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SÃO PAULO
2017
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BANCA EXAMINADORA
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Professora convidada Doutora Marilúcia Bottallo
Data de defesa:
09 de dezembro de 2017
São Paulo
2017
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São Paulo
2017
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 07
1.1 SURGIMENTO .. ................................................................................................. 08
1.2 TRAJETÓRIA DE PRODUÇÃO: O SUBTERRÂNEO ... ................................. 08
1.3 A IMAGEM DE TRANSIÇÃO: SUJEITO, NARRATIVA E ARTIFICIO ....... 11
6. REFERENCIAS .................................................................................................. 37
7. ANEXO……… ...................................................................................................... 39
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RESUMO
Este artigo aborda a produção da artista contemporânea Sofia Borges, discutindo como
se dá o seu processo criativo, em especial a sua maneira de trabalhar, a partir da fotografia,
questões que transcendem e corrompem os espaços da linguagem fotográfica, e como ela
se utiliza do pensamento curatorial e expográfico para gerar desdobramentos de seus
trabalhos.
PALAVRAS CHAVE:
Fotografia, linguagem, pensamento curatorial, processo.
ABSTRACT
This article covers the production of contemporary artist Sofia Borges, discussing how it
gives its creative process, in particular its way of working, from photography, issues that
transcend and corrupt the spaces of the photographic language, and how it uses the
Thought curatorial and expography to generate unfolds of their work.
Keywords:
Photography, language, curatorial thought, process.
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1. INTRODUÇÂO
Este artigo é resultado de uma pesquisa acerca do trabalho artístico da artista Sofia
Borges, o que dará base para análises a partir de como se dá o seu processo criativo, que
muitas vezes acontece por meio do desdobramento de trabalhos pelo pensamento
curatorial e expográfico.
Sofia é uma artista que possui uma extensa produção em fotografia, explorando
nelas, especialmente, questões que envolvem linguagem, sentido, significado, imagem,
manipulação, ambiguidade, memória e construção (e quebra) de narrativas.
Nascida em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, foi estudar moda em São Paulo
capital, foi quando visitou uma exposição no Museu de Arte Contemporânea da USP que
acabou seguindo um rumo diferente. Segundo a própria artista, “se havia uma profissão
em que se produzia algo parecido com aquilo que estava exposto, era aquilo que ela
gostaria de fazer”. Posteriormente ingressou na Universidade de São Paulo, no curso de
Artes Visuais, onde se graduou em 2008, ano em que também recebeu quatro prêmios
por sua pesquisa e produção. Apesar de a fotografia ser base para seus trabalhos mais
importantes, segundo ela, não é e nunca foi um meio tido como absoluto e definitivo.
Sofia possui uma ampla, até certo momento diária, produção em desenho e também em
gravura, feita majoritariamente durante o período de graduação.
Além de uma produção visual extensa, a artista também tem o hábito de escrever,
tanto sobre o seu trabalho quanto a partir dele. Parte desse material foi consultado para a
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elaboração do presente artigo. Mesmo ela sendo jovem, com pouco material crítico escrito
por outras pessoas até o momento, o contato com sua trajetória e pesquisa foi facilitado
com a sua colaboração.
1.1 Surgimento
Às vezes em que isso me ocorreu foram no acaso do acordar, pela manhã, num
ambiente o mais familiar possível. E a sensação era de uma irrecuperável cisão com o
sentido; sendo que por sentido quero dizer: o meu nome, a minha família, os objetos ao
meu redor e a sobreposição dos fatos que me ocorreram até aquele presente momento, ou
seja, ao que seria possível remontar a uma ideia de indivíduo ou história. [...] Tudo se
encontrava destituído de uso e função, estavam desvalorados enquanto sentido. (Sofia
Borges em Genealogia Nova, 2008, p. 11)
Para quem já a conhece, talvez esse fato não ajude a compreender melhor o seu
trabalho, mas a partir disso é possível sistematizar o que está presente neles, no sentido
de externar, escrever sobre, o que nem sempre é possível sem um exemplo mais sólido.
Entre as referências que têm sido importantes para escrever sobre o trabalho de
Sofia Borges, esta a sua monografia da graduação, intitulada “Genealogia”, nela há
escritos que perpassam a sua trajetória e a sua maneira de ver e pensar a imagem. Segundo
a autora, esses escritos não tinham o objetivo de fazer o espectador entender melhor a sua
produção, mas sim fazer com ela mesma a compreendesse melhor, como um mapeamento
do subterrâneo existente e não tão visível, um caminho por onde passou. O que se tem
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acesso, a superfície, seria então formada pelos seus trabalhos mais atuais e conhecidos,
que tiveram um caminho de pesquisa e experimentação que os antecede e perpassa.
Minha mãe levando o tender para a mesa, 2006 (o último ensaio) – retirada de “Genealogia”,
2008.
Essa foto de sua mãe faz parte do seu primeiro ensaio feito com sua primeira
câmera profissional. Os primeiros ensaios de sua família foram feitos com uma câmera
digital compacta, e fotografar com a profissional a fez pensar em como seu ato se tornara
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autônomo, já não precisava mais fazer muito para tirar as fotos, o que a fez se sentir ainda
mais dispensável, desvinculada do ato de fotografar em si e, consequentemente, de seus
“objetos”. Para completar esse distanciamento, a artista comprou um tripé e chegou à
conclusão de que estava caminhando para um novo assunto.
Foto de sua irmã, que ela caracteriza como a fotografia de transição - retirada de Genealogia.
Foi a partir dessa foto tirada de sua irmã, que suas fotografias começaram a seguir
um caminho diferente. Segundo ela, essa foto resolveu um paradigma, uma questão que
até então a atrapalhava: a fotografia como algo rígido, que congela, registra momentos,
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situações e assuntos, algo que não condiz com essa foto em si, que envolve o momento,
o sujeito e os objetos numa relação complexa e de suspensão de sentido, que estende sua
compreensão para além do que foi capturado. A irmã, além de se encontrar sem
identidade, como em suas fotos de família, estava fora de contexto, presa em um gesto
indefinido, incompleto, desconhecido.
Começa a criar “cenas” onde ela aparece em atividades e lugares comuns ao seu
cotidiano, muito mais ocupando uma posição no espaço do que simulando algo, como
uma forma de se distanciar de seu lugar como pessoa que fotografa, deslocando-se para
o lugar do fotografado, como materialidade, objeto-situação. Percebeu uma diferença
entre o existir e se fazer existente, uma representação de si mesma, mesmo que essa
representação fosse apenas como matéria.
Um dos autorretratos em que a artista cria cenas como se tivesse sido flagrada, como na
foto de sua irmã na cozinha. – retirada de “Genealogia”
específico, porém, com detalhes que também os tornam não-lugares, que pouco dizem
sobre o que é feito ali, dissimulados.
O campo de visão das fotos se amplia, comparado aos das séries anteriores aqui
discutidas, ao mesmo tempo em que os elementos que formam os espaços se fecham em
si.
Ambiguidade talvez seja a palavra chave para falarmos sobre seus autorretratos,
o que, posteriormente, vai continuar vigente em suas outras séries/exposições. Ainda que
suas roupas e gestos fossem os mais habituais (segundo a artista), ainda nos indicam algo
estranho e suas poses escondem algo, como na terceira imagem, onde claramente é
mostrado um quarto, mas o enquadramento está cercado de espaços pretos, o que nos
indica que pode ser uma janela, estando coberta com um tecido escuro. A artista se retrata
parada e estática do lado da cama, ou seja, alguns elementos nos dizem ser uma imagem
familiar, rotineira, mas outros nos dizem o contrário.
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Imagem demonstrativa de alguns dos resultados desse processo de edição, retirada da monografia da
artista, em anexo ao final desse artigo.
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já comentadas, como, por exemplo, a fotografia como um meio de expressão que recebeu
uma carga muito forte de verossimilhança, de fidelidade ao real, e como, exatamente por
causa dessa característica, seja um suporte tão facilmente corruptor da imagem e da
realidade.
Nos trabalhos mais recentes que aqui serão contextualizados, há além desse jogo
entre objeto e imagem, realidade e artifício, uma carga um pouco maior de dúvida e
mistério, de esvaziamento de sentido, e há, também, um jogo entre gêneros e suportes.
Luisa Duarte, em entrevista com Sofia Borges, para o livro ABC Arte Brasileira
Contemporânea, publicado em 2013, compara seu trabalho ao da artista Mira Schendel
(1919 – 1988) no que diz respeito à desarticulação e desconstrução até chegar ao quase
nada. Mira com as letras, palavras e formas, e Sofia com seus referentes fotográficos.
Há menos recursos usados para a construção de uma imagem e mais recursos que
estão propriamente no que é fotografado, gerando uma nova infinidade de jogos de
linguagem, pois não são mais apenas cenas fotografadas, mas principalmente objetos e
imagens físicas já existentes, onde o enquadramento e as próprias características inerentes
a cada referente são cercadas por mistério e nos fazem ter dúvidas sobre a natureza da
fotografia.
Porque a fotografia tem essa quimera, faz pensar que estamos vendo uma
coisa, quando na verdade estamos vendo somente o seu referente [...] um fantasma, por
mais quimérico, translúcido e inexplicável que seja, ainda carrega o fardo de ser um lençol
que flutua sem explicação ou lógica. (Catálogo BES Photo 2013, p. 31)
as suas dimensões, sempre traz à superfície, tanto de forma explícita, como nem tão
explícita.
Você parece trabalhar para que eles (aspectos físicos como superfície,
material, tamanho, para com o referente fotográfico) não contaminem, mas, no entanto,
eles o contaminam ao mesmo tempo. Ou eles blefam: quase fingem que o contaminam.
Suas fotos são secas, diretas, às vezes figuradas, mas, no entanto, ausentes. Eles perfuram
o referente, se desfazem nele. é pintura e não é, é retrato e não é, é paisagem e não é.
(Luisa Duarte para ABC Arte Brasileira Contemporânea, 2013, p. 370)
Seu trabalho nos faz pensar na fotografia como um campo infinitamente plural e
produtivo, e, se formos pensar nela como um local físico e fictício, seria um lugar que dá
entrada para não-lugares e outros lugares. Os lugares seriam os espaços já estabelecidos
e que não têm necessidade de se misturar para serem definidos, os conceitos. Os não-
lugares seriam os espaços ainda não explorados ou não definidos. As imagens da artista
estão no meio, talvez dentro de alguma parede, mas não os falta nada, é exatamente isso
que os torna o que são.
2.1 Os Nomes
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“Os Nomes, o título, define para mim a tentativa de nomear algo que não se
define, que é, no caso, como eu entendo a fotografia” (Sofia Borges para o Catálogo BES
Photo 2013, p. 39)
Visão geral de parte da exposição, apresentada ao Museu da Coleção Berardo, em Lisboa, como
indicação ao Prêmio BES Photo 2013 – foto retirada de sofiaborges.carbonmade.com
Os Nomes é formada por dez fotografias, nove delas selecionadas dentre cerca de
seiscentas outras, tiradas em um único dia no ano de 2012, no Museu de Paleontologia de
Paris, e uma delas no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. São fotografias
que apresentam diferenças marcantes entre elas, mas que em comum mostram-se em um
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lugar entre a abstração e a figuração, como a própria artista descreve: “são indecifráveis,
ao mesmo tempo que ilustrativos e matéricos”. Novamente observamos nesses trabalhos
o jogo de dualidades, são ao mesmo tempo ilustrativos e indecifráveis. Seu trabalho está
sempre nesses entre-espaços.
Duas delas são associadas pela própria artista a algo mais palpável, como ao
Museu Guggenheim, pela estrutura apresentada parcialmente circular e filamentada, e a
uma boca, pelo seu formado circular, com uma espécie de buraco no meio, com pedaços
que lembram dentes.
Os outros dois, são os ditos Indecifráveis, que diferentemente dos dois já descritos,
não nos remetem a nada em específico, ou então, melhor dizendo, podem nos remeter a
diversas coisas diferentes de uma vez só, todas juntas em um objeto estranho.
O segundo eixo envolve “Scissure”, “ES.IS” e “Cerveau”, e também mostram
colagens, de um outro painel do museu. Em tons de cinza e preto, se misturam dizeres em
francês fragmentados com imagens que, ao associar com o que está escrito, vemos que
mostram partes do sistema nervoso. Justamente por serem imagens que mostram parte
das etiquetas explicativas do painel, que podemos associá-las a algo, senão, a menos que
se conheça bem as partes que formam o sistema nervoso, poderiam ser diversas outras
coisas, ainda se apresentam enigmáticas e ambíguas.
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o seu nome, mas ainda assim não é possível juntar os pontos a fim de associar a algo
certo.
Segundo a artista, o hábito que tem de fotografar as suas exposições, desde a sua
primeira exposição individual (que aconteceu em 2008), a faz pensar os seus trabalhos,
que ora são autônomos, ora expostos em conjunto, investigando suas relações, tornando
espaço expositivo uma base para desdobramentos.
Essa criação a partir do layout expositivo começa quando a artista pensa em seus
conjuntos de trabalhos como coleções, formadas a partir de eixos visuais ou de gênero
dentro de sua produção.
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Mais imagens dessa exposição em anexo neste artigo
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“Estudo para Paisagem” 3 é uma série formada por vinte fotografias tiradas de
detalhes das paisagens representadas aos fundos dos cenários do Museu de História
Natural de Nova York e foi apresentada em 2011, como exposição, na Galeria Artur
Fidalgo no Rio de Janeiro, com doze dessas fotografias.
3
Mais imagens desta exposição no capítulo seguinte.
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Mais imagens dessa exposição em anexo ao final desse artigo.
28
“Coruja”, exposta junto a uma apropriação do acervo do museu, que mostra um desenho que envolve
vegetação e animais, ainda em finalização – retirada de sofiaborges.carbonmade.com
Fotografia de “Estudo da
Paisagem” exposta junto a uma
apropriação do Museu. –
retirada de
sofiaborges.carbonmade.com
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Em “Pré História”, como aqui já foi mencionado, foram agrupadas fotos em que
seus referentes, de alguma maneira, mostram-se seguindo a ideia tradicional do retrato
como gênero fotográfico. Os referentes, mesmo que não humanos ou animais, mostram-
se centralizados no enquadramento, em destaque, e, algumas vezes, posando ou olhando
para a câmera.
Visão geral da exposição “Pré-História”, apresentada em 2011 na Galeria Virgílio – foto retirada
de sofiaborges.carbonmade.com
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“Autorretrato pensando no retrato de minha irmã”, “Vampire”, “The Admiral”, “Minha irmã, ou o retro de
minha irmã”, “Camel smiling posing for me”, algumas das fotografias que fazem parte da série/exposição.
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Visão geral de “Estudo para a Ausência”, na 31ª Bienal de São Paulo, em 2012.
- Imagens retiradas de
sofiaborges.carbonmade.com
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Com abertura prevista para setembro de 2018, a 33ª Bienal 5 já tem seu eixo
curatorial divulgado, eixo este que pretende “questionar a centralidade do papel do
curador na arte contemporânea” (Fundação Bienal).
Para isso, Pérez Barreiro convidou sete artistas, entre eles Sofia Borges, para
organizarem sete exposições, a partir de seus próprios olhares sobre seus processos
criativos.
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Material informativo divulgado pela Bienal em anexo ao final desse artigo.
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A artista declarou ter esse convite como um desafio, ao mesmo tempo que sentiu
grande alegria. Ao ser consultada sobre isso, para comentar um pouco sobre a sua
participação, ela preferiu não dizer nada por enquanto, já que ainda está em pesquisa, mas
já podemos ter uma certa ideia de que as exposições que encontraremos nessa Bienal irão
divergir um pouco do que foi visto nos últimos anos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É uma produção ambígua por essência, está tudo entre dois ou mais espaços, dois
ou mais gêneros, e também nunca se encontra inteiramente em nenhum. São trabalhos
que se apropriam do que a fotografia representa para subverter a sua função tradicional e
corromper a ideia de registro, de representação fiel do real.
A produção deste artigo se deu por algumas conversas com a artista, leitura de
materiais que já foram escritos sobre seu trabalho, a maioria conseguidos com a ajuda da
própria artista, e também buscando observar sempre que possível as suas imagens, tanto
nos livros e em seu site, como pessoalmente, em seu ateliê ou exposições.
Afinal, como seria possível solucionar algo que, por essência, não é para ser
solucionado?
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6. REFERÊNCIAS
Catálogo BES Photo 2013. Museu da Coleção Berardo, Lisboa: Maiadouro, 2013. 56
pgs.
MATERIAIS CONSULTADOS
Catálogo da 30a Bienal de São Paulo: A iminência das Poéticas / curadores Luís Pérez-
Oramas. . . [et al.]. – São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2012.
7. ANEXOS
Uma das apropriações do acervo do Museu de História Natural de Nova York – retirada de
sofiaborges.carbonmade.com
Retiradas de sofiaborges.carbonmade.com
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