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9/8/2016 Violações De Direitos Humanos Contra Camponeses Nas Comissões Da VerdadeRe­vista | Re­vista

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PROJETO MVJ

Violações De Direitos Humanos Contra Camponeses Nas Comissões Da
Verdade
[1]

Fabrício Teló, Iby Montenegro da Silva e Marco Antonio Texeira.

Fabrício Teló: Doutorando pelo Programa de Pós­graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Pesquisador no Projeto “Conflitos por terra e repressão no campo no estado do Rio de Janeiro (1946­1988)”,
voltado para auxiliar os trabalhos da Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV­Rio), no qual foi Bolsista de Treinamento e Capacitação Técnica da
Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).

Iby Montenegro de Silva: Mestre em Ciências Sociais pelo CPDA/UFRRJ. Bolsista de Treinamento e Capacitação Técnica da Faperj no Projeto “Conflitos
por terra e repressão no campo no estado do Rio de Janeiro (1946­1988)”, voltado para auxiliar os trabalhos da CEV­Rio.

Marco Antonio Teixeira: Doutorando em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), com bolsa de doutorado da Faperj. Pesquisador no Projeto “Conflitos por terra e repressão no campo no estado do Rio de Janeiro (1946­1988)”,
voltado para auxiliar os trabalhos da CEV­Rio.

Resumo: Neste trabalho vamos apresentar e discutir brevemente o tratamento dado à violação de direitos humanos cometidos contra camponeses[2] nas
comissões da verdade. Para isso, analisaremos o desenvolvimento desta temática na Comissão Nacional da Verdade (CNV), na Comissão Camponesa
da Verdade (CCV) e na Comissão Estadual da Verdade do Rio (CEV­Rio). Neste caso, principalmente através da pesquisa Conflitos por terra e repressão
no campo no estado do Rio de Janeiro (1946­1988), sob coordenação da professora Leonilde Servolo de Medeiros.[3]

O texto se divide em três partes: na primeira discutimos o tratamento dado à violação de direitos dos camponeses na CNV. Em seguida destacamos o
papel desempenhado pela CCV na publicização das distintas dimensões da repressão sofrida pelos camponeses durante a ditadura. Por fim, na terceira
parte, apresentamos, em linhas gerais, o debate sobre a repressão contra camponeses na CEV­Rio, focando em tratar os objetivos e metodologia do
Projeto “Repressão no Campo”, vinculado à Comissão Estadual da Verdade.

1. A CNV e os camponeses 

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Em cinco de novembro de 2012 foi instituído na CNV[4] um Grupo de Trabalho (GT) sobre violações de direitos humanos cometidos por motivações
políticas relacionadas à luta pela terra contra populações camponesas e indígenas. Este grupo ficou encarregado de esclarecer fatos, circunstâncias e
autorias de casos de graves violações de direitos humanos, como torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres relacionados aos
referidos grupos, identificando e publicizando estruturas, locais, instituições e circunstâncias dessas violações. [5]

O GT Camponeses e Indígenas foi coordenado pela conselheira Maria Rita Kehl. Em entrevista na qual é questionada sobre os principais resultados
parciais do GT, Kehl destacou que o fato de camponeses e indígenas terem sido incluídos entre as vítimas da ditadura já é a maior novidade no trabalho
da CNV. [6] Isso porque inicialmente não havia desejo dos membros da CNV em coordenar um GT dedicado ao tema. Foi a iniciativa da Maria Rita Kehl,
ao se propor a coordenar o grupo, que o levou a existir. Isso se deve principalmente pela afinidade da psicanalista com o tema: Kehl é psicanalista e
atende membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) desde 2006.

A hesitação na criação de um Grupo de Trabalho que tratasse das violações cometidas contra camponeses parece indicar o pouco reconhecimento da
CNV naquele momento em relação à repressão no campo. Esse fato acabou provocando uma marginalização do tema no debate público produzido com
a criação da CNV sobre violações de direitos humanos durante a ditadura. O pouco espaço público dado ao tema no âmbito das instâncias da justiça de
transição não se circunscreveu à CNV. Outro elemento que é indicativo do pouco reconhecimento do Estado ao tema é o fato de que de um total de pelo
menos 1.196 camponeses e seus apoiadores mortos e desaparecidos entre 1961 e 1988, apenas 29 tiveram seus direitos reconhecidos pela Comissão
de Anistia.[7] Estamos diante, portanto, de pelo menos 1167 pessoas excluídas da justiça de transição no Brasil.

Além do GT Camponeses e Indígenas, o tema esteve também no escopo de investigação de pelo menos mais um GT: ditadura e repressão aos
trabalhadores e ao movimento sindical. Isso porque o movimento sindical dos trabalhadores rurais foi também alvo de intervenções e repressão após o
golpe. A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), fundada em 1963, sofreu intervenção militar logo em 1964. O mesmo
ocorreu em diferentes instâncias do movimento sindical, nas federações estaduais e em muitos dos sindicatos. Contudo, o tema não recebeu um
tratamento aprofundado pelo GT, como se pode observar no texto produzido pelo grupo de trabalho no segundo volume do Relatório Final da CNV.[8]

Alguns membros da CNV mencionaram, em eventos públicos, duas principais dificuldades nas investigações da Comissão a respeito da repressão no
campo. A primeira é a quantidade reduzida de dados já coletados sobre o tema. Esses estudos seriam importantes uma vez que boa parte dos trabalhos
da CNV se baseou em pesquisas anteriores realizadas por equipes como as da Comissão sobre Mortos e Desaparecidos, Comissão de Anistia e grupos
de familiares de vítimas. Mas, se por um lado não há uma grande quantidade de trabalhos, há que se considerar o esforço corporificado nas pesquisas
de Carneiro e Cioccari (2012), Viana (2013) e da CCV (2014), que trazem elementos importantes sobre o assunto. Em todos estes trabalhos há dados
sobre as formas e significados da repressão no campo, além de listas de pessoas atingidas de diferentes formas pela violência praticada por agentes do
Estado ou por setores privados, que, em geral contaram com a conivência ou omissão do poder público.

A segunda dificuldade foi o pouco acesso a documentos que comprovassem a ligação de agentes do Estado nas ações de violações de direitos humanos
no campo. Isso porque havia uma linha interpretativa de alguns membros da CNV que defendiam a necessidade de uma prova documental que atestasse
a atuação de agentes do Estado em uma dada violação. Por outro lado, havia aqueles que entendiam que a conivência e/ou a omissão do Estado diante
de violações cometidas por agentes privados deveria ser entendida como parte da estrutura repressiva do Estado, devendo esse ser responsabilizado
pelas violações ocorridas. Esse debate ganha força particular quando aplicado ao mundo rural, uma vez que foi intensa a repressão no campo cometida
por agentes privados, como fazendeiros, pistoleiros, jagunços, grileiros – muitas vezes com o apoio direto ou contando com a omissão de agentes do
Estado.

Embora tenha havido dificuldades em tratar as violações de direitos contra camponeses durante o tempo de vigência da CNV, o tema esteve presente no
Relatório Final da Comissão, em especial no texto produzido pelo GT Camponeses e Indígenas publicado no segundo volume do relatório da CNV.[9]
Apesar dos limites da abrangência dos casos mencionados, o relatório apresenta elementos que situam a configuração da repressão contra os
camponeses e, principalmente, mantêm o tema na agenda dos debates. Se considerarmos a indicação da CNV de que não se esgotou a possibilidade de
obtenção de resultados na investigação das graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1946 e 1988 e a necessidade de estabelecimento de
órgão permanente com atribuição de dar prosseguimento às ações e recomendações da CNV, pode­se considerar os resultados apresentados pela CNV
apenas como uma etapa para o reconhecimento das violações dos direitos de camponeses na agenda da justiça de transição no Brasil.[10]

2. A Comissão Camponesa da Verdade

A criação da CNV teve efeitos importantes no debate e nas iniciativas sobre justiça de transição no Brasil. Foi a partir do seu surgimento que se observou
a proliferação da criação de diversas comissões com protagonismo de setores da sociedade civil e das comissões estaduais.[11] Entre as comissões da
verdade criadas depois da instalação da CNV, a de maior importância para o debate sobre a questão camponesa foi a Comissão Camponesa da
Verdade. A CCV surgiu a partir da Declaração do Encontro Nacional Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das
Florestas, [12] de 22 de agosto de 2012. Nesta declaração, os movimentos sociais e organizações que assinam o documento se comprometeram

a lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de camponeses, bem como
os direitos de reparação aos seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e justiça
para incidir nos trabalhos da Comissão [Nacional da Verdade], visando a inclusão de todos afetados pela repressão. [13]

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A Comissão Camponesa da Verdade reuniu representantes de movimentos sociais do campo e uma rede nacional de pesquisadores engajados no tema.
[14] O principal objetivo foi produzir um relatório com casos emblemáticos de violação aos direitos humanos ocorridos no campo brasileiro entre 1946 e
1988 a fim de constituir um mapeamento sobre a repressão no campo no Brasil deste período. Uma primeira versão do relatório da CCV foi entregue em
setembro de 2014 à conselheira da CNV que coordenava o GT Camponeses, Maria Rita Kehl.[15] O objetivo desta ação foi incidir nos trabalhos da CNV,
buscando influenciar o relatório final da Comissão com dados sobre as formas como a repressão atingiu os trabalhadores no campo.

O Relatório Final da CCV foi concluído, protocolado na CNV e divulgado em dezembro de 2014. Com 452 páginas, o Relatório apresenta mais de 70
casos de violações de direitos humanos no campo em todas as regiões do país e constitui um produto da luta dos movimentos sociais no campo por
memória, verdade e justiça. Tem anexo uma lista com a identificação de 663 camponeses cujos nomes aparecem em Inquéritos Policiais Militares ou em
Processos na Justiça Militar durante o regime. Desse total, 132 foram presos, 34 torturados e 11 mortos. Há também uma segunda lista com a relação
dos 1196 camponeses e seus apoiadores mortos ou desaparecidos entre 1961 e 1988.

Assim como no Relatório da CNV, a CCV não esgotou o universo das situações de violações contra camponeses cometidas durante a ditadura mas
conseguiu apresentar um panorama inicial de casos emblemáticos, alguns deles pouco conhecidos até então.[16]

Vale destacar que os casos apontados pela CCV não têm por fim apresentar apenas uma relação de situações de violações sofridas por camponeses e
seus apoiadores, mas colaborar para a construção de uma interpretação que explique a estrutura da repressão no campo. Neste esforço, pelo menos
três pontos são centrais no Relatório da CCV. Em primeiro lugar, a defesa de uma compreensão de graves violações de direitos humanos mais ampla do
que a que consta na lei de criação da CNV. Os camponeses e seus apoiadores não foram somente torturados, assassinados, tiveram seus cadáveres
ocultados ou foram vítimas de desaparecimentos forçados – aspectos considerados graves violações de direitos humanos. Eles também sofreram
despejo, tiveram suas benfeitorias destruídas, foram obrigados a se deslocar compulsoriamente, tiveram seus direitos trabalhistas violados, se exilaram,
tiveram suas entidades organizativas fechadas entre outras formas de violência. Ampliar o escopo da noção de graves violações de direitos humanos
para além do que consta na lei de criação da CNV é um dos pontos de defesa da CCV para que se possibilite o reconhecimento das várias situações de
repressão que atingiram os trabalhadores do campo e seus apoiadores durante a ditadura.[17]

Em segundo lugar, outro argumento de destaque no relatório da CCV é a concepção de que o Estado deve ser reconhecido como sujeito de violação de
direitos não só quando for constatada a sua atuação direta, mas também quando houve conluio, acobertamento e “privatização” da sua ação, com a
atuação do latifúndio como um braço privado na repressão. A CCV busca com isso ressaltar a vinculação entre agentes públicos e privados na violação
de direitos humanos de camponeses e seus apoiadores entre 1946 e 1988. Nas palavras da CCV,

O Estado, como sujeito de violações, estende a responsabilidade para a ação de agentes privados, que agiram autorizados ou
liberados para tanto, ou mesmo apoiando ações do Estado ou ainda por omissão ou descaso. Consequentemente, a
responsabilidade não se dá apenas nos casos em que agentes do Estado agiram como ator direto, mas também nas situações de
omissão, descaso ou mesmo a “privatização da ação estatal”, através de políticas e apoios governamentais que motivaram,
viabilizaram e incentivaram violações, sendo fundamental considerar o latifúndio como braço privado do Estado, ou nos termos da
própria Resolução, agiram no “interesse do Estado” ditatorial (CCV, 2014, p. 38­9).

A CCV defende ainda que se considere o impacto de políticas públicas realizadas por “interesse do Estado”, historicamente implementadas em
detrimento da vida da população, como parte dos aspectos que devem ser associados a violações de direitos. De acordo com o relatório da CCV,

[...] as políticas governamentais aprofundaram o problema fundiário, aumentando as desigualdades sociais decorrentes da
concentração da propriedade da terra, e financiaram a destruição ambiental, para promover a expansão da fronteira agrícola com
a conversão de floresta em pasto e lavouras, violando direitos de pessoas e comunidades” (CCV, 2014, p. 39).

Em terceiro lugar, ganha destaque no relatório o debate sobre memória e reparação. O diagnóstico apresentado pela CCV identifica que há um processo
político e social de invisibilização das lutas e resistências camponesas e uma sistemática negação da reparação aos camponeses. É sintomático do
“esquecimento” dos camponeses no processo de reparação os poucos casos investigados nas Comissões de Anistia e de Mortos e Desaparecidos, por
exemplo. Dessa forma, a reconstrução da memória camponesa e de uma história do ponto de vista camponês, reforçando o seu protagonismo na
história, é importante para dar visibilidade pública às violações cometidas pelo Estado e agentes privados contra homens e mulheres do campo e seus
apoiadores; fortalecer a inserção do camponês nos debates sobre a ditadura civil­militar, ressaltando o seu protagonismo na resistência à ditadura e o
seu braço privado, o latifúndio; construir caminhos para a justiça e a reparação e assim contribuir para a diminuição da impunidade que marca o campo
brasileiro no passado e no presente.

O relatório da CCV deve ser visto como uma contribuição central dos movimentos sociais e dos pesquisadores engajados no tema para a luta por
memória, verdade e justiça. O relatório se destaca principalmente por trazer para o debate o caráter da repressão no campo e denunciar o pouco
reconhecimento público dos camponeses que foram atingidos pela repressão e a sua baixa inclusão nos instrumentos de justiça de transição. A
continuidade deste debate no âmbito dos movimentos sociais e a realização de ações políticas por memória, verdade e justiça permanece em aberto. De

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toda forma, a produção do relatório foi uma primeira ação importante dos movimentos e pesquisadores e revelou o esforço de diálogo e cooperação
entre movimentos sociais e entre estes e pesquisadores na luta pela verdade, memória e justiça.[18]

 3.      A CEV­Rio e o Projeto “Conflito e Repressão no Campo”

A Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro foi criada em 24 de outubro de 2012[19] e tem previsão de concluir seus trabalhos em novembro de
2015. Podemos fazer três observações sobre a sua atuação até o momento que parecem indicar possibilidades de avanços no tratamento da violação de
direitos contra camponeses durante a ditadura. Em primeiro lugar, a CEV­Rio tem adotado, a princípio, a linha interpretativa que busca apreender as
diversas formas da estrutura repressiva da ditadura: atuação do Estado, de agentes privados e, em muitos casos, agentes do Estado e setores privados
agindo de maneira articulada, intensificando a repressão. Essa vinculação não parece ter sido exclusiva ao campo, uma vez que há indícios, por
exemplo, da articulação entre empresários, donos de grandes fábricas, e setores do Estado para controlar e reprimir os trabalhadores fabris. De toda
forma, no campo brasileiro, essa vinculação foi intensa e merece ser destacada para que se possa compreender a amplitude e significados da estrutura
repressiva que atingiu os trabalhadores do campo, suas lideranças e apoiadores.

Em segundo lugar, a Comissão Estadual da Verdade do Rio tem dado centralidade à temática camponesa entre os seus objetos de investigação. Isso fica
claro nas manifestações públicas e nas conversas informais com membros e assessores da Comissão. Em algumas oportunidades, alguns
representantes da CEV­Rio já declaram que é um dos objetivos da Comissão dar visibilidade a aspectos menos conhecidos pela sociedade no que se
refere à repressão política. As principais categorias que são objeto de preocupação da CEV são: bancários, metalúrgicos, ferroviários, petroleiros,
portuários, trabalhadores rurais, jornalistas e professores. Resta saber o lugar que será dado à temática camponesa no relatório final da comissão, tanto
em relação à verdade que se pretende revelar quanto sobre as recomendações ao poder público que se venham a fazer e que podem vir a ter efeitos em
possíveis políticas de reparação e não­repetição.

Por fim, vale mencionar a iniciativa da CEV­Rio de articular com a Faperj a publicação de um edital para seleção de projetos de pesquisa que pudessem
vir a contribuir para os trabalhos de investigação promovidos pela Comissão. Em outubro de 2013 foi publicado um edital intitulado Apoio ao estudo de
temas relacionados ao direito à memória, à verdade e à justiça relativas a violações de direitos humanos, direcionado a pesquisadores vinculados a
instituições de ensino e pesquisa sediadas no estado do Rio de Janeiro. Os projetos propostos deviam estar adequados a uma ou mais frentes de
trabalho da Comissão, que são: Mortos e Desaparecidos Políticos; Planos e Atentados Terroristas; Financiamento, cadeia de comando e estrutura da
repressão; Centros clandestinos e oficiais da repressão; Políticas Públicas de Não­Repetição. O edital aprovou um total de sete projetos, sendo um deles
dedicado à pesquisa sobre a repressão no campo. Trata­se do projeto Conflitos por terra e repressão no campo no estado do Rio de Janeiro (1946­
1988), coordenado pela professora Leonilde Servolo de Medeiros (CPDA/UFRRJ). Dessa forma, a temática ganhou um espaço de discussão privilegiado
na CEV­Rio. O projeto ainda está em andamento e tem previsão de ser concluído no fim do primeiro semestre de 2015. Por isso, neste momento,
trataremos apenas de apresentar seu escopo e abordagem.

O projeto propõe uma pesquisa sobre as formas de repressão no campo no estado do Rio de Janeiro entre 1946­1988, dando maior ênfase ao período
referente ao regime civil­militar (1964­1985). Embora o Rio de Janeiro seja bastante conhecido pelas ações de resistência à ditadura, pouco se sabe
sobre o que foi a repressão no seu meio rural, praticamente ignorada pelas pesquisas. No entanto, ao longo dos anos 1950 e 1960 encontrava­se em
franco desenvolvimento diversas mobilizações, em especial de posseiros, que lutavam por permanecer na terra em que viviam, uma vez que estavam
ameaçados de expulsão das áreas que ocupavam. Também cresciam e se visibilizavam organizações que falavam em nome do campesinato organizado.
O golpe desorganizou essas entidades e reprimiu duramente as lutas no campo, atomizando­as. Lideranças mais reconhecidas foram presas. A proposta
de pesquisa volta­se, portanto, para mapear e analisar diferentes situações de violência ocorridas em todo esse processo de organização, na relativa
desmobilização que o sucede, bem como, já no início dos anos 1980, de reorganização com o ressurgimento de ocupações de terra.

A pesquisa tem se centrado em analisar acervos documentais, fazer visitas a campo para realização de entrevistas e na leitura de trabalhos que, embora
sem se centrar na temática da repressão, de alguma forma trataram do tema.[20]

Quanto aos acervos documentais analisados, o primeiro consultado foi o do Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência em Movimentos Sociais e
Políticas Públicas no Campo (NMSPP) do CPDA/UFRRJ. Este acervo é composto por fontes diversas oriundas de organizações sindicais dos
trabalhadores rurais, da Igreja Católica, do Estado entre outros. A leitura deste material nos permitiu identificar a ocorrência de 133 conflitos no campo no
estado do Rio de Janeiro. Este mapeamento inicial serviu de referência para a escolha dos locais que seriam foco do trabalho de campo. Tal escolha foi
necessária para tornar viável o conhecimento com mais profundida de algumas situações que ajudam a compreender o caráter da repressão no campo
no Rio de janeiro.

Além do NMSPP, realizamos um trabalho de identificação dos documentos da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio de Janeiro
(Fetag­RJ). Como o material desta instituição não constituía um acervo organizado foi necessário localizar os documentos, higienizá­los minimamente e
organizá­los para que pudessem se tornar acessíveis para a pesquisa. O material de interesse da pesquisa e em condições de ser manipulado foi
digitalizado e está em processo de análise pelos pesquisadores. Há uma parte do material infectada que precisa ser tratado por equipe especializada.

Trabalhamos ainda com os acervos do Arquivo Nacional e do Brasil: Nunca Mais. No primeiro caso focalizamos os documentos do centro documental
sobre a história política do país “Memórias Reveladas”, formado principalmente por documentos do Conselho de Segurança Nacional, Comissão Geral de
Investigações e Serviço Nacional de Informações. O segundo acervo é formado por processos judiciais movidos para identificar pessoas envolvidas com

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9/8/2016 Violações De Direitos Humanos Contra Camponeses Nas Comissões Da VerdadeRe­vista | Re­vista

os que os militares consideravam “atos de subversão”. Este material foi organizado pelo Conselho Mundial das Igrejas e a Arquidiocese de São Paulo,
nos anos oitenta. Ambos os acervos revelam como operou a estruturada repressão.

Analisamos ainda documentos oriundos de setores da Igreja Católica, que desempenharam papel importante em alguns conflitos, apoiando a luta dos
trabalhadores rurais e denunciando muitas das violências que os atingiram. Trata­se de material da Comissão Pastoral da Terra, da cúria de Nova Iguaçu
e da cúria de Volta Redonda.

Além da pesquisa documental, realizamos trabalho de campo em alguns locais, procurando entrevistar lideranças e pessoas “comuns” que viveram o
período ditatorial no meio rural. Em muitos casos, conversamos com filhos de algumas lideranças, uma vez que muitos das pessoas que foram mais
diretamente perseguidas na ditadura já morreram. Sobre estas últimas destacamos que, a partir de suas memórias sobre os conflitos, desvelaram­se
aspectos da repressão que se abateu sobre os camponeses a nível mais cotidiano. Com isso, tais entrevistas, junto aos depoimentos feitos com
lideranças e à pesquisa documental, têm trazido interessantes evidências sobre a forma como a repressão atingiu os trabalhadores rurais fluminenses e
como se deu resistência camponesa no estado.

O curto prazo da pesquisa não permitirá que se trabalhe todo o material identificado com exaustão, mas foi um passo fundamental para se conhecer
melhor a repressão no campo fluminense. A agenda de pesquisa e algumas possibilidades de investigação, porém, estão postos. Espera­se que uma das
contribuições da pesquisa seja mostrar caminhos pelos quais a história camponesa possa ser narrada, a história a contrapelo, como nos sugere Walter
Benjamin, ao afirmar que não há redenção possível se não se fizer o resgate das vítimas da história, condição para a transformação ativa do presente
(Benjamin, 1986). As iniciativas apresentadas neste artigo podem ser entendidas como parte deste processo: CNV, CCV, CEV­Rio e o projeto “Conflito e
repressão” são ações que, junto a trabalhos anteriores, constroem narrativas sobre a repressão que atingiu homens e mulheres no campo, reelaboram a
memória sobre as lutas camponesas e abrem a possibilidade de transformação do presente, ainda marcado pela violência contra os camponeses.

Referências bibliográficas:

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Engenharia, UFRJ. Dissertação de Mestrado.

BARCELLOS, F. H. Ação sindical e luta por terra no Rio de Janeiro. 2008. Rio de Janeiro: Programa de Pós­graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, CPDA/UFRRJ. Dissertação de Mestrado.

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9/8/2016 Violações De Direitos Humanos Contra Camponeses Nas Comissões Da VerdadeRe­vista | Re­vista

[1] Versão revisada de trabalho apresentado no VI Encontro da Rede de Estudos Rurais: desigualdade, exclusão e conflitos nos espaços rurais, realizado
entre 02 e 05 de setembro de 2014 na Universidade Estadual de Campinas. Agradecemos aos comentários e sugestões da professora Leonilde
Medeiros.

[2] Por camponeses nos referimos genericamente ao conjunto de mulheres e homens que viviam no meio rural brasileiro.

[3] O projeto foi aprovado no edital da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) voltado para
selecionar pesquisas para auxiliar os trabalhos da CEV­Rio.

[4] A Comissão Nacional da Verdade Brasileira foi criada pela Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011, no âmbito da Casa Civil da Presidência da
República, e instituída em 16 de maio de 2012.

[5] Resolução nº 5, de 5 de novembro de 2012, da Comissão Nacional da Verdade. Disponível em:
<http://www.cnv.gov.br/images/pdf/resolucao_05_051112.pdf>. Acesso em: 17 de maio de 2014.

[6] Disponível em: < http://www.mst.org.br/node/15936>. Acesso em 27 de maio de 2014.

[7] Esses dados foram apresentados por Gilney Viana, coordenador do Projeto Memória e Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República. Ver Viana (2013).

[8] Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos temáticos / Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV, 2014. (Relatório da Comissão
Nacional da Verdade; v. 2). Ver páginas 55­86.

[9] Brasil. Comissão Nacional da Verdade. Relatório: textos temáticos / Comissão Nacional da Verdade. Brasília: CNV, 2014. (Relatório da Comissão
Nacional da Verdade; v. 2). Ver páginas 87­150.

[10] Ver recomendação 26 do Relatório da CNV, p. 973 do Tomo II do Volume 1.

[11] Antes da criação da CNV já existiam grupos, comitês, coletivos e fóruns sobre o tema e que acumulam uma vasta experiência no trato da questão.
No estado do Rio de Janeiro se destacam, entre outros: Grupo Tortura Nunca Mais/RJ; Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis; e o
Coletivo RJ Memória, Verdade e Justiça.

[12] O Encontro Nacional Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas reuniu diversas organizações do
campo para elaborarem um projeto político para a agricultura brasileira alternativo ao agronegócio.

[13] O documento na íntegra está disponível em: <http://encontrounitario.wordpress.com/declaracao­do­encontro/>. Acesso em: 25 de maio de 2014.

[14] Para saber mais sobre a CCV, ver: Saraiva e Sauer, 2014.

[15] Maria Rita Kehl participou de algumas das reuniões da CCV em Brasília.

[16] Casos emblemáticos foram entendidos pela Comissão como episódios importantes, historicamente circunscrito, ou um processo temporal mais
longo, envolvendo pessoa, grupo de pessoas e comunidades inteiras. São situações e episódios que exemplificam a violência, as violações de direitos e
as variadas formas de repressão no campo.

[17] Ver a lei de criação da CNV: lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011.

[18] Até o momento de conclusão deste artigo a CCV trabalha na preparação da publicação do Relatório e no debate sobre a continuidade dos trabalhos
da Comissão. A versão do relatório publicada até o momento em formato digital pode ser consultada em: <
http://www.contag.org.br/arquivos/portal/file/site/Relatorio%20Final%20Comissao%20Camponesa%20da%20Verdade%2009dez2014.pdf>. Acesso em: 23
fev. 2015.

[19]  Através da Lei 6.335/12, de 24 de outubro de 2012.

[20] No sentido desta última frente de análise, destacam­se alguns trabalhos, entre eles: Araújo (1982), Medeiros (1983; 1989), Grynszpan (1987),
O’Dwyer (1988), Pedroza (2003), Barcellos (2008) e Teixeira (2011).

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