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CENTRO UNIVERSITÁRIO BELAS ARTES DE SÃO PAULO

PÓS-GRADUAÇÃO EM MUSEOLOGIA, COLECIONISMO E CURADORIA

Marcela Pires Ferreira Novaes da Silva

INTERSTÍCIO NO TRABALHO DE SOFIA BORGES:

O PENSAMENTO CURATORIAL COMO DESDOBRAMENTO

SÃO PAULO

2017
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MARCELA PIRES FERREIRA NOVAES DA SILVA

INTERSTÍCIO NO TRABALHO DE SOFIA BORGES:

O PENSAMENTO CURATORIAL COMO DESDOBRAMENTO

BANCA EXAMINADORA

_______________________________

Professor orientador Doutor Cauê Alves

_______________________________
Professora convidada Doutora Marilúcia Bottallo

Data de defesa:

09 de dezembro de 2017

São Paulo

2017
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MARCELA PIRES FERREIRA NOVAES DA SILVA

INTERSTÍCIO NO TRABALHO DE SOFIA BORGES:

O PENSAMENTO CURATORIAL COMO DESDOBRAMENTO

Artigo científico apresentado ao Centro


Universitário Belas Artes de São Paulo, como
requisito à conclusão do curso de Pós Graduação
em Museologia, Colecionismo e Curadoria.

Orientação de Prof. Dr. Cauê Alves

São Paulo

2017
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“Minha irmã, ou o retrato de minha irmã” e


“Autorretrato pensando no retrato de minha
irmã”, expostas juntas na
série/exposição/desdobramento “Pré-
História”, em 2011, na Galeria Virgílio.
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 07
1.1 SURGIMENTO .. ................................................................................................. 08
1.2 TRAJETÓRIA DE PRODUÇÃO: O SUBTERRÂNEO ... ................................. 08
1.3 A IMAGEM DE TRANSIÇÃO: SUJEITO, NARRATIVA E ARTIFICIO ....... 11

2. OS INTERSTÍCIOS DA LINGUAGEM FOTOGRÁFICA ............................. 15


2.1 NOMES.................................................................................................................16

3. O TRABALHO AUTÔNOMO E EM DIÁLOGO: AS EXPOSIÇÕES COMO


DESDOBRAMENTOS. .............................................................................. 22
3.1 A EXPOSIÇÃO “ TEMA” ... ............................................................................... 24
3.2 MINHA IRMÃ, OU O RETRATO DE MINHA IRMÃ ... .................................. 30

4. 33ª BIENAL DE SÃO PAULO: AFINIDADES AFETIVAS ........................... 35

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 36

6. REFERENCIAS .................................................................................................. 37

7. ANEXO……… ...................................................................................................... 39
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RESUMO

Este artigo aborda a produção da artista contemporânea Sofia Borges, discutindo como
se dá o seu processo criativo, em especial a sua maneira de trabalhar, a partir da fotografia,
questões que transcendem e corrompem os espaços da linguagem fotográfica, e como ela
se utiliza do pensamento curatorial e expográfico para gerar desdobramentos de seus
trabalhos.
PALAVRAS CHAVE:
Fotografia, linguagem, pensamento curatorial, processo.

ABSTRACT
This article covers the production of contemporary artist Sofia Borges, discussing how it
gives its creative process, in particular its way of working, from photography, issues that
transcend and corrupt the spaces of the photographic language, and how it uses the
Thought curatorial and expography to generate unfolds of their work.
Keywords:
Photography, language, curatorial thought, process.
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1. INTRODUÇÂO

Este artigo é resultado de uma pesquisa acerca do trabalho artístico da artista Sofia
Borges, o que dará base para análises a partir de como se dá o seu processo criativo, que
muitas vezes acontece por meio do desdobramento de trabalhos pelo pensamento
curatorial e expográfico.

Sofia é uma artista que possui uma extensa produção em fotografia, explorando
nelas, especialmente, questões que envolvem linguagem, sentido, significado, imagem,
manipulação, ambiguidade, memória e construção (e quebra) de narrativas.

Nascida em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, foi estudar moda em São Paulo
capital, foi quando visitou uma exposição no Museu de Arte Contemporânea da USP que
acabou seguindo um rumo diferente. Segundo a própria artista, “se havia uma profissão
em que se produzia algo parecido com aquilo que estava exposto, era aquilo que ela
gostaria de fazer”. Posteriormente ingressou na Universidade de São Paulo, no curso de
Artes Visuais, onde se graduou em 2008, ano em que também recebeu quatro prêmios
por sua pesquisa e produção. Apesar de a fotografia ser base para seus trabalhos mais
importantes, segundo ela, não é e nunca foi um meio tido como absoluto e definitivo.
Sofia possui uma ampla, até certo momento diária, produção em desenho e também em
gravura, feita majoritariamente durante o período de graduação.

Desenho, técnica mista s/ papel, 2007 - retirado da monografia “Genealogia”

Além de uma produção visual extensa, a artista também tem o hábito de escrever,
tanto sobre o seu trabalho quanto a partir dele. Parte desse material foi consultado para a
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elaboração do presente artigo. Mesmo ela sendo jovem, com pouco material crítico escrito
por outras pessoas até o momento, o contato com sua trajetória e pesquisa foi facilitado
com a sua colaboração.

1.1 Surgimento

Um fato para pensarmos mais profundamente a sua produção é que, segundo a


artista, quando criança passava por momentos de suspensão da realidade, em que
acordava sem entender o sentido, nome, ou função dos objetos e das pessoas, sensação
essa que durava por alguns minutos.

Às vezes em que isso me ocorreu foram no acaso do acordar, pela manhã, num
ambiente o mais familiar possível. E a sensação era de uma irrecuperável cisão com o
sentido; sendo que por sentido quero dizer: o meu nome, a minha família, os objetos ao
meu redor e a sobreposição dos fatos que me ocorreram até aquele presente momento, ou
seja, ao que seria possível remontar a uma ideia de indivíduo ou história. [...] Tudo se
encontrava destituído de uso e função, estavam desvalorados enquanto sentido. (Sofia
Borges em Genealogia Nova, 2008, p. 11)

Esses episódios de cisão com a realidade formaram sua maneira de observar e


sentir o mundo, criando um desejo constante de retirar momentaneamente o significado
das coisas, ou até mesmo criar sobreposições de sentidos, atribuir aos objetos o máximo
de sentidos que pudessem ganhar.

Para quem já a conhece, talvez esse fato não ajude a compreender melhor o seu
trabalho, mas a partir disso é possível sistematizar o que está presente neles, no sentido
de externar, escrever sobre, o que nem sempre é possível sem um exemplo mais sólido.

1.2 Trajetória de produção: o subterrâneo

Entre as referências que têm sido importantes para escrever sobre o trabalho de
Sofia Borges, esta a sua monografia da graduação, intitulada “Genealogia”, nela há
escritos que perpassam a sua trajetória e a sua maneira de ver e pensar a imagem. Segundo
a autora, esses escritos não tinham o objetivo de fazer o espectador entender melhor a sua
produção, mas sim fazer com ela mesma a compreendesse melhor, como um mapeamento
do subterrâneo existente e não tão visível, um caminho por onde passou. O que se tem
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acesso, a superfície, seria então formada pelos seus trabalhos mais atuais e conhecidos,
que tiveram um caminho de pesquisa e experimentação que os antecede e perpassa.

Sua pesquisa a partir do estudo da linguagem em fotografia começa com fotos


espontâneas de sua família, tiradas em dias de confraternizações, como em festas,
celebrações de natal, aniversários e encontros cotidianos. Em sua monografia há
comentários sobre como era essa relação entre os parentes e o seu costume de fotografá-
los, o que, para ela, só era possível pelo disfarce que o fato de ser alguém da família a
fazia carregar. O que mudou quando comprou a sua primeira câmera profissional.

As fotos tomadas de sua família já chegavam a uma atmosfera de dúvida, para a


artista, era como se distanciar por meio do ato de fotografar. As pessoas ali retratadas
perdiam as suas identidades, se tornavam desconhecidos, como se nem ela soubesse o que
faziam, para que ocasião estavam vestidos, sobre o que falavam e quase tornavam-se
objetos.

Aos poucos, eu desenvolvia um olhar distanciado, que me inseria naquelas


reuniões como um estrangeiro que observa algo conhecido, mas alheio à sua cultura. E
apesar de compartilhar todos os códigos do que acontecia, a minha intenção ameaçava,
para mim mesma, a própria coerência daquilo que fotografava. (Sofia Borges em
Genealogia Nova, 2008, p.16)

Penumbra, vinhetas, longa exposição, dupla exposição, desfoque, manipulação


digital, granulação, balanço de luz e cores, são alguns dos elementos que fazem parte
dessa atmosfera de dúvida. Não se tem acesso a tudo nessas narrativas presentes em suas
fotos, tanto no que está representado, como fisicamente, nos efeitos visuais.
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Reunião na cozinha, 2004 (primeiro ensaio fotográfico) – retirada de “Genealogia”, 2008.

Minha mãe levando o tender para a mesa, 2006 (o último ensaio) – retirada de “Genealogia”,
2008.

Essa foto de sua mãe faz parte do seu primeiro ensaio feito com sua primeira
câmera profissional. Os primeiros ensaios de sua família foram feitos com uma câmera
digital compacta, e fotografar com a profissional a fez pensar em como seu ato se tornara
11

autônomo, já não precisava mais fazer muito para tirar as fotos, o que a fez se sentir ainda
mais dispensável, desvinculada do ato de fotografar em si e, consequentemente, de seus
“objetos”. Para completar esse distanciamento, a artista comprou um tripé e chegou à
conclusão de que estava caminhando para um novo assunto.

1.3 A imagem de transição: sujeito, narrativa e artifício

Foto de sua irmã, que ela caracteriza como a fotografia de transição - retirada de Genealogia.

Foi a partir dessa foto tirada de sua irmã, que suas fotografias começaram a seguir
um caminho diferente. Segundo ela, essa foto resolveu um paradigma, uma questão que
até então a atrapalhava: a fotografia como algo rígido, que congela, registra momentos,
12

situações e assuntos, algo que não condiz com essa foto em si, que envolve o momento,
o sujeito e os objetos numa relação complexa e de suspensão de sentido, que estende sua
compreensão para além do que foi capturado. A irmã, além de se encontrar sem
identidade, como em suas fotos de família, estava fora de contexto, presa em um gesto
indefinido, incompleto, desconhecido.

Aparecem então em sua produção os autorretratos, chamados pela artista de cenas,


onde, segundo ela, existe o artifício, em que as fotografias se tornam distantes da carga
documental e de registro dos fatos que possuem, e caminham para um lugar mais próximo
da alegoria, da construção.

Começa a criar “cenas” onde ela aparece em atividades e lugares comuns ao seu
cotidiano, muito mais ocupando uma posição no espaço do que simulando algo, como
uma forma de se distanciar de seu lugar como pessoa que fotografa, deslocando-se para
o lugar do fotografado, como materialidade, objeto-situação. Percebeu uma diferença
entre o existir e se fazer existente, uma representação de si mesma, mesmo que essa
representação fosse apenas como matéria.

Um dos autorretratos em que a artista cria cenas como se tivesse sido flagrada, como na
foto de sua irmã na cozinha. – retirada de “Genealogia”

Os lugares escolhidos para essas fotos também seguiam a ideia de ambiguidade.


São sempre lugares internos, domésticos, facilmente detectáveis como algum cômodo
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específico, porém, com detalhes que também os tornam não-lugares, que pouco dizem
sobre o que é feito ali, dissimulados.

Fotografias retiradas de “Genealogia”.


14

O campo de visão das fotos se amplia, comparado aos das séries anteriores aqui
discutidas, ao mesmo tempo em que os elementos que formam os espaços se fecham em
si.

Ambiguidade talvez seja a palavra chave para falarmos sobre seus autorretratos,
o que, posteriormente, vai continuar vigente em suas outras séries/exposições. Ainda que
suas roupas e gestos fossem os mais habituais (segundo a artista), ainda nos indicam algo
estranho e suas poses escondem algo, como na terceira imagem, onde claramente é
mostrado um quarto, mas o enquadramento está cercado de espaços pretos, o que nos
indica que pode ser uma janela, estando coberta com um tecido escuro. A artista se retrata
parada e estática do lado da cama, ou seja, alguns elementos nos dizem ser uma imagem
familiar, rotineira, mas outros nos dizem o contrário.

A artista, ao se fotografar se utiliza do tripé e da foto programada. As imagens


passam por um processo de duas etapas de construção, que ela também chama de
“colagem”.

As fotos são gravadas em RAW, um formato que preserva o máximo de qualidade


fotográfica que a câmera suporta, e que funciona como um negativo para a fotografia
analógica, pois pode ser editado diretamente em sua estrutura, sem alteração de qualidade.
Inúmeras fotos da mesma cena são tiradas, obtendo assim, imagens idênticas que irão
variar apenas a(s) posição(ões) do sujeito e aspectos técnicos da própria câmera, como
foco, iluminações e tempos de exposição1. O tempo de exposição, inclusive, contribui
para a captura de um tempo não homogêneo. Essa é a primeira etapa.

A segunda etapa, para ela a mais demorada e complexa, consiste em quebrar as


imagens iniciais para usar algumas partes delas, como uma colagem de imagens muito
parecidas, mas que em sutis detalhes que as diferenciam, criando uma nova imagem em
que características da cena podem ficar diferentes e detalhes podem ficar mais destacados.

Essa breve introdução sobre a trajetória do trabalho de Sofia Borges, até o


momento em que escreveu sobre, e também sobre seus recursos técnicos é importante
para termos uma base para pensar sua produção, visto que a partir de agora, neste artigo,
aparecem trabalhos mais recentes e que potencializam ainda mais algumas questões aqui

1
Imagem demonstrativa de alguns dos resultados desse processo de edição, retirada da monografia da
artista, em anexo ao final desse artigo.
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já comentadas, como, por exemplo, a fotografia como um meio de expressão que recebeu
uma carga muito forte de verossimilhança, de fidelidade ao real, e como, exatamente por
causa dessa característica, seja um suporte tão facilmente corruptor da imagem e da
realidade.

O espectador fica à deriva, refletindo sobre a circunstância e a origem daquele


evento [...] somos permeados mais por dúvidas que por convicções” (Felipe Scovino, para
a revista ZUM, 2013, p. 164)

Nos trabalhos mais recentes que aqui serão contextualizados, há além desse jogo
entre objeto e imagem, realidade e artifício, uma carga um pouco maior de dúvida e
mistério, de esvaziamento de sentido, e há, também, um jogo entre gêneros e suportes.

Luisa Duarte, em entrevista com Sofia Borges, para o livro ABC Arte Brasileira
Contemporânea, publicado em 2013, compara seu trabalho ao da artista Mira Schendel
(1919 – 1988) no que diz respeito à desarticulação e desconstrução até chegar ao quase
nada. Mira com as letras, palavras e formas, e Sofia com seus referentes fotográficos.

Há menos recursos usados para a construção de uma imagem e mais recursos que
estão propriamente no que é fotografado, gerando uma nova infinidade de jogos de
linguagem, pois não são mais apenas cenas fotografadas, mas principalmente objetos e
imagens físicas já existentes, onde o enquadramento e as próprias características inerentes
a cada referente são cercadas por mistério e nos fazem ter dúvidas sobre a natureza da
fotografia.

2. OS INTERSTÌCIOS DA LINGUAGEM FOTOGRÁFICA

Porque a fotografia tem essa quimera, faz pensar que estamos vendo uma
coisa, quando na verdade estamos vendo somente o seu referente [...] um fantasma, por
mais quimérico, translúcido e inexplicável que seja, ainda carrega o fardo de ser um lençol
que flutua sem explicação ou lógica. (Catálogo BES Photo 2013, p. 31)

As imagens de Sofia Borges transitam por diferentes “espaços”. O referente dá a


base para se investigar a natureza da imagem como linguagem. “Interstício” surge nessa
pesquisa como uma palavra que comporta aquilo que o trabalho de Sofia Borges, em todas
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as suas dimensões, sempre traz à superfície, tanto de forma explícita, como nem tão
explícita.

Fotografia que transforma o referente em imagem, ou então que transforma uma


imagem em uma nova imagem. O referente pode ser uma imagem ou fazer parte de uma,
e a partir do momento em que é fotografado gera uma nova infinidade de sentidos, ou a
ausência deles. O ângulo e o enquadramento, assim como na ausência de contexto
original, conseguem resinificar um objeto, torná-lo indecifrável,

Em tudo que se lê sobre o seu trabalho, encontra-se uma dificuldade de definição,


de colocar o trabalho em um lugar fixo e já estabelecido, está sempre entre duas ou mais
questões, gêneros ou técnicas ao mesmo tempo, está em todas e em nenhuma.
Mencionam-se os espaços da manipulação, da fotografia de registro, da colagem, mas
sempre apenas como uma tentativa de mapeá-lo melhor, pois ao mesmo tempo em que
perpassa por esses lugares, não está em nenhum deles em totalidade, especialmente os
trabalhos mais recentes.

Você parece trabalhar para que eles (aspectos físicos como superfície,
material, tamanho, para com o referente fotográfico) não contaminem, mas, no entanto,
eles o contaminam ao mesmo tempo. Ou eles blefam: quase fingem que o contaminam.
Suas fotos são secas, diretas, às vezes figuradas, mas, no entanto, ausentes. Eles perfuram
o referente, se desfazem nele. é pintura e não é, é retrato e não é, é paisagem e não é.
(Luisa Duarte para ABC Arte Brasileira Contemporânea, 2013, p. 370)

Seu trabalho nos faz pensar na fotografia como um campo infinitamente plural e
produtivo, e, se formos pensar nela como um local físico e fictício, seria um lugar que dá
entrada para não-lugares e outros lugares. Os lugares seriam os espaços já estabelecidos
e que não têm necessidade de se misturar para serem definidos, os conceitos. Os não-
lugares seriam os espaços ainda não explorados ou não definidos. As imagens da artista
estão no meio, talvez dentro de alguma parede, mas não os falta nada, é exatamente isso
que os torna o que são.

2.1 Os Nomes
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“Os Nomes, o título, define para mim a tentativa de nomear algo que não se
define, que é, no caso, como eu entendo a fotografia” (Sofia Borges para o Catálogo BES
Photo 2013, p. 39)

A partir da exposição intitulada Os Nomes, pensada para ser apresentada no


Museu da Coleção Berardo, em Lisboa, como indicação ao Prêmio BES Photo 2013, é
possível ter uma visão de como a artista organiza o seu pensamento, tanto em seus
trabalhos em autônomo como dentro de uma exposição (que aqui serão chamadas também
de séries/exposições, pois da maneira como a artista as forma, não há como colocá-las em
um único lugar) de como eles funcionam sozinhos e em conjunto, com sentidos que se
somam, sobrepõem e anulam. O mistério e a ambiguidade presentes em suas fotografias
são intensificados quando se juntam a outras, nem sempre em uma sintonia visual e
representativa, formando uma não-narrativa.

Visão geral de parte da exposição, apresentada ao Museu da Coleção Berardo, em Lisboa, como
indicação ao Prêmio BES Photo 2013 – foto retirada de sofiaborges.carbonmade.com

Os Nomes é formada por dez fotografias, nove delas selecionadas dentre cerca de
seiscentas outras, tiradas em um único dia no ano de 2012, no Museu de Paleontologia de
Paris, e uma delas no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. São fotografias
que apresentam diferenças marcantes entre elas, mas que em comum mostram-se em um
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lugar entre a abstração e a figuração, como a própria artista descreve: “são indecifráveis,
ao mesmo tempo que ilustrativos e matéricos”. Novamente observamos nesses trabalhos
o jogo de dualidades, são ao mesmo tempo ilustrativos e indecifráveis. Seu trabalho está
sempre nesses entre-espaços.

A interação entre espaços bi e tridimensionais é um dos grandes prazeres de


se contemplar fotografias. A capacidade que esse meio tem de representar formas
plásticas sólidas, eventos e combinações fugazes, e de reduzi-los graficamente a duas
dimensões tem sido tanto motivo de uma duradoura fascinação para os fotógrafos como
um desafio ao longo de toda a história da fotografia. E, na fotografia artística
contemporânea, essas questões sobre a natureza essencial do meio não só têm relação
direta com as técnicas empregadas pelos artistas como também podem, muitas vezes, ser
o próprio tema de conjuntos inteiros de obras (COTTON, 2013, p. 41)

A partir do olhar da artista, do deslocamento semântico e do ângulo escolhido para


o enquadramento, imagens que originalmente têm o objetivo de serem explicativas e
claras, justamente por serem parte do que é exibido em museus de história natural, lugares
onde se promove a educação por essência, perdem todo esse caráter didático para
tornarem-se imagens estranhas, enigmas, e ‘’algumas muito próximas de um vácuo de
significação. Já não é mais a imagem que irá passar para o espectador uma ideia pronta a
ser assimilada, mas sim ele que deverá criar relações (ou ausências de relações) entre elas,
traçando o seu próprio caminho de pensamento.
Dentre as dez fotos da exposição, é possível distinguir três eixos visuais. O
primeiro seria o que envolve “Sem Título (Guggenheim)”, “Indecifrável #1”,
“Indecifrável #2” e “Sem Título (Boca)”. Essas fotos, em específico, foram feitas a partir
de colagens presentes em painéis explicativos do museu. Em tons ocres, são representados
objetos que lembram conchas ou ossos, mas que ao mesmo tempo há dificuldade de
encaixá-los em uma definição única.
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“Sem Título (Boca)” e “Indecifrável #2”, 2012. – foto retirada de sofiaborges.carbonmade.com

Duas delas são associadas pela própria artista a algo mais palpável, como ao
Museu Guggenheim, pela estrutura apresentada parcialmente circular e filamentada, e a
uma boca, pelo seu formado circular, com uma espécie de buraco no meio, com pedaços
que lembram dentes.
Os outros dois, são os ditos Indecifráveis, que diferentemente dos dois já descritos,
não nos remetem a nada em específico, ou então, melhor dizendo, podem nos remeter a
diversas coisas diferentes de uma vez só, todas juntas em um objeto estranho.
O segundo eixo envolve “Scissure”, “ES.IS” e “Cerveau”, e também mostram
colagens, de um outro painel do museu. Em tons de cinza e preto, se misturam dizeres em
francês fragmentados com imagens que, ao associar com o que está escrito, vemos que
mostram partes do sistema nervoso. Justamente por serem imagens que mostram parte
das etiquetas explicativas do painel, que podemos associá-las a algo, senão, a menos que
se conheça bem as partes que formam o sistema nervoso, poderiam ser diversas outras
coisas, ainda se apresentam enigmáticas e ambíguas.
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“Cerveau”, “Scissure” e “ES.IS” em visão geral, junto à artista.

O terceiro envolve “Caverna, ou Elefante” e “Coruja”, a única não tirada em 2012


no Museu de Paleontologia de Paris. Ao contrário das outras fotografias da
exposição/série, essas não são enquadramentos de uma superfície bidimensional, mas sim
de objetos tridimensionais, estando elas, assim, mais próximas de uma ideia mais
tradicional de representação fotográfica.
Há uma série de questões exploradas no trabalho de Sofia Borges nessas duas
fotos. “Coruja” é uma imagem capturada de um animal transformado em objeto (animal
taxidermizado), a ambiguidade começa por esse fato e passa também pelo seu
enquadramento, que não mostra a coruja de uma maneira de fácil assimilação como uma
ave. A foto foi tirada de lado, levemente de cima, não aparecem seus olhos e bico, fazendo
com que a materialidade e jogo entre figurativo e abstrato fossem intensificados, visto
que as características mais marcantes de uma coruja não ficam aparentes. Nela se nota a
textura de suas penas, as diversas cores presentes nela em escala de cinza, seu contorno
lembra o de uma pedra ou uma montanha.
“Caverna, ou Elefante” é a mais indecifrável de toda a exposição, apesar de não
estar entre os nomeados assim. O enquadramento mostra uma massa disforme, como uma
rocha, mas o que a torna a mais ambígua e estranha é o olho que faz parte dessa massa.
O nome do trabalho nos conduz a pensar nisso como um animal, um elefante, como indica
21

o seu nome, mas ainda assim não é possível juntar os pontos a fim de associar a algo
certo.

“Caverna, ou Elefante” – retirada de sofiaborges.carbonmade.com

“La Tête du Cheval” (imagem ao


lado, retirada do site da artista
sofiaborges.carbonmade.com) é como uma
progressão de questões que envolvem a
fotografia e a imagem, a semelhança e a
diferença, se encontra entre os dois últimos
eixos, não se trata nem de uma foto tirada de uma
superfície bidimensional e nem de um objeto
tridimensional de forma direta, é uma foto de
uma imagem, que por sua vez, é uma ilustração
de um objeto tridimensional, encontrada em um
porta retrato dentro de um armário com ossos.
Nela houve manipulação: todos os nomes foram retirados, nomes que indicavam cada
parte representada da cabeça do cavalo, restaram nela apenas os traços que uniam os
escritos à imagem, ficando como uma indicação de nada. “Meu trabalho é mais sobre
elaborar uma pergunta do que como responder a uma” (catálogo BES Photo 2013, p. 33)

A não-narrativa criada pela artista a partir da associação entre seus trabalhos é


potencializada pela ambiguidade e pelos enigmas que cada uma delas carrega de forma
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individual. Diversas interpretações podem nascer do conjunto e, no caso de Os Nomes, o


nome dado à exposição não conduz o nosso pensamento para um início de uma narrativa
sólida. Ao mesmo tempo em que muitos sentidos são possíveis, a ausência de contexto,
de unidade visual, e o próprio processo de obtenção dessas imagens, fazem com que
também nenhum seja encaixável, como se sempre estivesse faltando algo.

3. O TRABALHO AUTÔNOMO E EM DIÁLOGO: AS EXPOSIÇÕES COMO


DESDOBRAMENTOS

“[...] configurar trabalhos em ‘uma exposição’ é tão importante quanto o


sentido de cada trabalho individualmente. Inclusive, hoje cada exposição que faço é como
se fosse uma estratégia expandida, um campo de forças, um trabalho. Então não se trata
de ‘mostrar’ trabalhos, mas sim de arranjar conteúdos para a constituição de uma outra
camada de significação.” (Sofia Borges para o Catálogo BES Photo 2013, p. 33)

Segundo a artista, o hábito que tem de fotografar as suas exposições, desde a sua
primeira exposição individual (que aconteceu em 2008), a faz pensar os seus trabalhos,
que ora são autônomos, ora expostos em conjunto, investigando suas relações, tornando
espaço expositivo uma base para desdobramentos.

A artista costuma pensar imageticamente e a partir de experimentações. Em seu


ateliê, na Vila Romana, zona oeste de São Paulo, há diversas de suas fotografias,
impressas em fineart emolduradas ou em impressões simples, em papeis coloridos. Há
recortes de suas próprias fotografias e também colagens, em suportes tanto
bidimensionais, como tridimensionais, há objetos de todos os tipos, de diversos materiais
e origens diferentes. É como um misto de ateliê, uma exposição e um gabinete de
curiosidades, onde tudo parece fazer parte de uma grande instalação.
23

Imagem do ateliê da artista – disponível em seu site sofiaborges.carbonmade.com

Imagem do ateliê da artista – disponível em seu site sofiaborges.carbonmade.com


24

Esses desdobramentos acontecem tanto estabelecendo um diálogo entre as obras,


como na ressignificação delas a partir de modificações, como em colagens e reimpressões
em outros tipos de papel. E essas misturas que a faz em seu ateliê para organizar o seu
pensamento e sua pesquisa, migram para o espaço expositivo.

Se formos analisar superficialmente sobre o fato de a artista desdobrar os seus


trabalhos dentro de uma curadoria, não seria novidade, afinal um dos objetivos de uma
exposição é o de ressignificar e expandir os sentidos de trabalhos de arte, mas para Sofia
Borges, o que se cria, ao uni-los em diferentes diálogos, é bem mais criar um novo
trabalho do que uma mostra.

Essa criação a partir do layout expositivo começa quando a artista pensa em seus
conjuntos de trabalhos como coleções, formadas a partir de eixos visuais ou de gênero
dentro de sua produção.

3.1 A exposição “Tema”

Podemos considerar a exposição “Tema”, realizada para o 47º Salão de Artes


Plásticas de Pernambuco, em 2012, no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães
(MAMAM) e no Museu do Estado de Pernambuco (MEPE), na cidade de Recife-PE, uma
das mais relevantes ao se falar do desdobramento gerado a partir do pensamento curatorial
no trabalho de Sofia Borges. É de um conjunto de fotografias que perpassa questões de
construção da paisagem e museificação do objeto.

Houve uma conjugação de trabalhos presentes em duas exposições: “Pré-


História” e “Estudo da Paisagem”, juntamente com apropriações de fotografias de registro
do processo de construção dos dioramas do Museu de História Natural de Nova York,
dioramas estes que foram fotografados para a criação da série/exposição “Estudo da
Paisagem”.
25

Vista geral da exposição Tema – disponível no site sofiaborges.carbonmade.com

“Pré-História” 2 foi apresentada em abril de 2011 na Galeria Virgílio, em São


Paulo. Esta exposição envolve catorze fotografias que, segundo a artista, foram reunidas
com o objetivo de investigar a respeito do retrato e suas formas de construção. São
imagens que não possuem a mesma origem, e nem têm uma unidade visual.

Há fotos apropriadas, fotos de imagens já existentes e fotografias tradicionais,


apresentadas em tamanhos diferentes, tanto em cores como em preto e branco. O que as
une nessa condição de retrato vai um pouco além da ideia de senso comum tradicional do
que define um retrato: além de pessoas, há também animais e objetos retratados, que por
sugerirem “posar” para quem os fotografa, e também, talvez, por se colocarem no
enquadramento de forma centralizada, únicos na imagem, com certo destaque, os sujeitos
humanos quase todos olhando para a câmera, os animais estão todos posicionados de
perfil e os objetos, em posição de destaque.

2
Mais imagens dessa exposição em anexo neste artigo
26

“Coruja”, presente em “Pré-História” e “Tema” – imagem retirada de galeriamillan.com.br

“Estudo para Paisagem” 3 é uma série formada por vinte fotografias tiradas de
detalhes das paisagens representadas aos fundos dos cenários do Museu de História
Natural de Nova York e foi apresentada em 2011, como exposição, na Galeria Artur
Fidalgo no Rio de Janeiro, com doze dessas fotografias.

Como outros trabalhos da artista, as fotos dessa série/exposição envolvem um


jogo sobre o que é a imagem, sendo formada por fotos de imagens que já existiam, e que,
são reproduções em pintura de lugares que realmente existem ou já existiram, é um
labirinto de representação que a partir do momento fim em que os dioramas são
fotografados pela artista, há um retorno ao que poderia ser considerado real, uma
paisagem que passou por diferentes tipos seguidos de representação retornam à primeira
representação, o que pode de certa forma, torná-los verdadeiros novamente ou pela
primeira vez.

3
Mais imagens desta exposição no capítulo seguinte.
27

Fotografia pertencente à série/exposição “Estudo da Paisagem” – retirada de


sofiaborges.carbonmade.com

“Tema”4 é formada, como já dito anteriormente, pela conjugação entre as duas


séries/exposições anteriores e apropriações fotográficas em uma só exposição, ou melhor,
em novo(s) trabalho(s). É, na verdade, e justamente, uma exposição resultado de uma
pesquisa iniciada pela artista sobre transcender a vocação individual de cada imagem a
partir da conjugação entre trabalhos, ou seja, por mais que esse aspecto já fosse mais ou
menos presente em seu trabalho em exposições anteriores, até mesmo pelo seu hábito de
registro de suas exposições e forma de pensar a partir da imagem e da experimentação,
talvez fosse a primeira vez em que a artista consolidasse essa tentativa de desdobramento
de maneira convicta.

É de um conjunto de doze imagens, quatro vindas de “Estudo da Paisagem”, duas


de “Pré-História” e seis apropriações dos registros do museu, obtidas de seu acervo
disponível em sua biblioteca virtual.

4
Mais imagens dessa exposição em anexo ao final desse artigo.
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Visão geral da exposição “Tema” – retirada de sofiaborges.carbonmade.com

Suas fotos, retiradas de exposições anteriores, foram apresentadas em seus


tamanhos originais e em proporção bem maior que as apropriações do acervo do museu,
em pares, lembrando as proporções entre trabalho de arte e legenda. Cada uma das seis
fotos da artista foi exposta junto a uma das seis apropriações, criando uma segunda
camada de relações de significação entre as obras. Todas as imagens são apresentadas em
preto e branco, imagens vindas de “Estudo da Paisagem” foram manipuladas, pois
originalmente foram apresentadas coloridas. A única fotografia colorida é “Pepita”
(2011), é também a maior da exposição (100 x 160 cm), criando uma quebra de uma leve
unidade visual estabelecida pelas restantes.
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“Coruja”, exposta junto a uma apropriação do acervo do museu, que mostra um desenho que envolve
vegetação e animais, ainda em finalização – retirada de sofiaborges.carbonmade.com

As fotografias em pares com as apropriações criam uma relação interessante,


como se uma contasse parte da história da outra, talvez um começo e um final, um título
e um corpo, uma sequência que não fica clara, e nem nos passa a ideia de continuidade.
Algumas apropriações já nos mostram parte de um processo, já é em si uma narrativa
quebrada, descontinuada, a captura de um momento em que os cenários não estavam
concluídos, não há certeza se as fotos de “Estudo da Paisagem” fazem pares exatamente
com as apropriações referentes ao processo de construção de suas respectivas paisagens,
mas ainda assim, a proximidade nos faz pensá-los juntos.

Fotografia de “Estudo da
Paisagem” exposta junto a uma
apropriação do Museu. –
retirada de
sofiaborges.carbonmade.com
30

3.2 Minha irmã, ou o retrato de minha irmã

A essa altura, falar sobre como a artista constrói narrativas incompletas e


sobrepostas a partir de imagens, que a princípio não dialogam e nem formam uma
sequência, ou uma linha de pensamento visualmente lógica já pode parecer como algo
repetitivo, mas é preciso entender como esse caráter pode ser complexo e gerar resultados
plurais, se pensarmos na ausência de sentido não como uma temática que a artista
simplesmente adota, ou se guia, mas sim como uma maneira de se pensar a linguagem,
de transcender espaços.

“Minha irmã, ou o retrato de minha irmã” 2010 – retirada de


sofiaborges.carbonmade.com

A fotografia “Minha irmã, ou o retrato de minha irmã”, que também já teve o


nome “Minha irmã, 20 anos atrás”, em outras ocasiões, é um trabalho presente em
diferentes exposições, que aqui podemos chamar simultaneamente de séries ou
desdobramentos. Não é o único trabalho reincidente, logicamente, mas ele pode nos
31

mostrar como o desdobramento na produção da artista funciona quando analisamos


trabalhos reincidentes.

[...] Nesse ínterim, de fotografar uma fotografia impressa, acabo


sim achando outras coisas, bastante profícuas, sobre o que é uma fotografia.
Da mesma forma que encontrar por acaso uma fotografia da minha irmã no
armário da minha mãe, tirada vinte anos antes, determinou para mim um
paradoxo inesgotável. (Sofia Borges para o Catálogo BES Photo 2013, p. 33)

Em “Pré História”, como aqui já foi mencionado, foram agrupadas fotos em que
seus referentes, de alguma maneira, mostram-se seguindo a ideia tradicional do retrato
como gênero fotográfico. Os referentes, mesmo que não humanos ou animais, mostram-
se centralizados no enquadramento, em destaque, e, algumas vezes, posando ou olhando
para a câmera.

Visão geral da exposição “Pré-História”, apresentada em 2011 na Galeria Virgílio – foto retirada
de sofiaborges.carbonmade.com
32

“Autorretrato pensando no retrato de minha irmã”, “Vampire”, “The Admiral”, “Minha irmã, ou o retro de
minha irmã”, “Camel smiling posing for me”, algumas das fotografias que fazem parte da série/exposição.
33

Em “Estudo para Ausência”, apresentada à 31ª Bienal de São Paulo, em 2012,


“Minha irmã, ou o retrato de minha irmã aparece junto a outras fotos, algumas que se
repetem, como ela, por exemplo “The Admiral”, e outras que não.

Visão geral de “Estudo para a Ausência”, na 31ª Bienal de São Paulo, em 2012.

“Estudo para Ausência”, comparado a “Pré História”, é como se perdesse um


pouco da ideia de temática, (que, mesmo que não tenha sido intenção da artista de seguir
um tema, a ideia do autorretrato acaba guiando a nossa interpteação), já que aqui há uma
maior desunião visual e de gênero. Há menos sujeitos retratados e mais objetos e/ou
imagens bidimensionais. Esses sujeitos, que no caso são a irmã de Sofia e o senhor
presente em “The Admiral”, já não transmitem mais a ideia de retrato, pois, em meio a
tantos objetos, tornam-se também um.

A fotografia tirada de uma fotografia já existente de sua irmã talvez reincida em


diferentes exposições, duas delas exemplificadas aqui por imagens, justamente por
contam em si várias das questões pesquisadas por Sofia em sua produção: a imagem
transformada em outra imagem, o gênero do retrato questionada pela própria imagem, a
questão do bidimensional e tridimensional e a dúvida sobre se o referente é o sujeito ou a
imagem.
34

Parte das fotografias presentes


na exposição “Estudo para a
Ausência”

- Imagens retiradas de
sofiaborges.carbonmade.com
35

4. 33ª BIENAL DE SÃO PAULO: AFINIDADES AFETIVAS

Um acontecimento importante que envolve a artista Sofia Borges foi divulgado


durante as etapas finais da produção deste artigo e, por se relacionar muito com o que é
discutido e defendido, será comentado aqui, a partir do pouco que já foi dito sobre, apenas
como nota.

Com abertura prevista para setembro de 2018, a 33ª Bienal 5 já tem seu eixo
curatorial divulgado, eixo este que pretende “questionar a centralidade do papel do
curador na arte contemporânea” (Fundação Bienal).

Gabriel Pérez-Barreiro, curador espanhol, diretor da Coleção Patrícia Phelps de


Cisneros e que já trabalhou como curador/diretor/coordenador de diferentes instituições
e exposições pelo mundo, incluindo a 8ª Bienal do Mercosul que aconteceu em 2011 no
Brasil, foi confirmado, no começo do ano de 2017, como o curador da 33ª Bienal de São
Paulo, e apenas em outubro deste ano foi divulgada a sua proposta para essa edição: rever
o papel do central curador na arte contemporânea e o uso de temáticas nas curadorias da
Bienal.

Para isso, Pérez Barreiro convidou sete artistas, entre eles Sofia Borges, para
organizarem sete exposições, a partir de seus próprios olhares sobre seus processos
criativos.

Os demais artistas convidados são: Alejandro Cesarco (1975 – Uruguai), Antonio


Ballester Moreno (1977 – Espanha), Claudia Fontes (1964 – Argentina), Mamma
Andersson (1962 – Suécia), Waltercio Caldas (1946 –Brasil) e Wura-Natasha Ogunji
(Estados Unidos – 1970). Cada um irá cirar um projeto curatorial a partir de aspectos
pesquisados em seus próprios trabalhos.
Até aqui já pudemos ver que o processo criativo da artista se dá por entre-relações
em sua própria produção, o que talvez tenha motivado o convite do curador. Segundo o
que já foi divulgado pela Bienal, Sofia irá trabalhar a partir da ideia de tragédia e forma
ambígua, novamente algo que está fortemente presente em seus trabalhos.

5
Material informativo divulgado pela Bienal em anexo ao final desse artigo.
36

A artista declarou ter esse convite como um desafio, ao mesmo tempo que sentiu
grande alegria. Ao ser consultada sobre isso, para comentar um pouco sobre a sua
participação, ela preferiu não dizer nada por enquanto, já que ainda está em pesquisa, mas
já podemos ter uma certa ideia de que as exposições que encontraremos nessa Bienal irão
divergir um pouco do que foi visto nos últimos anos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conhecer um pouco mais a fundo o trabalho de Sofia Borges e do processo que


fez com que ele tenha se tornado o que é hoje nas fases mais recentes, transmite uma
sensação de incompletude, como as suas séries de fotografias que não nos entregam um
sentido claro, que não se definem e nem ao menos têm esse objetivo, enquanto a própria
artista mapeia maneiras de entender e sistematizar ela própria a sua produção, justamente
por ser tão recente e já tão conhecida e importante para a arte contemporânea, tanto
brasileira como internacional.

É uma produção ambígua por essência, está tudo entre dois ou mais espaços, dois
ou mais gêneros, e também nunca se encontra inteiramente em nenhum. São trabalhos
que se apropriam do que a fotografia representa para subverter a sua função tradicional e
corromper a ideia de registro, de representação fiel do real.

A produção deste artigo se deu por algumas conversas com a artista, leitura de
materiais que já foram escritos sobre seu trabalho, a maioria conseguidos com a ajuda da
própria artista, e também buscando observar sempre que possível as suas imagens, tanto
nos livros e em seu site, como pessoalmente, em seu ateliê ou exposições.

Sem haver a intenção de superestimar, há uma complexidade tão grande acerca da


produção de Sofia Borges, que a sensação é de não dar conta de explicá-la, como se essa
complexidade fosse, inclusive, parte de seu trabalho, um fato que contribui para que suas
imagens permaneçam em estado de enigma e ambiguidade, seria trazer à superfície algo
que está fixo nas profundezas de um pântano.

Afinal, como seria possível solucionar algo que, por essência, não é para ser
solucionado?
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6. REFERÊNCIAS

BORGES, Sofia D. Genealogia. 2008. 43 fls. Trabalho de conclusão de curso –


Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, 2008.

BORGES, Sofia D. The Swamp. – Londres : MACK Books, 2016.

Catálogo BES Photo 2013. Museu da Coleção Berardo, Lisboa: Maiadouro, 2013. 56
pgs.

COTTON, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. 2 ed. – São Paulo :


Editora WMF Martins Fontes, 2013.

PEDROSA, Adriano, DUARTE, Luisa (Eds.). ABC Arte Brasileira Contemporânea.


– São Paulo : Cosac Naify, 2013.

SCOVINO, Felipe. As Criaturas: Um mundo entre a realidade e a invenção, ZUM


Revista de Fotografia, São Paulo, n. 3, p. 152 – 165, 2013

MATERIAIS CONSULTADOS

BORGES, Sofia. The Swamp. – Londres : MACK Books, 2016.

Catálogo da 30a Bienal de São Paulo: A iminência das Poéticas / curadores Luís Pérez-
Oramas. . . [et al.]. – São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2012.

Site da artista Sofia Borges. Disponível em https://sofiaborges.carbonmade.com/.


Acessado em (último acesso em): 15/11/2017, 20h30.

Galeria OMR. Disponível em http://galeriaomr.com/sofia-borges-reincidencia-y-


paradigma/ - Acessado em 19/11/2017
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Conheça a Equipe Curatorial da 33ª Edição. Disponível em


http://www.bienal.org.br/post.php?i=4384 – Acessado em 18/11/2017

33ª Bienal de São Paulo Revê Papel da Curadoria. Disponível em:


http://www.bienal.org.br/post.php?i=4382 – Acessado em 18/11/2017
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7. ANEXOS

IMAGENS DA EXPOSIÇÃO ESTUDO DA PAISAGEM:

Fotografias da série “”Estudo da

Paisagem” e visão geral da exposição,

Apresentada à Galeria Artur Fidalgo,

Em 2011, no Rio de Janeiro.


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IMAGENS DA EXPOSIÇÃO “TEMA”

Uma das apropriações do acervo do Museu de História Natural de Nova York – retirada de
sofiaborges.carbonmade.com

Visão geral de parte da exposição “Tema” – retirada de sofiaborges.carbonmade.com


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Retiradas de sofiaborges.carbonmade.com
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INFORMATIVO DIVULGADO PELA 33ª BIENAL DE SÃO PAULO

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