uma realidade. E quem não concorda com isto, ou monta o seu
veículo ou procure outro que se ajuste ao seu raciocínio. Isto vale para o
leitor, ouvinte ou telespectador, como vale também para o colunista,
jornalista ou repórter.
Outra coisa totalmente diferente, é a restrição que possa ser dado a
alguém que queira ser independente e acabe sofrendo censuras. E por
censura deve-se entender qualquer tipo de restrição . Um exemplo é
cortar a circulação do material escrito. Outro, é dificultar o acesso em
ambientes para evitar que se colha a notícia. E tem aquela velha forma
de dizer para "baixar a bola" para evitar a perda da publicidade. E tudo
vem acontecendo aqui no Estado e fora dele.
Agora vamos aos casos : o prof. Olavo de Carvalho, mesmo não sendo a
primeira, é uma das últimas vítimas desta pressão. Perguntem à revista
Época - Época@redeglobo.com.br - qual, ou quais razões levaram a
mudar para mensal a coluna que ele escreve na revista. Porque e qual o
perigo de manter a coluna semanal que é muita lida e até vem ajudando
na venda da revista? Outras bem conhecidas por aqui, são: o meu caso,
o do Plebeu Braga, o do Diego Casagrande, etc... Tudo isto pode ser
constatado através de suas próprias colunas. Enfim, a imprensa de
alguma forma ainda está na prensa. Às vezes é preciso que um órgão
seja mais atacado para que as baterias sejam mais abertas.
Gilberto Simões Pires

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Cartas dos Leitores à revista Época

Caro Olavo,

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que lamento o fato de sua coluna


na revista Época ter sido reduzida a apenas uma por mês. Lamentável.
Bom, tive a chance de conhecer o senhor aqui em Belo Horizonte,
durante a sua palestra no Círculo Militar, e como grande admirador do
seus escritos, tenho a Revista República de Fev de 2000, onde o senhor
diz que Mihai Manoilescu é o guru de Celso Furtado. Bastou eu dizer
isso na minha aula de economia na PUC para ser escamado vivo pelo
professor. Depois da aula, fui falar com ele que eu podia mostrar o que
tinha dito. Ele disse: "Vc é elitista, com vc o tratamento é outro." Até
agora não sei qual tratamento me aguarda, mas gostaria de sabr se o
senhor não teria mais informações sobre a influência de Mihai sobre
Furtado, só pra garantir minha afirmação, que tirei da sua entrevista.
Agradeço desde já pela atenção e peço desculpas por tomar o tempo do
senhor,
Rodrigo Szüecs.

Prezado Professor:

Surpreendi-me com a ausencia de seu artigo no Globo de domingo


último. Engano meu? Espero reencontra-lo no próximo já que,
concordando ou não, as matérias de V.S. são praticamente as únicas que
leio na imprensa nativa. Lamentável atualidade que confunde
mediocridade e vulgaridade com qualquer simplória noção de padrão
ético. Aliás ética é vocábulo que não consta do dicionário pindoramico.

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Cartas dos Leitores à revista Época

Cordialmente,
Lisanti.

Prezados editores de Época:

25% da verdade não é a verdade. Sigo por vezes vossa revista on-line,
particularmente por ela trazer a colaboração de Olavo de Carvalho. A
par de rever a portentosa análise do analista genial com quem prezo me
corresponder, fico com um retrato do Brasil garantido, de algum modo,
pelo acolhimento que dão a uma voz isenta como a de Olavo. Ao
retirarem Olavo para coluna apenas mensal, diminui para 25 % a
credibilidade da revista Época. Não sei que outros ecos lhe chegam de
Portugal e a direcção da revista tem toda a legitimidade de imprimir a
linha que desejar. Mas no nosso círculo de portugueses amigos da
verdade e amigos do Brasil, emerge a solicitação de que revejam essa
decisão...
Melhores Cumprimentos
Mendo Castro Henriques
netmendo@netcabo.pt

Caro Diretor de Redação da Revista Época,

Venho por meio desta manifestar minha intensa surpresa e desagrado


ao não encontrar a coluna do filósofo Olavo de Carvalho na edição de 3
de novembro da revista Época.
Fiquei sabendo por meio de conhecidos que houve uma decisão editorial
resolvendo por bem reduzir em 75% o espaço concedido a este autor,

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Cartas dos Leitores à revista Época

digno e, porque não dizer, único representante de destaque do


pensamento liberal-conservador na grande imprensa brasileira,
concedendo o espaço assim removido a demais autores que, pouco
importam quais sejam, mais não farão do que reproduzir o desgastado e
desgastante discurso politicamente correto da esquerda nacional. Já não
bastasse o possuírem e usufruírem amplamente de quase 100% dos
meios de comunicação brasileiros, agora conseguirem agarrar mais uma
parte dos 0,1% reservados à pequeníssima oposição anti-comunista de
que ainda desfrutamos.
Olavo de Carvalho apenas uma vez por mês? Que seja, mas saibam que
esta decisão custou-lhes -- financeiramente, que isto fique bem claro --
três quartos de um cliente, pois sinto-me indignado e, em protesto,
informo que não pretendo adquirir quaisquer edições das quais não
conste sua coluna.
Fosse eu assinante e teria cancelado imediatamente minha assinatura.
Como porém não o sou, faço uma promessa adicional: se algum dia
vocês vierem a cancelar totalmente sua coluna, contem com a perda
total desse mesmo cliente.
Atenciosamente,
Alexander Gieg, graduando de Filosofia na Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo
(USP)
agieg@zaz.com.br

Prezados senhores,

Apesar de não ser assinante dessa revista, ao menos por enquanto, sou

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Cartas dos Leitores à revista Época

seu leitor permanente e notei a ausência da coluna de Olavo de Carvalho


na edição desta semana.
Fiquei evidentemente preocupado. Afinal de contas, o espaço usado pelo
Olavo é um dos poucos que nos permitem escapar da eterna mesmice da
desinformação que campeia na maioria de nossos órgãos de imprensa.
Faço votos que esse acontecimento não denote algum tipo de censura,
ainda que sub-reptícia, e que brevemente possamos contar novamente
com a colaboração do Olavo.
Cordialmente,
Elso Silva

Prezados Senhores:

Embora sabendo que a Revista é autônoma em suas decisões editoriais,


PROTESTO contra a restrição sofrida pelo articulista Olavo de Carvalho
em seu número de artigos.
Heitor De Paola
depaola@montreal.com.br

Prezados Senhores:

O filósofo Olavo de Carvalho quando escreve na Revista Época nos


revela novas realidades e novas formas de perceber esta mesma
realidade, apoiadas e fundamentadas em sua vasta erudição,
distinguindo-se sobremaneira da maioria dos jornalistas, articulistas e
editorialistas que escrevem nos veículos de comunicação brasileiros.
Não adianta afirmar que o espaço é limitado, pois nesse pequeno
espaço, o Sr. Olavo de Carvalho é capaz de falar muito pouco e nos dizer

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (20 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

mais, muito mais que a maioria dos pobres mortais que desfrutam de
espaços muito maiores, ou seja, ele têm o que nos dizer e os outros só
repetem o discurso maçante e imbecilizante, que aliás, são muito bem
analisados em seus livros "O Imbecil Coletivo I e II".
Calar o Sr. Olavo de Carvalho, além de configurar uma atitude de
imbecilidade completa, nos agride como leitores dessa revista, que só
têm a ganhar com a presença dele em suas páginas.
Por isso, solicito aos Diretores da Revista "Época" não manter a
presença deste filósofo em suas páginas mas, ao contrário, aumentar o
espaço reservado ao Sr. Olavo de Carvalho. Os leitores agradecerão.
Atenciosamente.
Luiz Octavio Casarin

Ao Redator Chefe:

Que está acontecendo? A melhor coluna d'A Época não saiu publicada.
Refiro-me à coluna do Olavo de Carvalho. Ele é a única voz a denunciar
o plano sinistro da esquerda para implantar no Brasil o regime
retrógrado que liquidou as economias da Rússia, de Cuba e de tantos
países comunistas. Será que os esquerdistas já se infiltraram também
em A ÉPOCA e calaram a voz do grande filósofo e historiador Olavo de
Carvalho?
Temos pouco tempo para evitar que Lula assuma o poder e comece a
fazer suas burrices anunciadas, como o calote da dívida, reversão das
estatizações, impostos punitivos para aqueles que conseguem vencer na
vida, desestimular a exportação, fazer a opção pela miséria e seguir os
ditames de seu mestre maior, o fossilizado Fidel Castro.
Não prestigiar Olavo de Carvalho equivale a ser cúmplice deste arautos

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Cartas dos Leitores à revista Época

da baderna e do caos.
Atenciosamente,
Huáscar Terra do Valle
OAB/MG/49545

Prezados Senhores:

Quero tomar a oportunidade para manifestar estranheza pela suspensão


do artigo do brilhante professor Olavo de Carvalho. O pensamento claro
e compromissado apenas com a verdade dos fatos seguramente
incomoda aqueles pseudo intelectuais que manifestam um
comportamente antes tribal do que crítico, antes politicamente correto
do que analitico.
É lamentável que a revista prescinda de um colaborador que tem se
esmerado em apontar a desonestidade intelectual que permeia a elite
cultural neste país colonizado por modismos alienígenas, sem nunca
perder a verve e a elegância, sem nunca apelar para a grosseria mas
utilizando a inteligência como o mais contundente dos instrumentos.
Atenciosamente
Ricardo Freire

Caro Sr. Olavo de Carvalho,

Escrevo-lhe para expressar minhas soliedariedades pelo momento em


que vive,
O senhor é um farol para muitos, inclusive eu.
Abraços,
Marcelo Moura Coelho

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Cartas dos Leitores à revista Época

Prezados Senhores,

Gostaríamos de saber porque foram suprimidos os artigos do Dr Olavo


de Carvalho desta conceituada revista.
Atenciosamente,
Lobo d´Eça Advogados Associados

Prezado Professor,
Gostaria de exprimir meu repúdio e minha indignação com os
acontecimentos ocorridos com o Sr. É patente que uma escuridão e uma
inversão valorativa está se consolidando no cenário nacional. O ódio e a
cegueira ideológica está maculando a atmosfera pacífica brasileira.
Medidas pertinentes
devem ser tomadas, a impunidade será um grande fomento para esses
escórias.
Conte com meu apoio.
Abraço,
Rafael Gustavo Vieira

Prezado senhor,

Tenho acompanhado as notícias e estou bastante espantado.


Primeiro a revista Época e depois as mentiras seguidas das ameaças.
Nunca imaginei que fôssemos chegar a isso.
Temo por sua vida, pois além de dever ao senhor a oportunidade de
uma orientação intelectual realmente válida, lhe devoto imensa afeição.
Saiba que pode contar comigo para o que precisar. Sei que seus amigos
o auxiliarão sem demora no que for necessário, mas mesmo assim
receba meu afetuoso apoio. Sou apenas um humilde principiante em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (23 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Pernambuco, à cada dia mais interessado em saber e já sem qualquer


possibilidade de tomar outro rumo na vida.
Um fortíssimo abraço de seu sincero admirador e humilde seguidor,
Wilson Arruda

Caro Professor Olavo,

Estranhei a ausência de seu artigo semanal em Época! de 03/11/01. Por


alguma razão, inexplicada mas significativa, temi imediatamente a
hipótese de sua exclusão da revista. Depois, lendo mensagem em sua
'homepage', entendi isso e outros fatos lamentáveis ocorridos ao senhor
na mesma semana.
Não posso deixar de solidarizar-me com suas dificuldades, menifesto
meu apoio veemente sugiro as seguintes providencias:
1. Publicar na 'homepage' um anúncio com o endereço eletrônico de
Época!, sugerindo que os leitores inconformados com a redução de seus
artigos protestem (se não for o caso, peço a gentileza de informar esse
endereço a mim, porque, pessoalmente, faço questão de escrever à
revista);
2. Criar na 'homepage' uma sessão com notícias que não saem na
imprensa nacional, com um aviso pedindo aos leitores interessados que
as repassem por 'e-mail' a todas as pessoas em sua lista de endereços.
Dada a quantidade de mensagens que circulam desse modo na internet,
essa medida pode criar uma rede de informação de alcance fantástico;
colocando uma notícia por semana (oriunda de periódicos regionais sem
eco no plano nacional, traduzida de publicações estrangeiras, escrita por
pessoas inteligentes sem espaço nos 'media' ou pelo senhor mesmo),

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (24 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

seria possível veiculá-la a dezenas de milhares de formadores de opinião


(sobretudo de classe média), uma forma simples e eficiente de furar o
bloqueio de desinformação jornalística vigente no país. O brasileiro
médio só acredita no que ele acha que muita gente acredita: não dá
crédito ao ouve de uma pessoa inteligente contra o consenso dos meios
de comunicação, mas pára para pensar quando lê algo que circula na
internet.
3. Tome medidas judiciais (civis e penais) enérgicas os que lhe
atribuíram palavras que o senhor não disse, contra os que lhe lançaram
calúnia e sobretudo contra os que o ameaçaram de morte. Pode
demorar, mas o simples fato de saberem que as medidas estão sendo
tomadas fará os criminosos recuarem. Essa gente tem muito menos
coragem do que tenta fazer parecer.
4. Por favor, procure um cardiologista; diante da pressão insidiosa, já
perdemos o saudoso Paulo Francis e, recentemente, Roberto Campos
(em minha vida pessoal, também perdi outras pessoas que, por
displiscência e excesso de auto-confiança, tiveram o mesmo fim). Este
país não pode dar-se o luxo de ficar sem o senhor.
Não preciso lhe desejar coragem. Apenas ofereço meu apoio, e sei que
não estou só. Conte conosco!
Um abraço,
Augusto Vasconcellos.

Prezados Senhores:
Como leitora assídua da evista ÉPOCA, venho manifestar meu
desagrado pela substituição da coluna do brilhante e instigante
jornalista Olavo de Carvalho por uma ( mais uma) professora da USP.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (25 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época
Com sua agudeza de percepção, clareza de estilo e senso de humor,
Olavo se destaca da mesmice do atual jornalismo brasileiro.É
lamentável que os fatos venham a comprovar o que o leitor brasileiro já
começa a questionar: haveria uma militância vermelha de plantão nas
redações? Qual a razão da exclusão do artigo do Olavo- que todos, aliás,
podem ler na internet?Estamos realmente diante de uma censura aos
jornalistas que não fazem coro à linha imposta por aquele grupo da
esquerda totalitária que, pelas evidencias, estende sua fina, mas
implacável, malha de ferro contra os que apontam a nudez do rei?
Preocupa-nos o silèncio imposto, pela redaçaõ de Época, a este
polêmico e original colunista.
Cordialmente,
Solange M. Campos
sola@task.com.br

Senhor Editor:

Dirigimo-nos a essa prestigiada revista para extranhar a ausência dos


artigos do Prof Olavo de Carvalho, ultimamente, em suas páginas.
Motivados pelo costume e pela necessidade de ler as lúcidas e precisas
colocações do Professor, solicitamos que sua publicação não volte a ser
interrompida, o que traria um enorme vácuo ao ambiente intelecto-
cultural do país, já insuportavelmente árido, medíocre e monocórdio
Atenciosamente,
AbelMonteiro - Coordenador-Executivo
Grupo QUERO-QUERO - Porto Alegre
kero500@terra.com.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (26 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Prezados Senhores

Sirvo-me deste e-mail para demonstrar minha insatisfação com esta


revista,da qual sou (ainda) assinante, pela redução da coluna,de
semanal para mensal, de Olavo de Carvalho, e com a heresia de enxertar
este espaço com artigos de uma prof. de História nítidamente
esquerdista. O Sr. Olavo de Carvalho tem sido a única voz isolada e
corajosa a denunciar a infiltração comunista nos segmentos-chaves de
nosso país com o propósito escancarado de transformar o Brasil numa
segunda Cuba. Basta abrir qualquer jornal, em quaquer dia, que os fatos
confirmam a gravidade das advertências do eminente filósofo.
Santayana ao dizer.."aquele que olvida o passado um dia irá revivê-lo",
profetizava Churchill ao longo dos anos trinta, o qual, denunciava as
intenções de Hitler para uma descrente e ingênua Câmara dos Comuns.
As consequências ante à inação dos responsáveis permanecem (espero),
ainda, em nossas lembranças.
Fernando R. de Escobar
escobar@creativenet.com.br

Sr. O. de Carvalho:

Qual é que é a da revista Época!? É censura aos teus textos!? Assim não
dá!?
Toda a mídia tem aquela forma repetitiva de escrever, chata, pobre,
(sem contar o conteúdo e as visões de 99% dela). Teus escritos são um
oasis no meio do vocabulário
desértico que reina nas revistas e jornais.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (27 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Rafael Bisch, Porto Alegre


rafaelbisch@yahoo.com

Prezados Senhores:

É como leitor assíduo da conceituada revista ÉPOCA, e inúmeros outros


periódicos, que encaminho minha nota de protesto.
Sou Oficial da Reserva do Exército, bacharéu em Direito, com pós-
graduação nas áres de Altos Estudos de Política e Estratégia e Psicologia
Criminal, exercendo atualmente a função de Superintendente de
Segurança e Informações de uma empresa transnacional.
Gostaria de ressaltar minha admiração pela qualidade e fidelidade de
informções da Revista Época. E, como leitor assíduo, não pude deixar
de notar a ausência da coluna editada pelo professor Olavo de Carvalho.
Ausência esta que não passou desapercebida, posso afirmar, apenas a
este leitor mas a todo um seleto grupo de leitores. Deta forma, espero
poder contar, nas próximas publicações, com a insubstituível
contribuição de tão conceituado colaborador deste periódico.
Atenciosamente
Andrei Deuschle da Silva
caodeguerra@uol.com.br

Caros senhores editores,


Muito me surpreendeu e entristeceu o episódio da restrição da presença
(ou periodicidade) da coluna do filósofo Olavo de Carvalho nesta
revista. Num país onde o debate(?) se restringe ao ``amém´´ e o ``sim
senhor´´, os textos são um verdadeiro refrigério para aqueles que não
querem deformar a realidade, e sim, compreende-la.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (28 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

O atual estado de coisas dá bem uma idéia disso: ninguém, das ditas
esferas culturais, conseguiu encetar uma discussão séria, baseada em
fatos, com Olavo de Carvalho. A propriedade dos argumentos, a análise
científica (no sentido ``forte´´ da ação), a gradação da exposição, os
temas abordados, enfim, o labor filosófico empreendido e demonstrado
está ha anos-luz de distância de qualquer espécie de ``resposta´´ que
qualquer ``pensador´´, grupo constituido ou reação
institivopsicosociopatológicoletiva poderia esboçar.
``A meta final de qualquer pesquisa não é a objetividade, mas a verdade
´´ - Esta feliz sentença de Helene Deutsch define a verdadeira busca do
homem intelectualmente maduro (o homo theoreticus, o spoudaios, de
Aristóteles): exprimir não o que sente, mas o que vê. Olavo de Carvalho
é aquele que nos ajuda a ``largar a chupeta da ideologia e troca-la pela
bigorna da realidade´´, nas palavras de Roberto Campos.
O atual panorama intelectual nacional (e mundial) se apresenta
completamente contaminado por polarizações artificiais e deformantes,
que lançam ``os amigos contra os inimigos´´ - Karl Schmidt quando
definiu o que é a [má] política, já nos apontava os perigos desta ``via´´
unilateral e sectária - definindo de antemão os rumos das ações que irão
``mudar o mundo antes de compreende-lo´´. As ideologias nublam (ou
seria, embotam?) certas capacidades, antes naturais, fazendo com que o
indivíduo não mais exprima o que percebe, mas construa um discurso
insular, desconectado do real. O discurso deixa de ser uma ponte entre o
indivíduo e a realidade, passando a expressar os ``interesses de classe
´´, a ``coletividade´´ e todas as outras formas diluidoras de
individualidades, criando uma massa amorfa pronta a responder ao
comando do primeiro guru de plantão - a boa e velha ``massa de

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Cartas dos Leitores à revista Época

manobra´´.
Qualquer um que ``ousar´´ter liberdade de opinião, ``afronta´´ de
pensar por si só, será a nota disoante no discurso uníssono da massa, a
qual terá de ser ``afinada´´ o mais rápido possível, devido ao perigo de
desafinar tão maravilhosa orquestra zumbis.
Tão premente iniciativa (a de criar um espaço verdadeiramente
democrático) foi abraçada por esta revista já na proposta, quando de seu
lançamento - eu lembro das peças publicitárias que primavam pela idéia
de dividir o espaço com outras publicações consagradas, mas
apresentando um diferencial. Pois bem senhores: este diferencial se
chama Olavo de Carvalho. Não há no cenário nacional ninguém com
a sua capacidade intelectual, sua coragem e seu senso de dever. A sua
inteligência pode ser constatada em seus artigos, livros, cursos,
conferências, trabalhos onde os assuntos abrangidos passam por
religiões comparadas, política, ética, psicologia, filosofia e muitos outros
onde são descompactados e devidamente inteligidos. A sua coragem
pode ser verificada, não apenas no aspecto inaugural do desafio aberto e
franco contra a intelligentzia corrompida e corruptora, bem como na
abdicação de faze-lo sem utilizar as armas do inimigo e tendo como
arma, unicamente, a inteligência - a capacidade de perceber a verdade.
O seu senso de dever, de homem obstinado, unicamente preocupado
com o julgamento que Deus fará de suas ações, continua enfrentando
``este mal sem rosto´´ sozinho apesar de todos os percalços.
Aqui cabe uma observação: caso os senhores tenham alguma dúvida dos
métodos empregados por aqueles que combatem a Luz, com foices e
martelos, empreendam uma pesquisa nos sites ``especializados´´ e
vejam os discursos e metodologias propagadas, além disso, visitem o

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Cartas dos Leitores à revista Época

site do próprio Olavo de Carvalho; este contém um ``mostruário´´ de


``discursos e metodologias´´ em prol das trevas.
Depositando confiança na magnanimidade de v.sas. que saberão, acima
de tudo, compreender e contextualizar a situação, peço-vos o retorno
semanal de Olavo de Carvalho à esta publicação.
Cordialmente;
Marcus Pimenta
mmlpimenta@uol.com.br
p.s.: Filosofia não se faz à marteladas nem, tampouco, precisamos ceifar
vidas na busca da efetivação dela. Filosofia se faz com luz; não a luz
cegante nem, tampouco, a vacilante mas sim, aquela que lhe conforta e
acolhe.

Prezados Senhores:

É censura ou apenas um escorregão?


Lamento a supressão da coluna de Olavo de Carvalho. Sabemos que a
desculpa é apenas desculpa. Aos poucos ele irá sumindo das páginas das
publicações do Império.
Mas ninguém é de ferro. O Lula está liderando firmemente as pesquisas
e sabe lá, se ele se elege mesmo, como é que o Império vai estar na
contra-mão.
É preciso estar de bem com quem concede,
Saudações nacionalistas,
Renato Penteado Teixeira
renato.r@matrix.com.br
"Esta terra tem dono. (Sepé Tiaraju)"

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Cartas dos Leitores à revista Época

Prezados Senhores:

Pensando bem, até que estava demorando para cassarem o espaço do


Olavo de Carvalho. O novo diretor da Revista Época, trotskista
assumido, apenas comprova o quão anti-democrática a esquerda é:
simplesmente tirou o espaço do único pensador de escol não-
esquerdista que tinha um grande veículo de comunicação a seu dispor.
Numa atitude tipicamente totalitária da esquerda, o novo Diretor não
justificou essa atitude pelas óbvias e ululantes razões ideológicas, mas
alegou outros motivos quaisquer.
Será que alguém ainda é tão ingênuo em pensar que a esquerda é
compatível com a democracia e a liberdade?
Cristiano Rosa de Carvalho
ccarvalho@mmso.com.br

Queridos amigos,

Não sei é do conhecimento de todos, mas, a revista Época agora está sob
outra direção. O atual diretor da mesma é um trotskista, cujo
procedimento inicial foi diminuir o espaço que Olavo de Carvalho
dispunha para expressar suas idéias, transformando sua coluna de
semanal, para mensal. Os motivos desse corte são óbvios, embora os
argumentos utilizados tenham sido muito inocentes e "justos".
Conclamo a todos que admiram, respeitam e comungam do pensamento
desse Mestre, a escrever para a referida revista, não protestando contra
o corte (para não dar a entrender que sabemos o motivo), mas
questionando o por quê da ausência do artigo desta última semana,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (32 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

podendo mesmo referir que "parece ter sido por questões políticas".
Precisamos fazer uma frente de resistência contra esse mal que se
alastrou em todos os meios de comunicação (e não só na mídia, mas em
todos os setores de atividades públicas do nosso País), e não podemos
deixar que essa tarefa caia sobre os ombros unicamente do Olavo. Ele é
a "a voz do que clama no deserto", mas, cada um de nós pode ser, dentro
das suas possibilidades, "a pedra no sapato" dessa gentalha esquerdosa.
Se calarem a voz do Olavo, quem, gritará por nós?
Conto com o apoio e compreensão de todos.
Cordialmente,
Graça Salgueiro
irinna@terra.com.br

Sr. Diretor/ Editor e demais jornalistas da Época

Gostaria de manifestar o meu espanto/indignação pela não publicação


do artigo de Olavo de Carvalho na edição de 4/11. Desculpem-me, mas
não consegui pensar em outro
termo para tal ato a não ser como uma ação digna de "lambe botas" . O.
C. é um articulista de opiniões fortes, polêmicas às vezes, porém
fundamentadas pela realidade dos fatos contra fatos não há
argumentos , não é mesmos dignos jornalistas? . Ele é um articulista
que provoca, busca o debate não é curioso poucas pessoas aceitarem
esse "convite" à discussão de idéias e pontos de vista ? Será que temem
algo ?
Tal fato mostra como a atitude da Elite (?) Pensante (???) Brasileira é
covarde, infantil, omissa, canalha...Fui vítima da censura de Época

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (33 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

quando enviei comentário sobre um artigo de Zuenir Ventura (30/9).


Um artigo, no mínimo , polêmico, sobre o qual não saiu um único
comentário ( bom ou ruim ), sutis vocês, não ?! Agora, tolher a opinião
de O. C. apenas porque poderia melindrar FHC, ou sei lá quem mais -,
foi desrespeitoso para com os leitores de Época.
Época não deveria poupar FHC, o qual é considerado um "intelectual"
por várias pessoas mundo afora, ou qualquer outra pessoa dessa
dinâmica a crítica séria e
a possibilidade da discussão - tão salutar para o amadurecimento de um
povo. FHC ,sendo ou não um intelectual não quero entrar no mérito - ,
tem o dever de justificar suas ações perante a Nação , e discuti-las ,seja
na mídia ou em outros foros, faz parte
desse processo. Assim, vocês, que são responsáveis pela informação e
"desinformação" também, devem por a mão na consciência e pensar no
legado profissional e ético que deixarão para as futuras gerações. Isso
sem falar da responsabilidade histórica pelos
possíveis estragos que a opinião única (lembra Partido Único, não ?)
pode causar para um Povo. Enfim, como forma de protestar contra a
atitude pouco democrática da revista, não renovarei minha assinatura .
Tenho sorte pois acompanho O. C. e outros intelectuais
"dessinteressantes" para a mídia pela internet. Só lamento pelos demais
cidadãos que dependem dessa imprensa obscurantista que impera no
Brasil hoje. Liberdade de Imprensa, what a shit !!!!
Creso de Oliveira Vilela
marceloornellasm@bol.com.br
CPF : 450562691-15. ( Se quiserem mais dados sobre
minha pessoa, busquem na relação de assinantes ou "EX"-

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (34 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

assinantes )
PS: Meu colega , Marcelo Ornellas, que me empresta seu e-
mail, não se responsabiliza por minhas opiniões .

Prezados Senhores,

Sou há bastante tempo assinante da revista Veja, mas, de uns tempos


para cá, venho comprando toda semana nas bancas a revista Época, não
só em razão da
qualidade (cada vez melhor) da revista, mas principalmente em função
dos artigos do filósofo Olavo de Carvalho. Estou, inclusive, seriamente
inclinado a trocar a assinatura da Veja pela da Época e passar a comprar
aquela esporadicamente. Neste último domingo, contudo, comprei a
revista
Época, mas, quando cheguei em casa para ler, fiquei decepcionado (e
me senti lesado) ao ver que no lugar reservado aos excelentes artigos do
referido filósofo, foi publicado um artigo (ruim) de uma obscura
Professora da USP.
Gostaria de saber o que houve e, ainda, se o mencionado filósofo voltará
a escrever para a revista.
Muito sinceramente,
Antonio Claudio Tarré
atarre@mmso.com.br

Redação Época <epoca@edglobo.com.br>

Prezado Antonio,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (35 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Agradecemos o envio de sua mensagem. Seus comentários foram


transmitidos ao
editor. Os artigos de Olavo de Carvalho serão publicados uma vez por
mês.
Esperamos continuar contando com a sua atenção e participação.

Um abraço,

A Redação

Prezados Senhores,

Em vista do esclarecimento de V.Sas., comunico que não vou mais,


como pretendia, trocar a assinatura da Veja pela da Época. Doravante,
comprarei a revista uma vez por mês, quando forem publicados os
artigos do Olavo de Carvalho.
Obrigado pela atenção,
Antonio Claudio Tarré
atarre@mmso.com.br

Amigos:

A resposta abaixo veio da redação da Época. Que canalhice!


Abraços
Martim

Redação Época <epoca@edglobo.com.br>

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (36 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época
Prezado Martim,

Agradecemos o envio de sua mensagem. Seus comentários foram


transmitidos
ao editor. Os artigos de Olavo de Carvalho serão publicados uma vez
por mês.
Esperamos continuar contando com a sua atenção e participação.
Um abraço,
A Redação

Caros editores da Revista Época,

Gostaria de fazer uma observação quanto à falta do artigo do filósofo


Olavo de Carvalho na Revista Época desta semana:
O Brasil vem nos últimos anos passando por transformações cuja real
natureza - revolucionária - pouco tem sido divulgada em nossa
imprensa, às vezes por
ignorância, outras vezes conscientemente. Olavo é um dos poucos que
tem a coragem de dizer o que realmente se passa há alguns anos em
nosso país. Isto em circunstâncias normais, seria fato corriqueiro. Mas
dada a presente situação, ela é um comprometimento com o rumo atual
das coisas, é aliar-se com aqueles que pretendem transformar o Brasil
em uma Cuba ou uma China.
Com esperança de que os senhores se conscientizem desse fato,
Fernando Carneiro
faacarneiro@bol.com.br

Redação Época <epoca@edglobo.com.br>

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (37 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Prezado Fernando,
Agradecemos o envio de sua mensagem. Seus comentários foram
transmitidos ao
editor. Os artigos de Olavo de Carvalho serão publicados uma vez por
mês.
Esperamos continuar contando com a sua atenção e participação.
Um abraço,
A Redação

Caros Senhores,

Com artigos somente mensais não contem nem com minha atenção nem
com minha participação.
Um abraço,
Fernando Carneiro
faacarneiro@bol.com.br

Prezados senhores,

Apesar de não ser assinante dessa revista, ao menos por enquanto, sou
seu
leitor permanente e notei a ausência da coluna de Olavo de Carvalho na
edição desta semana.
Fiquei evidentemente preocupado. Afinal de contas, o espaço usado pelo
Olavo
é um dos poucos que nos permitem escapar da eterna mesmice da
desinformação

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (38 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

que campeia na maioria de nossos órgãos de imprensa.


Faço votos que esse acontecimento não denote algum tipo de censura,
ainda
que sub-reptícia, e que brevemente possamos contar novamente com a
colaboração do Olavo.
Cordialmente,
Elso Silva
nikao@uol.com.br

Redação Época <epoca@edglobo.com.br>

Prezado Elso,

Agradecemos o envio de sua mensagem. Seus comentários foram


transmitidos ao
editor. Os artigos de Olavo de Carvalho serão publicados uma vez por
mês.
Esperamos continuar contando com a sua atenção e participação.
Um abraço,
A Redação

Prezados Senhores:

Muito agradecido pela atenção.


Entretanto, pedirei ao meu jornaleiro para reservar para mim o
exemplar de "Época" somente quando a edição trouxer artigo do Olavo
de Carvalho.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (39 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Elso Silva
nikao@uol.com.br

À Revista Época

Nossos mais veementes protestos devido à mordaça imposta ao


colunista Olavo de Carvalho.
Isso demonstra que a direção esquerdista das Organizações Globo
deseja imperar soberana, sem uma única voz a lhe fazer oposição. Isso
já era esperado, pois vindo dos discípulos e admiradores de Lenin,
Stalin, Fidel e Mao, essa seria a ação lógica.
L. Valentin
valle36@yahoo.com

Prezado Prof. Olavo,

Na condição de seu aluno e "aprendiz de ser humano", este email


poderia parecer bajulação, mas o fato é que minha admiração por sua
conduta corajosa diante de tantos ataques, censuras e calúnias só fez
crescer nos últimos dias e não posso me furtar ao dever de prestar meu
apoio e demonstrar minha simpatia por sua pessoa e atos. De mais a
mais, foi isto que aprendi em suas aulas: os atos de um filósofo
sublinham suas idéias, inseparavelmente.
O sr. é anticomunista por ter descoberto - à duras penas, creio eu - e
dissecado as falácias e ardis esquerdistas, tendo adotado uma
perspectiva filosófica diante das mesmas. Eu, por outro lado, sou
anticomunista por motivos, digamos, atávico-culturais. A família de
meu pai sofreu alguma conseqüência das barbaridades stalinistas. Deste

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (40 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

modo, o sr. se encontra em posição privilegiada para com sua


inteligência responder aos que lhe atacam. E é também por este motivo
que julgo ainda mais vital o curso que o sr. vem ministrando aqui em
Curitiba, sob os
auspícios do IPD. Longe de me comparar ao meu professor, encontro
nesse curso uma oportunidade única de ampliar meus horizontes
intelectuais.
Soma-se à minha admiração a gratidão.
Que Deus o conserve.
Henrique Dmyterko
jhpdmyte@uol.com.br

Sr. Editor,

Confesso que assinei as revistas Época e Quem, em nome do meu filho


menor de idade, por causa da promoção das passagens aéreas. Tenho
apreciado a crescente qualidade desta revista desde sua primeira edição.
É verdade que não alcançou a qualidade da concorrente que, é bom que
se diga, está no
mercado há muito mais tempo. No entanto, para uma revista crescer
continuamente ou mesmo para se manter no mercado, é necessário que
seja dirigida por pessoas corajosas e inteligentes. Porque do outro lado,
a concorrente com seu arrojado marketing de outdoor, atualmente
imitado por jornais que vão desde O Povo até a rede Globo de televisão,
não há de
perder a oportunidade de esmagá-la em decorrência de equívocos
cometidos por uma direção vacilante. A decisão de reduzir (somente) a

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (41 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

página do filósofo Olavo de Carvalho para mensal é um desses passos


fatais que , por suas claras razões políticas, evidencia o triste fato que as
pessoas responsáveis pela revista não atendem aos pré-requisitos que
mencionei
anteriormente, e pior, deixa transparecer a ausência da mais
indispensável virtude de um jornalista: o amor à verdade.
Antonio Haroldo V. Gomes Junior
ajunior.smf@pcrj.rj.gov.br

Caro Editor,

Neste final de semana ao tentar acessar a coluna de Olavo de Carvalho


descobri que a mesma só será publicada uma vez por mês e não
semanalmente.
Além dos leitores obviamente, quem mais perde é a própria revista
Época que tinha um diferencial em relãção à Veja, Isto É e Carta
Capital, possuia um articulista que não se alinhava com o pensamente
único socialista.
Agora Época se tornou uma revista como outra qualquer, posso até
imaginar que daqui pra frente a revista tenha que fazer reportagens
"polêmicas" sobre "a preferência sexual dos brasileiros" ou "como
emagrecer comendo chocolate" para tentar compensar esta perda.
Atenciosamente,
José Roberto Barreto
josebarsil@ig.com.br

Caro Olavo,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (42 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Entro em contato pela primeira vez, sem nenhuma pretensão de debater


as profundas ilações filosóficas, políticas, semânticas e culturais que
permeiam teus textos, teus ensaios, tuas contendas, teus detratores,
teus admiradores e teus discípulos. Não tomei esta decisão sem antes
perpassar todos os teus textos presentes na home-page, exceto,
naturalmente, aqueles de natureza filosófica, que, infelizemente, não
teria capacidade para absorver.
Sou leitor assíduo de tuas colunas no Globo, primeiro e único veículo de
comunicação de grande circulação que pôde fazer chegar a um mero
engenheiro/economista, exatóide por profissão e afeito à lógica coerente
(um pleonasmo para ti, mas não para outros tantos distorcedores e
mistificadores, tais como os do teu artigo que versa sobre a arte do
engodo pela elipse) a razão do argumento sólido, ainda que,
eventualmente, eu não concorde com eles, e uma honestidade
intelectual ímpar, característica sempre presente nos homens
inteligentes e desprovidos do viés político que busca a dominação
intelectual e não a difusão de idéias.
Sei quando encontro um mestre. Isto é o que tu és. Não para mim, um
analista superficial, sem tempo e, principalmente, sem a garra
necessária para me aprofundar nos meandros do conhecimento. Sou,
talvez, uma daquelas presas fáceis, pseudo-intelectuais, sujeitos ao
aceno místico do pensamento único (crítica da esquerda, mas a própria
razão dela). Entretanto, quando esbarro, por acaso, na lógica perfeita,
fundamentada, com citações precisas e referências confiáveis, passo a
acreditar, imediatemente, independente do mérito da questão em
discussão, que estou diante de um homem honesto.
Olavo, a minha admiração maior, contudo, é a tua coragem. A

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (43 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

disposição para ensinar, dialogar, provar passo a passo as tuas teses,


demolir as teses dos adversários, e, essencialmente, o reflexo do que tu
realmente admiras, a liberdade do pensamento.
Creio que tu deves prosseguir, sei que a custa de muito sofrimento
pessoal, mas este é o teu espírito. Tu não és radical, tu não és nada do
que os teus detratores tentam fazer parecer, Talvez, a tua veemência
faça aflorar aos que sequer raciocinaram sobre o tema, e que se
comportam como imbecis coletivos, uma repulsa desmedida e
inconseqüente, que acaba por contribuir para as dificuldades que tu
enfrentas.
Mas sei que tu tens a consciência do que fazes, e sabes medir os custos.
Estes se assoberbam, muitas vezes, mas esta é a tua razão de vida. O
motivo deste meu E-Mail é, meramente o de dar-te força. É muito bom
para mim, que, sem qualquer preparo intelectual formal nos temas
sobre os quais debates, posso comprender de maneira cristalina a
essência da discussão e, principalmente, a razão dela. Sinto muita falta
disto no meu dia a dia, permeado por conclusões óbvias, simplesmente
pelo fato de que faltam informações. A ignorância é a arma dos
dominadores. Poucos sabem retratar isto tão bem como Olavo de
Carvalho.
Em suma, não sou um ignorante, nem um sábio, mas um homem
comum que pode compreender-te e, incrivelmente, ter aquela sensação
de que "eu já tinha pensado nisto, mas não saberia explicar tão bem".
Não é este, no fundo, o teu objetivo?
Um grande abraço e persista na luta.
João Ricardo Motta
jrmotta@terra.com.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (44 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Prezado Olavo,

Fiquei estarrecida com a censura feita à publicação, na revista Época, do


seu artigo "moral Leninista", censura da qual suspeitei ao ver naquele
espaço artigo de uma professora da USP. Já protestamos junto à ÉPOCA.
Tão preocupante quanto isto , mais a omissão sistemática da notícia do
julgamento de Pol Pot e do processo movido na Espanha contra Fidel, é
a omissão, pela imprensa militante, da biografia do ex (ex ?) terrorista
Diógenes de |Oliveira, que participou de um brutal assassinato há
poucas décadas: ao sair de casa de manhã com seus meninos para o
colégio, um funcionário americano foi morto friamente a tiros por um
grupo de comunistas. Diógenes participou do homicídio. Depois,
disseram, como justificativa da chacina, que ele era da CIA. O que, para
a mentalidade bolchevique, justifica qualquer atrocidade. Este é o
secretário e homem de confiança do Tarso, que para piorar tudo ainda
usa aquele bigode ostensivamente stalinista.O estilo mostra o homem.
Entretanto, às vezes, aqui e ali, um ou outro jornalista rompe a crosta de
silêncio imposta pela imprensa vermelha e dá nome aos bois. Mas com
certeza você, eles e todos nós, democratas, estamos nadando contra a
corrente. Entretanto...a História está nas mãos de Deus, e não na dêles.
Quanto a nós, é fazer da nossa parte.Um abraço solidario.
Solange Campos
sola@task.com.br

Senhores,

Gostaria de protestar contra a ausência da coluna de Olavo de Carvalho,


um dos raríssimos autores nesse país que ousam contestar as "verdades

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (45 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

oficiais", tão queridas da mídia.


Sinceramente,
Leo Daher
leo_daher@hotmail.com

Prezado Olavo de Carvalho,

Eis o texto do e-mail que enviei à Época. Recomendaria que façam o


mesmo todos que julguem tratar-se de uma censura escandalosa a
atitude da referida revista.
Abraços,
Humberto Campolina
jmp2001@uai.com.br

"Senhores Editores,

Fiquei sabendo que a coluna de Olavo de Carvalho foi transformada em


mensal. Pediria aos senhores que a edição sorteada, isto é, a que tiver a
sorte de conter o texto do referido filósofo venha com uma chamada de
capa avisando aos leitores da presença dele nas folhas da revista. Pois
será somente essa, no mês, com a qual gastarei meu dinheirinho.
Saudações,
Humberto Campolina"
jmp2001@uai.com.br

Prezado Professor,

Não sei se é você mesmo que lê esses e-mail's, mas vou apresentar-me.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (46 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Meu nome é Luigi Raphael Fioravanti Flores tenho 19 anos, leio seus
textos semanalmente, os quais admiro muito e por causa deles é que
comecei a admirar (sem demagogia) também o seu autor.
Meu pai assina Época e senti a falta de seu texto na revista desta semana
(5/11/01),
o que houve?
Só consegui ler o texto através de seu site, mas gostaria muito de saber
porque o texto não foi publicado.
Após lê-lo percebi que o conteúdo tinha referências a algumas "figuras"
nacionais, houve algum tipo de sensura por parte da revista ou eu estou
enganado?
* Obs.: Estou disposto a ler tudo o que venha a acrescentar algo de bom
e sábio em minha vida e gostaria que você indicasse-me alguns livros. O
que você indicaria para um rapaz de 19 anos de idade que adora ler?
Luigi
kudun@globo.com

Prezado Professor Olavo de Carvalho,

Antes de escrever à revista Época, desejando-lhes uma morte lenta e


cheia de dívidas, escrevo-lhe para perguntar se a retirada da sua coluna
foi mesmo mais um ato desatinado dessa revista ou se houve outro
motivo que não seja a vontade de calar a sua oposição valorosa ao
"politicamente correto". Se houver uma digna razão que não seja a pura
e medonha falta de razão e portanto, culpa exclusiva da ignorância do
Editor, desde já estarei desculpando-me pelo mau pensamento. Caso
contrário, permita-me o Senhor que eu escreva à revista, em tom de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (47 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

marcha fúnebre.
Atenciosamente,
Frederico Carneiro Monteiro
fjose@uninet.com.br

Senhor Redator,

É com pesar que fui informado da disposição dessa revista de reduzir ou


eliminar as contribuições semanais do professor Olavo de Carvalho. Os
artigos do Olavo constituem uma das melhores partes da revista.
ÉPOCA ficará empobrecida e, pelo menos no meu caso, perderá leitores
na ausência desse que é um dos mais polêmicos, mais vibrantes e mais
lúcidos analistas da situação no país. Rogaria à direção da revista rever
sua decisão em benefício de milhares de leitores atentos ao conteúdo
precioso dessa publicação. Saudações cordiais,
J.O. de Meira Penna, Embaixador, SMPW Quadra 15.conj.6.casa 7
Brasília 71745-150,
meirapen@terra.com.br

Caro Prof. Olavo de Carvalho,

Encaminho minha solidariedade ao ilustre pensador brasileiro, por seu


afastamento parcial como articulista da revista Época, que, por isso
mesmo, ficou mais pobre. O policiamento ideológico é típico das
democracias imaturas, como a nossa. Eu e meus filhos vamos sentir sua
ausência semanal.
Temos uma bõa coleção de seus artigos e sentimos uma sadia inveja
quando soubemos por colegas meus gaúchos ( somos coronéis do

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (48 de 49)16/4/2007 11:05:40


Cartas dos Leitores à revista Época

Exército) que o esclarecido pensador havia estado nos pampas


proferindo uma palestra recentemente.
Receba nosso apoio e o abraço do
Flavio Figueiredo Jorge de Souza
Cel Ex
ffjorges@uol.com.br

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca.htm (49 de 49)16/4/2007 11:05:40


Novas cartas à Época

Novas cartas à Época

16-18 de novembro de 2001

Prezados senhores,
Fiquei impressionado ao ir comprar nessas semanas a revista e não
encontrar lá o artigo do professor Olavo de Carvalho. Pensei no início
tratar-se de mero problemas de editoração da revista o que por si só já
seria impressionante), então a comprei de qualquer jeito. Foi apenas um
dia depois que fui avisado que seus artigos iriam passar de semanais a
mensais. Eu simplesmente não posso acreditar nisso. Primeiramente
por motivos pessoais, já que já fui assinante da revista, e mesmo após
ter expirado a assinatura da mesma continuei comprando-a
regularmente meramente para ter acesso aos artigos de Olavo de
Carvalho. Enquanto uma de suas principais concorrentes tem entre seus
colunistas pensadores da envergadura de Stephen Kanitz, Diogo
Mainardi, Gustavo Franco, entre outros, a revita Época, com a singela
mas sempre brilhante análise de Olavo bastava para que eu optasse por
sua compra. Em segundo lugar, por motivo de coragem da própria

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (1 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

revista, que sempre vi como audaciosa e progressista ao disponibilizar


textos tão polêmicos e agressivos como o do profesor Olavo, fugindo do
status quo politicamente correto e pensamento cultural "main stream"
em nosso país retrógrado. Não me parece que haja nenhuma razão
lógica para esse comportamento, exceto duas coisas: covardia e
submissão. Covardia ao se esquivar da responsabilidade de trazer a luz
uma forma de pensar que é reiteradamente boicotada pela
"intellgentzia" terceiro-mundista nacional. Submissão às pressões de
grupos com muito pouco QI, mas muito interesse político e ideológico
em jogo, do qual essa revista acaba se tornando mero peão. É muito
triste e revoltante constatar que mesmo revisats de grande porte e
respeitadas como Época possam se render a esse tipo de atitude. Com
toda a sinceridade, espero que a revista não sofra em suas vendas e
repercussão o prejuízo que certamente a falta de Olavo de Caravalho
representa. O que, desde logo, duvido muito. Ao menos no que toca a
mim, a Editora Abril tem mais motivos para festejar.
Sinceramente,
Roberto Dala Barba Filho

Caro Olavo:
O objetivo desta é associar-me ao que diz o Sr. José Nivaldo Cordeiro
em artigo publicado em seu "site", com o título "A voz do trovão",
leituras recomendadas - 81, de 6 de novembro passado. Cumpre-me
lembrar que os atuais responsáveis por "Época", há pouco tempo, o
eram por "Zero Hora" de Pôrto Alegre. Na ocasião, um leitor cujo nome
não lembro, reclamou, na seção "sobre ZH", das repetitivas colunas do
Sr. Lula da Silva no referido jornal. Obteve como resposta, que os

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (2 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

artigos do Lula eram um contraponto (sic), aos de Roberto Campos.


Acontece que, pouco depois, adoeceu Roberto Campos, e, Zero Hora,
como contraponto 'a Lula, por muito tempo, publicava na mesma
edição, artigos de Olívio Dutra, Tarso Genro, Miguel Rossetto e Tutti
Quanti. Sem outro particular, com minha admiração envio o meu
abraço
Hermes Silva Pinto
Uruguaiana RS
hspinto@bnet.com.br

Prezados senhores,
Venho somar o meu ao (felizmente) grande número de protestos pela
redução do espaço reservado a Olavo de Carvalho na revista Época. Se o
número de expoentes do pensamento liberal neste País é mínimo, o
número de seus ouvintes atentos é elevado. Manifesto meu repúdio
diante desta infeliz decisão de conceder ao filósofo Olavo de Carvalho
uma participação meramente simbólica de um único artigo por mês.
Prefiro acreditar que não se trata de censura pelas suas opiniões. Se,
contudo, for esse o caso, pior para vocês. Acabaram de perder um
potencial comprador ou assinante da revista - até então eu a
acompanhava pelo site e cogitava, cada vez mais, em passar a adquiri-la.
Seu principal atrativo para mim era justamente o colunista cujo espaço
os senhores acabaram de mutilar. Aguardo a revisão dessa decisão.
Felipe Augusto Trevisan Ortiz
São Caetano do Sul, SP
felipeortiz@directnet.com.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (3 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

Senhor editor,
Descobri, recentemente, que a maré vermelha, sorrateira para os cegos e
detestável para os que usam seus olhos para realmente ver, chegou aos
nossos lares. Não nos atingindo propriamente, mas fechando (a força)
nossos olhos e aquele que nos ensinava a ver. O que a Revista Época fez,
foi um golpe fulminante na sociedade, pois as pessoas que tem acesso à
sua leitura são formadores ou "difundidores" de opinião, o que nos
indica que uma grande quantidade de pessoas que eram "atingidas"
pelos conhecimentos de Olavo de Carvalho direta ou indiretamente
também foram atingidas. É com muita tristeza que declaro-me órfão,
como todos os outros que esta maré atingiu e atingirá futuramente.
Luigi R. F. Flores
Castro, PR
kuda@convoy.com.br

Senhor Editor,
Acho que tenho uma boa solução para o "problema" da coluna de Olavo
de Carvalho: que tal contratar como articulista para Época um
intelectual de esquerda que tenha a capacidade de contra-argumentar
Olavo? Tenho certeza que nós os leitores é que sairíamos ganhando.
Mas há um problema: acho dificílimo que tal pessoa seja encontrada, ou
mesmo que exista -- pelo menos entre a massa acadêmica que forma o
imbecil coletivo -- e tenho certeza que V.Sa por saber disso é que lançou
mão de tão baixo expediente: diminuir em ¾ o espaço do filósofo nesse
periódico. Sabendo como isso vai acabar - V.Sa não encontrará tal
gigante que faça frente ao outro gigante e este deverá perder também
sua coluna mensal - só me resta deixar de reservar meu exemplar

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (4 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época
semanal de Época com meu jornaleiro e solidarizar-me com Olavo de
Carvalho, lembrando a ele o que disse Millôr Fernandes ao sair de O
Cruzeiro: o navio está abandonando os ratos.
Atenciosamente,
Paulo Sérgio Escóssio
paulo.vieira@trf1.gov.br

À Revista Época:
Só vim a saber de um certo rodízio de articulistas que torna mensais os
brilhantes artigos do Filósofo Olavo de Carvalho e da indignação
resultante dessa decisão através da página desse autor na Internet, pois
sou assinante de Veja e não leio Época. Pretendia fazer um esforço (já
que ler as duas publicações toda semana tomaria muito de meu tempo)
para também assinar Época ao final do ano, como forma de prestigiar
uma publicação que tem a coragem de dar divulgação ao trabalho de
Olavo de Carvalho. Pretendia.
Os textos de Olavo de Carvalho permitem a cada vez mais rara
experiência de acesso a idéias não comprometidas com o avanço
esquerdista e com a repetição monótona de distorções e chavões
ridículos sobre a história e a sociedade atual. Seu trabalho é uma luz
animadora nessa triste "época" em que o anormal e o ilegal são
tolerados em nome de ideologias massacrantes e fanatizantes.
Óbvio que não faz diferença para Época perder este leitor (em potencial)
ou tantos outros, mas é lamentável que o cerco esquerdista à
informação tenha chegado ao ponto da censura. Época pode não tê-lo
feito deliberadamente, mas se é inconsciente das implicações de suas
decisões, ainda mais alarmante é a posição da revista, pois denota
desconhecimento do que se passa. Peço que a revista reconsidere sua

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (5 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

decisão e volte a publicar semanalmente os artigos de Olavo de


Carvalho, que mereceria até mais espaço, pois não lhe faltam talento,
conhecimento, inspiração e perspicácia.
Atenciosamente,
Alceu Dias de Oliveira
alcdias@terra.com.br

Caro sr. Olavo de Carvalho:


Escrevo-lhe para manisfestar minha admiração por sua obra e pela
verdadeira missão que o sr. tem exercido no sentido de ser a águia do
bom senso. Se houve a Águia de Haia, o sr. pelo menos já é a Águia de
Campinas! E também para apoiar-lhe quanto à censura por demais
covarde de que foi vítima na revista Época, que certamente merece uma
queda nas vendas por tal ato que só merece repúdio de todos. Muito
sucesso nessa sua trilha brilhante! Álvaro Gomes dos Reis Neto
agrn@hotmail.com

Caro Olavo,
Não seria mais correto escrever "madrassa" ? Tenho-lhe enviado dicas
ou comentários que mando para meus amigos.Tenha certeza que não
envio-lhe nada automaticamente. Imagino que receba grande
quantidade de correspodência por e-mail a cada dia, envio apenas o q
talvez possa interessar-lhe. Lamentoque deixe de difundir tão boas
idéias na Época. Acho que o público é heterogêneo demais e uma
variação de temas, até para mostrar a muitos o quanto é capaz de
discutir assuntos os mais diversos, e, surpreênde-los, teria sido um bom
recurso. Quanto a min, desde que tenho Internet há três anos, visito

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (6 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

regularmente seu site, tendo impressas colunas que já nem estão mais
online ( do JT). Continuo a visitá-lo e a acumular todos seus artigos,
pex, nessa semana tive pouco tempo e houve muitos. Leio e, muitas
vezes, releio. Os melhores votos,
Sílvia Alves
alves.@uai.em.com.br

Senhor editor,
Estou muito decepcionado com Época, isto porque não encontro mais
os inigualáveis artigos de Olavo de Carvalho, que eram meu principal
interesse na revista inteira. Com a súbita e inexplicada decisão de
suprimir a página semanal de que ele dispunha, os senhores fazem um
desserviço à inteligência nacional. Espero que ponderem um pouco
mais sobre o assunto e devolvam a Olavo de Carvalho o espaço que
habitualmente ocupava. Respeitosamente,
Henri Carrières
Rio de Janeiro, RJ
hcarrieres@hotmail.com

Prezado Olavo de Carvalho,


Não pude deixar de notar em sua Home Page as manifestações de
alguns de seus leitores, a respeito da diminuição de suas colunas
semanais da rev. Época. Faço minhas as palavras deles. Confesso que
fiquei muito surpreso e indignado. Deixo aqui registrada, também, a
minha mais profunda frustação de leitor assíduo e aprendiz. Eu tb, na
última semana, registrei queixa junto à redação da revista. Não´foi um
grande ou brilhant manifesto, porém... foi mais um. Um forte abraço,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (7 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

André Frantz
Porto Alegre - RS
rocker77@terra.com.br

Senhor editor,
Gostaria de saber o motivo da redução das colunas semanais do
professor Olavo de Carvalho. Assino a revista Época justamente por
motivo de tais colunas.
Quero continuar lendo-as semanalmente..
Aguardo resposta. Atenciosamente,
André Frantz
rocker77@terra.com.br

Caro André,

Obrigada pelos envios de seus comentários. Olavo de Carvalho

terá os seus artigos publicados uma vez por mês, porque

resolvemos abrir espaço em Época para outras idéias e visões de

mundo.

Esperamos continuar com a sua atenção e participação.

Um abraço,

A Redação epoca@edglobo.com.br

Caro Editor:
Não consigo acreditar que a revista Época faz calar a única voz que, de
fato, nos defende desta mídia brasileira Stalinista !
A sua substituição por uma professora "vermelha" e irresponsável da
USP, central de propaganda do PT, me faz sentir duplamente agredido.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (8 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

Uma representante da vil classe marxista dos professores universitarios


que, em conjunto com uma mídia sem escrupulos insiste, ainda hoje, em
defender o comunismo, o regime que mais assassinou seres humanos
em todos os tempos.
Espero que o genial Olavo de Carvalho volte às páginas da revista Época
SEMANALMENTE, como acontecia antes desta esdrúxula decisão.
Sou assinante de Veja e à tempos venho pensando em tambem assinar a
revista Época mas, confesso que, sem a coluna SEMANAL do Olavo de
Carvalho, meu principal motivo para a compra e leitura desta revista,
fico seriamente inclinado à desistir desta idéia.
Com muito pesar pelo acontecido, espero, insisto em dizer, o retorno da
brilhante mente do Professor Olavo à página central de Época.
Luiz Gentil Junior
lgentil@daterranet.com.br

Senhores,
Quero manifestar meu pesar pela infeliz idéia de reduzir os artigos de
Olavo de Carvalho nessa revista. Era um indicador de qualidade e
liberdade de expressão que se perderá, assim como perderão muitos
leitores que, como eu, a adquiriam no domingo certos de ler algo
original e acima da mediocridade costumeira. Como falta de interesse e
de repercussão dos artigos certamente não é, resta a hipótese de
concessão ao habitual patrulhamento. Lamentável! Perde a revista e
perdemos todos. Atenciosamente,
Antonio Roberto Batista
arbc@uol.com.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (9 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

Senhor editor,
"Frutos de mentes raivosas, destemperadas e sem real percepção da
realidade que as cercam", é o que venho observando nos escritos de
articulistas de última hora, intelectualóides de meia tigela dos redutos
esquerdosos, como a autora desse texto, por exemplo. É mais fácil
projetar no outro, aquilo que não queremos que saibam que temos em
nós. A professora uspiana não percebe que faz parte (ou faz com muito
prazer) do Imbecil Coletivo, que continua a repetir o velho discurso da
inteligentzia esquerdosa e emburrecedora, com chavões e conceitos
completamente ultrapassados e desprovidos de sentido. Essa casta de
gente já não sabe mais distinguir quem é vítima e quem é réu. A revista
Época perdeu enormemente ao trocar o grande Filósofo Olavo de
Carvalho, por uma mera palpiteira de botequim que, ela sim, odeia tudo
que vem dos americanos, seja o que for, tenham eles razão ou não. Seu
artigo não faz uma análise lúcida dos fatos que vêm ocorrendo nesse
episódio de guerra, mas apenas reforça o coro dos estupradores de
mentes e consciências, num processo bem articulado e maléfico de
lavagem cerebral, orquestrado pelas esquerdas do mundo inteiro. E de
tanto repetir a mesma mentira, eles acabam acreditando que falam a
verdade mais absoluta, num processo de preservação da "espécie". Meus
pêsames à Época que foi, há não muito tempo atrás, a melhor revista
informativa semanal. Hoje, ela mal serve para embrulhar o peixe
comprado na mercadinho mais próximo.
Graça Salgueiro
irinna@terra.com.br

Sr.Diretor de Redação,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (10 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

É um ato de insensatez reduzir o espaço do filósofo Olavo de Carva- lho,


que muito ajudou ( e ajuda ) a consolidar o prestígio de Època, por ter
ele apontado o atual ministro da Justiça, Aluysio Nunes Ferreira, como
ex-terrorista envolvido na luta armada e "expropiações bancárias" -
coisa que, de resto, o ministro não contesta e todo leitor consciente, à
direita ou esquerda, sabe. Por outro lado, reduzir o espaço do filósofo e
não reduzir, por exemplo, o de Zuenir Ventura, um tradicional "quadro"
da esquerda na imprensa, demonstra claramente aos leitores da revista
que o novo diretor de redação acionou - "estrategicamente" - o
dispositivo da censura ideológica - o que em jornalismo só leva ao
descrédito, arbítrio e repúdio dos leitores. O espantoso de tudo é que
Época e O Globo são orgãos historicamente comprometidos com a
democracia política e econômica (pois vive delas) e, no caso de O Globo,
com a figura histórica de Roberto Marinho, ligado por um hífen a luta
contra qualquer forma de totalitarismo. Estou tomando a providência
de não mais comprar nas bancas a revista Época até que o ato de pura
violência e discriminação contra a liberdade de expressão seja revisto. E
de hoje em diante, sempre que possível, citarei nos meus escritos e
palestras Época como exemplo de revista que exerce a censura
ideológica contra os seus colaboradors mais capazes. Cordialmente,
Ipojuca Pontes
brandwain@uol.com.br

Senhor editor,
Lamentável o fato da exclusão do Prof. Olavo de Caravalho da coluna
semanal da revista. Infindas palavras tácitas ficam na atmosfera deste

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (11 de 20)16/4/2007 11:05:54


Novas cartas à Época

feito, e a nudez visceral que para os Senhores, a democracia não


transcende as letras dos manuais de ética jornalística. Cordialmente,
Rafael Gustavo Santos Vieira
rafaelgu@brfree.com.br

Prezados Srs,
Causou-me espanto a nao publicacao do ultimo artigo de Olavo de
Carvalho. Qual o motivo? Contando com sua pronta resposta,
Marilia Tavares
chez_moi@hotmail.com

Prezado Marilia,

Agradecemos o envio de sua mensagem. Seus comentários foram

transmitidos ao editor. Os artigos de Olavo de Carvalho serão

publicados uma vez por mês. Esperamos continuar contando com

a sua atenção e participação.

Um abraço,

A Redação

epoca@edglobo.com.br

Senhor redator,

Por que? Se eram tao bons e imperdiveis? Obrigada pela atencão.

Marilia Tavares

chez_moi@hotmail.com

Senhor Editor:
Dirigimo-nos a essa prestigiada revista para estranhar a ausência dos
artigos do Prof Olavo de Carvalho, ultimamente, em suas páginas.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (12 de 20)16/4/2007 11:05:55


Novas cartas à Época

Motivados pelo costume e pela necessidade de ler as lúcidas e precisas


colocações do Professor, solicitamos que sua publicação não volte a ser
interrompida, o que traria um enorme vácuo ao ambiente intelecto-
cultural do país, já insuportavelmente árido, medíocre e monocórdio
Atenciosamente,
AbelMonteiro
Porto Alegre RS
kero500@terra.com.br

Caro Abel,

Agradecemos o envio de sua mensagem. Os artigos de Olavo de

Carvalho serão publicados uma vez por mês. Esperamos continuar

contando com a sua atenção. Um abraço,

A Redação

epocaleitor@edglobo.com.br

Prezados Senhores:

Foi justamente essa a estranheza que assinalei: vocês cortaram

75% do espaço do OC, e nós ficamos privados de 75% de suas

opiniões. Não haveria uma maneira de voltarem a lhe conceder a

periodicidade semanal ? A "intelligentsia" brasileira agradeceria.

Saudações patrióticas,

Abel Monteiro

kero500@terra.com.br

Prezado Olavo,
Mais uma vez para cumprimentá-lo, não só pelo artigo de hoje
"Diagnóstico" publicado no Globo, como pela idéia de reproduzir em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (13 de 20)16/4/2007 11:05:55


Novas cartas à Época

sua homepage algumas das incontáveis cartas endereçadas a você e à


Redação de Época, em virtude da censura que lhe foi imposta pelo novo
Diretor daquela Revista. A destacar é que tais manifestações não foram
sequer mencionadas na seção de Cartas dos Leitores da referida revista.
Ou seja , a censura é mesmo para valer. Aliás, seu artigo de hoje retrata
com perfeição essa realidade que nos está sendo imposta. Nossa
esperança é que eles venham a tropeçar nas próprias pernas daquí mais
um pouco, como nos revela aquela passagem de Paulo na Primeira Carta
aos Coríntios (3,19) " pois está escrito: Ele apanha os sábios na sua
própria astúcia".
Um forte abraço
Carlos Scheliga
cbs@ajato.com.br

Caros Senhores,
Estava exatamente aguardando o final de minha assinatura da revisa
VEJA, previsto para o próximo mês, para, transferi-la para ÉPOCA,
quando, estarrecido, constatei que os senhores também são ingênuos (?)
censuradores bolcheviques. Reduzir a participação do colunista Olavo
de Carvalho, cujos textos acompanhava semanalmente com a compra de
exemplares avulsos, reduzirá os lucros da revista mas, no seu entender,
os fins justificam os meios, não é mesmo? Serei cristalino: como
formadores de opinião, o que lhes interessa é acabar logo com essa
ensebação e ajudar a promover de vez a tão esperada revolução
comunista. Acaso passou-lhes pela cabeça qual o papel que essa revista
e quase toda a mídia nacional, que ainda exercem alguma função

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (14 de 20)16/4/2007 11:05:55


Novas cartas à Época

"social" orientadora, desempenhariam sob um regime onde a orientação


social é sempre ditada pela "ditadura militar" de plantão? E o que farão
então? Levantarão barricadas em favor da democracia? Esse tipo de
idealismo inconseqüente já custou cerca de 100 milhões de vidas em um
século. Quantos brasileiros terão que ser sacrificados até que percebam
que o sonho não pode ser realizado? Sinceramente... mesmo,
Walmor Grade
wgrade@onda.com.br

Caro Olavo de Carvalho,


Gostaria de expressar toda a minha solidariedade e adimiração por você
que, sendo uma voz única no cenário cultural brasileiro, foi
praticamente "censurado" pelos veículos de comunicação "globais" nos
quais, por milagre, tinha algum espaço. Confesso que já imaginei que
isso iria, mais cedo ou mais tarde, acontecer, vindo de um
conglomerado que, entre outras coisas, fez propaganda explícita do MST
na novela "O Rei do Gado", do comunismo nos seriados "Hilda Furacão"
e "Anos Rebeldes" e do anarquismo na novela "Terra Nostra", além de
empregar em seus estúdios e redações gente da pior qualidade, entre
eles antigos bandidos e terroristas. Você é para nós brasileiros uma
referência única nesse tempo dominado por professorinhas comunistas.
Não desanime e continue a escrever seus artigos, mesmo que não venha
a ter como publicá-los na mídia. A Internet é um magnífico meio de
divulgação de idéias e, confesso, é através dela e não de nenhum meio
de comunicação "usual" que desfruto periodicamente de seus escritos.
Um abraço,
Rodrigo Tassara

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (15 de 20)16/4/2007 11:05:55


Novas cartas à Época

Belo Horizonte MG
rod.bhz@zaz.com.br

Prezado Olavo,
Os seus artigos não são mais publicados na Época? Porque? Será que
houve censura?
Desde já obrigado pela sua atenção.
Hamilton Coragem
coragem@uol.com.br

Prezado Professor Olavo de Carvalho,


Encaminho ao senhor as mensagens trocadas entre um meu amigo,
Miguel, e o novo diretor da Revista Época, "jornalista preocupado com a
democracia, o pluralismo e o confronto de idéias". Um abraço,
Amílcar Nadu
paulofrancis@hotmail.com

Caro Senhor Editor,

Como sempre acompanhei suas reportagens desde a época em que

o senhor trabalhou na Veja até na Gazeta Mercantil, não fiquei

surpreso com o seu gesto de reduzir a participação do professor

Olavo de Carvalho em sua equipe. Afinal, sei que o senhor é um

jornalista de formação socialista "light", tipo arquetípico da

esquerda que, no plano político, está muito bem encarnado em

figuras como Blair, Clinton e Gore.

Apesar disso, insisto em protestar que isso não deixa de ser

lamentável, pois mostra que o senhor, ao invés de evoluir em sua

formação intelectual, regrediu.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (16 de 20)16/4/2007 11:05:55


Novas cartas à Época

A única coisa boa nisso tudo é que, agora, pelo menos alguns

amigos meus vão economizar mais, pois só precisarão comprar a

revista uma vez por mês.

Saudações de um ex-admirador.

Miguel Gustavo Lopes Kfouri

miguelgustavolopes@zipmail.com

Caro Miguel,

Quem acompanha minha trajetória profissional sabe que sempre

fui um jornalista preocupado com a democracia, o pluralismo e o

confronto de idéias. Creio que ninguém tem o monopólio da

verdade nem o direito exclusivo a expressar sua opinião. Por isso,

resolvi abrir Época para outras idéias e visões de mundo. Acho

que você só terá a ganhar se resolver conhecer outros olhares

sobre velhos problemas.

Paulo Moreira Leite

diretor de Redação

Prazado Olavo de Carvalho,


Puxa, diante de todas essas mensagens estou até pensando em
acrescentar um ps de 50 parágrafos ao e-mail que mandei pra redação
da Época: "Ele incomoda, né?". Muito obrigado por tudo, professor. Que
Deus o abençoe (e ainda te vejo católico!) e aos seus.
Alexandre Ramos da Silva
alexandrers@convoy.com.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (17 de 20)16/4/2007 11:05:55


Novas cartas à Época

Caro Olavo,
Não vi nas duas últimas semanas sua coluna na Época.Imagino que os
totalitaristas tenham conseguido acabar com uma das últimas cidadelas
da inteligência e da liberdade.Lamento profundamente.Mandei uma
cartinha para eles , que anexo. Abraço.

Bem, demorou mas a Opinião acabou na revista Época também: a

fantástica máquina de propaganda do esquerdismo brasileiro

derrubou Olavo de Carvalho e instalou no seu lugar uma de suas

mais representativas ativistas. É a marcha da insensatez burra

exatamente no sentido contrário da História. Que tal pôr Fidel

Castro aí, como colunista, enquanto ele agüenta. Assim ele já vai

dando in loco todas as instruções para a rapaziada transformar

isto aqui em mais uma lata de lixo do esquerdismo de uma vez. Ou

chamam alguém de Angola, Moçambique, Coréia do Norte,

Vietnã, exemplos de outros brilhantes dos resultados do

comunismo, para passarem suas experiências e maldizerem

também os Estados Unidos, assim como a dona Maria Aparecida,

por quem, pior, estão sendo conduzidas as cabeças da juventude,

naUSP. Parabéns, vocês vão conseguir transformar tudo em...

bem, não vale o palavrão. Pô, será que vocês não acordam?!

Sergio Storti

Mestre em Ciências da Comunicação pela USP

Prezado Olavo,
Indignada com o corte que a revista Época fez de seus artigos, também
eu mandei uma mensagem à redação, e depois outra em resposta à que

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (18 de 20)16/4/2007 11:05:55


Novas cartas à Época

eles me mandaram. Aqui vão elas. Um forte abraço.

Procurei a Época desta semana somente para ler o artigo do Olavo

de Carvalho, mas logo fiquei sabendo que ele não estava lá.

Lamentável. Infelizmente serei obrigada a deixar de comprar a

revista, já que sua maior contribuição para o leitor brasileiro eram

justamente a lucidez e a absoluta franqueza do filósofo Olavo de

Carvalho, sem o que o periódico perde todo o seu sentido. Espero

que em breve possa ver novamente nosso maior filósofo nas

páginas de Época.

Atenciosamente,

Marli Nogueira

Brasília DF

themis14@uol.com.br

Senhor Editor,
Tornei-me assinante de Época por apenas um motivo: a promoção que
me daria a passagem aérea para qualquer capital do Brasil. Recebi a
passagem, fiz uma bela viagem a Recife nas minhas férias. Estava
concluído na minha opinião o meu interesse pela revista. Como a
sssinatura estava paga, receberia os exemplares que tinha direito e
depois cancelaria a assinatura. Mas acontece que sua revista prendeu o
meu interesse de maneira muito forte, de tal forma que eu aguardava os
exemplares com ansiedade e não deixava ninguém lê-los em casa antes
de mim. O motivo de tamanho interesse? A coluna do filósofo Olavo de
Carvalho. Ele é um homem brilhante, com um texto como há muito não
se via no nosso jornalismo basal. E o que é mais importante, ele DIZ o

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (19 de 20)16/4/2007 11:05:55


Novas cartas à Época
que pensa, exibe claramente no peito a sua opinião política, o que é mais
raro ainda na nossa mídia tendenciosa e ladina. Entrei na faculdade
para fazer jornalismo e abandonei o curso nauseada com a falta de ética
dos professores e dos profissionais da área. Olavo de Carvalho restaurou
meu interesse pela leitura das publicações periódicas, mesmo que
apenas em busca de artigos seus. Agora ele sumiu de Época. Hoje eu
digo aos senhores: se Olavo de Carvalho foi excluído de sua revista,
mesmo que os senhores me oferecessem uma passagem grátis para
Paris, eu não renovaria minha assinatura. E estou pensando sériamente
em cancelar o recebimento do resto do ano. A Editora Globo ao menos
eu pensei que manteria um canal aberto com a opinião da maioria dos
brasileiros (veja historicamente os resultados das eleições no Brasil).
Senão por uma objetividade jornalística ao menos por um senso
mercadológico.
Assunção Medeiros
suemedeiros@gbl.com.br

Caro Senhor,
Por que a coluna de Olavo de Carvalho deixou de ser publicada em na
revista "Época"? Algum tipo de censura? Antecipadamente grato pela
resposta,
O. M. Alves
Medalves@aol.com

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca2.htm (20 de 20)16/4/2007 11:05:55


Mais cartas à Época

Mais cartas à Época

Prezados Senhores,
Sou assinante de Veja e tenho comprado Época regularmente pela
coluna de Olavo de Carvalho. Como todo leitor tem suas predileções nas
publicações que lê, os artigos ali publicados são motivo mais do que
suficiente para que eu compre a revista, e inclusive considere assiná-la.
Entretanto, no primeiro número deste mês, não encontrei a coluna, o
que se repetiu no número seguinte. Em conversas com outros leitores,
soube que foi reduzida para uma publicação mensal, em vez de semanal.
Não consigo atinar com o motivo de Época querer reduzir uma
contribuição desse calibre, vinda de um filósofo que é hoje um dos
maiores intelectuais brasileiros, além de jornalista tarimbado. Não
adianta dizer que seja para permitir ao leitor conhecer outros pontos de
vista; pois Olavo de Carvalho é justamente o único jornalista de peso
neste país que nos oferece regularmente uma visão diferente dos
discursos massificados da imprensa, hegemonicamente de esquerda.
Em seu lugar, colocaram uma professora da USP repetindo chavões de
uma ideologia barata que se pode encontrar em qualquer botequim

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (1 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

universitário, banalmente reproduzidos por uma imprensa leviana e


intelectualmente pueril. Por que Época deveria vetar uma voz
dissonante e original para permitir aos leitores o acesso a clichés que já
se encontram por toda parte?
Talvez a redução tenha ocorrido em função das críticas contundentes
feitas naquela coluna a figurões da política nacional. Mas são ossos do
ofício jornalístico, sem os quais não seria necessário haver liberdade de
imprensa. É claro que isso não se aplica quando há calúnia ou
difamação, mas também não é o caso, já que aquele colunista não fez
nenhuma afirmação que não pudesse ser provada. De resto, os artigos
saíam em coluna de opinião, deixando claro que a revista não endossa
necessariamente as posições do autor.
Também não adianta alegar que o corte tenha ocorrido por ser um
articulista "de direita" (já li dele as seguintes palavras: "em nome do
pluralismo, luto para que exista uma direita neste país, o que não
significa que, quando existir, eu vá concordar com ela"). Desde quando é
crime ser de direita, como se o pensamento de esquerda fosse uma
cláusula pétrea da Constituição? Toda democracia pressupõe a
existência de uma direita, uma esquerda e um centro; se só a esquerda
fala, não há democracia nenhuma. Simpatias ideológicas à parte, os
artigos de Olavo de Carvalho são de uma coragem, de uma erudição e de
uma honestidade intelectual que não se podem deixar de respeitar,
independentemente de concordarmos com ele. São um diferencial que
faz de Época uma publicação à altura de suas concorrentes, e até melhor.
Se Época cortou o espaço de Olavo de Carvalho por ceder a pressões
políticas, agiu com uma covardia que a faz cair em nosso conceito. Se o
fez por discordar das opiniões do jornalista, demosntrou intolerância e

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (2 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

totalitarismo, o que a faz cair tanto mais.


Olavo de Carvalho tem denunciado a existência de uma patrulha
ideológica nas redações do país inteiro. Aos olhos de milhares de
leitores, Época acaba de comprovar o que ele diz. Em função da coluna,
a revista vinha sendo considerada um órgão jornalístico corajoso e
independente, pela abertura que tem dado a opiniões tão polêmicas
quanto bem fundamentadas. Agora, passa a ser vista como um veículo
covarde e sujeito a censura interna. Uma massa de leitores insatisfeitos
vai começar a procurar outro canal de idéias.
Tenham certeza de uma coisa: nenhum leitor de esquerda, podendo
encontrar seus discursos em várias outras revistas do gênero, vai passar
a ler Época pelo corte de Olavo de Carvalho; mas milhares de leitores de
Olavo de Carvalho vão deixar de ler a revista por essa razão. Entre eles,
eu. Só compro Época quando a coluna sair.
Por favor, VOLTEM A PUBLICAR OLAVO DE CARVALHO
SEMANALMENTE.
Com a minha atenção e (condicionalmente) o meu respeito,
Augusto Vasconcellos.
augusto_vasconcellos@hotmail.com

Prezado senhor,
Ainda que tardiamente, venho solidarizar-me consigo, haja vista a
safadeza - não há outra palavra - que fizeram com o senhor. Ainda bem
que nós, aqueles que comungamos dos seus ideais e acompanhamos a
sua luta pela imprensa, através dos seus livros e ainda pela Internet,
sabemos que faltando aos opositores o mínimo de condições para
rebater seus argumentos, outra não poderia ser a ação dos mesmos,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (3 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

marxistas enquistados nos nossos meios de comunicação social e


contando com o beneplácito dos proprietários estes talvez esperançosos
de continuar a mamar nas tetas governamentais se aqueles vierem, um
dia, a assumir o poder. Aliás, a família Marinho comunga, de longa data,
com a idéia de que apenas o pessoal de esquerda "sabe fazer jornal".
Aceite, com o meu abraço, a certeza de que comungamos dos mesmos
ideais.
Osmar José de Barros Ribeiro
ojbr@wnet.com.br

Ao Sr.diretor de redação época.


Não foi por acaso que escrevi o nome da revista com letra minúscula.
Ela simplesmente apequenou-se ao tomar essa estranha e insensata
decisão.
Estamos tão parcos de inteligência nessa terra brasilis e a época resolve
contribuir para a entropia geral diminuindo o espaço de apresentação
de uma das penas mais brilhantes surgidas nesse pobre cenário
intelectual. Se é intenção da revista ampliar o espaço para a lenga lenga
da esquerda, estou fora. Não tenho mais idade, nem tampouco paciência
para aturá-la. Como se
diz por aí, vou procurar minha turma.
Como ainda vivemos em gozo de liberdade, assim como a revista tem o
direito de tomar as decisões que julga mais conveniente, eu também
tenho o direito de baní-la dos meus interesses.
Léo Guedes
leog@nh.conex.com.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (4 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

Olá
Sabemos com que brilhantismo Olavo de Carvalho defende seu direito
de livre expressão e pensamento ainda que não lhe interesse formar
uma militância ativa. Coloco minha Home page a disposição de todos
que partilham admiração pelo trabalho do Olavoe de tantos outros
corajosos. Lá poderá ser encontrados vários artigos que confirmam e
afirmam o que Olavo diz. Também há vários links para livros on line tal
como BRAVE NEW SCHOOL. O endereço é : http://planeta.terra.com.
br/arte/policymaker
Um abraço
Davi Washington
daviws@hotmail.com

A proibição de pensar ou o Muro das Lamentações


Incontáveis as cartas enviadas à redação da revista Época. E,
sinceramente, me surpreendo com o fato. Com o quê? Com o elenco de
impropérios, injúrias e lamentações de todos os admiradores, diga-se,
os "ingênuos" admiradores da obra do filósofo (será mesmo? sequer é
graduado na USP...), escritor e,
vergonhosamente não-marxista Olavo de Carvalho. Ingênuos
admiradores entre os quais, ai de mim! me incluo.
Será que não percebem as absurdidades que proferem, caros leitores e
"cúmplices"? Não percebem que, por umas quantas insondáveis razões
de ordem editorial, os artigos do senhor Olavo de Carvalho foram
ligeiramente suprimidos, ou mutilados, por ocuparem espaço físico
(ideológico se preferem) em demasia, nesta que é uma revista atenta aos
clamores urgentes de sua "época"? Não me surpreende, sequer me

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (5 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

comove, que uma publicação com tal nome seja, pura e simplesmente,
coerente com o mundo e seus chamados.
Afinal, o senhor Olavo de Carvalho não é formado na escolinha de
pseudospensadores da USP, logo, não é esquerdista por vocação, logo, é
um neoliberal, logo, um direitista retrógrado, logo, um reacionário
caquético, logo, enfim, óbvia conclusão para os que pensam que
pensam, um fascista execrável!!! E os senhores, caros e ingênuos
leitores, entre os
quais, ai de mim! me incluo, seus discípulos, seus comparsas.
A revista Época é nada mais ou menos que coerente com o estapafúrdio
estado de coisas que nos cerca. Época de imbecis e charlatões. Época de
uma revolução sorrateira, silenciosa. E fatal.
Segundo o ilustre diretor de redação da prestigiada revista, foi aberto
um espaço "para outras visões de mundo". Caros leitores, exemplo raro
de caridade cristã nos foi legado: cegos ocuparão o espaço de nosso
infortunado filósofo. E cegos terão outras visões de mundo. Ou
nenhuma visão, o que é melhor, pra que a ordem se mantenha intacta,
inabalável qual monge budista.
Nas páginas de Época, novamente teremos oportunidade de ler
rançosos comentários de esquerda. E Jean-Paul Sartre dará voz às
nossas mazelas.
Afinal, pra quê Aristóteles?
A revista, sim, cumpre seu papel, e entrará para a História. Registrará,
indelevelmente em suas páginas, a miséria espiritual de nossa época.
E isso basta.

Obs: Também passo, a partir de agora, a fazer parte da "horda" de ex-

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (6 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época
leitores da já tão citada publicação.
Um abraço
Georgenes Gustavo Nogy
gustavonogy@ig.com.br

Senhor redator,
Notei que há duas edições não sai a coluna do Olavo de Carvalho, diga-
se de passagem o melhor desta revista, o que está acontecendo?
Mudou a direção?
É a censura vermelha?
Familia Marinho tome uma providência. Não compro mais a ÉPOCA até
o colunista voltar.
Sem mais,
Celina de Sousa Vieira
celina@novonet.com.br

Redação Época

Cara Celina,

Agradecemos o envio de sua mensagem. Os artigos de Olavo de


Carvalho serão publicados uma vez por mês. Esperamos continuar
contando com a sua atenção.

Um abraço,
A Redação

Caro Sr. Redator responsável pela censura ao colunista Olavo de


Carvalho,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (7 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

Sem Olavo sem chance, até já enviei e-mail endereçado ao Sr. Marinho
solicitando o retorno imediato do Olavo assim como a lista de amigos
que não mais estarão COMPRANDO a Época enquanto o colunista não
retorne semanalmente.
Obrigada,
Celina de Sousa Vieira
celina@novonet.com.br

Caro redator,
Pode crer que não estarei mais comprando a revista Época por que o
Olavo não está mais nela, ainda mais com este fiasco sobre a Ana Maria
Braga, eu como médica acho inaceitável a capa da revista sugerindo erro
médico e depois a própria apresentadora desfaz o mal entendido, acho
que a Época ficou pior.
Grata pela atenção,
Celina de Sousa Vieira
celina@novonet.com.br

Época Leitor <epocaleitor@edglobo.com.br>

Cara Celina,

Agradecemos por seu retorno. Sugerimos que leia a reportagem "A


volta da guerreira", edição 183. Esperamos continuar contando com a
sua atenção.

Um abraço,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (8 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

A Redação

Prezado Sr. Diretor de Redação,


O senhor deve ter recebido, e talvez ainda continue a receber por algum
tempo, um expressivo número de cartas/e-mails manifestando espanto
ou repúdio em relação à redução do espaço, nessa conceituada revista,
do filósofo e jornalista Olavo de Carvalho. Se considerarmos o fato de
que os leitores são o objetivo final de um órgão de imprensa digno do
nome, tais manifestações não deveriam ser menosprezadas, sobretudo
num momento em que, em boa parte por causa dos artigos de Olavo de
Carvalho, Época demonstra um significativo incremento em termos de
leitores e influência no meio jornalístico.
O argumento de que a redução do espaço não significou censura, mas
uma preocupação em dar voz a "outras idéias e visões de mundo" não
parece honesto, e é fácil perceber porquê. Ora, se fosse essa a sua real
preocupação, o senhor deveria agir justamente de forma oposta, pois
Olavo de Carvalho é praticamente a única pessoa com voz no meio
jornalístico a dizer coisas novas, diferentes de toda a cantilena com a
qual o povo brasileiro já está habituado ao ponto da anestesia. Ou seja,
uma preocupação sincera com a veiculação de visões de mundo
diferentes (desde que assumamos o pressuposto de que essas visões se
eqüivalem e por isso merecem as mesmas oportunidades) deveria
implicar não a redução do espaço de um dos mais originais, eruditos e
corajosos pensadores surgidos no Brasil, e sim a efetivação de Olavo de
Carvalho como colunista permanente de Época, até porque não há
rigorosamente nada que justifique a decisão de manter, por exemplo,
Zuenir Ventura com esse status, a não ser seu prestígio junto à

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (9 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

intelligentzia esquerdista. Sem querer desmerecer o articulista, não há


como comparar, em termos de capacidade de expressão, de erudição, de
incisividade, enfim, de genialidade, Zuenir com Olavo.
Não temos, eu e muitos milhares de leitores de Época, a menor dúvida
de que a decisão de alçar Olavo de Carvalho à condição de colunista
semanal (tal como Zuenir Ventura) há de consolidar o lugar de Época
como uma revista ainda mais diferenciada, na medida em que
possibilitará ao seu cada vez maior contingente de leitores o privilégio
de ler artigos de extraordinária qualidade e força, de um pensador cuja
importância tem crescido sensivelmente nos últimos anos, e cuja
tendência é aumentar ainda mais.
Não parece exagero dizer que Época pode estar perdendo (para outros
órgãos de imprensa) a oportunidade de manter em seus quadros um
articulista cujo portentoso valor há de ser muito em breve reconhecido.
Não creio que o senhor gostaria de arcar com esse ônus (mesmo que
reconheçamos que tal decisão talvez não dependa só do senhor).
Deixo aqui meu manifesto e minha sugestão, humildes, mas que
certamente podem ser endossadas pelos muitos leitores ávidos por
informação inteligente e de qualidade diferenciada, que certamente
constituem o público alvo preferencial de revistas do porte de Época.

Respeitosamente,

Marcos Grillo/RJ
mgrillo@vento.com.br

Prezado Editor,
A democrática decisão de amputar severamente o espaço de Olavo de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (10 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

Carvalho na Revista Época, confirma, a meu ver, a tese da ilustrada


professora da USP. Na verdade, o nosso problema são os Estados
Unidos, não há dúvida.
São os Estados Unidos os culpados pela sábia decisão de, a pretexto de
democracia e pluralismo - li a resposta do Editor-Chefe da Revista no
site do Olavo de Carvalho - reduzir tão-somente o espaço de Olavo de
Carvalho, enquanto o Ventura, que não fede e não cheira, pelo menos
sob o olfato de chauís e konders, continua a cacarejar o seu amontoado
de clichés e teses confortáveis para o establishment esquerdista.
Uma decisão tão louvável que pune, exclusivamente, a inteligência
excepcional, fulgurante e desestabilizadora só pode ser imputada aos
Estados Unidos, pois, longe de mim, acreditar que isso possa ser um
sintoma do nosso subdesenvolvimento mental, que fala muito em
democracia, em igualdade de direitos, enquanto tais princípios não
colidem com o nosso corpinho de preconceitos e cacoetes mentais.
Parabéns pela estratégica forma de conferir democracia e pluralismo à
Revista Época, estratégia americana - ou seria melhor, estadunidense
como quer a nossa professorinha.

Atenciosamente
Pedro Paulo Reinaldin
reinaldin@uol.com.br

Senhor Editor,
Olavo de Carvalho é, sem possibilidade de dúvida, a mais lúcida,
vibrante e articulada inteligência do Brasil atual e, quiçá, um dos
maiores intelectuais brasileiros de todos os tempos. Que "Época" tenha

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (11 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

alegremente fatiado seu espaço já constitui, portanto, um escândalo ( se


um escândalo de maquiavelismo ou de inconsciência, não saberia
dizer); que seu espaço tenha sido ocupado pelas platitudes de mais uma
professorinha uspiana acrescenta ao escândalo a dimensão do ridículo.
Lamentando o acontecido e esperando que a decisão seja revista,
despeço-me.

Fabiano B. Moraes
MORAESFABIANO@aol.com

Caro professor Olavo de Carvalho,


Tenho duas coisas a dizer a respeito: primeiramente, não tenho a menor
esperança de que este ou outro protesto contra a redução de seu espaço
seja publicado; em segundo lugar e em conseqüência, tampouco nutro
reais esperanças de que sua coluna volte a ser semanal, ao contrário do
que disse no e-mail (disse-o pois a esperança é a última que morre).
Mas pouco importa que as várias reclamações sejam solenemente
ignoradas. Pois o senhor conquistou a ferro e fogo um espaço que a
intelligentsia esquerdista só concede quando fingir desconhecer a
existência de um outsider torna-se insustentável; quando esse
fingimento passa a depor frontalmente contra a honestidade e a
inteligência de nossos intelocratas. O senhor se encontra, portanto, na
companhia de um Nelson Rodrigues, de um
Gilberto Freyre, que bem poderiam ter dito para a nossa esquerdinha a
célebre frase de Zagallo: vocês vão ter que me engolir.
Em suma: o senhor já é um vencedor, e esse episódo da "Época" só vem
confirmar sua vitória, pois, como dizia Swift, "quando no mundo
aparece um verdadeiro gênio, reconhecê-lo-eis por este indício: que

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (12 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

todos os néscios se conjuram contra ele". E quem, senão os gênios, têm


conseguido vencer a nossa massiva e barulhenta conjuração dos néscios?
Saúde para si e para os seus. E continue a batalha.

Fabiano B. Moraes
MORAESFABIANO@aol.com

Prezados Senhores:
Como leitora assídua da evista ÉPOCA, venho manifestar meu
desagrado pela substituição da coluna do brilhante e instigante
jornalista Olavo de Carvalho por uma (mais uma) professora da USP.
Com sua agudeza de percepção, clareza de estilo e senso de humor,
Olavo se destaca da mesmice do atual jornalismo brasileiro. É
lamentável que os fatos venham a comprovar o que o leitor brasileiro já
começa a questionar: haveria uma militância vermelha de plantão nas
redações? Qual a razão da exclusão do artigo do Olavo que todos, aliás,
podem ler na internet? Estamos realmente diante de uma censura aos
jornalistas que não fazem coro à linha imposta por aquele grupo da
esquerda totalitária que, pelas evidências, estende sua fina, mas
implacável, malha de ferro contra os que apontam a nudez do rei?
Preocupa-nos o silèncio imposto, pela redação de Época, a este
polêmico e original colunista.
Cordialmente,
Solange Mendonça Campos
sola@task.com.br

Redação Época

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (13 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

Solange,

O Olavo de Carvalho continuará escrevendo em Época. Seus artigos


passam a ser mensais. Ele não está sendo substituído. Está dividindo
espaço com outras idéias. Esperamos continuar com a sua atenção e
participação.
Um abraço,
A Redação

Senhor Editor,
Agradeço a gentileza de sua resposta.
Entretanto, as "outras idéias", para as quais a revista ÉPOCA está
abrindo seu espaço, a julgar pelo medíocre artigo da professora da USP
(que apenas reforçou o coro uníssono repetido à exaustão pela nossa
esquerda- de- plantão) esta amostra das prometidas "outras idéias" me
tirou completamente o interesse pela ÉPOCA, que acaba de perder uma
leitora. Pois trata-se, apenas, das "mesmas idéias", o que é
compreensível face às mudanças ocorridas na direção da edição e
redação da revista. Passei a ter também desconfiança quanto à
credibilidade jornalística da publicação, que, face às mudanças, não
mais poderá apresentar o espaço que eu procurava para acompanhar a
diversidade e riqueza do livre debate de idéias e a crítica dos chavões
político-ideológicos que sufocam a inteligência de nossa mídia.
É lamentavel, para os leitores e para o Brasil.
Atenciosamente,
Solange Mendonça Campos
sola@task.com.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (14 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

Prezados Senhores,
Embora assíduo leitor da revista Época, por motivo de saúde, deixei de
comprar o último número que, certamente, até ajudaria à minha
convalescença. Explico: Fui informado, por camaradas exultantes, que
vocês censuraram o incomodativo articulista Olavo de Carvalho que
vinha desnudando as nossas mentiras, tramóias e desinformações,
destinadas a formar uma opinião pública favorável à nossa causa.
Disseram-me que, de modo sutil e inteligente, vocês passaram a coluna
desse articulista de semanal para mensal. Meus parabéns. Já que não é
possível calar de todo uma voz que tem por ofício nos desmascarar, a
jogada dessa editoria, pelo menos vai minimizar os estragos que esse
representante do imperialismo ianque e direitista de carteirinha vem
fazendo nas nossas hostes. Não perdôo esse Olavo de Carvalho,
principalmente porque deu adeus ao nosso Partidão e agora vive a nos
entregar de bandeja, àqueles que até o seu aparecimento vínhamos
conseguindo ludibriar. É um traidor. E o pior é que sabe tudo de nós e
vem se alinhando com as Forças da Ordem- um eterno obstáculo às
nossas pretensões de resolver todos os problemas da Humanidade, com
a implantação do comunismo mundo afora. Para completar o belo
serviço de vocês, só falta a gente fazer uma fofoca dele para ver se o
calamos também em O Globo. Com minhas saudações vermelhas,
renovo meus cumprimentos pelo trabalho que, embora sujo, encontra
justificativa no que o inesquecível Lenine nos ensinou: - tudo que
beneficiar à nossa causa comunista é moral e legítimo. Atenciosamente,
subscrevo-me.
Astrolindo Bello de Carvalho.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (15 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

astrolindobello@globo.com

Prezado Professor Olavo


Em solidariedade a você enviei uma carta a Época reclamando da
decisão deles de lhe cortarem espaço.
Agradeço sua generosidade para com seus leitores e a Deus por termos
no Brasil uma inteligência como a sua.
Aproveito este para lhe desejar feliz natal e próspero ano novo.
Um abraço
Luiz
lg2@terra.com.br

Prezados Senhores,
Serve a presente para externalizar meu desagravo pelo ato de agressão
que sofreu Olavo de Carvalho, melhor jornalista e escritor da mídia
brasileira, quando teve seu espaço mutilado pelos "donos" da revista
Época. Já me acostumei à pobreza da cultura brasileira e da
intelligentsia e mais uma manobra da elite hegemônica esquerdista não
vai me surpreender. Época perderá muitos leitores se não voltarem
atrás na errada decisão.
Luiz
lg2@terra.com.br

Prezado Editor de "Época",


Causou-me profunda decepção quando procurei pela página de Olavo
de Carvalho em "Época" e vi em seu lugar uma estranha figura. Pensei
comigo: teria Olavo entrado em férias?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (16 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

Porém, ao abrir o site do Professor, e lendo os vários e-mails de


desabafo de leitores inconformados, constatei que Olavo escreverá uma
única vez por mês.
É mesmo verdade que Olavo foi censurado? Se foi, é muito lamentável
que ocorra uma censura em "Época", censura essa que, parece, se deve a
um artigo em que Olavo abordava a vida de nosso novo Ministro da
Justiça, Aloysio "Ronald Biggs" Nunes Ferreira.
Félix Maier
ttacitus@hotmail.com

Prezado Editor:
Eu gostaria de saber quem foi o talibã que censurou nosso escriba mais
interessante do momento, para colocar em seu lugar panfletos bobocas
de "libélulas" da USP.

Cordialmente,

Félix Maier
ttacitus@hotmail.com

Prezado Professor,
Agora, a minha regra para a Época é a mesma já aplicada com respeito a
outras publicações que estão nas bancas: abro; se houver o bom artigo,
compro a revista ou o jornal. Caso contrário, agradeço ao jornaleiro e
vou embora...Aquela revista, como se costuma dizer, pisou na bola.
Um abraço
Roberto Miscow Filho
miscow@epq.ime.eb.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (17 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

Prezado Olavo
Tomei conhecimento, através de emails, de que estariam fazendo
pressão contra o seu magnífico trabalho e tentando suprimir sua coluna,
cuja periodicidade já teria sido reduzida. Isto já seria de esperar. A
esquerda está sempre pronta a censurar aqueles que a criticam.
Já estou desencadeando, através dos meus correspondentes, uma
pressão sobre a mídia, em seu apoio, tendo sugerido ao pessoal do
Guararapes, que despeje uma torrente de emails sobre os jornais. Da
minha parte, já estou agindo. E isto não significa apenas lhe enviar um
email de apoio.
O meu abraço
Pedro Paulo
pedroprocha@netpar.com.br

Caro professor Olavo


Fiquei profundamente decepcionado, como todos os que escreveram a
você, ao não encontrar seu artigo semanal na ÉPOCA. Em seu lugar,
mais uma voz do "monstro de mil línguas" que cresce neste país há
muito tempo. Você pode dizer, com Nietzsche, que "o depois de amanhã
me pertence". Também escrevi à revista reclamando, assim como para
as revistas BRAVO! e REPÚBLICA, que não publicam nada seu há
algum tempo. Nós perdemos um pouco da fala de um grande filósofo, e
a democracia perde aquilo que a caracteriza: pluralismo e confronto de
opiniões. Tudo o que a revista fez foi dar maioria
em seu espaço às vozes da esquerda, como faz a Rede Globo inteira.
Conte com meu apoio.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (18 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais cartas à Época

Um abraço
Nilo de Medina Coeli Neto
niloceli@bol.com.br

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca3.htm (19 de 19)16/4/2007 11:06:33


Mais algumas cartas à Época

Mais algumas cartas à Época

Caro Prof. Olavo de Carvalho,


Já havia notado a ausência de seus luminosos ensaios na revista Bravo!
(o que terá acontecido? me perguntei, surpreso). Agora, tomo
conhecimento - não tão surpreendido, confesso - da supressão sumária
de 75% do seu espaço na revista Época, cuja motivação, inconfessada, é
censurar uma das poucas vozes neste país que não têm medo de
esmascarar as mentiras disseminadas pelas esquerdas ao longo de
décadas, mentiras que hoje, lamentavelmente, revestem-se de status de
verdades sagradas. Tais fatos, somados a outros sistematicamente
apontados em seus artigos, confirmam, infelizmente, aquele
melancólico diagnóstico que o senhor fez da realidade intelectual
brasileira atual como "a longa marcha da vaca rumo ao brejo...".

Quosque tandem ?

Um grande abraço.

Gilberto Luiz B. Edson

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca4.htm (1 de 3)16/4/2007 11:06:44


Mais algumas cartas à Época

gilbertoedson@bol.com.br

Viva
Solidarizo-me com David West sobre Olavo, aqui desde Lisboa. Enviei
mail para revista Época que consulto na net e que nem respondeu, nem
com o respondedor automático que tiveram para este caso. Vi hp de DW
e gostei mesmo. Tenho dúvidas, no entanto, quanto a teorias
conspiratórias do género "O Duque de Edimburgo em Buckingham" nos
anos 60, etc. etc. O amigo não fornece prova. Mas creio que o essencial
do seu alerta de cobiça sobre Amazonia tem validade, mesmo que não
por essa via argumentativa

Cumprimentos
Mendo Castro Henriques
Professor
www.terravista.pt/PortoSanto/1139
netmendo@netcabo.pt

Sr. Diretor,
Sou leitor da revista Época desde o primeiro número. O que mais
admiro, ou admirava, na revista é a sua posição pluralista, de abertura a
visões diferentes quando não completamente opostas. O filósofo Olavo
de Carvalho é um dos mais respeitados, originais e corajosos pensadores
do Brasil atual. A supressão de sua coluna semanal é um duro golpe
contra a lucidez e a inteligência. Perde a Época mas principalmente
perdemos nós, leitores, que tinhamos toda a semana a possibilidade de
ler uma visão alternativa, algo incomum em nossa nossa mídia

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca4.htm (2 de 3)16/4/2007 11:06:44


Mais algumas cartas à Época
lamentavelmente tomada pela repetição monocórdica do receituário
politicamente correto e esquerdista. Não compreendo o argumento
utilizado pela revista para justificar tal atitude: qual foi o critério para a
escolha feita pela revista? Por que "mensalizar' o Olavo de Carvalho e
consagrar a coluna semanal do Sr. Zuenir Ventura, sabidamente um
sujeito muito menos "inspirado" do que o filósofo?
Tadeu Viapiana
tadeu@centro.com.br

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca4.htm (3 de 3)16/4/2007 11:06:44


E mais cartas à Época

E mais cartas à Época

Olavo,
Sou teu leitor e acompanho teus artigos onde quer que estejam inseridos
e, até ontem na ÉPOCA. Soube da "redução, corte" que foi imposto pelos
editores da revista.
Faz um favor para tí e para todos nós: sai por inteiro. Hoje reduzem teu
espaço, amanhã reduzirão teu texto e censurarão tuas idéias.
Revistas que agem assim só serão lidas em salas de espera de
consultórios médicos.

Vai firme.

Abraços

Antonio Franzoso
amcf@franzoso.com.br

Prezados Diretor Geral e Diretor de Redação:


Gostaria de protestar contra a diminuição do espaço concedido ao

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (1 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

professor Olavo de Carvalho na revista Época.


Não sei quais critérios ordenaram esta medida.
O professor Olavo é hoje o nosso mais agudo crítico das esquerdas no
nosso país e, também, um intelectual de formação como há muito não se
via. Sendo o mais leonardesco dos nossos críticos, escreve com o
brilhantismo de Otto Maria Carpeaux; tem o polemismo de Paulo
Francis; e, faz na filosofia o que Freire nos legou na sociologia: uma
nova visão sobre a sociedade brasileira.
O seu estilo feroz no combate ao esquerdismo - quando o professor dá
lugar ao combatente político-, faz, com certeza, muitos inimigos, mas a
intensidade de suas manifestações somente reflete a angústia de alguém
que percebe os tempos difíceis que estamos vivendo. O incômodo que
causa é derivado do fato de nos apresentar de maneira crua o nosso
retrato. E não há nada mais duro do que conhecer-se a si mesmo, seja
como indíviduos ou como sociedade.
Por isto, sejam quais forem as razões dos senhores para reduzir o espaço
do professor Olavo lhes peço que reconsiderem sob pena de estarmos
perdendo a oportunidade de divulgar as idéias de um dos mais
inteligentes brasileiros dos últimos 50 anos.

Atenciosamente,
Júlio Francisco Gregory Brunet
Economista
rs002301@pro.via-rs.com.br

Prezado Sr.,
É absurdo e lamentável o seu posicionamento crítico diante das

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (2 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

barbáries que estes amantes da ditadura, estes golpistas travestidos de


socialistas libertários, esta imundície que assola meu Estado (MEU
ESTADO, o RS, não destes fascistas), caçando jornalistas e pregando a
censura.
Ísso mesmo, falo do PT.
E sua empresa restringe o pensamento de Olavo de Carvalho para dar
lugar massivo à Maria da Conceição Aquino, uma adoradora da ditadura
petista. Por que não espaços iguais???
Desculpe, esqueci que para vocês, os radicais, a igualdade é só para os
seus....

sds

Marcelo Fischer Voiciechovski


Indignado com a podridão petista.
marcelo@goldrs.com.br
PS: Antes que venham me acusar de defensor da direita, quero
esclarecer, fui militante petista desde meus 14 anos, de usar estrelinha
na lapela, nos corredores da empresa onde trabalhei, a RBS. Conhecem?
Então não me venham com esse papo furado de que eu não conheço do
que falo.

Prezados Srs:
Sirvo-me do presente para manifestar minha inconformação e
indignação pela substituição da coluna semanal do Filósofo Olavo de
Carvalho.
É visível a postura política atrofiada do novo diretor de redação da
revista, retirando a coluna de Olavo de Carvalho entregando à Sra.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (3 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época
Maria C. Aquino tão logo tenha assumido.
É gritante o antagonismo de idéias dessa senhora comparado ao estilo
do filósofo.
Entendo que a direção da revista tem todo o direito de modificar o
quadro de pessoal, colaboradores, matérias, estilo, layout e tudo o mais
que achar necessário à melhora da publicação, eu como leitor, sinto-me
no direito de lembrá-los de uma antiga teoria física: para cada ação
existe uma reação.
Manifesto minha contrariedade às novas diretrizes da Época e informo
também que, por conta disso acabo de solicitar o cancelamento
definitivo de minha assinatura.

Atenciosamente.
Gabriel Rocha Cunha
grc.seal@terra.com.br

Prezado Olavo de Carvalho


Lendo a coluna do jornalista Diego Casagrande fiquei sabendo do que
lhe aconteceu na revista época. Antes de tudo gostaria de salientar que
admiro muito sua cultura e determinação na defesa pela democracia e
pela liberdade individual. Tive o grato prazer de acompanhar sua
explanação no evento Jovens Talentos da Liberdade, organizado pelo
Deputado Onyx Lorenzoni em Porto Alegre, o qual represento como
assessor parlamentar em eventos da juventude gaúcha, e que muito
apreciei suas palavras. também acompanho seu trabalho nos jornais e
coluna virtual.
O que desejo é manifestar minha consideração em relação ao grande
homem que é o senhor. Tenho certeza que não será um episódio ridículo

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (4 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

e característico dos nossos amigos "vermelinhos" que irá lhe abalar.


Muita força e um grande abraço.

Francisco de Assis Ferrugem de Blanco


tem 20 anos de idade e seu desejo de mudança acompanha o trabalho
de Olavo de Carvalho.
francisco.blanco@al.rs.gov.br

Prezado Editor,
Ao ler na "Época" outro artigo da mais nova "libélula" da USP, Maria
Aparecida de Aquino (19/11), sem saber quando Olavo vai retornar,
tomei uma decisão: doravante, passarei a comprar a revista na banca
somente depois de folhear e constatar lá dentro o artigo de Olavo.

Por quê? O resto de "Época", para mim, sempre foi "tudo japonês".

Cordialmente,

Félix Maier
ttacitus@hotmail.com

Prezados Editores e Jornalistas de Época:


A suposta legítima intenção do novo editor dessa revista semanal de
diversificar o conteúdo da página de Opinião dando-lhe outras
assinaturas que não apenas a do filósofo Olavo de Carvalho vem sendo
severamente desmascarada e da maneira mais veloz possível. Em
apenas três semanas, ficou muito claro qual era o verdadeiro desejo do
editor: calar Olavo de Carvalho e em troca enfiar goela abaixo dos seus

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (5 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

leitores a sra. Aquino e seus amigos, gente bem mais dócil e de perfil
ideológico condizente com o establishment da mídia deste país. Mas o
mais grave não foi ter desmascarado o novo editor de Época, fato que
está fora do rol das descobertas surpreendentes. O mais grave, repito,
foi a revista Época ter-se nivelado às demais publicações de quem
acredita diferenciar-se editorialmente. Sem Olavo de Carvalho, Época
volta ao lugar-comum e perde um dos seus principais trunfos que era
justamente o de mantê-lo em suas páginas semanalmente. Minha
assinatura eu já cancelei (cod. 44065229). Era o mínimo e o mais
coerente a fazer.

Respeitosamente,

Sandro Guidalli
Rio de Janeiro-RJ
guidalli@terra.com.br

Prezado Sr. Marcos,


Sirvo-me da presente mensagem para repudiar de forma veemente o
afastamento da coluna semanal do Sr. Olavo de Carvalho das edições da
revista Época.
Acredito que esta decisão tenha sido tomada pelo fato que - ao residir
fora de Porto Alegre -o senhor tenha esquecido o que a "esquerda
podre" tem feito em nosso Estado, e planeja fazer em nosso país.
Somente assinei a revista pelo motivo de ter ela ao menos 1 (UMA!) voz
distoante daquelas dominantes em toda a imprensa nacional. Substituir
esta coluna tão "impar" por mais uma daquelas iguais às publicadas
diariamente na Folha, ou semanalmente na Veja ou na Isto É, acaba por

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (6 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

destruir tudo aquilo que eu mais admirava nesta publicação. Tendo em


vista o ocorrido, lhe afirmo que não renovarei minha assinatura em
hipótese alguma.

Atenciosamente,
Eduardo Knijnik
Advogado
eknijnik@iab.com.br

Prezado Olavo de Carvalho


Tomo a liberdade de escrever-lhe para que saibas o tamanho de minha
insatisfação quando soube da notícia de que tua coluna semanal na
revista Época passaria a ser mensal e que, para piorar, colocaram nas
páginas que eram tuas uma senhorar daquelas, que chegamos a ter pena.
Uma das coisas que me fazia assinar a dita revista, certamente, era a
possibilidade de ler uma opinião honesta e que buscava mostrar a
verdadeira face da esquerda nacional, o seu lado negro, de apoio ao
terrorismo, de estreita ligação com os mais ferozes traficantes,
comunistas, sandinista e todos os "istas" mais imagináveis.
Entretanto, caro Olavo, te envio um verso muito lembrado por nós,
gaúchos, e que deve ser levado à risca nesse momento:

"Não podemos se entregar "pros" homens, de jeito nenhum, amigo e


companheiro.
Não tá morto, quem luta, quem peleia, pois lutar é a marca do
campeiro."

Espero continuar a ler tuas colunas em outros jornais, na internet e em

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (7 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

revistas mais gabaritadas que a Época, que está perdendo um assinante.


Peço-te um favor:
Continues na luta para que fiquemos sabendo das verdadeiras intenções
dos esquerdistas nacionais.
Continues nos iluminando com a sabedoria e com as verdades que
escreves em
tuas colunas.
A luta está apenas começando, ainda mais que temos o "sapo barbudo"
liderando as pesquisas para a sucessão presidencial do ano que está
chegando.
Saudações liberais e honestas de um admirador de teu trabalho
intelectual.

Pedro Barth Morè


Advogado
Porto Alegre - RS
barthmore@hotmail.com
pmore@iab.com.br

Prezado Diretor de Redação da Revista Época;


Restringir a publicação da coluna do brilhante Olavo de Carvalho, bem
como publicar seguidas colunas da Sra. Maria Conceição Aquino, me
obrigou a voltar a assinar a Revista Veja. É de lamentar-se, pois este
órgão de imprensa sempre primou por uma postura democrática.

Atenciosamente.
Gilson Hermann Kroeff
Advogado

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (8 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

Porto Alegre/RS
gkroeff@terra.com.br

Caro Marcos Dvoskin:


Sou leitor da revista e gostaria de saber os motivos que levaram esta
direção a reduzir o espaço do colunista Olavo de Carvalho, assim como
substituí-lo pela Maria da Conceição Aquino, notória esquerdista, com
um desequilíbrio quantitativo nas edições favorável a esta, além de um
qualitativo altamente tendencioso e sectário. Que lastima!. Será que a
Editora Globo e a Revista Época começam a perder sua independência
por dinheiro, a exemplo do que acontece aqui no Rio Grande do Sul?.
Esta situação envergonha a história e a credibilidade da Revista.
Acabam de perder um leitor .

Cordialmente.
João Luiz dos Santos Moreira
joao.moreira@terra.com.br

Bom Dia Sr. Olavo.


Sou sua admiradora e sempre que possível leio-o onde o encontro, (Zero
Hora, revistas). É lamentável a atitude da Revista Época, mas com
certeza o futuro dessa atitude é pequeno e curto pois já não existe mais
espaço para esse tipo de coisa.
Continuarei a lê-lo sempre, pois é onde encontro guarida para minhas
inquietações.

Saudações.

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E mais cartas à Época

Cleuza Kollet
Porto Alegre - RS.
piffero@procergs.rs.gov.br

Olavo,
Passei mensagem ao Dvoskin. Deixei de ler Época. Acho que a revista
poderia perfeitamente manter ponto e contraponto, mas preferiu
render-se a essa vagabundagem da esquerdalha pátria.

Abraços do amigo
Polibio Braga
polibiob@ig.com.br

Prezados Senhores:
É com preocupação e repugnância que assisto uma revista do pretígio
da Época, restringir a veiculação dos artigos do professor Olavo de
Carvalho.
Com esta atitude ficam confirmadas as assertivas do prof. Olavo de que
a imprensa brasileira é majoritariamente esquerdista e tem como seus
ídolos os Fidel Castro, Che Guevara e outros canalhas assassinos, vivos
ou mortos, deste planeta.
Não é possível que restrinjam a - talvez - única voz que mostra os
perigos que o avanço dos comunistas do PT representa para o Brasil.
Não é possível que declarações do Lula, que se diz um apaixonado pela
revolução cubana e que aquele país vive um regime democrático, seja
consideradas sem importância.
Por que a revista Época não faz uma reportagem profunda do que
acontece no RGS?

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (10 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

Os senhores sabiam que por duas vezes os chefe da guerrilha do


narcotráfico das FARCS esteve no RGS, tendo sido recebido em uma
ocasião, à portas fechadas, pelo governador Olívio Dutra? Por que isto
não é divulgado pela Época para todo o país? Se fôsse o diretor geral da
CIA, imagino o estardalhaço que a imprensa brasileira faria.
Os senhores sabiam que na CPI da Segurança Pública, entre trechos da
gravação de uma fita, foi dito que cerca de 30 militares da Polícia
Militar do Estado fizeram viagem à Cuba? Para fazer o quê? Ninguém
sabe.
Os senhores tem idéia do que acontece nos acampamentos dos Sem
Terra aqui no RGS?
Os senhores sabiam que o atual secretário-substituto da Secretaria de
Segurança e a chefe do gabinete (a Rosa de Luxemburgo para seus
companheiros de partido) do secretário titular são pessoas que tem
vinculações estreitas com o MST, tendo exercido posições de liderança
junto ao MST, antes de assumir os atuai cargos?
Será que os senhores não percebem que estão colocando em risco a
democracia deste país?
Os senhores por acaso sabem o que vem acontecendo com jornalistas
que criticam o governo petista do RGS, só pelo fato de falarem a
verdade?
Por acaso há, contra a Época, pressões e motivos escusos e
inconfessáveis para calar o Prof. Olavo?
Os senhores desculpem a contundência das minhas palavras, mas tenho
certeza que é o sentimento da grande maioria dos gaúchos que preza a
democracia e a liberdade e que tem medo de perdê-las.
Em tempo: não sou jornalista nem militante de qualquer partido

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (11 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

político.
Atenciosamente
Delmar Philippsen
philippsen@terra.com.br

Prezado Marcos Dvoskin,


Gostaria de registrar meu protesto em relação ao "desaparecimento" da
coluna do nosso ilustre Olavo de Carvalho, um dos homens mais lúcidos
que já colaboraram para esta revista. Sei que minhas palavras pouco
irão adiantar, pois há interesses em jogo e quando isso acontece os
leitores, os jornalistas, a notícia, o poder de alcance da opinião, enfim, a
essência do jornalismo é esquecida e escapa como grãos de areia na
palma da mão.
Para chatear um pouco mais, deixo um desafio: cadê a explicação?

Atenciosamente,
Daniela Santarosa
Porto Alegre - RS
dsantarosa@hotmail.com

Prezados Senhores,
Gostaria de deixar registrado que a publicação semanal da coluna de
Olavo de Carvalho nessa conceituada Revista é da maior importância,
pois o colunista tem uma visão absolutamente diferenciada para o
aprimoramento conceitual brasileiro.
Cordiais saudações.
Jorge Gerdau Johannpeter
jorge.johannpeter@gerdau.com.br

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (12 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

Senhores,
Demorou para aparecer , mas infelizmente apareceu aquele que não
gosta da verdade nua e crua!. Que prefere usar da censura e da
supressão da liberdade de expressão para tentar que o povo não seja
alertado para o processo em curso de verdade única , de lavagem
cerebral, de maniqueísmo. Nós, do Rio Grande do Sul, conhecemos
muito bem o malefício dessas táticas daninhas; essas, sim, golpistas e
antidemocráticas!
Manifestamos nosso total repúdio a essa atitude, tomada pela Revista
Época ao excluir o prof. Olavo de Carvalho de sua excelente e
esclarecedora coluna semanal. Nós estamos deixando de comprar a
referida revista e estamos fazendo uma campanha para que mais e mais
gaúchos assim o façam!

Lígia Halmenschlager
Vice-Presidente do Movimento Mulher Pró-RS
ligiamh@terra.com.br

Prezados Senhores:
Acabo de ler que vou perder o privilégio de ler semanalmente a coluna
do Olavo de Carvalho. Caso seja verdadeira esta notícia, é lamentável.

Atenciosamente
Claudio N. Schneider
scharlau@nh.conex.com.br
Novo Hamburgo RS

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (13 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

Prezados senhores,
Gostaria de saber o porquê da ausência do Sr. Olavo de Carvalho nas
últimas edições da revista Época. Ele era a única pessoa que escreve
alguma coisa diferente e que permite que tenhamos outros pontos de
vista sobre o mesmo assunto. A Dra.Aparecida de Aquino é, obviamente
uma autoridade em História, mas poucos têm a cultura geral que
permite injunções históricas, políticas e filosóficas como o Sr.Olavo de
Carvalho. Como leitor de Época, gostaria de ter minhas escolhas
novamente. Ter possibilidades de análise sob diferentes pontos de vista,
pois, quando um assunto está em moda, todos escrevem a mesma coisa,
como se fossem variações sobre o mesmo tema, e somente uma pessoa
arrisca-se a desafiar e mostrar com fatos e dados, que existe uma forma
diferente de analisar a questão em moda, que é o Sr. Olavo.
Aguardo resposta,
Roberto Oliveira
rblv@bol.com.br

Caro Roberto,

Segue resposta do diretor de Redação, Paulo Moreira

Leite:

Caro Roberto,

Quem acompanha minha trajetória profissional sabe que sempre

fui um jornalista preocupado com a democracia, o pluralismo e o

confronto de idéias. Creio que ninguém tem o monopólio da

verdade nem o direito exclusivo a expressar sua

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (14 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

opinião. Por isso, resolvi abrir Época para outras idéias e visões de

mundo. Acho que você só terá a ganhar se resolver conhecer

outros olhares sobre velhos problemas.

Paulo Moreira Leite,

diretor de Redação

Prezado Sr.Paulo Moreira,


Bom Dia,
Excelente saber que temos na Direção de Redação da revista Época uma
pessoa cuja história é marcada pela democracia, pluralismo e confronto
de idéias.
Entretanto, não entendi quando o Sr. afirmou sobre o "monopólio da
verdade".
Em momento algum (como o Sr.pode ler na minha mensagem anterior)
afirmei que o Sr.Olavo a detêm, assim como os Srs.Luiz Fernando
Veríssimo, Roberto Pompeu de Toledo, e outros que regularmente
escrevem na Veja, Isto
É e Época.
Pela sua lógica, estes senhores deveriam então deixar de opinar
eventualmente, para que outros pudessem expressar suas opiniões.
O problema, repito, é que o confronto de idéias que o Sr. defende, está
justamente no discurso totalmente antagônico e diametralmente oposto
do Sr.Olavo.
Como estimular o confronto de idéias, através de idéias semelhantes?
O confronto exige a diferença.O último texto da Dra.Aquino, pode ter
uma semelhança com a fúria dialética do Sr.Olavo, mas a essência das

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E mais cartas à Época

idéias é a mesma dos demais colaboradores de sua revista. É quase a


mesma coisa que colocar Fidel debatendo com Putin. O primeiro é mais
furioso na verborragia que o segundo, e quem visse o debate entre os
dois, poderia pensar que o primeiro é a oposição.
Idem para as figuras de Krugman e Sachs.Outro detalhe é sobre o que o
Sr. "acha" que eu só tenho a ganhar.Não me lembro de ter emitido,
como consumidor de sua
revista, uma procuração para o Sr. "achar" o que é melhor para mim.
Se as vendas estão baixas, não estou gostando. Se as vendas sobem,
estou gostando.
A revista é mais uma fonte de informações gerais, mas minha opinião
está baseada em vivências e leituras um pouco mais profundas.
Olha Sr.Paulo, eu não sou aluno do Sr.Olavo, não o conheço
pessoalmente. Sou apenas um leitor, que faz parte do que os americanos
chamam de "ordinary people",filho da ditadura, que vive e pensa os
paradoxos do Estado brasileiro.
Se o Sr. acha que para a sua revista é melhor manter tudo igual, vai
fundo, eu não tenho nada a ver com isso. O Sr. deve ganhar muito mais
que eu, e deve ter muitos
gráficos que apóiem sua decisão. Afinal, o Sr. é o Diretor de Redação e
eu não tenho o direito de opinar sobre suas decisões.A única variável
que disponho desta equação é a qualidade de sua revista, que é muito
boa.Eu apenas quis saber o porquê, o Sr. respondeu e eu entendi.
Lamento informar que a partir de hoje, não vou mais comprar sua
revista.
Obrigado pela sua pronta resposta,
Roberto Oliveira

http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (16 de 17)16/4/2007 11:06:59


E mais cartas à Época

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/cartasleitoresepoca5.htm (17 de 17)16/4/2007 11:06:59


Carta de Michael Peirce sobre Olavo de Carvalho

Carta de Michael Peirce sobre Olavo de


Carvalho

Uma amiga muito querida, que me pede para permanecer anônima, enviou a

Michael Peirce, colunista do site de Lew Rockwell (http://www.lewrockwell.

com/peirce/peirce-arch.html), algumas traduções de meus artigos publicados

logo após o 11 de setembro (reproduzidas noutro lugar desta homepage).

Transcrevo aqui a resposta do sr. Peirce. – O. de C.

Thu, 20 Dec 2001

Dear Mrs…,

Mr. Carvalho seems to be, as we say in the US, "wired tight." I read the
articles you included and found little or nothing I could disagree with,
other than the fact that I don't share his paranoia about Russia.
However, smarter people than me do share that paranoia so I may be
the one who is wrong.

My sad answer to you is that I'm not surprised that they wish to silence

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpeirce.htm (1 de 5)16/4/2007 11:07:15


Carta de Michael Peirce sobre Olavo de Carvalho

his voice. "They?" Yes, "they" are those wicked people I have thought of
over the years as communists, cultural marxists, traitors and much else.
It has dawned on me recently that "they" are simple the devil's own
tools - every country in the world is being submerged under a dark
curtain of evil and these beasts are behind it all. The struggle is
worldwide, and we are losing everywhere. Men are falling away from the
church and the Word of God faster than we can evangelize them. Each
looks to his own good and forgets his brother - government is almost
universally corrupt and many churches have fallen into the pit of
apostasy.

The question we as Christians must address is simple: are these the last
days written of the Bible? Has the devil been "loosed for a little while?" I
can't be sure, I'm no prophet, but more and more it looks that way to
me. I'm not suggesting that any of us give up the struggle for freedom,
and take some fatalistic, almost Islamic attitude of "In'shallah" but there
will come a time when the struggle against evil appears to be a failure
and the Enemy will appear to win everywhere.

When that happens, many of us will die or be locked up. So be it. Better
to die standing for righteousness and common sense, than to live as a
slave to sin. And if it turns out that this is not the end time, that this is
just another cycle in the ongoing battle - then we may even triumph in
the end. At this point in time - I feel that is unlikely.

I send you, and Mr. Carvalho my greetings, and best wishes, along with
a hearty and sincere merry Christmas. May the Lord bless your efforts
to keep the darkness from swallowing up your country. We may or may

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpeirce.htm (2 de 5)16/4/2007 11:07:15


Carta de Michael Peirce sobre Olavo de Carvalho

not meet in this world but I have no doubt that we will meet in the next.

God bless you,

Michael Peirce

Terça-feira, 20 de dezembro de 2001

Prezada senhora,

O sr. Carvalho parece estar, como dizemos nos EUA, “bem ligado”. Leio
os artigos que a senhora envia e encontro pouco ou nada com que possa
discordar, exceto o fato de que não compartilho a paranóia dele com
relação à Rússia. No entanto, algumas pessoas mais sabidas que eu
partilham dessa paranóia e pode ser que eu é que esteja errado.

Minha triste resposta é que não estou surpreso de que “eles” procurem
silenciar a voz dele. “Eles”? Sim, “eles” – são aqueles sujeitos maldosos
que ao longo dos anos pensei fossem comunistas, marxistas culturais,
traidores e muitas outras coisas. Percebi recentemente que “eles” são
simplesmente os instrumentos do demônio mesmo – todos os países do
mundo estão sendo submergidos sob uma obscura cortina de maldade, e
essas bestas estão por trás de tudo. A luta é mundial, e estamos
perdendo por toda parte. Os homens estão caindo para fora da igreja e
da Palavra de Deus mais rápido do que podemos evangelizá-los. Cada
um busca seu próprio bem e esquece o de seu irmão – o governo é quase
universalmente corrupto e muitas igrejas caíram no poço da apostasia.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpeirce.htm (3 de 5)16/4/2007 11:07:15


Carta de Michael Peirce sobre Olavo de Carvalho

A questão que nós, como cristãos, precisamos colocar é simples: são


estes os últimos dias, a que a Bíblia se refere? Terá o diabo sido “solto
por um tempo”? Não estou seguro. Não sou profeta. Mas mais e mais as
coisas me parecem ser assim. Não estou sugerindo que nenhum de nós
abandone a luta pela liberdade e assuma uma atitude fatalística de “In
shah Allah”, mas chegará um tempo em que a luta contra o mal parecerá
um fracasso e o Inimigo pareça vencer em toda parte.

Quando isso acontecer, muitos de nós morrerão ou serão presos. Que


seja. Melhor morrer de pé pela retidão e pelo senso comum, do que
viver escravo do pecado. E se acontecer que estes não sejam os tempos
finais, que este seja apenas mais um ciclo de uma batalha contínua –
então poderemos mesmo triunfar no final. Neste momento do tempo,
acho isso improvável.

Envio à senhora e ao Sr. Carvalho minhas saudações e melhores votos,


junto com um “Feliz Natal” sincero e de coração. Que o Senhor abençoe
seus esforços de impedir que as trevas submerjam o seu país. Podemos
vir a encontrar-nos ou não neste mundo, mas não tenho dúvidas de que
nos encontraremos no próximo.

Deus os abençoe,

Michael Peirce

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mpeirce.htm (4 de 5)16/4/2007 11:07:15


Carta de Michael Peirce sobre Olavo de Carvalho

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Recolocando em circulação informações essenciais

Recolocando em circulação informações


essenciais

Prefácio a A Face Oculta da Estrela, de Adolpho J. de Paula Couto

Olavo de Carvalho

Um dos itens essenciais do cardápio gramsciano que hoje regula a dieta


mental brasileira é o controle das informações, com a supressão de
todas aquelas que possam trazer dano ao projeto revolucionário
comunista. Foi preciso quarenta anos de "ocupação de espaços" (termo
técnico gramsciano) nos jornais, nas editoras e nas instituições culturais
em geral para obter esse efeito, que hoje pode se considerar
satisfatoriamente conquistado. Notícias, livros e idéias inconvenientes
foram tão eficazmente retirados do mercado, que a simples hipótese de
que possam existir já desapareceu da imaginação popular. Se
mencionamos, por exemplo, a agressão comunista que desencadeou o
conflito do Vietnã, ninguém sabe do que estamos falando, pois a
mentira tola de que os EUA começaram a guerra já fincou raízes na

http://www.olavodecarvalho.org/textos/adolpho.htm (1 de 5)16/4/2007 11:07:29


Recolocando em circulação informações essenciais

opinião pública como um dogma inabalável. Se falamos de "estratégia


revolucionária", todos arregalam os olhos, porque estão certos de que
isso não existe. Se aludimos aos planos em avançado estado de
realização para restaurar no América Latina o império comunista que se
perdeu no Leste Europeu, somos imediatamente rotulados de
fantasistas e paranóicos, embora esse objetivo tenha sido proclamado
aos quatro ventos por Fidel Castro no Foro de São Paulo.

Claro: todas as informações que dariam credibilidade às nossas palavras


foram suprimidas da imprensa, das livrarias, da memória nacional
enfim. Até das escolas militares foi suprimida a disciplina de "Guerra
revolucionária" cujo estudo fazia da classe fardada o último reduto de
uma consciência alerta contra o avanço comunista.

Dezenas e dezenas de livros publicados na última década sobre as novas


estratégias da revolução comunista foram colocados fora do alcance da
população brasileira por um eficiente cordon sanitaire em torno do
mercado editorial e da imprensa cultural, hoje reduzidos quase que por
completo à condição de instrumentos auxiliares da estratégia de
dominação esquerdista. Roendo pelas bordas, contornando o
enfrentamento direto, evitando a pregação explícita, essa estratégia
conseguiu tão completamente dominar as consciências, que muitos, nos
meios jornalísticos e culturais, repetem os slogans da moda sem ter a
menor idéia de que são palavras-de-ordem comunistas.

Há, é claro, os colaboradores conscientes. Mais que conscientes:


profissionais. A CUT, o PT, o MST têm em sua folha de pagamento
milhares de profissionais das comunicações. É um exército de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/adolpho.htm (2 de 5)16/4/2007 11:07:29


Recolocando em circulação informações essenciais

repórteres e redatores maior que o da Globo, da Abril, da Folha e do


Estadão somados. Eles bastariam para fazer daquelas organizações
esquerdistas as maiores indústrias jornalísticas e editoriais do país. Mas
o fato é que eles não são pagos para escrever: são pagos para não
escrever. São pagos para "ocupar espaços" nas editoras de jornais, livros
e revistas, bloqueando por sua simples presença as palavras
inconvenientes e espalhando, por sua simples conversação diária, as
palavras convenientes. Mesmo nessa elite ativista, poucos têm a
consciência de que sua função é de censores e manipuladores. Tal é a
sutileza do gramscismo, que sempre conta com o efeito do implícito e
não-declarado. Não é preciso nem mesmo dizer a esses profissionais o
que fazer: imbuídos das convicções desejadas, colocados nas posições
decisivas, eles irão sempre na direção esperada, como água no ralo. Os
outros, então, ao repetir o que eles dizem, não terão a menor idéia do
projeto global com o qual estão colaborando. Tão automático e
impensado é esse mecanismo, que um dos maiores especialistas em
manipulação de intelectuais no mundo soviético, Willi Münzenberg, o
chamava "criação de coelhos": para começar, basta um casal. O resto
vem por força da natureza. Mas o que se plantou nas redações, com
dinheiro aliás recebido do exterior, não foi um casal de coelhos: foram
alguns milhares de casais. O efeito multiplicador é irresistível.

Hoje, na segurança, na desenvoltura pomposa e arrogante com que


pessoas que ignoram tudo do assunto nos asseguram que o comunismo
é coisa do passado ao mesmo tempo que repetem servilmente slogans
comunistas sem saber que são slogans comunistas, reside a melhor
garantia de que os planos anunciados por Fidel Castro no Foro de São

http://www.olavodecarvalho.org/textos/adolpho.htm (3 de 5)16/4/2007 11:07:29


Recolocando em circulação informações essenciais

Paulo serão realizados com a cumplicidade sonsa de milhões de imbecis


tranqüilos e auto-satisfeitos.

Nada mais urgente do que recolocar em circulação as informações


suprimidas. Só isso poderá restaurar a possibilidade de um debate
realista sobre temas que hoje estão entregues à imaginação banal de
palpiteiros ignorantes e à engenharia consensual dos estrategistas que
os manipulam.

Na reconquista dessa possibilidade, este livro está destinado a tornar-se


um marco memorável. Aqui, pela primeira vez, reúne-se uma
documentação suficientemente ampla para demonstrar o caráter
ineludivelmente comunista, revolucionário e conspirador de uma
organização que, aos olhos dos desinformados, passa ainda como a
encarnação por excelência de uma esquerda renovada, democrática,
purificada de toda contaminação com o passado totalitário.

A coragem, a paciência e a determinação com que seu autor, Adolpho J.


de Paula Couto, reuniu e ordenou estas provas fulminantes da perfídia
esquerdista farão dele, para sempre, alvo do ódio dos atuais senhores da
moral. Creio que nada de mais honroso se poderia dizer de um homem
de bem.

São Paulo, 15 de maio de 2001

------------

Adolpho J. de Paula Couto, A Face Oculta da Estrela, Gente das Letras,


Porto Alegre. Telefone do autor: 051 225-6588.

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Recolocando em circulação informações essenciais

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Um filósofo na mídia é um jesuíta entre antropófagos

Um filósofo na mídia é um jesuíta entre


antropófagos

Entrevista de Olavo de Carvalho ao site Anedota Búlgara


3 de janeiro de 2002

1) Qual deve ser o papel de um filósofo na mídia? E, neste


sentido, o que representa a sua atuação na imprensa escrita?

Um filósofo na mídia é um pregador “in partibus infidelium” -- um


jesuíta entre antropófagos. Não entendem uma palavra do que ele diz e
ele ainda se arrisca a ser comido vivo. Em outras épocas, filósofos-
jornalistas como Ortega y Gasset, Gabriel Marcel e Raymond Aron
podiam contar com um público habilitado, que compreendia seus
argumentos. Hoje é preciso, ao mesmo tempo, argumentar e ensinar ao
público o que é um argumento. Pior ainda: quanto mais despreparado,
mais o público de hoje é arrogante e palpiteiro. O que recebo de cartas
pretensiosas, sem pé nem cabeça, é uma grandeza.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/bulgara.htm (1 de 9)16/4/2007 11:07:43


Um filósofo na mídia é um jesuíta entre antropófagos

2) A revista Época transformou recentemente a sua coluna


semanal em mensal, sem maiores explicações aos seus
leitores. O que de fato aconteceu, e a que o senhor atribui
essa atitude da revista?

O que aconteceu foi que o Augusto Nunes, fundador da revista, foi para
o Jornal do Brasil, e o novo diretor, Paulo Moreira, por algum motivo
que nem ele sabe, não gosta de mim. Ele prefere um tal de “pluralismo”,
que consiste, segundo parece, na pessoa da sra. Maria Aparecida de
Aquino. Esta senhora, que pensa igual a todo mundo, passou a escrever
três vezes por mês, e eu uma. Não me pergunte que pluralismo é esse
que diminui o espaço da opinião minoritária para aumentar o da
majoritária. Há mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a nossa
vã filosofia.

Para fazer a mudança, o sr. Moreira mentiu três vezes, como S. Pedro,
habilitando-se portanto ao Papado. Primeiro, disse que a mudança de
semanal para mensal seria feita em todas as colunas. Foi feita só na
minha. Segundo, escondeu dos leitores as 180 cartas de protesto contra
o corte do meu espaço. Terceiro, escondeu-as de mim, deixando de me
enviar suas cópias, como era de hábito na revista. Eu só soube delas
porque os próprios remetentes as repassaram ao meu e-mail. As cartas
enviadas só à revista, sem cópia para mim, permanecem ignoradas. O
total das cartas, assim, provavelmente vai muito além de 180.

Como se isso não bastasse, o sr. Moreira investiu-se ainda das funções
de censor, inconfundivelmente pontifícias, e cortou do meu primeiro
artigo mensal uma frase que ele, por motivos que só a ele dizem

http://www.olavodecarvalho.org/textos/bulgara.htm (2 de 9)16/4/2007 11:07:43


Um filósofo na mídia é um jesuíta entre antropófagos

respeito, julgou aplicar-se à sua pessoa: “O público não é idiota. Idiotas


são certos diretores de redação que imaginam que, controlando uma
revista, controlam a consciência do público.” Depois disso, apelidei-o
definitivamente de Paulo Moleira.

Felizmente, a atitude do sr. Moleira não expressa o pensamento geral


das Organizações Globo, que têm me tratado com a maior dignidade e
cortesia. Minha coluna semanal em O Globo, aos sábados, continua
saindo normalmente.

3) Nas acaloradas controvérsias que seus artigos


provocam, o senhor freqüentemente é acusado de pedante ou
arrogante. O que o senhor diria aos que acham o seu estilo
excessivamente agressivo?

Diria que são analfabetos funcionais. Não sabem distinguir entre a força
de uma prova e a violência de uma agressão. Acuados pela prova, que
tapa suas boquinhas, dizem-se agredidos, saem choramingando e
batendo pezinho. É normal a esse tipo de mentalidade sentir todo apelo
aos fatos como uma inaceitável imposição autoritária.

4) Autores como Gore Vidal e Harold Bloom têm afirmado


que vivemos em uma era pós-literária, e, mais ainda, que
muito em breve os verdadeiros leitores irão compor uma
irmandade marginal. Qual a sua percepção sobre o
desaparecimento dos verdadeiros leitores?

Vidal e Bloom são dois pentelhos, mas, no caso, têm razão. O


desaparecimento dos leitores segue-se ao dos escritores. Se vocês me

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Um filósofo na mídia é um jesuíta entre antropófagos

permitem citar um artigo meu recentemente publicado, “O público


‘letrado’ já perdeu até mesmo a distinção entre um escritor e um sujeito
qualquer que escreve qualquer coisa. Um escritor é membro de uma
confraria artesanal milenar. Ele conhece os instrumentos expressivos
criados por uma tradição que vem de Homero a Naipaul, e no que ele
escreve se percebe, nas entrelinhas, o diálogo com seus parceiros de
ofício, por cima das fronteiras de épocas. Um sujeito qualquer que
escreve, mesmo que o faça direitinho, não dispõe senão dos
instrumentos usuais da mídia -- ele não dialoga senão com os tagarelas
do momento: quando morrerem, sua escrita morrerá com eles. Essa
distinção, que deveria ser a base da educação literária nas escolas, já se
tornou imperceptível à média dos leitores ‘cultos’. Daí o fenômeno
espantoso dos nomes mais cogitados para a última vaga aberta na
Academia Brasileira. Não havia entre eles um único escritor: apenas
sujeitos que escreviam direitinho. E ninguém notava a diferença.”

Mutatis mutandis, um leitor autêntico é, precisamente, o sujeito capaz


de perceber essa diferença. E cadê esse leitor?

Uma das muitas causas do seu desaparecimento, no nosso país, é que a


formação dos jovens leitores -- e falo dos melhores -- se faz sob uma
influência predominantemente anglófona. Ninguém lê mais em francês,
espanhol, italiano ou latim. Muito menos lê os clássicos portugueses.
Como os princípios da estilística inglesa são intransponíveis para o
português, esses leitores acabam perdendo o ouvido para o próprio
idioma. Quando lêem, não captam as nuances de sentido nem a ordem
musical. Quando escrevem, imitam trejeitos ingleses que não dão certo
em português e terminam em pura macaquice. E não falo só de trejeitos

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Um filósofo na mídia é um jesuíta entre antropófagos

lingüísticos, mas psicológicos -- de certos cacoetes de percepção que são


típicos da intelectualidade norte-americana.

5) Por que o senhor interrompeu seus estudos sobre


astrologia? E como desfazer o preconceito que há em torno
dela?

Nos meus estudos de astrologia, cheguei a um impasse. Criei uma vasta


estratégia metodológica para transformar o assunto em matéria de
estudo científico, mas, uma vez erguido o arcabouço teórico, era
impossível passar à fase da pesquisa empírica, que requeria muita
gente, muito tempo e muito dinheiro. Então decidi abandonar o assunto
até segunda ordem.

Não me preocupo com o preconceito contra a astrologia, porque a


astrologia que se pratica hoje, inspirada pela ideologia da New Age, é
ela própria um conjunto de preconceitos.

Não há debate sério entre os que dizem ser a astrologia uma ciência e os
que respondem que é uma pseudociência. Ela não é nem uma coisa nem
outra: é um problema científico, que aguarda um tratamento à altura.
Não será com proclamações de fidelidade ou com anátemas acadêmicos
que vamos resolver esse caso.

6) Como conciliar individualismo e tradições religiosas?

O individualismo, em si, não tem sentido, porque a individualidade


humana não é causa sui: ela depende de um quadro cultural e político
que, justamente, só as tradições podem criar. Vocês podem averiguar,

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Um filósofo na mídia é um jesuíta entre antropófagos

historicamente, que a consciência de individualidade humana, como a


conhecemos hoje, esteve ausente em toda a humanidade anterior ao
cristianismo. Um primeiro vislumbre surge na Grécia, mas só entre
intelectuais (é o assunto do livro maravilhoso de Bruno Snell: A
Descoberta do Espírito). Solta a si mesma, a individualidade se
decompõe em fragmentos cada vez menores e se dissolve
atomisticamente nas forças ambientes. O máximo de liberdade aparente
conduz aí à total escravização. A reivindicação de total liberdade é uma
reivindicação de poder total, é um paroxismo de auto-exaltação
narcisista que termina em impotência, loucura e crime. Estudem a vida
de William Burroughs, o ídolo da Beat Generation dos anos 50, que
começou reivindicando a total liberdade, passou à prática contumaz da
pedofilia e terminou estourando o cérebro da própria esposa numa
brincadeira de Guilherme Tell com um revólver calibre 38.

Por outro lado, as tradições religiosas, na sua versão mais popular, às


vezes procuram controlar pela imposição forçada de padrões de conduta
certas situações complexas que as próprias autoridades religiosas não
compreendem. Ora, o primeiro dever da autoridade religiosa é
magisterial, é ensinar. Como obedecer a um guru que não compreende
nossa situação nem a dele próprio?

A obrigação do indivíduo é reconhecer que sua individualidade não é


um absoluto metafísico, mas um dom recebido das tradições. A
obrigação dos representantes das tradições é aquela que Jesus assim
formulou: “Não coloqueis sobre as costas dos outros um fardo que vós
mesmos não podeis carregar.” Acho que entre as necessidades

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Um filósofo na mídia é um jesuíta entre antropófagos

autênticas do indivíduo e a pureza das tradições há uma via média que


deve ser reencontrada a cada passo, na prática da vida. Nada substitui a
sabedoria.

7) O senhor é católico e critica duramente a Teologia da


Libertação. Qual a sua impressão sobre a ala mais
conservadora da igreja, do movimento de Renovação
Carismática e do Padre Marcelo Rossi?

Vocês estão enganados. Renovação Carismática e Deus É Dez não são


nenhuma ala conservadora da Igreja, mas apenas os substitutivos ad
hoc criados pela mídia com base na total ignorância do que se passa na
Igreja. Não creio que haja um movimento conservador na Igreja além da
“Comunhão e Libertação” de D. Luigi Giussani. Os outros movimentos
são apenas espuma na superfície -- uma imagem caricatural do
conservadorismo, muito conveniente aos que o odeiam.

Quanto à Teologia da Libertação, não é católica nem cristã nem mesmo


num sentido remoto da palavra. É uma farsa comunista, e nada mais.
Leiam o livro de Ricardo de La Cierva, Las Puertas del Infierno. La
Historia de la Iglesia Jamás Contada, e saberão do que estou falando.

8) O senhor é um crítico implacável da formação


universitária no Brasil atual. Considerando que a vida
acadêmica esteja contaminada pela filosofia de resultados
políticos, que conselhos o senhor daria para quem esteja
ingressando numa universidade?

Sair dela o quanto antes ou comprar uma máscara contra gases. Há na

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Um filósofo na mídia é um jesuíta entre antropófagos

minha homepage um texto (“Crise da universidade ou eclipse da


consciência?”, http://www.olavodecarvalho.org/textos/dines2.htm) em
que explico o que é, essencialmente, uma universidade. Nenhuma das
instituições que atualmente ostentam esse nome atende a essa
definição. Não vejo o que se possa fazer com elas. Se vocês precisam
delas para obter a autorização para a prática de um ofício, então têm de
agüentá-las, mais ou menos como se agüenta um parente chato que não
se pode assassinar.

9) Sobre as eleições do próximo ano, o senhor concorda


com a análise de que Lula esteja mais próximo da vitória do
que das vezes anteriores? O que há de mais favorável à
esquerda desta vez?

As eleições não são importantes. Em primeiro lugar, o esquema


esquerdista de tomada do poder aposta basicamente na “guerra de
posições”, na “ocupação de espaços” que vai dominando a mídia, o
ensino, a burocracia administrativa, judiciária e policial. A eleição de
um presidente é apenas o salvo-conduto para a esquerda dominante
tirar a máscara e assumir nominalmente um poder que, na prática, já
possui.

Em segundo lugar, o discurso dos candidatos anti-Lula é


substancialmente o mesmo discurso da esquerda. Deste modo, vença
quem vencer, a ideologia esquerdista sairá fortalecida. Parasitar o
discurso alheio é a mais tola das táticas eleitorais: se você se elege, é
como médium que incorpora o espírito do adversário.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/bulgara.htm (8 de 9)16/4/2007 11:07:43


Um filósofo na mídia é um jesuíta entre antropófagos

Em terceiro lugar, FHC, orientado por Alain Touraine para uma “virada
à esquerda”, deixou pronto para o seu sucessor todo um aparato fiscal,
judiciário e policial que lhe permitirá estrangular rapidamente a
liberdade econômica e, junto com ela, as demais liberdades. Tudo está
montado para que o Brasil, um belo dia, acorde socialista sem nem
saber o que é isso. Então haverá choro e ranger de dentes -- como na
Venezuela de Chavez --, mas será tarde para reclamar.

O que importa não é ganhar eleições. É organizar a resistência ao


estrangulamento das liberdades, que, embora o público mais vasto não
perceba, já é uma realidade hoje em dia.

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Existem semelhanças entre Osama Bin Laden e Che Guevara?

Debate:

Existem semelhanças entre Osama Bin


Laden e Che Guevara?

Leader (Porto Alegre), Nº21 - 25 de Dezembro de 2001

Sim

Ascetas do mal

Olavo de Carvalho

Enquanto heróis da saga revolucionária, Che Guevara e Osama bin


Laden assemelham-se em pelo menos um ponto essencial, no qual sua
auto-imagem se confunde com sua imagem pública. Quero dizer que
algo que eles acreditam piamente de si mesmos coincide com algo que
sua platéia acredita piamente a respeito deles. Como todas as vidas de

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Existem semelhanças entre Osama Bin Laden e Che Guevara?

revolucionários modernos, sem exceção, as desses dois compõem-se


essencialmente de um auto-engano pessoal transfigurado em lenda
mundial pelo efeito amplificador da propaganda, seja a propaganda
organizada da esquerda militante, seja a propaganda informal da mídia
simpática.

A crença pessoal a que me refiro -- e que ambos expressaram


abundantemente, por atos e palavras, não se tratando aqui de uma
"interpretação" minha, mas da simples constatação de um fato -- é a
seguinte: exatamente como os heréticos da seita do "Livre Espírito"
estudados por Norman Cohn em "The Pursuit of the Millennium", um e
outro acreditam-se tão profundamente, tão essencialmente
identificados a uma causa superiormente justa e nobre, que mesmo seus
pecados mais flagrantes e seus crimes mais hediondos lhes parecem
resgatados, de antemão, pela unção incondicional de uma divindade
legitimadora. Pouco importa que essa divindade seja, num deles, só
informalmente teológica (a História, o Progresso, a Revolução), e só no
outro expressamente teológica. Em ambos os casos há o apelo a uma
fonte suprema da autoridade, que consagra o mal como bem.

Mas não é que se coloquem acima do bem e do mal, no sentido da


amoralidade aristocrática do super-homem de Nietzsche ou do
"amoralista" de Gide. Ao contrário: identificaram-se de tal modo com o
que lhes parece o bem, que mesmo o mal que praticam se transfigura, a
seus olhos, automaticamente em bem. Atingiram, enfim, a seus próprios
olhos, o estágio divino da impecância essencial.

Daí que, neles, a total falta de escrúpulos e a prática costumeira da

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Existem semelhanças entre Osama Bin Laden e Che Guevara?

violência criminosa coexistam sem maiores problemas com uma fé


perfeitamente sincera na própria bondade, santidade até -- implícita em
Guevara, ostensiva em Osama.

E nada de confundi-los, por favor, com o farsante vulgar, o santarrão de


opereta. Este é cômico porque nele os traços incompatíveis são
mantidos juntos pela solda bem frágil da hipocrisia. No fundo ele tem
consciência da sua falsidade e, pego de jeito, pode ser desmascarado
perante si mesmo. No herói revolucionário, a mentira existencial tomou
por completo o lugar da consciência, numa espécie de sacrifício ascético.
A divindade macabra ante cujo altar se consuma esse sacrifício
responde então ao postulante: ao contrário do mentiroso comum, que se
enfraquece pela falsidade da sua posição, o asceta do mal ganha
redobrado vigor a cada nova abjuração da verdade, tornando-se, no
cume da sua anti-realização espiritual, capaz de projetar
hipnoticamente sua imagem sobre as multidões.

Daí uma segunda semelhança: no paroxismo do culto idolátrico,


militantes e simpatizantes chegam a ver em seus ídolos presenças
divinas ou ao menos proféticas. Expressando uma convicção coletiva
bem disseminada hoje em dia, Frei Betto nivelou ostensivamente Che
Guevara a Jesus Cristo, e Arnaldo Jabor denominou Osama de Maomé
II.

Não

Entre um revolucionário e um terrorista só há uma

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Existem semelhanças entre Osama Bin Laden e Che Guevara?

possibilidade: a diferença!

Jussara Cony
Deputada Estadual pelo PC do B / RS

Analisar o cenário geoestratégico mundial sob a ótica de uma pretensa


semelhança entre Che Guevara, um revolucionário e Osama Bin Laden,
um terrorista, abstrairia as circunstâncias históricas em que estariam se
processando as modificações econômicas, políticas, sociais, culturais e
militares, em suas épocas respectivas.

Che Guevara foi um humanista, um homem que dedicou sua vida,


exterminada pela CIA, à libertação dos povos. Foi cria da consciência
política formada, no seu tempo histórico, da necessidade de construção
de estados-nações soberanos. É, hoje, uma referência internacionalista,
respeitada e admirada por todos que almejam a construção de um
mundo com desenvolvimento, igualdade e paz.

Osama Bin Laden, na irracionalidade de seu terrorismo é, inclusive,


inseparável da irracionalidade da política imperial dos Estados Unidos.
Aliás, existe entre os dois uma relação causa-efeito. É cria da política
belicista, militar e imperialista norte-americana. Aliás, a Aliança do
Norte de hoje é o que resta das antigas Sete Organizações Semitas cujas
tropas foram armadas, treinadas e financiadas pelos Estados Unidos
antes que Washington transferisse seu apoio para os talibãs do Mulá
Mohamed Omar, o que mostra que os grupos fundamentalistas afegãos
são olhados pela Casa Branca, alternadamente, como aliados e

http://www.olavodecarvalho.org/textos/chebin.htm (4 de 6)16/4/2007 11:07:57


Existem semelhanças entre Osama Bin Laden e Che Guevara?

democratas ou inimigos e terroristas, dependendo das circunstâncias.

Portanto, um Che Guevara é conseqüência das lutas dos povos por


libertação, um revolucionário na concepção e na essência do seu
significado! Um Osama Bin Laden é conseqüência não só do
fundamentalismo islâmico mas do jogo sinuoso de um império por seus
interesses estratégicos! Nas circunstâncias históricas, Che ajudou a criar
um contraponto ao império; Osama é o exemplo vivo da criatura
voltando-se contra o criador: o mesmo império!

É obvio que os acontecimentos recentes que centralizam a atenção do


mundo: o atentado terrorista e a guerra dos Estados Unidos contra o
Afeganistão, os dois condenáveis, estabelecem modificações no cenário
mundial, de desfecho imprevisível.

E, num mundo onde a mídia afirma que este é "o maior atentado
terrorista da história", há que se perguntar: de que História nos falam?
Com certeza não a da humanidade como um todo onde não podem ser
esquecidos os atos de terrorismo do estado norte-americano como a
morte de 225 mil pessoas no bombardeio a Dresden, 16 dias após a
rendição alemã; onde 150 mil morreram com as bombas em Hiroshima
e Nagasaki; como as ataques que dizimaram boa parte da população do
Vietnã e do Camboja e anexaram parte do México à força!

Nos diz Miguel Urbano Rodrigues, jornalista português, autor de


Nômades e Sedentários na Ásia Central: "os atentados terroristas
iluminaram a vulnerabilidade do império mas, paradoxalmente, criaram
condições favoráveis ao desenvolvimento da estratégia de dominação

http://www.olavodecarvalho.org/textos/chebin.htm (5 de 6)16/4/2007 11:07:57


Existem semelhanças entre Osama Bin Laden e Che Guevara?

planetária e perpétua dos Estados Unidos, adotada a partir da


administração Reagan". Na realidade, a decisão da guerra punitiva ao
povo afegão, a necessidade de um inimigo nº 1, resulta de uma exigência
política que é a de impedir que o povo norte-americano compreenda o
essencial: a máquina terrorista que montou os atentados está enraizada
no próprio território dos Estados Unidos. A escolha do "mau" obedece a
um objetivo estratégico inconfessável: a penetração política e econômica
dos Estados Unidos em uma região vital para seus interesses
geopolíticos: a Ásia Central e suas enormes jazidas de petróleo e gás
natural.

Talvez, na contradição exposta por Miguel Urbano Rodrigues se


encontre não a se melhança, por inexistente, mas a grande diferença
entre os dois. Laden, com "sua" ação terrorista, serviu ao império.
Guevara, com certeza, no enfrentamento a hegemonia, serviria às lutas
de libertação dos povos. Um contribuiu para fomentar a guerra que
serve ao império! Outro, se vivo, contribuiria na construção de nações
soberanas e, portanto, pela Paz ao mundo!

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Meu mergulho no esterco

Meu mergulho no esterco

Resposta às observações de S. Excia. o Sr. (ex-) Ministro da Justiça


quanto ao meu artigo “Carta ao Ministro”,publicado em Época de 23 de
março de 2002

1. Embora seja um tanto desconfortável ter de chamar de Excelência


um indivíduo no qual não vejo excelência alguma, responder às
observações publicadas em Época de 30 de março pelo sr. Ministro da
Justiça (a esta altura já ex-ministro) não será tarefa de todo desprovida
de encanto e diversão.

2. Há um prazer inegável em discutir com um adversário que me


acusa de, sondando os mistérios de sua vida pública e de seu caráter,
“mergulhar no esterco”. Eu jamais teria pensado numa expressão tão
sugestiva para descrever a substância em que andei bracejando nas
profundezas do mundo político e mental de S. Excia. Nem asseguro que
seja termo literalmente preciso. Mas uma coisa não hei de negar: se non

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mergulho.htm (1 de 8)16/4/2007 11:08:10


Meu mergulho no esterco

è vero, è ben trovato.

3. Também não deixa de ser uma experiência agradável o


enfrentar-me com um debatedor que, na ânsia de mostrar habilidade,
mete valentemente o sorvete na própria testa já nas primeiras linhas da
sua missiva, ao proclamar, com relação à narrativa jornalística do seu
confronto com o Dr. Tasso Jereissati, que, “na medida em que o
governador e eu nos abstivemos de comentar o assunto proliferaram,
naturalmente, as versões”. Pois fato, segundo todos os dicionários, é o
que é relatado por testemunhas diretas, e versão o comentário
posterior, sobretudo feito pelas partes interessadas. Ao noticiar as
palavras grosseiras ditas pelo ministro durante uma refeição de Natal, o
Correio Braziliense e Época nada mais fizeram que reproduzir o fato
segundo relatado por testemunhas. O que quer que o sr. Ministro
acrescentasse à notícia depois de publicada não poderia ser senão
opinião, interpretação, versão. Inverter agora o sentido das palavras,
fazendo dos testemunhos versões e dos comentários fatos, isto sim é
tentar sobrepor à realidade a versão e, pior ainda, fazê-lo mediante um
trejeito dialético de um primarismo deplorável.

Em segundo lugar, S. Excia., assim como confunde fato e versão,


troca também o singular pelo plural. Como dizer que “proliferaram as
versões” se, justamente, um só relato foi publicado, idêntico e
invariável, no jornal e na revista, e se ninguém, nem mesmo os
personagens envolvidos, abriu jamais a boca para desmenti-lo ou
corrigi-lo?

Em terceiro lugar, o detalhe mais notável: mesmo agora, ao

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mergulho.htm (2 de 8)16/4/2007 11:08:10


Meu mergulho no esterco

protestar contra a publicação de suas palavras, o ministro não as


desmente por extenso, limitando-se a alegar que “não obstante a
aspereza da troca de palavras, nós (isto é, ele e o governador Jereissati)
nos mantivemos no terreno da crítica política”. Ora, as palavras
mencionadas no Correio e em Época foram as seguintes: “Está
olhando o que? Não tenho medo de você. Não quero bater
num safenado.” Foram essas as palavras que considerei injuriosas e
perversas, sobretudo porque dirigidas em tom ameaçador a um homem
que, operado recentemente, não tinha a menor condição de entrar em
confronto muscular com S. Excia.

Dando-se ares de quem vai desmenti-las, S. Excia. se esquiva


espertamente de esclarecer se jamais pronunciou a injúria ou se, tendo-
a pronunciado, a considera apenas uma “crítica política” sem qualquer
sentido ofensivo. Dito de outro modo: não dá para saber, pelo texto do
desmentido, se S. Excia, nega o fato ou apenas sua tipicidade jurídica.

As ambigüidades, afinal, existem precisamente para tirar do


aperto quem não pode dizer o português claro.

4. Também fingindo desmentir que tenha havido algo de


indecoroso na indenização dada com dinheiro público à sua ex-esposa
pelos crimes que ela própria cometeu, o ministro confessa que a
portaria que a determinou não foi assinada pelo seu antecessor, e sim
por ele próprio, sem o mínimo reexame da decisão tomada e não
executada pelo dr. José Gregori, o qual o próprio ministro Nunes
Ferreira, usando aliás de uma expressão tão do seu agrado, dificilmente
hesitará em reconhecer como “alguém da sua laia”.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/mergulho.htm (3 de 8)16/4/2007 11:08:10


Meu mergulho no esterco

5. O belo discurso do dr. Nunes Ferreira quanto ao “sagrado


direito de rebelião contra uma tirania insuportável” jamais poderá
abolir a ordem cronológica dos fatos: a dita rebelião começou três anos
antes da “tirania insuportável” e depois usou o advento desta como
pretexto para dar à sua iniciativa belicosa, retroativamente, as
aparências de uma legítima autodefesa. Mas por que o homem que
confunde tão galhardamente fatos e versões, singular e plural, não
confundiria também o antes e o depois? Também é fato, e as palavras do
dr. Nunes Ferreira não podem mudá-lo em nada, que entre 1964 e 1968
a tal “tirania insuportável” se limitou a demitir figurões e cassar
mandatos -- não se lhe podendo imputar outra maldade senão a de ter
cortado as asinhas políticas de tipos ambiciosos como ele próprio --, e só
começou a usar de violência contra a esquerda depois que esta já havia
explodido 84 bombas, matando e ferindo umas dezenas de pessoas que
o ministro ou ex-ministro exclui a priori da categoria dos “patriotas”,
reservada por certo a pessoas que trabalharam para regimes
democráticos como os da Alemanha Oriental e de Cuba. Igualmente
verdadeiro é que, se a atmosfera de cassações e demissões podia ser
“insuportável”, só um patológico mau gosto haveria de julgar mais
confortável o ambiente de fuzilamentos generalizados, prisões
arbitrárias e tortura em massa no qual os Nunes Ferreiras e tutti quanti
foram buscar abrigo e ajuda.

Mais ainda: o termo “direito de rebelião” só pode ter alguma


validade quando a situação política contra a qual alguém se rebela exclui
toda possibilidade de oposição pacífica. Tal é, precisamente, a
argumentação subentendida no emprego que S. Excia. faz da expressão.

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Meu mergulho no esterco

Mas como admitir que a guerrilha brasileira nascesse da inexistência de


meios pacíficos de oposição, se ela brotou justamente de um “racha”, no
seio do próprio Partido Comunista, entre a minoria que julgava dever
partir para a violência e a maioria que, lendo Gramci, apostou (e
venceu) na viabilidade maior da luta pacífica? Se algo a história daquele
período deixou claro, foi que o governo militar concentrou suas baterias
no combate à guerrilha, dando campo livre à atuação da esquerda
pacífica não somente infiltrada nos partidos legais mas autoconstituída,
já então, em senhora e dona absoluta dos meios culturais e jornalísticos,
tanto que jamais, na história brasileira, a indústria de livros
esquerdistas floresceu como naqueles anos, coisa provada e
arquiprovada pelos registros da Câmara Brasileira do Livro. A própria
história subseqüente do Partido Comunista, com a completa derrota da
guerrilha e a vitória incontestável da “revolução cultural” gramsciana,
basta para impugnar toda tentativa de legitimar a guerrilha pela suposta
ausência de canais pacíficos de oposição ao governo militar.

5. S. Excia. acusa-me de “tomar as dores” da empresa maranhense


vasculhada pela Polícia Federal numa ação cujos resultados judiciais
serão incertos e de longo prazo mas cujo efeito eleitoral, que S. Excia.
finge nem perceber, foi imediato e inquestionável.

Não me espanta que o homem capaz de tentar intimidar


fisicamente um recém-operado seja também capaz de lançar uma
insinuação dessa ordem contra um jornalista que uma semana antes,
em vez de tomar as dores de quem quer que fosse, já havia manifestado
de público todo o seu desprezo pela candidatura lesada, e que por isso
nem tem por que se defender de uma imputação que antecipadamente

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Meu mergulho no esterco

já se anulou a si mesma.

Mas chega a ser admirável a facilidade com que S. Excia. desce,


num relance, da pose altiva de dignidade ofendida aos golpes rasteiros
da intriga de botequim, com a ressalva de que é tão inábil numa coisa
como na outra.

Quanto à operação referida, bem sei que obedeceu a todos os


trâmites formais, nada podendo se lhe imputar de ilegal. Mas a
escandalosa oportunidade eleitoral da data escolhida para realizá-la
mostra que a lei às vezes tem outras utilidades além da manutenção da
ordem e da justiça. Quem disse “Para os inimigos, a lei” ensinou que não
é preciso fazer nada de ilegal contra os desafetos, quando se pode
simplesmente usar do aparato legal como de um porrete ou de uma
gazua -- e aliás alguns ministros da Justiça são nomeados especialmente
para isso.

6. S. Excia. chama-me “filósofo de meia tigela”. Confesso que essa


imputação me deixa um pouco atônito, pois jamais me ocorreu que se
pudesse filosofar com tigelas. Não me lembro de jamais ter lançado mão
de um desses utensílios, seja inteiro, seja pela metade, no exercício dos
meus discretos afazeres filosóficos, dos quais suspeito que S. Excia. não
saiba grande coisa, donde sua extravagante presunção de avaliá-los pela
capacidade das tigelas que ele aí supõe utilizadas.

Confesso que a idéia que o sr. ministro faz da filosofia me escapa


totalmente. Para mim, essa é a parte mais enigmática da sua carta. A
julgar, porém, pelo uso que ele faz da primeira e mais elementar das

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Meu mergulho no esterco

disciplinas filosóficas, que é a lógica, creio que não me conviria de


maneira alguma pedir-lhe mais explicações a respeito, pois ele poderia
querer trocar idéias sobre o assunto e, inevitavelmente, eu levaria
prejuízo na troca.

7. S. Excia., imaginando que com isto vai trazer algum dano à


minha argumentação, acusa-me de usar o termo “terrorista” como o
usava a Gestapo para denegrir os alemães que atentaram contra a vida
de Hitler. A imagem não é nada boa, porque os autores do atentado
eram aristocratas conservadores, e a Gestapo a polícia política de um
Estado socialista. S. Excia. não deveria abusar desses giros retóricos
pueris que só melam mais um pouco sua reputação já nada invejável. E
a palavra “terrorista” tem atualmente uma acepção tecnicamente fixada
que nenhum advogado sério pensaria em tergiversar. S. Excia. e sua
digníssima esposa foram terroristas no sentido mais estrito e menos
pejorativo do mundo, e qualquer uso próprio ou impróprio que a
Gestapo ou quem quer que fosse possa ter feito do termo meio século
antes não muda isso em nada. Mais ainda: disse e repito que S. Excia.
jamais condenou explicitamente o recurso político aos assaltos, aos
seqüestros e às bombas cujo emprego define, precisamente, a atividade
terrorista. Limitou-se a declarar que nem sempre são oportunos em
certas circunstâncias, observação que nem bin Laden ou Carlos o Chacal
hesitariam em endossar.

8. Por fim, uma mensagem direta ao ex-ministro:

Se V.. Excia tem por mim sentimentos análogos aos que nutre pelo Dr.
Jereissati -- e, pelo texto da sua carta, não vejo quais outros poderia ter

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Meu mergulho no esterco

--, não deve refrear a expressão deles como o fez, entre dentes, no
infausto encontro de Natal. Seu colega do Ministério da Saúde nada lhe
adverte quanto a esse ponto, mas o fato é que fingir autocontrole
quando a baba já começa a lhe escorrer pelo canto da boca pode fazer
mal ao coração de V. Excia., tornando-o candidato a usuário de pontes
de safena.

Portanto, Excia., se tem negócio comigo, não se iniba: estou com um


pouco de gripe, mas não sou safenado nem cardíaco, nem me consta
jamais ter corrido de medo de quem quer que fosse.

Com meus melhores votos,

Olavo de Carvalho

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Um tal Renatão

Um tal Renatão

Olavo de Carvalho
28 de maio de 2003

No dia 26 de março, um tal "Renatão", tendo lido e abominado meu


artigo "Golpe de Estado no mundo", pôs a circular na lista de discussões
atitude@yahoogrupos.com.br a seguinte mensagem:

By the way, como dizem os atuais patrões do Olavinho,

o Guru, ele nunca atacou a imunda trampa das privatizações

feitas pelos comunistas da quadrilha de Santiago, com o objetivo

de enfraquecer o potencial brasileiro. Ele nunca lançou a pecha

da suspeição sobre o gerenciamento da PETROBRÁS e ANP,

entregues às mãos de apátridas, ex-terroristas, como se houvesse

ex-criminoso, que quase sucumbiram a empresa em escandalosos

acidentes, que culminaram com a perda, ainda ocorrendo, pois

são lucros cessantes, de bilhões de dólares, na sabotagem da

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Um tal Renatão

trágica P36.

Olha, um cara para ter meu respeito e admiração tem que

posicionar sua metralhadora bem no alto e bater em todas as

direções de onde possa o inimigo atacar e não apenas

maniqueistamente só enxergar inimigos vindo de um lado.

Para mim não serve.

As alegações do sujeito eram muito bobinhas. De maneira


escandalosamente típica da babaquice nacional, ele não discutia os
meus argumentos, mas a minha pessoa, avaliando se seria ou não digna
de sua admiração e respeito, sem nem por um instante suspeitar que a
admiração e o respeito de Renatões podiam não ser, para um escritor,
um prêmio dos mais desejáveis.

Para ser um bom sujeito, no julgamento renatônico, eu teria de escrever,


além dos artigos que escrevi dizendo o que ninguém dizia sobre mil e
um assuntos, outros que repetissem o que todo mundo dizia contra as
privatizações e a má administração da Petrobrás.

Eu jamais pensaria em atender a essa exigência, pois para fazer coro aos
slogans da moda existem os Renatões que dão conta do serviço sem
precisar da minha ajuda.

Não que esses protestos fossem, em si, injustos. Mas um sujeito não se
mata de estudar durante quarenta anos só para depois fazer eco às
manchetes do dia. Bem sei que no Brasil os intelectuais só existem para

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Um tal Renatão

isso -- para lamber o ego do eleitorado, como candidatos a vereador, em


exibições de bom-mocismo. Se eu fizesse o que Renatão me exige, seria
digno da admiração e do respeito de milhões de criaturas como ele --
motivo mais que suficiente para que eu me abstivesse de fazê-lo.

Sendo, pois, irrelevante o conteúdo da mensagem, só um detalhe dela


me pareceu digno de atenção: o insulto brutal e difamatório contido na
expressão "By the way, como dizem os atuais patrões do
Olavinho".

Diante de coisas dessa ordem, não tenho o hábito de me recolher a um


silêncio cúmplice, afetando superioridade, como o fazem os covardes e
omissos que, dessa forma, incentivam a prática impune dos crimes de
injúria e difamação até consagrá-los como direitos humanos
fundamentais.

Informei-me, pois, sobre quem seria o engraçadinho e, sabedor de que


se tratava aparentemente de um coronel da reserva do Exército
Brasileiro, enviei a ele, em privado, a seguinte resposta:

Recebi através de amigos uma mensagem assinada "Renatão",

posta a circular numa lista de discussões, na qual o remetente,

por não concordar com algo que escrevi, chamava os americanos

de "os atuais patrões do Olavinho".

A expressão é difamatória e duplamente insultuosa. Difamatória

ao insinuar que sou escritor de aluguel, trabalhando,

atualmente, para não sei quais "americanos".

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Um tal Renatão

Insultuosa por isso mesmo e pelo diminutivo debochado. Não

conheço Renatão, Renatinho, Renatona ou Renatinha, e

nenhuma dessas criaturas tem o direito de alardear ou fingir

intimidade comigo, muito menos de fazê-lo com afetação de

desprezo, atitude mais apropriada a bate-bocas de prostíbulo do

que a uma conversa entre homens sérios.

Dizem, para piorar as coisas, que o autor da porcaria usa farda

do Exército Nacional. Não consigo imaginá-lo nesse traje

honroso. Um assento de privada em torno do pescoço e um

abacaxi na cabeça fingindo Carmen Miranda estariam mais ao

jeito de quem escreve como ele.

Dizem também que o sujeito é você, mas custa-me acreditar nisso

sem sua confirmação pessoal. Seria você capaz de reagir a

argumentos com uma tal cafajestada?

Algumas horas depois, recebi do cavalheiro a seguinte mensagem,


distribuída simultaneamente ao mesmo grupo de discussões:

Meus amigos, caiu a máscara! Como disse sempre, não existe ex-

terrorista. Existe enrustido. Quando apertado, parte para a

agressão torpe e desqualificada. Parte para a violência tão ao

gosto das viúvas de Stalin e caterva.

Informo a todos que não retrucarei, porque meu teclado não é

para mandar mensagens para pocilgas, saudações nacionalistas,

Renato

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Um tal Renatão

Renato Penteado Teixeira

Cel Art R1 com muito orgulho.

Identidade MEx 02295460-07

Nessas linhas observam-se os seguintes detalhes:

1. Um sujeito que desconheço espalha pela internet uma mensagem


insultuosa e difamatória contra mim e, quando lhe exijo explicações, sai
gritando que isso é "violência" e "agressão torpe e desqualificada".

2. Ele distribui suas mensagens a terceiros, pelas costas da vítima, e,


quando esta lhe responde em privado, poupando-o generosamente de
qualquer humilhação diante de seus amigos, ele reincide no espalhafato
criminoso.

3. À injúria e à difamação ele acrescenta agora a calúnia, acusando-me


de "ex-terrorista" (coisa que não se sabe de onde sua imaginação tirou) e
até de coisa pior: pois um terrorista foi terrorista e deixou de sê-lo e,
segundo Renatão, fui terrorista e continuo sendo.

4. Tendo-me acusado de servir por dinheiro aos americanos, acrescenta


agora que o faço por ser... uma "viúva de Stálin", um nostálgico do
comunismo! Sua vontade de xingar é tanta, e tão incontrolável, que já
nem cuida de selecionar os insultos com um mínimo de coerência.
Literalmente, vale tudo. A má-fé do caluniador, no paroxismo do ódio
histérico, não poderia revelar-se de maneira mais patente.

5. Depois de aviltar-se a esse ponto, o indivíduo ainda assume ares de

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Um tal Renatão

superioridade olímpica, dizendo recusar-se a descer das alturas onde


imagina habitar até à "pocilga" em que, no seu entender, me encontro.

Em vista do exposto, não me resta senão responder já não em privado,


mas de público, declarando, da maneira mais clara e inequívoca -- e sem
prejuízo das medidas judiciais cabíveis contra o insolente --, que o Cel.
R1 Renato Penteado Teixeira, vulgo "Renatão", é, além de burro
pretensioso e arrogante, um caluniador e mentiroso, canalha e sem
vergonha. É, ademais, um covardão, que bate pelas costas e, revidado,
sai correndo.

Que ele se orgulhe da farda que o encobre, nada mais natural. Até o
mais inepto recruta é dignificado pela farda que veste. O problema é
saber se a farda, envergonhada daquele que em vez de honrá-la se
esconde dentro dela, não vai acabar por vomitá-lo um dia.

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Recordar é viver

Recordar é viver, ou:

"Quem sofreu sob o teu jugo te conhece"

Singela homenagem deste website


a Luiz Pinguelli Rosa
e ao secretário nacional de Segurança Pública,
Luiz Eduardo Soares

Cinco anos atrás, ambos já demonstravam ter todos os requisitos


corporativos e subintelectuais necessários para chegar aonde
chegaram. Olhem para o passado deles e terão uma imagem do futuro
deste país.

I. O pajé

Este artigo, publicado no Jornal da Tarde de São Paulo, 12 de junho de


1997, foi depois reproduzido em A Longa Marcha da Vaca Para o Brejo:
O Imbecil Coletivo II. -- O. de C., 31/12/02.

Antigamente " afirma-se " os homens eram muito ignorantes e, na treva,

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Recordar é viver

deixavam-se guiar por algum pajé, que supunham detentor do


conhecimento e operador de milagres. Ele talvez operasse alguns, mas o
maior de todos era o de fazê-los acreditar nisso. E de tal credibilidade
desfrutava, que mesmo o chefe guerreiro " o cacique " se submetia às
suas ordens, por entender que a macumba de um discurso complicado é
mais temível arma do que flechas e tacapes.

Transcorridos não sei quantos séculos, o Prof. Luiz Pinguelli Rosa


ressurge do fundo das eras, exigindo do Exército a obediência milenar
que os guerreiros devem à casta sapiencial, encarnada, para os fins da
presente controvérsia, nele mesmo.

O pivô do debate é o reator atômico que os homens de armas pretendem


construir com seus conhecimentos próprios, passando por cima dos
sumos entendedores da matéria, que segundo o prof. Pinguelli Rosa se
encontram todos nos órgãos acadêmicos, como a Coppe " entidade da
qual não sai um tostão sem o aval roseano, ou pinguélico.

O projeto, denuncia Pinguelli, é "altamente suspeito". Suspeito de que?


Em apoio do professor, esclarece Cláudio Camargo, da Comissão
Nacional de Energia Nuclear, que o reator de farda, soi disant concebido
com o propósito de produzir radio-isótopos para consumo industrial,
não tem capacidade para tanto " deixando subentendido que por trás da
finalidade alegada deve haver outras, ocultas, de natureza propriamente
militar e infalivelmente sinistra. O jornal do Rio que divulga a denúncia
coloca-a, de maneira eloqüente, no verso da página concedida ao
Imperador do Japão, que discursa sobre o morticínio de Hiroxima e
Nagasaki. Com esse envoltório gráfico, a tese do prof. Rosa prescinde de

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Recordar é viver

provas, pois se apóia num dos mais persuasivos lugares-comuns da


retórica visual contemporânea: a ciência contra a violência, o saber
contra o poder. Já vimos isso mil vezes no cinema: o audacioso
acadêmico pacifista que desafia o establishment militar.

Como o prof. Pinguelli não ofereceu nenhum argumento científico


contra o projeto militar, vejo-me, com alívio, dispensado de enunciar
algum a favor, coisa que aliás não saberia fazer. Digo apenas que a
persuasividade do lugar-comum a que ele recorre se apóia num
equívoco: a suposição de que o progresso do saber é mérito da casta
acadêmica, enquanto os militares só se ocupam de truculências
retrógradas. Na verdade, os militares muitas vezes põem a ciência para
andar e fazem coisas úteis, enquanto a casta acadêmica despende
imensas verbas públicas com pesquisas bizantinas que não raro só
servem para o deleite de seus caprichos, para a satisfação de sua vaidade
ou para alimentar o discurso mistificador em cujo fascínio se assenta o
seu poder. Quase todos os confortos com que a tecnologia nos ajuda na
vida diária " do leite condensado aos computadores, do celular à
Internet " foram criações da pesquisa militar. Enquanto isso, os
universitários se ocupavam precipuamente de criar e fomentar as
ideologias que produzem guerras. Da Revolução Francesa até hoje " com
a notória exceção do expansionismo bismarckiano ", não se fez uma só
guerra por exigência de militares, mas todas para realizar alguma
doutrina acadêmica, fosse de Karl Ritter ou de Karl Marx, de Georges
Sorel ou de Vilfredo Pareto, de Carl Schmitt ou de Régis Débray. Os
militares sempre dizem que não dá, mas acabam se rendendo, como os
caciques da Idade da Pedra, à mágica das palavras. Isso não quer dizer

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Recordar é viver
que, nos tempos modernos, as atribuições das castas tenham se
invertido. Ao contrário: é da natureza das coisas que os homens de
idéias inventem os pretextos de matar, obrigando os homens de armas a
inventar os meios de sobreviver " os quais acabam, por inescapável
conseqüência, melhorando a vida dos sobreviventes. O estereótipo
cinematográfico que vem em socorro do Prof. Pinguelli é falso, como é
falso que o Prof. Pinguelli ou seu fiel escudeiro estejam em posição
insuspeita para lançar suspeitas sobre o Exército brasileiro. Afinal,
sobre a comunidade acadêmica que eles representa ainda paira,
silenciada mas irrespondida, a denúncia formulada por Wanderley
Guilherme dos Santos: "O dispêndio governamental com o ensino
superior constitui vastíssimo desperdício, a universidade brasileira é em
grande medida um embuste e é enorme a variedade de parasitas que a
habitam" (prefácio ao livro de Edmundo Campos Coelho, A Sinecura
Acadêmica, Rio, Iuperj, 1987). Sendo o Prof. Pinguelli um dos grão-
operadores da torneira estatal, é de se supor que numa imaginária CPI
da safadeza acadêmica ele seria bastante atormentado por algum
Roberto Requião ou equivalente. Isto só não vai acontecer porque as
CPIs existem apenas para lisonjear a opinião pública, cujos construtores
" jornalistas, artistas, etc. " são membros menores da casta sapiente e
protegem a fama de seus maiores com devotado esprit de corps, como se
viu na singular diagramação do jornal carioca.

Já do ponto de vista intelectual, acredita-se, o Prof. Pinguelli é


insuspeitíssimo para falar sobre reatores. Ao menor sinal de dúvida,
ele fará divulgar a lista ponderável de seus trabalhos sobre o
assunto " que eu, em pessoa, nunca vi em nenhuma revista científica
internacional, talvez porque não as leia, mas que devem estar lá, ah, se

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Recordar é viver

devem! Ademais, ele tem em seu currículo o fato de ter sido presidente
da SBPC " aquela entidade que nomeia um semi-analfabeto para avaliar
um trabalho científico e, denunciada, faz desaparecer o acusado sob o
manto do anonimato. Portanto, guerreiros, acautelai-vos: o pajé tem
poderes.

II. Resposta a um Cordovil adivinhão

Infelizmente, não encontrei entre os meus escritos


nenhum que tivesse o dr. Luiz Eduardo Soares
como personagem principal. Mas neste, que saiu no Jornal do Brasil
em 14 de dezembro de 1997, ele aparece como destacado coadjuvante
do jornalista Cláudio Cordovil
na perpetração de um dos mais notáveis feitos de vigarice intelectual
já registrados nos anais do Imbecil Coletivo II.

Salvo engano, sou autor de doze livros publicados e profiro, na


Faculdade da Cidade, um curso aberto ao público e bem documentado
em centenas de apostilas. Tenho o direito de julgar que meu
pensamento não é secreto nem de difícil acesso.

Não obstante, o Sr. Cláudio Cordovil prefere adivinhá-lo à distância,


com base em frases soltas captadas de dois alunos que freqüentam meu
curso há não mais de quatro meses e de cujas idéias não sou, malgrado o
que diz o Sr. Cordovil, nem pai nem tutor.

Será o Sr. Cordovil um rapaz tímido, que ama e odeia de longe? Ou será
simplesmente um tremendo adivinhão que se faz de repórter? Ou será
ainda, na pior das hipóteses, um fanático esquerdista disposto a mentir

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Recordar é viver

até à exaustão, até à náusea, até ao desespero, tudo pela causa, como
sempre mentiram os seus antepassados ideológicos, capazes de ocultar
durante um século, com a ajuda de Cordovis, uma centena de milhões
de mortos?

Qualquer que seja o caso, o Sr. Cordovil criou, pelos seus métodos
telepáticos, uma visão de minhas idéias bem diferente daquela que
poderia obter se consentisse em averiguá-las de corpo presente, seja
ante os livros, seja nas aulas.

Vale a pena examinar o caso? Vale, mas somente por um dever de


consideração para com o próprio JB, do qual tenho sido colaborador e
no qual saíram vários artigos depois reunidos em O Imbecil Coletivo.
Pois, da matéria do Sr. Cordovil, o jornal emerge trazendo na testa a
acusação de dar espaço a odiosas pregações extremistas. Desde logo,
deve-se portanto perguntar ao Sr. Cordovil: o senhor acha mesmo que,
se meus escritos tivessem o conteúdo que o senhor diz que têm, a
direção do JB já não o teria percebido? Acha que ela aguardaria, para
vetar a publicação de vulgares propagandas fascistas, o sinal de alerta
agora disparado pelo tirocínio infalível de Cláudio Cordovil? O senhor
acha mesmo que é o homem mais inteligente do JB?

Das duas uma: ou a direção do JB não compreendeu os meus artigos, ou


não os compreendeu o Sr. Cláudio Cordovil.

Para avaliar a compreensão do Sr. Cláudio Cordovil, basta medir, numa


reportagem destinada a conjeturar os "pressupostos ideológicos" do
jornal O Indivíduo, o nível dos conhecimentos que ele possui sobre o

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Recordar é viver

assunto.

1. Ele qualifica de "ultraconservador" o filósofo José Ortega y Gasset "


deputado eleito por uma coligação de esquerda sob o patrocínio de
García Lorca e um dos primeiros exilados do governo franquista.

2. Qualifica a metafísica de "ferramenta filosófica que não permite a


reflexão sobre a ação, o movimento, a política e, logo, sobre a
liberdade". Só há um lugar do mundo onde o termo "metafísica" tem
essa acepção: a vulgata marxista (por exemplo, o grotesco Manual de
Marxismo-Leninismo de Otto V. Kuusinen, Academia de Ciências da
URSS, várias edições). Nota-se que o jornalista desconhece outras
acepções, caso contrário não ignoraria que ação, movimento e liberdade
são temas essenciais de toda metafísica, por exemplo em Maurice
Blondel (ação), em Aristóteles (movimento) ou em Schelling
(liberdade). Quanto à afirmação de que a metafísica impede a reflexão
sobre a política, é realmente difícil avaliar a profundidade da ignorância
requerida para proferi-la. Qualquer manual de história da filosofia
informará aos interessados que a reflexão política no Ocidente começa
com Platão e Aristóteles " isto é, com os dois fundadores da metafísica
ocidental. Se o Sr. Cordovil não insistisse em gritar que ignora essas
coisas, eu teria alguma dificuldade em acreditar.

3. Ele identifica escolástica e conservadorismo, ignorando que a famosa


e aliás desastrada "abertura para a esquerda" do Concílio Vaticano II foi
inteiramente obra de escolásticos, entre os quais Maritain.
Desconhecendo todos os escolásticos, ele ignora também que os há de
direita e de esquerda, que o confronto entre conservadores e

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Recordar é viver

progressistas, na Igreja, é na origem e em essência uma quizília de


escolásticos.

4. Ele inclui entre os ultraconservadores o filósofo Éric Weil, que não


terei a generosidade de lhe dizer quem é.

5. Quando um dos meninos entrevistados, Álvaro de Carvalho, afirma


que a função do intelectual não é transformar o mundo, mas
compreendê-lo, o Sr. Cordovil, fazendo pose de superior, diz que o
entrevistado "desconhece os rudimentos do conceito moderno de
intelectual". Qual o conceito moderno a que se refere? Naturalmente, o
conceito gramsciano do intelectual ativista " o único que o Sr. Cordovil
conhece, o único que é moeda corrente nos ambientes provincianos
onde ele fez sua cabeça, e que, com a presunção típica do ignorante, ele
imagina ser consenso mundial. O conceito defendido por Álvaro é o de
Julien Benda, coisa que qualquer homem letrado reconheceria à
primeira vista. Mas Benda é mais um autor do qual o Sr. Cordovil nunca
ouviu falar, e que vem sendo bastante estudado nos últimos anos por
autores que o Sr. Cordovil também desconhece.

Com essas qualificações, imagina-se a compreensão profunda que o Sr.


Cordovil poderia obter de meu pensamento num simples olhar de
relance, ou, melhor dizendo, de esguelha, aliás dirigido não a mim, mas
a um espelho miniaturizado e não muito fiel.

Partindo dessa compreensão profunda, o Sr. Cordovil informa ao


público que o conteúdo de meus cursos se compõe de "uma mistura de
Sto. Tomás de Aquino e darwinismo social". Por uma simples questão

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Recordar é viver

de polidez para com os leitores, devo, de minha parte, informar:

1 " Sto. Tomás, em meus livros, só é citado uma vez, em Aristóteles em


Nova Perspectiva, como autor de certas indicações, corretas mas
parciais, concernentes à relação entre poética e lógica em Aristóteles.
Nas minhas aula, nenhum texto ou doutrina de Sto. Tomás foi estudado,
exceto de passagem, entre outras dezenas de autores, no curso História
Essencial da Filosofia. Em contrapartida, aprofundamo-nos por meses
ou anos em textos de Husserl, Leibniz e Lavelle, que o Sr. Cordovil não
cita e que, aliás, ignora como a todos os demais. Não há vergonha
nenhuma em ser tomista, mas também não há em não sê-lo.

2 " A única menção ao darwinismo social em minhas obras está em duas


páginas de A Nova Era e a Revolução Cultural, e é sumariamente
contra. Mas o Sr. Cordovil não leu.

3 " Do mesmo modo ele não leu o restante de minhas obras, motivo pelo
qual pode estar persuadido de que "desferem ataques raivosos a teóricos
que abordam a justiça social". Mas não precisaria lê-las para notar a
tremenda falsidade do que diz. Bastaria que lesse o Jornal do Brasil do
dia 6 de janeiro de 1996, onde, no caderno Idéias, os grosseiros "ataques
raivosos" são assim qualificados: "Se a obra de O. de C. se distingue da
prosa empolada e vazia dos philosophes de plantão, é sobretudo por seu
texto humorado, pela busca permanente de clareza e honestidade
intelectual." Caso o Sr. Cordovil se recuse a ler jornais que o aceitem
como empregado, poderá em vez disso consultar o Jornal da Tarde de
São Paulo, do dia 7 de janeiro de 1995, onde o crítico Luís Carlos Lisboa
diz que, nas obras como nos cursos do hidrófobo autor de A Nova Era

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Recordar é viver

"predominam o equilíbrio e a coerência".

Na verdade, não me lembro de ter discutido, exceto de passagem num


artigo publicado aliás no JB, nenhuma teoria da "justiça social". Não sei
de que teóricos o Sr. Cordovil está falando, a não ser que " valha-me
Deus! ", qualquer esquerdista, ao dizer qualquer coisa sobre o que quer
que seja, sobre os faraós do Egito ou sobre o consumo do Santo Daime,
sendo em seguida criticado por Olavo de Carvalho, se torne ipso facto
um teórico da justiça social.

No que diz respeito à "veneração fundamentalista" que eu inspiraria a


meus alunos, é juízo de valor que vale quanto vale quem o emite. Não
sei dizer quanto vale o Sr. Cordovil, pois não domino a técnica do
cálculo infinitesimal.

Quanto aos intelectuais estatais consultados, é significativo que jamais


tenham tido a coragem de discutir comigo, mas, vendo à solta dois
aluninhos meus com apenas quatro meses de experiência, logo tenham
esfregado as mãos, imaginando que maravilhosas vitórias intelectuais
não poderiam obter contra adversários mais comproporcionados às
suas forças. Quanto mais com a ajuda do Sr. Cordovil!

Não é de estranhar que, excitados como lobos diante de carne tenra,


tenham se precipitado e, na ânsia de puxar da cartola toda sorte de
insultos ideológicos, acabassem usando, de atropelo, carimbos
mutuamente contraditórios. De fato, acusam os meninos de
individualistas e de anti-individualistas, e os rotulam, ora de apóstolos
da ordem estatal rígida, ora de ultraliberais e anarquistas adeptos da

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Recordar é viver

redução do poder de Estado.

Acostumados a lidar com categorias ideológicas padronizadas, sentiram-


se desorientados ante a aparente indefinição do jornalzinho e, não
conseguindo catalogá-lo, projetaram em cima dele toda a confusão
mental histérica de suas pobres cabeças.

Não vou analisar em detalhe o que dizem. Destaco apenas o seguinte:

1 " Um tal Sr. Birman, que se imagina psicanalista e talvez o seja, pois
no mundo de hoje tudo é possível, põe à mostra, como numa sessão de
psicoterapia, sua compulsão de ver no jornalzinho de umas centenas de
exemplares a ponta de um iceberg, de imaginar por trás dele um grupo
militante de extrema-direita, um vasto movimento organizado,
internacional, temível como a peste e Hitler. Com isto ele denuncia
apenas o estado patético de sua imaginação que, possuída pelo medo,
infla até às nuvens, suando de pavor e de ódio impotente, a força dos
três meninos que o apavoram. E depois, levando a farsa ao extremo
limite do auto-engano, ainda inventa um jeito de posar de herói:
Birman, o denunciador do complô direitista internacional, Birman, o
escavador de exércitos secretos. É de fato muito lisonjeiro para esse
poltrão atacar meninos e chegar em casa garganteando batalhas contra
potências misteriosas. Se eu estrangulasse um bebê de três anos,
inventaria uma história dessas: diria que por trás dele havia um baita
Schwarzenegger que, por ser essencial, era invisível aos olhos. Esse Sr.
Birman é um rapaz muito doente.

2 " O Sr. Luís Eduardo Soares, cientista político " o que não é lá muita

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Recordar é viver

recomendação, pois no mais das vezes designa apenas um político


frustrado que teve de se contentar com um palanque acadêmico " ,
assegura-nos que O Indivíduo segue o modelo um "anarquismo de
direita", bebido em Locke (liberal clássico) através de Robert Nozick
(neoliberal), e ao mesmo tempo se inspira em Metternich e Joseph de
Maistre (apóstolos da autoridade estatal), e René Guénon, (que o Sr.
Soares cita sem saber quem é, imaginando-o talvez algum teórico da
Action Française, mas que, informo aos leitores, foi muçulmano mais
anti-ocidental que Louis Farrakhan). Santa misericórdia! Haverá em O
Indivíduo tamanha riqueza de matizes ideológicos, provenientes
sobretudo de autores que os rapazes nunca leram e que só poderiam tê-
los influenciado por meios esotéricos desconhecidos? Ou o Sr. Soares é
que na sua fúria catalogante gasta de uma vez todos os seus carimbos,
não reparando que projeta em O Indivíduo apenas os fantasmas
terroríficos de seu próprio subconsciente? Como diria Cláudio Moura
Castro, o Sr. Soares padece do mal brasileiro de não ler o que um autor
escreveu, mas o que ele acha que o autor quis dizer no fundo, muito no
fundo " tão no fundo que até o autor o ignora por completo. Ademais,
que é que sabe o Sr. Soares das leituras dos meninos, exceto o que possa
lhe ter informado o incrível " no sentido etimológico " Sr. Cordovil?

4 " O Sr. Soares assinala em O Indivíduo "ecos de um conservadorismo


anti-individualista que sonha com a comunidade", enquanto o Sr.
Birman diagnostica, no mesmo jornal, um individualismo radical que
"recusa da noção de comunidade". Sugiro aos editores a realização de
um debate no próximo número.

Cada um desses senhores, evidentemente, se atrapalha, se embrulha, se

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Recordar é viver

mela todo no afã de dizer às pressas alguma coisa bem feia contra O
Indivíduo. O leitor que julgue, que diga qual a hipótese mais provável,
mais sensata, menos doente: o jornalzinho é misteriosamente movido
pelas influências ocultas de autores que os meninos nunca leram, ou, ao
contrário, os Srs. Soares e Birman é que, atônitos diante de um objeto
difícil de catalogar, projetam nele a esmo reminiscências de leituras
soltas? A mixórdia ideológica que enxergam em O Indivíduo é
rebuscada demais, artificiosa demais, "intelectual" demais: é uma
fantasia de acadêmicos, projetada sobre meninos que jamais poderiam
encarná-la.

Isso não quer dizer que os Srs. Soares e Birman tenham lido muito.
Quer dizer apenas que manejam mal, como em geral o fazem os mini-
intelectuais do seu calibre, as fontes de que dispõem. Em vez de usá-las
como pontos de referência, catalogam-nas em boazinhas e malvadas, e
usam-nas como matéria-prima em sua fábrica de carimbos.

Quanto a Hilton Japiassu, professor de filosofia do IFICS, o que deve


alta recomendação em Nova Iguaçu, ele também lê no jornalzinho,
como seu colega Soares, várias coisas que não estão lá " inclusive uma
apologia do "conformar-se, consumir, ganhar dinheiro" que, se lá eu a
encontrasse, muito teria me escandalizado. Mas não me escandaliza que
o Sr. Japiassu veja o que não existe, ou jure que viu o que não viu.
Intelectual estatal é para isso mesmo.

Mas o Sr. Japiassu vai mais longe no exercício de sua alta missão
deseducativa. Esse autor de um livro de epistemologia recai na velha
confusão entre origem e valor da consciência, confusão tão primária, tão

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Recordar é viver

boba, já tantas vezes desfeita desde que Leibniz respondeu a Locke no


século XVIII, que deveria dar a um professor de filosofia, em caso de
cometê-la, demissão por justa causa. Do fato de que a consciência só se
forma em sociedade, ele deduz que, uma vez formada, ela não pode se
opor ao consenso da sociedade. A consciência individual a que se refere
O Indivíduo não é obviamente a do "menino-lobo" de que fala o Sr.
Japiassu, isolado e privado de educação, mas, ao contrário, a do
spoudaios, do homem maduro capaz de se opor, mesmo sozinho, ao
consenso da massa, como o fizeram Sócrates e Jesus, coisa que aliás o
Sr. Japiassu, que por mal dos pecados é também padre, não tem o
direito de ignorar. Os meninos de O Indivíduo, na sua tenra juventude,
já dão a amostra, ingênua e canhestra o quanto se queira, mas corajosa,
do que poderão ser na maturidade. Eles já são, na sua bravura solitária,
O Inimigo do Povo, de Ibsen. Mas, na cabeça de um professor de
subserviência, tal perfeição humana deve ser inimaginável. Para o Pe.
Japiassu só há dois caminhos: ou do unanimista que diz amém à massa
e segue Barrabás, ou o do menino-lobo que não segue nada porque de
nada sabe. Tertium non datur. Que coisa abominável, um padre que
ignora a solidão de Santa Teresa em seu templo interior, "sola con El
Solo", a "noche oscura" do solitário São João da Cruz, ou mesmo a
simples solidão do crente sincero que faz seu exame de consciência
diante do "Deus que sonda os rins e corações"! Que temível sinal dos
tempos, um sacerdote de Barrabás a pregar no templo de Cristo!

Mas não falemos só de coisas tristes. Divertido é o show de ignorância


presunçosa que se exibe no manifesto do Coletivo Cultural da PUC-Rio,
uma entidade à qual sou muito reconhecido pela propaganda gratuita

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Recordar é viver
que sua denominação faz de meu livro O Imbecil Coletivo: Atualidades
Inculturais Brasileiras. Essa notável produção literária coletiva, que é
por si uma amostra do estado de coisas no ensino universitário
nacional, alerta gravemente a população contra "as conseqüências da
chamada teoria do darwinismo social, que legitimou a escravidão". Dito
isto, passo à aula de História:

1 " A aplicação do darwinismo à história social foi invenção de Herbert


Spencer, nos seus First Principles, de 1862. O darwinismo social como
ideologia política apareceu em 1892, com a conferência de Thomas H.
Huxley, "Evolução e ética". Nasceu e tornou-se ideologia dominante no
Império Britânico, onde a luta aberta contra a escravidão era política
oficial desde muitas décadas, adotada em escala mundial pela Coroa, em
parte por autêntico humanitarismo, em parte para debilitar o
colonialismo luso-hispânico.

2 " Nos Estados Unidos o darwinismo social também não foi de


nenhuma ajuda para os escravistas do Sul, pela circunstância de ter
vindo à luz 28 anos depois do término da guerra civil que eliminara a
escravidão.

3 " No Brasil do século passado houve muitos darwinistas e


spencerianos. Mas foram todos, sem exceção, abolicionistas " a teoria de
Huxley chegou depois da Abolição.

4 " Depois da data da conferência de Huxley, só existiu escravidão nos


países islâmicos, em cuja cultura não há o menor traço de darwinismo
social ou coisa similar, sendo a idéia evolucionista, em geral, repudiada
como materialismo ocidental.

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Recordar é viver

Eu poderia recomendar aos signatários alguns livros a respeito, mas não


vou fazê-lo: seus professores são pagos para isso, embora achem mais
lícito gastar dinheiro público para lisonjear estudantes em vez de educá-
los. Em contrapartida, vou perguntar: será justo e decente que o órgão
incumbido de encarnar a personalidade cultural de uma universidade
saia fazendo manifestos sobre coisas das quais ignora tudo? Será lícito e
ético usurpar o nome de "cultura" para adornar com ele as inépcias
fulgurantes de politiqueiros estudantis?

Tudo o que se pode alegar em favor dessas criaturas é que também são
vítimas: vítimas da injeção de ignorância que, paga por suas famílias de
parceria com o Estado, recebem diariamente sob o rotulo de "ensino".
São, é verdade, vítimas culpadas: colaboram alegremente com o
estelionato cultural que as emburrece. Mas seu castigo é certo: se
continuarem assim, todos se tornarão futuros Japiassus, Birmans,
Soares e " misericórdia! " Cordovis.

Para encerrar, noto que o Sr. Cordovil saiu da redação imbuído do


propósito de retratar a "identidade ideológica" dos editores de O
Indivíduo. Mas por que três meninos que decidem fazer um jornal de
estudantes têm de possuir obrigatoriamente uma identidade ideológica
pronta, padronizada, facilmente reconhecível no catálogo de dois itens
que constitui todo o universo mental do Sr. Cordovil? Por que não
podem ter opiniões sobre este ou aquele fato em particular, sem reduzi-
las tão precocemente a um sistema já catalogado?

No entanto, o Sr. Cordovil já saiu da redação com seu carimbo, com seu

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Recordar é viver

ferro em brasa atiçado para marcar os meninos com o estigma do


preconceito, para fazer deles, mediante a marca infame, objetos do ódio
universal. E fez isso com frieza, com premeditação, mesmo sabendo
que uma de suas vítimas era menor de idade.

Tanto foi essa a sua decisão, tanto foi esse o seu ato, que, ouvindo citar
autores dos quais nunca ouvira falar, e confessando que pouco
entendera das declarações, nem por isto achou melhor adiar sua
sentença. Citassem quem citassem, dissessem o que dissessem, os
entrevistados já estavam de antemão marcados com o nome do
execrável: "extrema-direita".

Que é, exatamente, extrema-direita? É fascismo? É nazismo? É


conservadorismo? É hinduísmo? É liberalismo? Para o Sr. Cordovil, é
tudo isso ao mesmo tempo, é qualquer coisa de que a esquerda não
goste. Ele joga sobre os meninos todos os rótulos, sem perceber que se
desdiz no ato, que revela com isso apenas sua intenção de insultar a
todo preço, mesmo ao preço da mais flagrante contradição.

Os meninos dizem coisas ingênuas, algumas das quais eu não


endossaria de maneira alguma, mas que jamais poderiam, com
honestidade, ser interpretadas no sentido maligno que lhes dá o Sr.
Cordovil. Eles fazem a apologia da sociedade hindu, e ele conclui que
são perseguidores de povos inferiores. Eles fazem a apologia da
liberdade, e ele conclui que são sacerdotes da autoridade estatal. Eles
falam dos direitos e garantias individuais da Constituição, e ele conclui
que são perigosos inimigos do Estado de Direito.

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Recordar é viver

E o mais edificante de tudo é que a acusação inicialmente brandida por


acusadores vociferantes " racismo! " já não vem aqui explícita, mas
velada, como que envergonhada de sua própria mentira, embrulhada na
capa de um substitutivo genial " "extrema-direita" " improvisado para
continuar ferindo a quem já não se pode acusar na justiça.

Tudo isso é tão absurdo, tão perverso, tão obviamente farsesco, que não
dá vontade de responder nada. Dá vontade de guardar silêncio. Tentar
falar com o Sr. Cordovil é coisa vã como falar com um jumento, um tatu,
uma porta, um muro. Ele não ouve, não quer ouvir, talvez nem mesmo
possa ouvir. Não falo, portanto, para ele.

Devo então falar à opinião pública? Mas como? Por que canais hei de
atingi-la, se ela é deformada em massa pelo mais poderoso noticiário de
TV, que não dá a seus três difamados nenhum direito de resposta?

Posso reagir no varejo, aqui e ali, dispondo às vezes de um espaço de


três laudas para refutar centenas de mentiras. E quanto aos milhões de
telespectadores que já foram ludibriados, quem lhes dirá a verdade?
Quem lhes contará que a novelinha anti-racista é montada por farsantes
que, vociferando na mídia, não têm sequer a hombridade de denunciar
na justiça o crime que, no fundo, sabem inexistente? Quem revelará a
esses milhões que a própria reitoria da PUC já vacila nas acusações, que
o reitor Jesus Hortal já declarou que os meninos "não fizeram nada de
tão grave"? Quem mostrará aos brasileiros que, enquanto a acusação
falsa é estampada em oito colunas, o desmentido, já discreto em si, vem
escondido e diluído no meio de uma reportagem, para não dar na vista,
para não por a nu a maldade e a mentira de tantos e tantos

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Recordar é viver

caluniadores?

De outro lado, por que tanta mobilização, tantas assembléias, tantos


cochichos, todo esse zunzum dos diabos por causa de três meninos que
deram uma opinião? Por que essa santa aliança de professores,
jornalistas, burocratas, líderes estudantis, militantes, intelectuais,
atores e cantores " todos contra três, apenas três estudantes, por trás
dos quais não há sequer a proteção de uma família, de um círculo de
amigos, de um clube de futebol de botão? Por que tanta força de ataque
reunida para dar combate a tão modesto adversário? Por que tanta
violência, tanta crueldade travestida de mansuetude, por que tantas
calúnias transmitidas em massa na TV sem direito de resposta? Por que,
enfim, essa grotesca assembléia de luminares do nada, reunidos pelo Sr.
Cordovil para pontificar sobre o que ignoram, todos sem a menor
curiosidade de investigar antes de opinar, todos sem o menor cuidado
de pesar suas palavras antes de dispará-las, como bombas, sobre três
vidas que mal começam? Por que esse cinismo de atribuir "intenções de
violência" logo às três vítimas inermes da difamação política mais
injusta e sádica que já se viu na história nacional? Isso já não diz tudo
da psicologia dos nossos intelectuais de esquerda? Isso já não mostra
até que ponto essa gente é covarde, prepotente, raivosa, disposta a
esmagar sob o peso da gritaria universal a mínima voz divergente? Isso
já não mostra o tipo de sociedade que querem implantar neste país?

Apêndice

Resposta a três Cordovis

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Recordar é viver

O sr. Cláudio Cordovil, que iniciou esta contenda, pretende dar nela a
última palavra, falsa como a primeira. Odeio voltar a este assunto, mas,
desde o início de minha carreira literária, desgostoso com o ambiente de
presunção hipócrita que me rodeava, prometi a mim mesmo jamais me
fazer de orgulhoso, jamais me abrigar num silêncio falsamente
aristocrático, jamais recusar uma resposta nem mesmo ao mais
Cordovil dos difamadores.

Tomo portanto um engove e anoto:

1. O sr. Cordovil diz que a minha iniciativa de lhe responder "não foi
lícita", porque meu nome fora citado apenas três vezes " notem bem:
apenas três vezes " na sua matéria. Infelizmente, a licitude do exercício
de um direito constitucional não é matéria na qual o JB costume
consultar o saber jurídico do sr. Cordovil. Quando redigir a próxima
Constituição Brasileira, o sr. Cordovil estatuirá que qualquer calúnia
espalhada por ele só dará direito de resposta depois de proferida quatro
vezes. Pela Constituição atual, basta a primeira.

2. O sr. Cordovil informa que guardou para si as mais bombásticas


revelações contidas na fita gravada com os meninos, divulgando só as
mais inócuas, a título de "aperitivo" (sic). Quando li estas palavras,
fiquei atônito, pois nunca, em trinta e dois anos de jornalismo, vira um
repórter gabar-se de esconder a notícia, e, pior ainda, fazê-lo nas
páginas mesmas do jornal ao qual sonegara as informações. Só vim a
entender o paradoxo quando, linhas adiante, li que o sr. Cordovil
receitava a leitura de um livro sobre a tal "retórica da intimidação". Não
li esse livro, mas compreendi instantaneamente por que o sr. Cordovil o

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Recordar é viver

recomenda com tanta ênfase: é não apenas o seu livro de cabeceira, mas
o seu manual de redação. Só que no meu tempo esse tipo de coisa não se
chamava retórica. Chamava-se blefe .

3. O sr. Cordovil diz que sou um escritor raivoso. Ele é mau leitor e mau
psicólogo. Mau leitor: confunde a raiva que um escritor sente com a
raiva que ele desperta. A diferença é elucidada pela estilística, hoje
quase uma ciência exata: o estilo raivoso é duro, crispado, cheio de
afetações, sem naturalidade ou senso de humor. É o estilo do sr.
Cordovil. Já Rivarol e Voltaire, Chesterton e Shaw, muitas vezes foram
lidos entre espasmos de ódio precisamente porque escreviam rindo.

Mau psicólogo: Diagnostica projetando-se no diagnosticado, em vez de


observá-lo. Raivoso, eu? Bobagem. Sádico, talvez. Pois embora procure
ater-me às mais elevadas intenções morais, não posso, como não o pôde
jamais qualquer escritor humorístico, negar o fundo de prazer maligno
que sentimos ao espremer piolhos intelectuais.

4. Ele diz que se recusa a me exibir suas credenciais intelectuais. Recusa-


se, mas exibe-as já na mesma frase, ao colocar o pronome oblíquo com a
destreza daquele menino da piada que, para mostrar o incremento de
seu QI, meteu o sorvete na testa. Erro típico de quem escreve com raiva.

5. Ele diz que não pretende polemizar comigo. É verdade. Prefere fazê-lo
com garotos de 17 anos. Nada mais justo. Vejamos, portanto, como ele
se sai contra esse que publica uma cartinha ao lado da sua resposta.
Chama-se Sérgio de Biasi, não é meu aluno, só o vi por algumas horas,
não tenho idéia do que ele pensa ou deixa de pensar e suponho até que

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Recordar é viver

não goste muito de mim. Pois bem: esse menino, que aparece na
matéria do sr. Cordovil como defensor de tais ou quais opiniões,
informa que nunca escreveu em O Indivíduo sobre os assuntos
mencionados e que jamais foi entrevistado pelo Sr. Cordovil. Knock-out
aos três segundos do primeiro round. Sugiro ao Sr. Cordovil que teste
suas forças contra uma velhinha com Alzheimer.

6. O sr. Cordovil acusa-me de mobilizar contra ele uma "máquina de


guerra". A única máquina de guerra de que disponho é este meu velho e
cansado cérebro, o cérebro de um homem pobre e sem recursos, que
nada pode, materialmente, contra a formidável frente única que reúne a
reitoria da PUC, o movimento Cambralha, o Diretório Central dos
Estudantes, o "Jornal Nacional", a revista Veja-Rio, o sr. Cordovil e
enfim toda a intelligentzia esquerdista, representada no caso pelos srs.
Birman, Japiassu e Soares " e bem representada, aliás, pois dificilmente
os atributos da mediocridade, na gama variada que vai da presunção à
tolice, passando pelo histrionismo e pela falsa moral, estiveram tão bem
dosados, por igual, em três... direi indivíduos? Não. Três exemplares,
três cópias, três reimpressões fiéis de um só discurso, que é aliás o
mesmo do sr. Cordovil e de todo o seu pugilo de bravos.

No meu tempo, mais de três contra um era covardia. Hoje, juntam-se


cem contra um e alegam lutar valentemente contra uma "máquina de
guerra". É lisonjeiro, mas cansativo. Sinto-me um pittbull bicado por
cem galinhas. Nessas criaturas, o senso das proporções parece funcionar
às avessas: em vez de regular o medo pela gravidade relativa do perigo,
avaliam o tamanho do adversário pela intensidade do medo que lhes
inspira.

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Recordar é viver

7. O sr. Cordovil alardeia coragem, mas dá inequívocas demonstrações


de covardia. A mais bonita é esta: ele procura amenizar ex post facto
suas palavras, dizendo que no seu texto apareci apenas como "pai
intelectual" dos meninos, coisa inocente já informada pelo JB uma
semana antes. Mas o que o sr. Cordovil afirmou em sua matéria não foi
isso: foi que oriento um grupo de extrema-direita infiltrado na PUC.
Grupo de extrema direita quer dizer exatamente: grupo militante que
prega a destruição do Estado de Direito e o uso de meios violentos para
instaurar uma ditadura. Não é bem a mesma coisa. A diferença é a que
vai da simples fofoca ao crime de calúnia.

8. O sr. Cordovil diz que tem uma fita gravada à disposição do público.
Pois bem. Tenho setecentas, além de umas trezentas apostilas e mais
doze livros publicados " tudo isso à disposição do sr. Cordovil ou de
quem quer que seja, para verificar se algum dia preguei algo que se
parecesse mesmo de longe a uma ação política qualquer, extremista ou
moderada, direitista ou esquerdista. Posso ser acusado, isto sim, de
pregar o absenteísmo político, a vida interior, o desprezo ao esquema
amigo-inimigo que se tornou, para todos os intelectuais ativistas, a
chave suprema do saber humano.

É curioso que o Sr. Cordovil pretenda denunciar minhas idéias e ações


políticas sem ter examinado nada, absolutamente nada desse material,
sem ter me entrevistado, sem ter assistido a uma única de minhas aulas,
sem ter investigado o que quer que fosse acerca de meus ditos e feitos. O
qualificativo mais brando que encontro para isso é: irresponsabilidade,
leviandade, falta completa de ética jornalística.

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Recordar é viver

Vamos agora aos Srs. Soares e Birman. Tal como o sr. Cordovil, eles
alegam que sua conversa não era comigo, que eu não tinha nada que
lhes responder. Mas como é possível que, de uma matéria onde se fala
quase nada a meu respeito, eu saia carimbado com o rótulo de
mandante de um crime contra a segurança do Estado?

Deveria eu agüentar isso calado, repetindo estas consoladoras palavras:


"Não é comigo"?

A mim me parece, ao contrário, uma sublime cara-de-pau da parte de


todos eles emitirem com tanta leviandade uma acusação tão porca e
ainda achar que responder-lhes é falta de educação. Desejariam que eu
me deixasse polidamente carimbar, caluniar e condenar? Desejariam
que eu deixasse minha vida resumir-se no verso de Rimbaud: Par
délicatesse j'ai perdu ma vie?

Quanto cinismo em três cabeças tão miúdas! Vejam só o ar santarrão


com que essas pessoas, assumindo a defesa dos cem agressores que
cobriram de tapas e cuspidas os editores de O Indivíduo, pregam o
"respeito" e o "diálogo", como se não acabássemos de ter aí mesmo a
amostra do tipo de diálogo respeitoso que desejam.

O sr. Soares, então, chega ao cúmulo da desfaçatez ao declarar-me


carente de credenciais "para o debate acadêmico". Que coisa mais linda!
Tapas, cuspidas, censura, falsas denúncias de um crime contra o Estado
" e o doutorzinho chama a isto "debate acadêmico"! É precisamente
para este tipo de debate " e somente para isso " que uma universidade
que tem no corpo docente um Soares ou um Birman pode credenciar. Se

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Recordar é viver

eu tivesse tais credenciais, haveria de jogá-las na privada o quanto


antes, para que meus filhos não as vissem.

A polêmica deve ser civilizada, pontifica o sr. Soares. A polêmica exige


respeito, diz o sr. Birman. É preciso manter a dignidade do tom, perora
o sr. Cordovil. Quem não percebe que a única dignidade que essa gente
conhece é um tom, um ar, uma afetação exterior?

Haverá algum respeito, dignidade, vida intelectual civilizada em acusar


publicamente um inocente de conspirar para a destruição das
instituições democráticas, para a instalação de uma ditadura
reacionária, sobretudo quando quem faz essa acusação jamais viu de
perto o acusado, jamais leu um de seus livros e nada sabe de suas
atividades particulares ou públicas? Respeito vem de re-spicere, que
quer dizer olhar duas vezes antes de falar. O "respeito" que essa gente
alardeia é apenas a fala mansa dos Iagos, dos intrigantes, dos
caluniadores sorrateiros.

Da minha parte, não posso fingir respeito por esse tipo de


comportamento, pois seria desrespeitar-me a mim próprio.

Ademais, de que adianta argumentar polidamente, ou mesmo aos


berros, com quem não sabe sequer o que é um argumento? O Sr.
Birman, por exemplo, diz não ter encontrado, em minha carta, nenhum
argumento, "só impropérios". Já eu, na carta do Sr. Birman, encontrei
vários argumentos, no sentido birmaniano do termo. Ei-los, por ordem
de entrada e citadas ipsis litteris: "vociferações raivosas", "bobagens e
tolices", "sopa de fel", "bestiário de mau gosto", "maneira feroz",

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Recordar é viver

"babando na gravata", "medo da sua saliva", "violência verbal",


"adjetivos ofensivos". Com isto chegamos à metade da carta; daí por
diante o Sr. Birman nada mais diz a meu respeito. Por esse mostruário
da sua dialética, aliás de uma originalidade estilística sem par,
entendemos por que ele não viu na minha resposta nenhum argumento.
Temos também uma amostra da sua cultura lingüística: ele qualifica a
minha resposta de "bestiário" (livro sobre animais) querendo dizer
"bestialógico" (coleção de besteiras). Mas não posso assegurar que haja
nisso uma prova de incultura: talvez tenha sido um "ato falho",
expressão do juízo secreto que, no fundo, o sr. Birman faz de si mesmo,
e que não cabe a mim confirmar ou impugnar, já que não sou nem me
imagino psicanalista.

Mas, já que o sr. Birman padece da natural dificuldade de encontrar o


que desconhece, facilitarei aqui as coisas para ele, reproduzindo, mais
detalhado e visível, um dos argumentos que ele encontraria na minha
carta se soubesse o que é argumento:

1. O Sr. Birman diz que os meninos constituem um grupo de extrema


direita que é apenas a ponta visível de uma imensa organização
subterrânea.

2. O Sr. Birman desconhece (ele próprio o declara) tudo da atividade


dos meninos e das minhas, sendo portanto sua assertiva mera conjetura.

3. Ele não a apresenta como conjetura, mas como certeza inquestionável


e auto-evidente.

4. Logo, o Sr. Birman acredita piamente que sua conjeturação é prova

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Recordar é viver

apodíctica da verdade do conjeturado.

5. Isso não é muito certo, logicamente, nem muito normal,


psicologicamente.

6. Logo, há algo de errado com o pensamento do Sr. Birman.

Que raio de outra coisa é isso, senão um argumento? Identificá-lo é


fácil, quando não se é o sr. Birman. Difícil é respondê-lo, quando se é
precisamente isso e a natureza cruel não nos deixa ser nada mais. Talvez
por essa razão o sr. Birman tenha preferido mudar de assunto,
disfarçando após o fato consumado a gravidade de suas acusações
conjeturais. Assim, onde ele jurava enxergar com certeza absoluta a
ação concreta de "um grupo de extrema direita", procurando com isto
alarmar o público ante a ameaça de conspirações para a derrubada do
Estado de Direito, agora ele diz apenas sentir um vago "cheiro de
conservadorismo". O que pretendia ser visão tornou-se cheiro, a
pretensa evidência mostrou-se nada mais que suspeita difusa e rala. O
sr. Birman também se pavoneia de altas coragens, mas como explicar
esse súbito acesso de prudência no ousado denunciador de
conspirações? Prudência, aliás, que espertamente muda o tom sem se
desmentir de maneira explícita. Prudência que antes mereceria o nome
de malícia, por jogar habilmente com uma linguagem escorregadia, que
diz sem dizer e se desdiz sem desdizer. Bilinguis maledictus.

Quanto ao sr. Soares, comete a safadeza intelectual de praxe: ao


comparar as idéias dos meninos da PUC com certas correntes de
pensamento, não distingue entre a intenção consciente do texto e as

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Recordar é viver

semelhanças fortuitas que seus detalhes soltos apresentem com tais ou


quais ideologias. Depois disso, fica fácil alegar que estas ideologias se
contradizem umas às outras e acusar os meninos de "confusão", aliás
sem perceber que esta mesma acusação se incompatibiliza com a de
extremismo, que pressupõe a coerência do compromisso com uma
opção ideológica unilinear.

Por exemplo, ele vê no pensamento dos meninos elementos de


individualismo e de anti-individualismo, e os acusa de contradição.
Nem de longe lhe ocorre que qualquer estudante no pleno gozo de seus
neurônios e não fanatizado por um compromisso sectário pode " e deve
" admitir parcelas de verdade em doutrinas opostas, consideradas em
planos distintos, e buscar, mediante um exercício do pensamento
pessoal, uma solução dialética da oposição, que não cabe a um professor
lhes dar pronta. É precisamente colocando os alunos diante de
oposições desse tipo que se desenvolve neles o pensamento crítico,
vacinando-os ao mesmo tempo contra todo simplismo fanático. Já o Sr.
Soares só conhece um tipo de ensino: a doutrinação em bloco segundo
uma ideologia compactamente coerente.

Mas a coerência em bloco de uma ideologia é com freqüência apenas a


unidade exterior de uma vontade política forçada, cheia, por dentro, de
toda sorte de paralogismos e contra-sensos. Coerência ideológica é
muitas vezes sinônimo de incoerência lógica. O próprio sr. Soares nos
dá um exemplo disso, quando, após afirmar que "o pensamento dos
meninos é articulado sistematicamente pela filosofia ultraliberal",
assinala neles "o entusiasmo por René Guénon e pela tradição
conservadora mística... que considera o individualismo liberal o

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Recordar é viver

paroxismo da degradação". Ora, se os meninos admitem algo de


verdade na crítica de Guénon ao liberalismo, é óbvio que seu
pensamento não se "articula sistematicamente" segundo a filosofia
ultraliberal, mas apenas aceita criticamente alguns aspectos dela,
devidamente relativizados pelo confronto com as objeções de Guénon e
de outros pensadores (entre os quais alguns esquerdistas, como Max
Horkheimer, bastante valorizado no meu curso). Isso é tão simples, tão
banal no ensino de filosofia, que somente um microcéfalo intoxicado
pelo preconceito pode não enxergá-lo, ou um rematado farsante fingir
que não o enxerga.

O gênero de intoxicação que entope os canais neuronais do sr. Soares é


no entanto bastante óbvio: ele é um daqueles fanáticos que, jamais
tendo examinado sem preconceito as doutrinas que lhe repugnam, toma
as suas próprias como pressupostos auto-evidentes e as usa como
premissas de "demonstrações" que, na sua cabecinha, devem parecer
muito conclusivas. Mas se o sr. Soares acha que todo ataque à
affirmative action é racismo, cabe a ele prová-lo, e não tomar essa
premissa arbitrária como princípio inquestionável para, com base nela,
"provar" mediante escandalosa petitio principii que os meninos são
racistas porque atacaram a affirmative action. Já expliquei, em artigos
de imprensa, que a affirmative action tem esse nome precisamente
porque é uma teoria que não se demonstra mediante argumentos, mas
mediante a ação voltada à destruição política de seus adversários: para
provar que há muitos racistas, acusa-se de racista quem conteste a
teoria e logo o mundo fica povoado de racistas. Isso é fraude intelectual
da mais descarada.

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Recordar é viver

Com o mesmo simplismo autêntico ou fingido, o sr. Soares toma como


coisa certa e provada a afirmação de que "toda celebração do
pensamento puro tem sido celebração da raça branca" " desastrado
chute fora, pois o que de mais significativo sabemos do "pensamento
puro" nos veio de hindus e mouros como Shankaracharya e Ibn-Arabi,
isto para não mencionar aquele cúmulo de purismo abstracionista que
são os trigramas do I Ching. Mas basear-se nessa falsa premissa para
condenar os meninos como racistas já deixa de ser simplismo: é jogo
difamatório, porque eles nem sequer falaram o que quer que fosse
acerca de "pensamento puro", e este conceito entra no debate como
autêntica contribuição do próprio Sr. Soares.

O sr. Soares voa longe do objeto, no seu empenho de ler por atribuição
de intenções e adivinhar por associação de imagens. É um pobre cérebro
que imagina pensar, quando apenas expressa, com mal disfarçado
rancor contra o que não entende, sua tosca confusão interior.

Quase todos os alunos que vêm ao meu curso, vindo das escolas onde
lecionam Soares e Birmans, chegam nesse estado e têm de ser levados
para a UTI intelectual. Para que cheguem a ter uma experiência efetiva
do que é "pensar", é preciso exercitá-los muito e muito no confronto dos
contrários em vários planos e em acepções diversas, método dialético
tradicional que tanto escandaliza o simplório Sr. Soares e cuja prática,
de fato, não lhe recomendo, por estar manifestamente acima das suas
forças.

Também não lhe recomendo que continue tentando jogar contra os


meninos a comunidade gay, mediante o expediente barato de marcá-los

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Recordar é viver

com o rótulo de "homofóbicos". O máximo representante dessa


comunidade no Brasil, o antropólogo Luiz Mott, homem honesto, acaba
de enviar a O Indivíduo um e-mail no qual afirma que, embora
discordando das opiniões ali expostas acerca do homossexualismo, não
viu nelas nada de ofensivo. Ou pretenderá o Sr. Soares posar de mais
gayzista que os gays?

Para encerrar, digo que há muitas maneiras e tons de apresentar uma


argumentação. Cobrando de mim o tom sereno e polido de um debate
acadêmico, os srs. Soares, Birman e tutti quanti só fazem lisonjear-se a
si mesmos, fingindo seriedade de cientistas para dar ares de alta cultura
ao que é, na verdade, um ataque grosseiro, sórdido e calunioso a pessoas
inocentes. É aliás também por mera auto-lisonja que fingem imaginar
que os chamei, a eles ou a qualquer de seus companheiros de militância,
para uma polêmica de idéias. Posso tê-lo feito outrora, quando se
tratava de discutir questões de cultura brasileira. Aqui e agora, o caso
não é discutir idéias: trata-se de denunciar um crime de calúnia, vulgar
e estúpido como todos os crimes.

Polemizar em tom acadêmico com esse tipo de gente seria entrar no


jogo do fingimento, como os parentes do Henrique IV de Pirandello,
que, para não irritar o louco, admitem fazer de conta que são cortesãos
de Henrique IV e terminam por acreditar que são mesmo.

Nem vejo sentido em prosseguir a denúncia no plano de uma disputa


meramente verbal. As palavras dessa gente contra mim e contra os
meninos da PUC não são apenas palavras: são atos. Atos respondem-se
com atos. E atos criminosos respondem-se com medidas judiciais, não

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Recordar é viver

com bate-bocas na imprensa. A polêmica jornalística está, portanto,


encerrada: já encaminhei o caso à justiça, que é a arena certa onde lidar
com esse tipo de criatura.

***

Esta resposta foi enviada ao Jornal do Brasil em 19 de


dezembro de 1997. Não foi publicada.

Por que, não sei. O que sei é que a imprensa brasileira se


acostumou a abrir e fechar polêmicas a seu belprazer,
aproveitando-se das partes em litígio como de títeres a
serviço de objetivos mercadológicos e políticos que são dela,
não deles. O jornal convida um sujeito a falar mal de outro;
provoca uma discussão, atiça-a até um certo ponto e, quando
imagina que "está cansando o leitor", interrompe
bruscamente a conversa, pouco importando o que os
debatedores achem que ainda têm a dizer.

Mas o direito de resposta foi estatuído pela Constituição para


servir à defesa dos cidadãos, não ao marketing jornalístico.
Se, por uma feliz coincidência, publicar uma determinada
resposta é bom para vender jornal, então ótimo: o jornal
cumpre a lei e ganha dinheiro. Viva o capitalismo! Mas se o
jornal condiciona a publicação ao lucro, se ele seleciona as
respostas conforme lhe ofereçam vantagem e não em
obediência incondicional à Constituição Federal, então usa
em benefício próprio os direitos de um outro, sem o

http://www.olavodecarvalho.org/textos/recordar_imbecil2.htm (32 de 34)16/4/2007 11:09:21


Recordar é viver

consentimento do titular " e isto é mais que imoralidade: é


um desrespeito à norma constitucional. Admito que, no
ambiente de turva inconsciência que reina hoje na nossa
imprensa, os jornalistas podem fazer isso sem dar-se conta da
gravidade do seu procedimento. Mas pode o criminoso alegar
sua insensibilidade como atenuante do crime?

No caso desta polêmica em especial, o escândalo é mais grave


ainda, porque foi desrespeitada a paridade de acusação e
defesa, que está implícita na lógica mesma do direito de
resposta: um ataque, uma defesa; dois ataques, duas defesas.
O segundo a falar deve ser também o último: o contrário seria
privilegiar abusivamente a acusação.

Ora, o JB publicou primeiro a acusação; depois, a resposta;


depois, três tréplicas. Depois, silêncio. Além de me forçar a
responder simultaneamente a quatro atacantes, ainda lhes
deu o confortável privilégio da última palavra. Feito isso,
decretou que a polêmica estava "cansando o leitor". Como se
o direito de resposta fosse condicionado ao prazer da leitura.
Como se a honra do cidadão, para ser respeitada, tivesse de
ser também atraente, interessante e, para o jornal, lucrativa.

Até o momento em que eu e José Mário Pereira fechávamos a


edição deste livro, minha resposta aos novos ataques de
Cordovil, Soares e Birman não tinha sido publicada. Não é
impossível que o seja nas próximas semanas, quando o livro
estiver rodando e for tarde para alterar estes parágrafos.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/recordar_imbecil2.htm (33 de 34)16/4/2007 11:09:21


Recordar é viver

Caso isto venha a acontecer, as considerações acima


continuarão valendo como advertência à imprensa brasileira
em geral e poderão ser úteis a muitos leitores cujos direitos
tenham sido explorados da maneira descrita.

OLAVO DE CARVALHO

Home - Informações - Textos - Links - E-mail

http://www.olavodecarvalho.org/textos/recordar_imbecil2.htm (34 de 34)16/4/2007 11:09:21


Sepultando um cadáver intelectual

Sepultando um cadáver
intelectual
Singela homenagem deste site ao natimorto Dr. Emir Sader

Monumenta vitae Saderis


(extraídos de O Imbecil Coletivo)

I - Por uma esquerda melhorzinha


II - Resposta a Emir Sader, Prêmio Imbecil Coletivo 1996
III - Resposta aos fanfarrões amedrontados
IV - Opera Omnia Emiris Saderis

Singela homenagem deste site

ao natimorto Dr. Emir Sader

http://www.olavodecarvalho.org/textos/monumentum_saderis.htm (1 de 32)16/4/2007 11:10:55


Sepultando um cadáver intelectual

-- Sua polêmica com Olavo de Carvalho está encerrada?

-- Eu nunca polemizei com ele, ele fez uma resposta a um


artigo meu, eu nem me dei ao trabalho de responder. Ele
é um tipo que merece a chacota nos meios intelectuais.
Trabalha numa universidade privada, de propriedade
do Levinson, um tipo do escândalo Delfim, da época da
ditadura, uma arapuca, cheia de grana, que compra
espaços para esse cara escrever nos jornais. Nunca,
nenhuma universidade pública ou privada de nível o
contratou.

Só agora vi no site www.terra.com.br esse interessante diálogo entre o


entrevistador local e um nosso já velho conhecido.

Emir Sader tenta aí fingir superioridade por uns segundos, mas


não se contém e logo cai de volta nas intrigas de galinheiro que são
o seu elemento natural. É a nostalgie de la boue, que em alguns
seres se manifesta após dias ou semanas de afastamento de sua
pocilga originária, mas em outros é de eclosão quase imediata, de
tal modo lhes dói a saudade de si mesmos quando forçados a
comportar-se como gente.

Imagino-o treinando pose de dignidade diante do espelho, meses a


fio, para no fim só conseguir aquela inconfundível cara de ostra
com que todos o conhecemos, aquela casca de impessoalidade
postiça laboriosamente construída em torno de um pouco de

http://www.olavodecarvalho.org/textos/monumentum_saderis.htm (2 de 32)16/4/2007 11:10:55


Sepultando um cadáver intelectual

meleca que desejaria fazer-se passar por pérola.

A indescritível miséria humana dessa criatura é um espetáculo


patético, que quase me arranca lágrimas, não sei se de comiseração
por ele ou de dó de um país onde um vigarista de bosta é aceito
como professor universitário.

Ele diz, desde logo, que nunca polemizou comigo. É mentira,


obviamente. Polemizou sim. Polemizou várias vezes, perdeu feio
em todas elas e saiu desfeito em cacos, só lhe restando agora varrer-
se a si próprio para baixo do tapete para que ninguém veja o estado
deplorável em que ficou.

Defrontamo-nos, por exemplo, no Jornal do Brasil de 25 de


outubro de 1997, num debate sobre as conclusões de oitenta anos
de experiência comunista. Ele aí tentou provar que cem milhões de
mortos eram um miúdo acidente de percurso que em nada
comprometia a santidade dos ideais socialistas (um argumento que
se poderia aplicar quase ipsis litteris ao nazismo ou à Inquisição
Espanhola). Eu, da minha parte, limitei-me a fazer as contas e
verificar que o comunismo, tendo matado mais gente que duas
guerras mundiais somadas a todos os terremotos e epidemias do
século (e mais às vítimas de todas as ditaduras direitistas), tinha
constituído, nada mais, nada menos, o acontecimento mais
mortífero da história universal, estando abaixo da racionalidade
dos símios superiores a sugestão de que valesse a pena tentar a
experiência de novo, e sendo menos insensato propor uma reprise
da Peste Negra ou das invasões mongóis. Meu argumento, que eu
julgava tão engenhoso, fracassou por completo ante a obstinada
http://www.olavodecarvalho.org/textos/monumentum_saderis.htm (3 de 32)16/4/2007 11:10:55
Sepultando um cadáver intelectual

recusa do dr. Sader de arcar com as responsabilidades intelectuais


de um símio superior ou mesmo inferior. Passados cinco anos, ele
ainda acha que seria bom começar novamente a Revolução Russa,
noutro lugar e com outro nome. Persuadiu-se apenas de que não
devia tentar discutir o assunto comigo, chegando mesmo a
acreditar que jamais o fizera. Só assim se explica sua estranha
declaração ao chat de terra.com.br.

Defrontamo-nos, ainda, em O Globo de 23 de setembro de 2000, num


debate a propósito do então recém-publicado Dicionário Crítico do
Pensamento da Direita (Mauad Editora) -- ele babando-se de
admiração devota ante aquele pedaço de cocô editorial, eu
demonstrando em poucas linhas que se tratava de uma fraude
publicitária ridícula, capaz de enganar somente a seus próprios autores.

O confronto foi tão desigual, intelectualmente, que chegaram a me


acusar de agredir um menor de idade.

Antes disso já havíamos trocado umas palavras impressas a propósito


do meu livro O Imbecil Coletivo, ele preenchendo servilmente o
“Formulário Padrão Para a Redação de Críticas a Este Livro” anteposto
à primeira edição, eu apenas anotando que ele fizera exatamente isso,
como era de se esperar da sua inteligência formidavelmente criativa.

Como o jornal que o publicara me negasse o direito de resposta, pedi à


Academia Brasileira de Filosofia e à Faculdade da Cidade, co-editoras
do livro e portanto diretamente interessadas na sua defesa, que me
abrissem espaço em matéria paga para uma réplica a meus detratores

http://www.olavodecarvalho.org/textos/monumentum_saderis.htm (4 de 32)16/4/2007 11:10:55


Sepultando um cadáver intelectual

(v., adiante, “Por uma esquerda melhorzinha”). Sader aproveita-se desse


episódio para lançar no ar uma fofoca bem ao estilo da sua moralidade
suína, dando a entender que os artigos que anos depois disso passei a
publicar semanalmente em O Globo são espaços comprados pelo diretor
da Faculdade e não trabalhos profissionais remunerados pelo próprio
jornal...

Se isso já não bastasse para demonstrar com que tipo de intrujão


estamos lidando, resta o fato de que, num escrito seu que anda
circulando pela internet sob o título “Olavo de Carvalho não existe”, o
merdinha, com o maior ar de inocência, se refere a essa fofoca como se
viesse de fontes impessoais e anônimas e não dele próprio: “Disseram
até...” etc. e tal. Não chega a ser maravilhoso que, para dar maior
credibilidade ao que diz, ele tenha de atribui-lo a outrem, confessando
que o que sai de sua boca não merece confiança? Ele sabe que não
presta.

Quanto às considerações pejorativas que ele tece em torno da


moralidade do Dr. Levinsohn, imaginando poder-me atingir por tabela,
temo que sejam bastante injustas, mas rigorosamente não são da minha
conta, já que ignoro tudo das finanças do referido e não me beneficio
delas no mais mínimo que seja, para grande decepção de quem julgasse
dever-me invejar nesse ponto, como parece ser o caso do dr. Sader.
Apenas me pergunto se este se entrega a semelhantes vituperações
conjeturais por inveja autêntica ou para esconder de si mesmo os
favores -- estes sim, reais e comprovados -- que recebe da corporação
Ford, cuja história, manchada de anti-semitismo e de colaboração com
os nazistas, é decerto bem mais rica de episódios torpes do que mil

http://www.olavodecarvalho.org/textos/monumentum_saderis.htm (5 de 32)16/4/2007 11:10:55


Sepultando um cadáver intelectual

escândalos financeiros de Terceiro Mundo.

Mas depois desse dia ainda tive a ocasião de comentar um artigo dele,
no qual, bem ao seu estilo de intrigante poltrão, ele aludia ao meu livro
sem citar nominalmente o autor. É esse comentário que ele se gaba de
não ter respondido, como se o silêncio que então opôs a meus
argumentos não fosse uma admissão de sua completa impotência e sim
prova de superioridade olímpica. Leiam o artigo (“Resposta a Emir
Sader”, logo adiante) e verão se, à cabal demostração de sua inépcia e
incultura, o coitado podia mesmo responder alguma coisa.

Falando em incultura, no rodapé desta página vocês encontrarão a


bibliografia completa de Emir Sader. Verão que não contém trabalhos
científicos de espécie alguma e se compõe exclusivamente de livros de
propaganda esquerdista (a maior parte deles simples coletâneas de
textos alheios), que num país normal habilitariam talvez o autor a um
cargo de repórter num jornalzinho de partido, mas que no Brasil bastam
para fazer dele um professor e até coordenador de departamento.

Não é de espantar que, com obra tão majestosamente insubstancial, ele


jamais ostente como prova de sua alegada superioridade os livros que
escreveu, mas sim os cargos que ocupou, com os quais, de fato, não
posso competir, visto nunca ter-me interessado viver, como ele, do
milagre de produzir tamanho efeito empregatício com tão nula bagagem
de realizações intelectuais.

É nesse sentido que ele enfatiza que “nenhuma universidade de nível”


jamais me contratou. Devo nisso concordar com ele: nenhuma jamais o

http://www.olavodecarvalho.org/textos/monumentum_saderis.htm (6 de 32)16/4/2007 11:10:55


Sepultando um cadáver intelectual

fez e jamais eu permitiria que o fizesse, porque, a julgar pela


amostragem dos 104 autores do supramencionado Dicionário, todos
eles professores dessas instituições, aí eu teria de conviver com gente da
mais baixa espécie, prostituindo e sufocando minha inteligência em
troca de favores vis e remuneração humilhante. Também não fui
contratado pela universidade privada da qual Sader fala tão mal. Não
sou seu funcionário, nem membro do seu corpo docente, nem recebo
dela remuneração alguma. Apenas pertenço ali a um Instituto de
Estudos Interdisciplinares que congrega trinta intelectuais do porte de
um Bruno Tolentino, de um Jacob Gorender e de um Oliveiros da Silva
Ferreira (todos eles igualmente não remunerados), e em cujas
instalações me foi permitido dar um curso livre em troca de serviços
editoriais prestados esporadicamente à instituição (como por exemplo a
edição dos Ensaios Reunidos de Otto Maria Carpeaux). Isso é toda a
minha relação com a entidade e, de modo geral, com a classe acadêmica
brasileira, à qual não pertenço nem penso em pertencer jamais, ao
menos enquanto o destino me preservar de semelhante flagelo. Que aí
eu seja objeto de chacota, é coisa que admito sem hesitação, dada a total
impossibilidade de qualquer coisa mais inteligente que chacotas pueris
brotar jamais desse ambiente. O próprio Dicionário Crítico é uma
chacota -- e chacotas, no estrito sentido da palavra -- são a vida e a obra
inteiras de Emir Sader.

Mal acabo de escrever essas palavras, porém, e já sinto um certo


arrependimento pela leviandade de ter ocupado o meu tempo e o dos
visitantes deste site com um personagem miúdo e desprezível como o
dr. Sader, que desde nosso último entrevero público no ano de 2000

http://www.olavodecarvalho.org/textos/monumentum_saderis.htm (7 de 32)16/4/2007 11:10:55


Sepultando um cadáver intelectual
vinha ininterruptamente espalhando as coisas mais escabrosas a meu
respeito sem que eu caísse na tentação de reparar no que ele dizia.
Agora ele passou dos limites e, confesso, não resisti. Cedi
vergonhosamente ao impulso de fazer de conta que o dr. Sader existe,
como ele fez de conta que não existo eu.

Sei que não me justifico, mas ao menos me explico, ao admitir que


no fundo encontro um certo prazer nesses exercícios de entomologia
intelectual, em que, desventrando cadáveres literários de piolhos e
expondo a anatomia mental das moscas, descanso de afazeres
incomparavelmente mais extenuantes. Pode haver nisso um quanto de
sadismo, mas o sadismo jamais chegará a ser tão perverso quanto o
saderismo.

Olavo de Carvalho

6 de março de 2003

Monumenta vitae Saderis

Extraídos de O Imbecil Coletivo

I - Por uma esquerda melhorzinha (1)

http://www.olavodecarvalho.org/textos/monumentum_saderis.htm (8 de 32)16/4/2007 11:10:55


Sepultando um cadáver intelectual

O Jornal do Brasil do dia 4 concedeu uma página inteira para que os

incomodados pelo livro O Imbecil Coletivo tentassem remeter seu autor à lata de

lixo do irrelevante por meio de frases do seguinte teor:

“Seu discurso é de direita” ( Leandro Konder ).

“É de direita” ( Emir Sader ).

“É filósofo auto-intitulado” ( André Luiz Barros ).

“Não é nem homem” ( Muniz Sodré ).

Nos anos cinqüenta, ou sessenta, o sujeito que acreditasse poder fulminar

um livro mediante a mera catalogação ideológica de seu autor  mesmo não

acompanhada de juízos divinatórios sobre sua sexualidade ou de sentenças

pejorativas quanto à sua condição profissional, coisas que na época eram

inconcebíveis  seria imediatamente rebaixado do estatuto de intelectual para o

de demagogo barato. E a própria esquerda faria isso, como se vê por esta

advertência contida num editorial do jornal do Partido Comunista, Novos

Rumos, de abril de 1962, que cito logo no início do meu livro:

“Cabe-nos rever uma outra atitude comple-tamente enraizada entre

nós, e que evidencia uma ver-dadeira letargia mental. Trata-se do hábito

de raciocinar den-tro de esquemas fixos. Este ‘mé-todo’ de raciocínio se

limita a apanhar os fatos e a en-quadrá-los dentro do esquema pré-de-

terminado. Exemplo é o esquema ‘revolucio-nário x reacioná-rio’.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/monumentum_saderis.htm (9 de 32)16/4/2007 11:10:55


Sepultando um cadáver intelectual

Segundo este esquema, tudo o que temos de fazer é classificar as pes-

soas, os atos e os fatos em ‘revolucionários’ ou ‘reacionários’. Feito isto,

está concluída a ‘tare-fa’. Como poderemos compreen-der a reali-dade,

mantendo esta atitude?”

Hoje em dia, professores universitários, jornalistas e escritores praticam

descaradamente esse gênero de rotulações sumárias, acrescentando-lhes ainda

insultos espumantes de ódio, de inveja, de ressentimento, e, feito isto, julgam

que está, como diz o editorial, “concluída a tarefa”. Tarefa que supõem dar-lhes o

direito de posar como “intelectuais de esquerda”.

Ao permitir que esses insensatos falem em seu nome, sem exigir deles o

mínimo de compostura intelectual que se requer do ofício letrado, os

movimentos de esquerda só afundam mais e mais no lamaçal da desmoralização.

Quando os pseudo-intelectuais cujos erros primários denuncio em meu

livro tentam desviar a discussão para o terreno do maniqueísmo ideológico, o

que eles fazem é usar os partidos de esquerda para esconder por trás deles suas

fulgurantes inépcias pessoais. Com isto, mostram não ter o mínimo respeito pela

dignidade de milhares de militantes que, ao lhes confiar uma tarefa intelectual,

esperavam vê-la cumprida, no mínimo, no nível exigido por Novos Rumos.

É muito confortável para esses intrujões fingirem, ante o público, que os

critiquei desde o ponto de vista ideológico, como inimigo direitista. Mas jamais

critiquei ninguém por ser de esquerda, e sim por não saber sê-lo com alguma

dignidade. Falo contra a impostura daqueles que, no fundo, só estão na esquerda

porque aí podem proteger-se de toda crítica sob o manto da solidariedade

ideológica. Discutir ideologia com essa gente seria conceder-lhes uma honra que

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Sepultando um cadáver intelectual

não merecem. Não discuti com eles em meu livro nem vou fazê-lo agora, porque

vigarice ( intelectual ou qualquer outra ) é coisa que não se discute: vigarice se

denuncia, e pronto.

Vejam só, leitores, se é possível discutir ideologia no nível desses sujeitos:

Emir Sader acha que a melhor maneira de defender a sua é alegar em favor dela

mentirinhas tolas, que o mais breve exame desmente. Leandro Konder crê ser

fiel ao espírito esquerdista ao proclamar que a veracidade de uma idéia vale

menos que seu número de adeptos, quando isto não é marxismo nem

esquerdismo, é Goebbels puro e simples. Muniz Sodré acha que piadinhas

insultuosas sobre a sexualidade de alguém que ele nunca viu são crítica literária

marxista, quando são apenas a manifestação da vaidade insana e preconceituosa

de um machista papudo e simiesco. André Luiz Barros acha que é jornalismo

cultural de esquerda declarar “auto-atribuída” a denominação de filósofo que o

próprio jornal onde escreve me atribui há três anos. Já o editor do Caderno B

entende que é jornalismo tout court gastar uma página inteira a cores, com

chamada na capa, para dizer que o objeto da reportagem é um sujeito sem

importância nenhuma...

É este tipo de intrujice que tenho combatido, e não a opção ideológica de

quem quer que seja, que é um direito constitucional dos mais óbvios, se bem que

escandalize a certos indivíduos quando o vêem exercido pelos outros. Ao

fingirem que os combato por serem intelectuais de esquerda, Muniz, Sader e tutti

quanti não apenas massageiam com uma falsa lisonja seus respectivos egos, mas

prostituem sua opção ideológica, colocando-a a serviço de um interesse pessoal

de natureza vil, que é o de poderem continuar a desfrutar de um prestígio

intelectual para o qual estão absolutamente desqualificados.

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Sepultando um cadáver intelectual

Sou do tempo em que existiam intelectuais de esquerda, sei reconhecer um

quando o vejo e por isto mesmo sei que é coisa que hoje em dia não existe mais.

Intelectual de esquerda era José Honório Rodrigues, era Ênio Silveira, era Caio

Prado Jr., era Otto Maria Carpeaux. Remanescentes vivos dessa raça em

extinção, só Alfredo Bosi e Franklin de Oliveira. Não têm similares. Pretender

nos impingir Emir Sader e Muniz Sodré como intelectuais de esquerda é

simplesmente um caso para a Delegacia do Consumidor. Imagino se Ênio ou

José Honório, criticados justa ou injustamente, iriam se fazer de donzelas

ofendidas e responder com chavões idiotas, em vez de analisar com meticulosa

honestidade as afirmações do crítico, para impugná-las no campo da lógica e da

argumentação culturalmente relevante, exatamente como fiz com as opiniões de

Paulo Roberto Pires e de Sader. Imagino se Caio, ou Otto, em vez de se defender

sozinhos como os bravos homens que eram, iriam correr como pintainhos

assustados para se abrigar sob as asas da solidariedade corporativa, como hoje o

fazem esses pobres coitados. Não, não censuro um Sader, um Muniz Sodré, por

serem intelectuais de esquerda, mas por serem apenas as tristes caricaturas de

uma família cultural que já teve entre seus membros algumas das mais altas

expressões da inteligência pátria. Para cúmulo de ironia, alguém me diz que o

editorial acima citado, assinado pelo pseudônimo J. Miglioli, foi escrito pelo

próprio Leandro Konder. Não sei se isto é verdade, mas, se é, o que se conclui é

que Konder, como tudo na esquerda, decaiu muito desde 1962.

Em tudo o que essas criaturas falaram não se viu enfim a menor referência a

um só de meus argumentos, muito menos qualquer tentativa de refutá-los,

empreendimento que estaria realmente acima da capacidade dos entrevistados.

Só rotulação grosseira adornada de insultos em linguagem de leão-de-chácara.

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Sepultando um cadáver intelectual

Só urros de gorilas que batem no peito se fazendo de heróis quando, reunidos em

bando armado de paus e pedras, cercam o inimigo solitário e ainda o chamam de

covarde. Mas, se imaginam que essas coisas podem me intimidar no mais

mínimo que seja, é porque me medem pela sua própria estatura. Se imaginam

que, rebaixando meu livro ao nível de suas cabeças, podem dissuadir o leitor de

tentar averiguar por si mesmo o teor de meus argumentos, é porque olham o

povo brasileiro no espelho de seu próprio auto-engano. E se crêem poder

sepultar a reputação alheia sob toneladas de lama, é porque sob a mesma lama

enterram suas cabeças de avestruzes, para não tomar consciência de que sua

hora chegou. Mas todo esse subterfúgio é inútil: desde a publicação de O Imbecil

Coletivo, essa gente já está em julgamento  e o julgamento prosseguirá

implacavelmente, ante os olhos do povo, até a condenação final dos usurpadores

e corporativistas que, em benefício próprio, bloqueiam o progresso cultural deste

país.

II - Resposta a Emir Sader,

Prêmio Imbecil Coletivo 1996 (2)

Estimulado talvez pela onda de fanfarronice revolucionária que vem

crescendo desde o encontro de Chiapas, o prof. Emir Sader decidiu partir para a

propaganda esquerdista mais direta e rasteira, usando para este fim as páginas

de uma imprensa que ele mesmo, surpreendentemente, afirma estar a serviço da

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Sepultando um cadáver intelectual

direita. A massa compacta de mentiras, tolices e grosserias que ele fez publicar

na edição de ontem do JB não pode ficar sem resposta, se é que o leitor brasileiro

ainda tem direito à informação correta.

1. Sader acusa de hipócritas todos os que fazem críticas à esquerda sem

assumir um compromisso político com a direita. O pressuposto implícito é que

só se pode criticar um bloco ideológico em nome de outro bloco ideológico,

nunca em nome da moral, da lógica, da ciência ou do puro e simples bom senso.

Todas as categorias do conhecimento humano estão submetidas aos critérios

absolutos da guerra ideológica. Antes de decidir se dois mais dois são quatro ou

cinco, o prof. Sader tem de perguntar se quem o disse foi o mocinho esquerdista

ou o bandido direitista. Não existe realidade fora do palquinho maniqueu que

constitui o máximo horizonte mental de um perfeito idiota latino-americano.

2. Ele assegura, com a cara mais bisonha do mundo, que “a esquerda

abrigou ao longo do século o que de melhor a inteligência humana produziu”, e

que por esta razão “a direita tem complexo de inferioridade no plano da

inteligência”. Isto bem mostra o nível das leituras desse pretensioso semiletrado.

A intelectualidade de esquerda é vasta, mas nunca é highbrow. Ela não tem um

Eliot, não tem um Yeats, um Claudel, um Valéry, um Pound, um Rilke, um

Husserl, um Scheler, um Hartmann, um Jaspers, um Heidegger, um Popper, um

Whitehead, um Lavelle, um Berdiaeff, um Bergson, um Cassirer, um Croce, um

Mircea Eliade, um Jung, um Thomas Mann, um Weber, um Toynbee, um Jaeger,

um Spengler, um Guénon, um Schuon, um Voegelin, um Weil, mas tem uma

multidão de pequenos jean-paul-sartres que falam pelos cotovelos tentando fazer

a quantidade passar por qualidade. Essa arraia-miúda embevecida pela própria

retórica domina as universidades, a imprensa e o movimento editorial, onde

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Sepultando um cadáver intelectual

penetrou desde a década de 30 ajudada pelas verbas culturais da KGB ( uma

história que Sader provavelmente ignora ) e onde reina até hoje pelo boicote

sistemático aos adversários superiores em inteligência, cultura e honestidade. A

esquerda não tem nada, intelectualmente, exceto dois ou três pensadores

medianos como Lukács e Horkheimer ( sempre patrulhados pela própria

esquerda ), e exceto, naturalmente, aquilo que rouba: nosso descarado professor

contabiliza no patrimônio esquerdista até mesmo Freud, um moralista

conservador ( v. Philip Rieff, Freud: The Mind of a Moralist ) e Bertrand Russell,

que só aderiu à esquerda em plena senilidade e que na época do seu maior

esplendor intelectual propunha nada menos que uma guerra atômica preventiva

contra a URSS. Se há um motivo sério para alguém sem preconceitos políticos

perder toda a confiança na esquerda é justamente a constatação da manifesta

inferioridade intelectual da horda esquerdista, que monopoliza as instituições

culturais e aí estabelece o socialismo do QI, nivelando tudo por baixo e

declarando inexistente o que quer que esteja para além de seu horizonte de sapo

no fundo do poço. Ela tem o monopólio da patifaria cultural, com que ilude a

massa dos desprivilegiados da inteligência. Ao acreditar no mito de sua

superioridade, ela mostra que é apenas vítima de sua própria intrujice.

3. Sader afirma que “quase ninguém se assume como neoliberal” –

mentirinha boba que não resiste sequer a um confronto com a lista de membros

do Instituto Liberal, que o prof. Sader cuidadosamente se esquivou de consultar

para poder preservar intacta sua crença de que os homens inteligentes são de

esquerda.

4. Ele diz que a direita arca com o ônus de ter possuído Mussolini, Hitler,

Franco, Salazar, Pinochet, Videla e Médici, mas prudentemente se omite de

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Sepultando um cadáver intelectual

acrescentar que as vítimas desses todos, somadas ( e incluindo mortos, presos,

torturados e simplesmente incomodados ), não chegam à metade da cifra de

pessoas assassinadas por ordem de um só governante esquerdista na URSS em

apenas duas décadas. O número total de vítimas da tirania esquerdista, entre

China, Rússia, Polônia, Cuba, etc., sobe aliás a 150 milhões de pessoas – quase

quatro vezes o total dos mortos da II Guerra Mundial. É preciso ser realmente

um perfeito idiota para supor que todo esse morticínio foi apenas um amontoado

de desvios acidentais sem qualquer conexão com a ideologia socialista, e que esta

se conservou pura e imaculada no céu das essências platônicas, a salvo de toda

contaminação da História, tendo agora cacife bastante para se apresentar ao

mundo como expressão do mais elevado humanitarismo combatido pelos

malvados direitistas.

5. Sader mente ao dizer que a direita monopoliza os espaços nos meios de

comunicação. A verdade é precisamente o contrário: é muito difícil hoje em dia

varar a barreira com que o esquerdismo dominante nas redações protege os seus

ídolos contra qualquer crítica mais séria que alguém pretenda lhes fazer. Mesmo

homens de grande prestígio, na direita, encontram enorme dificuldade para fazer

publicar suas palavras. E na TV, quando se organiza um debate, ou simulacro de

debate, a esquerda tem sempre direito a pelo menos dois terços das vozes, exceto

no canal dos evangélicos. Na imprensa cultural, então, está ainda em pé o Muro

de Berlim. Será que Sader já viu, em algum suplemento, resenha de algum livro

publicado pela Biblioteca do Exército, pelo Instituto Liberal ou por editora

evangélica? E como explicar o silêncio total de que a imprensa cerca os notáveis

congressos de filosofia dirigidos em São Paulo por Miguel Reale, no Rio por

Tarcísio Padilha, comparado à ruidosa festividade com que celebra os

happenings pseudoculturais em que os srs. Adauto Novaes, Marilena Chauí e

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Sepultando um cadáver intelectual

tutti quanti gastam com futilidades o dinheiro público? Todo esse policiamento

da opinião será obra da direita?

6. Mais falso ainda é dizer que a direita possui editoras milionárias para

divulgar o pensamento neoliberal. É só ler os catálogos das principais editoras –

e sobretudo das mais ricas – para ver que o esquerdismo é senhor quase absoluto

do mercado editorial, onde defende seu monopólio a dentadas. Obras

neoliberais, em geral, só são aceitas para edição quando financiadas pelos

autores. E obras propriamente conservadoras – na acepção correta da palavra –

simplesmente não existem no mercado editorial brasileiro, o que permite que a

esquerda, desinformando o público, explore à vontade a confusão entre

neoliberalismo e conservadorismo. O Sr. Sader já viu alguma tradução de Roger

Scruton, de Rama K. Coomaraswamy ou de Martin Lings, se é que já ouviu falar

deles? Quanto ao aparato editorial do Estado, a única voz divergente no coro

unanimitário do esquerdismo que o domina foi a Editora da Universidade de

Brasília no tempo do reitor José Carlos de Azevedo. E malgrado o fato de que a

série de livros ali publicada fosse celebrada por um Karl Deutsch como uma das

melhores coleções de obras políticas já produzidas neste mundo, a coleção foi

extinta logo após a saída de Azevedo, o qual até hoje sofre os efeitos do rancor

esquerdista nem um pouquinho disfarçado.

O prof. Sader, em suma, junta à completa falta de informação a total

carência do desejo de adquiri-la. Ele imagina que com suas leiturinhas vulgares

pode julgar a cultura de todo um século, mas é muita areia para o seu

caminhãozinho. Ele é como a “España miserable” de Antonio Machado, que

“envuelta en sus andrajos desprecia cuanto ignora”. Pretensioso, arrogante,

semiculto como em geral o são os membros da intelligentzia esquerdista

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Sepultando um cadáver intelectual

brasileira, ele só engana a quem deseja ser enganado. Decididamente, ele não

veio para explicar, mas para confundir. E, pretendendo contestar o Manual do

Perfeito Idiota Latino-Americano, só o que ele consegue é mostrar aos

aspirantes o caminho da perfeição.

06/08/96

III - Resposta aos fanfarrões


amedrontados (3)

Ante a coragem e o heroísmo daqueles que convocam um exército inteiro

para atacar um “franco-atirador” e ainda o chamam de covarde, devo observar

que os gorilas também batem no peito quando, armados de paus e pedras,

reúnem a tribo para cercar um leopardo solitário.

Eu já contava com esse tipo de reação simiesca, por saber perfeitamente

com quem estou falando. No prólogo de O Imbecil Coletivo já lhes respondi

antecipadamente: “Não tenho a menor dúvida de que este livro terá, numa boa

fatia dos ambientes letrados, a recepção-padrão dada a outros tantos livros

brasileiros: o completo silêncio quanto ao conteúdo, uma floração majestosa de

fofocas e calúnias quanto à pessoa do autor.”

A fúria irracional e o terror pânico mal disfarçados com que essa gente,

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Sepultando um cadáver intelectual

incapaz de qualquer argumentação séria, busca socorro no velho arsenal dos

chavões e frases feitas, é um show de baixeza que não mereceria resposta, se não

fosse pelo respeito que é devido ao leitores do JB. É a eles exclusivamente que

me dirijo nas linhas seguintes, e não a meus antagonistas. A estes, o tempo

responderá: um dia, desejarão antes esconder-se debaixo da terra do que

reconhecer a autoria das palavras levianas e insensatas que, sob a inspiração

repentina do medo e do ódio, fizeram publicar. Mas será tarde: elas ficarão

coladas indelevelmente às suas reputações, como provas daquilo que foi talvez o

momento mais infame e obscuro de toda a história da intelligentzia brasileira.

Suas declarações, com efeito, constituem um striptease moral: elas revelam ante

os olhos escandalizados dos leitores o baixo nível, o fanatismo grosseiro, a

completa inépcia e a desonestidade maciça daqueles que são pagos pelo Estado

para supostamente desempenhar tarefas de ensino, e que procuram ludibriar o

público vendendo como altas obras de inteligência as expressões mal disfarçadas

de seus baixos instintos.

Como essa gente pode sempre contar com espaços ilimitados na imprensa,

que mal deixa ao direito de resposta cinco linhas de defesa para cada centena

concedida ao ataque, quem quer que seja objeto de sua ira coletiva tem de

comprar o espaço para defender-se; e quando não tem recursos próprios para

fazê-lo e recorre à ajuda de amigos generosos, ainda é acusado perfidamente de

“apoiar-se no poder econômico”  para usar a expressão do mais cínico dentre

meus detratores , como se o poder de comprar um anúncio pudesse comparar-

se ao de desfrutar de jornais inteiros.

Para tentar remediar com algum esclarecimento o esforço conjugado de

obscurantismo com que esses militantes do nada emporcalharam a edição de

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Sepultando um cadáver intelectual

ontem do JB, passo a analisar, com a brevidade requerida pela natureza do caso,

as palavras de cada um.

O primeiro que deve ser desmascarado é o editor da página, que,

permanecendo confortavelmente anônimo, é no entanto o principal responsável

pelo enfoque geral da matéria. É dele, e não de algum dos entrevistados, que

provém a rotulação “filósofo auto-intitulado”. Rotulação triplamente mentirosa.

Primeiro, porque até 1994 eu me apresentava apenas como “escritor e

jornalista”, por força do mero hábito profissional, e a primeira instituição a me

atribuir publicamente a condição de filósofo foi o próprio Jornal do Brasil, nos

créditos de um artigo meu publicado no dia 20 de dezembro desse ano. Mais

tarde, em artigo assinado por Antônio Fernando Borges no caderno Idéias em 6

de janeiro de 1996, a propósito de meu livro O Jardim das Aflições, o JB voltou a

me apresentar como filósofo, ressaltando aliás minha superioridade em relação

àqueles que denominava “philosophes de plantão” ( referência óbvia e pejorativa

àquela mesma classe de pessoas que agora o jornal trata como divindades

intangíveis ) e destacando minhas qualidades de “erudição generosa e busca

permanente de clareza e honestidade intelectual”. Deste modo, se agora o JB

pretende fingir que são auto-atribuídos o estatuto profissional e os méritos que

ele mesmo me atribuiu, isto só demonstra a sua falta de memória e a

volubilidade de suas opiniões, apressando a queda vertiginosa de seu crédito

ante os leitores.

Em segundo lugar, a rotulação é falsa, porque nas páginas do mesmo Jornal

do Brasil de anteontem, respondendo ao jornalista Paulo Roberto Pires, que

atribuía a meu livro frases que nele não constavam, eu já havia explicado: “Não

me autodenomino coisa nenhuma, nem poderá o Pires assinalar uma única

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Sepultando um cadáver intelectual

página d’O Imbecil Coletivo onde eu o tenha feito. Sou assim denominado pela

Academia Brasileira de Filosofia  onde acabo de ser publicamente

homenageado nessa condição , pelo Instituto Brasileiro de Filosofia, pela

Faculdade da Cidade, pela Universidade Católica do Salvador.” O JB tinha

evidentemente o direito de averiguar, em consulta a essas instituições, a

procedência de minha afirmativa, mas não o direito de dá-la arbitrariamente

como falsa e repetir a rotulação caluniosa como se jamais tivesse sido

desmentida.

Em terceiro lugar, a rotulação é falsa porque a condição de filósofo não se

adquire nem por auto-atribuição nem por nomeação de terceiros, muito menos

por decreto do Estado, mas pela natureza mesma da atividade que se

desempenha, a qual, no meu caso, pode ser comprovada mediante simples

consulta a meus livros publicados, principalmente Uma Filosofia Aristotélica da

Cultura ( a ser brevemente reeditado pela Topbooks ) e O Jardim das Aflições

( Rio, Diadorim, 1996 ). Sendo assim, minha condição de filósofo é simplesmente

um fato, não um valor a ser afirmado ou negado com nuanças emocionais de um

patetismo ridículo. Se sou mau ou bom filósofo, grande ou pequeno, o tempo

dirá. Mas não é preciso esperar pela passagem do tempo para perceber que a

denominação de filósofo é injusta e absurda quando aplicada a autores de meros

livros de divulgação, como Leandro Konder. Pois filósofo, por definição, é quem

filosofa, é quem elabora, bem ou mal, uma resposta pessoal a questões

filosóficas, ou pelo menos uma interpretação original de filosofias antigas ( como

fiz no meu livro sobre Aristóteles ), e não quem simplesmente escreve sobre esta

ou aquela filosofia, repetindo ou trocando em miúdos o que seus filósofos

prediletos disseram, coisa que no máximo daria direito à condição de

historiador, de ensaísta, de professor ou de jornalista cultural. Só para

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Sepultando um cadáver intelectual

estabelecer uma comparação didática, o estatuto de um Konder ou o de um

Adauto Novaes não é o mesmo, nesse sentido, que o de um José Arthur Gianotti,

que pode não ser um bom filósofo mas é inegavelmente um filósofo, pois desde

seu primeiro livro mostra um esforço de elaboração pessoal, original, que

caracteriza de maneira inequívoca a atividade filosófica. Esta distinção é

elementar, é óbvia e é universalmente reconhecida, e por isto dá uma mistura de

pena e vergonha ter de repeti-la, com paciência de professor primário, a pessoas

que são pagas pelo Estado justamente para ensinar esse gênero de coisas, bem

como a um jornalista que, no cargo de editor, teria a obrigação de saber escrever

e de usar as palavras no seu justo sentido.

A rotulação infamante, reproduzida na primeira página, revela um intuito

bastante desonesto da parte dos responsáveis pela matéria. E tão perverso foi o

espírito que a produziu, que até mesmo minha condição de jornalista autônomo,

que é a simples definição legal do meu estatuto profissional ante o INPS e ante o

trono do Altíssimo, teve de vir relativizada e posta em dúvida por irônicas aspas.

Nada, mas absolutamente nada na ética jornalística justifica esse tipo de abuso,

que menos ofende a mim do que desrespeita o leitor.

Para completar, o jornal mente da maneira mais escandalosa ao dizer que

publiquei um anúncio pago com minha resposta a Paulo Roberto Pires. Sou um

homem pobre, não teria dinheiro para um anúncio de carro usado, quanto mais

para um tijolaço em seis colunas. Quem publicou o anúncio foi a Academia

Brasileira de Filosofia, renovando seu reconhecimento público de minha

condição de filósofo e acrescentando-lhe a homenagem de tomar a iniciativa de

minha defesa, coisa que muito me honra e que torna ainda mais despropositado

o uso que o jornal fez da expressão “auto-intitulado”. O JB, novamente, poderia

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Sepultando um cadáver intelectual

ter verificado a procedência do anúncio mediante simples consulta aos arquivos

de sua própria contabilidade. Mas, diante de certos jornalistas que da profissão

não conhecem nem o bê-a-bá, seria pedir demasiado esperar que tivessem essa

elementar precaução de honestidade. E a um editor que tem preguiça até mesmo

de consultar o arquivo da redação para ver as matérias de 1994 seria demasiado

esforço descer mais um andar para ir até a contabilidade, não é mesmo?

Mas o editor não é o único responsável pela porcaria. Os repórteres também

entram nisso. Nada tenho a reclamar de Polyanna Torres, que me entrevistou

por telefone e reproduziu oralmente minhas declarações de maneira fidedigna,

só para vê-las depois brutalmente cortadas por um editor e reduzidas a frases

soltas e sem qualquer encadeamento. É o destino de todos os repórteres. Dou só

um exemplo de frase perversamente editada. Tendo Polyanna me perguntado,

segundo a pauta que recebera, com base em que direito eu criticava os figurões

do establishment intelectual local, respondi: “Com base num direito

constitucional elementar. Não cabe a mim explicar com que direito os critico,

mas eles é que têm de explicar de onde tiraram a idéia de que têm o direito de

não ser criticados nunca.” Polyanna releu esta frase em voz alta e eu a confirmei.

Nas mãos do editor, ela se tornou: “Eu não tenho que explicar por que critico

tanta gente, eles é que têm de explicar por que não podem ser criticados.” É

coisa substancialmente diferente: procura dar a impressão de que me dispenso

de justificar minhas críticas, quando eu disse apenas que o direito de criticar é

óbvio e que pô-lo em dúvida é arrogar-se um estatuto divino ( coisa aliás bem ao

feitio dos manipanços intelectuais que já Lima Barreto, em seu tempo,

satirizava ). Isso não é editar: é, manifestamente, distorcer.

Quanto a Cristiane Costa, não digo nada, pois não sei o que fez ou o que não

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Sepultando um cadáver intelectual

fez no presente caso.

Mas o Sr. André Luiz Barros, que também assina a matéria, foi

extremamente desonesto ao posar de mero relator da contenda, sem informar ao

público que era também personagem e parte interessada na disputa, tendo

aproveitado a ocasião para dar-me um tapa com mão alheia, escondendo-se

covardemente atrás dos nomes dos entrevistados. Pois ele é objeto de uma grave

denúncia feita em O Imbecil Coletivo: relatando uma conferência que diz ter

ouvido do prof. Gerd Bornheim, ele escreveu, na edição do JB de 28 de setembro

de 1995, que Michel de Montaigne influenciou grandemente o pensamento do

século 15 ( Montaigne nasceu no século seguinte ) e que as viagens de exploração

colonialista terminaram ( em vez de começar ) no século 16. Em artigo publicado

em O Globo, depois reproduzido no livro, exigi de Bornheim e do repórter que

explicassem ao público qual dos dois era responsável por tamanhos disparates,

inaceitáveis num aluno de ginásio, quanto mais num catedrático e num ( direi

auto-intitulado? creio que nem isso ) jornalista cultural. Barros, escondido no

seu canto, não deu um pio, e Bornheim fingiu indignação para não ter de descer

do pedestal aonde supunha ter-se elevado por não sei quais glórias, e prestar

satisfações ao público que o sustenta. Mas vejo que Barros guardou seu rancor,

aguardando a oportunidade, que agora lhe sorriu, de usar novamente o nome de

Bornheim, acompanhado de alguns outros, para através deles obter uma

vingancinha tardia que só revela a mesquinhez do seu espírito. Não sei se

Bornheim, tendo preferido uma vez acusar o cobrador para não ter de pagar uma

dívida ou de desmascarar o intrujão que a contraíra em seu nome, vai permitir

que a farsa se repita.

Como se não bastasse a malevolência do editor, o time dos entrevistados,

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Sepultando um cadáver intelectual

todo ele constituído, com uma única exceção, de pessoas criticadas no meu livro,

entrou em campo em ordem unida, para repetir em coro fielmente, letra por

letra, aquelas rotulações de praxe que, na primeira página do meu livro, são

satirizadas no “Formulário-padrão para a redação de críticas a O Imbecil

Coletivo”. Nem seria de esperar que cérebros tão mecanizados produzissem

respostas mais inventivas. O livro foi escrito justamente para mostrar que essas

pessoas pensam assim, se é que isso é pensar, e elas se apressaram a dar à tese de

O Imbecil Coletivo uma prova mais patente do que ela poderia desejar. Os

tópicos mais votados, nos quadradinhos da múltipla escolha, foram que sou um

reacionário, que desejo aparecer e que estou a serviço de interesses empresariais.

Mas vamos por partes. Na matéria consta que ataquei o prof. Emir Sader,

na edição de anteontem, “por suas posições de esquerda”. É falso: não ataco

ninguém pela sua adesão a esta ou àquela ideologia, mas por sua maneira

desonesta de defendê-la. Emir Sader tinha dito que a esquerda era autora do que

de melhor produziu a inteligência humana no século XX, e uma simples relação

dos nomes célebres das artes, da ciência e da filosofia nesse período basta para

demonstrar a absurdidade completa dessa pretensão.

É uma maneira torta e doente de ver as coisas afirmar que critico as pessoas

por serem intelectuais de esquerda. Sou do tempo em que existiam intelectuais

de esquerda, sei reconhecer um quando o vejo e por isto mesmo sei que é coisa

que hoje em dia não existe mais. Intelectual de esquerda era José Honório

Rodrigues, era Ênio Silveira, era Caio Prado Jr., era Otto Maria Carpeaux. Hoje o

único sobrevivente dessa espécie em extinção é Alfredo Bosi ( Antônio Cândido

está desativado, parece ). Pretender nos impingir Emir Sader e Muniz Sodré

como intelectuais de esquerda é simplesmente um caso para a Delegacia do

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Sepultando um cadáver intelectual

Consumidor. Imagino se Ênio, ou José Honório, criticados justa ou

injustamente, iriam se fazer de donzelas ofendidas e responder com chavões

idiotas, em vez de analisar com meticulosa honestidade as afirmações do crítico,

para impugná-las, se cabível, no campo da lógica e da argumentação

culturalmente relevante, exatamente como fiz com as opiniões de Pires e de

Sader. Imagino se Caio, ou Otto, em vez de se defender sozinhos como os bravos

homens que eram, iriam correr como pintainhos assustados para se abrigar sob

as asas da solidariedade corporativa, como hoje o fazem esses pobres coitados.

Não, não censuro um Sader, um Muniz Sodré, por serem intelectuais de

esquerda, mas justamente por não o serem; por serem apenas as tristes

caricaturas de uma família cultural que já teve entre seus membros algumas das

mais altas expressões da inteligência pátria.

Mas o prof. Sader, apelando ao direito de não responder, responde. É mais

uma expressão da lógica singular que o caracteriza. “A direita usa o discurso da

ordem, da nova ordem mundial”, diz ele. Bem, pergunto: E eu com isso?

Puxando a discussão para esse campo e dando por pressuposto, com o

automatismo intelectual de um mongolóide, que quem quer que o critique deve

ser um apologista da nova ordem mundial ( como se ele mesmo fosse a máxima

encarnação viva da tendência contrária ), Sader vai parar muitos metros longe do

alvo que visava. O que eu tinha a dizer contra a nova ordem mundial, e que é

bem mais interessante do que tudo que uma esquerda de miolo mole vem

repetindo, está dito nos capítulos finais de O Jardim das Aflições, que uma

esquerda sensata leria com atenção, porque lhe fariam bem. Mas o prof. Sader

ignora isso, como ignora quase tudo o mais sobre o que fala. Quem quer que lhe

pareça antipático ele manda imediatamente para a direita, e estamos

conversados. “É de direita” é o argumento terminal em qualquer debate, e na

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Sepultando um cadáver intelectual

verdade é o único que o prof. Sader conhece para resolver todas as questões, seja

de ordem sociológica, aritmética ou sentimental.

Leandro Konder, que retransmite fielmente a mesma estação, só precisou

apertar o botão do gravador para ficar repetindo: É de direita, é de direita, é de

direita. Isto parece, de fato, responder a tudo.

Mas Leandro, também, não foi criticado no meu livro por ser de esquerda, e

sim por ter escrito, com todas as letras, que a veracidade de uma idéia vale

menos do que o número de seus adeptos, opinião que não é em si essencialmente

de esquerda ( já que é tradução de Goebbels ), mas é de uma estupidez de rachar.

Falar contra a direita, genericamente, para não ter de responder a críticas

rigorosamente exatas sobre pontos determinados, é pura manobra diversionista.

Mas também de Leandro nunca esperei outra coisa.

Sabonete por sabonete, no entanto, ninguém foi mais escorregadio do que o

prof. Muniz Sodré, que, após terem seus colegas puxado a discussão do campo da

ética intelectual para o das generalidades ideológicas, deu um giro ainda mais

espetacular e desviou o debate do terreno da ideologia para o da sexologia,

questionando a masculinidade de seu crítico, com a frase memorável: “Ele não

deve ser nem homem”. Confesso não ter entendido bem o vínculo de implicação

recíproca que esse machista enragé enxerga entre a virilidade papuda e as

opiniões corretas, ficando os pobres gays e lésbicas ( entre os quais até eu, porca

miséria ) com o monopólio do erro. Mas, em todo caso, a prova de masculinidade

que sua sentença me exige é coisa que não posso lhe fornecer em público, porque

não ficaria bem nem para mim nem para ele, por mais que ele a deseje. Em

conclusão, mudemos de assunto, a bem da moralidade, enquanto fica no ar a

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Sepultando um cadáver intelectual

dúvida sobre o que terá querido dizer esse sujeito quando, após ter em público

essa reação patentemente hidrófoba, declara, com a maior inocência fingida, que

o raivoso sou eu.

Mas se a questão da masculinidade relativa dos contendores é de interesse

antes da Justiça Penal do que do jornalismo, o que o prof. Sodré diz de José

Guilherme Merquior deve, sim, ser desmascarado aqui mesmo: é uma pouca

vergonha que a classe unida dos pretensos intelectuais de esquerda, que em vida

de Merquior fez o diabo para enlamear a reputação do grande ensaísta, procure

usá-la como arma retórica contra mim, agora que ele está morto e já não pode

denunciar, como certamente haveria de fazê-lo, essa descarada apropriação

indébita do seu prestígio.

Foi ainda uma safadeza do jornal publicar que ataquei Muniz num capítulo

“sobre uma tal ciência das galinhas pretas”, dando a entender que sou o inventor

dessa ciência, quando é público e notório que, de nós dois, é Muniz e não eu o

pai-de-santo e, logo, o especialista em galinhas pretas, embora possa recorrer

também às brancas ou carijós, conforme o exu de que se trate no caso, segundo

suponho na minha ignorância desses assuntos. Que fique portanto por conta do

Muniz o trato ritual com os galináceos, enquanto eu me limito ao método, muito

mais econômico, de solicitar apenas a proteção da graça de N. S. Jesus Cristo.

Também devo fazer uma nota de rodapé à afirmativa de Muniz de que sou

um covarde porque me apoio no poder econômico. Sou um covarde que enfrenta

sozinho uma classe unida, disciplinada e fortemente escorada na mídia, como se

vê pelo próprio teor da reportagem aqui discutida. E enxergar por trás de mim

um poder econômico é paranóia de adolescente esquerdista hipnotizado por

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Sepultando um cadáver intelectual
histórias de investigações espetaculares tipo O Caso Mattei. Se a prova do

misterioso poder econômico a que se refere Muniz consiste no anúncio acima

referido, já disse que eu não teria jamais dinheiro para pagá-lo e estou muito

grato à Academia, que tornou menos desigual a luta entre um “franco atirador” e

o exército inteiro de uma classe solidamente amparada no apoio da imprensa

inteira. Se Muniz se refere aos anúncios de meus cursos, publicados pela

Faculdade da Cidade, ele teria o dever de saber, e talvez saiba mesmo embora

finja que ignora, que a Faculdade anuncia todos os cursos que lá se realizam e

faria o mesmo se o curso fosse de Muniz Sodré ou de qualquer outro. Movido

pela inveja e pelo rancor, Muniz supõe que a galinha do vizinho é sempre mais

gorda ( as galinhas, sempre as galinhas! ), e sua imaginação infla a pobre ave até

transformá-la numa conspiração do capitalismo internacional. Se fica feio fazer

em público uma demonstração de masculinidade, posso no entanto fazer uma de

pobreza, mediante simples exibição de minhas declarações de rendimentos,

onde, garanto, Muniz não terá nada a invejar.

Quanto ao prof. Dória, confessou não ter lido O Imbecil Coletivo, e quem o

entrevistou se omitiu de lhe informar que o livro trazia, em doses proporcionais,

tanto críticas quanto elogios ao seu trabalho. Enganado por um truque sujo,

supôs-se atacado e defendeu-se de maneira até mesmo elegante, pela qual o

parabenizo, como já o parabenizei pelo seu estudo sobre as famílias poderosas.

Não, prof. Dória, o senhor não é um “ninguém”, como diz. Ao contrário de tantos

de seus colegas de academia, o senhor é alguém e se tornará maior ainda se

prosseguir naquela linha de humildade do homem que se supera pelo esforço

científico, como já afirmei no meu livro. Quanto ao destino que o senhor daria ao

dinheiro do anúncio, isto fica entre o senhor e a Academia Brasileira de Filosofia,

pois, repito, não paguei o anúncio. Mas que tal comprar um pacote de

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Sepultando um cadáver intelectual

exemplares d’O Imbecil Coletivo e distribuí-lo às pessoas que já opinaram a

respeito?

Bruno Tolentino, por fim, tentou falar algo em meu favor, sem prever,

naturalmente, que o jornal poderia dar a suas palavras um sentido muito diverso

do que ele pretendia. O que Bruno diz, o que ele tem repetido a quantas orelhas o

escutem, é que até 1994 prossegui meu trabalho de maneira discreta, retirado da

agitação da mídia e sem procurar obter o menor reconhecimento público, por ser

um homem indiferente a essas coisas e totalmente envolvido nas minhas

ocupações de escritor, professor e ( com o perdão da palavra ) filósofo; ele diz,

ademais, que foi ele quem me convenceu a sair da toca e publicar O Jardim das

Aflições, que até então circulava só internamente em meus cursos como apostila,

e sobretudo as notas que vieram a formar O Imbecil Coletivo. Ele diz essas coisas

há tempos e elas são a pura verdade. Reconheci isso explicitamente no prólogo

de O Jardim das Aflições. Mas as afirmativas de Tolentino mostram o óbvio: que

sou tão indiferente à publicidade do meu nome que permaneci escrevendo

somente para meus alunos por duas décadas e só saí da toca por instigação de

um amigo. Ora, o JB conseguiu torcer suas palavras ao ponto de lhes dar um

sentido perverso como denunciadoras de minha suposta “estratégia” de criar

barulho em torno do meu nome, quando o que Tolentino está dizendo, com

razão, é que quem começou o barulho foi ele. Eis como, na mão de certos

profissionais da imprensa, cada fato se transforma no seu contrário.

Não vejo por que corrigir outras inexatidões e perversidades menores, de

que a matéria do JB está cheia. Examiná-las todas seria longo, fastidioso e

desnecessário, pois uma reportagem que tem tão pouca credibilidade no

conjunto não há de tê-la maior nos detalhes.

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Sepultando um cadáver intelectual

Fica apenas a pergunta, para mim profundamente enigmática: por que se

concede uma capa inteira de segundo caderno, com chamada na primeira página

do jornal, só para dizer que um sujeito é um bobalhão sem importância

nenhuma?

IV - Opera Omnia Emiris Saderis


1. Nelson Mandela (organization) - Ed. Revan

2. A opção brasileira - (colaborador) - Ed. Contraponto - Rio de Janeiro

3. Vozes do Século (organization) - Ed. Paz e Terra - São Paulo

4. Poder, cadê o poder? - Ed. Boitempo - São Paulo

5. Cartas a Che Guevara - O mundo trinta anos depois - Ed. Paz e Terra, São Paulo

6. Anjo torto - Esquerda (e direita) no Brasil - Ed. Brasiliense - São Paulo

7. Pós-neoliberalismo - As políticas sociais no Brasil - (organization) - Ed. Paz e Terra - São Paulo

8. O mundo depois da queda (organization) - Ed. Paz e Terra - São Paulo

9. Karl Marx - Bibliografia (organization) - Programa de Pös-graduação do Departamento de

Sociologia - FFLCH - USP - São Paulo

10. Estado e política em Marx - Cortez Editora - São Paulo

11. Idéias para uma alternativa de esquerda à crise brasileira (organization) - Ed. Relume-Dumará

- Rio de Janeiro

12. Cuba, Chile, Nicarágua - O socialismo na América Latina - Ed. Atual, São Paulo

13. Governar para todos - Ed. Brasil Urgente - São Paulo

14. Por que Cuba? (organization) - Ed. Revan - Rio de Janeiro

15. A transição no Brasil: da ditadura à democracia - Ed. Atual - São Paulo

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Sepultando um cadáver intelectual

16. Without Fear of Being Happy - Ed Verso - Londres

17. Chile (1818-1990) - Da independência à redemocratização - Ed. Brasiliense - São Paulo

18. Socialismo humanista do Che (organization et introduction) - Ed. Vozes - Petrópolis

19. Gramsci: poder, política e partido - (organization et introduction) - Ed. Brasiliense - São Paulo

20. Fogo no Pavilhão - Ed. Brasiliense - São Paulo

21. Movimentos sociais na transição democrática (organization) - Cortez Editora - São Paulo

22. E agora, PT? (organization) - Ed. Brasiliense - São Paulo

23. Fidel Castro (selection et introduction) - Ed. Atica - São Paulo

24. A revolução cubana - Ed. Moderna - São Paulo

25. Constituinte e democracia no Brasil hoje (organization) - Ed. Brasiliense - São Paulo

26. Democracia e ditadura no Chile - Ed. Brasiliense - São Paulo

Notas

(1) Publicado como matéria paga pela Academia Brasileira de Filosofia no

Jornal do Brasil de 7 de setembro de 1996.

(2) Publicado no Jornal do Brasil de 2 de setembro de 1996.

(3) Carta enviada ao Jornal do Brasil, que, até o momento em que este livro

entrava em impressão, não deu o menor sinal de desejar publicá-la.

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A hora da colheita

Antonio Gramsci e a teoria do bode

Olavo de Carvalho
IEE, Edição Nº31 - 29 de Outubro de 2002

Num debate de que participei na Faculdade de Direito da Universidade


Federal do Paraná, estava eu a expor a estratégia gramsciana da
ocupação de espaços e da fabricação de consensos, quando meu
oponente, desejando enaltecer a figura do ideólogo italiano que minhas
palavras pareciam depreciar, alegou ser ele hoje em dia o autor mais
citado em trabalhos universitários no Brasil e no mundo.

A platéia não resistiu: explodiu numa gargalhada. Nunca uma pretensa


refutação confirmara tão literalmente as afirmações refutadas.

Mas a alegação em favor de Gramsci é correta. Se há um consenso


imperante nos meios acadêmicos ao menos brasileiros, é aquele que faz
do fundador do Partido Comunista Italiano o mais importante dos
pensadores, mais importante, sob certos aspectos, do que o próprio Karl

http://www.olavodecarvalho.org/textos/iee_gramsci.htm (1 de 4)16/4/2007 11:11:52


A hora da colheita

Marx.

Esse consenso produziu-se aliás pelos mesmos meios preconizados por


Gramsci para a imposição de qualquer outra idéia: primeiro os adeptos
da idéia "ocupam os espaços", apropriando-se de todos os meios de
divulgação; depois conversam entre si e dizem que as conclusões da
conversa expressam o consenso universal.

A coisa, dita assim, parece um estelionato grosseiro. Ela é de fato um


estelionato -- e na invenção desse estelionato consiste toda a pretensa
genialidade de Antonio Gramsci --, mas não é nada grosseira: a
fabricação do simulacro de debate chega ao requinte de forjar
previamente toda uma galeria das oposições admitidas, que são
precisamente aquelas cujo confronto levará fatalmente à conclusão
desejada. As demais são excluídas como aberrantes, criminosas,
sectárias ou não representativas. Não é preciso dizer que, no debate
letrado nacional, eu em pessoa pertenço a essas quatro classes, ora de
maneira simultânea, ora alternada, conforme as necessidades do
momento, o que já levou mais de um gramsciano a me condenar, ao
mesmo tempo, como um esquisitão isolado e como porta-voz dos donos
da mídia...

Que essa cínica engenharia de dirigismo mental passe hoje por


sinônimo de "democracia", é algo que a perfídia consciente só explica
em parte. Na cabeça dos gramscianos, acontece também um fenômeno
muito estranho, que exemplifica a famosa "teoria do bode". Você está
com problemas, põe um bode dentro de casa e logo os seus problemas
desaparecem, obscurecidos pela presença de um bicho que come todas

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A hora da colheita

as suas roupas, os seus móveis, o seu dinheiro e os seus documentos.


Então você manda o bode embora e fica sem bode e sem problemas.
Esses comunistas passaram, no século vinte, as piores humilhações.
Cada partido que formavam virava imediatamente uma máquina de
controle repressivo interno, mais sufocante que a Inquisição. Se fossem
perseguidos pela direita, isso lhe infundiria orgulho e autoconfiança.
Oprimidos por seus próprios líderes, como é que ficava sua auto-
imagem? Ninguém no mundo matou mais comunistas do que Lênin,
Stálin e Mao Tsé-tung. Eles superaram, nisso, todas as ditaduras de
direita somadas. Isso dá um complexo danado, não dá? Bem,
comparada aos horrores físicos do "socialismo real", a opressão
meramente psicológica parece um alívio. De bom grado qualquer um de
nós, entre o pelotão de fuzilamento e a manipulação gramsciana,
escolheria esta última e até a celebraria como uma forma de "liberdade".

Tratados como cães por seus próprios mentores e chefes, os comunistas


e socialistas, quando entram na atmosfera gramsciana, estão como um
cachorro que foi tirado da carrocinha e amarrado à coleira do dono. Sua
nova sujeição é o máximo de liberdade que ele pode conceber. É a vida
sem bode.

O problema é que esses indivíduos de mentalidade escrava, sendo ao


mesmo tempo, no seu próprio entender, o ápice da inteligência humana,
não podem conceber que outras pessoas tenham experimentado doses
de liberdade bem maiores. Libertos de Stalin e Mao, acham sua nova
escravidão linda e confortável, e acreditam piamente que o restante da
humanidade não aspira a outra coisa senão a dobrar servilmente a
espinha às exigências do "consenso" gramsciano. Daí o orgulho, a

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A hora da colheita

alegria e o sentimento de sincera generosidade com que eles nos


oferecem esse lixo, seguros de que é a coisa mais preciosa do mundo.

Alguns de nós são tolos o bastante para aceitar por mera educação a
oferta desprezível, e acabam presos nas malhas do "consenso". Da
minha parte, não quero saber de nada disso. Que vão oferecer a outro
sua miserável liberdade de escravos satisfeitos.

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Coisa de ignorante

Coisa de ignorante

Olavo de Carvalho

Um leitor da Folha queixa-se de que meu artigo “A grandeza de Josef


Stalin” peca por atribuir a II Guerra Mundial a uma causa única em vez
da multiplicidade de causas que ele, leitor, como aliás o público em
geral, aprendeu a recitar de cor. A objeção é totalmente deslocada e
revela apenas falta de experiência no trato desses assuntos.

Já é abusivo que alguém se aventure a responder a uma explicação


assim de atropelo, antes de sequer pensar em examinar a pesquisa que
ela resume. Vexaminoso e supremamente bobo é opor a documentos
recém-revelados um estereótipo de explicação causal consagrado na
crença popular, e ainda fazer isso com ares de quem dá lições de
História.

A mera confusão que o leitor faz entre a reconstituição dos fatos e a


investigação de supostas “causas” já basta para mostrar que ele ignora

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Coisa de ignorante

tudo da ciência histórica exceto o que possa ter colhido em livros de


ginásio ou em filmes de TV.

Uma coisa é reconstituir, pelos documentos, a seqüência lógica das


decisões e ações de um dos protagonistas do drama, outra coisa
totalmente diversa é especular as “causas” determinantes do processo
como um todo. A primeira dessas operações é História, em sentido
estrito, a segunda é uma aventura interpretativa que só de vez em
quando tem algo a ver com ciência histórica.

Se na reconstituição descobrimos que um dos agentes envolvidos teve,


de antemão, uma visão clara do curso possível dos eventos, orientou
suas decisões a cada passo segundo um diagnóstico objetivo da situação
e chegou a resultados aproximativamente idênticos aos que planejava,
dizemos que foi o “criador” desses resultados, mas não a “causa” deles,
de vez que nenhuma criação humana, seja na política, na arte ou em
qualquer outro campo de atividade, pode se produzir ex nihilo, mas tem
de tomar como matéria-prima e ocasião certos processos causais
preexistentes que o próprio agente não poderia ter criado. Se essa
distinção, em si mesma clara e inequívoca, ainda parece obscura ao meu
interlocutor, um paralelo com a arte eliminará suas dificuldades:
Wolfgang Amadeus Mozart foi o “criador” da “Flauta Mágica”, mas não
foi a “causa” de que numa certa época e num certo país, em tais ou quais
circunstâncias, um indivíduo de nome Wolfgang Amadeus Mozart
viesse a criar precisamente uma ópera denominada “Flauta Mágica” e
não outra coisa, ou mesmo coisa nenhuma. A criação pode ser
documentada, reconstituída em suas fases, compreendida na sua lógica
interna e articulada com outras criações do mesmo autor, tudo isso

http://www.olavodecarvalho.org/textos/ignorante.htm (2 de 3)16/4/2007 11:12:05


Coisa de ignorante

independentemente e antes de qualquer especulação de “causas”, que


teria de remontar a etapas bem anteriores e levar em conta um quadro
de referências praticamente ilimitado, perdendo em precisão o que
ganhasse em amplitude especulativa. O próprio Mozart teria, decerto,
muito mais facilidade para recordar a seqüência de etapas percorridas
na composição da ópera do que em explicar “por que”, afinal, a criou,
exceto se como “causa” se entendesse a mera intenção subjetiva do
personagem. O “por que” as coisas aconteceram, na maior parte dos
casos, só Deus sabe. O historiador contenta-se, quase sempre, com o
“como”, e não se aventura a conjeturar os porquês antes de certificar-se
de que todas as seqüências de ações dos vários protagonistas são bem
conhecidas, não só isoladamente mas na sua mútua articulação
temporal.

A simples revelação de documentos inéditos que alteram o


conhecimento de uma das seqüências já basta, por si, para colocar entre
parênteses, até novo exame, todas as hipóteses causais conhecidas, e
alegar uma destas contra a autoridade dos documentos é, para falar o
português claro, coisa de ignorante.

29/12/03

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/ignorante.htm (3 de 3)16/4/2007 11:12:05


Difamando o Ternuma

Difamando o Ternuma

Olavo de Carvalho

Embora tendo o mérito de chamar a atenção do público para uma


corrente de opinião cuja existência a mídia em peso prefere silenciar, a
matéria de Luiz Maklouf Carvalho sobre o Ternuma (O Estado de S.
Paulo, 16 de dezembro de 2003) é uma das mais desonestas que tenho
lido na imprensa brasileira. Desde logo, apresenta o site www.ternuma.
com.br como órgão destinado a “representar interesses da direita
militar”. Por que “interesses” e não “ideais”, “convicções” ou “opiniões”?
A palavra “interesse” indica postulação devida ou indevida de
vantagens, cargos, poderes ou lucros para uma pessoa ou um grupo.
Ora, os mantenedores do site são oficiais aposentados: estão fora de
toda atividade político-partidária, de toda concorrência profissional,
eleitoral ou comercial. Não têm mais “interesse” nenhum a defender,
estando por isso mesmo livres para lutar por suas crenças sem aquele
temor que hoje inibe todo porta-voz de “interesses” -- seja corporativos,

http://www.olavodecarvalho.org/textos/difternuma.htm (1 de 3)16/4/2007 11:12:18


Difamando o Ternuma

empresariais ou militares -- e faz dele um virtual bajulador do governo.


Os homens do Ternuma não reivindicam absolutamente nada, apenas
emitem suas opiniões quanto ao que julgam certo e errado. O termo
“interesse”, não servindo para descrever objetivamente as metas do site,
só pode portanto ter sido usado em sentido pejorativo, para sugerir a
busca de vantagens materiais por trás da defesa de idéias -- uma
perfídia que jamais vi o Estadão cometer contra qualquer site
esquerdista, por mais obviamente vinculado que estivesse a interesses
reais, quer legítimos ou ilegítimos.

Em segundo lugar, o sr. Maklouf diz que o site “qualifica o presidente da


República de ‘beócio’ e de ‘sujeito inculto e despreparado’ por ter usado
a expressão ‘bando de general’ em discurso”. A frase é calculada para
dar à acusação um ar de coisa desproporcional e absurda. Ninguém
pode merecer tantos qualificativos ruins só por ter casualmente usado
esta ou aquela expressão. A incultura e o despreparo do sr. Lula já eram
notórios antes do seu discurso, não dependem deste de maneira alguma
e foram assinalados no site pelo menos desde a campanha eleitoral. O
sr. Lula é beócio, inculto e despreparado por ser beócio, inculto e
despreparado -- e não por ter casualmente usado de um termo infeliz.
Ternuma jamais pensou nem disse o contrário.

Em terceiro lugar, a matéria acusa o Ternuma de “atacar com virulência


ex-militantes de esquerda que estão no poder”. É verdade que o site
critica pesadamente pessoas que estão no poder, mas elas não são “ex-
militantes” e sim “militantes” -- sem “ex” nenhum. A partícula
descabida só serve para veicular a insinuação de que o site critica essas
pessoas no presente pelo que fizeram no passado, e não pelo que estão

http://www.olavodecarvalho.org/textos/difternuma.htm (2 de 3)16/4/2007 11:12:18


Difamando o Ternuma

fazendo exatamente agora. Indivíduos como Lula, José Dirceu e Frei


Betto não se desligaram de seu partido nem de seus compromissos com
o Foro de São Paulo, coordenação do movimento comunista no
continente. Não se afastaram da sua militância para fazer política: sua
política de hoje é, ao contrário, a plenitude da sua militância, a
realização de tudo quanto sonharam e prometeram fazer em favor de
Cuba, em favor do comunismo, contra o Brasil.

29/12/03

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http://www.olavodecarvalho.org/textos/difternuma.htm (3 de 3)16/4/2007 11:12:18


Por que celebrar o Natal

Por que celebrar o Natal

Olavo de Carvalho
25 de dezembro de 2003

Só existe um motivo para celebrar o Natal, mas esse motivo é tão


amplamente ignorado que as festas natalinas devem ser consideradas
uma superstição em sentido estrito, a repetição ritualizada de uma
conduta habitual que já não tem significado nenhum e na qual,
portanto, cada um está livre para projetar as fantasias bobas que bem
entenda.

Jesus Cristo, encarnação do Verbo Divino, ou inteligência de Deus, veio


ao mundo para oferecer-se como vítima sacrificial única e definitiva,
encerrando um ciclo histórico que durava desde as origens da
humanidade e que era regido essencialmente pela Lei do Sacrifício (v.
Ananda Coomaraswamy, A Lei do Sacrifício, e René Girard, O Bode
Expiatório).

http://www.olavodecarvalho.org/textos/natal_2003.htm (1 de 4)16/4/2007 11:12:32


Por que celebrar o Natal

A Lei do Sacrifício é inerente à estrutura da existência cósmica. Só Deus


tem a plenitude do ser, e o que quer que exista sem ser Deus tem uma
existência precária, fundada num débito ontológico insanável, que na
escala da alma humana se manifesta como culpa.

A Lei do Sacrifício não pode ser suspensa e jamais o foi.

O que Nosso Senhor Jesus Cristo fez foi cumpri-la toda de uma vez,
instituindo em lugar do Sacrifício a Eucaristia, que é a recordação do ato
sacrificial definitivo. A recordação passa então a ter o valor de uma
repetição sem necessidade de novas vítimas.

Antes as vítimas se somavam: 1 + 1 + 1 + 1...

Agora a vítima única se multiplica por si mesma no ato da Eucaristia: 1 x


1 x 1 x 1...

Façam as contas e compreenderão por que o Natal deve ser celebrado.

O problema é que o fim de um ciclo histórico não traz necessariamente,


para as gerações seguintes, a consciência da mutação ocorrida.

Essa consciência deve ser reconquistada e retransmitida de geração em


geração, e na sociedade moderna essa transmissão cessou já faz algum
tempo. Pouquíssimas pessoas têm uma consciência clara do que
ganharam com o Natal. A maioria, mesmo quando recebe presentes,
não sabe que eles apenas simbolizam um ganho muito maior que já foi
obtido 2003 anos atrás.

http://www.olavodecarvalho.org/textos/natal_2003.htm (2 de 4)16/4/2007 11:12:32


Por que celebrar o Natal

Esse ganho pode ser explicado em poucas palavras:

Todo homem, pelo simples fato de existir, é atormentado pela culpa e


vive num constante discurso interior de acusação e defesa, que produz
medo, ódio, inveja, ciúme, busca obsessiva de aprovação. Esses
sentimentos tornam o homem vulnerável às palavras más, às acusações
e insinuações que lhe chegam de seus semelhantes, da cultura ambiente
ou de seu próprio interior. O conjunto dessas acusações e insinuações é
o espírito demoníaco, que em razão da culpa mesma tem poder
incalculável sobre o ser humano. Em busca de proteção contra esse
poder, o homem se submete aos maus e aos intrigantes, isto é, aos
representantes do próprio espírito demoníaco, acreditando que aqueles
que podem feri-lo devem também poder ajudá-lo. Com isso ele se torna
a vítima sacrificial, o bode expiatório num grotesco ritual simulado.

Cristo adverte-nos que esse sacrifício é inútil, desnecessário e


pecaminoso. Não existe no mundo um poder ou autoridade habilitado a
exigir vítimas. Deus Pai só exigiu uma, e Ele mesmo a forneceu. Quem
quer que, depois disso, se sinta culpado, não deve se oferecer como
vítima sacrificial perante altar nenhum. Deve apenas recordar-se do
sacrifício de Cristo e alegrar-se. Isso é tudo.

Muitas pessoas até sabem que as coisas são assim, mas entendem isso
somente do ponto de vista religioso formal, sem tirar desse
conhecimento as conseqüências práticas de ordem psicológica, que são
portentosas:

Aquele que se ofereceu para ser sacrificado em nosso lugar não é um

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Por que celebrar o Natal

cobrador de dívidas nem um acusador, mas um salvador. Ele nada pede,


apenas oferece. E em troca aceita uma palavrinha, um sorriso, uma
intenção inexpressa, qualquer coisa, pois não é irritadiço nem
orgulhoso: é manso e humilde.

Se, sabendo disso, você ainda é vulnerável aos olhares acusadores e às


palavras venenosas, se ainda sente ante os intrigantes e os maldosos um
pouco de temor reverencial e tenta aplacá-los com mostras de
submissão para que eles não o exponham à vergonha ou não o
castiguem de algum outro modo, é porque ainda não compreendeu o
sentido do Natal.

Esse sentido é simples e direto: os maus e intrigantes não têm mais


nenhuma autoridade sobre você. Não baixe a cabeça perante eles, não
consinta que suas fraquezas sejam exploradas pela malícia do mundo.

Jesus Cristo já pagou a sua dívida.

É por isso que comemoramos o Natal.

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