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EABU
LARIÜ
PERNAMBUEAN0
F. A . PEREIRA DA COSTA
COLEÇÃO
Governo do Estado de Pernambuco PERNAMBUCANA
Secretaria de Educação e Cultura

VOCABULÁRIO
PERNAMBUCANO
F. A. PEBERA OA COSTA

COLECÃO
} PER N AM B U C ANA:

PERNAM BUCO SEU DESENVOLVIM ENTO HISTÓRICO; Manoel de


Oliveira Lima

VOCABULÁRIO PERN AM BU C ANO ; F. A . Pereira da Costa

M EM ÓRIA HISTÓRICA E BIOGRÁFICA 00 CLERO PENAM BUCANO;


Padre Lino do M onte Carmello Luna /
DICIONÁRIO TOPOGRÁFICO, ESTATÍSTICO E HISTÓRICO DA PRO­
VÍNCIA DE PERNAM BUCO; Manoel da Costa Honorato
0

PRÓXIM OS LA N Ç AM EN TO S

HISTÓRIA DA GUERRA BRASÍLICA; Francisco de Brito Freyre

TEM PO DOS FLA M EN G O S ; José Antonio Gonsalves de Mello


O poeta Manuel Bandeira, no seu Evocação
do Recife, fala numa cidade onde " . . . a vida
não me chegava pelos jornais nem pelos livros.
Vinha da boca do povo na língua errada do po­
vo. Língua certa do povo. Porque ele é que fala
gostoso o português do Brasil . . ."
E arremata o poeta: "A o passo que nós o
que fazemos é macaquear a sintaxe lusíada. . / '
Para o em érito pesquisador Luis da Câmara
Cascudo, "o u v ir o Povo é curso universitá­
rio. .
Foi através dos ensinamentos do povo da
outrora Capitania Duartina que Francisco
Augusto Pereira da Costa (1851-1923) conse­
guiu reunir, na segunda década do século X IX ,
elementos para com por o que ele denom inou
de Vocabulário Pernambucano; obra publica­
da post-mortem em 1937 na Revista do In s titu ­
to Arqueológico H istórico e Geográfico Per
nambucano.
Confessa Luis da Câmara Cascudo, na p ri­
meira edição do seu D icionário do Folclore
Brasileiro (1954), ter transcrito vários verbetes
da singular obra de Pereira da Costa; o que bem
caracteriza a im portância de um estudo ainda
hoje atual. 0 Conselho Estadual de Cultura, em
resposta a o fíc io enviado pelo Secretário da

Capa:Detalhe da gravura publicada na primeira


página do Jornal Pequeno (Recife) de 22
de fevereiro de 1909f/segundo programa­
ção visual de Ana Elizabeth Vaz.
Educação e Cultura do Estado, indicou no seu
o fic io n? 9 1 /7 5 a obra de Pereira da Costa en­
tre as de notável im portância para o conheci­
m ento da Cultura de Pernambuco.
D entro do objetivo do seu Programa de Ação
C ultural — "despertar na juventude e na coleti­
vidade o gosto e o amor por sua própria C u ltu ­
ra " — , o Governo de Pernambuco dá c o n tin u i­
dade a Coleção Pernambucana formada de
obras, inéditas ou reedições, destinadas aos es­
tudos pernambucanos.
Valorizada pelas notas introdutórias do Prof.
Mario Souto Maior, autor de vários outros tra ­
balhos no gênero, a segunda edição fac-similar
do Vocabulário Pernambucano tornar-se-á livro
de consulta de estudiosos e deleite para todos
os que se interessam pelos estudos pernambuca­
nos; que vêm sendo cuidados com carinho pelo
Programa de Ação Cultural do Governo do Es­
tado.
Ressalte-se, nisso tudo, o especial interesse
do Governador José Francisco de Moura
Cavalcanti e do seu Secretário da Educação e
C ultura, Prof. José Jorge Vasconcelos Lima, no
sentido de despertar às novas gerações para es­
tudos de im portância para a nossa Cultura e
formação de nossa pernambucanidade.

LEONARDO DANTAS S ILV A

Diretor do Departamento de Cultura


VBGABULÁRIQ
PERNAMBUGAN0
F A PEREIRA DA COSTA
C OL EÇ Ã O P E R N A M B U C A N A

J tr Volume II
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AcS
V0EABULARI0
PERNAMBÜEAN0
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F A. PEREIRA DA COSTA

Prefácio de
**51 Mário Souto Maior
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2? Edição

^A* - ,r GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO


°Ç 5 ' SE C R ET A R IA D E EDU CAÇÃ O E CU LTU RA
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R ec ife — 1976
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) W f í r -
Um Vocabulário
Pernambucano

márz\o sou to mcx\orz


c ^ ^ ^ ^ o n t in u a o Departam ento de Cultura de Pernam buco, p or in ter­
m édio de seu mais que dinâm ico D iretor a prestar m agníficos serviços
à cultura pernambucana, ressuscitando, do esquecim ento ingrato a que
estavam condenadas, obras fundam entalm ente indispensáveis ao co­
nhecimento da nossa história, do nosso folclore.
Iniciando a Coleção Pernambucana com Pernam buco, seu Desen­
volv im e n to H is tó rico , de O liveria Lim a, Leonardo Dantas Silva, ani­
mado pela vontada de servir Pernam buco, nos dará, dentro de pouco
tempo, reedições de M em ó ria H is tó rica e B iográ fica do C lero Pern a m ­
bucano de Lino do M onte Carm elo Luna (c o m anotações do M onse­
nhor Severino N o gu eira ), D icio n á rio H is tó ric o e T o p o g rá fic o da P r o ­
víncia de Pern a m b u co de M anuel da Costa H on orato (c o m anotações
de José Antônio Gonsalves de M e llo ), H is tó ria da G uerra B rasílica de
Francisco de Bento F reire (ta m b ém com anotações e com entários de
José Antônio Gonsalves de M e llo ), livros que já se encontram em fase
de com posição alguns e de im pressão, outros.
Agora, tam bém incorporado à Coleção Pernambucana, tem os a
grande alegria de ver reeditado este esgotadíssim o e im portantíssim o
V oca b ulário Pernam bucano, de P ereira da Costa, publicado postum a­
mente, em 1937, na R evista do In s titu to A rq u e o ló g ico H is tó ric o e G eo­
grá fico de Pernam buco.
E quem é P ereira da Costa, autor deste V oca bu lá rio Pern am bu ­
cano? Filh o de M nauel Augusto de Menezes Costa e de M aria Augusta
Pereira da Costa, nasceu Francisco Augusto Pereira da Costa na cidade
do R ecife, no dia 16 de dezem bro de 1851. Fez seus prim ieros estudos
no Colégio de Nossa Senhora do B om Conselho. Cõm a idade de
dezesseis anos, deixou de estudar para ser balconista numa livraria
recifense. Aos vinte e um anos escreveu um artigo intitulado N ú m e ro
Sete, que publicou no D iá rio de Pernam buco. A p artir de então, passou
a divulgar estudos e ensaios sobre figuras e fatos ligados não somente
à h istória pernambucana com o tam bém a de tod o o Nordeste, fir ­

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mando-se, assim, com o estudioso das coisas pernambucanas e da histó­
ria da região onde nasceu e viveu. N o ano de 1884, P ereira da Costa
fo i convidado para exercer as funções de S ecretário do G overno do
Piauí. Com quarenta anos concluiu o curso de Ciências Jurídicas e
Sociais, pela Faculdade de D ireito do Recife. F o i m em bro do Conse­
lho M unicipal do R ecife (1889-1891), deputado estadual e um dos fun­
dadores da Academ ia Pernambucana de Letras. Faleceu no dia 21 de
n ovem bro de 1923.
N ão fo i na política, entretanto, que P ereira da Costa mais se des­
tacou. C om o hom em inteligente que era, claro que sua passagem pelo
Conselho M unicipal do R ecife e pela Câmara Estadual não fo i em vão,
porque seu nom e sem pre esteve ligado a todas as leis que visavam a
higiene, a saúde e o bem-estar dos recifenses e pernambucanos.
P ereira da Costa perm aneceu vivo na história cultural de Pernam ­
buco pela força e pelo valor de seus m agníficos trabalhos, ainda hoje
de grande valia para os que se dedicam ao estudo da história e do
F olclore pernambucanos. Obras com o M osa ico Pernam bucano (c o le ­
ção de excertos históricos, poesias populares, anedotas, curiosidades,
lendas, antiqualhas, usanças, ditos célebres, etc., 1884), A Ilh a de F e r­
nando de N o ro n h a (1888), Enciclopediana B rasileira (1889), F o lc lo re
Pernam bucano (subsídios para a história da poesia popular em P e r­
nambuco, 1909 — que o A rqu ivo Público, sob a direção de Mauro
M ota, reeditou recentem ente), A Naturalidade de Cam arão (1909),
Anais Pernam bucanos (o n d e vam os encontrar registrada, com im pres­
sionante riqueza (.de detalhes, a história de Pernam buco desde sua
fundação até o ano de 1850) e outras, num total de trinta e seis, entre
as quais este V oca b ulário Pernam bucano, trabalho de fôlego, resultado
de, ninguém sabe, quantos anos de pesquisa, num tem po em que a
técnica e os m eios de com unicação não eram os de hoje.
Alguns chegam a pensar que o vocabulário de um Estado seja a
coleção de palavras e de locuções som ente usadas pelo povo daquele
Estado, quando, na verdade, diz respeito às palavras e locuções mais
correntem ente faladas e escritas pelo povo do m esm o Estado, além
das que — m uito poucas, é claro — são próprias da região. E lab o­
rando um trabalho assim, sem os recursos da técnica nem os meios
de com unicação de agora, P ereira da Costa, m unido apenas de sua
paciência bem franciscana, conseguiu, neste seu V oca vu lá rio Pern a m ­
bucano, realizar uma pesquisa que, apesar de feita há quase um século,
continua válida e de grande im portância para o estudo da língua p o r­
tuguesa falada nesta região. Continua válida porque no Vocabulário
Pernam bucano de P ereira da Costa vam os encontrar palavras e locu­
ções ainda h o je correntes na boca do povo, palavras e locuções com o
am oitado (esco n d id o), boia (c o m id a ), cangalha (pernas tortas para
dentro, com o as de um alicate), desencavar (descobrir, encontrar,
achar algum a coisa ou alguém ), em p eitica r (ab orrecer, azucrinar),
fr ito (m e tid o em maus len çóis) gira (am alucado, id io ta ), hora-da-
m o rte (carestia g e ra l), igrejin h a (reun ião de lim itado núm ero de pes­
soas em um dado lugar para certos fin s ), judeu (m a lv a d o ), loca (b u ra ­
co, cova, esco n d erijo ), malassaãa (frita d a de qualquer esp écie), nascer

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(quebrar-se um o b jeto de louça ou de v id ro ), ossada (m u lher muito
magra, esquelética), pá (p a rte superior das costas), quartinha (espécie
de bilha de barro, de m odelos vários para conter e refrescar a água),
roçado (p lan tação de cereais), seda (delicada, am ável), terens (b aga­
gem, tro ç o s), u rso (in divídu o insociável, am igo fa ls o ), vista-gorda
(to le râ n c ia ), xod ó (cham ego, p a ix ã o ) e zambeta (pessoa que tem as
pernas to rta s).
Assim, os verbetes arrolados p or P ereira da Costa neste excelente
trabalho — a m aioria dos quáis enriquecidos com abonações de jo r ­
nais, revistas e livros da época — continuam constando do vocabu­
lário atual do povo pernambucanamente nordestino, até m esm o entre
os que, pecando p or excesso, se situam na chamada Geração-sem-
palavra, com o no caso de m o ita ( o ) , com provando o m ergulho que
as palavras dão no tem po para ressurgirem , depois, com a mesma
significação ou com significação inteiram ente diferente. E este é um
dos m éritos deste V oca b ulário P ern a m b u ca n o: servir de referência
aos que estudam a evolução da língua portuguesa falada em Pernam ­
buco, de um m odo especial e, de um m odo geral, no N ordeste brasileiro.

M A R IO SOUTO M A IO R
Olinda, setem bro, 1976

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Em 1916 a Revista do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico
Pernambucano iniciou a publicação do interessantíssimo trabalho de Pe­
reira da Costa, modestamente intitulado "Apontam entos para um Vocabu­
lário Pernambucano” . Não pôde, entretanto, ir além da letra B.
A morte surpreendeu o operoso e benemérito confrade e como os
originais estavam em seu poder e não em poder do Instituto, não pros­
seguiu a publicação.
Ao tempo se faziam grandes pesquisas de regionalismos para o fu tu ro
"D icionário da Academia Brasileira de Letras", de modo que a publicação
incompleta causou pesar a quantos se interessam por esses estudos.
Felizmente, com a oferta que, os originais, fizeram os herdeiros do
saudoso cronista ao Instituto, foi possível à Revista a publicação integral,
tirando-se-lhe também separata.
Desnecessário entrar no m érito duma colheita dessa natureza. A pos­
teridade saberá fazer justiça à memória de Pereira da Costa que, com
paciência beneditina, dedicou quase toda a sua vida à pesquisa de fatos
da História de Pernambuco e de coisas que lhe são atinentes, deixando
farto acervo para os estudiosos.

Diretor da Revista do instituto Arqufoiógico


A

Abacaxi — Mau dançador, pesado, sem geito. “ A sua m eni­


na, Evaristo, é um a b a c a x i... não sabe dançar.” (A Lanceta n.
100 de 1913). Os escravos que no pcriodo da campanha abolicio­
nista fugiam ou eram mandados para o Ceará, já emancipado
desde 1884. Abacaxi, como se sabe, é o fructo da bella brom elia
do mesmo nome, que segundo o naturalista Richard é o m elhor
conhecido, e já cantado com o nome de ananás, com que
tambem é nomeado, pelo nosso epico Santa Rita Durão no seu
poema O Cafam nru’ (1781), com a consagração destas estro-
phes: “ Das fructas do paiz a mais louvada E ’ o regio ananás,
frucla tão bôa, Que a mesma natureza namorada Quiz como
rei cingil-a de corôa.” O abacaxi fo i introduzido em Pernam ­
buco pelo naturalista Dr. Arruda Camara, que em suas ex­
cursões scientifiCas o trouxe do Maranhão nos prim eiros an-
nos do seculo passado, iniciando a sua cultura em Goyanna, e
dahi a propagação e prodigioso desenvolvim ento da apreciada
planta entre nós. Estudando a origem do vacabulo, encontra­
mos na Chronica da missão dos padres da Companhia de Jesus
no Estado do Maranhão escripta pelo Padre J. I7. Betendorf
em 1699 e só agora vulgarisada, que havia no Xingu’, tratando
das missões do Pará, uma tribu de indios abacaxizes: Estava
destinado o Padre João Carlos para os abacaxizes... Vieram
por aquelle tempo (696) catras do Padre João da Silva missio­
nário dos A b a c a x izes ... Aldeia dos A b a c a x izes ... N o distric-
to da v illa de Borba, no Amazonas, outr’ ora territorio pauaense
há um rib eiro chamado Abacaxis e assim denominado
do nome de uma tribu de indios que residiam em suas
margens, como escreve M illiel de Saint’Adolphe, que é natural-

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mente, o rio Abacaxis, affluente do Amazonas, de que existe
um R elatorio sobre a sua exploração impresso em Manáos em
1853. A planta como se sabe, vem daquellas latitudes, exten-
Uendo-se mesmo até as Guyannas, resultando assim desses p o r­
menores a in terrogação: F o i o fructo que deu o nome aos ín ­
dios ou os indios que deram o nome ao fructo? Quanto a nós
não temos duvida em nos pronunciar, que fo i a planta que
deu o nome aos indios assim cbamados, porquanto, segundo
Macedo Moares concordantemente com T heodoro Sampaio, a
dicção abacaxi, referente ao fructo da brom elia do mesmo no­
me é unta corruptela do tupi ibacaxi, de iba fructa, caxi-cati,
reseendente, cheirosa, ficando destarte firm ada a anteceden-
eia, uma vez que taes expressões nada têm de commum com
aquelles indios.
Abafado — Contrariado, enraivecido, irritado, zangado,
prevenido, embuchado, roendo-se, mas contendo-se em: e x ­
plosões, em desabafos. “ Certas moças que estiveram no Club
Carlos Gomes estão muito abafadas com o repórter, porque,
descobriu os seus namoros.” (Lanterna Magica n. 128 de 1885).
A bafador — Peça de pano, interiorm ente revestida de al­
godão em rama, ou baeta, para cob rir o bulle afim de conser­
var a quentura do chá ou café.
Abafanetico — Cançado, suando, exhausto. — “ Chega em
cisa abafanetico Cornelio da Paciência; Mas nota da esposa a
ausência, Torna de casa a sahir” (A Pimenta n. 29 de 1902),
- Abaixo-assignado — Petição, requerim ento ou outro qual­
quer documento firm ado por alguns ou muitos indivíduos, e
que invariavelm ente começando pela form ula:Os abaixo assig-
nados, origina-se dahi a sua vulgar, denominação, que p o r as­
sim dizer, vem já de longe. “ Eslas noticias sahiram de certa
casa na Europa de um Nós abaixo asisignados nesta capital
(R io de J a n e iro )” . (P arecer das commissões reunidas de Cons­
tituição e Diplom acia da Camara dos Deputados de 18' de
Junho de 1833, transcripto n’ 0 Velho Pernambucano n. 3 do
mesmo atino). “ A importância numérica do partido liberal
pudemos ha pouco apreciar em um Abaixo assignado, que to­
dos leram .” (O Paiz, Recife, n. 43 de 1856).
A.bbadessa — Mulher robusta, de elevada estatura; mulhe-
rona; matrona respeitável. Regente ou p ro p rie la r ii de con-
ventilho. “ As pobres reparigas são m iseravelm ente exploradas
pelas donas de casa ou eonventilho, abbadelssas chamadas ”
(A Pimenta n.° 550 de 1907).
Abecar — Atirar-se contra alguem com disposições hostis:
segurar', prender pelos peitos. “ O Balduino abecou o Arthur
porque disse que mandava matar um redactor desta* fo lh a .”
(A Pimenta n.® 10 de 1908). “ O soldado abecou o inofensivo
homem, desandando a esbordoal-o com um umbigo de boi.*’
(O Estado de Pernambuco n.® 346 de 1914).
Abestalhado — Alvar, tolo, idiota.
Abiscoitar — Arranjar, conseguir, tirar, surripiar, furtar
mesmo. “ Quem é que anda dizendo por ahi que o Capobre
delegado, abiscoitara para si e seus amigos dous terços dos
bicudos p or elle apprehendidos?” (O Clamor Publico n.° 87
de 1846). “ O homem já abiscoitou uma curul estadoal, e agora
quer vêr se o Rosa lhe dá uma fe d e r a l. ” (Lanterna Magica n .
734 de 1903). V v. Excs., devendo ganhar doze contos por anno,
abiscoitam vinte e sete, prorogar.do as sessões.” (Jornal do
R ecife n,: 161 de 1916).
Abodegado Arreliado, irritado, zangado, de máu humor.
“ A companhia agrada; mas nos fem abodegado com repetições
seguidas.” (O A lfin ete n. 9 de 1890). “ E o fona encabulado foi
sahindo abodegado.” (O G rillo n. 2 de 1901). “ Estou hoje mes­
mo abodegado da vida p or m otivo justificável.” (A Pimenta
n.° 577 de 1907). Derivados: Abodegar; Abodegação; abodêgo.
“ A menina attentada, é um abodêgo.” (Lanterna Magica n.°
565 de 1898).
A b o ia f — Cantar dos vaqueiros ou tangerinos na süa m ar­
cha de conducção do gado em boiadas, ou á noitinha, dos
campos de pastagem para os curraes da fazenda. “ Guiam-se as>
boiadas indo uns tangedores diante cantando, para serem des-
la sorte seguidos do gado.” (A n to n il). “ O tangedor faz utn ap-
pello e toda força de seus bronzeos pulmões para aboiar bonito.”
(O sw ald o A raú jo). “ O aboiar dos nossos vaqueiros, aria to­
cante e maviosa com que elles ao por do sol tangem o gado
para o curral, são os nossos ranz sertan ejos.. . Quem tirasse por
solfa esses im provisos musicaes, soltos á brisa veepertina,
houvera composto o mais sublime dos hymnos á saudade.”
(José de A len ca r). Aboiar é um termo sertanejo, pastoril, re­
gional de alguns Estados do norte.
Abcticado — Esle vocábulo é somente empregado para de­
signar uns olhos grandes, disformes, estufados, fóra das or­
bitas; olhos aboticados; zoião. “ Sordado novo de bonete ar-
revirado, Tem o oio aboticado Que só cachorro do m á” .
(Jornal do R ecife n.° 51 de 1914).
Abotoar — O mesmo que abecar. “ O Baldoino abotoou o
Guilherme e fez elle botar as tripas pela bocca.” (A Pim enta n.
10 de 1008).
Abozin ar — F alar im pertinentemente aos gritos; atueanar.
Não me abozine os ouvidos.
Abrazô — Comida africana, constante de pequenos bolos
feitos com farinha de m ilho ou de mandioca, azeite de dendê
pimenta e outros temperos, e fritos no mesmo azeite. “ Hon-
tem jarifei abrazo.” (A Carranca n. 61 de 1846). Algumas
vezes dão-lhe tambem o nome de ambrazô. “ Vem Quinquim,
temos para ti bobó, ambrazó, quingombó, giló e excellente
azeite de dendê.” (A m erica Illustrada n.° 25 de 1883.) Beaure-
paire Rohan seguindo a S ylvio Rom ero consigna a dicção, effec-
tivamente cpmo origin aria de Pernambuco, e com a sua exac­
ta expressão, mas com aquella pouco vulgar variante de am­
brazô crendo assim derivada de ambrosia, pelo sabor prim oro­
so da comida, concluindo, comtudor “ Não sei porem, se os in ­
gredientes que entram na sua composição justificam a sua
comparação com a ambrosia dos deuses” . Quanto a nós, sem
com menlarios, mantemos o nome de abrazô, com que a com i­
da é vulgarm ente conhecida, e assim api'egoada pelas pretas
africanas, em outros tempos, vendendo-a pelas ruas. Com o
desapp are cim ento do elem ento african o entre .nós, dejsap-
pareteu tambem da nossa culinaria o abrazô, como tantas
outras cousas próprias dos usos o costumes daquella gente.
A brilada — Os motins políticos de 12, 13 e 14 de A b ril de
1832, convenientem ente consignados nas nossas chronicas. Ja
anteriorm ente a tussas tumultuosas occurrencias, tiveram o no­
me de abrilada, as prisões nocturnas em a noite de 6 de A b ril de
1818, que fizeram debulhar em lagrim as mais de sessenta fa m í­
lias pernambucanas, vendo-se desamparadas de seus chefes, e
estes ameaçados de atrozes supplicios, como refere o Padre
Dias Martins. “ Tem os visto crises ameaçadoras em Pernam bu­
co, como a Abrilada, Setembrizada e Cabanada.” (O Cometa
n.° 4 de 1843).
Abrir-se — Desabafar, d izer os jseus sentimentos ou p re­
tensões, revelar um segredo, re fe rir uma occurrencia qualquer,
Abugalhar — Corruptela de esbugalhar, e com a sua p ró­
pria expressão figurada de arregalar os olhos. Vem de bu­
galho, vocábulo vernáculo, mas que, popularmente, exprim e o
globo do olho o bugalho do olho- Abugalhar os olhos; olhos
abugalhadob.
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Abuso — Cousa incommoda, im pertinente, ou que produz
desagrado, enfado; aversão, e dalii abusado, para exp rim ir taes
sentimentos “ Casa de palha é palhoça, Se eu fosse fogo, quei­
m ava; Moça feia é meu abuso, Se eu fosse a m orte m atava.”
(T ro va s populares).
Abyssinio “ Pedras no sol que toca ao seu d eclin io; thuri-
bulo em punho para o sol que nasce.” (Lan tern a Magica n.
274 de 1889). “ Apenas chega a demissão de S. Ex.., os Abys-
sinios ,do partido da Praia, esses mesmòs que se arrastavam
em sua presença, o apedrejam e o insultam.” (O Guararapes n.'
21 de 1844).
Acabado — Avelhantado, desfigurado, desfeito p or tra­
balhos, moléstias ou desgostos; mal arranjado, pobremehte
trajado: Andar muito acabado; acabadinho.
Acabanado — Descido, pendente, cahido; orelhas acaba-
nadas; chapéo acabanado, isto é teahido nos olihos, com as
abas descidas, encobrindo parte do rosto disfarce ou não.
“ Um dos assassinos do Dr. Trajano Chacon trajava roupa de
brim listado, chapéo preto acabanado.” (D o respçctivo proces­
so) . “ O cordão do club trajava calça branca, colete preto, ca­
misa branca e chapéo de palha acabanado” (Jornal Pequeno n.°
40 de 1914).
Acaboclado ou acabocolado — Parecido com cabloco p e­
los accidentes da côr, cabellos e typo feicion a l. “ M anoel F ra n ­
cisco era acabocolado, feio, baixo, grosso e r e fo rç a d o .” (F ran -
klin T a v o r a ). “ Indrviduo acaboclado, altura regular, apparen-
taudo ter 35 a n n os.” (Jornal do R ecife n. 306 de 1915).
Acabralhado — T irado, puxado, ao modo de cabra.
Acachapado — Corruptela de acaçado; que não tem a na­
tural e p roporcional altura: um ed ificio acachapado; homem
baixo e grosso, vindo assim o vocábulo, talvez, de caçapo,
como se diz em Portu gal. “ Uma rotundidade de porca no seu
estado interessante; o corpo de anão, baixo e acachapado.”
(O Paiz, R ecife, n. 43 de 1856). “ N ariz enorm e E acachapado.
Tom a-lhe a cara De lado a la d o .” (D a chula O retrato de uma
senhora).
Acachapar — Abater, achatar, supplantar; levar de ven ci­
do: Nessa questão das biblias falsificadas o general Abreu e
Lim a acãchapou o seu contedor.
-Acamaradar-se — P rocu rar camaradagem com alguem, tra­
var .relações de amizade, ter convivência intima.
Acambetado — De pernas eambetas, tortas. “ N ojento typo
besuntão, de cara acachapada e as pernas acambetadas” . (O
Maná n. 19 de 1883).
Acanalhado — De termos, procedim ento e modos de cana­
lha.
Acangulado — Diz-se dos dentes estufados, pronunciada­
mente salientes, como os do cangulo, conhecido peixe. “ Uns
são aleijados, outros cegos, estes caraolhos, aquelles com den­
tes acangulados.” (O Guarda N acional n.° 38 de 1843).
Acará ou A cary — P eix e escamoso, de agua salgada e doce,
endo os desta muito communs nos rios e lagôas e vulgamen
te conhecidos p or Cará. Variedades: Acará-apuá, bola, redon­
do; Acará-assú, grande; Acará-peba, pequeno, meudo, in ­
fe rio r; Acará pitanga, rubro, verm elho; Acará-pixuna ou
Adará-pixuma ou Acarau’na, de agua salgada, preto (Choe-
ledon nigricans, L in e o ); Acaratinga, branco; Acaraya, .do
mar ((MJesoprion A ya C u v.); e Acary, de agua doce, de courc*
e muito abundante, particularmente, no rio S. Francisco, e
bem assim a especie conhecida por A cary roncador (R hinelepis
aspera, S pix).
Acarobado — Mal arranjado, em desalinho, esbagaçado,
esbodegado “ A oitava degenerando. Com vates acarobado. F o i
pouco a pouco acabando P o r versos de pés quebrados.” (B a r­
bosa V ian n a).
Acaseadeira — Mulher que particularm ente se incumbe do
serviço de fazer as casas do vestuário que prendem os botões.
D erivado: Acasear.
Ac-atingado — Terras de catinga. “ Todo o solo deste
município, acatingado a uma parte, é enriquecido de mattas
de frondosas arvores.” (Bom Conselho, inform ações da
Camara Municipal, 1884).
Acauã — A ve sertaneja (F la co cachinans) que os indios
tinham como agoureira; e ainda hoje, como escreveu Fernan­
do D iniz, o seu canto m elancólico, entre os mesmo indios,
annuncia-lhes a chegada de algum hospede. “ Outra ave cha­
mada Aquaham, que lhe não fazem vantagem as mesmas
gallinhas, posto que sejam muito gordas.” (D iálogos das
grandezas do B rasil). Tratando Gonçalves Dias desta ave
escreve: “ Acauán, e também Macauoãn, ave conheci da: mata
cobras, susienta com ellas os filhos, e pendura íhes como tro-
pheo as pelles na a rv or e em que habita. Os indígenas, quan­
do esperam algum hospede, affectam conhecer pelo canto des-

18
tas aves, o tempo em que aquelle deve chegar. Os ovos seccos
e feitos em pó são contraveneno do das cobras. Tem esta ave
a cabeça grande, côr cinzenta barriga peito e pescoço verm e­
lhos, costas pardas, azas e cauda pretas, malhadas de branco.
Acavalladam ente — Ao modo de cavallo. Comer acavalla-
damente.
Accezo — V ivo, esperto, inquieto, travesso. Uma creança
ou rapariga acceza.
Achamurríado — N ariz chato, rombo, como o dos a fric a ­
nos. “ Era um cabra coriboea, de nariz achamurrado.” (O Ra­
bicho da G eralda).
Achamuscadamente — A ’s pressas, negligentemente, sem
cuidado, mal preparado. “ A carta de bacharel anda pela hora
da morte, e a causa de semelhante calamidade é a admissão
ao curso ju rídico de rapazes ou adultos tardiamente e acha-
muscadamente preparados.” <(0 Diabo a quatro n. 34 de 1876).
Achatar — O mesmo que acachapar.
Acochado — Cheio, repleto: O trem ia tão acochado de
gente, que não havia um só lugar vazio.
Acochar — Conchegar, apertar, arrochar, unir, prender;
pedir, rogar instantemente, impertinentemente, p or si p roprio
ou p o r empenhos de terceiros a solução de um negocio ou pre-
tenção qualquer de modo favoravel: O m inistro viu-se tão aco.
chado, que áfinal deu ao João uma bôa collocação.
Acocho — D ifficuldade, embaraço, situação precaria, peri
gosa mesmo. “ Arran car das garras da fom e e do acocho da m i­
séria a um in feliz, recommendam a razão e a humanidade.” (O
P ovo iT 73 de 1856).
Açodam ento — Pressa, previpitação, irre fle x ã o : A g ir num
negocio com açodamento.
Acuado — Corrido, envergonhado, succumbído; encolhido,
retrahido, embaraçado; situação d iffic ií do uma sabida airosa.
Acuar — Acompanhar, perseguir, cercar. Diz-se particular­
mente do cão que persegue a caça, ladrando, e fica como que
de guarda ao enlocar ou subir a uma arvore, até que chegue
o caçador. Parar, não proseguir, em perrar em não andar, como
diz-se do câvallo manhoso, ospaníadiço.
Ac idar — Construir aç 'der. “ Açudar todos, os rios e tor ­
rentes para obter que com ervcni agua cm dous mi tre i»•>..-v« í
de seccas.” (D r. A. Rebouças, As seccas nas províncias do
N o rte l.
Açude — Reservatório, repreza d’agua, natural ou artifi-
almente, feita para abastecimento publico ou serviço de uma
propriedade ag ríco la .o u pastoril.
Acudir — Agradar, servir, con vir, goslar, satisfazer, pare­
cer bem. “ De Adelaide, a côr do jam bo maduro do roslo bei lo,
acode mesmo a meu gosto.” ( A Pim enta n. 54 de 1902).
Adereço — T ern o de brincos, alfin ete de peito c pulseira.
“ Obras do bom tom na rua do Crespo loja do Serafim. Ricos
adereços de ouro com bastante peso e cravojam ento de dia-
m en tes.” (Gazeta Universat n. 83 de 1836).
Adeus de mão fechada — Gesto offensivo, insultuoso, fe i­
to com a mão fechada. “ Em recompensa de tão grande lida,
eu te envio um adeus de mão fechada.” (A Pim enta n. 69 de
1902).
Adeus, v io la ! — Acabou-se, foi um dia, lá se fo i tudo
quanto Martlia fiou. Agora, Adeus, v io la ! Vá chorar na cama
que é lugar quente. Phrases de iguáes expressões; Adeus Ana-
lia! Adeus, minhas encommendas! Adeus A*inita; a trouxa
ahi fica.
Adeusinho — Expressão acompanhando o gesto do adeus,
como uma expansão intima, carinhosa, affectiva. “ Adeusinho,
camaradas. Bôa viagem. O sol já vem de outra banda.” (O
Tam oyo n. 9 de 1890.)
Adivinh ar chuva — Gracejo intim o ou iron ico dirigid o a
uma pessoa que canta: Está adivinhando chuva.
Adjunto — Reunião, conselho, congresso; ajuntamento,
aglom eração de gente para vêr qualquer cousa de extraor­
dinária que occorre. “ N o dia do adjunto juntaram m il e tan­
tos; E ao falar-se no Espacio Ficaram dc beiços brancos.”
(Rom ance d’0 boi E spacio). “ Passando um destes dias pela
rua da Palm a vim os um grande adjunto de moleques a grita­
rem em algazarra: a barcaça virou ; virou ; v ir o u !” (O Vapor
do R io Form oso n. 10 de 1858). O vocábulo é tambem vulgar
em outros lugares com as mesmas expressões que tem entre
nós: “ Cantador como você, Eu queria apanhar muitos, P ’ra
botar no cem iterio, P T a fazer quarto ao defuntos, P ara man-
botar ao inferno, P ’ro cão fazer adjunto.” (C ancion eiro do N o r ­
te). “ Em 30 de Julho de 1808, a Camara fez um adjunto da
nobreza e do clero para pedirem ao príncipe regente que ele­
vasse a Fortaleza á cathegoria de cidade.” (João Brigido,
Ceará).
Adoidarrado — Estouvado, exaltado, pancadório, estrói­
na, tarado mesmo do doido, donde vem a dicção.
Adomar-se — Acostumar, habituar-se, adaptar-se: O
Manoel já está tão adornado no seu serviço, que ninguém o
excede em trabalho. O João adomou-se facilm ente ao novo
meio em que se viu.
Afanádo — Diz-se do individuo que fo i roubado ou fu r­
tado, na giria dós gatunos, como dizém os da Hespanha, e
igualmente os do R io de Janeiro, parecendo assim que a d ic­
ção vem daquelle paiz.
Afan ar — T ira r, subtrahir, furtar, roubar. O riginariam en­
te vem o vocábulo da giria dos gatunos quer daqui quer do
Rio de Janeiro: mas vulgarisado, vai tendo até mesmo entrada
na imprensa. “ Foi preso um gatuno quando afanava de uma
loja na rua Nova, uma camisa.” (Pernam buco n. 185 de 1912).
Afavécos — Muafos, peças de roupa de vestir; preparados
de viagem : Metter-se nos seus afavécos; Arrum ar os afavécos.
A fe rro a r — Apoquentar, pedir com instancia, im pertinen­
te.
Aferventado — In soffrido, alvoroçado, im paciente; comida
de carne ou peixe ligeiram ente cozida com certos legumes e
batatas. “ Um regalo, um aferventado de vacca com quiabos.”
(O Diabo a quatro n. 142 de 1878).
A fiad o — Preparado, prevenido, instruido, armado de ra ­
zões e argumentos, e disposto assim para com vantagem en­
trar em uma discussão, p rovocar uma polem ica, tomar satis­
fações, desabafar-se, insultar, dar uma resposta de mestre:
Esiar afiad o; de lingua afiada.
Afiãm brado — Bem trajado, m ettido em bôa encardenação,
em fatiota nova.
Afigurado ou figurado — Ancho, envaidecido, cheio de si;
heju trajado, elegante. “ Os dous Alfredinhos foram ao pastoril
afigurado® com duas estrellas.” (A Pim enta n. 78 de 1902).
“ Quem é branco e figurado, Tendo cobre e form osura Tem
sorte e dita e ventura, Neste mundo é adorado.” (C ancion eiro
do N o rte ).
Afilhadagem — Protecção, preferencia, fovoritism o escan­
daloso a parentes, afilhados, gente do peito. “ Que para sem­
pre seja proscripto d ’entre nós o p rin cipio de afilh ad agem . ”
(O Capibaribe n. 104 de 1849). “ Manda-se preparar os reme-
dios p or afilhadagem, porque quem parece ser socio nos lu­
cros.” (O P ovo n. 70 de 1856). “ C ollocou nas differentes esta­
ções somente indivíduos de sua afilhadagem .” (O Barco dos

21
Patoleiros n. 14 de 1864) “ O que prevalece presentemente é-a
afilhadagem e a m entira.” (A m erica Illustrada n. 24 de 1877)
“ tíxclusão dos empregados competentes, dos assíduos, dos v e ­
teranos do serviço, quasi sempre preteridos pela afilhadagem
feliz dos poderosos.” D iario de Pernambuco n. 84 de 1913).
A filh ado — Protegido. “ Os jurados absolvem a todos os.
afilhados e capangas dos potentados.” (O Barco dos Patoleiros
n. 34 de 1864). “ O presidente levanta a cesta, para os afilhados
dos nossos lycurgos, mas os afilhados de S. Exc. vão muito
suavemente mettendo a mão na dita.” (O Diabo a quatro n.
118 de 1877). “ Quando os afilhados do poder comem um pedaço
de pão que lhes dá o amo, julgam-se grandes, ficam soberbos” .
(O Desespero n. 18 de 1880). F ilh o de padre ou frade. “ E o
padresinho tem um seu afilhadinho.” (A Derrota n. 15
de 1883). “ Apenas, porem, collado, mandou o vigário
v ir uma comadre de quem já tinha dous afilhados, e sem a
menor cerim onia collocou-os perto de si.” (O Patusco n. 13
de 1886). F re i Caneca, escrevendo do cárcere, ás suas tres
filhas, poucos dias antes da sua execução capital em 1825,
mesmo assim, reservadamente, intimamente, trata-as por
afilhadas, charas, do coração, das suas entranhas, e assigna-sc
por Pradinho, que muito as estima, venera e ama. (Caneca,
Obras Com pletas).
A fio com prido — Deitado de costas, estirado, de papo
p’ ra cima.
Afobádo — Cançado, exhausto, fatigado; p recipitado;
apressado, azafamado: “ Em bora cançado o C orn elio metteu-se
pelas ruas e travessas, e todo afobádo e ás p; essas, dá encon­
trões em quem passa.” (A Pim enta n. 29 ele 1902). “ Homens,
mulheres, crianças, suarentos, afobados, com ares de espanto.”
(Id em n. 549 de 1907). “ Afobado, de cima a baixo, vim os o
homem passar indagando de uns e outros sobre a presença do
subdelegado local.” (Jornal do R ecife n. 224*de 1915). O voca-
bjilo tem tambem curso no Ceará, com as expressões conso­
antes de sem forças, aniquilado, etc.
Agachadeira — Nom e vulgar da narceja, ave pernalta,
ribeirin h a (Scolopax paludosa, S p ix ), assim chamada, como é
corrente, por se agachar ao presentir o caçador para não ser
vista.
Agachados — Curvaturas, subserviencias, excessivos agra­
dos, descambando em servilism o, adulação, 'chaleirismo. D e ri­
vado: Agachamento.

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Agadanhar — Sorprehender, pegar, prender. “ O Gambeta
fo i agadanhado com uma porção de notas falsas, que andava
passando.” (O Pestilhão n. 22 de 1846). “ O chin frim tomou
proporções collossaes, e p or ultimo a p olicia penetrou no salão
agadanhando uns e outros.” (A Lanceta n. 10 de 1890). A b is­
coitar, tirar, bifar, furtar, “ Isto só pelo diabo!.. Agadanhar
cin to cartas,! (O Cruzeiro n. 162 de 1829). “ Nem ao menos lhe
deixaram agadanhar uma ga llin h a !” (O A rtilh eiro n. 18 de 1844).
“ Muita cousa mesmo tenho ouvido dizer do seu antigo costu­
me d’agadanhár, ou pescar, na linguagem aquatica.” (O João
Pobre n. 1 de 1844). “ Não deixou de ir agadanhando da festan­
ça geral o seu quinhão.” (L aq tern a Magica n. 180 de 1877).
Conseguir, obter, arranjar. “ Agadanhou esse osso m olle da
serventia vitalia de um o fic io de justiça.” (O Mocó n. 2 de
1851). Moraes registra a dicção como term o fam iliar, com as
expressões de agarrar, em polgar; arrebatar, roubar com mão
violenta; mas nos diccionarios modernos figura com accepções
outras, que não aquellas.
Agallinhar-se — Submetter-se, transgir, humilhar-se,
abaixar a cerviz. “ O velho gallo de Monte Cario se agalinhou
uo seu in im igo Pinh eiro, e gallo que se agallinha, é gallo p er­
dido.” (A Republica n. 314 de 1913). “ Agalinhado é o mesmo
que avacalhado, com a differen ça que agalinhado é menos p ar­
lam entar.” (Jorn al do R ecife n. 91 de 1914).
Agaloado — Cheio de galões; um o ffic ia l m ilitar: V ai te
m etter com agaloados e vê depois o que te acontece.
Agasalhar-se — R ecolher-se a d orm ir; metter-se na cama.
“ Já dormia agasalhado todo o povo da cidade” . (A . A. M ilton )
“ E logo depois da ceia nos fom os ag a sa lh a r... Chegadas as
horas de nos agasalharmos, deitou-se o com panheiro a d or­
m i r . . . São horas de nos recolherm os: podeis ir agasalhar -
vos” (N u no Marques P e re ira ).
Agatiado — Ao* modo ou feição de gato. “ Olhos vesgos e
agatiados” . (D a chula Retrato ide uma Sinhásinha).
A gazer — C otar azar; encaiporar.
A geitar — Arranjar, guardar, tirar, subtrahir, furtar. “ O
gatuno Bacuráo, Sem uzar processos novos, Fez um jogo nada
máo Ageitando varios o vo s” . (Jorn al do R ecife n. 103 de 1913).
Aggregado — Indivíduo ao sei viço das fazendas sertane­
jas; trabalhador do campo; empregado de serviço dom estico.
“ As casas dos pobres, dos m iseráveis aggregados são de palha

23
de carnaúba” . (Gustavo B arroso). “ O capitãò-m ór sabia das
relações do C abeljeira com o taberneiro, p or irfform ações
de aggregados e ordenanças” . (F ra n k ü n T a v o ra ).
A g ir — In tervir, praticar, obrar; ingerir-se, mover-se, p ro ­
viden ciar; ter acção sobre alguma cousa. “ A liberdade, o d i­
reito de agir, de praticar qualquer acto, assenta justamente
nisto: o homem póde praticar todos os actos que a le i lhe não
ved a” . (D r. J. I. de Alm eida Am azonas). “ E ’ possivel que des­
ta vez venha a p olicia a agir.” (D iá rio de Pernambuco n. 228
de 1915).
Agoniado — Exaltado, irritável, in soffrid o, violen to, mal-
creado. “ O homem é um bicho turuna, agoniado, escorrega
como enguia” . Pernambuco n. 324 de 1913).
Agoiúnha — A gora mesmo, neste momento, neste instante,
não ha muito tem po. “ Então, seu Ped ro de Lim a não andou
p or estas beiradas ainda a gorin h a ?” (F ra n k lin T a v o ra ). D iz o
conselheiro Lisboa tratando dos dim inuitivos usados na lin ­
guagem castelhana em Venezuela, que de ahora fazem ahirita,
semelhante ao nosso agorinha paulista; mas S ylvio Rom ero,
que registra este conceito, bate-o com vantagem, concluindo
mui seguramente: “ O emprego do agorinha, que o sr. conse­
lh eiro Lisbôa suppunha paulista, é expressão correntissim a em
todo o norte do Brasil, e nós cansamo-nos de ouvil-a na Ba­
hia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. Quan,do chegou? Inda
agorinha, lá é muito com m um .”
Agrados curujos — Cavillosos, fingidos, prejudiciaes, com
segunda intenção.
Agreste — Uma das zonas que distinctamente caracterisa
o territo rio do Estado, pela grande hum idade reinante p rin ­
cipalm ente nas eminencias ou chapadas das serras, solo pe­
dregoso, vegetação escassa e de pequeno p orte. “ O agreste
abrange a parte superior do valle do rio U na” . (J. M. da S il­
va Coutinho). “ N o breve transito pelo agreste, a agua e a ca­
ça com eçaram a minguar, e logo veio a idéa de desbravar o
caminho na vegetação enredada, rtesequida e resistente da
catinga v a s ta .” (A líre d o de C a rva lh o).
Agua que passarinho não bebe — Aguardente.
Aguaceiro — O director do presidio de Fernando de N o ­
ronha, na giria dos sentenciados; bebedeira, borracheira.
“ Após a feijoada houve um grande aguaceiro” . (A m erica Illus-
trada n. 5 de 1878). “ Tom ou um aguaceiro enorm e e andou

24
pelas ruas num frém ito medonho de enthusiasmo” . (A Lance­
ta n. 5 de 1889).
Agua de Colonia — Querido, estimado, p referido, dispu­
tado; alguem em evidencia, em ordem do dia, na ponta, nas
palminhas das mãos. Esta locução vem de um antigo e muito
conhecido extracto assim chamado, de origem franceza, que
ao seu apparecim ento entre nós, em caminho de um seculo,
teve grande vóga popular, e que em desuso já desde algum
tempo pela p referen cia das modernas perfumarias, tem apenas
applicações medicinaes pelas suas propriedades tónicas e es­
timulantes. A Agua de Colonia, segundo um parecer da Cama-
ra Syndical da Perfum aria Frartceza, é um producto conheci­
do ha mais de duzentos annos.
Agua do póte — Um medicamento bom de tomar.
Agua morna — Pessoa sem vida, animação, espirito; indif-
ferente, despreoccupada, ingénua mesmo: A Sinhazinha não
é feia ; m as,é uma aigua morna.
Agua panada — Agua quente, em fervura, que se deita a
esfriar para uso de doentes de certas moléstias, porque assim
não faz mal, e mesnjo para matar os m icrobios: Aulete con­
signa a phrase, mas com expressão d ifferen te; Agua panada,
agua em que se deita pão torrado.
Aguado — Com pouco assucar, insipido: Chá ou café
aguado. Sem vida,, expressão, animação, expecie de agua m or­
na . Aquella moça não é fe ia ; mas é tão aguadinha. . .
Aguentar-se no balanço — Preparar-se para encarar os
encargos de um com mettimento superior ás próprias forças;
para s o ffrer as consequências de um acto impensado, máo, e
de graves resultados: V ocê fo i se m etter em camisas de onze
varas, agora, aguente-se no balanço.
Agulha — P eix e de agua salgada (B ellon e timuçu’, Cuv.),
de duas especies, a branca e a preta, e muito abundante, p rin ­
cipalmente nos mares do archipelago de Fernando de N o ro ­
nha. A sua classificação scientifica vem do p rop rio nome de
timucu’ , que tinha entre os indios. “ Agulha, de que o mar todo
se inunda” . (Santa Rita D urão).
Agulhão — P eix e de agua salgada (Fistu IIaria tabacaria,
L in n .), a que os indios chamavam Petimbuaba-petumbo. Tres
especies conhecidas: Agulhão roliço, trom beta e de v ela .
Agulhas —. As carnes das costellas do boi. Carne das agu­
lhas, isto é, das costellas, e dahi o nome de costelleta dado ás
do carneiro e do porco por serem menores.
Aguardenteiro — Indivíduo que é dado ao uso immodera-
do da aguardente. ” Verá muito aguardenteiro perfum ando a
gente com a sua b aforada” . (Lanterna Magica, n. 443, de
1894). D erivado: aguardentado.
A i Jesus — O ente qperido, estimado, a menina dos olhos:
O menino João é o ai Jesus da casa.
Ajou jo — Meio de transporte fluvial composto de duas ou
tres canôas convenientemente unidas, tendo p or cima um las­
tro de tabuas ou páos roliços seguros com alças ou tiras de
co'uro cru’ . Movidos a varas ou remos, servem os ajoujos pa­
ra transporte de passageiros, carga e gado., de uma a outra
margem dos rios, principalm ente o S. Francisco, e fazem
mesmo viagens longas, subindo ou descendo as suas co rren ­
tes. “ Quem houve, que escapasse aos im propérios desse fatal
ajoujo calum nista?” (A Colum neida).
Alambazado — Desregrado, grosseirão, desmanchado, sem
cuidado e esmero em tudo que faz, como nas refeições, servin­
do-se porca e apressadamente, com uma gana de alarve, m a­
nifestando concurrentemente, gestos e modos grosseiros. “ Ca-
mara Coutinho era feio, alambazado, exo tico ” . (A ra rip e Ju­
n io r). “ Um tacanho alambazado, p or todos desprezado” . (A
Marmota Pernambucana n. 14 de 1850). Vocábulo antigo, já
vem registrado p or Bluteau, com as expressões de semelhante
a lambaz, corpulento, e mal feito de corpo; e assim seguido
por Moraes, que accrescenta, roto, trapento, grosseiro* assel-
vajado, dando a dicção como termo plebeo. Aulete porem,
aproveitando em particular, de alguns daquelles qualificativos
ou accepções dadas p or Moraes, accrescenta as de guloso, glu­
tão, como de expressões fam iliares. O vocábulo vem, natural­
mente, de lambaz, da giria portugueza: glutão, com edor que
nunca se sente satisfeito com o muito que come nas suas re ­
feições .
Albacóra — P eixe do mar a que os indios chamavam Ca-
roatá, e muito abundante, principalm ente nos mares do archi-
pelago de Fernando de N oron h a. Passa como carregado, ou
n ocivo. Nom e portuguez de um p eixe muito vulgar no Algarve,
vem dahi, naturalmente, pela sua semelhança com o caraotá,
ser tambem assim chamado.
Albardeino — O que faz o trabalho do seu o ffic io alinhava­
da e porcamente, revelando descuido, negligencia, im perícia;
desmancho, preguiça; um o ffic ia l m ediocre na sua profissão.
D erivados: albardeirice, abardeiramente.

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Alcaid e — Mulher feia, repellente; trastes velhos, desusa­
dos, em máo estado de conservação; cousa avariada, m erca­
doria velha, estragada, sem sahida, artigos fóra da moda.
“ Uma venda com o sortim ento liv re do que se chama alcaide” .
(O Cruzeiro n. 24 de 1829). “ Vendo barato, fica somente o al­
caide, e p o r fim, ou incêndio a casa, ou dou parte de quebra­
d o ” . Lanterna Magica, n. 9 de 1882).
Alçapão — Gaiola com arm adilha para apanhar passaros.
“ Duas gaiolas iguaes, ao lado de um alçapão” . (O V ap or dos
Traficantes n. 183 de 1859). “ Em falta de cousa m elhor, o
chefe de p olicia arma os ^seus alçapões e arapucas a v ê r se
apanha novos passaros” . (Lan tern a M agica n. 238 de 1888).
“ D.eixe-se de historias, seu Campos Salles (fa la o alm irante
Custodio de M ello),, eu não cahi rio alçapão do Floriano, quan­
to mais no seu que não tem x erem ” . Lanterna Magica, n. 660
de 1901).
Alcatra — Na phrase: Andar nas alcatras, que segundo a
expressão vulgar do vocábulo, tratando-se da anatomia b o vi­
na é o mesmo que andar nas ancas, no costado, no espinhaço,
no fio do lom bo; e p or extensão, e segundo o espirito da p ró ­
pria locução, seguir as pisadas de alguem, os passos, andar
atraz, acompanhar p o r toda parte, não p erd er de vista; e bem
assim atormentar, espreitar, perseguir, não poupar, fe r ir mes­
m o; O assassino fugiu; mas pozeram-se-lhe nas- alcatras, e pe­
garam -no. “ Camara Coutinho era feio, alambazado, exotico;
o ridículo parece que andava-lhe nas alcatras” . (A ra rip e Ju­
n io r).

Alcatraz —' A ve palm ípede do genero Podiceps (Pelicanus


sula, L in n eo), preta, de peito -verm elho, e muito abundante
no archipelago de Fernando de N oronha.
A lco viteiro — Pequeno çandieiro de folh a de flandres, com
pavio ou torcida de algodão e alim entado a kerozene, de pen­
durar ou não, e geralm ente usado nas cozinhas. “ O sargento
do P a io l trouxe um desses candieiros, que o povo charria alco­
viteiro e o conservou ao lado do o ffic ia l” . (D r. Vicente F errer.
A execução de Silvino ide M acedo).
A ldeia —. Vocábulo portuguez de povoação rústica, fo i to­
mado lo go em com eço da colonização do paiz para designar a
fàba, o povoado, o arrayal de habitação dos aborígenes, e man­
tido depois, quando se cuidou da sua catechese e civilização,
reunidos em grupos distinctos, sob a direcção de um missiona-
rio, e obedecendo a um regim en convenientem ente estatuído.
“ Velhos caboclost da aldeia, de sobra conhecemos os seus ca­
boclos outros” . (A P ro vín cia n. 71 de 1915). Quando em 1551 o
padre M anoel da Nobrega, p rovin cial dos jesuítas visitou a colo-
nia, vê-se já, da sua noticia, “ que os indios desceram logo de
suas aldeias a dar-lhe a bôa vinda, carregados de caças, legu­
mes, beiju ’ s e farin h as;” e segundo as nossas chronicas, quan­
do em 1560 poz-se em campo uma guerra tremenda para abater
os indios em sublevação geral, e “ tomando Jorge de Albuquer­
que com facilidade uma aldeia após outra, conseguiu p ô r teir-
mo a essa campanha dentro de cinco annos” . Radicado assim
o term o entre nós, com esta accepção particular, yierãm , con-
cürrentemente, os derivados aldeiamentjo e aldeiar, de expres­
sões obvias, mas não registrados nos lexicons portuguezes,
apezar de correntes e vulgarissimos entre nós. “ A ’ margem es­
querda do rio existe um im portante ald eam en to de indios
b ra vio s” . (Beaurepaire Rjohan). “ Seguindo os conselhos de
N obrega, conseguiram os jesuitas aldeiar grande numero de
de indígenas” . (A rth u r O rlan d o).
A legre — Toldado, m eio tonto ou embriagado, com dois
dedos de grammatica. “ V iva S. João! soltavam os sambistas,
alguns apenas alegres, outros inteiram ente entregues ao es­
p irito vertigin oso da canna” . (F ra n k lin T a v o ra ). “ O Corne­
lio via-se já um pouco alegre em virtude do abuso do vin h o ” .
(A Pimenta, n. 46 de 1902).
Alevan te — Motim, rusga, sublevação, e em outros tem­
pos sublevação de escravos; aleive, calumnia, falsidade, accu-
sação; escarcéo, esoarnecimento, ira, furor, p or uma causa insi­
gnificante, uma occurrencia de nonada: F a zer tamanho ale­
vante p o r uma cousa de nada.
A lezado — Amalucado, idiota, toleirão, palerma.
A lfin ete — Èspecie de flo r cultivada nor jardins, e já re­
gistrada p o r Jeronym o V ille la nos seus versos.
Algodãozinho — T ecid o de algodão para toalhas, lençóes,
saccos e outras applicações, e assim chamado, originariam ente,
ao manufaturado na fabrica de tecidos de Gervasio P ires F e r ­
re ira , ^estabelecida no b a irro da Bôa Vista, á rua da Gloria,
pelos annos de 1826. “ O estofo produzido pela fabrica de Ger­
vasio Pires, consistente em cobertores e no chamado algòdão-
sinho era bom e p referid o ao m elhor deste panno am ericano
e ao de oulra qualquer nação” . (Antonin> Joaquim de Mello').
“ Dum nativismo hyperbolico, Cypriano Barata ia ao extrem o
de desdenhar tanto as idéas e os homens como as cousas trans-
m arinas: trajava sempre roupa de algodãpsinho do paiz e a
longa cabelleira cascateava-lhe p o r sob as largas abas do cha­
péo de palha de carnaúba” . (A lfre d o de C arvalh o).
Algu idar — Vaso de barro, vidrado ou não, a especie de
gamellà, de usos domésticos diversos, e já conhecido na cerâ­
mica indigena com o nome de nhaem. Mandar para a contra
costa dos Alguijdares: Despedir, mandar embora, despachar
mesmo pará o outro m undo.
Alhada — Empresa perigosa, negocio de consequências
funestas, cavallarias altas. M etter‘-se em alhadas. “ Desta vez
não se sahiu bem da alhada que forgicou .” (Lanterna Magica
n. 124 de 1885). “ Numa alhada nos iamos de certo co llo ça r” .
(Idem , n. 247 de 1889). “ O p eio r de taes alhadas é saber, das
taes historias contadas, qual a falsa e a verd ád eira” . (Idem ,
n. 751 de 1903).
Alicantina — Descalçadeira, descompostura, verrina, ex-
probação violenta, injuriosa, em manifestações faladas ou es-
criptas. Aulete consigna o term o como fam iliar, mas com ex­
pressões diversas.
A lin h avar — Fazer um trabalho apressadamente, lige ira ­
mente, sem esmero e cuidado, albardeiram ente. “ Eu não faço
versos, mas alinhavo p rosa” . (V a p o r da C alifórn ia n. 6 de
1849). E nviar, assassinar, m atar: Alinhavaram o pobre homem
èm dous tempos, e pozeram-se ao fresco. “ Sou um homem, sa-
beu? Sou bicho bom para quebrar-lhe o focinho e alinhavar
qualquer um” . ( A Pim enta n. 406 de 1906).
Alinhavinho — Costura de pontos miudos, estreitos, sobre
o alinhavo da peça.
Alm a de caboclo — A ve dentirostri (M arlyncus medicallis,
Tem m .)
Alm a de gato — Especie de ave trepadora (P ia ga cayanna,
Less.), a que os indios chamavam Atinguaçú. A gente supersti­
ciosa tem p or máo agouro o canto desta ave.
A lm ocreva r — S erviço de alm ocreve, conducção de carga
em costas de animaes. “ Se hei de andar alm ocrevando com
risco de me tom arem o meu cavallo e fazerem o diabo com i­
go, m elhor é que vá ganhar meu dinh eiro prestando serviços
á n obreza” . (F ra n k lin T a v o ra ). “ N ão conhecia M anoel Gon­
çalves a Lourenço sinão de o v e r uma vez p or outra alm ocre­
vando.” (Idem , O M atuto), Moraes, que viveu entre nós, consi­
gna o vocábulo como (erm o usual, com as expressões de car-
regar, transportar em bestas; mas Aulete, bem como outros le-
xicologistas, não o mencionam.
A lm o r re im a s Corruptela de hem orrhoidas. “ O homem
com parecerá no desembarque, se as malditas almorreimas não
o im possibilitarem ” . (A Lanceta n. 60 de 1890).
A loá — Bebida refrigerante, fermentada, feita de arroz
cozido, agua e assucar. N o Ceará dão o nome de aluá a uma
bebida feita de m ilho torrado, ferm entada com agua e rapa­
dura, ou preparada com a farinha de m ilho torrado e assucat,
e que tambem assim feita em Pernambuco, tem o nome de
quimbembé, como escreve Beaurepaire Rohan, o que ignora­
mos, uma vez que, conhecemos o vocábulo, mas com outras
accepções. Conhecida em outros lugares com denominações
differentes, em alguns porem tem a de aluá, como na Bahia e
R io de Janeiro, nomeadamente; nesta ultima parte porem teve
grande vóga, e até epoca não muito remota, como escreve Cas­
tro Lopes: “ Pelas tardes de verão ninguém jamais ouviu apre­
goar o sorvete de caju’ e abacaxi, mas somente o re frigera n ­
te aluá.” Sobre a etym ologia do vocábulo, aloá ou aluá, v a ­
riam as opiniões, se vem do africano, asiatico ou do tupy.
Moraes, que escreve aloá, diz que é derivado do vocábulo luá,
agua, na lingua dos negros Aussás, da Costa da Mina; e Macedo
Soares, pensando que vem do tupy, acha que o termo aluá, se­
ja corruptela de aruá, cousa agradável, bôa cousa, gostosa,
apreciavel. O que não resta duvida, é que os nossos indios,
do alto S. Francisco, quer os habitantes das ilhas, quer os
do continente, descendentes dos aldeiados dos extinctos nú­
cleos, ainda usam, apaixonadamente, de uma bebida ferm en­
tada e espumante, a que dão o nome de al»á , preparada em
grandes talhas de barro, acaso rem iniscência do velho cauim
dos seus antepassados, especie de vinho de caju’, mandioca ou
milho, e depositados na igaçaba ou no camocim.
Aluado — Estovado, estróina, de máo humor; amalucado,
tarado de idiotismo. Aluado ou lunático, como escreve Ernesto
Renan, era uma enferm idade que os púvos antigos acreditavam
proveniente de qualquer alteração da lua, ou por qualquer in­
fluencia secreta deste astro.
A lu va i! — Dicção interjectiva com as expressões de: Olhe
lá! Entendamo-nos! Veja com quem fala! Cuidado! Tom e te-
nencia! “ Senhor Manoel Caetano, A lu va i! me trate bem ; N o
pilão que eu piso m ilho Pinto não come xerem ” . (C ancion ei­
ro ido N o rte ). “ O luvai! tu’ d’ amanhã p or diante toma cuidado
com aquelles tratantes da rib eira ” . (Lan tern a Magica, n. 214
de 1888).
A lvajado —- Acompanhado, seguido, espionado. “ Consenti
no que me pedia, mas com o mandar alvajado com outro escra­
vo ladino dos da te rra ” . (D ia lo go das grandezas do B ra sil).
A lvaren ga — Especie de lancha, grande, de pouco pontal,
coberta ou não, de fe rro ou de madeira, destinada ao serviço
de carga e descarga dos navios, e transporte de materiaes pe­
sados, e m ovidas a varas p or dous homens ou rebocadas a
vapor ou não. As cobertas tem uma especie de telhado de duas
aguas, em quasi toda a extensão, e com duas portinholas, la ­
teralm ente dispostas das bordas para o alto, para a entrada e
sahida da carga, e que fechadas, ficam as m ercadorias abri­
gadas do sol e chuva. Ignoramos, precisamente, desde quando
vem o nome de alvarenga dado ás embarcações deste genero,
uma vez que prim itivam ente tinhanr o de barca, com o escreve
o historiador F rei Vicente do Salvador (1627) tratando da ca­
pitania-de Pernam buco: “ P elo rio que cinge a leste a povoa­
ção do R ecife, navegam’ com a m aré muitos bateis, e as barcas
que levam as fazendas ao Varadouro da v illa de Olinda, onde
está a alfa n a ega .” Moraes, que viveu entre nós, e no seu E n­
genho N o vo da Muribeca escreveu duas edições do seu D iccio-
nario, a segunda e a terceira, sendo esta ultima im pressa em
1823, um anno antes do seu fallecim ento, não consigna o v o ­
cábulo, que, se já então tivesse curso não lhe era dado desco­
nhecer, muito particularm ente como industrial do p rin cipal ge­
nero de com m ercio da epoca, surgindo porem , poucos annos
depois, como se vê de um annuncio de Escravo fugido publica­
do no p eriodico O Cruzeiro, n. 176 de 1829, concluindo, que
“ o dito negro costumava andar trabalhando no R ecife nas a l­
varengas” ; podendo-se assim fix a r a m edia do apparecim ento
do term o pelos annos de 1825. Vem dahi a sua vulgarisação,
constante de documentos a respeito, e concurrrentem ente, o
apparecim ento de vocábulos derivados, com o os de alvarenga-
gem, alvarengar e alvarengueiro, de expressões obvias, vindo
este ultim o talvez dos annos de 1850, urna vez que encontra­
mos a noticia de um portuguez que em 1848 era dom iciliado
no R ecife, e conhecido p or Cardoso das alvarengas, pelo tr a fi­
co do transporte de m ercadorias em embarcações suas e assim
chamadas. Originariam ente de madeira, appareceram, depois,
concurrentemente, as alvarengas de ferro , sendo as prim eiras
aqui mesmo constuidas, na extincta Fundição d’A u rora de C.
Starr & Cia., como consta de uma estatística dos trabalhos1da-
quelle estabelecimento, que temps presente, e em que se men­
ciona, que de principios de 1847 a 1851 tinham sahido das suas
officin as quatorze alvarengas de fe rro de quarenta toneladas
cada uma” . Alvarenga, como appellido de fam ilia, escreveu
Beaurepaire Rohan, é nome tanto portiiguez com o hespanhol.
Com outra qualquer significação não o encontro em dicciona-
rio algum . Só V ieira o menciona com o sign ificativo que tem
no B rasil. Aulete não trata delle de modo algum . N ão duvido
que fosse algum senhor Alvarenga, que instituísse esse genero
de transporte, e dahi lhe provenha o nome no Pará, Maranhão,
Pernam buco e Bahia” . E ffeetivam ente, o vocábulo, com essa
particular expressão, não vem de Portugal, uma vez que as em ­
barcações do mesmo genero de serviço têm lá os nomes de
gabarra e batellão, como no R io de Janeiro, e mesmo na Ba­
hia, o de saveiro. Investigando a origem do vocábulo, v e r ifi­
camos que vem do nome de algumas localidades portuguezas,
vindo dahi o appellido de fam ilia, como se v ê do seguinte tre ­
cho escripto pelo Visconde de Sanches de Baena tratando da
fam ilia A lvaren ga: “ E ’ solár desta fam ilia o couto de A lva ren ­
ga, na p rovín cia entre D ouro e Minho, do qual fo i senhor Mem
Paes Curvo, e seu filh o Martim P ires de Alvarenga, que fo i o
p rim eiro que se chamou Alvarenga, p o r ser senhor do dito cou­
to e m orar n e lle .” Para fixar, porem , a antiguidade do term o
como nome geographico, basta mencionar, como escreve Pinto
Leal no seu Portugal antigo e moderno* que a y iílá de A lv a ­
renga, que fica nas immediações de Arouca, teve o seu F o ra l
con ferido p o r el i e i D . D in iz no anno de 1298, concluindo,
que esse nome é de origem arabe, corruptela de al-borjon, a
torre, com provando isto as ruinas da torre do solar dos A lva-
Cengas, ainda existentes na localidade. Concluindo, portanto,
de accordo com Beaurepaire Rohan, não ha duvida que o vocá­
bulo, entre nós, vem de algum Senhor A lvaren ga que se in ­
cumbia do servigo de carga e descarga dos navios em embar­
cações próprias, e já corrente em 1829, como vimos, notando-
se de cir'cumstancias idênticas tantos outros termos, com o no­
meadamente, Carrasco, Mauzer, Lloyd , etc.
Am alinado — De caracter mau, agudo, p ern icioso: Febre
umalinada. “ Outr’ora se tinha caítharrão amalignado. P resen ­
temente é grippe ou in flu en za” . (F o n -fo n n. 7 de 1916).
Amalucado — O mesmo que alezado, aluado.
Am antético — Am oroso, apaixonado, sensivel, delicado,
cortez. “ P ro fe re expressões fastidiosamente amantéticas.” (O
Carapuceiro n. 24 de 1839). “ Não lhes parece que o João quer
dar visos de romântico, amantético, ou de desfructavel, que é
o mesmo, segundo o diccionario dos meninos de agora ” (O
Telegrapho n. 3 de 1850). “ Se sois namorado, e se a vossa lin-
dinha lançar p or acaso vistas amantéticas sobre outros homens,
suicidai-vos” . (A Palm eira Pernambucana n. 1 de 1851). “ Es­
tou de veras a p a ix o n a d o ... am antético.” (O Maná n. 18 de
1883). “ Vão v êr a gente amantética da Companhia G arrido” .
(Lanterna Magica n. 800 de 1905).
Am arellas — D ifficuldades, trabalhos, embaraços, perigos:
Vê-se m ettido nas amarellas. “ T e viste nas amarejlas, p or cau­
sa de d in h eiro” ? (O Etna n. 16 de 1882). D inheiro, moeda de
ouro. “ As amarellas, sterlinas lib ras” , (D e um r e c ita tiv o ).
“ Tu não sabes que os saquaremas só querem dos gallegos as
am arellas?” (O Form igão n. 7 de 1850). “ Conta-nos que em
A b ril do proxim o anno, o cujo deve voltar em busca das amar
relias” . (A m erica Illustrada n. 16 de 1884). “ Cincoenta con­
tos de reis! Uma porção de am arellas! uma pitança excellen-
t e !” (O Binoculo n. 21 de 1884). Graças am&rellás; sem es­
p irito, desenxabidas, tolas, sem graça.
Am arellete —. Madeira de marcenaria e construcção civil.
Am arra — Corrente de relogio na giria dos gatunos, p o ­
rém já muito vulgarisado o term o.
Am arração — Festa escolar no dia do santo do nome do
professor, tendo logar na vespera, am arral-o um dos seus dis
cipulos com uma bonita fita de seda.
Am arrado — Seguro, prevenido, pegado, economico, pou­
pado; im prestável, souvina; O P ed ro é tão am arrado que nin­
guém lhe arranca das unhas um vintem sequer. Casado, preso,
unido pelos laços nupciaes: o João e a M aria já estão am arra­
dos, e bem amarrados.
Am arrar — Prender, atar, am arrar no braço ou no p es ­
coço de alguem uma bonita fita de seda dando laço, um c o r­
dão de ouro ou mesmo um lenço, na vespera do dia do santo do
seu nome, correndo ao amarrado a fineza de uma recompensa
qualquer á pessoa que o amarrou.
Am arrar o gato — Tom ar uma carraspana e ficar' aos tom ­
bos, cambaleando, como fica jogando um navio em marcha que
tem a gata amarrada, isto é, a vela de cima da mezena, solta,
a qual enfunada diminue consideravelm ente o seu jogo, vindo
dahi a origem da locução.
Amatutado — A o m odo de matute^ o nosso camponio, isto
é, retrahido, desconfiado, inaccessivel, sem graça e elegancia
no porte, no falar e no trajar.
A meio páo — Alegre, m eio bicado, com uma mão d e cin­
zento, dous dedos de grammatica. “ O velhote deixou-se levar
pelo gosmado de Anastacio, que entendeu botal-o a meio páo” .
(A Pimenta n. 36 de 1902).
Am iga — Caldo preparado com o do feijão, engrossado
com farinha sessada, convenientemente temperado, e com p i­
menta.
Am igalhão — Grande amigo, intimo, dó peito, correspon­
dente de amigalhaço da giria portugueza. “ Ç) V arella confes­
sou aos amigalhões que em verdade tentára fazer certa.lad ro-
eira com as letras de J . ” (O A rtilh eiro n. 56 de 1843).
“ Acuda Senhor C h icn o rio . A seu velh o amigalhão (O
P ro letá rio n. 5 de 1847). “ E se o meu amigalhão, Trahindo-m e,
pregou-me o calo, os outros, de quem não falo, P o r certo o
que fa rã o ” ? (O Cometa n. 7 de 1843).
Am igar-se — V iver em mancebia ou concubinato. “ Uma
senhora casada, solteira ou am igada” . (A Pimenta, n. 13. de
1914). D erivados: Amigação, amigado, amigo.
Am igos ursos — Falsos, fingidos, compromettedores, ex­
ploradores. “ Am igos ursos, especie tem ivel, qute pullula entre
qs p olitico s” . (A Pim enta n. 65 de 1902). “ O gêneral levado
pelos conselhos dos amigos ursos retira o nome do seu amigo
leal e desisteressado” . (Jornal do P o v o , n. 68 de 1916).
Amistade — Relações, conhecimentos, am izade: Onde ar*
ránjou você aquella amistade? “ Presidindo nós o Jury de
Curityba, em 1876, uma testemunha, mulher, natural da p ro ­
víncia, d’onde nunca havia sahido, perguntado aos costumes,
disse: não ter m aior amistade ao ré o ” . (M acedo Soares).
Am istoso — A m ig á v e l,: benigno, affa-vel, concorde, com ­
placente. Segundo Beaurepaire Rohan é um vocábulo de o ri­
gem castelhana. D erivado: Amistosamente.
Am iudar — O cantar do gallo pela madrugada, como qee
anunciando o rom per do dia. “ De longe, a espaço, nos quin-
taes, o gallo am iudava” . ( A Colum neida). “ Sahi da casa do
Mendes, onde dei festa, quando os gallos estavam am iudan­
d o ” . (A ffon so Arinos, Pedro Barquei.ro).
Amocambado — Refugiado em quilom bo: Os escravos
amocambados nas mattas do Gatucá, causaram consideráveis

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damnos ás populações circum visinhas. ü vocábulo vem de
mocambo, que em grande numero levantavam os fugitivos pa­
ra sua habitação. D eriva d o: Ámocambar.
Am oitado — Escondido, occulto; hom isiado: M ettido na
moita.
Am olação — Im pertinência, enfado, maçada, caceteaçãc,
p au lifica n cia . “ Mas tu, se em. paz não me deixas, e a am ola­
ção continua mando-te lógo á tabua” . (O Diabo a quatro n. 66
de 1876). “ Poeta, caceteia a Sinhazinha na sua am olação” .
(O Etna n. 36 d e ,1882). Nam orico, bredo, tijo lo . “ Um lojista
m uito velho, amante da amolação. Tom ou para fica r moço, Do
T e ix e ira uma in jecção” . (O Desespero n. 22 de 1880). “ Veja
lá, tome cuidado, Com esta sua amolação, Que de outro fo i a
moça, Não metta no fogo a m ão” . (O Maná n. 14 de 1883).
“ Alguns annos andou Maria nesse afan de sua amolação de
noite e de d ia” . (Jorn al do D om ingo n. 3 de 1877).
A m olador — Cutileiro ambulante, italiano, munido de um
apparelho p ro p rio para o serviço de am olar facas, tesouras e
navalhas, annunciando-se pelo toque .de uma gaita. “ Minha
gente venha v ê r Cousa de fazer h o rro r; A navalha deu um
talho N a mão do am olador” . (T ro va s populares). “ Tem os car­
camanos, engraxates, amola.dores, mascates” . (A m erica Illus-
trada, de 19 de N ovem bro de 1871). N am orador casquilho, p e­
ralta; impertinente, importuno, massante, insupportavel. “ Vou
p ’ra c a s a ... inda mais esta! Que sujeito a m ola d o r!” (A P i­
menta n. 58 de 1902).
Am olar — Ab orrecer, cacetear, enfadar, maçar, im portu­
nar. “ Com os seus discursos tem o nobre deputado amolado
a paciência do p ro x im o ” . (A Soberania n. 3 dé %1877) • “ A m o­
lai-nos o espirito, amolai-nos a paciência” . (A m erica Ulus-
trada de 30 M arço de 1873). “ O sujeito amolou a paciência da
Sra. D . Maria, e o fez com muito bôa am oladella” . (Id em n.
31 de 1882). “ Os espectadores amolados, gritavam : suba o
p a n o !” (O Etna n. 39 de 1882). Nam orar. “ Am ola a donzella
para se casar; Am ola o peralta que quer desfructar” . (A m erica
Illustrada de 8 de Setembro de 1872). “ N o terceiro andar de­
bruça-se a Julieta para am olar o seu Rom eo. (O Etna n. 39
de 1882). “ Na Capunga fez-se o mez marianno, mas antes se
fizesse o mez am olatorio” . (A m erica Illustrada n. 19 de 1880).
Am olar-se —. Vêr-se em difficuldades, em trabalhos pesa­
dos, enfadonhos; sobrecarregado de onerosos encargos, óbri-

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gado a despezas extraordinárias, excessivas. “ O povo é só quem
se amola com a carga enorm e de im postos” . (Lan tern a Ma­
gica n. 509 de 1896).
Am olecado — A o modo de m oleque; acanalhado,; sem com ­
postura, sisudez, serenidade, gravidade, sensa,tez.
A m olecer — M oer1
, pisar, sovar. “ Se T rajan o em vez de
assassinado fossè am olecido, o tenente M ello estaria no x ilin -
dró ” (Pernam buco n. 256 de 1913).
Amiollegar — Com prim ir, apertar; tornar m olle, brando.
Am oquecado — A commodo, repimpado, encolhido, aga­
salhado, em descanço. À phrase: Estar) de moqueca, isto é,
embrulhado, envolvido, bem agaselhado, é o mesmo que amo­
quecado. “ Na phrase vulgar, estar de moqueca, é estar de pé
dormente, sem se im portar de cousa alguma” . (G onçalves
D ias).
Am oquecar-se — Retrair-se para descançar; estar muito
commodamenté assentado ou deitado. “ Am oquecado na tribu­
na, e toca a queimar o salitroso incenso” . (A Carranca n. 69
de 1847).
Am oras — Na phrase: Ohi! tempo das amoras!, traducção
chula da locução latina : O h! tem poral Oh m ores! São horas
de com er am oras! (D ic ta d o ): a opportunidade, o momento de
fazer qualquer cousa; o com eçar do trabalho. Am oras é o fruc-
to da am oreira, planta indigena da fam ilia das Urticaceas.
A m oré — P eix e de agua doce, especie de mussu’ ou en­
guia, do generp Gobius, em que figuram : o Ám oré-guaçu’,
Am oré-pinim a (M urema occulata, L ich .), Am oré pixuma (G o ­
bius Pisonis- G m .) e Am oré-tinga, descripto p or M aregrav.
“ T alvez tenhas tambem apanhado o teu camaração no puçá ou
fisgado o teu am oré na lóca. ( A Pim enta n. 15 de 1902). “ Toré,
ré, toré, da cá o pé; Eu não como moqueca de amoi<é” (V e r ­
sos de samba).
Am oroletico — Am oroso perdido de amores. “ S. Excia.
p or uma associação de idéas, fo i accom mettido de fortissimas
cócegas amjoroleticas” . (O B rado do P ovo n. 61 de 1855). “ Ac-
ceita am oreletico Tibi-quoque, as caricias e beijocas que te
envia O Jacaré (Idem , n. 77).
Am orudo — O mesmo que amantetico e am oroletico. “ Mui­
to bem, senhor cara de erm itão; o senhor é muitó am orudo” .
(O Vapor dos Traficantes n. 100 de 1856). “ O M iguélzinho é
damnadinho, é dengoso, é am orudo” . (A m erica Illustrada n. 28
de 1878). .
Amufumfoar — Guardar, esconder, occultar. “ Quem não
aguentar o repuxo, se amufumbe em casa” . (A P rovín cia n. 30
de 1913).
Am unhecar — Tir'ar, gadanhar, furtar; cahir de pernas,
tropeçar, ir ao chão; retrahir-se encabulado, envergonhado,
murcho, agarrar, abraçar, fo iç a r, na giria dos gatunos do R io
dè Janeiro. “ Açpii vou rolando e amunhecando o que posso
afim de ter para o futuro uma vida mais descançada” . (O C o­
meta n. 18 de 1843). “ Conhecendo do enjôo que sua pessôa
inspirou ao magistrado, amunhecoü, murcho como uma crean-
ça que recebe um piparote da m amãe” . (O Estimulo, Parahy-
ba do N orte, n. 9 de 1893).
Andador — . Cavallo de bom andar; csquipador: um ca-
v a llo bom andador.
Andandinho — P o r andando, sem novidade, de saude, co­
mo Deus é servido. “ Desvio, senhora Ursula, desvio! Vae-se
p ão! Vae-te andandinho” . (O Barco dos Traficantes n. 11 de
1858).
Andantes — Pernas, gambias, tibias. (G iria dos gatunos).
An dejar — Andar ou caminhar m uito; passeiar, foguetear,
escaramuçar; não parar em casa, sempre na rua, em toda p ar­
te. Caracterisa bem a dicção, que vem de andejo, constante
dos nossos lexicòns, este adagio: Comadre andeja, não vou
em parte alguma que não a veja.
Anelão — A n el de diamante, volumoso, com ornatos de
esmalte azul, de gosto pesado e uso antigo, mas, que não raro,
apparece ainda em pessoas que não obedecem os preceitos da
moda, e geralm ente do in terior. “ Fitas, boiões de banha, vid ri-
lhos e macassá, brincos e anelões, e tanto perendengue, que
mais não o tem qualquer loja da Rua N o v a ” . (O Carapuceiro
n. 13 de 1837).“ N o fim de muito economisar, comprava-se o
anellãosimbo, e eis o ouriveis a trabalhar” . (O Artilheino n.
46 de 1843). “ Pensarás que o teu enorme anelão te dará im ­
portância ou cotação?” (Pernam buco n. 93 de 1914).
A nenhum — Sem dinheiro, apitando, em quebradeira.
“ Achavam-se todos a ne nhum, tratava-se de p rom over uma
cavação” . ( A P ro vín cia n. 81 de 1902). “ Ainda a nenhum, sem
vintem , esse a aue chamas teu b em ” . (A Pim enta n. 53 de
1902).
Angélica brava — Arbusto da ilha de Fernando de N o ro ­
nha, que attinge apenas de 2 a 2,50 m. de altura, cuja madeira
é empregada em obras de carpina.
An gericó — Planta indígena, medicinal.
Angico — Certa especie de peixe registrada p or Jerortymo
V illela nas suas poesias, entre o bom pescado que nos forn e­
cem os nossos mares e rios.
Anginhos — Algemas de ferro, de ab rir e fechar, para
prender os dedos pollegares dos crim inosos conduzidos á p ri­
são, e como em outros tempos se fazia com os recrutas e es­
cravos fugidos. “ A p olicia prendeu os indigitados cúmplices
nor’xassassinato, pondo-os de anginhos” . (Pernam buco n. 318
de 1913).
Angu’ — Especie ;de sopa ou esparregado, preparado com
camarão secco, pisado, quiabos, bredo, semente de embira,
quitoco, azeite de dendê e pimenta, com p eixe de salga ou sec­
co, e servido com uns bolinhos arredondados feitos de fubá
de arroz, que tem o nome particular de bolão de angu’ . “ Mãe
M aria faz angu’ Faz angu’, p ’ ra tu com ê; O’ moleque do afngu’
Fala tu que é fa la d ô ” . (D e uma toada d’Os Congos, folguedo
de origem a fr ic a n a ). R efeição originariam ente africana, a
sua denominação, consoantemente, é uma voz da lingua an-
golense, segundo Martius, e como escreve o Padre Etienne
Brasil, é um dos Ogés, iguarias ou victos sagrados dos africa­
nos. Variedades; angu’ de farinha de mandioca, ou de man­
teiga; angu’ ide m ilho. “ F u i alm oçar angu’ de m ilho e munguzá
no M ercado de S. José” . ( A Pim enta n. 542 de 1907).
Angu’ íou anguzada — Confusão, mescla, mistura de cousas
heterogeneas; embrulhada, m exerico; cousa mal feita, mal ar­
ranjada. “ Appareceu no jorn al um angu’ com o nopie de dis­
curso” . (O Barco dos Patoteiros, n. 3 de 1864).
Anguzê — O mesmo que angu’ , e que segundo Beaurepaire
Rohan, é uma especie de esparregado de hervas, semelhante ao
carurú, que em Pernam buco tem o nome de anguzô. “ Vai-se ao
cem iterio no dia de finados p o r ostentação ou p or folia. Se é
vedadía a entrada do clássico violão, o p eixe frito , a gallinha
assada, o anguzô, o Figu eira e até a popularissim a c a n n a ... es­
ses tem lá fóros de cidade” . (O Diabo a quatro n. 174 de 1878).
“ Tudo faz crer que o rem elexo será gostoso com o anguzô api­
mentado, comida african a” . ( A P rovín cia, n, 49 de 1916).
Aniquim — P eix e de agua salgada (Batrachus porosissimus,
V a i.). Este p eixe a que os indios chamavam Niqui, vindo dahi
p or corruptela o seu nome vulgar, tem na cabeça um pronun­
ciado espinho, que prodüz serios incomm odos a quem fô r gol­
peado pelo m esm o. O povo diz que é envenenado.

38
^ A n jo — Cadaver de criança: E nterro de um ainjro. Tambeni
anjinho, e muito vulgar, assim consigna Moraes, com as ex­
pressões de menino v iv o ou m orto, p or ser o seu estado o da
innocencia. “ N o Geará ainda se usa, em alguns pontos do cen ­
tro, uma especie de v e lo rio p or m orte de creanças, anginhos.
como chamam” . (S y lv io R om ero ). Anjo de procissão; criança
com vestes de phantasia, alada, que acompanha os préstitos
procissionaes. Anjo papudo; meninote ou raparigota a quem
não cabe mais o qu alificativo de anjo nas accepções de innocen­
cia e pureza. Cara de anjo papudo; cheia, volumosa, boche­
chuda. Anjos bentos!; exclam ação de admiração, duvidas,
h o rro r.
Anta — Pachiderm e de ordem dos Ongulados (T apiru s
americanus, L in .), o m aior quadrupede da nossa fauna, a que
os indios davam o nome de Tapira, alterado em Tapir, e entre
nós o de Tapirete, segundo M arcgrav, que o descreve, e dahi
Tapiira, o b oi ou a vacca, tambem denominados Tapira-cobay-
guara, p or tomarem-nos os selvagens com o uma especie de anta
estrangeira, pelo seu porte e semelhança com o nosso pachider­
m e. Do term o vem os derivados: Tapirahy, rio das antas; Ta-
piraré, vereda das antas; Tapirapuan, a anta roliça ou gorda;
Tapirem a, a manada de antas, nome de um povoado no mu­
n icípio de Goyanna; e Tapirussu’ , anta grande, riacho affluen-
te do Sirinhaém. “ Acham-se p or estas partes do Brasil mui­
tos animaes a que chamam Anta, do tamanho de um boi, que
se cria pelos campos, e se caçam a espingarda ou em fojos,
e tem bôa carne para se c o m e r". ,(D iálogos das grandezas do
B ra zil). Corno reminiscência de,‘ te extineto animal entre nós,
temos os engenhos Antas, nos -municípios de Gam elleira e da
G loria de Goytá, e uma serra próxim a ao sul da cidãde dc
Garahhuns; e Couro d’Anta, um povoado no m unicípio do B re­
jo da Madre, de Deus, e um engenho no de Cimbres.
Antanho — Tem pos idos, de outr’ ora; tempos da amo­
rosa, do r e i velho, dos Affonsinhos.. “ Como uma rem iniscên­
cia dos tempos de antanho, o pessoal do batuque batucou com
gosto a .noite in te ir a .” (Jorn al do R ecife n. 53 de 1914).
“ N ão sei que velh o e experiente m edico de antanho, clinico
no R ecife, chamava os nóvos esculápios aqui chegados pelo
blandicioso ,appellido de b ru m oretos.” (D r , Octavio de F r e i­
tas) . “ N a viola ás Vezes arranho Uns pizzicatos cri-cri Como
nos tempos de antanho.” (Erasm o L o p e s ).
Anum — Passaro de côr preta, da ordem dos trepadores
e da genero Cretophaga, que do seu canto parece pronunciar
a palavra donde lhe vem o nome vulgar, quer o da especie
Anú-guaçú, quer o da Anu’-mirim, com o assim chamavam os
indios. “ O anú é passaro preto, Passarinho de verã o . Quan­
do canta a meia noite, Dá u’a d ôr no coração” . (J . Cesim-
bra Jacques). Passaro insectivo, dá caça ao carrapato que
ataca o gado, e a rez ao sentir pousar no seu dorso estaca o
andar, im m òbilisa a cauda, e entrega-se gostosamente ao bem-
feitor, que cuidadosamente cata cada min dos carrapatos.
Apalasado — T od o o trabalho de costura do calçado, in ­
clusive a dos elásticos e do fo rro , de m odo a fica r a p eça
preparada ifiara unil-a ao solado, a ponto ou a taxa: “ Umas
hotinas de bom apalasado” . O erivados: Apalasador, apalasr,
“ Aquella apalasadeira qiier ter um enthusiasmo. . . ” (A P i­
menta n. 550 de 1907). “ O pessoal do solado do club carna­
valesco dos Apalasadores, passou num rem elexo b a d e jo . .. ”
(Pernam buco n. 52 de 1914). “ Bota meia sola nisso! D eixe­
mos lá de besteiras. Do carnaval o feitiço. Está nas apalasa-
deiras” . (Jorn al do R ecife n. 52 de 1915). “ Mamãe se damna
com os sapatos apalasados pelo M anoel Chagas. ” (A Pim en ­
ta n. 560 de 1907).
,» Apalerm ado — T o lo , im becil, abestalhado; parvo, p aler­
ma, caixa em fim , de que os origin a a dicção.
A p a lh e ta d o —. P és que abrem para fora, e assim p reju ­
dicando um tanto o andar. “ Baixo, grosSo, olhos grandes e
pçs apalhetados. ” (Gazeta U niversal de 9 de M arço de 1836).
“ T em as mãos tortas e os pés apalhetados” . (O Campeão n.
183 de 1863). “ Certo solicitador, que tem .os pés grandes, cha­
tos e apalhetados.” (Lan tern a Magica n. 479 de 1895).
Apalpar — in vestigar astuciosamente, procurar saber - o
que se deseja sem o dar a conhecer, com o escreve A lb erto
Bessa, segundo as expressões que tem o vocábulo na giria
portugueza, que são as mesmas que tem entre nós. V êr, exa­
minar se a gallinha tem ovo. “ Ao rapaz que apalpar gallinha,
nunca nasce babha.” (O Telegrapho n. 4 de 1850). Conso-
antemente, um poeta nosso, em um soneto em que prescreve
o Rem edio para não nascer barba, publicado em 1838 n’0 Ca-
rapuceiro, conclue com o conhecido p receito: “ E basta que
cin pequeno empregue um dedo Rapaz implume em apalpar
gallinhas. ”
Apanhar — Sahir perdendo no jogo ou prejudicado em
um negocio qualquer; victim a de um logro, de uma exp lora­
ção. “ Quasi todo mundo tem apanhado desse poeta que o

40
vulgo académico chama de P au lifican te” . (A Pim enta n. 177
de 1901). “ Que bicho d e u ? ... E os outros? Coitado dos ou­
tros! A pan h aram !” (A Rua n. 2 de 1903).
Aparadeira — V . Assistente.
Apara-facada — Uma peça ordinaria do vestuário, mal
feita, em máo estado. “ Um palitot sacco, calça branca, colle-
te sem relogio, gravata preta, chapéo de apara facad a” . (A
Pim enta n. 8 de 1902). “ Um chapéo de apara facada com ­
pletava a toillette da Ju lieta.” (Id em n. 82).
Apardavascado — Qualidade de pardo, tirado a pardo.
“ Quando lançamos fe rro no ancoradouro, appareceu no caes
um calunga apardavascado.” (O Barco dos Patoteiros n. 12
de 1864).
Apartação — Reunião do gado de diversas fazendas de
criação, em um dado lugar, para separação e entrega aos seus
respectivos donos. “ I)uas vezes por anno juntam-se os v a ­
queiros de differentes fazendas para reunir os animaes, e
tangem-nos para o terreiro de uma delias, onde tem lugar a
apartação, e marcação com o ferro dos seus respectivos do­
n o s .” (H . K o s te r). “ Em um lugar certo e determ inado jun­
tam-se Os vaqueiros e vão reunidos ao campo pegar e juntar
o gado de suas contas, e depois marcham ao curral, onde vão
fazer as apartações” . (Irin e o J o ffily ).
Apatacado — Certos característicos no colorid o do pêlo
do cavallo Um cavallo apatacado. O indivíduo que possue
bens de fortuna, endinheirado ou aquantiado, como se dizia
antigamente, vindo a dicção de pataca, antiga e conhecida
moeda de prata de 320 réis, originaria dos tempos coloniaes.
“ Agora sem saber casei-me, Sou genro de matuto apatacado” .
(A Lanceta n. 19 de 1910). “ Zacharias de Britto, m ercador
apatacado, dava ao diabo a fatalidade que escolhera o seu na­
vio para portador .de tão infausta n o tic ia .” (F ra n k lin T a v o ra ).
“ João P in h eiro era um fazendeiro apatacado, mas m uito ami­
go de güardar o que tinha” . (In g le z de S ou za).
A pedido — Rubrica de artigos de jornaes, de interesse
partieülar: Secção dos a pedido, Publicações a pedido; solicD
tadas; por conta alheia.
Apendoar — M anifestar-se o pendão do m ilh o . (Beaúre-
paire R o h a n ). “ Meu m ilharal começa a apendoar ” (Barão
Homem de M ello). “ O m ilho cresce e apendôa ” (Gustavo
B arroso). Araújo P o rto A legre no seu poema Descoberta da
America, em prega o term o na accepção de embandeirar, com
bandeira ou pendão; “ Baixam dos turcos o lig e iro esquife
E . real escaler àpendoado.”
A p erreio — Injpertinencia, apoquèntação, oppressão, to r­
m ento. “ A p erreios de um m arido, Consumições de um casal.
(E strellas de Junho, R ecife, 1916).
Ap ertar — Comer, fazer uma refeição . “ Os gastronomos
não perderaín vasa de apertar a bôa can gica. ” (A Pim enta
n. 3 de 1901). “ Sahi de casa depois de ter apertado uma su­
pimpa fe ijo a d a .” (Id em n. 13). “ Fui á casa da mana apertar
o funge do almoço, e não encontrei mais signal de b o ia .” (J o r­
nal Pequeno n . 26 de 1915).
Aperuação — Acção de aperuar. “ De outros bons jesui-
tas, e de altezas, a aperuação, descabellada e n g eita .” (A m e ri­
ca Illustrada n. 6 de 1877). “ Avisam os ao Sr. J. B . que se
deixe de uma aperuação que constantemente f a z . ” (A D e r­
rota n. 14 de 1883). “ Em tola aperuação anda sempre o ani­
m al. (C o rre io de Olinda n. 1 de 1901).
Aperuar,^— Assistir e apreciar a uma jogatina; fazer a
còrte a uma >flama; galantear, requ esfrar. “ Mais uma multa
quando tenham de ap eru at” . (A m erica Illustrada n. 1 de
1879). V . P erú .
Apicú ou apicum — T erren o composto de areia fina de
tnixtura com pouca argilla, im prestável para o plantio da can-
na de assucar. Bernardino de Souza registra o term o apicum,
com o do norte do Brazil, significando b rejo de agua salgada,
á borda do mar, accepção esta, não vulgar entre nós. “ Se o
senhor de engenho não conhecer a qualidade das terras, com ­
p rará salões p or massapés, e apicús p or sa lõ es.” (A n to n il).
Cháma-se apicum em Alagoas o algodão que se form a nos
brejos.
A pitar — Estar sem dinheiro, em quebradeira, na pin-
dahyba. “ O estudante apita, quengada no pae ou no corres­
p on d en te.” (A Pim enta n. .2 de 1901). “ Sem arame não se
form a, Só se v iv e a a p ita r.” (idem , n. 29).
A p ito — Remate ou caldo engrossado com farinha ses-
sada. T om ar um apito para esperar a janta. Quebradeira, pin-
dahyba: Estar no apito. “ O apito não passa de uma quengada
de um mestre de quengos, arranjado, para entrar na barriga
dos p a to s .” (A Pim enta n. 2 de 1901).
A polear — Dar tratos de polé, instrumento de tortura dos
tempos coloniaes, cujo local, em que se via levantado, a actual
Praça da Independencia, tinha então e p or tal circumstancia
a denominação de Praça do P o lé . “ Chegando ao conhecim en­
to do govern ador que o seu escravo achava-se gravem ente
espancado, ordena que o soldado que o maltratára fosse preso,

42
e no dia seguinte apoleado.” (J B Fernandes Gam a). V. a res­
peito as suas Memórias Históricas de Pernambuco, T , IV p . 354.
Apoiá-d-ó-d-ó — A p oiad o! Muito bem ! Esta dicção interjec-
tiva, term inando com a soletração da ultima syllaba, um pouco
pausada e accentuadamente pronunciada, dá assim uma expres­
são mais nitida e expansiva á m anifestação de concordância e
assentimento, que exprim e.
Apom bocado — Atoleim ado, apalerm ado; sem acção, ener­
gia, e pundonor mesmo.
Apontam ento — Reparos e melhoramentos dos appare-
Ihos e utensílios dos engenhos de assucar, c trabalhos geraés
de lim peza e conservação do e d ificio da fabrica executados no
tempo em que não funcciona, afim de fica r tudo conveniente­
mente disposto e preparado para a moagem da nova safra: A n ­
dou num dinhel: c o apontamento do meu engenho este anno.
Somente Moraes consigna o vocábulo com está expressão: “ O
preparamento, apparelhação, de alguma cousa, machinas, etc.
que devem s e r v ir .”
Aporrinhado Apoquentado, aperreado, am ofinado, con­
trariado: Andar, estar aporrinhado.
Apparelho — Latrin a. “ Nas escolas do perím etro da c i­
dade servido pela R ecife Draynage, os alumnos vão sendo in ­
toxicados pelos gazes desprendidos desses focos pestíferos de­
nominados apparelhos, sem agua indispensável para fa cilid a ­
de do esgoto.” (Lan tern a Magica n. 797 de 1935). “ N o quintal
havia um lugar p or onde o rapaz se evadisse. Só restava um
um recurso: trancar-se no quarto do apparelho” . (A Pimenta
n. 497 de 1906).
Aprem iaceas — M ovim ento preparatório de qualquer cou­
sa: uma festa p or exem plo.
Apurar saúde — Impertinências, exigeneias, apcrreios, ca­
prichos: Apurar saúde com alguein, on sobre um negocio qual­
quer.
Aquilão — O emplastro diaquilão usado na cura dos fu-
runculos. N o Chile é tambem assim chamado (A q u ilo n ) e como
tal figura nos Chilenismos de Zorobabel R odrigu ez.
Aquilom bado — Refugiado, reunido em quilom bo.
Aquilom bar — Nos tempos da escravidão entre nós tinha
a expressão de reunir em quilom bo escravos fugidos das casas
ou fazendas de seus senhores. “ Aquelle m alvado conseguiu a-
quilom bar grande numero de escravos, e tem praticado com
elles toda a sorte de attentados.” Ocultar-se, refugiar se em
quilom bo. “ Os escravos aquilombaram-se no deserto, alem da
s e rr a .” (B eaurepaire R o h a n ).
A r — Estupor, paralysia: Apanhar o ar, um ramo do ar;
ar de vento; ar encanado; conhecidas moléstias que o vulgo as­
sim as denom ina. “ Os nomes de ar, ramo do ar, ou estupor,
são ordinariam ente empregados para designar a paralysia, isto
é, a consequência da hem orrhagia ou derramamento do san­
g u e .” (D r . Theodoro L a n g a a rd ). “ A r do vento. Hem orrhagia
cerebral; Paralysia facial ou M oléstia de Bell. D esvio da face,
com tortura oris Vê-se na hem orrhagia cerebral e na p araly­
sia facial — a frigo re. Como esta ultima moléstia é devida á
acção do ar frio sobre o nervo facial, o povo não sabendo
distinguir as dur.s affecções confunde-as chamando ar do vento
qualquer desvio facial.” (D r. Arnobio M arques). “ De p rim ei­
ro se apanhava um ar de vento. Morre-se actualmente de con­
gestã o .” (Fon -fon , n. 7 de 1916)..

„ Arabias — Na locução; Das Arabias; Fin orio, espertalhão,


arreliado, estróina, pancadório. “ Quem é esse traficante m ór?
Oh! é das A ra b ia s!” (A Tempestade n. 2 de 1858). “ O pessoal,
que é das Arabias, sahiu em form idável passeata, percorren do
as principaes ruas do arrabalde” . (A P rovin çia n. 50 de 1914).
Aracambuz — “ Cruzeta de madeira entre os bancos da
jangada, encavilhada nas bordas, que serve para descançar o
mastro da mesma, e para prender as linhas e utensílios de
pesca, cabeça com agua, a corda e a poita, .para, no caso de v i­
ra r a jangada, nada se p e r d e r .” (A . A . C a m a ra ). Aracambuz
ou aracambu é vo.cabulo de origem tupi; corruptela de ibirá-
camby, forqu ilh a de pau, cruzetas de pau, gancho. (M acedo
S o a re s ).

A raçary — Encontramos esta dicção como nome de uma


ave na poesia A minha terra natal (Pernam buco) de Jeronym o
V ile lla . Beaurepaire Rohan, porem, consignando-a, manda vêr
arassari, escrevendo então: “ N om e cOmmum a diversas espe-
cies de aves* do genero Pteroglossus da ordem dos Trepadores.
E* vocábulo tupi. Geralmente se escreve A ra ça ri; mas esta or-
thographia tem dado lugar a se escrever Arakary, com o aindá
o faz Au lete.”
Arádo — Esfomeado, faminto, m orto de fom e: Arado de
fom e. Este vocábulo tem curso em outros estados do N orte
com igual expressão. S ylvio Rom ero, porem o consigna com
a de guloso, e dahi a a accepção, desconhecida, entre nós.
Aram e — Moeda, dinheiro, como na giria dos gatunos do
R io de Janeiro. “ As algibeiras tenho ein crise deplorável, cho­
rando e se estorcendo á falta do arame.” (A Pim enta n. 18 de
1901). “ Solteirinho sympathico, mas sem aram e.” (Idem , n. 77
cie 1902). “ N o Restaurant Montenegro se póde, sem demora,
comer, beber gastando pouco aram e.” (Lan tern a Magica n. 791
de 1905). “ Enquanto a qncbracjeira dura e fria Me perseguir,
como um bandido, infame. Deixando-me a algibeira erma, va-
sia, M aldito seja tú, ingrato aram e.” (Jornal do R ecife n. 175 de
1912).
Aranha — Vagaroso no serviço, lento, não apressado, paci­
ente, como o vulgar araclm eido deste nome no seu caminhar e
textura das suas teias.
Aranha caranguejeira — V. Caranguejeira.
Áranhola — Caranguejo, o uça-una dos indios, segundo
MarcBrav. “ No Ceará chamam aos conservadores, carangueijos,
provavelm ente porque estas aranholas andam para traz.” (O
Diabo a quatro n. 134 de 1878).
Aranzel — Discussão acalorada entre muitos indivíduos,
com um barulho in fern al; arenga exaltada, incom m odativa; ba-
te-barbas; qu alificativo de ridiculo dado a um escripto de a-
taque contra outrem.
Arapuca — Pequena armadilha de varinhas para pegar
passaros. Vocábulo de origem tupi, um vez que para caça de
aves tinham os indios, concurrentemente com a Jaçanã, a espar-
rella ou armadilha a que davam o nome de Arapuca, ou que as­
sim ficou chamada, uma vez que é uma corruptela de arapug,
prender batendo, segundo Macedo Soares; mas Theodoro Sam­
paio discordantemente escreve, que antigamente se dizia gui-
rapuca, curruptela de guirá, passaro, e puc, bater, partir, isto
é, a armadilha que bate o passaro ou o acolhe. Enredo, m exeri­
co: Arm ar uma arapuca. Artimanha, engodo, esparrella, ardil
para pegar um incauto. Cahir na arapuca; ser victima de uma
espiculação torpe; Uma arapuca engenhosa para patos apanhar.
“ A tal consiliação Inda por cá não chegou! Isto parece arapu­
ca, Que não sei quem nos arm ou” . (O Barco dos Traficantes
n. 1 de 1858). “ Agora fo i muito manso Deitar abaixo a arapuca,
Prom ettendo d’outra feita Não p ôr a mão na cumbuca.” (A
Lanceta n. 26 de 1890). Apprehensão, captura, prisão. “ O che­
fe de policia arma seus alçapões a arapucas a vêr se apanha
novos passaros.” (Lan tern a Magica n. 238 de 1888). Casa velha
arruinada, que ameaça desabar.” Uina tal arapuca está no ca­
so de ser demolida, quando antes, para evitar-se as desgraças
que devem resuBar do seu desabamento.” (O Campeão n. 21
de 1861).
Araquan — A ve muito vulgar, da ordem dos gallinaceos
(P en elop e araquan, N ie w ), e assim chamada pelos indios. “ A
araquan presada” (Santa Rita- D urão). “ A araquan, com o ou­
tras aves; conform e as estações e a epoca dos seus amores,
m odifica o canto e muda as horas dos seus concertos. Assim,
no tempo estival, ás prim eiras horas da madrugada, rompe o
profundo silencio da selva, com gritos estridentes, em cuja so-
nancia ouve-se o pronunciar do seu nom e” . (Euphrasio
Cunha).
A rara T olo, im becil; maluco id iota. “ Então o Clodoal-
do chocou; hein? Só se elle fosse arara” . (Pernam buco n.
173 de 1913). Eu não sou nenhum a r a r a ... Ja transpuz o .c a ­
bo dos meus vinte e cinco annos. (O Carnaval, 1914). “ Cahe
depressa nesse la ç o .. . Não sejas nenhum arara: Terás por
sogro um ricaço P o r sogra, pessoa cara.” (O Destino dos
am an tes).
Aracánga — Especie de arara, segundo M arcgrav, des­
crevendo-a, e com o assim chamavam-na os indios, vocábulo
este, que a ju izo de Th eodoro Sampaio, é corruptela de arara-
acanga, cabeça de arara.
Aratánha — Vacca de pequena estatura e de chifres re ­
cu rvados; especie de camarão, pequeno, mas de grandes p in ­
ças ou patas dianteiras, vindo o vocábulo do tupi ará, papa­
gaio, e tãi bico, bico de papagaio, adunco, recurvado, e dahi
chamar-se de aratanha ás pernas tortas. Uma parlenda chas-
queando dos pretos, diz que S. Benedicto tem os olhos de
aratanha.
Aratú — Pequeno crustáceo -.ou especie de carangueijo
(G en ero Grapsus), que v ive nos recifes e nos mangues, e fa ­
cilm ente apanhados á luz de fach o. Aratú é um vocábulo in ­
dígena, assim escripto e pronunciado. A o seu pequeno tama­
nho allude esta quadra das nossas trovas populares: “ Caran­
gueijo é doutor, O siri é capitão; Aratú por ser pequeno, In s­
pector de qu arteirão” .
Araúna — Especie de arara, corruptela do tupi Araraúna
nome com que os indios, segundo Gonçalves Dias, chamavam
a arara preta ou azul ferrete. T heodoro Sampaio, porem, diz
que o vocábulo vem de ará-una, papagaio escuro, quasi negro,
especie de arara azul. “ Chô, chô, chô, araúna, Não deixa nin­
guém te pegar, araúna; Tenho dinheiro de prata, arauna Para
gastar com a mulata, arau n a.” (D e um parlenda in fan til com
certa to a d a ): “ Chô araúna! Nunca v i cousa tão sem falta de
g e ito .” (Jornal do R ecife n. 27 de 1916).
A rb o ra rio — Conhecedor pratico das plantas medicinaes

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da flo ra indigena. (D iálogos das grandezas do B r a z il). Moraes
dá A rbolario, arvorario, e manda v êr H erbolario, que define:
Pessôa que cultiva e vende hervas officin áes. “ E rva bem co ­
nhecida dos herbolarios. ” (F r e i João de, C e itá ). Assim encon-
tradamente com Moraes definem o vocábulo os poucos auto­
res que o mencionam, com excepção de Cândido de Figu eiredo
que lhe dá esta defin ição: Aquelle que é conhecedor de plantas
medicinaes.
Arenga de mulher — Chuva miuda, constante, prolongada.
Arenque — Mulher magra, mirrada, feia, repellente. Vem
do nome de um p eixe da Europa, assim chamado, de que se
fazem grandes pescas para salga e secca, e dahi, consoantemen-
te com a nossa expressão, a locução portugueza: M irrado como
um arenque.
A riacó — P eix e de agua salgada, de escamas, verm elho
e pequeno.
A riquá — Abelha grande, preta rezulente. (T rig o n a rufi-
crus, L a t r .) muito abundante e que produz excellente m el.
São porem bravias, muito aggressivas nos seus cortiços ou
ninhos, immensamente populosos, e que, com o as próprias abe­
lhas, têm tambem o nome de A ripu á. “ A gora sim, camarada,
Como lhe quero contá, Queimei a minha camisa T iran d o um
a r ip u á ... Eu v i outro aripuá, D eterm inei-m e a t ir á . .. Assubi
de pau arriba Cum facho acceso na m ã o .” (F o lk -lo re Pern am ­
bucano) . Trata-se de um vocábulo tupi, e concurrentemente
escripto arapoá, irapuá. mel ardente, m edicinal. T h eodoro Sam­
paio consigna Arapuá, corruptela de irá-apuá, m el redondo, ou
ninho de abelhas rêdondo; e Baptista Caetano, Irapuá, c o r­
ruptela de irá-apoã, m el redondo, ou ninho de abelhas arre­
dondado, ou de irá-puá, abelha levantada, ou que faz ninho no
a lto .
Aristim — Elephantiasis, ichtyose das pernas e pés.
Arlequim — Brigão, provocador, m ettido a valentão, gali-
nho de campina; personagem do auto popular do Bumba meu
boi, especie de ajudante de ordens, ou m oço de recados do Ca-
vallo-m arinho, capitão, o chefe do folguedo, typo èsse que vem
do arlechino do antigo theatro italiano em cujas peças contem ­
porâneas do apparecim ento daquelle nosso auto, invariavelm en-
i e figurava, revestid o p orem de um caracter burlesco, apalha­
çado. “ O André apresentou-se vestido de arlequim . ( “ A Lan ­
ceta n . 16 de 1890),
Arm ação — As galhas ou chifres do boi, pu veado. “ Es-
pacio na lingua do sertanejo sign ifica o b o i que tem a arm a­

47
ção aberta e esgalhada. ” (José de A le n c a r ). “ Nas passagens
de alguns rios, um dos que guiam a boiada, pondo uma arm a­
ção de boi na cabeça, e nadando, mostra ás rezes o vau, por
onde hão de pasSar.” (A n ton iD .
Arm ador — Escapula ou gancho de fe rro preso á parede,
com m ovim ento para os lados, com um outro fronteiram ente
disposto, em que se prendem os punhos das redes de dorm ir:
Arm ador de rede.
Arm arinho — “ No Ttio de Janeiro, casa de negocio em que
se vendem miudezas, com o cadarços, linhas, agulhas, sabonetes
e outros objectos de pequeno valor, correspondente ao que na
Bahia chamam Loja de capellistas; em Pernambuco Loja de
miudezas; e em Lisboa Loja de capella.” (Beaurepaire Bohan).
Entre nós porém, apezar de predom inar o citado qu alificativo
de L o ja de miudezas, já de muito que vem apparecendo o de
armarinho, si bem que, não frequentem ente em pregado. “ Na-
quelle tempo tinha elle um armarinho na pm einha do L iv r a ­
m e n to .” (O N o vo Mesquita de capote n. 3 de 1847). “ Fui ao
arm arinho com prar uma camisa e arrastei de lá com estes v o ­
lumes que estavam sobre o b a lc ã o .” (Jornal do R ecife n. 231
de 1915).
Armas de São Francisco — O mesmo que Adeus de mão
fechada. “ Attendendo aos serviços que ha prestado o dono do
engenho São Francisco, perm ittiu-se-lhe o uso das armas e bra-
zões do dito Santo” . (A Lanceta n. 6 de 1889). “ Tantas mun-
gangas fez o padre a ella que, apenas as notou. As armas lhe
mostrou Do seraphico padre São Fran cisco” . (Barbosa Vian-
n a ).
Arm azenario — Aquelle que tem armazein de qualquer ge-
nero de negocio: Arm azenario de assucar. “ Não menos de seis
mi) casas de com m ercio se acham em Pernambuco, e todas el-
las de estrangeiros, assim lojistas, quitandeiros, taberneiros, a r­
mazenar ios, trapicheiros, assucareiros etc. e t c .” (O R egene­
rador B razileiro n. 3 de 1844). “ Dantes este meco era um
arm azenario de meia coronha; hoje é outro cantar! tem muita
lie rv a ” ! (O Vapor dos Traficantes n. 219 de 1860).
A rra ! — Dicção in terjectiva de ira, enfado, contrariedade,
zanga, agastamento, com as mesmas expressões dos plebeismos
1 ortuguezes A rre!, interjeição de ira, de enfado; e Irra!, apre!
com os dem onios! com a breca!
A rraia — P eix e do mar da serie ou secção dos Condrop-
terigios, ou p eixe cartilaginoso (A rraia orhicularia, Schs.),

48
com uma cauda delgada e com prida. Especies: Jabebirete
(T ra yg o n jab era) e N arin ari (Actobatis narinari, M u ll.), a
que os indios davam o nome de Itabebirete, com a sua cauda
longa, descripta e graphicamente representada por Maregra-
vi, com a denominação de Ragoe species. Nos mares de F e r­
nando de Noronha ha uma especie chamada A rraia de corôa,
que não sabemos se é a que Gonçalves Dias consigna com o
nome de Jahybúra, ou se constitue ainda uina outra especie.
A cauda do peixe, secca, fica muito consistente, e serve de
ehicote, e diz o vulgo, que surra de rabo de arraia faz sec-
car. Especie de papagaio de papel, rectangular, com a sua
competente cauda, e que solto ao vento, preso a um cordel,
sobe a grande altura. O nome de arraia vem da sua approxi-
midade apparencia com o peixe deste nome.
Arrancada — ím peto impulsivo, violento, brusco, in espera­
do, de desagrado, malcreação, máo hum or; arrebatamento, fu ­
ror, precipitação; dito ou phrase espirituosa, incisiva, pican­
te, hilariante: O Manoel tem arrancadas do diabo.
A rrancar — Estar ancioso, impaciente, íquieto, para con­
seguir ou fazer uma cousa; querer, pretender, ardentemente
desejar, aspirar. “ O sugeitinho está arrancando para coioiur
certa mocinha da rua do A m p a ro .” (A Pimenta n. 78 de 1902).
Abalar, partir, in vestir. Nos Chilenismos de Zorobabel Ro-
driguez encontramos o vocábulo com as expressões de — huir,
retirar-se apartar-se.exem plifican do: “ Quien 'de atro se retira
Es porque teme. E los hombres no arrancam De las muge-
r e s .”
Arranca-tócos — Valentão, brabo, audaz, provocador,
insolente. “ Dá o commandante uma ordem, algum tuntuqué
ou arranca-tócos, lá porque é protegido, não faz caso, não a
cumpre.” (O Barco dos Patoteiros n. 10 de 1864). “ Palavras
não eram ditas, quando o arranca-tocos desandando a mão,
mimoseou-o com um tiroteio de cascudos.” (Lan tern a Magica
n. 207 de 187). “ Uma cabra de arranca-tocos deu quengada
e muito sôco.” (A Pim enta n. 11 de 1902)).
Arranchar-se — Aboletar-se, hospedar-se, tomar rancho.
“ Os ciganos, form ando bandos numerosos, vinham arranchar-
se junto ás villas e p o v o a d o s.” (João B rigido, A Fortaleza
em 1810).
Arranco — O mesmo que arrancada.
Arranjado — Remediado, que tem com que passar, dis­
pondo de alguns bens de fortuna; ironicam ente, porem, se diz

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do que segue caminho errado em pensar e proceder: 0 Anto-
nio está bem arranjado com a sua vidóca.
Arran jar — Ameaçar, tecer um correctivo, d esforra; de­
sagravo, vindicta, p or um acto máo praticado p o r alguem, ou
o denunciar, accusar, fazer-lh e a cama: Aauelle sujeito não
fica ensòsso pelo que fe z ; eu o arran io. Eu te arranjo, m ar­
manjo, (D ic ta d o ).
Arranjar-se — Illicita e absusivam ente,encher-se,, locuple­
tar-se, tirar bom partido numa empresa, emprego, ou incum­
bência qualquer: O meco arranjou-se naquelle lugarzinho da
Alfandega. “ Os empregos só prestam para arranjar os que os
e x e rc em .” (O Guarda Nacional n. 19 de 1843).
A rran jo —r N egocio illicito , experteza, burla, patota, ex ­
pediente; A rran jo de fa m ilia ; arranjo dh vida. “ Estava um pa-
toteiro com um arranjo entre mãos.” (M ephistopheles n. 18
de 1882). “ Houve tribofe, não é possivel; aqui houve arran­
jo .” (A Lanceta n. 153 de 1913).
Arrasa — Comedor, glutão, insaciavel. Chama-se de
Bernardo arrasa a um individuo assim guloso, vin d o a locu­
ção, naturalmente, de um Bernardo ahi qu alqu er,.de estomago
elástico, d evorador. O term o vem de arrasar, nas accepções
de encher-se, fartar-se. De arrasa; grande, com pleto, de pa­
tente, mas ironicam ente, em tom depreciativo, de troca. “ Mui­
tas vezes se mostra contista, e tem contos soberbos, de arrasa”
(A Semana n . 7 de 1890).
Arrasta-pés -— Dança, reunião fam iliar, serão dançante.
“ Voltou-se do baptisado quando a orchestra apresentou-se pa­
ra entrar o arrasta-pés.” (O G rillo n. 2 de 1902). “ A propo-
sito de tudo uma festa de arrasta-pés regada de ahiá no Cea­
rá e a m elladinha e a cachimbo na Parahyba e P ern am bu co.”
(R odrigu es de C a rva lh o).
Arrasto — Grande rede de pescaria, tecidá de algodão
fiado, de malhas regulares, e que longitudinalm ente dispostas
nos rios ou viveiros, e apertando o espaço, recurvadamente,
em caminho da terra traz em cada lanço, de arrasto grande
quantidade de p eix e. Beaurepaire Rohan trata destas redes,
mas com o nome arrastão, escrevendo; “ E ’ a rede varredoira,
a rede de arrastar, que apanha grande quantidade de peixe.,,
tendo todavia o inconveniente de trazer à praia, de envolta
com o peixe grande, o peixe ainda pequeno, que não se apro­
veita. “ Para obviar este inconveniente temos posturas muui-
cipaes se bem que de letra morta, prohibindo as redes de ma­
lhas estreitas. São essas redes de arrastão, que tem entre nós

50
os nomes de varredoura, de arrastar, e de arrasto, sendo po­
rem este o vulgarmente usado. “ O projecto autorisa o go v er­
no, no caso de sedição ou revolta, a installar commissões m i­
litares. que julguem perem ptoriam ente não só os chefes do
movimento, como a*é os suspeitos, os que seduzirem homens
para esse fim , e todos os adversários do govern o em summa.
Oh! Que rede varred ou ra!” . (O Mocó n. 12 de 1851). “ V en ­
de-se uma rede de arrastar, de 45 braças, e uma de trasma-
Iho, ambas de fio de a lg o d ã o .” (O Cruzeiro n. 4 de 1829).
“ O Snr. Paes Barreto quer naturalmente pescar, e nesse in ­
tuito não se im porta de servir-se do anzol, do jerer , da tar-
rafa ou da rede de arrasto” . (A Lanceta n. 31 de 1890). “ A-
proveitaram as aguas turvas da revolu ção para lançarem a sua
rede de arrasto” . (Idem , n. 43). A locução Rede de arrasto
é extensiva ás mulheres loureiras, que não perdem vasa, nem
engeitam parada, naturalmente adstrictas an p roloqu io popu­
lar de que, tudo que vem Tia rede é p eixe. “ N o trem de O lin­
da, uma cigarreira da Lafayette fez uma rede de arrasto de
ra p a ze s.” (A Pim enta n. 80 de 1902). “ Está uma verdadeira
rede de arrasto a Josepha T im bau b a.” (Idem , n. 1 de 1908).
T razer de arrasto: Conducção dos páos cortados nas mattas,
àrrastados a cordas, até a estrada para dahi seguirem ao seu
destino em carros ou costas de animaes.
Arrebenta-buxo — Planta muito abundante na ilha tie F e r­
nando de Noronha, e de cujo fructo se extrahe uma bonita
tinta preta azulada, própria para escripta, macerando-se o
fructo e deitando-se o liquido no vinagre.
Arrebentado — Quebrado, arruinado, sem recursos, em
condições precarias, paupérrim o. “ Se não vieras tu m elhor se­
ria P T a quem anda na estica, arrebentado” . (A P rovín cia n.
64 de 1916).
A rrebentar — Chegar, vir, apparecer de subito, inespera­
damente: Mal acabavamos de falar no João, quando elle a rre­
benta em casa, surprehendendo a todos.
Arrebim ba o malho — Agradavel, bello, m agn ifico; com
chiste, graça, elegancia. “ Passei um S. P ed ro mesmo de a rre ­
bimba o malho. Gostoso, manhoso, superlapotico.” (A Pim en ­
ta n. 578 de 1907). Variantes: ribim bôm aio, rib im b ôm alh o.
“ Dançamos uma polka de rib im b om alh o.” (A*D uqueza do L in ­
guarudo n. 89 de 1877).
Arrefestelado — A rreliado, zangado, desapontado, irrita ­
do; genista, insupportavel, levado dos diabos: N ão te mettas
com aquelle sugeito que é um arrefestelado do cão; ninguém
sabe quanto está pelos pés ou pela cabeça.
A rreiado — O cavallo preparado com todas as peças..de sel-
laria para m ontar. Adornado, enfeitado, ornam entado! “ D on­
de vindes, mulher minha Que vindes tão arreiada? (Rom ance
de F re i J oan ico). D ’onde vindos, mulher minha, Que assim
vens tão enfeitada? (Rom ance de D . J o ã o ).
A rreia r .— P rep arar o cavallo com todas as peças de a r­
reios para m ontar: Um cavallo bem arreiado.
A rre-lá — D icção in trejectiva com as expressões de ira,
enfado, contrariedade, zanga; agastamento. Yem de longe a dic­
ção uma vez que figura naá velhas parlendas do p ap agaio:
A rre-lá papagaio ridículo. “ A re-lá com voçp; com o sab ido!”
(A Barca de V igia n. 5 de 1847). “ A rre-lá com tal fradinho de
tamanha in con tin ên cia .” (A Carranca n. 23 de 1847). “ Arre-lá,
não me am ofine com tamanha im pertinerícia ” (D e uma conhe­
cida m o d in h a ).
Arrelam pada — Mulher arisca zangada, na giria dos ga­
tunos.
A rrelia — Desordem, barulho, arruaça; distúrbio; conten­
da, disputa. “ Casar com viuva rica e travessa, embora seja uma
Arpia, que viva sempre em arenga, ou na m aior arrelia .”
(A m erica Ilustrada n. 34 de 1880). “ Trava-se uma lembrança
no bond que quasi vira em a r r e lia .” (Lan tern a Magica n. 513
de 1896). “ Não houve arrelia nem piparotadas na folgança,
mas a mocidade sahiu fazendo an avant de xis g o ttic o .” (A
Pimenta n. 20 de 1901). “ Sem que nem p ’ra que fazer uma
arrelia numa noite de festa, diante de tanta gen te!” (L a n te r­
na M agica n. 801 de 1905). “ Entre o Tonho e sua.diva, sem­
pre ha grande a r r e lia .” (A Pim enta n. 21 de 1902). De dia
bebo cachaça, De noite faço a rre lia ” . (T ro va s populares).
A rrelia d o — Malcreado, insolente, grosseiro, insuportá­
vel; desapontado; irritado, vendendo azeite ás canadas. “ E s­
tou damnado, estou queimado, a rre lia d o !” (Lan tern a Magica
n. 530 de 1897). “ Uma sogra arreliada E amante dó m exeri­
c o .” (O Destino dos amantes) “ Uma freira arreliada em
O lin d a .” (Pernam buco n. 346 de 1912).
A rreliar-se — Zangar-se, irritar-se, dar por paus e por pe­
dras. “ N o dia que a tal constembla se arreliar, não fica rá nin­
guém v iv o no R e c ife .” (A Pimenta n. 498 de 1906).
Arrenegado — O diabo.
A rrepiado — Desconfiado, arisco, intractavel, esquivo,

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inaccessivel. “ Venha cá, diga o seu nome, não seja tão a rre­
piada ” (O Tam oyo n. 10 de 1890).
A rrib a r — Desapparecer, fugir, ausentar-se, por-se ao
fresco, dar ás de v illa D iogo. “ Um dia, entendeu que a vjda
em republica não ia bem, e então arribou para um commodo
que lhe alugára a viuva T e r c ia .” (A Pim enta n. 30 de 1901).
“ Um padre pintou os canecos em S. José e term inou arriban ­
do para a Europa.” (A Pim enta n. 652 de .. 1908). “ F o i re-
cholido ao xadrez o indivíduo M anoel Cam illo p or haver a r ­
ribado com um taboleiro da casa da patròa.” (Jorn al Peque­
no n. 77 de 1913)- “ A mulher arribára com um amante por
quem mantinha uma voraz paixão.” (A lves Barbosa, O M i­
randa)-
Arroch ar — Dar, descarregar, desandar; esbordoar, es­
pancar. “ Chico, branco como cêra, arripia a cabelleira, e
Joanna arrocha-lhe o páo. ” (O P ovo n. 110 de 1858). “ O do­
no da casa havia concebido a grande disposição de arrochar-
me o cacête.” (A m erica Illustrada n. 27 de 1883).
A rrolh a r —■ Confundir, leva r de vencida o adversario
numa contenda; fazer calar-se, fica r embatucado, corrid o;
tapar a bocca a alguem p or suborno.
Arrum ação — Em prego, collocação: O Jo^o conseguiu,
uma bôa arrumação numa fabrica de tecidos- Expertesa, a r­
ranjo, traficancia. “ Esta epocha que uns dizem de progresso,
outros de arrumação. ” (Lan tern a Magica n- 471 de 1895).
Arrum ar-se — Encher-se, locupletar-se, tirar bom partido
de um em prego, commissão, ou uma incumbência qualquer:
O sujeitinho arrumou-se no seu em prego d’Alfandega.
Arta — O mesmo que arra!
A rte — Travessura, trela, traquinada; commetter uma fa l­
ta, um acto mdu, dar uma cabeçada: Este menino está mui­
to quieto e desconfiado; com certeza fez alguma arte. “ Que
as artes do smhô Juca São mesmo artes do demonio, Para
liv ra r delias vou rezar a Santo Antonio.” (D a chula Sinhô
Juca). “ A h i está no que deu a arte do moleque. T eve que v o l­
tar para casa com o corpo m oido ” (O Tico-tico n. 447 de 1,914).
A rteiro — Traquinas, treloso, travesso; emprehendedor,
habilidoso, in telligen te; prevenido, sagaz, fino- “ A onça anda­
va sempre a ver se pegava o macaco; mas o macco muito a r­
teiro, sempre escapava delia.” (S ilv io R om ero).
Articulista — Autor de artigo de jornaes; polemista que
sustenta e discute na imprensa uma questão. “ Perdoe-nos o
articulista se n a rra n d o -a ' verdade, lhe causamos algum mal.”
(D ia rio de Pernambuco n. 81 de 1916).
Aruá — Pequeno molusco gasterópode, especie de buzio
ou concha, espiral, ovoide, de um verde escuro quasi preto-
qu e se encontra nos alagadiços de agua doce, contendo uma es­
pecie de m arisco que-se com e guisado. E ’ p ro vá vel que tambem
exista nos rios, porquanto, com o refe re Fernando Halfed,
entre os mariscos, conchas e buzios que encontrou no S.
Francisco, menciona um a que chama de arruá, naturalmente
o p ro p rio aruá, com o se chama entre nós. Lopes Gama no seu
period ico Q Carapuceiro ns. 62 e 74 de 1842, faz referen cias a
um tempo do toque do aruá, e da catinga do aruá, entre nós
e chama-se de bocca de aruá, as que são recurvadas, quasi
sfemi-circulares, com o a do molusco, de movimentação, para
ab rir e fechar- Aruá, concurrenlem ente no Ceará, designa uma
especie de ostra de agua doce, arredondada, que se prende ás
pedras (G lossário cearen se); e nas Alagoas, como escreve
A lfre d o Brandão, entre os crustáceos, apparecem o pitu, o
carangueijo e o aruá, que Theotonio R ib eiro registra como ca-
rangueijo, que se cria ás bordas dos riachos e produz òs vinhos
reseos, que. são muitos inedicinaes. Tam bem entre nós, o
Lam bedor de aruá é muito preconizado com o de virtudes
peitoraes. A dicção vem do tupi, aroim, marisco, carangueijo
ou de aroaiity segundo Martius e assim com o Gonsalves Dias
escreve no seu D icçionario, consignando ainda o vocábulo
aruá concha do R io Branco, que tambem se encontra em ou-
tío s lugarèS) ao norte do paiz. Finalm ente, estudando Macedo
Soares o term o aluá, com, que é conhecida a popular e re fr ig e ­
rante bebida do norte, e que entre nós se chama alôá, como v i­
mos, acha possivel que seja corruptela de aruá, cousa agra-
davel, bôa cousa, gostpsa, apreciavel. E ffectivam ente, o aluá,
tem na Bahia o nome de aruá: “ As pretas africanas, á som­
bra de gam elleiras parasitadas, vendem o aruá fresquissim o.”
(A n ton io GarmeJo).
Âruanã — Especie de tartaruga (C h elon io s) muito abun­
dante nos mares do archipelago de Fernando de Noronha-
A rv e lo z —- Planta que prodigiosam ente vegeta na zona
sertaneja, e qúe produz em abundancia um liqu ido á especie
de leite de grande efficacia para a cura das moléstias cancroi-
des.
Assadeira — Vasilha de m etal ou b arro para assar.
Assanhado.— Inçuieto, desassocegado, boliçoso, sem mo-

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do e compostura, sem termos de gente. “ Mamãe se iTaiu-
na, com umas mocinhas assanhadas, que se postam no sereno
do ensaio da banda musical de Beberlbe.” (A Pim enta n. 615
de 1907). “ Na verdade esta viuva E ’ p or demais assanhada;
Pois tendo a cabeça branca *nda quer ser namorada.” (Id em
n. 641 de 1908). Exaltado, enraivecido, furioso- “ E ’ demais
perigoso excitar as suas iras de cobra assanhada.” (O Lidador
n. 239 de 1847). Cabello não penteado, revolto, em desalinho:
Cabello assanhado. “ Não sei que tem meu cabello Que não se
doma com banha;. Quanto mais banha lhe boto, Muito mais
elle se assanha.” (D o cyclo das nosaa quadras populares)
D erivados: Assanho, Assanhamento. “ Mamãe se damna com
o assanhamento de certa viuvinha na igreja de B eberibe.” (A
Pim enta n. 654 de 1908).
Assassinar — Pessimamente executar uma peça dramatica
ou musical.
Asseiro — Lim pa ou roçagem do matto em volta de uma
coivara, guardando-se uma certa largura, para isolal-a, afim
de que o fogo não se communique aos campos circumvisinhos,
e lavre somente no trecho encoivarado para preparo de um
roçado ou campo de plantação. “ Cabelleira atravessou o assei­
ro e penetrou no canavial.” (F ra n k lin T a v o ra ). D erivado: As-
seirar.
Assentamento — Plataform a de alvenaria nos antigos enr
genhos de assucar. onde estão assentadas as tachas de fe rro
sobre fornalhas cujo fumo sahe p or uma elevada chaminé.
Nessas tachas, commumente em numero de cinco, é onde se
lim pa o caldo da canna e se evapora até a concentração para o
o assucar cristalizar. “ E xprem ida a canna nas moendas, o cal­
do é aparado no p arol e deste segue em bicas para o assenta­
mento, o qual consta, em regra, geral, de cinco tachas, onde vai
se fazendo gradativam ente o cozim ento até a separação das
impurezas e a apuração do m el.” (A lfre d o Brandão)
Assistente — Denominação moderna de parteira, que an­
tigamente tinha o nome de aparadeira, de aparar as crianças
ao nascer, com o tratamento intim o de comadre. Para indicar
então a sua casa de residencia, se via uma cruz preta pintada
no portal. Assistente examinada: a que fez o curso de obste­
trícia no Hospital Ped ro II, ou prestou exame de sufficien-
cia no H ospital. “ A Sra. Jgnez Maria das Virgens continua a
prestar os seus serviços de asistente.” (A m erica Illustrada n.
35 de 1878). “ O pobre homem apressadamente caminhava em
procura de uma assistente para a m ulher.” ((M ephistopheles
n. 39 de 1882). “ Parteira, antigamente, era quasi sempre uma
mulata velha dos peitos grandes,' de saia e timão, e moradora
na rua da Roda, ou no beco tapado do largo da m atriz de San­
to Antonio. Se algüem dicesse que tinha visto uma senhora de
certa ordem exercendo a profissão de assistente, conform e h o­
je se chama, dizia logo: estamos no fim do mundo! Si aquel-
la gente hoje existisse e visse uma senhora respeitável, bem
trajada, andando a carro, e exercendo a profissão de assistente
cóm que pasmo não exclam aria. Coitada! Está feito p a rteira !”
(Lan tern a Magica n. 466 de 1895). E ’ dahi que vem o dictado
depreciativo da filiação de um indivíduo dç quem se <tuer
chasquear: F ilh o de meirinho com parteira.
Assucareiro — Negociante de assucar de exportação. “ Os
assucareiros especuladores, que assucar vendem de diversas
c o r e s .” (O Barco dos Traficantes n. 5 de 1858). “ Os assuca­
reiros se tem associado parà im porem o preço do assucar, e
tem conseguido.” ( A Duqueza do Linguarudo n. 88 de 1877).
Assumptar — Examinar, observar, prestar attenção; in ­
teirar-se das particularidades de uma cousa qualquer, para
descobrir um segredo, fica r senhor do assumpto, e resolver
coin acerto. “ Assumpta bem, e ápanha as tenções delles.” (A f-
fonso A r in o s ). “ Estou assumptando, era outra phrase, que
S ylvio Rom ero muito usava, de accentuado sabor nortista. (A r-
thur G uim arães).
Assungar — Subir, trepar, galgar, elevar-se; levantar p a­
ra cima: Assungar a saia, o vestido; assungar-se numa a rvo ­
re.
Atabaque ou tambaque — Instrumento musico dos africa ­
nos, especie de tambor, muito estrepitoso, e usado nos s us
batuques e bailados.
Atacar — Comprar ou vender por atacado, por completo,
uma partida de qualquer m ercadoria.
Atamancar — Retardar, remanchar, protellar, ganhar tem­
po.
Atarrachar — Apertar a alguem com pedidos instantes e
empenhos valiosos para a obtenção de qualquer cousa: O m i­
nistro viu-se tão atarrachado, que acabou cedendo. Respon­
der com vantagem, dar uma resposta de mestre, de embatucar,
de atarrachar.
Atirado — Audaz, emprehendedor, arrojad o; atrevido, -e-
tu lante.
Atôa — Insignificante, sem im poratncia alguma, desprezi-

56
v e l : G e n t e atôa. M u l h e r atôa, m e r e t r i z . A n d a r a t ôa ou a t oa m
te: mal a r r a n j a d o , de um I r a j a r d e s c u r a d o ; va g a n do , sem o r i ­
e n t a ç ão e r u m o c e r t o : A n d a r p o r ahi a 1'óra a t o a m e n t e .
Àtocalhar — Espreitar, vigiar, fazer espera de alguem em
lugar certo de passar, de transitar. “ Quebrando o namorado
os seus protestos de amisade, a moça perdeu a compostura,
atocalhou o fona e deu-lhe um baile.” (A Pim enta n. 643 de
1908). D erivado o vocábulo do tupi tocaia, vem dahi o verbo
Atocaiar, como escreve Macedo Soares, fazer tocaia ou espe­
rar a alguem; esconder-se para com surpreza atacar a ou­
trem ; assaltar nas trevas ou no erm o; Tocaiar, (Beaurepaire
R ohan) fazer esperar a alguem com o fim de o matar trai­
çoeiramente, e em bom sentido, espreitar a alguem, p or quem
se espera em certo e determ inado lugar; Paulino Nogueira,
igualmente escreve Tocaiar. que quer dizer esperar espreitan­
do alguem para atacal-o quando passar pelo lugar; em fim o
Visconde de P orto Seguro (V arn h agen ), que nos Indios Bran­
cos escreve Tucajár, com iguaes expressões.
Atrapalhoádo — P o r trapalhado, perturbado, confuso, em­
baraçado. “ P o r Baccho! Estou visivelm ente atrapalhoado pa­
ra falar da E m ilia.” (A m erica Illustrada de 19 de março de
1873).
Atravessado — Falar mal uma lingua, incorrectam ente, em-
brulhadam ente. “ Conta-se que no Ceará fizeram esta experien-
cia (a prova de Santa Luzia, para saber-se se o novo anno será
secco ou chuvoso) diante do naturalista George Gardner, mas
o sabio fazendo observações m eteorologicas, e chegando a
tini resultado differen te do attestado pela santa, exclam ou em
seu portuguez atravessado: “ Non, non, Luzia m e n tio .” (S yl-
vio R o m e r o ).
Attentado — O diabo; traquinas, boliçoso, desenvolto, es-
pritado, levado dos diabos. “ Mas a menina atentada, diz
ella, é um a b o d e g o .” (Lanterna Magica n. 565 de 1898).
Atucanar — Pedir, atorm entar impertinentemente, insis­
tir; intrigar, m exericar teimosamente, obstinadamente, p ro ­
curando sempre contar demoradas e maçantes historias; fa ­
lar aos gritos, cantarolar de modo incomm odo: Atucanar os
ouvidos, a paciência alheia. A dicção vem de tucano, conhe­
cida ave trepadora, de bella plumagem e enorme» bico, cur­
vo e dentado, cujo bater frequente sobre os troncos das a rvo ­
res e cantar agudo e estridente são assaz encommodos.
Auatá — Andar, caminhar a esmo, sem destino e orienta­
ção, á toa, á m atroca; e segundo Moraes, que recolheu o vo-
cabulo em Pernambuco, errante pelo campo, fóra de casa, p e r­
dido, exem plificando: Andam os carangueijos, as moças auatá.
A dicção vem do facto muito vulgar de ern certas epochas
deixarem os carangueijos as suas locas, e espalharem-se pelos
mangues e campos circumvisinhos, ou nadando mesmo ao ru­
mo da corrente, sem direcção nem destino, e tão inertes, que
se deixam facilm ente apanhar. O autor dos Diálogos das gran­
dezas do Brazil trata particularmente deste phenomeno, con­
cluindo: “ E dizem os naturaes, quando se acham estes can-
rangueijos por esta maneira, que andam ao atá, que sôa tanto
cómo andar lascivos.” Como que, consoantemente, refere Macedo
Soares, que andam elles assim a tôa, sem direcção, quando es­
tão na desova. No cyclo das nossas modinhas populares ha
uma sob o titulo, O carangueijo, que segundo T heodoro Sam­
paio vem da epocha da Tndepcndencia, e assim com eça: Ca­
rangueijo anda ao atá Procurando a sua entrada, Vem seu mes­
tre titio Faz dos carangueijo cambada.” Com o goyamum, espe­
cie de carangueijo, de um bonito azul, occorre o mesmo phe­
nomeno, dando-se como causa as chuvas ou es trovoadas. E f-
fectivãmente, já em 1(527 escrevia o historiador F r . V icenie
do Salvador: “ Os guaiamús em as prim eiras aguas do in v e r­
no, quando estão mais gordos e as femeas cheias de ovas,
sahom das suas cóvas e andam vagando pelos campos e es­
tradas c mettendo-se pelas casas.” Vêm de longe, portanto, es­
tas crenças sobre o phenomeno. “ Andam como goiamuns em
tempo de trovoada, ao atar, sem saber o que façam ” . (Am e­
rica Illustrada n. 2 de 1885). “ T odo mundo sabe que com a
trovoada os carangueijos andam ao atar, aos pon ta-pés.” (A
Lanceta n. 29 de 1890). A dicção vem do tupi, uatá, andar,
caminhar, vagar, e dahi uatá-bó, caminhando, como escreve
T heodoro Sampaio; Gonçalves Dias consigna o vocábulo oatá,
andar, caminhar e a locução oatá atá nhóte, vagar; c Martius
oatá (goatá) andar. Notam-se em fim, como expressões o rig i­
narias: Uataçara, o viajante, o cam inheiro; Uatacába, a v ia ­
gem, o passeio; e Uatá rame, indo, passeiando.
Au rora — Madeira pouco conhecida e explorada, porem
de préstim o a construcções civis.
Avacalhamento — Não podemos tratar deste m oderno vo
cabulo sem lançar mão de alguns lopicos de um interessan­
te artigo que a respeito do seu npparecimenlo, no R io de Ja­
neiro, escreveu O C orreio da Manhã e logo transcripto no
Pernambuco n. 260 de 1913. São estes os trechos em ques
tão: “ Este neologism o appareceu ha duas semanas, ereado por
um deputado desgostoso com o seu chefe, c todavia, já tem
fóros de cidade. 'Elle serve, principalm ente para d efin ir a
duplicidade dos p olíticos. Assim, nesta esquentada luta das
candidaturas presidenciaes, quando algum tergiversa e opina,
ora por um, ora p or outro candidato, diz-se da pessoa, não que
trahiu, que marombou, que dansou na corda bamba (phrases
antigas e renegadas), mas que se avacalhou. Na Camara, cen­
tro e foco da politica, está mesmo sendo organisado um p ar­
tido m oderno: o dos avacalhados. Como o term o está clara­
mente indicando, avacalhamento quer dizer amor ás vaccas,
amor, por conseguinte, ao que ellas demais p roveito produ­
zem, que é, salvo m elhor juizo, o leite. O avacalhado é o h o­
mem que se colloca sempre na posição de sugar, não p rop ria­
mente leite de vacca, mas o leite do Thesouro, o leite das p ó-
sições, o leite dos orçamentos, o leite do g o v e rn o . . . Não se
podendo desligar do term o avacalhamento a idéa do leite, se­
gue-se, pois, que os avacalhados são os politicos que evitam
o ostracism o.” O termo, que isoladamente appareceu, teve
logo um cortejo de derivados logicos, que reunidamente
entraram em circulação constituindo, assim as dicções do m o­
mento, da moda; e essa moda fo i logo introduzida entre nós,
pela própria imprensa indigena, e espalhada pelo vulgo, e
dahi estes conceitos de um p eriodico illustrado, do R ecife (A
Lanceta n. 158 de 1913): “ A gora anda em vóga o term o nada
parlamentar, que a oratoria apresentou em um momento dc
ogerisa: Avacalhou-se! Os clássicos levam as mãos aos céos,
indignados, mas o termo, pelo momento em que appareceu,
pela surpreza que offereceu e pela onomatopéa sym bolica que
intenta traduzir, vingou completamente e hoje se applica a
torto e a d ireito com o se nos diccionarios nada houvesse de
mais expressivo e co m p leto .” Sobre a expressão do vocábulo
e os seus derivados escreveu então o nosso illu stre conter­
râneo Bastos T igre, sob o pseudonymo de D. Xiquote, na sec­
ção Pingos e Respingos do jorn al fluminense o C orreio da
Manhã, as seguintes e espirituosas sextilhas: “ Eis a palavra
da moda Dos politicos na roda, P o r toda parte se espalha,
E ste paiz hoje em dia E ’ uma grande vaccaria Em que tudo sc
avacalha. Senador que grita forte Seja do sul ou do norte, Ou
deste ou daquelle Estedo, Do chefe sentindo o relho, Curva a
fronte, dobra o joelh o: E eil-o um typo avacalhado Cres­
ce o curral. Dia a dia Correm todos á p orfia A soltar urros de
dôr. A cavallo no terceiro, Vai a tocal-os P inh eiro, Supremo
avacalhador. Da boiada dá-se o estouro. P orem com medo do

59
couro V o lta m , Jodos num m om ento. Atropelam -se na estrada
Os estouros da boiada Depois do ayacalham ento. Mas o dono
da fazenda Sem p ôr o seu gado á venda, V ai ganhar um d i­
nheirão E diz a rir, com deleite: Vou ter o trust do leite Com
esta avacalhação” .
Avança — Introm ettido, mettediço, intruso; o que sem
convite com parece a festaS particulares, entrando cynicamen-
te p e la casa dentro, sein conhecim ento algum do dono, ina-
presentado mesmo, e sem a m enor cerem onia, dança e folga,
toma conta do buffet, e á hora do banquete avança para a
mesa, e com a barriga dando horas com e a fartar, á tripa
fo rra . “ Dir-se-hia mais João Fernandes V ieira o mestre má­
xim o do avança, não do singelo e momentoso avança para o
buffet das festas publicas, ju stificável pela fom e que não raro
punge, em m eio de esplendida prosperidade apparente, 'mas
do calculado, do manhoso avança, estratégico e táctico, feito
de humildade e insolência, do silencio e audacia, de pacivida-
de e arrojo, e cujo objectivo é conseguir um lugar v ita líc io
no banquete da v id a .” (C on de de A ffon so C e lso ). Em 1915
appareceu um period ico sob o titulo: Avança, bi-semanario,
humorístico, critico, noticioso e illustrado.
Avestruz — “ Sujeito que não bebe nada, frequentador
de botequins e gangorras.” (A Pim enta n. 65 de 1902.) “ Para
a casaa de banhos affluem alguns amadores do avestruz, que
saem cambaleantes.” (Id em n. 5 ). i Bancar avestruz: to ­
mar carraspanas; entregar-se ao v icio da embriaguez,
A v itreiro — Curruptela de alcoviteiro, e com as suas p ró ­
prias impressões.
A voadeira — Mulher sacudida, assanhada, de máos modos,
desregrada, de vida fa cil.
Avoado — Estróina, pancadorio, azoado, de cabeça nos
ares.
A voar — Atirar, jogar, lançar, arrem essar: A voar uma pe-
d ra : avoar-se no chão.
A vô-torto — O m arido da avó legitim a, que enviuvando
passa a segundas núpcias, como avó-torta é a mulher do avô
legitim o. O uvir novas da avó-torta: uma descalçadeira tre­
menda. “ Bastante fundamento tinha minha avó-torta, para
dizer-m e depois de uma grande maçada: meu netinho não
ha mal que sempre dure, nem bem que Bfenca fin d e .” (O D ia­
bo a quatro n. 2 de 1875).
A xu liar — Passar uma costura ligeira ao correr dos ex ­

60
t re m o s da f a z e n d a de uma p e ç a d e r o u p a q u al q u e r , d e p o i s de
e m p a n a d a ou uni da, p a r a n ã o se d e s f i a r .
Aza — Braço: Pegar, puxar por uma aza. Andar de aza
cahida; triste, muncho, succumbido. Azas da fam a: fastigio,
gloria, renom e: Andar nas azas da lama. Arrastar as azas: fa ­
zer a côrte a uma dama. “ O Totó mui prazenteiro arrastava a
aza qu ebrada.” (D ia rio de Pernambuco n. 149 de 1916). Aza
branca: especie de rola muito vulgar (Columba leucoptera,
V ie u x ). Aza negra: jettatore, pés frio s; individuo de influencia
m aléfica, perniciosa, de máos olhos. Bater azas e voa r: fugir,
desapparecer m orrer. Cortar as azas: cercear a esphera de at-
tribuições de alguem, rebaixar da sua autoridade.
Azaranzado — Confundido, aílterado, atrapalhado, pertur­
bado; desarranjado, tonto, adoidado m esm o. Macedo Soares
consigna os vocábulos assaranzado, como synonim o de avoado,
e assarranzar-se, dando a este verbo as expressões de atrapa­
lhar-se, fica r tonto, abobado. Azaranzado vem, naturalmente,
de zaranga que, segundo Aulete, se diz das pessoas atabalhoa­
das; doidivanas, que fazem tudo sem tino; cabeça de ven to:
e assim figurando na giria doS gatunos do R io de Janeiro com
as expressões de attonito, confuso, perturbado. Zorobabel R o-
dídguez inscreve nos seus Chilenismos o verbo azarearse 11a-
marse, de azar, de sobresalto, correspondentem ente a descon­
certar-se, desazonar-se, inquietar-se escamar-se.
Azarento — Em m aré de caipora, com a fortuna adversa,
em luta com os contratempos da vida, aos azares da sorte. A n ­
dar azarento: “ Prenderam o vigarista, e fo i incontinenti re-
m ettido para o xadrez do R ecife, onde elle bem deve ter la ­
mentado a sua- azarenta sorte.” (O Estado de Pernambuco n.
16 de 1914). D erivado: Azarado. “ O crim inoso utilizou-se de
uma pequena faca, instrumento de que se servira para a p ró ­
pria defesa, no momento azarado.” (D ia rio de Pernambuco n.
152 de 1916).
A zeite com broxa — Conjuncto de cousas iterogeneas,
discordes, sem nexo, sem harm onia. E ’ tradicional, que a lo ­
cução vem do seguinte facto: H avendo de uma feita grande
falta de azeite no m ercado de certa localidade, e tendo um
vendelhão uma avultada porção de broxas, sem sahida algu­
ma, aproveitou-se da opportunidade para se v er liv re de se­
melhante alcaide, só vendendo o seu azeite, que tinha em p o r ­
ção a quem igualmente ficasse com certa qüantidade de b ro ­
xas, vendo-se assim liv re delias sem preju izo algum.
A zeiteiro — Individuo que procura com insistência, im ­
61
pertinência, mas com certo geito e habilidade insinuar-se no
animo de uma mulher para conquistar os seus affectos; mão
de ãpparelho de um nam orico: e na giria dos gatunos do R io
de Janeiro, ru fiã o; amante do coração; o que v iv e á custa de
uma m ulher. “ Não gosto de v êr um velh o gaiteiro, azeiteiro.”
(A m erica Illustrada de 18 de Outubro de 1874). Mas, como diz
o rifão. Côco velho é que dá azeite. “ Meia duzia de atoleimados
azeiteiros.” (Lan tern a Magica n. 37 de 1883). D erivados: Azei-
tação, azeitar, de expressões obvias, N o carnaval de 1914 f i­
gurou um club sob o titulo, Os azeiteiros da rua Nova, que no
seu canto de marcha figuravam estes versos: “ Os azeiteiros
como uma p rova. Do grande valor sem p a r . .. Da Casa Ingle-
za As caixeirinhas vão azeitar.”
Azeitona — Caganita de cabra, assim chamada pela seme­
lhança na côr e fórm a entre uma er outra cousa, vindo dahi o
conhecido p roloqu io: A cabra apregoa m el e vende azeitonas.
Azoação — Trote, surriada; vaia de moleques com assobios
e gritaria in fern al.
Azogado — Irritad o, agastado, enfadado: genista, colérico,
malcreado, levado dos d i a b o s “ A sogra anda sempre azogada
em sua vidà.V (Lan tern a Magica n. 501 de 1896). “ O capitão
é um typo azogado, que não teme ca reta s.” (Pernam buco n.
330 de 1913).
Azoratado — O mesmo que azaranzado. “ V ai fugindo
azoratado, da m olecal re b o rd o sa .” (D e uns versos politicos
de 1833).
Azucrim — Im portuno, maçante, cacete, am olador. Aos
mais pertinazes e im pertinentes dá-se o nome de Azucrim de
aza branca, “ Os azucrins! São fortes! Olhem que é preciso
ter paciência de Christo, ou de Job, para os s o ffr e r .” (A m e ri­
ca Illustrada de 18 de F e ve re iro de 1872). “ As sogras ricas
são os eternos azucrins dós genros p o b re s .” (Idem , de 10 de
Agosto de 1873). “ Esqueci-me de perguntar ao P aiva se elle
ainda continuaria com a intenção de m etter no xadrez da
p olicia o azucrim, que á força metteu-lhe a sorte ha algibei­
r a . ” (A Pim enta n. 40 de 1902). Esta dicção não é antiga,
e no Çarnaval de 1873, quando estava em muita vóga, appa-
receu o numero unico de um jornalesco hum oristico com o
titulo: O Azucrim, que ainda circulou em 1883. D erivados:
Azucrinação, azucrinado, azucrinar. “ E uma azucrinação A
praga das loterias. Que correm todos os d ia s .” (Barbosa Vian-
na), “ Desde que appareceram as extracções diarias da lo te­
ria nacional, irrom peu neste R ecife uma praga de vendedores
62
de bilbetes, que azucrinam os transeuntes.” (A Pim enta n 40
de 1902).
Azulão — Passaro de bella plumagem e agradavel canto,
(G uiraca canoea, Less) assim chamado da sua côr de um
pronunciado azul ferrete.
Azular — Desapparecer, fugir, pôr-se ao fresco, dar ás de
villa' D iogo. “ A empreza dramatica Palacio, L y ra & C.a está
de malas arrumadas e prompta para azular-” (A Pim enta n. 15
de 1901). “ O aggressor desconhecido azulou, e o aggredido,
bastante 'contundido, fo i para casa tratar-se com panos- de ar-
ic a .” (Pernam buco n. 303 de 1902). ” 0 Chico, afinal, azu-
>u do m inistério da fa zen d a . ” (Idem , n . 156 de 1913) -

63
B
Bababi — Surra, tunda; bordoada, pancadaria velha; páo,
:acete, tabica. “ Tu és muito feio, Cavalcante, e o irm ão da
noça está se armando para te m etter o bababi.” (A Pimenta
1. 25 de 1902). “ O coió se não corre mettia-se em bababi.’
;idem n. 81). “ Meetings e barulhos por causa do sorteio mi-
it a r . .. e a gente estaciona nas immediações da Praça da In-
lependencia, á espera de v êr um bababi de verdade. (L a n te r­
na M agica n. 889 de 1908).
Babado — Folho, no sentido de tiras, em pregas ou não,
eom que se guarnecem saias, vestidos e outras peças de rou­
pa de m^ilher; e usado no diminutivo, babadinho, para indicar
o estreito, de pouca largura. Em outros tempos, porem, ti­
nham os babados mais outras applicações, como, nomeadamen­
te, nas toalhas, fronhas e rodapé das camas de armação, ou de
casal. “ A i! me largue o babado! A i! me largue, diacho! Que
diacho de p a d re!” (D a chula O ladrão do padresinho). “ As
mocinhas, cheias de laços de fitas e de saias de babados, já v i­
vem nas brincadeiras, pintando o s e te .” (A Pim enta n. 536
de 1907). Casusa, babado se usa? — (D ictado p op u la r). V a li­
mento, prestigio, influencia, empenhos de m ulher: O cabra
pegou-se nos babados da mulher do m inistro e conseguiu as­
sim uma bôa collocação. Agarrar, pegar, segurar pelos baba­
dos; abecar, abotoar, in vestir. “ O sapateiro agarrou pelos b a­
bados do preopinante e gritou-lhe; pague prim eiro as botinas,
e frite d ep o is.” '( O Cometa n. 28 de 1844). “ A garrei a velha
pelos babados, atirei-a em cima do bruto e ganhei o m u n d o.”
(A Pim enta n. 540 de 1907).
Babador — O mesmo que babadoiro, como escreve Aulete:

65
panno que se põe sobre o peito das creanças, para se não en­
xovalharem com á baba ou a com ida. O term o porem, já vem
de longe, com o se vê de Bluteau, que escreve: “ Babadouro: O
panno de linho que se põe sobre o peito dos meninos, para
que não sugem os ves tid o s.”
Babaquara — F in orio, expertalhão, sabidorio; um indi-
viduo já maduro, velhaco. “ Mãe que consente um babaquara
velho dentro de sua casa com uma filh a solteira” ! (O P ovo
n. 88 de 1858). “ De bigodes tão com pridos O babaquara sen­
tado. Yê-se naquelle momento Um pouquinho a p errea d o.”
( A Pimenta n 498 de 1906). “ O povin h o reluzente do club
dos babaquaras.” (A Lanceta n . 99 de 1913).
Babáu! — Acabou-se! E ’ tarde! Adeusinho! Está tudo p er­
dido! Não ha mais rem edios!: Babáu, sinhá M iquilina! V á cho­
ra r na cama que é lugar quente. Taes são as expressões desta
dicção in terjectiva na occurrencia de um facto consumado,
de uma pretenção frustrada, de um negocio que fracassou .”
“ Tom em lá esta liçã o . Então, ainda fazem gu efra? Querem
inda o Sete em terra? Babau” ! (de uns versos politicos de 1834
sobre a revolu ção de sete de A b ril de 1831). “ Pois então, meu
amiguinho, outro o fficio , que o de official-m aior, babáu Se­
nhor D o u to r.” (O Postilhão n. 16 de 1846). “ Agora, Doutor,
babau! Perdeu todo o seu la tim !” (A m erica Illustrada n. 35 de
1881). “ Am igo Carlos Alberto, sumiu-se tudo; babáu” ! (A P i­
menta n. 9 de 1890). “ Acabou-se a dictadura, findou-se tudo;
babáu! (A Lanceta n. 53 de 1890). “ O Velodrom o, b a b á u !...
Adeus vidinha adorada; muita gente ha de chorar de lenço na
m ã o . ” (A Pim enta n . 638 de 1908). Esta dicção é brasileira,
ou de origem portuguezia? A este respeito occorre: Bluteau,
autor do mais antigo vocabulário portuguez, não a consigna,
nem Moraes, que o seguiu: mas o continuador do seu D iccio-
nario (quarta edição, 1831) a inscreve, com o se v erifica do
signal in dicativo dos termos accrescentados, porem com esta
expressão: Golpe ou pancada de duas bolas entre si, natural­
mente copiada de Constancio, autor mais antigo, e assim che­
gamos ao D iccionario de Lacerda (1858-1859), que inscreve o
vocábulo pela prim eira vez como uma expressão de que usa o
vulgo para dar a entender que uma cousa se acabou, ou não tem
remedio, vindo dahi a sua repetição pelos modernos autores
como V ieira, Aulete e Cândido de F igu eired o. Ora, verifica d o
que o vocábulo, com as nossas consignadas expressões, já era
corrente e vulgar no B io de Janeiro em 1834, documentamen-

66
te sabido, e aqui em Pernambuco em 1846, igualmente, como
vimos e que somente em 1855-59 teve assim, pela prim eira vez,
codificação lexicologica p or Lacerda, parece que é de origem
brasileira, a menos que não appareçam documentos que des­
truam estas nossas considerações provando o contrario.
Babóca — Barranco, cóva, depressão de terren o. “ O
acompanharemos até ás babócas da matta do Bezouro em 1835,
onde o deixarem os por um p o u co .” (O Lib eral Afogadense n.
2 de 1845).
Babuzeira — Trapalhada, confuzão, desordem ; parvoice,
asneira, tolice. “ Encher um pote de asneiras, com babuzeiras
de espan tar.” (A m erica illustrada n. 2 de 1877). “ Já tarda­
va que nas repartições de fazenda não apparecessem também
babuzeiras.” (Idem , n. 37 de 1879). “ Os actos dos homens de
hoje só exprim em babuzéira extravagan te.” (Lan tern a Magica
n. 210 de 1888). “ Os socios do Club de Esgrim a foram abo­
licionistas <je mãos cheias, tão cheias como os seus annuncios
de festas estiveram cheios de banalidades e babuseiras.” (O
Tam oyo n. 4 de 1890). “ E m fim chegou o dia da forrobodan-
cia, e fo i aquella babuseira na expressão da p a la v ra .” (A P i­
menta n . 36 de 1902).
Babylonia — P red io grande, espaçoso, com muitas accom-
modações: Esta casa é uma Babylonia!
Bacafusada — Embrulhada, confusão, misturada; desor­
dem, alteração, barulhada. “ Grande bacafuzada fez a rapazeada
no th e a tro .” (Lan tern a Magica n. 10 de 1882).
Bacalháo — Azorrague de couro crú, trançado ou re to r­
cido, <Je duas ou mais pernas. “ Instrumento de açoitar cap-
tiv o s .” (D ia rio de Pernambuco n. 223 de 1829). “ O carras­
co com um bacalháo, isto é, com um açoute de quatro pernas
de couro crú retorcido e presas só no cabo, açoutou a victim a
quatro v e z e s .” (A . J. de M ello ). “ A Antonio Rodrigues, h o­
mem pardo, mandaram os vencedores (os mascates) açoitar
com bacalháos.” (G uerra dos Mascates, 1710). “ O subdelega­
do mandou am arrar o homem em um carro no m eio da p o­
voação, e descendo-lhe as calças mandou descarregar-lhe tre ­
zentos açoites com um bacalháo.” (O Echo Pernambucano n.
4 de 1847). Bacalháo de porta de venda: Mulher demasiada­
mente magra, escaveirada, em allusão ao conhecidissim o p eixe
daquelle nome, que salgado e secco vem da T erra N ova, em b a r­
ricas, ou ein caixas, da N oru ega. M etter o bacalháo: D etractar;
diffam ar, bordoada de lingua. “ Quando vires tal burro fazer
echo, M ettendo o bacalháo na vida alheia. N ão perguntes que
67
é. é F e fe c o . ” (J. Barbosa Cordeiro, 1824). P 'r a quem é baca-
lháo basta: Qualquer cousa serve; não vale a pena encommo-
dar-se.
Bacalhoada — Certa com ida feita de bacalháo. Açoite,
golpe, pancada com o azorrague bacalháo. “ N o Caixa d ’oculos,
uma dose de capacidade, e nos mais seis bacalhoadas.” (O
Barco dos Patoteiros n. 24 de 1864).
Bacamarte — M ulher alta, robusta, de typo va ro n il; cou­
sa atoa, despresivel, que não presta; cavallo ordinário, pesa­
do, máo corred or. “ Nos prados não ha bacamarte alguem que
não tenha chamado para as algibeiras dos trib ofeiros o chum-
binho a lh e io .” (O Tam oyo n. 6 de 1890). “ Houve t r ib o fe ...
sempre os bacamartes na p o n ta .” (A Lanceta n. 153 de 1913).
Bacáno — Pessôa rica, sugeito endinheirado, em condi­
ções de ser roubado. (G iria dos gatunos).
Bacatéla — P reço ou custo baixo, insignificante, baratis-
simo, de uma cousa qualquer que se com pra. “ Tu qu e.és um
burro de marca, Só mereces uma sella; E isto te offertam os
Porque custa bacatéla.” (O Diabo n. 10 de 1883).
Bacóra ^— Chapéo de feltro, duro, de cópa arredondada e
baixa. “ Bastião fo i a Olinda. Passeiou na praia e viu toda
aquella gente alegre que banhava. T eve impetos de cahir
n‘agua e, de frack e bacóra atirou-se ao m a r ... Form igão usa
frak preto, bacóra da mesma côr, e bengala de v o lt a .” (Jornal
do R ecife n. 35 de 1915).
Bacorinha — Chapéo alto, cartola. “ Tem relogio, parado,
mais inglez, cadeia de double chaine de platina, e uma baco­
rinha nova e fin a .” (O Etna n. 28 de 1882). “ O que não as­
senta bem em cabeça de fidalgo janota é aquella bacorinha,
jaca, ou cousa que m elhor nome h a ja .” (O Diabo a quatro n. !.'8
de 1877). “ Esse fona quasi velho, usa de chapéo b a corin h a .”
(A Pim enta n. 64 de 1902).
Bacorinho — P orco novo, pequeno, cevado “ F ilh o de vac-
ca é bezerro, e de porco bacorinho.” (T ro v a s populares). “ A n i­
mal suino, bacorinho, cevado, ou p o r c o .” (O Sete de Setem­
bro n. 37 de 1864). “ Na cerca da ceva o bacorinho coinchava
atolado na la m a .” (C oelh o N e tto ). O vocábulo vem do portu-
tuguez bacoro, de iguaes expressões.
Bacuráo — A ve nocturna (C aprim ulgus), cujo nome vem
do seu p ro p rio canto que parece expressal-o: Baco, baco, ba­
curáo, repetidam ente. “ Bacalháo é p eixe secco, M oleque joga
pião. O bacuráo canta á noite. M eirinhg faz c ita ç ã o .” (A M ar­
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mota Pernambucana n . 23 de 1850). In divídu o que só sahe á
noite. “ Quem sahe de noite ás escuras faz vezes de b acu rá o.”
(Id em n. 44) . Phrases depreciativas ou de tro ç a : Bacuráo de
gaiola; bacuráo de igreja.
Badejo — Enthusiasta, animado, delicioso. “ F o i um a r­
rasta-pés badejo, hontem, no Club das Pás.” (Jornal do R e ­
cife n. 91 de 1914), “ O pessoal do solado do club carnavales­
co dos Apalasadores, passou num rem elexo badejo.” (P ern a m ­
buco n. 52 de 1914). O vocábulo tem curso nas Alagoas com
a expressão de mui grande. “ Que p eixe badejo” (T h eoton io R i­
b e iro ). Badejo é o nome de um p eixe da fam ilia dos gadidas,
semelhantes ao bacalháo, vulgar em Portugal e em Santa Ca-
tharína, onde ha mesmo uma ilhota, assim chamada (T es-
phauer), e assim ignoram os donde vem o vocábulo entre nós
com aquellas expressões.
Baêta — Este vocábulo vem nas phrases de sentido equi­
voco : Eita baeta, quem não sabe não se metta; Quem matou o
cão fo i o.B aeta; e nesta: Rom per as baetas, que quer d izer: E x ­
ceder-se com alguem, ex p lo d ir'e m desabafos, rom per, cortar as
relações: O Antonio rompeu as baetas com a M aria.
Bafàfá — Azafama, confuzão, agitação, reb o liço . “ N in ­
guém mais receios tenha de haver grande bafafá.” (Lan tern a
Magica n. 459 de 1895). “ Com a m orte do caixeiro andava
o b oticário num bafafá desesperador. ” (A Pim enta n. 30 de
1902), “ A orcbestra executou o signal para uma quadrilha.
F o i um bafafá dè todos os diab os. ” (Idem , n . 57).
Bagaçada — Cousa insignificante, sem valor, in util; re ­
botalho, com o o bagaço que fica da canna de assucar depois
de exprem ida na moenda e tirado o succo ou caldo, d’ oncíe
vem a dicção.
Bagaceira — Deposito do bagaço da canna nos engenhos e,
usinas de assucar. “ As escravas de que necessita a moenda
são sete ou oito, e outras finalm ente para botar fóra o b a ­
gaço, ou no rio ou na bagaceira, para se queim ar a seu tem ­
p o . ” (A . J. A n to n il). Boi de bagaceira: rouceiro, m arralhei-
ro, vagaroso, pachorrento, preguiçoso mesmo.
Bàgageiro — Cargueiro, alm ocreve; praça de serviço ou á
disposição de um o ffic ia l; gente que se contracta mediante sa
lario para acompanhar e conduzir a bagagem das tropas em
diligencia ou em iipobilisação de campanha. (A lv a rá de. P r iv i­
legio dos Auxiliaresj de 24 de N ovem bro de 1645). “ O bagageiro
que me acompanhava, declarou-se, ao v êr que desejava visitar

69
a gruta, que nem por todo <> f inheiro do mundo se avizinharia
daquelle lugar m aldicto.” (A lfre d o B randão). Vagaroso, ron cei­
ro, em perrado, re ta rd a ta rio . “ Menina que acorda tarde, Vai
ao banho e é bagageira Para ter um certo encontro. S’ tá c o r­
tada, é tr ib o fe ir a .” (O C orreio de Olinda n. 1 de 1891). Ca-
vallo bagageiro: máo corredor, bacamarte, sem cotação nos
prados de corridas.
Bagagem — Nas locuções: Andar ou estar na bagagem, en-
caiporado, atrazado, esquecido: Ficar na bagagem, atraz, re ­
tardado, marcando passo: Chegar na bagagem, tardiamente, p or
ultimo, fó r a de tempo. “ 0 Jornal do R ecife póde chegar na ba­
gagem, mas não quiz ainda entrar no trib ofe com o D iario
de Pernam buco.” ( A Lanceta n. 59 de 1890).
Bagaróte — D inheiro, a fracção de m il réis. “ Fique com
os duzentos bagarotes na algibeira, e viva a paz de M a ria .”
(O Barco dos Patoteiros n 29 de 1864). “ Cinco bagarotes
para a boneca já estão separados das econ om ias.” (P ern a m ­
buco n. 46 de 1914).
Bago — O mesmo que bagarote. “ Cincoenta bagos p or mez
para descompor a Deus e ao m u ndo!” ÍO Guarda N acional n.
132 de 1844). “ A natureza do n e go cio então mudou, e o re ­
sultado seria perder os bellos bagos.” (O Clamor Publico a .
82 de 1846). “ E xige muitos afagos, E outros quesitos varios,
P o r cento e cincoenta bagos, Sem haver e xtra o rd in á rio s.”
(Settas, Jornal do R ecife, 1910).
Bagre — P eix e de agua salgada, (Silurus carinatus, Le-
c e p .) de que M aregravi descreve cinco especies, em que f i ­
guram o Nhandia e o Guiraguçú, e Gonçalves Dias e Guiry-tin-
ga, bagre branco.
Bahia — Nom e que os vendedores ambulaptes dão á ma-
caxêra (M anihot a ip i); e assim, ou ouvil-os apregoar: Bahia!
Bahia!, já se sabe o que é.
Bahiano — Dança rasgada, lasciva, movimentada, ao (som
de canto proprio, com letras, e acompanhamento a viola e
pandeiro, e origin aria dos africanos, transform ação das suas
danças nacionaes como o maracatú e o batuque. D o bahiano,
muito em vóga ainda, principalm ente nos divertim entos e fo l­
ganças rustico-campestres, vem a musica assim chamado pelo
tom abahianado que a caracterisa. “ O bahiano é um pro-
ducto do mestiço, é uma transform ação do maracatú africa­
no, das danças selvagens e do fado p ortu gu ez.” (S y lv io Ro-
m ero ). “ Toca bem esta viola N o bahiano gemedô, Que o Ma-

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theus e o Fid elis São dois cabras dançado.” (D o auto popular
do Bumba meu b oi.) “ 0 tocador da viola Chama-se F elician o;
0 ’ que bello mulatinho Para dançar o bahiano.” (T ro va s
p op u la res).
Bahú — Confidente, depositário de um segredo. Aulete
consigna a phrase Sêr bahú de alguem como fam iliar, e com
aquellas expressões, não dando porem a negativa, na occur-
rencia da revelação de um facto qualquer, ou de um segredo
confiado: Não ser bahú de ninguém. Entre nós occorre ain­
da: Bahú grande, a casa; Bahu de quatro pontas, trouxa de
roupa de uso: Aquélle sugeito quando chegou aqui veio ape­
nas com a roupa do corpo e um bahú de quatro pontas, com
os seus muafos, enfiado no braço.
Baiacú — P eix e de agua salgada, da ordem dos Plectogna-
tas, das especies vulgarm ente conhecidas p or Baiacú-caixão
(O stracion quedricorais et bicadautus) e baiacú de espinhos,
havendo mais uma de nome desconhecido. Entre os indios ti­
nham as tres especies os nomes de Guamaiacú-apé, Guamai-
acúatinga (D id on punctatus C u y .) e Guamaiacúguará. F re i
V icente do Salvador descreve os peixes desta especie com o
nome de Majacús, concluindo: “ Tanto que os tiram fó ra d’a-
gua incham tanto, que de com pridos que eram ficam redon ­
dos como uma bexiga cheia de vento, e assim se lhe dão um
couce rebentam e soam como um m osquete.” Vem dahi, cha­
mar-se de baiacú a um sujeito inchado, gordo, e a um preteu-
cioso, cheio de ventos* de fumaças. “ Quando o typo se senta
num vagon parece um baiacú: estoura, não estou ra.” (A P i­
menta n. 66 de 1902). Baiacú ou maiacú, é uma corruptela
do tupi mbaê-acú, cousa quente, bicho quente. (T h eo d o ro
Sam paio).
Baié — Especie de porco que não cresce muito, de pés
curtos e que. prodigiosam ente engorda. “ Você com essas bo­
chechas de porco baié é capaz de illu d ir a m eio m u n d o.”
(O Barco dos Patoteiros n. 20 de 1864). “ O besta do gallego,
bebado com o uma cabra, ferrou no somno e roncava com um
porco b a ié .” (A Pim enta n. 36 de 1902).
Baile — Descompostura rasa, em plena rua, ou de porta
a porta, e geralm ente entre mulheres de má vid a . “ Des­
compostura grossa. Arm a branca das mundanas.” (J o rn al do
R ecife n. 91 de 1914). Dar, levar, tomar um baile. “ Olhe que
perdoamos, porque na occasião em que davam-nos aquelle
baile de elogios, de descompostura, ■exhalava tanto alcool que

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nos encommodou o orgão resp ira tó rio . ” A D errota n . 8 de
1883). “ Um dia, p or questões de ciumes, a bella coquette deu
um baile na irm ã da amasia do d ele g a d o .” (A Pim enta n. 12
de 1912).
Baita — O mesmo que badejo. “ Estupendo. Nunca visto.
M aravilhoso. F o i um successo baita.” (Jorn al do R ecife n. 91
de 1914). “ E o Pás não pesa pouco: é o mesmo um peso
baita.” (A P ro vín cia n. 52 de 1914).
Baixa — Campo de cultura do capim de planta para fo r ­
ragem dos animaes, em terrenos planos, baixos, húmidos, ou
á margem dos rios para fa cilita r a sua irrigação, e dahi a
denominação vulgar de baixa de capim, até mesmo o fficia l,
para a cobrança dos respectivo imposto m unicipal. “ Vende-
se dous sitios em S. José do Manguinho com grandes baixas
plantadas de capim.” (D ia rio de Pernambuco n. 95 de 1829).
“ José M anoel é proprietário de uma grande baixa de capim
em B e b e rib e .” (O Rebate n. 3 de 1883).
Baixada — T erren o baixo, plano, ou um valle pequeno,
ao. pé de uma lomba, ou entre montanhas. Aulete registra o
vocábulo com o particularm ente do Brasil. “ V ictorin o ficara
cahido na baixada, estorcendo-se nas convulsões da m o r te ...
Se quizer canna, vá cortal-a na baixada.” (F ra n k lin T a v o r a ).
Baixo — Andar curto, passeiro, do cavallo, e assim, de
vagaroso caminhar, e dahi cavallo b aixeiro.
Balabrega — Um typo ahi qualquer, in significan te; pan-
tom ineiro, charlatão, porcalhão. “ Os balabregas não foram
felizes nas suas m agicas.” (Lan tern a Magica n. 234 de 1888).
Balaço — Bala, corruptela talvez de balazio, que A u le­
te consigna como- term o fam iliar com as expressões de gran­
de bala, golpe de bala. Passar um balaço, desfechar um tiro .
“ Quando a gente menos espera, o balaço de um m alvado faz
do fe liz d esgraçado.” (O G rillo n. 2 de 1902).
Balaeiro — Vendedor ambulante de fructas, ovos e ou­
tros generos, em balaios presos p or cordéis ás extrem idades
de um pau ou calão, que carrega aos hom bros. “ O fio do
telephone que se quebrou na rua D ireita, alcançou o in d iv í­
duo José de tal, balaeiro, m orador no J iq u iá .” (Jornal do
R ecife n . 158 de 1914). “ N a casa, vivia m maritalmente, ha
annos, o balaeiro Manoel Jorge e a mulher Josepha de t a l. . .
Brincando E m ilia com um balaeiro que passava fo i pelo mes­
mo fe r id a .” (Idem , ns. 58 e 60 de 1915).

Balaio — Especie- de cesto feito de timbó, da casca da


folha do dendezeiro ou de outra qualquer substancia vegetal,
de tamanhos c form as diversas, e para differentes usos. Ba­
laio de costura, de compras no m ercado; um baiaio de ovos,
laranjas, etc. Tão bom é o balaio como a tampadôra. (P ro lo -
quio popular). “ Meu balaio de costura Tem um segredo no fun­
do; Queirer-me bem, quem despreso Querar-me mal todo mun­
d o . . . Balaio, meu bem, balaio, Balaio do coração. Quem ti­
ver o seu balaio Não saia com elle não, Que os rapazes são
travessos botam o balaio no c h ã o .” (F o lk -lo re Pernambuca­
n o) .
Balanceiro — In d ivíd u o encarregado do serviço de p e­
sar. “ Até o Baptista, balanceiro da Alfandega deu o seu fo r ­
robodó em Santo A m a ro .” (Lanterna Magica n. 430 de 1894),
Balandrau — Peça de roupa, comprida, a sobre-casaca
ou croisé, em allusão á opa ou balandrau dos irmãos da San­
ta Casa de M isericórdia. “ Uma carta pedindo que toquemos
fogo no balandrau do Sr. Austerliano. ” (Am erica Ulustrada
n. 34 de 1879).
Balde — Vaso de folha de ílandres á especie de cuba para
o serviço de conducção d’agua. “ O pobre olindense que com ­
prava um balde d ’agua por um vintem, vae com pral-o agora
por d ou s.” (Annaes da Assembléa Provin cial, 1877) “ Quan­
do o carregador punha o balde d ’agua á cabeça, succedeu o
mesmo c a h ir .” (D iariq de Pernambuco n. 76 de 1915).
Baldo — Especie de dique, ou barragem de terra, barro
ou alvenaria, que fórm a as paredes dos açudes para reprezar
as aguas e evitar o seu espraiamento nas eppchas em que
augmentam de volum e. “ O açude do L im oeiro ficou com o
baldo destruído, de modo a tornar necessaria a sua reconstruc-
ção” . (R ela torio das Obras Publicas, 1869). “ Um baldo ou re-
preza de terra, com cerca de 300 metros de extensão, susten­
ta as aguas do açude de V illa B e lla .” (Idem , 1880). Este v o ­
cábulo tem concurrentemente a variante Balde, si bem que,
menos corrente. “ O povoado do Campo Grande estava quasi
que sem communicação com a cidade, porque tanto im porta
a difficuldade que havia, não se querendo passar por dentro
das propriedades particulares ou pela eambôa da Tacaruna e
haldes dos v iv e ir o s .” (Idem , 1867).
Baleia — Mulher alta, gorda, pesada, vagorosa, indolente,
assim chamada em allusão ao conhecido cetáceo deste nome,
o m aior dos animaes. Os indios, porém, chamavam-nos Pyra-
ocú, Paraná-ocú póra, peixe grande, que vive no mar largo,
isto é, a baleia. (Gonçalves D ia s).
B alieira — Pequeno barco de quilha, com toldo, e m ovido
a remos, do serviço de repartições m arítim as. B alieira da A l ­
fândega, do C orreio, etc. O term o vem das embarcações des­
tinadas á peSca da baleia.
Balisa — Mala de mão, na giria dos gatunos; indivíduo
que vae á frente dos clubs ou troças carnavalescas, em ca­
briolas, empunhando uma especie de maça dourada, rem i­
niscências dos balisas dos antigos regimentos.
Bambá — “ Dança dos negros africanos, em circulo de
homens e mulheres, que cantam uma toada com o estribilho:
Bambá, sinha! Bamba querê!, ao som de palmas cadenciadas
em aplauso a um ou dous dos dançadores que, no centro da
roda, executam varios passos e figuras.’’ (M acedo Soares).
Vem da letra daquelle estribilho a denominação do bailado,
bem como o de Bambaquerê, com que tambem é conhecido,
segundo aquelle escriptor, desde a Bahia até Matto Grosso.
Aqui, em Pernambuco, não conhecemos dança alguma africana
com um ou outro nome; mas, que effectivãm ente existiu, em
outros tempos, apesar de apagadas as suas reminiscências,
com provam estes versos, estribilho de uma dança abahiana-
da, com toada própria, e que talvez assim mesmo desfigura­
dos, tragam a origem , entre nós, dos proprios dos Bambás a-
frican os: ô Bambá de lêlê, ê bambá de quero: Tanta moça bo-
bita, ô bambá, Mas não é p ’ra você.
Bambear — A ffrou xar, esmorecer, dim inuir em forças,
actividade, influencia, ardor, intensidade. O vocábulo vem,
naturalmente, de Bambar, tornar bambo, afroixar, que Au-
lete consigna com a nota de poucò usado.
Bambo — F azer uma bola, acertar ou caram bolar no jo ­
go de bilhar, mas sem as suas regras, e somente p or um aca­
so feliz, p or um Bamburrio, de que talvez venha o termo.
Bam boleio — Meneios, secudidelas, saracoteios no m axixe
e em outras danças lascivas. “ Aguenta, mulato, que o teu
bam boleio é gostoso com o o d ia b o .” (Jornal do R ecife n. 91 de
1914).
Bamburral — Gurruptela de bambual, floresta de bambus,
a taquaruçú dos indios, taquara grande, grpssa, a graminea
guada, que na phrase de Alm eida Pinto, poàe chamar-se o g i­
gante das gramineas. De bamburral veio o nome de um anti­
go engenho situado no m unicípio de Am aragy, onde hoje cam­
peia a usina do mesmo nome. “ O vaqueiro segue o gado no
disparo, e logo após elle rom pe os mais densos bamburraes.”
(José de A le n ca r). “ Lourenço tinha o espirito preso a certa

74
ordem de ideas que o envolvia como em cipoal, mais inestrica-
vel do que o enredo do bamburral por onde i a . ” (F ra n k lin
T a v o ra ). Moraes consigna Bamburral, lugar lenteiro, o r ha
herva de pasto; e Couto Magalhães dando o vocabu co­
mo de origem tupica, diz que quer dizer, matto ralo.
Banana — In divíduo m olleirão, palerma, p oltrão; gesto
o ffen sivo feito com a mão fechada.. “ Sinto certos entalos se
der-lhe banana ou fig a .” (A Pim enta n. 8 de 1902) .“ Recuando
um passo largo hom érico, dei-lhe p or despedida um adeus ba-
nánico.” (Id em n. 93).
Bananeira — Mulher, que só tem um filh o, como a bella
musacea deste nome que só dá um cacho. Bananeira que já deu
cacho, o p olitico ou um indivíduo qualquer, decahido, encos­
tado, sem im portância e prestigio algum. “ P erd id o o penna-
cho, sou agora bananeira que de ha muito já deu o cacho.”
(Lan tern a Magica n. 22 de 1888). “ Arreda, afasta, abandona,
E ’s bananeira de um cacho; Podes dar couces á roda Meu dou­
tor de b a rb ica ch o .” (Pernam buco n. 93 de 1914).
Bananeiral — Plantação de bananeiras (Musa paradisiaca)
dispostas em touceiras, a que os indios davam o nome de paco-
tyba, de onde, p or corruptela vem pacotuba, para designar a
pacoval, bananal bananeiral.
Banca bahiana — V . Bozó.
Bancar bicho — V ender pules do jogo assim chamado, e
pagar o prem io do bicho que bater, ou que der, de accordo
com a sorte grande da loteria fed era l. “ Em 1896, quando
iniciou-se o m aldito jogo do bicho, todo mundo queria ban­
car.” (A Pim enta n. 8 de 1901). “ Vendendo bicho no Cabo, T é
em Prazeres bancando, Se dá o c u jo ... de rabo, Mette quen-
gada, arribando. (Idem , n. 24).
Banda — Corrente do galé, na giria dos presidiários de
Fernando de N oronha. Não ter banda com ninguém; não res­
peitar, considerar, leva r em conta a pessôa alguma.
Bandalheira — Acção de bandalho, baixeza, infam ia; ar­
ranjo, patota, lad roeira. “ Toda a bandalheira está no Nabuco,
mais no M ad u reira.” (O Guarda N acional n. 131 de 1844).
Bandão — Porção, abundancia, quantidade avultada, gran­
de numero; Um bandão e um rumão de cousas bôas. “ A que­
bra do O liveirinha, de rapina fo i bandão.” (O Campeão n. 86
de 1862). “ De irmandades e sociedades recreativas, tem elle
um bandão de diplomas e cartas paten tes.” (A Pim enta n. 53
de 1903). “ Uma procissão com um bandão de gente tão gran-
de com o a dos Passos aqui no R e c ife .” (A Lanceta n. 110 de
1913).
Bandeira — Adulação, lisonja, engrossamento, muitas v e ­
zes descambando em baixeza e servilism o. “ A imprensa mais
sensata ás vezes deita bandeira.” (A Lanceta n. 46 de 1890).
“ O bom rapaz ficou cheio de vento, inchado com a bandeira.”
( A Pim enta n. 3 de 1902). D erivados: embandeiramento, em ­
bandeirar. Procissão religiosa, com ruidóso apparato, geral­
mente á noite, para o hastepmento da bandeira de um santo nas
proxim idades da celebração da sua festa. “ Eu já v i um certo
arraial uma bandeira destas, e julguei estar observando uma
dessas saturnaes dos antigos rom anos. ” (Lopes Gama, 1838).
“ Uma vez hasteada a bandeira, teve in icio a p rim eira n o ve n a .”
{J o rn a l do R ecife n.' 110 de 1915).
Bandeira da M isericórdia — “ A pessôa que faz os bons of-
ficios de medianeira, que, busca estabelecer a paz em qualquer
decidencia, já desculpando, já intercedendo, já im p lo ra n d o.”
(D r. Castro L a p e s ).
Bandeira ingleza — (Estar de) A mulher na epocha do
fluxo menstrual. Essa bandeira ingleza é a de com m ercio, que
é verm elha, e não a nacional ou real, que é branca.
Bando precatório — Cortejo civico, que percorre a cidade
solicitando donativos pecuniários destinados, em geral, ás vic-
timas de uma catastrophe ou calamidade qualquer. “ Assim em
1885 se chamou o que esmolou em b en eficio das victim as do
terrem oto na H espan h a.” (C . T esch au er). “ São d o b a n d o
precatorjo, Têm andado em p e d ito rio .” (Barbosa Y ia n n a ).
“ Façam igrejas mas com o seu dinheiro e o seu trabalho; fa ­
çam bandos precatórios, festas, bazares, carreguem pedras e ti-
jollos e demonstrem assim, a fortaleza de sua f é . ” (A rch iv o
Maçonico n. 86 de 1913).
Banga — V oz que não tem expressão própria, mas que é
empregada como que para accentuar uma phrase negativa ou
de desdem, de pouco caso: Já disse que não faço isto. Banga!
Que me im porta que faça ou aconteça? Banga! A dicção porem
figura nas locuções: Banga lê lê, de expressão equivoca; Banga
las cambangas (estar ou andar d e), desoccupado, sem o que
fazer, vadiando, na pelintragem ; é Banga la fumenga, in dica­
tiva de uma pessôa ou cousa de nenhuma im portância e va lo r:
uma festa, um poeta de banga la fum enga; um typo ordinário,
sem cotação, desclassificado. “ Na passeiata do D r. José Má-
riano, o que mais attrahiu a attenção publica, fo i um carro

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conduzindo uns banga-la-fumengas.” (O Binoculo n. 4 de
1881). “ Tem muita graça um Banga la fumenga, Que diz que
fo i agora allumiado, De cara feia, provocando arenga, P o r não
ser sempre coronel cham ado. ” (Lan tern a Magica n . 813 de
1905).
Banguê — M ovei grande, pesado, antigo, sem gosto e artfe;
os antigos engenhos de assucar, pelo p rim itivo processo, ao
ar livre, para os distinguir das modernas usinas, onde ha o re ­
curso ao vacuo, cujos productos tem mesmo no m ercado o qua­
lific a tivo de assucar de banguê. “ Os usineiros vão receber mais
de cem contos de réis, e nós bangüês, só vamos receber 500
réis p o r sacco de assucar.” (Lan tern a Magica n. 672 de 1901).
“ Os importantes engenhos X inxaim e Jaguaré, ambos com
bangüês bem m on tados.” ( A P ro vín c ia n. 178 de 1913). Ou-
tr ’ora, tumba, esquife, padiola de conduzir cãdaveres. “ Um
banguê a um canto, coberto com uma baeta preta, e apenas
alumiado p or üm bico de vela num ça stiça l.” (O Campeão n.
43 de 1862). “ Você tem barriga grande do tamanho de banguê;
Menina que historia é essa, Menina que tem v o c ê .” (A M ar­
mota Pernambucana n. 49 de 1850). São aquellas as accepções
do vocábulo entre nós, de quantas são conhecidas em lo ca li­
dades diversas. Agora, algumas particularidades a respeito.
E m m eiados do seculo X V III, como escreve L o reto Couto, ha­
via no R ecife um padre chamado o C lérigo do banguê, que ti­
nha p or missão acompanhar á sepultura os pretos defuntos,
africanos, negros novos, ou mesmo os crioulos, que não eram
irm ãos do Rosário, uma vez que estes tinham esquife proprio,
cqnduzidos pela. con fraria encorporada, de cruz alçada, e acom­
panhado do seu respectivo capellão. De uso geral, e bem as­
sim o vocábulo da sua designação, encontramos referencias a
respeito, na Bahia, em uma velha cantiga que com eça: N egro
Gege quando m orre V ai p ;ra tumba do banguê;” na cidade de
Januaria, em Minas Geraes, nestes versos-de uma chula corren ­
te: “ N egro mina quando m orre Vai na tumba de banguê; Os
fradinhos vão dizendo Aribú tem qui fa z ê .” Em fim , numa c i­
dade do in terior do Ceará, a Granja, nesta quadrinha popular
do tempo dà Balaiada, em 1840: “ O chimango quando m orre V ai
dentro de um banguê; Os urubú vão dizendo L á vai o nosso
cu m ê.” Tratando Varnhagén no seu F lo rilé g io das nossas m o­
dinhas antigas, refere-se á bahiana: Banguê que será de ti?
glosada p or G regorio de Mattos, por onde se vê que a dicção é

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antiga e remonta-se mesmo ao seculo X V II, uma vezi que aquel-
le poeta falleceu no R ecife em 1696. E ffectivam ente, nas suas
obras, !vem a glosa em questão sobre o titulo: D ialogo entre o
demonio e a alma, e Uá qual escreve, a não ser p or uma ficção
poética, que Banguê fôra um indivíduo que m orreu na flo r dos
annos, e a cujo espirito aconselha o dem onio: “ Canta, baila,
folg a e ri, Porque os que não se alegram . Dous infernos m ili-
ta ra m .” Quanto á origem do vocábulo, a nós como a muita
gente, nomeadamente S ylvio Rom ero, afigurava-se que ban­
guê era uma dicção exótica, de origem africana, introduzida,
com o tantas outras, pelos escravos im portados daquellas re ­
giões, e ainda em face do seguinte, que escreve Gonçalves V i-
anna, com a indicação da fonte origin aria da citação abonato-
r ia : “ Chambo é o mesmo que banguê, canhamo, na A fric a o ri­
ental. Fumam com delicia e soffreguidão o chambo, a que no
sul se dá o nome de banguê.” A lfre d o de Carvalho, porem, veio
dissipar todas as duvidas estudando o vocábulo na sua in te­
ressante monographia, Phrases e palavras, ficando assim ave­
riguado que é de origem asiatica, em face do seguinte trecho,
colhido da obra muito conhecida do capitão R ich ard F . Bur-
ton, The H ighlands o f the B rasil: “ Notando em S. João d ’El-
R ei, em Minas Geraes, a presença de uma liteira conduzida por
duas mulheres, e a lli chamada banguê, ensina o illustre philo-
logo e viajante que esta palavra deriva, ligeiram ente altera-
rada da industanica banghi, usada nas margens dò Ganges p ara
designar idêntico m eio de transporte. Que esta fo i a p rim ei­
ra accepção de banguê entre nós, não padece duvida; que o
vehiculo fo i directamente im portado da ín dia nos assegura
Varnhagen. O term o é pois asiatico e não a fric a n o .” F in a l­
mente assim se pronuncia Aulete, dizzendo que banguê é liteira
rasa, coche de coice, na ín d ia .
Banguéla ou banguélo — Desdentado na frente, “ Não póde,
leva r arrocho Leão do N orte banguelò e coxo.” (Lan tern a M a­
gica n. 511 de 1897). “ Ao Euclides, banguelo, dou com bate.”
( A Pim enta n. 58 de 1902). “ Quebaram-se-te os dentes na in ­
vestida, E hoje, triste, apanhado, confundido, N ão passas de
uma vib ora banguela.” (O Estado de Pernambuco n. 96 de
1914). O vocábulo vem do costume que tinham os escravos
africanos oriundos do rein o de Banguela, situado na A frica
Occidental, de arrancar os dentes in cisivos das crianças, em
tenra idade, como igualmente fazem os australianos, ficando
assim desdentados, e conhecidos p or banguelas, não somente

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por tal circumstancia" como pela sua procedência: um negro
banguela.
Banha de cheiro — O mesmo que Agoa de colonia.
Banha de soldado — Agua.
Banheiro — Barraca tosca, de madeira ou palha de co­
queiro, á margem dos rios ou do mar para uso de banhos.
“ Hontem tivemos barracas, mas que lá no meu R ecife eu clas­
sifico de banheiros para banhos salgados.” (A Pim enta n. 1 de
1902). “ Desappareceu de um banheiro em Apipucos uma cruz
de ouro com uma volta grossa .” (O Cruzeiro n. 183 de 1829).
“ Vamos p’ ra casa prim inho, Diz apressada a vestir-se: Neste
banheiro visinho Tem gente que está a r ir -s e .” (O s banhos de
C a x a n g á ).
Banhista — O que dá banhos em uma estação balnearia,
no litoral, como conhecedor, da localidade e bom nadador
e assim inspirando confiança aos que se entregam ao seu servi­
ço. C yrillo Alves da Silva popular banhista, das praias de
Olinda, quem retirou do mar o corpo do m allogrado D r. Ben­
to A m érico” (Jornal Pequeno n. 249 de 1915).
Banho — Carão, reprimenda, admoestação severa: Dar,
levar, tomar um banho. Banho de Assento; semicupio; Banho
de santo; lavar o corpo com uma toalha m olhada; Banho p er­
dido tomado de pé, despejando agua sobre a cabeça; Banho sec-
co; aspirar por algum tempo o ar salino do m ar; Banhos de
igreja; casamento, de grandes virtudes para a cura do hyste-
rismo das moças. “ Antigamente receitavam para as hystericas
banhos de igreja; agora a salvação está nos banhos do m ar.”
(Lan tern a Magica n. 208 de 1887). “ Para evitar-lhe o desvario
D iz o bom velho vigá rio : Dê-lhe banhos de igreja.” (A Pimenta
n. 3 de 1902). “ Não sejas com o eu tão resgu ardada... Olha,
o banho ‘das igrejas é cousa bem cobiçada.” (Lanterna Magica
n. 703 de 1902). A locução vem de banhos, proclamas de casa­
mento. Banho de chuvisco: o que se toma recebendo a agua
por um crivo ; Banho de passarinho, ligeiro, curto, breve, en­
trar nagua e sair.
Banja — Basca, partilha, machadinha, quota parte que ca­
be a cada indivíduo numa partilha de lucros. “ Certo sub-de-
legado vai na banja dos bagos que o carcereiro manjuba.” ,0
Postilhão n. 8 de 184(3). “ O P ixote cai na banja, Que não íc
fora desdouro.” (O Papa-angú n. 3 de 1846).
Banqueiro — O perário dos antigos engenhos de assucar,
immediato do mestre da fabrica. “ O mestre do assucar ganha

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todos os djas 640 réis e o banqueiro 320 r é is .” (L o re to Couto).
Individuo que banca nos jogos de parada e de bicho. “ Nesta
quadrinha te espicho, Para te v er colocado Como banqueiro de
b ich o” . (E strellas de Junho, R ecife, 1916).
Banzar — Estar pensativo, preoccupado, andar á toa,
desatenciosamente, sem destino certo, desorientadamente. D ic­
ção de origem africana, vem do verbo Cubanza da lingua bun­
da ou angolense, que sign ifica pensar, segundo Capello e Ivens,
citados p or Beaurepaire Rohan, que accrescenta; Parâ quem
conhece bem a expressão deste veFbo, é elie mui expressivo,
e não lhe reconheço equivalente na lingua portugueza.” Ma­
cedo Soares, porém, diz que vem dò congo banza, pensar,
considerar, e talvez scismar. Seja como for, o vocábulo já ti­
nha curso entre nós no século X V II, com o se vê, deste versos
de GreSorio de Mattos: “ Inda assim eu não soubera O como
tens trastejado Na banza dos meus sentidos.” “ E banzando
e pateta, e todo m olle.” (A Carfança n. 56 de 1846). “ Gemo,
suspiro e dou ais, Banzo, cuido é entresteço.” (F o lk -lo re p er­
nambucano). “ O Barretto andou banzando pelas ruas e pelos
campos.” (C lodoaldo de F reita s).
Banzé — Discussão acalorada, alteração, bate-barbas; a r­
relia, barulho. Banzé de cuia, que acaba trovejan do o pau.
Banzeiro — M olleirão, indolente, inactivo, descuidado; sem
vida, energia, acção. “ Banzeiro como. orelhas de c a c h o rro .”
(O Papa-angú n. 2 de 1846). “ Uma administração banzeira e
frouxa ia levando a nossa bella p rovin cia de Pernam buco ás
portas do abysmo.” (O Vapor do R io Form oso n. 17 de 1857),
“ Semana destemperada, sem pimenta e sem limão, vai correndo
banzeira.” (O G rillo n. 2 de 1901). “ A semana fo i pacata, m ol­
le, banzeira.” (A Pim enta ii. 549 de 1907).
Banzo — M olle, triste, pensativo, pasmado. Teschauer re ­
gistra este termo com o propriam ente pernambucano, com a-
quellas expressões, e o rigin ário do Kim bundo.
Banquára — O mesmo que babaquara. Rohan consigna
este vocábulo como o rigin ário de Pernambuco, e com a expres­
são de experto, diligente, sabido: José é um baquara que se
sahe bem de tudo aquillo que emprehende; concuindo: Não
encontro este vocábulo no DiccioTnario portuguez-brasiliano; e
nada posso aventurar sobre a sua origem . Em guarani Baquá,
synonim o de Cabaquá, tem diversas significações, todas ellas
no sentido de activid ad e. Assim é que uma phrase em que figura
este vocábulo é traduzida do seguinte m odo: con sus porfias
alcanço de mi lo que quiso (M on toya), o que está tle accor-
do cora o. sentido que lhe dão. em Pernam bu co.
Barata — Mulher devota, beata, papa-missa, que não sae das
igrejas, e em geral, velhas mal arranjadas, cavillosas, repel-
lentes. “ Velha de lenço é barata.” (O A lfin ete n. 10 de 1890).
“ Na ordenação de tres ou quatro form igões na igreja de S.
Pedro, houve uma profusão enorme de baratas.” (O Diabo
a quatro n. 90 de 1877). “ A festa que houve na igreja do Rosá­
rio fo i uma exposição de baratas, quasi em sua totalidade.”
(A m erica Illustrada n. 29 de 1882).
Barávo — P o r bravo, com a mesma expressão de applau-
so, enthusiasmo, concordância, assentimento; assim pronuncia­
do, ou com a variante bravô. Ora barávo! Quem tem cabello
pichaim cheira a jasmin; quem não tem cheira tambem; Bara-
vo china! Quem não sabe lêr não se assigna. (D ictad os). “ O
p ovo do ora baravo larga-se para a sala das audiências, e a lli
qualquer dos juizes de d ireito arranja o eu recebo a vós.”
(Lan tern a Magica n. 468 de 1895). “ Ahi, Maricas, meu anjo!
B aravos! que perna grossa!” (Id em n. 492 de 1896). “ In teira ­
mente espiritualisado, poz-se a dizer palavras, e que pala­
vrões! Ora Ora b aravos!” (Idem , n. 4 de 1882).
Barbatão — O boi bravio, amontado) e ainda não marcado
com o fe rro da fazenda. “ O gado barbatão nascido no matto,
ou amontado, ou fugido das fazendas.” ( José de A len ca r).
“ Tenho corrido muito gado N ovilh ote e barbatão Nos carras­
cos e r e s tin g a s .... Fui bezerro, fui garrote, Capado em b ar­
batão Garrote de ponta lim pa Se trata p or barbatão.” (V e r ­
sos sertanejos). “ Não atino com a etyinologia deste vocábu­
lo, escreve Alencar, que se não genuinamente cearense, veio
provavelm ente da ribeira de São Francisco (P ern a m b u co ). N e­
nhuma analogia tem elle com o termo baguá que no sul desig­
na cavallo, e não sei se tambem o boi amontuado. Póde ser
que barbatão não passe do augmentativo de barbato, para sig­
n ificar o longo e denso pello do gado criado no matto. Não
seria desarrasoado tambem deriva-lo de brabo, variante rús­
tica de bravo. Neste caso o augmentativo se afastaria da fo r ­
mação gram m atical; mas destes solecissimos ha muitos exem ­
plos no dialecto popular.”
Barbudo — P eix e de agua salgada, de escamas,.
Barca — Grande embarcação de pasageiros c carga do al­
to S. Francisco, movidas a varas ou remos, e conduzidas por
pilotos práticos e perfeitos conhecedores do rio, seus can-
naes, cachoeiras e pedras que difficultam a navegação. Va-
riain estas embarcações de 60 a 100 palmos de extenção s o ­
bre 12 a 16 de largura, com fundo de prato, tendo algumas dei-
las um toldo na pôpa, coberto de palha ou capim, ou mesrúo
de madeira, com janellas e portas envidraçadas, para alojamen­
to dos passageiros. Fernando H afeld, que dá uma minuciosa
noticia descriptiva destas embarcações, menciona uma deno­
minada Nossa Senhora da Conceição da Praia, com 112 palmos
de com prim ento, largura proporcional e 8 de fundo, consigna
esta curiosa particularidade: Cada embarcação leva comsigo
uma boziaa de chifre, concha grande marilima, ou feita de
folh a de Flandres, não só para annuciar a chegada quando
aproximam-se a qualquer porto, mas tambem para se cum pri­
mentarem entre si na occasião de encontro, sendo estabelecido
e observado com todo o rigo r certa superioridade, de sorte
que as canôas e ajoujos devem salvar as barcas, porem estas
soberbamente passam por ellas e não respondem; as barcas
entre si se salvam reciprocam ente, bem como as canôas e ajou­
jos entre si observam a mesma cerim onia; em fim é uma a l ­
gazarra que os barqueiros acham mui agradavel.” Trata em­
fim da barca de passagem do Joazeiro, em Petrolina, uma barca
grande de vela, para pasageiros, carga e tranporte de gado. D e­
rivad o: Barqueiro: a gente de tripulação e serviço das barcas
do rio de S. Francisco. “ Ingrato barqueiro, Não sejas asism;
Vem cá nesta barca Tem pena de m im.” (O Diabo a quatro
n. 117 de 1878).
Barcaça — Pequeno barco de navegação costeira, de trans­
porte de generos diversos entre os portos do estado e outros
dos visinhos, com um ou dous mastros, fundo de prato, ar­
mação de cavernas, camorotes internos na prôa e pôpa, com
escotilhas de descidas, para alojamento da tripulação, cober­
tura, e embonos lateraes, de páo de jangada, para manter o
seu equ ilib rio em marcha. M ovida a velas no mar, e a varas
á entrada e sahida dos portos, constitue um genero de embar­
cação só conhecida desde o Ceará até uma certa parte do lit-
tora l da Bahia. A noticia mais remota da barcaça entre nós,
consta do ataque do forte do Cabedello, na Parahyba, em 1634,
accommettido por uma esquadrilha de sete navios e seis bar­
caças, expedida do porto do R ecife para semelhante fim. “ A3
barcaças em Pernambuco, escreve Alves Camara, tambem
concorreram como as jangadas do Ceará, se bem que diversa­
mente, para a emancipação do elemento servil. Ellas deram
pasagem daquella para esta província a centenas, ou milhares
de escravos fugidos, escondendo-os no porão p or entre a car­
ga para assim livral-os, da acção da policia, tornando-se des-
taform a uma ponte fluctuante entre as duas províncias, por
onde se estabeleceu uma corrente de em igração. P ara isso mui­
to concorreu o Club Abolicionista Cupim, nome este que tam­
bém serviu para baptisar uma pequena barcaça, que fo i apres-
sentada como sym bolo da redempção nas festas, que houve
p or occasião da libertação dos escravos do b airro do R ec ife .”
D erivado: R arcaceiro: mestre ou dono de barcaça.
Baroneza — Especie de alga, planta aquatica, dicotyledo-
nia, da fam ilia das Nympheaceas, de bellissim a flo r ro^o-
purpura, que na estação invernosa cobre os alagados, e des­
ce ás enchentes dos rios, form ando no seu transito extensos
lençós de um bellissim o verde-purpura. “ A aguas do Capiba-
rib e passavam velozes, muito turvas, arrastando baroneza.” (O
Estado de Pernambuco n. 28 de 1914). “ A cascavel apparece
pelas grandes enchentes conduzidas nos bancos de baroneza ou
agua-pés, planta aquatica que, como ilhas fluctuantes, o rio
arrasta nas suas aguas revoltas.” (A lfre d o Brandão).

Baronista — P artido politico, que pelos anos de 1840 se­


guia a orientação do seu chefe o Barão da Bôa Vista, vindo
dahi a sua denominação. A lv o das chacotas dos adversários,
e assim, cantado em prosa e verso, è dessa epocha um lundú
que com eça: “ Mandei fazer um balaio Das barbas de um ba­
ronista, Para enbarcar no balaio, Meu bem, Daqui para a Bôa
V ista.” Pelos annos de 1846 teve o partido a denominação de
Saquarema, até que os liberaes, em represalia de os chamarem
de Praeiros, deram-lhe o qu alificativo de Guabirú, que p re­
dominou. com o do Conservador, até o seu desaparecimento
e m . .. 1889, com advento da republica.
Barra — Brioso, audaz, destemido, respeitado: Chegou a
b arrai A dicção é tambem, equivalentem ente conhecida na gi-
ria portugueza. T h eoph ilo Braga escreve a respeito; “ Homem
valente, na linguagem p rovin cial, acha-se empregada p or Luci-
lio na form a de bárra no sentido de homem g ro s s e iro .” Peça
de fazenda, larga ou estreita, que guarnece em volta o extre­
mo da saia do vestido, do mesmo tecido, ou õ iffe ren te. “ M eni­
na de saia branca Sapateia no tijo lo ;; A barra do seu vestido E ’
prata, parece ouro.” (T ro va s populares).
Barraca — Tapar, encher de barro a armação, construc-
ções de madeira e panno, levantadas nos pateos das igrejas de
arraial na epocha das suas festividades religiosas, e onde se
vende bebidas, bolinhos, sorvetes, quinquilharias e outros ge-
neros: As barracas ou barraquinhas de Santo Am aro. “ A b ar­
raca Independeneia tem de bom o mamulengo.” (Lan tern a Ma­
gica n. 515 de 1897). Especie tenda, tambem assim ligeiram en ­
te construida e levantada nas estradas ruas e praças dos su­
búrbios, de uma pequena m ercancia de bebidas, café, pão, c i­
garros e outros generos. “ A victim a para manter-se, tem ar­
mada, num sitio p roxim o á ponte do Maduro, uma barraca,
onde vende café e comidas fr ia s .” (Jorn al Pequeno n. 139 de
1915). Vem dahi o nome de barraqueiro dado ao dono de taes
barracas. Eu me avacalho com as besteiras dõ João P atricio
barraqueiro na E n cru zilh ad a.” ( A Pim enta n. 16 de 1914).
Tenda, ou vistoso pavilhão levantado nos campos de corridas
de Cavalhadas, os nossos tradicionaes torneios hyppicos, e on­
de, terminadas as justas, se recolhem os cavalleiros, os juizes
e o u tra s. pessoas em ruidoso rep a sto. O vencedor do p relio
ganha a barraca, e é o barraqueiro, isto é, o am phitryão da
festa.
B a rra c ã o '— Casa de negocio de generos diversos, p rin ci­
palmente molhados e fazendas, de ligeira construcção, de m o­
do a ser facilm ente desarmada e levantada de novo, acompa­
nhando assim ao serviço de construcção de uma estrada de
ferro, fabrica, exploração e trabalhos outros, proporcionando
deste modo ao pessoal de operários todos os recursos neces­
sários. “ Comia, mooó, préa, Sem dever no barracão.” (C a n ­
cion eiro do N o rte ). De um destes barracões, levantado em
Santo Am aro das Salinas, quando se construía o caminho de
ferro, originariam ente de R ecife a Nazareth, é que vem o nome
do povoado Barracão, alli situado.
Barrado — Enganado, errado, illu d id o: V ocê p ’ra mim
vem barrado. “ Eu que contava refrescar o frade, sahi barrado,
porque Salomão metteu-me o pau pelas costas.” (A Pim enta n.
540 de 1907). “ Tendo-se barrado o experto retiro u -se.” (J o r­
nal Pequeno n. 214 de 1914).
Barragem — O mesmo que baldo. “ O baldó ou barragem do
açude será de barro, assentado em terreno solido que a lli se
encontra pouco abaixo do n ivel do solo.” (Açude de Alagôa
de Baixo. Annexo ao R elatorio das Obras Publicas, 1880). “ O
açude de Garanhuns consiste em uma pequena bacia form ada
por uma baragem de terra.” (Idem , 1871). “ A barragem do

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açude de Caruarú é de alvenaria de pedras, nada havendo a
temer das cheia^ (Idem , 1880).
Barranca — Górte ou quebrada escarpada á margem dos
rios, guarnecendo assim uma grande ou pequena extensão da
corrente.
Barrão — P orco inteiro, de lançamento; reproductor ou
pae do lote nos campos ou fazendas de criação de gado suino;
homem concupiscente, lascivo, voluptuoso, fem ieiro. Moraes
registra o term o barrão e apezar de o dar como vulgar e mais
usual entre nós que o de varrão, de que é corruptela, manda
a este vêr, que define: P orco não capado, para fecundar as p o r­
cas de criação, como assim vem em outros lexicons.
Barrear — Tapar, encher de barro a armação de m adei­
ra de uma casa de taipa; revestir ou rebocar de barro lima
parede.
B arreira — Córte alto, escarpado ou não, á margem dos
rios ou riachos, de mais ou menos extensão: Barreiras grandes,
á .margem septentrional do rio Goyanna. “ O meu riacho só
enche Com aguas na cabeceira; Cada neblina que cai, Dá de
b arreira em b arreira.” (V ersos de d esafio). Sopé das colinas de
argilla, escalvado e caprichosamente cortado, ferid o, pelas
aguas que descem do alto: as Barreiras de S. João, em Olinda.
Posto de cobrança do imposto de pedágio. O art. 25 da L e i
P ro vin c ia l n. 9 de 1835, determ inou o estabelecim ento de b ar­
reiras nas estradas publicas para a cobrança de passagem ou
trânsitos, destinado ao melhoram ento e conservação das mes­
mas estradas, pontes e aberturas de cannaes, o qual fo i assim
mandado executar pela le i orçam entaria de 1839: T axa das
pontes da Magdalena e dos Carvalho, e das que para o futuro
forem estabelecendo, pagando vinte réis cada cavalleiro, e o
mesmo cada boi ou cavallo; e oitenta réis cada sege, carro ou
carroça. “ O cobrador da B arreira ou Manguinho não deixou
passar o vigário, que acompanhado do seu acolito conduzia o
V iatico a um enferm o sem pagar a im portância do pedágio dos
respectivos c a v a llo s .” (O Barco dos Traficantes n. 31 de
1858).
Barreiro — Lugar de onde se tira o barro para o fab rico de
tijolos e telhas, obras de ceramica, de pedreiro, e usos diversos.
“ Subindo o rio fica o engenho chamado Barreiros, que quer
dizer sitio onde ha muito barro, e ahi se costuma cozer mui­
tos vasos e telhas para a coberta de casas.” (E lias Herckman,
1639). P oço de agua potável, sem o revestim ento de paredes,

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como as cacimbas. “ Em alguns pontos viam-se fundas cóvas,
algumas das quaes se converteram em barreiros onde as chu­
vas deixavam aguas estagnadas.” (F ra n k lin T a v o ra ). “ Com
as ultimas chuvas o barreiro tran sb ord ou .” (D ia rio de P e r ­
nambuco n. 161 de 1916).
Barretada — Homenagem manifestação de agrado, obsé­
quio, gentileza e distinções a alguem, para assim, lisonjeada
e captivamente conquistar a sua consideração e bôas graças.
Dar uma barretada. Mas, se nisto entram elementos estra­
nhos de que abusivamente se lança mão, vem dahi dizer-se
Dar uma barretada com o chapéo alheio, ou concurrentemen-
te. Fazer cortezia com o chapéo alh eio. Um cumprimento
intimo, expressivo, affectuoso, rasgadamente expansivo fe i­
to. com *o chapéo, distinguindo-se assim de um cortejo cere-
monioso, respeitoso. “ Oh! que zumbaias, que barretadas, que
cortezias, que os eleitores recebem nos dias proxim os ás e lei­
çõ e s !” (A Carranca n. 42 de 1842). A dicção vem do antigo
uso do barrete, simples, de estofos ordinários, ou luxuosos,
como os de velludo ou sêda, e até mesmo publicamente usados
pelos ecclesiasticos emquanto não tiveram prohibição d ioce­
sana 'em 1734; e dahi, nos tempos coloniaes, e de caracter
geral, as chamadas E leições de barrete, para vereadores e ju i­
zes ordinários dos termos ou municípios porque cédulas da
votação eram recolhidas em um barrete, e das quaes, ainda em
1822 faz Caneca mensão nos seus e scrip to s.” 2 de Julho de
1746. Eleição de barrete para um vereador de Fortaléza sa-
hindo p or mais votado o capitão-mòr Francisco da Silva Coe­
lh o . ” (C hronica do C ea rá ).
B arriga — Interesse, insaciavel ganancia, deshonestidade;
falta de escrupulos, b rio e caracter; o sacrifício de tudo pelo
bem-estar e conveniências próprias, segundo os princípios de
que — Os meios justificam os fin s; Tudo é licito, comtanto
que se consigam os fin s. Elevada a Barriga á altura de um
principio, e divinisada mesmo, escrevia assim um period ico do
R ecife, em tempos idos, os seguintes conceitos em uns versos
hum orísticos: “ Viva, viva o Deos-Barriga Venerado no B ra­
s i l . . . O seu culto é tripa c h e ia !... Quem adora o D eos-Barri­
ga, Lam be o chão, porem não p e c c a ... V ive alegre, o mundo
é seu .” (A Carranca n. 15 de 1847). E um outro p eriod ico se­
cundava depois: “ Jurára pelo D eos-Barriga acabar com a guer­
r a . . . porque nesta bòa terra do progresso barrigudo os la ­
drões tem p r iv ile g io .” (O Barco dos Patoteiros n. 84 de 1886).

86
“ H averá p or ahi quem duvide que o nosso mundo p olítico é
governado pelas necessidades da b a r r ig a ? ... A p olitica da
barriga é uma grande realidade, e a mais sabia, proficua e se­
gura de todas as p o litica s . . . A alma de todos os ganhadores
politicos está na barriga.’* (O Campeão ns. 22, 25 e 26 de 1861).
“ Entre a patria e a barriga Colloquei minha am bição:
A patria que leve o diabo, Mas a barriga, isto n ã o .” (L a n te r­
na Magica n. 508 de 1896). “ B arriga: Fonte do p a triotism o.”
(Idem , n. 52 de 1897). De tudo isto vem q conhecido Patriota
de barriga, de obvia expressão. Gravidez, parto: A p orqu i­
nha teve oito bacorinhos nesta barriga. “ Vende-se uma escra­
va, parida, da prim eira barriga, p roprià para criar. (D ia rio
de Pernambuco n. 120 de 1829). Bôa barriga: a m u lher de côr
que tem filh os alvos e de bons cabellos. Barriga de ítimtim:
volumosa, inchada. Ditados populares: D or de barriga não
dá uma só vez; B arriga inchada não é fartura, p elle de carne
não é gordura; Barriga cheia pé dormente, vou p ’ra cama
que estou doente: Estar com a barriga dando horas: com f o ­
me; Estar com a barriga pegada no espinhaço: muito m agro;
Estar com a barriga á, bocca: perto do parto.
Barrigada — Nas phrases: Dar barrigada, fraquejar, es­
m orecer; fazer feio, asneiras e tolices; mostra-se pusilânime,
recuar, correr. “ Ora Sr. Nabuco; os seus correligion ários es­
tão dando barrigada.” (O Guarda N acional n . 132 de 1844).
“ Nunca dei barrigada, como estão dando os moços d’a g o r a .”
(O Carapuceiro n. 21 de 1847). “ Ora Sr. K e lly ! para que
Vm c. veio dar barrigada em Pernam bu co?” (O Guarda N a cio ­
nal n. 23 de 848) . “ Os tutús que metteram na cabeça do p re­
sidente da província, fizeram -no dar grandes barrigadas. ”
(O Patuléa n. 10 de 1850). Não sêr de barrigada: de se não
leva r em conta, caçoar, zombar, não se respeitar e tem er.
“ Eu que não sou de barrigada, persegui-o atrozm en te.” (O
Vapor dos Traficantes n. 227 de 1860). Tom ar barrigada: de­
bicar galhofar, encarnecer, troçar. “ O Bôa Vista desta vez
tomou muita b a rrig a d a .” (O Guarda N acional n. 131 de
1844). “ Andavam de cabeça levantada, tomaram barrigada,
mas agora andam de crista cah ida. ” (Lan tern a M agica n. 233
de 1888).
Barrigudo — O mesmo que barriga. “ Berna ven tu radoQ S
barrigudos, porque delles é o rein o da p apan ça.” (A m erica
Illustrada de 15 de Junho de 1873).
B arriqu eiro — O perário que faz o serviço de refa zer as
barricas de farinha de trigo, ou do reino, como é vulgar, Ti-
cando assim um pouco menores, e em geral, destinadas á ex­
portação de assucar branco: Uma officin a de barriqueiros. “ O
barriqueiro Julio de Andrade quando trabalhava nos misteres
de sua profissão, feriu-se num dos p é s .” (Jornal do R ecife n.
306 de 1915).
Barroca — Pequena cavidade na parle in ferio r do quei­
xo, ou nas faces, sendo estas permanentes, ou formadas por
occasião do riso. As barroquinhas na mulher constituem um
predicado de belleaa e graça. Em um dos cânticos dos nossos
presepios ou pastoris retratando o Deus-menino, figuram estes
versos: “ Barroca na barba, E nas bocliechinhas, Que ao riso
se abrem T ão engraçadinhas.”
Batatão — Perna grossa, bonita, bem contornada.
Batatas — Na phrase despreeiativa de Mandar plantar ba­
tatas, como expressões de desdem, enfado, aborrecim ento, des-
preso; e nesta locução in terjectiva: Bôas batatas!, na occur-
rencia de uma toleima, asneira, descahida, ou absurdo, e ex-
travagancia de uma idéa 011 conceito. “ Ora que sempre te
conheci com bôas batatas!” (A Sentinella da Liberdade n. 1
de 1847).
Bate-barbas — Disputa, contenda, altercação; discussão
acalorada, exaltada. “ O Tunda-Chumbe chegará ao ponto onde
se dera o vehemente bate-barbas.” (F ra n k lin T a v o r a ).
Bate-bate — O mesmo que bate-barbas. “ Elles se enten­
dem no seu bate-bate de ajuste de contas. (Lanterna Magica
n. 195 de 1887). “ Fiquei um pouco espantado com o bate-bate,
e depois do susto passado fui dar um p asseio.” (A Pim enta n.
405 de 1906). Bebidada feita do succo do maracujá, aguarden­
te e mel de abelhas.
Bate-bocca — O mesmo que bate-barbas e bate-bate. “ A
propaganda eleitorál continua a fazer 0 prato do dia lá pelo
Congresso N acional. E ’ o que na linguagem popular se po­
deria chamar 11111 verdadeiro bate-bocca. ” (Lan tern a Magica
n. 736 de 1903). “ Ora que bate-bocca por causa do orçam en­
t o !” (Idem , n."*764 de 1904). “ N o inquérito littera rio houve
uma bôa parte - consagrada aos bate-boccas e falatoriòs. ”
(Idem , n . 802 de 1905).
Bater a bota — M orrer.
B ater a linda plumagem — Fugir, azular, desapparecer,
pôr-se ao fresco. “ Bateram a linda plumagem as ciganas da
rua das T rin c h e ira s .” (A Pimenta n. 487 de 1906).
Bater-bandeira — Capitular, render-se dar-se p or ven ci­
do, submetter-se. “ O Club botando a procissão na rua fez
uma chacina, e o governo que tem medo de sangue, vae a ba-
ter-bandeira.” ( A Lanceta n. 20 de 1890).
Bater o pinho — T ocar viola . “ Em menos de um quarto
de hora bateu o pinho e rompeu o sam ba.” (F ra n k lin T a v o ra ).
“ Num compasso bem medido Estão no pinho a bater.” (R o-
dolpho T h e o p h H o ).
Baticum — Barulho, ruido, sussurro; falatorio, vozeria,
conversa animada, discussão acalorada. “ O’ de casa? Apenas
estas palavras resoaram dentro, os m oradores fizeram uma
pausa e o baticum cessou.” (F ra n k lin T a v o r a ).
Batida — Pegadas, pisada, rasto: Seguir a batida.
Batocada — Calote, espiga, facada; máo negocio, prejui-
so: Tom ar ou levar uma batocada. “ Receioso de alguma bato­
cada, quero pôr-m e em salvagu arda.” (O Barco dos Patotei-
ros n. 4 de 1864).
Batucar — Ralhar, atucanar, azucrinar; im pertinentem en­
te insistir num pedido, numa pretenção; m artellar, barulhar,
fazer bulha; gritar, cantar aos berros, tocar mal um instru­
m ento; dançar o batuque. A visinha leva todo o santo dia a
batucar no piano, “ Como uma rem iniscência dos tempos de
antanho, o pessoal do batuque batucou com gosto a noite in ­
te ir a .” (Jornal do R ecife n. 53 de 1914).
Batuque — Sussurro, vozeria, altercação; berreiro, bulha,
barulho, e dahi a locução Batuque de cuia, que já vem de lon ­
ge, como a encontramos, servindo de titulo a um artigo pu­
blicado no p eriodico A Sentinella da Liberdade no seu n. 16
de 1848. Dança africana ao estrepito de instrumentos de p e r­
cussão. O pessoal do batuque batucou com gosto a noite in ­
t e ir a .” (Jornal do R ecife n. 53 de 1914).
Bêba — Bebedeira, carraspana: Tom ar uma bêba; Debaixo
de uma bêba medonha.
Bebaça ou bebaço — Individuo que bebe muito, beberrão,
ou que habitualmente se entrega ao v ic io da embriaguez. “ A
alegria em mim será insana vendo a meu lado todos os be-
b aças.” ( A Pim enta n. 29 de 1901). “ Estou, le ito r amigo, que
não valho da bolça de um bebaça nem um tu sta.” (Idem , n.
43 de 1902). Oh! meu Deus! Livrae-nos deste maluco, bebaço.”
(O Paladim n. 20 de 1851).
Beber — Diz-se do cavallo que pode livrem ente appare-
cer em qualquer parte, p or não ser furtado. A ’ o fferta de ven ­
da de um cavallo por pessôa desconhecida, e que se tem du-
vidas da legitim idade da sua propriedade pergunta-se: Este
animal bebe em qualquer parte? “ Chamo papa-capim, porque
é essa a gira dos que furtam cavallos. Bebe no norte, bebe no
sul, quando o passarinho pode ir livrem ep te a estas p aragen s.”
( A Duqueza do Linguarudo n. 79 de 1877).
Beber-fum o — Fumar, cachim bar. Locução antiga, p ri­
m itivam ente usada na accepção generica de fumar, encontra­
mo-la já empregada, com o mais rem oto ponto de partida, em
uma carta que o govern ador geral do Brasil D . Duarte da Cos­
ta dirigiu ao rei em 8 de A b ril de 1555, na qual, fazendo gra­
ves ' accusações ao bispo D . P ed ro Fernandes Sardinha, men­
ciona entre outros factos, que escummungara elle em P e r ­
nambuco ao donatário da capitania do Espirito Santo, Vasco
Fernandes Coutinho, “ de mistura com homens baixos, por
beber fu m o ;” e que na Bahia, p or achar que um pobre homem
bebia fumo, mandou pol-o nú da cintura para cima, com os fu ­
mos ao pescoço. Naquelles tempos, com o ainda p or dilatados
annos depois, o fumar constituía um v icio .horrendo, e cau­
sava grande escandalo, principalm entê pela sua origem gen­
tílica, e o bispo do Brasil não tolerava que as suas ovelhas o
praticasse. N o seculo X V II, o Padre Antonio V ieira, seguin­
do os princípios de tolerancia da p olitica dos jesuitas, não
condemnava francam ente o uso do fumo, mas aconselhava
em um dos seus sermões, tento no fumo que se fuma, que se
bebe. Para com pleto desabono e ruina dos rapazes, escreve
um chronista nosso referindo-se a esses tempos idos, era bas­
tante affirm ar-se que o in fe liz fumava, para estar irrem issi-
velm ente perdido, embora as tias, a avó e muitas vezes a p ró ­
pria mãe tivessem a bocca torta pelo uso do cachim bo. A o que
parece, a phrase beber fum o era geral, uma vez que uma can­
ção flam enga do seculo X V I, e que no seguinte, ao tempo da
sua dominação em Pernambuco, teve curso entre nós diz, que
o beber fum o é um excellente rejnedio, e que mais vale não
beber de mais. “ O tabaco fraco só presta para se beber no ca­
c h im b o ... Já ouvi dizer que o fumo do cachim bo bebido pela
manhan em jejum, moderadamente, desseca as humidades do
estom ago.” (A n ton il, 1711). Ainda ein nossos dias era vulgar
a phrase como se vê desta quadrinha do cyclo das nossas tro ­
vas populares: “ Sinh’Anninha bebe fum o N o seu cachimbo de
prata; Cada fumaça que bota E ’ um suspiro que m a ta .”
Bebida — Nom e que dão, na zona sertaneja, a certos e
determ inados mananciaés ou depositos de aguas pluviaes, on-
de costumam beber os animaes, quer domésticos, quer silves­
tres. Na estação da secca, quando é geral a falta d ’agua, são
as bebidas lugares idoneos para as caçadas, pela multidão de
aves e outros animaes, que alli se reunem. Tom am assim tam­
bem a denominação de bebidas, os depositos naturaes e cava
dos na rocha, de mais ou menos profundidade, conhecidos
por tanques ou caldeirões. Bcaurepaire Rohan, que registra o
vocábulo, diz que é vulgar não somente em Pernambuco, como
em outras partes do norte. “ Bebendo numa bebida, Comendo
tudo num rasto, D orm indo numa m alh ada.” (C ancion eiro do
N o r te ). “ A rez que se procurava, ou era esperada na bebida,
ou caçada no m a tto .” (Irin e o J o ffily ).
Bêbo — P o r bebedo ou bebado, como vulgalmente se diz,
para indicar um individuo embriagado, ou que se entrega ao
im m oderado uso de bebidas alcoolicas, predilectam ente a ca­
chaça. Vocábulo só usado pelo populacho, vem dahi esta lo ­
cução in terjectiva! Quem está bêbo ahi?, e a sua figuração nas
extravagentes cantigas do mesmo populacho, como nestes v e r­
sos do estribilho de uma delias, com o seu particular modo de
expressão: Vai bêbê, V ai te embêbedá, V ai fazé baruio Pra-o
sordado te pegá. “ Está bêbo, negro, s’tá bêbo cão, Fala c’os
outros, com migo n ão ?” (C ancion eiro do N o r t e ). A dicção é
tambem usada no dim inuitivo, Bebinho, e assim fam iliar e vu l­
garmente mesmo, com as expressões de tonto, a dorm ir, c o ­
chilando, cahindo de somno; sem se poder suster: O menino
está bebinho de somno. Moraes assim a consigna com as par­
ticulares expressões de bebado moderado, pouco bebado. “ A
Synesia, embriagada, andou assim p or todo o m ercado. C oi­
tada tão m o ç a ... tão bebin ha!” (A Pim enta n. 611 de 1907).
Bêco — Nas locuções: Barulho no bêco, novidades conten­
das, arrelias. “ V ai haver barulho no beco, frevos, o diabo de
saias e outras cousas m a is .” (D ia rio de Pernambuco n. 49 de
1916). Beco sem sahida, homem casado. Desoccupar o beco,
deixar um lugar alheio. Quebrar beco ou quebrar o beco, afas­
tar-se de alguem com quem não se quer falar.
Beduino — Desconhecido, ingrato; o que só conhece o
am igo na prosperidade e o abandona e despresa na adversi­
dade, como o beduino, que adora o sol ao nascer, e o apedreja
no occaso. Já vimos, amadissimos leitores, quaes foram os
troncos deste famoso b ed u in o .” (O Foguete n. 9 de 1845).
Beicinho — C e r t o p r o n u n c i a m e n t o dos l abi o s c o m e x p r e s ­
são de- e n f a do , de s de m, despreso; r e cusa contrariedade, zan­
ga. “ Com que consciência farão beicinho para despender uns
trinta e dous vin tén s?” ( A Misselania P eriod iqu eira n. 2 de
1833). Empenhada a D elphina no seu namoro, quando os seus
olhares se chocavam com outros, puxava um beicinho de en­
fado, porque então procurava m order o p a to .” (A Pim enta n.
63 de 1902).
B eiçola — Beiços volumosos, grossos, molles, cahidos, de
um feio aspecto. Uns tantos tem a particular designação de
beiço de algu id ar.

Beiçoláda — Golpe violento, de mão aberta, sobre os bei­


ços, e dahi o term o: Dar, levar umas beiçoládas.
B eija-flor — C olibri (T ro ch ilu s supersiliosus, V ie ill. ) de
v a ria s>especies, do mesmo porte, feição e delicadeza, mas p ar­
ticularmente distincta pela coloração viva, brilhante, bel-
lissima plumagem de cada uma delias. M arcgravi descreve v a ­
rias especies desta pequenina ave, estudadas entre nós, com
o nome indigena, vulgar, de guainumby, guainam by. “ E o beija
flo r no campo p or entre as flores adeja.” (Jeronim o V ile lla ).
Moraes o registra com o nome de P ica -flor, dando porem como
concurrentes os de beija-flor e chupa mel, porque se nutre de
m el das flores; e consoantemente Gonçalves Dias, registran­
do o term o tupi Oaincumby, com a expressão de p ica -flo r.
Esta denominação de b eija -flor dada entre nós ao trochilus, é
a unica vulgar, corrente, sendo assim desconhecidas aquellas
duas outras mencionadas p or Moraes, que se tiveram curso no
seu tempo, desappareceram p or com pleto. Entretanto, trata-se
de um term o antigo, e documentadamente, já vulgar na Bahia
em começos do seculo X V III, com o se v ê destes versos de
um Romance sobre os passarinhos consignados p or Nuno M ar­
ques P ereira no seu liv ro , de vulgarização contem porânea: “ E
logo p or esses ares Remontando o B eija flo r Tocando hia
nas azas Com donaire um b ello s o m .” Particularm ente entre
nós confirm am o facto o nome de B eija-flor de antigos enge­
nhos situados nos municípios de Agua Preta, V ictoria e Ama-
ragy, e de um riacho neste ultim o; e contemporaneamente,
pelo de varios periodicos litterarios, tendo apparecido o p ri­
m eiro em 1849. N o Ceará tem tambem a mimosa avesinha o
nome vulgar de b eija -flor com o se vê destes versos lo c a e s .”
Um beija-flor já vi m orto A o pé de verde roseira. Deu-lhe a
m orte agudo espinho De uma rosa tra ç o e ira . . . A rosa cheia
de espanto Disse um dia ao b eija -flo r: Para que me beijas tan­
to? Ter-me-ás, acaso, am or?”
Beijoca — Na giria portugueza, ou como voz burlesca, se­
gundo Aulete, tem a expressão de beijo em que os labios se
abrem fazendo estalido. Entre-nós, porem, tem sua differença,
como definiu um period ico desta capital, com a b rejeirice p ró ­
p ria dos seus conceitos: “ E lla indaga docemente. Si entre
b eijo e beijoca Ha alguma d iffe r e n ç a ... O beijo é dado de
leve E deve ser muito breve P ’ra não causar sensação! A
beijoca é d ifferen te: P ara que seja bem dada D eve sêr forte,
frem ente. E alem disso chupada.” (A Pim enta n. 15 de 1901).
“ Uma beijoca de bahiana, oh! tem o sabor de cangica de m ilho
v e r d e .” (A m erica Illustrada de 14 de Dezem bro de 1873). “ E
depois choravas o teu amor extyicto, as cócegas e beijoquinhas
que presonhavas.” ( A Lanceta n. 155 de 1913).
Beijos — Bolinhos esphericos, ou bombons, mettidos em
pequenos pedaços de papel de seda, de cores diversas, com as
extrem idades recortadas, oü enfeitados com pequenos chro-
mos. “ Os beijos são uma especie de bolinhos de polvilh o, com
bastante assucar. . . N ão ha quem não goste dessa gulodice
fabricada pelas moças b o n ita s ... Fazem estalar a lingua c
am ortecer de goso o~s o lh o s . . . Sabem bem, abrem o appetite,
mas não alim entam n a d a ... antes pelo co n tra rio !” (Fon -fon ,
Outubro de 1915).
Beijú — Especie de bolo de gomma, ou massa de m andio­
ca, com côco,e e assado ao forn o en volvid o em. folhas de ba­
naneira, tendo este ultimo, concurrentemente, o nome de ma-
casado; ou em fórm a de discos, finós, chatos, da mesma gom ­
ma ou massa, com igual preparo, e torrado em vasinha apro­
p ria d a .” Com dous páos de mandioca no caco faz um b e ijú ,”
(Juvenal G a len o ). “ E como ninho d’ am ores. T em todo lugar
as trocas. Tam bem ella lhe mandava Seus beijús e ta p io ca s.”
(O Carapuceiro n. 65 de 1842). O beijú é de origem indígena.
Da mandioca, escreve Th eodoro Sampaio, faziam os indios bo­
los torrados a que denominavam mbyú donde vem o nome
beijú, vulgar no Brasil, significando enroscado, enrolado. A
esses beijús, allude já a narrativa de uma visita que o Padre
da N obrega fez a Pernam buco em 1551, dizendo que á sua
chegada os indios desceram logo de suas aldeias a dar-lhe a
bôa vinda, carregados de caças, legumes, beiju’ s e farinhas.
Depois, faz Anchieta referen cia aos beijús de mandioca da
Bahia; e Gabriel Soares, contemporaneamente, descrevendo-os,
d iz que são feitos de massa de mandioca estendida em um
alguidar sobre o fogo, de maneira que ficam tão delgados e
iguaes como obreias, e assim muito seccos e torrados. A esta
especie, accrescenta o nosso autor dos Diálogos das grandezas
do Brasil uma outra, escrevendo: “ Tam bem se faz da m andio­
ca depois de relado em fresco umas como obreias, a que cha­
mam beijús, e p or outro nome tapioca, das quaes se servem
em lugar de p ã o .” M arcgravi emfim, que esteve entre nós
na p rim eira metade do seculo X V II, diz tambem: “ E x farina
siccata form ant placentas, mispendo cum aqua sim plici in
massam, et coquendo super prumas vocant que nomine brasi-
)ien si b e jú .”
Beirada — Margem, beira, extrem idade de um terren o; si­
tuada baixa que ladeia um rio, riacho ou lagôa. “ Se eu não
descobrir neste mattão ou p or estas beiradas de rio o Cabel-
leira, hei de saber noticias delle seja onde f ô r . . . E ra agora
occasião de apparecer quem andava p or estas beiradas arro-
tanto tanta v a le n tia .” (F ra n k lin T a v o r a ).
Bejupirá — Saboroso p eixe do m ar. Tratando o autor dos
D iálogos das grandezas do Brasil do pescado da terra, men­
ciona em prim eiro lugar o “ regalado vejupirá, porque creio
delle que, entre os demais peixes de posta, pode leva r a palma
a todós em bondade, e que fica muito superior ao presado
solho da nossa H espan h a.” De vejupirá, originariam ente, e
berupirá como posteriorm ente o registra Santa R ita Durão
lio seu poema, vem dahi o nosso bejupirá, cujo termo, de qual­
quer form a, é de origem tupi.
B elch ior — A lfarrabista; casa de vender objectos usados.
Beletrista — E scriptor, litterato, homem de letras.
Belga — In dividuo que não tem o que fazer, desoccupado,
ocioso, que anda enchendo as ruas de pernas. “ Muitas pessoas,
talvez, ignoram a razão porque chamam belga ao individuo,
que não tem occupação. Em m il oitocentos e cincoenta e tan­
tos p o r aqui appareceu uma força de belgas, que quasi todos
se em pregaram no serviço da empreZa de illum inação a gaz
carbonico, então em andamento. Não sabemos se esses es­
trangeiros foram mandados v ir engajados, ou p or qualquer
fórm a, para o dito serviço. Mas, se não nos falha a memória,
eram elles em numero muito superior a cem . Foram os belgas
os estrangeiros que peior tratamento receberam do nosso c li­
ma. N ão sabemos, porem, si o que lhes succedeu fo i devido
ao mesmo clima, ou si á crapula, a que se entregaram . T a l­
vez a natureza do trabalho, o serviço ao ar livre, da canalisa-
ção subterrânea, contribuísse para o mal daquelles europeus.
Em pouco tempo tornaram-se magros, amarellos, com os pés
cheios de bichos, e trocaram a pá pela cachaça e o trabalho
braçal pela vida de m endigos. Era deplorável o estado de um
b e lg a . . . O nosso povo, porem, que não perue occasião de bem
applicar um epitheto, começou a chamar a todo sugeito vadio
e vagabundo, belga, e assim diziam : Fulano é um belga; Si­
crano anda belgando; isto é: anda enchendo as ruas de pernas
o substantivo belga e o verbo belgar, que talvez ainda venha a
p or não ter o que fazer, a moda dos belgas. E assim crearam
fazer parte dos nossos futuros d iccio n a rio s.” (Lan tern a Ma­
gica n. 201 de 1887). A o que vimos de transcrever, temos ape­
nas que accrescentar o adjectivo belgança, de expressão obvia,
e que concurrentemente, appareceu. “ Bacharel que anda b el­
gando p or ahi p or essas ru a s.” (A m erica Illustrada n. 25 de
1872). “ Muitos belgas da justiça querem mamar na teta da v a ­
qu in h a .” (Idem , n. 19 de 1877). “ Os belgas nos ensinaram a
curar as consumições na rua do Im perador, ou a distrahir os
cuidados á sombra das arvores na L in gu eta .” (Idem , n. 2!i
de 1880).
Beliscão de frad e — O que é dado com os nós dos dedos
indicador e medio, convenientemente encolhidos.
Beltrano — Nom e usado em linguagem commum para de­
signar um indivíduo indeterm inado ou pessôa que sé não co­
nhece ou cujo nome não se recorda, não se sabe, ou se não
quer declinar. “ Um tabellionato em fa vor de Fulano, um car­
go de inspector de alfandega para Sicrano, uma sinecura em
qualquer m inistério para Beltrano.” (A P rovín cia n. 85 de
1915). Aulete registra Beltrão, com estas mesmas expressões,
naturalmente p or que assim é corrente em Portugal, mantendo
a sua originalidade, mas entre nós degenerado em Beltrano.
B em tivi — canora (D e n tiro stri). de bella plumagem, e es­
pecies differentes, duas das quaes tinham entre os indios os
nomes particulares de Pitanguá-araponga, e Pitanguá-guaçú. O
seu nome" vulgar porem, vem do seu p rop rio canto, que asisrn
o parece pronunciar, canto esse, que nas proxim idades das ha­
bitações, como diz o vulgo, indica visita, ou chegada p ró x i­
ma de uma estimada pessôa ausente. Passaro insectívoro, dá
caça, como o anura, ao carrapato que ataca o gado. Bem tivi
de igreja: um casquilho que a frequenta assiduamente, mas
sem o menor espirito religioso.
Bendegó — Certo penteado de mulher, e ao seu appareci-
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mento, mesmo de homem. “ M orta a gaforina, resuscitou com
o nome de beitdegó; e actualmente, um m oço para ser correcto
é preciso a indispensável gaforin a transform ada em bendegó.”
(Lan tern a Magica, 11. 455 de 1895). Tanta tolice que fede, tanta
asneira que faz dó, gaforina de moleque já se chama bendegó.”
(Idem , n. 467). “ Oh! visinha! p ’ra onde se bota, assim tão b o ­
nita hoje, de b en d egó?” (A Pim enta n. 49 de 1902). “ Madamc
Dasofia De fita no bendegó, P o r cinia tanta faro fia P o r baixo
canella só.” (A Lanterna n. 104 de 1913). Bendegó vem do cele­
bre aerolitho deste nome, o rigin ário da localidade em que ca-
hiu, no in terior da Bahia, e que transportado para o R io de
Janeiro em 1888, com muito trabalho e difficuldades pelo seu
avultado peso e volume, se vê hoje no Museu N acianol. Ben­
degó, segundo T heodoro Sampaio, é um nome barbaro, de o r i­
gem tapuia.
Bentas — Sedula falsa. “ Pedindo um cabalista eleitoral
a um pardo arm ador para votar na sua chapa, deu-lhe uma das
sedulas bentas de 5^600.” ( 0 P ro letário n. 9 de 1847). “ E as­
sim está o homem, como muitos outros, senhor de muitas p ro ­
priedades e com bastante riqueza adquiridas por m ilagre das
bentas portuenses.” (O Vapor dos Traficantes n. 106 de 1859).
“ Soprou-lhe o vento em popa po.r m ilagre das bentas que r e ­
cebia de Portu gal.” (O Barco dos Patoteiros 11. 7 de 1864).
“ Chegou ao cumulo da felicidade pela venturosa passagem das
bentas.” (Idem , 11. 26). As bentas começaram a apparecer em
circulação no govern o do Barão da Bôa Vista (1841-1844). co­
mo marisco, á fartar, e se passaram sem cuidados, sem risco a l­
gum. (O Artista 11. 2 de 1847); vindo esta denominação do no­
me Bento de um com m erciante portuguez vulgamente conhe­
cido p or Bento Nevalhão, que os jornaes da epocha aponta­
vam como o im perador e passador de sedulas falsas, e dahi cha-
m al-o o citado period ico em um artigo publicado no seu n. 8,
o Bento das bentas, consoantemente com o que escreviam ou­
tros. “ Enriqueceram á custa de contrabandos e das bentinhas
sedulas navalháes.” (A V oz do Brasil n. 37 de 1848).
Benzer — Usar pela p rim eira vez um objecto, uma cousa
qualquer que se com pra. Insinuar-se alguem no animo de ou­
trem, captar a sua confiança, exercer uma absoluta in flu en ­
cia sobre a sua pessôa, dominando-a mesmo, e assim conseguir
tudo quanto queira ditado p or seus interesses, muito embora
resultem com prom ettim entos e prejuisos: O João benzeu o An-
tonio p or tal modo, que consegue e faz delle tido quanto quer.

96
A prim eira venda do dia, seja qual fô r o negocio e na qual a-
bsolutamenle não se admitte o fiado, para não o encaiporar.
A pessoa que tem bôas mãos e benze o negocio comprando qual­
quer cousa, corre o dia p ropicio para o seu dono; e geralm ente
as mulheres, segunido os preceitos de tradicional supersti­
ção ao receber o dinheiro dessa prim eira venda, benze-se com
elle, devotamente fazendo o signal da cruz e pronunciando as
palavras rituaes.
Beocio — Sim plorio, ingênuo, toleirão, facil, papalvo. “ Es­
ses senhores que desembacam da Beócia, só entre beocios
podem vender a sua pomada.” (A m erica Illustrada n. 20 de
1877). “ Só beocios acreditam no immenso poder dos reis.” ,(4t
Duqueza do Linguarudo n. 97 de 1877). “ Os partidários da comi-
panhia lyrica tem se tornado uns verdadeiros beocios.” (O Bino-
çulo n. 23 de 1882). “ P ois eu, murmura um beocio Com voz
firm e e collosal. Dçsejo apnas ser socio Da fazenda federal
(Jorn al do R ecife n; 286 de 1915).
Beque — As ventas, um ;na'riz enorm e: Quebrar o beque
de prôa. “ Um beque tal, que haveria duvida, se fosse preciso,
dar-se a vinte que o não tivesse.” (O Telegraph o n. 6 de 1850).
“ Quem é você, que está ahi de beque erguido, e com fumaças
de alterosa p ro a ? ” (O Barco dos Patoteiros n. 4 de 1864). “ E n­
trou na loja, a cavalgar o beque pequeno e lindo pincenez d oi­
rado ” (O João Fernandes n. 11 de 1886).
B ereberé — Um troca tintas ahi qualquer, um João nin-
gum; uma cousa insignificante, de ponco valor. Um presente
bereberé
Berim bello — Pequena peça, com movimento, que prende
de uma outra m aior, com o o pingente, ou antes o p ro p rio p in ­
gente assim chamado.Os berim bellos de uns brincos ou rosetas.
Castello de Martim B erim b ello: indicação chula de uma casa
de habitação. Dona B erim bella: Nom e com que intimamente se
designa uma senhora quando não se sabe com o se chama, ou
sabendo-se, não se o quer declinar p or certos m otivos: Aquel-
la D. Berim bella, sabe, passou hontem p or aqui.
Bernarda — A lvoroto, motim, revolta, levantamento, sedi­
ção. Sobre a origem deste vocábulo correm varias versões,
cada qual mais desencontrada; mas, destacando uma delias
p or se achar codificada ém uma obra que conta já duas edi­
ções, as Frazes feitas, do illustre e fecundo publicista João R i­
beiro, a consignamos, e discutindo-a, daremos depois o que de
real e verdadeiro podemos apurar sobre a questão ficando,
ao que nos parece convenientemente resolvida. “ A expressão
Bernarda tem um antigo etimo e significa motim revolta á mão
armada, e fo i tomada ás bravatas do famoso Bernardo dei Car-
pio, o invisavel cavalleiro, como resa o seu romance de in ve­
rosímeis façanhas. “ Bernardo dei Calpio pelo que podemos
colher das licções da H istoria, e não do romance, fo i um va­
lente cabo de guerra, que floresceu no seculo nono. E ra f i ­
lho do- Conde de Saldanha e da infanta D. Ximena, irm ã de
Affon so I I re i das Asturias, cognominado o Casto, e contra
quem se revoltou, porfim , vindo dahi, principalm ente, a lenda
das suas façanhas. Tom ou elle parte em muitas batalhas, no­
tando-se entre ellas a de Roncesvalles, na passagem dos P y ri-
neos para a França, contra o im peràdor Carlos. Magno, ven ­
cendo os celebres Pares de França, de tão notáveis destaques
nas legendas carlovingianas, Bernardo dei Carpio combateu
sempre em campo franco, em guerra aberta, em campanhas
legitim as; era um m ilitar arregimentado, disciplinado, um
chefe de exercito, um homem de responsabilidade,, em fim ; e
assim não é licito encaral-o como um arruaceiro, agitador, ca­
beça de motins, um chefe de apaniguados bandoleiros a p ro ­
vocar desordens e revoltas, levantes e sedições. “ H eroe hes-
panhol do seculo IX, como escreve P in h eiro Chagas no seu
D iccionario Popular, illustrou-se immensamente p or façanhas
magnificas contra os m o u ros.” A gora as nossas objecções.
O vocábulo é moderno, originariam ente brasileiro, e se assim
não fosse, e viesse das bravatas de Bernardo dei Calpio, seria
•originariamente da Hespanha, patria sua, c conhecido desde
tempos remotos uma vez que floresceu elle no seculo nono.
e concurrcntemente em Portugal, cujo idiom a possue grande
numero de termos originários do castelhano, o que não acon­
tece, verificando-se mesmo, que somente depois de creado,
vulgarisado e correndo 110 Brasil, é que teve codificação nos
lexicons portuguezes. Term o geral, - corrente, e portanto já
com fóros de cidade, surgiu para designar os motins e rus­
gas populares que occorriam no periodo de exaltação política
nacional, que tiveram como ponto geral de partida os pro--
nunciamentos que irrom peram em 1820 em p ról do procla­
mado systema constitucional, naquelle mesmo anno, e na p ró ­
pria m etropole pelo triumphantc revolução do P orto . E m -1824
já o term o era corrente no R io de Janeiro com o se vê de um
D ialogo politico, e instructivo, entre os dous homens da roça,
André Rapozo, e seu compadre Belonio Sim plicio, á cerca da
Bernarda do R io de Janeiro e novidade da mesma, alli pu-

98
blicado na Imprensa Regia, em 1821; em 1822 houve em S.
Paulo um m ovimento insurreccional conhecido, originariam en­
te, com o nome de Bernarda de Francisco Ign acio; e concur-
rentemente entre nós, pelas referencias de Caneca nas suas
obras, houve uma Bernarda no R ecife em 1822. Assim vulgari-
rizado o moderno term o excluma um period ico corcunda des­
ta capital dirigindo-se a uni patriota exaltado; “ 0 flagelo da
numanidade, director das B ernardas!” (O Cruzeiro n. 175
de 1829. Até aqui, em ligeiros traços, a genesis do vocábulo,
e agora a sua origem , a sua procedência histórica, externada
em uocumento de fé e autoridade, e alem de tudo, contem po­
râneo, o p eriodico bahiano, O Semanario Civico, no seu n. 35
de 25 de Outubro de 1821, nestes termos precisos e claros: “ Co­
mo muito de nossos lentores não saibam o que quer dizer —
— Bernadinha, — vamos explicar-lhe. 0 ex-m inistro V illa N o ­
va de odiosa memória, querendo dizer que era uma estrava-
gancia, ou Bernadice, a revolução de Portugal, chamava a
Constituição a ,Bernarda. Daqui vem dar-se no R io de Janeiro
o mesmo nome a todas as revoluções que tem havido por
aquella causa: dizendo-se que a de 2G de F e vereiro fo i o p r i­
m eiro parto da Bernarda de 22 de A b ril, o segundo, o m otim de
5 de Junho, o terceiro, etc.” A esses partos da Bernada
fazia ainda depois referencias um p eriodico do R ecife nuns
versos hum oristicos: “ Ha uma só contingência Quando a B e r­
narda é parada; E ’ furar-nos a barriga Alguma bala perdida.”
(O A rtilh eiro n. G1 de 1843). Moraes, que viveu e m orreu em
Pernam buco em 11 de A b ril de 1824, não teve tempo de con­
signar o vocábulo na terceira edição do seu D iccionario im ­
presso em 1823, e nem os lexicographos que posteriorm ente ap-
pareceram, como Constancio, Lacerda e Faria, quando aliás,
já era conhecido e vulgar; até que emfim, já em nossos dias,
Y ie ira o contemplou como um nome chulo que o povo dá ás
revoltas, insurreições ou levantes, mas sem dizer que este povo
era o do Brasil, uma vez que escrevia em Portugal, e dahi a
vulgarização do termo pela sua codificação nos lexicons m o­
dernos. Assim demonstrada, e documentadamente com prova­
da, a origem do vocábulo Bernarda, em nada a prejudica o que
á respeito escreveu o illustre autor das Frazes feitas, em face
do seu p rop rio subtítulo: Estudo conjectural de locuções T ra ­
ta-se de uma conjectura, portanto.
Beroncio — Sugeito de poucas falas, retrahido, desconfia­
do. “ O descurado beroncio se achava desde pela manhã pe-

99
ilJtHtbl r Wl": • T ,:!| f*l
r « t i c * s t * l i.u • « • *. o

gado à janêllã da sua d iv a .” (A Pim enta n. 71 de 1902).


Berrante — R evolver, na giria dos gatunos do R ecife, liem
com o no argot da malandragem do R io de Janeiro, em que
tem tambem o nome de João meia duzia. naturalmente em
allusão aó numero de balas que contem,
Besouragem — In triga, enredo, aleivosia surda. “ Manda­
ram-nos d izer tão extravagantes cousas daquellas duas crea-
turas, que só p or falar temmemos um raio. B esou ragen s... be-
souragens.” (A Pim enta n . 56 de 1902). Cochicho, falas oc-
cultas còm segredo e reservas, conversas, insistente, ao ouvido,
á meia voz, como o zumbido roufenho do besouro, d ’onde vem
a d icç ã o . “ As besouragens do Cam illo são cousos que enca­
bu lam .” (Idem , n. 57).
Besta — Adm irado, pasjno, sorpreso: Ficar besta, de boe-
ca aberta, de queixo cahido. “ F iqu ei be3ta, enlouquecido, por
tua causa, crea n ça. ” (A Pim enta n . 64 de 1902). Explorado,
sobrecarregado de pesados encargos, fatigantes trabalhos, ex­
cessivas despesas, Besta de carga. O novo eterno besta.
Queiroz de todos os tempos. (Jornal do R ecife n. 135 de 1916) .
T olo, ignorante, estúpido; papalvo, sim plorio: Besta encorpa­
da; besta quadrada; com er por besta. “ Podendo andar a bon­
de, sem ser conhecido, não vou andar a pé, que eu não sou
b esta .” (A, Pim enta n. 381 de 1905). “ Mamãe se damna com o
enthusiasmo de certos typos bestas.” (Idem , n. 549 de 1907).
D ictados: Cavallo grande, besta de pau; Quem tem besta não
com pra besta; Quem é besta, pede a Deus que o mate e ao dia­
bo que o carregue; Quanto mais besta, mais peixe. “ Se fores
ao mar pescar. E a fortuna te não deixe, Faze-te besta, bem
besta, Quanto mais besta mais peixe.” (T ro va s p op u u lares).
Bestar — Andar á toa, sem destino e orientação certa; preo-
ccupado com qualquer cousa: Andar bestando pelas ruas.
Bestalhão — Muito besta: Bestalhão encorpado. “ Tanta la­
ranja madura, Tanto lim ão pelo chão, Tanta menipa bonita,
Tanto rapaz bestalhão.” < Quadras populares). “ Essa gen­
te não toma mais juízo nem vergon h a! Ora andem “ bestalhões!,!
(O Clamor Publico n. 1 de 1845). “ V in de bestalhões, p ôr em
prova a vossa san d ice.” (A m erica Illustrada n. 8 de 1882).
“ Gastar o seu dinheiro em jogo de bicho, é preciso ser um tolo
um bestalhão.” (Idem , n. 522 de 1897). “ T od o besta, quer ser
sabio quando encontra um bestalhão.” (A Pim enta n. 631 de
1908). Moraes consigna o vocábulo, quem manda v êr bestarrão,
que da com o chulo, e augmentativo de besta.

100
Besteira — T olice, parvoice, sandice; “ inépcia, dicto, ac­
ção ou obra que revela ignorancia, falta de senso ou tino,” co­
mo escreve Aulete sobre o termo fam iliar asneira, que corres
ponde á besteira da nossa giria. Besteira do compadre T e i­
xeira embrulhado numa esteira. (D ictado fa m ilia r). “ 0 tal ba­
rão dos traques e das besteiras barão.” (A m erica Illustrada de
28 de Setembro de 1873). “ Um brinde eu quero erguer! V a ­
mos saudar á b esteira!” (A Derrota n. 4 de 1883). “ Não se con­
cebe tão grande asneira. Não se imagina tanta tolice; não se
perdoa tanta besteira, Não sé commenta tanta sandice.” (A P i­
menta n. 13 de 1902). O termo tem também curso no Ceará
com as mesmas accepções: “ Venha cá minha senhora, Deixe
^de tanta besteira ” (D e uma Sarabanda lo c a l).
. .Bestialisado — Como besta, reduzido á besta. “ Depois do
15 de N ovem bro o povo tem assistido bestialisado a todas es­
sas coiisas em que entra como Pilatos no Credo.” (Lantern
Magica n. 555 de 18898).
. .Bestiologia — A sciencia ou arte de ser besta. “ P rovou
em bestiologia ser um form oso estudante lá do Brum na aca­
demia.” (A m erica Illustrada de 21 de Dezem bro de 1873). “ Ma­
mãe se damna com as besteologias do José Antonio.” (A Pim en ­
ta n. 493 de 1906).
. .Bestialogico — T olo, asneirão, ignorante, desfructavel;-dis­
curso ou escripto consoantes. “ Ao povo não se d irige serões
bestiologicos. (A m erica Illustrada de 12 de Maio de 1872). “ O
homem tem dado thema para algumas prelecçõec bestialogi-
cas ao vate suino.” (O Diabo a quatro n. 155 de 1878). “ Ter-
se desenvolvido ultimamente a pilhéria de se escrever bestia-
logicos e mandal-os para a typographia com o nome de p es­
soas illustres.” (A m erica Illustrada n. 47 de 1880). “ Está para
v ir á luz um liv ro importante, que terá titulo: Cousas bestia-
logicas.” (Idem , n. 35 de 881). “ Asneiras, desastres, foram o
conteúdo da grande e bestialogica peça oratoria.” (Jornal P e ­
queno n. 35 de 1916).
Bestidade — Acção, cousa de besta. “ Uns camellões que vi
vem azucrinando os ouvidos desta pobre humanidade com as
suas bestidades.” (A m erica Illustrada n. 23 de 1882). “ Disse o
vigá rio ser essa historia de casamento c iv il uma bestidade.”
(A Pim enta n. 45 de 1902). “ Fazer versos é tolice, fazer prosa
é bestidade.” (Idem , n. 577 de 1907).
Bêtas — D ifficuldade, trabalhos, riscos, situações criticas,
perigosas mesmo; e dahi a phrase: Vêr-se mettido em bêtas,
para im prim ir a contibencia de taes situações. “ T u ’, pelo que
tenho sabido, tens te visto em bêtas. (O Campeão n. 104 de . . .
1862). “ O Canuto viu-se em bêtas, numa trança brutal, muito
çncrencado.” (Pernam buco n. 298 de 1913).
Eéte — Planta medicinal, mencionada por Jeronym o V i
lella. E ’ a piperacea Betys, estudada por Alm eida Pinto.
Beú — A mulher de V erónica e as suas duas companheiras
que figuram em algumas procisões da quaresma, e particu lar­
mente na do enterro do Senhor entoado a da Verónica, á cur­
tos intervallos, um cântico de musica terna, cuja letra é esta,
extrahida dos Threnos ou Lamentações do P rofeta Jeremias
(Cap. I Vers. 12): “ O’ vos ones, qui transites per viam, atten-
dite, et videti si est dolor sicut dolor meus.” Este cântico tem
p or estribilho repetido pelas duas outras mulheres esta letra
de. instituição ecclesiastica: Heu! H eu! D om ine! E ’ d’ esta d ic­
ção interjectiva, Heu!, que em obediencia á musica pronunciam
ellas Heu, que vem a corruptela de Béu dada a essas tres figu
ras das citadas procisões: Maria Béu; as beús. “ Todas cobertas
de fumo, são behús estas caiporas?” (Lan tern a Magica n. 253
de 1889). “ Traz da Angelina vinha a sua com panheira Celes­
tina vestida de Maria beú.” (A Pimenta n. 74 de 1902).
Bexiga — Canudo, logro, máo negocio: Levar tomar uma
bexiga.
Bexigada — Estopada massada, cousa encommoda, en fad o ­
nha. “ Mas fo i uma bexicagada a tal cousa do sermão.” (O Etna
n. 13 de 1882).
Bexiga lixa — Variola confluente. “ Vaccina-te, pois te arris­
cas a m orrer de bexiga lix a .” (Z izin a & Esm eralda) N o sul
porem, tem o nome de P elle de lixa, como se vê de Langaard.
Biába — Bordoada, pancadaria grossa, na giria dos gatunos.
Bibóca — Barranco, grota, escavação, ou como m elhor ex ­
prim e o vocábulo em sua origem , do tupi, Ybibóca, corruptela
de iby, terra, e bog, rachada fen d id a :'ca m in h o cheio de b ibo­
cas, isto é, depressões, buracos causados pelas enxurradas, se­
gundo ficou a estrada cheia de bibocas.” (Beaurepaire Rohan).
Em Fern an do de Noronha ha um m orro chamado Bibóca, em
cuja fralda Occidental nasce o riacho Maceió.
Bicáda — Um trago de cachaça, uma bordoada: Dar, tomat
uma bicada. “ T iv e vontade de dar uma bicadinha, pois esta­
va inteiram ente secco.” (O Diabo n. 6 de 1883). “ Quando lhe
aperta a lua e toma alguma bicadinha, insulta aos visinhos. '
(A D errota n. 13 de 1883). “ Segundo dizem os bicadores, a b i­
cada é o unico preservativo contra o cholera.” (Lan tern a Ma-

102
gica n. 93 de 1884). “ Sou amante da branquinha, Do cajú sou
camarada, Sou amigo do copinho Quando sorvo uma bicada.'’
(A Pimenta n. 640 de 1908).
Bicado — O mesmo que alegre. “ Tú, bicado, na marqueza,
Não deste por tal fineza.” (A Pimenta n. 10 de 1902). D eriva­
dos :Bicador, bicar, de expressões obvias.
Bicháno — Nom e fam iliar do gato. “ O amor da titia é b i­
chano a miar no postigo.” (Lan tern a Magica n. 18 de 1882).
“ Era manso, bem manso o meu bichano, iun gatinho de pello
avelludado.” (A Pimenta n. 13 de 1902). “ Eu quizera, Sinhá,
ser o g a tin h o ... T er de ti tanto affecto e tanta estima Quanto
ao bichano fazes de carinho.” (L e o v ig ild o Sam uel). “ O bicha­
no é symbolo da felicidade, sendo preto.” (D r. Lins e S ilva )
Moraes registra Bichano, e manda ver Bexáno, que dá como
termo fam iliar, na accepção de gato novo. (V . Pich an o)
Bichão — Homem de superior m erecim ento; de grande im ­
portância, prestigio e influencia; valentão, sabidorio, experto.
“ Vmes. fechem os olhos, e peguem num, que é um bichão.'’
(O Vapor da C alifórnia n. 11 de 1849). “ P o r isso nas letras pa-
trias sou tido como bichão.” (O P olich in ello n. 1 de 1895). “ O
Mello, eu conheço; é um poeta bichão.” (A Pimenta n.4 d e ..
1902). “ Sou advogado bichão Em traquejos federaes: Quem me
entrega uma questão Não perde, nunca jamais, Tenha ou não
tenha razão.” (Idem , n. 7) “ A lto lá, seu v igá rio ! Sou bichão!
(O Sachristão, n. 1 de 1903).
Bichar — Encher-se de bicho. “ O feijão bichou: m ilho
bichado” . (T h eoton io R ib e iro ).
Bicheira — Ferid a com bichos que infesta os animaes bo­
vinos e cavallares, preferentem ente na região um bilical. Taes
bichos, segundo Beaurepaire Rohan, são as larvas de certos
insectos que depositam seus ovos nas feridas; mas como es­
creve Langaard, taes larvas são produzidas pela mosca vare­
jeira, e depositadas já vivas, mui pequenas, nas feridas, apre­
sentando porem, em pouco tempo, um grande desenvolvim en­
to . Para a cura da bicheira, a superstição popular tenr ensal-
rnos proprios, que dispensam o m ercúrio ou outro qualquer
m edicam ento. “ Ha novellas, que á semelhança do L e Roy, até
para cura da bicheira s erve” . (O Car,apuceiro n. 25 de 1839).
B icheiro — Individuo que v iv e do jogo do bicho, bancan­
do ou vendendo. “ Os bicheiros são talentosos e saberão dis­
farçar o jogo que hoje a policia tanto persegue” . (Lanterna

103
Magica n. 528 de 189.7). “ A policia deu forte caça aos bich ei­
ro s ” . (Idem , n. 574 de 1898). “ Quem não paga é caloteiro,
quem vende bicho é b ich eiro ” . (A Pimenta q. 21 de 1901).
Bichento — Que tem bichos. (P u le x penetrans) nos pés.
“ Pés de moleque bichentos, com os dedos arrebitados” . (L a n ­
terna M agica) n. 172 de 1886).

Bicho — Q ualificativo de desdem ou despreso. “ Mas o b i­


cho, coitadinho! tambem anda doentinho” . (Lan tern a Magica
n. 762 de 1904). “ Aquelle bicho tem um andar de mosca ton­
ta” . (Idem , n. 441 de 1894). Papão ou tatu’ para fazer medo
aos meninos: Não faças isto, não vás a lli; olha que o bicho te
come, te pega. Indivíduos cacete, pau, cuja presença enfada,
desagrada: L á vem o b ich o; de certa habilidade ou predica­
dos: “ Zé b oi é bicho bom no p in h o” . (Jorn al do R ecife n. 91
de 1914). N o dim inuitivo, porem, é um term o affectivo, cari­
nhoso, dado ás crianças: Vem cá, meu bichinho.
Bicho cacáo — O mesmo que bichão. “ Zé Grande dá ca­
beçada, P o r ser um bicho cacáo” . ( A Pfm enta n. 20 de 1901).
O dictado occorre tambem com este qu alificativo com plemen­
tar: da folh a miuda.
Bicho-carêta — Um troca-tintas, ou valdevinos ahi qual­
quer. “ Ouço dizer a qualquer bichp-casrêta, que os senadores
e deputados são mandatarios do p o v o ” . (O Carapuceiro n. 17
de 1837). “ Os eleitores não devem cerrar os olhos e votar ce­
gamente em qualquer bicho-carêta.” (O Diabo n. 6 de 1883).
“ Esquecidas as nobres acções, todo bicho-carêta é agraciado” .
(Lan tern a Magica n. 236 de 1888).
Bi,cho,-carpinteiro — O que ataca, principalm ente ás crian ­
ças, como diz o vulSo de modo a ser inquietas, não parar em
lugar nenhum, andar sempre em m ovim ento, e não pod er es­
tar assentadas p or muito tempo.
Bicho de sete .cabeças — Uma cousa insignificante, de no-
nada, cavillosa e aleivosam ente encarecida, commentada, re ­
provada e punida mesmo, como de muita im portância e gra­
vidade: P o r uma cousa de nada faz-se um bicho de sete cabe­
ças! A locução vem dá l^abula, e tomada na hydra ou serpente
da lagôa de Lerm a, que tinha sete cabeças, que renasciam ao
passo que se lhe cortavam , até que H ercqles conseguiu matal-
a, term inando assim o te rro r e os damnos que causava o h or­
rendo bicho de sete cabeças.
Bicho do matto — Individuo inaccessivel, desconfiado, re-
trahido, grosseirão.
Bicho dos pés — Nigoa, pequeno insecto da ordem dos di-
pteros (P u lex penetrans, L in n .) sobre o qual, Pisonis, que
principalm ente o estudou, em Pernambuco, escreve: Minu-
trissimos verm icolos lusitanis Bicho, brasiliensis Tunga hoec
terra nutrit” . R egistrando Aulete o term o Nigoa, diz que o
pequeno insecto deste nome, é origin ário da A fric a e da A m e­
rica m eridional onde tambem é chamado tunga ou bicho dos
pés, consoantemente assim com aquella denominação indigena
citada p o r Pisonis. Segundo Langaard, é a fem ea dessa peque­
na pulga muito frequente no Brasil, que se introduz debaixo e
ent red or das unhas ou em qualquer outra parte dos pés, fo r ­
mando depois um sacco cheio de ovos, que cumpre extrahiv
todo, pondo um pouco de cal de parede no buraco. “ Olhei-lhe
p ’ ra os pés, Benzi-me de m edo; P ’ra mais de cem bichos T i ­
nha em cada d e d o ... O negro é bicho de pé, E ’ peste, é sujo,
é m orrin h a” . (F o lk -lo re Pernam bucano). “ Os belgas em pou­
co tempo tornaram-se magros, amarellos, com os pés cheios
de bichos.” (L an tern a Magica n. 201 de 1877).
Bicho papã|0 — Monstro horrendo, im aginario, com que
se faz medo ás crianças para as conter ou adorm ecer.
Bico — Guarnição ou peça de desenho variado, larga ou
estreita, terminando ao c orrer da extrem idade in fe rio r em
bicos ou pontas angulares ou semiculares, harmonicamen-
te dispostos, para enfeite de toalhas, lenços, fronhas, roupa de
crianças e mulheres e outras peças de tecidos. F eito de linhá
branca, com bilros, sobre um pique ou m odelo em papel en­
corpado colorid o de amareUo á gengibre, e preso a almofada,
vem desses recortes ou bicos da peça a sua denominação entre
nós, como a de bicão na Bahia. “ Emquanto houver boceteiras
vendedeíras de bicos e rendas, o deus frech eiro não ha de pa­
decer falta de bons procu radores” . (O Carapuceiro n. 69 de
1837). “ A borreço as velhas que usam de calças com rendas e
b icos” . (Lan tern a Magica n. 10 de 1882) . “ Vistosos cabeções
de que pendem, não sem acertadas, combinações, bicos e ren ­
das bem feitas e elegantes” . (F ra n k lin T a v o r a ). D inheiro, a
fracção de m il reis: cinco bicos, dez bicos, etc. “ Esses sim, é
que hão de salvar o Brasil depois de pagos os bicos que d eve” .
(O Patusco n. 4 de 1886). “ Custando um bico só, a Serpentina
(L iv ro s deSortes) se vende em toda a p arte” . (A Pim enta n.
33 de 1902). “ Levem uma pelega de um bico e terão a respe­
ctiva garrafa da sympathica brazileira, (Jornal do R ecife n.
49 de 1914).

105
Bico ide tesoura — A ve sertaneja, muito vulgar.
Bicos — Arranjos, negocios, encommendas; cousas in si­
gn ificantes: T e r ainda que vêr, arranjar, ou satisfazer uns
bicos, ou mesmo biquinhos, como concurrente e mais frequen­
temente se d iz.
Bicuda — P eix e de agua salgada (Isiophorus americanus,
C u v .), a que os indios chamavam Quebuçu’, e mudado em bi-
>
cuida, pelo bico ou aguilhão agudo e duro, com que pronuncia­
damente term ina a cabeça. Faca de ponta. “ O capitão fo i
preso publicamente, com uma fàca de ponta, mas logo que
chegou á casa do Aragão, fo i immediatamente solto e entre­
gue a bicuda” . (O Clam or Publico p. 66 de 1845). “ E p o r se­
gurança Me puz afastado Tem endo as bicudas Que vem do Pas­
m ado” . (O Viapor dos Traficantes n. 260 de 1860). “ Oh! pa­
tife ! espera que já te arranjamos, disseram;, e descascam as
bicudas de Pasm ado” . (A m erica Illustrada n. 14 de 1883). V.
Pasmado.
Bicudada — Facada. “ Bateu a mão a um faquéo, e cor­
reu-lhe uma bicudada, que não o alcançou” . (O V ap or dos
Traficantes n. 198 de 1860).
Bicudo — Passaro canoro, de um bello canto, forte, es­
tridente, porem muito harm onioso, sonoro e agradavel, e por
isto tido em grande apreço; é de bico grosso e adunco, vera
dahi o seu nome vulgar. “ Como m elros são negros os bicudos,
Mais destros e agradaveis no seu c a n to ... Bello e querido
Bicudo, Stás tam mudo! Porque não queres can tar?” (Jerony-
mo V ile lla ). Dous bicudos não se beijam. (D ictad o p o p u la r ).
E scravo clandestinamente im portado da A fric a depois da L e i
da repressão do trafico, que baixou em 7 de N ovem bro de
1831, regulamentada p or decreto de 12 de A b ril de 1832 e re*
mettida ao govern o de Pernam buco para os devidos fins por
A viso de 17 daquelle mez e anno. “ Chegou ao norte de Goy-
anna um lanchão da costa d’A frica, trazendo uns cem bicudo?
que foram apprehendidos pelas autoridades policiaes daquel-
la cidade” . O Clam or Publico n. 42 de 1845). “ E ’ verdade
que desembarcaram 300 bicudos e, que só 50 foram remèttidos
ao chefe de p olicia; mas o que querem ? A maldita peste lam ­
beu os outros” . (Id em n. 87 de 1846). “ A i dos trezentos b i­
cudos que tenho lá na B ah ia!” (O Patuléa n, 18 de 1850). “ Des-
ía eleição depende a bôa chegada e desembarque de um carre­
gamento de 800 bicudos” . (O Gallego n. 7 de 1850).

106
Bidé — Pequeno m ovei de quarto de dorm ir, collocado
junto á cama, para a guarda do vaso, em uma peça in ferior,
com portinhola; e na superior, com tampo de m adeira ou m ár­
more, para a palm atória ou castiçal e a caixa de phosphoros.
B ife —. O inglez. Codificado o vocábulo nos nossos lexi-
cons mas com as expressões particulares que tem na culinaria,
é um corruptela da palavra ingleza beef, boi, e dahi a sua appii-
cação depreciativa aos filh os da velha Albion, p or serem
grandes com edores de bifes. “ O F letch er é um c h e fe ... A h !
bife de uma fig a ! Se um dia te pegamos de geito tu has de
aprender a tratar com sinceridade” . (Lan tern a Magica n.
875 de 1907). “ O bife que desorganisa a Companhia de Olinda,
é um homem teim oso” . (A Lanceta n. 60 de 1912).
Bigode — P a ' n in h o de canto regular, mas de pouca vida
na gaiola. Tem cabeça branca com uma pequena lista p re­
ta, recurvada, sobre um lado e outro do bico, á laia de bigode,
vindo dahi o seu nome vulgar.
Bilhete — Cascudo, peteleco na çabeça: Dar, levar, tomar
uns bilhetes.
B ilh eteiro — t) que vende bilhetes de loterias. O b ilh e­
teiro fulano vendeu o numero tal, que tirou a sorte grande” .
(Lan tern a M agica n. 178 de 1887). “ O Yianna, bilheteiro da
loteria de Sergipe, compareceu de calças arregaçadas” . (A P i­
menta n. 39 de 1902). “ As bilheteiras! Genuinos m eirinhos de
saias, embrulhadas em chales, cabellos de cocó á moda boei-
r o ” . (Lan tern a M agica n. 813 de 1905).
B ilheteria — Saleta nos vestibulos dos theatros e casas
de diversões onde se vendem os bilhetes de ingresso.
Bilo-bilo — M ovim ento do dedo indicador sobre os labios
das creanças para as agradar e fazer sorrir, pronunciando-se
o bilo-bilo, repetidam ente. “ O Sr. Osorio com um dedo nos
labios fazia o bilo-bilo. (O Di,abo a quatro n. 150 de 1878).
Bilontra — Bohemio, um desoccupado gamenho, industrio­
so, que v ive de expedientes, sangrandõ á humanidade, mas
com certa encadernação e ares de homem serio, e assim en­
chendo as ruas de pernas, ou estacionando nos cafés e Restau­
rants. “ Essa igrejin h a de bilont,ra da im prensa” . (O João
Fernandes n. 43 de 1887). “ Ja não ha quem indague da vida
deste b ilon tra” . (A Pim enta n. 1 de 1902). “ O caminho da glo ­
ria, na expressão de um bilontra nosso camarada, é semeiado
ide cacos de ga rra fa ” . ( A Illustração n. 3 de 1895). “ Bohemio,
descuidado, hoje chamariam a G regorio de M a tto s'd e bilon-

107
tra ” . (A ra rip e Junior). Este vocábulo vem do R io de Janeiro,
dos annos de 1885, tendo por ereador o popular e original ty-
po de rua vulgarmente conhecido por Castro Urso, que na-
quella epoca, descuidosa e despreoccupadamente ali passava
vida folgada e milagrosa, e sobre o que Carlos de Laet e s c re ­
veu o seguinte, em um folhetim publicado no Jornal do Com-
mercio, em 9 de Março de 1886: “ O Urso metteu uma palavra
no diccionario. Para variar chamavam-no Lon tra: e elle re ­
torquia antepondo com agudeza p hilologica o p refix o b is ...
Oh Lon tra! oh Lon tra! berrava a molecagem. E vocês são Bi-
lontras!, respondia o philologo. F o i assim que nasceu o termo
de accordo com as prescripções glottologicas” . Naquelle mes­
mo anno appareceu na côrte a peça O Bilontra, revista de 1885,
que fez as delicias das platéas dos seus theatros, e assim vul-
garisado o r..ivo termo, teve immediatamente curso entre nós,
de sorte que, e ainda em 1886, deu-se o nome de Bilontra ao
orçamento p rovin cial em discussão na Assembléa Legislativa:
e a imprensa opposicionista e os periodicos illustrados acom­
panhando a corrente, no mesmo tom se pronunciava. “ 0 ob­
jecto que presentemente mais desafia a curiosidade publica é
o orçamento B ilon tra” . (Lan tern a Magica n. 161 de 1886).
Emfim , encerrada a Assembléa, e uin outro p eriodico (O João
Fernandes n. 3), noticiando o facto, exclam a: “ Surgiu num
laborioso parto um monstro, um bilontra, um zero, um sangue-
suga, o O rçam ento!” Assim vulgarisado o termo em todo o
paiz, Beaurepaire Rohan c Macedo Soares o inscrevem nos
seus Vocabulários, e transpondo mesmo as suas raias, fo i ter
voga em Portugal, e codificado p or A lberto Bessa no seu liv ro
A giria portugueza como termo popular, o mesmo que p elin ­
tra, indivíduo sem importância, e emfim por Cândido de Fi-
gueredo no seu Diccionario, como voz portugueza com as ex­
pressões de velhaco, espertalhão, e como brasileira com as de
homem despresivel, que frequenta lupanares e más compa­
nhias. E assini se escreve a h istoria!. ..
Bilrada — Cacetada, paulada: Dar, tomar umas bilradas.
“ Em poucos minutos choveu cacete, que for serviço. Tom ei
bilradas a valer.” (Jornal Pequeno n. ‘26 de 1915).
B ilro — Cacete curto, grosso: Metter o bilro. “ T alvez os
seus 2.000 homens de que fala o Pedro II, e talvez armados de
bilros, não lhe appareccssem” . (A Ponte daí Boa Vista n. 6 de
1836).
Binga — Chifre de b oi usado pelos pedreiros para servi­

108
rem-se d ’agua nos trabalhos do seu o ffic io ; tabaqueiro òu cor-
nimboque, no alto S. F ran cisco. O vocábulo é tomado da
lingua bunda ou angolense, e com a p rópria expressão de chi­
fre, como, em geral.
Biquara — P eixe do mar, de escamas, tão vulgar entre
m s como nos mares do archipelago de. Fernando de Noronha.
Biquinho — D im inuitivo de bico, para distinguir o largo
do estreito; certo pronunciamento dos labios como expressão
de enfado ou desdem, ou em contrações, como prenúncios de
choro: Fazer biquinho.
Biquinhos — Umas tantas cousas miúdas, de pouca m on­
ta, que restam fazer para a conclusão de um trabalho ou ser­
viço qualquer; pequenos aprestos ou preparativos com plem en­
tares á qualquer cousa; pequenas encômmendas ou com pro­
missos a satisfazer. “ Mandou preparar a casa da Relação, pa-
ramental-a de m obília e mais alguns biquinhos, com enormes
gastos” . (O Guarda N acional n. 7 de 1843). “ A pedra funda­
mental do Hospital Pedro II, custou ao thesouro provincial,
com mais alguns biquinhos, como canôas de areia, de cal, de
Ujollos, etc. etc., 4:000*000” . (A Carranca n. 4 de 1847). “ O
Vasco andava oecupado em arran jar dinheiro para satisfazer
uns biquinhos de que ainda estava em d ivid a ” . (O Consérvador
Verm elho n. 29 de 1863.
Birrada — Uma cousa qualquer, que occorre, de causar
encommodo, contrariedade, p reju izo: Esta fo i mesmo uma
birrada! Cousa excellente, supimpa, vistosa, de crescer os
olhos: Um forrobod ó, uma rapaziada de b irrada! “ Mesa chi­
que, de birrada, para fazer "eleições a supapo e cannelões” .
(A m erica Illustrada n. 17 de 1880). “ Contracto de bocorio,
que um certo fin orio, camarista de birrada, sob palavra f i ­
ze ra ” . (Idem , n. 13 de 1881). Variante chula de bilrada, e
com as sua próprias expressões. “ O F igu eiró leva um mar-
m elleiro para desancar o Sr. L eclerc com algumas birradas
para acalm ar-lhe as com ixões da lingua” . (A Lanceta n. 51
de 1890). “ F o i uma birrada só, no alto da cabeça, e o cabra
fo i espernear na lama do b ecco” . ( A Pim enta n. 487 de 1906).
B irro — O mesmo que b ilro. M anejei o b irro, contei pon­
to. fiz um riseado, e 'a rru m e i outra porrada na caixa do ca-
tharrc* do camarada” . (A Pim enta n. 487 de 1906).
Bisaco — Em bornal, sacco, muchila. “ Bati a mão no
bisaco E logo o fumo lhe d ei” . (Cancioneirjo do N o rte ).
Bisca — Individuo de caracter equivoco, de má fé, trapà-

109
ceiro: A qu illo é uma bôa bisca. “ H averá nesta cidade quem
não conheça esta bisca? E ’ uma joia de preço; a seu tempo
será em palhado” . (O Diabo a quatro n. 45 de 1876). “ A pe-
quena naturalmente não sabe com que bisca está tratando” .
(A Pimenta n. 553 de 1907). Experteza, astúcia, sagacidade,
trapaça. “ Deixe-m e embarcar esta bisca, com a qual estou
empenhado, para que não venha o az apanhal-a” . O Barco
dos Patoteiros n. 11 de 1864) .
Biscate — Mulher moça, atoa, avoadeira. “ Vou atraz de
biscate, um biscate qualquer, muito barato” . (A Pimenta n.
1 de 1901). “ Ha bois, ha sambas, ha grandes pastoris, muitos
biscates bellos da m ilic ia . ” (Idem , n . 28) .
Biscoitar — O mesmo que abiscoitar. “ Muitas branqui­
nhas tem feito, sendo p mais notável a que ultimamente p ra ­
ticou com cs inglezes, a quem biscoitou uns poucos de contos
de re is ” . ( A Tentativa; F eliz n. 4 de 1849). “ A ’s quintas feiras
lá vão para palacio biscoitar o chá de S. Excia. (O Clarim
n. 11 de 1878).
Biscouteira — Vaso p ro p iio de guardar biscoutos.
Bisnaga — Pequeno tubo de fina lamina de chumbo, fle ­
x ível, contendo tinta para pintura e aquarella; e maior, de
tamanhos diversos e -grossuras proporcionaes, contendo agua
perfumada, que seringa de um pequeno o rific io apertando-se
o tubo, usada nos jogos de entrudo, pelo carnaval. “ Bisna­
ga é uma pequena seringa inventada por John Gosnell con­
tendo liquido cheiroso, de que se costuma fazer muito uso
pelo ca*rnaval” . (O Clarim n. 13 de 1878). “ Que S. S. em­
punhe, em vez da questionada vara, uma bisnaga” . (O Diabo
a quatro n. 34 de 1876) . “ Nas vitrines de varias lojas figu­
ravam expostas as mais finas bisnagas, a la mode de P a ris ” .
(O Binoculo li. 7 de 1882). Pelo carnaval de 1890, e outros
posteriores circulou um jornalzinho humorístico sob o titu­
l o : A Bisnaga.
Bisnagar — Molhar, brincar, jo ga r com b&sjiagas pelo
carnaval. “ O inspector da Alfandega, de bisnaga em punho
a bisnagar a quem passava” . (Lanterna Magica n. 5 de 1882).
"Encom m odar, satyri&ar, massar, d ep rim ir. “ Fra D iavolo
não pode concluir neste numero as suas bisnagadas” . (O D ia­
bo a quatro n. 7 de 1875). “ Bisnagamos os nossos leitores
com algumas charadas” . (Idem . n. 31 de 1876).
Bispar — Observar, espiar, espreitar; olhar com atten-
ção, com interesse; surprehender, ver qualquer cousa que se

110
faz sem ser suspeitado ou com preh en dido. Term o muito v u l­
gar entre nós com semtelhantes accepções, vem, poreni, da gi-
ria portugueza, e já corrente em meiados do seculo X Y l l t e ­
mo assim contemporaneamente escreve D . Francisco Mano­
el: “ Bem encaixava sobre as ordens aqui agora o bispar, que
é palavra da giria a respeito de Ver” . Moraes registra o ter­
mo, como fam iliar, como as expressões de ver de longe, lo ­
brigar, e dahi successivamente, até Aulete, com a mesma in ­
dicação, e correspondentes accepções, um pouco destoantes
das nossas.
Bitacula — Cara, rosto; o nariz, as ventas. “ 0 seu anta­
gonista, zaz, foi-lhe ás bitaculas” . (A m erica Illustrada de 26
de Janeiro de 1873). Sorrias sempre que eu passava, e hoje
viras-m e áa bitacula” . ( A Pim enta n. 14 de 1902). “ A mulati-
nhá sahiu á procura do meco, e encontrando-o deu-lhe um
baile especial, ameaçando ir-lhe á bitacula” . (Idem . n. 86 ue
1902). “ Levantei-lhe pela bitacula o pé da bota, e me esca
puli ” (Id em n. 571 de 1907).
Blusa — Especie de camisola ou paletó, de lã ou linho,
frouxo, largo, de apertar na cintura, usado p or soldados e
operários; corpete de um tecido qualquer, não muito aperta­
do, afoBado, de mangas curtas ou compridas, para vestir, ge-
realmente, com saia de outra fazenda de cor d ifferen te. “ As
blusas variam infinitam ente. Cada m odelo apresenta um as­
pecto particu lar. A renda, o filó , a musselina de seda se al-
liam ao velludo, ao tafetá, ao setim ” . (Jornal Pequeno n. 51
de 1916). “ M m e ... Bem confeccionada saia de flan ella cre­
me, e fin a bluza branca, bordada” . (Jormal do R ecife n. 315
de 1913).
Boa hora — . Parto, delivrance, com o se diz m odernam en­
te, ou como nos tempos de antanho, livram ento, bom succes-
so e dahi estas invocações da V irgem M aria ditadas pela p ie­
dade christã, e bem assim, a da Boa Hora., “ Immensos lo u vo ­
res Demos á Senhora, a denominada Mãe da Bôa H o ra ” . (V e r ­
sos de um n o v e n a r io ). Deus lhe dê uma bôa h ora: Votos de
um parto feliz, p ro p icio .
Bobage ou Bobagem — Asneira, tolice, palhaçada; cousa
sem im portância, insignificante, atoa, que< pouco ou nada v a ­
le, de interesse secudario: Desgraça pouca é bobage, e muita
é calungage. (Dictaido popular). “ Não gasto meu dinheiro
em bobages” . (A m erica Illustrada n. 34 de 1879). “ Astrono-
m o de bobagem, aconselhára o dia da lua cheià pará a rega-

111
ta, visto ter chovido na lua n ova” . (Lanterna Magica n. 125
de 1885).
Bobéa — O mesmo que Bobagem. “ Fala-se p or ahi que o
Sr. Barão quer fazer bobéa, afim de v e r se encarta o seu m i­
moso no numero dos treze deputados” . (O Guarda Nacional
n. 127 de 1844). “ Theatro em Santo Am aro. Empreza de bo­
béa” . (A m erica Illustrada de 28 de Julho de 1872). “ Ourives
da rafaméa, douradores de bobéa” . (Idem , de 7 de Dezem bro
de 1873).
Bobó — Certa especie de peixe mencionada p or Jerony-
mo V ile lla ; comida muito vulgar, de origem africana, como
indica o seu nome, feita de feijão preto ou mulatinho, liem
cozido, e form ando uma especie de massa ou papa pouco con ­
sistente, coberta com azeite de dendê, e com certa dose de
pimenta em p ó. “ Criado pela Mariquinhas, em fraldas de ca­
misa, rufando na cuia, e comendo bobó na ribeira da Bôa
V ista” . (O Azorrague n. 7 de 1845). “ Não temeis arrebentar
a panella do b o b ó ?” (O V apor dos Traficantes n. 210 de
1860).
Bobóca — O mesmo que Bibóca.
Babozeira — O mesmo que Babuzeira. “ Aquelle coronel
não nasceu para estas babozeiras” . (A m erica Illustrada n. 6
de 1879). “ Nós queremos que O Estado varie alguma cousa,
dê-nos noticias politicas, mortes, tiros, facadas, bonds des-
carrilhados, pintos de quatro pernas e outras bobozeiras
iguaes” . (O M ajor Leal n. 1 de 1890) .
Boçal — Assim se chamava ao negro novo que chegava
da A frica escravisado, emquanto não aprendia alguma cousa
do portuguez, dos prim eiros preceitos da religião, e ficava
pratico no serviço que lhe era destinado, conseguido o que,
d ecorrido certo tempo de aprendizagem e pratica, dava-se-
lhe o-nom e de ladino. “ O negro ladino e creoulo olhava com
desdem o parceiro bocal, alheio á lingua do senhor” . (Ca-
pistrano de A b reu ). Este qu alificativo porem, concurrente-
mente com o de negro novo, já vinha da segunda metade do
seculo X V II, quando a elle se refere G regorio de Mattos, di­
zendo ein uma das suas Satyras: “ N egro ladino é c r io u lo ...
Porque io d o s entendaes, Os ladinos e os boçaes.”
Bocca de lôbo — Sargeta, “ Aqui, as ruas alçadas são bem
servidas de boccas de lô b o ” . (Jornal do R ecife n. 157 de 191G.
Bocca de sino — Bacamarte de cano curto e grosso, que
na extrem idade superior abre um pouco, ficando assim a

112
bocca com um diâmetro superior, coin a feição de um sino,
vindo dahi r. denominação vulgar da arma, não somente cor­
rente entre nós, como em alguns outros Estados do norte.
“ Vicente Lopos tomou o seu bocca de sino, a que dava o no­
me de canario, e quando em acção, ao disparar o prim eiro
tiro, recitava sempre em altas vozes esta quadra: Quando o
canario abre o bico, Turba-se o tempo, meu bem ; Chore
quem tem de chorar, Que não sou pae de ninguém” . (R e v is ­
ta do Instituto do Ceará, T . X X IX , 1915).
Boccado — Alim ento, comida, refeição : T ira r o boccado
da bocca; tirar a alguem os meios de subsistência. “ O ra­
paz, mal engole o boccado, monta logo a cavallo” . (O Vapor
dos Traficantes n. 111 de 1859). “ Eu estava de fome, De fo ­
me traspassado: Mulher de minh’alma Dá-me um boccado” .
(F o lk -Io re Pernam bucano). “ A i! que desgosto profu ndo! Co­
m o ganhar o boccad o!” (A Pim enta n. 20 de 1901).
Boccal — Bigode. Vem lahi a plirase Boccas e ponteira,
alluriva a pêra e bigode.
Bocca-moIIe — P eixe de agua salgada, a que os indios
davam o nome de Pirá-jurum em beca.
Boccas — Pessoas que constituem uma fam ilia habitan­
do o mesmo lar; O João tem uma carga muito pesada; sus­
tenta dez boccas.
B occorio! — Voz in terjectiva para im por silencio, corres­
pondente a vulgar de caluda!, ou empregada quando não se
quer falar ou dar opinião sobre uma cousa qualquer p or da­
dos m otivos. De boccorio: dizer, prom ettendo fazer alguma
cousa, mas por com prazer, simples form alidade e fa'nfarrice,
para se mostrar, sem o animo de verdade, firm eza e delibe­
ração de cumprimento da palavra: Cousas de boccorio; de
bocca; dos dentes p’ra fó ra . “ P oz -o meco nos cornos da lua,
e abonando-o, de boccorio, já se sabe” . (O vapor dos T r a fi­
cantes n.° 97 de 1859). “ Mas qual! Era tudo patriotagem de
boccorio” . (Lan tern a Magica n.° 46 de 1883).
Boceta — Nom e antigo e generico de ttix a , da papelão,
madeira ou folha, para usos diversos. (Boceta de folh a com
balas cada uma de vinte libras, noventa e sete” . (In ven tario
das armas e petrechos deixados pelos hollandezes, 1654).
Caixa de rapé, de formas diversaá, feita de tartaruga, ch ifre ou
chumbo, e em tempos que o rapé fez epochas, ou que teve
a sua epocha, de ouro ou prata, artisticamente trabalhadas.

113
“ Sou um dos prim eiros tabaquistas do mundo, disse elle, sa­
cando do bolso uma boceta” . (O Paiz n.° 59 de 1856). “ Uma
boceta cara, repleta de bom rapé” . (A Pim enta n.° 28 de
1902). “ Menina me dai tabaco. Nessa vòssa bocetinha, Que
a minha ficou em casa, Fechada na gavetinba” . (T ro va s p o ­
pulares) .
Boceteira — Mulher que se em pregava no pequeno com-
m ercio, ambulante, de miudezas e réndas, accoimhodadas em
caixas ovaes ou cylindricas, de madeira fina, com tampa, e
vistosamente pintadas, e que tinham o nome vulgar de boce­
tas. As boceteiras pagavam um imposto municipal, que v i­
nha da lei orçam entaria de 1837-38, e ainda figurava, nom ea­
damente na de 1855, sob esta rubrica: Taxa de 2$000 paga
annualmente pelas licenças que obtiverem os mascates e bo-
céteiras, que venderem no niunicipio. “ Vende-se uma negra
boceteira, moça, bôa figura, no becco da Lingueta casa n. 1.”
(O Cruzeiro n.° 24 de 1829). “ Emquanto houver boceteiras
vendedeiras de bicos e rendas, o deus frech eiro não ha de
padecer falta de bons procuradores” . (O Carapuceiro n.° 69
de 1837).
Bocó — Im becil, tolo, papalvo. “ Não julgue que o sor-
veteiro é algum bocó; moleque firio, estradeiro, dá tinta em
muito doutor” . (A Pim enta n.° 637 de 1908).
Bóde — Mulato, mestiço. (M acedo S o ares). “ A o tales*
tiço deu-se o nome de cabra, bode, e outros titulos malsinan-
te s .” (S y lv io R o m ero ). A especie porem, é muito vasta; e
como escreve Luiz Gama, autoridade insuspeita, na sua p oe­
sia, A Bodarrada, “ Bodes ha de toda a c a s ta ... Uns plebeus,
e outros nobres, Bodes ricos, Bodes sabios, importantes. E
tambem alguns tr a ta n te s ...” E até mesmo. “ Onde habita a
Divindade, Bodes ha santificados Que p or nós são adorados.”
“ Bode de cabello grande M erece ser penteado Com pente de
cinco pernas Para não ser c o n fia d o .” (Quadras p op u lares).
“ Quanto as minhas qualidades physicas, é fraqueza, sou mo­
reno na lingua daquelles que julgam que r.ão me conheço
neste ponto; na linguagem o ffic ia l sou' pardo; e na minha
sou bode ou cabra; mas fiquem tambem sabendo que tenho o
sangue v e rm e lh o .” (D e uma correspondência do M onitor Sul
M ineiro, de 1884, citada por Macedo o S a re s ). “ Nos lundu’ s
e nas modinhas São cantadas as b od in h as.” (L u iz G am a).
Bòde quando não berra salta; Olhou p ’ra num, olhou p ’ra um
bode, com a minha vida ninguém póde; V iva quem tem bigode;
quem tem cavanhaque é bode. (D ictados) . P ara indirecta-

114
mente se chamar de bode a um individuo que pouco demonstra
a sua origem mestiça, diz-se, que, em pequeno, coçou a ore­
lha com o pé. D erivados: Bodengo, com igual expressão de­
preciativa e Bodejar, de sentido obvio. Segundo Teschauer,
chama-se bode ao mulato, p or causa da catinga comparada
com o bodum dos cabritos. Denominação das figuras do ba­
ralho em certos jogos e com valores particulares em cada um
delles. “ Tenho um sete; se vier um bode estou garantido” ,
(Jornal do R ecife n. 91 de 1914).
Bodes — D inheiro, a unidade de mil réis. “ Deu-me cin-
coenta bodes que me serviram bastante.” (A Tempestade n.
12 de 1585). “ Queira Ym c. mandar pagar os vinte bodes, que
ha perto de um anno, pediu para certo a rra n jo .” (Am erica
Illustrada de 30 de N ovem bro de 1873). “ Pelo trabalho quero
cem bodes, e mais as custas.” (Lanterna Magica n. 839 de
1906).
Bodião — Palrador ou escrevinhador incorrectp, asnei-
rão, imbecil, mas atirado, presumido, audaz, exhibicionista, in ­
consciente do triste papel que representa. “ Os bodiões vão
surgindo lentamente, e a grande invenção de Guttemberg vai
gendo sevandijada. ” (O Etna n. 29 de 1882). “ Formam to ­
dos reunidos um grupo de bodiões.” (Lan tern a Magica n. 123
de 1885). “ N o talento é sem igual! Só vejo em si Bodião.” (A
Peia n. 9 de 1904). O vocábulo vem do appellido Bodião de
escama, de um popularissimo typo de rua, loquaz e palrador,
mas ignorante e asneirão, e sempre debaixo de um aguacei­
ro medonho, mas equilibrando, palrando sempre, fazendo dis­
cursos bestiologicos, e definindo a seu modo quanta pergun­
ta se lhe fazia, provocando o riso, pelos seus destemperos.
Nessa vida de bohemio, nesa sua bilontragem, estacionando
nos cafés e restaurants, e preferentem ente na Academia de
D ireito, andando p or toda a parte, em fim , e quasi, esmpre a-
companhado de um cortejo de estudantes, fartava-se o B o­
dião á custa alheia, e recolh ia sempre o necessário para os
encargos da fa m ilia ,. que, honra lhe seja feita, nada soffria
com os desmandos do chpfe. “ FrancisGo Duarte da Silva, p or
antonomasia Bodião de escama, bebe aguardente e faz cigar­
r o s . ” (A m erica /Ilustrada de 7 d e-m a rço de 1875). Tratan ­
d o o period ico illustrado, O Diabo a quatro, no seu n. 65 de
1876, de um meeting em que houve grande sarrabulhada, es­
creve: “ Bodião de escama fecha brilhantemente a historia do
dia com um de seus bellissimos im provisos, A soberania ap-
plaude-o freneticamente, num sem icírculo de amisades, como
se exprim iu o o ra d o r.” Encontrando-se elle com um conhecido
trajando rigoroso luto, e sabendo que rnorrera-lhe o pae, ex ­
clama: “ O sr. seu. pae teve a honra de m orrer? A terra lhe
seja b rilh a n te .” Agora, apenas duas de suas originaes d e fi­
nições: A mulher é uma escarradeira de amor;. A vida é um
rascunho de saudades O appellido ou alcunha de Bodião de
escama, vem, não sabemos porque, de Bodião, vulgar e co­
nhecido peixe do mar, aliás de couro e não de escamas D e ri­
vados de expressões obvias: Bodionada: “ Concedemos que r e ­
cite uma Bodionada qualquer a ’ un a rtis ta .” (A m erica Illus-
trada n. 5 de 1882. “ Os professores de^prim eiras letras hoje
mettem o nariz em tudo; quem quizer uma bodionada fale com
uns c e rto s .” (O Tam oyo n. 18 de 1891). Bodionice: “ Acho eu,
portanto, que o teu pastellão só pode ter esta classificação, lit-
teralmente fallado: Bodionices.” (M ephistopheles n. 7 de 1883).
Bodionico: “ Só o Sr. Lucena seria capaz de p rovocar seme-
lhants arrojos de uma cabeça judiciaria e de um tem pera­
mento bodionico.” (O Diabo a quatro n. 84 de 1877). “ O m o­
ço além de ser bodionico, é um pensador p ro fu n d o .” (L a n ­
terna Magica, n. 4 de 1882). “ T u ’ m orrerás assim tão moço
de uma bodionica congestão. ” (O Etna n. 32 de 1882).
Boeiro — Chaminé. “ A casa do engenho é construida de
tacaniças e pilares. O boeiro alto e esguio assignala-a em dis­
ta n cia .” (A lfre d o Brandão). “ O boeiro da fabrica de tecidos
da T orre, a dar signal aos operários da hora de en trad a.”
(Jornal Pequeno n. 15 de 1916). Cano d’agua, com o define
M oraes; o mesmo que bomba. “ As aguas que passam vão se
aocumular atraz da grande estrada de Caxangá, que lhe serve
de dique, com onze boeiros construídos de distancia a dis­
ta n cia .” (R ela to rio das Obras Publicas, 1876). O term o nesta
accepção vem já de longe, com o se vê de um o ffic io do go ­
vernador L u iz do R ego tlirig ico ao m inistro T . A . de V illa
N ova Portugal em 31 de maio de 1818 dando conta dos traba­
lhos da estrada de Olinda, que em prehendera: e descrevendo
e que estava feito até então, diz que “ tem um grande boeiro
para dar sahidas as aguas da campanha con tigu a .”
Bofetão — Furto de dinheiro ou de outra qualquer cou­
sa. “ O sugeitinho vae p ôr na gaita o patrão acostumado a
gaveta todo dia ao bofetão.” (A m erica Illustrada n. 25 de
1882). Dar, passar: um prato á mesa, p or exemplo, em re ­
pasto intim o, expansivo: D ê um bofetão nessa fritada p ’ra
cá.
Boi — Feio, muito feio, mesmo: A qu illo é um b o i; feio

116
como um boi. Flu xo menstrual: Estar de b o i; chegar o Í j o í .
Abreviatura de Bumba meu boi, o conhecido e tradicional fo l­
guedo popular; um boi bem ensaiado; um boi de luxo. “ Be-
beribe sem boi ou presepe, é matta sem coelh o” ) (A m erica
/Ilustrada n. 1 de 1879). “ Ha bois, ha sambas, ha grandes
p a s to ris .” (A Pim enta n. 28 de 1901). “ Já de alguns dias para
cá funccionam em São José dois bois.” (D ia rio de Pernam bu­
co n. 261 de 1915). O vocábulo tem tambem assim curso no
Ceará. “ Pelas oito horas da noite sahiu o boi do b airro mais
canalha da v illa . ” (R odolph o T h e o p h ilo ). Boi de bagaceira:
R on ceiro, vagaroso, remanchão, encostado no trabalho. B oi de
botas: Indivíduo que não tem p or habito andar calçado, e que
fazendo-o, sente-se embaraçado, caminhando m al. Boi de
carro ou de correia : os de serviço dos carros de carga dos
engenhos ou usinas; quando porem são puxados p or tres
juntas, têm estas os nomes de junta do cambão, do m eio e
do coice. Boi de lo te: O de boiada. “ Tatu’ peba de capote
Com seu chapéo avoador Inda mette mais pavor Do que mesmo
boi de lo t e .” (T ro va s p op u lares). Boi e s p ic io : Segundo Syl-
v io Rom ero, quer dizer boi de pontas largas; e como escreve
José de Alencar, “ significa, na lingua do sertanejo, o b oi que
tem armação aberta e esgalhada, concluído: “ Os nossos rús­
ticos fizeram este adjectivo pelo mesmo processo que os sá­
bios em pregaram para de Olympo, tirarem Olym pio, de rosa,
roseo, etc. E ’ a disinencia ius muito frequente no latim . Es-
pacio representa, portanto, a form a passiva de espaçado.”
“ Eu tinha o meu Boi espacio, Muito preto, carauna,” (D o r o ­
mance pastoril Boi E sp a cio ). Boi m ocam beiro: D o serviço
de uma propriedade ru ral: o gado mocambeiro do engenho.
Sapo-boi: reptil, o maior da especie dos batrachios. (Cera-
tophrys dorsatus, N ie u w ). Tens uns olhos de sapo-boi E p er­
nas de ta q u a ry.” (Z izin a e E sm eralda). Dictados e proloquios
populares: Andar o carro adeante dos bois; Apanhar como
boi ladrão; A uns morrem -lhe as vaccas, a outros parem-lhe
os bois; Boi aperreado dá em arrem etter; Boi não berra por
b ezerro; Boi mocho não dá chifrada; Boi morto, vacca é; Boi
olhando p ’ra palacio; Boi solto, lambe-se todo; Boi velho,
vacca nova; Camarada é boi de carga; Carro não anda sem
bois; Comer como um boi; Dar um boi para não entrar e uma
boiada para não sahir; De boi manso me guarde Deus, que
do brabo me guardarei; Engulir um boi e engasgar-se com
um mosquito; Ficar sem boi nem vacca; O boi brabo na terra
alheia se faz manso O b^i pelos cornos, o homem pela pala­
vra; 0 boi protestou tirar a camisa a fluem lhe tirasse o cou­
ro ; Onde se mata o boi, ahi se esfola; P é de boi é m ocotó;
P or onde passa o boi passa o vaqueiro com o seu cavallo; Sa­
ber dar o nome aos bois; Um boi voar; Vá dar no b oi que tem
o couro grosso. O boi fo i um dos prim eiros animaes introdu­
zidos na colonia, e por assim dizer, logo em começos de sua
fundação; e como os indios, tomaram-nas como uma especie
de anta estrangeira, deram-lhe o nome de Tapira-cobayguára.
Bóia — Assados, difficuldades, trabalhos, situação p e r i­
gosa; encommodos, maçadas: V er boia. “ O homem viu boia
na viagem, não obstante ser curto o trajecto.” (A za N egra n.
7 de 1882) . O que fica da vendagem de qualquer coisa. “ A
boia do jornal regulava mais ou menos á tiragem .” (Pernam buco
n. 308 de 1913). “ Compre esta b oia! P or Deus tenha dó de
mim por amor dos filhos seus!” (O Carnaval. 1914). Comida
de presos; rancho de soldado nos quartéis. “ Eu gosto da fa r ­
da e sinto as minhas inclinações pela boia do govern o.” (L a n ­
terna Magica n. 502 de 1890). “ O gatuno Bacuráo Ageitando
varios óvos, Pensava numa fritada; Mas triste desillusão!
Achou a boia guardada Na Casa de Detenção.” (Jornal do
R ecife n. 103, de 1913). R efeição em g e r a l.” “ P or ser pob re­
tão, comia triste boia de máo, feijã o .” (Lanterna Magica n.
156 de 1886). “ Boia intragavel, a da preta Joanna, nossa
ama.” (A Pimenta n. 30 de 1901). “ Fui a casa da mana apertar
o funge do alm oço, e não havia mais signal de boia.” (J o r­
nal Pequeno n. 26 de 1915). Boia, na acepção de rancho de ca­
deia ou quartel, vem do feijão servido, que p or mal cosido,
fica boiando.
Boiada — O gado do serviço de um engenho ou fazenda;
certa porção de bois reunidos em marcha; o gado acompanha a
bagagem de uma força em m obilisação ou acampada, destina­
do ao rancho. “ Do outro lado, seis tangerinos, tocavam para
dentro de agua uma boiada, passante talvez de cem cabeças.”
(F ra n k lin T a v o ra ) “ Eram tangerinos, vinham de cima, dos al-
'tos sertões, conduzindo boiadas.” (A lfre d o B ra n d ã o). D a í
um boi para não entrar e uma boiada para não sahir. (P ro -
loquio p o p u la re s). Espanta boiada. (V .)
Boiadeiro — Tangerino, eonductor ou tocador de boiâ-
da. “ O povo vota a maneira do gado, conduzido p or um
boiadeiro.” (O Guarda Nacional n. 37 de 1843). “ O que ca-
racterisava, dava tom a paysagem do sertão, eram a boiada
e o boiadeiro.” (Arth ur O rla n d o ). “ Thim oteo com prava por
dez réis de mel coado objectos de valor e vendia depois pela
hora da morte aos boiadeiros e alm ocreves.” (F ra n k lin Ta-
v o r a ).
Boiado ■— 0 que está parado no seu negocio, em maré
de caipora, sem apparecer compradores para o que está ven ­
dendo: Estar na boia; boiado.
Boiar — Estar na boia. “ O homem conseguiu vender . . .
8$000 de bilhetes, e boiando o resto, entrou contrariado em
uma taverna e bebeu certa quantidade de aguardente.” (P e r ­
nambuco n. 121 de 1913).
Boióte — D im inuitivo de b oi; garrote, boi novo. “ C or­
re, corre boiotinho; Tenho visto tanto boi, Quanto mais um
garrotinho.” (D o romance pastoril O Boi L i s o ) .
Bola — Gordo, nedio, robusto: O menino está, que é uma
b ola! Tom a figa ; benza-o Deus. Attractivo, engodo, suborno:
Comer bola. Pastilha envenenada para matar cães. “ Naquel-
la furia, p or caridade! a bola de strich yn in a. (O Diabo a
quatro n. 36 de 1876) . Pequena pelota de assucar refinado,
em ponto vitreo envolta em papel, ou mettidas em um cartu­
cho: bola de cheiro, de goiaba e outras fructas; bola queim a­
da; queim adinlia. “ Ligado ás descomposturas, e mentindo
como quem come bolas queimadas.” (Gaspar Gomes, Cartas,
1846). “ Um cartucho de bolas offerece ao m o n ito r.” (Am erica
Illustrada de 14 de A b ril de 1872). “ Mamãe se damna com
a negra das bolas dizer que só se casa com rapaz b ra n c o .”
(A Pimenta, n. 557 de 907).
Bolachinha — A rotu la,-isto é, o pequeno osso curto e
discoide sito no joelh o na parte dianteira da articulação do
fem ur com a tibia.
Bolada — Logro, embaçadela, brocada, preju izo: Dar, to­
mar uma bolada.
Bolandeira — Apparelho para descaroçar o algodão, e
assim tambem chamadas as casas que funccionam os mesmos
apparelhos, situados nas zonas algodoeiras do in terior do Es­
tado. À denominação de bolandeira foi originariam ente dada
a uma das peças do machinismo dos nossos antigos engenhos
de assucar, com o os descreve L o reto Couto, e bem assim Du­
rão, no seu poema, referindo-se ás que serviam para ralar
a mandioca para o fab rico da farinha. (Canto V II estr.
X X V III e nota re s p e c tiv a ).
Bolandim — Madeira de construcção c iv il. E ’ talvez a
gu ittifera Gulandim, descripta por Alm eida Pinto.
Bolão — Pequena porção de qualquer cousa; Bolão de
pirão, da Avinha de m andioca; bolão de angu’, fei^o de fubá
de arroz, e d“ form a arredondada, à especie de pequenos.bo­
los. “ Não ha angu’ sem bolão.” (A Marmota Pernambucana n.
22 de 1850). “ Mette-se num pouco de pirão um grão de m i­
lho e fazem-se tres bolões, para se advinhar onde está. (O
Diabo a quatro n. 52 de 1876).
Bolas — Uin typo ahi qualquer sem im portância e cota­
ção alguma: Aquelle sujeito é um bolas!, não vale uma cachim­
bada. “ O tal sargento encarregado do detalhe, é um bolas.”
(A m erica Illustrada n. 29 de 1879). Dicção interjectiva, de des-
dem, enfado, aborrecim ento: Ora bolas!
B ôleiro — O que exerce a pequena industria do preparo
de bôlos nas suas differentes especies, e o que faz a sua ven ­
da ambulante, em taboleiros apropriados. "E ssa constembla
anda a pegar todos os boieiros e geladeiros para conduzir ao
seu immundo p ard ieiro.” ( A Pim enta n. 649 de 1908).
Boléa — Especie de plataform a, com um ou dous assentos,
na dianteira dos carros de certos systemas, inclusive os fúne­
bres, e em certas ordens de carroças, onde vai o conductor ou
boleeiro que dirige os animaes do vehiculo. Estes vocábulos
boléa boleeiro, e ainda bolear, são vernáculos, mas de expres­
são outras que não as que tem entre nós.
Bolinar — Imprudente e propositadamente encommodar a
uma senhora que vai de passagem em um bonde, mexendo, to ­
cando nella. “ O habito que tens de bolinar, é a prova De que
breve terás de presente: uma sova.” (Z izin a & Esm eralda).
D erivados: Bolina, bolinagem. Alb erto Bessa registra o term o
bolina, que entre nós é o individuo que tem o habito de bolinar,
como brasileiro, com as expressões de perseguidor de mulheres,
conquistador de o fficio . “ O Domingos é um Lovelace elegante,
bolina chapado." (A Pimenta n. 65 de 1902). Bolinagem, de ex ­
pressão obvia. “ Os caboges andam numa actividade medonha; e
a bolinagem vae num crescendo assustador.” (Id em n. 6 de
1914).
Bolo — Palmatoada, pancada com a palm atória na palmo
da mão.” “ Os meus bolos darei com tanto ponto, Que o mun­
do ficará d’ouvir-me tonto.” Epigraphe do period ico Palm atória
dos Toleirões, 1833). “ Levados os presos á cadeia, ao desce­
rem para a enxovia são passados a bolo e a chicote.” (O Cla­
mor Publico n. 78 de 1846). “ Sovava com duas ou tres duzias
de bolos as pobres crianças a quem ensinava a mastigar la ­
tim .” (O Diabo a Quatro n. 49 de 1876). “ Chegue as mãos á

120
palm atória; ande, tome b olo.” ( A Duqueza do Linguarudo n.°
122 de 1878). Logro, calote, seixo. “ 0 O vidio, mestre da vida,
conseguiu passar um bolo na M ercearia Com bate” . (A P i­
menta n. 86 de 1902). “ Miss Oni fugiu para a Parahyba, dan-
de um bolo no hotel de duzentos e tantos páos.” (Id em n. 10).
T ypos misturados: uma composição em bolo. “ Vim os filas de
caixas typographicas, empastelladas, uma aluvião de bolos.”
f Jornal do R ecife n. 66 de 1916). D inheiro de mesa de ioso
das entradas de càda partida e de passagens, que o tira quem
a ganha: T ira r o bolo.
B olote — Bolinha, ou pequena porção de qualquer cou­
sa, e ainda mais expressivamente, bolotinho.
Bolso — Especie de abcesso nas gengivas, que se avolu­
ma pelo pus, causando grandes dores, em quanto não estoura
0 b o ls o .
Bomba — B oeiro ou cano subterrâneo para vazão d ’aguu
de um lado a outro de uma estrada ou rüa, e ás vezes com
çerta elevação superior ao leito, quando este é baixo, com ­
patível com a largura e altura do arco da bomba, de alvena­
ria ou pedra. “ T rep ei na bomba, Comi pitomba, Sacudi os ca­
roços Na machambomba. (F o lk -lo re Pernam bucano), “ Davam
seis horas da tarde, e já. o p rin cip io da estrada nova até a
bomba estava apinhada de gente.” (O Cometa n. 21 de 1844).
Levam os ao conhecim ento do a r. P re fe ito a, noticia do esta­
d o d eplorável em que se encontra a bomba do Taquary, em
T ig ip ió .” (Jorn al Pequeno n. 20 de 1916). Beco da Bomba, no
R ecife, o que vai do pateó do Carmo para a rua do Fogo, tira
o seu nome de uma que ali havia para escoamento das aguas.
Reprovação em exam e: Levar, tomar uma bomba. “ M edido
na Academia, tem levado muitas bombas, que o faz andar as
■trombas.” ( A D errota n. 22 de 1883). “ Começou na f a c u l­
dade a examinar-se. o direito, muita bomba tem havido em
quem não é p ro te g id o .” (Lan tern a Magica n. 68 de 1883).
“ Quando o estudante vae fazer exame na escola, por uma
bola chupa ás vezes uma bom ba.” (A Pim enta n. 38 de 1902).
Trabalho albardeiro, obra m alfeita, im prestável, e dahi bom-
boeiro, um máo artista. Palavrão, termos ou phrases em pola­
das, de e ffeito occasional, mas, as vezes, sem nexo, harm o­
nia e procedência. “ Ha em quasi todos os seus cantos, um
systema das palavras empoladas, últimos rebentos do regim en
da bom ba.” (J. Z . Rangel de S. P a y o ).
Bombada — 0 mesmo que bolada: Tom ar uma bom-
bada.
121
Bomba real — Foguetão de uma só bomba, de forte es­
tampido ao estourar no alto, para salvas festivas: Uma sal­
va de vinte e um tiros de bombas reaes.
Bombear — Espreitar, observar, v ig ia r; seguir a pista,
o encalço. Segundo Beaurepaire Rohan, a dicção deriva-se
de bom beiro, no sentido de espião, e não é mais do que uma
corruptela de pom beiro.
Bom copo — Individuo que b e b e muito, e de tudo, desses,
que, na phrase do dieta do, De espiritos, só não bebe o E spi­
rito S an to.
Bom estomago — O natural de bom genio, tolerante, pu­
silânim e; estar p or tudo, e não saber reagir contra um insul­
to, nem convenientem ente rep ellir uma p ilhéria grosseira, p i­
cante .
Bom garfo — Pessoa que come bem, sempre com disposi­
ção e bom apettite. “ E ’ bom garfo, gostou sempre da raiz da
m an d ioca.” ( A Lanceta n. 7 de 1890). “ O prelado ás‘ vezes,
tambem toma parte nos festins, come e bebe regularmente,
porque a verdade é que, se elle é excellente pastor, tambem
,é bom ga rfo .” (A rch iv o Maçonico n. 86 de 1913).
Bom na brocha — Sabidorio, expertalhão, fin orio, ira-
tante, velh aco.
Bonde — Vehiculo de viação ferro-carril, do systema a-
m ericano, e de tracção animal ou electrica, para o transpurte
de passageiros, e assim denominado à exem plo do K io de Ja ­
neiro, tendo O term o esta origem , que assim encontramos nar­
rada: “ Quando em 1868 o Visconde de Itaborahy, m inistro da
Fazenda, emittiu o emprestimo nacional de juros pagaveis ero
ouro, operação financeira que attrahiu a attenção geral na
côrte, com a entrega dos bonds oii cautelas das apólices do
emprestimo, coincidiu o estabelecim ento de viação urbana da
Botanical Garden R ail Road Company, cujo serviço se inau­
gurou dois mezes d ep ois. O p ovo applicou aos novos vehicu-
;los, elegantes, commodos e velozes o nome das cautelas do
emprestimo; e a palavra, que os jornalistas a prin cip io m edro­
samente escreviam em gryph o e com a form a ingleza de bond,
pouco a pouco se foi nacionalisando até tomar a feição b ra­
sileira, que está quasi firm ada, de bonde.”
Boneca — Mulher de poucas falas, sem vida e sem acção,
pequena porção de algodão embrulhado em panno para en ver­
nizar, encerar ou brunir. “ A boneca de cêra trabalha. P ’ra
brunir essas cousas de c o u ro .” (D e uma canção m ilita r). A
espiga do m ilho em flor, ou ainda sem os cabellos (estam es)
presos aos grãos.
Bonecar — Começo de fructificação do milho, com o ap-
parecimeruo das espigas, a boneca. “ Ao dar o m ilho as p r i­
m eiras bonecas, espigas tenras, envoltas em fios dourados, diz
o matuto que bonecou.” (Gustavo B arroso)
Boneco — (V . Falar b on eco ).
Bonitão — Um tanto bonito, fom oso; de aspecto agrada-
vel, sym pathiço.” A Laurinda, peixão de bòa idade, bastante
bonitona.” (Lan tern a Magica n. 768 de 1904) .
Bonito — P eix e de agua salgada (Caranx macarellus, Cov>,
a que os indios davam o nome de Cutuatá-ninima.
Carrapetão — Mentira, falsidade. “ Que i .entira descarada!
Carrapetão fu rib u n d o!” (A m erica Illustrada de 8 de M arço de
Boni-t-ó-tó — O mesmo que apoiá-d-ó-dó.
Boqueirão — Córte ou solução de continuidade em um.i
serra ou montanha, de largura variada, dando assim passa­
gem directa, plana, de um a outro lado; baixa ou valle p ro ­
fundo, como escreve S ylvio Rom ero, e segundo Ayres do Ca­
sal, a quebrada de uma serra, onde, não raro, passa um rio .
Ha boqueirões de córte tão adm iravelm ente praticados, que
em sua toda extensão descem as paredes a uma grande p ro ­
fundidade em linha perfeitam ente vertica l. Esses boqueirões
ou bocainas, como são assim chamados em outras localida­
des, fnão são, como conjectura I. J o ffily, senão o resultado
de um terrem oto, ou m otivados pela acção das aguas dos rios
minando á sua passagem atravez de uma serra. Dentre os
boqueirões que avultam no territo rio do Estado, de variadas
extensões, largura e altitude, mencionamos, pelas suas tra­
dições históricas, dos montes Guararapes, que na phrase do
historiador Southey, é uma situação notavelménte semelhante
ao passo das T e rm o p y la s ). “ V entan ia' e V elloso Tom aram
p r’o boqueirão, L ogo ao en trar -da garganta Encontraram P e ­
dro P r e g u iç a ... Sou cabra do boqueirão, Onça, tigre de fon -
c ar” . (F o lk -lo re Pernam bucano).
Boquilha — Peça, extrem a dos instrumentos musioaes,
de madeira, e alguns de metal, p or onde se sopra.
Boquinha — Beijinho. “ Beijo de inoça é boquinha” . (A
Marmota Pernambucana n, 31 de 1850). Calango fo i a Jurema
C’um com boio de farinha Lagatixa pulou na frente E pediu-
lhe uma boquinha.” (Versos sertanejos). L ige ira refeição, pe­
tisco. “ Você está fam into; vá fazendo com isto uma boqui­
nha” . (Lan tern a Magica n. 567 de 1898). “ O nosso homem
p r’a fa zer uma boquinha, comeu uma gallinhá in teira ” . (A
Pim enta n. 84 de 1902).
Bordo — Giro, passeio; Dar um b ordo; lugar, situação,
passagem: Aqui por estes b ordos?; caminho, direcção: Mudar,
v ira r de bordo.
Bôrdoa — Bordoada, pancadaria, tunda. “ Um caco engra­
çado: um velh o desconjuntado deu muita bordoa num moço
gereba” . (Lan tern a .Magica n, 20 de 1882). “ Já fui um bom
sapateiro, Já em poeta me a rvo rei; H oje sou um caloteiro,
Mas bordoa nunca d e i” . (A Pim enta n. 2 de 1901)
Bordoada — O mesmo que bicada": í)a r uma bordoada
da branca.
Bordoada d e cego — A torto e a direito, pegue onde pe­
s a r.
Borga — D irecção origin aria da giria portugueza. e usa-
4a com as suas próprias expressões de pandega, orgia, pas­
seio nocturno. “ O que elle quer é andar na borga, sem ler
cuidado com o trabalho” . (A lb erto Bessa).
B oré — Instrumento musico dos indios, feito de canna
ou taboca. “ Boré, ou buré, corruptela de im byré, alterado
em byré, buré, o soprado, o que se sopra, gaita do gen tio” .
((T h e o d o ro Sampaio)..
Bórócótó — Consignamos .este vocábulo pelo que escreve
Beaurepaire Rohan, uma vez que o desconhecemos por com-'
pleto, e nem mesmo o encontramos doculuenfadamento ci­
tado. “ (Bahia, Pernambuco, Piauhy, Matto G rosso) terren o es­
cabroso, obstruído de calhaus, excavações alti-baixos e ou­
tros quaesquer accidentes que embaraçam o transito. E tym .
A generalidade deste vocábulo, em províncias tão afastadas
umas das outras, me faz pensar que elle tem a sua origem na
fingua tupy ou outra qualquer lingua indisena; nada porem
me autoriza a re s o lte r a questão. Tambem pronunciam Bro<-
cotó” .
Borracha — Sacco de couro usado no sertão para a con-
ducção d’agua em v ia g e m . “ De couro era a borracha para
carregar agua” . (Capistrano de A b re u ). “ Em viagem ou ser­
viço dorm e o sertanejo debaixo das arvores, com a provisão
de agua em borrachas de couro, pendente de um ga lh o ” .
Irin eo J o ffily ). “ Menina da saia branca, Da jan ellin hâ dò
meio, Da-me úma gotta d’ agua, Das borracKiithas do seio .
(T ro v a s popula,res). O vocábulo vem de igual, com - que em
Portugal se chama a um odrisinho ou sacco de couro, em fo r
ma de pêra, completamente vedado, e p ro p rio para conter lí­
quidos, e com tal expressão já em voga entre nós no século

124
X V II, como se vê destes versos de * G regorio de Mattos, em
um dos seus rom ances: “ Não estar sem ter borracha, Seja
de bom ou máo vin h o ” . Os termos Borracheira, carraspana#
bebedeira, e Borracho, o individuo que bebe m uito c Vive
sempre embriagado, não ha duvida que vêm das taesS b orra ­
chas de vinho. “ Não é tacha beber p or borraícha quando não
ha taça., ‘'P ro lo q u io ).
Borrachudo — Especie de mosquito de agudo ferrSo.
Borradura — L ig e ira e grosseira pintura de çasa:. Man­
dar passar uma borradura.
B o r r a r -o mappa — Indiscripção no falar, revelação- de
alguma cousa occulta, em segredo, ou um acto leviam en-
te praticado, sem segunda intenção,, que con corre para d iffi-
cultar ou im pedir mesmo a realisação de um deliberado pro-
posito, de um negocio qualquer em andamento.
Bosta — T olice, asneira, sandice, e dahi os derivados
bosftejar, b o stifero, de exprtessÕes obvias. “ Ninguém pode
supporlal-o a bostejar” . ( A Am erica Illustrada n. 14 de 1883).
“ Um fona cabuloso quer a pülso im p in gir as suas modinhas
bostiferas” . ( A Pim enta n. 59 de 1902).
Bota — Nas locuções: Ar,ranjar um par de botas; empre-
hender uma cousa qualquer de vantagem própria, ou tecer
uma in triga. Bater a bota; fugir, desapparecer, por-sê ao fre s ­
co; m orrer, “ A rápazeada que folgava no bumba da Varzea
deu tamanha vaia na Y á yá Prata, que envergonhada bateu a
bota para o R e c ife ’*. (A P im en ta). “ Quando o m arido da Car-
linda bateu a bota, o Reginaldo- im aginou substitüil-o seift pa­
dre nem p reto r” . (A rth u r A zev e d o ). “ O sachrista tem sempre
o badalo em vista se alguem bate a bota” . (A Pim enta n. 39 de
1902). E scova botas; um typo ahi qualquer, um troca tintas,
um João ninguém. “ Este escova-botas, e outros m alvados da
mesma enxurrada de Luiz do Rego, que fizeram arrastar por
estas ruas os cadaveres das victim as de 1817” . (A V o z do
Brasil n. 66 de 1848). “ Esse escova-botas parece um bom tra­
p a c e iro !” (O Barco dos Traficantes n. 50 de 1858). B orra-bo­
tas; pessoa sem im p oitan cia; que não m erece consideração.
” E ’ um borra-botas em quem ninguém acredita” . (A lb erto
Bessa). Botas de sete leguas; um individuo que anda muito.
Canhão de bota; mulher feia, repellente. M etter as botas; de­
tratar, falar mal de alguem. “ Mettendo em todos a bota, Sem
respeitar posições, E inda menos os galões nacionaes” . (A
D errota n. 7 de 1883). O homem das botas; designação indire-

125
cia de uma pessoa de respeito, de certa ordem, de quem não
se quer declinar o nome p or dados m otivos. “ O homem da
capa preta, foragido, fo i pegado quando sem capa, conversava
am igavelm ente com o homem das botas” . (A Pim enta n. 85 de
1902). Uma bota! negativa perem ptoriam ente pronunciada.
Botada — O dia inicial dos tiabalhos de moagem dos en ­
genhos de assucar, festivam ente celebrado pelo p roprietário
da fazenda, o senhor do engenho, precedendo ao acto da bo­
tada das prim eiras cannas na moenda, pelas pessoas mais gra­
das presentes, a cerim on ia religiosa da benção da fabrica, se­
gundo antiga e tradicional usança. “ O dia da botada não tem
igual, pelo reboliço que o caracterisa, na grande propriedade...
Um grande jantar se realisára ení casa de M anoel Carneiro p or
occasião da botada do engenho, ao qual compareceu F e lix Jo­
sé Machado, govern ador da capitania” . (F ra n k lin T a v o ra ). “ Em
Setembro os cannaviaes das ladeiras, já sazonados, começam
a am arelíecer. Então começam os preparativos para a bota­
da do engenho.” (A lfre d o Brandão).
Botar — Term o vulgar portuguez, com as mesmas accç-
pções do verbo deitar, mas de uso menos polido,, na phrase de
Aulete; entre nós, poreni, não é, e como muito bem. escreve
Teschauer, no Brasil é termo usual, popular, empregado no
jornal, no livro , no parlamento, na sala, no gabinete, na ven ­
da na praça, na roça e na cidade, concluindo: “ E p o r mais
que certa imprensa influenciada p or jornalistas portuguezes,
p orfie em substituir o nosso brasileirism o botar p o r deitar,
pôr, ouve-se o vocábulo nacional a cada passo nos salões, nas
assembléas, nas rodas populares, e nas dos homens de letras” .
Pondo de parte o termo, portanto, nas suas diversas accep-
ções vulgares, que são geraes, só temos que attender as phra-
ses em que figura entre nós, acaso de um caracter nacional:
Botar a alma pela bocca; cançado, exhausto, fatigado. Botar
a cabeça de fó ra ; apparecer, surgir; Botar a c o rrer; fugir, des-
apparecer. Botar a faca aos peitos; im por, obrigar. Botar agua
na fervu ra ; convencer, confundir, fazer calar. Botar alguém
a p erder; causar a (sua perda, ruina. Botar a mão no fogo; ga­
rantir pela innocencia de alguem. Botar a moer, ou somente
botar; diz-se do engenho que começa a moagem na epoca do
safra, da maturação da canna, da sua colheita, “ O engenho
B ujary tinha que. botar dentro de uma semana” . (F ra n k lin Ta-
v o ra ). Botar a procissão na rua; p ôr em campo uma revolução,
o seu rompimento, o exp lod ir da Bernarda. “ O Club botando

126
a procissão na rua fez uma chacina, e o governo que tem medo
de sangue, vae bater bandeira” . (A Lanceta n. 26 de 1890).
“ Quando uma nova conspiração apparecer, de verdadé, cora
todos os requisitos da le ir com iprocissão na rua, com o se diz
na grria das bernardas,, ninguém acreditará na p o lic ia ” . (A
P ro vijicia n. 98 de 1916). Botar as manguinhas de fó ja , êx-
hibir-se, exceder-se, descobrir-se, patentear as suas manhas.
“ Botando as manguinhas de fóra, tem perdido esse pouco con ­
ceito que havia ad qu irid o” . (O Vapor do Rio Form oso n. 16
de 1857). Botar barro á parede; em pregar os meios para con­
seguir qualquer cousa. Botar bucho; encher-se, locupletar-se.
“ A hqmanidade, coitada, vae gemendo no repuxo; Entanto,
nessa embrulhada Muita gente bota bucho” . (Jornal do Reciffe
n. 44 de 1915). Botar carvão na machina, ou sebo no calca­
nhar; andar depressa. Botar feitiço, olhado? quebranto; male-
ficio, sortilégio, para causar mal a alguem. Botar livros a b a i­
x o ; estqdar, investigar, pesquizar, fazer diligencias para achar,
descobrir, elucidar um dado assumpto. Botar nas nuvens; elo­
giar calorosam ente. Botar no matto; botar fora. Botar nos
cornos da lua; o mesmo que botar nas nuvens. Botar o coração
á larga; não se im pressionar. Botar o dedo na ferid a ; desco­
b rir, atacar as m azellas do seu contendor. Botar o dedo no
suspiro; prevalecer-se* de vantagens oecasionaes para im por
condições onerosas, humilhantes. Botar o negocio a perder;
concorrer, m aliciosa ou ingenuamente, para o m allogro de um
negocio qualquer. Botar o pé á parede; oppor-se, resistir.
Botar o fpreto no branco; firm ar em papel form al o trato de
um negocio, um' compromisso qualquer, cercando-o assim das
devidas garantias, á m orrer e á v iv e r; N egocio de boccorio
não s erv e ; bote o preto no branco. Botar os bofes p^la bocca;
fa la r muito, discutir com interesse. Botar os podres na rua;
descobrir mazellas. alheias . Botar os pontos nos i i; accentuar,
affirm ar, perseguir. Botar por ahi afora; desprezar, ridicu lari-
sar, não liga r im portância. Botar sal em carnje podre; reme-
dio em negocio perdido. Botar sal na m olleira; lição, e x p e r i­
ência que se tira de um lo gro . Esta locução v.em do hespanhol:
P on er a algono sal em la m ollera. Botar-se de fó ra ; exim ir-
se. innocentar-se, escapulir-se de uma responsabilidade qual­
quer para a term inação de um negocio. Não botar em sacco
roto; não esquecer, desprezar uma offensa.
Bóte — Pulo, salto, arrem esso; golpe brusco, rápido, c ei-
teiro ; dar o bote; o bote ida cobra. “ As cobras se enroscam
no ensaio do prim eiro b ote” . (O Diabo a quatro n. 20 de 1875).
“ São Bento! Tom ara nós que uma surucucu’ trahíra dê um
bote no Vam berto, porque é mão estudante” . (A Pim enta n.
10 de 1908). “ A cascavel não foge, como fazem as outras co­
bras, quando avista uma pessoa ou animal qualquer; e ao con­
trario. prepara-se para da,r o b ote” . (D r. Eusebio M. Costa).
Abandono, desprezo, traição, ingratidão, vingança. “ A h i está
quem ha muito o espera para dar-lhe o bote c e rte iro ". (O V a ­
p or do R io Form oso n. 20 de 1857). “ O sujeito tem as manhas
das astutas serpentes; enrosca-se e baixa-se para dar o b ote” .
(A m erica Illustrada n. 47 de 1880). “ F ilia d o ás phalanges do
Conselheiro João A lfred o, vae servindo o patrão emquanto
não chega a occasião de dar o b ote” . (Lan tern a Magica n. 82
de 1884). Pacote de rapé, de libra e meia lib ra: um bote, m «io
bote de rapé. “ A carta vinha émbrulhando um boté de rape
que com prei” . ( A V oz do Brasil n. 32 de 1848). “ A casa de
Bragança glo rifico u o amoniaco pelo fabuloso consumo de
botes d e ra p é” . (O Diabo a quatro n. 61 de 1876).
Bôto — M am ifero m aritim o (Phocen a brasiliensis) a que
os indios davam o nome de P irá jagoára, e muito abundante,
principalm ente nos mares do archipelago de Fernando de N o ­
ronha. O boto, como é corrente, protege os naufragos e os
cadáveres do ataque e voracidade dos outros peixes.
Bouba —. Fram boezia, ferid a ou pustula de máo caracter,
tenaz e de cura d iffic il: Ferida muito agourada vira em bouba.
(D ic t a d o ). D iz Langaard, que o rigin aria a m oléstia da Costa
d’A frica, fo i provavelm ente introduzida no B rasil pelos ne­
gros, vindo dahi ser mais fam iliar a elles, que aos brancos.
Boxar — Esmurrar. “ Os policiaes agarravam com v io lê n ­
cia a um pobre aleijado que esmolava, e boxaram -lhe estupi­
damente o rosto” . Pernambuco n. 264 de 1913). Vem do inglez
box, o jogo do murro.
Bozó — , Júgo de dados nos cafés e hoteis, para se decidir
á sorte, a quem cabe satisfazer as despesas feitas. “ E ’ p rec i­
so não confundir o copo de sola com o b o zó ” . (A Pim enta n.
618 de 1907). “ O bozó, a banca bahiana, o quina, e o duque,
jogos fam iliares e absolutamente innocentes, decidem qual o
pato que tem de pagar a c e ia .” (Jornal Pequeno n. 96 Je
1916). “ Ninguém mais na Bôa Vista poderá decidir nos dados,
em jogos innocentes como o bozó, uma cerveja ou uma gazo-
z a . ” A P rovín cia n. 137 de 1916).
Brabeza — Acção, cousa, qualidade do que é brabo. “ Não
lemos medo de suas brabezas” . (A Peia n. 8 de 1904). “ Mamãe
se damna com as brabezas do Joaquim M aria” . (A Pimenta 11,
550 de 1907).
Brabo — Genista, indomável, m alcreado: Um homem, um
merjiino brabo. N ão domesticado, feroz, selvático: Um boi
brabo. De boi manso me guarde Deus, que do brabo me guar­
darei; O Boi brabo na terra alheia se faz manso. (D ic ta d o ).
Bravio, sanhudo, h o rriv el: Mar brabo. Silvestre, agreste, dam-
oinhò: Fructos brabos. Valentão, capanga, brigão. “ Dec-se no
largo dá igreja um te rriv e l sarilho, no qual os brabos solta­
ram um preso do poder da p olicia ” . A Lanterna Magifca n.
432 de 1894). “ O A belard o! Brabo enorme, que promette chi­
cote e couro cru’ a todo mundo” . (A Pimenta n. 75 de 1902).
“ P ’ra lá! Você é brabo; eu cá só conheço pau pela casca” .
^Idem , n. 405 de 1906). “ Confundem os eruditos, escreve
/feschauner. brabo com bravo; ou melhor, rejeitam brabo co-
mv -<cioso; mgs o povo brasileiro distinguem sempre: homem
brabo é homem zangado, que se enfurece p or qualquer cousa,
capaz de violências; homem bravo, é o que não teme o p eri­
go . Ninguém diz cavallo bravo, mas sim b rab o” . D erivados:
brabeza, brabura, ferocidade.
Bragánha — Troca, negociata, certos arranjos particulai-
mente referentes a cavallos: Queres braganhar o teu cavallo
com o meq? “ A instrucção dos matutos não passa de pedir vis­
ta nas execuções de braganhas de cavallos” . (Caneca, 1822).
Branca — Aguardente de canna, cachaça. “ Da branca be­
ba, danço o bahiano” . (O Clamor Publico n. 42 de 1845). “ Vá
ser taberneiro, e venda toucinho, bacalháo e o seu copinho da
branca” (O P ovo n. 20 de 1857). “ Dê-me da branca um copi­
nho, Qu’eu quando bebo não caio” . (Juvenal G alen o).
Branco — O senhor do escravo; tratamento de respeito e
submissão que os pretos davam aos homens brancos: Meu
branco. Nós somos brancos, cá nos entendemos. (P ro loq u io
p op u lar). “ O Japiaçu’ ia a bordo saber das noticias para as
leva r a seu branco” . (O Postilhão n. 25 de 1846). “ Branco
diz que negro bebe, N egro bebe agoniado; Quando negro vai
na venda, Acha copo já muiado” . (F o lk -lo re Pernam bucano).
Brando — Na locução: No brando; na maciota, sem es­
palhafato. “ O Chrispim veio quietinho, no brando, depois de
estar destacado alguns dias em Fernando de N oron h a” . (L a n ­
terna Magica n. 271 de 1889). “ Considerando no brando, na
ventura, ai quem me d e ra !” (Idem , n. 579 de 1898) .
Branquidade — A dicção, equivalente ou referente á
brancura, branquidão, á cor branca do homem, é somente em­
pregada nas questões de raça, para demonstrar origens puras,
sem mescla: Apurar branquidade; vindo dahi, talvez, esta lo ­
cução chula de abençoar: Deus te faça branco p ’ ra honra de
teus parentes. “ Estabelece distincções odiosas porque deu-se
o tratamento de Dom a uma senhora e <se apresenta discutin­
do branquidade” . (O Azorrague n. 29 de 1845). “ Se quizeres
discutir branquidade, começai p o r vós m esm o” . (Jornal do
R ecife n. 67 de 1881). “ T e rrív e l falatorio deu-se aqui nesta
cidade por causa de branquidade” . (Lanterna Magica n. 56 de
1883).
Branquinha — Aguardente de canna, cachaça. “ Engole
um copo da branquinha para p rovocar a musa” . (O Piparote
n. 1 de 1904). “ Sou amante da branquinha, Do caju’ sou ca­
marada, Sou amigo do copinho Quando sorvo uma bicada” .
(A Pim enta n. 640 de 1908). Trela, experteza, acto mão, com-
prom ettedor, e consoantemente com a expressão particular
que tem no Ceará de escamotagem, furto: Fazer uma bran­
quinha. “ Sabe todo o mundo que a accepção vulgar e geral do
lerm o fam iliar branquinha, é a de ladroeira feita com experte­
za ou velh acaria” . (O A rtilh eiro n. 29 de 1843). "Guardo
v iv o e atilado; não hei de deixar passar esta branquinha” .
(O Guarda Nacional n.u 7 de 1843). “ Pozeram -lhes a calva ao
sol publicando todas as suas branquinhas, patifarias e mal­
versações” . (O Form igão n. 26 de 1850).
B razileira — Aguardente de canna. “ Mandei o meu cria­
do com prar na venda um tusta da brasileira, e tomei um tra­
go da gloriosa afim de clarear as idéas” . (A Pimenta n. 536
de 1907). “ P ro h ib ir a venda da aguardente é um escandalo...
P roh ib ir1 a propagação da brazileira no Brasil, é o cumulo da
audacia” . (Idem , n. 548).
Bredo* — Nam orico, tijollo. assim, ou no d im iin iitivo:
Fazer um bredinho. “ Tão pavorosa vinha e desbragada, que
aos namorados fez deixar o b red o” . (Am erica Illustrada n.
11 de 1877). “ Do meu bredo a visinha já caçu’ a; ingrata! que
uma vez me poz na rua” . (O Etna n. 36 de 1882). “ O Alphoo
faz os seus bredinhos com uma roupinha só, coitado! pelo
que é conhecido p or canario sem muda” . (A Pimenta n. 629
de 1908).
Brejo — Terren o baixo, plano ou pouco accidentado, si-
tuadp entre collinas, fresco, irrigado, e de grande fertilidade.
A cidade sertaneja do Brejo da Madre de Deus está situada
ein um valle ou brejo form ado pelas serras do Prata, do Es­
trago e do Am aro, e dahi a sua denominação. Consoantemen-
te, existem no Estado, com a denominação de Brejo, B reji-
nho e Brejão varias situações, lugarejos, engenhos, riachos e
collinas. Certas ruas retiradas, secundarias, de cass ordiná­
rias. onde as mulheres de vida facil e de baixa esphera p ro ­
curam a sua habitação. “ A policia lembrou-se de fech ar o
Brejo, o que escandalizou a muitos homens pacatos, qüe ali
fazáam a sua ronda depois das n ove” . (Lanterna Magica n.
165 de 1901). “ Caras novinhas surgiram no Brejo, e o coiois-
nio se m ultiplicava” . (A Pimenta n. 58 de 1902). “ O bispo te­
ve a lembrança de crear o Asylo do Bom Pastor, para recolher
qs estrellas decahidas do firm am ento do B re jo ” . (Idem , n.
553 de 1907).
Breque — Especie de freio dos carros de viação ferren,
e dos bondes de tracção electrica e animal. D erivado: Bre-
cuisttt.
Breve — Saquinho de paiino ou couro, contendo uma
oração qualquer, muitas vezes banal, pendente do pescoço por
uma fita ou torça.1, e supersticiosamente usado a impulsos de
piedosas creanças ou como garantia contra toda a sorte de
perigos e difficuldades. “ Trazem pendente do pescoço um
tram bolho chamado breve da m arca” . (O Carrapuceiro n. 67
de 1842),- “ Uma oração prodigiosa, um breve, cosido dentro
de um saquinho de setim, e preso a um rosário” . (F ra n k lin
Tavorta).
Brigona — Fem inino de brigão. “ O Joca Pindahyba é um
typo innnensamente supersticioso, tanto quanto é brigona sua
excellentissim a m ulher” . (Jornal do R ecife n. 186 de 1916).
B rigai — Censurar, admoestar, reprehender, ralhar: U
mestre levou todo o santo dia a brigar com a gente por qual­
quer asneira. Não faça isto que o padre briga.
B rilhareto ou Brilharetur — Acto louvável, acção gene­
rosa, exhibição satisfactoria, com pleta. “ Em mim está o pro-
posito de fazer um brilh aretu r” . (O Diabo a quatro n. 10 de
1877).
Brijhatura — Bravata, fanfarronice, arreganho, audacia,
insolência. “ O redactor d’ 0 Epamindndas acostumado a bri-
lhatur&s brilhou sobrem aneira com o artigo: O que é a m ode­
ra çã o?” (O E quin oxial n.'21 de 1832).
Brisa — Bebedeira, carraspana: Andar, estar na brisa.
“ O D elfim na b-tísa immerso, p r’ a coió tem experteza” . A P i­
menta n .' 67 de' 1902). Quebradeira; Pa pindahyba; apitando.
“ Estou numa nfisa m edonha!! O cavalheiro não tem um ni-
ckel d isp o n ível?” (Idem , n. 8 de 1914).
Brocada — O mesmo qüe bolada, furada: Tomar, levar
uma brocada.
Brocar — Arrom bpr, na giria dos gatunos. Cortar, c e i­
far, derrubar a fo ice. “ Se é matto ou capoeirão, broca-se, is ­
to é, a foice se derrubam os arbustos ficando as arvores” . CP.
de Am orim Salgado). “ A palavra broca, no centro de Ala
goas, significa derrubada de mattas ou capoeiras para fazer
roçados” .. (A lfre d o Brandão). “ O derrubamento das mattas
continua de um modo p a v o r o s o .. . Os terrenos acham-se con ­
vertidos em b ro c a s .” (D ia rio de Pernambuco n. 300 de 1916).
Broinha — . Saboroso bolinho de massa de mandioca com
assucar, ovos e castanha de caju’ .
Brom ar — D egenerar, corrom per-se, perder-se: Não sei
como um moço de tão boa educação, tim ido, ingênuo, e tão
bem comportado, bromou assim. O termo vem de igual, vulgár
nos engenhos para designar o estrago d o ; caldo da canna, por
uma circumstancia qualquer, de modo a não cristalizar e se
transform ar em assucar broma (m ascavado) e melaço.
Brbnze — V iolão: Cantar ao bronze choroso. “ O p rofes­
sor decidia no bronze a suã modinha pred ilecta” . (A Pim enta
n. 9 de 1902) v “ Olha o chorado! A Jovita já está se esquen­
tando. R epinica o bronze.” (V iria to C o rreia).
Brósio — Manchas esbranquiçadas e de form as irregu la­
res, que appareçam ao correr de certas madeiras, como o
am arello, e de um tecido m olle, frouxo, tornando-as im prestá­
veis ou depreciadas para construcção e m arcenaria. “ Consta
que as madeiras compradas para a ponte suspensa do Caxangá
•são taes, que não o ffeiecem duração alguma, porque é quasi
toda de am arello com bijógiq, .; M adeira com b ró sio ” . (O
Guarda Nacional n. 83 de 1843).
Bróte — Especie de bolacha, pequena, arredondada, ha­
vendo ainda uma m enor chamada brotinho.
Bruaca — Mulher velha feia, repellente. “ Meu yôyô, dis­
se a bruaca, Rapazes da mesma laia, Gordos papões, eu conhe­
ço P o r deputados da p raia” . (O Brado da Razão n. 3 de 1848).
“ Parto sem saudade dos velhotes, das velhas e das bruacas” .

132
(C orreio de Olinda n. 4 de 1891). Sacco de couro cru* para
a conducção de matalotagem. “ De couros duros ou molles,
Fazem-se saccos, surrões, Bruacas, odres, colchões” . (P ed ro
Affonso R egueira). “ Todas as manhãs, cingindo ao lado a
bruaca de provisões, segue o sertanejo para o m atto” . (Irin eo
J o fffly ). Bebedeira, carraspana. “ O Serpa, porem, lá ficou
cuhido numa bruaca medonha” . (A Pimenta n. 9 de 1914) .
Bruta — O m aior prêmio, a sorte grande de uma loteria.
“ A mulher sahiu tão contente como" se tivesse tirado a brutà
de mil contos” . (A Derrota n. 6 de 1883). “ O bilheteiro che­
gou á janella, e diz á mocinha: meu amor você pegou a bruta” .
(A Pimenta n. 18 de 1902). Grande, enorme, forte. “ Chico
Bato tem uma bruta musculatura” . (Jornal do Reci/e n. 91 de
1914). Supimpa, magnifico, appettitoso. “ O Ferreira prepara
para domingo um bruto sarapatel” . (A Província n. 61 de
1916). D erivado: Biutal. “ O Canuto viu-se em betas, numa
trança brutal, muito encrencada.” (Pernam buco n. 29 de
1913).
Brutamonte — Homem de estatura elevada, agigantado, ho-
m en zairão. “ José não podendo supporíar a affronta de ver
sua irmã apanhar de um sanhudo brutamonte, investiu contra
c lle ” . (Jornal ,do R ecife n. 202 de 1916). Xa giria portugueza.
e com a voz de brutamontes, tem o termo a expressão de bruto,
alarve, selvagem, grosseii ã o ; e Aulete que assim o registra,
com a indicação de plebeo, diz que deriva de bruto, e este do
latim brutus. Mas encontrando nós, como mais remoto ponto
de partida um indivíduo com o nome de Brutamonte, carcerei­
ro turco, que teve sob a sua gua: da e vigilancia a cinco pares
de França, aprisionados em batalha, ao tempo de Carlos Mag­
no; e um outro Brutamonte, alentado governador da praça de
Tim orante, e o mais valente cabo de guerra do íe i serraceno
Abderraman (seculo Y J II), cremos que vem dahi o termo em
allusão ás suas agigantadas estaturas, ou quando muito, ás suas
crueldades, brutezas mesmo.
Bucha — Comida de d iffic il digestão; engano, logro, espi­
ga, canudo, máo negocio; Tom ar uma bucha. Na bucha: imine-
riiatamente, incontinente, sem demora, ao pé da letra: Respon­
der, pagar na bucha.
Buchada — Especie de comida feita com as vísceras e os
intestinos do carneiro ou bode, reduzidos a xecado, convenien­
temente condimentados, envolvidos tudo na pelle do proprio
bucho do animal, e assim cozido.. “ A x^enetração gastronômica

133
foi uma supimpa buchada de carn eiro” . (A Pimenta n. 603 dc
1907).
Bucho — B a r r ig a , es t o m a g o , b a n d u lh o ; Encher o bucho,
Botar bucho: A b u s i v a m e n t e t i r a r g r a n d e s p r o v e n t o s n o e x e r c i ­
d o de um c a r g o ou e m p r e g o q u a lq u e r . Bucho de piaba: F a l a ­
dor, in c a p a z de g u a r d a r um s e g r e d o .
Budum — C a tin ga , m a u c h e i r o . “ Os a n im a c s em je ju m
b u sca va m p e lo budum as c e r o u la s do C h i e h o r r o ” . (A Carranca
ii. 1 de 1847). " Q u a n d o sua, é que lh e e x h a l a o c h e ir u m e de
budum.” (A m erica Illustrada n. 22 de 1883). D e r i v a d o : Budu-
nhento, fe t id o , que tem m a u c h e i i o . “ P e g a i ahi q u a l q u e r desses
budunhentos m o la m b o s , o da u lt im a esc ola , que tem a m e sm a
lin g u a g e m q u e o de alto c o t h u r n o ” . (O Brado da Razão n. 22
de 1849). Budum é um t e r m o e v i d e n t e m e n t e a f r i c a n o ; e q u a n ­
d o os n e g r o s , n o te m p o do t r a f i c o e da e s c r a v i d ã o a v u lt a v a m
e n t r e nós, f i g u r a v a e n tre os fe t ic h e s dos seus c a t im b ó s ou f e i ­
t iç a ria s , um que tin h a o n o m e de santo budum.
B u g re — D escon fia d o , a rred io , re tra h ido, selvagem m es­
m o, s e g u n d o a o r i g e m da d icç ã o , c o m o um n om e d e s p r e c ia t i v o
d a d o aos nossos a b o r í g e n e s .
B u m b a — B o m b o , z a b u m b a : V i v a o p a io e bata o b u m b a .
Q u a n d o m ais b a tia o bumba, m ais se a b ria o co m p a ss o das
suas p e r n a s ” . (Am erica Illustrada n. 48 de 1877). T u n d a , b o r ­
doada, pancadaria velha. “ À o p p o s iç ã o e s c o lh e s e m p re u m de
n ós, e bumba n elle, id e st, s o v a b o a p a r a a ju ste de c o n t a s ” .
(Marmota n, 2 de 1844) . “ F o g o ! Bumba, no canectí!” . (A Peia
n. 3 de 1903). B a q u e de um a q u e d a : Bumba, no chão. A b r e v i a ­
tura de Bumba meu boi. “ X o s p r e s e p io s , nos b r o d i o s e nos bum-
bas t e v e e lle sem p re o seu p r i m e i r o a s s e n t o ” . (O Clamor Pu­
blico n. 69 de 1845). “ A b r i tod os vo ssa s po rta s. D esta m u sic a
a o signal, V i n d e v e r os fig u r in s D este bumba nacional” . (O Es­
queleto n. 2 de 1846) . “ A s p r im e i r a s fig u r a s do bumba d a n ç a m
d e s b r a g a d a m e n t e ” . (Lanterna Magica n. 553 de 1898).
Bumba-canastra — B r i n q u e d o de m e n in os , q u e co n s iste
ern a p o i a r a c a b e ç a c as m ãos no c h ã o e v i r a r o c o r p o p a r a a
f i e n t e , c a h in d o de p é . “ E lle s r o l a v a m ás c a m b a lh o ta s ; e v i r a -
bumba-canastra m u ita s v e z e s ” . (A Carranca
v am e r e v i r a v a m
n . 65 de 1846), “ O su prad ito , de bumba-canastra, a tra v e s s o u o
g r a d il que sep ara as c a d e ir a s do j a r d i m ” . (A Pimenta n. 6 de
1914).

Bumba meu boi — Po p u la r e t r a d ic io n a l auto ou dram a


p a s to ril, r e p r e s e n t a d o á n o it e e ao ar liv r e , cuja fo l g a n ç a , tão

134
M i l g a r em ep o ca n ão nuiito a fastada, p e r t e n c e , na p h ra s e de
T h e o p h i l o B r a g a , á fo i ma do t h e a t r o h i e r á t i c o das festas p o ­
p u la r e s do X a t a l e R e i s . E n t r e nós, p o r e m , o B u m b a meu boi
n ã o s o m e n te e x h i b i d o n a q u ella s epocas, c o m o t a m b e m em va ria ',
outras, p r i n c i p a l m e n t e p e l o C a r n iiv a l c fe s t i v id a d e s r e lig io s a s
de a r r a y a l ; m as h o je é r a r o a p p a r e c e r a sua r e p r e s e n t a ç ã o m e s ­
m o em taes festas, e assim, q u asi q u e c a h in d o em desuzo, v a e
desapparecendo. X o nosso F o l k - l o r e P e r n a m b u c a n o estu da m o s
o auto deáde as suas o r ig e n s h is t ó r ic a s até a c o n s ig n a ç ã o de
um a das suas v e r s õ e s , a m ais c o m p le ta ao n osso v e r .
B u m b a r — B a ter, dtir p a n ca d a , e s b o r d o a r . “ N ã o p o d e s tres
n a m o r a r , P o r q u e d ep o is v ã o tres p a es As tuas costas b u m b a r ” .
(A m e ric a Illu s t r a d a de 2 de N o v e m b r o de 1873). “ O esc o m -
ín u n g a d o já butnbou tod os os p a r e n t e s '’ . ( A P im e n t a 11. 13 de
1 9 1 4 ). A d ic ç ã o seg u n d o C a n n e c a tim , v e m do c o n g u e z bumba,
com taes expressões, e p o i tanto, in t r o d u z i d a p e lo s escravos
a fric an o s.
B u m b u m de j a l é c o — G ro t e s c o , em d e s a lin h o , m a l a r r a n j a ­
do 110 v e s t i r . O A n t o n i o c o m a q u e lla rou pa, que p a r e c e q u e o
d e fu n t o e r a m ais g o r d o , n ã o tem que v e r um bu m b um de j a ­
lé c o .
B u n da — Xadegas. assento, c a c h o r r o , o t r a z e ir o . M oraes
r e g is t r a já o term o, com o b r a s i le i r o , escrevendo: ‘"X a d eg a s ,
ca d e ir a s de g e n t e a lc a t r e i r a , e s c ra v a s v a d ia s d !assen to e n g r o s ­
sado, c r ia n d o b u n d a ” . A u le t e r e g is t r a - o ta m bem , c o m o tal, m as
d a n d o - lh e a e r r ô n e a e x p r e s s ã o de n a d e g a s v o lu m o s a s . B u n d a é
um t e r m o g e n e r ic o , q u e r se tra te das v o lu m o s a s q u e r não, uma
v e z q u e o c c o r r e p a r a q u a l i f i c a r á q u e lla s a p h r a s e B u n da de b a ­
la io, ou as i n t e r j e c t i v a s : um pé de bu n da r e s p e i t á v e l ! U m kio s-
q u e a r r o j a d o ! e p a r a as q u e n ão o são, as lo c u ç õ e s B u n da c h o ­
cha, batida, chata. S o b r e a e t y m o l o g i a do v o c á b u lo , d i z M o r a e s
qu e v e m , t a lv e z , de binda, t e r m o d ’ A n g o la .
B u ra c o — Gg,sa, h a b ita ç ã o , l u g a i e s e q u i v o c o s : N ã o sei 0
M a n o e l em q u e b u ra c o se m ette, que n in g u é m o v ê : V i v o m et-
t id o a q u i neste b u ra c o , e n ão p o n h o p é na ru a . C ó rte , d e p r e s ­
são, p a ssa g em , d e s v io , c a m b õ a , e da h i B u r a c o do S an tia go , h o je
c a m b ô a da T a c a ru n a , e o n o m e de F o r t e do B u raco, d a d o á f o r ­
ça situ ada n o i s t h m o de O li n d a f r o n t e i r a a q u e lla situ ação, c o n s ­
tru íd a n o s éc u lo X V I I , e b e m a ssim d e n o m in a ç õ e s iguaes de a l ­
gu m a s serra s e l o c a lid a d e s da nossa c h o r o g r a p h i a . “ V i v a o V i ­
c e n te da n o iv a , V i v a a n o i v a do V i c e n t e ! V i v a a g é n t e do B u ­
ra co , V i v a o B u r a c o da g e n t e ” . { T r o v a s p o p u l a r e s ) . F a lt a , la-

135
cuna, mão de arranjo. “ P r e s t e m as suas contas, e n ão h a ja bu­
raco no f e c h a r do b a l a n ç o ” . (Jornal do Recife, 1 9 1 6 ). A d v i n h a *
çã o de buraco: 0 q u e é, que q u a n t o m a is se t ir a m ais c r e s c e '1
Olha o buraco! D i c t a d o p o p u la r, de s im p le s t r o ç a , uma v e z que
n ão tem um a e x p r e s s ã o p r ó p r i a , p a r t i c u l a r . E m o u tr o s tem pos,
p o r e m , tin h a uma p a r t e c o m p l e m e n t a r , h o j e qu asi q u e e s q u e c i­
d a : Olha o buraco, cavalleiro velho. Olha o buraco! é um dito
qu e se v u lg a r is o u de f o r m a e x t r a o r d i n a r i a nesta c a p it a l . Qua­
si em tod a p a r t e q u e se anda, p e l o f a c t o m a is in s ig n ific a n t e , o
olha o buraco v e m á b a i l a ” . (Jornal do R e c i f e 11. 193 de 1915) .
Buranhém — P a u b r a n d o e f l e x i v e l , c o n h e c i d a s a p o tac ea
d a nossa f l o r a , e d o q u a l são g e r a lm e n t e fe it o s o s ca b o s dos
c h i q u e ir a d o r e s dos a l m o c r e v e s . “ D a m ã o , em ve>. do chiqueira-
dor de buranhem, que t r a z ia , p e n d i a a g o r a uma c a t a n a ” . ( F r a n -
klin T a v o ra ). Chib ata, b e n g a la , c a c e te do m e s m o p a u ” . “ Os p a ­
rasitas de seu q u ila t e le v a m -s e a doses de buranhem” . (Am erica
Illustrada de 24 de A g o s t o de 1873). “ S e n h o r D e le g a d o , se os
m atu tos desse lu g a r tiv e s s e m c o r a g e m e usassem do buranhem,
v o c ê é q u em p a g a v a a e l l e s ” . (Lanterna Magica n. 153 de 1886).
“ Então o buranhem t r a b a l h o u no c i r c o da T o i re ” (A Pimenta
n . 532 de 1907). A d ic ç ã o é de o r i g e m i n d íg e n a , e seg u n d o T h e o -
d o r o S a m p a io é um a c o r r u p t e la de ibyra-nhé, a lt e r a d o em ibu-
ranhêj bura-nhem, pau doce.
Buraqueira — B u ra c os.
Burra — G ra n d e, im m en sa , e x t r a o r d i n a r i a . “ A R e g i n a está
num a p o n t a burra. Já tem c r i a d a ” . ( A Pimenta n. 607 de 1907).
“ Q ue re ssa ca burra estou eu c o m ella , des d e d o m i n g o ! ” (Id em ,
n, 10 de 1914). “A Jo sep h a tomou um a agna bu rra , f i c a n d o
c o m p le t a m e n t e sem j u i z o ” . (Jornal do R ecife n. 218 de 1916).
Burundanga — C o n fu s ã o , d e s o r d e m , b a l b ú r d ia : A casa de
J o s é é tão c h e ia de burundanga, que é um h o r r o r . Co u sa ou n e ­
g o c i o d i f f i c i l , c h e io de o bstá cu los, e n t r a v e s e r i s c o s : Cousas de
burundangas n ão é c o m m i g o . O b je c to s i n s ig n ific a n t e s , n in h a ­
rias, p i n o i a s . “ Basta que o fu t il m e r c a d o f r a n c e z de q u i n q u i l h a ­
rias, c i p o s in h o s e burundan,gas, nos l e v e p a r a o v e l h o murido
g ros sa s s o m m a s ” . (O Verdadeiro Regenerador n. 4 de 1844).
N ã o r à r o , m a s p o r s im p les g r a c e jo , t e m o t e r m o a e x p r e s s ã o de
brandão, o r i g i n á r i o da m e i a lin g u a dos n e g r o s a fr ic a n o s , q u e
nas p r o c is s õ e s da sua i r m a n d a d e do R o s á r i o d i z i a m a z a fa m a -
dos aos c o n f r a d e s : L a r g a burundanga ( o b r a n d ã o ) p en a no
nendanga ( o p e n d ã o ) . E x c e p c i o n a l m e n t e e n c o n t r a m o s o v o c á ­
b u lo c o m a e x p r e s s ã o de p e n n a : “ O r a e s ta ! E m p u n h o a pen n a

136
P*ra e s c r e v e r , só p e lo d ia b o ... E s to u la r g a n d o , c o m p a d r e ,
IV u m a v e z a bu ru n d a n ga , P o i s a c a b e ç a m e a rde, C h e g a - m e a
r a i v a e a z a n g a ” . ( O C a m p e ã o n. 50 de 1962). E m f i m , n a t u r a l­
m e n te n o s e n tid o de d ií f i c u l d a d e s e p e r ig o s , e sem d u vid a os
o c c o r r ç n t e s aos n a v io s que d e m a n d a m o p o r t o do R e c i f e , p e lo s
seus b a i x i o s e esc o lh o s , e n c o n t r a m o s esta q u a d r h i h a n o c y e l o
das nossas trovas p o pu lares. “ Quando fores a Pernam buco
P r o c u r a b r ig u e ou pa ta ch o , Que é b o m p a r a a v ia g e m Das hu-
ru n d a n ga s de b a ix o ” . O v o c á b u lo é r e l a t iv a m e n t e m oderno.
B lu tea u n ão o re g is tra , p o i e m M o r a e s já o co n s ig n a , c o m o t e r ­
m o f a m i l i a r , c o m as e x p r e s s õ e s de lin g u a g e m m e n o s po lid a , a l ­
g a r a v i a , c it a n d o a F i l i n t o E ly sio , (o Padre Fra n cisco M anoel
d o N a s c im e n t o , f a l l e c i d o em 1819), que n a t u r a lm e n t e e m p re g o u
o t e r m o c o m a q u e lla s e x p r e s s õ e s , o q u e assim co n s titu e a sua
g e n e s e h is t ó r i c a e a sua f e i ç ã o o r i g i n a r i a m e n t e p o r t u g u e z a ; e
levado ao p lu ra l, bu ru n da n ga s, c o m o fr a n d u la g e n s , cousas de
pouco va lo r. D a b i, c o m e x c e p ç ã o de C o n s ta n c io , até C â n d id o
de F i g u e i r e d o , e o u tr o s e s c r ip t o r c s , v e m o v o c á b u lo r e g is t r a d o ,
qu asi que, c o m o o d e f in iu M o ra e s , e c o m m ais umas tantas a m ­
p lia ç õ e s , m as ern c e r t o s p o n t o s e n c o n t ra d a s c o m as p a r t i c u l a ­
re s expre ssõ es, c o r r e n t e s e v u l g a r e s e n t r e nós, c o m o v im o s .
B u s c a - v id a — D il ig e n t e , vid eiro , tra ba lh ad or in fa tig á vel
t r a b u c a d o r da v i d a ; tra ta nte, v e l h a c o , g a t u n o . Vem de lo n g e
of t e r m o , p e l o m e n o s c o m estas u ltim a s e x p r e s s õ e s , e j á v u l g a r
r m M in a s G eraes, em t e m p o s idos, c o m o se v ê deste fa cto , qu e
encontram os c o n s ig n a d o num p erio d ico do R ec ife, O Vapor
dos T r a f ic a n t e s , no seu n. 45 de 1858: “ E s t a n d o p r e s o na c a d eia
de S. J o ã o í F E l * R e i , p e lo c r im e de fu rto , c e r t o i n d i v í d u o p o r
alcu n h a O B u sc a-v id a , f e z o seg u in te r e q u e r i m e n t o ao o u v i d o r
da c o m a r c a : “ O B u s c a -v id a está p r e s o , S en h o r, m a n d a i- o s o l ­
ta r; Que e ll e s o lt o bu sca a v id a , E preso, com o a buscar” .
Despacho: “ Se o B u s c a - v id a está p r e s o , P r e s o se d e i x e f i c a r :
P o i s na c a d e ia n ão fu rta , E so lto p o d e f u r t a r ” .
B u t e — D e n o m i n a ç ã o de t r o ç a a u m a e n f e r m i d a d e q u a lq u e r
p a i a c h a s q u e a r de q u e m a s o f f r e : D e u - lh e o b u te ; E s tá a ta c a d o
d o m al do bute. N o G lo s s á r io C e a r e n s e p o r e m , e n c o n t r a m o s o
v o c á b u lo c o m a e x p r e s s ã o de m o lé s t ia da p e ll e e n t r e os p reto s
vin d o s d *A frica . Trata-se assim, de um a p a la vra o rigin a ria ­
m e n t e a f r ic a n a .
B u tes — C a lç a d o : E stes butes já n ão p r e s t a m ; estão d e v e n ­
d o im p o s t o á p r a i a . C r e m o s que o t e r m o v e m de bute, pé, da
g ir ia portugueza e decorrentem ente a lo c u ç ã o D a r a os butes,

137
f u g i r , e v a d ir - s e , desapparecer, correr, com o registra A lb e r to
Bessa.

B u z in a — F a l a t o r i o co n s ta n te, i m p e r t in e n t e , e s t r id e n te ;
g r i t a r i a de cria n ça s, a t o r d o a d o r a , de encom m odar, desespe­
r a r . ‘‘ A r r e c o m ta n ta b u z i n a . . . P a r e c e q u e essa m e n in a b eb eu
a gu a de c h o c a l h o ” . ( L a n t e r n a M a g i c a . 553 de 189 8).
B u z io — E e p e e i e de b u z in a ou t r o m b e ta f e i t a de um bu/.io
o u c a r a m u jo g r a n d e , c o m um o r ifíc io p ratica d o na base, p o r
o n d e se so p ra , p r o d u z i n d o u m s o m r o q u e n h o . m as a gu do , e s ­
t r id e n t e , q u e se o u v e a g r a n d e d is t a n c ia . O toq u e do b u z io é
u z a d o p e lo s o a n o e ir o s e j a n g a d e i r o s p a r a c h a g a r o v e n t o nas
c a lm a r ia s , os c o m p a n h e ir o s , e os fr e g u e z e s ao m e r c a d o do p e i ­
x e q u a n d o v o l t a m das p e s c a r ia s ; o a sso gu eirn p a r a a n n c n c i a r
c a r n e barata, e p a r a a la r m a , p e d i d o de s o c c o r r o . O b u z io assim,
c h a m a -s e a ta p u ’ , 110 C e ará .
Buzugo — C ou sa m a l fe ita , m a l a c a b a d a ; Is to n ã o é co rd u ­
r a de g e n t e : é u m bu z u go .
B u z u n tã o — Sujo, im m u n d o , p o r e o . O t e r m o , b e m c o m o 0
seu d e r iv a d o , bu zu ntar, é de o r i g e m a fr i c a n a , s e g u n d o S y l v i c
R o m e r o . A u le t e , p o r e m , r e g i s t r a 0 term o besuntão, com o fa­
m i l i a r de e x p r e s s õ e s ou ira s.
c
Cabaça — E s p e c i e de cu ia ou c o it é d o fr u t o do c a b a c e i r o ,
c u i e ir a ou co itezeira (C resce n tia cu jete, E in n .). oval ou es-
p h e r i c o , s e r r a d o ao m e i o e e x t r a h i d o o m i o l o q u e o e n c h e p o r
t

c o m p le to . “ As ca ba ça s são usadas com o u te n s ílio s de ca sa .


A b e r t a s em duas b an das, t ir a d a a p o l p a e seccas, s e r v e m a gui-
za de lo u ç a de b a r r o . ” ( H . K o s t e r ) Ca ba ça , o u e n g o , ca co , p a r a
d e s ig n a r , geralm en te, um in d ivid u o d e s a c isa d o , s em ju iz o , de
cabeça d e s m io la d a , dessas, q u e na p h r a s e d o p o eta , P o r fó r u
só tem c a b e llo , Por dentro nenhum m iolo . “ H a h om ens que
tem ca b eç a, O u t r o s ha que t e m c a b a ç a ; A f f i r m a m que o M i y -
ses é desta u lt im a r a ç a . ” (D e uns v e r s o s p o l í t i c o s de 186 31.
" X e s t e t e m p o em q u e se e m b a r a ç a t e m ca b a ça e n ã o c a b e ç a .”
(A Ill u s t r a ç ã o n. 9 de 1885) O r a g r a ç a s ás c a b e ç a s ! (L o c u ç ã o
p o p u la r de a le g r ia , s a tisfa çã o ).
Cabaço — O cham ado Cabaço de có llo (C u cu rb ita la g e -
nária, L i n n ) , q u e a t tin g e a g r a n d e v o lu m e , de um a ca sca g r o s -
sa-ie c o n s is te n te , e x t e r i o r m e n t e p a r d a c e n t a , e q u e t i r a d o t o d o o
m io lo , serve de vaso para a conducção d ’agua, g u a r d a r f a r i ­
n ha e o u tr o s usos d o m é s tic o s , .e c o m m u m e n t e m u i t o u sa d o na
\ e n d a g e m de m e l e c a l d o de c a n n a . V e m dah i o d i c t a d o : P e r ­
d e i m e l e c a b a ç o , na o c c o r r e n c i a de um p r e j u i z o , du plo . “ D e i ­
xou v . s. sem m e l e sem ca b a ço , c o m o d iz o m e u a m i g o Zc
P o v o .” (J orn al do R ec ife n. 301, 1 91 7). H onra, p u re z a , v i r ­
g i n d a d e . P o u c o v u l g a r : ca b eç a, q u e n g o , c a c o . “ A m u sa fo i- s e -
me e m b o ra ... A m in h a b o la ... é um ca b a ço , (M ep h isto p h c-
les n. 20 de 8 8 2 ).
. . . . Cabanáda — Xom e p elo qual se d e n u n c io u a re volu çã o
qu e i r r o m p e u em p rin c ip io de 1832 nas m attas de J a c u h y p e

139
e Panellas de Miranda, pugnando pela restauração do reinado
do im perador D . Pedro I, que abdicara a corôa no anno an­
terior, e qtfe somente terminou depois de lima porfiada luta
de perto de quatro annos, antes pela persuasão que pelo po­
der das armas, graças a intervenção pastoral do bispo dioce­
sano D . João da Purificação Marques Perdigão. “ Temos v is ­
to crises ameaçadoras em Pernambuco, como a Abrilada, Se-
tembrisada e Cabanada.” (O Cometa n. 4 de 1843) “ Concluí­
da a cabanada, o Arara sahiu do Jiquiá e vem para a povoa­
ção de Afogados” . (O Arara n. 3 de 1845). “ No tempo da
cabanada casou-se o pae do X estor” . (Lanterna Magica n. 545
de 1859).
Cabano — O sectário da revolução da Cabanáda, ou antes
segundo as nossas chronicas, Guerra dos Cabanos. E xp lo­
dindo em 1853 no Pará uma revolução com os mesmos intui­
tos da nossa Cabanada, tiveram os seus adeptos a igual deno­
minação de cabanos, que, como entre nós, se tornou despre-
sivel, e dahi estes versos das nossas trovas populares: Eu não
sou cabana Lá do Pará; Sou menina bôa, Gente sinhá. “ Pu­
nam-se os cabanos porque elles são verdadeiros salteadores
e assassinos premeditados da vida dos seus semelhantes. ” (Voz
do Povo Pernambucano n. 32 de 1833). “ Talvez que os caba­
nos daqui, e os cabanos do Pará podessem ajudar-se no san­
to principio do interesse para legitim arem a sua re v o lta .” (O
Carapuceiro n. 20 de 1837). Cabano, como termo portuguez,
designa o animal que tem as orelhas derrubadas, descahidas;
um cavallo cabano; um porco cabano; e dahi, applicado entre
nós aos indivíduos que tem as orelhas grandes e muito aber­
tas: orelhas de cabano, ou acabanadas. A denominação, po­
rém, dos rebeldes da cabanada, vem dos ranchos ou cabanas,
que occupavam nos seus acampamentos nas mattas de Ja-
cuhype e Panellas de Miranda. “ “ Os defensores da patria cos­
tumavam dorm ir a somno largo, e tão largo, que de uma feita
acordaram á força de repetidas facadas dos habitantes das ca­
banas, que aproveitando-se da opportunidade que lhes offere-
cia a occasião conseguiram fazer algumas m o rtes.” O Tupi-
nambá n. 12 de 1832). O qualificativo, porem, ficou, e annos
depois de terminadas as lutas, dizia um periodico do Recife,
chasqueando dos seus adversários politicos: ” Mas fala baixo,
que os cabanos estão em b a ix o .” (O Clamor Publico n. 14 de
1845).

140
Cabeça de prego — Furunculo, leicenço, ou tumor peque­
no e duro que nasce á superfície da pelle.
Cabeção — Cabeça grande: Cabeça de comarca, cabeça
de nós todos; a parte superior da camisa de mulher, unida
a fralda e substituída quando o panno se estraga. “ Duas cou­
sas me contentam. E são da minha paixão: Perna grossa, ca-
belluda, P eito em pê no cabeção.” (T rovas p o p u la res). “ Visto­
sos cabeções de que pendem não sem acertadas combinações,
bicos e rendas bemfeitas e elega n tes... Os cabeções arren ­
dados e decotados, os seios quasi de fo r a .” (F ra n k lin T a v o ­
r a ). “ Grenha, no ar„ em cabeção de camisa e de mãos nas
ilhargas.” (Jornal do R ecife n. 200 de 1917). O term o com
esta expressão, vem porem de longe, como se vê de um r o ­
mance joco-serio de meiados do seculo X V II, H istoria da
Cota M arota: ” A h ! meu tempo, tempo amado, Em que as ma­
tronas honestas Com seu cabeção de talho Que os peitos co­
bria ap en as... Era para vêr a Cota Como agoniada e tremula,
Cabeção, saia e cabello, O manto, a cinta, as chinellas.
Cabeça-secca — Alcunha do captivo no tempo da escra­
vidão, e tida como deprimente, injuriosa. “ E* noite, e o si­
no da matriz de Santo Antonio está dobrando; isto quer di­
zer que são horas das cabeças-seccas recolherem -se as ca­
sas de seus sen hores.” <0 .Campeão n. 194 de 1862). A lo ­
cução ficou, em virtude daquelle costume, de imposição p o li­
cial, vindo dahi a retirada de uma visita ou terminação, de
uma palestra ao toque de nove horas, como cabeça-aecca.
N ò nosso F olk -lore Pernambucano tratamos do assumpto mais
demoradamente. A locução tem tambem voga em São Paulo,
mas exclusivamente para designar o soldado de p olicia.
Cabeceiras — As origens ou nascentes de um rio ou ria ­
cho “ A bacia do São Francisco, perto das suas cabeceiras,
tornou-se a região de preferencia dos mais antigos d*entre es­
ses intrépidos e x p lo ra d o res.” (M . de O liveira L im a ). “ O rio
Parahyba não tem pela margem direita nenhum affluente im ­
portante, a não ser o rio da Serra, já perto de suas cabecei­
ras” . (Irin eu J o f f i l y ) . “ As aguas do meu riacho, Correm lá
das cab eceiras.” (Cancioneiro do N o rte ).
Cabeçote — Cabeços dos dois páus extremos da armação
de cangalha, e de postura um tanto saliente á esteira que a re ­
veste; e atadas aos quaes, pendem latteralmente dispostas a
carga do animal, os cambitos, caçambas, ou caçuaes, garajáos
e capoeiras de aves. “ Francisco tirou um fusil do sacco vasio
que pendia do cabeçote de cangalha. ” (Fran klin T a v o r a ),
C abelleira — V a le n t ã o , d e s te m id o , a u d a z . “ Mas se e n t r e ­
tanto, a ssim o q u i z e r e m os C a b e lle ir a s , r e c e b e r ã o r e s p o s t a im
m e d ia ta m en te.” (O G u a rd a N a cio n al n. 15 de 184 3). “ E lle
t e m u m n o p ie g l o r i o s o ao p é dos C a b e l l e i r a s . ” (O A ra ra n. 1
de 184 5). A dicção v e m do a p p ellid o de C a b e ll e ir a , de u m
m a m e lu c o de n o m e José Gom es, c e l e b r e b a n d id o , e f f e c t i v a m e n -
te a u daz e d e s te m id o , e c h e fe de u m a q u a d r i lh a de m a l f e it o r e s ,
q u e e m m e i a d o s d o s e c u lo X V I I I l e v a r a m o c r i m e e o t e r r o r
p o r tod a p a r t e . O C a b e l l e i r a qu e d e ix o u de si t ris t ís s im a c e ­
l e b r i d a d e , t e v e p e la s suas fa ç a n h a s o seu n o m e c a n t a d o p e l o
ly ra popu la r c o n t e m p o r â n e a , da q u a l são v u l g a r is s im o s estes
v e r s o s : “ F e c h a a p o r t a gen te, C a b e l l e i r a ahi v em , M a t a n d o m u ­
lh e re s , M e n in o s t a m b e m . ”
C a b e l lo — S o b r e esta d ic ç ã o o c c o r r e : A n d a r , esta r de ca-
b eílo em pé: p reven id o , d es con fia d o . C a b e ll o á nazarena;
c e r t o m o d o n o c o r t e e p e n t e a d o d o c a b e llo , q u e já t e v e m u ita
v o g a , m as a in d a n ã o d e t o d o e s q u e c id o . O rig in a ria de P a r is ,
t e v e l o g o a o seu a p p a r e c im e n t o a p p la u so s e o p p o s iç õ e s , e in -
c o r e n d o n o a n i m o d o n oss o c r i t i c o L o p e s Gam a, e s c r e v e u e l l e
um a r t i g o acrem ente verberando a nova moda d e c a b e ll o s á
nazarena a que deu p u b l ic i d a d e no seu p eriod o O Carapu-
ceiro nu 14 de 1840) . “ A C a b e lleira nazarena de M a r i a T h e -
r e z a ” . ( A P i m e n t a n. 10 de 191 7). C a b e l lo de c u p i m : p ic h a im ,
c a r a p in h a . “ Você m e chama de n e g r o , D o c a b e ll o d e cupim ,
A g o r a v o c ê m e d i g a : q u a n t o s c o n t o s d eu p o r m i m , ” (V e rs o s de
des a fio ). C a b e ll o de e s c a d a : o d o m e s t iç o , c u jo c r e s p o , e f f e c
t i v a m e n t e , é a s s im . “ P a l l i d o , ca b e ç a p e q u e n a , c a b e l lo s p r e t o s
fo rm an d o esc a d in h a s.” ( A P i m e n t a n. 39 de 190 2). C a b e ll o de
fo g o : verm e lh o . C a b e ll o de espeta c a ju ’ ; gr o s s o , d u ro , e s p e ­
ca d o , i n d o m á v e l á b a n h a , a o p e n t e e á e s c o v a , e a ssim c h a m a d o
do co stu m e q u e t e m o q u an dú , m a m i f e r o r o e d o r , de e s p e t a r o
c a ju ’ n os e s p in h o s do dorso para o co n d u zir. E’ desse ca-
b è í l o assim, c o m o o d o in d io , q u e v e m esta q u a d r in h a p o p u la r :
“ C a b ô c o n ão v a i p ’ r o céo, N e m qu e seja r e z a d o r , Q u e t e m o
c a b e l lo d u ro , Espeta Nosso S e n h o r . ” C a b e ll o de o iti co m id o
ás a v e s s a s ; a r r e p i a d o , d isp o sto s a o c o n t r a r i o d o c o r r e r n a tu ­
r a l d o s c a b e llo s , c o m o fica o o i t i c o m as f i b r a s t r a n s v e r s a e s
d e p o is de t i r a d a tod a a m assa qu e e n v o l v e o caroço, de m o ­
do o p p o s t o ao seu c o r r e r , assim ás avessas co m id a . C a b e llo
de p o r c o e s p i n h o ; o m e s m o q u e de espeta c a ju ’ , e m a llu s ã o aos
p r o n u n c ia d o s e s p in h o s de q u e é r e v e s t i d a a p e l l e d o m a m i f e ­
ro ro ed o r v u lg a r m e n t e c o n h e c i d o c o m esse n o m e . C a b e l lo de
a u a n d u ’ ; o m e s m o q u e de esp eta c a ju ’ e p o r c o esp in h o. Ca-

142
b e llo de r o m p e f r o n h a ; o m e s m o que de c u p im . C a b e ll o de
s a m b a m b a ia ; a r r e p ia d o , e r i ç a d o , n ã o p e n l e a d o . C a b e ll o na
venta ( s u je it o d e ) : a r r e li a d o , d isp osto , genista, q u e n ão a g u ­
enta d e s a f o r o s . “ A g u e n t a - t e c o m e lle , q u e tem san gu e n o o lh o
e c a b e ll o na v e n t a ” . ( F r a n k l i n T a v o r a ) . D o e r o c a b e l l o : d e s ­
c o n f i a r , t e m e r , r e c e i a r , “ B e m d o ia aos m o r a d o r e s do R e c i f e o
c a b e llo , c o m a n o t ic ia destes b o a to s que de f ó r a v i n h a m . ” (D e
um a c h r o n i c a da G u e rr a dos M ascates, 1710). N ão fazer bom
ca bello: agradar, s a tis fa z e r, co n v ir “ Não fa z m u ito bom ca­
b e l l o "atirar as u rtiga s u m lu g a r r e n d o s o , c o m o o de d e l e g a d o
f i s c a l ” . ( J o r n a l do R e c i f e n. 241 de 1916). P o r o n d e andou , qu e
tão b o m c a b e ll o cr e o u ? ( D i c t a d o ) .

C a b id e d e E m p r e g o s — In d ivíd u o s que ex erc e cu m u la tiva ­


m ente v a rio s ca rg os , de m ais ou m e n o s p r o v e n t o s . “ E x p u ls o
do D ia rio de Pernam buco e d e m it t i d o de to d o s os e m p r e g o s
estaduaes que exercia, era 11111 c a b i d e ! ” (Pernam bu co n. 296
de 1913).
C a b id e lla — G u iz a d o de g a l li n a c e o s d o m é s tic o s p r e p a r a d o
c o m o san gu e d i s s o l v i d o em vin a gre . “ Uma c a b id e ll a f e i t a a
c a p r i c h o ” . ( L a n t e r n a M a g ic a n. 128 de 1885) “ E n t r e a esp osa
na c o s in h a p a r a m atar a g a llin h a e preparar a c a b id e lla ” .
(Id e m , n. 493 dc 1896). M oraes e os lex ico go s seus succes-
so res r e g is t a m o t e r m o , m as c o m o u m g u iz a d o de m o d o d i f f e -
rente do que tem c u rs o na nossa c u lin a r ia , uma vez que é
e x c lu s i v a m e n t e p r e p a r a d o com, os m ío lo s da g a llin h a , p a to ou
p e r u ’ em m o lh o p a r d o . S e g u n d o M o ra e s , trata-se de u m v o c á ­
b u lo de o r i g e m a ra b e, e iá r e g is t r a d o n o s ec u lo X V I p o r F e r -
não Mendes P in to .
C a b in h o — C o r d e l , b a r b a n t e ou c o r d ã o g r o s so , e s p e c ie de
corda m u it o d e lg a d a . O term o vem de cabo, e a ssim n o di-
m i n u it i v o , o m e s m o que c a b o f i n o , c o r d i n h a .
C a b o c la —- ín d ia , ou m u lh e r o r i g i n a r i a de q u a l q u e r casta
i n d í g e n a ; t r a t a m e n t o in t im o , a f f e c t i v o , a um a m u lh e r , e e m t o m
i n t e r j e c t i v o , c o o in e x p r e s s ã o de a d m ir a ç ã o a de u m p o r t e e l e ­
g a n te e de b e l l o t v p o f e i c i o n a l : que c a b o c la b o n it a !
C a b o c li n h o — P e q u e n o e d e li c a d o p assaro, de b e l l o can to,
a in d a n ã o estudado, s a lv o se o é sob o u t r o n o m e q u e n ã o este
c o m q u e é v u lg a r m e n t e c o n h e c id o e n t r e nós, q u e v e m da sua
c o r p a rd a , a c a b o c la d a , t ir a n d o á fo lh a s e c c a .
C a b o c li n h o s — D i v e r t i m e n t o p o p u l a r á im i t a ç ã o das fes ta s
dos in dios , c o m a is a p p r o x i m a d a m e n t e o o s s i v e l do c a r a c t e r í s ­
tico dos seus usos e co stu m es, p a r t i c u l a r m e n t e a ttin en tes, ao
ves tu á rio , b a ila d o s e m usica, e g e r a lm e n t e só e x h ib i d o s p e l o
c a r n a v a l, “ Desses fo l g u e d o s t y p i c o s do c a r n a v a l c o n v e m d e s ­
tacar os c a b o c lin h o s , re s to de d i v e r s ã o i n d í g e n a . ” ( R o d r i g u e s
de C a r v a l h o ) .
C a b o c lo — “ Ao gentio m an so, ou r e d u z i d o á civilização
se c o m e ç o u des d e lo go (á co lon iza çã o do B ra sil) a cham ar
caa-rboc q u e q u e r d iz e r , t i r a d o ou p r o c e d e n t e do m a tto, d o n d e
nos v e i o o v o c á b u l o ca b ô co , c o m o a in d a h o je o p r o n u n c io u o
hom em rú stico , ou c a b o clo , com o já o adoptou o portuguez
— brasileiro . (T h e o d o ro S a m p a io ). C on soantem ente já em
m e ia d o s do secu lo X V I I I h a v ia e s c r ip t o o n o ss o c o n t e r r â n e o
Loreto C o u t o : “ O n o m e c a b o c o r o , que c o m e r r o se e s c r e v e e
p r o n u n c ia c a b o c lo , d e r i v a dos n o m e s ca-ab e oca, d o s q u a e s o
p r i m e i r o s i g n i f i c a matto, e o s e g u n d o casa, e v e m a d iz e r , ho­
m e m q u e tem casa no m a t t o . . . O n o m e de c a b o c o r o s f o i i m ­
p o s t o aos i n d io s em seu p r i n c i p i o , p o r q u e m u ito s d e lle s v i v i a m
d is p e r s o s p e lo s m a tto s em ca ba n as que form avam de ram os
e f o l h a s de a r v o r e s . ” Q u a n to a nós, p a r t ic u la r m e n t e e m P e r ­
n a m b u co , a m a is r e m o t a n o t i c ia q u e t e m o s do v o c á b u lo , v e m
da p r i m e i r a m e ta d e do s ec u lo X V I , c o m o a c o n s ig n a F r e i M a ­
n o e l C a la d o , e s c r i p t o r da e p o c h a , r e f e r i n d o - s e aos a b o r í g e n e s
da c a p it a n ia : “ In d i o s P o t y g u a r e s aos qu aes n o B r a s i l c o m m u -
m e n t e c h a m a m ca b o c o l o s ” . V e m d a h i a sua v u l g a r i s a ç ã o , e o
seu uso a té m e s m o o f f i c i a l , c o m o co n s ta da o b r a Informação
g e r a l da C a p it a n ia de P e r n a m b u c o , de m e i a d o s do s e c u lo X M 1 I ,
q u e t r a t a n d o dos a ld e ia m e n t o s in d íg e n a s d o seu d is t r ic t o , e
m e n c io n a n d o a r e s p e c t i v a p o p u la ç ã o , d iz que e r a m de in d i o s
C a b o c lo s da lin g u a g e ra l, ou p a r t ic u l a r i s a n d o as d ifferen tes
tribu s a que p e r t e n c i a m ; e t r a t a n d o o p p o r t u n a m e n t e das qua­
lid a d e s de pessoas de que se c o m p õ e o paiz, e s c r e v e s o b r e o
a s s u m p t o : “ C a b o c o lo s são os i n d i o s q u e m o r a m na c o s ta e f a ­
l a m a lin g u a g e r a l . ” D e a c c o r d o c o m esta c la s s if ic a ç ã o , e n c o n -
fr am ios a c a rt a r e g i a de 22 de m a i o de 1703, s o b r e n e g o c i o s
dos in d io s , e d irigid a ao D esem bargador C h ristovã o S oa res
R e y m a n , q u e fa z r e f e r e n c i a aos c a b o c o lo s , c o m o a q u e lle s que
v i v i a m na m a r in h a , isto é, n o l i t o r a l . S e g u n d o um a v e r s ã o qu e
encontram os, fo i este nom e dado aos i n d io s p e lo s eu ro p eu s,
e m r e p r e s a l i a ao de E m b o - a b a s , de um a a v e calçuda. d o p a iz ,
c o m q u e e lle s os a p p e li d a r a m , e m a llu s ã o ás suas c a lça s c o m ­
p r id a s . V ocá bu los d ep recia tivo dos in d io s , de despreso m e s­
m o, t o r n o u - s e tão i n j u r i o s o p a r a elles, q u e o g o v e r n o da m e ­
t r ó p o l e , p a r a e v i t a r os seus i m p e t o s de r e a c ç ã o , e m e s m o p a r a
c o n t o n t a l- o s , b a i x o u um A l v a r á em 4 de a b r i l de 1735, niitn-

144
dando que o ouvidor expulsasse da comarca, dentro de um
mez, sem appello nem aggravò áquelles que os chamassem por
esse epitheto da cabouculo ou outro qualquer injurioso, con­
cluindo mesmo, que os casamentos de colonos portuguezes, com
índios não eram infamantes, e antes m otivo de consideração
e preferencia para os cargos públicos. Consoantemente com
estas idéas de dignidade e de prestigio aos indios, o Marquez
de Lavradio, vice-rei do Brasil, por uma portaria expedida em
6 de Agosto de 1771 rebaixou a um delles do posto de capi­
tão m ór p or ter casado com uma negra, e assim manchado o
seu sangue e mostrando-se indigno do cargo. O vocábulo p o­
rém,que out’ora tinha uma expressão depreciativa, injuriosa
mesmo ao in feliz aborígene como vimos, constitue hoje, e v in ­
do naturalmente já de longe, uma dicção fam iliar de affecto,
intima, carinhosa mesmo: Meu caboclo; Caboclo velh o; que bo­
nita cabocla! Phrase e ditados populares: Somos caboclos na
mesma aldeia; Espingarda em mão de caboclo; Nam oro de ca­
boclo; Caboclo não quer m ingáo; mingao no caboclo; Caboclo,
gato põe ovo?
Cabocó — Moraes registra cavocó, e manda vèr covocó,
que define como term o do Brasil: “ O caneiro ou levada, por
onde despeja a agua que sahe dos cubos das rodas dos enge­
nhos de moer as cannas de assucar, e por elle sahe ao rio tu
baixa. “ Beaurepaire Rohan, porém, escreve cabocó, como ter­
mo corrente na Bahia, e o mesmo que “ covocó, e registrando
depois a este consigna a mencionada definição de Moraes, con­
cluindo: ” Na Bahia dizem Cabocó e Cóbócó, e em Alagoas Ca­
vou co” . A dicção, porem com as suas variantes, vem de ca­
vouco, ou cabouco, como escreve Aulete, com as expressões
de cava, valia, e dahi a corruptela de cabocó entre nós, e no1
meadamente, o do extincto engenho de São Pantaleão, do M on­
teiro, cuja corrente, emanando do grande açude de Apipu.cos
desce por uma levada que desagua no rio Capibaribe, o que
deu o nome de Cabocó ao povoado que se extende do seu ter­
mo, e correndo margem abaixo do rio Capibaribe chega a p o­
voação do Poço da Panella. “ Adeus, Maricas do Cabocó; Vem
tu’ commigo porque vou s ó .” (O Clarim n. 13 de 1878).
Cabóge — Valdevinos, pelintra. “ N o pastoril do Campo
Grande appareceram uns tantos caboges” . (A Pimenta n. 3 de
1908). “ Qual nada. Não me conte lerias, seu caboge. (A v a n ­
ça n. 33 de 1915).
Caboré — Ave de rapina, nocturna, especie de mticho ou
coruja. (Athena brasilliensis, Lath )., bem com o o coboré-m i-

145
rim de menor porte (Athena erassirostris, V ie il.), como indica
o seu nome. “ Ave M a ria ... Os pios dos tristes Caborés já se
tornam ferin o s’’ . (N elson F irm o ). Da solidão o tacito socego
Apenas, com seus guinchos, o interrom pem Jurucutús e cabo'
réés sinistros.” (A. J. de M e llo ). N o alto S. Francsico ha uma
ilha denominada do caboré, descriptos por F . H alfeld. Pessoa
môrena, tirando a caboclo ou este mesmo em pequeno; expres­
são intima de a ffectivo tratamento ás crianças ou mesmo a pes­
soas adultas. ” “ Ai Cascaio, Cascaio, meu caboré. Quem quizer
moça bonita o lé ” .(V ersos de uma ch u la). Com o nome de ca­
boré houve uma tribu de indios tapuios, que habitava no inte­
rio r do R io Grande do Norte, como consta de documentos of-
ficiaes de 1713 e 1714 do governo de Pernambuco p roviden cian ­
do sobre um levante que fizeram aquelles índios, unidos com
os da tribu gandoim. (R evista do Instituto A rch eologico e Geo-
graphieo Pernambucano n. 83-86). Caboré é uma dicção de
origem indigena, corruptela do caa-poré, salto do mato, segun­
do Martins, em allusão ao andar aos saltos da ave assim cha­
mada.
Caborge — P eixe de agua doce, de lagôas e brejos, que ca­
minha p or terra esgotado o poço em que vivia á procura de ou­
tro por amor á subsistência. “ P eixe que cania especie de sapo
amphibio que cobre-se de espumas” . (Fern an do H a lfe d ) Com
o nome de Caborge ha um riacho e uma collin a no município
de Bom Conselho, Montoya dá este vocábulo como origem in ­
digena, corruptela de caborey, folhas ruins, inúteis.
Cabra — Mestiço de negro e mulato. “ Ao mestiço deu-se
o nome de cabra, bode, e outros titulos malsinantes” . (S ilvio
R om ero) “ Joaquim de Sant’Anna, cabra ferro, pronunciado,
Pernam buco” . (Lista dos presos de 1917). Valentão, d esordei­
ro, capanga, apaniguado de mandão de aldeia, ou como m e­
lhor define o typo estes versos de desafio constantes da nossa
poesia popular. “ Sou cabra do boqueirão, Onça tigre de ron ­
car, Que matta sem sangqe, E ngole sem m astigar” . Dizem que
o vigário do Poço da Panella vai mandar buscar os seus cabras
do sertão.” (A Lanceta n. 9 de 1890). Esperto, sabidorio, e em
sentido especial, como escreve Franklin T avora n’ Q Cabelleira,
e tambem em Pernam buco, voz synonima de homem, ou talvez
mais particularm ente de homem forte, sugeito destimido e
petulante; e em sentido muito vulgar, e ao contrario de ex ­
pressões depreciativas, para indicar um homem bom, franco,
generoso: Um cabra as direitas. — “ V iola minha viola, V iola
do coração! “ Canta uma cabra pachola. Tocando numa
funcção” . (Lanterna Magica n. 912 de 1908). Como escreve
Bluteau, deram os portuguezes este nome de cabra a alguns
indios, porque os acharam ruminando, como cabra, a erva be­
tei, que quasi sempre trazem na bocca, vindo dahi o hediondo
vicio de mascar fumo. Este qu alificativo dado não vingou, na­
turalmente pelo concurrente de caboclo, de vulgarisação geral,
ficando então para designar a já conhecida casta de mestiços,
e decorrentem ente, as suas outras expressões. Na epocha, p o ­
rem, das lutàs travadas em p rol da nossa emancipação politi-
ca, e quando os epithetos injuriosos entre brasileiros e p or tu
guezes reciprocam ente se chocavam, chamavam-nos tambem es •
tes de cabras, e chegou mesmo a apparecer uma insultuosa p aro ­
dia ao nosso Hym no da Independencia, cujo estribilho dizia as­
sim: “ Cabra gente brasileira, Do gentio de Guiné, Que deixou
as cinco chagas, Pelos ramos do ca fé” . Dictados: Quando ca­
bra bicho é gente, que dirá cabrinha gente? Não ha doce ruim,
nem cabra bom. A cabra vende azeitonas e apregoa mel. B ê­
bado como uma cabra” . “ O besta da gallego, bebado como uma
cabra, roncava como um porco baié” . (A Pimenta n. 36 de 1902).
Cabra — cabriola — T e rriv e l papão para metter medo aos
meninos, e contel-as nas suas travessuras. Segundo os nossos
contos populares, a cabra-cabriola é um h o rrivel monstro, de
enormes fauces e dentes agudissimos, a deitar fogo pelos olhos,
pelas narinas e pela boca, e que nas suas excursões nocturnas,
para dar pasto á sua voracidade, astuciosamente penetra nas
próprias habitações, e devora quantos meninos encontra. Em
um desses contos o monstro fala assim: “ Eu sou a cabra-ca­
b riola. Que come meninos aos pares, Tambem com erei a vós,
Uns carochinhos de nada” .
Cabrahiba — A rvore de grandes dimensões, attingindo mes­
mo a mais de 50 metros de altura. E ’ empregada em construcção
c iv il e na mercenaria, pela belleza do seu amago, e tem um
cheiro balsamico muito agradavel. Ha duas especies conheci­
das, a branca e a rosa, mais o autor dos Diálogos das grandezas
do Brasil trata de uma Cabarahyba, madeira de côr roxa, m ara­
vilhosa para obras primas, que naturalmente constitue uma ou­
tra especie.
Cabralhada — V. Cabroeira. “ A cabralhada está toda apa-
lavrada” (D r. ApriSio Guimarães).
Cabra-macho — O cabra ultra valentão, destimido, feroz,
ferrabraz, respeitado mesmo pelos proprios cabras, como no
Ceará o Cabra topetudo e em Sergipe o Cabra onça. “ O mano
da menina é “ cabra macho.” (A m erica Illustrada de 17 de maio

147
de 1874). “ 0 Lulu’ dizia com fan fa rrice: eu sou cabra macho” .
(A Pimenta n. 71 de 1902) “ O Ventania é cabra zarro; O V e n ­
tania é decidido; Mostrou sempre á Lagarticha Que é elle ca­
bra macho” (A Vaca do B u rel)
Cabrão — Esposo de m ulher in fiel, mas indifferente, tole­
rante, consentidor mesmo. Este, vocábulo é antigo, como se
vê da sua consignação nas Ordenações Affonsinas (m elados do
seculo X V ), com a voz origin aria de cabrom, mas na accepção
de bode, segundo Moraes. Transform ado em cabrão com o
c o rrer dos tempos, é assim registrado p or Bluteau, como sy-
nonymo de carnudo, consentidor, dando porem a sua d efin i­
ção em cornudo, que manda v ê r: M arido de mulher adulte­
ra, consentidor, documentando esta sua particular accepção
com um trceho latino das Satyras de Juvenal. Moraes, mais
de seculo depois, registra o termo, como vulgar, seguindo-se-
lhe Constando, de accordc ambos com a definição de Bluteau,
em cornudo. Dahi p or diante vão desapparecendo dos nossos
lexicons, do termo cabrão, aquella particular expressão, muito
embora V ieira o faça em cornudo. Cândido de Figu eiredo re ­
gistra o vocábulo cabrão, como popular, dando-lhe porem uma
expressão que não lhe é própria. Aulete apenas o 'consigna
com a de bode, até que em fim ficou somente restricto á giria
portugueza, como o registra A lberto Bessa com a própria ac­
cepção conburrentemente vulgar e corrente entre nós. Os Ca­
brões celebres, porem concomitantemente com os seus quasi
que confrades da Irmandade de S. Cornelio, já tiveram a hon­
ra da sua consagração em uma obra especial, traduzida do
francez soh o titulo de H istoria dos coitadinhos celebres.
Cabra velho — Fin orio, sabido, experiente, p revenido; Ca­
bra velho da fiança. “ Mestre Barnabé, cabra velho, capadó­
c io ” .(O Cruzeiro n. 102 de 1829).
Cjabreiro — Astucioso, sagaz, sabidorio. D.Carlota é ca­
breira, e para passar p or solteira, quando sai, não leva com-
sigo a filh a ” . (A Pim enta n. 61 de 1902). Sou bicho muito ca­
breiro, Tenho a mania exquisita D e conquistar moça bonita” .
(O Estado de Pernambuco n. 51 de 1914).
Cabresto — Im posição humilhante, pressão, coacção, do­
m ínio: Trazer alguem pelo cabresto, eonsoantemente com a
locução portugueza, P ô r o barbecacho a alguem, aliás vulgar
entre nós.
Cabriolet de ch ifre — Os carros de engenho puxados a

148
bois: Fizem os o percurso da estação ao engenho em cabtriolet
de chifre, convenientemente arranjado.
Cabrito — Cabra ou mulato quando criança ou moço, e
muito usado no dim inutivo como que para suavisar o termo.
“ D irei sem reserva, que a mãe fo i c a b rita .” (O Papangú n.
1 de 1846). “ E segundo o antigo mytho, Tambem Fauno fo i
cab rito” . (L u is Gam a). Concurrentemente com o qu alificativo
de cabra dado aos brasileiros pelos portuguezes na epocha da
independencia, com o vimos, 'chamavam-nos tambem de ca­
britos, em represalia aos epithetos depreciativos que receb i­
am “ Dizem certos marinheiros, Que tudo aqui é cabrito.” (D e
uns versos políticos de 1833). “ Alerta guerreiros lusos! Aca­
bem-se esses cabritos insolentes, sem pejo, vergonha e leis” .
(A Voz do Brasil n. 32 de 1848).
Cabrocha — Nom e com que se designa um indivíduo ainda
joven pertencente á casa dos cabras. (Beaurepatre R oh a n ).
“ Tendo, a cabrocha, leve o diabo a desgraça” . Am erica Illus.
trada n. 30 de 1878). (O cabrocha emudecera o viola, e afinoii-
a em seguida” i(V iriato C o rreia). M ulher branca e pedra fina,
Mulata, cordão de coyro, Cabrcchinha é dengosinha, Negra íe-
mea surrão de couro” . (Da uns versos sertanejos).
Cabroeira — Reunião, grupo, ajuntamento dos chamados
cabras, ou mesmo em geral, do povilhéo. “ O José Marianno te­
ve bonitos rasgos, e a cabroeira acclamava-o o seu verdadeiro
Messias” . (Lantertaa Magioa n. 502 de 18% ). “ O delegado de
policia marchou á testa de uma cabroeira valente, t conseguiu
aprisionar os salteadores” . (D r. Olintho José M eira).
Cabuçu’ — Certa especie de abelhas, muito vulgar, que
naturalmente é a mesma a que Jeronymo V illela chama ca-
puxú. O vocábulo, como escreve Theodoro Sampaio, é corrup­
tela de caba-uçú, o vespão, o maribondo.
Cabuloso — Maçante, impertinente, insuportável, rabu­
gento. “ Chô, velha pretenciosa, rabugenta e cabulosa” . (A P i­
menta n. 14 de 1902). “ O zumzum cabuloso de um bezou ro” .
(Tdem, n. 24). — “ Uns vinte typos cabulosos e roidos, atira­
ram os chapéos no p alco” . (Idem , n. 3 de 1908)
Cabungo — Antigo bispote de barro, vidrado, com aza, de
fórm a um pouco afunilada, e de variados tamanhos. “ Outro
que tem um beiço do tamanho do de urinol vid ra d o ” . O
C.omefca n- 28 de 1844). “ Asqueroso vaso de pobre b arro” . (O
Careteiro n. 2 de 1863). Desapparecendo de cidade com a
■substituição (tos m o d e r n o s va so s de p o r c e la n a , lo u ç a e agatha,
e n ã o r a r o a in d a u sa do no i n t e r i o r , p r i n c i p a l m e n t e nas casas,
p o b r e s , f i c o u o v o c á b u l o p o r e m , e m c o n c u r r e n c i a c o m os qu e
tê m os n o v o s vasos, ou em t o m d e p r e c i a t i v o , a p p li c a d o ao cb-i-
p é o , ou a u m i n d i v i d u o q u a lq u e r , c o m o voz de desprezo, de.
d e s d em . Os b is p o t e s a ssim c h a m a d o s e r a m o rigin á rio s da B a ­
hia, e d e o n d e , c o n c u r r e n t e m e n t e c o m o u tras o b r a s d e c er a -
m ic a d e f a b r i c a ç ã o lo ca l v in h a m de a n t ig a i m p o r t a ç ã o , como
se v è de u m a lista das m e r c a d o r i a s e fa z e n d a s im p o r t a d a s du-
q u ella p r o c e d ê n c i a e m 1746, em q u e f i g u r a Louça de barro v i­
drada. “ Cabungo velho é t e n e n t e ” . (A Marmota Pernambuco
Ji. 31 d e 1850). V o c á b u l o de o r i g e m a fr ic a n a , da l in g u a bu n d o -
a n g o le n s e , in terroga Macedo S oa re s, a b o r d a n d o o a ssum pto,
se v e m d o s u b s ta n tiv o quimungi, s e r v i d o r , o u se d o a d j e c t i v o
de igu a l expressão sig n ific a n d o privado. D eriva d o ; Cabuii-
gueiro, d e e x p r e s s ã o o b v ia .
Caçamba — Esp ecie de caneca ou b a ld e de m a deira ou
m eta l, p r e s o a uma c o rd a , pa ra se t i r a r agu a d o s p o ç o s ou a-
c im b a s ; Onde vai. a corda vai a caçamba ( D i c t a d o p o p u l a r ) .
A r m a ç ã o de m a d e i r a ao m o d o de c a ix ã o , p r e s a aos c a b eç o tes
da c a n g a lh a dos a n im a e s p a r a a c o n d u c ç ã o de certa s cargas,
em g e r a l a reia , b a r r o e t ijo lo s . “ P o n h a os t i jo l o s s o b r e a ca­
ç a m b a ” . ( A Carranca n. 15 de 1847). “ O sr. C a rn e iro trocou
a gr a d e , o b a r c o e as caçambas p o r um a tosca fa r d a de t e n e n ­
te c o r o n e l . ” (O Azerragne n. 38 de 1845). O v o c á b u lo , s e g u n ­
do C a n e c a tim , é de o r i g e m a fr ic a n a , e tem a e x p r e s s ã o de vá*
s ilh a ; e é de v o g a a n tig a e n t r e nós, c o m o se v è d o n o m e Ca­
çamba de um a lo c a li d a d e e de u m r i o nos l im it e s da p a r o c h ia
de Q u e b r a n g u lo , em A la g o a s , o u tr’ora te rrito rio pernam bu­
ca no, e a in d a d o ria ch o Caçabinha, qu e desagu a no m e n c i o ­
n a d o r io .

Cação — P e i x e de c o u r o , d e p e s c a r ia do a lto (S q u a lu s
mustelus), o C a ç u r i d o s in d io s , e d o q ú a l são c o n h e c id a s as
e s p ecies: C a çã o -p a n ã , esp a d a r te, f i d a l g o , v i o l a , e o li x a ou,
m ij ã o , d e i n f i m a q u a lid a d e . D esta s e s p ecies, n o m e a d a m e n t e o
f i d a l g o e o l ix a , t a m b e m são m u it o a b u n d a n te s nos m a r e s de
Fern an do de N oronha. “ Eu com i cação, A r r o t e i c h a r é o , N o
m e io do m undo O lh a n d o p r a o c é o ” . (F o lk -lorc pernambu­
cano).
Caçar — P r o c u r a r , v ê r , i r ein busca de u m a cou sa q u a l ­

150
quer. “ Empenhando o regulamento eleitora l,-o pobre homem
caçava na lei um artigo em que firmasse uma exdruxula de­
cisão” . (Irin e o J o ffily ). “ Açucena quando nasce Tom a conta
do jardim ; Eu tambem ando caçando Quem tome conta de
m im ” . (T rovas populares).
Cacaracá — Cousa de pouca importância, de nenhum va­
lor, insignificante mesmo. “ Não quer que se lhe falle em gen­
te de cacaracá, porque se lhe dá im portância” . (O Artilh eiro
n. 40 de 1843). “ Poz uma taberna de cacaracá na praça da
Bôa Vista” , (O Barco dos Potoleiros n. 16 de 1864). “ Eu não
sou soldado de cacaracá” . (O Guarda C ivico n. 3 de 1878).
Cacarecos — Trastes velhos, ordinários, de pouco valoç,
desconcertados; troços: Andar com os cacarecos na cabeça;
isto é, em mudanças continuas. “ O ffereço os cacarecos ao Ins­
tituto, lim po a casa e estou socio correspondente” . (L a n ter­
na Magica n. 204 de 1887). “ Arrum o a trouxa o,s cacarecos
ajunto e damno-me, nem sei mesmo p’ ra onde” . A Pimenta n.
590 de 1902.
Çacetada — Uma historia maçante, inetrm inavel; cousa
desagradavel, enfadonha; conversação fastiliosa, prolongada.
“ O Vicente vai abrir-nos as portas do theatro Santo Antonio,
e proporcionar-nos noites de gosos, ou cacetadas? (O Etna
n. 11 de 1882). “ Desculpem os leitores a tremenda cacetada
que acabam de le v a r” . (O Tam oyo n. 10 de 1890).
Cachucha — Bailado popular, de origem hespanhola, da
Andaluzia, e que introduzido entre nós na p rim eira metade
do seculo passado teve grande voga nos theatros e reuniões
particulares, por largos annos. Dançar a cachucha, o gracio­
so bailado, constituía as delicias do nosso p ovo naquelles
bons tempos. “ Findo o prim eiro acto Caetano Fernandes dan­
çará a Cuxuxa” . (D ia rio de Pernambuco n. 533 de 1830). “ V en ­
de-se um par de castanholas próprias para dançar a caxuxa
ou outra qualquer dança. (Idem , de 1 de outubro de 1831).
Vem de então esta quadrinha de uma chula, ainda de todo
não esquecida, cuja musica, talvez, seja a do p roprio' bailado:
“ M aria Cachucha Quem é teu pimpão? E ’ um moço bonito
Chamado Janjão” . M aria Cachucha, parece-nos, f o i , alguma
dançarina de nota na execução do bailado, e assim vulgarm en­
te chamada, vindo dahi sêr a dança conhecida no R io de Janei­
ro com aquelle nome, ainda corrente, como assim se v ê em
uma revista contemporânea daquella cidade. “ Sahi de casa a
assobiar. E ’ tão bom a gente assobiar. . . Eis o omnibus! Sal­
to para elle e installo-me ainda com a Maria Cachucha nos
la b io s ... Pob re do meu assobio! Coitada da Maria Qachucha!”
CFon fon n. 18 de 1914).
Cacimba — E specie de poço cavado na terra, para abaste­
cimento d’agua, de form a quadrada ou circular, e revestido de
parede de tijo lo solto do fundo até quasi ao m eio para deixar
passar as aguas subterrâneas, e dahi para cima, até conveni­
ente altura, sobre o solo, feita de argamassa, tendo essa par­
te superior o nome de bocca da cacimba. O Marquez de Basto,
donatario de Pernambuco, nas suas Memórias diarias de la
guerra dei Brasil, impressas em M adrid em 1654, fez re feren ­
cia a umas. cacimbas chamadas de Am brosio Machado, situa­
das no extreito sul da ilha de Santo Antonio, ao tempo da
invasão hollandeza, em 1630. Nas immediações dessas cacim­
bas construíram os hollandezes um forte a que deram o no­
me de Fred erico Henrique, mas a que os nossos chamavam
das cacimbas, perdendo depois pela imposição do nome vu l­
gar de fortaleza das Cinco Pontas, que perm anece. “ A agua
que se tira das cacimbas da visinhança do P ilar, em Itamara-
cá, é de má qualidade” , (ft. K o s te r). Cacimba m eieira: a que
serve a duas propriedades, e situada ao correr da respectiva
linha divisória ficando uma metade para cada lado. Tapa-ca-
cimbas: Mulher amatutada, toleirona, malamanhada: Um
rancho de tapa-cacimbas. “ Quem quizer tapa-cacimbas, fale ao
padre S afelefele” . (D iá rio de Pernambuco n. 214 de 1829). Ca­
cimba é um term o d’ A frica, nome de uma tribu ali situada, da
qual, concurrentemente com outras, veio para o Brasil avul­
tado numero de escravos.
Caco — Tabaco feito com o fumo aberto em folhas, tor­
rado ao fogo em um espeto, e depois m oido em uma quenga,
ou em um caco de louça de barro, e dahi o nome de caco, òu
tabaco de caco. “ Gosta de tomar caco de corrim boque” . (A m e ­
rica Illustrada de 1 de Setembro de 1872). “ Fumo torrado a
capricho. Tabaco de caco” . (A Pim enta n. 16 de 1901). Cacos
Mesmo que cacarecos. Andar com os cacos na cabeça.
Cacoete — Convulsão nervosa de tregeitos e momices ha-
bituaes. Moraes consigna Cacoéthe, que im porta o mesmo,
com as expressões de máo habito corporal,' como o de quem
lorce o rosto, ou faz outros taes gestos e ademães feios. “ Des­
se cacoete lhe p roviera uma volta no cangote, que o tornára
um~tanto corcunda” . (José de Alencar, Guerra dos Mascates).
“ Senhora, não seja boba. T ire a mão da retaguarda. Isto é
fe io ; que cacoete!” (Lan tern a Magica n. 449 de 1895). “ O F i­
gueira é o homem de mais tregeiíos e caco|êtes que eu xenho
visto” (Gazeta do P ovo n. 2 de 1844).
Caçoleta — Medalhão de ouro, de abrir, para collocar re ­
trato. “ Trajava de branco, e trazia sobre si um lin do colar
de ouro, acompanhado de uma bonita caçoleta com o seu re­
trato” . (O Maná n. 18 de 1883). “ T raz a bolsinha na mão, ao
pescoço a caçoleta” . (Am erica Illustrada n. 12 de 1883). Ba­
ter a caçtolêta: m orrer.
Caçolêtada — Pandadaria, peteleco, cascudo: Dar, lievar
uma caçolêtada.
Cacos — Diabruras, estroinices, arrelias: Fazer os cacos.
"O Mutuquinha tem feito os cacos em Sirinhaném ” , (O Vapor
do Rio Formoso n. 21 de 1857).
Çaçuá — Cesto grande, feito de cipós rijos, com azelhas
dos mesmos cipós, para as prender aos cabeçotes da cangalha
do animal, e assim lateralm ente dispostos, destinados á con-
ducção de cargas divessas. Um par de caçus*es com batatas,
côcos, milho, melancias ou outros quaesquer geneilos, cons-
titue a carga de um animal. O caçuá, como algumas especies
balaios ou cestos, são feitos de um cipó rijo, apropriado ao
fim (A rg ilia pulchra) da fam ilia das Bignomiaceas, e p o r isso
conhecido pelo nome vulgar de Cipó de cesto. “ Da beira do
rio levaram o peixe para o engenho em caçuás, tão grande
fóra a pescaria” . (F ra n k lin T a vora ). Segundo S ylvio Rom ero
caçuá é um termo de origem africana, mas estudando Theo-
doro Sampaio a sua etym ologia, como nome de uin engenho
de assucar situado no municipio da Escada, escreve: “ Se fô r
tupi, como parece, é corrupção de cáa-açoa, cáa-çoá, caçoá, e
finalm ente cassuá. significando cobertura, ou chapéo de páo,
tapagem de páo, tecido de páo, isto é, tecido ou trama de páo
ou de cipós. O nome cassuá póde v ir ainda de cassu-á ou me­
lhor, ca-çu-á. Cauçú é uma vespa grande tambem denomina­
da cabuçú; sendo caba ou cauá e p or contracção cá, vespa;
uçú, grande. Cauçú alterou-se em caçú, como se observa fr e ­
quentemente no Sul. Caçu-á significaria, nesse caso, vespão
em pé, vespão assanhado” .
Caçula — O últimos dos filhos dc um casal; o filh o mais
moço de todos, segundo a própria expressão originaria, ca-
zuli, vocábulo da lingua bundo-augolense. “ Os caçulas advi­
nham, e possuem tambem a virtude de fazer passar a chuva
jogando-lhe um punhado de cinza” . (F o lk -lo re Pernam buco).
“ H avja um homem que tinha tres filhos: João o mais velho,
o outro Manoel e o caçula José.” (Paulo Tavares O irmão ca­
çula). “ O Tempo, a creançinha loira, filha caçula da im pren­
sa pernambucana” . (Pernam buco n. 324 de 1913). Pizar m i­
lho ao pilão. “ Ouvio, sorprezo, o bater de uma ca çu la ... E
drou para onde lhe chegava aos ouvidos o som levantado pelo
alternado bater das mãos de pilão sobre o milho. Fazia a ca-
cula uma rapariga e uma mulher já de idade” . (F ra n k lin T a ­
v o ra ).
Caculo — O que excede, em quantidade, ás medidas de
grãos e cereaes na venda dos mesmos: Uma .cuia de m ilho ou
farinha bem caculada. O termo porem, é uma corruptela de
co-gúlo: “ Medida aco-gulada, mensura cumulota” . (P ad re B.
P ere ira ). Com o nome de Caculo ha um , antigo engenho no
município da Victoria.
Cacumbú —* Machado, foice, enxada ou outras quaesquer
ferramentas já reduzidas e gastas pelo uso, e assim, quasi que
inservivois. “ Consiste toda a ferram enta da cosinha em um ca-
ç-umbú da faca” (A Marmota Pernambucana n. 46 de 1850).
“ Deixou-m e um tear de esteiras. Um cacumbu’ de enxada” ,
(D e uns versos sertanejos).
Cacunda — Corcova, giba; es;paduas, dorso ou costas:
Carregar na cacunda, ás cosi ás; Trepar-se na cacunda de ou­
trem, (Jominal-o, exploral-o. “ Baca"marte, bacamartello. E*
aquelle biolinho, Que bato na cacunda E faze calincunou” .
(D o auto africano Os Congos). “ Na cacunda do tatú tamanduá
aguenta sol; Quem dá e torna a tomar, vira a cacunda para o
m ar” . (D ita d o s ). Registrando Cândido de Figueiredo o ter­
mo, diz que é brasileiro; e como escreve Macedo Soares, vem
do bundo macunda, plural de rieunda; ou preferentem ente,
segundo Cannecatirn, da mesma lingua, mas de ocacunda,
corcova.
Cacundé — Antigo bordado de roupa branca, sendo as
respectivas peças recortadas em fazenda da mesma especie
da que a tinha de receber, e convenientemente sobrepostas
cm ponto de debrum. “ Substituíam ao lo, ou véo, em certas
idades, p elo lençol de cacundé, de matames e de rendas, e os
havia de preço elevadíssim o” . (João B rigid o).
C acu rutá,— A crista do gallo e outros gallinaceos; Uma
gallinha cacurutada. Referindo-se o periodico O Postilhão ao
presidente da província o Conselheiro Chichorro da Gama,
no seu n. de 27 de F evereiro de 1847, chama-o de Orangutan-
go caeurutado. O termo é uma corruptelá de cocoruta, o alto
da cabeça, ponto em volta do qual estão dispostos os cabel-
los, como assim fica crista ou cacuruta dos gallinaceos.
Cadaver — “ O cadaver” é o credor, e o credor é o cada-
ver v iv o que nos segue, que nos acompanha, que busca a nos­
sa companhia contra a nossa vo n ta d e.” (Am erica Illustrada
n. 38 de 1877)'. “ Isso de frequentar palacio, tomar chá e as­
sistir banquetes, póde ser bom para confortar o estomago,
mas não dá para enterrar cad averes.” (O João Fernandes n.
39 de 1887). “ Conheço as leis com todos os seus recursos para
zombjar das irritações dos cadaveres que dão para perseguir
a hum anidade.” (O Tam oyo n. 8 de 1890).
Cadeados — Argolas ou brincos das orelhas.
Cafageste — Estudante de preparatórios, ou cascabulho,
na giria académica. “ Não ha cafageste, que não seja um poço
de scien cia .” (Lanterna Magica n. 41 de 1882). Rapazola, p e­
lintra; typo dé baixa esphera, v a d io .” De paletosinho curto,
apertado, e com ar de cafageste.” (A m erica Illustrada, 1843).
“ Cafagestes e vagabundos preparavam-se para fazer arruaças
e desorden s.” ( A P rovín cia n. 255 de 1915).
Cafanga — Apparencia de desprezo, indifferença, fin ­
gidas esquivanças, affectação de recusa de uma cousa que inti-
mamènte se almeja, que se quer; synonym o de embuste, se­
gundo S ylvio R om ero; ou preferentem ente, como éscreve
Beaurepaire Rohan, registrando o termo como originariam en­
te pernambucano, desdem simulado p or aquillo que se deseja;
recusa apparente daquillo que é o fferecid o. A isso chamam
botar cafanga. “ A Ursula quer casar se, apezar de botar mui­
tas cafan gas.” (Am erica Illustrada n. 27 de 1879). “ Não bo-
ffes cafanga g a n jã o ... Não te engambelaremos, nem te chinga-
renios, p in o ia .” (Idem , n. 25 de 1883). “ Você sabe o que é?
Sei, mas tenho vergonha de d izer. Ora, diga, deixe-se de ca­
fa n g a .” (A Pimerfta n. 87 de 1902). Cafanga, segundo S ylvio
Rom ero, é um vocábulo de origem africana.
Cafarnaú — Diabo — “ Olho v ivo com esse cafarnaú. T i-

155
bil vai-te para as Areias-gordas.” (O Brado do P ovo n. 53 de
1855). — Um lugar distante, rem oto: M orar, metter-se num
cafarnaú, onde o diabo perdeu os sapatos, ou Judas os cal­
ções. Não atinamos com o porque de taes expressões a este
vocábulo, quando, naturalmente, vem de Cafarnaum, antiga c i ­
dade da Palestina, onde o Salvador começou a revelar a sua
divina m issão.
C afedório — Café: Vamos ao cafed orio. A dicção vem de
um annuncio de Café do Rio, que sahindo a composição unida
lia-se: Cafedório, com o é corren te,
C a fife , — Infortúnio, moléstia pertinaz, acabrunhadora;
caiporism o, contrariedades, atrazos na vida. “ Os beribericos
buscam o sul, onde vão levar os cafifes da m oléstia.” (Am erica
Illustrada n. 19 de 1879). M alefício, feitiçaria, mandinga: En-
cafifar. “ Não sei que almas damnadas botaram-me c a fife .”
(Lanterna Magica n. 536 de 1897). “ O povo não está para
amolações nem c a fife s .” (A Pimenta n. 532 de 1907). Term o
de origem africana.
Cafúa — Prisão de collegio. “ Silencio, berra o professor!
Seu Argem iro, se continua, mando arrastal-o para a ca fú a .”
(Jornal de R ecife n. 209 de 1915). D erivado: Encafuar.
Cafunar — Jogo de castanhas de cajú, consistindo em im-
pellil-as com um impulso dado com o dedo m edio sobre o pol-
legar, afim de cahirem dentro de um pequeno buraco cavado
na terra. O que fize r m aior numero de pontos, ganha a p ar­
tida, ficando com as castanhas recolhidas. “ Quando pequeno
passava o tempo cafunandò castanhas.” (A m erica Illustrada,
de 1 de Junho de 1873). “ Quem quizer jogue a ponga, jogue
castanhas, a cabra-cega, o jogo das Ires pedrinhas. ” (A Lan ­
ceta n. 5 de 1889).
Cafundó — Lugar ou ponto de reunião de gente má, de
baixa esphera; lugar distante dos centros populosos, ermos,
e onde tudo é d iffic il: M orar nos cafundós de Judas. “ Logo
pela perda de minha fortuna, reconheci a im possibilidade de
v iv e r na cidade, retirei-m e para este Cafundó, onde habito
tranquillamente ha muitos an n os.” (Beaurepaire R oh a n ). Ca­
fundó figura na nossa chorographia como nome de alguns ria ­
chos, engenhos e lugarejos, e entre estes, um nas cercanias
do R ecife. “ Os meninos do club carnavalesco Innocentes do
Cafundó, farão hoje o seu setimo e espaventoso en sa io .” (P e r ­
nambuco n. 46 de 1914).
Cafuné — M enino; pessôa nimiamente baixa, franzina; g o l­

156
pe dado na orelha, por detraz, com o dedo index ou medio,
subitamente correndo sobre o pollegar; dar um cafuné na o r e ­
lha; estalinho dado com as extremidades dos dedos pollegar
e indicador na cabeça de outrem, como quem mata piolho,
produzindo uma agradavel sensação: dar cafunés. “ Eu adoro
uma yaya Que quando está de maré, Me chama m uilo em se­
gredo P ’ra me dar seu cafuné. Não sei que geito ella tem, N o
re vo lv er dos dedirihos, Qu’eu fecho os olhos, suspiro. Quando
sinto os estalin h os.”
Cafute — 0 diabo, e, concurrentemente no dim inuitivo,
cafutinhO ” Torn'ou-se mau e filh o do “ cafute” . (A Am erica
Illustrada n. 3 de 1878.
Cafuz — F ilh o de negro com in dio. (Euclides da Cunha,
“ Os Sertões” ) . “ O cruzamento do indio com o negro deu em
resultado uma linda raça mestiça, côr de azeitonas, cabellos
corridos, e que é conhecida no N orte com o nome de cafui: o;i
curiboca, e no Sul com o de Caboré.” (Couto de Magalhães,
“ O Selvagem ” ) . N o D iccionario Portuguez e Braziliense, p o ­
rem, vê-se que cafuza era particularmente a negra (negra, ou
cafuza), com a palavra tupica correspondente, tapanhúna, de
quê occupando-se Martins, da-lhes as expressões de preto, pre­
ta, cafuz, cafuza. Chamavam-se, tambem, cafuz aos indios alfor-
reados,” que são aquelles que seus senhores em seus testa­
mentos, deram por forros, e os que procedem destes, os quaes
são livres. (P ro visão regia de 6 de Outubro de 1720). “ índios
cafuzes a que chamam alforread os” . (Id em de 22 de N ovem ­
bro de 1721) Essas duas provisões foram dirigidas ao go ver­
nador do Maranhão e constam do Catalogo dos Manuscriptos
da Bibliotheca Publica Eborense, T . I pags. 123-4. Na Bahia
tem curso o vocábulo, mas applicado a certa casta de homens
de côr, como se vê desde trecho de Braz do Amaral, escreven­
do sobre um motim que alli houve em 1858: “ N o pelourinho
encontrou o chefe de policia um homem de côr, o cafuz P e ­
dro José de Sant’Anna, guarda nacional de Brotas, que ar­
mado de uma tranca, dirigia os grupos assaltantes.”

Cagacibito — Passarinho de canto ainda' não estudado, a


não ser que o seja sob outro nome. Jeronym o V ilella fala dos
Sibitos na sua poesia “ A minha terra natal” , naturaln(iente
para attender á m etrificação dos versos.
Caga-sebo — Casa de vender livros velhos, usados.

157
Cahir A mesma expressão que na giria portugueza, co­
mo escreve A lberto Bessa: “ Deixar-se enganar, acreditar em
mentiras; emprestar dinheiro a quem não paga” . Cahir como
um patinho, cahir na esparrella, no laço, na arapuca.
Cahir n’agua — Pagar, satisfazer, desobrigar-se. “ O m e­
nino Antonico cahiu n’agua como um p a tin h o .” (A Pimenta
li. 5 de 1902). “ Todas as pessoas que iam ver o moleque g i­
gante cahiam n’agua, como dizem os pândegos, isto é, paga­
vam 200 réis em arame c o rre n te .” (Lanterna Magica n. 769
de 1905).
Cahir -na vida — Perder-se, prostituir-se. “ Sinhá cahiu
na vida, como se costuma dizer na giria do O rago.” (A Pimen­
ta, n 3 de 1902).
Caiá — P eix e de agpa doce.
Caiação — P or caiadura, feita a cal ou tabatinga, argila
branca. “ Apezar de velho, mas bom caiador, v ive ainda do
seu trabalho de caiação. (A Pimenta, n. 566 de 1907).

Nossa brocha é tão macia,


Tão ligeira a nossa mão,
Que ninguém tem mais valia
N o vai-vem da caiação
(G regorio J u n io r),

“ A influencia da brocha velha na caiação de casas no­


v a s .” (Jornal do Recife, n. 42 de 1915.)
Caiado — Epitheto injurioso dado aos homens brancos
pelos de côr na epocha das agitações politicas da nossa in-
uependencia nacional, e que de todo ainda não se extinguiu” .
De uns versos da epocha:
M arinheiros e caiados
Todos devem se acabar
Porque só pardos e pretos
O paiz hão de habitar.

R efere Caneca que em umas arruaças que houve no R e ­


cife em 1822, a v il canalha clamou: “ Morram os Caiados. ” *E
muito que seja hoje juiz em Pernambuco o dr. Thomaz X a­
vier Garcia de Alm eida, o malvado que pretendeu d ivid ir ' as
raças e plantar a guerra de m orte entre ellas, que ousou p ro ­
vocar os nossos irmãos para tentarem o exterm ínio dos caia­
dos, como elle se e x p rim ia .” (O V erdadeiro Regenerador,
n. 25 de 1845). Moraes registra o termo com a expressão f i ­
gurada de mulato caiado de branco; claro que parece branco.
Caiador — Homem de idade provecta, fraco, inutilizado;
lio velho que não serve” , que, na phrase da “ Marmota P e r­
nambucana” (n. 54 de 1850), entra no numero das cousas que
nada prestam. “ Si o negro é caiador, entendemos que será
uma iniquidade prendel-o, porque não pode fazer mal a nin­
guém. Os caiadores, mormente os que andam por ai á tôa, o
mais que fazem é a lv e ja r .” (O Diabo a Quatro, n. 160 de
1878)

Do quitute do casorio
Quiz ella ter o sabôr;
Mas o Zé, facto notorio,
Era um triste caiador

(A Pimenta n 52 de 1902)
Cai-Cáe — Andar d ifficil, vacillante, tremulo, p rop rio do
velho, ou produzido por uma enferm idade qualquer; O João
está abatidissimo; o seu andar é d ifficil, muito cai-cáe.
Caiobim — Planta medicinal, citado p or Jeronymo Vi-
le lla .
Caipira ■— Certo jogo constante de uma taboa quadrada e
numeradamente disposta, para o acerto das paradas p or meio
de dados, e usado p or gente de baixa esphera. “ Um passeio á
Encruzilhada seria muito agradavel se houvesse uma certa o r­
dem e uma sym etria nas barracas, tratando-se em prim eiro lo-
gar de extinguir o m aldito jogo do C aipira” . (A Pimenta n. 28
de 1901). “ Muito cedo ainda, já o caipira im perava no centro
da feira, em mesa descoberta, sem recato, á vista de todos” .
(Jornal Pequeno, n. 182 de 1913). Este vocábulo, muito corren ­
te em S. Paulo para designar o camponez, o matuto, como se diz
entre nós, deriva, como escreve Beaurepaire Rohan, seguindo
opiniões, do tupi caapora ou currupira, explanando-se a resp ei­
to, e tratando de seu uso em Portugal, e muito vulgar, em P o n ­
te do Lima, si bem que, com as accepções de sovina, mesqui­
nho, não duvida que o homonimo seja de origem brasileira, le ­
vado por algum minhoto de regresso á P atria. Alberto Bessa
consigna o termo, já com um caracter geral na giria portugueza,
mas com as expressões de vadio, malandro, declarando, porem,
que fo i colligid o por Salema Garção. Segundo T heodoro Sam­
paio, o nome caipira empVegado em S. Paulo para designar o ho­

159
mem rústico ou roceiro, vem do tupi caipira, isto é, do verbo
cai, queimar e da particula apassivadora pira, significando quei •
mada, que é como se dissesse o homem das queimadas, ou que
trata de queimadas. E accrescenta no Vocabu lário: “ Pode ser
ainda caipir, o vergonhoso, o tim ido, o achado” , achando assim
o sentido com que a dicção é empregada naquelle Estado. E ntre­
tanto, Theophilo Braga escreve o seguinte na introdução do li­
vro de Alberto Bessa, referindo-se ao termo em Portu gal: “ Cai­
pira, como injuria plebeia, vem do hebreu Kipur, form ula de
espiação, e porventura da condemnação da crença dos cabirás” .
Quanto a nós, temos em presença duas palavras homonymas
de origens diversas, e dahi as suas particulares expressões.
Caipora — Genio m alfasejo da m ithologia dos indios bra-
silienses, de máu agouro encontra-lo, e dahi chamar-se caipora
ao homem a quem tudo vai ao revez (Gonçalves D ia s ); ao in fe ­
liz, ao perseguido da fortuna, apesar dos seus esforços no tra ­
balho e deligencias nas labutas da vida. “ Era um caipora o
F e lix ; pobre triste, desesperado, de amargura em am argura” .
(A Pimenta n. 10 de 1902). “ Tenho sido um caipora em minha
vida; tenho arrastado um soffrim ento insano” . (Idem , n. 532
de 1907). “ O individuo caipora, o leitor já sabe como é: tudo
na vida lhe é adverso” . (Jornal do R ecife n. 193 de 1918). A n ­
dar em maré de caipora: Em azares e desventuras.” “ D ecid i­
damente ando em maré de caipora” (A Pimenta n. 539 de . . .
1907). Foi-se nas azas da caipora!: Desappareceu; poz-se ao
fresco; m orreu; esticou a canella; bateu a linda plumagem! O
vocábulo é uma corruptela do tupi caá-y-porá, que quer dizer
o que mora, habita ou frequenta a matta. Como variante do mi-
tho temos o curupira, um e outro já convenientemente estudado
no nosso Folk -lore Pernambucano.
Caiporinha — Figura secundaria do auto popular do Bum­
ba meu boi, representando um caboclinho de tanga, com uma
enorm e cabeça, arranjada com uma urupema coberta com um
pano branco, convenientemente disposto, e apertado em to r­
no do pescoço, deixa vêr dois o rificios correspondentes aos
olhos, symbolisando assim o p roprio mitho do caipora, conso-
antemente com as nossas legendas populares: “ Um medonho
caboquinho com um cachimbo no queixo, montado num p o r­
co-espinho” .

160
Caiporismo — Má sorte, desdita, infelicidade, remar con­
tra a maré. “ Que caiporism ó! Não vá o diabo da negra ab o rta r!”
(A Pimenta n. 74 de 1902).

“ Mas quando dá o caiporismo


Em tudo bate a sezão
O beribere apparece
Incha a perna, incha a m ão” .

(C ancion eiro do N orte)

"O caiporism o infiltrou-se no couro do rapaz, que não


houve agua quente que o salvasse.” (Jornal do R ecife n. 92 de
1915).
Caitetu’ — Anim al da ordem dos pachidermes (D icotylos
torquatus, Cuv.) especie de porco do matto, o Tayatytú dos Ín ­
dios, segundo Gonçalves Dias, e dahi o seu nome vulgar de
caitetu’ ou caititu’ . Anim al já rarissim o na nossa fauna, quasi
que somente o encontramos nas florestas da zona sertaneja.
Um indio da tribu dos Tuxás, do alto S. Francisco, faltando na
redacção do “ D iario de Pernam buco” (n. 282 de 1916) respon­
de á pergunta si atirava bem de flecha: “ Ma;o um passarinho
voando, um peixe nadando, e pego um caitetu na carreira .”
“ No alto daquelle mesmo rio, nas immediações da ilha do
Assumpção ha uma outra denominada do Cailetú, instrumento
usado na fabricação da farinha de mandioca, para ralar a p ar­
te neberosa da raiz da planta depois de descaeada” . “ Usa-se
ainda o caitetu, instrumento antigo, que consta de um cylin dro
de madeira cravejado de diversas serrilhas de ferro eíjque se
m ove á força de braços humanos, por intermedio de uma ro l­
dana. Pulverisada a mandioca é submettida á compressão, em
prensas” (A lfre d o Brandão). Segundo A rarioe Junior, o nomu
de caitetú que dão ao rodete de desmanchar a mandioca, vem
da roncaria que produz, quando em movimento, semelhante á
que faz o animal deste nome, desde que o enfurecem .
Caixa d’agua — Beberrão habitual, em constante em bria­
guez; tanque, deposito, reservatório d’agua. “ Pode calcular-se
em 5, 206 braças a extensão da linha do encanamento desde o
açude de Apipucos até a Caixa d’agua ou reservatório da Bôa
Vista” . (.!. F. Abreu e L im a ). O trecho (ta rua Gervasio Pires,
que parte da Santa Cruz. e termina na rua da Conceição, teve
originariam ente a denominação de Rua da Caixa d’agua, por
alli ficar situado o grande reservatório, construído em 1844 e
com capacidade para abastecer a cidade por quatro dias.
Caixa de catarro — O nariz, as ventas. “ M arejei, cont' i
ponto, fiz um riscado e arrumei outra outra porrada na caixa
de catarro do camarada.” (A Pimenta 11. 487 de 1908).
Caixeiro vassoura — O novato, que varre a casa. “ P o r ­
que é que um tal Castro, caixeiro vassoura da Rosa dos A l­
pes, quer ser mais que os ou tros?” (A Pimenta 11. 72 de 1902)
“ O caboge é um simples caixeiro vassoura de livrn via .” (Idem
n. 13 de 1914).
Cajuáda — Rebida refrigeran te feita do siimnio do cajá.
agua e assucar, ou antes, o que se chamava ponche de cajú,
cantado cm bellissimos versos pelo nosso poeta Natividade
Saldanha, em uma das suas odes; esse “ ponche agridoce do
louro cajú, o pom o suave, ao cheiro e ao paladar, que se Atlan-
la gosara os d ’oiro deixando, nem quizera vel-os.” “ A Lou-
renço offereceu Marianninha uma tijellinha de cajuada.”
(Franlclin Tavora, O M atuto). “ Comeram dentro da sé tabo-
leiros de pasteis, bolinhos com cajuada.” (Am erica Illustrada
n. 1 de 1881.
Cajual — Floresta, abundancia de cajueiros, o bello ana-
cardium da nossa flora, a que os indios davam a expressão
particu lar de acajutíba, ou eoncurrejnteniente, ' cajuhipe, de
raju, ipe, com a expressão de mu lugar abundante de cajuei­
ros, ou de cajús. “ Tom aram os hollandezes por entre um ca-
jual, e por um largo caminho que vem dar n « v illa de O lin ­
da.” (Calado, 1648). “ E ’ este vinho de cajú entre os indios
estimado sobre todos os outros; e ser senhor de um destes
cajuáes, para o effeito delle, é ter o m orgado mais pingue.”
(Simão de Vasconcellos, 1668). “ Quando menos pensava deu
consigo em um cajual.” (Fnanklin T a v o ra ). Com 0 nome de
Cajual ha uma serra no município de Agua Preta, assim ch a­
mada pela abundancia de cajueiros que a lli se encontra. O ca­
jueiro em Ferfnando de Noronha, fructifica o anno inteiro.
(M ario Melo — Archipelago de Fernando de N oron h a).
Cajueiral — O mesmo que cajual. “ O casal de negros ti­
nha por. occupação tratar dos cajueiros existentes e plantar
162
novos, afim de que se não extinguissem os cajueiraes.”
(F ran klin T a vorà ).
Cajús — A idade, os annos de vida. “ D. Miquileta, senho­
ra que já lhe bate á p oria o seu quadragésimo cajú.” (O V a­
por dos Traficantes n. 240 de 1800). “ Miss Pepa não póde oc-
cultar os seus 52 cajús, e bem m adu ros.” (Lanterna Magica n.
553 de 1898). “ O Domingos Soares chupou mais um cajú do
halaio de sua existencia. (A Pimenta n.° 80, de 1902). “ Mais
um cajú Itepou-se ao meu costado.” P io P ip a ro te). Esta re ­
presentação dos annos pelo cajú vem da contagem dos mes­
mos, que faziam os indios, servindo (le base o anno lunar,
que terminava na epoeha da floração do cajueiro. “ P elo aca-
jú contam os naturaes da terra seus annos: o mesmo é dizer
tantos annos, que tantos acajús.” (Sim ão de Vasconcellos).
A . J. de M ello nos seu id ylio Itae, apresenta-nos como protogo-
nista da peça uma belfa india pernambucana, apaixonada,
que lamentando a morte do pae no assedio do castello de
Olinda, os seus infortúnios e a perda de uma irmanzinha de
sete annos arrebatada pelos invasores, tristemente exclam a:
“ Coitadinha! Sete vezes apenas vira era flores O cajqeiro des­
de que nascera!” A epocha da fruetificação do cajueiro, da
colheita dos seus fructos, o acajú, era para os indios a sus­
pirada estação da fartura de viveres e da abundancia de pra-
zeres, das festas e das orgias, prolongadas, e de uma em bria­
guez constante produzida pelo cauim, acajú-im, o vinho de
cajú, que a seu modo fabricavam . A dicção acajú, entre elles,
tinha a expressão de anno, estação, e uma phrase particular,
acajú etá, exprim ia a idade, os annos de vida do indivíduo,
para a contagem dos quaes guardavam de anno uma castanha de
cajú; acajú itimaboera, ou itimbiera, cujo processo era desig­
nado p o r uma locução própria, acajú roig, segundo Gonçal-
vse Dias. M arcgravi que esteve em Pernambuco na p rim ei­
ra metade do secuío X V II, escreve isto mesmo na sua H isto­
ria rerum naturalium Brasilie, sem duvida consultada poi
aquelle escriptdr. Vem dahi o vulgarissimo qu alificativo de
anno p or cajú, e consequentemente a frase: já tem os seus
cajús, para in dicar uma idade provecta, e esta, inquerindo-se
da de alguem. Quantas cajús tem você? Os nossos indios ain­
da guardam estas vetustas tradições dos seus antepassados,
como se vê de uma passagem de Martius (V iagem scientifica

163
pelo Brasil, 1817-1820) citada por A lfred o de Carvalho: —
“ Interrogando o sabio Martius a um indiosinho sobre a sua
idade respondeu-lhe: Onze aeajú que tebo; isto é, onze cajús
inteiros, querendo assim exprim ir que já completara o seu
undécimo anniversario.” — O cajú, como já se disse, entra na
lyrica nacional, já pela castanha, como pela flor, o sumo e o
cheiro agradavel do s a e o c a rp o e das folhas, e na bocca do
vulgo corre axiomaticamente: — Quem não come do cajú não
percebe das castanhas; Quando você ia aos cajús, já eu v o l­
tava com as castanhas assadas; Eu não sou çajú, isto é, tolo,'
besta! idiota, assim, ou com esta locução com plementar: que
nasce de cabeça p’ ra bãixo. “ Então mostrando talento, P r o ­
vando não ser cajú . V ai o nosso amigo Bento, E arranjou um
iaburú.” ;(0 Tico-tico n. 432 de 1914).
Calabar — Infame, desleal, desertor, transfuga, trai­
dor. “ Miseráveis calabares, desempenham o caracter de
traidores, e querem receber o salario da promettida
tra iç ã o .” (O Clamor Publico n.° 90 de 1846). “ Só os
calabares votarão em Chichorros e Ernestos. Para es­
tes, que não tem patria, que não tem honra, a lib er­
dade morreu para sempre.” (A Carranca n. 20 de 1847). “ Des-
presiveis calabares Da mais torpe condição, P o r um prato
de lentilha, Vendeu sem pejo a n a çã o .” (O P ovo n. 51 de
1855). A dicção é africana, e originaria dos escravos im porta­
dos do Reino de Calabar, na costa de Guiné. “ F o i aprehen-
dido o escravo de nome Antonio, nação Calabar.” (O Annun-
ciante n. 22 de 1846). Vem porem o termo, com aquellas ex ­
pressões, do appellido de um mulato ou mameluco chamado
Domingos Fernandes Calabar, que em 1632 desertou das f i ­
leiras do nosso exercito em campanha contra os invasores
hollandezes, e uniu-se a elles, servindo-lhes de guia, e dan­
do taes planos, que da sua defecção por diante começou o
inim igo a ter grandes vantagens na guerra. Cahindo o Cala­
bar prisioneiro em 1635, no p rop rio logar do seu nascimento,
a v illa de P orto Calvo, em Alagoas, fo i summariamente con-
demnado a m orrer enforcado* e esquartejado depois, — “ por
traidor e aleivoso a sua patria, e a seu rei e senhor,” —. como
escreve um escriptor coevo, Fr. M anoel Calado, que ouviu o
Calabar em confissão e o acompanhou ao patibulo.
Calabarismo — Conducta de calabar. “ Falta absoluta de
brio e vergonha; calabarismo com pleto” . (O Postilhão n.° 2
de 1846). “ T a l gente não deve ser punida porque é gente do
calabarismo.” (O Lidador 11. 168 de 1847).
Calabouço — Prisão para deliclos correcdonaes. E ’ as­
sim, que existindo uma cadeia publica tio R ecife, mandou o
governador José Cesar de Menezes, ein 1786, construir um
pequeno edificio para semelhante fim, no bairro de Santo
Antonio, o qual, vindo a cahir em ruinas, e não se prestando
mais para o fim da sua construcção, foi, convenientemente
accommodado, destinado para escola publica, em 1874. Vem
dahi o nome de Rua do Calabouço, e em que fo i construido, e
pelo qual é vulgarmente conhecida, apezar da nova denom i­
nação de 28 de Setembro, imposta pela m unicipalidade em
1884. Vocábulo portuguez, com as expressões de masmorra,
prisão funda, subterrânea, prisão m ilitar, entre nós porem,
tem a particular de xadrez ou enxovia, simplesmente prisão
correccional.
Calaçaria — Ociosidade, vadiação, pandega: Andar na
calaçaria.
Qalafatinho — Gamenho, namorado, pelintra. “ Os cala-
fatinhos de todo o calibre, torneiam o saráo, como peixes
n’agua, e com os olhos pendurados no rem echer das dançari­
nas.” (Lopes Gama, 1839).
Calangro — Especie de lagarto, saurio, de côr verde (T e-
ius Am eiva, S pix). Isto é que é obra! O calangro atraz da co­
b ra! — (D ictad o). “ O calangro mais a cobra Fizeram socieda­
de; O calangro no R ecife E a cobra na-' cidade,” (Versos p o ­
pulares). Epitheto dado aos liberaes constilucionaes. que sus­
tentavam a monarchia sob estes principios políticos, de en­
contro ás idéas do absolutismo apregoadas pelos columnas ou
corcundas, e os quaes apoiaram depois a situação politica que
subiu em 1831 com a triumphante revolução de 7 de A b ril c
a consequente abdicação do im perador I). Pedro I. “ Não ve­
des. que este facto vergonhoso Aos calangros vai dar glorias
immensas?” (A Colum neida).
Calão Pau que os vendedores ambulantes de legumes,
fructas, carangueijos, peixes e outros generos, carregam aos
hjmibros. e de cujas extremidades pendem as cambadas 011 os
balaios, presos em cordéis, contendo as suas m ercadorias.
“ Manoel Antonio, que estava armado de um calão, quiz fazer
uso do pau, mas não o conseguiu.” (O Tem po n. 98 de 1913).
Qalatus est boccorio — Calar a bocca; silenciar sobre um

165
«lado assumpto; não divulgar uma occurrencia ou acto qual­
quer. “ O que fazia o lobo do carcereiro pilhando ás mãos
o cordeiro? Eu sei c á ? . .. Calatus est boccario.” (O Vapor dos
Traficantes n. 141 de 1859). “ Portanto, neste assumptorum Não
aguentamos a esfrega; Calatus est boccorum .” (Barbosa Vian
na). Segundo o preceito desta locução occorre esta quadri-
nha popular; Eu fui no matto, Cortei meu cipó, T o rci bem
torcido, Calado é milhó.
Calcante — Andar a pé, puxar pelo pé, 110 calcante, pé de
calcante; o p roprio pe. “ F iz firm eza no alto do calcante e es
perei 0 supplicaníe.” (A Pimenta n. 6 de 1914). “ Não é justo
que se imponha aos catholicos a penitencia de virem no cal-
canÇe assistir as conferencias.” (Lanterna Magica v». 274 de
1889).
C.alco — Golpe de capoeiras, rapidámente dado com o pé
na perna do adversario para o fazer cahir; qualquer cousa
que se come para esperar pelas refeições.
Calçola — Calças de criança. “ Ella não é menina infan­
til que use de calçola a lhe cahir pelas botinas.” (Am erica
Illustrada de 13 de Julho de 1873).
Caldeirão — Especie de tanques naturaes, cavados nos
lagedos, de formas, dimensões c profundidades variadas, e
que desobstruídos, uma vez são encontrados entupidos de
terra, argilla ou piçarra, e recenendo as aguas pluvíaes, as­
sim se conservam na estação calmosa, sendo então de muito
proveito e utilidade na zona sertaneja, onde em geral, a agua
é pesada e salobra. “ Este meu boi Espacio M orava em dous
sertões. Comia nos cipoaes, Bebia nos caldeirões.” (F olk -
lore Pernam bucano)- A ’s desobstruções desses caldeirões,
tem-se encontrado, em geral, fragmentos fosseis em abundam
cia, e mesmo colossaes esqueletos de desconhecidos animaes,
infelizm ente não aproveitados. Alguns desses naturaes resei-
vatorios são de adm iravel belleza, e tão polidos, internamen­
te, como se andasse ahi o cinzel do artista. Algumas lo ca li­
dades, que figuram na nossa chorographia com o nome de Cal­
deirão, tiram-no da existencia de algum de?(ses tanques na
situjação, podendo-se incluir como tal a cidade de Taquaritin-
ga, originariam ente Itaquaretinga, segundo documentação a n ­
tiga, vocábulo de origem tupi, corruptela de itá-quar-tinga,
buraco de pedra branca, furna ou lapa branca. Desses caldei­
rões mencionaremos, particularmente, os do povoado Ala-

166
goiiihas, do município de Cimbres, um dos quaes, de form a
quasi circuar, mede de 30 a 40 metros de diâm etro; o de S.
Francisco, — uma m aravilha, cujo volume d ’agua tem a profun-
dezá de afogar gigantes; — • e o da fazenda Lagoa da Lagea,
em Aguas Bellas, com cerca de 30 metros de com prido sobre
perto de 20 de largo e pouco mais de um de profundidade,
como o descreve Branner.

Caldo — Succo de canna de assucar: Caldo de canna. E n­


tornar o cald o : Botar um negofcio a perder. Cjaldo requenta­
do: Evasiva, pannos quentes, remendo, uma tardia justifica­
ção. De caldo requentado e amigo reconciliado, nunca bom
bocado. (D ic ta d o ). Estar a caldos de Sallinha: Em máos len-
çóes.
Calête — Compleição, constituição physica: Calête robus-
o, forte; calête delicado, fraco. Este termo, muito vulgar
entre nós, é porem de origem portugueza, como a registra
Bluteau, mas, mandando vêr compleição, temperamento, que
respectivamente define; e Moraes, que naturalmente o encon­
trou entre nós, tambem o consigna, mas com a designação de
cíhulo, escrevendo calête, e restricto á compleição, constitui­
ção do corpo forte, robusto. Os modernos, autores, porém,
como Aulete e Cândido de Figueiredo, não registram o termo.
Calhambeque — N avio pequeno, velho, ordinário, arrui­
nado; uma carruagem assim.
Calhambóla — O escravo fugido, reunido em quilombo
ou mucambo, ou mesmo, isoladamente; refugiado nos mat
tos. “ Negros fugidos que vivem em quilombos e se chamam
vulgarmente calhambolas.” (A lvará de 3 de Março de
1741). Caneca, Itinerário, 1821 emprega o term o na ac-
cepção de inim igo, porquanto reíere a morte de um calham-
bola espião, um homem livre, que bavia sido >rabo de esqua­
dra de artilharia em Pernambuco, particulirisando depois:
“ Appareceu-nos depois um calhambóla, que depois de falar
como amigo das disposições dos povos dos Carirys, entrou a
seduzir nossos soldados, para irem servir aos Romêos, e pelo
que fo i fu zilado” . Calhambóla, como escreve Beaurepaire
Rohan, é uma corruptela de cahembóra, vocábulo tupy que
se deriva do verbo acahem, eu fu jo; e os selvagens o applica-
vam tanto ao que andava fugido, como ao que tinha o costu­
me de fugir. Quando se referiam áquelle que havia fugido,
ainda que. não fosse mais que uma vez, chamavam-lhe ca-
nhembára.
Caliangú — A ve de cerlo porte, que lira o nome do seu
proprio canto, que assim parece pronunciar. Jeronymo Vil-
Iela a menciona.
Callo — Calote, seixo: P regar ou pasSar um callo; levai
ou tomar um callo. “ E se o meu amigàlhão, Trahindo, pre-
gou-mc o callo, Os outros de que não fallo, P o r certo o que
fa rã o ? ” (O Cometa n. 7 de 1843). “ Se podesse passava o cal­
lo no ch ifre do mundo in teiro .” (Am erica Illustrada n. 24 de
1881). “ O tempo de festa é a safra dos m acieiros; mas tam­
bem, muitos callos elles soffrem .” (Lanterna Magica n. 474
de 1895).
Calombo — Tumor, caroço, inchação. “ E lla! E lla t ... Tem
beiço grosso e redondo, tendo no meio um calom bo.” (O Te-
legrapho n. 1 de 1850). “ O mar se encheu de*calombos, Come­
çou o bote a v ir a r . ” (C ancioneiro do N o r te ). “ Escravo fu gi­
do: Rosa, nação rebolo, de dez a onze annos, com um calom ­
bo no braço.” (D ia rio de Pernambuco de 1 de Dezem bro de
1831). Aulete registra o termo, como do Brasil, com as accep­
ções de coagulo; sangue ou leite coagulado, desconhecidas
entre nós.
C.almorrear — Espancar. “ E o que direi eu do Sr. Sonâm­
bulo com o seu —- calmorreando meia duzia de palmatoadas?
— Ora, calmorrear, que dizer espancar; c quem dirá, sem esta
doudo, — espancar palmatoadas no Sr. Redactor da Palm ató­
r ia ? ” (Palm atória dos Toleirões n. 13 de 1833). Moraes regis­
tra o termo como fam iliar, com as expressões de calmar golpes
espancar, e figuradamente, enganar; os lexicons modernos,
porém, não o mencionam.
C alor de figado V itiligo, affecção caracterisada pela
apparição de placas brancas, lisas, sobre a p elle das partes
genitaes, das mãos das faces, do pescoço e ás vezes de grande
parte do corpo.
Calugi — Espelunca, casa ordinaria, lugunre, immunda,
situada em lugares escuros, e onde se acoita gente da mais
baixa condição, ou serve de ponto de reunião ou parada de dc
sordeiros, vagabundos e gatunos. “ O m aroto m orava em um
cãlugi na rua do F ogo.” (A V oz do Brasil n. 34 de 1848). “ Um
calugi onde existe uma sucia de borracheiros, larapios e va­
dios” (O Barco dos Patoteiros n. 24 de 1864). “ Os generosos
proprietários dos calugis visitam diaria ou semanalmente os
seus inquilinos.” (A m erica Illustrada n. 46 de 1880). Calugi,

168
que nos parece termo de origem africana, deu o nome a dous
antigos engenhos situados nos municípios do Brejo da Madre
de Deus e de Goyanna; mas tratando deste ultimo A lfred o de
Carvalho na sua' monographia O tupi na chorographia per­
nambucana, o dá como origin ário daquella lingua, e corrup­
tela de earú-g-y, rio da comida ou do alimento.
Calundú — Frenesi, máo humor, faniquito, neurosia, ir­
ritação, impertinência. “ Este amor não é teu, E ’ de Raphael;
Raphael quando fô r é de quem quizer; Atura minhas raivas,
Meus calundús.” (D a chula O ladrão do padre&inho). “ Se não
fosse hoje, que estou com os meus calundús, você e elle h avi­
am de v êr o bonito.” GFranklin T a v o ra ). Sobre a origem do
termo, Beaurtpaire Rohan crê que se trata de um vocábulo
africano, e que na sua infancia ouvira-o muitas vezes pronun­
ciar pelos escravos da raça africana; e Macedo Soares, notan­
do a circumstancia de Baptista Caetano opinar que vem do
guarany, como tambem Th eodoro Sampaio, accrescentamos
nós, é da mesma opinião, dizendo que calandú, na Angola, é
parte de feitiçaria, e termo já recolhido p or G regorio de Mat­
tos (seculo X V II) nestes versos; “ Que de quilombos que tenho
Com mestres superlativos, Nos quaes se ensinam de noite. Os
calundús e feitiços.” Quilombo, como se sabe, é uma dicção
bundo-angolense. Notando depois que o termo é assim corren­
te em varias localidades, e que no R io Grande do N orte (c o ­
mo tambem na Parahyba) dizem lundú, conclue que isto con­
firm a a sua etym ologia angolense. P o r sua vez, já o Dr. José
F erra ri tinha escripto em uma nota ao Canto V I do seu poe­
ma Engenheida: “ O que os pretos nagôs chamam Calundú é
um supposto qualquer santo de sua terra natal. Aquelles que
dizem sentir em si o Calundú, ordinariam entne é p o r m olés­
tia conjuncta a descontentamento, imaginação, superstição,
etc., que tal presumem. Qualquer moléstia fisica desconhecida,
c sobretudo as affecções moraes, as attribuem ás vezes a Ca­
lundús que entram em seus corpos. Em fim, escreve João R i­
b eiro o seguinte, ficando assim bem firm ada a origem africa­
na do vocábulo: “ Em verdade o Kalundú dos nagôas ou joru-
ou o Kalundú (plural Ilundu) dos angolenses é o deus
qiie governa os destinos do homem; é para esta entidade so­
brenatural que appellam os in felizes e desgraçados christãos
que p or vezes se soccorrem das superstições dos barbaros e de
seus manipansos. Tristes, notalgicos, quasi mentecaptos, con­
versam ás vezes os miseros negros com os seus calundús. Em

169
um livrin ho iilteressante sobre Cotumes angolenses, refe-
vindo-se ás danças do quizombo que precedem os casamentos,
diz Ladisláo Batalha que os pretos nestas oceasiões se reco­
lhem silenciosos — porque creem que do recolhim ento ao lar
provem a clareza e a solemnidade dos pensamentos inspirados
pelos calundús benevolos.” — Trata-se, portanto, de um ter­
mo africano, como aliás, assim já ficára definido na obra Com­
pendio narrativo do P regrin o da Am erica, impresso em 1731:
“ E chegando o Mestre dos Calundús (um escravo aricano)
perguntei-lhe: Dizei-me, filho, que cousa é calundus? O qual
com grande repugnância e vergonha ine disse: que era uso
de suas terras, com que faziam festas, folguedos e advinha-
ções.” Entre nós, com as consignadas expressões, é o termo
calundú muito vulgar, intimamente e fam iliarm ente mesmo,
como vimos das suas abonações; e com relação a ser tam­
bem um supposto qualquer santo nagô, segundo F e rra ri e João
R ibeiro, parece-nos que são vestígios seus o Santo Budum,
que figurava entre os fetiches dos catimbós ou feitiçarias dos
africanos.
Calunga — Boneco, figurinhas de madeira, barro ou ou­
tra qualquer substancia; bibelots, brinquedos de criança. “ O
menor apregoava calungas de massa e outros brinquedos de
creança.” (Jornal Pequeno n. 67 de 1915). Extensivamente
tem o vocábulo uma expressão depreciativa e de ridículo ati­
rado sobre um indivíduo qualquer. “ Estamos dispostos a fa ­
zer uma liga, quando houver m ister excluirmos da scena p o ­
lítica certos calungas, que só servem para presepios e thea-
tros.” (O Guarda Nacional n. 106 de 1844). “ Então só lhe ser­
ve ser presidente, embora seja presidente calunga?” (O F o r ­
migão n. 6 de 1850). “ Concordamos na exclusão de certos ca­
lungas, mas não podemos soffrer pacientemente que sejam
apresentados outros calungas.” (O Paladim n. 14 de 1851).
Vem dahi, e ainda com applicação outra, a vulgarissima lo ­
cução: Fazer figura de calunga de papelão. Palavra africana,
com as expressões de boneco, manequim, espantalho, estafer­
mo, figura na nossa poesia popular mesclada de africanismo,
como frequentemente, no auto dos Congos, e em algumas chu­
las, mas com expressões equivocas, como nestes versos do es­
tribilho de uma delias: “ Aletê, aletè, calunga, Mussunga, mus-
sunga é . ” A dicção, não sabemos por que analogia, deu o n o­
me a uma leguminosa da nossa flora (Simaba ferruginosa, St.
H il.) de preeonisadas virtudes medicinaes. N o visinho esta­

170
do da Parahyba apparcce 11111 riacho do Calunga, mencionado
11a caria de sesmaria de 25 de Setembro de 1816, concedendo
uma sorte de terras a João Nunes de Magalhães capitão mór
da V illa de Flores, em Pernambuco.
Qalungagem — Macaquice, tregeito, dequebro, graçola,
esperteza; cousa ridicula, desprezivel, sem importância algu­
ma. “ As eleições entre nós era mesmo uma cousa de calun-
gãgem, que devia acabar no fogo, e as suas cinzas atiradas ao
m ar.” (O Diabo a quatro 11. 22 de 1875). “ Deixe os amores
para quem póde gosal-os sem fazer calungagens.” (A m erica
Illustrada n. 44 de 1877). Desgraça pouca é bobagem, e müita
é calungagem. (D ictado popular).
Cama — Queixa, enredo, intriga Fazer a cama a alguém:
contar, referir, denunciar uma falta ou máo procedimento.
“ D eixe estar o camarada; em o tenente coronel voltando, eu
lhe farei a cama.” (O Guarda Nacional 11. 7 'd e 1843). “ Sa­
bes que eu tenho bom coração. Antes quiz aconselhar-te do
que fazer-te a cama.” (F ran klin T a vora ).
Gama de vento — Cama iosca, de armação de madeira, de
abrir p fechar com o lastro ou leito de lona pregada ao correr
com broxas próprias, de ferro ou de cobre, chamadas de
cama de vento, ficando, quando aberta, com os pés cruzados,
eni forma de x. “ O Ximenes, antigo fabricante de parafuzos e
brochas de cama de vento.” (Jornal do R ecfie n. 79 de 1915).
“ Macia cama de vento, Colchão de palha bem fina.” (C a n c io ­
neiro do N o rte).
Camafonge — Fm typo ahi qualquer, grotesco, despresi-
vel. Beaurepaire Rohan consigna o vocábulo como vulgar em
Pernambuco, Parahyba e R io Grande do Norte, com a expres­
são de moleque travesso, que desconhecemos, quanto ao nosso
m eio; mas com o que se harmonisa a de ente vil, que diz ex­
pressar nas Alagoas. A dicção, á seu juizo, parece sêr de o ri­
gem africana, com o que não estamos longe de concordar. E f-
íectivam ente, em uns versos tirados com essa feição, encon­
tramos: “ O’ diabo sem vergonha! Que cara de camafonge tem
voçuncê.” “ Chegando á rua do Crespo encontrou-se com dous
camafonges.” (Lanterna Magica n. 125 de 1885). “ Está ficando
um pouquinho melhorada a camafonge Argentina Pintadinha.”
(A Pimenta n. 5S6 de 1907). “ O que chama ao camafonge? —
S afad orio!” (A m erica Illustrada n. 20 de 1883).
Camaleão — Especie de lagarto de côr verde (Iguana tu-

171
beculata, L a u re n ti); a que os hollandezes chamavam
Iguana, como se vê da descripção de M arcgravi, e os
indios, Geneby. Comiam elles o camaleão, e diziam ser
bôa carne. O autor dos Dialògos das grandezas do Brasil trata
desta especie de saurios, dizendo que são grandes, formosos
e de côr verde, mas que, mudam de côr, e perece que se susten­
tam de vento. Vem desta crendice popular, que como assim sê
vê, já vulgar em tempos remotos, o conhecido dictado: Eu não
sou camaleão que come vento. Durão (Caramurú, C. V I I estr.
L V III ) trata do phenomeno e assim o explica: “ Vê-se o cam a­
leão, que não se observa, Que tenha com o os mais, p or ali­
mento Ou folha, ou fructo, ou nota carne, ou herva, Donde a
plebe affirm ou, que o ambiente fe rv a De infinitos insectos, p or
sustento Creio bem que se nutra na campanha De quantos del-
les respirando, apanha.” Buraco, depressão, atoleiro nas es­
tradas produzidas pelas chuvas. O cavallo o conhece p or tal
modo, apezar de disfarçado pelas aguas, que o evita, desviando
de rumo á sua approximação. “ Caminhos lamacentos, pedrego­
sos, e cheios de atoleiros e camaleões ou buracos” . (Lanterna
Magica n. 253 de 1889). Camaleão, nesta accepção, é uina c o r­
ruptela de camaleão, se bem que, com expressões outras.
C2amarada — Amasia, concubina. “ Quem tiver o seu se­
gredo Não conte a mulher casada, Que a mulher conta ao ma­
rido E o m arido á camarada.” (T ro va s populares). In d iv í­
duo ao serviço de outrem, mediante salario. “ Tem os quinhen­
tos nobres, temos quatrocentos escravos e duzentos camaradas”
(F ra n k lin T a v o ra ). Conhecidos, companheiros de troças e
pandegas. F o i p or catfsa de camarada, diz um proloquio p o ­
pular, que o carangueijo perdeu a cabeça; e a gente que se
offende com este qualificativo, responde com enfado: — Ca­
marada' é b oi de carga.
Camarão — Gatilho de espingarda. “ Já estou de pé atraz
arma ao rosto, camarão engatilhado” . (C a n eca ). Crustáceo
decapodeo, especie de pequena lagosta, de agua doce, de côr
quasi preta e luzidia, a que os indios chamavam Poti, e de
agua Salgada, esbranquiçado, a que davam o nome de Putipe-
ma. Juiao de camarão; tresloucado, adoidado; desmiolado, co­
mo o crustacio, que tem os intestinos na cabeça. “ Não quer
discutir, e dahi o amontoado de insultos que atira, chaman­
do doudos aos que p referem isto a ter o juizo de camarão do
L y r a . ” (Jornal do R ecife n. 22 de 1915). Verm elho como ca­
marão torrado; corado, afogueado. Não deixar passar camarão

172
pela malha; nada deixar passar incólume, sem reparo. “ O
João-pobre tem dous olhos amarellados, tão vivos e agudos,
que não lhe escapa camarão pela m a lh a .” (O João Pobre n.
1 de 1844).
Camaras de sangue — Evacuação dysenterica sanguínea.
Camarazal — Floresta de camará ou cambará (hantana).
da nossa flora, cuja voz tinha já entre os indios a correspon-
denae de camaratiba, camarás em abundancia. N o município
da G loria do Goitá ha um engenho com o nome de Camarazal,
e como rem iniscência indigéna figura na nossa chorographia
a túpica dicção correspondente, porem já alterada em Cama-
ratuba, como denominação de algumas serras e riachos.
Camarinha — Quarto de d orm ir. “ T em mais estas casas
uma camarinha, em que mora Lourenço Bunhel desde o p ri­
m eiro de D ezem bro de 1654, em preço de seis m il réis p or um
anno.” (In ven ta rio dos prédios construídos no R ecife pelos hol-
lan d ezes). P o r aqui se vê que a dicção vem de longe, como
ainda expressam estes versos da conhecida parteada em que
as crianças pedem a benção a Dindinha Lua: “ Chô, chô, gal­
linha, V ai p ’ra tua cam arin ha.” “ Um sobrado de dous anda­
res, na travessa de S. Pedro, tendo cada andar umá sala de
frente e uma pequena cam arin ha.” (O P ovo n. 22 de 1857).
“ Nasceu no tempo em que quarto se chamava cam arin ha.”
(Lan tern a Magica n. 452 de 1895) A dicção vem de camara,
expressando assim, uma pequena camara de dorm ir, consoan-
temente com as de camarim e camarote. Dá-se tambem o no­
me de camarinha aos esconderijos que os m alfeitores praticam
nos mattos, e de onde só sahem á noite para atacar os v ia n ­
dantes. As camarinhas dos mangues do isthmo de Olinda, em
outros tempos, deixaram tristíssima celebridade nos annaes
dos crim es. Dá-se em fim o mesmo nome ás aberturas ou es­
paços varios que aparecem nos cannaviaes provenientes do
córte e furto da canna “ D entro dos cannaviaes appareciam
vastas camarinhas, obra dos la d rõ e s .” (F ra n k lin T a v o r a ). “ O
calangro atraz da cobra, Da cobra jararaquinha, Não mordas
cobrinha verde N o entrar da cam arinha.” (T ro va s popula­
res) .
Camarú — A rvo re da zona sertaneja. Attinge a mais de
60 metros, é muito abundante, e a madeira que fornece é de
grande duração pela sua rigidez, quer em obras de construc-
ção, quer de m arcenaria.
Cambado — Pés contaminados de bichos (pulex pene-

173
trans), que d.escurados ficam disformes, volumosos, difficu l-
tando, assim o andar. Todo moleque cambado é regrista. “ As
pernas finas, a barriga inchada, dos pés cambada.’’ (Mephis-
topheles n. 20 de 1882). “ A mulata, si é bonita, Quasi sem­
pre é sem-vergonha. Casa com negro cambado, Pare moleque
pam onha.” (Lanterna Magica n. 464 de 1895). “ Era preciso
que eu me chamasse Ped ro de Lima, para obrar esta acção
de negro cam bado.” (Franklin Tavora)
Cambange — O penis.
Cambão — Pedaço de pau preso a cordas nas extrem ida­
des, para a conducção de cães, preso em uma delias: Cachor­
rinho de cambão; Onde vai o cão vai o eambão. (D ic ta d o s ),
Apparelho com que unem duas juntas de bois ao carro de car­
ga dos engenhos e usinas: Bois de cambão. “ Ambos juntos,
ajoujados, emparelham num cambão”. (O Paladim n.'“ 11 de
1851). Individuo que invariavelm ente acompanha a outro i
Encabonar se; andar encambonado; cachorrinho de cambão.
O braço direito auxiliado pela mão do esquerdo no jogo de
força, queda de braço, dizendo-se assim, quando é convencio­
nado, a mão e cambão. Amante predilecto, afeiçoada, do peito,
“ Mulatinha do caroço, N o pescoço, Aqui está o teu cambão.
Meu lad rão” . (I)a chula: A mulatinha do caroço).
Cambar — Acalcanhar o calçado pelo máo pizar, ficando
assim o salto com ido de um lado: Comer queijo. “ Um pobre
diabo com uns cambados cothurnos de procedência in d ig en a .”
(O Diabo a quatro n. 138 de 1878). “ Zé povo possue apenas
hoje, uma camisa, uma roupa de Osford e um par de botinas
cambadas. (Jornal do Recife n. 161 de 1916).
Cambembés — Lugares escusos. “ Suas sympathias em to ­
dos os montes e valles de Pernambuco, sua solidariedade em
todos os becos e cambembés do R e c ife .” (O Brado da Ra­
zão n. 1 de 1848).
Cambista — Individuo que compra bilhetes de especta-
ios para depois os vender com agio” . Uma fom e de que a
policia deve aliviar os habitués do nosso theatro, é a dos srs.
cambistas. (O Diabo a quatro n. 143 de 1878). “ Até um certo
caixeiro, fez-se de cambista no ly ric o . (O Binoculo n." 3 de
1882). “ Mamãe se damna com os cambistas do Theatro Santa
Is a b e l.” (A Pimenta n. 405 de 1906).
Cambito — Comprida forquilha de pau, que em numero
de quatro, é presa na extremidade de uma das pernas aos
cabeçotes da cangalha, ficando a outra aberta para fóra, e dis-

174
postas assim, duas de cada lado, accommodam particularm en­
te a conducção de cannas, varas, lenha e capim. D erivados:
Cambitar, fazer o serviço de cargas em cambitos; e cambiteiro,
o que se emprega nesse serviço. “ Cambiteiro, cambiteiro, O n ­
de foram cambitar? Cambita canna caiana, Bota p ’ro enge­
nho c e n tra l.” (C ancioneiro do N o r te ). “ Pelas estradas alva­
centas, passa o bando alegre dos òambiteiros, os carregadores
de cannas” . (A lfre d o B ran dão). O termo cambito vem do tupi
acambi, forquilha, correia de duas pernas, compasso, forcado.
(Baptista C a eta n o ).
Cambitos — Os pés: Lavar os cambitos.
Cambôa — Estreito, canal ou braço de rio que pènetra
pela terra a dentro, com mais ou menos extensão, largura e p ro ­
fundidade, e que enche e vasa com o fluxo e reflu xo da maré.
“ O predio fica situado alem de uma cambôa, pela qual se pas­
sa por cima de uma p in gu ela.” (O Guarda Nacional n. 40 de
1843). “ A cambôa do Gazometro é antiquíssima, e por onde
pescadores e homens do trabalho costumam fazer a travessia
do C a p ib arib e.” (Jornal Pequeno n. 17 de 1915). Cambôa da
Tacaruna, de Ariquindá e outras, bem como alguns lugares com
o nome de Cambôa, que figuram na nossa chorograp h ia. O
vocábulo, com a particular accepção que tem entre nós, vem
assim de epocha remota, uma vez que — as cambôas que m e­
deiam entre o R ecife e Olinda furam doadas p or D . Brites de
Albuquerque, governadora de Pernambuco em nome de seu
íilho, o donalario da capitania, (meiados do seculo X V I) a
um João Pires Camboeiro, de cujos proventos tirou grandes
vantagens, vindo dahi, talvez, aquelle seu appellido de Cam­
boeiro. Cambôa, entre os indios, tinha o nome de igarapé, o
caminho da canôa, o furo, o braço, o esteira. (T h eo d o ro Sam-
p ia io ). Cremos que a dicção cambôa, no sentido vulgar aue
tem entre nós, é regional, uma vez que no norte, pelo menos
do Amazonas ao Piauhy, ainda se mantem o nome indigena de
igarapé, e no sul tem o de gambôa, que não exprim e a cousa,
uma vez que este term o é particularm ente dado ao fructo da
gamboeira, variedade do m arm eleiro, da flora portugueza; ao
passo que cambôa é um vocábulo vernáculo, si bem que, com
a expressão de lago, esteiro á beira mar, com porta, por onde
entra o peixe com a maré, e fica em secco na vasante, segun­
do a definição de Moraes.
Cambrião — Jettatore, pés frios, olhos de secca pim en­
teira; indivíduo invejoso, ambicioso, que acompanha sempre
a um pobre diabo, perseguindo-'o, contrariando-o em quanta
aspiração, pretenção, ou negocio tenha.
Cambrone — Latrina, apparelho de exgoto ou drainage.
Esta vulgar denominação vem do nome do iniciador e con-
tractante desse serviço entre nós, o engenheiro francez Car­
los Luiz! Cambrone, em 1858, cujo serviço de installação dos
apparelhos nos prédios do perim etro da cidade do R ecife, ape-
zar de lavrado o respectivo contracto naqueHe anno, só teve
inicio muito depois, em virtude da L e i P ro vin cia l n. 522 de
20 de Maio de 1868. O systenia, originariam ente adoptado, era
o de conducção das matérias em barris apropriados paca as
officinas da empreza, em Santo Am aro, e ahi, convenientem en­
te aproveitadas com destino a usos diversos. Um periodico
da epocha dizia: “ Mr. Cambrone prepara os seus apparelhos
de dissecação das matérias fe c a e s .” (O P olitico n. 8 de 1861).
Veio desde então o qu alificativo de cambrone dado ao serviço
que ficou com a nova empreza, a R ecife Drainage, e extensi­
vo ás latrinas e apparelhos. “ Entre outras cousas de arromba,
temos cambrone dentro de casa.” (A m erica Illustrada de 19
de Dezem bro de 1871). P o r uma circumstancia singularissima,
filiava-se ao genero de serviço do empresário, a conhecida res­
posta que um general, fran cez como elle, e do mesmo apellido,
deu a um general britânico, que depois do revez da batalha de
W aterloo intima-o a render-se; e dahi as chulas e os ditos
de troça, entre o vulgo, e registrados mesmo *por certa ordeni
de p eriodicos; “ Se queres casar T e r cousa que vos abone,
Ireis vos habilitar Nas torneiras do Cambrone.” (O Vapor dos
Traficantes n. 240 de 1860). “ I)eixa-te de falar em pessoas que
de ti não se lembram nem mesmo para lhes deitar fóra os the-
souros do cam brone” (O Campeão n. 104 de 1862). “ Que bom
artilh eiro Que bicho valente! Com polvora cambrone Mette m e­
do a gente” . (O Anão n. 28 de 1863). Concurrentemente com
tudo isto, surgiram varios derivados, de obvias expressões, no­
meadamente cambrone, cambronico, cambronisar, cam brologi-
co, cam bronifico, incidentemente empregados; e os que fica­
ram, de cambrone, latrina, apparelho de drainage, e cambro-
neiro, o operário do serviço de concertos, desobstrucções, etc.
Cambumba — P eixe de agua salgada muito vulgar nos ma­
res do archipelago de Fernando de Noronha.
Cambumbeiro — Operário que muito mal sabe o seu o ffi-
fic io ; albardeiro, porcalhão. “ Os nossos patricios são habeis
artistas, mas são p referidos os cambunbeiros que vem da es-
tranja” . (A V oz do Brasil n. 58 de 1848).
Cambundá — Linguagem incorrecta fallada ou escripta,
ao modo dos africanos; o mesmo que cassange.” Como é possivel
argumentar com uma besta, que não sabe o que diz? Não en­
tendemos o cambundá” (O Clamor Publico n. 14 de 1845). P a ­
lavra africana, e naturalmente nome de alguma tribu ou região
local, como se in fere destes versos do estribilho de uma jo r ­
nada d’Os Congos, folguedo african o: “ E lê lê, M aria cambun­
dá. Maria faz angú para nosso curiá.” N egro cambundá, nos r e ­
cordamos de ter ouvido frequentemente pronunciar no tempo
em que os-africanos abundavam entre nós, e mesmo lido algu­
res.
Camélia — Mulher perdida, de vida facil. “ F o i arrebatado
do extasi em que estava pelo perfum e de duas camélias que
acabavam de apparecer no jardim .” (O Etna n. 10 de 1881).
“ A camélia Julieta pretendeu escripturar-se na Companhia
Gustavo Campos.” (A Pim entai n. 32 de 1902).
3

Camelicaceo — T olo, ignorante, estúpido, sandeu.


Cam elorio — O mesmo que camelicaceo.
Camindongage — Mentira, lisonja, cavillação, fingim ento:
N ão venha com as suas camindongages p ’ra minha banda, que
commigo não se arranja.
Caminhão — Carroça grande, forte, para o transporte de
carga pesada, puxado a tres ou quatro animaes. “ F o i atro-
pellado p or um caminhão o balaeiro José P ed ro ” . (Jornal P e ­
queno n. 60 de 1916). *
Cam inheiro — Antiga denominação dos estafetas, ou cor­
reios pedestres, para o in terior e provincias lim itrophes. “ A
Administração do C orreio de Pernambuco precisa de quatro
caminheiros destros e possantes, e estáveis para a communica
ção desta p rovín cia com as da Parahyba e Ceará, ganhando
quatrocentos réis d iários” . (E dital publicado' n’ 0 Cruzeiro
n. 120 de 1829.
Caminho de rato — O repartim ento ou divisão dos cabellos
no penteado, tortuosamente feito. “ Olhe, repare bem na m i­
nha cabeça e tenha o cuidado de cortar-me os cabelos bem cur­
tos, sem deixar apparecer caminhos de ratos” (O Tam oyo
n. 17 de 1891).
Camiranga —- Especie de urubú (Cathartes), assim já cha­
mado pelos indios, por ter a cabeça verm elha, como exprim e
o vocábulo.
Camisão — Vestido de camisa, em camisa^ em camisão. “ V ir
em fraldas de camisa, ou como vulgarmente se diz, em cami-
são” (O Braco dos Traficantes n. 8 de 1858). “ A cantora Mme.
H enry se exhibiu em saia e camisa porque assim requeria n
peça” . (Am erica Illustrada n. 12 de 1878). “ 0 menino já ha­
via completado a idade de doze' anos, e ainda andava de ca-
misão.” (Lan tern a Magica n. 504 dé 1896).
Campana — Term o da giria dos gatunos, que quer dizer:
o que fica de vigia, emquanto os companheiros fazem serviço.
Campainha cahida — Longa e encommoda inflammação na
uvula, appendice conico do véo palatino, situado na parte su­
p erio r da hocca, a que o vulgo da o nome de campainha; e da­
hi, com resultado da moléstia (E squin en cia) o entumeciinento
c dilatação daquelle orgão, ficando assim mais com prido, calti-
do, a denominação vulgar do phenomeno, de Campainha cahida
e a sua cura, a de Levantar campainha cahida.
Campanha — Um sujeito alegre, folgazão ,experto; indica­
ção indirecta de um certo typo. “ Os taes campanhas, á falta de
nicles, marchavam no calcante para a B ôa-V iagen i.” (A P i­
menta n. 620 de 1907). “ Conheço um campanha que levanta-se
pela hora do sol” . (Idem , n. 3 de 1914).
Campestre — Campo de pastagem, extenso, de vegetação
rasteira. “ Quando eu passei no campestre, V i uma rez lá deita­
da. (A Vacca do B u rel).
Campina — Magarefe, topador de boi, conductor de boia­
da. “ De taes bois, nem os campinas, ao menos dão n o tic ia .” (O
Vapor dos Traficantes n. 243 de 1860).
Camumbembe — Vadio, mendigo, indivíduo que pertence á
relé do povo. (Conselheiro João A lfre d o C orreia de O liveira,
apud Beaurepaire R ohan). “ Os camumbembes acudiram á casa
de vivenda pelo estrondo que ouviram. Dá-se o nome de ca­
mumbembes aos matutos moradores dos engenhos” . (O C la­
rim n. 12 de 1878).
Camundongo*— Madeira de construcção civil. Term o da
lingua bunda-angolense, de uma tribu ou nação africana, ser­
via de designação dos escravos da sua procedência: Um negro
camundongo, ou de nação camundonga. “ Uma escrava do gen­
tio de Angola, nação camundongo” . (O Cruzeiro n. 74 de 1829).
“ Fugiu um negro de nome João, de nação camundongo.” (D iá ­
rio de Pernambuco de 4 de Outubro de 1837). O termo tem
curso no R io de Janeiro, S. Paulo e outros estados para desig­
nar o rato pequeno a que nós chamamos catita.
Camunhéca — Bebedeira, p ifã o: Tom ar uma camunhéca.
Este vocábulo é um modismo de camoáca, da giria portugueza,

178
com as expresões bebedeira que faz somno; entorpecimento,
grande somnolencia.
Camurim — P eix e de agua salgada (Centropom us undeci-
malis, N o b ) . Nos Diálogos das grandezas do Brasil vem já men­
cionado o camorim, como um peixe muito sadio e assaz esti­
mado para doentes, com se pescarem em grande quantidade. O
term o é uma corrupetela de camuri, nome vulgar do peixe en ­
tre os indios, e dahi Camuricy, rio dos camurins, e Camurigy-
mirim, pequeno rio ou riach o dos camurins, constantes da nos­
sa chorographia, mas com as suas originarias denominações
m odificadas em Camorim e Camorizinho, o que igualmente se
nota com o nome de Camorim de uns engenhos situados nos
municípios de S. Lourenço, Goyanna e Agua P reta.
Camurupim — P eix e do mar, pescado grande e de bom co­
mer, cujas escamas são do tamanho de um meio quarto de pa­
pel, como escreve o autor dos Diálogos das grandezas do Brasil.
E ’ o camoropi dos indios, ou camborapi, corno tambem era cha­
mado. O camuripú-guaçú ou camurupim-açú. (M egalope atran-
íicus, Cuv.), é naturalmente uma especie m aior do peixe.,
Canalhismo — Acção própria da canalha; procedim ento
infame.
Canalhocracia — Cousas da canalha; o canalhismo como
principio, pratica c acção. “ Da v il canalhocracia desse der­
radeira m ão” . — (G A rtilh eiro n, 74 de 1843).
Canalhocrata — Sectário da canalhocracia. “ Tom avamos
sempre parte na defensiva de nossos concidadãos perseguidores
por déspotas canalhocratas” (Á Carranca n. 6 de 1847). “ Sera
c rive i se tornase assim tão canalhocrata Este lord, este fidalgo,
De orgulhoso aristocrata? (O Artista n. 4 de 1847). “ Gente
de sangue azul, grandes da terra embora filhos de qualquer po­
bretão, ou de qualquer canalhocrata dos nossos dias.” (L a n ter­
na Magica n. 271 de 1889).
Canana-capêta — P eix e da agua doce (Acanthius histrix
S pix), muito vulgar, principalmente, no rio de S. Francisco,
e tão feio quanto saboroso.
Canario da terra — Pasaro canoro (Sycalis brasiliensis)
da fam ilia dos F rin gilides de uma bella cor amarello-gemma,
com a fronte e o cocuruto de tons avermelhados, e a que os
indios davam o nome de Guiranheen-catú, segundo M arcgravi,
que perdeu pelo vulgar de canario da terra, pela sua semelhan­
ça com o europeo ou do iraperio, assim chamado p or ser o ri­
ginário das ilhas Canarias, no oceano Atlântico. Passaro de

179
briga, valente, tem um bello canto, que nas suas variações tem
os nomes de canto corrido e de estalo Antes de tomar aquel~
las bellas cores á p rim eira muda, é todo pardacento, e dahi,
então o seu nome de canario pardo Canario matúca, fraco,
m ofino, máo de briga.Canario turuna, forte, valente, bom de
briga. “ Um homem de talento, que entre a briga de canarios
e uma conversação de politica, deixa a segunda e com os olhos
brilhantes, segue as peripecias do combate entre os cantores a-
lados” . (Jorn al do R ecife n. 157 de 1916). Canario sem muda,
o indivíduo qu e.an d a sempre com a mesma roupa, que não
muda. “ Esse fona é m ettido a namorado, mas a respeito de rou­
pa, é canario sem muda.” X A Pim enta n. 86 de 1902). “ O Alpheo
faz os seus bredinhos com uma roupinha só, coitado!, pelo que
é conhecido p or canario sem muda.” (Idem , n. 629 de 1908).
D eriva d o: Canarista, apaixonado creador de canarios para dei-
tal-os a b rigar.
Canastra — As costas, espaduas; giba, corcunda. V ira r de
bumba canastra, isto é, de costas.
Canastreiro — O mascate que vendia as suas mercadorias
accommodadas em canastra, especie de cesta, larga e chata. “ Já
temos o canastreiro, que inde fede aos seus beirames.” (G re-
go rio de M attos)
Canastro — O mesmo que canastra. Dar cabo do canas­
tro; quebrar, arrebentar o canastro. “ Quasi que ha pouco,
fico sem o canastro, lá para o sul. (O Form igão 7 de 1850).
“ Um dia, duvidando o sujeito do trato, eu estrom pei-lhe o
canastro.” (O vapor dos Traficantes n. 175 de 1859).
Cançaço — Intenção, desejo, manha; pretenções dissi­
muladas, cafanga. D escobrir, conhecer o cançaço.
Cancan — Ave canora e de bella plumagem da ordem
Deodactyli (C yon ocorax A ca h e).
Canceira — Contrariedade, raiva, paixão. “ Eu não vou
á sua casa P ’ra não me encher de canceira; Pois seu, pae é
homem velho, E sua mãe é falad eira” . (F o lc -lo re Pernambu­
ca n o ). Im pertinente insistência, desarrasoada pretenção, ma­
nia mesmo; trabalhos, cuidados, tolerancia a contra-gosto de
certos hábitos e costumes, que destoam das normas de vida
intima e social. Nesta accepção encontramos o termo já em
fins do seculo X V III, na seguinte decima do bispo do Mara­
nhão I). F r. Antonio d e P a d u a e Bellas,^ chasqueando do ou­
vidor Manoel Antonio L eitão Bandeira, que tinha o costume
de passear com a cabeça descoberta, e as mãos atraz das cos­
tas pegando no chapéo: “ Manoel, minha canceira, Um pouco

180
estás emendado, Já trazes o penteado Pouco acima da m oleira.
Mas ainda tens uma asneira, E asneira do diabo! E lla de li
dará cabo, Se não a deixas de repente. Será pois acção de
gente T razer o chapéo no ra b o ? ”
Candeia — Especie de lampada ou candieiro, de metal,
com quatro bicos para luzes, produzidas por pavios de algodão
alimentadas a azeite: A candeia que vai adiante alumia duas
vezes. Casquilho, elegante, bonito, gracioso, fino, apurado,
não só em relação a pessoas como a cousas: Uma menina, uma
sala candeia. “ Oh! que rapariga candeia! exclamou o Ignacio
Majcambira.” (F ra n k lin T a v o ra )
Candeinhas — D ifficuldades, apertos numa situação d if­
ficil, perigosa: V êr candeinhas; certa perturbação na vista, nos
sentidos, causadas por medo, susto, d ô r ; Sentir umas candeinhas.
Candieiro — Folguedo infantil, de dança e canto, proprio,
obedecendo a letra a estes versos inciaes: “ Anda á roda can­
dieiro, Anda a roda sem parar; Todo aquelle que errar, Can­
dieiro ha de fic a r . ”
Candoblê — Dança, bailado: o passo do candoblê. “ Vejam
que doçura do passinho do candomblé da fradalhada da troça
carnavalesca Frades deportados!” (Jornal do R ecife n. 45 de
1814). “ Na Bahia, porem, candomblé, segundo Beaurepaire Ro-
han, é uma especie de batuque de negros com exercicios de
feitiçaria e como simples folguedo, semelhante ao candombe
das províncias ineridionaes e ao maracatú de Pernam buco; con­
cluindo, que deve ser um vocábulo de origom africana, como
igualmente suppõe Sylvio Romero, que escreve candomblé,
com a expressão de dança. Vocábulo já de voga antiga entre
nós, tinha, porem, originariam ente, expressão differente, como
sè vê do n. 7 do periodico O Am igo do Povo, de 1829, chas-
queando de um p olitico da epocha, a quem chamava o Marqüez
de Candom blé: Vós molecões do Haiti, Raparigas de Guiné,
Recebei na patria vossa O Marquês de Candom blé” . Ao que
parece, o termo nos veio da Bahia, onde tinha curso já em
epocha anterior, como se vê do n. 5 do re ferid o periodico,
quando iniciou a sua campanha contra o alludido politico, es­
crevendo em nota ao respectivo artigo a sua expressão, o que
prova, que se tratava então de um vocábulo desconhecido em
Pernam buco: “ Candomblé. E ’ na Bahia, no lugar chamado Ca­
bula . A lli é que os escravos e as m eretrizes hiam tomar ventura
levadas por uma impostora de nome N icacia. E ’ o mesmo que a
Cruz do Patrão no R ec ife .” O Lib eral Afogadense n. 2 de 1845,
porem, escreve Candomblé, effectivam ente dizendo que é cer-

181
to logar na Bahia. Depois encontramos o termo já em vóga com
outra expressão: “ O seu Doutor, parece-se tanto com o meu,
como um palacio com um candomblé, a que o nosso vulgo cha­
ma a uma cabana, ou casinha de triste apparencia.” (O A rtilh e i­
ro n. 21 de 1843). As expresões, porem, de batuque de negros
acompanhados de feitiçarias, ou — sessão de feitiçarias e bru­
xedos dos africanos celebradas ein lugares reservados, — se­
gundo o Padre Etienne Brasil, tiveram tambem vóga entre nós;
e já remotamente tratando o D iario de Pernambuco ( 11. 104
de 1829) de uma sociedade secreta que então havia no Recife,
refere, que em um artigo publicado n’Abelha Pernamubucana
se dava por certo a existencia da tal nigromancia e candomblé.
Como expressão depreciativa, 011 de troça, tambem teve vul-
garisima corrente entre nós, como se vê de alguns periodicos
da prim eira metade do seculo passado, nomeadamente O A r ti­
lheiro, que tomando á sua conta a um chefe politico em e v i­
dencia, só o chamava de morgado ou Marquez de Condomblé,
ou simplesmente, o Candomblé. Finalm ente, tem o termo tam­
bem curso no R io d Janiro, já em vóga em meiados do seculo
passado, como consta de uns versos publicados no jorn al A
Patria, de N icteroy, de 15 de Outubro de 1859, firm ados pel’ 0
Dr. Candomblé, e vulgar, com a expressão de quarto pequeno
e escuro reservado para guardar trastes velhos, bahús, etc. (M a­
cedo Soares). Sobre a etym ologia do vocábulo parece-nos que
vem, ou é o mesmo que candombe, cerem onia africana do cul­
to, dança sagrada, samba, cangirê, em honra e louvor da d i­
vindade, isto é, a dança sagrada dos feiticeiros, dos curandei­
ros de quebrantos e olhados, dos dispensadores da fortuna,
como assim encontramos definido o termo candombe.
Càndonga — Feitiço, encanto, paixão; pessôa estimada,
querida, prezada. “ Arnáo, aonde estás? Estás na cinza? Não
Ursula, minhas candongas; estou aqui me aquecendo ao olhi-
pho do s o l.” (O Barco dos Traficantes n. 12 de 1858). “ Se­
reno da madrugada Cahiu no talo da couve; Quem me dera
que eu cahisse Néstes teus braços, candongas.” (Versos popu­
lares) . Segundo S ylvio Rom ero, candonga é um vocábulo a fr i­
cano com a expressão de m entira. Bluteau não o registra, mas
como se vê do Palito métrico, tinha curso em Portugal, ou pelo
menos na giria acadêmica de Coim bra em meiados do seculo
X V III: “ M ille cabriolas, candongas, m illeque tr o v a s .” Moraes
porem o registra como cnulo, com accepções outras, e Auletc
como vulgar, seguindo a moraes nas suas definições.
Caneca — Especie de caçamba ou pequeno balde de m a­
deira ou metal, preso a uma corda, para se tirar agua das
cacimbas ou p oços. Emquanto não houve a concurrencia das
canecas de folha, e das de zinco importadas do estrangeiro,
tinham uso exclusivo as de madeira, feitas nas officm as de
tanoaria, vindo dahi c appellido de Caneca dado a Domingos
da Silvr Rabello, tanoeiro, estabelecido em Fóra de Portas,
e pae do legendário F rei Caneca, distintíssimo pelo seu pa­
triotismo, sabedoria e m artyrio. “ Caneca fo i alcunha da fa ­
mília, porque Domingos R abello era ta n o e iro .” (D r. A p rigio
Guim arães).
Caneco — Nas phrases: Bumba no caneco, dar, bater, es­
covar; e Pintar o caneco, fazer o diabo, pintar a manta. “ Na
rua da Pitanga existem umas mocinhas que pintam os canecos.”
(A Pimenta n. 10 de 1914).
Canga — O jugo que prende o boi ao carro, certa arma­
ção de varas, triangularmente dispostas, tendo a base exten­
são superior, e que se põe ao pescoço das cabras e porcos para
im pedir a sua entrada nos cercados alheios. “ O fiscal de A fo ­
gados que acabe com os porcos e cabras que andam soltos pela
povoação, e sem canga.” (O Povo n. 102 de 1858). Exigência,
imposição humilhante, acção de mando, supremacia, correcti­
vo: P ô r a cangà ao pescoço de alguem; Fazer conhecer can­
ga de branco. “ Estou vendo que devemos levar a espiga, e su­
jeitar o pescoço á canga” . (C aneca). Vocábulo de origem in d í­
gena, é corruptela de acanga, cabeça, ponta, extremidade.
Cangá — Instrumento musico africano, feito de canna ou
bambú, com orifícios, e tendo as extremidades fechadas pelos
gommos da própria canna.
Cangaceiro — M alfeitor reunido em quadrilha, que in fes­
ta as estradas do interior, atacando os viajantes, e até mesmo
as propriedades e povoados, retirando-se corn os despojos das
suas rapinas, e não raro deixando victimas das lutas travadas.
Gente de má indole, estúpida, perversa, presla-se, assalariada-
mente, a vinganças de alheias e ruins paixões, e bem assim ao
serviço de vulgares e ambiciosos mandões de aldeias, ao desa­
bafo das suas contrariadas ambições, dos seus caprichos, ás
mais torpes perseguições e vinganças, e ainda, reunidamente.
em numerosos grupos armados, a intervenções nos comicios
poiticòs. “ “ E xpor a vida ao punhal dos cangaceiros do A c c io li” .
(Pernam buco n. 165 de 1913). “ A psichologia dessa gente,
malaventurada e m aléfica, que nos sertões do norte do Brasil,
do Piauhy á Bahia é diversamente designada pelos nomes de
valentões, jaSunços ou cangaceiros, ainda está por fa z e r .. .
Producto grosseiro duma sociedade ainda em in fim o estádio
cultural, o cangaceiro é sempre p rotervo e ig n ó b il.” (A lfre d o
de C arvalho)
Cangaço — Troços, quimbembes, toscos e ordinários ob­
jectos de uso domestico de uma casa pobre, humilde, cujo con-
juncto bem expressa a locução qu alificativa de m obilia de pote
e esteira, e concurrentemente os vocábulos derivados, de can-
gaçaria, cangaceira, cangaço e cangaçaes, sendo este ultim o re ­
gistrado p or Moraes como term o do Brasil, ou antes de Pernam ­
buco, onde escreveu o seu Diccionario, definindo: a m obilia de
um pobre, ou escravo.” Tom ou os cangaços ás costas para ar-
rumal-os no P e n e d o .” (O Clamor Publico n. 9 de 1845). O p e­
dúnculo e espatha do couqueiro, que se desprende e eahe quan­
do está secco. “ Os dedos engilhados, finos e nodosos, como
cangaço de côco ” (O Carapuceiro n. 68 de 1842). Volum e e
collecção, m olho. “ Este cangaço de petas nasceu no mesmo dia
em que nasceu o diabo” . (A Carranca n. 54 de 1845). “ Comple­
xo de armas que trazem consigo os m alfeitores que infestam
as estradas do in te r io r .” Euclides da Cunha, (O s Sertões). “ O
assassino fo i á feira debaixo do seu cangaço. . . O Cabelleira
empunhou o pedaço da faca, unica arma que lhe restava do ter-
riv e l cangaço.” (F ra n k lin T a v o ra ) O vocábulo, originariam en­
te empregado na accepção de peduculo e espatha do coquei­
ro, cangaço de côco, ou cangaço, como se chama em Alagoas,
vem da lingua tupi; e como escreve A lfred o de Carvalho, tra ­
tando do engenho Cangaçá situado no m unicípio de S. Louren-
ço da matta, é uma corruptela de acang-açab, galho secco, ou
cortado, que perfeitam ente se accommoda áquella expressão
originaria do termo. Não é acceitavel, portanto, o que escreve
Beaurepaire Rohan, dizendo que é vocábulo portuguez, valen-
do-se de Aulete, que por conta própria diz que cangaço é o mes­
mo que engaço, isto ,é, o peciolo dos cachos de uvas, a parte
grosseira que fica dos fructos exprim idos, bagaço.
Cangalha — Pernas tortas para dentro, com o as do alicate.
Cangapé — L ig e iro golpe, á falsa fé, s..bre a barriga da
perna de um adversario, em luta, para o fazer cahir; pontapé
que ao m ergulho o banhista, lige iro e geitosainente dá no com ­
panheiro dentro d’agua, em animada brincadeira. — “ Menino
com quem brinquei cangapés, couces no rio .” (O Campeão n ...
50 de 1862). Figuradam ente, tem a mesma expressão de ponta­
pé, vindicta, desabafo, despreSo, ingratidão. “ Em máos len-
çóes está Mr. Vauthier: Mr. segure-se que o cangapé é certo

184
(O Guarda Nacional n. 91 de 1844). “ Muito breve o tal A ffon -
sinho Leva o triste cangapé.” (Sentinella da Liberdade n. 29
de 1848). Sobre a etim ologia do vocábulo, estamos de acordo
com o modesto parece, de Beaupaire Rohan, que não é mais
do que a alteração de cambapé, que ein portuguez exprim e a
mesma idéa.
Cangary — Chrisallida, envolucro ou casulo dentro do qua
se opera a transformação da lagarta em borboleta. O vocábu­
lo é evidentemente de origem tupi.
Cangaty — P eix e d’agua doce.
Cangica — Especie de ja p é preparado com a mistura de
dous de qualidades differentes, ou com torrado ou tabaco de
caco; especie de papa, ou creme de milbo verde (S ilvio R om ero)
preparado com a massa ou fubá do milho, com leite de côco
e assucar, cujo prato tem logar distincto nas mesas das nossas
festas fam iliares e particularmente, nas de S. João” Os gas-
tronomos, não perderam vasa de apertar a bôa cangica, o bolo
de bacia e o tradiccional pé de m o lequ e.” (A Pimenta n. 8
de 1901). “ Dengosa, linda e pequena, M inht flo r de tiririca,
Eu gosto mais de você, Do que um prato de cangica ” (T r o ­
vas pop u lares). Tratando Beaupaire Rohan dq vocábulo, e
nesta ultima expressão, diz que não ha motivos para escrever­
mos cangica, uma vez que a dicção não tem, nem pode ter ou­
tra origem senão a de canja, que como se sabe, e Sulete define
é caldo de gallinha com arroz; ao passo que a cangica, quer na
expressão pernambucana ou do Norte, quer nas dos Estados
do Sul, tem por elemento capital, o milho, verde ou secco, e
não o arroz. Esla errônea etym ologia, porem, não é isolada,
uma vez que uns dão o termo como de origem africana, e ou­
tros como asiatica, quando é puramente brasileira, origin aria­
mente indígena, quer derivada do guaranv quer do tupy; e
quem com provadamente o diz, são duas aotoridades competen­
tíssimas na m atéria: Baptista Caetano e Theodoro Sampaio.
N o prim eiro caso vem de caguã-i-yi, m ilho quebrado e co­
sido; e no segundo, uma corruptela de cangi, mole, brando, ou
de acangic, grão mole ou cosido.
Cangoeira — Instrumento musico dos indios, á especie de
flauta, simples ou dupla, feita de ossos humano.
Cangoncha — Voz depreciativa; um João ninguém ou troca-
tintas ahi qualquer. “ Ora sô cangoncha, por quem é, não deixa
os amigos. O Esqueleto n. 12 de 1846, antigo sob o titulo: Uma
cangonchada).
Congóte — O occiput, cachaço, ou a parte posterior do pes­
coço, o cangote da giria portugueza. “ As odiferas exhalações
do seu perfum ado cangóte.” (A m erica Illustrada n. 5 de 1879).
“ O teu unico defeito era gostar de fazer cócegas no cangote da
Kente,’' ( A Lanceta n. 155 de 1913). “ Desse cacoete lhe p ro vie ­
ra uma volta no cangote, que tornava um tanto corcunda. ” (José
de A len ca r).
Cangueiro — Acabado, fraco, abatido, pesado, de pernas
bambas, mal andando. “ Andava o homem de passos furtados,
cahe aqui cahe acolá, e tão cangueiro, que parecia um endemo-
niado.” (O P ovo n. 108 de 1858).
Cangúlo — Dentuç;a, de dentes estufados, pronunciadamen­
te salientes, como sãol os dentes dd peixe deste nome, de agua
salgada, e muito vulgar, tanto rios nossos mares como nos do
archipelago de Fernando de N oronha; e dahi locuções: Bocca
de gangulo; dentes de gangulo, ou acangulados. “ Rosa, casange
bem preta, dentes de cangulo.” (D ia rio de Pernambuco n. 25
de 1831).
Canha — Aguardente de canna, cachaça. Vem sahindo um
tremulo chupista, á milagrosa canha devotado.” (O Barco dos
T rafican tes n. 6 de 1858). Com os nomes de canha ha um en­
genho e um riacho no município da Victoria.
Canhão — As pennas ao surgir da pelle das aves, ao em­
plumar, ou quando mudam. “ O urubú quando nasce, oh! gen­
te, E ’ pellado, sem canhão.” (Versos de uma chu la). Não ter
penna nem canhão: indifferente, nada sentir. Mulher feia, re-
pellente, um alcaide. “ Chamar-se a uma senhora de coruja, é
um modo polido de dizer-se-lhe que é um canhão” (O Diabo
a quatro n. 131 de 1878). “ Pois não sabes, Michaella, que já és
um canhão?” (A Pim enta n. 14 de 1902). “ Este lacinho de f i­
ta que achei pisado no chão, de certo não se acredita que p er­
tence a um can h ão.” (Idem , n. 75). Concurrentemente com o
termo, ou para ainda mais accentuar a sua expressão nesta ae-
cepção, a locução: Canhão de bota. “ Deixe-se de imm orali-
dades, magrela, canhão de bota.” (A D errota n. 15 de 1883).
Canhenga — Apertado, imprestável, sovino, chifre de ca­
bra. Tem este nome um trecho da povoação de Bebcribe.
Canhoto — O diabo. — Cruz, Canhoto!
Caniçalha — 0 mesmo que canzoada, multidão de cães, e
figuradamente, canalha, gente vil. “ Os desregramentos dessa
abjecta e torpe caniçalha.” (A Carranca n. 06 de 1846). “ V o ­
tos para nós ambos, caniçalha P ra e ira !” (O Clamor Pubilco

186
n. 92 de 1840). “ P ovo?, populaça, caniçalha, ou cousa cpie não
tem significação alguma.” (O Campeão n. 8 de 1861).
Caniço — Perna fina. “ Andam bandos de pernas pelas ruas
Bojudas, grossas, magras e caniços. Algumas encobertas e ou­
tras nuas. Mas, palavra, apezar de teus feitiços: Hão de ser
toda a vida dous caniços!” (Tercetos de um soneto a n o n y m o ).
Caninana — Cobra longa, de escamas aguçadas amarellas
e pretas (C oluber procilostom a; N ie m v ), já descripta por Pi-
sonis em meiados do seculo X V II, em Pernambuco, com es­
te nome vulgar de caninana. E ’ uma das mais terriveis e v e ­
nenosas. Segundo Barboza Rodrigues, não dá botes, mas ac-
commette, dando pulos rápidos, violentos sobre a cauda, ora
|Je cabeça erguida, e correndo tão ligeira, que o povo diz que
vôa. Koster diz mesmo que a caninana é tambem conhecida
por voadora, porque dá saltos prodigiosos, e que enrolando-
se em torno de um galho de arvore d’alli atira-se sobre os ani­
maes e sobre as pessoas. Mulher genista, insurportavel, mal-
creada, insolente, levada dos diabos, e assim chamada em allu-
são ao te rrivel e mencionado ophidio.
Canindé — Especie de arara, e de uma bella plumagem.
Já vem mencionado nos Diálogos das grandezas do Brasil, co­
mo um passaro pequeno, mas de cauda muito comprida, e Du­
rão no seu poema O Caramurú diz que é elle, qual iris reluzen­
te pela belleza de coloração que ostenta. O vocábulo canindé
vem do tupi, e segundo Theodoro Sampaio, é corruptela de ca­
nindé, anegrado, retinto, tisnado, escuro.
Canjanja — Cousa bôa, appetitosa, saborosa: Uma bôa
canjanja. “ O sapateado foi gostoso, mesmo gostoso que só can­
janja.” (Jornal do R eeife n. 40 de 1916).
Canna — Aguardente, cachaça. “ A patricia, a que na cor­
te chamam Paraty, tem no norte o nome de canna.” (A Du-
queza do Linguarudo n. 117 de 1877). “ A canna me abraza
num ganço te r r iv e l.” (Aza-negra n 6 de 1882). “ A canna
b ra s ile ir a ... Entra em sala, salões, igrejas e con ven tos... Não
ha banho, silão ou cajuada, Pestiqueira, folia, jogatina, Mão
de vacca, pasteis ou feijoada, Que não ienha um golinho da
mais fin a .” (O Etna n. 31 de 1882).
Cannavial — Partido de plantação da canna de assucar
(Saccarum offecin aru m ). “ Vem cá, Cabelleira, Anda me con­
tar, Como te prenderam no c a n n a v ia l? ... Eu me v i cercado
de cabos, tenentes, Cada um pé de canna Era um pé de gente.”
(Versos do C a b elleira ). “ Em Setembro os cannaviaes das la~

187
deiras, já sazonados, começam a am arellecer. ” (A lfre d o Bran­
dão) . “ Nas cercanias do R ecife, em todas as direcções, vêem-
se casas, e o apparecimento de cannaviaes aqui e ali alegra o
scen ario .” (Charles W aterton ). O vocábulo appareceu entre
nós com a introducção da cultura da canna de assucar na
colonia, na segunda metade do seculo X V I, á construcção dos
nossos prim eiros engenhos, ao principio, sem extensões ge-
raes, uma vez que os indios chamavam Ubatuba ao cannavial,
term o que já possuíam, derivado de ybá-tyba, com que chama-
vom ao cannavial bravo, frechai, tabocal, bamburral, ou com
a variante de Candyba, como escreve Gonçalves Dias, até que
depos surgiu dentre elles mesmos o vocábulo h yb rido de
Canna-tyba, com a expressão de abundancia de cannas, p ro ­
priamente cannavial. Vem dahi a origem do nome de Ubatuba,
de um velho engenho situado ho m unicípio de Agua P reta.
Canneado — Tonto, embriagado com aguardente de canna,
e dahi o term o.
Cannelão — Golpe com o pé sobre as cannelas do adver­
sário para o derrubar: Dar um cannelão. Levar a pau e corda,
á pulso e a cannelão. (D ic ta d o ).
Cannela-preta — Lauracea muito commum na nossa flora
Agathophyllum aromaticum, (L in n e o ), cuja madeira é em pre­
gada na construcção c iv il.
Cannelas — Pernas, como bem define este ditado de mu­
lher de baixo calão dirigid o a quem diz alguma cousa das
suas pernas: — Pernas são cannelas; m . .. p’ ra quem olha
p’ra ellas.” Consoanteinente dizem estas locuções populares:
Dar de cannelas, andar, desapparecer, põe-se ao fresco; E sti­
car a canella, m orrer; Bôas cannellas, andador; Rapazeada da
eannela suja, o povo m ollecorio; e Estirar as cannelas, an­
dar, passear. “ Estando com disposição de estirar as cannel­
las, isto é de dar um passeio, fui até S. José vêr u m ain en in a
escovada.” (A Pimenta n. 557 de 1907).
Canneludo — Appellido depreciativo dado pelo partido
pernambucano aos seus adversários, osmascates, no m ovi­
mento recolucionário de 1710. “ O peior de tudo isto, o nosso
mal, está em não se ter feito em Pernambuco a justiça» que,
por seus crimes, mereciam os canelludos.” (F ra n k lin T a v o r a ).
O termo, porem, ficou, extensivo a qualquer pessoa, com o
mesmo tom depreciativo. “ Não chegou a casar com um cane-
ludo que tivesse o appellido de C avalcan ti.” (O Mocó n. 3
de 1851).

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Canniço — Esguio, secco, magro, desfigurado; pernas f i­
nas. “ Mas, palavra, as tuas gambias, apezar de taes feitiços,
na phrase de um poeta, hão de ser toda a vida dous canniços.
Canninha — Aguardente de canna. “ O enthusiasta, o typo
gommeux dos presepios, é o homem do cajú e da canninha.”
(O Diabo a quatro n. 128 de 1877) . “ Quando o mulato entrava
em casa na canninha a mulher dava-lhe com o chinello no fun­
do das costas.” (A Pimenta n. 619 de 1907).
Cannista — Beberrão de aguardente de canna. “ Na con­
versa entram cannistas formados em v a le n tia .” (Lanterna
Magica n. 419 de 1894).
Cano — Cartola, chapéo alto, de pello de sêda. “ Porque
encapella o cano até as orelhas, lembrando aos seus com pa­
nheiros o tempo da m onarchia?” (O Alfin ete n. 9 de 1890).
Canôa — Certas emprezas ou negocios arriscados, p eri­
gosos, com prom ettedores: Nesta canôa não embarco eu. P e ­
quena embarcação fluvial, que demanda de pouca agua, por
não ter quilha e destinada á usos diversos, como div^-sos
são os seus systemas e dimensões, m ovidas a vela, vara ou .e-
mos. “ Chamam canôa os nossos nesses mares Batel de
um vasto lenho construido, Que excavado no meio, por dez
pares De remos, ou de mais, vôa im p e llid o .” (Durão, O Ca-
ra m u rú ). Escreve Fernando H alfeld, que as canôas do alto
S. Francisco são ordinariam ente de cem palmos de com pri­
mento com cinco de largura, e em geral, feitas de um só tron ­
co de vinhatico ou cedro, com dous remadores e um piloto
que dirige o lem e. As canôas deste systema vem dos indios,
para cuja construcção derrubavam os mais grossos troncos de
arvores que vegetavam á beira do mar e dos rios, excavavam -
nos com fogo, e alisavam-nos com instrumentos de pedra.
As canôas pequenas chamavam elles tgarités ou igaram irim , —
a canoinha, o barco pequeno; — e ás de dimensões regulares,
igáras, ou igaretinga, sendo estas de vela de pano branco, na­
turalmente o algodão, tecido por elles proprios. H avia ainda
os igaritins, que eram as canôas em que iam os chefes, e se
d ifferençavam das outras por terem um maracá na prôa, e to­
das, em geral, movidas a pequenas pás de m adeira. O vocá­
bulo, nas suas diversas accepções, vem de yg-yara, isto é, que
domina ou mora n’agua, fluctua ou sobrenada, vindo dahi cha­
marem os indios igara-açú, canôa grande, aos navios que ap-
pareperam ás prim eiras explorações, o que deu origem ao no­
me de Igüarassú, imposto á nossa Prim eira, mais antiga, mui­

189
to nobre e sempre leal Y illa de Santos Cosme e Damião, pelo
facto dé ser o porto, desde os prim eiros annos da colonia v i­
sitado por barcos que o attingiam com o concurso da maré
A mais remota noticia que temos do vocábulo canôa, dado en­
tre nós a taes embarcações, remonta-se ao anno de 1593, com
a frustrada tentativa de incêndio á flotilh a do pirata inglez
James Lancaster, ancorada no porto do Recife, p or meio de
cinco grandes canôas cheias de combustiveis ardentes, e alta
noite soltadas, com a corrente, de feição, para irem de encon­
tro aos navios. Posteriorm ente (meiados do seculo X V II) en­
contramos o termo registrado por Simão de Vasconcellos, tra­
tando das lutas dos portuguezes com os indios do R io de Ja­
neiro em lõ(37: — “ Canôas, ligeiras como o vento, a vinte e
trinta indios por banda, igualmente rem eiros e fre c h e iro s .”
— Canôa, na sua expressão de embarcação, barquinho, batel,
esquife, como escreve Zorobabel Rodriguez, é 11111 vocábulo
lucayo e de uso corrente na Meria, e propagado pelos hespa-
nhóes, como o ouviram dos proprios indios.
Cano de ferro — Especie de bengala, feita de um pedaço
de cano de ferro, de diâmetro accommodado ao fim, geralm en­
te dos que servem nos encanamentos d’agua 011 gaz carbonico.
“ Travaram lucta José F erreira e Mauricio Pereira, resultando
sahir este com diversos ferim entos a cano de fe rr o .” (Jornal
do R ecife n. 29(3 de 1915).
Canoeiro — Conductor de canôa. “ A minha prim eira v i­
sita foi a Olinda, em canôa, passeio que a fresca da manhã
tornava muito agradavel. Os canoeiros são geralmente negros
altos e robustos, bastando 11111 para cada canôa. Usam entre si
de titudos honoríficos correspondentes aos postos militares,
até o de coronel, eleitos por suffragio da corporação, e as
suas honras não são puramente nominaes. Sempre que 11111 ca­
noeiro de posto in ferio r ou subalterno encontra a embarcação
de 11111 superior, tem de saudal-o por meio de 11111a, duas, tres
ou quatro pancadas com a vara 11’agua; o numero das panca­
das é graduado pelo posto do individuo, o qual por sua vez
responde com uma só pancada. A omissão desta continência é
considerada 11111 crime entre a commiiidade aquatica, e sTijeita a
castigo. N o caso porem, de 11111 canoeiro, mercê da destreza
ou da sorte, vencer ao superior em velocidade, fica dispen­
sado de faíSer-lhe a continência.” (D an iel P. Kidder, 1840).
Esta corporação dos canoeiros desappareceu com a viação
ferrea, e com elle as suas solennidades religiosas, festejando

190
a N . S. do Rosário, em Olinda, e a N. S. da Conceição, no
R ecife, na capellinha que construíram elles 110 bairro de S.. F r.
Pedro Gonçalves em 1851, na travessa da rua do Apollo, e de­
molida em 1912 em observância do traçado das novas ruas e
avenidas reclamadas pelo melhoramento do porto.
Cantante — Despertador, na giria dos gatunos. Indica­
ção vaga, indirecta de uma dada pessôa. “ Fechou-se o tempo
Bati mão á pernambucana velha e enfrentei o can ta n te... A
viuvinha pratica todo sorte de escandalos com 11111 cantante
de Santo A m aro” (A Pimenta n. 3 e 10 de 1914).
Cantar — Pedir, rogar, solicitar com artifícios, labias e
manhas, como faz o expertalhão, o facadista, com 11111 pala-
vriado estudado, 11111a historia bem contada, para illu d ir os in­
cautos e conseguir os seus intentos, e dahi as locuções de P é de
cantiga, canto chorado, Canversa fiada, dados aos palavrados
de taes cantadas. Canta como uma sereia; canta mais que um
canario; hias se o m elro nada consegue na sua investida, Can­
ta bem, mas não entôa. Quando porem o cantante muda de ru­
mo, e parece contar 11111a historia mais ou menos procedente,
vem a phrase; Isto agora é outro cantar. “ Em presença de
tão solidas razões,- cantadas pelo tal sujeito, que tem labias, ef-
fectua-se o desejado plano.” (O Clamor Publico n. 15 de 1845).
Cantar de gallo, diz-se do indivíduo que se impõe em uma s i­
tuação qualquer, exercendo poderio e mando absolutos. Oc-
corre, em fim, estas locuções: Cantar no ouvido, segredar, in ­
trigar, m exiricar; Cantar uma ladainha, um subvenite, passar
uma reprehensão, 11111 carão, ou 11111a simples admoestação; c
cantar polincdio, desmascarar a alguém, por-lhe os podres
na rua. — Esta phrase é portugueza, mas de accepção outra.
Quem canta seus males espanta. (A n e x im ).
Cantar serena estrella — Perd er uma partida, ficar no ora
veja, contrariado, humilhado, enforquilhado. “ A comniissão
murchou as orelhas e desceu as escadas de palacio cantando
serena estrella.” (A Lanceta 11. 50 de 1890). "U zin e iro e coni-
missarios cantando serena estrella.” (Jornal Pequeno 11. 50
de 1916). Este dicto vem de 1877 da derrota de um certo p o lí­
tico nas eleições procedidas naquelle anno para deputados á
Assembléa Legislativa, sobre o que estampou o periodico hu­
m orístico Am erica Illustrada, na sua edicção de 10 de Março,
uma caricatura do alludido politico, cantando e tocando v io ­
lão, tendo em baixo esta quadrinha parodiada de uma canço­
neta então muito em vóga, cuja letra começava pelos dous pri-

191
nieiros versos: “ Serena estrella Que no céo não brilha, Gastei
meu cobre E levei forqu ilh a.” A troça cahiu no goto popular,
e dahi o dictado: Ficar cantando serena estrella.
Cantéo — Artista que lavra pedras e faz portaes, hum-
braes, vergas, soleiras e outros trabalhos de cantaria; o mes­
mo que canteiro, portanto. ?‘ Era Bartholom eo de côr preta,
cantéo, e homem de alguma in stru cção.” (F . P. do A m a ra l).
Canto — Casa, habitação, lugar, espaço. A igreja e s t a v a
tão cheia, que não tinha um só canto vasio. V iv e r retirado
no seu canto. T e r um cantinho onde metter a cabeça. “ E
tudo isto eu vejo do meu cantinho.” (O Ziguezigue, 1899).
“ Deixa-me neste cantinho a minha dor me m a ta r.” (J. Soares
de A z e v e d o ).
%
Cantofa — Agulha de bordar. “ Certo sugeito, que com
cara de sabujo, parece agulha cantofa.” ( 0 Clarim n. 8 de
1878). Cabellos. “ Sua enorme cabeça guarnecida de amara-
nhada cantofa” . (A Carranca n. 30 de 1845).
Canudo — Abelha mansa, domesticável, que produz pou­
co mel e alguma cêra. Os intestinos do b oi: canudo fino, ca­
nudo grosso.
Cão —1 O dem onio. Artes do cão; O cão atraz da porta;
Arrenego do cão “ Senhora dona da casa, Abra a porta, ac-
cenda a luz; Estamos com o cão em casa, Resemos o Credo
em c ru z .” (C ancioneiro do N o rte ). “ E* o cão se sahir de
casa em dias de ch u va .” (A Pimenta n. 574 de 1907). Cão le ­
proso; Cão sem dono; Um cão damnado, todos a elle; Vive»
como o cão com o gato. (D ic la d o s ).
Capa-bode — Sertanejo, o habitante do sertão. Nom e por
que era conhecida a musica Mathias Lim a.
Capação — Acção de capar, castrar o animal. “ Quero a
capação de volta e não de faca” . (O Cometa n. 21 de 1844).
Córte, suppressão, resumo. “ A opposição pernambucana quer
a Constituição P olitica sem as capações, que lhe hão feito
os pseudo monarchistas” . (O Guarda Nacional n. 101 de 1844),
Capadinho — Traducção em resumo de uma obra scientifi-
ca, desenvolvida, com plexa, facilitando assim o estudo disci­
plinar, e trazendo a -acquisição de obras volumosas e caras, e
escriptas em línguas estranhas. O vocábulo, ao que parece,
vem de capar, na accepção de cortar, tirar, extrahir, resumir, e
assim traduzir correspondendo ao burro da Siria dos estudan­
tes portuguezes; e appareceu entre nós com as questões de phi-
losophia de A. Charmá traduzidas em resumo pelo Dr. Antonio
Herculano de Sousa Bandeira, cujo livro , impresso no R ecife
em 1848, teve logo o nome de capadinho imposto pelõs estu­
dantes.
Capado — P orco castrado para ceva. “ Com uns agradinhos,
presentes de fructas e um cevado, arranjou um lugarzinho na
A lfandega” . (O Patuléa n. 9 de 1850). “ Vou para a casa aga­
salhar as minhas gallinhas e um capadinho emquanto é cedo” .
lA Sentinella da Liberdade n. 27 de 1848). Ahi o tendes nedio
e liso como um gordo capado” . (O Vapor dos Traficantes n.
224 de 1860).
Capadoçada — Cousa, acção, procedim ento de capadocio;
velhacaria, experteza, m aroteira. “ Duas capadoçadas na fo r ­
ma do costume” . (O Artilh eirp n. 49 de 1843). “ Deixem-se
pois dessas capadoçadas, porque perdem o seu tempo in util­
mente” . (O Azorrague n. 23 de 1845). “ Aquelle diploma de
ouro enviado ao José M ariano pelos povos e povas do R io de
Janeiro, é uma capadoçada do partido lib e ra l” . (O João F e r­
nandes n. 23 de 1886).
Capadocio — Espertalhão, trapaceiro, velhaco, ladino, as­
tucioso: um troea-tintas ahi qualquer. “ Uma cafila de com ­
pletos capadocios, cheios de todos os d efeitos” . (O Guarda
Nacional n. 90 de 1844). “ A p olicia deu em cima de uns capa­
dócios, qup estavam num cantinho engajados no gagáo” . (O
1'atuléa n. 9 de 1850). “ A parte inculta da população das c i­
dade^, a immensa cohorte de capadocios e cafagéstes.” (S y lv io
Rome,ro). D erivados: Capadoçada, já registrado; Capadoçagem,
capadoçal (Beaurepaire R o h a n ); Capadocismo (A ra rip e -Ju­
n io r).
Capa-gato — Q ualificativo de chalaça, depreciativo, dado
u individuo ahi qualquer.
Capanga — Guarda-costas, assalariado para satisfações e
vinganças, provocações e desordens eleitoraes, claque de mee-
tings e emprezas de semelhante jaez. Aulete já registra o ter­
mo, com o do Brasil, com as expressões de assassino assalaria­
do, caceteiro. “ São capangas todos os enviados para coagir a
voto nas eleições” . (O P ovo n. 89 de 1856). “ O padre mandou
v ir de P ajeu ’ de F lores quatro capangas para assassinarem o
xub-delegado dos A fogad os” . (O Alabam a n. l f de 1863).
“ P o r ser experto dapanga Do partido vencedor, Me deram por
quatro annos O diplom a de e le ito r” . (Juvenal G aleno).
Capão — Gallo castrado, ou capado, para ceva, de onde
vem o termo nesta accepção; e particularmente, o chamado
capão creador, quando se incumbe da creação de pintos, cio
que se desempenha tão zelosam ente como a p rópria fa llin h a .
“ Nunca mulher perdida amou a homem honrado, nem gallinha
gorda a capão” . (P ro lo q u io ). Um sujeito m olle, tím ido, partí­
cula: mente tratando-se de aventuras amorosas. “ T od o homem
que é capão faz m iserável papel” . (A Marmota Pernambucana
n. 22 de 1850). “ A maldita desta velha Quer fa zer de mim
capão” . íl)a chula Redondo, Sinhá). Para ainda mais accen-
tuar essa fraqueza e tim idez accorre a locução.' Capão d*
quenga. D inheiro de papel: um papel; um capão de dez, vinte
m il réis, etc. M aciço ou moita de matto, de extensão variada,
que isoladamente se destaca no m eio de uma planicie descam
pada, ou apenas coberta de pastagem ou vegetação r a s t e ir a . Q
arvoredo do capão é denso, pode ser mais ou menos alteroso.
“ constitue assim como que uma pequena floresta ou matta,
isoladamente disposia, uma ilha de matto em campina. “ Desde
longe dão na vi .ta esses capões. E ’ a p rin cipio um ponto n e­
gro, depois uma cupula de verdura, afinal mais de perto uma
ilha de luxuriante rama, um oasis para os membros lassos do
viajante exhausto dc fa d ig a .” (V iscon de de T au n av). ‘ Via-sc
dentro de um capão de matto que vinha m orrer á beira do rio,
uma casa de tacaniça” . (F ra n k lin T a v o ra ). “ As arvores agru­
padas em capão, quebram a m onotonia do descampado e abri­
gam dos raios do sol os animaes” . (A rth u r O rlan d o). “ O m at­
to que cresce ilhado no m eio do campo, escreve Theodoro
Sampaio, denominava-se entre os indios, caa-pãu, ilha de mat­
to no meio do campo, retalho ou nesga de matto, de que pro ­
cede o vocábulo capão, hoje geralm ente adoptado no Brasil
para sign ificar essa form a de vegetação. Algumas vezes se
diz tambem capuão, mas já derivado de outro vocábulo tupy,
caa-poan, matto redondo, e podendo sign ificar um oasis” .
Capar — Conquistar a confiança, as bôas graças de a l­
guém; cortar, supprimir, excluir, tirar, reduzir e dahi o termo
Capação, já registrado. T ira r alguma cousa de um volum e ou
peça de qualquer m ercadoria ou fazenda, de modo a não apre­
sentar vestígios de violação. “ Nos carregamentos dos navios
que lhe vinham consignados, capava todas as saccas de café.
carnau’ba, latas de chá, e tc .” (O Barco dos Patoteiros n. 8
de 1864) “ A 5 noite, os ratos da estação dirigem -se ao arínazem
e capam as pobres cargas” (Lanterna Magica n. 144 de 1886).
Capar de volta ; capar de faca: T o rce r os testículos do animal
afim de deixal-os completamente atrophiados; extrahil-os,
cortando-os a faca na sua ligação com os tendões. “ Quero a
capaçâo de volta e não de fa c a ” . (O Cometa n. 21 de 1844).
Capataz — O dem onio; chefe, mandão, superintendente.
E ntre nós, nos tempos coloniaes, houve uma companhia de
carregadores de fretes que era d irigida por um capataz, como
tambem, cada corporação de o fficio , tinha o seu. Cada porto
m arítim o tinha igualmente o seu capataz, c no do R ecife h a ­
via mais um, que d irigia o serviço de estiva, carga, descarga
e amarração dos navios, e um segundo capataz, para as substi­
tuições do cargo. Este erviço,' feito por pretos, geralm ente
escravos, passou depois para a Alfundega, mantendo o seu che­
fe a mesma denominação, até que, creada a secção da capata-
ria, teve o de administrador.
Capella — E ’ este o nome que se dá aos grupos de foliões
dos festejos populares sanjoanescos, ornados de capellas de
folhagem, marchando em grupos, em demanda do milagroso
banho e de volta, em animadoras passeatas. Os seus cânticos
obedecem sempre a estes tradicionaes versos de estribilho:
Capellinha de melão, E ’ de São João; E ’ de cravos, é de rosas.
E ’ de m angiricão. “ Os indios acodiam a todos os festejos dos
portuguezes com muita vontade, escreve F r . Vicente do Sal­
vad or em 1624, porque são muito amigos de novidades, como
no dia de S. João Baptista, p or causa das fogueiras e capellas” .
Cápemba — Este vocábulo é vulgar no Ceará para desig­
nar o envolucro do caixo da palm eira quando nova, ou o pé
da folh a: capemba da carnau’ba, da macambira, o pé da folha
do croatá. Entre nós, porem, apenas o conhecemos na phrase
Ganhar as capembas rajadas, com o que indicando matto, re ­
fugio, Homisio, e consoantemente com as locuções Ganhar o
matto, Ganhar o mangue, isto é. fugir, desappai ecer, occultar-
se.
Capenga *— Coxo, manco, p or qualquer defeito ou lesão
o rga n ica . . “ Mas que culpa tem a gente, Se a perna se não con­
form a, Para ou vir gritar somente: O tal capenga não fo rm a !”
(D r. V illasbôas). O vocábulo vem do tupi capê, o que tem osso
québrado ou torto: pernas tortas, coxo; S ylvio Rom ero, p o ­
rem, consignandoh) com iguaes expressões, suppõe-no de o ri­
gem africa n a . Rohan consigna o dictado Mais depressa se
apanha um m^ptiroso que um capenga, naturalmente assim
vulgar no sul, \íma vez que entre nós se diz assim: Mais de-
pressa se pega um menti/roso que um coxo.

195
Capeta ■— O demonio. Criuz, Capeta; phrase de esconjurio
ao dibao, com o quem d iz: Vade retro, Satanaz. “ O Capeta é um
diabinho que não é m alvado; é travesso e traquinas, é o que
se costuma chamar um diabrete” . (O lavo B ila c ). “ Em nome
do Capeta que sobre nós adeja, para leva r vossas almas coni-
sigo> Assim seja” . (O Barco dos Traficantes n. 29 de 1858).
E xperto, travesso, .traquinas, turbulento: um menino levado
do Capeta; encapetado. “ Poderíam os agarrar a esse menino
cápêta, para ó educar, toda a vezi que nos fizesse das suas” .
(Pernaipbuco n. 32 de 4 de 1913)” “ Transform ar-se de repen ­
te a fada gentil dos seus sonhos em um cápetinha de m il pec-
cados” . (José de A len ca r). Com o titulo O Capetinha circulou
entre nós, em 1889, um periodico critico e pilhérico, se bem
que de vida ephemera; e no Sabbaido de A llelu ia de 1897 sahiu
o numero uníco de uih jornaleco sob o titulo d’ 0 Capeta, Ó r­
gão neutralisado.
Capiba — Grande, volumoso, alentado: Siry capiba. Che­
fe, dunga, mandão. “ Referiu-m e José Bento Fernandes, que
cm tal Capiba dos Afogados tivera ordens de v ir prender-m e” .
(A , de Moraes S ilva ). Assim abonado o termo pelo nosso lexi-
cographo, em 1818, em carta d irigida ao Desem bargador Cas­
tro Falcão, enconti amol-o depois n’ 0 Cruzeiro n. 122 de 1829
em uma carta d irigida da Parahyba a um Capyba, e publicada
a pedido do mesmo Capyba; e em fim numa chula Ordem do
dia aue publica o period ico O Mesquita Junior no seu n. G de
1836, e firm ada p el’ 0 Capiba. Term o de origem indigena.
Capilé — Certa bebida fermentada, de uso popular. “ O
capilé andou nos cornos de Apollo, se impondo pela sua tra ­
dicional filma entre os matutos” . ( A Pim enta n. 1 de 1902).
“ Barracas iguaes áquellas que vendem gen gibirra e capilé, nos
presepes ruins da .Magdalena” . (Lan tern a M agica n. 811 de
1905). O te im o porem , é portuguez, se bem que o rigin ário do
francez capilaire, avenca, Bebida feita com xarope de avenca,
e assim já consignada no D iccionario de Moraes.
Capim — D inheiro, pagamento de ordenado, salarih, feria
de operários: Dia de capim. Nom e commum ás diversas espe-
cies de gramineas rasteiras que servem de pasto ao gado, de
cuja variedade trata particularm ente Alm eida P in to no seu
1905). O termo porém, é portuguez, se bem que o rigin ário do
forragem exótica, mas que receberam o nome indigena, ge-
nerico, de cap im : o capim de planta, oriundo de Guiné, e o

196
capim de Angola, desta procedência. “ O ajuntar-se as hervarí
na varzea, é causa de ser esta sempre muito humida, e con-
seguintemente muito disposta para criar o capim ” . (A n to n il).
Capim é um term o de origem indigena, corruptela de cáa-piy,
matto fin o ,ou de caá-fy, folha miuda fina, a gramma. O v o ­
cábulo assim usado, vem de epoca remota, uma vez que o autor
dos Diálogos das Grandezas do Brasil, escriptos em 1618, diz
já então, que o alimento ordinário dos cavallos é-uma herva a
que nesta terra chamam capim. O A lvará de 3 de Outubro de
1758 rèlativo a negocios do Maranhão, consigna o termo, e en­
tre nós a L ei P ro vin cia l n. 24 de 1836 trata do D izim o do ca­
pim de planta que se vender nos mercados do R ecife e Olinda,
cujo imposto, bem como o de Baixa de capim, vinham já de
epocas anteriores. Na nossa chorographia figuram com o no­
me de Capim duas serras situadas nos municipios de Quipapá
e Tacaratu’’, duas lagôas nos do Altinho e Bom Conselho, e um
riacho em Itambé, com o derivado de Capissurá, corruptela
de ca'pin-çur-á, capim de grão, ou semente saliente. F in al-
meilte, constitue um dos, elementos çom probatorios da antigui­
dade do termo vulgarissim o p ro loq u io : P ’ ra burro velho ca­
pim novo.
Capinar — Lim par o campo, roçar o matto, cortár o ca­
pim para alim entação dos animaes: I r capinar. “ Encontrado
em uma roça, càpinando, cercam-na e o desgraçado cae
tfapassado com tres balas” . (O Guarida N acional n. 39 de
1843) Capinar, escreve Couto de Magalhãesi, é verbo de raiz
tupica, p or lim par o matto.
Capinheiro — O que corta, conduz ou vende capim . ” Um
escravo de nome Pedro, nação Congo, capi|nheiro” . (D ia rio
de Pernambuco, n. 13 de 1829). “ Capinheiro de meu pae, Não
me cortes meus cabellos” . (D o romance popular: A M adrasta).
Em Alagoas diz-se capinar. “ Toadas soltas dos capineiros ro :
Iam pelos ares, ora em notas agudas e~ vibrantes, ora em re ­
quebros languidos e vagarosos” -. (A lfre d o Brandão).
Capinzal — Plantação de capim, terreno coberto de capim,
ou commumente, baixa de capim. “ Joanna chegou ia porta que
dava para o pequeno cercado onde o capinzal crescia, e solíoii
o innocente p risio n eiro ” . (F ra n k lin T p v õ ra ). “ As labaredas
correm sobre o- capinzal com in crivel velocidade” . (Gustavo
B arroso). “ N o basto capinzal, ao pé da arvore, apparentemen-
te debatia-se um gafanhoto verde pallido, como que enredado
nas h ervas” . Charles W aterton ). O vocábulo vem dos indios,

197
e precisamente com as expressões ditas, com o corresponden-
le de caa-pituba.
Capiongo — i Triste, calado} espantado; desconfiado, receio»
soj retrah ido. “ Capiongo, ficar de olhos com pridos” . (A m erica
Illustrada de 28 de Setembro de 1873). “ Sempre v iv ia capiongo,
descontente” . (Lan tern a Magica n. 110 de 1885). Consignando
S ylvio Rom ero o verbo capiongar, furtar, como de origem a fri­
cana, parece que o vocábulo vem dahi.
Capiscar — Saber, com prehender, entender. “ Não capis-
a m o s o italiano, e muito menos capiscamos a musica” . (A m e ­
rica Illcstrada n. 17 de 1882). “ Não capisco essa historia de
primo ca rtello ” . (Lan tern a Magica n. 749 de 1903).
Capitão — A nossa flora registra varias especies de plantas
com este nome, havendo mesmo uma que tem a particular de­
nominação de Capitão de Pernambuco, todas da fam ilia das
Um belliferas, e bem assim uma com a de Capitãozinho, da fa ­
m ília das Olacineas.
Capitão de campo — Agente de policia que em outros tem­
pos havia em cada freguezia, e tinha a seu cargo a captura de
escravos fugidos para os entregar a seus senhores, mediante
uma certa recompensa pecuniaria; ou antes, caçadores de ne­
gros, a o s q u a e s a lei em regulamentos especiaes concedia p o ­
deres descricionarios contra áquellas m iseráveis creaturas que
fugiam do jugo da escravidão. Em geral o cargo de capitão de
campo era exercido p or gente da mais bàixa esphera, negros
livres mesmo, ignorantes, analphabetos, mas corajosos, e de
uma valentia selvagem, unida a uma crueldade ainda mais sel­
a g e m , vindo dahi o dictado popular, que ficou: Quem não tem
coragem não amarra negro. Originariam ente nomeados pelas
camaras municipaes, passou depois essa incumbência ao chefe
qe policia, que a manteve até a extincção do cargo, pelos annos
fie 1887, no periodo da campanha abolicionista Capitão d »
campo, Veja que o mundo virou ; F o i ao matto pegar negro, Mas
o negro 0 a m a rro u .” (D o acto popular do Bumba meu boi").
Sobre o Capitão de campo escrevemos um detalhado estudo,
q :n. vem publicado no Jornal do R ecife de 21 de Agosto de 1901.
Capiuma — P eix e de agua salgada (H oem ulon quadrilinea-
•urn, Cuv.).
Capivára — Am phibio herbivoro, (H ydroch oerus capiDara,
C u v J , que habita á margem dos rios. E ’ o m aior animal da
ordem dos Roedores. O ^utor dos D iálogos das grandezas do
Brasil já se occupai da Capivara, semelhante á lontra, e con
soantemente F r. Vicente do Salvador, que escreve: “ Outros
animaes ha a que chamam capyguaras, que quer dizer com edo­
res de herva, andam sempre n’agua tirados, e quando sahem a
pascer pelos valles e margens dos rios, alguns o tomam e criam
em casa fora d’agua, pelo que se julgam por carne e não por
pescado” . Capivara, capyguara, como vimos, ou capibara, eo
mo tambem se dizia, é corruptela do tupy caapi-uára o come­
dor de capim, o h erb ivo io, alterado em capivara. (T h eod oro
Sam paio). E ’ de capivara que vem a denominação do nosso rio
Capibaribe, corruptela de caapluar-y-pe, alterado em capibar-
y-b e„ rio das capivaras segundo aquelle escriptor, consoante-
mente com o que se lê no Glossaria linguarum brasiliensium
do d r. Martius: lugar de capivaras ou capibaras, de capivara,
porco selvagem, e yby, ou ipe, lugar. Locus animalis capivara.
C-apoeira — Trech o de matto, ralo, fino, enfezado, que es­
pontaneamente nasce e cresce em um abandonado roçado, ou
em uma certa zona depois das derrubadas e queimadas. “ A '
roça extincta dava-se o nome de có-coéra e tambem cópoera, de
que procede o vocábulo capueira, com o . sign ificativo que vu l­
garmente se lhe dá de roça abandonada e invadida pelo matto,
visto que o mesmo vocábulo tambem procede de caa-poéra, mat­
to extincto, op que já uma vez fo i cortado” . (T h eodoro Sam­
paio). “ Este supplicante, que já podia estar enterrado nas
capoeiras de S. Bento, escapou não sei com o” . (O Patuléa n.
9 dc 1850) . “ Desde o prin cipio do banquete, que esse cão es»
lava á espera e á espreita por detiaz de umas capoeiras” . (L a n ­
terna Magica n. 259 de 1889). “ Lourenço tinha de olho uma
meia legua de massapé, que estava em cap oeiro” . (F ran klin
T a v o ra ). Cesto grande, achatado, feito de cipó rijo, com uma
bocca na parte superior, para a conducção de aves, formando
duas uma carga, presas por azelhas no cabeçote da cangalha
do cavallo. “ Quando as criações estavam auginenladas, Fran ­
cisco mettias-as nas capoeiras, e ia vendel-as em Goyanna” .
Franklin T a v o ra ). “ Nas proxim idades da festa mandou o r o ­
ceiro ao magistrado uma capoeira de gallinhas.” (D r. Castro
Lopes). Gallinha de campo não quer capoeira. (A d a g io ). Lucta
ou especie de exercício ou jogo athletico, praticado por in di­
víduos de baixa esphera, vadios, desordeiros, e no qual esgri­
mem os luetadores cacetes e facas, e servindo-se ainda, em
passos proprios, que obedecem a umas certas regras e p re c e i­
tos, dos pés e da cabeça, valentes, ageis e ligeiros, vencem o
adversarm . Fm iae.s jogos, introduzidos pelos afixcanos, se-

199
«ftiiiitu rwiiu
flH C iH T tll.o I t ^ i C ü |

gundo Beaurepaire Rohan, não raro, succumbe um dos luctado-


res, ou mesmo gravemente feridos, são victimados ambos. Vem
dabi tambem a extensão do termo ao individuo que se exercita
no jogo da capoeira, que aliás é tambem extensivo hoje a io ­
da a sorte de desordeiros pertencentes á ralé do povo, entes
perigosissimos, por isso que, sempre armados, matam a qual­
quer pessoa inoffensiva, só pelo prazer de matar. N o nosso
Folk-lore Pernambucano deixamos convenientemente estudado
o typo do capoeira' entre nós. “ O José era insigne na capoeira” .
(Am erica Ulustrada n. 1873). “ Um individuo, julgando-se mui­
to engraçado, vinha na frente, á mod'a capoeira” . (A Pimenta
n. 28 de 1901). “ Vieram 59 capoeiras do R io de Janeiro, en­
viados pelo go vern o ” . (N oticias de F^rtiando de Noronha, 1890),
O termo, nesta aceepçâo, já era vulgar naquePa cidade cm
182-1, como consta do Aviso do m inistério da Jusliça de 28 de
Maio, ordenando ao mandante geral da policia da côrte o cas­
tigo immediato dos capoeiras, afim de cessarem as desordens
e distúrbios por elles praticados, e no que cumpria agir com a
rraior energia. Derivados: Capoeirada; ^apoeiragcm ; >aj.< e i­
ras; cneapoeirado. ‘ A po!.ei:i fez farta colheita de capoeira?.
Pois pezar disto houve no mesmo dia scenas de capoeiragem ” .
(O Diabo a quatro n. 143, de 1878). “ Um tracto de terreno en-
capoeiratlc, ende se rd r'rou o cem iterio dos çholericos' ( A l ­
fred o Brandão).
Capoeirão —- Exlensa e baixa capoeira, cuja vegetação tem
iiltingiíio a grande desenvolvim ento. Augm eutrtivo de capoei­
ra, é concurrentemente o capueruçú dos indios, que assim já
distinguiram um phenomeno do outro. “ O alto que fica para
os lados do poente, era coberto p or um capoeirão quasi matta” .
(A lfre d o Brandão). “ Raros são os restos das prim itivas mattas;
o que só se vê são capoeirões ou mattas em form ação” . (Irin c o
J o ffily ). A b rir num capoeirjão: correr a bom correr.
Capote — A gordura que reveste uma peça de carne. “ Não
ha no mundo Um m ercador do seu lote, Que saiba vender á
gente, Carne secca de capote” . (O Barco dos Batoteiros n. 84
de 1866). Um individuo qualquer, uma certa pessoa. “ Chegou-
se a elle um capote, e disse-lhe, não se desfaça da prenda, meu
caro.” (O Carapuceiro n. 20 de 1^47). A gallinha de Guiné ou
da ín dia (Num ida Meleagris, L in n .), que tem em Portugal o no­
me de Estoufraca, originado do seu proprio canto. Tratando
M aragravi dos gallinaceos de Pernambuco, menciona a galli-
íilia africana, vulgarmente conhecida p or guiné, ou capoute, co­
mo elle escreve.
Capoteira — Especie de toucado que as mulheres usavam
em outros tempos, talvez ao modo das actuaes capotas. “ Se a
mulher sahia fóra, tinha a sua capoteira” . (O C a rap u ceiio).
Capuába — Bebedeira, carraspana: Tom ar uma capuába.
“ Gente que nenhuma occupação tem alem do samba e da capuá­
ba. CO Tam oyo n .5 de 1890). Casa de gente pobre, choupana
despresível. “ Quando fô r tempo de tocar fogo na capuaba. é
só dizer... Emquanto o diabo esfrega um olho, o mocambo fica
torrad o” . (Fran kü n T a v o ra ). O vocábulo é conhecido em vá­
rios Estados, mas com expressões diversas, entro as c v a r j, a l­
gumas de accordo com a sua origem indigena e pertencendo,
segundo Beaurepaire de Rohan tanto ao dialecto tupy com o ao
guarany, neste, significando casa, e naquelle, quinta ou herda­
de, onde ha cása. E ’ assim que no Ceará tem a expressão de
casa velha.
Capuabeiro — Indivíduo que v iv e sempre embriagado, que
toma capuabas. “ Monsieur C apu ab a... Q francez da capuabei-
r a ... Conter o capuabeiro. (O Campeão n. 30 de 1862). “ E ’
mesmo um descuido das autoridades dar-se tanta liberdade aos
capuabeiros, gancistas e m amoeiros para berrarem uma noite
inteira ao som de um v io lã o ” . ( A A m e ric à 'Illustrada n. 31 de
1883). “ A calungagem capuabeira do cortiço alfandegado” . (O
Barco dos Patoteiros n. 18 de 1864.)
Capuxu’ — V ulgar especie de abelhas mansas, que produz
s o ffriv e l m el.
Caquear Vêr, buscar, procurar, rem exer, revolver, des­
arrumar.
Cara — Term os e locuções;: Cara de assento: qu alificativo
de troça, de ridicu lo á physionom ia de alguem de quem se quer
chasquear. “ D eixe que tome pagode com quem tem cara de as­
sento” . (O R atão). Cara de anjo papudo: cheia, gorda. Cara de
lua cheia: redonda, gorda. Cara ,de mamão macho: simples qua­
lific a tivo de troça. Cara de poucos am igos: de feio aspecto, an-
tipathica; com expressões de zanga, contrariedade. “ O velho
anda indignado, com cata de poucos am igos” . (Jorn al do R e­
cife n. 44 de 1916). Cara dura (V .). Mostrah cara fe ia : aborre­
cimento, zanga, inaccessibilidade. O ccorre então a phrase de
uni intim o: M elhor cara traga o dia de amanhã; ou esta de
quem se sente encommodado com isso: Si v . mostra a sua cara
feia, eu mostro a minha torcida. T orcer, v ira r a cara: gesto de
desdem, de desprezo. A cara mostra o que é; Cara de cavaillo.
(D iactados).

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Cará — P eix e de agua doce.
Caraçá — Cará enorme, feia, horripilante.
Caracachá — Placa de condecoração. “ E ’ pena que os ca-
racachás se não principiem a distribuir p or todos aquelles que
íuzem alguma cousa em ben eficio da humanidade” . (A m erica
Illustrada n. 35 de 1881). “ Não tenho uma carta de bacharel, e
dous ou tres caracachás no p eito ” . (Lan tern a Magica n. 4 de
1882). Instrumento rústico, a especie de maracá usado nos b ai­
lados populares e nas reuniões de catim bó. “ Alguns caeaca-
ehás, depostos sobre o m ovei prin cipal do catimbó, confundi­
am-se com as dadivas ali collocadas” . (D ia rio de Pernambuco
n . 105 de 1915).
Carachué — Amante de mulher perdida. “ Toinha, tome
vergonha na lata, pois o seu carachué não lhe serve de nada-
(A Pim enta n. 48 de 1902). “ A Cabeção tomou enorme carras­
pana para abafar as maguas porque o cairachué a desprezou.”
(Idem , n. 498 de 1906).
Cara-dura — F ogo de salão, a especie de phosphoro, que
riscado na p rópria caixinha desprende, respectivamente, uma
!uz de cores differentes. “ Mandou encaixotar uns pacotes de
caixas de cara-dura, que tinham sobrado do sortim ento dos fo ­
gos de S. João” . (A P ro vin cia n. 180 de 1913). Indivíduo des­
pudorado, falto de b rio e de vergonha, cynico, impassível, em
cuja cara nenhum insulto faz móssa. “ Não sabemos quem seja
o cara-dura, que quer m arear a reputação de um cidadão honra­
d o ” . (Lan tern a M agica n. 123 de 1885). “ Antigamente, ao in d i­
víduo sem esclupulo, cynico, mettediço, e que representava p a ­
peis tristes e pouco airosos, chamavam introm ettido, sem v e r­
gonha, taralhão, guaderio, etc. Mas todos estes epithetos não
tinham uma applicação geral: era preciso um, que tivesse um
caracter generico. F o i o que os modernos fizeram com a pala­
vra Cara-dura” . (A Lanterna Magica n. 228 de 1888). Esta
locução, como se apregoa, vem dos annos de 1883, quando num
dos theatros do R io de Janeiro fo i representada uma scena cô ­
mica intitulada: Cara-dura, com o consoantemente escreve o
D r, Castro Lopes em 1884: “ Não ha mais de tres annos, se­
gundo nos parece, surgiu d’entre a geringonça plebéa, ninguém
sabe como, nem qual o introduetor da phiase, a exclamação
popular: Cara-dura!” Entretanto, encontramos vestígios seus
entre nós, em epoca mais afastada, como se v ê de um periodico
do R ec ife : “ Salvai pela poupa Ao nobre republico, De má ca­
tadura, Que alem de a ter dura, Quer mais dita-dura” . (O Brado

202
da Razão n. 27 de 1849); e quando, talvez, ainda mal firmada
110 R io de Janeiro, ou mesmo desconhecida, já entre nós o pe­
riodico illustrado, Mephistopheles, a registrava no seu n. 20 de
28 de Julho de 1882: “ O celeberrim o F errer F o i no Pires pa-
teado, P o r querer de cara-dura Se m etter a nam orado” . Estes
factos porem, não podem causar extranheza, porquanto, como
escreve o p roprio dr. Castro Lopes, “ quando no nosso theatro
foi representada a scena comica intitulada Cara-dura, já ha
dous mil annos antes, no theatro de Roma, na comedia O Eu-
micho. de Terencio, dizia na oitava scena do quarto acto um
personagem a outro: Os durum! que litteralm ente traduzido é
Cara-dura” . Seja como fôr, vem porem, daquella epoca que r e ­
gistramos' a vulgarisação da phrase entre nós com as suas e x ­
pressões próprias, e já corrente então, appareceu em 1885 um
tango intitulado Carã-dura (A m erica Illustrada n. 7 ); vogava
uma chula que tinha por estribilho: Assim v ive muita gente,
Assim nassa p or honrado, Cara-dura no presente, Sem vergonha
no passado” . (Lanterna Magica n. 116 de 1885); e em 1886 ap­
pareceu na cidade da V ictoria um p eriodico satyrico com o ti­
tulo d’ 0 Cara-dura, sem contar ainda com a sua figuração co­
me titulo de cordões ou clubs carnavalescos, e marca de cigar­
ros de diversas fabricas, com expressivas caricaturas do typo
do cara-dura. Estava, portanto, firm ada a locução.
Carafunchar — O mesmo que caquear.
Carahyba — Arbusto da flora sertaneja, e dahi o nome de
Carahybas de um riacho e de um povoado no municipio da Bôa
Vista, naquella zona. Carahyba, como escreve T heodoro Sam­
paio, é uma form a contracta do termo carahy, appellido do ho-
rnem branco entre os tupvs, e que ainda o encontramos com
as adjectivações de forte, valente, sabio, sagrado. Já o erudito
Georgi M acrgravi havia registrado o termo, colhido em P e r ­
nambuco, escrevendo: in genere autem vocant onnes europeos
et advenas Caraiba, intenque P e ro ” .
Carambola — Fugido, oeculto, homisiado. “ ü Padre Bar-
boza, confessor dos caram bolas” . (O Mesquita Junior n. 6 de
1836). “ Você la nas. Tres-ladeiras era um pobre caram bola” .
Am erica Illustrada n. 4 de 1885). O vacabulo é, naturalmente,
coruptela do tupy caiambó-la, calhambola, habembóra, o escra­
vo que anda fugido e se acouta ordinariam ente nesses esconde-
douros a que chamam quilombo ou mocambo. Caneca, no seu
itin erário (1824), fala ainda, frequentemente, em calhambolas,
deixando perceber aquellas expressões, como particularmente

203
nestes dous trechos: “ Um calhambola p or nomé Eugênio Go­
mes, desertor de um batalhão de Pern am bu co. . . P erto da noi­
te tomaram-se dous calhambolas, que vinham sahindo do mat-
l o ” . Cremos que a transform ação de calhambola em carambola,
vem da cultura, entre nós, da terebinthacea indiana, o çaram*
boieiro, que vem dessa epõca, no Jardim Botânico de Olinda,
cujo fructo tem o nome de carambola.
Cara-metade — A consorte. “ Você, minha cara-metade,
veslir-se-ha de Ignez Sorèl, e eu de D unois” . (O Carapuceiro
n. 22 de 1847). “ O Rodrigues e sua cara-metade tratam de ar­
ranjar as malas afim de seguirem para Manáos” . (A Pim enta
n. 3õ5 de 1907). “ O homem se pode considerar em duas ine-
,'ades: uma bôa e outra má. Separal-as em solteiro c d iffic il:
casando-o, porem, a metade má é semp e a «ara-metade. (Q ua­
sím odo).
Caraminguás — Cacarecos, troços, cousas ordinarias, de ne­
nhum v rlo r; moveis, aprestos de viagem . Segundo Beaurepaire
Rohan, o vocábulo vem do guarany cara-menguá, que sign ifica
cofre, caixa, etc., tendo os npssos tupinambâs o corresponden­
te de caramemoan, de iguaes expressões.
Caraminhola — Turbante, toucado ou gorra, como se vê d;t
descripção de uma solemne procissão que houve no R ecife em
1745, e na qual, entre os seus differentes grupos e figuras alle-
goricas, se via uma, representando a Asia, cingindo-lhe a ca­
beça uma. caram ilhola agaloada, de m olde francez, constánte
do rarissim o liv ro Summa triumphal da nova e grande celebri­
dade do glorioso e in victo m artyr S. Gonçalo Garcia, impresso
em Lisboa em 1753. Cremos que se trata de um termo chulo,
de corrente local, uma vez que os vocabulários antigos não o
mencionam, se bem que Bluteau registre o de Caraméola, com
as expressões de artificio e engano para alguem escapar, e zom ­
bar da pessôa com quem trata, vin d o dahi, naturalmente, a sua
transformação em Caraminhola, com as equivalentes de enre­
dos, sophrismas, mentiras, patranhas, levado assim registrado
p or M oraes. “ Quem te metteu essa carfeminhora na cabeça?”
A rlh u r A zev e d o ). Seja como for, já era o term o vulgar entre
nós em meiados do seculo X V III, como vim os, e corrente em
1822, já com as suas modernas expressões, cpmo se vê destes
trechos de escripto de Caneca, daquelle anno: “ O modo com
que este patife apresenta esta caraminhola, é tal, que não ha
desaforo que o e m p a re lh e ... Se fosse attendivel essa carami-
uhola de querermos hoje republica, porque a quizemos em 1817,

204
muito m al estava Pedroso que fo i um dos cabeças daquella r e ­
volução” .
Caramujo — Ouro de baixo quilate, falso; ouno francez.
Caramuru’ — V . Chimango.
Caramutange — Grosseirão, estúpido, ignorante, selvagem,
com o assim se chamava ao negro novo, ou recentemente che­
gado da A fric a .
Caranguejeira — Especie de aranha, arachneide pulmo­
nar (M ygale avincularia, L atr.) coberta de pellos compridos,
venenosa, a m aior da especie, e dahi o nome de Nhandu’ gua-
çu\ aranha grande, que tinha entre os indios, pu Jandu’ açu’ ,
como registra Gonçalves D ia s . O nome vulgar de carangue-
jèirai vem, naturalmente, da sua semelhança com o caranguei-
jo, e de tempos remotos, uma vez que em 1606 já era c orren ­
te, com o escreve o padre jesuita Lu iz Figueira, do Collegio
de Olinda: “ Nesta triste serra dos C orvos parece que se ajun­
taram todas as pragas do B rasil: innumeraveis cobras e ara­
nhas a que chamam caranguejeiras, peçonhentissimas, He cuja
ipordedura se d iz que m orrem os homens” .
Carangueijo — Folguedo infantil, constante de uma dan­
ça em roda, com canto e letra acompanhada ou marcãda a
palmas e bater de pés, sob este motte constante in icial da le ­
tra: Caranguejo não é peixe, Caranguejo p eixe é; Caranguejo
só é p eixe Na enchente da m a ré .” (V . uçá).
Carão — Especie de Ardea ou garça; expressão de fo r ­
quilha ao não encontrar de uma cousa que se vae v e r com in ­
teresse, ou á negativa de um pedido ou pretenção qualquer;
vepellão solemne, uma lavagem com pleta: Carão não mata,
mas incha a lata; Carão não mata, mas maltrata. D efin in do
João R ib eiro o vocábulo dá-lhe uma expressão limitada, es­
crevendo: “ Reprehensão dada em publico a uma Criança.
Aquelle que a dá, passa um carão; aquelle que soffre, leva um
carão” . Antigo vocábulo portuguez, tem porem expressões
differentes, como consta dos seus lexicon s.
Caraôlho — T o rto dos olhos, vesgo, zarolho. “ T áo carao-
lha, que nunca se sabia, quando a bruxa olhava para qual­
quer o b je c to .” (O Carapuceiro n. 25 de 1839). “ Estão em pre­
gados na pintura do theatro uns alejados, outros cegos, outros
earaolhos.” (O Guarda N acional n. 38 de 1843). “ O caraolho
D ionisio embebedado, toca a fa la r da vida alheia” . (O P ovo n.
109.-de 1858).
Carapanã — Mulher de vida facil. “ A carapanã Nazinha
deu mandado de despejo á cigarreira do seu c o r tiç o ... iíncon-
i ramos numa chuva medonha a carapanã Am elia B o i” . (A Pi-
nientaf n. 544 de 1907). Carlapanã, segundo Beaurepaire Rohan,
é um mosquito pernilongo, especie de Culex, do valle do Am a­
zonas .
Carapatu’ — Papão de intim idar as crianças, que assim
iigura nas nossas populares Cantigas de acalentar: “^Galae,
menino, calae, Calae que lá vem Tutu’ ; Que no matto tem um
bicho, Chamado Carapatu’ ” ,
Carapéba — P eix e do mar (Sm aris acarapeba, L ic h ts t.).
de escamas, e de uma cor branca, de tons prateados, já regis­
trado entre nós p elo autor dos D iálogos das grandezas do
Brasil, e no R io de Janeiro, por L éry, em 1557: “ Tem os outro
peixe chamado acarapeh, chato, muito gordo, e de optima
carne” . O nome vulgar, geral mesmo, de carapéba, origin ário
do tupy acará-peba, yem a ser; acara, peixe, ou nome do pei­
x e; e peba, pequeno, meudo, in ferior, e bem assim acara-tin-
ga, acará branco, como effectivam ente é o ' p e ix e ,' para o dis­
tinguir das especies acara-una, preto, e acara-pitanga, v e r ­
melho .
Carapecu’ — B aci^ de estudante, que serve para tudo, co­
mo indica o proprio termo convenientemente decomposto.
Carapicu’ — P eix e do mar. Seu nome vem do tupy, cor­
ruptela de acara-pocu’ , acará ou cará com prido, longo ou es­
guio
Carapinima — Pequeno crustáceo, tambem conhecido com
o nome de m arinheiro, e já descripto por M arcgravi com o
de Grapsus carapinima. Varias especies, muito communs,
Carapitanga — P eix e do mar, de escamas. (M esoprion
chrisurus, Cuv.) muito apreciado pelo seu sabor. E ’ de um
bonito verm elho, e dahi o seu nome, de origem indigena,
acará-ipitanga, acará verm elho, para o distinguir do branco,
o acará-tinga. O autor dos Diolagos das Grandezas do Brasil
já o menciona como uma sorte de pescado medianamente gran­
de, e muito gostoso. E ’ naturalmente o verm elho, mencionado
p or Durão-
Cara-suja — A ve da ordem dos trepadores ou zigodactv-
tas (Conurus cruentatus).
Cariaíu’ na — Passaro de uma bella côr negra, luzidia, as-
setinada. (Cassicus versicolar. L in n eo ), de fa c il domesticação.
e muito apreciado pelo seu cantar suave e agradavel; p eix e de
ugua salgada (Serranus carau’ na, C u v.); o b oi da p elle preta.
“ Eu tenho o meu boi espacio, Muito preto, carau’ n a” , eom as
variantes de carau’ no em Alagoas, e crau’ no no R io Grande
do Sul; a mulher de côr p reta. “ A carau’na é uma ave de car­
ne negra e cabellos carapinhos” . (Araeriça Illustrada de 23
de N ovem bro de 1873). “ Estes fréguezes gostam muito das
cousas pretas. Et sexnper amantes carKJu’nas” . (Idem . de 4
de Outubro de 1874). “ De uma carau’na, daquella que uor
conselho dos médicos fo i comprada para m elhora da «auçlc
de um' dos reis de Portugal, e que depois fo i chocar no pala-
eio da Palhavã,' descendeu um arcebispo” . (Lan tern a Magtca
n . 464 de 1895). Carau’ na é corruptela do tupy guirá-una, pas­
saro preto, c dahi o nome de grauna que tem a ave no Ceara
o Piauhy, por exem plo mais conform e com a sua origem In­
dígena.
Caravela — Medusa; ou alforreca (P h ysalia pelagica, La-
m arck), que se encontra á beira mar, entre as algas, caustica
ao tocar-se, e de uma bella côr transparente, que se combina
eom o azul celeste, verde e carm im . “ Como é rubra a cara-
vclla é tambem a minha b ella ” . - ( O Telegrapho n. 1 de 1850).
“ Os afogadenses são caritativos e generosos, ainda mesmo p a ­
ra estes ingratos, que, como caravelas entregues á descripção
das ondas, aportaram em varios paizes” . (O L ib era l Afoga-
donse n. 1 de 1845).
Carcamano — O italiano, assim depreciativam ente chama­
do. “ Mama em grosso o carcamano, e abusa da bonhomia do
f.)ovo pernapibucano” . (O Vapor dos Traficantes, n. 234 de
1&60). “ O vigário de Muribeca é um carcamano; e para o en­
tenderem. resolveram os seus freguezes aprender o italian o” .
<0 Diabo a quatro n, 160 de 1878). “ Anda percorren do as ruas
ila cidade uma em igração de carcamanos a tocar e a cantar
chulas de la santa te rra ” . (A D errota n. 23 de 1883).
Carcará ou caracará — Especie de ave de rapina, diurna.
(P olyboru s vulgaris, V ie ill.). Anda aos pares e aos pulos, co­
me insectos e cobrinhas, e quando urgido pela fom e, se atira
á rez morta, putrefacta, tomando parte no immundo repasto
dos urubu’ s. Vocábulo de origem tupy, vem de carae-carae,
o arranhador, o arranha-arranha.
Cardeado — Cavallo que tem o pelo mesclado de preto e
branco, predom inando porem o preto: “ Um cavallo ruço-pom-
bo, De crinas acastanhadas E listra preta na testa E a cau­
da cardeada.” (O Boi espacio) Corruptela de cardão, termo
vern ácu lo.
Cardeal — Passaro canoro, que tira o seu nome da bella
côr verm elha da sua plumagem . E ’ talvez uma especie do
Sangue de boi, de igual coloração.
Carépa — D ic çã o 1vernacula de accepções diversas, e f i­
gurando mesmo na giria portugueza com a expressão de sarna
entre nós apenas Se encontra na vulgarissim a phrase: L e ­
vado das carepas, àpplicada a um individuo desabusado, le ­
vado do diabo, ou acabado p or trabalhos, infortúnios e m o­
léstias, não tendo, portanto, isoladamente, um sentido proprio.
“ Fr. Miguel, és peior, que um anti-papa, Pouco me im porta
leve-te a carepa” . (A Carranca n. 57 de 1846). São umas deva-
dinhas das carepas, estas ciganas” . (Jornal do R ecife n. 62
de 1916).
Carguejar — O mesmo que alm ocrevar. “ A pés no chão,
vaquejando gado, lavando cavallos, e cargue.iando” . (O Clamor
Publico h. 84 de 1846).
Caridade — Os carros de segunda classe dos trens de ca­
minho de ferro : Andar, viajar na caridade. E nterro feito pela
assistência pública ás pessoas indigentes, conduzindo os cadá­
veres em vehiculos proprios, os chamados carros de cariJade,
mn form a de urna, e que de uma só viagem levam ao cem i­
tério diversos ataúdes” . “ O carro da caridade publica, condu­
ziu do Hospital P ed ro I I para o cem iterio de Santo Am aro, os
cadaveres de tres indigentes” . (Jornal Pequeno n. 87 de 1915).
Desses pobres indivíduos assim tão humildemente levados á
seputura, e que acabaram os seus dias. na mais triste penúria,
ou nas enxergas dos hospitaes, diz o povo neste dieta do ins­
pirado pelas Virtudes Theologaes; “ Viveu na Fé, m orreu na Esr
perança, e fo i enterrado na Caridade” . “ P o r diligencia de a l­
guém da visinhança, a carroça da caridade conduziu õ òadà-
ver ao cem iterio” . (O Campeão n. 19 de 1861). “ O desempenho
da peça fo i um enterro de caridade” . (A m erica Illustrada de 4
de F e ve re iro de 1872). “ O cadaver de M aria fo i rem ovido em
carro de caridade.” (A P rovín cia n. 20 de 1915).
Cariman — Pequeno bolo preparado com a massa de mar. -
dioca e agua, em form a de discos, achatados, e seccos ao sol,
para papas e mingáos. “ Cuidai no vosso carvão e ven der as
carimans.” ( A Duqueza do Linguarudo n. 94 de 1877). C ari­
man c um vocábulo de origem indigena, particularm ente ap-
plicado á farinha de mandioca, fina como a de trigo ; mas na
accepção de bolo cru’ dê mandioca, vem de uma corruptela de
quirin-má, bolo tenro ou piinhado de cousa branda, pois que
quirin, quir-in significa succo brando, macio, uma massa flu i­
da; c mã, bolo, punhado, m olho.” (Theodoro Sampaio); Ga­
briel Soares emprega o vocábulo, mas para designar a' farinha
feita da mandioca puba; Pisonis, porem, escrevendo entre nós,
já o emprega para designar o bolo feito da mandioca ipuba,
descrevendo depois o mingáo de cariman, com o igualmente
M aregravi, nestes termos: —- Eadem mandioca puba sciata ad
ignem potest adservari in usus et vocatur carimã” .
Carinhanha — P eix e de agua doce muito abundante, p rin ­
cipalmente, no alto São Francisco. Vem dahi o nome de; Cari­
nhanha, de um m unicípio ali situado, cujo territo rio faz parte
da nossa antiga comarca do R io São Francisco provisoriam ente
encorporada* á Bahia em 1827. G vocábulo, como escreve The
o d ò ío Sampaio, é corruptela de cari-nhenhê, o cari ronca,
sitio onde esse p éixe faz ruido.
Carionga — Mulher de vida facil, dissoluta, devassa, de
baixo calão. “ A carionga E lvira já está sem cotação.” (A P i-
rnentgi n. 491 de 1906). Carionga é um term o naturalmente
africano, uma vez qué tem o nome de D .C arion go, o chefe do
folguedo africano Os Congos, com a dignidade de re i “ Ora
viva, viva, viva Nosso rei Dom Cariongo* Que nos dá grpssa
mamata, Que nos dá grosso gim bongo.” (O Campeão n. 6 de
1861). D. Cariongo é tambem um qu alificativo de referen cia a
uma pessôa de quem não se quer declinar o nome p or dados
m otivos: Não sabes, aquelle D . Cariongo andou hoje p or aqui.
Caritó — Lugar escuso, onde jse reune gente baixa e de
de má reputação; cesebre; quarto ou com partimento pequeno,
acanhado; casa de habitação. “ Apenas acabou1 de falar, eis
que sahe do carito ou gabinete, uma figura humana de h o r­
renda catadura.” (O Careteiro n. 2 de 1853). “ Chegada ao ca­
ritó do
t
dr. Reguinho a commissão prom otora da manifestação,
notou-se a falta do orador.” (Jornal do R ecife n. 35 de 1916).
Caixa de madeira com tampa gradeada para a ceva de guya-
muns; especie de gaiola de madeira em que se exportam os a-
famados carangueijos de Fernando de N oronha; e no ser­
tão, uma caixa qualquer, para guardar certos" objectos, como
se vê destes versos locaes: “ Deixou-me um ga rfo de páu,
Tres dedaes num caritó. Eu saltei a janella, Que encheu-
me o corpo de nós, E na carreira que dei R ebentei uns caritós.”
Carnaubal — Floresta de carnaubeiras, a bella e utilissi-
ma palm eira (Capernica cerifera, M artius), que abundente-
mente vegeta na zona sertaneja deste e de outros Estados do
norte.” “ O povoado do E spirito Santo assenta sobre as m ar­
gens do rio Moxotó, bordadas de carnaubaes.” (S everin o H en­
rique de O liv e ir a ).. “ A margem esquerda do canal é coberta
de um grande carnaubal.” (Fernando H alfeld, O rio de São
Francisco. “ As grandes varzeas do Apody são cobertas de car­
naúbas.” (M anoel F erreira N o b r e ).
Carnaubeira — Bella e preciosa palm eira que vegeta no in­
terior do Estado em terrenos arenosos, algumas vezes, e ge­
ralm ente nos valles e ás margens dos rios e das lagoas, em ter­
renos planos, como, nomeadamente, se vê no valle do r io M o­
xotó. O prim eiro naturalisla que estudou e descreveu a car­
naubeira fo i .o d r. Arruda Camara, que em um artigo a re s ­
peito, publicado em 1797 no Palacio Portuguez, revista lisboeta
de grande acceitação, e dahi a sua denominação geral de A r-
rudaria carifera; Martius porém, deu-lhe a de Copernica c eri­
fera. Os hollandezes vconheceram-na, e M arcgravi trata da
planta sob o nome de Carnaiba, fazendo já mensão da cêra
que produz. A carnaubeira, como escreve Moraes, dá-se no
sertão de Pernambuco, e produz — uma especie de sêbo vege­
tal de que se fazem velas, que dura mais, e é mais forte e
enxuto que o sêbo vaccum. “ Em Pernambuco floresce a car­
naubeira, a arvore da vida, como a chamou Humboldt, com a
qual se fazem habitação, se fabrica toda a m obília - de uma
casa, e até vinagre, assucar,, e luz, produzida pela cêra, que
p or séculos alumiou o Brasil in teiro.” (A rth u r O rla n d o ). A
lém de taes productos, fornece ainda a prodigiosa planta f i ­
bras rijas c brilhante^ e uma espefcie de cortiça, farinha se­
melhante a maizena e uma gomma como a do sagu’ da índia
Oriental, vinho e alcool; o olho produz um palm ito de agra-
davel paladar, o fructo a especie e tamanho, e a sua folhagem,
em form a dé leque, depois de secca e extrahida toda a cêra,
serve para a fab rico de esteiras, chapéos, balaios, abanos e
outros objectos. De tudo isto, particular e detidamente se oc-
cupa o d r. Arruda Câmara em um longo o ffic io d irigid o ao
governador de Pernam buco Caetano P in to .d e Miranda Monte-
negro, da v illa de Goyanna em 26 de N ovem bro de 1809, em
solução do Aviso de 9 de Junho do mesmo anno, dirigid o ao
governador, o qual, entre outros assumptos, pedia in form a­
ções sobre a carnaubeira. Aquelle o fficio , que constitue um p re­
cioso documento para a historia da botanica brasileira, e par­
ticularmente para a da carnaubeira, fo i encontrado p or nós

210
no archivo da Secretaria do Governo, em original, e publica­
do na sua integra, no D iario de Pernambuco, de 28 de N ovem ­
bro de 1886.
Carneação — Acção de carnear, isto é, malar a rez para
alim entação; emboscada que faz a onça para a presa de gado
miudo, uma caça de qualquer especie, e mesmo do bezerro nos
curraes, para o matar e com er.” “ Havia uma onça que mo­
rava em uma serra, e só descia de lá de cima para fazer car­
neação.” (Conto pernambucano d’A Onça e o B oi)
Carne de sol — Carne de boi, disposta em mantas, salga­
da, e secca ao sol. E ’ o xarque sertanejo.
Carne de vacca — Madeira de eonstrucção.
Carne do Ceará — A carne secca, salgada, ou de x a r­
que, que apezar da sua actual procedência do Rio Grande do
Sul e do R io da Prata, ainda é assim vulgar e correntemente
chamada entre nós, mantendo-se d’est’arte a sua tradicional
denominação, pelo facto da sua originaria procedencla do
Ceará, principalm ente dos portos do Aracaty e Camocim, con­
duzidos os seus carregamentos em sumacas veleiras e de gran­
des portes. Como data averiguada da existencia do seu com-
m ercio entre nós, encontramos, que em 1746 vinham já do Ce­
ará carnes seccas de boi, sendo assim de presumir, que, já en­
tão tivesse o genero o nome particular de carne do Ceará, pela
sua procedência. Positivam ente sabido, porem, já o tinha erçi
1788, como documentadamente encontramos, e pelos annos de\
1811, como escreve Koster no seu liv ro de viagens: “ Outr’ora
exportavam do Ceará para as outras capitanias muita carne de
boi salgada; mas hoje todo o paiz recebe as suas provisões do
R io Grande do Sul. Entretanto, a que chega a Pernambuco con­
serva sempre o nome de carne do Ceará.” “ Indo um homem
comprar carne do Ceará em uma taberna no A tçrro dos A fo ga ­
dos, levou duas facadas.” (O Povo n. 81 de 1856). “ Apresentou-
nos um prato travesso de Carne do Ceará ardida com couve e
girim um .” (A Tempestade n. 12 de 1858). “ 0 homem pegou de
um facalhão de cortar carne do Ceará, e partiu feio e fo r te ” . (A
Pimenta n. 394 de 1906).
Carne do sertão — ü mesmo que carne de sol, e assim con-
currentemente chamada pela sua procedência sertaneja, onde é
prepaarda em geral, nas fazendas pastoris.
Carne fresca — A carne do gado abatido em um dia e ex ­
posta á venda no outro. “ Bateu-se na questão das carnes fre s ­
cas.” (A Lanceta n. 16 de 1890). “ Adeus peixe, adeus jejum !
Agora é a carne fresca que está na p on ta!” (A Pimenta n. 552
de 1907).
Carnegão — Corruptela de carnicão, porção de matéria
purulenta e dura que se form a nos furunculos e outros tumo­
res ” Massa mais ou menós dura, a que o vulgo dá o nome de
carnegão.” (D r. Theodoro Lan gaard) Moraes registra carni-
ção, porem manda vêr carnegão, que define. “ P o r esses sapa­
teiros remendões, republica será de carnegões.” (A Lanceta
n. 4: de 1889).
Carneirada — M oléstia endemica nas margens do rio São
Francisco, por occasião da sua vasante. Segundo a opinião de
Langaard, que a descreve, é m olestia de origem africana. F e r­
nando H alfeld faz referencias a essas carneiradas do dito rio,
— íebres interm ittentes mais ou menos perigosas, maleitas ou
sezões, carneiradas. — Term o portuguez, denomina as febres
endêmicas elas regiões tropicaes da A fric a .
Carneirinho — Peqiienas ondas, baixas, espumosas que
avançam celeres impulsionadas p or vento rijo, assemelhando-
s<: assim a um rebanho de carneiros cm disparada.
/
Carne secca — O mesmo que a carne do Ceará ou xarqu e;
o com merciante deste genero. “ Na rua da P raia ha um carne-
secca, que diariamente tem jogos prohibidos no fundo seu a r­
mazém.” (A Trom beta n. 1 de 1849). “ Não te inflam es carno-
secca, qüé eu jamais me in flam arei.” (O P ovo n. 183 de 1859).
Carne viva — A carne do gado no p ro p rio dia em que é
abatido.
Caroára — Abelha mansa, dom esticável, que produz sof-
friv e l m el. Molestia que ataca os bezerros geralm ente de ida-
da muito tenra.” “A c»roára que causa serios damnos m a­
tando ou aleijando os bezerros, é a nosso vêr a artbrite dos
renascidos.” (A p olon io P ere s )
Carôcha — M ulher velha, repellente; barata, bruxa. “ Ca­
rocha vendeu a saia P o r aguardente da praia; Agora, minha
carôcha, N em aguardente,-nem saia.” (Versos p op u lares). Ca­
rôcha é um vulgar insecto (carabu s), òccorren do uma espe-
eie m ènor com o nome de carocho. “ Eu sou a Cabra-cabriola,
come meninos aos pares, Tam bem com erei a vós Uns caro-
ch irth o sd e nada.” V. Chupado das carochas.
Caroço — Opinião, rigidez, intransigência. “ D eixa a bichh
nha que é de caroço; não lhe faças mais cortezias.” (A ^ e r i-
ea Illustrada de 13 de Junho de 1873). “ Quanto a mim, p éK
dendo um osso, damnado, m eio anarchista, quiz sustentar o ca­
roço, me conservei monarchistíK ” ( A Pim enta n. 81 de 1902).
Birra, teiró, m alquerença. “ Mamãe se damna com o caroço da
menina de luto do becco do Carmo, com a sua visinha,” (A
Pim enta n. 541 de 1907).
Caroçudo — Opimoso, intransigente, b irren to. “ Mulher
voluntariosa e caroçuda, que quando se agastava, tangia bôas
palmatoadas no basbaque do m arido.” (O Carapuceiro n. 13
de 1837).
Carolas — Libras esterlinas na gyriu dos gatunos^
Çarôna — Manta de couro fino, curtido, que se colloca
sobre a. sella, com bolços, em form a de alforges. “ P ra m on­
taria, carona” . (A Pim enta n. 12 de 1912). Calote, seixo.
“ Durante á sua estada na Bahia, a Laura, morou em m afa'd e
dez casas passando caronas em todas as abbadessas.” (A P i­
menta n. 381 de 1905) . “ Para quem passa caronas, um con ­
selho aqui vou dar: trate sempre de applicar bofetões, mur­
ros, taponas.” (Idem , n. 12 de 1912). Beaurepaire Rohan con­
signa o vocábulo com 'expressões outras, correntes nas pro-
vincjas m eridionaes e outras do norte, e dizendo que é de o ri­
gem castelhana.
Carpina — T erm o dado ao carpin teiro que se occupa dos
trabalhos de madeira das construcções civis, para o distinguir
do carpin teiro de construcções navaes, cujo term o asim ficou,
e perm anece. Á dicção vem, originariam ente, de carpina,
como os indios chamavam ao carpinteiro de casas, uma vez
que tinham qo seu idiom a: carapaná-ihu’ a, m adeira; carapin,
verb o transitivo, raspar a casca grossa ou escama, descascar,
lavrar, cercear, cortar em volta; e o adjectivo cerceado, apa­
rado, cortado, curto, breve, pequeno. (Baptista Caetano)
Concurrentemente, carapindar, é tambem uma expressão indi-
gena, significando lavrar, cercear, aparar, o trabalho do car­
pinteiro, portanto, e dahi a corruptela carapina> como ainda
escrevem Martius e Gonçalves D ias. O vocábulo carpina man­
tem assim a feição indigena, originaria, de carapina, e não é
d iffic il fix a r os pontos cardeaes de sua evolução até perder por
com pleto a form a p rim itiva. Vindfc» de epochas afastadas, e na­
turalmente logo no alvorecer da colonia, quando concurren­
temente com outros artistas portuguezes veio o carpinteiro, es­
crevia nos fins do seculo X V II G regorio de Mattos, que v ivia
entre nós: “ Mechanica disciplina Vem a im por p or derra­
deiro, O confessor m arcineiro Ao peccador carapina.” N a se­
gunda metade do seculo X V III assim usava da vetusta e c o r­
rente dicção o nosso poefa Felippe Benicio Barbosa“ O Fona
rei das pataratas, Traçado a meia noite de batina, P o r casa de
um e outro carapina, Enconnnendando rótulas baratas” . Fi-

213
nalmente Moraes, que escreveu o seu D iccionario entre nós
consigna carapina, ‘o carpinteiro, e cita a P rovisão do Conse­
lho U ltram arino de 20 de A b ril de 1736, em que se fala de ca­
rapina, verificando-se assim que até mesmo officialm ente, e na
metropole, tinha curso o vocábulo. Vem portanto, a sua trans­
form ação em carpina de epocha posterior ao apparecim ento do
referid o D iccionario, fixadam ente a sua quarta edição, de
1831, de modo que, o p eriodico Cova da Onça já escrevia car­
pina no seu n. 6 de 1835, como tambem Lopes Gama, em 1837,
no seu O Carapuceiro, demonstrando-se portanto a evolução da
sua corrente vulgar, até que tomou vulto e definitivam ente fi­
cando, não se emprega mais senão assim, e de um modo ge­
ral, consoantemente com estes versos dos nossos dias, do p oe­
ta cearense Juvenal Galeno: “ Na o fficin a do ferreiro , Do car­
pina, ou serrador.”

Carpinteiro — Especie de ave de ordem dos trepadores


ou zigodactylas (D ryopicu s erithrocephalus, L in n ).
Carranca — Usos e costumes archaicos, fora da moda, con-
dfcmnados'; um individuo im pertinente, insuportável, rabujento.
“ Ora vejam, qúe loucura, Que refinada sandice, Querer um
velho carranca Sêr amado... oh! que to lic e !” (O Povo n. 56 de
1855). D erivados: Carrancisnto, carrancice. “ Não me fala aqui
esta senhora senão em virtudes. Quem ha que dê mais fé des­
sas carran cices?” (O Carapuceiro n. 6 de 1842).
Carranquinha — Dança com musica e letra própria, que
começa: A dansa da carranquinha, de que provém a sua vu l­
gar denominação entre nós, mas evidentemente, produeto de
uma corruptela em face dos versos da lettra do R io de Ja­
neiro, que começam: A moda das taes anquinhas, racion al­
mente acceitavel, como referentes á extincta moda das anqui­
nhas.
Carrapachim — Este vocábulo, sem expressão própria, fi­
gura apenas em uma phrase de concordância irón ica ou de
condescendencia, e naturalmente como simples elem ento de
consonância. “ Pois sim, carrapachim .” (Lan tern a Magica n.
116 de 1885).
Carrapateira — Arbusto agreste, da fam ilia das Euphor-
biaceas (R icinus communis, L in n .), cujos fruetos, os carrapatos,
produzem o oleo de. ricin o ou mamona, e o azeite de carrapato.
Alm eida P into descreve a planía com o nome de carrapateiro,
e assim o registram os nossos lexicons a partir de Moraes, mas
o vulgo diz uniformemente, correntemente, carrapateira; e
214
como muito acertadamente escreve A lberto Bessa, a linguagem
popular é como é, e não como deveria sen ,... e estando a r e ­
colher o que se ouve e não o que se devia ouvir, consoante-
mente, registramos assim o termo como é vulgar entre nós.”
“ Nunca v i carrapateira Botar cacho na ra iz; Nunca v i moça
solteira T er palavra no que d iz .” (T ro va s p op u lares). “ Se­
mentes oleosas como. as da mamoneia ou carrapateira” . (D r .
Dias M a rtin s ).' N o Ceará tem tambem o vocábulo igual gra-
phia, havendo mesmo um rio chamado Carrapateira, que nasce
na juncção dos contrafortes da serra de Mombaça.
Carrapatinho — Madeira de construcção.
Carrapato — Nas locuções: Pegado como carrapato. Car­
rapato com tosse. “ O O liveira tem um typo de carrapato com
tosse.” (A Pimenta n. 63 de 1902). “ Disseram que elle tinha
a doença da princeza encantada, que é mal de am ores. N ão
faltava outra cousa! Carrapato com tosse, não ha duvida.”
(Jornal Pequeno n. 18 de 1916) . A mulher não casa com o
carrapato por que não sabe qual é o macho nem a fe m e a .” “ E
vão dizer que a mulher Não casa com o carrapato” . . . (E s-
trellas de Junho, R ecife, 1916). Os indios davam ao carrapato,
o conhecido insecto parasita da classe dos arachimedeos, que
ataca o gado, o nome de jatiu’ca.
Carrapeta — A creança; um individuo m agro e demasia­
damente b aixo. “ Apparece uma senhora pouco mais volum o­
sa que uma carrapeta.” (O Carapuceiro n. 5 de 1837). “ O tal
carrapeta, esse pequinitate Joaquim V illela, quê tanto m in­
guou em tamanho como cresceu em refalsam ento e am bição.”
(O Camarão n. 4 de 1848). “ Os carrapetas da troça carnava­
lesca são ainda menores que os anões que trabalharam no
Santa Izab el.” (O Estado de Pernambuco n. 49 de 1914). P e ­
queno pião feito de b ilro de fazer renda. “ B ilro curto é ca r­
rapeta.” (A Pim enta n. 3 de 1902). “ E ’ Y a yá toda chupêta,
gira mais que carrapeta.” (O V apor do Rio Form oso n. 15 de
1857). “ O Chiquinho quando dança, parece uma carrapeta
doida, a girar no meio da casa. (A Pim enta n. 31 de 1902).
Carrapetão — Mentira, falsidade. “ Que mentira descarada!
1874). “ Os jornaes publicam ás vezes muitos carrapetões, valha
a verdade.” (A Lanceta n. 16 de 1890).
Carrapicho de cigarro — Planta de abundante vegetação
e de grandes virtudes medicinaes.
Carrasco — T erren o secco, ou pedregoso, ou coberto de
uma vegetação espessa, porem de pouco porte, fraca especie de
mata anã composta de arbusculos de caule e ramos esguios, com

215
quasi um m etro de altura, e geralm ente conchegados entre si,
— Matto ralo e baixo. (S y lv io R o m e r o ). “ Em que carrasco
escondeu-se A encantada L a g a rtich a ?. . . Muitos vaqueiros de
fama Nos carrascos eu d e ix e i... Despediram-se uns dos ou­
tros, N o carrasco se internaram .” (Versos sertanejos). A nos­
sa flo ra registra um arbusto agreste com o nome de carrasco
descripto p or Alm eida P in to.
Carregado — N ocivo, que faz mal, causa damnos á sau’de,
como se diz de certas carnes e peixes que bolem com os hu­
mores. “ Bellas tainhas de Alagoas alcunhadas, mas so mui­
to carregadas.” ( A Pim enta n. 545 de 1907). Não engeito peru’
p or magro, nem pato p or carregado. (D ic ta d o ).
Carrego — Passo, pisada, andadura do cavallo. “ O andar
do cavallo: tem bons carregos. (M o ra e s ). “ Um cavallo lazão-
caxito, muito bonito e gordo, com todos os carregos, e de mui­
to bôa figu ra ” . (O Cruzeiro n. 120 de 1829).
C arreirão — Carrqira vertiginosa; correr a bom correr:
A brir num carreirão.
Carretilha — Peça de metal, tendo na extrem idade do
cabo uma pequena rpda dentada em linhas curvas, m ovediça,
para cortar a massa de fo rra r bolòs, pasteis de carne, sequi-
lhos, etc.
Carreto — A carga que um homem pôde conduzir á ca­
beça: Fazer por carretos a mudança de uma casa; ajustar,
pagar por carretos.
Carroção — Q mesmo que caminhão.
Cartola — Chapéo alto de pello de sêda. “ As tabocas
elevaram-se quinze covados acima das mais altas c a rto la s.”
(A m erica illustrada n. 21 de 1878). “ Dez m il réis uma car­
tola lu zid iã !” (A Pim enta n. 14 de 1902). “ Rapaz pachola,
Que usa cartola, V ai n’Avenida Cavar a v id a .” (íta lo B ertin i).
O vocábulo vem de quartola, o casco ou b a rril de meia pipa
ou quarto de tonel. “ S. E xc. muniu-se immediatamente de
uma quartola decente e condigna á sua elevada p osiçã o . ” (O
Diabo a quatro n. 51 de 1876),, A cartola, cujo vocábulo é
geralm ente corrente, porem que, entre nós, particularmçnte,
tem os concurrentes de bacorinha, cano e catim plora, é um
chapéo de origem ingleza, e o centenamo do seu apparecimen-
to, fo i festivam ente celebrado em Londres em 1913. D e riv a ­
do: encartolado.
Cartucho — Indivíduo de baixa estatura e gorducho.
Caruára — Comichões, sarna, boubas.
Carurú — Bredo caruru, Phytolacca muito vulgar entre
nós; certa especie de cipó da nossa flora, sem classificação
conhecida; o mesmo que angú ou angpzô. “ Não imaginam o
appetite que sinto continuadamente pelo tal- carurú.” (O Pa-
pa-angú 1 de 1&46). “ L á na Praça Dezesete E ncontrei certa
coquete Da terra do carurú.” (A Pimenta n. 16 de 1901). E ’
a Bahia, de onde é origin ário o carurú, incontestavelmente
um dos bons pratos da sua particular e tão apreciada cosi-
nha; e constituindo a famosa iguaria, na phrase de Beaure-
paire Rohan, uma especie de espárregado de hervas e quia­
bos, principalm ente, o seu qu alificativo é um vocábulo de
origem indigena, com a expressão de folha ou herva grossa,
inchada, aquosa, folha mucilagihosa, segundo Baptista Cae­
tano; ou corruptela de caá-rerú, prato de herva ou de f o ­
lhas, como pode ser tambem, ao juizo de Th eodoro Sam­
paio.
Carvalhista — Partidario do presidente Manoel de Car­
valho Paes de Andrade, chefe do movim ento revolu cion ário
de 1824, que proclam ou a Confederação do E qu a d or. Con-
vulcionada toda a provincia, constituíam os carvalhistas
uma grossa corrente, e tão enthusiastas e exaltados, que che­
garam mesmo a usar de um penteado particular, chamado
cabellos á carvalhista. Dentre esses exaltados patriotas oc-
cupava figura de destaque uma mulher de nome Clara, distin-
ctissim a guerreira das hostes republicanas, que levada de en-
thusiasmo partidario desprezou os seus appellidos de fam í­
lia, portuguezes todos, adoptando então o nome de Clara M a­
ria do Café Carvalhista, que figura somente nas nossas tra-
disionaes legendas populares, uma vez que as chronicas e
jornaes corvos a esqueceram por completo^ “ Se m orriam
190 soldados carvalhistas, era o boato do dia, que tinham m or­
rido 200 m orgadistas. ” (O Cruzeiro n. 161 de 1829). “ Em
1824 pára se liv ra r dos carvalhistas fugiu para o matto, onde
occultou todas as suas joias e d in h eiro s.” (lidem, n. 177).
Carvoeira — Cova de .certa extensão, largura e profu n ­
didade pnde se deita lenha para o fab rico do carvão. “ O si­
tio, pelo lado do sul, confinava com as terras onde o senhor
do engenho Bujary tinha umas c a rv o e ira s ... O rapaz reco ­
nheceu que se achava nas carvoeiras onde tempos atraz lhe
tinham ido tão mal as cousas.” (F ra n k lin T a v o ra ) — V . cova.
Casaca — Homem de condição c iv il assim chamado para
distinguir do m ilitar; servente de repartição publica, p rote­
gido, e que não faz o serviço que é p ro p rio : Servente casaca.
Caso, questão cabedal. “ Ora não faça casaca disso, que já
217
a* muita gente bôa tem succedido essa caçoada.” (O Vapor
dos Traficantes n. 186 de 1859). ‘'Injuriou-se delia d izer que
não queria casar como vm c? Ora moço, não faça casaca dis­
t o . ” ( A D errota n. 10 de 1883).
Casaca de couro r— O sertanejo, em allusão ás suas ves­
tes de serviço feitas de couro.
Casa cheia — Pessôa alegre, affavel, prazen teira; agra •
davel, maneirosa, insinuante, que sabe fazer ás honras de
uma sala: A Maria é uma casa cheia!
Casa de tolerancia — V . Recurso.
Casadinha — Mulher casada que não se conduz bem .
“ De uma bella casadinha Indo na rua m orar, A fim de á no-
m arar' Illu de ao bom do m arido E é delia bem q u e rid o .” (O
Barco dos Traficantes n. 68 de 1858)1
Casado na igreja verde — O que v iv e em união illèg iti-
ma, em concubinato. “ Menina assim nunca perde O v icio
de passear; E portanto ha de casar Em bora na igreja v e r­
d e . . . Os molequitos, productos daquella união na igreja v e r­
de, traquinam pelos campos ein grande a lg a za rra .” ( A P i­
menta n. 23 de 1901).
Casaveque — Corruptela de casabeque, tem a >sua própria
expressão de casaquinho ou casaco, de que usam as mulhe­
res. “ Meninas de casaveque, e de chapéo de barraca. (Q Vapor
dos Traficantes n .. 95 de 1859). “ De balão e casaveque, e p e­
neira na cabeça.” (O Campeão n. 38 de 1862). “ Na vespera do
Natal o m ulherio tratava de enfeitar os- seus casaveques de la­
ços em profusão.” (A Pim enta n. 29 de 1901).
Casca — Roupa, vestimenta, traje. “ Cuidar-se mais da
casca, finalm ente, que do p rop rio m io lo ? ” (L e o v ig ild o Ju­
n io r) .
Cascabulho — A espiga ou sabugo do m ilho depõis de
li rada toda a palha que o envolve e os grãos que o revestem
encravados nos alvéolas. A fim de que as gallinhas b reve­
mente larguem o choco,, dependura-se-lhes no pescoço uma
quenga de côco, um cascabulho, ou então atravessam pelas
ventas uma penna da própria ga llin h a .” (O Telegrapho n.
4 de 1850). Cascabulho de m ilho não é hom e; Quem não
póde com a carga não a tom e. (D ic ta d o ). Ophibio de ven e­
no violento, assim chamado porque ás vezes toma a fôrm a
de um cascabulho de milho, estudante do curso de humani­
dades ou p rep aratoria n o. “ O Olindense do D iario N o v o não
deixa de sêr algum cascabulho.” (O Guararapes n. 17 de
1844). P o r aqui se vê que o vocábulo, com esta expressão,
já vêm de longe, remontando-se, acaso, ao tempo da installa-
ção do Curso Juridico de Olinda, em 1828. “ Famoso brodio,
ou como o denominaram m elhor os cascabulhos olindenses,
grande d eboch e!” (O Esquelito n. 6 de 1846). “ Uns pobres
tolos cascabulhos de cartola nos trens de O lin d a .” (O C or­
reio de Olinda n. 2 de 1891).
Casca grossa — Grosseirão, ignorante, estúpido. “ O es­
tiolado Antoninho, póde muito bem v ir a ser um grande v e ­
getal. Poderá não dar fructo; mas dará forçosam ente bôa
cortiça. Já não é pouco ter a casca-grossa.” (O Diabo a qua­
tro n. 74 de 1876). “ Sentimento humanitário o casca-grossa
não te m .” (A Pimenta n. 393 de 1905).
Casçar — Applicar, impor, prom over, processar: cascar
lima supensão, demissão, um processo, e dahi a phrase: Cas­
car o Anno do Nascimento em cima. Botar deitar, atirar, ex ­
por.' “ Compadre, ha nesta terra, Certos sujeitos safados, Que
precisam ser cascados.” (D erro ta n. 7 de 1883).
Cascarrinha — 1Especie de trança de fitas estreitas, ou de
palinha fina, para enfeite de vestidos e chapéos.
CascaVel — Especie de pomba (colu m ba), assim chama-
mada p o r em ittir quando vôa, um som semelhante ao choca­
lhar da cobra deste nome: Rola cascavel; venenoso ophidio
(C rotalushorridus), a Bocininga dos indios, como assim já
a registra o P . José de Anchieta (1560), com o mesmo que
cobra que retine, que chocalhar, pois tem na cauda uns gui­
zos que resoam quando caminha; ou a Maracá boya, como
a define Gonçalves Dias, com a mesma expressão, vindo
dahi o seu nome vulgar de cobra cascavel. “ Praga de cas­
cavel não mata m o c ó .” (D ic ta d o ). Mulher genista, m alcria­
da, iasu p p ortavel. “ Moça ciumenta, e que ralha todos o.s
dias com o marido, é cobra cascavel.” (A m erica Illustrada
de 17 de Agosto de 1873). Boicininga, segundo T heodoro
Sampaio, é corruptela de m b oy-cynynga,.cobra resonante, co­
bra chocalhante, a cascavel; altera-se não raro para b oiei-
nunga, e boiçununga, Anchieta.
Cascavilhar — Indagar, pesquizar, investiga; procurar
com interesse uma cousa qualquer revistando e mexendo
em tudo. “ T ive sempre muita vontade de campar p or littera-
to, e p or isso ando sempre a cascavilhar uns termos esquisi­
tos, antigos, para encaixar na con versação.” (M arm ota n. 2
de 1844). “ CascaVilhei todos os muafos e todos os soca võ es.”
(Jornal de R ecife rí. 45 de 1914). “ Rem exo, cascavilho no
bestunto do meu intellecto, e debalde, nada e n co n tro .”
(Idem , n. 50). Encontramos o desusado verbo escascaviar,
que corresponde ao vulgar cascavilhar, assim consignado:
“ Vamos desta vez escascaviar peccados velhòs e mofentos,
com a nossa prudência sabida e toda a decencia p o s s ive l. ”
(O P ovo n. 17 de 1855).
Cascudo — Pequeno peixe de rios e lagos (L a rica ria ma-
culata, Leeep.), de casca grossa e consistente, provindo dahi
o seu nome vulgar; velho grostesco, teimoso, impertinente, in-
supportavel: Um velho cascudo; um individuo ingênuo, tolo,
de facil exploração: Pae de cascudo. Pancada sobre a cabeça
dada com a mão aberta ou fechada; bordoada, tunda, surra:
D ar levar uns cascudos. “ O Sr. Corja que na sua missiva tan­
to falou em cascudo, se nunca pensou, pouco depois, levar tan­
to cascudo!” (O Diabo a quatro n. 9 de 1875). “ O sexo enru­
gado aúdou lá aos cascudo, o que poz em revolução toda a
igreja .” (A m erica Illustrada n. 1 de 1880). “ Na farça eleito-
toral quiz levar tudo a cascudo.” (Pernam buco n. 223 de 1913).
Caseira — Concubina, mulher que v ive com um homem
á laia de esposa. “ O padre a quem Deus haja, tinha a sua ca­
seira.” (A m erica Illustrada de 7 de Janeiro de 1872). “ A R o ­
mana, caseira do Zé G arrote.” (V iria to C o rreia ) “ Thim oteo
renunciára a pretenção de trazer sopeada a caseira.” (F ran -
klin T a v o ra )
Caseiras — Hem orrhoidas. Quando o Manoel está ataca­
do das caseiras só o diabo o pode supportar. “ Um roncar de
tripas em consequência da idade e 'd a s caseira s.” (A m erica
Illustrada de 2 de Junho de 1872). “ A maldicta das caseiras
fizeram -m e brincadeiras da pelle do in im igo.” (Idem , de 7 de
Dezem bro de 1873). “ E lle apenas é enconnnodado pelos a r­
dores da inspiração e . . . pelas caseiras, que lhe sobem á ca­
beça! (O Diabo a quatro n. 36 de 1876).
Caspite! — D icção in terjectiva de cumprimento, saudação,
e ás vezes na locução: Caspite dom ine!, de iguaes expressões.”
Caspite! B on ito! O Sr. J. B. de Senna é o guapo orador effec-
tivo do dia 12 de Outubro.” (D ia rio de Pernambuco n. 505
de 1830). “ Caspite! com reveren cia minha com adre Zephi-
n h a!” (O Paladim n. 36 de 1852). “ Caspite! não ha no mundo
um m ercador do seu lote.” (O Barco dos Patoleiros n. 84 de
1866). O termo, porém, já tem os seus eajús, uma vez que o en­
contramos neste versos do nosso poeta L . F . de Carvalho Cou­
to fallecid o em 1808: “ Caspite! minha senhora! Estou-lhe mui­
to obrigado; Enganei-me. Paciên cia! Não serei mais enganado.”
Casquinho — Metal branco empregado no fab rico de ob-
jectos diversos, principalm ente de usos domésticos. “ Perdeu-
se uma fiv e lla de casquinho dourado.” (D ia rio de Pernam ­
buco n. 371 de 1830). “ Vende-se castiçaes, palmatórias, sal­
vas e tinteiros de casquinho.” (Id em n. 398 de 1834).
Cassaco — Timbú, gambá, saruê, ou sariguê, m am ifero da
ordem dos marsupios, sendo este seu nome vulgar, corrupte­
la de comsacco, da especie de bolça ou sacco que a femea tim ­
bú ou cassaco tem na bariga onde recolhe os filhos segundo
Paulino Nogueira. Trabalhador de estradas e serviços de cam­
p o. “ O gallego acaba agora de passar uma quengada em um
caixeiro e diversos cassacos.” (A Pim enta n. 1G de 1914). R e ­
duzido a um cassaco do cisco da limpeza publica.” (Lanterna
Magica n. 740 de 1903). “ Os cassacos da usina Só comem car­
ne de b oi; Trabalham a m il e quinhentos, Recebem cruzado e
d ou s.” (C ancion eiro do N o r te ).
Cassange — F alar incorrectam ente como os africanos
cassánges falavam o portuguez. “ Os apartes do Sr. Carneiro
da Óunha, appellidado pelo S r . Lopes Gama por deputado
cassange.” (O Gualda N acional n. 38 de 1843). “ Mamãe se
damna com o phraseado cassange do Augusto B e llo .” (A P i­
menta n. 532 de 1907). Escripto incorrecto, inçado de de­
feitos de linguagèm . “ A linguagem dessas folhas é fastidosa
e nojenta, e o seu estylo atira-se muito para o Congo ou
Cassange.” (O Guarda Nacional n. 21 de 1848). “ Que lin ­
guagem d e . . . ra lé! Responda-me com franqueza: Isso é cas­
sange ou não c ? ” (Jornal do R ecife n. 29 de 1914). “ Ha
quem diga, porém, que elle é mestre em cassange Pois pensa
e fala e escreve em lingua de zu lú s.” (D ia rio de Pernambuco
n. 225 de Í9 15 ).
Castanha — Nom e vulgar de diversas fructas indígenas,
embora nenhuma relação tenha com a Castanea vulgaris p ro ­
veniente da Europa. (Beaurepaire R oh a n ). Entre nós porem,
á dicção castanha, se associa logo a idéa da do cajú, cuja
noz ou amêndoa, além das suas preconisadas virtudes e ap-
plicações varias, assada ou confeitada, é saborosa, e de um '
paladar superior ao das amêndoas doces. “ De varias côres
são os cajús, bellos, Uns verm elhos, outros amarellos. E co­
mo varios são nas varias cores, Tambem se mostram varios
nos labores; E creou a castanha, Que é m elhor que a de Fran ­
ça, Italia, H espan h a.” (M. Botelho de O liv e ira ). A castanha
chôcha, mirrada, sem noz, tem o nome particular de casta-
tanha mandinga.” (Id em n. 50 de 1907). Rosário de castanha,
applicada tambem a uma casa' parecida assim com o seu feitio :

221
cara de castanha mandinga. “ Um typo qualquer de m agricela
com o rosto de castanha mandinga. (A Pim enta n. 6 de 1901).
“ Joanninha é feia, e chôcha, é castanha mandinga.” (Id em n. 50
de 1907). Rosário de castanhas.” (Lan tern a M agica n. 12 de
1882).Cafunar castanha: jogar as castanhas. Quebrar a casta­
nha: humilhar, subjugar, abaixar a grimpa. Quando você ia
aos. cajús, já eu voltava com as castanhas assadas; Castanhas
não são dendês. (D ictad os). Vocábulo portuguez, de origem la ­
tina, (catanea), adoptaram-no os indios com a voz de catanha,
com o escreve Martius, despresando assim as denominações que
tinha no sèu idiom a de acaguacaia, acagite, itamboera, regis­
tradas* p or M arcgravi. Era com a castanha do cajú que os in ­
dios faziam a contagem da sua idade, depositando uma, annu-
almente, em uma vasilha qualquer.
Castanholas — Este term o é o mesmo que castanhetas, do
vernáculo: Estalido que se dá com os dedos, fazendo resaltar
o dedo grande sobre o pollegar; trinco. “ Lourenço cahiu no
m eio da roda, fez o seu sapateado, deu meia duzia de cas­
tanholas, e atirou uma embigada na rapariga que lhe ficava
mais p e r t o .” (F ra n k lin T a v o r a ). “ E lla fugia miudinho, to­
cando castanholas com os dedos, e deslisando serena, ligeira,
subtil, nas pontas dos p é s .” (F a b io Luz;). “ Ao afinar da viola,
Quando estala a castanhola, Ferve a dança e o desafio.” (M ello
Moraes F ilh o ). Usados assim nas danças populares, bem como
para acentuar a expressão de certas phases, têm uso geral
na Maçonaria, como manifestações de applausos, concordân­
cia, approvação, segundo mesmo os seus proprios rituaes. D e­
riv a d o : Castanholar. “ A Jovita sahiu em passinhos miudos,
castanholando os dedos aos requebros maiores dos quadris bo­
ju d o s .” (V iria to C o rre ia ).
Casteado — Anim al de raças cruzadas; individuo que não
é branco puro. Aquelle sujeito não é lá muito Christão: é um
pouco casteado.
Castello — Casa de habitação de rapazes, geralm ente do
com m ercio. “ Tom o o p rim eiro bond de H erva l e quebro para
o castello afim de apertar a b o ia .” (A Pim enta n. 45 de
1902). “ Achava-me no meu castello, apreciando um havana,
quando ouço bater apressadamente a p o rta .. . Era a p olicia.”
(O Piparote n. 1 de 1903).
Castiçado — O mesmo que casteado.
Castigo! — D icção interjectiva do populacho eivado de
superstições na occurencia de um phenomeno extraordinário,
como terrem otos, inundações, estiagens, epidemias, graves e

222
lastimáveis acontecimentos; ou quando um indivíduo blas-
phema contra a divindade e a religião, ou por actos indignos e
de perversidades é victima de infortupios e irreparáveis des­
graças. Castigo! Castigo de Deus! Castigo dos Céos! A dicção
figura com iguaes expressões na giria da ilha de S. Miguel
dos Açores, segundo o vocabulário local do general Henrique
das Neves, citado por Alberto Bessa.
Catana — Na phrase jMetter a catana, falar mal de outrem,
detractar, dizer cobras e' lagartos, acqepções estas que p e rfe i­
tamente se harm onizam com a origeril da palavra catana, que
segundo Bluteau vem do vocábulo japonez katana, espada, al­
fange, terçado, faca, armas cortantes, e dest’arte consoante-
menie com as expressões da locução correspondente de C o r­
tar a pelle alheia. E ’ assim, que D . Francisco Manoel de M ello
dizia já no seu tempo (meiados do seculo X V II) a um desses
tristes maldizenteç, cortadores da pelle alheia: “ Pois você é
bôa catana.” A introducção do vocábulo em Portugal vpio das
relações commerciaes que os portuguezes tiveram com os ja-
ponezes nos séculos X V l e X V II; e estudando Gonçalvez V ia ­
na a sua origem philologica, cita uns versos do poema quinhen­
tista Malaca conquistada, do notável poeta Francisco de M i­
randa, em que o termo vem ja assim empregado na accepção
própria de arma de combate: “ E nos deram do mal já tardo
aviso, Mil crises, m il catanas d’ im p roviso” . Entre nós, porem,
já o term o era corrente na segunda metade do seculo X V II,
como se vê deste verso de G regorio de Mattos em um dos seus
romances: “ Golpes, catanadas, tiro s ;” e assim até presente­
mente: “ A qu illo que reluz dalli do canto são espadas, catanas
e parnahybas. . . Da mão, em vez do chiqueirador de bura-
nhein, que trazia, pendia agora uma catana fóra da b a in h a .”
(F ra n k lin T a v o ra ). O term o ‘ teve tambem entrada na Hespa-
nha, com a voz de catan, e naturalmente teve tambem exten­
são nas suas colonias, como occorreu em Portugal. Que che­
gou ao Chile, comprovadamente, colhemos de Zorobabel Roiz,
que escreve, contemporaneamente, que o povilh éo dá o nome
depreciativo de catana ao sabre dos policiaes e serenos, citan­
do esta quadrinha do E l H uérfano: “ De la cintura le pende
Una cortante catana, Que a la coSa mas pequena Sale fuera de
su v a in a .”
Cata-piolhos — 0 dedo pollegar, assim chamado na co­
nhecida parlenda do jogo dos dedos. Numa variante portu-
gueza dessa parlenda tem porem o nome de mata-piolhos; mas
entre nós é vulgarissima aquella expressão de cata, consoan-

223
temente com esta quadrinha das nossas trovas populares: Co­
madre, minha comadre, Comadre bastante ingrata; Venha ca­
tar-me piolho, Que ha muito tempo não cata.”
Cataporas — Nom e vulgar da varicella ou variola ben ig­
na, concurrentemente com o de bexigas doudas. Vocábulo
de origem indigena, é uma corruptela de tata-póra, fog o que
irrom pe, afogueadamente da pelle, ou fogo interno, interior,
segundo Gonçalves . Dias.
Catatáo —* Enredo, m exerico in triga; accuSação, qu ei­
xa, denuncia: Fazer um catatáo. “ Depois Naçú arma, A o po­
bre patáo, Um tal catatáo, Que o põe azuado” . (A Carranca
n. 22 de 1847). Castatáo é um antigo term o da giria portugue-
za. que Bluteau regista como da chularia, com as expressõe*
de dar com um pau, castigar, e Moraes, igualmente, e já com
outras. Os modernos lexicons, porem não o registam.
Ca te espero — Bacalháo (Gadus merlangus), o conhecido
peixe secco, espalmado, geralm ente origin ário da T erra Nova,
um..dos principaes generos alim entícios. “ Quaresma! Tem po
do peixe, mas em que o pobre estala gramando no catispero.”
tA Pim enta n. 545 de 1907).
C ategorioo — Serio, form alista, enfatuado, pretenciofio,
“ Apezar do seu categorismo marcial, algumas cousas me reve­
lou em phrase curtas e cortadas” . (O P ovo n. 62 de 1855).
“ E nérgico como um cavalheiro visigodo, tem o categor^co do
Chanceller Germ ano” . (A m erica Ulustrada de novem bro de
1872).
Catimbau ou catimbó — Mandinga feitiçaria, sortHegio,
casa de feiticeiros, sessão ou pratica de feitiçarias. “ O sub­
delegado do C ordeiro deu cerco e busca numa casa de catim­
bau.” (Jornal do R ecife n. 66 de 1918). “ Na rua do Gerimú,
em Afogados, existe uma casa conhecida por Catimbó, onde
sq.praticà toda a sorte de bandalheiras, relativam ente a b r u ­
xedos, descidas de reis, subidas de principaes, e caboclos de
Lonada.” (A Pimenta n. 89 de 1902). “ O Catimbó é tambem
uma crença como qualquer outra. (Lan tern a Magica n. 806
de 1905). “ O catimbó continua a ser explorado, e as seus adep:
tos são numerosos” . (D ia rio de Pernambuco n. 105 de 1915).
D erivados: Catimbozada, catim bauzeiro ou catim bozeiro, “ P re ­
sos os catimbauzeiros, momentos depois foram eles postos
em liberdade.” (Jornal do R ecife n. 66 de 1918). “ A catim bó-
zeira exigiu da Cotinha que a consulta íosse paga adianta-
dumente.” (Á Pim enta n. 497 de 1906). “ Um outro ponto tam ­
bem minado p or catimbozeiros, é o Feitosa” . (D iá rio de Per-

224
nambueo n. 154 de 191G). Não raro, porem, occorre a variante
de catimbáo, com as mesmas expressões do vocábulo, e assim
figura mesmo conto nome de um arraial no m unicipio de
Buique e de uma serra tambem ali situada; e como igualm en­
te assim se vê nos vocabulários de Beaurepaire Rohan, Ro-
dolpho L en z e Zorobabel Rodrigues, mas com accepções dif-
ferentes, servindo apenas estas mensões parà demonstrar §
curso de extensão que tem o termo. Como ponto mais rem o­
to do em prego desta variante, encontramós o nome do peixe
de agua doce, P irá catimbáo, consignada p or Alexandre R o ­
drigues F erreira e citado p or Gonçalves Dias, e, como termo,
esta mensãò: “ Innumeras são as victim as do espiritismo, do
catimbáo, da feiticeira africana, do fanatismo re ligio so ” .
(Pernam buco n. 310 de 1913). Sobre a sua etym òlogia e origem
segundo o D iccion ario portuguez e brasiliense (1795), vem
do dialecto tupy do Amazonas, com a expressão de sarro; e
com o escrevem Martius e Gonçalves Dias> catimbáo repoty
significa sarro de cachimbo, vindo catimbáo, isoladamente,
ao juizo de A lfre d o de Carvalho, como corruptela de çáatin-
inibai, matto, ou folh a branca ruim, catinga ruim, que pode
muito bem ser o fumo, tabaco, a nicotina tabacum, de Linneo
Catimbáo, segundo uma definição que encontramos, é cachim­
bo de tubo com prido e fumarento, e como escreve Moraes
cachimbo pequeno, velho, vindo dahi, naturalmente nas sessões
de feitiçarias, catimbós oit catimbáos, figurar ò cachimbo co­
mo um dos principaes obj.ectos de mesa, e convenientemente
usado segundo o grotesco cerim onial do acto. Tem os assim
a etym ologia do vocábulo segundo as expedidas opiniões.
Surge porem uma duvida: Catimbáo era um term o corrente
em Portugal, e já em vóga nos albores do seculo X V III como
com prova o seu registro p or Bluteau, com a expressão de
homem ridiculo, que o abona com este anexinr ou dictado
portuguez, sem duvida; o rigin ário de epochas anteriores: “ D i­
zei ao mestre Catimbáo, que se vá embora e dai-lhe com o
páo.” Como perece a elle, o term o vem de cantibai, nome de
uma peça de madeira, corrente entre os carpinteiros e m ar­
ceneiros francezes. Registrando Moraes o termo, com o chulo,
e do Brasil, cachimbo pequeno velho, como sem duvidas a
dá aquella mesma definição, ainda era corrente enr Portugal,
sim o encontrou em vóga entre nós. O vocábulo, porém, já não
apparece nos modernos lexicons portuguezes. Entretanto, f i ­
ca assim registrada a controvérsia.
Catimplora — Sorveteira; cartola ou chapéo alto. “ A enor
me e mais collossal jaca branca é a em que anda mettido o cra-
neo do Perrezas. E como é bonita a catim plora do nosso ami­
g o !” ‘(A m erica Illustrada n. 6 de 1880). O vocábulo é portuguez
e antigo, mas já em desuso e fóra de mensão nos modernos
diccionarios. Lopes Gama o consigna, tratando de uma velha
casquilha, mettida a namorada, mas com uma expressão equi­
voca, parecendo-nos comtudo, com a de um chapéo enorme,
descommunal: — “ Se vê olhar attentamente para ella algum
moço, que naturalmente está admirando a cascata, ou rindo
daquella catimplora, já se persuade que filou um amante.” (O
Carapuceiro n. 16 de 1837). Bluteau consigna o termo, porem
manda vêr cantimplora, que pela expressão que dá, parece que
vem dahi o nome de catim plora dado á sorveteira,.
Caatinga — Uma das zonas divisórias do territorio do Es­
tado, caracterisada por accidentes geographicos particulares,
e outras circumstancias especiaes de clim a e vegetação; ter­
ras approximadas ao sertão, e fechadas ou cobertas de car-
rasqueiros e outros vegetaes da flora sertaneja. “ Chama-se
catinga o mais do sertão, que está pelo menos afastado vinte
leguas do mar, que é terra secca, de pouca agua.” (G abriel
Soares de Souza). “ Em uma das minhas missivas lh e decla­
rei que m orava nas catingas, entre rudes e grosseiros entes.”
(A Tempestade n. 25 de 1858). Matto de pouco porte, enfezado,
que na estação calmosa perde a sua folhagem, cerrado, ou es­
parso, form ando grupos distinctos. “ Alguns altos, povoados
de catingas de ju re m a ... A varzea das Crioulas é uma gran­
de planicie cercada de catingas.” (Caneca, Itin e rá rio ). V iv ia
nessas montanhas. Nessa catinga c e rr a d a ... C orro fora nes­
tes campos, C orro dentro da catinga.” (C an cion eiro do N o r ­
te ). D erivado: Catingueiro; P erfe ito conhecedor das catingas,
muito pratico nas suas entradas e cáminhos. “ Nesse tempo
tinham ido A Pajehú v e r um vaqueiro, D ’entre muitos que lá
tinha, V iera o mais catingu eiro. . . Este como experiente E ser
homem catingueiro Marcou muito bom tempo De mandar os
seus vaqueiros.” (Versos sertanejos). Catinga, vocábulo de
origem tupi, segundo Th eodoro Sampaio, tem a expressão de
— matto espinhento, retorcido e áspero, que cobre uma terra
arenosa e quasi esteril, dominando largas extensões' denom i­
nava-se no tupi: caatinga, matto branco, ãlvacénto, de • que
procede ó vócabulo catinga, affeiçoado já ao portuguez e mui­
to commummente empregado no noirte do Brasil, mas, de
fácto, bastante expressivo porque pinta o aspecto particular
d essa vegetação, n o t o m gèral, acinzentado e esbranquiçado:**
Gonçalves Dias dando ao vocábulo a mesma etym ologia de caa­
tinga, d iz que tem a expressão de matto rasteiro, enfezado, e
dahi chamar-se catinga a zona de vagetação paupérrima;
Martius, a de matto alvo, rasteiro; Baptista Caetano, escreve
que se trata de uma corruptela do guarani caati, matto branco;
e assim, consoantemente, outros escriptores. Beaurepaire Ro-
han, porem, divergindo de todas estas opiniões escreve; “ Es­
pecie de mattas enfezadas que se estendem pelo in terior do
Brazil, desde a parte septentrional de Minas Geraes, Goyaz e
sertão da Bahia, até o Maranhão. Lon ge de apresentarem mas-
siços impenetráveis como esses que caracterisam nossas flo ­
restas prim itivas, consistem geralm ente as catingas em arvo­
redos tortuosos, e a m aior parte das vezes sufficientem ente
separadas uma das outras, de maneira a facilitar o transito
de um cavalh eiro; e ha vaqueiro que na perseguição de uma rez,
correra por ellas a galope, bem que com manifesto perigo de
vida. Muito se tem discutido a etym ologia de catinga, coinu
denominação das mattas de que tratamos. Pessoas ha que, f ir ­
mando-se apenas na estructura actual deste vocábulo, o fa ­
zem d erivar de caá-tinga, matto branco. Esta interpretação
não tem o m enor fundamento. Com effeito, as catingas nada
apresentam que justifique o em prego do adjectivo branco
para as qu alificar. O que as torna notável, como pude obser­
var nas minhas viagens pelos sertões, é que, passada a esta­
ção das chuvas, perdem completamente a folhagem e ficam,
durante parle do anno com o aspecto de mattas seccas. Foi
desse facto que parti para resolver a questão de um modo ra­
zoável. Catinga não é mais do que a contracção de caa-tinga,
significando mattas seccas, arvoredos seccos.” O illustre es-
criptor desce ainda a outras ordens de considerações em jus­
tificação das suas idéas sobre o assumpto, e com as quaes nos
confessamos de plenissimo accordo, pelo menos quanto a Per^
nambuco, onde o que se chama catinga, é exatamente o que
se amolda ás suas observações. Seja como fôr, o vocábulo
íem uma corrente que se prende ao seculo X V I, como vimos
da sua definição dada p or Gabriel Soares, escriptor do tem­
po. Catinga tem tambem a expressão de fartum, cheiro forte,
desagradavel, que se exhala de qualquer cousa, ou substancia
deteriorada, em decomposição, e bem como do corpo humano,
sobre tudo dos africanos, e de certos vegetaes e'anim aes.
“ Não defumeis com catinga O Marquez de Candomblé.” (O
A m igo do P ovo n. 7 de 1829). “ O amante de Syringa Tinha
pello e má caatinga.” (L u iz Gama) N egro p reto côr da noite
Tem catinga de xexéo; Tom ara Nossa Senhora Que negrò
não vá ao céo.” (T ro va s populares). Nesta accepção é tam­
bem o term o registrado em alguns vocabulários pxtranhos, e
Lenz assim se exprim e com relação á Argentina, exem plifica-
damente, citando a Granada: “ O lor sufocante e desagradabie
que despiden ■ naturalmente algunos animales. Intenso olor
de la transpiracion de los negros.” D erivados: Catinga, ca-
tingoso, catinguento, de expressões obvias. “ Já pela escada
abaixo, patife; já me está a catingar o aroma de senzalla
(O Vapor do R io Form oso n. 15 de 1857). “ Besta, e namorado,
catingoso ou fedoren to.” (A m erica Illustrada n. 54 de 1877).
A nossa flora registra varias especies de vegetações com o
nome de Qatinga, das fam ilias das leguminosas, labiadas e
meliaceas, e duas outras especies com o de catingueira, das
fam ilias das leguminosas e euphorbiaceas. Finalm ente, na
nossa orn ith ologia figura uma especie de ave com o nome de
Catinga de cacjjorro (Danocobius brasiliensis), da ordem Deo-
dactylis. Catinga, na accepção de máo cheiro, é um vocábulo
originariam ente indigena, ou propriam ente african o? São desen­
contradas as opiniões a respeito, limitando-nos apenas ao
juizo de Couto de Magalhães, que diz, que é um verbo de raiz
tuplca com a expressão de exhalar máo cheiro; e Bluteau, que
é uma palavra de Angola, com a expressão de fed o r de negros,
como de raposinhos, citando estes versos-do poeta coevo Fran ­
cisco de Souza d’Abrada: “ Que os taes im itar pertendam A
poesia de Angola Cuja catinga os consola, Como conclusão
negreira.” Em vóga assim o term o em Portugal no tempo de
Bluteau, o éncontramos ainda corrente, como chulo ou popu­
lar, em meiados do seculo X V III como se vê destes versos do
Palito métrico, da troça acadêmica de Coim bra: “ M ille immun-
ditias assorbet, m ille catingas, P e r nunquam limpas semper
eundo manus.” A b i fica a controvérsia.
Catingujeiro — Indivíduo da zona da catinga que trabalha
no serviço de campo das uzinas e engenhos, assim chamado
para o destinguir do corumba e do trabalhador local.
Catita — Rato pequeno, equivalente á dicção africana de
camundongo, como è chamado no sul. “ Rato pequeno é cati­
ta.” <0 A lfin ete n. 12 de 1890). “ Certa mó de b igorrilh as c
tratantes, ratinhos catitas, que lambiam os sobejos do Barão.”
(O Sete de Setembro n. 4(5 de 1816). “ Conhecem os leitores
nhi ratinho catita, lá das bandas da Caixa E con om ica?” (L a n ­

228
terna Magica n. 18 de 1882). “ A gatinha regalava-se em aga-
danhar um catita que lhe apparecera” . (A Lanceta n. 154 de
1913).
Catolé — Indivíduo pequeno, de haixa estatura; um pi-
néo, e dahi a phrase: Catolé põe-te em pé, para o caracteri.
zar, como figurando-o de cócoras, agaixado. Catolé é o
fructo de,um a palmeira deste nome, que abundantemente .ve­
geta nas mattas e na zona sertaneja.
Catôta — Pernas tortas: Pernas de Catôta. O vocábulo è
o nome vulgar de uma planta sylvestre da nossa flora, a So-
anum piper, que tem a particuaridade de se enroscar sobre os
outros vegetaes, entortando-se assim, de cujo phenomeno, na­
turalmente vem dar-se o seu nome ás pernas tortas. O catar-
rho resequido das narinas, “ Comes catôta, comes rem ella” .
(A Pimenta n. 14 de 1902).
Catraia — Mulher feia, horrivel, repellente; da vida aira-
da, baixa, vil, desabusada. “ Senhora, tenha juizo, T ire a mão,
largue esta saia; Isso de mão no vestido Só é p ro p rio de ca­
traia.” (Lanterna Magica n. 449 de 1895). “ Itam orando com
catraias você passa a tarde toda.” (A Pim enta n. 35 de 1902).
" A policia providen cia no sentido da catraia Marietta ser
menos escandalosa.” (Idem , n. 64).
Catropôça — Amasia, concubina, h ’ nesta accepção que
conhecemos o termo em sua corrente vulgar; entretanto o
encontramos masculinisado, e com outra, im percébivel:
“ Gallego de nascimento, de figura é catrapoço” . (Mephisto-
pheles n. 11 de 1882).
Catreváge — T roça de pelintra; gentalha. O termo vem
de caterva: Magna et comitanti caterva, diz-se de um bando
de vadios, ou de gente mal comportada.
Catucár oh cutucár — T ocar ligeira e occultamente em
alguém com os dedos, o cotovello, ou mesmo com os pés, co­
mo signal com municativo de advertência, desagrado, rep rova­
ção, na occurrencia de uma leviandade, inconveniência, exces­
so, destempero; ou para chamar a attenção sobre qualquer
«ousa que occorre de presente; instigar, ferir, golpear. “ O
garoto do tangedor, á proporção que berra pelo nome dos
bois, cutuca-os com o ponteagudo ferrão ou açoita-os com o
chiqueirador.” (O sw aldo A raú jo ). O verbo catucar, como es­
creve Beaurepaire Rohan, na variante catucar, que registra,
tem p or origem, como diz, o verbo cutúca da lingua tupi, que
significa palpitar, picar, tocar de leve, sendo estas accepções

229
vulgares entre nos, como vimos. Couto de Magalhães diz igual­
mente, que é um verbo tle raiz tupica, (le uso geral, com a ex­
pressão de tocar com a ponta; Gonçalves Dias escreve tucá-
lucá, dar murros, donde a gente do povo fbz o verbo datucar.
acotovelar; e Martius, emfim, consigna o verbo catúca, picar,
stcchen, e tuca tuca, dar murros.
Caturra — Criança nedia, soccada, gorducha; individuo
de baixa estatura, catolé, pinêo.
Cauhila ou cauhira — Sovina, avaro, tacanho, mesqui­
nho, C hifre de cabra, Unhas de fom e. Beaurepaire Rohan re ­
gistra o vocábulo com estas mesmas expressões, e confessan­
do ign orar a sua etym ologia, accrescenta; “ recordo-m e p o­
rem, que na minha infancia ouvi muitas vezes usarem delie
os africanos, dizendo indifferen iem en te cauhila e cauhira.” E
assim é, uma vez que na Ceará tem o term o a voz de cauhira,
com a mesma significação, e mesmo entre nós, concurrente
mente com a de cauhila. “ Tinha o nosso homem o costume
dc gabar-se de ser cauhira, sempre que se tratava de mulhe­
res” . (A Pim enta n. 13 de 1912). “ Dar-te na bolça, cauhira,
geitosa e funda facada” . (D iário de Pernambuco n. 29 de
1907).
Cavação — Acção de cavar; o emprego de todos os meios
possíveis para arranjar dinheiro em mão de quebradeira, em
apertadas emergencias, ou p or viciada e torpe especulação,
filh a da malandragem. “ Cavação e malandragem são irmães
gemeas, mas só p or parte da máe, que é a pindahyba.” (Dom
JCiquote). “ A cavação, meus senhores, é a ultima palavra da
sabedoria humana.” (Jorn al do R ec ife n. 27 de 1916j. P ro cu ­
rando fazer suas cavações, esses indivíduos circulam nos
bonds e trens fápiando os passageiros.” (D ia rio de Pernam ­
buco n. 158 de 1913).
Cavalla — P eix e do mar, de pescaria do alto (Cybíum
cavalla, Cuv.). E ’ a guarapicú dos indios, que tomou o nome
de cavalla. e já assim corrente desde tempos remotos, como
consta dos Diálogos das grandezas do Brazil, pór ser á seme ­
lhança, ou da mesma especie, de um p eixe dos mares de P o r ­
tugal, assim chamado. Em: Fernando de Noronha tem o nome
de cavalla-aipim . E xcellente, como são todas as cavallas que
se tomam neste estado do Brazil, na phrase de um escriptoi
quinhentista, saborosa, bonita, pela sua pelle de preto e
branco de tons prateados, terminando, para a parte in ferio r
em discos daquella óôr, e attingindo mesmo a um metro, e o
peixe predilecto dos banquetes c das mesas fartas e deliea-
das, e assim, de preço elevada, apezar da sua abundancia nos
nossos mares, contrasta com o ciassico e humilde bacalháo do
pobre, vindo dahi o dictado: Còmer bacalháo e arrotar ca-
valla, de expressão obvia, concorrente com o paulista: Co­
mer sardinha e arrotar tainha.
Cavallão — Homem alentado, de grande e s ta tu ra :'«o *
memzarrão.
Cavallariano — C avalleiro; o fazendeiro creador de gado
da especie cavallar. “ O cavallairiano de Pernambuco que traz
eavallos do Pajehú, paga 31000 p or cabeça, atravessando o
territo rio da Parahyba.” (S everin o H enrique de O liveira ).'
Cavàllice — M alcreação, grosseria, estupidez; com er com
um appetite devorador, brutal, descommunal. “ Disse que nao
havia, de aturar as suas oavallices.” CAmerica .Illustrada n.
27 de 1881).
Cavallinhos — Circo de representações équestres e acro;
baticas. “ Trabalh a"n o largo de palacio uma companhia eques­
tre, a que nós vulgarmente chamamos de cavallinhos.” (Ma-
phfelopheles n. 32 de 1882). “ O gosto que tem o povo pelos
fõgos de vista só pode encontrar riv a l no que ha pelos caval­
linhos.” (A m erica Illustrada de 11 de Outubro de 1874). “ N o
N orte só o Furtado Coelho, a Lucinda, òu então, um circo d e
cavallinhos.” (O João FernandèS n. 13 de 1886). R elativa­
mente, porem, o term o já vem de lon ge: “ Um dos aventurei­
ros am ericanos da Companhia de Cavallinhos, que aqui apor­
tou, praticou um acto escandaloso e audaz.” (A voz do B razil
n. 30 de 1848).
Cavallo — Phrases e proloquias populares: Andar como
cavallo de matuto; Cavallo alugado não cança; C avallo dado
não se abre a b occa; Cavallo grande besta ,de pau; Cavallo
peiado não salta vallad o; Cavallo peiado tambem com e; Ca­
vallo velh o não toma andar; Comer com o cavallo; N o correr
do cavallo não se encherga o cavalleiro; O cavalo engorda
com a vista de seu dono; O olho do dono engorda o cavallo;
Passar de cavallo a burro; P o r um cravo se perde um cavallo;
Praga de urubú não mata cavallo; Púxado como cavallo de
matuto: Quem com pra cavallo compra cuidados; Quem faz
o cavallo é o cavalleiro; Quem quer cavallo sem tacha anda
a pé.
Cavallo d ’agua — M onstro fabuloso do r io S. Francisco, de
existeficia gerada pela superstição p op u la r.’ E ’ nocivo, e os
barqueiros temem o seu encontro.

231
Cavallo no caminho — Entrave, obstáculo, dif ficu ldade:
Neste negocio ha cavallo no caminho.
Cavallo do cão — Nome vulgar do insecto M yrm eleon
form icaria, da ordem dos Neurópteros.
Cavallo de flexa — Vergontea que brota como o caule da
canna brava, (Anthoxanthium gigans) da fam ilia das Gra-
minaceas, sem nós e extensa, tendo do meio para a extrem ida­
de as suas florinhas, esbranquiçadas ou de um cinzento arro­
xeado, dispostas em compridos filamentos, que pendem como
uma especie de cabelleira. “ Cortam esta parte, levam-na em
feixes ao mercádo, onde é vendida para differente.s usos, sen­
do mui procurado pelos meninos, que enfeitam esses filam en­
tos com fitas, deitam-lhe redas, e chamam lhe cavallo de
flecha. Cavalgam e brincam, montando sobre a parte nua da
flecha.” Alm eida P in to ).
C(avallo marinho —■ O ehefe do folguedo popular o Bum-
ba meu boi. “ Cavallo marinho Vem se apresentar A p ed ir li­
cença, Para o boi d a n sa r... Cavallo marinho Dança bem ba-
hjano, Bem parece ser Um pernambucano. (D o respectivo
auto). j
Cavallo de pau — N avio. “ Ajuntar o pau brazil para ir
no cavallo de pau.” (T yp h is Pernambucano n. 11 de 1824).
Cavanhaque — A barba do queixo. “ T raz na ponta do
queixo sua barbinha á C avaignac” . (O Barco dos Patoteiros
n. 18 de 1864). V iva quem tem b igode! Quem tem cavanha­
que é bode. (D ic ta d o ). O termo vem do nome do general
francez Cavaignac, de grande nomeada pela sua attítude na
revolução de 1848, de quando data entre nós.
Cavar — Procurar, indagar, pesquiz'ar; descobrir, encon­
trar, achar. “ Não sei como a vossa reportagem tão activa,
ainda não cavou o que se está passando na nossa aduana” .
(Pernam buco n. 365 de 1912). Procurar obter dinheiro, por
qualquer meio, em mãos de quebradeira, ou por m alandra­
gem. “ Passa o dia cavando para o jan tar” . (O João Fern an ­
des n. 10 de 1886) . “ Cava o pobre e o rico, Cava toda a gen­
te ” . Versos dol Club dos Caiadores, 1915). Cavar a vida, lidar,
trabalhar, atirar-se ás labutas da vida; ou pela malandragem,
andar a m order a humanidade. “ Rapaz pachola Que usa car­
tola, Vai p ’ra avenida Cavar a v id a ” . (íta lo B ertin i). D eriva­
do: Cavador, o que cava. “ Não supponha brincadeira; Mas e l­
le, illustre doutor, Falando desta maneira Mostra quanto é
cavador” . (Jornal do R ecife n. 72 de 1913). “ Bicho por bicho!

232
Cavador Que nem conhece a p ro fis sã o .” (Idem , n. 44 de
1915).
Caxerenguengue — Este vocábulo, que nos parece, deu
origem ao de caxengue, muito vulgar, apenas o encontramos
citado por Lopes Gama (O Carapuceiro n. 58 de 1842), entre
as cousas mais geraes entre nós, como um vocábulo da lingua
búnda, ou angolense, mas <em a sua precisa expressão. Gon­
çalves Dias o consigna como nome de um m am ifero, sendo as­
sim de origem tupy; e Beaurepaire Rohan o registrando,
com a voz de caxirenguenge, faca velha, sem cabo, com o as­
sim se chama em Matto Grosso e nas províncias meridionaes,
diz que no sentido figurado tem a expressão de homem ou
animal rachitico, enfezado e assim consóantemente com ca­
xengue, simples abreviatura, como mais facil a pronuncia.
Cachiiinguengue, com o escreve Paulino Nogueira, emprega-
se vulgarmente no Ceará com applicação geral a tudo quan­
to parece sem préstimo, um ente, um objecto inutil, setn va­
lor, e quanto á sua etym ologia, que é- voz hybrida, composta
do vocábulo guarany quixiri, resto de faca, faca que se gas­
tou e ficou faquinha, quicé, corrom pido em cachirin, e do v o ­
cábulo bunda ndengui, pequeno, corrom pido em guengue, c i­
tando a Macedo Soares. -
Caxito — O cavallo de côr verm elha, escura, tirando a
preto, mais pronunciadamente nesta, preto-caxito, e menos,
aiazão-cr-xito. “ N o pasto do Posto Zootechnico estava uma
egua rodada, typo commum, com um poldrinho de um mez,
caxito” . (D ia rio de Pernambuco n. 253 de 1915).
Cazuzinha — Pequeno insecto de agudo ferrão.
Cebola quente — Esta locução é exclusivamente applica-
da ás mulheres assanhadas, desenvoltas, quentes, lascivas, li­
bidinosas m e:m o. “ A minha prima é o que se chama uma ra­
pariga da cebola, quente. (A Pimenta n. 89 de 1902). “ Mamãe
se damna com a assanhamento de certa viuva da cebola quen­
te, da rua de H ortas” . (Idem , n. 461 de 19u8).
Cebolinho — Especie de cebola pequena, muito commum
c usada nos adubos culinários ou em conserva. Da fam ilia do
cebolinho: cabeça branca e o talo verde. (D ictado popular,
de expressão b r e je ir a ).
Cégo — Sem fio, gume; não amolado, não aguçado: um
machado c é g o ; uma faca cega. Olha o cégo, o anus. Cégo é
quem não vê p or uma peneira; O p eio r cego é o que não quer
ver; Cego não come manteiga (P r o lo q u io s ). Guia de cego, o
que o conduz; Bordoada de cego, a torto e a direito.
Ceiata — Ceia farta, alegre, ruidosa, expansiva. ^Depois
da ceiata do Penna, eis que tudo fica em sobresaltos” . O Guar­
da N acional n. 20 de 1848). “ O Oscar v iv ia e m 1constantes o r­
gias e passava as noites na~mesa do jogo, em çeiatas com mu-
jheres pernósticas” . (A Piipenta n. 11 de 1901).
Ceixupira — P eix e de agua salgada (Scom ber niger,
B lo ch ).
Cêpo — Castigo, prisão, privação de sahir á rua. Estar,
ficar no cêpo, no tôco. “ F o i am arrado a um cêpo, como se
1'osse um cach orro” . (Sentinella da Liberdade n. 21 de 1848).
Cercado — Certa area de terreno cercado e com porteira
de entrada, onde fica situada a casa de vivenda das fazendas,
engenhos ou qualquer propriedade ru ral. Os cercados dos en­
genhos onde se soltam os animaes do serviço. (H . K oster).
“ Faço-te companhia até o cercado do engenho” . (F ra n k lin
T a v o ra ). T ia c to de terra de cultura, cercado para im pedir a
entrada de animaes: Um cercado de milho. A cerca de varas
ou estacas que fecha o recinto de uma propreidade rural, ou
uma certa p aite destinada a qualquer fim . “ Vá dizer ao se­
nhor do engenho Que o cercado está no chão. Vá logo ao maí-
io T ire um cento de cipó Nem que seja m ororó P ’ra fazer a
amarf-ação” . (T ro va s populares).
Ceremonia — Um pouco da comida que é costume deixar-
se em cada prato nas refeições em casas alheias, p or parecer
mal com er tudo: D eixar a ceremonia.
Cesto — Especie de balaio feito de tim bó ou cipó rijo, com
aza para a sua conducção a mão ou enfiada ao braço. Cestei­
ro que faz um cesto faz um cento, assim tenha timbó e tempo.
(D ic ta d o ). Um cesto e um sambuiá: abundancia, quantidade.
“ O homem tem um cesto e um samburá de filhos, e outros
tantos compadres e amigos, em todas as p olíticas” . (O Ta-
nioyo n. 17 de 1891)V “ T rago um cesto e um samburá de lem ­
branças para os am igos” . (Jorn al Pequeno n. 13 de 1916).
Um cesto rôto: individuo falado;-, que não guarda segredos,
e em quem não se pode con fiar.
Cevado — Porco. “ Esse animal suino, vulgo bacorinho,
cevado ou p o rco ” . (O Sete de Setembro n. 37 de 1846). “ Ma­
tuto não diz p orco; diz cevado, e antes de pronunciar a pala­
vra, diz sempre com o devido respeito. (Lanterna Magica 11.
446 de 1894). O teim o, porem, já vem de longe: “ O cevado
só depois de m orto se aproveita delle: como-se-lhe a carne,
guarda-se-'lhe a banha, apanha-se-lhe o sangue, não se lhe

234
perde os miúdos, e finalm ente tudo se lhe aproveita. (C om ­
pendio narrativo do P eregrin o da Am erica, 1731).
Chá — Certa especie de rosa já mencionada por Jeiony-
nio V ille la ; gracejo, debique, zombaria. “ P ’ra mais agravar
a dor Aqui do nosso pachá, O proprio Brasil (pap el) Com
ele tomou seu chá.” (Gazeta do P ovo n. 4 de 1844).
Chá de bico — C lister; ajuda, como commumente diz o
vulgo. “ N o dia em que esse deputado provar a grande effica-
<ia dos clysteres, a Camara toda ferida da m aior sensação
pedirá em altos brados ao governo que lhe mande servir o
chá de bico. (A Lanceta n. 29 de 1890). “ Charlatqes, para
quem á^ua fria é rem edio e que para todas as enfermidades
receitam bichas e chá de bico.” (Idem , n. 34).
Chá de garfo — Ceiata, servindo-se depois o chá. “ Em
um certo dia que a L ily fez annos, sua mãe im provisou um
modesto chá de g a r fo ” . (A Pim enta n. 31 de 1902). “ Em se­
guida ao ensaio fará o club uma passeiata, regressando de­
pois para a sua sède onde haverá um chá de ga rfo .” (Jornal
Pequeno n. 29 de 1916). Debique, pilhéria, troça; graças de
máo gosto, zom baria. “ O Lins não desdenhou ultimamente de
tomar o seu chá de garfo com m igo” . (A P rovín cia n. 280 de
1915).
Chabóla — Golpe de mão fechada entre as nadegas. Dar.
tomar uma chabóla.
Chafarica — Insignificante casa de negocio; bodega, tas­
ca. “ Quanto a críticos, temol-os até pelas próprias chafari-
cas” . (A m erica Illustrada de 19 de N ovem bro de 1871). “ Cho­
ro dia e noite só em me lem brar de que com aquelle cobri-
nho podia augmentar a minha chafarica” . (Idem , n. 36 de
1830) .
Chafra — Soldado de policia, na giria dos gatunos.
Chaleira — Ventas, nariz; o bico da chaleira. “ Dando
nós um escorregão, Aos apupos de uma vaia, Ire is de chaleira
aq chão.” (O Ratão n. 1912). Adulador, lisonjeiro, baixo,
servil, capacho. “ P ’ ra onde quer que me vire, vou encontran­
do um chaleira.” (Lanterna Magica n. 752 de 1904). “ E ’ nos
partidos politicos que se tornam mais salientes os homens
chaleiras” . (Idem , n. 764). “ Ha chaleiras de toda a especie:
sem bico, sem aza, sem tampa, e até sem fundo” , (Idem , n.
795 de 1905). D erivados: Chaleiração^ “ Tem havido tantas
chaleirações, que a gente não sabe se está assistindo, effe-
ctiygm ente, grandes apotheoses aos bem feitores de Pernam-

235
buco” . (Lan tern a Magica n. 808 de 1905). Chaleirada: “ A
chaleirada tem ■pintado o Simão” . ( A Pim enta n. 403 de
1905). Chaleirar: “ Saber o gráo de adiantamento na arte de
engrossar, de chaleirar, como de ordinário se d iz . ” (A Lan ­
ceta n. 96 de 1913). “ O cheiro do incenso é tudo. Não chalei­
rou, peccou” . (A Lanterna M agica n. 751 de 1903). Chalei-
rism o: “ Nada de chaleirism o com os patrões. A adulação não
adiantará cousa alguma” . (A Pim enta n. 498 de 1906). “ Os
charlatães vivem em procissão continua nas palmas das mãos
do chaleirism o tão em m oda” . (Lan tern a Magica n. 741 de
1903).
Chama — Passaro de gaiola com alçapão, pai a com o seu
canto chamar a outros para a péga. “ Dentro da gaiola vai a
chama” . (M acedo Soares). A este termo, que tambem é c o r­
rente no sul, occorre o vernáculo Reclamo, que Macedo d e ­
fin e: A ve ensinada, ou domesticada, que chama cantando ou-
.tras para os laços, ou rêdes.
Chamar ao rego — A d vertir, admoestar, corrigir, chamar
á ordem, ao cumprimento de deveres.
Chaman aos peitos — Apropriar-se, comer, lo gra r. Os
bens do pobre oiphão, o tutor chamou aos peitos.
Chamarra — . Batina, habito talar do clérigo secular.
Cham baril — As carnes molles, brandas e nervosas do
boi;., certa comida feita com evtas carnes, á semelhança da
panèllada. Um succulento almoço de chambaril. “ V. Excia.
almoça chambaril ou mão de vacca? (A m erica Illustrada n.
35 de 1878).
Qhamboqueiro — Malamanhado, desageitado, grosseirão
sem esmero no porie, no andar e no trajar; com uma roupt
que não fica bem p or mal talhada, mal an a n ja d a .
Chambre — Veste talar, para homem, geralm ente feita
de chita, apertada á cintura com fitas da mesma fazenda, e
•só usada ao levantar da canta, ou muito intimamente em casa.
“ Um palitot machucado e mal feito como um chambre. (A
Lanceta n. 41 de 1890) . Abriri de chambre: Desapparecer, fu­
gir, por-se ao fresco. “ Os estouros do m otor da luz eléctri­
ca, continuaram, e o pessoal julgando que se tratava de um
rolo abriu de cham bre” . (Pernam buco n. 180 de 1913). O
vocábulo é um gallicisrno, e simples abreviatura do robe de
chambre dos francezes.
Chambrear — Comer, tomar parte nas refeições alheias,
serrar mesmo. Chambrean os pirões alheios.

236
Chambrudo — O mesmo que chamboqueiro.
Chamego — Aperto, conchego, frevo. “ Depois de extin-
cto o velho carnaval, Vem outro outro carnaval chegando:
Com todo o seu prazer descommunal, Os chamegos passados
renovando” . (A Lanceta 11. 105 de 1913). Colloquio intimo,
carinhoso, animado, em conchegos. “ A Ritinha e o prim inho
Ozias viviam todos os dias 1111111 chamego a rie lia d o ” . (A P i­
menta 11. 81 de 1902). “ Do amor sentindo o latego, ella gos­
ta do cham ego” . (O G riílo n. 2 de 1902). “ Pode ser extrava-
gancia o amor num carro: mas ahi o chamego é tão gosto­
so” . . . (A Pim enta 11. 550 de 1907). D erivados: Chamegar.
‘ Na rua da Concordia chamega um coió numa amolação es­
candalosa” . (A Pimenta n. 84 de 1902). Chamegal: “ E assim
estiveram os dous, em colloquio chamegal, até o fim da fes­
ta” . (A Pimenta , n. 552 de 1907).
ChamurVo — D espresivel, in significan te, que não vale
nada; ignorante, estúpido, casca-grossa. “ A p olicia de A fo ­
gados apezar de cocha, 011 chamurra, ainda assim vai andan­
do 0 seu cam inho” . (O Clamor Publico n. 38 de 1845). “ Tam ­
bém ha no R io Grande do N orte um doutor chamurro de no­
me A rm ário B e ze rro ” . (A Caipora Pernambucana n. .2 de
1852). “ Breve teremos o escommungado, cocho chamurro,
lambem feito senador” . (O Esqueleto n. 3 de 1846). Cremos
que este vocábulo vem do castelhano chamorro, tosqueado,
como os hespanhoes antigamente chamavam os portuguezes,
cm tom d ep reciativo. “ A grenha hirsuta, cortada mui curta,
segundo a moda de então, moda que dera aos portuguezes a
alcunha nacional de cham orros” . (A lexan d re H ercu lan o). Os
portuguezes depois deram e: se appellido aos partidários da
carta constitucional de 1826.
Chamuscar — Fazer um trabalho apressadamente, sem
esmero e sem cuidado, albardeiradam ente.
Chan de barriguinha — Passo rasgado, um tanto livre,
lascivo mesmo, dos bailados carnavalescos de certos clubs e
cordões” . Seguiram-se as danças carnavalescas, salientando-
se o chan de b a rrig u in h a ... A rapazeada do cordão mostrou
que sabe fazer 0 seu, nos arremessos do chan de barrigui­
nha” . (Jornal do R ecife n. 45 e 53 de 1914).
Chantage — N egocio illic lto , esqaindaloso, ím m oral, de
má fé; burla, velhacaria, treta, ardil; conto de vigário. “ O
Im parcial denuncia, sob d titulo A lta Chantage, um facto que
agita as rodas governam entaes” . (D ia rio de Pernambuco n.
88 de 1916). “ São dessas chantages que usam certos in divi-
duos corroidos pelo m icrobio do v ic io . ” (Jorn al do R ecife
íi. 197 de 1916). Este vocábulo já com os foros de cidade, é
um escusado gallicism o, e do qual vem já o derivado chan­
tagista, q u e . igualmente vai caminhando. “ Quando se procu­
rava syndicar do facto, o esperto chantagista dá ás de v illa
D io go ” . (Pernam buco n. 154 de 1913).
Chapa — P h iases vulgares, communs, corriqueiras, se
diças, commumente usadas na conversação, e mesmo em es-
criptos e peças oratOrias. “ Sympathica artista, chaipa dos
nnnuncios de espectáculo” . (O Diabo a. quatro n. 152 de
1878). “ Deu pela espora um mancebo, que trepando-se na
tribuna da imprensa (chapa com mum), exclam ou: Ego sum !”
(Idem , n. 182). “ Discursos abundantes de chapas, que sc
acham em todas as boccas e em todos os jorn aes” . (L a n te r­
na Magica n. 261 de 1889). “ Se a donzella digo: E ’ s bella, és
divina, és g u a p a ... Gritam todos: isto é chapa” . (Idem , n.
740 de 1903). Chapa de caixão. A que o eleitor recebe na
bocca da urna” . “ E leitor do partido, recebbi em todos os tem­
pos chapa de caixão, votando de cabeça b aixa” (O Estado
de Pernambuco n. 17 de 1914).
Chapelão — Augm entativo de chapéo; chapéo grande.
P elo sim e pelo não, levai o vosso chapelão. (D ictado po­
pular).
Chapellipa — Chapéo de fnulher. “ Enormes chapellinas
com pletavam o costume” . (João B rig id o ).
Chapelinho — Chapéo pequeno. “ Botou um ramo no
peito, na cabeça um chapelinho” . (A m erica Illustrada n. 15
de 1878). “ A Xandu’ já não anda com a cabeça ao fresco;
usa chapéo, um bonito chapelinho” . (A Pimenta n. 74 de
1902). “ Um paletó de côr, e um chapelinho de palha era o
seu uniform e ord in á rio ” . (O Barco dos Traficantes n. 8 de
1858).
Chaprudo — Mal feito de corpo, desageitado, desgracio­
so, grosseirão; malamanhado, chamboqueiro, chamhrudo. E n­
contramos num vocabulário da •giria da ilha de S . M iguel do
archipelago dos Açores o term o chaprão, com as mesmas ex­
pressões do nosso chaprudo.
Charlata — P o r charlatão. “ A qu illo é um fin o r io . .. é um
ch a rlata!” (A m erica Illustrada de 17 de M arço de 1872).
“ Bismarck, o grande charlata, devia esconder a lata, se ou­
visse o Bento fa la r” . (O Diabo a quatro n. 86 de 1877). “ O
collega da imprensa alagoana indubitavelm ente ha de ser urii
charlata de fo rç a ” . (Idem , n. 106).
Charco — Cousa vulg.arisada, conhecida, que hinguem
ign ora. “ E porque o meu vivei*-Nesta terra ficou charro, Me
compraram João Gaspar E José da Costa B arros” . (Rom an­
ce pastoril d’0 Boi lis o ).
Charutaria .— Estabelecim ento de ven der charutos, c i­
garros, fumos e artigos de fumantes.
Charuto — Vinho com uma certa dosagem de mel de pau
ou de abelhas. Moleque, homem preto. “ Urri charuto criado
dé uma republica entendeu de fazer um discurso ás massas,
e sahiu-se de tal modo que fugiu corrido aos gritos de: Cala
a bocca, c h a ru to ... A o com eçar a quadrilha appareceu na
sala um charuto todo se requebrando” . (A Pimenta ns 59Ü
e 608 de 1907).
Chato-marôto — Especie de insecto parasita p rop rio do
homem ('perdiculus pulis), o chato, ou piolh o ladro, a que o
vulgo chama piolho Lazaro.
Chavasca — Um instrumento contundente qualquer: Met-
ter a chavasca, dar umas chavascadas, chavascar. “ Meu San­
to O nofre fazei com que certo velho rabugento leve umas
chavascadas de pelar o couro para não andar se enxerindo
com uma mocinha de cheta” . (A Pim enta n. 5 de 1908).
Chefança — D irecção, acção de chefe, mas em tom de­
p reciativo. “ Botando as manguinhas de fóra, tem perdido
esse pouco conceito que havia adquirido durante o tempo de
>ua chefança” . (O Vapor do Rio Form oso n. 16 de 1857).
“ Que, emquanto estou na chefança, Com o leme da go ver­
nança, Quero loigo sem tardança, A todos con decorar” .
(Barbosa V ian n a).
Chefatura — A repartição central de policia, dirigida
pelo respectivo chefe desse ramo de serviço publico: Chefa­
tura de 'policia.
Chefe — Sabidorio, espertalhão, estr uíeiro: Aquelie su­
jeito é um chefe. Chefe de peça: ultra chefe. “ O Gregorio é
um chefe de peça, facadista de prim eira ordem ” . (A Pim en ­
ta n. 559 de 1907).
Chefête — Q ualificativo de ridiculo, depreciativo, dado a
um chefe p olitico ou de um serviço qu alquer; chefe im pro­
visado, sem im portância e prestigio. “ Sem o placet govern a­
mental chefete algum ousará praticar brilhaturas” . (O Es­
tado de Pernambuco n. 80 de 1914). “ Chefetes que buscam

239
esconder a sua nullidade p or traz de umas suppostas reac­
ções policiaes” . (A Ordem n. 25 de 1918).
Chefia — D irecção, acção de mando, de chefe.
Chefiar — D irigir, ter a seu cargo a superintendência de
um serviço ou missão qualquer.
Chêga — Reprehensão, reprim enda; sóva, tunda: Dar um
chêga. O teim o vem, talvez, do dictado: Chegar a roupa aos
couros.
Cheio — Em briagado: Cheio como um ovo. Cheio de não
presta; doente, achacado.
Cheira-banana — T olo , parvo, amalucado; um pobre dia­
bo. “ O grande cheira-banana tambem quer ser nam orado”
( 0 Barco, dos Traficantes n. 54 de 1858).
Cheirar — Poupar, zelar, cuidar com esm ero; usar com
discreção de uma cousa qualquer para não se estragar e
durar muito; cousa apreciavel, de cheirar e guardar. “ Uma
t
collecção de rôxas de cheirar e guardar” . (Jornal do R e . c ife
n. 52 de 1916). Passar p or um logro, engano, preterição:
Cheirar vara; tomar uma cheirada. “ H avia no jardim tudo,
menos musica. Ninguém soube o m otivo de semelhante chei­
rada” . (Jornal Pequeno n. 40 de 1916). Cheinar a defunto:
imminencia de hom icídio. “ O A rlindo retirou-se do rôlo com
medo do resultado que já estava cheirando a defunto” . (A
Pimenta n. 629 de 1908). Cousa que não cheira a cobre: de
graça, presenteada, De bobus a n icolau .-
Cheiro — Cheirar carinhosamente a alguem: Dar um
cheiro. “ Recebe somente um cheiro N o cogote, extraordina
rio, P elo teu an n iversario” . Jornal do R ecife n. 205 de 19I2C
“ Deram um punhado de abraços e cheiros em Arlequim , e sc
foram na m aciota” . (Idem , n. 50 de 1914).
Cheirume — O mesmo que odor, aroma, cheiro, mas com
as expressões de máo, insupportavel. “ Quando sua, é que
elle exhala o cheirume de budum” . (A m erica Illustrada n
22 de 1883). “ Não mudar de roupa para não mudar de chei­
rum e” . (Idem , n. 31).
Chendengue — M agricelo, enfezado, chimbute. “ Quem
namora um chendengue, não quer casar, não” . (Am erica II-
lustrada de 12 de Outubro de 1873).
Chêrêta — Velho gaiteiro, mettido a conquistador. “ Este
chereta é o mais cabuloso que conhecem os.” (A Pimenta n.
56 de 1902). “ Pesça logo este chereta, que elle cai como um
patinho” . (A Peia n. 9 de 1904). “ O Mattos anda mettido a
ehereta, procurando conquistar a sinhá M arietta” . (A P i­
menta n. 10 de 1908).
Cherne — P eixe de agua salgada, tão vulgar nos mares
do Iittoral do Estado como nos do archipelago de Fernando
de Noronha, e assim chamado pela sua semelhança com o de
igual nome, muito commum, nas costas de Portugal.
Chia — Sujeito m ofino, fraco, pusillanime, safra da pan­
cada. “ Ora vá se catar. T od o o mundo sabe que você é ch ia ;
isso de muita gomma é titica” . (Jornal do Recife, n. 41 de
1915).
Chiada — Caçoada, pilhéria, troça. “ Tom ar chiada cem
o sr. Nabuco, este amigo e creatura nossa!” (O Diabo a qua­
tro n. 8 de 1875).
Chiadela — O mesmo que chiada.
Chiba — Páo de bater, naturalmente abreviatura de chi­
bata: M etter a chiba. “ Lem bra-te que a industria é triste e
perigosa, e que o fim do presepista é chiba e cadeia” . (A
Derrota n. 20 de 1883).
Chibar — Comprar, figurar, ostentar. “ V ê r um pobre fo ­
cas Que ás cascas v iv i,,D a noite p ’ra o dia chibar muito ai­
roso” . (A Carranca n. 18 de 1847). “ Eu já velho, a chibar
de b on ito! Ide senhora, não devo aturar-vos” . (J. C. de M e­
nezes e Souza).
Chiça! — D icção in terjectiva, accentuadamente pronun­
ciada, com as expressões de: F o ra ! Solte! Largu e! Não pe­
gue! Cuidado! A lto lá!
Chicáca — Bodega, chafarica, tasca. Na lingua do C on ­
go se encontra o vocábulo xicaca, que nada tem de commum
com o espirito da nossa dicção.
Chicharro — P eix e do mar, da mesma especie e nome do
que abunda nas costas de Portu gal. Alm a de chicharro, diz-se
para chasquear de alguem.
Chichello — Sapato velho, ordinário, em chanqueta ou
aehinellado; indivíduo de baixa esphera, um João ninguém,
um troca-tintas ahi qualquer. “ Emprehende a honra sua Em
pôr! nos cornos da lua O reinado dos ch ich ellos'’ . (D e uns
versos políticos de1 1836). “ Isto é uma provocação chamar-
nos ch ich ello s!” (O Form igão n. 5 de 1850). “ Se o povo me
coadjuvar, verá pomo se combate essa nobreza de chichellos” .
(A Duqueza do "Linguarudo n. 133 de 1878). Chichello me
prende, sapato me solta. (D ictado popular) O vocábulo é

241
uma contrafacção dc chinela, ou chinelo, preferentem ente,
como vulgarmente se diz entre nós, e Moraes o consigna c o ­
mo termo chulo, com a expressão de sapato relho, não mais
figurando, porem, nos modernos lexicons.
Chichôrras — Nom e dado a umas febres que apparece-
ram no tempo da presidência do Conselheiro Antonio Pinto
Chichorro da Gama (1845-1848), pelos seus adversários p o lí­
ticos. “ O vulgo denominou as febres que ha mezes tem aqui
ceifado algumas vidas, Febres Chichôrras” . (J. 15. Fernandes
Gama). “ N o tempo do Chichorro houve umas febres cha
madas chichorraticas, que atacou a quasi toda a população” .
(Sentinella da Liberdade n. 37 de 1848). Concurrentemente,
na mesma epocha, houve os collarinhos a Chichorro, usados
á imitação dos delle, pela gente do seu partido, os quaes p er­
durando, ainda os alcançamos mantidos p or uns velhos li-
heraes que vinham do seu tempo.
Chicolateira — O nariz, as ventas: esfregar, quebrar1, ar­
rebentar a chicolateira; rosto, cara, cabeça, na giria dos ga­
tunos do R io de Janeiro.
Chicoprompto — O peixe bacalháo.
Chicotada — Indirecta, chincada.
C h ifre de cabra — Sovina, tacanho, imprestável.
Chimango — Partido politico organisado no R io de Ja­
neiro pelos liberaes para defender a idéa do projecto de m aio­
ridade do im perador D . P ed ro II, e que viu os seus esforços
coroados de bom exito com a sua decretação em 1840, de en­
contro ao partido Caramuru’ (con servador), que vigorosa­
mente a com batia. O partido Chimango echoou em Pernam ­
buco, e permanecendo mesmo depois da maioridade teve p or
orgão das suas idéas o D iario N ovo, que appareceu em 1842.
F o i este partido que teve entre nós, posteriorm ente, a p ar­
ticular denominação de Praeiro, e p or fim a de Liberal, até
a sua disisqlução em 1889, com a proclam ação da republica.
Chimango era uma denominação depreciativa, dada já aos li-
peraes desde os annos de 1834, em allusao ao m ilvago chi-
mango, especie de carcará ou caracará, que se alimenta de
carne corrupta, de vermes, larvas e insectos.
Chimbica — M entiroso, fiteiro, contador de lorotas; e
depreciativam ente, assim chamado um indivíduo qualquer1.
Chimbica é, naturalmente, um vocábulo de origem africana,
parecendo-nos assim, que vem de schimbika, term o que ex-

242
pressa entre cs .proprios africanos um dos meios pelos cpiacs
o escravo pode se liv ra r do captiveiro 011 procurar um novo
senhor.
Chitnbimba — . Pelintra^ Valdevinos, troc^a-tiintas. “ Os
chimbimbag A ffon so e Adolph o escandalisam os m oradores
da rua da Saudade com um namoro desbragado” . (A Pim en­
ta n. 54 de 1902).
Chimbute — Indivíduo pequeno, magrissela, enfezado. “ O
Lemos, chimbute, do Consulado” . (A m erica Ulustrado de 31
de Dezem bro de 1871). “ O Arnaldo, Chimbute, porteiro do Ci­
nema P a th é .” ( A Pim enta n. 13 de 1914).
Chimpar — F alar franca e claram ente; desmascarar a um
individuo, rudemente atirando-lhe em rosto duras e humilhau-
tes verdades, exprvuando um acto máo, um procedim ento in ­
correcto, pondo-lhe assim a calva á m ostra: Chimpar na venta,
na cara. Aulete registra o vocábulo como termo popular, mas
com expressões diversas.
China — Mulher de typo fricion al de caboclo; predilecta,
amante; de vida facil, avoadeira. “ Sèm m orar na China tem O
Samuel Pinto uma china, Coisa rara, para-fina” . (M ephisto-
pheles n. 26 de 1882). “ Uma noite a vagar pelas estradas, vi
uma bella china no postigo” . (A Pimenta n. 19 de 1902). Bara-
vo china! Quem não sabe lêr não se assigna. (D ictad o). O ter­
mo tem tambem curso no R io Grande do Sul: “ Oh! china, mu­
dai teu nome Que teu nome me atorm enta” ; e vai ainda alem,
como se vê da sua consignação no Vocabulário chileno de Lenz,
e com as mesmas expressões que tem entre nós: “ Nina, mu-
chacha, m ujer dei pueblo b a jo ... querida, manceba, m ujer pu­
blica; exprecion carinõsa, un diminutivo, chinita” ; que cor­
responde ao nosso chininha. Vem dahi, no Perú, B olivia e
Chile, nomeadamente, de par com o termo, o derivado achi-
nado, que corresponde ao nosso acaboclado.
Chincada — Indirecta pesada, p ilhéria causticante.
Chinfrim — Cousa ridicula, insignificante, ordinaria, con­
soante com as expressões de reles, cousa que não presta, se­
gundo Aulete, registrando o vocábulo como termo popular; no
Ceará, porem, é a denominação dada aos bailes canalhas: “ Nas
pontas de ruas, vai animado o xinfrim , o fo r ro b o d ó .” (C an cio­
neiro do N o r t e ). D erivados: “ Chrinfrinada, “ O actor João Gil,
apezar do tour de force que empregou, fez ch in frin ad a.” (M e-
phistopheles n. 22 de 1882). “ A passeiata dos caixeiros não
deixou nada á desejar em ch in frin ad a.” (O Etna n. 26 de
1882). C h rin frin eira: “ N o meio da grande luta, Da colossal
chrinfrineira, Só unia voz não se escuta: A voz dos Pires F e r­
r e ir a .” (C yran o & C .).
Chinica — “ Escrem ento. “ Uma barriga enorme, verd ad ei­
ro deposito de chinica.” (A Pimenta n. 621 de 1907).
Chique — Bonito, elegante, apurado; no rigo r da moda.
“ As moças chiques querem fazer tijolos sem b a r r o .” (A Du-
queza do Linguarudo n. 140 de 1878). “ Onde vai, sinhá, tão
chique? (Joaquim N o rb erto ). Chique massa! Na peneira não
passa. (D ictado p o p u la r). D erivado: Chiquismo. “ Um apru­
mo inglez, e uma certa petulancia no andar garboso de menina,
davam-lhe um chikismo e um realce áquellas formas tornea­
das, que a faziam crer um verdadeiro a n jo .” (O Diabo a qua­
tro n. 12 de 1875). “ O chiquismo de quem sentia o paladar de
alguma cousa bôa.” (A m erica Illustrada n. 5 de 1877). An-
lete registra o vocábulo mantendo porem a sua fórm a origin a­
ria de francez r Chie ( x i - k i ) .
Chiquechique — Cactacea da nossa flora, que vegeta no
sertão; ave do arcliipelago de Fernando de Noronha'. “ Do
Chiquechique o piado Entristece toda a g e n te .” (Jeronym o Vi-
l e l la ) .
Chiqueirador — R elho ou chicote de alm ocreve para tan­
ger os anim aes.” Desconfiou que um pobre matuto que es­
tava a lli por perto da botica com um chiqueirador queria dar-
lhe com e lle . ” (O Guarda N acional n. 43 de 1843). “ Da mão,
em vez de chiqueirador de buranhém que trazia, pendia-lhe
agora uma catana fóra da b a in h a .” (F ra n k lin T a v o r a ).
Chiqueiro — Um dos compartimentos dos curraes de pes­
caria, de onde não póde mais sahir o p eixe que nelle entrar;
certo espaço de terra fechado com uma cerca de estacas ou
fachinas para a creação de gallinhas ou p orcos. “ O ’ que perú
im pertinente! Xô, xô, bicho! Y a i para o chiqueiro.” (A D er­
rota n. 9 de 1883). “ Casa de porco é c h iq u e iro ..- O cachor­
ro está latindo, Lá p ’ra banda do chiqueiro; Cala a bocca, ca­
chorrinho, Não sejas m e x eriq u e iro .” (T ro va s populares). Uma
casa em desarranjo, porca, immunda. “ A sala das audiências
já não é aquelle chiqueiro de outr’o r a .” (A m erica Illustrada
de 3 de Março de 1872).
Chiquito — Calçado de criança, ordinário.
Chira — Certa especie de peixe, que só a encontramos
mencionada p or Jeronym o V ille la nos seus versos.
Chocar ^ Acovardar-se, esmorecer, e submetter-se; re ­

244
cuar, fugir, no ardor de uma contenda, de uma luta; dar parte
de fra co . “ Seu Pinto, você aqui não cisca; eu corto-lhe os es­
p o r õ e s ... Eu sou o Pin a. E o P into chocou.” (Lan tern a Ma­
gica n. 840 de 1906). “ Depois que appareceu na N ova Veneza
o poeta Leandro, a musa do Sr. F . G. chocou!” (P h ilo c ritic o
n. 1 de 1899). “ Então o Glodoaldo chocuu, hein? Só se elle
fosse a ra ra .” (Pernam buco n. 173 de 1913).
Chopp — Cerveja pasteurisada, isto é, não cozida, e assim
usada somente no p rop rio dia de fabricada p or fica r deterio­
rada no seguinte. O uso do chopp entre nós vem da installa-
ção da fabrica denominada C ervejaria Pernambucana, em
1914. “ Foram erguidos muitos brindes e offerecid o um chopp
a todos os eirçum stantes. ” (Jornal do R ecife n. 63 de 1916).
(U m chopp péde outro chopp” . (A P rovín cia n. 64 de 1916).
Chopp duplo: servido um copo de capacidade dupla dos o rd i­
nários. “ O chopp duplo mantem no R io de Janeiro o preço
habitual de 400 r é is .” (A P rovín cia n. 59 de 1916). Casa de
vender chopp. “ Os allemães toçnaram cerveja no Chopp da
rua das F lo r e s .” (D ia rio de Pernambuco n. 78 de 1916). “ Os
cinemas, os cafés e os chopps estiveram concorridissim os. ”
(A P rovín cia n. 64 de 1916). O termo vem do allemão schop-
peul, copo grande, de aza, de um quartilho ou meio litro, de­
rivado do latino scaphium. N o sul da Allemanha, antigamente,
tinha o nome de schoppeul uma medida para liquidos, mais
ou menos correspondente a meio litro .
Choramingas — Indivíduo que v ive a lamentar-se de máos
negocios, difficuldades, penúria, contratempos; a queixar-se
dos proprios males. D erivados: Choramingar, choraminguento.
Corruptela do termo fam iliar portuguez, choramigas, chorar
por qualquer cousa.
Chora minha amiga — Lamúria, choradeira, jerem iada;
uma cousa constante, habitual, impertinente, cabulosa. Ahi
vem o Antonio com a sua chora minha amiga.
Chôto — Mau andar do cavallo, incominodo, e dahi cho-
tão, chotona, o cavallo e a egua que andam de choto, e chotar
ou chotear, andar de choto. “ Mandei fazer um chicote Tendo
na ponta um botão, P ’ra te mettê nas costellas Cavallo veio
chotão. .. Ha quatro coisas no mundo Que atromenta um
christão: E ’ uma casa de goteira, E um cavallo chotão, Uma
muié ciumenta E um menino c h o rã o .” (Versos sertanejos).
“ T ra z cabellos de cigano, de maneira que quando choteia por
ahi a cavallo é uma perfeita caricatu ra .” (A Carranca n. 6 de

245
1842). “ Tu não prestas senão para chotear de jaqueta de galão
atraz de teu s en h o r.” (F ra n k lin T a v o r a ).
Chouriça — Especie de doce feito com sangue de porco
condimentado com ervadoce.
Chove não molha — Duvidas, indecisões, dubiedade, eva­
sivas, subterfúgios; não atar nem desatar. “ Para evitar delon­
gas, para evitar chove não molha, vai o homem correndo pedir
ao m inistro novamente a tê ta .” (A Lanceta n. 26 de 1890). “ O
prim inho que não era rapaz de chove não molha, resolveu lo ­
go a qu estão.” (A Pim enta n. 39 de 1902). “ O sujeito compra
passagem da prim eira secção, morando no Arraial, e descul­
pa-se com os conductores com chove não molha.” (Idem , n.
73).
Christão — Este termo é somente usado quando se fala
de um individuo de quem se duvida da sua honestidade, f ir ­
meza, sinceridade e caracter; ou de quem se suspeita da sua
pureza de casto, e dahi d izer-se: Aquelle sugeito parece que
não é lá muito bom christão; F ilh o de cobra d’agua com ja ­
caré; e que Em pequeno coçou a orelha com o pé, como faz
o cabrito. “ Quer o presidente le v a r tudo de vencida nas e lei­
ções, chamando á sua respeitável presença todos os em prega­
dos públicos que julga pouco christãos.” (O Clamor Publico
n. 89 de 1846). % i/

Christo — Paciente, resignado, bonachão; vietim a de es­


peculações, expertezas, explorações: o Pagador das tropas; O
Queiroz, que paga p’ ra nós. “ O W a lfrid o fo i o christo d as'u lti­
mas quengadas do pintor V iria to .” (A Pimenta n. 86 ^de 1902).
Chuladio — Embriagado.
Chumbado — O mesmo que chulado. “ N o recreio appare-
ceu um individuo completamente chumbado, que quiz a pulso
tomar parte na fe s ta .” (Jornal do R ecife n. 482 de 1916).
Chumbeiro — Designação depreciativa do portuguez fta
epocha das nossas lutas emancipacionistas, que ficou p or muito
tempo, mas hoje quasi que esquecida. “ Este nefando jirocedi-
mento não pertence senão aos tramas dos chumbeiros.” (O L i ­
beral n. 19 de 1824). “ M orram todos os chu m beiros.” (C o n ­
versa política, 1825). “ O espirito chumbeiro dar fim á lib e r­
dade já p ro m e tte ... Dos chumbeiros presentes vai mamando,
E só os miguelistas o re sp e ita m ... Sabem 'da Europa-os chum­
beiros ás barcadas, Nos quaes a m aroteirá só c o n fia .” ( A Co-
lu m n eid a ).

246
Chumbergar — Gostar da pinga; beber demasiadamente,
em briagar-se. “ Passa todo o anno lectivo de m ortorio e chum*
bergando em santo o c io .” (O Foguete n. 5 de 1845). “ Fre-
guenta os ship chandlers, aonde tudo chu m berga.” (America
Illustrada n. 48 de 1877). “ Na rua em copo não péga; Porem
em casa Chumbrega.” (C ancioneiro do N o r t e ). O vocábulo
vem, naturalmente, de Xumbergas, appellido ou alcunha do
governador Jeronym o de Mendonça Furtado (V . Xtfmbergas)
acaso por ser dado ao uso immoderado de bebidas alcoolicas,
conceito que parece autorisar este verso de J. Soares de A ze­
vedo: “ São Zoesxumbergas d’oiro a trèscalar cachaça” , atten-
dendo assim á origem do termo pela sua expressão clara de
um bebedo endinheirado. Xumbergar devia ser a graphia p re­
fe rív e l do termo, attendendo a sua bem p rovável origem ; mas
encontrando nos trechos da sua documentação escripto com
c h, assim o registram os.

Chumbinho — D in h eiro; moeda de qualquer especie; bens


de fortuna. “ Aquella moça, alem de vistosa e peixão, era
possuidora, dizia-se, de uns chumbinhos avultados.” (A Penna
n. 8 de 1899). "G eren te defende os carros de chumbo e o chum­
binho dos accionistas da com panhia” . (Lanterna Magica_n. 674
dc 1901). “ Quem está no serviço sou eu; divida o chumbinho”.
(Idem , n. 514 de 1890). “ Justiça do Am azonas! Bem b o m ...
Ü chumbinho governa o inundo!” (Id em n. 687 de 1902).
Chumbo — O mesmo que chumbinho. “ Vamos ter m eno,
chumbo nas algibeiras, e vamos ter mais sellos no orçam en­
t o . ” (Lan tern a Magica n. 651 de 1901). “ Pincelando de verde
a humanidade, foi-se o homem á cata de chumbo, que não pou
de alcançar no R e c ife .” (Pernam buco n. 280 de 1913). Bala
de qualquer arma de fogo. “ Você remexeu-se, passo-lhe
chumbo.” (Jornal do R ecife n. 91 de 1914).
Chupado das carochas — Magro, excessivamente pallido,
sem pinga de sangue, viclim a uas carochas, o conhecido inse­
cto Coleoptero pentamero, que, segundo a crendice popular,
chupa o sangue da gente, como os vam piros.
Chupeta — Charuteira, cigarreira, p iteira; bico de b orra­
cha da mamadeira. “ Aos tres annos, já esperto e crescido f i ­
cava entretido na chupeta, a mamar, a m am ar.” (A Pimenta
n. 28 de 1902).
Chupitar — Chupar, sugar, mamar. “ Jove quando foi m e­
nino, Chupitou leite c a p rin o .” (L u iz G am a). “ Quando os in-
dús apanham um insecto que lhes esteja a fazer cócegas ou a
chupitar o sangue, deitam o bicharoco sobre algum christão
d espreven id o.” (C arlos de L a e t).
C h u rin a d a — Indirecta, insulto, injuria, accenação. “ Umas
churinadas atiradas em combate le a l. ” (A m erica Illustrada n.
8 de 1877). Na giria portugueza encontramos o verbo churi-
nar, esfaquear, assassinar, de onde, naturalmente, vem o nosso
vocábulo. A lb erto Bessa escreve que churinar é talvez corru­
pção de chacina.
Chuva — O ajudante do director do presidio de Fernando
de Noronha, na giria dos degredados; bebedo, no gariço. “ Os
nossos chuvas berravam , pedindo passaporte para abrigareni-
se no palacete do C a p ib arib e.” (A Pimenta n. 59 de 1902). Be­
bedeira, embriaguez. “ Cabeça virada é chuva.” (O A lfin ete n.
10 de 1890). “ Entraram no Café R uy e serviram-se de alguns
licores sahindo na chuva.” (A Pimenta n. 14 de 1902). “ E n­
contramos numa chuva medonha a carapanã Am elia B o i. ”
(Idem , n. 544 de 1907). Abundancia, quantidade, fartura.
“ P elo que vejo o Thesouro, tem dinheiro como chuva. (P ern a m ­
buco n. 194 de 1913). Chuva de caroço: Forte, torrencial. Chu­
va de cajú: Chuva leve, ligeira, que apparece pelo estio, na
epocha da floração dos cajueiros. “ O tempo estava enxuto
não obstante se mostrarem os campos borrifados das chuvas
do cajú.” (F ra n k lin T a v o ra ). “ Em certa zona do littoral do
Ceará, nas serras de Baturité, na Ibiapaba em algumas outras
ha em Novem bro poucas chuvas, finas, chamadas chuvas de
cajú.” (D r. Moura B rasil). A estas chuvas davam os indios o
nomes Acajú acai piracóba. Dictados: Chuva com sol casa a
raposa com o rou xin ol; Não ha sabbado sem missa, domingo
sem chuva e segunda sem preguiça; Chuva não quebra osso;
Chuva como cabello de gia !; Esperar que chova p ’ ra criar
minhocas; Quer chova quer faça sol é sempre assim.
Chuvada — Chuva súbita,' rapida e abundante: Dar uma
chuvada.
Cigarra — Insecto da fam ilia das cicadarias (Cicada tim-
panum, F a b .) a que os indios davam o nome de Jakirana. Diz
o vulgo, correntemente, que a cigarra é victim a do seu muito
cantar, de um rechinar agudissimo, vindo dahi estourar pelas
costas, m orrendo assim, e consoantemente, esta locução popu­
lar de uma negativa form al, perem ptória: Nem que estoure
pelas costas como cigarra, consentir, dar ou fazer qualquer
cousa. Diz-se tambem, que da sua carcaça medra o cipó co­
nhecido por japecanga, de virtudes m edicinaes. A cigarra só
apparece ás proxim idades do inverno. T eve o insecto, o rig i­
nariamente, o nome de Cegarrega, como registra Mcraes, des­
crevendo-o; e consignando depois o vocábulo cigarra, diz que
é o mesmo que cegarrega, como Bluteau já havia feito regis­
trando este term o. Descreve elle o insecto minuciosamente, e
na parte histórica chega até V irgilio , que o menciona em um
dos seus versos como o nome de cicadis, d ’onde vem cicada, de
quasi citó cadens, porque v ive pouco. Term o portuguez, por*
tanto, fo i naturalmente imposto á nossa jakirána, p or ser da
mesma especie da cigarra de Portugal, onde ha mesmo este
adagio citado p or Moraes: Faze tua seara, onde canta a cigar­
ra. “ Cigarra! levo a ouvir-te o dia in leiro Gosto da tua trefa-
ga cantiga, Mas vou dar-te um conselho, rapariga: Trata de
abastecer o teu celleiro .” (O legario M arianno)
C igarreira — Pequeno tubo de ambar, madeira ou gesso,
onde se mette o cigarro para fum ar. “ Amanhã quero ver-vos,
coioiada, flo r á lapella, cigarreira á b o c c a .” (A Pim enta n. 25
de 1902).
Cinco mandamentos — As mãos, em allusão ao numero dos
dedos. Mandar na cara os cinco mandamentos: dar uma b o fe ­
tada.
Cinco m il — Q ualificativo de ridicula dado pelos conser­
vadores ou guabirús, aos liberaes ou praeiros, originado de
uma noticia publicada no D iario N o vo sobre as manifestações
de regosijo pela subida do seu partido ao poder com a organi­
zação do m inistério liberal de 2 de F evereiro de 1844, e na
qual mencionava uma grande passeiata que houve, composta
de cinco mil pessoas, numero evidentemente exagerado, p ro vin ­
do dahi o qu alificativo. Appareceu então um Hym no nacional
dos cinco mil, á im itação do da Independencia, e chasqueando
dos praeiros. ( A Barca da V igia n. 9 de 1847). O Padre João
Capistrano de Mendonça, extrem ado liberal, teve então o ap-
pellido de Capellão dos cinco m il. Resolvendo, porem, elle,
publicar um p eriodico politico, que começou a circular em 2
de Setembro de 1847, deu-lhe mesmo o titulo de — Hum dos
cinco mil — tendo por epigraphe: Trem ei oh ! guabirús, dos
cinco m il!, e no qual violentam ente os atacava. V eio dahi ap-
parecer logo — A Capistranada em 19 de Setembro de 1847.
Epistola ligeira, — insultuosamente o atacando, bem como aos
cinco m il. Este qualificativo, porem, não teve grande trajectó­
ria, permanecendo o velho de Praieiro.

249
Cipahuba — Madeira, mencionada p or Jeronym o V ilella
na sua poesia — A minha terra natal.
Cipó — Nom e generico de varias especies de vegetaes da
nossa flora, em geral trepadores, pertencentes a diversas fami-
lias, e de variadas applicações medicinaes e industriaes, dentre
os quaefc, de um fino, flex iv el, é tirado o cipó, especie de chi­
bata ou tabica. “ Zarpdndo para Maceió A lli tive pouca sorte;
Fiaeram-me c’um cipó Tom ar o rumo do n o r te .” (A Pim enta
n. 587 de 1907). M^fta o cipó bem de rijo E nunca lhe dôa a
m ã o .” (Barbosa V ia n n a ). Cipó de b o i; o mesmo que umbigo
de boi. “ Certa moça de Sant’Anna, p or m otivo de ciume, disse
que mandaria dar uma surra de cipó de boi em um ra p a z .”
(A Pim enta n. 628 de 1908). Cobra de cipó: Vulgar especie de
ophidio, assim chamado, como escreve Koster, pela sua seme­
lhança com o arbusto que lhe dá o nome; é tida por veneno­
sa. O vocábulo é corruptela do tupi i-ci-pó, ou filam ento que
se pega ás arvores, liana, nome generico das plantas sarmen-
tosas. (T h eo d o ro Sam paio).
Cipoáda — Indirecta, chincada, p ilhéria mordaz, picante.
C i p o a l — Embrulho, enredo, embaraço, com promettimen-
to; situação d iffic il sem meios faceis de sahida, como quem se
vê m ettido num cipoal, matta cerrada de cipós, d’ onde não saí
facilm ènte quem nella entra, im pedido de caminhar, m archar.
“ Lourenço tinha o espirito preso a certa ordem de idéas que
o en volvia como em cipoal, mais inestrincavel do que o enre­
dado bam burral por onde ia.” (F ra n k lin T o v o ra ) “ P ois agora
é que dei fé Aonde estou eu metido: N o meio d’ um ciopal, E
muito bem tecido, Que quero sahir não posso, E já me julgo
p erdido.” (C ancioneiro do N o rte )
Cipó-pau — Cipó grosso, forte, rijo ; pau de bater. “ Has de
vêr nas tuas costas um cipó-pau trabalhar” . (O Barco dos T ra ­
ficantes n. 54 de 1858). “ Manda assim por assim uma s o ffrive l
tempestade de cipó-pau no lombo do outro.” (O Campeão n. 104
de 1862). Cipó-pau vem do nome vulgar do p rop rio arbusto,
trepador, da fam ilia das Sapindace»s, de que é tirado, sendo
asim fu exivel, de facilm ente vergar. “ Diseram até que as nos­
sas costas haviam de experim entar a elasticidade de um cipó-
pau.” (M ephistopheles n. 10 de 1883).
C irro da morte — Estertor tracheal que se manifesta no
periodo agonicó devido á mucosidade acumulada no larynge.
Ciscador — Instrumento constante de uma estreita travessa
de ferro armada de dentes ponteagudos, com um cabo com ­

250
p rido de madeira, destinado á lim peza do solo. In divíduo que
trabalha com ciscador. “ Aqui terás nos ciscadores, uma le ­
gião de homens até a medula. (Jornal do Recife, n. 44, de 1915).
Ciscar — Arredar, revo lver, espalhar o cisco, com o fazem
as gallinhas á cata-de insectos e vermes. “ Vem depois um p in ­
tainho, Que embora cisque muito e apresadinho, 0 b ico não
trab alh a.” (Barbosa V ia n n a ). Juntar e rem over o cisco das
ruas e dos campos, ou como define Moraes, lim par a terra que
se vai arar, dos gravetos e ramos que o fogo não queimou;
Açular ou instigar os cães a m order; Arreliar-se, zangar-se,
bravejar, fazer explosões. “ Ou vai ou racha! Ou entra ou ar
rebenta! Commigo é nove e dez não form a! Estou ciscando! Es­
tou dam nado!” (Lan tern a Magica, n. 877 de 1907).
Cisqueiro — v Amontuado de cisco; deposito de lix o . “ Aca­
bamos de ver o R am iro passar num carro da lim peza publi­
ca para o cisqueiro.” (M ephistopheles n. 18 de 1882).
C ivilism o — Systema politico que combate o predom ínio
m ilitar na política do paiz.
C ivilista — Adepto do civilism o; cultor distincto do D i­
reito C ivil.
Clavinote — Arm a de fogo, mais curta que a espingarda.
“ João de Souto examinou rapido a escorva do seu clavinote,
que ia ser apontado por olho de atirador qile nunca errou
veado aos sa lto s.” (D r. A p rigio Guimarães). “ Clavinote e car-
tucheira, P ’ra quem anda na c a n g a ç o ... Quando estou no
meu destino, Naquelle destino forte, Não temo ponta de faca
Nem bala de clavinote. (C ancion eiro do N o rte ) O termo vera
de clavina, especie de espingada.
Cobra — Estar, fica r cobra: irritado, zangado', escolerisa-
do. 9Não! quero ir mais longe porque elle pode pensar que eu
estou cob ra” . (Jornal do R ecife n. 58 de 1916). “ O pessoal do
Holophote está cobra.” (A Lanterna n. 1 de 1917). Dictados:
A cobra quando entra n’agua deixa o veneno em terra: A p ri­
m eira pancada é que mata a cobra; Cobra que não anda não
apanha sapo; Ruim como as cobras; Estar com o cobra que p er­
deu a peçonha; Cobra não m orde a mulher gravida; D izer co­
bras e largatas: delatar, d iffam a r” . Eu ouvi elle na porta do
S ilveira dizendo cobras e largatos do am igo Bastião” . (Jornal
do R ecife n. 27 de 1916).
Cobra d’agua — O phidio aquatico. “ A cobra d ’agua é fr e ­
quente’ no riacho que corre em Jaguaribe. Tem muitas vezes de
oito a dez palmos de com prim ento e a grossura de um braço;
o dorso é preto e reluzente, e o ven tre am arello claro. O povr
a tem p or venenosa, mas ouvi sustentar o contrario. (K . K o «-
te r). F ilh o de cobra d’agua com jacaré: dictado para chas-
quear do mestiço alvacento.
Cobre — D inheiro. “ Muita gente tem cahido com seu co­
bre, e alguns senhores de engenho deram quantias avultadas.”
(O Cometa n.° 1 de 1843). “ D iz e lá, com toda a instancia, \
esse cançado home, que me mando esse cobrinho ,Se lem bre
de quem tem fo m e .” (A Carranca n. 54 de 1845). “ Com o
cobre que tinha comprou terras da banda do r io ” . (C oelh o
N e tto ). Cahir com os cobres, pagar, satisfazer; Não sabe a
cobre, cousa que não custou dinh eiro. O term o com esta pár-
ticular expressão já vem de longe, com o se vê destes versos
do Padre Antonio Gomes Pacheco, de 1775: “ Tudo isto postr
no cobre, E bem reduzindo á China, Bem chega para comprar
mos D ’ aguardente duas p ip a s .”
C obreirov — Corruptela de cobrêlo, herdes miliares, erup­
ção cutanea, com prurido e dor ardente. “ Pedro, que tendes?
Senhor, cob reiro. Pedro, curai. Senhor, com que? Aguas das
fontes, H ervas dos m ontes” . (O ração para curar o cob re iro ).
O vocábulo vem de cobra, porque segundo a crendice popu­
lar, a moléstia é proveniente da roupa de vestir ou de cama,
sobre a qual passou uma cobra ou qualquer outro bicho pe­
çonhento, crendice esta que vem já de longe, dos proprios in ­
dios, que davam aç cob reiro o nome de Boya nugára, especie
de cobra, segundo Gonçalves Dias.
Cocáda — Feridas na cabeça; doce de côco, de assucar
branco ou não, e em ponto forte para fica r consistente ao se­
car, disposto em form a de discos, a especie de bolacha, ou
cortadó em talhadas; e jíelo mesmo processo, as cocadas de
laranja e de mamão. “ De côco se faz cocada” . (A Marmota
Pernambucana n. 23 de 1850). “ A cocada é o doce do povo,
é o doce patriotico e dem ocrático, e é a sobremesa dos p o ­
bres, e alem disto tem a particularidade de excitar o prazer de
se beber um bom copo de agua fresca; a cocada une-se p e r­
feitam ente com os ovos, e então fica parecendo um doce de
o u r o .” (Idem , n. 47). “ Lem bre-se que lhe mandei quatro
vinténs de cocada” . (Lanterna Magica n. 441 de 1894). “ Com
trabalho embora pouco, faz o seu bolo. de côco, que ovulgo
chama cocada” . (A Pim enta n. 9 de 1902).
Cocão — Peças que ficam aos lados extrem os da mesa
dos carros de carga dos engenhos, dentro das quaes gira o
eixo das respectivas rodas do v e h ic u lo .” “ Caminhavam os
carros de bois, carregados, os eixos rinchando imprensados
nos cocões, numa musica dolente c lo n gín q u a .” (A lv a ro So-
d r e ).
Coché — Coxo, manco. Dá-lhe coché com a ponta do pé.
(D ictado p o p u la r). “ O signal desta vaquinha? Cara branca
punaré, T raz o ferro do Burel, não tem cauda, é coché”
(A Vacca do B u rel).
Cochichóla — O mesmo que o cocheichnlo da giria portu-
gueza (K u xi-xó-lu ), e com as suas próprias expressões de quar­
to ou recinto muito acanhado; casa muito pequena. “ A Ri-
tinha habitava uma cochicholasinha em Fóra de Portas.”
(A Pimenta n. 36 de 1902).
Cochilar — Estar com somno e accentuadamente mani-
festal-o, assentado ou mesmo de pé: Estar aos cochilos; pas­
sar pelo somno, dorm ir ligeiram ente. “ Sob o alpendre todo
o dia Vê-se branca rede armada, N ella a velha está d eita d a ...
Cochila; encosta a cabeça.” (X . de Castro) “ Deus perm itta
que tu morras No sereno cochilando” . (T ro va s populares).
Este termo de origem africana, vem já de longe, como se vê
da sua consignação nestes versos de G regorio de Mattos: Ou
se põe de im proviso A cuchilar como n egro” .
Cochilo — Acção de cochilar; descuido, escorrego litte-
rario, profissional; Cochilo de H om ero: Aliquando dormitat
Horm erus. “ Dos mestres não faço pouco, Acceito o quináu
tra n q u illo .. . Todos dão o seu cochilo, E eu sou muito d or­
m inhoco” . ( Jatyr, S etta s).
Côco — Nom e generico dado ao frueto de qualqiíer es­
pecie de palmeira, porem, mais vulgarmente, ao do coqueiro
da ín dia. (Cocos n u c ife ra ). Côco velado; o que não tem agua,
e somente a amêndoa, completamente secca, solta do endo-
carpo. Côco comido da lua; o que não contem a amêndoa no
seu todo, 011 apenas uma parte qualquer. Côco velho é que
dá azeite. (D ;e ta d o ). — “ Quando o gato engeita côco E a moça
casamento, ou o côco tem pimenta, Ou a mõça, im pedim ento” .
(Versos pop u lares). Calado como um côco; Calar-se, nada re s ­
ponda francam ente; Quem é que come o queijo do vigário?
E o sachristão calado como um côco” . (Jornal do R ecife n. 275
de 1915). Chapéo de côco: duro, de cópa semi-espherica. “ O
general envergava terno de frack de casemira escura e chapéo
de côco” . (Idem , n. 112 de 1916). Côco de beber agua: a quen­
ga ou endorcapo do côco, com um cabo torneado, para tirar
agua das jarras ou potes. “ Da quenga do côco fazem-se vasos,
como côco para beber agua, uma especie de tijela (cu ia) e dif-
íerentes objectos” . (J. de Alm eida P in to ). Os côcos desta es-

253
pecie já raramente apparecem na cidade pela concurrenda dos
modernos, de metal, que em todo caso mantem quasi que o
mesmo feitio e o proprio nome, dos antigos. Em outros tem­
pos, porem, nas casas abastadas, usava-se do côco de prata.
“ Uma jarra velha e um côco negro, ferrugento, cheio de bura­
cos” . (A m erica Illustrada n. 31 de 1882). “ Bebendo após o al­
moço dous côcos d’ agua, o patusco rapaz vai á janella vêr a
visinha namorada” . (O João Fernandes n. 17 de 188(5). O vocá ­
bulo com esta expressão vem já longe: “ O escolteto pediu um
púcaro de agua, e a pobre velha lhe trouxe a agua em um côco.
por não ter outra cousa em que lhe dar.” (O Valeroso Lucideno,
1648). “ Doze côcos para beber agua.” (R eceita dos mantimen­
tos que levou uma expedição m ilitar de soccorro ao R io de Ja­
neiro em 1736). Cabeça; Cabeça de côco. “ Ser poeta é ter no
côco, a scentelha da inspiração.” (M ephistopheles n. 1 de 1883).
Dança popular, ao som de cantigas, com as suas cadencias m ar­
cadas a palmas, e com acompanhamento de viola ou violão.
De lettras differentes, mas convenientemente aceommodadas ao
canto original, obedecem sempre a um estribilho continuo,
respondido em côro pelos bailadores, como este, por exemplo,
de uns versos de côco de Jatobá de Tacaratu’, na zona serta
neja: “ Tatú no matto, Anda de gibão; Este côco é bom? Será
ou não.” Esta dança é originalm ente nossa, mas de ram ificação
quasi que geral em todo o norte, e em vóga desde muito.” Um
matutinho alegre, dançador, a quebrar o côco e riscar o bahia-
no no m eio de uma sala.” (D ia rio de Pernambuco n. 246 d e . ..
1829). “ Encontrei um matuto no A terro dos Afogados, que
se esganiçava cantando o Côco de F rei M ig u e l... O côco da
Em biribeira E ’ côco de F re i M iguel; Este frade está tão feio,
Que parece um papa-mel.” ( A Carranca n. 62 de 1846). “ Ma-
ria-dentinho e o Pucha-coiro batiam duros o côco, dando pas­
sos e furta-passos.” (O Brado do P ovo n. 1 de 1855). “ Passei
na roça dançando, Aqui a polka insolente, A lli um côco que­
brado.” (A Pimenta n. 30 de 1901). “ O nosso cardeal se fosse
consultado sobre o m axixe, p or certo aconselharia que o subs­
tituíssem pelo côco pernambucano” . (C yren o & C ia ).
Côcô — Excremento, sugidade. “ Coitado! nem ao menos sa­
be, que guano é côcô de passarinho.” (O Esqueleto n. 11 d e . ..
1846). “ Triste nuelo da praia o côcô tem por alm oço” . (O
Foguete n. 13 de 1845). “ Não o que tem o diacho da barriga,
que lança côcô para fóra.” (A Duqueza do Linguarudo n. 128
de 1878).
Cócó — Penteado de mulher no alto da cabeça, ficando os

254
cabellos enrolados e presos, ou mais abaixo, na parte pos-
le rio r da mesma, obedecendo a form as diversas.— “ Uma m on­
tanha de cabelos, formada no alto da cabeça e muito estimada,
sob o nome de cócó.” (João B rig id o ) — “ A L o ló ficou repu bli­
cana desde a ponta do cócó até ao calcannhar d ireito.” (A P i­
menta n. 81 de 1902). — “ Cabellos de cócó á moda b oeiro.”
(Lan tern a Magica n. 813 de 1905). “ Se faz um cócó p’ra cima
0 couro do cangote extranha” . (V ersos Populares) Cócó de
vintem ; cócó ranheta: pequenos, mal arranjados. — “ V erá mui­
ta moça de cócó ranheta, quebrando de quando em vez uns
olhares 'para o pelintra que passa.” (Lan tern a Magica ri. 443
de 1894).
Cocoré — P alavriado ,ou tirada de graças: Deixe-se de
cocorés commigo.
C ocorejar — Espiar, observar, acompanhar; não deixar de
vista; agradar insinuar-se: Cocorejar a alguem com um fim
qualquer.
Cocoricar ou cucuricar — O cantar do gallo. “ Um gallo
que estava agasalhado num dos ramos da mangueira, cocuri-
cou por duas vezes, annunciando a manhã” . (A Carranca n. 65
dç 1846). “ Um gallo cocuricou numa faveira próxim a á lata­
da o p rim eiro canto: era meia noite.” (Abdias N e ve s ) “ Anun­
ciando oito horas O gallo cucuricou; E lá na torre da igreja
A mesma hora soou.” (A N o ite ). O uvir cantar o gallo e não
saber onde. (D icta d o ). “ Não sabem a quanto andam, nem de
que lado faz o gallo cucurucu’ ” (O Athleta n. 5 de 1843). “ H a­
verá cacarejos e cucurucu’s que applacarão. a umafarta dis­
tribuição de m ilh o.” (D ia rio de Pernambuco n. 57 de 1916).
D erivado: Cocorêjo. “ O gallo cantando, enche o espaço ale­
gremente nas notas de um co co rejo ” . (Lan tern a Magica n. 492
de 1896). O term o sob qualquer modo, é uma voz onom atopai­
ca originada da própria expressão do canto do ga llo.
Cócório — Cantante, cantador; fin o rio sagaz, expertalhão:
O João é um cabra fino, cocorio. “ Adolpho que é gallo coco-
rio, não canta no terreiro do M ello.” (O Clarim n. 7 de 1878).
Cocoróte — Carolo, pancada que se dá na cabeça de al­
guem com o nó do dedo m edio fechando a mão.“ Pancada
com os dedos na cabeça.” (S ilvio R om ero). Dar uns coco­
rotes, umas cocoretadas- “ Estamos quasi a jurar que D. Am bro-
sina levou pelo menos alguns pesados cocorótes” . (A Lanceta
n. 122 de 1913). O term o é, evidentemente, uma corruptela
de piparote; porem, segundo Beaurepaire Hoh.-m. como essa

255
pancadinha* se dá ordinariam ente sobre o cocoruto da cabe­
ça, nascerá dahi, talvez, o nosso vocábulo.
Codorio — T rago de vinho ou de aguardente. Tom ar um
codorio. “ Se huizer tomar lá o seu codorio, Os desencaiches
meus afoito lêa ” . (D e um soneto do Passaro B ra s ile iro ). “ Se
não me der um codorio, Am igo, não canto mais.” (Juvenal Ga­
len o ) “ Era um capadocio, Fregu ez*do codorio.” (D e uns v e r­
sos p o p u la re s ). Codoria, prim itivam ente quadore, segundo
João R ibeiro, exem plificando com uma passagem das In fer-
jnidades da lingua (1759) vem, como diz, de uma phrase do
latim da missa: quod ore sumpsimus. 0 p rim itivo quadore tem
na giria portugueza a voz de codore, mais approxim ada da
phrasé origin aria — quod ore.
Côfo — Especie de cesto ou samburá,de usos diversos,
e de uma form a particular, destinado á pesca de camarões e
peixes meudos: “ As mulheres indias colhem os fructos e os
levam para a casa em uns côfos muito grandes feitos de p al­
ma. lançados sobre as costas.” (F re i Vicente do S alvador)
O term o vem dos african d cóffu, armadilha de pescar, feita de
bamba trançado, a especie de tubo, e muito usado na A fric a .
Coió — Nam orador, galanteador; o namorado, a nam ora­
da: meu coió. minha coió. “ E* no D erby onde os coiós dão os
mais alegre signal de vida.” (O G rillo n. 2 de 1901). “ L á vai
de carinha feia A gentil Peia. Cortando a pelle de coió Sem
sentir dó.“ ( Peia n. 1 de 1903). “ Os coiós por falta de luz na
ponte agrediram uma senhora; felizm ente não correu risco
porque era uma parteira.” (Lan tern a Magica n. 779 de 1(04).
D erivados: C oióiação; Coióiada; C o ióial; C o io ia r; C o ió i'c «‘
Coioismo. “ Eu não sou nenhum sandeu; de coioida estou fa r
to.” (À Pim enta n. 5 de 1902). “ A minha coioiada disse-me
um dia: V ocê já não me ama.” (Idem , n. 86). “ Na palestra lit-
íeraria o fanfa Cordeirinho leu a chronica Semanal C o io ia l” .
(Idem , id e m ). “ Uma camaradinha que tü conheces andava
coioiando uma m enina.” (Idem , n. 17 de 1901). “ O homem ;sof-
fre da mania do coioismo m olhado” . (O G rillo n. 2 de 1901).
O vocábulo coió é origin ário do R io de Janeiro, onde é cor­
rente na lettra do Jogo da carreira, que S ilvio R om ero con sig­
na nos seus Çgntos Populares (1883), mas sem uma expressão
clara: “ Quem é o durão? Sou eu só. Olha lá que te pégo.
Não pega, não, Ora bate, coyó; «— e assim, parece-nos, que
a consignação dos seguintes versos, em que figura o íormo,
em um period ico illustrado do R ecife, e anteriorm ente ao ap­
parecim ento do re fe rid o liv ro de Rom ero, que são elles ori-

256
ginarios daquelle jogo fluminense, e portanto, já vulgarisa-
do o vocábulo entre nós: — “ Ora bate moleque, Ora coió.”
(Am erica Illustrada n. 8 de 1879). “ Ora bate m o le q u e .. Ora
bate coió P ed ro Jorge comeu só.” (Idem , n. 35 de 1881).
Entretanto, somente depois, decorridos annos, que o termo teve
vóga popular entre nós, creou raizes, e radicou-se por com ple­
to ” . Ultimamente veio-nos do Rio, para substituir os muitos
termos adequados aos galans das graciosas estrellas, a pa­
lavra coió. A palavra não tardou a generalisar-se, e tres ban­
queiros de bichos reuniram-se um dia e fundaram uma banca
de jogo sob o nome d’ Os tres Coiós.” (Lanterna Magica n. 673
de 1901). Consoantemente, e no ardor da vóga do term o da
moda, fo i installada, no mesmo anno, uma associação dra-
matica com o titulo de Verdadeiros Coiós, e no carnaval do
anno seguinte fez proezas um Club dos Coiós. De par co:n a
vóga do vocábulo, surgiram os seus derivados, como vi nos,
e em fim, a locução Coió sem sorte: “ Nam orado vagabundo
in feliz, especie de jacaré que passa todo o santo dia a cho­
car ovos nas esquinas.” (A Pimenta n. 65 de 1902). “ Estou
na rua com o triste nome de coió sem s o rte !” (Idem , n. 6 d e . ..
1901).
Coirão — Mulher a toa, detestável; velha, “ A Julieta an­
da na ponta e dando sorte. Ha certos coirões que tem geito pa­
ra cavar a vida.” (A Pimenta n. 621 de 1907).
Coité — O fructo da bignoniacea coiteseira (Crescentia
cujete, L in n eo), da nossa flo ra ; especie de cuia feita do mes­
mo fructo, partido pela metade, e tirada do pericarpo ou cas­
ca, toda polpa que contem. “ Deixou-me um bule de barro,
Seis marimbas, tres coités.” (A herança de dindinha') Segun­
do Baptista Caetano, o termo é corruptela de cui-êtê, vaso real,
cuia grande, ou capaz, cuia bôa.
Coivara — Fogueira, queima da vegetação já cortada e
secca para aproveitam énlo do respectivo terreno á plantação,
de um roçado. “ Limpa da roça, queimada para roça; roça ou
cultura que se prepara; leito ou assento dç r o ç a ... A derru­
bada ou limpa para a roça denoininava-se (entre os indios)
có ou cópichaba; e a roça no acto de queimar-se cô-y-uára,
de que se fez p or coruptela coivara.” (Theodoro Sampaio)
“ Roça queim ada” . (Pereira Coruja) D erivados: Coivara; En-
coivarar. “ Toda a zona onde onde o fogo lavrou é um immenso
coivaral.” (Gustavo Barroso) “ Secco o matto, fiz a canna E
acabando de asseiral-o Puz-lhe f o g o . .. que buraco! Não custou
encoivaral-o.” (Juvenal Galeno)
Colher — Na phrase — Metter a sua colh er: metter-se em
conversa e negocios alheios; metter-se onde não é chamado.
“ Não consentia e nem podia consentir que um padre viesse
metter a sua colher onde não era chamado” . (M ephistopheles
n. 25 de 1882).
Colhereira — Especie de rola (colum ba), a que os indios
chamavam A yarja
Colla — Filança de estudante na prova escripta do exame,
copiando cautelosa e dissimuladamente o ponto sorteado. “ Bur­
ro : Rapaz de grande cabeça e orelhas grandes, que antes de
ser collado, fabrica collas em exames” . (A Pimenta n. 65 de
1902).
Collar — Copiar o ponto sorteado na prova escripta de
exames; arranjar, conseguir, obter, logra r. O João só collou
casar com a Maria porque o pae já não existe; se fosse vivo,
elle não collava isto.
Collete curto — L eva e traz, alcoviteiro, correio de na­
m orados. “ Casamentos commumente arranjados por interm e­
diários, como os que o nosso povo pintorescamente alcunha
de colletes curtos” . (M . de O liveira L im a ). “ Engraçado é
que eu, sem querer, fiz papel de respeitável collete curto” .
(Jorn al Pqueno n. 28 de 1916).
Collete de couro — Especie de camisa de força que no
in terior se emprega na conducção de presos perigosos para
evitar a sua fuga.
Columna — Absolutista, corcunda ou realista, que traba­
lhava contra o systema constitucional, e depois pela restau­
ração do reinado de D . Ped ro I, que abdicara em 1831. Esta
denominação vinha de uma associação secreta fundada no
R ecife em 1828 com o titulo de Columna do Throno e do Altar,
com o fim de proclam ar o absolutismo, governando o im pera­
dor sem Tram bolho, isto é, sem Constituição, como assim cha­
ma vam-na os corcundas. A Columna fo i dissolvida em 1830,
por intervenção do governo, mas ficaram os columnas, a fe r­
rados ás suas idéas, espalhadamente conspirando, uma ve/,
que desaparecera o seu centro de acção. Para ridicularisar,
os columnas e a sua decahida associação, escreveu o P ad re
Miguel do Sacramento Lopes Gama um poema heroie-com ico
intitulado A Columneida impresso no R ecife em 1832, o qual
assim com eça: “ Da form osa Columna os grandes feitos que
pejam os annaes da m a roteira,. . . Tudo quero cantar p or
nova traça Se a tanto me ajudar genio e chalaça” .

258
Comadre — A cabra (C apra hircus). “ A ’ cabra que ama­
menta uma creança dá-se o tratamento de comadre, term o
usado ente a mãe e a madrinha de um menino, e isto é tão
geral, que as próprias cabras que não tiveram a honra de
amamentar os seus jovens amos, são tambem chamadas p or
com adres” . (H . Koster, 1810). Amasia de padre. “ N o bico
de prôa Embarcavam-se os padres Com suas com adres” . (O
Brado da Razão n. 27 de 1849). “ Se o bispado não bispou O
Rezende, santo padre, F o i pofque, dizem más linguas, Desco­
briram -lhe a com adre” . (O Mocó n. 5 de 1851). “ Apenas,
porem, collado, mandou o vigário v ir uma comadre de quem
já tinha dous a filh a d o s.” (O Patusco n. 13 de 1886). “ Visto
á janella avistaram Um monsenhor, um bom padre, Que afa­
gava uma creança E ao lado t in h a . . . a com a d re.” (V ersos p o­
p u lares). Odio de padre não respeita a com adre. (P ro lo q u io ).
Comboça — Amasia, concubina
Comboço — Parceiro, com panheiro, m alu n go.” O Vas­
soura anda de olhos vesgos como seu com boço o Japiassú.”
(O Esqueleto n. 3 de 1846).
Comboio — Especie de caravana de aninlaes de carga,
que desce do in terior conduzindo generos de producção lo ­
cal: um comboio de algodão, farinha, milho, e tc .; e que de
retorn o conduz fazendas e generos diversos. “ Todos os lotes
ou com boios de animaes, que entrarem nesta praça com cargas
ou sem ellas, serão conduzidos a passo, atados uns atraz dos
outros, e levados pelo m eio dasruas até o lugar do sen des­
tin o .” (Posturas da Camara do R ecife, decretadas em 1831).
“ Numerosos com boios de cereaes e de m ercadorias estrangei­
ras partiam dos brejos e das praças da Parahyba e do R e c ife ” .
(Irin c o J o ffily ). “ De caminho para o R ecife cruzamos nu­
merosos camboyos que, pesadamente carregados, seguiam para
o in te r io r .” (D an iel P . K id d e r ). “ Calango fo i á Jurema C’mn
com boio de fa rin h a .” (Versos sertan ejos). D erivado: Coin-
b oieiro; a gente do comboio, que o acompanha” . Passageiros
e com boieiros do in terior de Pernambuco, que atravessam o
r i o . ” (Fernando H a lfe ld ). Especie de chefe do com boio, h o ­
mem de confiança do fazendeiro, que faz as despesas da v ia ­
gem. a entrega da m ercadoria no seu destino, e de reg re sso
conduz nova carga. O terno, com esta accepção entre nós,
parece-nos, que vem da epocha in icial da cultura do algodão
no in terior, na segunda metade do seculo X V íI l.
Comelança — Rapinagem, traficancia, ladroeira. “ Não tre ­
pida em lo gra r os incautos com os seus planos de com elança” .
(A Pim enta n. 10 de 1914). Este vocábulo é um modismo de
comedela, que Aulete registra como termo popular, com as
expressões de extorsão, subtração, roubo astucioso.
Comer — T er, julgar, presumir, suppor, “ Alguns o tem
com ido p or medico, e elle é padre, mas sem c o le ira .” (A C ar­
ranca n. 57 de 1846). “ Ninguém o coma por besta, pois sabe
bèm atar os m o lh o s.” (O Vapor dos Traficantes n. 137 de
1859).
Comer de onça — O homem preto. “ Na ponte do Caxan-
gá Fizeram uma geringonça; Bacalháo é com er de negro,
N egro é comer de o n ç a .” (T ro va s p op u lares). O qu alificativo
vem do que se diz da onça, que nos seus ataques contra o
homem, para dar pasto á sua voracidade, o re fe re o preto ao
branco, na concurrencia dos dous, e atirando-se contra aquella,
sempre que o encontra. E ffectivam ente, tratando o autor dos
Diálogos das grandezas do Brasil (1618) do terrivel felino, es­
creve: “ A homem branco não ouvi dizer nunca que matassem,
mas aos indios e negros de Guiné sim, quando se acham muito
fam in ta s.”
Comer queijo — Acalcanhar o calçado para dentro ou
para fó ra .
Comer safado — Comer grosso, aguentar com o repuxo;
ver-se em difficuldades, passar p or torturas, por aquillo que
o diabo engeitou, “ N o fim da joça a bahiana comeu safado.”
(A Pim enta n. 388 de 1905. “ Arm azenarios de assucar com en­
do s a fa d o .” (Jornal Pequeno n. 50 de 1916). “ E ’ o cumulo da
fome, comer s a fa d o .” (A Pim enta n. 5 de 1908).
Cometa — C aixeiro viajante. “ A ingratidão e o esqueci­
mento são os signaes que caracterisam aos cometas, caixeiros
v ia ja n tes .” (A Pim enta n. 15 de 1901). “ Na casa de banhos
dos Arrecifes, p or suspeitas, fo i revistada uma grande mala
pertencente a um cometa allem ã o . ” (Idem , n . 12 de 1902).
Cometário — Casa de pasto, hotel ordinário, mosqueiro.
(G iria dos ga tu n o s ).
Como seiscentos diabos — Abundancia, quantidade, gran­
de numero. “ Na festança houve grandes comes e beb^s, mu­
sica de pancadaria e discursos como seiscentos diabos” . (\
Pim enta n. 563 de 1907). Com iguaes expressões ocorrem
ainda as phrases: Como terra; como form iga; como cabelio de
gia, com relação a chuva; e como trinta. ” Quando v i a policia
quiz correr mas já era tarde. A h ! fo i zinco como trin ta” . (A
Pim enta n. 487 de 1906).
Compadre — Tratam ento intim o entre camaradas da ga-
rotagem. “ F o i uma roição roxa seu com oadr» • nunca pensei
ter cabeça tão f o r t e .” (A Pim enta n. 27 de 1902).
Compadresco — Modismo do term o portugucz Compadrio,
e com as suas próprias expressões figuradas: Fam iliaridade,
intimidade, favoritism o; protecção exagerada e contra a justi­
ça. “ Uma administração que não fosse de compadresco p ro ­
cederia de outro m o d o .” (O Lidador n. 98 de 1846).
Companhia do olho v ivo — T ro ç o de gatunos. “ Saibam
que o contrabando é perfeitam ente igual ao furto com chaves
falsas e todo o processo de une usa a companhia do olho
v i v o . ” (A Lanceta n. 39 de 1890).
Compassar — . Fazer de novo uma éscripta escolar, ou p ro ­
va de exame, p or algum erro commettido, le ira iná ou bor-
ra d e la .
Com prar — Escutar, ouvir, observar, com interesse e aí-
te n ç ã ô u m a conversa ou uma cousa qualquer, prevtmidamen-
te, com segunda tenção. Com prar p’ ra vender, ouvir p’ ra d e­
pois contar; Comprar em segunda mão, ouvir já de um segun­
do; Vendeç como comprou, contar a cousa com o soube.
C on ch am blan cia Harmonia, uniform idade, concordân­
cia: Isto com aquillo não faz concham blancia: são cousas hc-
terovonínQ. Fvn sn «ão. pnthn«iíi<!mo, satisfação. — “ Nas
conchamblancias da lucta, sustenta a nota, m u latá.” (A P i­
menta n. 30 de 1901). “ Um osculo e um arrocho cheios de con­
chamblancias” . (Pernam buco n. 55 de 1914) “ Os suineiros,
alegres, pintaram o demonio nas conchamblancias de um fre v o
m acho” (Jornal do R ecife n. 53 de 1914).
Concliz — Passaro, de bella plumagem, da ordem dos Deo-
dacstylis (Agelaius au ran tiu s). “ N o bosque immenso espesso
que fcordava o prado, Cantava o terno, consono C o n clix ” . (Je-
ronym o V i le l la ) . Este passaro tem o capricho de não fazer
ninho: mas urecisando de um para o seu auasalho, vê o que
lhe agrada, investe contra o seu dono, o desaloja, e toma con­
ta da casa alheia. Concliz é uma voz onom atopaica que vem
do p rop rio canto do passaro.
Condurú — Urticacea da nossa flora, que attinge a uns
30 metros, de optima qualidade pela sua duração em qual­
quer em prego; é de um bello verm elho, e já fo i muito usada
na mercearia, principalm ente nos tempos coloniaes. Ha uma
outra especie, o Condurú roxo, tambem de optima qualidade
e iguaes applicações.
Conferente — Agente do govern o que funcciona nos des-

261
pachos de im portação e exportação nas re p a rtiç õ ef e postos
ficaes federaes e estaduaes.
Confundir o genero humano com Manoel Germano — Con­
fundir uma cousa com outra; trocar as bolas. “ F.’ preciso não
confundir seu Germano com o genero humano, desde que já
falei na costella” (Jornal Pequeno n.° 20 de 1910).
Congos — Antiga e desusada folgança dos pretos africa­
nos, geralm ente escravos, e celebrada como rem iniscências
patrias nas festas religiosas, principalm ente de N . S. do Rosá­
rio, sua padroeira, constituindo uns autos com certos tons
guerreiros, e escriptos, mescladamente, em versos africanos e
portuguzes. N o nosso F o lk -lore Pernambucano estudamos
particularm ente o assumpto, concluindo com a consignação de
um desses autos mais ou menos completo.
Conquibos — D in h eiro. (A tarefa dessa bôa gente, ainda
pssim mesmo, tem produzido alguma cousa de conquibus” . (O
Clamor Publico n. 10 de 1845). “ Porem os conquibus F ica­
ram na pança: Tom aram os nós Mais outra p ita n ça .” (A Car­
ranca n . 24 de .1847). Sobre a etym ologia deste vocábulo,
consignamos estas observações, que encontramos sobre a co­
nhecida phrase, referen te a dinh eiro: A qu illo com que se com ­
pram os melões. “ Esta phrase vem naturalmente, do latim
comquibus, aquillo com que, com o acressimo de se compram
os m elões; e dahi chamar-se a dinheiro conquibus, ou antes,
com o devia ser — cum quibus” .
Consolo — M ovei de sala, a especie de banca, mas obe­
decendo a outros moldes, e de ornamentação superior. Os p r i­
m eiros consolos que apparceram entre nós, em meiados do
seculo passado, foram os chamados á Luiz XV, e origin ários da
França, de onde vem o p rop rio termo, de Console, com esta
expressão; Table de salon adossée au mur.
Constantino — A lcoviteiro, medianeiro, leva e traz, onze
letras, como tantas tem o nome Constantino.
Constembla — Mulher de vida facil, reles, a toa. “ A ton -
selhamoâ a constembla Ciposinho que mude este ap p ellid o” .
(A Pim enta n. 395 de 1905). “ N o dia que a tal constembla
se arreliar, não ficará ninguém v iv o no R e c ife .” (Idem , n.
498 de 1906). “ Essa constembla anda a pegar todos os boi ei r os
e geladeiros para os conduzir ao seu immimdo pardieiro” .
(Idem , n. 649 de 1908).
Conta de carocinho — Conta de despezas exageradas, de
arranjos e conveniências, como as de cheque, de grão-capitão.
Contas — Rosário, corôa, terço. “ Uma mulher já idosa,
que resava nas suas con tas.” (O Guarda Nacional n. 25 de
1843). “ Quem vier a Pernambuco Traga contas p ’ra rezar;
Pernambuco é purgatorio Onde as almas vão penar” . (T rovas
p o p u la res). -Não é da sua conta nem do seu rosário. (D ieta
d o ) . O term o vem das contas globulares, de substancias d iv e r­
sas, com que se fazem os rosários.
Contéco — D inheiro; o mesmo que conto de réis, ou sim­
plesmente conto. “ Quando a celeberrim a Com m ercial ar­
rebentou, eu lhe devia uns vinte con tecos.” (O Barco dos
Patoteiros n. 1 de 1864). “ Educado no tempo em que um
casamento feliz custava alguns contecos” . (A m erica Illustra-
da n. 16 de 1877. — “ Posue o sufficiente para v iv e r: uma for-
tunasita de uns oitenta contecos” . (Aza Negra n. 7 de 1882).
Conto de vigário — Engano, logro, artificiosam ente pas­
sado aos incautos. “ Não chores. H ei de casar com tigo embora,
se fôr preciso, uns contos de vigário passar por êste mundo
a fo r a .” (A Pimenta n. 86 de 1902). “ O conto do vigário ain­
da pespega a basbaque matutaria que vem ao R e c ife ."(D ia r io
de Pernambuco n. 238 de 1915). Esta locução é de origem
extranha; mas apparecendo, com a pratica dos seus fins, teve
concurrentemente, fóros de cidade.
Contrafeito — Chama-se assim ao papagaio, a vulgarissi-
ma e apreciada ave trepadora (Psittacus) da nossa ornitholo-
gia, que por contrafacção, fica com as cores verm elhas e ama-
rella, convenientemente dispostas, sobre a verde, que lhe é
própria, ostentando-se assim com uma plumagem linda e va­
riada. “ Os papagaios são de côr verde-am arella, qnando não
contrafeitos pelo h om em .” (Arth ur O rla n d o). “ Os papagaios
são abundantes, e os habitantes os contrafazem, variando-lhes
as pennas, de côr escarlate e am arella com o humor de rans
rajadas. Os papagaios assim contrafeitos e que falam, ven-
dem-se por alto p r e ç o .” (Fernando H a lfe ld ). Papagaio que
fala muito vai para Lisbôa. (D ictad o). “ E ’ sabido que o san­
gue de sapo concorre para a maudança do matiz verde das
pennas do papagaio, para o verm elho um tanto mosqueado
de a m a re llo ... Não houve mais papagaio verde; todos fica ­
ram lindamente papagaios con trafeito s.” (A P ro v in d a n. 172
de 1915).
Contra-metade — Metade da metade, ou uma quarta p a r­
te do liquido da antiga medida de garrafa: contra-metade de
azeite, de vinagre, etc. “ Um rapazito parou á porta da bo­
dega, e mandou m edir contra-metade de aguardente” . (Fran -

263
klin T a v o r a ). “ A quenga de tirar leite, Contra-metade de
azeite” . (Versos sertan ejos).
Contra-peso — Encargo, onus, trabalho que vem a mais
das obrigações communs, ordinarias; difficuldades, encommo-
dos, contratempos, revezes, que surgem depois de outros.
Alem do peso de uma grande fam ilia, mais este contra-peso
a g o ra !
Conventilho — Casa de habitação de mulheres perdidas.
“ As pobres raparigas são m iseravelm ente exploradas pelas
donas de casas ou conventilhos, abbadessas cham adas.” (A
Pim enta n. 550 de 1907).
Conversa — Explicação, satisfação, ajuste de contas: T e r
uma conversa; havemos de conversar. Conversa fiada: A ffec -
tação, subterfúgio, simulação, mão de estrad irice; historia,
lorota, pantomima “ A peste bubônica é uma conversa fiada,
uma historia para inglez v è r . ” (A Pim enta n. 19 de 1902).
“ Zé povo está farto de conversas fiadas e de lorotas.” (P e r ­
nambuco n. 177 de 1913). Conversa com prida fa z quem quer.
(D ic ta d o ).
Copáço — Corruptela de copazio; copo grande, liquido
que enche um copo. “ Term inam sempre as suas prosas com
um copaço de g in g ib irra . ” (A za N egra n . 9 de 1882) .
Copeiro — Um dos tres fypos dos antigos engenhos d’agua,
cuja roda se m ove com a que vem do alto, dando-lhe assim uma
grande força m otriz. “ O engenho copeiro é o m elhor porque
rarissima vez sente falta de aguas.” (L o re to C ou to).
Copiar — Especie de terraço junto ás salas de refeições
das casas de habitação, com um p eitoril de alvenaria e aber­
turas de passagem, descoberto, ou com coberta sobre pilares
ou esteios. “ N o copiar da casa alegrem ente illum inado pelas
candeias, o côco estava feb ril e anim ado” . (A lfre d o Brandão).
O vocábulo vem do tupi, copiára, alpendre, varanda, segundo
Gonçalves Dias.
Cóque — Certo penteado de mulher, no alto da cabeça,
natural ou postiço. “ Onde deixaria o meu coque? Estive hon-
tem em tanta p arte” . . . (A m erica Illustrada, 1872). “ Tem uns
modos especiaes, quer no andar, no vestir, quer no falar, no
penteado do coque” . (Idem , n. 15 de 1882).
Coração de negro — A rvo re de grande porte, da fam ilia
das leguminosas. A madeira que fornece é considerada de p r i­
m eira qualidade, pela sua resistência e incorruptibilidade, e
muito usada nas construcções civis e navaes. R efere Koste-
que encontrando nas suas excursões entre nós uma de
vores, perguntara a um preto que o acompanhava, qual o seu
nome, e que este lhe respondera; Coração de homem!
Coral — Certa substancia um tanto consistente, de um
verm elho vivo, ao modo de coral, na côr e na disposição, que
os crustáceos criam dentro do casco quando estão g o rd o s .”
Estes guaiamuns, com serem de m aravilhoso comer, criam
dentro em si grandes e form osos c o ra e s.” (D iálogos das gran ­
dezas do B ra sil). Bello ophidio (E laps corallimus, N ieu ro ), a
Ibibóca dos indios, cujo nome vulgar de cobra de coral, vem
da sua bella coloração, de um escarTate vivissim o, côr de
fundo da pelle escamosa, tendo transversalmente dispostas,
lista brancas e pretas. “ V êr a azul borboleta que e s v o a ç a ...
E a cobra de coral rojar no p ó . ” (F ra n k lin D o ria ).
Corcunda — Realista emperrado, retrogrado, absolutista
aferrado, intransigente. “ Sim, senhor, eu sou corcunda, E
m orro pelo meu r e i . ” (Conversa política, 1825). Nas luctas
da nossa independencia era tido como tal, particular e depre­
ciativamente, todo o portuguez, e dahi uma vinheta que si
via no periodico, O Maribondo, (1822), representando um in ­
dividuo de enorme corcunda (portuguez), a dar pulos, aco-
çado por um enxame de maribondos (b ra zileiro s ), que esvoa­
çavam de uma arvore.
Corda — De caranguejo (cam bada); de roupa; de crauá.
Mamão de corda (C arica microcarpa, L in n .) assim vu lgar­
mente chamado p or vir o fructo pendente da extrem idade de
um com prido pedunculo. Um pedaço de corda de enforcado
dá felicidade a quem o possue. Roupa de corda: ordinaria,
feita sem medida, c assim exposta á venda. Levar a pau e
corda: violentam ente. Dançar na corda bamba: en forcar. Os
hollandezes chamavam por zombaria, a pena de garrote in-
flin gid a aos prisioneiros de guerra, Dança de corda, mandan­
do-os assim, immediatamente, montar guarda entre o céo e a
terra, como diziam. Voluntário de corda: o individuo recru ­
tado, ou que, constrangidamente, marchava para a campanha
do Paraguay (1865-1870). Dictados: A corda quebra pela p ar­
te fraca; A corda muito puxada, arrebenta; Apertar a corda
ao pescoço; Espichado como corda de vio la ; Estar com a
corda no pescoço; Dar corda para se enforcar; Moscas por
cordas, mosquitos p or arames.

Cordão — Ala dos préstitos procissionaes; grupo de fo ­


liões carnavalescos. “ Esses que acompanham o Senhor dos
Passos com o mesmo ardor com que acompanharam o frevo
dos cordões, pelo carr i v a l . ” (A rch ivo Maçonico n. 79 de 1913).
“ Esteve bem o ensaio effectuado pelo apreciado cordão carna­
valesco 18 de M a rç o .” (Jornal Pequeno n. 38 de 1914).
Cordear — 1D eterm inar o alinhamento de uma rua, ou
de um predio que se vai construir, de accordo com o traçado
do respectivo arruamento: Cordear, dar cordeação, cujo ser­
viço era feito pelo cordeador da municipalidade, depois en­
genheiro cordeador. “ O cordeador José G rillo, encarregado
pela Gamara Municipal desta cidade, para fazer a bôa d irec­
ção dos prédios que se forem construindo.” (D iá rio de Per-
nambo n. 160 de 1831).
Côr de burro quando foge — C ôr exquesita, equivoca,
sem uma qualificação possível. “ A cartola do Euclides é da
côr de burro quando fo g e.” (A Pim enta n. 13 de 1914).
C oribóca — Producto do in dio com o negro, como assim
já o definiu M arcgravi: “ Natus ex patre brasiliensi et matre
ethiopissa vocatur Curiboca.” Deste cruzamento p rovem um
typo de côr de azeitona, com cabellos corridos, grossos e
multo negrosi, e assim semelhante ao abyssinio. Coriboca, cu­
riboca, ou cajiboca, tem accepçoes diversas em outros Esta­
dos, com o em geral nos do sul, onde se dá este nom e ao que
entre nós se chama mamaluco, isto é, o mestiço oriundo do
branco com o in d io; no Ceará, porem, é o homem de côr es­
cura, entre, cabloclo e negro. (Juvenal G aleno). “ E ra um sa.
bra coriboca, de nariz achamurrado.” 1(0 Rabicho da Geral,
d a). Como synonimo de coriboca, temos o termo cafuz. Co­
mo uma nota curiosa sobre o facto desse cruzamento, men­
cionamos uma P ortaria do vice-rei, o Marquez do Lavradio, de
6 de Agosto de 1771, dem ittindo á um chefe indio do posto de>
capitão m ór da sua gente por ter casado com uma negra e
assim haver manchado o seu sangue e se mostrado indigno
do cargo.
Corim ã ou curimã — P eixe de escamas (M ugil curema,
Cuv.), do mar e dos rios, até onde chega a influencia da
agua salgada, mas particularmente creada em viveiros onde
attinge a grande desenvolvim ento. “ A corim ã ovada, que lhes
fôrm a em dous lados quatro gibas.” (G re g o n o de M attos). A
corimã. que o vulgo estima, na phrase de Santa Rita Durão, é
peixe de feição das tainhas, porem m aior e mais gordo, e já as­
sim mencionado nos Diálogos das grandezas do Brasil. Tratan ­
do Fr. Vicente do Salvador da capitania do R io de Janeiro, e
mencionando a prodigiosa abundancia de peixe que havia no

266
rio Magé particularisa as fataças (tainhas adultas, Au lete) ou
• orimans, como os indios brazis lhes chamam. “ As corimães
do v ive iro do Maneco, em Afogados.” (O Azorrague n. 57 de
1846). Vocábulo de origem indigena, vem dahi o nome de
Corémay, de um riach o que corre na ilha de Itamaracá, cor­
ruptela de corimã-y, rio das corimans. (A lfre d o de C arvalh o).
C,orió -TP Passaro canoro (P itylu s nayatus, Desc.) apre­
ciadíssimo pelo seu hello canto, gosando de particular p red i­
lecção dos amadores de passaros cantores os coriós de Goyan-
na. “ Francína, não te recordas, D o corió tão mimoso, Que
cantava harm onioso Da rom eira num g a lh in h o ? ,.. A h ! que
saudades eu tenho Do corió que cantou.” (Jeronym o V ilel-
la ).
Córlas — Bilis, “ Confessai-vos, e botai fóra a bilis negra
da hypocrisia, e outras corlas e fezes” . (O Binoculo n. 9 de
1882).
Cornimboqué ou corrim boque — Ponta de chifre de b oi
cabra ou ícarneiro, para guardar o torrado ou tabaco de caco.
“ Cornimboqué é tabaqueiro” . (A Marmota Pernambiucana n.
31 de 1859). “ Procurem descobrir o fabricante do cornim-
boque, cujo tabaco tanto faz espirrar.” «(Lanterna Mjagica n.
8 de 1882). “ Mettendo esta sucia N o meu Corrim boque, Pa
rei delle tampa O grande Batoque.” /(O Papa Angú n. 1 de
1846). “ Gosto de tomar caco de corrim boque.” (A m erica II-
]ustra4a de 1 de Setembro de 1872). Passado pelos corrim bo-
ques díe A p o llo : Sabidorio, fino, expertalhão. “ Passado no
corrim boque do demp/ de engenho fin o .” (O R atão).
Çorno — M arido vilipendiado pela mulher, mas na ig ­
norância dos seusc desvios. O vocábulo com esta expressão,
coiicom itahtem ente: com outras accepções, é antigo, como se
vê de Moraes, abonando-o, neste particular, com alguns tre­
chos de eS(Criptores dos séculos X V e X V I. JBluteau porem,
assim não o encara, mas registra o term o cornudo, m arido de
m ulher adultera, naturalmente em voga no seu tempo, no que,
modernamente, apenas é seguido p o r Vieira, desapparecendo
assim do term o corno aquella definida expressão, uma vez que
Aulete e Cândido de Figueiredo assim não mais o attendem,
chegando m esm o , aquelle escriptor, apezar dessa omissão, a
dizer, <jue é excluido de conversação polida. O term o porem
ficíou na giria portugueza, como o registra a expressão popu­
lar concurrentemente vulgar, entre nós, onde ainda taes in ­
felizes são designados como membros da im aginaria Irman-

267
ciade de S. Cornelio.. Alem de corno, aperreado. (Dictado),.
Um corno!: recusa, replica, negativa perem ptória. D erivado:
cornear.
C o r ó — P eixe de mar ((Pristipom a coró, Cuv.)
Corôa ou crôa — Banco, baixio, na embocadura dos rios
ou no seu curso, ficando algumas descobertas nas marés scc-
cas ou vasantes: as corôas de Santo Am aro no rio Beberibe;
a Corôa dos Passarinhos, no Capibaribe, ao sul do porto in te ­
rio r do. R ecife, nas proxim idades da ilha do Pina. Das corôas
de areia do alto ao baixo S. Francisco, faz Fernando Halfeldi
particulares referencias. “ O nivel da extensa Corôa dos Pas­
sarinhos, nos pontos mais altos, não passa de um metro aci­
ma das aguas minimas.” (A lfre d o Lisbôa). “ O forte da popu­
lação é o marisco-pedra, tirado nas corôas quando a vasantc
as descobre.” (T ra n k lin T a v o ra ) “ O cadaver appareceu b o i­
ando na corôa de Santo Am aro.” (Jornal do R ecife n. 127 de
1916). O termo, como taes accepções entre nós, tem voga as­
sim já desde muito longe, como se vê deste trecho de uma
carta de Jeronym o de Albuquerque dirigida a Ravardiere, do
forte de Santa Maria no Maranhão, a 21 de N ovem bro de 1614:
‘‘ Vieram francezes de Itapari a esta corôa de areia, que me
jaz defronte, e pozeram bandeira branca de paz.”
Coroado — Padre, depreciativam ente. “ Em olhar p ’ra
m im um c’roado Ninguém sabe o que me custa.” (O Diabo n.
6 de 1883).
Coronel — A rvo re de s o ffriv e l madeira de construcção
civil. \
Cororós — D in h eiro; Anda lá; deixa-te de lezeiras, e
passa os cororós p ’ra cá.
Corpinho — E sp e:ie de collete, justilho ou corpeta, peça,
de vestuário jusfà' ao peito, que as mulheres usam por baixo
do fato.
Corpo fechado ;— Inimune de feitiçarias e catimbós, e li­
vre de todos os males e perigos, da mais certeira pontaria de
uma arma de fogo, e até mesmo do veneno das cobras, gra­
ças aos prodígios do mandingueiro, que tem o poder de f e ­
char o corpo ás pessoas para assim gosarem de taes
imferm idades. Goncorrentemente com esse poder do man­
dingueiro, ha uma oração especial para fech ar, o. cor­
po, de ,uma effica cia in fa llivel, segundo a crendice popular,
e que começa assim: “ T rago o meu corpo fechado com as

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chaves do santo sacrario. “ V. Exc. tem um talisman, a lhe
assegurar a vantagem de têr o corpo fe c h a d o ... e não ha mal
que lhe entre.” i(0 Jornal do R ecife n. 152 de 1916). “ Está de
corpo fechado: não ha bala, não ha faca, não ha mandinga,
que cause demno áquelle corpo.” (C oriolan o M edeiros).
C órre-córre — Azafama, agitação, alvoroço. “ Faz gosto
vêr a bella rapaziada da Distracção da T o rre num v iv o c o r­
re-corre nos dias das suas festas.” (A Pim enta n. 31 de 1962).
C orredeira — Rochedos submersos no leito de um rio,
dando assim á corrente m aior velocidade pelo pouco fundo
em taes situações, difficultando ou im pedindo a navegarão. E ’
desse c orrer das aguas — em velocidade extrema, rolando ce-
leres em caixões e borbotões — sobre os rochedos, que vem
a etym ologia do termo. — “ Melhoradas as corredeiras da
Bôa Esperança e Varzea da Cruz, deu um resultado de nave­
gabilidade de 402 kiloms., no rio Parnahyba, a partir de sua
f o z . . . Estão entregues ao transito de vapores mais quatro
corredeiras importantes, que impediam a navegação em de­
manda do baixo Parnahyba.” (F a la de abertura da Assem-
bléa P rovid en cial de Piauhy em 1885). Fernando H alfeld, no
seu R elatorio sobre a exploração do rio S. Francisco (1852-
1854), fala já das suas corredeiras nomeadamente a do Be­
zerro, sobre a qual tem as aguas uma velocidade de seis p al­
mos em um segundo. O termo não tem ainda codificação nos
lexicons portuguezes.
C orred or — Osso do boi que contem tutano. “ Naquelle
tempo batia-se corredor no almoço, no jantar e na ceia, para
extrahir o tutano, muito apreciado pelos sertanejos, p or ser
considerado entre todas as comidas como a que dava m ais.
v ig o r.” (Iré n eo Jioffily). Vereda, caminho estreito, tortuoso,
sobre campos de vegetação rasteira, ou alta, cortando assim
uma capoeira ou m attagal; pedaço de terreno estreito e lim ­
po dentro de um capão. (A lto S. Fran cisco). Como vestígios
dessa denominação particular de taes caminhos, resta-nos
ainda a de C prredor do Bispo, que conduzia ao palacio epis­
copal da Soledade, e ainda correntem ente mantido, apezar
de constituir hoje uma bella, larga e extensa rua com extra-
nha denominação o ffic ia l; e roncurrentem ente, o C orredor
da Torre, estreito caminho de passagem entre os extinctos
engenho<s da Magdalena e T orre, convertido presentemente
numà extensa avenida que chega até á margem direita do Ca-
pibaribe. “ Subimos a serra da Borborem a pelo logar chama-
do Estreito do Embuzeiro, que é um estreito corredor entre
duas pontas de serra” . (C aneca).
Correia — Instrumento de castigo, composto de duas ou
tres pernas, ou tiras de sola, presas nas extremidades supe­
riores. “ P o r qualquer travessura ainda apanhava com as cor­
reias.” (O Carapuceiro n. 75 de 1842). D erivado: Correiada.
“ Tem conseguido vib ra r valentes correadas, engasopando m ui­
to que se julga quengo” . (A Pim enta n. 10 de 1901).
C orreição de form igas — Invasão, ataque de formigas, em
numero prodigioso, incalculável, nas casas, celeiros e campos
de plantação, resultando grandes damnos e prejuízos pelos es­
tragos causados. A phrase já vem de tempos remotos, como
se vê destes versos do poeta seisentista G regorio de Mattos:
^ A lli entra a fradalhada Qual form iga em correição.”
C orrer as igrejas — V isitar na Quinta-feira de Endoenças
ou Maior, como vulgarm ente se diz, as igrejas em que, depoií
da Missa solemne do dia, fica em exposição o Santo Sepul-
chro.
C orricar — O mesmo que An dejar; C orrer montes e val-
les.
Corriqueiro — Que anda sempre a corricar, andejar;
roupa simples commum, de uso ord in ário: um vestido c o rri­
queiro.
Corrupião — Passaro canoro, de bella plumagem e facil
domeslieação.
Corruscubico — D iffic il, máo, perigoso. “ Pelas altas re­
giões da politica as cousasa andam corruscubicas, fegundo as
ultimas noticias telegraphicas.” (Lan tern a M agica n. 17 de
1882)..
.Çoitado — P reterido, desprezado, abandonado. “ Por
todá parte que ando Vão me cortando a ra iz; N ão sei Sc o
córte fo i brando, Mas fui cortado! In fe liz ! (A Semana n.° 3
de 1890). “ Menina que na janella, Com certo ar de lezeira,
Passa quasi todo o dia, Stá cortada, é tribofeira. (O C orreio
de Olinda n.° 1 de 1891). “ P o r toda parte que ando Sempre en­
contro namorados; Uns tolos, outros sabidos, Uns na ponta,
outros cortados.” (Quadras populares). Meu bem, estou corta­
do ahi? (D itado pop u lar). — “ O Veras passando á noite na
rua Bella alguem perguntou-lhe com a voz mais amorosa des­
te mundo: Meu bem, estou cortado a h i? ” (A Lanceta n. 26 de
1890). O ditado deu assumpto e titulo a um interessante e
ichistoso m onologo de G regorió Junior, representado e im ­
presso então.
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Corta-mortalha — M edico in feliz ou inepto cujos doente,*
não escapam.
Cortar — Falar mal, deprim ir, diffam ar: Cortar a pelle
alheia, Cortar a p elle e o couro. Im pedir, desprezar, aborre­
cer. “ Eu tenho pela Francisquinha um am or louco, que em­
bora ella me córte lia de ser minha.” (O Sino da Sé n. 1 de
1890). Cortar lingua: falar uma lingua extranha. “ O moço até
sabe cortar linguas. Cortar linguas? Sim. Diz-se de uma pes­
sôa que as sabe falar.” l(A P rovin cia n. 209 de 1915). Cortar
as azas, os esporões: reprim ir, conter, subjugar, vencer. “ Eu
que sou negro nas cores Mas não negro nas acções, Si fosse
atraz de malvado Cortava-lhes ios esporões.” (F o lt-lo re P e r­
nambucano).
Córte — Uso commum, ordinário. M etter no córte: passar
a usar ordinariam ente uma roupa ou cousa qualquer reserva­
da a certos dias.
C ortelleiro *— Boi manso, que vem sempre ao curral, p or
opposição ao barbatão, que é sempre amontado. (S y lv io R o­
m ero). “ Eu tinha o meu boi espacio, Que era meu boi cortel­
le iro .” (O Boi espacio, versão de S ergipe). “ O vocábulo tem
sua origem no radical .córte, term o portuguez, significando
pateo, curral, casa destinada á habitação de animaes domés­
ticos.” (Beaurepaire R ohan).
Cortezia — A ffin id ad e: T io por cortezia.
Cortiço — Conjuncto de pequenas habitações, reunida-
mèfife dispostas, form ando pateos ou arruamentos; casa em
que, distinctamente, habita muita gente. “ A junta de hygie-
ne visita as cocheiras, dá conselhos e desinfectantes, e entra
pelos cojstiços de alfange em punho.” t(0 João Fernandes n.
14 de 1886). “ O dinheiro que Nazinha trouxe esgotou-se, e
ella viu-se obrigada a se aboletar em um cortiço da rua das
T rin ch eiras.” (A Pim enta n. 497 de 1906). O qu alificativo
vem da analogia de semelhantes asas com os cortiços das
abelhas.
C ortir a bebedeira, a mona — Passar o tem po dos seus
effeitos, soffrendo os encommodos que provoca, e depois de
profunda somnolencia, o mau-estar que advem, ficando as­
sim na resaca. “ Depois de cortida a mona vos apoderaste
de um liv ro e nunca mais. o restituíste.” (Lan tern a Magica n.
10 de 1882), “ A senhora era casada; Porque largou seu m ari­
do? Porque bebia sinhanninha, E vinha cortir com m igo.”
(C ancion eiro do N o rte ).
Coruja — Especie de ave de rapina, nocturna (Athena
cunicularia molina, Ch. Bonap.) a que os indios davam o no­
me de jurucutú ou Orocuriá, segundo Gonçalves Dias.
Corujão — Poltrão, indolente', preguiçoso.
Corumbá ou curumba — F in orio, experto, m itrado, sabi-
dorio: Eu cá sou corumba velh o ! Vocês não me embrulham.
Homem de baixa condição, mal trajado, a toa; sertanejo que
desce para o serviço de campo das uzinas e engenhos. “ D e i­
xaste o b rio nos valles do Pajeú, lá, onde salta o veado, onde
cresce o curumba?” (M ephistopheles n. 2 de 1883). “ E* pena
que esta gente do Luzitano se persuada que isto aqui é uma
terra de botucudos e corumoas.” (Lan tern a Magica n. 793 de
19(15).
Corupira — Especie de demonio ou genio do mal da my-
thologia indigena, que segundo Anchieta, ataca os indios nos
bosque, e os açoita, atormenta e mata. Os versos populares
da legenda pernambucana do nosso Carupira, representam-no
um menino gentio, de cocai e fraldão de pennas, armudo de
arco e flexas, e montado numa queixada nas suas excursões
nocturnas. N o nosso iFolk-lore Pernambucano estudamos o
m ytho e registramos a sua popular legenda.
C orvina — *Peixe do m ar (Otolithus guatucopa, Cuv.), a
quatucapa o u ' cururúca dos indios, nomes que perdeu pela
sua semelhança com a corvina de Portugal. H a uma especie
de agua doce.
Coscas — Carruptela do cócegas. “ Seu maroto, deixe-se
dfi. safadeza de fazer cosquinhas nas mãos das moças quando
as aperta.” (O Maná n. 19 de 1883). D eriva d o: Cosquento.
Costado — Taboa larga, grossa, especial para certas obras
de carpintaria ou tornearia. As menos grossas tem o.n q m e de
costadfnho: Um costado ou costadinho de amarello.
Costella — Esposa, com panheira do lar. “ A costella mos­
trando o focinho ao marido, poz-se a reprehendel-o aspera­
mente.” (Lan tern a M agica n. 423 de 1894). “ V iv e r nas cellu-
las sombrias sem ter uma c o s te lla ... D orm ir s,ó até dizem que
faz mal, que é peccado.” ( A Pim enta n. 8 de 1902). — “ D iz
a historia que o pae da humanidade Do barro se creou, e da
costella que d elle se extrahiu, nasceu mais bella A mãe E va
das mãos da D ivindade.” (A U rtiga n. 1 de 1861). Costella de
vaccâ: O phidio venenoso, que attinge a grandes dimensões.
Costella mindiriha: As ultimas eostellas, as mendolsas, peque­
nas, que não chegam a fechar com o sterno, e assim vu lgar­
mente chamadas mindinhâs, isto é, minimas, pequenas.
Costelleta — Pequeno lanço de barba junto ás fontes.
“ Um dandy de costelletas e pence-nez” . (O Diabo a quatro n.
30 de 1876). — “ Um moço encadernado a chagrin, costelletas
a franceza, bigodès á m ilitar.” (M ephistopheles n. 7 de 1883) *
“ Regular estatura, usa lu n e ta s... Tem bigode grisalho e cos­
telletas; (A Pimjenta n. 27 de 1902).
Cotia — Pequeno animal, quadrúpede, roedor (C aria acu-
ty, L im .), habitante das mattas, c caça muito apreciada pela
sua bôa carne. Um dia, um dia, cachorro de paca mata cotia.
(D ictado matuto). Vocábulo de origem tupi, corruptela de acu-
ti ou acuty, segundo M acgravi, significa vigilante, e Gonçal­
ves Dias, esperar, acautellar, espreitar, e dahi este nome do
animal, conclue como se dissessem cauteloso, com o quem vai
pé ante pé.
Cotó — Anim al sem rabo, ou de rabo cortado. “ Fiquem
certos os taes ratos, que os hei de reduzir a preás, sem que
saibam cpiem lhes tosqueia os rabos até os p ôr cotós.” (A
Tempestade n. 3 de 1847). Cachorro cotó não passa pinguela.
(D itado popular) “ Um cachorro cotó, vadêa um rio cheio, a
nado, mas não transpõe uma pinguela” . (Pernam buco n. 311
de 1913). Moraes registra o termo com as expressões de es­
pada curta ou faca de matto, abonando-o com esta phrase de
M anoel Bernardes, escriptor do seculo X V II: — “ As espadas
degeneraram em cotós.”
Cotôco — Pedaço, resta de uma vela “ O Sr. Passos Gui­
marães va i obter o p rivile g io de vender tochas de páos com
cotocote de velas na ponta para acompanhamento das p rocis­
sões.” 1(0 Tam oyo n. 21 de 1891). Minino, pessôa de baixa es­
tatura: um cotoquinho de gente. O que fica de um rabo cor­
tado. “ V ocê teve rabo, que inda tem cotoco.” (D e uns versos
populares). “ Perténee a fam ilia dos cotocos, que provém dos
chipanzés; e quem duvidar destr classificação, queira apal-
pal-o na extrem idade in fe rio r que achará cotoco.”
(A m erica Illustrada n. 14 de 1882). Contar historias de dia
faz crear cotoco. (A d agio)
Cotúbia ou cutúba — Prestigioso, bichão; astuto, manho­
so, fin ório. “ E* um bicho cu tu ba... Reune as suas glorias nos
pleitos que venceu contra o cutuba.” (Pernam buco ns. 167 e

273
169 de 1913). “ \manhã, a rapaziada cotuba dos Lanceiros,
realisn o $eu ensaio geral.” (Jornal Pequeno n. 33 de 1915).
Courinho — P elle de cabra, secca, para exportação, p ro ­
veniente das zonas centraes e sertanejas. “ Duzentos reis por
kilo de courinhos de cabra e carneiro.” (Orçam ento do Esta­
do, 1914-15). T erm o geral nos estados do Norte entre a Ba­
hia e o Ceará.
Couro — Bacalháo, peia, relh o: Metter os couros. “ Velhas
mcltida a namoro, é falta de couro.” (Lanterna Magica n. 501
de 1896).
Çousa-leita — Feitiçaria, bruxedo, mandinga. “ O curan­
deiro faz cousa-feita; isto é, bota feitiço em alguém.” (Gus­
tavo B arroso). “ E lla apparece todas as noites tran sform a d a ...
Até parece cousa-feita!” (A Pim enta n. 15 de 1901). “ D izia
José Elias, a todos que perguntavam pelo seu estado de sau’
de, que tinha cousa-feita.” (Pernam buco n. 313 de 1913).

Cousita — Certas cousas, umas tantas cousas, mais ou


menos insignificantes. “ Procissão de semana santa, missas,
confisões e outras cousitas mais.” (A Lanceta n. 107 de 1913).
Cóva — O mesmo que barroca, e particularmente ainda,
com a voz de cóva, abertura no rosto, na barba; e no diminu­
tivo, concavosinho, que está naturalmente na ponta da bar­
ba, ou se faz no rosto, quando alguém se ri, como define M o­
raes. “ Andava sempre alegre, a rir, e quando ria, Mostrava
no rostinho a cóva encantadora.” (D e um soneto anonym o).
Pequenos montículos de terra dispostos em campo lim po so
bre os quaes se faz a plantação da mandioca, macacheira; é
o mesmo que matombo. “ Todos os m oradores ficam obriga­
dos a plantar 300 covas de mandioca p or cada peça de traba­
lho. negro e negra ou© tiv e r.” (E dital do governo hollandez
de 15 de A b ril de 1640). “ Minh’ avó quando m orreu Deixou-
me bem d ota d in h a ... Umas mil covas de roca. Um alaueire
de farinha.” (A Herança de D indinha). Cóva de carvão: o mes­
mo que carvoeira. “ Lourenço descobriu ao longe um vulto
acocorado á beira de uma das covas. .• O raoaz atirou o neero
não sobre a areia, mas dentro da cova próxim a, onde havia
nm abvsmo de foso, parte ainda em chammas, parte iá em
carvões.” (F ra n k lín T a v o ra ). Cova rasa; sepultura no chão.
“ A pedido nue fizera o extinto, a exhumacão se fez em cóva
rasa.” (A P rovín cia n. 154 de 1915). F erro de cova: fe rro de
cavar, encabado. “ R evolvia com um ferro de cova o barro
cahido das p a re d e s ... O chão fôra re vo lv id o a ponta de es­
pada ou de ferro de cova.” (F rà n k lin T a v o ra ). O que o b e r­
ço dá só a cova tira. (A d a g io ).
Çôvado e meio — Farda de soldado: O rapaz está p erd i­
d o; preguem-lhe o côvado e meio no costado.
C oveiro — Individuo que p or inépcia, relaxam ento, ou
certos fins olccultos, concorre para a extincção de uma em-
preza ou corporação qualquer. “ F o i um dos coveiros de Co-
rym batina Recifense, e p or signal arranjou-se, herdando O
seu e x p o lio ” (A Pim enta n. 64 de 1902).
C ovilh ete — Engenho de fab rica r assucar, m ovido a agua,
mas re^ebendo-a em m eio da roda de m ovim entação dos ma-
chinismos. Ao pavilhete dá-se tambem o nome de meio cop ei­
ro.
Côxo — Especie de gam ella ou banheira, oblonga, feita
de um' só tóco de madeira, e de largura e com prim ento p ro ­
porcionados a que uma pessôa se banhe commodamente*
“ Grande caixa de madeira, escavada num tronco, do feitio
de canôa” . (Gustavo B arroso). “ Um côxo de m ellado onde
as' bestas bebem ” . (O V ap or do R io Fortnoso n. 9 de 1857).
“ Jambo enche os côxos e senta á beira d’agua olhando o
m anancial” . (D ia rio de Pernambuco n. 105 de 1916).
Crauá ou crauatá — . Especie de b rom elia da nossa flora,
tambem conhecida p o r caruatá ougravata de rede, pela ap-
plicação das suas fibras no fab rico de redesi de pescar. São
lam bem usadas no de cordas, de boa qaulidade, pela sua
rigidez, e vulgarm ente conhecidas p o r cordas de crauá.AÍ-
menda P in to registra tambem uma especie vulgarm ente co­
nhecida p or Gravatá assu’, caroatá assu’ ou piteira.
C raveiro — F ogo de salão á especie de pistola. “ As m o­
ças queimam craveiro, P o r ser fogo p ro p rio d elias” . (B a rb o ­
sa V ian n a).
C red o! — D icção in terjectiva de admiração, espanto,
h orror, aversão. “ Mané Sinhá gritou com o ardor da mala­
gueta: C red ó! Posso o qu eí” (A Pim enta n. 84 de 1902), “ T i­
vemos occasião de v e r a Luizinha dançar no p astoril da En­
cruzilhada. Estava tão mal am an h ad a... Crfedó, pasto!ra!”
(A Pim enta n. 611 de 1907).
Crescer — In vestir, aggredir, p a rtir; arrancar com im-
pecto, disposições hostis contra alguem . N egro cresceu, apa­
nhou. (D ictad o) Cresceu, cahiu; Partiu m orreu. (Versos do
c a p o e ira ).
275
Cria — Em outros tempos, o escravo nascido e criado
na casa dos seus senhores: Cria d e casa. “ D iz-se das crian­
ças das escravas; v . g. as escravas com as sua» crias” (M o­
raes). “ As crias de casa, não raro filh os dos mesmos senho­
res ou de seus filhos com c re o ^ a s , v ivia m na m aior in tim i­
dade das fam ilias” . (A ffo n s o C lá u d io). Vende-se uma ne­
gra da Costa com uma cria de peito. (O Cruzeiro n. 23 de
1829). “ A linda mulatinha, a cria da fazenda, A todos en­
cantava, a todos seduzia” . (D e um soneto anonym o). “ O ca
pitão Pedrosa tinha em casa uma cria appettitosa” , (A rth u r
A zeved o).
Crioulo — F ilh o ou descendente de africano nascido no
paiz; o homem p reto. “ Era preto, natural de Pernambuco, e
não podemos concluir se de pais já nascidos na terra, ou
vm dos de Angola ou Guiné, mas só que era crioulo, que as­
sim chamam aos que nascem no p aiz” . (F r . Jaboatão). P o r
extenção é o termo crioulo tambem applicado, em geral, aos
homens brancos e de outras castas, para in dicar p erfeito co­
nhecimento das pessoas, causas e factos occorridos, vindo
dahi a phrase: crioulo da terra, ou quando fala o p roprio
indivíduo: somos crioulos da terra. E ’ assim, que escreven­
do o nosso lexicographo A . de Moraes Silva á Junta do Go­
verno P ro vis o rio da P rovín cia em 4 de Março de 1823, e re ­
ferindo-se a uns embusteiros que em 1817 appareceram r.o
districto da sua capitania-mór, extorquindo dinheiro bois e
cavallos para as tropas que marchavam contra o R ecife, con-
clue: “ e não eram senão ladrões mascarados, e um delles
crioulinho branco aqui mesmo da M uribeca” . “ Compra-se
uma mulata ou crioula, ou ainda mesmo negra d’A n gola” .
(O Cruzeiro n. 92 de 1829). “ Os meus irmãos oriundos da
Costa d’A f i ‘ica, os crioulos natos, oidwdãos como nós, são
assaz contentes da energia e sublimidade da nossa penna” .
(O Mesquita Junior n. 1 de 1836). Term o originariam ente
hespànhol (de c rio llo ), veio, naturalmente, da influencia da
dominação castelhana em Portugal (1580-1640) com os seus
reflexos entre nós, que acompanhamos a sorte da m etropole,
e dahi já eorrènte em Pernambuco na prim eira metade do
seculo X V II, como escreve M arcgravi no seu liv ro impresso
cm 1648, tratando da população de Pernam buco: “ Natus hic
ex utrisque parentibus nigritis apipellatur c riô lo ” . Já havia
então a distineção entre o preto nascido na Á fric a e o nas-

276
eido no paiz, sendo aquelle conhecido p o r negro da costa
ou mina, e este p or crioulo, como p or sua vez tambem, coji-
temporaneamente, escreve F r . M anoel Calado: “ Sahiram do
A rrec ife um negro mina e um crioulo, sendo tomados pelos
nossos soldados” . Um Compromisso da irmandade de N . S.
do Rosário de Olinda, de 1706, prescreve que a sua adminis­
tração se com porá de doze mesarios, sendo seis crioulos e
seis angolas; e consoantemente assim Nuno Marques P ereira
registra o vocábulo .em 1731, escrevendo sobre um facto em
que figuram quatro mulheres, sendo duas pardas, uma branca
e outra crioula. Canna crioula: a que se cultiva para o fa b ri­
co do assucar desde tempos remotos, e concurrentemente ain­
da com as de novas especies introduzidas na lavoura, a par­
tir da de Cayenna, em 1810.
Pão crioulo — Certa especie de pão p elo preparo parti­
cular da massa, do seu fa b rico .
Croinha — Moço que traja de batina e roquete, e auxilia
o clero no serviço do culto ecclesiastico. “ De thuribulo na
mão, vê-se-o na igreja, Mettido na roupeta; EUe é croinha” .
(O Etna n. 25 de 1882). “ O sachristão de S. José, anda sem­
pre com o crfoinha M anoel Caetano” (A Derrota n. 6 de
1883). O vocábulo vem de corôa, a tonsura ecclesiastica, e é
empregado no dim inuitivo porque alguns desses croinhas,
que se dedicam ao sacerdocio usam já da prima tonsura, de
circum ferencia in fe rio r a dos padres, e dahi croinhas, por
serem pequenas.
Cruangy — ■ M adeira de coiístrucção civil. Nom e de um rio
que banha o m unicipio de Timbauba, é corruptela de curuã-g-y,
rio das curuanhas ou cruanhas, arvore silvestre, que cresce
em abundância nas suas margens. (Alfredo de Carvalhp), vin
do dahi a origem do nome do vegetal.
Crueira — Trabalh o de costura mal acabado; especie de
tumor secco, esbranquiçado, que infesta a cabeça das gallinhas
e outras a ves; a parte grossa da m andioca ralada para fa r i­
nha, que não passa nas malhas da peneira ou urupema, mas
que depois é aproveitada, e cozida ao forno, dando assim uma
farin h a grpssaC ordinaria, que tem o mesmo nome de crueira.
Em falta de farinha, crueira serve. (Adagio matuto). A dicção
vem de corêra, com que os in d io s , chamavam as cascas ou ras­
pas im prestáveis retiradas da massa da mandioca, depois de
ralada, destinada ao fab rico da farinha, e dahi p or corruptela
a palavra crueira, á feição portugueza. (Theodoro Sampaio.)

277
Cruviana — Preguiça, indolência, m alandrice: Apertar a
cruviana. Este vocábulo tem tambem curso no Ceará, mas com
a expressão de frio .
Cruvelão — M adeira de construcção civil, tirada da a rvo ­
re do mesmo nom e.
Cu’ ba — In dividuo poderoso, influente, atilado, m atreiro.
Se queres obter o em prego que desejas, dirige-te ao commenda-
dor, que é o cuba desta com arca. Quizeram illu d il-o; mas elle
se houve como um p erfeito cuba. Não conhefcemos este vocá­
bulo, e jamais o ouvimos pronunciar; entretanto o registra­
mos uma vez que Beaurepaire Rohan assim o fez, como term o
pernambucano. T heoton io R ib eiro registra o term o como cor­
rente em Alagoas com a expressão de velhaco de quatro cos­
tados.
Cuca — Sabido, fin orio, expertalhão. “ M estre Cuca serviu
de creado m or” . (Lan tern a M agica n. 45 de 1883). Espera, es­
preita, tocaia. “ O H oracio, o F e lix e outros estão na cuca es­
perando o brado“ . (Jorn al do R «c ife n. 29 de 1916). Rohan
registra o vocábulo como corrente em Pernam buco e Alagoas,
com a expressão de. m ulher velha e feia, especie de feiticeira,
que pode com seus sortilégios causar mal á g e n te ; e que tam­
bem lhe chamam coroca, curuca é curumba* que desconhece­
mos com aquella accepção.
Cu’ da mãe Joanna — Cousa a tôa, sem dono, que a todos
é licito mexer, devassar, se apropriar mesmo. “ A escripta de
uma casa de com m ercio não é . . . da mãe Joanna, nem pode
ser devassada” . (Jornal do R ecife n. 232 de 1916).
Cu’ de pinto — Costura frouxa, mal feita.
Cu’ roto — De frequente ventuosidade.
Cu’ de vacca — Especie de abelha (T rig o n a H elleri, F rie-
si), assim vulgarmente conhecida em Pernam buco e Alagoas,
de ninhos ou cortiços muito populosos, mas produzindo pouco
mel, de sabor muito acidulado, e cera de um odor terreno
muito pronunciado.
Cuéra — Valente, audaz, destemido; velhaco, experto.
“ E ncontrei o Zé P erigoso gosmando muito, dizendo que so
elle era cuéra, e que não via ninguém adiante d elle” . (A P i­
menta n. 494 de 1906). “ O dito que se ouvia em birrou a mui­
tos cuéras.” (Pernam buco n. 104 de 1914). “ Sabem o que elle
quiz, elle, o cuéra de tino? T od o estado uma uzina, elle sendo
o u zin eiro” . (Jornal do R ecife n. 297 de 1915). Th eodoro Sam­
paio registra o termo como um adjectivo tupy, com estas ex­
pressões, entre outras: velhaco, esperto, entendido.
Cuérrimo — Cousa insignificante, sem valo r; trabalho
porcamente acabado; forte, agudo, doloroso: iun incommodo,
um soffrer cuérrimo. “ In feliz, o que fazes? Supporto os cuér-
rimos m artyrios da minha desditosa sorte” . (A m erica IIlus-
irada n. 47 de 1778).
Cuia — Antiga medida de cereaes e. outros generos, cons­
tante de cinco tigellas bem caculadas, e em certos logares cen-
traes com capacidade superior, correspondendo cada tijella a
um litro, e ainda dê todo não abolida no connnercio e m erca­
dos ou feiras do interior, e nem mesmo na capital como nome
vulgar da nova medida decimal, dizendo-se correntemente, uma
cuia de farinha, de milho, etc. “ L ib ra de carne a pataca, E
cuia de farinha a sello Não fazem muito bom cab ello” . (O V a ­
por dos Traficantes a- 192 de 1860). O term o porem é anti­
quado, como se vê desta passagem de um ebronista de meia-
dos do seculo X V III (Sim ão de V asconcellos), tratando de uma
h o rriv e l fom e que houve na Bahia em 1564: “ Os indios das al­
deias levados do aperto, chegaram a vender-se a si mesmos
p o r cousas de com er; e houve tal, que entregou s-ua liberda­
d e p or uma só cuya de farin h a” . Especie de vasilha feita da
coité, o frueto da bigoneacea cabaceira, coitezeira ou cuieira
(Crcscentia cujete, L in n eo ), partido ou serrado pelo m eio no
sentido longitudinal, produzindo assim cada frueto duas cuias.
“ A cabaça quando inteira tem este nome, e quando aberta em
duas bandas, chama-se cuia a cada banda” . (H . K o s te r). A
cuia é applicada a diversos usos domésticos. Na roça serviam-
se delia os escravos, e serve-se ainda a gente pobre, tanto á
guisa de prato para comida e farinha, como de tijella para
café ou copo para agua e outros liquidos. Nas mesas, ainda
mesmo de casas abastadas, figuram, ordinariam ente, as cuias
como pratos ou vasos para farinha de mandioca, mas neste
caso são preparadas com bonitos lavoures brancos em fundo
preto, ou envernizadas de cores, interna e externamente, co­
mo as que são assim preparadas no Pará e Amazonas. O ter­
mo cuia é extensivo a qualquer vaso que tem a form a ou a
serventia da cuia natural para faiin h a, como as de metal, de
prata, em outros, tempos, de madeira, com as aduelas de co­
res differentes e de tartaruga ou chifre, destinadas áquelle
mesmo fim . A llelu ia ! A llelu ia ! P eix e no prato, farinha na
cuia! exclamação de alegria ao rom per da alleluia, cuja lo ­
cução fo i assim maliciosamente in vertida por um periódico
politico de meiados do seculo passado, chasqueando dos seu>
adversários, quando então já era vulgar: A llelu ia ! A llelu ia!
1’ erfid ia no prato, mamata na cuia. Dar na cuia dos cuiabos:
descobrir manhas alheias, penetrar' num segredo. Lavar-se em
agua de cuia: ser feliz e venturoso em sua vida. “ S. S. é f e ­
liz ; nasceu im pellicado, lavou-se em agua de cuia.” (Jorn al
do R ecife n. 122 de 1916). Tom ar na cuia dos quiabos: passar
pbr uin revez qualquer. O termo cuia, segundo Beaurepaire
Rohan, pertence á lingua tu py. M encionando M ontoya os no­
mes de diversas vasilhas que os indios guaranys faziam com
a cabaça, cita a iacui, definindo: calabaço como plato grande,
de cujos utencilios domésticos é este o que tem denominação
que mais se approxim a do term o cuia.
Cuiambuca — O fructo secco do cabaceiro, ou coitezeira,
com uma abertura circular na extrem idade superior, feita á
serragem, e tirado todo o m iolo, destinado assim para conter
agua e outros liquidos, ou para guardar dinheiro, ouro ou ob­
jectos pequenos. Graças as cabeças, cuiambuca de pae M atheusí
exclam ação de alegria, contentamento, adm iração.
C u id a -d -ó-d ó'— Tento, atfenção, sentido; muito cuidado.
Cujo — Um individuo de quem se fala porem que, p o r c er­
tas conveniências não convem declinar o nom e; designação
vaga. O term o é assim simplesmente usado, ou concurrente-
mente com o de supplicante. “ A ’ vista do occorrido, o cujo
desapontou, e arrependeu-se dos arranjos da sua patota” . (O
Vapor dos Traficantes n. 202 de 186Q). “ Faça a apresentação do
cujo, que v eio cah ir neste seio de Abrahão” . (Jorn al do R e­
c ife n. 27 de 1916)
Culatra — Nadegas.
Cumbuca — O mesmo que cuiambuca, porem mais vulgar,
“ Deixou-m e um pé de macuca, Dous limõesi numa cumbuca” .
( A Herança de D idinh a). “ D. Ignacia tinha pressa de se ver
Jivre da rapariga e p or isso tratava do enxoval, que, em bora
pobre, para com pral-o fo i preciso ir á cumbuca de seus oiros
velh o s” . (R od olph o T h eo p h ilo ). Arm adilha, esparella, em que
cahem os incautos e inexperientes. “ A gora fo i muito manso
D eitar abaixo a arapuca, Prom ettendo d ’outra feita Não pôr
a mão na cumbucaw. ( A Lanceta n. 26 de 1890). “ E ’ um ve­
lho ladino, nem á mão de Deus Padre mette mão em cumbuca” .
(Pernam buco n. 167 de 1913). Macaco velho não mette a mão
em cumbuca. Este anexim, muito' vulgar no paiz, quando se
quer dizer, que é muito d iffic il illu d ir e enganar a um homem
experiente e reflectido, é de origem tupy, como diz Couto de
Magalhães, que assim o encontrou entre os indios, no seu pro-
p rio idiom a, e até rim ado Macaca tuivé inti omund-o i dó cui-
ambuca opê.-O anexim occorre deste facto: Para caçar o ma­
caco, introduz-se uma espiga de m ilho em uma cumbuca, elle
m ette a mão, segura a espiga, e p or não ter o instincto de lar-
gal-a, apezar de sua decantada astúcia, fica preso pela mão,
que estando cheia não pode sahir por onde entrára vasia. Co­
mo o cabaço está preso p or uma corda a um objecto fixo, to r ­
na-se im possível a fuga. O macaco velho, porem, tendo visto
assim logrados muitos de seus companheiros, não se deixa ca­
hir na arm adilha. O autor de uma obra de começos do seculo
X V II (D iálogos das grandezas do B rasil), refere já esse modo
de pegar o macaco, mas em vez de cabeço ou cumbuca, diz que
era uma botija de bocca estreita. Dar graças a Deus e louvores
ás cumbucas; Bocca de velha é cumbuca; dictados sertanejos.
Cumieira da casa — O chefe da fam ilia. Quando cahe a
cumieira, vem a casa abaixo.
Cumu’a — Latrina.
Cupim — Insecto da or dem dos himenopteros, fam ilia dos
form icidas, vindo dahi chamarem-no geralm ente Form iga do
Brasil, sem distineção daa suas tres especies conhecidas, ca-
racterisadas p o r cores distinctas e tamanhos variados. Deste
nocivo, voraz e destruidor insecto, deixou-nos o nosso choro-
grapho M . A yres do Casal particular descripção, iendo já se
occupado delle o historiador seissentista F r . Vicente do Sal­
vador, como uma casta de foiímigas, com o nome de cupy. Pa-
nella ou casa de cupim: habitação do insecto, 110 chão, nas a r­
vores e nos telhados das casaa, tendo o ia a form a de m ontícu­
los, arredondados, e ora a de cones, que attingem a grandes
circum ferencias e alturas, e das quaes partem extensas linhas
cobertas, á especie de tunel, e em direcções diversas, mas con­
vergentes aos pontos de ataque, e pelas quaes transita em le ­
giões enormíssimas o vora z insecto. Cupim de igreja: in di­
víduo que se mette em confrarias e irmandades, e trabalha
em p roveito proprio, viven do assim da igreja, cujo telhado, 11a
phrade do rifão, sempre goteja. “ Os cupinsi da devoção da Con­
ceição roeram o adereço de Nossa Senhora, muitos objeclos,
e até mesmo uns cobres que h a v ia ... Na irmandade do Bom
Jesus ha tambem cupins.” (A D errota n. 4 de 1883) Cabello
de cupim: Pichaim ou de carapinha. “ Você me chama de ne­
gro Do cabello de cupiip, A gora você me diga: Quantos contos
deu p o r m im ? ” (D e uns versos de D «s a fio ). O toutiço dos
touros, avolumado, pela sua semelhança com a casa do cupim-
"P equ en a corcova lúâtrosa que os tom os têm 110 pescoco” .
(Gustavo B arroso). “ Mê parente, tem coidado, l)iz um negro
junto a m im : Esse boi traze c u p im ... Esse boi pedaça gen te” .
(A m erica Illustrada n. 12 de Janeiro de 1873). “ Seu cupim
era grande e tão roliço Como em outro não vi igual tou tiço” .
(João Cariolano de Souza Lima, O touro fu s co ). O nome vu l­
g a r de cupim dado ás tres differen tes especies de térmitas, é
de origem tupica, e vem de. cupiji, como assim chamavam os
indios indistinctamente a qualquer delias.
Cupineira — Certa especie de abelhas, que habitam na*
casas ou panellas de cupim, de cuja circumstancia vem a sua
denominação vulgar de cupineira, e concurrentemcnte a de
cop ira ; fóra disto, habitam tambem nas paredes das casas
principalm ente de taipa. São muito mansas, inoffensivas. p o ­
rem nada produzem .
Curado de cobra — Immune do effeito nocivo da m orde­
dura dos ophibios; liv re de certos accidentes e contratempos
da vid a ; nada lhe pega. O empregado publico inactivo, p or
aposentadoria ou jubilação, extensivamente, p or exem plo, 6
curado ide cobra, porque sem tem er repressões de especie al­
guma, pode livrem ente agir, e particularm ente, segundo as suas
convicções p olíticas. “ Uma das escravas do engenho Salgado,
em Ipojuca, fôra m ordida p o r uma cobra; estava inchada, o
sangue sahia-lhe pelos olhos, a bocca e os ouvidos; ia p ere­
cer. Mandaram chamar um feiticeiro ou curado de cobra m o­
rador na visinhança; elle não pôde ir logo, porem, mandou...
o seu chapéo. Colloearam -no sobre a moribunda, que imme-
diatamcnte fico u a lliv ia d a .” (L . F. de T o le n a re ).
Curcuranas — Bernardino de Souza registra este termo
como usado no littoral do sul da Bahia, designando alagadiços
e brejos perto do m ar. Não tem o term o curso entre nós; en­
tretanto parece que já o teve, vindo dahi, naturalmente, a de­
nominação da Povoação das Curcuranas, nas proxim idades do
mar, junto á povoação e praia da Bôa Viagem , situada em ter­
reno baixo, cheio de alagadiços, e notadamente uma grande
lagôa com uns 18 klm s. de extensão, que pelo in vern o aug-
mentando de volume se communica com o rio Jordão um pou­
co ao sul da povoação da Boa Viagem. Um documento o ffic ia l
publicado no D iario de Pernambuco de 2 de Outubro de
1837 fala do lagoal das Curcuranas; e. tratando V ita l, de O li­
veira do riach o do Pina, no seu R oteiro da Costa do Brasil,
drz que, parece ser sangradouro dos alagaJ«>s das Curcuranas.
O termo, que alguns antigos documento‘s registram com a
variante de Corcuranas, vem, segundo A lfre d o de Carvalho,
mais remotamente, de caracurana, caracuarana, descobrindo-
lhe assim uma origem tupy. Seja como fôr, o term o é antigo
entre nós, porquanto a referid a povoação já era assim deno
minada na prim eira metade dõ seculo X V JI.
Curêma — Dunga, afamado, bichão. “ Este braço que e?-
tão vendo, tem botado abaixo emquanto o in im igo esfrega um
olho, muito curema rebingudo” . (F ra n k lin T a v c ra ). Não sabe­
mos de onde vem este term o. Entretanto, como consta da car
la regia de 26 de Junho de 1709 dirigid a ao govern ador da
Parahyba João de M aya da Gama, havia naquella capitania
uma tribu de tapuyas bellicosos e valentes chamados Cure-
mas.
Curica — A ve da ordem dos trepadores (Ç hrysotis oesti-
nus). "Casta de ouirg casta de papagaios, a que chamam c »-
riquas, ainda que não sejam tão formosas, quando dão em fa
lar, o fazem muito bem ” . (D iálogos das grandezas do B rasil)
Curicáca — A ve ribeirinha. (íb is sylvatica, V ie ll.) Se­
gundo Theothonio R ibeiro é voz onomatopaica.
Curinga — T im on eiro de barcaça de navegação costeira;
o dous de páos dos baralhos das cartas de jogar. Pular fóra
como curinga: sahir, retiçar-se, desapparecer, como pula fóra
o curinga, em certos jogos, em que não entra.
Curingão — O nove de páos das cartas de jogar, assim
chamado no jogo T rin ta e um.
Curral — R ecinto mais ou menos espaçoso, cercado de
varas ou esteios, com uma porteira de entrada, para recolher
o gado de qualquer especie. Curral de p eixe: Arm adilha de
pesca levantada á beira mar “ Os curraes de peixe são feitos
de estacas cravadas no fundo arenoso; p or m eio de travessas
e ligaduras pendem varas, nos in tervallos das estacas, tão
próxim as umas das outras que não deixam passagem ao m e­
nor p eixe. A linha de estacas geralm ente começa na praia e
corre em linha recta para o mar á distancia de dez, vinte
ou trinta braças, conform e a profundidade d’agija, e então
descreve um cercado de form a entre um quadrado e um c ir­
culo, com aberturas do lado de terra; p or estas o p eixe entra
na enchente da maré, e não póde mais sahir na vasante,
sendo depois facilm ente apanhado com uma r e d e .” (D an iel
P . K idder, Impressões de um missionário methodista em P e r­
nam buco). “ A povoação de Taquara tem na praia varios co-
queirós e curraes de apanhar peixes” . (Estatística de 1774).
"V en d o no R io Doce muito peixe cahir num curral, o padre
fo i benzel-o, do que resultou não cahir mais nem uma sardi­
nha sequer no re ferid o c u rra l.” (O Guarda Nacional n. 6 de
1846). Os indios chamavam aos seus pesqueiros P irá tyba,
lugar ou sitio de muito peixe, ou simplesmente Pari, cerca
feita de cannas para apanhar peixe, o curral de p eixe. (T h e o ­
doro S a m p a io ). A niais remota noticia que encontramos da
construcção regular do curral entre nós remonta-se ao anno
de 1694, quando o capitão P ed ro Lelou, o alferes reform ado
Bartholom eu Correia B ravo e Balthazar Aranha de Araújo le*
vantavam na praia de Páo Am arello os prim eiros curraes de
peixe que se viram em Pernambuco, segundo um documento
o ffic ia l.
Corrusc.úbico — Máo, d ifficil, trabalh oso: Tempos corrus-
cubicos. *“ As cousas andam m eio curruscubicas” . (A m erica II-
lustrada n. 18 de 1879).
Çurúca — V elho impertinente, abuzado, cabuloso, rabu­
gento; fino, experto, sabidorio: Um velho curuca; um Curuca
velh o. O termo é, naturalmente, um modismo de coroca, do
tupi, que Gonçalves Dias registra como vulgar no Maranhão,
applicado aos velhos adoentados, no que fo i seguido p or Beau-
repaire Rohan. Tem tambem assim curso no Pará, segundo
Chermont de Miranda, na accepção particular de velho ca­
duco pela idade.
Curumatá, Crumatá ou Corim atã — P eix e de agua doce,
de escamas (Salmo curimatá, B lo c h ). Gonçalves Dias escreve
curymatá, ‘peixe d’agua doce. “ Curimatá é reputado p or savel
de Poçtugal, porque é da própria feição, e tem tantas espi­
nhas como e lle . ” (D iálogos das grandezas do B ra s il). V ocá­
bulo de origem Tupi, segundo Baptista Caetano, corruptela
de quiri-mbatã, p eixe salmão, muito tenro, ou muito verm e­
lh o. Consoantemcnte escreve Theodoro Sampaio, que o nome
do rio Curimatáhy ou Corumbatáhy, é corruptela de cori-
matã-y, rio das coriniatás; o que igualmente occorre com o
nome da nossa Ilha do Corom atá ou Crumatá, no alto S. F ra n ­
cisco, poíico abaixo da v illa da Bôa Vista.
Curuquêrê — Lagarta ou larva de uma borboleta que ata­
ca o algodoeiro, destruindo não somente as suas folhas e ma-
çães, como roendo os proprios galhos e hastes. As femeas
sãò'\le uma prolixidade espantosa, e depositando os seus ovos
na planta, dentro de poucos dias se transformam em p e rfe i­
tos insectos. “ As borboletas do curuquêrê permanecem, du-
rante o dia, escondidas entre as plantas e ao p ôr do sol co­
meçam a voar visitando os algodoeiros onde depositam os
seus o v o s .” (Jornal do R ecife n. 95 de 1916).
Cururú — Sapo grande, venenoso, de extraordinaria fo r ­
ça magnética, e um dos maiores da especie dos batrachios.
Sapo negro, cujo leite produz ophtalmia e cegueira (G o n ­
çalves D ia s ); o roncador, o que ronca, sapo grande, Pipa-
cururú (T h eo d o ro Sam paio). Cláudio d’A b b eville registra já
o sapo cururú, no Maranhão, tão grandes que — alguns ha
que tem mais de um pé ou pé e m eio de diâm etro, -r- “ Um
sapo nascido é gia, Sapo velho é cururu’ . ” (A P rovín cia n.
60 de 1916). “ Sapo cururu’ Da beira do rio, Quando o sapo
canta Cururú tem fr io . Eu mandei chamar o padre Cabacinha
de timbú, Eu pensava que este padre, Era o sapo cururu’ . ”
(V ersos populares)- “ N o capinzal da beira da lagôa, os curu-
rús infatuados e barulhentos assustavam as timidas ro la s . ”
<Inglez de Souza). Nom e generico do sapo na linfeua tupi
mas applicado a uma das maiores especies aesses batrachios,
como escreve Beaurapaire Rohan, concordantemente com os
citados escriptores, discorda porem S ylvio Rom ero, dizendo
que cururú e um term o african o.
Cuscús — Especies differentes de bolos feitos com o fubá
do milho, ou do arroz, ou da mandioca, humedecidos com
agua, leite de côco, assucar e sal, e assim preparada a massa,
e deitada na cuscuseira, ou em uma tigela, de bocca para
baixo, e resguardada com um pano para não cahir o bolo
cru’ , leval-o a cozer ao vapor da agua a ferver em uma vasi­
lha ao fogo. Essas tres especies differentes do apreciado bolo
são designadas, respectivamente, com os nomes de Cuscús
de arroz, de mandioca e de m ilho. Cuscu’s é um velho termo
portuguez, origin ário do arabe, cuscus, segundo Moraes, mas
com uma particular expressão, que nada tem de comnium
com as nossas. “ O caxeiro, logo pela manhã, faz pinto de
um nicoláo na gaveta do patrão e compra um cuscús.” (A P i­
menta n. 580 de 1907). “ Come de noite cuscús E de dia ra ­
p ad u ra.” (O Destino d ts Am antes).
Cuscuseira — Vasilha apropriada para cozer ao vapor
d’agua a massa preparada para o cuscús, nas suas tres especies
differentes. São de barro ou metal, semi-esphericas, e reves­
tidas de pequenos orif;'cios.
Cuscuseiro — Vendedor de cuscús. “ Povos e povas, cíon-
zellas e matronas, verdureiros e cuscuseiros, dizei-nos, quem

285
foi a belleza de alta sociedade, que andou procurando a casa
de uma comadre na rua da A le g ria ? ” (A Pimenta n. 584 de
1907).
Cusparada — Cuspir com certa expressão, por escarneo ou
desprezo; cuspir abundante: Dar uma cusparada. “ Não ha cus­
parada de desprezo bastante vingativa para esse degenerado” .
(A Republica n. 153 de 1912). “ Deram elles prasenteiramen-
te a face para servir de alvo da inlamante cusparada.” (A O r­
dem n. 140 de 191(5).

286
D
Dala — Prancha larga, que se lança do caes para os na­
vios ou alvarengas, para transito e serviço de carga e des­
carga de mercadorias.
Damnaçâo — A lvoroço, barulho, contenda, algazarra.
Damnado — Atirado, destemido, valente: Um cabra oam-
iladò! “ Mas o damnado rodeia. Còrta a frente do animal, E
de geito, no Espacio, Desfecha golpe m ortal” . (O Boi Espa­
c io ). Arreliado, estabanado, levado do diabo. “ Que negra
damnada Só i Mariana, Que amarra a saic Com gitirana. Se
a corda se quebra A negra se damna, Salta no fogo, Queima
a pestana. (Cantigas populares). Bom, m agnifico, supimpa:
O pastoril está bom que está damnado!
Damnar-se — Arribar, fugir, desapparefcer; pôr-se ao
fresco: Damnar-se p’ra Catende. “ Arrum o a trouxa, os caca­
recos ajunto, e damno-me, não sei mesmo p ’ra o n d e .” ( a
Pim enta n. 590 de 1902).
Damnisco .— Zangado, furioso, desesperado: 0 João com
a cheirada que tomou na sua pretenção está damnisco! V io ­
lento, arreliado, precipitado; A qu illo é um cabra damnisco,
da pá virada. Intensidade, violência, furar: A peste da b ex i­
ga está damnisca. “ Quem diria que o Sr. Constantino da-
quelle bom tempo, seria hoje tão damnisco no almirautado
da sua guardam oria?” (America Illustrada n. 33 de 1880)
“ Um allemão damnisco, e feio como a fom e” . (Idem , n. 17
de 1883). “ Os foliões do Feitosa passaram num peso damnis­
co” . (Jornal do Recife n. 54 de 1914).
Dança de ratos — Confusão, desordem, barburdia.

287
Dar — Nas locuções: Dá a quem dá; a quem não dá, não
dá não (Toada dos sinos da Sé, como diz o v u lg o ). Dar as
tintas: Arranjar, prevenir, preparar. Dar cabo: Dar fim, acu
bar, inutilizar, qupbrar; pegar, prender, subjugar, m atar. “ Par-
'iram todos dizendo: Vamos dar cabo do b o i” . (O Boi L is o ),
Dar cabo ao machado: F a cilita i, dar confiança. Dar com »■
*

verruma no prego: Estrepar-se, pilhar um veneno qualquer.


Dar com os burros n’agua: Perder-se num negocio ou empreza
Dar conta do recado: Desempenhar-se satisfactoriamente de uma
incumbência, ou dos misteres da sua p rofissão” . — Musicista
competente, que dá conta do recado” . (A Pim enta n. 39 dt
ty(J2). Dar corda p ’ra se enrorcar: inadvertidam ente concor­
rer para prejuisos proprios. Dar de gambias: Anotar, pôr-se
ao lresco, fugir “ Houve um desarranjo no auto, e não que­
rendo ficar de molho, dei de gambias” . (Jornal Pequeno n,
51 de 1916). Dar de redea; Mudar de rumo. caminhar. Dar
cm agua de varrela: Fracassar, perder-se Dar na cuia dos
quiabos; o mesmo que Dar na fin a : D escobrir, comprehender,
penetrar num pensamento occulto, em certos intentos. Dar o
bóte: Prender, segurar, ferrar, vingar-se. Dar o seu dia santo:
Im por, mandar, grim par. “ Em fim e por derradeiro Fui gallo
do seu p oleiro Elles dava os dias santos” . (G regorio de M at­
to s ). Dar pancas: Pintar o caneco. Dar pano p’ra mangas: Con­
cessão, auxilio, vantagens. Dar um doce: Recompensa, mimo,
presente “ Dou um doce a quem disser quem é o pae da cre-
ança” . (A Pimenta n. 9 de 1908). “ Caro leitor, dou um doce,
Si a resposta tú me deres: O que haveria se fosse O mundo só
de m u lheres?" (Idem , n. 20 de 1901). D ar um pulo, dar um
salto: T ocar de passagem em certa parte, ou ir ligeiram ente
e vo lta r. Dares e tomares: Discussão, disputa, satisfações.
Tanto fa z dar-ihe na cabeça, como na cabeça dar-lhe. (D icía-
d o ).
Da Silva — Legitim o, exacto, correcto, conform e. Segundo
João R ibeiro, trata-se de um epitheto ou um supplemento ar­
b itrá rio de vozes, com que mais ou menos completamente mas­
caramos certas palavras, como pelo accrescimo — da Silva, —
exem plificando: Pintadinho da Silva, concluindo: — parece
dar ares de exactidão e precisão á idéa já p or si intensa do
dim inutivo pintadinho. — “ Quem joga dama p ’ra re i está dou*
dinho da S ilva” . (A m erica Illustrada n. 26 de 1881). A*s v e ­
zes apparece tambem assim a locução: da Silva e M ello. “ Sou
um perfeitíssim o cartomante, Inteirinho, da Silva e M e llo ” .
(Jornal Pequeno n. 30 de 1917).
Debicar — Ridicularisar, escarnecer, zombar, flautear; to ­
mar alguem á sua conta, p’ra seu palito, divertim ento e troça.
D erivados: Debique, debicatorio.
De bobus a N icolá o — De graça, sem receber pagamento,
sem remuneração alguma pela prestação de um serviço qual­
quer. “ O M j o r Pataca requereu a sua reform a. Já estava can-
çado de prestar serviço de bobus a N ic o lá o ” . (A Lanceta n.
27 de 1890) Sobre a origem desta phrase escreve o D r. Cas­
tro Lopes: “ Quando alguem p or algum serviço ou trabalho não
recebe paga, nem recompensa alguma, diz o õnvo: F o i de bo­
bus a nicolau. Em latim dir-se-hia: “ Nec abobus, nec la u s.”
(N em um obulo é, nem um ceitil, nem um real, nem uma
moeda de v a lo r minimo, nem lo u v o r ). Quem poderá negar
que este nicolau é o nec laus latino, estropiado pela lingua p o ­
pular, e o de bobus a corruptela de nec obu los?”
D ebochar — O mesmo que debicar. D eriva d o : Deboche:
Eu não quero deboches com m igo.
Debute — Objecto de va lo r. (G iria dos gatunos).
De cabo a rabo — De p rin cip io a fim.
D ecidir — Executar, falar, cantar, tocar. “ O professor A ze­
vedo decidia no bronze a sua modinha predilecta. (A Pim enta
n. 9 de 1902).
D eclinar — Indicar, manifestar, revelar o nome de alguem
en volvid o em um facto qualquer: o homem contou a historia,
mas não declinou o nome do personagem . E ’ o caso do dictado:
P regar o sermão e não bater no púlpito.
D ed ica — In s in u a ç ã o , i n d i c a ç ã o ; m e ia s p a l a v r a s , ou p r o -
priam eq te soprar, com as m e s m a s expressões qu e A u le t e dá
a este t e r m o : D a r a d e d i c a ; D a r um a d e d i c a .
. De estou ro — Uma co u sa b e lla , b o n it a , su p im p a , m a g n i ­
fic a . “ Vem vêr o qu e é u m a c r ia d a dé e s t o u r o ” . ( A P im e n ­
ta n . 26 de 190 2).
D e fo g o b a ix o — Q u ie to , c o n fu s o , a m u a d o , m u r c h o .
D e fo g o m orto — E n g e n h o q u e n ã o tra b a lh a , p a r a d o : E n ­
genho de fo g o m orto.
D e fron te — D i f f e r e n t e , de o u t r o m o d o , ao c o n t r a r i o : A h !
isto a g o r a é ca so d e f r o n t e .
D efu n to — Q u a lifica tiv o que as v iu v a s dão ao fa llecid o
esposo para não p r o n u n c ia r o seu n o m e . “ D. M a r ia , ca sa da
e m seg u n d a s n ú p cia s, p o ssu e u m a q u a lid a d e n m it o b ô a : nunc?
fa la n o seu d e f u n t o . ” (L a n t e r n a M agica n. 442 de 189 4). “ O
m eu q u e r i d o d e f u n t o n ã o d o r m i a sem d a r tres e s p i r r o s ” . (I d e m ,
n. 803 de 190 5).
289
Defunto sem choro — Indivíduo desprezado, sem p rotec­
ção, sem ter quem lhe dôa.
Dégas — Q ualificativo que um indivíduo que fala dá. a si
p róp rio. “ Cá o dégas, isto é, eu, a minha pessôa, não vai nis-
t . . . . . . .

s ó . . . E para que se lem brem do degas, A todos vós neste mo


ínento Convido para o casam ento.” (A Pimenta n. 15 de 1901)
■‘Ao chegar estreitou sem demoras cá o degas nos braços r o ­
liç o s .” (A Pimènta n. 3 de 1902).
Degringolada — Derrocada, desastre, destroço; descala­
bro, desgraça, m iséria. “ Grande baixeza, horrorosa queda que
pasmaria a nação, se já não estivessemos acostumados a p re­
senciar taes degringoladas” . (A Soberania n. 6 de 1877).
D e meia cara — De graça, sem com prar; de bobus a ni-
colau. “ Os assignantes d’0 Diabo. e aquelles que o têm de
-meia cara hão de ter muito prazer èm saber noticias dos au­
gustos viajantes” . (O Diabo a quatro n. 55 de 1876). “ Lá em
Olinda, no convento de S . Bento, come-se de m eia-cara” .
(O BJnocuIo n. 21 de 18821. “ Não é, nem fo i beocio viven do
como vai, de m eia-cara” . (Pernam buco n. 127 de 1913). Cou-
za insignificante, má, sem im portância e v a lo r: uma festa, um
pintor de-, m eia-cara. “ O R ecife é a cidade dos mil encantos,
onde não faltam assumptos ao chronista de m eia-cara” . (A
Pi menta n . 590 de 1907).
De meia jóta — O mesmo que de Bobus a nicolau.
Dendê — Pitéo, gostosidade, ou cousa bôa, apreciavel. “ Fez
honlcm o seu dendê cm frente a nossa tenda de trabalho o
velho maracatú Porto R ic o ” . (Pernam buco n. 104 de 1914).
Cousa d iffic il obstáculo: Ahi é que está o dendê, consoante-
mente com as locuções: Ahi é que está o buzilis; Onde o carro
péga. Castanhas não são dentes: Cousas differentes, distinctas.
Dendê é o fructo da palm eira exótica o dendezeiro (E lais gui-
necensis, L in n .)
Dengo — Delicadeza, a fe cta ç ã o , sensibilidade; exagerado
melindre, susceptibilidade, pudor; modos affectados, esquivan­
ça, desdem. “ Os teus requebros, os teus dengos derretem-me
to d o .” (M ephistopheles n. 11 de 1882). “ D eixa de dengo,
Rita, te apruma! D eixa de luxo, grita o d en tista .” (A Pimenta
n. 24 de 1901).
Dengoso — Cheio de dengos. “ Mulata dengosa, sabe con­
quistar a amisade do pato p or m eio de caricias fingidas e es­
tudadas.” . (Jornal do R ecife n. 91 de 1914). “ Nada ha que
mais prenda E nos fale ao coração, Do que a mulata dengosa.
A requebrar num salão” . (A Lanterna n. 3 de 1917). “ As ca-
chopas do club Vassourinhas, iam mesmo num passo dengoso
(Pernam buco n. 104 de 1914).
Dente-queiro — Dentes do siso ou cabeiros os dous ú lti­
mos queixaes ou molares, que, tardiamente nascem, já na ida­
de v iril.
Dentista — Charlatão, pantom ineiro, mentiroso, enganador:
Que dentista! Este termo, concurrentemente entre nós, é assim
tomado da giria portuguesa, como o registra A lberto Bessa.
De orelha;.em pé — Prevenido, desconfiado: Andar de o re ­
lha em pé.
De parafusos frouxos — Amalucado, idioia, derrranjado da
bola, de m iolo m olle.
Depauperado — D ebilitado, extenuado, fraco, sem fo r ­
ças.
Dependencia — Accrescim o de pequenas construcções na
parte posterior de uma casa em seguida á sala das refeições,
e alinhadamente dispostas, nomeadamente a saleta de cópa, des­
pensa, cozinha, banheiro, quartos para criados etc.
Derna — Corruptela de desde, e assim, com as suas p ró ­
prias expressões. “ Derna muito tempo que nós quer ter um
jorn al que trate dos interesses de nossas famias e de nossos
escravos que os abolicionistas querem to m a r.” (O João F e r­
nandes n. 37 de 1887). “ Já tava ti esperando derna demanhã,
reisinha” . (A Pim enta n. 547 de 1907). Este vocábulo é apenas
corrente entre o ignaro povilhéo.
D errengo — D erriço, derretim ento, cahidos, m e-deixas. “ Se
encolerisava com derrengos e com olhares m atreiros” . (L a n ­
terna Magica n. 110 de 1885). D erivados: Derrengado, derren-
gar-se.
Derrubada — Destruição de um capoeirão ou trecho de
matta, pelo machado e pelo fogo, para a extracção de m adei­
ra, lenha, ou preparo de um terreno para plantação ou ro ­
çado, seguindo-se depois o destocamento e a coivara afim de
fica r completamente lim po para receber a sem enteira. “ D e­
pois da derrubada, depois da destruição, vem o refloram ento
da terra cultivada” . (F a b io L u z ). Demissão de empregados
públicos, de confiança p olitica ou não, pelo partido que sobe
ao poder, afim de encartar os seus adeptos. “ Com a assenção
do novo m inistério, houve geral derrubada” . (Beaurepaire Ro-
h a n .)
Desabotoado — Dissoluto, desenfreiado, arreliado; solto de
lingua, inconveniente.

291
Desabrochar — E xp lodir em franquezas, dizer o que sen­
te, não ter mais condescendencias; fazer revelações, confessar
um crim e ou uma falta qualquer.
Desadouro — Confuzão, balbúrdia, fecha-fecha. “ Nunca se
viu d elirio igual, enthusiasmo tão esquentadiço. F o i um desa­
d ou ro !” (Jornal do R ecife n. 45 de 1914) . “ F o i um desadouro:
fechou-se o te m p o .” (Id em n. 9 1).
D esafio — P re lio poético entre dous cantadores tendo cada
um poç alvo a conquista da victoria . Occasional, pelo encontro
dos poetas, ou pelo p révio desafio e emprazamento certo, de
lugar, dia e hora, e perante uma reunião mais ou menos nu­
merosa de apreciadores e partidários dos contendores, tomam
elles os seu$ lugarós, fren te a frente, afinam as violas, e rompe
o torneio, que deve ser igualmente disputado, na mesma ca­
dencia, tom dos versos, e golpe a golpe, pelas respostas, de
accordo com as atiradas perguntas, ou consoantes com os con­
ceitos em ittidos. E nessas pugnas empenham-se no correr de
horas, e as vezes fica a victoria indecisa pelas encontradas o p i­
niões dos apreciadores, que, partidários de um ou outro, abso­
lutamente não consentem que se proclam e a derrota do seu
heroe. “ Enterreiram -se, adversários, dous cantadores rudes.
As rimáS saltam e casam-se em quadras muita vez bellissimas.
— “ Nas- horas de Deus, amen, N ão é zombaria, não! Desafio
o mundo in teiro P ’ra cantar nesta funcção” . — O adversario
retruca logo, levantando-lhe o ultim o verso da quadra; — “ P ’ra
cantar nesta- funcção, Am igo, meu camarada, acceita teu desa­
fio O fama deste sertão!” — E ’ o começo da lucta que só te r­
mina quando um dos bardos se engasga nume rima d iffic il
e titubea, repinicando a machete, sob uma avalanche de risos
saudando-lhe a derrota” . (Euclides da C unha). Em um desses
desafios, nos nòssos sertões, em que um dos contendores não
acudiu aos versos atirados, o seu adversario investe-o com uns
e .depois outros, e sem resposta alguma rompe com estes, que
pozeram termo ao prelio, pacificam ente, graças á intervenção
das pessoas presentes: “ Cala a bocca, bestalhão. Não soubeste
respbnder? Metti-te o freio nos queixos, A sella mandei fa ­
zer . ”
Desarroihar — O mesmo que desabrochar, falai .
Desarrumado — Desempregado, sem trabalho nem occu-
pação alguma: Andar enfiando agua, descontando letras, em
cavações.
Desasnado — Instruído nos prim eiros rudimentos da ins-
trucção prim aria ao entrar na escola; sem acanhamento, emba­

292
raço, tim idez, “ Sentia-me desasnado, e entrava sem receio nas
folganças do c o lle g io .” (A n ton ió C a rm elo .)
Desbambado — Mal arranjado no trajar, com roupa que
não assenta bem; sem modo e compostura no andar.
Desbandeirar-se — Abrir-se, rom per em desabafos e ex­
plosões, dizer os seus sentimentos, e exceder-se mesmo dando
por paus e por pedras.
Desbaratar-se — O mesmo que desbandeirar-se, desabro­
char, d esarrolh ar.
Descachelado —- Aberto, roto, em máo estado: uns sapatos
descachelados. S ylvio Rom ero registra descachelar, arrega­
nhar, como um termo de origem africana.
Descadeirado — M oido p or uma bôa sova de pau.
Descalabro — Damna contratempo, prejuiso, perda, desgra­
ça, d e rro ta .” A guerra fo i a causa do descalabro das nossas
fin an ças. A anarquia reduziu a náção ao m aior descalabro que
se póde im aginar ..N o encontro que tivem os com o inim igo sof-
freu este o mais com pleto descalabro” . (Beaurepaire R o h a n ).
Descampinado — Solto, andejo, desenvolto, na m alandra­
gem, a correr seca e meca.
Descascar — Arrancar, sacar, tirar; desembainhar, empu­
nhar. “ O h !'p a tife ! espera que já te a rra n ja m os... E descas­
cam as bicudas de P asm ad o.” (A m erica Illustrada n. 14 de
1883). “ Este vem com a faca descascada, aquelle com a pisto­
la arm a d a .” (F ra n k lin T a v o r a ).
Descomponenda — O mesmo que descompostura, nas oc-
cupações de — phrascs, discursos e escriptos que se dirigem
a1 alguem para o injuriar ou envergonhar; invectiva, ultraje,
affron ta. •— “ Depois de muitos doestos e apartes atacantes,
descomponendas, bravatas e desafios ficou tudo era n ad a.” (O
Barco dos Traficantes n. 26 de 1858). “ Agora vaes-me pagar
as grandes descomponendas” . (A m erica Illustrada n. 14 de 1883).
“ Não tomaremos em consideração as tolissimas descomponen­
das qüe fazem parte do seu program m a” . (D ia rio de Pernam ­
buco n. 354 de 1916).
Descongelo — Esconjurio, imprecação, graça. “ Eu te des­
con gelo! D ei o fóra, e nunca mais v i a m u lata.” (Jorn al do
R ecife n. 51 de 1914). “ Eu te descongelo, atrazo de fim de
mez!... Grita uma velha ao sentir pisar-lhe os callos” . (Idem ,
n. 54). T e descongelo, cara de m artello. (D icfad o p o p u la r)
Descontar letras — Estar sem occupação, desarrumado,
sem m eio de vida algum, em cavação.
Desconversar — Fazer-se desentendido, dissimular, procu­
rar uma evasiva; mudar de assumpto em desvios de uma ques­
tão que não agrada, não convem ; calar-se, e deixar passar uma
indirecta ferina, picante. “ Desconversa bonito, reproduzindo
ipsis verbis um trecho do seu editorial A Convenção N a cion al” .
(D ia rio de Pernambuco n. 6 de 1913). “ O Julio Soares me
vinha passar um bilhetinho da Kermesse, mas eu desconver­
sei” . ( A Pim enta n. 83 de 1902).
Descortino — Sagacidade, penetração, vistas largas: Poli-
tipo de grande d escortin o.
Desculpa de papa-terra — Pallida, fraca, sem nexo e fun­
damento, com prom ettedora mesmo. “ Desculpa de papa-terra é
sezões, diz o p o v o .” (Pernam buco n. 317 de 1913).
Descupir7$e — Diz-se de uma costura mal acabada, de
pontos frouxos, a descopir-se, desmanchar-se.
Desejo — A vontade, o desejo, que a mulher no seu estado
interessante ou de esperanças, segundo a expressão moderna,
m anifesta de com er alguma cousa, e que não o satisfazendo,
diz o vulgo, provem dahi abortar, nascendo então o feto dc
bocca aberta como manifestação do não attendido d e s e jo ...
Desencabeçar — Induzir, aconselhar mal, chamar ao vicio,
ao erro, deitar a perder.
Desencavar — Pesquizar, procurar, esmerilhar, cascavi­
lh ar; achar, conseguir, descobrir, encontrar.
— Onde fo i você desencavar tanta cousa que ninguém sa­
bia?
D esfructavel — Ridiculo, todo; alvo de zombaria, troça,
chacota, pelo falar, modas e pretenções. “ Não lhes parece que
o João quer dar visos de rom ântico, ou desfructavel, que é o
mesmo, segundo o diccionario dos meninos de a gora?” (O Te-
legrapho n. 3 de 1850).
“ Mulher, que v iv e á janella Quer de noite, quer de dia,
Que é feia e quer ser hella, Que se diz moça e já é t ia . . . E,
desfructavel.” (A m erica Illustrada de 27 de Outubro de 1872).
“ Rapazes do que ha de mais selecto, mais chic e de mais des­
fructavel, que a nossa sociedade conhece pela denominação de
perús.” (O Diabo a quatro n. 111 de 1877). D erivado: Desfru-
cte.
Desgoelado ou esgoelado — Vestuário mal talhado, deco­
tado de mais, deixando apparecer a guela. “ Casacas desgoela-
das com corpo de põe-m esa” . — (O Carapuceiro n. 10 de
1847).
Desgraceira — P o r desgraça. “ Mas, coitado, na tolice, era
aquella desgraceira.” (A Pim enta n. 4 de 1902). “ Não me quiz
dar p or ven cido. F o i aquella desgraceira. Quasi fico esm ore­
cido INÍão durmi a noite in te ir a .” (Idem , n. 25). “ Oh! Lulú!
Que d esgraceira!! N o mesmo instante te apanho!” (Jornal do
R ecife n. 26 de 1914).
Deslambido — Sem vergonha, descarado, im prudente: Cara
deslambida.
Desmanchar a merenda — P ô r a calva á mostra, desman­
char a figu ra.
Desm anivar — Arrotear, desbravar, lim par, tirar o grosso;
arranjar, desembaraçar, conseguir alguma couSá, ven cer uma
d ifficu ld a d e . “ Entrega a tua questão a um bom advogado, que
elle desmaniva is t o .” (Beaurepaire R ohan).
Desoccupe o beco! — Intim ação a alguem para deixar um
assento ou lugar em que está. “ Renda-se para o meu socego,
renda-se ou desoccupe o b eco” . (A Lanceta n. 45 de 1890).
Despacho — O mesmo que chabola: Dar um despacho.
Desparafusado — O mesmo que — De parafusos frouxos.
Desparafusar-se — Aborrecido, irritado, rom per em exp lo­
sões. “ A b orrecid o o pobre homem de ouvir as sandices do in ­
dividuo, desparafusou com elle, como dizem os manos” . (L a n ­
terna Magica n. 207 de 1887) .
Despencar — Cahir desastradamente de grande altura.
“ Quando o rapaz se achava no ponto o mais elevado da arvore,
perdeu os sentido, despencou, e m orreu da queda” . (B eau re­
paire R oh an ).
Despensario — Estabelecim ento de beneficcncia, com as­
sistência medica, fornecim ento de rem edios e outros auxilios á
pobreza. O prim eiro estabelecimento deste genero entre nós,
fo i o Despensario O ctavio de Freitas, da L iga Pernambucana
contra a tuberculose, inaugurado em 1904. “ O Padre José Ve-
nancio' de M ello lançou a idéa piedosa da fundação de um des-
pénsarió para os p o b re s .” (D ia rio de Pernambuco n. 356 de
1916).
Despescar — Fazer a pesca dos viveiro s de peixe, em ge­
ral, pelà quaresma.
Destabocádo — A rreliado, exaltado, inquieto, turbulento;
solto de lingua, de franqueza rude, inconveniente, grosseiro,
im m oral mesmo. “ Os credores receberão letras sacadas pelo
Barros Xupista, aceitas pelo destabocado Abrantes, e garantidas
pelo Sant’Anninha e P itu ’ ” . (O Camarão n. 3 de 1848). Um
pardo velh o zangado, destabocado, irrita d o ” . (A m erica Illus-
tr a d a n . 14 de 1879). N o Ceará, porem, onde o vocábulo tam­
bem tem curso, diz-se do indivíduo adoudado, que, sem respei­
tar as conveniências, dá p or paus e p or pedras. “ Sou cabra des-
tabocado” . (Juvenal G aleno).
“ Destinado — A rreliado, commettendo desatinos, dando
por paus e por pedras: Aquelle diabo estava hoje destinado;
só tocado de cachaça.
Destino — Momento, acto, acção do destinado; a sua crise
de exaltação e desatinos. “ Quando estou no meu destino, V en ­
ço até m il paraguayos” . (Juvenal G alen o). “ Quando estou no
meu destino, Sou rei dos cabras damnados” . (C ancion eiro do
N o rte ).
Destocar — Arrancar os tocos e raizes da vegetação, que
ficaram da derrubada e coivara de um terreno destinado á
plantação de um roçado.
Destrirtchâr — Apurar, esmiuçar, resolver, in dividu ar; d i­
zer, expor miudarnente, precisam ente. “ V ocê diz que sabe mui­
to, P ois me déstrinche esta conta: V inte e cinco guardanapos,
dois vinténs em cada ponta? — Sim, senhor, destrincharei Con­
form e me parecer: D oze patacas e meia Quantos m il réis vem
a s e r? ” (Versos de D esa fio).
Desunhar — C orrer a bom correr, fugir, desapparecer.
Detractar —- D izer mal, diffam ar, in ju riar.
Diabo — O typo legendário ou m ythologico do diabo, uni­
versalm ente conhecido desde os tempos biblicos, nada teria de
particular entre nós, se não occorresse uma corrente vulgar
de uns tantos adagios e dictos ou locuções populares, que sup-
pomos de um caracter regional, uma vez que não os encontra­
mos codificados ou registrados em partes extranhas, e nem
mesmo em Portugal, a não ser, unicamente, Ser da pelle do
diabo, mas com expressões differen tes das que tem entre n ó s.
Se o diabo tem diversos nomes, como, historicamente, Anjo
máo ou das trevas, Belzebuth, Dem onio, Lu cifèr, Asmodeu, e
modernamente Mephistopheles, na legenda do Fausto, de Goe*
the; e m ythologicam ente o de Plutão; tem particularm ente en ­
tre nós, e de um exclusivo caracter regional, os de Am aldi­
çoado, Arrenegado, Cafute ou Cafutinho, Cão, Capataz, Capêta,
Droga, Excommungado, Ferrabraz, Furia, Fute. Maldito, IVÍo-
fino, Não sei que diga, Pé de pato, T ição, Tisnado, e Sujo; occor-
rendo ainda os nomes de Demo, Diacho, Inim igo, e Tinhoso, da
giria portuguèza, porem vulgarissimos entre nós. O vocábulo dia­
bo tem tambem *curso no augm entativo e no dim inuitivo, em tons
depreciativos, mas neste ultimo, coneurreíitemente, expressões
de affecto e carinho: Que diabinho bonito, engraçadinho! São
estes os alludidos adagios, ditados e locuções populares de ex ­
pressões obvias: A gente trabalha para Deus; para si e para o
diabo; A quem o diabo torna uma vez, sempre lhe fica ò gei-
to; Artes do diabo; Bem com Deus, bem com o diabo; Bom
como d iab o!; Cada um em sua casa, o diabo não tem o que
fazer; Comer o pão que o diabo amassou; Da pataca do sovi­
n a 'o ' diabo tem tres tostões e dez réis; Da p elle do diabo; D ia­
bos te carrreguem para as profundas do in fern o ; Estar com o
diabo no couro; F eio como diabo; Hom em dò diabo; L e v a ­
dos dos,diabos; Nem que o diabo estoure ou toque rabeca; Nós
tem o diabo nas tripas e os frades nos cordões; O diabo ajuda
aos seus; O diabo de Casa F o rte; O diabo é da côr que o p in ­
tam; O diabo é sujo; O diabo foge da cruz; O mal ganhado o
diabo o leva; O diabo não é tão feio como d pintam ; O diabo
não é tão máo como se d iz; O diabo não faz graças para nin­
guém se r ir ; O diabo quando tem fom e come moscas; O diabo
tambem reza; O diabo tanto encapa até que um dia desencapa;
O diabo tem duas capas; Pintar o diabo; Quando o diabo reza,
enganar te quer; Quem anda em demanda, com o diabo anda;.
Quem com o diabo anda, com o diabo acaba; Quem deve a
Deus paga ao diabo; Quem diabos compra, diabos vende;
Quem é besta pede a Deiis que o mate e ao diabo que o car­
regue; Quem fala só fala com o diabo; Tres o diabo fe z; Um
pobre diabo carregado de esteiras velhas; Vá para o diabò
que o carregue; V iva Deus e m orra o diabo!
Diacho— Corruptela de diabo, vulgarm ente usada como que
para âmenisar a sua expressão perante pessoas de considera­
ção e respeito. “ Um gato de estima perdido, ó diacho! ( A L an ­
ceta n. 52 de 1890). “ A i! me largue o babado! A i! me largue,
diacho! Que diacho de padre! (D a chula ,0 ladrão do- podresr-
nho). “ Este diacho de moleque que é assim m estoo.” (In g le z
de Souza). O term o é tmbem muito usado no dim inuitivo: “ Era
mui bonitinho O diachinho d elia ” . (V ersos de um lundu’ ). O v o ­
cábulo diacho figura na giria popular portugueza, e Moraes já o
registra como vulgar entre nós.
Dia de São Nunca — Santo im aginario, que não existe, e
que assim não tem dia no kalendario, vem dahi a resposta a um
pedido qualquer, de satisfazel-o no dia de S. Nunca á tarde,
como uma escapatória, uma evasiva, porquanto semelhante dia
jamais chegará. Diz-se porem p or chacota, que esse dia é o
de todos os santos, a 1 de N ovem bro, em que entra o S. Nunca.
“ 0 ladravaz aprasava sempre o pagamento para o dia de S.
Nunca.” (D ia rio de Pernambuco n. 131 de 1917). 0 dicto é
originariam ente portuguez, e muito antigo, uma vez que as­
sim o encontramos registrado neste trecho de uma carta dos
habitantes de V im ieiro d irigida ao general inglez L o rd W el-
lington, á proposito da expulsão dos francezes de Portugal:
“ Agora podemos dorm ir a somno solto, o nosso medo está nas
malvas, e a vinda do inim igo será no dia de S. Nunca á tarde.”
N o Chile ha uma phrase correspondente a esta para sua p ró ­
pria accepção, e assim registrada por Zorobabel R odrigu ez:
“ liasta el tiempo de chochos!; o para el tiempo de chochos!;
pâra nunca jamas, para las calendas griegas, o la chilena, para
el dia de San Blanco, que no tiene cuando” .

Dia de São Pagamião — Santo tambem im aginario como


S. Nunca, tem porem dia certo, que é o de pagamento da feria,
salario ou vencim ento de qualquer procedência: H oje é dia de
S. Pagam ião! “ Não tende visto juizes, que só fazem justiça
áquelles, que lhe tem offerecid o, ou cousas leves que voam,
ou de peso e bom tinido, por serem muito devotos do Santo
Pargar-me-hão, que muita gente festeja dentro da palma da
m ã o?” (O Barco dos Patoteiros n. 84 de 1866).
Diaraque — Objectos sem valor, na giria dos gatunos.
Diarista — Empregado secundário de uma repartição ou
serviço publico, sem titulo de nomeação, e que percebe os
seus vencimentos p or estipulada diaria, semanal oú mensal­
mente paga, em folh a especial.
Dias máos — Aziagos, de contrariadades, nefastos, in fe li­
zes. Na giria do jogador de cartas é muito commum este phra-
seado á sâhida de paus, como trunfo; Para passar os dias máos
das penas em que vivo, paus digo; que talvez se rem onta á
epocha da introducção do jogo em Portugal, no reinado de D .
Jcão I I I (seculo X X V I) ou se prenda, contemporaneamente, á
seguinte quadra epigrammatica de Camões, consignada nas
suas obras completas sob esta ru brica: “ A uma senhora, que jo ­
gando perto de uma janella lhes cahiram tres-páos, e deram
na cabeça de Camões: Para evitar dias máos Da triste vida que
passo, Mandem-me dar um baraço, Que já cá tenho, tres páos.”
A allusão é obvia. O poeta dos Luziadas pedia um baraço para
o garrote, pois já tinha os tres páos para armar a forca.

298
D indinho ou Dindo -— P o r padrinho, como assim chamam
as creanças aos seus padrinhos e avós, e á lua dindinha, a
quem pedem-lhe a benção, como se vê da conhecida e res­
pectiva parlenda. “ P o r qualquer travessura ainda apanhava
com as correias, se não tinha a fortuna de apadrinhar-se com
o dindinho ou dindinha.” (O Carapuceiro n. 75 de 1842). D in­
dinho me deu um canario, e dindinha uma b on eca .” (B eau re­
paire R ohan).
Dinheirão —- Modismo do termo dinheirama da giria por-
tugueza, e com as suas próprias expressões de muito dinheiro,
e que entre nós tem ainda as de subido preço, muito caro.
“ As missas estão por um dinheirão, e o tempo é de festa” .
(Lanterna Magica n. 413 de 1894). “ O sebo está muito caro,
Está valendo um dinheirão. (Versos populares). “ Mas o dono
da fazenda Sem pôr o seu gado á venda, Vai ganhar um d i­
nheirão.” (Bastos T ig r e ).
D inheiro — Nos dictados e locuções populares: Dinheiro
custa a ganhar. “ Menina levante a saia Móde a saia não sujá,
Que saia custou dinheiro, D inheiro custa a gan h á.” (T ro va s
p op u la res). D inheiro é sangue e sangue não se dá. Dinheiro
fro u x o : abundante,, prodigamente gasto. M arinheiro é damna-
do por dinheiro. — “ Quem dinheiro tiver fará o que q u iz e r.”
v— Eu tive dinheiro e não fiz o que quiz. — “ Cala-te louco:
o dinheiro fo i p o u co .”
D ireito — Leal, franco, sincero; seguro, de confiança: Um
cabra direito, ou ás direitas. “ O Sebastião é -um homem direito,
incapaz de com prom etter.” (A lb erto Bessa). O vocábulo tem
curso na giria portugueza com iguaes expressões.

Discurseira — P or discursos; falação, verb orréa. “ E f i ­


cou, até quando se acabou tão in fern al discurseira” . (A m e ri­
ca Illustrada n. 21 de 1878). “ Houve discurseira, muita lorota
e muito engrossam ento.” (A Pim enta n. 3 de 1902). “ O co­
nhecido ex-bicheiro fez discurseira em um bond da rua d’Au-
rora . (Id em ; n. 63).
Disfaróe — Derretimentn, riso expressivo, dengo, affe-
ctação, requebram ento: Moça disfarçada.
Disparar — Arrancar, partir precipitadam ente, com im-
pelo, com violên cia: O disparar do cavallo. “ Disparei com
medo da velha Procopia, que segundo diz o vulgo, está com
o diabo no c o u r o ... Disparei a toda velocidade... Creio que
algum espirito corred or se apoderou de m im ” . (Jorn al do

299
MVMTtCI m ui! u iriu u
P t i l . C âR T tLL#

R ecife n. 58 de 1916). O vocábulo é corrente no Chile com


iguaes expressões. “ A l sentir que elabaga el sereno los^la-
drones dispararam saltando la tapia” . (Zarabâbèl R od rigu ez).
D iterio — Peiada, chufa, graçola, pilhéria. “ Os taes Coiós
obrigam as fam iilas a passarem pelo m eio da rua, e h a ja d i-
te rio s !” ( A Pim enta n. 625 de 1968).
D ivagarzinho — Vagarosamente, lentamente, sem pressâ.
a passos lentos, sem força. “ O telegrapho terrestre caminha
agora mais divagarzin h o” . (A m erica Illustrada n. 50 d e *1878).
Variante: D ivagarinho.
D ivina — Este vocábulo é exclusivam ente applicado a
uma senhora cheia de dengos, affectações, desdens e derreti-
mentos; A Sinhasinha estava hontem toda d ivin a! Insuppov-
tavel!
D ivisa — Corrente do galé, na giria dos presidilarios.de
Fernando de Noronha.
Dobradiça — Certo passo de dança carnavalesca, no fu ror
do frevo, quando o homem, servindo de pino, leva uma dama
em cada braço. “ E se foram na maciota, no peso das dobra­
diças, aos soluços da orchestra” . (Jornal do R ecife n. 50 de
1914). “ Gostoso não se poude conter e entrando na dobra­
diça, lá se fo i se esbandalhando” . (A P rovín cia n. 50 de 1914}.
Dobradinha — Guizado de dobrados com feijão branco'.
Dobrado —, Individuo valente, (G iriá dos gatu n os). Mu­
sica de marcha m ilitar: Passo dobrado. “ A banda de Iinhá
vem gemendo um dobrado supimpa” . (Lan tern a M agica n. 509
dc 1896). “ As tropas em ordem de marcha, ao som de vibrán-
tes dobrados, desfilaram em frente ao p avilh ão” . (Tornai do
R ecife n. 248 de 1916).
D obrar a lingua — F alar com respeito, acatamento e cor-
tezia. “ Caninana é tu’ . . . T u ’ não; dobre a lin gu a l” (Jornal
do R ecife n. 44 de 1916).
D obrar ou montar o cabo — Vencer uma difficuldade, su­
bir, elevar-se, enriquecer. “ O Ulysses o cabo monta com pan-
iio de toda a g r e y ” . (A Lanceta n. 23 de 1890). A locução,
quer de um modo quer de outro, não ha duvida que vem da
descoberta e passagem do Cabo da Bôa Esperança, por Bar-
tnolomeu Dias em 1487, im pondo-lhe o nome de Tormentoso,
em lembrança! dos perigos e procellas p or que passou ao do-
bral-o, e ao qual Camões chama de Torm entorio, D. Fr. F ra n ­
cisco de S. Luiz, das Tormentas, e p or outros escriptores
mantida a denominação origin aria de Torm entoso, mas que
ficou aquella de Bôa Esperança, imposta p or D . João II. Dez

300
annos depois occorre a viagem de Vasco da Gama em busca
do caminho das Índias, em cuja derrota dobrou o cabo T or-
mentorio depois de tres dias de lutas e perigos pelo mar agi-
lado e ventos ponteiros que sopravam, episodio esse que é
genialm ente cantado por Camões nos seus Luziadas, ideali-
sando o celebrado cabo, numa bella ficção poética, no perso­
nagem m ythologico do Adamastor.
D odóe — Doença, encommodos de saude; situação affe-
ciada que dóe ao tocar-se. “ A mulata velha precisa tomar ti-
zanas; está toda dodóe” . (Lan tern a Magica n. 536 de 1897).
Doente — Seriamente com prom ettido p or uma falta g ra ­
ve, e sob o peso das suas consequências.
D oidello — O mesmo que adoidarrado. “ Grande doidelio
estonteado, Muda de vida, te d igo: A mania casamento Para
ti é um p erig o ” . (Z izin a S. E sm eralda).
D oléro — Bello, vistoso, elegante: Um rapaz d oléro; Uma
mulher dolera.
Dom Cariongo — V . Carionga.
Domisedéa — Im pertinência, graçolas, aborrecim entos,
exigências: Não venha com os seus domisedéas cá para a m i­
nha banda. Pretenciosidade, form alism o, im pertinência, en-
joam ento: Um sujeito cheio de domisedéas
Dona — Tratam ento de respeito a uma senhora cujo no­
me se ignora, ou de Sinhá Dona na bocca do cam ponio; ca­
seira, esposa. “ Com prei uma casa para minha dona” . (O
Desespero n. 8 de 1880).
D onzella — Columna de madeira, em geral de tornearia
e jacarandá, e de altura proporcionada, em que, em outros
tempos, se collocavam os candieiros de latão, com dous b icos
para pavios, alimentados com azeite de côco ou de carrapato,
“ Thereza e Am elia cosem, á luz de um apetrechado candieiro
de latão chamado de d on zella” . (D r. A p rigio Guim arães).
Vem dahi a phrase de duvidas ou de consciência, de Donzella
de candieiro. “ A N yla, naturalmente seduzida- pelo seu amor
ideal de donzella de candieiro. trocou o lar fam iliar pelo an­
tro pestilento de uma megéra. ( A Pim enta n. 565 de 1907).
D ôr de viuva — Diz-se da que é fortem ente produzida pe-
ii.s traumatismos do cotovello.
D orm ência — Entorpecim ento, falta de acção; dim inui­
ção ou cessação da sensibilidade em ama parte qualquer dn
corpo, principalm ente nas extrem idades: Dorm ência dos pés'
das mãos, das pernas, etc. “ A dorm ência que se manifesta em
uma e outra extremidade, p or causa de te-la conservado por
aigum tempo em posição constrangida, com prim indo os n er­
vos e im pedindo parcialm ente a circulação, costuma cessa.,
logo que cessa o obstáculo, m ovendo a parte, dando alguns
passos, etc. P orem este estade de dorm ência manifesta-se tam ­
bem como um .symptoma de varias moléstias graves” . (D r.
Langaard). Barriga cheia, pé dorm ente; vou p ’ra cama, que
estou doente. (D ictad o).
Dorm ente — Insensível, imprudente, deslavado, cara-du-
ra; surdo a admoestações, conselho», reprim endas. “ Vai t-
lá, preguiçoso. Isto é, carinha dorm ente” . (Lan tern a Magica
n. 574 de 1898).
Dorm inhar — P o r dorm ir. “ E ’ sacerdote de succo; sabe
o latim dorm inhando” . (Lan tern a Magica n. 77 de 1884). N e ­
gligencia, pouco caso, desprezo; no ligar attenção, importan
cia a cousa alguma. “ Você está dorminhando com m igo? Pois
está enganadoj Eu lhe mostro de quantos paus se fàz uma
jangada” .
Douda — Especie de form iga muito vulgar e abundante.
As form igas doudas são miudinhas e pretas, e assim chamadas
como escreve Koster, em razão de não seguirem caminho r e ­
cto, mas espalharem-se por todos os lados, correndo aqui c
alli, sem designio ou ordem apparente.
Douradinhas — Moedas de ouro. (G iria dos gatunos).
Dourado — Madeira de construcção c iv il; p eixe do mar
(Corinhaena hippurus, Cuv.) muito abundante e saboroso, e
que entre os indios tinha o nome de P irá miu’ na (Gonçalves
D ias), e tambem de agua doce, tendo no rio S. Francisco o
nome de Jutubarana. Andar de banda como dourado. (D i­
ctado popu lar). O autor dos Diálogos das grandezas do Brasil
já o m enciona; e chama-se assim pela sua côr de um bonito
am arello-dourado, consoantemente com o nome Perajuhy, de
origem tupica, de um engenho situado no municipio de Iga-
rassu’, que segundo A lfred o de Carvalho é corruptela de pirá-
yu’ -y, rio do p eixe amarello, ou do dourado.
Dous dedos — Nas phrasos; Dous dedos de grammatica,
um tanto em briagado; com uma mão de cinzento. “ Já não v i­
nha bom ; já trazia os seus dois dedos de gram m atica” . (A lb e r ­
to Bessa). Dous dedos de raiva, zangado. O João quando es­
tá com dous dedos de raiva, só o diabo o pode aguentar. Dous
dedos de prosa, palestra ligeira.
Dous pesos e duas medidas — Duas opiniões ou resolu­
ções oppostas sobre cousas da mesma especie; juizo, decisões
encontradas em questões iguaes, ou objectos de idêntica natu­
reza. Esses dous pesos e duas medidas não honraram a um
jurisconsulto” . (A Lanceta n. 44 de 1890).
Droga — O diabo. “ Mas o droga não quiz chufas” . (O
N ovo Mesquita de Capote n. 2 de 1847). “ O diabo da velha de­
pois que comeu bolos e bebeu vinho apresentou-se indemo
niada como todos os drogas” . (A Duqueza de Linguarudo n.
140 de 1878). “ No matto és conhecido pelo droga e dizem que
és o anti-Christo” . (A m erica Illustrada n. 34 de 1881).
Duas cabeças — Pequena cobra (Am phisbena alba, Le*
sep.), de uma côr branca ligeiram ente azulada, de especies dif-
ferentes, e que v ive na terra. D iz M acgravi que os indios
chamavam-na Ibiára, e os portuguezes Cega, mas que em ge
rai tinha o nome de Puas cabeças, que ainda mantem, e que
segundo F r . Vicente do Salvador, é porque tanto mordem
com o rabo como com a cabeça.
Dunga — Mandão, chefe, homem de Influencia local; co-
fãjoso, arrojado, valentão. "A té o nossso B arrella é hoje um
dunga acabadinho. (O Clamor Publico n. 3 de 1845). “ Bravo,
que maganão. E ’ o dunga da nação.” (O Guarda Nacional n
5 de 1848). “ Amanhã hei de dar com esse dunga, disse Mar-
colin o” . (F ra n k lin T a v o ra ). Dunga da travessa: qu alificativo
particular de certos dungas. “ Os bandidos dungas da travessa
trataram a cousa dc resto” . (O Vapor dos Traficantes n. 94 de
1859).
Duque — O mesmo que bozio. “ E* o quina e o duque o
jogo da moda. Um copo e cinco dados são bastante para fa ­
ze-lo funccionar... Os que perdem são obrigados a pagar a
ceia ou outra cousa mais modesta” . (Jorna! Pequeno n. 99 de
1916).
Dureza — H ypertrophia do baço ou figado, mal do baço,
originado de sezões, para curar o qual é necessário cortar a
dureza, segundo um curioso processo usado pela crendice p o­
pular, descripto por Syívio Rom ero nos seus Estudos sobre
a poesia popular do Brasil.
Duro — Imprudente, desarrasoado, insupportavel: um su­
jeito duro de roer, de tragar. Objecto sem risco, na giria dos
presidiários de Fernando de N oronha.
Duzia de frade — De treze números, mas para receber,
como diz o vulgo, porquanto para dar ou pagar é a commum
ou legal de doze números.

303
E

Ebia — Asneira, patetice, tolice; Cahir na ebia de fazer


isto ou aquillo. “ O pobre diabo cahiu na ebia de lhe dar a têta
das obras publicas” . (A Carranca n. 19 de 1847).
Econom ia de palitos — De cousas insignificantes, que não
levam a boia ão fundo, e cujos valores não avultam em orça­
mento algum . “ Depois da votação da emenda, seria ridiculo
que fossem aeceitar outras que propõem economias, e econo­
m ia s..- de p alitos” . (C o rre io da Manhã n. 5397 de 1913).
E ita ! — Este vocábulo tem vóga assim, isoladamente, co­
mo uma dicção in terjectiva de contentamento, applauso, en-
thusiasmo, ou com as expressões de A lto lá, cuidado!, e con-
currentemente nas locuções populares; Eita pau! Eita baeta!
quem não sabe não se metta!. de iguaes expressões. “ Eita pau!
Hontem a nossa festa fo i brutal. Eu e o collega c mestre de­
mos sorte” . ( A Pim enta n. 609 de 1907). Cremos que o term o
in icial destas phrases, ou talvez mesmo ellas, venham das lo-
cuçõs in tejectivas; Eis aqui; aqui tendes; aqui está.
E ito — Y en der sem escolha; alto e máo. Secção ou local
de trabalho agricola. “ Cada roçador roça o seu eito de capo­
e ira ” . (M oraes). “ Nos grandes eitos lavrando a t e r r a ... Para
o eito, canalhas! Preguiçosos! E ’ m eio d ia !” (S y lv io R om ero).
“ Vão antes cavar minhocas, ou plantar canna no e ito ” . ( A P i­
menta n. 12 de 1912). Trabalhadores de serviço .de campo.
“ O eito já abandonou o campo trabalhado e uma grande linha
escura avança pela estrada em busca do b arracão” . (R an gel
M o reira ).
E llas por ellas -— Reciprocidade, pagar-se na mesma m oe­
da. Esta locução é fundamentada ■nos princípios da pena de

305
T a liã o :' “ Anim a pro anima, oculus pro oculo, dens pro dente,
inanus pro manu, pés pro pede, adustio pro adustione, nulnus
pro nulnere, liv o r pro liv o r e ” .
Ema — A ve pernalta do genero das casuares (Bhea ame»
ricana, L in n .), habitante da zona sertaneja. “ As emas são
grandes como as de A frica, umas brancas e outras malhadas
de negro, que sem voarem do chão, com uma aza levantada ao
alto, ao modo de vela latina, correm com o vento como cara
vellas, e comtudo as tomam os indios a corso nas campinas” .
(F r. Vicente do S alvador). E ffectivam ente as emâs não voam
porque são muito grandes e pesadas, e as azas não têm a p ro ­
porção necessaria ao corpo para poderem vo a r; mas a sua car­
reira, equivale ao vôo, porque ellas têm p or baixo das azas
dous esporões com que se ferem para lhes servir de estimulo
quando querem augmcntar a carreira, ao ver-se perseguida
quer de gente quer de animaes. As emas comem as cobras, e
tudo quanto apanham, até mesmo substancias solidas, e o seu
estomago tudo digere, dizendo-se mesmo, que é capaz de d ige­
rir o ferro e a pedra. Não precisando correr, caminha a pas­
sos lentos, vagarosos. P o r estes dous predicados vêm as locu­
ções populares: Estomago de Em a; Andar no passo da ema.
“ Seu nome p rim itivo em linguagem tqpi era Nhandu’, que Mon-
íoya escreve á castelhana Nandu’, e que os francezes adopta­
ram sob a form a de Nandou. O vocábulo Ema fo i introduzido
pelos portuguezes, e é talvez o nome asiatico ou africano de
alguma ave semelhante á nossa, provavelm ente da Abestruz do
antigo continente. Segundo Aulete deriva-se do arabe Neãma,
nome de uma ave pernalta do genero Casuarius. No R io Gran­
de do Sul a ema é geralm ente conhecida pelo nome de Abes­
truz ou Avestruz (Beaurepaire R ohan).
Embaçadela — Engano, logro, ludibrio. “ Que embaçadela
u Ensebio me p reg ou !” (O Paladim n. 14 de 1851). “ Quantos
calotes! quantas embaçadelas! quantas branquinhas!” (O B ar­
co -d o s Traficantes n. 14 de 1858). “ Terem os ainda nova e
desbragada em baçadela” . (Lan tern a Magica n. 271 de 1889).
Em bandeirar — Lisonjear, agradar, adular, incensar. “ F a ­
la-se que o sr. Chico Lacerda tem embandeirado a grande o
pretenso chefe do partido republicano” . (A Lanceta n. 41 de
1890). “ O quengo deve aperfeiçoar-se o mais possivel na sci-
encia de em bandeirar o proxim o, contando sempre historias
bonitas e verídicas, como as da Carochinha” . (A Pim enta n
500 de 1906). V . Bandeira.
Embaraçado nos melões — M ettido em difficuldades, em
alhadas, num cipoal
Embarafustar — Entrar, transpor, penetrar, metter-se.
“ Embarasfutei pela ponte Buarque de Macedo, e ganhei o b a ir­
ro do R e c ife ” . (Jornal do R ecife n. 45 de 1914).
, Em barbelado — Ver-se em apuros, compromettimentos,
apertos; em difficuldades, enganado, ludibriado. “ Aquelles seus
versos deixaram-nos em barbelados” . (A Pim enta n. 86 de
1902). “ Qualquer candidato, agora, Que quizer ser deputado,
Calcule que, sem demora, Póde ser em barbelado” . (Barbosá
V ian n a).
E m barrear — Encher de barro os vãos que ficam' entre os
esteios da armação de uma casa de taipa, cruzádos de ambas as
faces p or pedaços de varas ou ripas, pregadas, ou atadas com
cipó, o que entre os indios tinha o nome particular de enteju-
car; revestir, tingir, toldar de barro. “ Aqui tenho esta vara
de tocar porcos para não em barrearem as aguas do Capibari-
b e ” . (Gapar Gomes).
Embelêco — D ifficuldadc, obstáculo, entrave: O negocio
ia bem: porem appareceu um embeleco, que transtornou tudo.
Em bellezado — Encantado, infeitiçado, apaixonado, d ese­
joso. — O M anoel está tão em bellezado pela Maria, que vai
pcdil-a em casamento.
E m bicar — Beber, virar, esvasiar. Em bicar um copo de
vinho de um trago.
Embigada — Passo de bailado popular em que o dançador
dando umas revira-voltas, e curvando-se um pouco para traz
bate com o barriga na do seu par, ou em outra_qualquer mu­
lher do roda, o que esta por sua vez o faz tambem, abrindo
os braços castanholando, e voando nas pontas dos dedinhos.
“ F e rv er o lundum, e estalavam as em bigadas” . (O Carapu-
ceiro n. 19 de 1842). “ Lourenço cahiu no m eio da roda, fez o
seu sapateado, deu meia duzia de castanholas, e atirou uma
embigada na rapariga que lhe ficou mais p erto” . (F ra n k lin
T a v o ra ). “ O dançador vai dar uma embigada n’outro que se
acha sentado e este surge a dançar” . (S y lv io R om ero ). “ Bate
> pinho, chove o samba, estouram as embigadas” . (Lan tern a
Magica n. 447 de 1895).
Em bira — Estar, ficar, metter-se em alhadas. “ Pobres,
coitados, epie estão envolvidos nas em biras” . (O Guarda Ci-
vico n. 4 de 1878). Engano, forquilha, ludibrio, logro. Sahir
lambendo im bira. “ E voltou lambendo im biras Com os beiços

307
eoin que mamou” . (O Boi lis o ). Desastre, fracasso, co n tra rie ­
dade; laço, prisão, corda, armadilha, esparella. “ E a corda
de imbira com força apertada, Os braços doridos lhes estava
a cortar” . (Juvenal G aleno). “ Até que finalm ente está na im ­
bira o capitão N ican or” . (Lanterna Magica n. 172 de 1886).
“ Deixa-te estar meu velho, que depois has de gemer na em-
bira” . (Idem , n. 570 de 1878). “ Em bira é o nome commum de
todas as fibras vegetaes que podem servir de liame, quer p ro ­
venham das camadas cortiçaes como acontece a diversas es­
pecies de malvaceas e outras, quer provenham de folhas como
as de caraguatá, de certas palmeiras, pandanus, etc. “ A mui­
tas arvores do Brasil que ofierecem matéria prim a para cor­
das e estopa se dá o nome de E ir d r a ” . (Beaurepaire R ohan).
Embira é um termo origin ário do tupi, corruptela de mbir,
pelle ou casca de arvo re; ou de im bir, p elle d’arvore, casca,
entrecasca, alburno. (Baptista Caetano).
Em birrança — Avesão, prevenção, teiró ; teima, na zona
sertaneja do alto S. Francisco.
Emboába — V egetal cuja casca produz optima estopa pa­
ra calafeto.
Emboca — Mettediço, introm ettido; individuo deslavado,
que. sem escrupulos e usando de artimanhas, vai a uma festa
particular, sem ser convidado, e nem mesmo conhecer o dono
da casa. P elo Carnaval de 1904 sahiu um Club do Emboca, que
distribuiu um jornaleco com o titulo O Emboca, que sahiu ato
o anno de 1907.
Embocar — Entrar, penetrar, transpor, passar para den­
tro: Embocar em casa, na igreja, na rua. “ No sertão é muito
çonnnum ouvir-se, emboque, vá embocando, p or entre, vá en­
trando.” (E ngen io L im a ).
Embolada — Luta, desafio entre sertanejos, cantando a&
som da viola chorominguenta. (L e o v ig ild o Junior). Bailado
sertanejo. “ O caracachá é um instrumento indispensável nos
samhas, nos côcos, e nas emboladas pelas regiões do alto ser­
tão” . (Jornal do R ecife n. 9i de 1914). (Appareceu João de
Souza, que tambem é turuna na em bolada” . (Idem n. 39 de
1916).
Em bolar — Cahir, rojar-se pelo chão, rolando, dando vol
tas. Os dous brigões em desesperada luta cahem grudados em ­
bolando-se pelo chão.
Em boléo — Na phrase. Andar aos emboléos, vindo o termo
de boléo. da giria portugueza, com as accepções de queda,

308
tram bolhão. Phrases correspondentes: Andar a tôa, a m atro­
ca, sem saber como nem para onde. “ Andamos agora aos em-
boléos, aguentando toda esta vida de atropellos” . (Lanterna
Magica n. 516 de 1897). “ Ecôa no R io a risada Da troça aos
em boléos” . (Pernam buco n. 5 de 1914).
Embono — Linhas de paus, da especie dos que se fazem
jangadas, longitudinalm ente dispostos aos lados das canôas ou
barcaças de navegação costeira, para as equilibrar nos seus
movimentos em marcha. “ A canôa tinha de cada lado um em ­
bono ou boia, feito de dous grandes paus .de jangada, ligados
um ao outro e amarrados ás-berdas, afim de evitar que a em­
barcação virasse” . (D an iel P. K id d e r). “ N ariz de embono,
Com tal sacada, Que entre na escada Duas horas prim eiro que
seu dono” . (G regorio de M attos).
Emborcação — Acto de v ira r de cabeça para baixo o cor­
po de um afogado, para deitar fóra toda a agua que bebeu,
afim de ver se é possivel salvar-lhe a vida.
E m botijar — F icar calado, embatucado, embuchado, con­
fundido, corrid o : F icar em botijado; M etter a bocca na botija.
“ Este apimentado gracejo embotijou o nosso poeta” . (A P i­
menta n. 12 de 1901).
Em bróglio — Confusão, mistura, embrulhada. “ Certa­
mente, os leitores já conhecem os em broglios do futrica Sa-
lan.” (A m erica Illustrada n. 9 de 1877). “ Um amontoado de
sandices, um em broglio de razões contra este ou aquelle in d i­
vídu o” . (Idem , n. 37). “ Os passadores de dinheiro laiso an­
dam em actividade. Esse em broglio que a imprensa noticiou
é apenas a reproducção de outros factos semelhantes” . (D iá ­
rio de Pernambuco n. 100 de 1913m
Embromação — Subterfúgio, engano, lo g ro , “ Nas suas
viagens o Cabeção sempre realisa umas empalmações e em bro­
mações, que soffrem os seus companheiros de trem. (D ia rio
de Pernambuco n. 263 de 1916). D erivado: Embromar.
Embuá — Vulgar m yriapode (Iubus flavosonatus, Cuv.),
de duas especies; preto reluzente, com aneis brancos, é de um
verm elho claro, quasi roseo, de m enor porte, os quaes se en­
roscam, se lhes tocam. Moraes registra uma especie desses
insectos do Brasil, curto, roliço, com pés mui miudos, e m ui­
tos, de que se faz uma massa que cauterisa, e queima quasi
como a pedra in fern al; no que o acompanha Aulete, dizendo
que o embuá é um m yriapode do Brasil de que se faz massa
caustica..- Nem que tenha pés por banda como embuá, (D i-
clad o), consinto, faço dou isto ou aquillo.
Emburacar — Desapparecer, oecultar-se, sumir-se; entrar,
metter-se num buraco. Não sei em que buraco se mette j Ma
noel, que ninguém o v ê. Perseguida a caça pelos cães, embu-
racou. Segundo Couto de Magalhães, emburacar é o mesmo
que embioçar, verb o de raiz tupi, que sign ifica: entrar no
buraco'.
Em carne, osso e caroço —• Semelhante, igual, muito pa­
recido, o proprio.
Em fraldas de camisa — De camisa, ou em camisão. E es
te modo de dizer constitue tambem um chilenism o muito vu l­
gar, para indicar al hombre o mujer que está sin calzones ni
otro vestido que camisa, como escreve Zorobabel Rodriguez,
accrescentando que equivale entonces a con el rabo al aire.
Em mangas de camisa — E ’ obvia a expressão desta phra­
se. que assim mesmo se.diz no Chile, — en vez de en cuerpo de
camisa, que es como lo tratan los deccionarios, esto es andan­
do sin chaleco, — como escreve Zorobabel Rodriguez.
Empacar —. Estacar o cávallo ou burro, e não andar, por
habito ou manha, cançaço ou espanto, e emperradamente f i ­
car parado sem que se possa, de prompto, obrigal-o a prose-
guir na viagem, muito embora rigorosam ente castigado. “ A p ri­
m eira experiencia da burrical varred ella deu máo resultado:
o burro empacou. Se no exercicio do seu em prego empacar
muitas vezes, faltará aos termos do contracto e não varrerá
nada” . (O Diabo a quatro n. 148 de 1878) “ Bond empacado,
no p reg o ” . (Lan tern a M agica n. 15 de 1882). “ A Camara Mu­
nicipal do R ecife entendeu que d evia assumir o papel de burro
em pacado” . (O João Fernandes n. 10 de 1886). Term o vulgar e
corrente no Estado, com as expressões notadas, como vimos,
e exem plificadam ente justificadas, não tem razão o Dr. Olintho
José Meira, da Parahyba, d izer sem restricções nas suas in fo r­
mações ministradas a Beaurepaire Rohan, que — “ nas nossas
provincias do norte, em lugar de empacar o cavallo ou burro
servem-se do verbo portuguez acuar” . Registrando Zorobabel
R odriguez o verbo empacar como um chilenism o, diz que vem
de um outro do castelhano empacar-se, com a significação de
obstinar-se, e usual neste sentido, com relação ao cavallo te i­
moso, em toda a Am erica hespanhola. N o portuguez ha tam­
bem o hom onym o empacar, mas com accepções outras.
Empada — Preguiçoso, encostado, poltrão, indolente; sem
iniciativa e préstim o algum. “ A gora disse cá; que tem feito
a tua empada? (O Carapuceiro n. 3 de 1847).
Empalemádo — P allido, opado, desfigurado, p or uma cau­
sa m órbida qualquer; ou como escreve Beaárepaire Rohan r e ­
gistrando a variante empalamada: P allido, còmo o são as pes­
soas opiladas, hydropicas, ou de uma gordura frouxa e des­
corada. Encontramos que o vocábulo empalemádo é de o ri­
gem africana.
E m palh ad or,— O que exerce o o ffic io de empalhar com
a palhinha tirada do junco da ín dia os assentos de cadeiras,
lastro de cama e outras peças de m obiliaria.
E m paliar — P o r empalhar como fam iliarm ente se diz em
Portugal, e assim com as suas próprias expressões, segundo
Auete: D em orar com promessas e enganos; entreter; ganhar
tempo com palliativos oú delongas futeis.
Empanada — Grade ou caixilh o de madeira coberto de pa­
no, que se colloca no alto des portas dos estabelecimentos com-
merciaes, com certo declive, para evitar a entrada do sol.
Empanzinar — M entir, enganar, illu d ir. “ Que se fique
lá por Gravatá empanzinando o publico com o seu la tim .” (O
Desespero n. 8 de 1880). “ Não posso deixar de falar de cer­
tos typos que nos vem empanzinar com bondadcs que não p os­
suem .” ( A Pim enta n. 49 de 1902). “ Um anão vestido de Mel-
ciades empanzina o publico com uma verborrh éa puxada a
ga n ch o .” (A P rovín cia n. 50 de 1914).
Empastellar — In vadir tumultuariamente, á mão armada,
a tlpographia de um jornal, desarranjar, misturar, em bolar a
composição da folha, espalhando os typos, ou conduzil-os mes­
mo á deitar fóra, de par com outros damnos e prejuízos cau­
sados no estabelecimento, interrom pendo-se assim p or certo
tempo a sahida do jornal, e ás vezes mesmo, concorrendo para
o seu desapparecimento. “ Os estudantes- devido á publicação
de chronica, julgada insultuosa á fam ilia paulista, empastella-
ram a typographia do jorn al Fanfula.” (D ia rio de Pernam bu­
co n 313 de 1915, telegramma de S. P a u lo ). “ Vim os uma fila
de caixas typographicas, empastelladas, uma aluvião de bolas.”
(Jornal do R ecife n. 66 de 1916). D eriva d o: empastellamento.
“ Telegram m as de Fortaleza noticiam as empastellamento dos
jornaes de o p p o sição .” (Jornal Pequeno n. 124 de 1914). En­
tre nós, já se tem dado algumas dessas tristes occurrencias,
sendo, acaso, a prim eira, a da typographia do periodico, A
União. “ Folha clerical, que representou papel saliente nos de­
bates da Questão Religiosa, a .sua prim eira typographia fo i as­
saltada p or numeroso grupo de populares e completamente
empastellada a 14 de Maio de 1872.” (A lfre d o de C arvalh o).

311
E peiticar — Enfadar, importunar, aborrecer, azucrinar;
agourar mal. “ Faço votos para que fique curado desse mal em-
peiticado.” (Lanterna Magica n. 159 de 1886). V. Peitica.
Em penca — Em quantidade, grande porção. “ N o baile
havia mulheres em penca.” (A lb erto Bessa). “ Coiós em
penca e cada qual que m elhor mostre sua pratica.” (A Pim en­
ta) n. 9 de 1914).
Empencado — Unido, junto, pegado, apertado, como as ha-
nanas em penca: Aquelles dous gajos só andam empencado3.
Em periquitado — E ifeitado, bem ataviado: Como vem
aquelle pelintra todo em periquitado!
Empernado — D orm ir com uma m ulher: D orm ir emper-
iiado. Bem empernado de cara: Expressão, com certa ponta de
mordacidade, do typo feicional de um indivíduo. “ Não pude
conter uma gargalhada quando reconheci que o coió era um
certo moço m oreno não mal empernado de cara! (A Pim en ­
ta n. 23 de 1901).
Em perrado — Menino de desenvolvim ento physico, ou
crescimento, lento, demorado, tardio, vindo assim a ficar,
quando homem, de uma estatura baixa; amante p referid o . “ N e ­
nhuma moça de bom tom deverá contentar-se com um só aman­
te; pelo contrario terá pelo menos um emperrado, ou effecti-
v o ” . (O Carapuceiro n. 52 de 1842 ). “ A Julia brigou com o
seu emperrado, findando o barulho no meio da r u a .” (A P i­
menta n. 626 de 1908). D erivados: Emperrar^se; emperro. “ À
Rosa Petipon esteve doente, e agora se acha emperrada com
um c a v a lle iro . . . Não se vê mais uma estrella que não tenha
o seu em perro.” ( A Pimenta ns. 53Ç e 544 de 1907).
Empinar papagaio — Deitar ao vento um papagaio preso
a cordel para subir ao ar. “ Em pequeno, jogavam os pião, em ­
pinávamos papagaio, jogavamos batalha, e tc .” (Jornal do R e­
cife n. 222 de 1915).
Encabulár — Azucrinar, apoquentar, importunar, e n fa d a r.
“ Encontrarei um azucrim,. que depois de me furar num ci­
garro começou a me encabular.” (A Pim enta n . 571 de 1907).
Desconfiar, irritar, zangar as escadarias com grande pasmo da
creadagem .” (D ia rio de Pernambuco n. 56 de 1916). D eriva­
dos: Encabulação; encabulado. “ Papae se queixa da encabula-
ção de um c o ió .” (A Pimenta n. 607 de 1907). “ Ando um pou­
co encabulado com tantos ditos e lé r ia s .” (Idem , 21 de 1901).
Joãozinho, encabulado, De verm elho fez-se r o x o .” (Idem , n.
193 de 1913).

312
Èncachaçado — Em briagado com aguardente, cachaça;
vinho misturado com cachaça. “ Vender farinha misturada, v i­
nhos encaçhaçados.” (A m erica Illustrada n. 16 de 1878).
Encachoeirado — R io com cachoeiras; águas que correm
ou se despenham em quedas ou cachoeiras. “ As aguas do rio
são apertadas, e correm encáchoeiradas entre rochedos alcan­
tila d o s ... A b aixo do Canindé Velho, continua o rio ainda en­
cachoeirado.” (Fernando H a lfe ld ). “ Destruidas as secções cor-
rentosas e encachoeiradas do rio S. Francisco desde Sobradi-
nho até Jatobá, a navegação a vapor pode com prehender es­
tes dous p o n to s.” (D r. F. do Bom -fim E spin dola) “ Os rega­
tos transbordados alagam as varzeas, cobrem o capinzal, e
apertados nas boccas das grotas, precipitam -se encachoeirados,
fazendo retumbar ao longe o ruido das suas qu edas.” (A lfre d o
B randão). T heoton io F reire, porem, criou o verb o cachoeirar,
escrevendo: “ R ibeirinhos corriam p or entre as arvores, cacho-
eirando e descendo pelas abas das serras, até se perderem no
mar ou se lançarem no B eb erib e. ” (Jornal do R ecife n . 222
de 1916). O vocábulo, quer de um quer de outro modo, é de­
rivad o de cachoeira, moderno, regional, e ainda não codificado
em nenhum dos nossos lexicons.
E n cafifar — A d oecer; encommadar-se, desgostar-se, zan­
gar-se. “ Não penses que andamos encafifados c o m tig o .” (A m e ­
rica Illustrada n. 25 de 1883). “ E haver quem se encafife com
estas cantilenas de d efu n to!” (A Pimenta n. 28 de 1901). V o ­
cábulo derivado de cafife, acompanha assim a sua origem a fr i­
cana.
Encafuar-se — Occultar-se, esconder-se, hom isiar-se. “ On­
de se teria encafuado o illustre sr. gen era l?” (D ia rio de P e r­
nambuco n. 177 de 1916).
Encaiporado — In feliz, desditoso, perseguido da fortuna:
máo, d iffic il, transform ado. “ Tem po encaiporado, em que a
derrota estoura em cada can to!” (Lan tern a Magica n. 745 de
1903).
E ncaiporar — In flu ir nocivamente na sorte de alguem,
agourar mal, in felicital-o. “ H avia uma hora que eu jogava
com felicidade; veio Fulano sentar-se ao meu lado, e encaipo-
rou-me de tal modo que não pude mais ganhar uma só m ã o .”
(Beaurepaire R oh an ).
Encaixam ento — A secção da usina ou engenho em que o
assucar é pesado e ensacado para ser rem ettido ao mercado da
capital. A denominação de encaixamento vem do p rim itivo cos-
tuine de ser o assucar rem ettido em caixas de madeira apro­
priadas, cujo serviço era dirigido por um caixeiro, que na
phrase de Antonil é o que encaixa o assucar depois de purgado.
“ As caixas em que vai o assucar; e o ben eficio que se lhe faz
nas casas d’ encaixamento, onde se encaixa e guarda secco. ”
(M oraes). “ Arderam mais de duas mil caixas d’ assucar, em que
as chammas consumiram a posse e a esperança da riqueza e da
c o b iç a .” (In cên dio do Recife, 1630). Nos prim itivos tempos
da industria de fabricação do assucar tinham as caixas capaci­
dade para vinte arrobas, eram conduzidas para o mercado do
R ecife em costas de animaes, em carros apropriados á carga,
ou por agua, daquelles engenhos 'que ficavam á margem de
rios navegaveis, e depositadas nos Passos de assucar, — que
são umas logeas grandes, onde se recolhem os caixões, até se
embarcarem nos navios. — Pelos annos de 1618 custavam as
caixas de 400 a 500 réis, e eram feitas de páo molle, como
mungubas, buranhens, visgueiro, páo de gamella, d ’alho e b ran ­
co. A carta regia de 16 de Dezem bro de 1687 dirigida ao go­
vernador de Pernambuco ordenou que — as madeiras de que
se fazem as caixas de assucar sejam seccas, porque de serem
verdes resulta prejuizo ao mesmo assucar. — Em 1777, cada
caixa pesando 35 arrobas, peso bruto, procedente dos engenhos
de Sirinhaém, pagavam quatro patacas de transporte por mar.
A condução do assucar em caixas, quer para a capital, quer
para exportação chegou até meiados do seculo passado.
Encãlistrar -— Zangár-se, àrreíiar-sè, éricavacar, pérdêr ás
estribeiras. / ‘ Encalistram-se os bem intencionados protectores
daquelles folguedos sacro-pastoris. ” (O Diabo a quatro n. 18
de 1878). “ O nosso bom amigo encalistrou e chegou a pedir os
seus passaportes.” (A Lanceta n. 44 de 189).
Encalombar — Inchar, intumescer. — F o i bulir com os
marimbondos, e veio tódo mordido, encalombado.
Encambonar-se — Unir-se, juntar-se andar sempre junto
com alguem, encambonado, inseparavelm ente. “ A dona encam-
bona-se com e lle . ” (A Carranca n. 23 de 1847).” João Grande
encambonou-se com meti f ilh o . ” (Jornal Pequeno n. 296 de
1916).
Encangado — Unido, junto, pegado. “ Uns aos outros en­
cangados, Com os rotulos trocados, Andamos constantemente.”
(Barbosa V ian n a). “ E exclama á tropa encangada: E ’ preciso
muito gento, Muita coragem, n egrad a.” (D ia rio de Pernambuco
n. 149 de 1916).

314
Encapado — Refolhado, dissimulado, fingido, sonso, v e ­
lhaco.
Encapar — Dissimular, calar; encobrir uma falta qualquer;
oeeidtar um desvio. O diabo tanto encapa até que um dia de-
sencapa. (D itado p o p u la r).
Encapellar — Descer muito o chapéo de modo a tocar nas
orelhas: Chapéo encapellado. “ Encapella o cano até as orelhas,
lembrando aos seus com panheiros o tempo da m o n arch ia.”
(O A lfin ete n. 9 de 1890). Bater com força sorrateiramente,
no chapéo de alguem, de modo a fazel-o descer, im pulsiva­
mente, cabeça ábaixo. “ Os moleques apenas lobrigam o Arara,
encapellam-lhe o ch a p éo .” (O Arara n. 2 de 1844). “ Pobre
Constituição! Não fo i somente reform ada; fo i encapellada.”
(Lan tern a Magica n. 557 de 1898). D eriva d o: Encapellação.
“ O chapéo que os homens usavam tinham as abas arqueadas,
a cópa alta, e no fundo um diâm etro tamanho, que eram ter­
ríveis as encapellações.” (João B rig id o ).
Encapêtado — Travesso, traquinas, experto, levado do ca­
peta. “ Ora dá-se gente mais encapetada? (O Clam or Publico
n. 17 de 1845). “ Arlequim pleiteava a mão mais alva e menos
cabelluda d’ entre as viuvas encapetadas.” (Jorn al do R ecife
n. 51 de 1914). “ João Grande encambonou-se com o encape-
tado meu f ilh o . ” (Jornal Pequeno n. 296 de 1916).
Encarangueijado — Entrevado, com as àrticulações to lh i­
das de movimentos pela acção do rheumatismo, ar de vento ou
outra qualquer m olestia. “ Pés pequenos e dedos encaranquei-
jados.” (O Campeão n. 167 de 1863).
Encarapitado — Trepado, accommodado, assentado, re ­
pimpado. “ Não passeiariam a cavallo, e nem encarapitados nos
carros estalariam os chicotes por a c in te .” (O Artista n. 9 de
1853). “ Abusivamente estás encarapitado na cadeira do poder
e da..mamata” . (O Vapor dos Traficantes n. 223 de 1860).
“ Uma carga de carvão com o matuto encarapitado em cima.”
(Lan tern a Magica n. 48 de 1886).
Encartado — O mesmo que encapetado: Um menino en­
cartado.
Encasacado — M ettido em casaca. “ Encasacado. luvas bran­
cas, numa victoria ap oltron ad a.” (A Pim enta n. 44 de 1902).
E ncherido — O mesmo que m ettediço: E ntrom ettido; que
se mette onde não é chamado; que procura entrar em toda
parte, em todos os assumptos, em todas as conversas. “ O mun­
do está cheio de sujeitos mettidiços, aos quaes o vulgo actual­
mente chama encheridos.” (Lan tern a Magica n. 269 de 1889).
0 termo, porem, vem de mais longe, como nos recordamos, e
assim já o encontramos registrado em 1872; “ O vagabundo p a i­
sano E ’ moço bem enxerido. T raz alegre a Soledade E o quar­
tel bem d iv e rtid o .” (A m erica Illustrada de 10 de N o v em b ro ).
“ Adeus minha querida; como tens passado? Não é da sua con­
ta, encherido.” (A D errota n. 9 de 1883). “ Tinha uma re c e i­
ta contra os perús enxeridos, e zaz, appliquei-a. ” (A Pimenta
ri. 540 de 1907). Occorre ainda o E ncherido sem lenço, que é
naturalmente, o desageitado, sem graça e espirito. “ Aconse­
lhamos a esses encheridos sem lenço, que deixem esta vida e
vão plantar batatas.” (A Pim enta n. 14 de 1901). D erivados:
Encheirir-se; encherimento. “ Mamãe se damna com o enxeri-
mento do B onifácio (Idem , n. 393 de 1905) . “ Papae se quei­
xa do enxerim ento de certas pretinhas com os rapazes que pas­
sam na sua ru a .” (Idem , n. 600 de 1907).
Enchimento — Armazém de alcool e aguardente para ex­
portação. “ O Lapa quer somente negociar com armazein de
enchimento, e p or isto pratica com os demais do mesmo o ffic io
toda a sorte de p ica rd ia s.” (O Desespero n. 23 de 1880). “ N .
15. Enchimento de alcool e aguardente -20:000$00í). ” (O rç a ­
mento do Estado- 1914-15). Esta denominação vem do enchi­
mento do vasilhame de exportação com o alcool e aguardente
que vem das usinas e engenhos em ancoras e barris.

Enchiqueirar — Metter no chiqueiro, agasalhar ou reco ­


lher ao anoitecer a criação de aves, os bezerros, porcos, ca­
bras e carneiros, que andam soltos durante o dia; entrar o p ei­
xe no compartimento do curral de pescaria a que chamam chi­
queiro, ficando ahi preso.
Enchôva — P eix e do m ar. Jeronymo V ile lla o menciona
com o nome anchova.
E ncoivarar — Fazer coivara. “ Requeim ar os páos mais
grossos que resistiram ao fogo da p rim eira queima ou coivara
do roçad o” . “ Sempre que o L iberato encoivarava terras para
um nóvo partido de cannas, dizia: — E ’ preciso fazer mais
accrescentado para que não levem tu d o .” (F ra n k lin T a v o ra ).
Encontro — Passaro canoro (Xanthornus fem aralis) da
ordem Deodactylis, e tambem conhecido por xexéo de bananei­
ra ; porem já registrado com aquelle nome em um romance
sobre os passarinhos consignados por Nuno Marques P ereira
no seu liv ro : “ O encontro lhe sahiu, Passarinho bom c a n to r.”

316
Encostado — Preguiçoso, malandro, negligente; esquivo
ao trabalho.
Encourado — Coberto, revestido de couro. “ Os rolos de
fumo que se embarcam para qualquer parte, vão encourados.”
(A n to n il). Não sou de caixas encouradas (D ic ta d o ); isto é,
refolhado, encoberto, simulado. “ Fique logo conhecendo que
eu não sou de caixas encoiradas.’’ ( F r a n k l i n T a v o ra ). O ser­
tanejo Com a sua vestimenta de couro de veado de capoeira
ou de qualquer outro animal, muito bem cortido e prepara­
do, constante de peineiras, guarda-pcite, vestia ou gibão,
e chapéo. obedecendo ainda tudo aos antigos moldes. “ Ca­
da lim era um p erfeito sertanejo, com as suas perneiras, guar-
da-peito, chapéo e vestia de c o u r o ... N in g u é m 'd iria que a lli
estavam tres fidalgos finos senão tres vaqueiros encourados.”
(F ra n k lin T a v o ra ). “ 0 Granja trouxe da comarca da Bôa-Vis-
ta um certo encourado sertanejo, que ja tem enviado para o
outro mundo uns cinco ou seis in fe liz e s .” (O Paladino n. 14
de 1851). “ Um homem todo encourado, galopando um ginete
au daz.” (Lan tern a Magica n. 838 de 1906).
Encravilhação — Entaladela, aperto, d ifficid dad e; cousa
d ifficih com promettedora, perigosa. “ Me despense desta en­
cravilhação, pois eu só pesco do meu o ffic io de s e le iro .” (O
Campeão n. 22 de 1861).
Encrenca — Arruaça, barulho, m otim ; negocio complicado,
intrincado, caso d ifficil, assumpto com prom ettedor. (G iria dos
gatunos do R io de J a n e iro ). “ Tam bem lá no Pará, como em
nosso Pernambuco, a encrenca, a temerosa encrenca, está fa ­
zendo as suas diab ru ras.” (A Lanceta n. 56 de 1912). E ncren ­
cado — “ Diz-se de alguem que se acha en volvid o em negocio
pouco licito, d iffic il, in trin c a d o .” (G iria dos gatunos do R io ).
“ O Canuto viu-se em bêtas, numa trança brutal, muito en ­
crencado.” (Pernam buco n. 293 de 1913). O term o encrenca,
teve curso, avolumou-se mesmo, em 1911, no periodo de agi­
tação p olitica das candidaturas ao govern o do Estado, mas,
desde algum tempo antes, que era conhecido entre nós, páre-
cendo-nos que é origin ário do R io, e particularm ente do. argot
dos gatunos fluminenses. “ Começou a fazer successo a dona
Encrenca que ha pouco chegou de J ab o atão ... O amigo João
Gonzaga Casado com dona Encrenca, Tem de filh os uma pen­
c a .” (A Pim enta ns. 534 e 547 de 1907). Entretanto ha um
corrente que diz que o term o encrenca vem do allem ão: Ich
bin kraenk (eu estou doente), e que foi, ouvindo allemães quei-

317
xarem-se de estar doentes, que os catarinenses começaram a
falar-nos que tinham uma encrença ou estavam na encrenca,
quando, por sua vez, adoeciam.
Endromina — Negociata, esperteza trapaça, ou como na
giria portugueza, mentira, logro, ludibrio, pantom im ice: A r ­
ranjar, metter-se numa endromina.
Enfarruscado — Zangado, contrariado, de cara feia, sem­
blante carregado. M elhor cara traga o dia de amanhã. (Dicta-
do p o p u la r). “ Letra vencida, credor á porta, já de cara en far­
ruscada. ameaça de p rotesto” . (O Vapor dos Traficantes n. 240
de 1860). “ Um sujeito com cara enfarruscada e feição de mel
azedo” . (Lanterna Magica n. 473 de 1895). “ Estremunhado e
Locejante. com a cara enfarruscada.” (A Pim enta n. 40 de 1902).
E nfático — Fatuo, vaidoso, presumido, arrogante, soberbo.
“ Está o Clamor Publico muito ep faiico; e como sabe procla­
m a r!” (O V erdadeiro Regenerador n. 26 de 1845).
E nfeitar o maracá — Predispor um negocio encarecendo
as suas vantagens afim de tirar bom partido; preparar o ter­
reno para conseguir alguma cousa; contar uma historia ao sa­
bor dos seus interesses, exaltar as vantagens de um negocio;
armar uma ratoeira, uma arapuca.
E n fern eira — Consumição, • m ortificação, afflição, to r­
mento .
E n fiar — Encordoar, desconfiar, azoar, zangar-se; aar-se
por offendido com um simples gracejo. “ O pobre 'deputado f i ­
cou um pouco enfiado com a resposta que teve o seu aparte”
(O Capibaribe n. 25 de 1848).
E n fiar agua — Sem o que o fazer, occupação alguma, sem
o ífic io nem beneficio. Andar, estar enfiando agua, na b e lg a »
ça, enchendo as ruas de pernas.
E nfiaretur — Desastre, máo exito, fiasco em um discurso,
representação ou outra qualquer exhibição em publico. “ O ca­
pitão que estava a ouvir o D r. ficou irritado com este enfiare­
tur e aconselhou-lhe que mandasse im prim ir a discurso” .
(O Vapor do Rio Formoso n. 20 de 1857).
E nforcado — Ver-sè em apertos e serias difficuldades f i ­
nanceiras, baldo de recursos, vexado, e sem meios para solver
os seus encargos e compromissos. Ver-se enforcado; com a cor­
da no pescoço. Comprar aos enforcados e vender aos namora­
dos. (D ictado p o p u la r).
Enforquilhado — Desprezado, enganado, logrado, prete­
rid o . “ Fica tudo m allogrado, e o povo enforqu ilh ado” . (A

318
Forquilha n'. 2 de 1841). “ Muita gente anda por ahi lograda,
enforquilhada” . (O Capibaribe n. 25 de 1848). “ Doutores, no­
bres, plebeos, Sahiram enforquilhados” . (O Campeão n. 6 de
i8(51).
E nfreado — Contrariado, zangado; carrancudo, enfarrus­
cado; cara de poucos amigos.
Enfronhado — Trajando, ou vestindo certa roupa. “ E n fro ­
nhado em uma japona agaloada á maneira de lacaio de sege” .
(O Campeão n. 12 de 1861). “ Encontramos um Judas na i-ua
du im perador enfronhado em uma casaca” . (Am erica IIlus-
trada n. 16 de 1879). “ D elega d h litterario, só em dias santos vai
ás escolas das meninas, enfronhado em roupas finas e nas lu­
vas de pelUca” . (Lanterna Magica n. 1.1 de 1882). D erivado:
Enfronhar-se. “ A Lanceta chegou a preparar-se, enfronhar-se
de n o v o .” (A Lanceta n. 41 de 1890). “ A farda de tenente
quando en fron h ad a..- Até parece Napoleão sem pêra Passei-
ando no Bosque de B o lo n h a .” (Pernam buco n. 153 de 1913).
Enfumaçado — Baço, escuro, sombrio, carregado; cheiro,
gosto de fumaça.
Engallicado — Atacado de gallico, mal venereo.
Engambelar — Enganar, illudir, iisongear manhosa e gei-
tosamente, com os fins occultos de lucros ou interesses, ou, co­
mo R earepaire Rohan define o term o; embelecer, engodar, em­
balar com esperanças vãs, com caricias, com dadivas e outros
jn eios de que se pode tirar proveito para attrahir a confiança
de alguem. “ A o paio engambelam, De tal sorte o pellam, Que
o pobre não sente” . (A Carranca n. 22 de 1847). “ O que se
importa o Sr. Loyola que o homem engàmbelasse o Miranda, e
mcttesse em tal labyrintho afim de ganhar mais d in h eiro?”
(O Povo n. 228 de 1859). “ Não me engambelam com essas es­
peranças fagueiras” . (Lanterna Magica n. 275 de 1889). “ A mo­
ça o fo i dissuadindo e engambelando” . (S y lv io R om ero) No
Pará dizem engram belar e no sul ha a phrase popular: E n ­
gam belar a lagôa. Vocábulo de origem africana, vem de acu-
antbéla, engano.
Enganar — Agradar, obzequiar, captivar, penhorar; dar,
fazer um engano; enganar a gente. “ Goyanna... Que a todos
engana. “ Eu não conheço nenhum tão expressivo na ordem
dos rifõ es populares. O vocábulo enganar, não tem nos nossos
diccionarios o sentido que a intelligencia rica e lucida do po­
vo goyannista lhe re fe re ; tem somente a accepção ingrata que
iodos lhe sabemos. Mas logo ao p rim eiro exame se vê que se­
melhante accepção está muito distante da que a imaginação
deste grande povo liga ao sobredito verbo, quando o emprega
para exaltar o seu torrão natal. A palavra enganar que faz
parte do rifão, significa: seduzir, captivar, prender, mas sedu­
zir com m il agrados irresistiveis; captivar com benignidade
tão doce e fagueira, que é im possivel deixar de fica r delia es­
cravo; prender com tantas demonstrações affectuosas, com ta­
manha bemquerença, que em vez de buscar fugir, cada um
se sente o prision eiro mais desejoso de estar nessa suavíssima
prisão, de não se desligar jamais dos seus deliciosos grilh ões” ,
(F ra n k lin T a v o ra ).
Engangento ou ingangento — Contente, alegre, satisfeito;
vaidoso, presumido, cheio de ganja. “ Mostra-se a Provín cia, em
prosa e versinhos, toda engangenta” . (D ia rio de Pernambuco
n. 24C de 1916). Rohan registra o term o enganjento como o
mesmo que ganjento, corrente na Bahia, e consignando este,
com as expressões de vaidoso, presumido, conclue: “ Moraes
escreve gangento; mas, como o radical deste adjectivo e segu­
ramente ganja, parece-me que a orthographia que adopto é
mais razoavel. Este autor não menciona este vocábulo como
txclusivam ente b rasileiro; mas Aulete o supprimiu, o que me
faz pensar que não é usado em Portu gal” . S ylvio Rom ero, que
naturalmente recolheu o termo em Pernambuco, onde é muito
vulgar e corrente, escreve engangento, engraçado, peralvilho^
querido, expressões estas que destoam das que mencionamos, e
que, effectivam ente, são as que tem entre nós, diz que é um
vocábulo de origem africana.
Engarapar — D ar garapa, consoantemente com a varian ­
te garapear. Rohan consigna o termo, como peculiar a P e r­
nambuco, e com aquella expressão, e figuradamente, seguindo
a Moraes, com a de fazer a bocca doce a alguem para o reduzir
ãquillo que queremos. Aulete consigna o termo, como do B ra­
sil, seguindo a Moraes, e accrescenta as accepções de enganar,
illudir, embahir, em belecar; e Alberto Bessa dando-lhe tambem
igual origem, diz que é o mesmo que seduzir, illudir, enganar,
expressões estas, que particularmente entre nós não são cor­
rentes.
Engatilhado — De resposta preparada; prevenido de um
repertorio de factos e aneedotas, pilhérias e gracejos á propo-
sito de qualquer cousa. “ Sempre de bom humor, trazendo en­
gatilhada uma pilhéria, Nada, no mundo, lhe causava h o rro r” .
(Jornal do R ecife n. 275 de 1915 ). P reven id o; cousa assentada,
acção preparada; negocio resolvido. “ A opposição vae apresen­

320
tar-se tambem em cheio, já tendo para isso 27 nomes engati­
nhados” . (D ia rio de Pernambuco n. 298 de 1915).
Engazopar — L ograr, enganar, ludibriar, illudir, emba­
çar, em bahir. “ Mostra p ’ra quanto presta engazopando a gen­
te papalva” . (O Diabo a quatro n. 10 de 1875). “ Annuncios
bombásticos para engazopar os tolos” . (Lanterna Magica n.
40 de 1883). “ Partamos a toda pressa; engazopei uma das duas
m oreninhas” . ( A Pimenta n. 4 de 1902). D erivados: Engazo-
padela; engazopação; engazopamento. “ Todos estão vendo que
isto é uma engazopação, um meio facil de arrolhar o p aiz” .
(A Lanceta n. 31 de 1890). “ A tal kermesse não passa de uma
engazopadela. ( A Pimenta n. 570 de 1907). “ O povo desperta.
Basto de engazopamento.” (Am erica Illustrada n. 12 de Setem­
bro de 1875). Engazopar, ou engazupar, encontramos como
termos populares burlescos, em Portugal.
Engenho — Estabelecim ento agricola destinado á cultura
da canna e ao fabrico do assucar, m el,-aguardente e alcool;
mas a sua definição classica, particularmente, é de machina
de moer cannas, de fazer assucar. “ A officin a do assucar, cha­
mada por autonomasia Engenho, por ser espaçoso theatro da in ­
dustria do humano engenho, é uma adm iravel fabrica, m aravi­
lhosa machina, que ao p rim or do seu m agistério deve a Repu­
blica deliciosa u tilid a d e.” (L ou reto Couto). “ Quem chamou as
officinas, em que se fabrica o assucar, engenhos, acertou v e r­
dadeiramente no nom e” . (A n to n il). “ Bem recebida fo i aguella
breve e directa definição de quem chamou a um engenho de
assucar doce in fe rn o ” . (P a d re A. V ie ira ). A denominação de
engenho dada ás nossas fabricas de assucar vem do alvorecer
da colonização da capitania, como se vê dos seguintes trechos
de uma carta do donatario Duarte Coelho dirigida a el rei D .
João III, escripta da v illa de^ Olinda em 27 de A b ril de 1542:
“ Dei ordem a se fazerem engenhos de assucar.*.- Cedo acaba­
remos um engenho mui grande e perfeito, e se hão de come­
çar outros” . O typo originário, prim itivo, das nossas fabricas
de assucar, fo i o Engenho d’ agua, até que começaram a appa-
recer os denominados Trapiches, m ovidos a animaes, chaman­
do os nossos indios Ib ira pararánga a estes, e Ib ira babáca
áquelles. Os engenhos d’agua têm a particular denominação de
rasteiro, m eio copeiro e copeiro, segundo a quada d’agua que
recebem na roda de impulsão aos machinismos de moagem das
cannas, rasteira, de meia altura, e dê elevação superior, como
assim já os descreve M arcgravi. “ Dos engenhos uns se chamam
reaes, outros in feriores, vulgarmente engenhocas. Os reaes ga­

321
nharam esse appellido, p or terem todas as partes de que se
compoem, e todas as officin as perfeitas, cheias de grande nu­
mero de escravos, com muitos cannaviaes proprios, e outros
obrigados á moenda; e principalm ente p or terem a realeza de
m oerem com agua, á differen ça dos outros que moem com ca-
vullos e bois, e são menos providos e apparelhados, ou pelo
menos com m enor perfeição e largura, das officin as necessá­
rias, e com pouco numero de escravos, para fazerem como d i­
zem, o engenho moente e corrente.” (A n to n il) “ As pessoas
que fabricarem engenhos de assucar no Estado do Brasil, as­
sim Reaes, como Trapiches, e pretenderem a dita liberdade,
justifiquem p rim eiro perante o p rovedor da fazenda da capi­
ta n ia .” (P ro visão de 17 de Setembro de 1655). “ Doava e v in ­
culava á dita capella o seu Engenho N ovo, real d’agua, situado
na rib eira de Goyanna” . (Instituição do Vinculo de Itambé,
1678). Engenho de fogo m orto: parado, que não móe, de f o r ­
nalhas apagadas. Engenho moente e corrente; em actividade,
moendo, safrejando. “ Justifiquem como os taes engenhos estão
nioentes e correntes” . (P ro visão cit.) Engenho de porteiras
fechadas: adquirido por qualquer titulo, completo, sem nada
laltar para os trabalhos de cultura e moagem, e em outros
tempos, inclusive mesmo a própria escravatura. Aguas passa­
das não môem engenho; Quando o senhor de engenho chora, o
que fará o la v ra d o r? ” (D ic ta d o s ).
Engenhoca — Pequeno engenho destinado ao fabrico de
aguardente e rapaduras, ou mesmo de algum assucar. “ Dos
engenhos uns se chamam reaes, outros in feriores, vulgarm en­
te engenhocas” . (A n to n il) “ N o fim de alguns annos poderemos
com prar uma engenhoca, ou mesmo um torcedor. Do torcedor
vai-se á engenhoca, e da engenhoca ao engenho” . (F ra n k lin
T a v o ra ). “ Vende-se uma engenhoca de fazer mel e assucar.
com terras próprias e bôas, situado nos A fogad os” . (D ia rio de
Pernambuco n. 21 de 1829).
Engalopar — Comer apressadamente, porca e alambazada-
mente, engulindo aos bocados. Aquelle alarve engolopa uni
pratarrar de pirão com carne emquanto o diabo esfrega um
olno. Moraes registra Engulipar, engulir, como um termo chu­
lo, e Aulete o repete, como burlesco, com as expressões de tra­
gar, devorar, engulir, consoantemente com as do nosso enga­
lopar.
Engarujado ou engrujado — Adoentado, triste, abatido, re ­
tirado a um canto, aos cochilos, enfastiada e aborrecidamente.
Este vocábulo é particularm ente applicado ás aves, quando ata-
eadas de um mal qualquer, e que assim ficam emquanto per ­
manecem doentes. “ Deu o jmaltriste na Melpqmene Olindense,
e ei-Ia de pescoço encolhido, engorujada, como algum pintai­
nho atacado de gôgo.” (C o rreio de Olinda n. 4 de 1891). “ Um
pinto depennado e engrujado, a quem o gôgo tirara os últimos
resquicios de alegria.” (A ra rip e Junior).
Engravatar-se — Vestir-se com esmero, procurar trajar
bem, enfeitar-se, paramentar-se. “ Vinha correndo, todo engra­
vatado, de oculos verdes e cabellos arrepiados” . (O Diabo a
quatro n. 8 de 1875). “ Vestiu camisa lavada e engravatou-se” .
XAmerica Illustrada n. 17 de 1778). “ A lfred o é sempre A lfredo,
o pomadista, o dnndv engravatado e rabequista” . (O Etna n.
3(5 de 1882).
Engraxador ou engraxate — Individuo que exerce a p ro fis­
são de engraxar botas nas ruas e praças publicas. O engraxa­
dor é em geral italiano, mas em alguns Estados, como a Bahia,
Parahyba e outros norte abaixo são rapazes da terra, ou antes
moleques, que absolutamente não consentem o com petidor es-
irangeiro no o ffic io . O d r. Castro Lopes descrevendo os usos
c costumes do R io de Janeiro, escreve o seguinte, remontando-
se aos tempos da sua mocidade, e consoantemente com os nos­
sos, na mesma epoca: “ A praga dos engraxates, como gafanho­
tos do Egypto, não nos havia ainda in vadido: cada cidadão sa­
bia de casa com as botas engraxadas p or um preto velho, cuja
calva reluzente rivalisava com o lustro do calçado; porque a
graxa era aquella celebre preparação contida em potes que
traziam o gigantesco n. 97” . “ O vehiculo dos dictados é o
engraxate de Fortaleza, moleque vivo, experto, noniado, de
caixa a tiracollo e banco na mão, vagando a assobiar pelas
ruas” . (João do N o rte ).
Engrangolado — Mal ligado, encaroçado: P irão engrongo-
lado; gomma engrongolada.
Engrossamento — Adulação, bajulação, lisonja, servilism o,
louvaminhas, agachados. “ Houve discurseira, muita lorota e
muito engrossamento” . (A Pimenta n. 3 de. 1902). “ Eu já não
sei o que digo; para engrossamentos, não presto.” (Id em n. 5).
“ Outra cousa viverão todos livres de topar nas columnas deste
period ico: elogios exagerados ou de encommenda, o que numa
palavra de giria se chama engrossam ento” . (A Rua n. 1 de
1903). D erivados: Engrossa, Engrossador, Engrossar, form an ­
do tudo a tactica engrossatoria, e constituindo a Doutrina do
engrossamento. “ Mas no centro das troças D e tantos aiamu-
lengos, Destaco os quatro engrossas do tal Club dos Quengos” .

323
(A m erica Illustrada n. 11 de 1877). “ Salve, engrossador-m or de
todos os tem pos!” (Lan tern a Magica n. 655 de 1901). “ Esse
grande engrossador tinha uma cara esquisita” . (A Pim enta n.
23 de 1902). “ Quem sabe engrossar, govern a” . (D r. M. Guedes
Junior). “ Vamos ter em breve uma troupe lyrica, e a im pren­
sa jã começa a engrossar o pessoal artístico” . (Lan tern a Ma­
gica n. 757 de 1904). “ O engrossar é uma baixeza e o que c
baixo e v il degrada o hom em ” . (Pernam buco n. 97 de 1913).
O Engrossamento já deu assumpto para uma alentada mono-
graphia de 116 paginas, sob o titulo A doutrina do Engrossa­
mento, escripta pelo D . M . Guedes Junior, prefaciada pelo
Senador M elicio de Seixas, e vulgarisada no R io de Janeiro
em 1901. “ O engrossamento, escreve o autor, com eçou hum il­
demente pelo servilism o, p or este sentimento canino e baixo
de terror ao mais forte, sem reflexões, sem arte e sem consci­
ência do seu va lo r orgânico; mas, se a acção irresistível dos
séculos lhe tem subtrahido grande parte da energia p rim iti­
va, em compensação lhe tem im prim ido o gráo de in tellectu a li-
dade, de finura esthetica e de efficacia politica que o tem fe i­
to tão intensamente cu ltivad o. . . Servilism o ou Engrossa­
mento, o que existe no fundo de ambos é a sujeição ao mais
forte, qualquer que sejam as differenças exteriores. Mas no
engrossamento a obediencia é repassada de ternura, realçada
por captivantes apparencias de dedicação com que o subor­
dinado, dando-se ares de amorosa submissão, acaba p or op-
prim ir o senhor sob o jugo amavel, porem tyrannico de amo-
lecedores affagos” . De que epoca, e de onde vem o termo,
não o sabemos; mas o que é certo, é que jã era vulgar entre­
nós em 1877, como vimos da sua mensão em um artigo do
periodico do R ecife, Am erica Illustrada, publicado naquelle
anno.
Enjoado — Aborrecido, insupportavel, intolerante, *cabu­
loso. “ O P eretti é um bichinho muito enioado” . (A Pimenta
n. 68 de 1902).
Enluvado — Calçado de luvas.
Enquisilar — A borrecer, zangar, empeiticar. “ Já ando en-
ouisilado com tantos p ed itorios” . Segundo Macedo Soares o
termo vem de quisillar, quigilla, quisilha, do vocábulo bundo
quigilla, preceito
Enrabiar-se — Pegar-se, juntar,-se, unir-se, metter-se em
companhia de alguem, e andar assim intromettidamente, abu­
sivam ente.
Enrabichar-se — O mesmo que enrabar-se. “ Acha-se em
qualquer parte com a sua bem amada enrabichada.” (A m erica
Illustrada de 31 de Janeiro de 1875). “ O diabo da menina
com migo se enrabichou” . (D a chula O Banqueiro).
Enrascada •— Compromettimento, enredo, situação d iff i­
cil, p erigo: Mettido numa enrascada dos diabos. D erivado: E n ­
rascado.
Enrolado — Coinpromettido, mettido em enredo, numa
enrascada.
Enrustir — Esconder, occultar, enterrar o objecto íouba-
dc. (G iria dos gatunos).
Ensaboadela — Reprim enda, censura, carão.
Ensebitado — P o r ensebado; com muita banlia nos ca-
h ello s .
Enservejado — Bicado de cerveja. “ As enseverjadas ca-
becas inglezas não tentarão o estupendo projecto de dominar
o B r a z il.” (O Anão n. 6 de 1863).
Ensopado — P eix e ou camarão guizado com certo molho,
de preparo proprio, ou com o leite de côco. “ Todas as espe­
cies conhecidas de moquecas apimentadas, vatapás excitan­
tes, cheios de castanhas e azeite de dendê,. ensopados que são
um regalo para o estomago, que fazem v ir agua á bocca, sem
a gente ter vontade” . (A m erica Illustrada n. 15 de 1879).
Ensôsso — Sem vida, animação, graça, espirito: Mulher
cnsossa; graças ensossas. Impune, sem nada s o ffrer p or uma
falta commettida, ou até mesmo um crim e. O sujeito espancou
o pobre homem, ferin do-o mesmo, e ficou ensosso, sem um
Padre Nosso e uma A ve M aria de penitencia.
Entaboádo — Coberto, alastrado, cheio; A pobre criança
está com o corpinho todo entaboãdo de bertoejas, ou de m or­
deduras de muriçocas. “ Diz-se de algum membro, ou parte do
corpo, para onde correu humor, a que p or isso fica rijo , du­
r o ” . (M oraes).
Entaladela — Embaraço, compromettimento, aperto, apu­
ros; situação d ifficil, perigosa mesmo. “ Mestre, v ejo que não
é nada bôa a entaledela em que você está m ettid o .” (O Bar­
co dos Patoteiros n. 12 de 1864). “ N o aperto em que me v i
usei de uma estrategia para livrar-m e de semelhante entala­
dela” . (Idem , n. 2 9). “ Nunca s o ffri entaladelas como agora;
nunca me v i em taes apertos” . (O Vapor dos Traficantes n.
240 de 1860). O termo porem, já vem de mais longe: “ Desta
sorte livrou-se o Arara da entaladela” . (O Arara n. 10 de 1845).
E nterrar — Desempenhar mal a representação de uma

325
peça lyric a ou dramatica, ou unia composição m usical. “ A
opereta tem ido á scena enterrada com pletamente pela com ­
panhia fra n c e za .” (A m erica Illustrada de 5 de Maio de 1872).
E nterrar os pés — Sahir, pular, levantar-se bruscamente.
‘ ^Quando me lem bro, que é com o cantar do gallo, que enterro
os pé$ fora da cama; e penso agora, que ainda nem me dei­
t e i!” (O Èstado de Pernambuco n. 148 de 1914).
E nterro dos ossos — Jantar intim o posterior ao de um
banquete, em ique, indefectivelm ente, figura um prato de f e i­
joada com a carcassa do peru’ e os restos dos assados, vindo
dahi a locução.
Entezar — Resistir, não ceder a empenhos; ser in fle x íve l
a rogos e pedidos; por o pé atraz.
Entibirado ou intibirado — Arreliado, zangado, contra­
riado, aborrecido, desapontado.
E ntijolar — Lad rilh ar a tijolo.
Entocar— Metter-se em casa, refugiar-se, ou metter-se em
um buraco, segundo Couto de Magalhães, e figuradamente, co­
mo accrescenta, encolher-se, fugir á responsabilidade. Verbo
de raiz tupica, segundo T heodoro .Sampaio, vem de oca, a ca­
sa, o cobertor, o abrigo, o refugio, o paradeiro; em og, oka,
roca, toca, segundo o thema e no tupi antigo, uca, d ’uca. Sil­
vio Rom erò porem , diz que entocar vem de tóca, e que lhe pa­
rece ser uma alteração de loca, loch em allemão entrando des-
t’ arte no vocabulário portuguez sem auxilio do tupi.
Entojado — Aborrecido, encommodado, contrariado.
‘ Uns faziam -lhe caretas, outras arregalavam -lhe os olhos, es­
tas escarravam , como que entojados de vêr aquelle manicaca
metido a homem de côrte.” (O Cometa n. 2 de 1844.)
Entouceirar — Criar, form ar touceirq. “ Os algodoeiros ca­
pados produzem mais ramos, e dão mais facilidade á colheita,
ehtoceirando sem altearem m uito” . (M oraes). Assim no gerún­
dio emprega aquelle nosso p hilologo o verb o entoceirar, que
encontrou corrente, vulgar em Pernam buco; entretanto esque-
ceu-se de registal-o no in fin ito, com a sua definição ou accep-
ção regional, quando aliás não omittiu o substantivo touceira,
igualmente regional, e tantos outros termos assim tambem.
Entrada — Expedição m üitar contra os indios para os
subjugar, conquistar as suas terras e fazer prezas. Nessas en­
teadas contra os selvagens sertanejos, iam mamelucos falad o­
res da lingua dos brazis, os soldados- portugueses e -m indios
alliados armados de frecha. O lingua falava ao sertanejo na
fartura da carne e peixe e de outras vantagens da vida do lit-

326
toral entre os brancos,’ e se elle não annuia em descer, dei­
xando as suas terras, abandonando os seus lares, estava tra­
vada a guerra, e reduzidos a escravidão todos os que cahiam
prisioneiros. — “ A partir de 1535 começaram as entradas,
jornadas de exterm ínio e de presas semelhantes as algaras da
meia idade ibérica, levando a morte, o captivèiro e o terror
ás numerosas caiçaras indígenas espalhadas p or todo o sul da
capitania.” (A lfre d o de C arvalh o). “ Os conquistadores que lo ­
gravam voltar de suas excursões, só aguardavam a prim eira
monção para organizarem novas entradas” . (T h eo d o ro Sam­
p aio). Faziam -se tambem entradas á busca de minas de metaes
e pedras preciosas, de que corriam sempre phantasticas noti­
cias. “ Requerim ento de Francisco de M ello Coutinho Souto
M aior dirigido a D. João V, pedindo remuneração pelas entra­
das que tem feito ao sertão da Bahia, em busca de descobrir
esmeraldas.” 1730. (Catalogo da Exposição de Historia do B ra­
sil, 1881). I)as entradas que se fizeram em Pernambuco no se­
culo X V I, com todos os seus horrores e crueldades, dá p arti­
cular noticia o historiador F rei Vicente do Salvador.
Entradas — Iguarias que se servem no com eço do almoço
e do jantar. O term o vem do francez, Entrée, mets pour com-
mencer le repas, como assim fugura no Menu dos banquetes e
hoteis, e com taes expressões Aulete regista o termo, mas ap-
plicado ás differentes iguarias que se servem depois do cozido
até ao assado, como, naturalmente, assim se diz eru Portugal.
Entrupicar — Tropeçar, cahir. “ Garibaldi fo i a missa N o
seu cavallo alazão; O cavallo entrupicou, Garibaldi fo i ao
chão.” (Da Chula: V iva G aribaldi).
Entruviscado — Cheio, ebrio, no ganço; com dous dedos
grammatica. “ E ’ do H otel Internacional de onde Mr. Fletcher
sahe entruviscado todos os dias.” (A Pim enta n. 561 de 1907).
Entufado — Amuado, resentido, de cara feia.
E nvarar — Atravessar de varas, fachinas ou ripas os es­
teios de armação das paredes de taipa, para proceder-se de­
pois o seu embarreamento. “ O rancho era apenas envarado
até meia altura e coberto de telhas.” (F ra n k lin T a v o ra ). D e­
rivado: Envaramento. “ Francisco fo i inclinar-se ao pé do en-
varamento do alpendre.” (Id em ).
E nveredar — P ô r -se a caminhar, tomar a vereda; entrar,
penetrar; seguir com destino exclusivo a certo e determ inado
lugar. “ L o g o que soube do desastre, enveredei para a casa da
vietim a.” (Beaurepaire Rohan).

327
E nvergado — D iffic il, custoso, com plicado; cousa mal pa­
rada, cheia de obstáculos e entraves; que ameaça fracasso. Um
negocio envergado.
Envergadura — Anim o, valor, ca recter: Um hoimem de
grande, de fo rte envergadura.
E nxom brar — N ão seccar, não enxugar de todo. Diz-se da
roupa lavada e exposta a corar ao sol ou ao vento, não com ­
pletamente secca, m eio enxuta: a roupa já va i enxombrandu;
está enxombrada. Moraes registra o term o enxom brar, natural­
mente como assim ouvia pronunciar entre nós, vulgarmente,
correntemente, com o ainda hoje, porem manda v êr enxom ­
brar d efin e: “ P ô r a roupa lavada a seccar, quanto baste para
se poder engomar, ou passar a fe rro mais facilm en te; enxu­
gar um pouco.”
Enxota cães — O porteiro da maça da cathedral de O lin ­
da, que nas suas solennidades, trajando de batina azul, vai
á frente da eommunidade empunhando a respectiva maça de
prata.
Enxugar o estomago — Beber alguma cousa: dar um bica­
da para enxugar o estomago.
Enxuto — In d ifferen te, impassivel, insensivel, deslavado,
cara-dura. Recebendo uma tamanha reprimenda, sahiu tão en­
xuto, que nem como cousa. Entre m agro e gordo: A menina
não é gorda, mas é enxutinha. Ancho, cheio de si. “ N ’ outra
mesa, outra senhora, que nada acceitára do que se tinha of-
fertado respondeu muito enxuta, uma asneira.” (O Carapu­
ceiro n. 25 de 1839).
Esbabacar — Adm irar, pasmar, fica r boquiaberto, estupe­
facto, enlevado, absorto; duvidar, fica r perplexo, hesitante.
“ T ocava forte piano, Habil. destro pianista, Esbabacava, p ’ra
elle o Barão da Bôa V ista” . (O Guarda N acional n. 5 de 1848).
Ficam os esbabacados de vêr no Barco dos Traficantes um a r­
tigo sobre um assumpto que pensavamos ha muito.” (O P ovo
n. 85 de 1858). “ Medi-o de alto a baixo e fiqu ei esbabacado!”
(O Progresso n. 2 de 1875).
Esbagaçado — Em desordem, desarranjo, confusão; em
desalinho, desconcerto, perturbação; Um sugeito ebrio, aos
tombos, esbagaçado. “ H oje a m oral; "a pobrezita, está no man­
gue, esbagaçada.” (Lan tern a Magica n. 476 de 1895).
E sbarràr —- Encontrar-se com alguem inesperadamente;
parar o cavallo em corrida, de repente, com certo arro jo e ele­
gância, riscando a terra com as patas trazeiras em que se f ir ­
ma, e quasi que assentando no chão. “ P o z as pernas no ca-

328
vallo, indo esbarrar com violên cia e arrogancia em frente de
L ou ren ço” . (F ra n k lin T a v o ra ). “ Esbarrava o alazão na porta,
mima im portância que nem um lird e ” ! (U m berto C arn eiro)-
Partida de leão, esbarrada de sendeiro. (Locução popular, v a ­
riante da portugueza: Entrada de leão sahida de sendeiro).
Esbodegado — O mesmo que esbagaçado. “ Um chapéo
manilha de alto preço e um cavagnac bem esDodegado.” .A
Laneeta n. 12 de 1890). “ O Vicentinho é muito querido das mu­
lheres da vida esbodegada.” (A Pimenta n. 30 de 1902); A l­
berto Bessa registra o vocábulo como b rasileiro com as ex ­
pressões de cançado, estafado; e no alto S. Francisco tem cur­
so verbial, com as dé pandegar, brincar, como tambem entre
nós, mas com accerpções differcntes, porem obvias. “ R ece­
bamos nós o cobre, e o povo que se esbodegue” . (A m erica II-
lustrada 7 de 1884).
Esbordoar — Bater, espancar, dar bordoadas. “ O filh o
do dono da matta, sem d irigir nenhuma pergunta ao m adeirei­
ro, mandou que seus capangas o esbordoassem.” (D iario de
Pernambuco n. 224 dé 1915).
Esborrachar-se — Dar uma queda, esborrachar-se no chão.
Desastre, barrigada, fiasco. O João fo i se metter a falar em
publico e esborrachou-se todo.
Esbarrar — Transbordar. Um copo d’agua esborrando.
Esburnir — Pagar, despender, satisfazer. “ Um exercito
com o qual se esburne tantos m il contos, deve estar disponí­
v el para se em pregar na guarnição das províncias.” (A Car­
ranca n. 7 de 1847).
Escabino — Mandato popular de attribuições municipaes
e certas judiciaes, cujos representantes constituíam a Camara
dos Escabinos, annualmente eleita, no tempo da dominação
hollandeza. Na assembléa legislativa convocada por Mauricio
de Nassau em 1640, na cidade de Maucia, ou R ecife, tomaram
parte os escabinos das camaras de Mauricia, Parahyba, Itama-
racá. Igarassú, Sirinhaém e P orto Calvo, alem dos represen­
tantes do povo das principaes localidades da conquista. A ca­
mara do R ecife era composta de tres escabinos, cujo mandato
desempenhavam naquella epocha os colonos Gaspar Dias F e r ­
reira, G regorio de Barros P ereira e Cosmo de Crasto Passos.
Escabriádo — Desconfiado, prevenido, com a pulga na
orelha; receioso, assustado, arredio. “ Os patos andam muito
escabriados com os seus esfolad ores.” (A m erica Illustrada n.
2 de 1878)| “ Um tiro só, mas não pegou, porem logo muita
gente ficou bem escabriada.” (Lan tern a Magica n. 263 de 1889).

329
“ A opinião publica está muito escabriada com os seus servi­
ç o s .” (O Estado de Pernambuco n. 29 de 1913).
Escacheládo —- O mesmo que esbagaçado, esbodegado.
Escalação — Desordem com resistência, ferim ento. (S y lv io
R om ero).
Escaldado — Especie de pirão de farinha de mandioca fe i­
to com o caldo de carne ou peixe a ferver, ou misturadamentc,
m exido e cozido: P irão escaldado. Certas comidas ligeiram en­
te cozidas: Um escaldado de bacalháo ou carne secca, còm v e r­
duras, cebolas e batatas.
Escancha-bodes — Um typo grosseirão, arreliado, esta­
banado.
Escarrapichar — Firm ar um documento, um escripto qual­
quer, com o p rop rio nome. “ Dignaste-vos de transcrever uma
producção minha, em que vem escarrapichado o nome com­
p le to .” (A Pim enta n. 17 de 1901). “ Depois de escarrapichar
o que os leitores acabam de lêr, dei um beijo em Sinh’Anni-
nha afim de esclarecer o entendim ento.” (M em , n. 501 de
1906). “ E screvi um postal, e depois de escarrapichar em baixo
a minha respeitável assignatura, fui encrever um outro pos­
t a l.” (Idem , n. 536 de 1907).
Escarrar — Dar, entregar, restituir, pagar. O sujeito quiz
fu gir com o corpo, mas viu-se obrigado a escarrar o cobre.
Escavacar — Esbravejar, enfurecer-se. irrom per em desa­
bafos.
Escô! — Tirada do caçador para açular os cães contra a
caça em perseguição. “ Pega o veado, caçador! Escô! Escô!
(Parlendas do p a p a g a io ). “ G ritei pelo meu cachorro, Meu ca­
chorro T u b a rã o ... Escô! meu cachorro, escô !” (Versos popu­
lares) .
Escoltêto — Autoridade com attribuições policiaes existen­
te nas localidades fóra da cidade no tempo da dominação hol-
landeza, (1630-1654) e que constituíam o terror dos moradores
pela suas tyrannias e perseguições. “ Sahiam os escoltêtas cada
seis mezes pelos campos e mattas, com outros ministros de
justiça; e chegavam ás casas dos moradores, e nenhum havia
que não ficasse condemnado em dinheiro, ainda que tivesse
feito milagres no cumprimento de suas prem aticas.” (F r. Ma­
noel Calado).
Escopeteiro — Bom atirador de pontaria firm e, certeira,
sem perder o alvo. “ Dona Damiana era mulher para lutas p ró ­
prias de homens. Chamavam-lhe Escopeiteira p or ser perita

330
em atirar ao a lv o .” (F ra n k lin T a v o ra ). “ Eli apezar de ser mui­
to máo escopeteiro, estendera a rolinha m o rta .” (C elso de M a­
galhães). Individuo que tem muitos filhos, filh e iro ou filhen-
to, segundo os termos vernáculos. E scopeteiro é um antigo v o ­
cábulo portuguez que designava o soldado armado de esco-
pêta, especie de espingarda.
Escorregar — Dar, pagar, indem nisar; com prar a dinhei­
ro . “ Veja como está madura, Bonitinha, averm elhada; E ’ es­
corregar com os cobres, E dê la sua den tada.” (Versos de
uma c h u la ).
Escorrego — ü incidente de escorregar: dar um escorrego,
mas não cahir, porque, segundo o dictado, escorregar não é
cahir. Leviandade, deixar escapar um segredo; uma falta com-
mettida, um acto impensado, uma queda m oral; cochilo, des­
cuido no falar ou escrever. “ Tornando ao escorrego d’ 0 In d í­
gena, direm os que, se o M oralista d’ 0 Panorama escrevesse pa­
ra Pernam buco p or certo não o faria m e lh o r.” (O A rtilh eiro
11. 62 de 1843).
Escorrencia — Falação, discurseira, verb orréa. “ O ras-
pagaio não lhe perm ittiu fazer a cousa com grande escorren ­
cia.” (O Conservador V erm elho n. 17 de 1863). “ Form id ável
na asneira, numa escorrencia d ’arromba, espantou a casa in ­
te ir a .” (A m erica Illustrada de 21 de Dezem bro de 1873).
“ Abriu a bocca e lá vai escorrencia de fazer a gente se lem ­
brar de cousas que já eram esquecim ento.” (Lan tern a M agi­
ca n. 7 de 1882).
Escorrupichar — O mesmo que escarrar. “ Ponho-m e ao
serviço de quem quer que seja, comtanto que escorrupiche a
verba para a m a n ja .” (O M ajor L eal n. 1 de 1890).
Escôta — Laço, esparella; opportunidade de vindicta, re ­
pressão, desaggravo: Cahir na escôta, nas unhas, nas garras,
pagar o novo e o velho. O Ped ro tantas fez que, afin al cahiu
na escôta da policia.
Escoteiro — Sosinho, desempedido, sem companhia algu­
ma. “ A mulher vinha escoteira, e vestida no ultim o gosto da
m o d a .” (O Carapuceiro n. 13 de 1837). “ Venhò vindo escoteN
ro, mas o carró vem atraz. ” (A ffo n s o A rin o s).
Escorvado — Preparado, prevenido, em ordem ; servido á
mesa de bebida; de copo cheio: Estar escorvado.
Escóva — Sóva, tunda, surra: Dar, tomar uma escova. “ O
bom do lazaron i leva ria tal escóva, que jamais se esq u eceria.”
(A m erica Illustrada n. 31 de 1875).
Escovado — Elegante, desempenado, espirituoso; vivo , ale­
gre, gracioso: Pessoal escovado; um cabra escovado. “ Estando
com disposição de dar um passeio, fui até S. José v er uma
menina escovada.” (A Pim enta n. 557 de 1907). “ F o i um suc-
cesso o ensaio desta rapaziada escovada.” (Jorn al Pequeno n.
23 de 1916).
Escrácha.— Retrato, phisionom ia. — (G iria dos gatunos) .
Escramuçar — Andejar, encher as ruas de pernas, correr
sêcca e méca; andar na pandega, na vadiação.
Escruncho — Roubo — (G iria dos gatunos).
Esculhambar — Troçar, riducularizar, debicar, debochai'.
“ O nosso peta pediu-me que fornecesse-lhe uma rim a em ambo,
alem das que conhecia. Promptamente disse: eu o esculham­
b o! Eis uma rim a. Mas que significa tal p a la v r a ? ... E xem ­
plifiquem os: Um Misaé das Form as é troçado p or um jorn al
hum oristico. Os m il leitores dizem : F o i esculhambado solem-
nemente. Você Taz um soneto cheio de palavrões que só agra­
da aos tolos. Os poetas podem sentencear: Aquelle soneto é
uma esculhambação.” (A Pim enta n. 18 de 1902). Esculham­
bar é um term o de troça acadêmica, que vem daquelle tempo,
e que vulgarisado - teve logo derivados e mesmo mais amplas
expressões; e penetrando assim ás regiões sertanejas, tem no
alto S. Francisco, por exemplo, as de alquebrado, mal vestido,
rôto. “ Anastacio era um desses rapazes da esculhamba, quen­
go de prim eira agu a.” (Id ém n. 36 de 1902). “ Diversas escu­
lhambações fez E . de A . em certas ruas suspeitas, encalacran-
do os seus com panheiros.” (Idem , n. 43). “ Eu, com a bella
Filuca, num m axixe esculhambado, dizia, muito agitado: Ahi,
mulata! machuca!” (Idem , n. 47). “ Um esculhambador, ra ­
paz de um instincto m á o .” (Idem , n. 65). “ Hontem fiz uma
esculhambifera diversão” . (Idem , n. 561 de 1907).
E sfriar — Matar; afrouxamento de relações; desanimo, es­
m orecer. “ A policia dorme, emquanto os sicários esfriam um
pobre diabo em dous tem pos.” (Lanterna Magica n. 657 de
1901). D erivado: Esfriado, defunto, na Giria dos gatunos.
Esguelado — Roupa mal assentada, que deixa apparecer
o peccoço a guela.
Esguelar-se — F alar muito, berrar, gritar desesperadamen­
te.
Esguêva — Dicção phantastica, sem sentido e expressão,
um subterfúgio, mas vulgarisado pela sua consagração histórica.
O nosso Caneca a registra na V I I I de suas Cartas de P itia a
Damão (1823) neste trecho: “ A unica resposta qu e*deu fo i

332
appellar para o juizo final, que era o mesmo que responder
Esgueva” ; e-em ntfta explica a expressão do term o; “ O rei de
Portu gal D . João I I (que rein oii de 1481 e 1495) não querendo
despachar certo requerim ento' injusto, mandou escrever no
despacho: Esgueva, que não significava cousa algu m a.” João
R ib eiro o menciona como uma destas palavras empregadas co­
mo m ero flatus voeis para indicar cousas ficticias e sem rea ­
lidade, e consigna o re fe rid o facto de D . João II, e concluindo
p or d izer que Esgueva é um lugarejo de Hespanha, dá em nota
estes versos? de uma lestrilha da Vida dei Picaro, citada na
obra de Cejador y Franca: “ N in fas de Esgueva y dei famoso
P o tro De Cordoba da Ilham a que gradua Com borba p ica ril y
no con o t r o .”
Esmarmádo — Magro, secco, desbarrigado.
Esmolambado — Esfarrapado, m altrapilho, em molambos,
molambento, depennado, arruinado, em pobreza. “ Se estão r i­
cos, de esmolambados que foram , é porque Deus os aju dou .”
(O N o vo Mesquita de Capote n. 3 de 1847); “ Molatinhas rene­
gadas, Mais as suas camaradas, Me comeram meu dinheiro, Me
deixaram esmolambado.” (D a chula: Aonde vai Sr. P ereira de
M oraes).
Espada — O fog o do buscapé levantado para o ar, ou ris ­
cando, quem o solta, de braço erguido, para um ou outro lado,
em desafio ou não, nos festejos sanjoaneiros. “ Tam bem eu sau­
dei-o de biscapé na mão levantando uma espada.” (A Pimenta
n. 2 de 1901).
Espada d’agua — Individuo dado ao v icio da embriaguez.
“ Em 1900 fundou-se no R ecife o 13.° batalhão Espada d’agua,
sob o commando do m arechal Maia M a ra vilh o so .” (A Pimenta
n. 84 de 1902). “ Falam que fo i fundado um batalhão de es­
padas a’agua em T e jip ió .” (Idem , n. 67).
Espadagão — Individuo muito alto, alentado e forte.
Espadarte — P eix e do mar, da ordem dos cetáceos, tam­
bem conhecido p or cação espadarte (Squalm o Pristis, G m .),
que entre os indios tinha o nome de Araguaguá ou Araroába,
segundo Gonçalves D ias. “ H a outro p eixe chamado espadarte,
p or uma espada que tem no. focinho de seis ou sete palmos de
com prido, e um de largo, com muitas pontas, com que peleja
com as balêas, e levantam a agua tão alta quando brigam , que
se vê dahi a grande distan cia.” (F r . Vicente do S alvad or).
Espalha-brazas — Fanfarrão, estouvado, valentão. Na zona
sertaneja tem as expressões de azafamado, espalhafatoso; e na

333
giria portugueza as de irrequieto, irascível, estouvado. O p e­
riodico O Mesquita Junior publica no seu n. 6 de 1836 uma
chula Ordem do dia, fazendo constar uma resolução do chefe
m ilitar o General Espalha-brazas.
Espandongado — A rreliado, descommedido, exaltado, fóra
do serio. “ Rehinga mulata os quartos que estou todo esterne-
gado, pois quando te vejo alegre, fico todo espandongado.”
(A m erica Illustra n. 1 de 1879). “ O que fazer pá semana
santa, uma semana comprida, deveras aborrecida p ’ra quem é
espandongado?” (A Pim enta n. 551 de 1907). D erivados: Es-
pandongamento; espandongar-se; espanãongo. “ Que dança!
Nunca v i cousa tão bôa! E ’ um espandongamento c h ic .” (A m e ­
rica Illustrada de 22 de Agosto de 1874). “ Veja, canalha, se
gingo, quando ella se espandonga, quando mexe furibunda?
(Idem , de 23 de Março de 1873). “ V irgin ia não me espandon-
gues, que eu estou todo espandongado.” (Idem , de 17 de Agos­
to de 1873). “ Eu nasci para os espandongos; eu bem sei, fo i
minha s in a .” (Id em n. 1 de 1879).
Espanta-boiada — A ve ribeirinha, sertaneja, do genero
Vanillus. Andando sempre aos bandos ás margens das estradas,
assustam-se ao passar de uma boiada e fogem espavoridas, mas
fazendo tamanho rumor ao arrancar do vão que assim espan­
tando a boiada, estoura ella, desordenadamente desgarrando-
se. Vem dahi o nome vulgar da ave.
Espantar — Dar, passar: Espanta esse prato de arroz p ’ra
cá.
Espanta-raposa —- Conhecido passaro, ainda não estudado,
ao menos que não seja sob outro nome vulgar.
Esparrame — Ostentação, apparato, apparencia“ “ E scor­
ridas como fuso As damas d ’01inda são; P o r fóra aquelle es­
parrame, P o r dentro é só armação De pano, de ossos e aram e.”
(José de A len ca r).
Esparrella — Arm adilha para apanhar passaros p or meio
de um laço. “ As novellas são douradas esparrellas, Que se ar­
mam ás p a ix õ e s .” (O Carapuceiro n. 28 de 1837). “ O passa­
rinho m atreiro tambem cabe na e sp a rella .” (O Barco dos T ra ­
ficantes n. 77 de 1858). Engano, logro, embaçadela; Conto do
v igá rio : Cahir na esparrella, Esta dicção corresponde a de Ju-
çana, dos indios, que, segundo Th eodoro Sampaio, era um laço
armado para colher as aves, verificando-se assim que a espar­
rella com este ou aquelle nome vem de afastadas eras. En­
tre nós, em tempos idos, houve um batalhão de m ilicias ou se-

334
gunda linha, composto em geral de gente de praça voluntaria,
que depois de ..exercitada no manejo^das armas e manobras m i­
litares. aleivosam ente passava a com pletar o effectivo dos cor­
pos de prjm eira linha que tinham de embarcar, vindo dahi a
sua denominação popular de Batalhão de Esparrella. “ Para
que Esparrella? Os braços distrahidos pa£a o emprego deste
batalhão, enfraquecem a agricultura e o com m ercio .” (O Guar­
da N acional n. 22 de 1843). “ Quando voltarem as calças la r­
gas teremos que vêr muitos soldados do E sparrella.” (L a n te r­
na Magica n. *28 de 1885).
Espelho sem aço — Quem se põe em frente de outrem
im pedindo-lhe a luz ou a visão. Olá, rapaz; vira o aço para a
parede.
Espelicúdo — Tagarela, falador espevitado, affectado; de
exagerada e pedantesca pronuncia, accentuação e sibilar dos ss.
Esperança — Especie de gafanhoto, da ordem dos ortho-
pteros saltadores, de côr verde, pequeno, muito vulgar. E ’ de
bom agouro quando pousa em alguem, ou entra em casa, ins­
pirando assim alegria e confiança, como mensageira de fe lic i­
dades, prenúncios de venturas, esperanças de bôas novas. Es­
perança, esperança, quem èspera sempre alcança. (D ic ta d o ).
“ Nos lithoglyphos e pictographias da Pedra Pintada, no muni-
cipio de Aguas Bellas, vê-se, entre as suas figuras, como es­
creve T heodoro Sampaio, o desenho regular de um animal que
parece sêr uma grande pulga, talvez um A c 1-idium ou gafa­
nhoto. como esses insectos que vulgarm ente se chamam espe­
ranças. O nome de esperança dado ao insecto vem da sua côr.
Verde, esperança, diz o vulgo dando a interpretação ou sign ifi­
cação das côres.
Esperar — Nas seguintes locuções, sobre esperar p or uma
promessa, por uma cousa ém perspectiva, ou pelos sonhos de
futuras felicidades e venturas? muito embora ter muitas noites
que dorm ir, que tempos tenha choca, e que, dahi até lá ou ínorre
o burro ou quem o tange: Esperar pela vontade alheia; pelas
cebolas do E gyp to; p or sapatos de defuntos; que a m aré en­
cha; que chova p T a criar m inhocas. Mas, se quem espera, de*
sespera, não m orre comtudo a esperança aos resignados e con­
fiantes, porque, quem espera sempre alcança.
Espernegar — P o r espernear, com as próprias expressões
vernáculas: agitar as pernas violenta e convulsionam ente; por
extensão, contorcer o co'rpo violentam ente; e figuradamente,.

335
revoltar-se, não obedecer aos preceitos que se impõem, dizendo-
se principalm ente das creanças indóceis e de mau genio. D e ri­
vado: Espernegação.
Esperneiro — Apposição, luta; resistência de um desordei­
ro ou delinquente, com -voz de prisão, para se entregar á p o­
licia.
Espiadéla — V êr examinar, observar ligeiram ente uma
cousa qualquer: Dar uma espiadela.
Espicha — Fiasco, desastrç, derrota, máo exito. A defesa
do patrono do réo fo i uma derrota, um espicha cm pleto.
Espichado — M orto; vencido, derrotado; m agrizela, enfe-
sado; puxado de trabalhos, de d.espezas: Espichado como cor­
da de viola .
Espichar — Fazer render uma cousa de fa c il conclusão,
um trabalho de lige iro acabamento; exig ir p or demais a pres­
tações de serviços; encostar, levar de verdade, á parede, um
contendor a outro em uma polem ica ou discussão, o mestre
ao discipulo em exame, um concurrente a outro num concur­
so. “ Que dirá a isto o meu grammatico, o cathedratico do
L y c ê o ? Creio que fo i (falan do escolasticamente) com pleta­
mente espichado” . (O Guarda N acional n 15 de 1843).
Espicharéte ou espicharetur — O mesmo que espicha..
“ P o r isso não farás espicharetur, nem outras cousinhas m ais” .
(Lan tern a Magica n. 228 de 1888).
Espichar-se — E rrar grosseiram ente; nada responder em
uma lição, exame ou concurso; fracassar em uma polem ica
ou discussão; uma falta qualquer “ V eio o Taques da Bahia
N ’Academia espichar-se, F o i reprovado, coitado! Está capaz de
su icidar-se.” (O Guarda Nacional n. 55 de 1843).
Espigado — Em pertizado, erecto, teso, aprumado. “ Dous
bagageiros, um marreca, outro espigado, ambos porem, mui
lig e iro s ” . (Lan tern a Magica n. 272 de 1889)). B ello moço,
ainda bem espigado apezar dos seus quarenta e p ou co s.” (A
Lanceta n. 60 de 1890).
Espingoládo — Mal disposto, em desarranjo, descuidado,
negligente, sem compostura no trajar e no andar: Como vem
aquelle sujeito todo espingoládo! M agriço, com prido. (S y lv io
R o m e r o ). Beaurepaire Rohan registra o termo, como de P e r ­
nambuco, com as expressões de homem alto, m agrizela e de-
sageitado; e A lb erto Bessa como b razileiro, com as de esque-
letico, magro, fran zin o.
Espinha — Quebradeira, pindahyba, apito: Andar, estar
na espinha. “ Andava o Cerbero ha espinha, procurando por
todos os meios consoantes para d in h e iro .” (O arara n. 8 de
1845). “ Já estou na espinha, n’uma eterna qu eb radeira.” (A
Pim enta n. ^ de 1901).
E spirito Santo de orelha — Guia, conselheiro, d irector;
prevenção, revelação. “ Esses dous pesos e duas medidas não
honram a um jurisconsulto que tem com o E spirito Santo de
orelha um outro ju riscon su lto.” (A Lanceta n . 44 de 1890).
E spirito Santo verde — Papagaio.
E spirrar — Apparecer, surgir; sahir, correr, disparar.
“ Um touro espirrava, correndo aos galões pela campina” .
(C oelh o N e t t o ).
E spirro — Secco, magro, enfezado, desfeito, m erêm . A
M aria está, que é um espirro.
Espoleta — Adulador, alcoviteiro, leva e traz; guarda-
costas, capanga. O partido da ordem despreza as roncas do
Sr. Chichorro (O presidente da p ro vin cia) e de todos os seus
espoletas” . (O Clamor Publico n. 68 de 1845). “ Passeava o
subdelegado Camello, acompanhado, já se sabe de dous ou tres
espoletas” . (A Carranca n. 66 de 1846). “ M iseráveis espole­
tas encapotados, que agora apresentam-se apregoando-se de es-
criptores sãos, e tarando os outros de ganhadores” . (O P ovo
n. 111 de 1858).
Esponja — Na phrase Passar uma esponja: esquecer, p er­
doar .
Esporada — P ilh éria forte, in cisiva; rabecada, indirecta
de arrancar a pelle e o cabello.
Esporado — Arreliado, zangado, irritad o; espigado, erec­
to, em pertigado; compostura de estudada ,e ridicula affecta-
ção.
Esporão — Na phase — Cortar os esporões: Cortar as
azas, os vôos, as pretenções desarrazoadas; corrigir, castigar,
submetter. “ Eu sou negro nas cores. Mas não negro nas
acções, Se fosse atraz do m alvado Cortava-lhe os esporões” .
(Versos p o p u la re s).
Espoucar — Arrebentar, estourar, estalar, estrugir; sur­
gir, apparecer. “ Ao espoucar do champagne trocaram d iver­
sos brindes” . (A Pim enta n. 16 de 1902). “ Sou das grande­
zas felizes, das ceias bem regaladas e abundantes onde o cham­
pagne espouca” . (Id em n. 75). “ O espoucar das girandolas,
o tom alacre da vida e m ocid a d e.” (A lfre d o B ra n d ã o). “ O
carnaval está na porta, não tarda a espoucar o ladrosinho” .
( A Lanceta n. 97 de 1913). Espoucar é um verbo de raiz
tupica que significa arrenbentar abrindo. (Couto de M aga­
lhães) .
Espreguiçadeira — Cadeira de descanço; a chaise longue
dos francezes. “ Estava como um sultão, indolentem ente re ­
clinado em cominoda chaise longue de m o la s .” (O Diabo a
quatro n. 45 de 1876.” Atolado na minha espreguiçadeira de
páo chorão, lia eti a profunda obra philosophica Carlos M ag­
no, ou os doze pares de F ran ça” . (A Pimenta n. 539, de 1907).
Espreguiçadeira vem do vocábulo portuguez espreguiçador.
ou mesmo espreguiçadeira, preguiceiro, marqueza, camilha de
dorm ir a sesta. Aulete registra espreguiçadeira como o mesmo
que espreguiçador, e dando a sua accepção idêntica á de p re ­
guiceiro, já consignada p or Moraes, “ camilha de couro, de des­
canço, e durmir a sesta” , accrescentando: marqueza, pregui-,
ceiro. Registrando depois o termo preguiceiro, como do B ra­
zil, dá-lhe estas expressões: Camilha de d orm ir; espreguiça­
deira
Espritado — V ivo, esperto, travesso, encapetado, “ Coti-
nha, maranhôta, espritada e mettida a litte ra ta .” (A Rua n . 4
de 1903).
E spirrar — Inspirar, tocar, in flu ir. F oi Deus que o espri-
tou para não fazer isto ou aqu illo. Moraes registra o verbo
espriritar, inspirar, que- abona .com a citação de um trecho
clássico, mas. não contemplado nos modernos diccionarios.
Espurrio — Confusão, rôlo, barulho, briga.
Esquentadiço — Susceptivel de irritar-se, exaltar-se, es­
quentar-se. “ “ Nunca se viu d elirio igual, enthusiasmo tão es­
quentadiço” . (Jornal do R ecife n. 45 de 1914).
Estabafonéíico — Alegre, animado, ruidoso, rasgado. “ Na
sala de detraz, m axixe esculhambado e estabafonetico” . (A P i­
menta n. 37 de 1902).
Estabanado — Alvoroçado, estróina, pancadorio; sujeito
da pá virada, de faca e calháo, levado dos diabos. “ A chefe
dos guabirús, X ico do Rego. moço ignorante, estabanado.” (O
Camarão n. 4 de 1848). “ Eternos servidores do valente Es­
tabanado bispo turbulento” . (A m erica Illustrada n. 8 de 1877).
“ O Estabanado! Tom ada esta epigraphe em these rigorosa, se
deduzirá, segundo a sua significação, o m aior ataqqe sobre o
particular de cada um: engano fo rm a l” . (O Estabanado n. 1 de
1875) Moraes consigna o vocábulo com as accpeções de in qu ie­
to. adoudado no andar e no que fa z; sem tento, como o que é
m ordido do ta vão; os modernos diccionarios, porem, não o re ­
gistram .
Estadia — Assistência, estada, hospedagem; imposto adua­
neiro. de docas sobre os navios ancorados nos portos; frete

338
cobrado sobre as embarcações de transporte pelo tempo em que
está por descarregar.
Estalecimento — Especie de dormência que ataca os den­
tes, causando grande encommodo: estar com dentes ostaleci-
dos.
Estaleiro — Espece de giráo, alto, feito de varas unidas,
sobre forquilhas, e no qual se põe a seccar o milho, a carne
e outros generos. O termo tem tambem curso no R io Grande
do Norte, mas dado a uma armação de paus suspensos de fo r ­
quilhas, nos quaes se deita a carne a seccar. “ Sangrada a rez,
no dia seguinte seccará ao estaleiro em mantas de carne ap er­
reada” . (P o lic a rp o .F eito sa ).
Estampa — Diz-se particularm ente do cavallo de bonita
apparencia, e depreciativam ente, de um individuo de bella f i ­
gura. “ P erfe ito cavallo de estampa” . (A m erica Illustrada n.
24 de 1882). “ Em Pernambuco o cavallo de carga ganhou em
forças o que perdeu em corpulência e estampa” . (A rth u r O r­
lan d o) .
Estampilhar '— Bater» tocar a espada ou facão, “ o subde­
legado da Bôa Vista, como prova de apreço a um individuo
que se dizia autoridade policial, manda estam pilha-lo” . (O Bi-
noculo n. 30 de 1882).
Estandarte — Cousas espalhadas, desarrumadas, em de­
sordem, fóra dos seus lugares: A casa do M anoel é um estan­
darte.
Estaquear — Rom per, cortar aos pedaços, aos tacos: Ficar
com a roupa um molambos, toda estaqueada.
Estar deitado — Alegre, contente, satisfeito; com o se quer,
conform e os proprios desejos, intenções, conveniências. “ O
Veiga apanhou a administração do Theatro e está deitado” . (A
Pim enta n. 643 de 1908)
Estar despachando — Abstracto, distrahido. sem prestar
attenção: Você me desculpe; eu estava despachando canastras
d’ alhos quando lhe disse semelhante cousa.
Estar de viva Rosário — Na pandega, na vadiagem ; em
festa, pagodeira, divertim ento. A phrase vem das antigas e rui­
dosas festas de N . S. do Rosário, remontando-se aos tempos
coloniaes, celebradas pelos pretos da sua confraria, africanos
ou crioulos, livres ou escravos, os quaes, nas suas alegrias,
no calor das suas danças e folgares varios, não cessavam de
grita r: V iva o Rosário de Maria, sinhô! p or todos calorosam en­
te respondidos. Essas festas, iniciadas pela Bandeira, duravam
p or varios d ia s .” Na segunda dominga de Outubro festejam

339
os oretos a Senhora do R osário com grande solemnidade, e
para m aior fe rv o r da sua devoção form am danças e outros
licitos divertimentos* com que devotam ente alegram o p o v o ” .
(L o re to C outo). Nas festas e procissões do Rosário, de grande
concurrencia popular, “ os pretos espalham-se p elo m eio da
enorme m ultidão; mas o dia é delles e p or isso são os que
se mostram mais con ten tes.” (S y lv io R p m ero ).
Estar nos seus geraes — A ’ contento, no seu elem ento; de
pandega, na vadiagem, na pagodeira. “ Aquelle sugeito, que
tanto desejava um emprego publico, está nos seus geraes, de­
pois que o . nomearam inspector das escolas municipaes” .
(Beaurepaire R o h a n .)
Esteira — Condição, egualha, classe; qualidade, especie:
Olhe que não sou da sua esteira; Elles lá se se entendem: são
da mesma esteira.
Estérnegado — Arreliado, zangado, contrariado. “ P o r todo
o lugar que anda, anda sempre esternegado” . (A m erica Illus-
trada n. 4 de 1884).
Esternego — Pagodeira, bambochata, fo lia . “ Rebinga alii
no esternego, que esta noite é de fo lia . ” (A m erica Illustrada
de 23 de Março de 1873). “ Rebinga mulata agora, no ester­
nego rebin ga” . (Idem n. 1 de 1879).
Estica — Nas locuções Andar, V iv e r na E stica; em quebra­
deira, na espinha, na pindahyba. “ Fabrica versos, mas v iv e
na estica, anda sempre sem vin tem ” . (O João Fernandes n. 5
de 1886). “ Não acceito; levem os seus presentes; estou na es­
tica, e não posso pagar m anifestações. ) (Lan tern a Magica n .
806 de 1905). “ Se não viveras tú m elhor seria P ’ra quem
anda na estica, arrebentado” . (A P ro v in d a n . 64 de 1916).
Esticar — Estar em situação d iffic il, em transes d olo ro ­
sos; estorcer-se, gemer, submetter-se. “ O povo v iv e esticado,
E quieto se preparando Para os impostos pagar” . (Lanterna
Magica n. 88 de 1884). Esticar pom bo: solta-lo, atirando, pa­
ra voa r. “ Sahiu da tenda, e v iv e na ociosidade, a esticar
pombos, em d eplorável estado” . (A D errota n. 10 de 1883).
Esticar ou espichar a canella: m orrer. “ Aguardando fui a vez
D 'ir esticando a canella” . (Barbosa V ian n a). “ Bastou isso
para a velha saltar na garganta do velho, que quasi espicha
a canella” . (Jorn al do R ecife n. 40 de 1916).
Estirar as pernas — Andar, dar um passeio. “ Querendo
estirar u ri pouco as pernas, lem brei-m e de dar um passeio á
Bôa Vista, que fo i uma feliz lem brança” . (O Diabo n. 6 de
1883). N o Chile ha uma phrase correspondente: E stirar las
patas.
Estopinhas — Tapete, trunfa. (G iaria dos gatunos).
Estorroar — T ira r e pulverisar os torrões de argilla de
um terreno destinado a plantação, depois de queimada e des­
locada a vegetação que o cobria. “ Com uma grade cultivadora
de dez discos um trabalhador com dous animaes vigorosos
csíorrôa e pulverisa uma area de um hectar em sete horas” .
(L . Corrêa de B ritto ).
Estourar — E xp lod ir em desabafos e sentimentos; appa-
recer subitamente, inesperadam ente; dispersar ou disparar
de uma boiada ou rebanho em marcha p or uma circumstan-
cia qualquer. D eriva d o: Estouro. “ Da boiada dá-se o estouro.
P orem com medo do couro Voltam todos num m om ento” .
(D . X iq u o te). “ Vocês podem com a boiada. E ’ gado que não
estoura” . (Jornal do R ecife n. 9 de 1916.)
Estouro (D e ) — Correcto, supimpa, m agnifico, espalhafa­
toso. “ O Alexandrino, que é um o ffic ia l de estouro, marcha
para acompanhar uma procissão, que parece um le ã o .” (O
Cometa n. 28 de 1844). “ Cousas de estouro, mas sem torm en­
t o . . . Muito namoro sem casamento” . (Lan tern a M agica n.
575 de 1898).
Estraçalhar — Quebrar,^escangalhar, despedaçar; rasgar,
íed u zir a farrapos. Os cachorros cahiram sobre o pobre h o ­
mem, deixando-o bastante ferido, e com a roupa toda ^estra­
çalhada. O vocábulo vem dos vernáculos estracinhar, estra-
coar, fazer em pedaços, espedaçar, escortaçar.
Estrada carroçavel — Caminho publico, largo, de modo a
dar liv re transito a vehiculos de quaesquer especies. “ O go­
vern ador do Estado conseguiu do govern o da União que fos­
sem logo atacados os trabalhos de abertura de estradas car­
roçáveis nas regiões do in te rio r” . (D ia rio de Pernambuco n.
128 de 1916). Denominação moderna, tem já grande curso, e
até mesmo officialm ente empregado o termo.
I

Estrada da liberdade — , Certo modo no repartim ento do


sabello, e obedecendo a um penteado particular, uso este que
se rem onta aos tempos da nossa independencia com certos
tons de patriotism o. “ Não gasta o tempo em aprender rid i-
culas inepcias, ab rir estrada da liberdade, vestir-se a fran ce­
sa” . (O Guarda N acional n. 25 de 1843). “ Um frade de phi-
sionomia alegre e fresca, tendo na cabeça, já da cor de p olvo-
ra com farinha, aberta a significativa estrada da liberdade.
(.0 Campeão n. 41 de 1862). “ Mettendo o pente para ab rir a
lib erd ad e” . (D a chula: Aonde vai senhor P ereira de M oraes).

341
Estrada de fodagem — 0" mèsmo que estrada carroçavel,
denominações estas que sustituiram a antiga, colonial, de es­
trada real, ainda de todo não esquecida. “ Pernam buco é um
dos Estados que fo i dotado de m elhores estradas de rodagem ” .
CL. Corrêa de B ritto ).
E stradeiro — Velhaco, tratante, trapaceiro. “ Estradeiro
m or de lá e cá, não vistes na ladainha de todos os santos a
Santo André com as costas esfoladas ” (O Barco dos Pato-
teiros n. 30 de 1864). “ Não julgue que o sorveteiro é algum
b ocó; não senhor: moleque fino, estradeiro, dã tinta em mui­
to d o u to r.” (A Pim enta n. 637 de 1908). D erivado: Estradei-
*ice.
Estram bolico — Corruptela do estrambótico da giria por-
tugueza, e com as suas próprias expressões, segundo Aulete,
consignando o vocábulo; extravagante, exquisito, affectado
caprichoso, singular nas idéas ou no procedim ento; ridiculo,
desusado, de máo g o s to .” “ O vigário de Igarassú é de o p i­
nião que todas as cousas, por mais estrambolicas que pareçam,
desde que sejam decentes, podem alcançar a. graça de uma
benlzedura” . (O Diabo a quatro n. 127 de 1877). “ Túrgido,
tétrico, estrambolico, fazendo roda, qualquer peru’ ” . (L a n ­
terna Magica n. 554 de 1897). “ A lice estuda as prim eiras fo r ­
mas do seu systema estram bolico.” (A Pim enta n. 16 de 1902).
Estranja — E strangeiro; terra estranha, estrangeira.
“ Caes feito por um estranja, o engenheiro francez B o y e r ..-
Os negociantes, que não são todos estranjas, louvaram muito
o presidente pela obra da A lfa n d e g a ... Um sermão do p re­
gador estran ja..- Muitos empregos occupados p or estranjas” .
(O A rtilh eiro n. 14 de 1843). “ Não sabemos porque os senho­
res de engenho p referem a potaça ingleza á cinza de muitas
madeiras nossas. Cremos, que pelo simples facto de v ir da
estranja” . (O Caheté n. 2 de 1832). “ Nunca ouvi ler um desses
livrin h os da estranja, do qual podesse furtar, como muita gen­
te faz, um re lo g io ” . (O N icolá o n. 2 de 1841). “ O dinheiro
vai sahindo para engenheiros da estranja. (O Guarda N a cio ­
nal n. 4 de 1842).
E strella — Mulher mundana, de vida facil. “ V isitar es-
irelias, ser querido delias, e não ser Queiroz, nisto é que está
a arte” . (A Pim enta n. 17 de 1902). “ Não se vê mais uma es­
trella que não tenha o seu em perrado. . . O bispo teve a le m ­
brança de crear o A sylo do Bom Pàstor; para recolh er as es-
trellas decahidas do firm am ento do .B rejo” . (Id em ns. 536 e
553 de 1907),
E strillo — Grito, alarma, protesto, reclamação.. “ Quando
aquelle senhor verifico u que o seu arame havia se tran sfor­
mado em jornaes do dia. deu o estrillo e correu á p o lic ia ” .
(Perttambuco n. 328 de 1913). D erivado: E strillar, falar alto.
(G iria dos gatqnos).
E stripolia — Traquinada, trela, diabrura; ardil, artim a­
nha. “ 0 macaco lambuzou-se bem no mel e depois se cobriu
todo de folhas bem verdinhas e largou-se pelo mundo a fazer
estripolias” . (S ylvio- R om ero }, “ 0 sr. Gõtegipe tem se tornado
conhecido nas artes- p estripolias do macaco” . (A Soberania
n. 6 de 1877). “ Isto só estripolia de in glez ou fra n c ez” . (L a n ­
terna M agica n. 6 de 1882).
Esiprjo(mpa — Azoado, estovado, pancadario, lévado do
diabo. “ Parecia que Felipp e viera do Ceará mais doudo, mais
peralta, mais estrom pa.” (A m erica Illustrada de 27 de A b ril
de 1873.) Estrompa chalupa: U ltra estrompa. “ F eito um es­
trompa chalupa, matando gen te” . (O Guarda N acion al n. 51
de 1843).
Estrópes —. Estreita tira de pano presa ás extrem idades
das pernas das calças, passando p or baixo do calçado, afim de
conserval-as sempre estiradas. “ As calças estiticas, repuxa­
das pelos indispensáveis estropes tolhem a este figurinho 0
curvar as pernas e o a joelh ar” . (O Carapuceiro n. 27 de
1839). “ 0 Sr. C hichorro montado a Galeão, mas sem espo­
ras e com calças sem estropes” . ( A Carranca n. 2 de 1847).
E strovenga — Artim anha, pantom im a; cousa rid icu la;
historia da onça. “ 0 homem fo i o engenheiro de uma estro­
venga que tem .assim um nome que parece com disparidade” .
(O Vapor dos Trafican tes n. 217 de 1860) . “ Eu bem sabia,
seu compadre, que não dava p ’ra essas estrovengas” . (L a n ­
terna Magica n. 556 de 1898). “ Na minha estrovenga de capo-
círagem fiz ab rir de ch am b re'os que atiraram-se em cirna de
m im .” ( A Pim enta n. 547 de 1907).
Estrupicio —■ Assuada, balbúrdia, desordem, tumulto. "S e
assim continuas e não deixas a garrafa, que estrupicios!” (A za
N egra n. 5 de 1882). “ Eu sou o p rim eiro valentão desta te rra !
E quem duvidar, que se metta p ’ra cá e verá o estru p icio!”
(L an tern a M agica n. 728 de 1903). Moraes não registra o te r­
mo, o que demonstra que "é m oderno; Aulete, porem , consigna
estropício, com accepções outras, dizendo que vem do ita lia­
no stropicio.
Estudar — Diz-se do animal curtindo fom e, com a barri-
« a dando hora, tristonho, sem ter o que comer. “ Do alpendre
do rancho, a qualquer hora da noite, podiam os matutos ver
os seus animaes comendo, se havia o que, ou estudando como
muitas vezes acontecia” . (F ra n k lin T a v o ra ).
Estumar — Assanhar, açular, exicitar os cães por meio
de gritos e assobios apropriados, contra alguein ou contra um
animal em caçada.
Estuquear — P rovocar, estimular, incitar a alguem para
agir de certo m odo; catucar ou locar para fazer alguma cousa.
Esturricar — P o r esturrar. “ Menina estás lesa? Olha o
feijã o que esturrica. (O A lfin ete n. 11 de 1890).
Eva — A mulher, a consorte, a companheira do lar. "O s
colchetes tenho com prado para vestidos de minha E va a qua­
tro e seis vinténs a caixa” . (O Guarda N acional n. 3 de 1842).
I)esejo-te saitde em companhia da tua Eva e dos pecurru-
chos” . (O Papa-angu’ n. 3 de 1846). “ Lá se fo i o homem com
• sua santa Eva pela barra fó r a ” . (O Barco dos Patoteiros n.
26 de 1864).

344
F
Fá— bordão — Escovadela, tunda, sóva de páo. Uma forte
entoação Cantaram a Braz Luiz, E segundo o que se diz F o i
solfa de fá — bordão. (Versos p op u la res). Os liberaes desen­
toados só sabem cantar solfa de fá — bordão” . (C aneca).
Fabrica — P ropriedade agricolà, engenho de assucar.
“ Para o maneio de toda fabrica são necessários 60 escravos e
60 bois m a n so s... Supposto fem os . declarado os escravos
preciso para a fabrica do engenho, muitos tem até 200” .
(L o re to Couto''. Fazenda de eriação de gado. “ A m aior parte
do pessoal de uma fazenda era de raça indigena, havendo so­
mente para o serviço domestico, nas principaes, entre os es­
cravos da fabrica, alguns african os” .(Irin e o J o ffily ). “ O qua­
dro da escravaria de um engenho” . (Joaquim N abu co). Cà-
v a llo do vaqueiro, amestrado no serviço de campo. “ Manten­
do-se o cavalleiro em posição horizotal, com a cabeça apoia­
da no pescoço de seu amestrado cavallo de fabrica, e segu­
rando pela extrem idade a aguilhada, acabava sempre p or
lançar p or terra a rez b ra v ia ” . (Irin e o J o ffily ). “ Raparigas
que uma vez o v ia m (F irm o o va qu eiro) montado no famoso
fabrica, perdiam-se de amor p or e lle ” . (Ç oelh o N e tto ).
Facada — M order, sangrar, p ed ir' dinheiro sob utn futil
ou falso pretexto, com as labias e artimanhas de um pala-
vriad o estudado para embahir os incautos p or habito, malan-
drice e h o rro r á vida honesta do trabalho. “ Rapazes, de al­
gumas moças que dão facada, nem p o r sonho 'vos lem breis
para casar.” (O Barco dos Traficantes n. 37 de 1858). “ Dei-
xe-se de dar tantas facadas, compadeça-se dos pobres despa-
chantes, e não venda tão caro a influencia que tem :o b re o
chefe da repartição” . (O Barco dos Patoteiros n. 30 de. 1864)
“ As facadinhas p ò r emprestimo, não entram na lista dos ca-
daVeres do-quengo m ór.” (A Pim enta n. 3 de 1914). D erivados:
Facadinha, facadista, o que dá facadas.“ E ’ já bem conhecida
çerta meia duzia de indivíduos sem occupação qué vivèm ás
custas das algibeiras alheias, a quem o vulgo acertadamente
appellidou-os de facadinha.” ( A Pim enta n. 559 de 1907). “ O
poeta aprendeu todos os bons hábitos do Facadinha” . (Idem ,
17 de 1901.) “ O G regorio é um chefe de peça, facadista de p ri­
m eira ordem .” (Id em , n. 559 de 1907).
Faca de dous gumes — Sugeito de duas caras, falso, que
diz bem na presença e córta na ausência. “ Se como as facas
os donoá Cortam tambem pelas costas, não sahe ninguém des­
ta casa que não seja feito em postas.” (Guim arães C ern e).
Fa ceiro — G entil, airoso, elegante; attrahente, engraça­
do, mimosó, risonho. “ Faceiro, tendo sempre um r is o jv a g o .” '
(A Lancetá n. 56 de 1890). “ Mocinhas faceiras que brincam
o entrudo.” (A Pim enta n. 16 de 1901). “ Jovial bonita e fa ­
ceira, a pernambucana, esta gentil brasileira, fascina, prende,
arreb ata!” (A Pim enta n. 73 de 1902) D eriva d o : Facei-
rice. “ A belleza e graça natural davam-lhe o sentimento da
faceirice írrseparavel de toda mulher que conhece o p od er de
seus encantos.” (José de A len ca r.) “ T inh a a exquisita e fina
faceirice, que as mulheres apuram e apreciam nos homens,
que ellás amam.” (Eunapio D e ir ó ). “ D e veras?, ergue-se Ju-
lieta sorridente, com faceirice, pé ante pé, va i escutar á p o r­
ta.” (Pau la Judeu). Faceiro é um vocábulo portuguez com ac-
cepções outras q u e " não as nossas, mas o seu derivado, F a ­
ceirice, é b ra s ire iro ; e ambos, particularm ente, aqui, entre
nós, com as expressões que deixam os consignadas e exem ­
plificadas ; no sul porém , sem sentido p ejorativo, como em
Portugal, e segundo escreve Pacheco Junior no seu estudo, O
dialecto brasileiro, faceira, sign ifica a mulher gentil, airosa,
casquilha, garrida no vestir, e faceirice, a casqqilharia safada.
Já S ylvio R om ero havia escripto, que faceira, ,é a mulher cas­
quilha; e A lb erto Bessa consignando este term o, como brasi­
leiro, diz que é usado para designar a mulher presumida, v a i­
dosa, enfatuada.
Fach eiro — Planta sertaneja (c a rd o ) que dá um fructo pe­
queno, e perfeitam ente vegeta nas serras e serrotes entre la-
gedos. Coberta, p or com pleto, de espessa pennugem, tocando-se
346
fogo, quando sêcca, arde em chammas elevadas deixando ao
apagar-se extinctos os espinhos da planta pela acção do fogo,
servindo então de optima alim entação para o gado na estação
calmosa, quando raream as pastagens, ou desapparecem nas
epochas de estiagem. E ’ daquella curiosa circumstancia do in­
cêndio do vegetal que vem a sua denominação de facheiro.
“ N o solo pedregoso a vegetação escasseava e diminuia de p o rte;
urgiam os prim eiros cardos, as estrellas, os facheiros.” (A lfr e ­
do de C arvalh o).
Fachina — Vara fina, flex iv el, quando verde. “ As 11 horas
da noite avançam os nossos para lançar fogo a uma das casas
fortes que os hollandezes occupavam carregados de fachinas
seccas e alcatrão.” (José de V asconcellos), Arbusto agreste tia fa-
m ilia das Fubiaceas, descripto p or Alm eida Pinto, que conclues
Empregam-se os caules deste vegetal para fazer os tapumes e
cercas, d’onde vem chamarem-no fachin a” . Um chiqueiro, uma
cerca de fachinas.
Facho — D in h eiro ; a unidade de m il reis: Dei? dez fachos
p or este chapéo. “ Os trezentos fachos estão alli, na burra, muito
bem guardados” .(A P rovin cia n. 54 de 1915).
Faiáu — AVe da nossa ornithologia, de que apenas encon­
tramos a sua simples mensão, com este nome vulgar, nos versos
Jeronym o V ilella.
Faisca— Vivacidade, experteza, ardor. “ O chicote das m ore­
nas, conchas dos seus quindins, ardilosas, partistis e faiscas” .
(A ra rip e Junior).
Faiscar — Desapontar, enfurecer-se, zangar-se. “ G cabra
sahiu faiscando e damnou-se p or alli a fó ra .” (A iPm enta n. 82
de 1902). “ E se quebra a cinta a negra faisca, a negra tn lo-
quece, A negra se damna” , (F o lk -lo re pernam bucano).
Falação — Discurseira, escorrencia. “ O leilo eiro Dias antes
de apregpar o pauneiro fez uma falação analoga” . (O
Diabo a quatro n. 11 d'e 1875). “ Vou fazer uma estirada fa ­
lação.” (O Progresso n. 5 de 1875). “ Em todo assumpto se
mette para fazer falação” . (A Peia n. 5 de 1903).
Falaço — Queixa, lamentação, murmurio, critica; dizer
mal. “ Você com estes falaços não obterá nada m ais” (A
Tempestade n. 24 de 1858).
Falada — Motim, rusga, arruaça, pronunciamento armadó.
“ De que lado estão as probaldiades de uma falação, e de um
andor na rua? Foram os membros da actual opposição que
figuraram na falada do Campo dos Canecas!” (O Azorrague n.
50 de 1845) “ A ffirm a esse m iserável pasquim (O Azoragu e)
que a opposição fez preparativos para apresentar uma fa la ­
da, mas que afinal, não se animou a pôr andòres ha r u a !...
O partido da ordem fazendo faladas e apresentando andores na
r u a !... Foram os membros da actual opposição que figuraram
na falada do Campo dos Canecas?” (O Cjlamor Públicos n. 67
de 1845).
Falar — Nas locuções: F alar boneco; bem, perfeitam ente,
de modo c cn v in c e n ic ; desabafar-se, dzier as ultimas/ “ Fa­
lam boneco e difuso, Só perdendo sahirem os” . (Barbosa
Y ian n a). “ O magano presidente, na sua mensagem, de certo,
falou boneco” . (Lan tern a Magica n. 797 de 1905). F alar mais
do que o preto do le ite ; diz-se do tagarela, palrador, choca­
lheiro, consoante com a phase: Falar pelos cotovellos. “O
Borronum era quem abria e encerrava a serie de brindes. F ala­
va mais do que o preto do leite e dizia cousas de embasbacar.”
(Jornal do R ecife n. 224 de 1915).
Falastrão — Loquaz, paroleiro, p a lra d o r; pernostico, con­
tador de historia e lorotas.
Fama — Afam ado; um sugeito de grande fama, cujo ter­
mo, segundo José de Alencar, equivale ao superlativo faftiosis-
simo, com m aior intensidade ha significação. “ P ’ra cantar nes­
ta funeção, Am igo meu camarada, Aceita teu desafio O fam a
deste sertão.” (V ersos de D esa fio ). Variante; Fam anal;
Famanaz. “ Corra, corra, camarada, Pise seguro no chão, Que
hoje sempre dou fim Ao famanal do srtão.” (D ’ORaí>icho da
G eralda). “ E esta á famanaz Que tanto sussurro tem feito?
Para pegar esta vaquinha E ’ bastante o meu mosquete.” (A
Vacca do B u rel). “ Não vês aqui o tem amigo, o famanaz do
É a ju eiro ?” (F ra n k lin T a v o ra ) Estes tres vocábulos são o rig i­
nários do sertão, e assim figurando nas spas trovas popula­
res e nos versos dos seus romances pastoris, como os dous ci­
tados. O ultimo, porem, o famanaz, transpoz.os lim ites dp zonà
sertaneja, vai-se vulgarizando-se tendo já, p or assim d izer fóros
de cidade, vem registrado p or Beaurepaire Rohan com as ex­
pressões de pessôa mui afamada p or seu valor, proezas ou
influencia. “ E o certo é que o famanaz do pilhante nunca mais
logrou v o lv e r ao theatro das suas glorias o fficia es” . (R u y
Barbosa). “ E um bicho famanaz, Todos lhe fogem das unhas.*r
(Pernam buco n. 229 de 1913).
Fadango — Espada, sabre, fa c ã o ; qualquer instrumentò
de castigo: M etter o fandango. ( P ’ ra a taboada, berra o p ro ­
fessor! Quem mão responde certo mette-se em fandango” .
(Jornal do R ecife n. 209 de 1915). Gonflictos, luta, desor­
dem. “ O Benicio não esteve em combate algum em Canudos,
e sempre que havia fandango, pretestava desinteria, alle-
gando Ser effeito d’ agua e da raiz de umbú” . (Lan tern a Ma­
gica n. 549 de 1898). Dança bailado, o conhecido folguedo
popular allusivo á lenda da Máo Catharineta, tão vulgar no
nosso folk-lore. Fandango é um vocábulo castelhano, com a
expressão de baile alegre, muito antigo e vulgar na Hespa-
nha.
Fandanguaçú — D iversão dan çan te; pagodeira, bambo­
chata. “ E ’ hoje o dia do fandanguaçú, o ensaio do velh o e res­
peitável cordão L e n h a d o re s ... O fandanguaçú será feito na
V illa L ili residencia do tonente A d e lin o ’'. (Jornal do R «-
cife ns. 19 e 28 de 1916).
Fanfa — Um typo ahi qualquer, sem cotação alguma.
“ Desayrgonhado fanfa, aeidou passando alguns segundos de
a fflic tiv a situação” .. (A Pim enta « . 71 de 1902). “ Na pales­
tra litteraria o fanfa ' Cordeirinho leu a chronica da semana,
e o io ia l” . (Idem , n. 86).
Fangangá — ■,i Pagodeira, festança, regabofe. “ Como es­
tava annunciado houve fangangá e seu rancho, no H elve-
tio a ” . (Jornal do R ecife n. 24 de 1915).
Faniquito — Desmaio, chilique, deliquio, syncope. “ Em
sendo contrariada, chora, arrepela-se, carpe-se, e p or ultimo
dá-lhe o faniquito e desmaia” . (O Qarapuceiro n. 3 de 1839),
“ Uma mulher feia como um demonio, e de mais a mais
cheia de caprichos, rixosa, hypoccndriaca, e com desmaios e
faniqu itos” . (Idem , n. 13 de. 1847). “ Mocinhas muito dengosas
que soffrem de faniqu itos.” (A m erica Illustrada n. 8 de 1882).
Faquéo — Faca de ponta “ Bateu a mão a um faquéo, o
correu-lhe uma bicudada, que não o alcançou.” (O Vapor dos
Traficantes n. 198 de 1860).
Faquista — D esordeiro, capanga; armado de faca, destro
».io seu manejo. “ Os homens das facas e dos punhaes, a
gente do bacamarte, os faquistas de Iguarassú.” (O Clam or
(Publico n. 8 de 1845). “ E vitou que os agentes do poder r o ­
deados de numerosos faquistas, ditassem a sentença que o
tribunal ia p r o frir .” (Idem , n. 97 de 1846). .“ Sabino é um

349
turbulento, faquista, frequenjádor de sambas e pagodes.” (O
Vapor dos Patoteiros n. 13 de 1866).
Farinha — Abundancia, quantidade, grande numero: Gen­
te come farinha. “ Tú com a serra, Eu com a linha, Ganha­
mos dinheiro Como farin h a” . (D a parlenda d’ 0 ‘S errad or).
Esta farinha é a da mandioca, pão dos brasileiros, e a que
ainda se refere este vulgarissim o ditado, que a meninada, em
no prato, farinha na cnia! Que o ditado tem já os seus cajús,
vexúfica-se desta parodia que vem em um artigo p olitico pu-
altos brados, ao rom per d’A llelu ia : A llelu ia ! A llelu ia ! Peixe
b licado n’0 Liberal Pernambucano na sua edição de 11 de
Maio de 1857: Alleluia, Alleluia! Perfídia nos pratos, mamata
na euia! Casa de farinha: A dependencia de uma fazenda ou
casa de habitação rural, onde se fabrica a farinha de m andio­
ca, e ainda rudimentaliriente mcntada. Farinha de barco: A qúe
vem p or mar, deixando o máo gosto e cheiro da m arezia, e
assim depreciada no m ercado Farinha de foguete; A
que era exposta á venda na occurrencia de uma calam i­
dade publica, uma rigorosa secca, que a ffligiu a capitania em
fins do seculo X Y H I, cuja venda tinha lugar «ia praça da Polé,
hoje da Independencia, e era annunciada com um foguete do
a r; e dahi a sua denominação de Farinha de foguete, que a
tradição ainda mantem. Farinha de gu erra: A de má qualidade
servida no rancho dos quartéis e reservada ás tropas em m o­
bilização. Farinha de pau, a mesma de mahdioca. “ Passaram
tantas fornes e necssxdades que muitas vezes »não tinham que
com er mais que carangueijos do matto, farin h a de pau e fruc-
ta brava do campo. (Campanha contra os indios, 1560). “ P o r
este mantimento da mandioca se fazer da raiz de upx pau, que
se planta de estaca, e que em tempo dè um anno está em p er­
feição de se poder comer, lhe chamam em Portugal Farinha
de pau” . (D ia lo o das grandezas do B ra zil). “ A farinha de pau,
como chamam algumas vezes a de mandioca, tem os seus fe r­
vorosos adeptos mesmo nas latas classes.” (D r. Octavio de
F reita s), fa rin h a do rein o: a -de trigo, assim chamada desde
os tempos coloniaes, pela su aprocedencia da m etropole, o r e i­
no de Portugal. Farinha secca: em estado natural. Dictados:
Comer a vergonha com farinha secca; De pouca farinha o
meu pirão tem m e d o ; M el em casa é destruição de farinha,
P olvo ra com farinha (V id e ).
F arofa — Especie de comida feita de farinha de mandioca,
humedecida com caldo de carne ou peixe, ou agua quente,
temperada com sal, azeite, vinagre, cebola e coentro, comendo-
se assim, á guiza de pão, como ccciducto de alimentos mais
substanciaes, Quando porem a farofa fica pouco humedecida,
quasi secca, p or muita farinha em mistura com o caldo, cha­
ma-se farofáda. “ Uma ceia de bôas postas de cavalla frita com
farofa, e o competente ro x o .” (O Carapuceiro n. 42 de 1837).
“ A farinha de mandioca pôde ser utilizada tanto em estado
natural, como escaldada, em papas e p irões ou em farofas, que
tanto caracterisam as nossas refeições. A fa ro fa de Pernambu­
co! Como ella é falada e decantada p or todo o B ra sil!” (D r.
Octavio de F reita s). Falastrão, palrador, expetaculoso, p er­
n ó stico ; pessòa que faz ostentação das próprias façanhas; fan­
farrão, vaidoso. (G iria dos gatunos do Rio de Jan eiro). Con-
eurrenlem enle com farofa, nestas accepções, vèm os derivados
íarofada, farofento, fa ro feiro de expressões obvias. Atavios, gala,
ostentação de luxo. “ E ’ ditado bem antigo: P o r cima tanta fa ­
rofa, por baixo mulambo sò” . (A Lanceta n. 33 de 1890). Va­
riante: P or fóra muito fa ro fa por dentro, mulambo só. “ As m e­
ninas de Afogados Não vestem senão filó ; P o r cima tanta farofa
P or baixo mulambo só.” (T rova s populares). “ Madame Baso-
fia D e fita no bendegó, P o r cima tanta fa ro fia P or baixo ca-
nellavsó” . (A Lanceta n. 104 de 1913). Estudando João R ibeiro
o dictado, diz que é de origem africana, do Kimbundo ou ango-
lense em face dos seus vocábulos constitutivos, farofa e mu­
lambo, e que traduzido tem a expressão, por exemplo, dos trajes'
exteriores vistosos e de luxo que encobrem as roupas menores
ou a m iséria da camisa rota ou suja; ou a de uma alm ofada de
corbertura luxuosa, e p or dentro, isto é, cheia de mulambos, tra­
pos servidos, rotos, sujos.
Fárra — Cachaça, bebedeira. “ O Cotia metteu-se na farra
e entrou a fazer arruaças no districto p olicial da T orre. O sub­
delegado caiu-lhe em cima, e sacudiu-o cio x ilin d ro ó .” (D ia rio
de Pernambuco n. 12 de 1915). “ V ivem numa farra constante, e
frequentam logares suspeitos.” (Jorn al do R ecife n. 344 de
1916).
Farram bamba — Vangloria, fanfarronada, jactancia, lorota,
bravata. “ Acabou-se o dom inio e as farrambambas do partido
cansrvador.” (A Duqueza do Linguarudo n. 127 de 1878). “ Como
autoridade p olicial não via mal o Zeca, assim não gritasse elle
tanto, e tivesse nienos farrambambas com a canalha.” (A m erica
Illustrada n. 13 de 1881.) Segundo S ylvio Rom ero, é um termo de
origem africana com a significação de enthusiasmo infundado.

351
Farram ba — 0 mesmo que farrambamba, e naturahnenta
.corruptela do termo portuguez farronca, com as suas próprias
expressões. “ Tom e O A rtilh eiro este conselho cordato, e dei­
xe-se de farrombas, que já são muito conhecidas e despreza­
das” . (O Cometa n 14 de 1843).
Farrancho — Na locução Acompanhar o farrancho, isto é,
a onda ; a um certo m ovimento, accom m odar-se ao tempo, ás
circumstancias. Term o da giria portugueza, já vulgar no se­
culo X V III, vem registrado nos seus lexicons como termo
chulo.
Fateira — Mulher que vende os miudos ou fato de boi.
“ Mercadoras de miudos, da rib eira de S. José, conhecidas
pelo nome de fateira.” (O Vapor dos Trafiean tee n. 96 de
1859). “ Se quer com prar ás fateiras figado, bofe, dobrada, pre­
cisa levar moeda trocada” . (O Barco dos Trafican tes n. 30 de
1858).“ Tinha ainda que pagar uns biquinhos que restava ao
vendelhão, padeiro carn iceiro e fateira .” (O Conservador V e r­
melho n. 29 de 1863).
Fazenda — Grande propriedade rural de criação de gado
ou de lavoura. “ Ha fazendas de criação e fazendas de lavoura.
Nas prim eiras se cuida de gados, sobretudo do Bovino e ca •
vallar, e são particularm ente conhecidas no» R io Grande dn
Sul pela denominação de Estancias. Nas segundas, se cultiva
café, canna d’assucar, algodão, cereaes, etc. As de canna, são
geralm ente chamadas Engenhos.” (B eau repaire Rohan) “ As
fazendas de Pernambuco são maiores e mais1 ricas que as da
B a h ia ... A fertilidade dos canaviaes não se póde contar” . (P a ­
dre Fernão Cardim, 1584).
i

Fazendóla — Pequna fazenda, quer de cultura, quer de


criação de gado.
F azer a barba —: Enganar, illu d ir a outrem nos seus in ­
teresses ou em um negocio qualquer, abusando da sua confian­
ça, credulidade e bòa fê, ou mesmo da sua inexperiencia, cau­
sando-lhe assim damnos e prejuízos graves. N o R io de Janei­
ro e em S. Paulo dá-se o nome de Barbeiro á o armazenario
de assucar, que o contracta p or um preço e depofs de te-lo
em casa acha m il defeitos, exigindo um abatimento sobremodo
sensivel. “ Estq barba é iambem usada em nossa praça entre
commissarios e alguns armazenarios. (Jornal Péqueno n. 193 de
1915).
Fazer as onze — l)m a ligeira' refeição a essa hora p a r »
esperar o jantar ,um petisco, ou um lanche (d ò inglez lunch)
segundo a phraseologia moderna? “ Um caldo, especie de re ­
mate grosso, com que as moças biqueiras, na comida fazem
as on ze.” (O Diabo a quatro n. 25 de 1875). Registrando Z.
R odriguez o novo termo, cita á respeito, o juizo de Arom a, que
escreve: “ Palabra inglesa que ha desterrado p or com pleto i
sin m otivo la espanola de once. Qué mas dice tomar lunch
que hacer las once? Nada, absolutamçnte nada” . Citando tam­
bem a Cuervo, consigna umas phrases suas sobre a locução
— Tom ar las once, — verificando-se assim que a nossa anti­
ga phrase teve tamb'em vóga mas republicas do Prata e do
P acifico, e naturalmente origin aria da patria commum, a Hies-
panha. Ainda com uma certa vóga entre nós, principalm ente
entre uns-tantos espíritos intransigentes, cremos que a lo ­
cução fazer as onze vem dos tempos patriarchaes de almoço ás
sete horas e jantar ás tres, fazendo-se de perm eio, ás onze
horas, uma ligeira refeição, um petisco, para esperar pela
janta.
Fazer bichas — P intar o caneco, fazer o diabo.
F azer biscouto —r Diz-se que o está fazendo o enferm o
de molestia grave, moribundo já.
Fazer e baptisar — Fazer tudo. “ Fazendo, baptisando,
E chrismando até, Comp. fez n ’outro tempo O vigário de
Itam bé” . (V ersos populares).
Fazer feira — Com prar na feira os generos necessários
para o provim ento da casa durante' a semana. “ Em casa do
meu senhor Compro, vendo e faço fe ir a ” . (C ancioneiro do
N o rte ). Já deixAi de fa ze r fe ira L á p ’iá casa da mulata, P o r
# n d a r como uma gata N ’uma eterna quebradeira.” (A Pim en ­
ta n. 4 de 1901).
Fazer o quilo — D iz-se da m odorra subsequente a co­
piosa refeição, ou habito assaz frequente de dorm ir durante
algum tempo após a comida. A lfre d o de Carvalho assim de­
finindo a locução, e desfazendo a ccnfuzão que havia com a
de fazer o chylo, in dicativo de certo processo digestivo, con-
vlue: Quilo ou qúilo, conform e escreve Fr. Bernardo de Can-
necatim no seu D iccionario, é um vocábulo m bundo ou an-
golez significando so m n o ; ouviram -no prim eiram ente os nos­
sos avoengos nas senzalas dos engenhos, e, na sua' indolência
cogenita, adoptaram-no de prcnpto como tantas outras pala­
vras africanas. Fazer o quilo, e assim se deve escrever, ex ­
prim e simplesmente — d orm ir.” Mas essa modorra, esse
dormir, com aquella particular expressão, tem um momento
proprio, equivalente assim a phrase Fazer o quilo, á não
menos vulgar e corrente de D òrm ir á sesta, á tardinha, á hora
do descanço, depois do jantar.
Fazer quarto — V igilia nocturna a doentes ou a defun­
tos. “ Cantador como você, Eu queria apanhar muitos, P rá
botar no cem iterio, Prá fazer quarto aos defuntos.” (C a n cio­
n eiro do N o vte).
Fechado — -Situação im penetrável dentro de um capoei
rão ou matta pelo tecido da vegetação. “ Alcançou a matta, e
logo adiante deu com o cavallo dentro do fechado onde o
d e ix á r a ... A ’ roda da casa nasceu um jurubebal espesso, em
cujo fechado poderiam esconder-se muitos homens.” (F ran -
klin T a v o ra ).
Fêcha-fêcha — Fechamento de portas, precipitadam en te;
barulho, c o n fu zlo , la r c e iro , desordem , “ F o i doloroso vêr o
fecha-fecha que houVe na noite de 8 do corrente, causando
alarme e susto ás fam ilias nesta capital.” (O Guararapes de
17 de Setembro de 1844). Ao constar a cousa lá pelo L iv r a ­
mento, houve um fecha-fecha de portas, que fo i um Deus nos
acuda.” (A m erica Illustrada ci. 18 de 1879). “ P èlo titulo (Fecha-
fech a ) não pense o leito r que vamos nos re fe rir a algum sar-
c e ir o . . . Não é Fecha-fecha no sentido dessa ordem, n ã o ; é
o fechamento das casas commerciaes desta cidade ás seis horas
da tarde.” ( Lanceta n. 31 de 1890).
Fechar-se o tempo — Irrom per inesperadamente em uma
reunião ou ajuntamento um tumulto, barulho, desordem, em
que fe rv e o pau. “ No queima das palhinhas fechou-se o tem­
po e trovejou o pau.” (O Diabo a quatro n 34.de 1874). “ O
camarada, querendo liquidar o outro dá-lhe um trancão. O
offendido reclama, pergraitando se elle vem bebado e, dahi a
pouco, trabalha o pau, fecha-se o tempo e o rolo é grosso” .
(Jorn al do R ecife n. 48 de 1915).
Feder a defunto — Im m inencia de hom icídio em um ba­
rulho ou contenda acalorada. “ N o m eio do pega, quando o rolo
estava que só fedia a defunto, um diabo de um mata cachor­
ro deu-me um ponta pé que eu v i candeias de sebo.” (A P i­
menta «..4 8 7 de 1906).
Fedor ou catinga de bocca — Aborrecim ento, presump-
ção, jactancia. “ Ora que dois peixes! Além de pódres, com
fed or de bocca” . (A Pim enta n. 33 de 1902). Está você gos-
mando; pensa que estou disposto a aguentar catinga de boc-
ca? Saia fóra e vamos vadiar na quecé.” (Idem , n. 405 de
1906).
F eijão — Certos passos característico do bailado popu­
lar cTOcôco, e particularisados p or accentuação próprias, com
as denominações de feijão preto, mulatinho e miudinho.
Feijoada — Especie de comida preparada com feijão, tra­
dicional, e frequente nas nossas refeições. “ Não ha quintas
feiras que não haja feijo ad a.” (A Marmota Pernambucana n. 6
de 1850) “ Mocotó, linguiça, bofe, Pim enta tripa e rabada, Con­
duz o Agostinho Junior Para a grande feijoad a.” (A m erica II-
lustrada n. 28 de 1873). “ O am igo preparou socculenta fe ijo a ­
da.” (A m ericg Illustrada n. 28 de 1873). “ O amigo preparou
succulenta feijoada com cabeça- de porco, xarque e seu ran­
cho” (A Pimenta n. 500 de 1906). Confusão, balbudia, trapalha­
da Começa a quadrilha no nieio de uma gritaria in fern al que
dá lugar a degenerar numa form idável feijoad a.” (A Pim enta
n. 17 de 1902). “ Dessa grande feijoad a Não sei o que sahirá:
Se um ro lo form idando, ou gostoso vatapá.” (Pernam buco n.
177 de 1913).
Feioso — F eio : Homem fe io s o ; mulher feiosa. “ Hum ! que"
fe io s o !” (Jornal do R ecife n. 351 de 1917).
F eito r — Ave da nossa ornithologia mencionada por Je-
ronym o V illela nas suas poesias • adm inistrador do serviço de
campo de uma fazenda a g ric o la ; individuo pratico nos traba­
lhos de jardinagem , horta, pom ar e generos diversos de cultu­
ra : O fe ito r de um engenho, de um sitio, etc.
Feiúra — O mesmo que fealdade. “ A companhia estreou com
uma opereta que agradou, causando porem má impressão a
feiú ra e falta de graça das coristas.” (A Pim enta n. 39 de
1902): O vocábulo tem tambem curso no R io Grande do Sul
coiílo se vê desta quadrinha do cyclo das suas trovas popula-
res. “ Você me chama de feio, Eu tambem digo que sim; Lá
em casa havia um feio Que pegou feiú ra em m im .”
F elicia — F elicid ad e: Que fe lic ia !
Felizardo — F eliz, afortunado, ditoso. “ As posturas muni-
cipaes são letra morta para certos feliza rd os.” (Lan tern a Ma­
gica n. 27 de 1882). “ As trezenas de Santo Antonio levaram ao
altar do hym ineo muitos cônjuges. Que fe liza rd o s !” (O Binó­
culo n. 23 de 1882). “ O orçamento municipal arranca .........
47:000$000 da bolça dos seus munícipes para distribui!- com
os seus felizardos filh o tes” . (Lan tern a Magica n. 88 de 1884).

355
Femeiro — Reunião, ccneurrencia grande numero de fe-
meas, mulheres de má vida, prostitutas. P elo carnaval vê-se
peias ruas um femeiro enorme.
Férra — O serviço de fe rra r o gado com o fe rro ou marca
da fazenda, em certa epocha do anno. “ Am alhar as rezes
para a ferra.” (José de Alencar). “A ferra, o dia da partilha
da producção annual da fazenda, era uma funcção im portante
da vida sertaneja.” (Irinêo Joffily).
Ferro — D in h eiro de contado; a fracção de m il reis: C,om-
prar a ferro. “ A nossa velha amiga R ita acaba de ser roubada
p or um coió em quarenta ferros.” (A Pimenta n. 590 de 1907).
A marca do gado das fazendas de criação, com o signal ou dis-
tin ctivo da propriedade, applicada com fe rro em braza na
p elle das ancas do animal. “ O signal desta vaquinha? Cara
branca, punaré, Traz o ferro do Burel.” (D o rom ance pasto­
r il A vacca do B urel). Ferro de cóva, F e rro encabado para
cavar. “ O chão fôra re vo lv id o a ponta de espada ou ferro de
ró v a ” . (Flanklin Tavora).
F e rv e r o pau — Pancadaria velha, bordoada de sêllo. “ Se-
encontrassem o m enor o b s tá cu lo ... fervia o pau.” (A Lanceta
n. 26 de 1890). Esta locução já vem de longe, si bem que, nu­
ma simples variante, que não altera o seu espirito. “ Critiquem,
comlanto que se não presinta mangação ; aliás, ferve a cace­
tada” . (O Gamenho P olitico n. 1 de 1836).
Festa — A epocha do Natal; Passar a festa; Missa de
festa; O dia de festa; Dar as bôas festas; Pedir as fes­
ta. O engenheiro alugou casa em Caxangá para passar a festa.”
(O Guarda Nacional n. 5 de 1843). “ D izem que o nosso Barão
Com seu secretario á testa, F ôra p ’ra v illa do Cabo Passar os
dias de festa.’ ’ (Id em n. 88 de 1844). “ T óca r ao termo, o que
rn tre nós se chama festa, isto é, quatro mezes de com pleta
fulgança nos a rra b a ld es ... Não ha ahi quem não saiba o que
seja a festa. E ’ a estação em que voam todos para o campo,
desde o barão ricaço até b ultimo c a p o e ira ; a estação das ale­
grias, da vida p acifica e do goso puro e s u a v e ... Eis o que
é a festa, a tradicional festa em Pernam buco.” (O Diabo a
quatro n.° 33 e 78 de 1876). “ Muito tinha o Sim plicio (im p erti-
«íente velh o ) que d izer a respeito dos taes passamentos de fes­
tas no Poço, M onteiro, Caldeireiro, etc. m a s ... Os chefes de
fam ilia, na verdadfe. Estão loucos, ou bestas, ou perdidos ; An­
dam agora todos influidos. Em te r a festa fóra da cidade.”
(O Simplicio Pernambucano n. 2 de 1832). “ E ’ pelo tempo das
festas que a natureza prodigaliza os seus mais saborosos friic-*
tos e esplendidas f lo r e s .. . Comquanto as festas sejam fr e ­
quentes em Pernam buco durante ’ todo o anno, são p rin cip al­
mente as do N atal que constituem uma era de prazer, quando,
durante semanas, todo o trabalho é abandonado.” (D an iel P.
K id d e r). Estas semanas de descanço, de folga, eram as cha­
madas Oitavas do Natql, de prescricção ecclesiastica, que iam
do dia de festa ao de Reis, cujo costume vinha já de tempos
longicuos, mas hoje abolidos p o r completo. Perm anece porem,
o tradicional êxodo para o campo na estação calmosa, o pasea-
mento de festa, já descripto copi todas as particularidades dos
seus folguarcs pelo scicnlista inglez Charles W aterton, por
occasião da sua passagem entre nós no anno de 1816. “ E ’ che­
gada a occasião dos afilhados tomarem a benção aos seus pa­
drinhos e receberem as suas festinhas.” (O João Fernandes
n. 33 de 1887). Quer as festas? Rape a testa e vá p ’ra festa:
resposta a um pedido de festas. Quem não vai a missa de
festa de roupa nova, o gallo pinica, diz o povo. “ Ritinha não
vai á missa sem vestido novo, pois o gallo lhe p in ica ” . (A P i ­
menta n. 29 de 1901
Fiança — Confiança, prestigio, v a lo r ; estima, consideração,
respeito: Cabra velho da fiança. “ O Zé Matheus, eompadrçj
vlh o da fiança, me agrellou os olhos.” (A Pim enta n. 9 de
1914). “ Será em casa do thesoureiro velh o da fiança o ul­
timo ensaio da correcta troça carnavalesca.” (Jornal Pequeno
n'.° 28 de 1915). O term o tem tambem voga em tom iron ico,
depreciativo. “ Faz hoje um anno, velhinha, sogra estimada, da
fiança. Qile a terra te encaminha. E a tua lingua descança.”
(A Pim enta n. 77 de 1902).
F icar cantando serena estrella — Enganado, ludibriado,
enforquilhado. Serena estrella Que no céo não brilha, são os
versos iniciaes de uma cançoneta, que não" ha muito, teve
grande vóga entre nós. D errotado um certo politico cias elei-
çõ*es para deputados a Assembléa Geral Legislativa p roced i­
das em 1877, o period ico hum orístico Am erica Illustrada, na
sua edição de 10 de Março, estampou uma caricatura rep re­
sentando o alludido p olitico cccitando e tocando violão, tendo
em baixo esta quadrinha com eçado pelos dous versos da r e fe ­
rida cançcneta: “ Serena estrela Que no céo não brilha, Gas­
tei meu cobre E le ve i forqu ilh a .” A quadrinha cahiu no gotfo
popular e gerou o ditado: F icar cantando serena estrella, para
exp rim ir a contrariedade, o desapontamento que vem de uma
preterição, derrota ou forquilha.
Ficar na peça — Assim, ou m orrer na peça, diz-se da
mulher que não casou. “ Como é que fica na peça uma jovem
tão p erfe ita ? ” (A Pim enta n. 1 de 1901).
F icar no aço — Desconfiado, zangado, irritado.
Ficar no tinteiro — Em esquecimento, em despreso; en-
commenda a que não se a tten d e; pedido que não se satisfaz:
Encommenda sem dinheiro fica no tinteiro. (D ictado popu lar).
F icar p’ra tia — O mesmo que fica r na peça.
Fiduncia — Vaidade, presumpção, orgulho, pretenciosida-
de: Ora, deixe-se de finducias!
F ieira — Na phrase: Puxar a fieira , certo passo de baila­
dos populares, como o samba, o bahiano e . outras danças lasci­
vas. “ Não é d iffic il admirar-se a languidez dé fórm as das mu­
lheres, quer no puxar da fie ira do chorado, quer no saraco­
teado dos matachins. (C elso de M agalhães). “ Bate palmas,
sae da roda Sapateando no chão Um rapaz de côr trigueira.
Dançando, puxa a fieira, A vista corre na roda: Numa cabocla
da moda, Muito cortez atirou ” (R odolph o T h eo p h ilo ). “ Form a-
-se o samba; ma roda Entra muita m ulatinha; Cada qual, se­
gundo é moda, Puxa sua fieirin h a .” (Barbosa V ian n a).
Figa — O mesmo que Adeus com a mão fechada, armas
de S. Francisco, Banana, Pacova. “ Sinto certos entalcfs se lhe
der banana ou fig a .” (A Pim enta n. 8 de 1902). “ Fecham-me a
porta e ainda por c im a ... fig a !” (Jornal do R ecife n. 96 de
1915).
Figueirôa — Vinho tinto, figu eira: Uma supimpa peixada
regada a figueirôa.
Figuração — Exhibição, ostentação, famfarriçe. “ Quer a
gente do Jornal fazer figuração de financistas, editando as
maiores asneiras sobre a m atéria.” (A Ordem 98 de 1917).
F ila r — P edir, tomar, tirar apoderar-se, s e r r a r ; obter as
cousas sem gastar dinheiro, de bobus a n ico la u ; copiar sor­
rateiram ente em exame o ponto sorteado .para escripta. “ Está
na moda o fila r. . . Tudo que é meu é f ila d o . .. Até minha na­
morada já sabe tambem fila r, porem fila de outro m odo: é
filan ca de m atar.” (O Progresso n. 2 de 1875). D erivados:
F i l a ; Pontos de exames escriptos com letra miuda em estrei­
tas tiras de papel para furtivam ente se copiar o que fô r sor­
teado para prova escripta: Pegado com a fila na mão cop i­
ando. F ilanca; Filante. “ O assignante de um jorn al deve le-lo
só ou em casa com a fam ilia, e evitar a filança, servindo o
seu exem plar para leitura de um quarteirão in teiro .” (O Dia-
bo a quatro n. 78 de 1876). “ Um fila n te c h a p a d o !... Vem
p ’ra cá com fila n ç a s ? ... V iv o sempre atrapalhado com esta
corja de filantes! (O Progresso o . 2 de 1875). “ Os filantes de
almoço, de jantar, de chá, de sorvete e de charuto.” (Lan tern a
Magica n. 462 de 1895).
F ilé — Parte macia e tenra da carne do boi, particular­
mente empregada no preparo do b ife e rosbife. O termo vem
do francez, Filet, chair (substance molle, fibreuse et sanguine
du corps des anim aux) qui se léve le lon g de 1’epine dorsala
du boeuf, du chevrenil, etc.
Filh a de Jerusalem — Mulher mundana. “ Chorai, filhas de
Jerusalem! Ride-vos Magdalenas.” (A Cigarra n. 4 de 1874).
Filh o da mãe — Q ualificativo de injurias, depreciativo.
“ Muitos patifes no miwido Não tendo definição, P o r filh o s da
mãe tratados Têm preenchido a expressão.” (O Esqueleto
n. 5 de 1846).
F ilh o de allemão — Desprezado, escorraçado: Não sou
filh o de allemão, que os outros comem e elle não. (D itado po-
pular.). “ Quando o banzé entre a moça e uns capivaras esta­
va no seu auge, appareceu um outro rapaz que tambem por
sua vez disse que era namorado da rapariga, e não era filh o
de allem ão.” (A Pim enta n, 633 de 1908).
F ilh o do velho — O mesmo que dégas. “ Vejam os le ito ­
res em gue fam ilia se metteu o filh o do velh o .” (Jornal do
R ecife n, 48 de 1916). “ Ninuem ouse pisar-lhe nos callos,
E ’ justamente o que se dá com o filh o do velh o.” (Jornal
Pequeno n. 23 de 1916).
F ilh os da Cantlinha — Faladores, murmuradores, me-
xiriqu eiros. “ Sou dos filh os da Candinha Quem mais vê, mais
ouve e fa la .” (A Pim enta n, 24 de 1901). “ Certa viuvinha está
dando muito que fazer aos filh os da Çandinha.” (Id em n. 8
de 1914). “ Segundo affirm am os filh os da Candinha, aião an­
dam bôas as coussa lá pelos lados de S. Loú ren ço.” (Jornal
do R ecife n. 209 de 1917). Diz-se tambem meninos. “ Os m e­
ninos da Candinha não dorm em .” (A Pim enta n. 201 de 1902).
Filh ote — O F ilh o do pom bo emquqnto novo; individuo
de grande protecção, sem os predicados de recom m endavel
m erecimento, mas preterindo aos que o tem, e assim escan­
dalosamente guindado ás mais elevadas posições. “ Que enge­
nheiro de bobage é o filh ote M oisés!” (O Barco dos-r Pato-
teiros n. 60 de 1865). “ O Deão F aria e o Dr. A p rigio Gui­
marães foram anathematisados, porque era préciso encartar-

359
se uns filh otes.” (A m erica Illustrada n. 37 de 1878). “ O orça­
mento municipal arranca 47:000$000 da bolça dos seus muní­
cipes para distribuir com os seus felizardos filh otes.” (L a n te r­
na Magica n. 88 de 1884). D erivado Filhotism o, <fue corres­
ponde ao nepotismo vernáculo. “ H oje tudò se faz p or filh o ^
tismo ( A Duqueza do Linguarudo n. 132 de 1878). “ Campeão
da liberdade, quando fizerdes as chapas para a próxim a e lei­
ção excluir o filh o tis m o ... Não deve em liv re eleição tri-
.um ph ar'o filh otism o.” (A Tempestade n. 1 de 1878).
Fim de mundo — Longe, distante: M orar no fim do-
mundo.
Fina — Tmtenção, designio, intento, manha, pensamento
occulto: O typo andava com uma parte de leso, mas deram-
lhe na fina, e elle azulou. “ Não sabe um que agora fo i que
eu dei pela fina? (D ia rio de Pernambuco n. 257 de 1829).
Dar na fin a : onanisar-se.
Financista — .M odism o de fin an ceiro.” “ Quer a gente do
Jornal fazer figuração de financista, e editando as maiores
asneiras sobre a m atéria.” . ( A Ordem n. 98 de 1917).
Fino — Sabido, astuto, persp icaz; expertalhão, estradei-
ro, fin e rio . O João é um cabra f i n o ; ninguém o embaraça.
Fin o como lan de Kagado. (D icta d o ).
F ió fó — T razeiro, az de copas. “ O olho cego é o fio f ó ."
(A Marmota Pernambucano n. 31 de 1850).
Fióta — Janota, elegante, casquilho. “ Certo moço jano­
ta, fióta, conversava com uma moça no jardim .” (A m erica
Illustrada de 8 de N ovem bro Me 1874.)
Fita — Pacholice, vangloria, ostentação, fan fa rrice; cou­
sa espetaculosa, de armar ao effeito, agradar, enlevar, satis­
fazer, como as fitas cinematographicas, de onde* vem o termo
com taes accepções. “ F o i bonito, sim senhor, mas fo i fita
só.” (D ia rio de Pernambuco n. 107 de 1913). “ Homem, os
taes telegrammas do Natal parecem fitas.” (Pernam buco n.
109 de 1913). “ A fita de uma tentativa de suicídio.” (Jornal
Pequeno n. 72 de 1915).
F iteiro — A ffeito a fitas ; passador de fitas. “ A sua habi­
lidade de fiteiro revela-se de modo espontoso.” (A Ordem n.
35 de 1918). Especie de caixa de madeira ou metal com tam­
pa de vidro, para a exposição de pequemos objectos nos es­
tabelecimentos de com m ereio a varejo.
Fiúsa — A ’ fiúsa, p or conta alheia, confiança, garantia,
protecção. “ Deu s n ão te p o z n esta v i d a á m in h a fiu sa, nem*
á de n i n g u é m . ” (C ,a n e c a ). M o r a e s r e g i s t r a o t e r m o , e b e m a s­
s im o de feu za , c o m as e x p r e s s õ e s de c o n f i a n ç a , l i b e r d a d e e
f i d u c i a q u e os m o d e r n o s d i c c i o n a r i o s n ão c o n s ig n a m .
F iv ela — Na phrase: Responde na f i v é l a , com p ro m p ti-
dão. im m ediatam en te, ao pé d a le t r a . “ E stam os com cava­
li n h o s na t e rr a . O m o leca rio está nos seus g e ra es, e se a l­
gu ém lh e p e r g u n t a r se está ou não, e ll e r e s p ô n d e r á n a f i v e l a :
está sim, s e n h o r . ” ( L a n t e r n a M a g i c a n. 437 de 1849).
F iv ió ca — A rran jo, ex p lo ra çã o : pretenção presum pção.
“ Já d e v ia d eixar-se de fivioca s, re colh en d o -se prudentem en ­
te aos b a s t id o r e s da sua i n s i g n i f i c â n c i a . ” ( A L a n c e t a n. 115 de
1913).
Fla m an cia — C a ló r, en th u sia sm o , e x a l t a m e n t o ; o r g u lh o ,
presum pção, “ Um rapaz im b erb e que prim a p ela fla m a n c ia .”
(A P im en ta n. 8 de 901). “A Q u iteria a ffirm o u -n o s que a
Rnym unda n ão h a v ia m o rrid o , e antes, p e l o con trario, esta ­
va c h e ia de saúde e de d in h e i r o , n um a fla m a n cia u n ic a .”
( I d e m , ai. 542 de 1907),
Flanar — Andar, passear, vêr, examinar. “ Aproveitem os
este dia de sol e vamos flan ar pelg. cidade, apreci­
ando os seus aspectos e n c a n t a d o r e s Mas, perdoai, lèito-
res, Convidei-vos para flanar, e a hora do almoço approxi-
ma-se.” (Lan tern a Magica n. 705): “ Flanar pelas avenidas F a ­
lando da vida alhèia.” (O Destino dos Am antes).
Flandres — Sabre, facão da p olicia: M etter o flandres.
Flautear — Gracejar, debicar, troçar, brincar. “ O flau­
tista Cândido, porque é excellente flauta, entendeu que devia
flautear o publico não com parecendo ao concerto a que se ti­
nha com prom ettido de c o n c o rre r. . . Quiz flautear sem flau­
ta.” (O Diabo a quatro n. 172 de 1878). “ Uma sucia de pan-
dorgas que flauteam a existencia.” (M ephistopheles n. 14 de
1883). “ V i sentados muito serios Casado, Rego e Chacon, E
flauteando elles todos o Bezerra e o F en elon .” (O, Diabo «i.
5 de. 1883). Flautear a e xisten cia :■L eva r a vida folgada e m i­
lagrosa. D erivados: Flaitta, flauteio, Flautista: Andar na
flauta; Na troça na pandega, n a malandragem. “ L á vou tam­
bem agachado, P egar o bicho direito, Em bora não seja af-
feito ' Ao brinco, ao flauteio, a dança.” (O Cascabulho (N atal
n. 10 de 1888).
Fobó — In s ig n ific a n te , pança, rid icu lo, o rd in á rio . “ Poe­
tas cabeçudos, musicistas fobós, eançonetistas panças.” (A
Pim enta n. 8 de 1901). “ A jogatina, os coiós, já não m ere­
cem uma rima, já são assumptos fob ós.” “(Idem , n. 28). “ Um
cabo do 34 recitou uma poesia fob ó â mestra do p astoril.”
(Idem , n. 89 de 1902).
F orçar — Mexer, revo lver, excavar. Os porcos destrui-
ram a plantação deixando o terreno todo foçado.
Focinhar — O mesmo que foçar. “ O bacorinho coincha-
va, atolado na lama, focinhando regaladam ente.” (C oelho
N e t t o ).
Focinheira — Cara, rosto, focinho. “ O vendelhão quiz
se arreliar, e eu mandei-lhe as costas da mão direita pela f o ­
cinheira.” (A Pim enta n. 49 de 1906) “ Mão perigosam ente
adejante, sendo muito facil de qualquer magnata que se faça
de tolo, leval-a pela focin h eira .” (Jorn al do R ecife n. 42 de
1906).
Fôfas — Calças de chita, largas, frouxas, com o cós de
enfiar. “ O João Guimarães éstava com umas fôfas como as
de palhaço, mas tão velhas, que estavam devendo imposto á
p raia.” (A Pimenta n. 80 de 1902).
F o fó — Diz-se de uma roupa mal assentada, frouxa, em-
papuçada: Um vestido muito fo fó .
Fogo morto — Estar de fogo m o r t o p a r a d o , sem traba­
lho, inactivo. Diz-se particularm ente de um engenho de as-
sucar parado, que não móe, de fornalhas apagadas.
Fogo-pagou — Especie de rola (C,olumba) muito vulgaf.
Term o onomatopaico, origin ário do p roprio canto da ave.
Foguete — V ivo, experto, trefego, irrequ ieto: Aquelle
menino é um foguete. Mulher assanhada, sacudida, arreliada.
Foguetear — Andar, passear, encher as ruas de pernas.
O rapaz não para em c a s a ; leva o dia in teiro na malandra­
gem, fogueteando pelas ruas.
F o i lua! — Acabou-se! não ha mais! Gastou-se tudo!
Phrases correspondentes: F o i p olvorosa! F o i um dia! Foi
lua!
Folha — Rebento da canna de assucar depois da sua plan­
tação e cortes successivos: Canna da prim eira folha, da se­
gunda, etc. “ Conform e a natureza do terreno, um cannavial
póde dar até dez folhas, isto é, produzir successivamente dez
safras. Commumente, porem, só se colhe nos tres prim eiros
362
annos: a prim eira folha ou cannâvial de planta, a segunda ou
cannavial de sóca e terceira ou cannavial de resóca.” (A lfr e ­
do Brandão).
Folhinha de porta — Kalendario do anno, impresso em
grande folha de papel para pregar á porta. Em outros tempos
houve entre nós a chamada Folhinha de algibeira, impressa
em folheto de pequeno form ato, com uma secção de indicações
uteis e outra recreativa. Entre outras, as Folhinhas de algi­
beira, do Figueirôa, impressas na sua typographia do D iario
de Pernambuco, eram popularissimas. Em geral, traziam um
escripto de introducção, em tom galhofeiro, humoristico, f ir ­
mado p el’0 Folhinheiro.
Forgicar — Preparar, tecer, armar. “ O Collaço é a crea-
tura menos amoladora que eu conheço, apezar das historias
de Beberibe forgicada pelo P ico té.” (O Diabo a quatro n. 4
de 1875). “ Desta' vez o homem não se sahiu bem da alhada
que forgicou .” (Lanterna Magica n. 124 de 1885). “ A occur-
rencia nada tem de importância, e parece mais uma vindicta
forgicada. por alguem.” (Pernqm buco n. 301 de 1912).
Fôrm a — Vaso dc barro, grande para deposito de agua
de beber. O mesmo que talha, ou jarra,
Form alisado — Bem trajado, cheio de si, vendendo caro
o seu peixe. O Antonio passou todo form alisado, de bôa rou­
pa e cartola.
Form idando — Grande, enorme, form idável. Num bati-
cuiii form idando o Zé povo já se prepara para as folias do
deus m om o.” (A Pimenta n. 54 de 1907).
Form idoloso — O mesmo que formidando. “ Num retum­
bante Zé P ereira seguiam os foliões puxando uma ondia dc
gente, que era mesmo form idolosa.” (A P rovín cia n. 29 de
1913).
Form iga — Expressão de quantidade: Gente como f o r ­
miga. “ Ali pelo pateo da igreja havia gente como form iga
de asas em tempo de chuva.” (Jornal Pequeno n. 15 de 1916).
“ Um poço onde as curimatãs e o piáus são como form igas” .
(A ffon so A rin os). D erivado: Form iga, surgir apparecer em
abundancia. O,éo das form igas; aquelle para onde vão uns
tantos innocentes. Com relação a form iga, esses pequenos in ­
sectos da ordem dos hymenopteros, de varias especies entre
nós, particularmente tratamos das mais vulgares e conheci-

363
das nos artigos Douda, Form iga de asas (m aripozas), de roça,
sajúba e TaioCa, e do fo rm igã o ; e das suas excursões, no ar­
tigo: Correição c^e form iga. Sobre o assumpto occorre um in ­
teressante livrin h o de João A lfred o de Freitas, Excusão pelos
dom inios da entom ologia (Estulos e observações sobre as
form igas), impresso no R ecife em 1886.
Form iga de asas — V. M ariposa).
Fòrm iga de roça — O mesmo que saúba. “ No matto, dan­
do caça a form iga de roça, e cuidando da lim pa dos canna­
viaes.” ('Am erica Illustrada n. 17 de 1883). “ Os soldados pa­
reciam form iga de roça, quando dão em m andioca.” (Jornal
dô R ecife n. 60 de 1916). Form iga sabe que roça come.
(D ictàd o).
Form igão — Form iga grande, negra ou verm elha, e com­
prida, como a descreve o Padre Cláudio d’Albuquerque, com o
nome indígena de cangheurê, que diz havia no Maranhão, e
que encontramos mais generalisado em cangarerê. Estudante
do Sèm inario ou seminarista. “ O Seminário de Pernambuco
está vasio: nem mais um form igão se encontra ahi.” (O P r o ­
gresso n. 12 de 1875). “ Fez-se form igão, chegou a regougar
o idiom a de V irg ilio e deu com sigo em clérig o .” (O Diabo a
quatro n. 80 de 1877, “ Na ordenação de tres ou quatro f o r ­
migões na igreja de S. Pedro, houve uma profusão enorm e
de baratas.” (Idem , n. 90).
Form iguinhas — Arrepios, sensação; uma especie de l i ­
geiro prurido que corre p or todo o corpo na em ergencia de
receio, susto ou medo, acanhamento, commoção. “ Diante da
sua bella sentiu subir-lhe umas form iguinhas pelo corpo, que
o fez, insano, apenas balbuciar uma phrase de pedido.- um
b e ijo !” (O Telegraph o n. 6 cle 1850). “ Aquella mulher com e­
çava a p ren d er-lh e ; p rin cipiàva a fazer-lhe form iguinhas no
corpo.” (A Pim enta n. 57 de 1902).
Forn o — Construcção de alvenaria, com argamassa de
barro, para seccar ou torrar a mandioca ralada, depois de
extrahido por pressão todo o liqu ido (m anipu eira), e reduzi-
la a farinha, constante de uma peça alta circular, coin b o r­
das arrampadas, a especie de uma grande bacia de flandres,
sob cuja peça fica uma fornalha para aquecei- a de modo com
venientfc -á torrefação da mandioca ralada, preparo da fa r i­
nha. O forn o da casa de farinha. “ Mette negro, a tua lenha

364
no forno, calad in h o; Mas não te mettas com homem, Podes
ficar sem focin h o.” (T ro v a s populares).
Foquilha — Desprezo, engano, p re te riç ã o ; maUogro de
uma pretenção: Pregar, levar, tomar uma forquilha. “ F o r­
quilhas que neste mundo terrestre costumam os homens' p re­
gar uns nos outros.” (A Forquilha n. 2 de 1841). “ 0 nosso
jovem escorregou no caminho, fo i á terra, Cíilarrçeou-se todo,
e não pôde ir ao baile. Que fo rq u ilh a !” ( 0 Carapuceiro n. 9
de 1842) Arrenego do homem que passa forquilha. A i te-te
forqu ilh a ! Um bem como aquelle Não se p e rd ia !” (Canções
populares). D erivado, E nforqu ilh ado: “ F o i pois o governo
enforquilhado neste negocio, e mais enforquilhado ainda certo
moço, que estava na esperança de cahir dentro de bibliothe-
cario.” (O Guarda Nacional n. 70 de 1843).
Forrado — Farto, satisfeito, cheio. O M anoel jantou com
bom a p p etite ; está bem forrad o.
F orrob odó — D ivertim ento, pagodeira, festança. “ Após a
tal sessão houve uma grande fo rro b o d ó .” (O A lfin ete n. 13 de
1890). “ Em honra ao sexto anniversario d’ A Pim enta h ouve um
espalhafatoso fo rro b o d ó .” (A Pimenta n. 373 de 1905). “ F o rro
bodó oú forrobodança é um baile mais aristocrático que o~C,ho-
rão do R io de Janeiro, obrigado a violão, sanfona, reco-réco
e aguardente. N e lle tomam parte indivíduos de baixa espbe-
ra social, a r a lé . .. A sociedade que toma parte no nosso
forrob od ó ou forrobandança é mesclada • ha de tudo Varias
vezes verificam -se turras ou banzés sem que haja m orte ou
ferim entos. Fica sempre tudo muito camarada, muito bem,
muito obrigado.” (A Lanceta, n. 121 de 1913). A lberto Bessa
consigna o vocábulo como brasileiro, com a sexpressões de
baile ordinário, sem etiqueta: e Beaurepaire Rohan, como p ri­
vativam ente do Rio de Janeiro, com as de baile, sarau chin­
frim . O termo tem curso no Ceará, para designar os bailes da
canalha, como escreve Rodrigues de Carvalho, e entre nós,
porem, desde muito, e antes mesmo do apparecim nto do liv ro
de Rohan, em 1889, como se vê destes trechos: “ Uma arre­
medo de folhetim cheirando a fo rro b o d ó .” (A m erica Illustra-
da n. 25 de 1882). “ Ao actor Guilherme, na noite do seu fo r r o ­
bodó.” (O Mephistopheles n. 15 de 1883). O termo, portanto,
quer origin ário do Rio de Janeiro quer não, já tem entre nós
os seus cajús.
F o rro na pia — O filh o de escravo que tendo de seguir

365
a co n d içã o paterna, era declara do liv re por seu s e n h o r «10
a cto do b a p t is m o , na p ia b a p tism a l, e como ta l in s c r i p t o no
resp ectivo assentam ento p a r o c h ia l , fica n d o assim, documen-
ta da m en te, a ssella d a a sua l i b e r d a d e . H o m e m b r a n c o , c id a d ã o
b rasileiro , fo r r o na pia. (D ic ta d o ).
Frade — A v e , de q u e só e n c o n t r a m o s m e n s ã o nas p o e s ia s
de J e r o n i m o V illela .

Fradéco ■— Q ualificativo de desdem dado ao frade. “ Eu,


torna o fradeco, sou perseguido de Portugal, prego sermões
dos outros, finjo-m e beatão de mais, e confesso moças.” (O
Guarda Nacional n. 64 de 1843). “ O tal fradeco tantas afmou,
em taes cavallarias se metteu, que não teve outro rem edio
senão aguentar com um engeitadvih o.” (O Diabo a quatro n
52 de 1876). “ Olho v iv o com elle que é fradeco da mão fu ­
rada.” (Idem , n. 97 de 1877).
Fraga — Prisão em flagrante. (G iria dos gatunos).
Fragata — Mulher alta, gorda, pesada.
Fragrarçja —<• Este termo, de desconhecida expressão,
apenas o encontramos nestes versoS da chula Os M arujos:
“ Depois do gordapio Chupa a laranja Cae d ’uma vez E perde
a fragran ja” .
Frango de botica — Rapazola enfezado, m agrizela. “ O tal
coió é desdentado, marca de tolo, e verdadeiro frango de
botica.” (A Pim enta n. 34 de 1902).
Frangóte — Corruptela do vocábulo portuguez franganó-
te, dim inutivo de frangahito, o mesmo que frangainho, e figu-
radamonte rapazito que se quer fazer homem. (A u lete). “ H a­
vemos de desmascarar esses frangotes da aristrocacia.” (O
Azorrague n. 7 de 1845). “ A frangota T hereza é mesmo um
p ité o !” (A Pim enta n. 592 de 1907). “ Muita mulata bonita já
se rem exeu por m im ... H oje deixo isso para esses frangotes.”
(F ra n k lin T a v o ra ).
Franguinha — Rapariga no verd or dos amnos; meninota.
“ E vós (falava o frad e) ficareis tambem obrigadas, como
bôas servas de Deus, a trazerem para inoculação do espirito
divino, a mães de fam ilias e raparigas donzellas franguinhas
de mais de dez annos de idade.” (O Diabo a quatro n. 48 de
1876.)
Frasqueira — A ’ frasqu eira: a commodo, em trajos fras-
queiros, em mangas de camisa, em roupas leves, como se diz

366
em Portugal.” A ’ frasqueira. Term o de philosophia de certos
moços qurndo só tem a roupinha com que apparecem em
publico.” (O Anão n. 45 de 1863).
Frasquinho de veneno — Greatura vil, intrigante, m aldi­
zente ; de-lingua parada, que fala de Deus e do mundo, e diz
mal de tudo e de todos.
Frecha — A canna dos foquetes do ar, tirada do ubá ou
canna brava.
Frechado — Zangado, desconfiado, aborrecido, azuado.
‘ A m olleza é grande, não ha duvida, e quando um pobre
diabo anda frechado, só encontra quem o paulifique.” (A P i­
menta n. 84 de 1902). “ Um facto gaiato, divertido, surgiu de
supetão na semana passada, fazendo até r ir ao typo mais fr e ­
chado.” (Idem , n. 8) “ Eu ri-me com a tirada e todos riram -se
tambem, e o homem ficou frech ado.” . (Id em n. 589 de 1907).
Frege — Casa de pasto muito ordinaria, tasca, bodega,
frequentada p or gente baixa. “ Um pequeno restaurant á fua
da Detenção, um frege, como chamam os nossos populares.”
(Pernam buco n. 74 de 1913).
Frége-moscas — O mesmo que frege. “ Não ha p or alii
caixeirinho de taberna e frege-moscas, que não saiba decla­
m ar: de Roides estranhíssimo coloiço.” (O Diabo a quatro
n. 62 de 1876). “ Era o que vulgarm ente se chama um frege-
moscas, embora o Sr. L e v ’arriba teimasse em chamar-lhe
casa de pasto. (A m erica Illustrada n. 39 de 1879). “ Hoteis de
todas as classes, desde o frege-moscas até a mais luxuosa hospe­
daria.” (A Pimenta n. 1 de 1991). Este term o è origin ário do R io
de Janeiro, e se deriva, segundo Beaurepaire Rohan, da p rin ­
cipal industria do estabelecimento, que consiste em exh ibir
peixe frito aos freguezes, cuja origem tambem se extende ao
frege, que é uma abreviatura jíe Frege-moscas.
Fresca-Frecal — (A ’ ). Em trajos m enores; o mesmo que á
frasqueira. “ O patriarcha Noé, tocado de certo licôr, dançou
um pouco á frescata em presença da prole. (O Diabo a quatro
n. 151 de 1878).
Frescalhão — P o r frescal, e assim, com a sua expressão
figurada: que tem ainda o viço, o vigo r da mocidade. “ Viuva
fresealhona, pim pena.” (A Pim enta n. 14 de 1992). “ M aravi­
lha vêr D. Esm eraldina viuva ainda moça e fresealhona.” (O
Vapor dos Traficantes n. 249 de 1869).
Frevióca — Pandega, folia, d ivertim en to; club, troça, c o r­
dão carnavalesco. “ Essa bem feita frev io ca dos Carregadores
dfe Piano prepara-se cada vez mais para os dias de carnaval” .
(Jornal do R ecife n. 50 de 1914). “ Um viva á rapazeada esco­
vada da fre v io c a ” . (Pernam buco n. 55 de 1814).
F revo — E fíervecen cia, agitação, confusão, r e b o liç o ; aper­
tão nas reixiiões de grande massa popular no seu vai-vem
em direcções oppostas, como pelo Carnaval, e nos seus acom­
panhamentos de procissões, passeiatas e desfilar de clubs car­
navalescos. “ O apertão do frevo, nesse descommunal am plexo
de toda uma multidão que se deslisa, se cóla, se encontra, se
roça, se entrechoca, se agarra.” (J orn al do R ecife n. 65 de
1916). “ O frevo que mais consolar, ü que mais nos arrebata,
E’ o frevo que se rebola Ao lado duma mulata. (U ia rio de
Pernambuco n. 66 de 1916). “ Os rapazes souberam arranjar
uma orchestra tão bôazinha, que vem dar uma vida extrapy-
ram idal ao reboliço do fr e v o .” (O Estado de: Pernambuco n.
48 de 1914). D erivados: Frevança, frevar. “ O club levará em
um dos seus carros uma pipa do saboroso brnho berde para
distribuir com o pessoal da freva n ça ” . (Jornal Pequeno n. 39
de 1917). “ Do mundo a gente se esquece, Pinta a manta, pinta
o bode, E se o fre v a r recrudece Mais a gente se sacode.” (D ia ­
rio de Pernambuco n. 66 de 1916). O term o frev o vulgarissi-
mo e corrente entre nós appareceu pelo carnaval de 1909:
Olha o fre v o !, era a phrase de enthusiasmo que se ouvia no
d elirio da confusão e apertões do p ovo unido, compacto, ou
em marcha acompanhando os clubs.
Frialdade — “ A anemia intestinal, m oléstia em que o san­
gue não está em quantidade sufficiente para o exercício das
funcções da vida, a que o vulgo dá o «nomè de opilação ou fr ia l­
dade, ataca grandemente os pretos de engenhos e pessoas que
trabalham em ab rir levadas, e que são obrigadas a estar den­
tro d’agua, principalm ente de manhã em jejum, e que se a li­
menta de substancias indigestas.” (J. J. Serpa).
F rig id eira — Fritada de qualquer especie. Não falava se-
*ião em cabeças de carapitanga com arroz, em almôndegas
de bacalháo, e em frig id eira de m ariscos.” (O Carapuceiro n.
42 de 1837). “ Apreciando uma succulenta frig id eira de cama­
rões.” (Lan tern a Magica n. 128 de 1885). “ N o tempo em que
se chamava frigid%ira ao que hoje se chama fritada, havia um

368
padre m orador em Santo Antonio, que era doudo por uma f r i ­
gid eira de aratús.” (Idem , n. 448 de 1895).
F rito — Bem arranjado, com prom ettido, mcttido eus máos
iençóes, num cipoal, perdido mesmo. “ Se toda essa gente po-
desse 1 epi eSuitar os taes distinctos, estavamos nós frito s .”
(Lan tern a Magica n. 728 de 1903). “ Estamos esfolados pelos im ­
postos e fritos pela conversão” . (Idem , n. 846 de 1906). “ Pobre
de m im ! estou frito, e esfolado serei v iv o .” (A Pim enta n.
9 de 1908).
Frontespício — Cara “ Não podendo mais supportar a pau-
lifican cia do typo, e os seus subsequentes insultos, arrochei-
lhe com toda a força a munheca n o frontespício, e puz-me ao
fres c o ” . (A Pim enta n. 571 de 1907).
Frouxidão de nervos — E ’ um term o empregado pelo vulgo,
com que designa differentes affecções nervosas, prin cip al­
mente uma certa sensibilidade, ou irritabilidade nervosa. Lan-
gaard assim o define, ccncluindo porem : outros entendem por
este termo, um trem or das mãos, paralysia parcial, e mesmo a
h ypotondria, e o hysterism o são p or alguns assim designados.
Fructa — Aguardente de canna, cachaça. “ Depois que v o ­
cê me disse que aquelle typo gostava da fructa; ainda fiquei
mais escabiado.” ( A Peia n. 1 de 1903).
Fructa nuva — Forasteiro que chega; passageiro, visitan­
te desconhecido, extranho: Aquelle sugeito é fructa nova na
terra.
Fr.un.cho — Furunculo, cabeça de prego, tumor pequeno,
duro, lim itado, que irrom pe á superfície da pelle.
Fubá — P o lv ilh o do milho, d o.arroz, muito usado na culi-
uaria. “ A agua deve dar ao menos para tocar um moinho, para
fazer fubá ou farinha de milho.'” (D r. Dias M artins). “ Moque­
ca de côco, M olho de fubá, tudo bem feitinho P o r mão do
Y a yá .” (D a çhula: A M oqueca). Segundo Beaurepaire Rohan,
termo fubá é origin ário da lingua bundo-angolense, e vem de
fúba.
Fuça — Cara, ventas, focinho, focinheira. “ Moleque afoito,
indecente, toma bo.fete na fuça.” (A Lanceta ai. 161 de 1913).
Fuchicar — Intrigar, tecer en red o s ; remendar, coser lig e i­
ramente uma peça de roupa; b olir em qualquer cousa, rem e­
xer, cascavilhar, desarrumar. D erivados: Fuchico, enredo, me­
xerico ; Infuchicamento, desordem. “ Felizmerrte a policia cião
teve trabalho ainda com infuchicamento de especie alguma.”

369
(A Pimenta n. 638 de 1908). Fuchiqueiro, intrigante, m exeri­
queiro. “ Como politico, sem idéas, fuchiqueiro, intrigante, p er­
verso e traid or.” (D ia rio de Pernambuco n. 115 de 1915).
Fuéte — Na locução, Dar o fuéte, encavacar, ficar azuado,
abudegado, irritado.
Fuga — Folga, opportunidade, tempo disponivel para fazer
íalguma cousa. “ Logo que tenha uma fuga lá ir e i.” (Theoton io
R ib e iro ).
P"ujão Que fo g e ; dado a fugidas, como se dizia em ou­
tros tempos dos escravos que fugiam da casa de seus senhores.
“ A fujona quiz passar algumas horas a salvo do captiveiro con­
ventual de um collegio de freiras. (A Lanceta n. 122 de 1913).
“ Tendo S. Exc. prestado relevantes serviços ao partido opposi-
cionista, fo i comtudo acoimado de fu jão .” (Jornal do R ecife n.
151 de 1914).
Fulano — Term o vernáculo com a expressão de um no­
me geral e vago p or que se designa uma pessôa incerta ou
que se não quer nomear. Tem os porem locuções particu lar­
mente nossas para isto designar, como as de Fulano dos grudes,
e Fulano dos anzóes carapuça. “ A policia prendeu correcio-
nalmente o individuo Fulano dos grudes.” (A Pim enta n. 43
de 1902). “ O barão Fulano dos anzóes é titulado pela uni­
versidade de T rebison da.” (A Ordem n. 97 de 1917).
Fulustréco — O mesmo que fulano. “ H oje qualquer fulus-
tréco faz versos.” (Lan tern a Magica n. 460 de 1895). “ A tal
fulustréca anda se pacholando que tem quatro çontos de reis
na Caixa Econom iea.” (A Pim enta n. 491 de 1906). O vocá­
bulo tem tambem curso no Ceará, mas com a expressão de bo­
neco m ovido por um cordel.
Fum aceiro — Fumaça densa, carregada, que irrom pe a-
volumada de um incêndio obscurecendo a um certo espaço da
atmosfera. Da queimada do mato via-se ao longe um fu-
maceiro tamanho, e eu fiquei tão escuro, que engetei o re ­
trato.” (O Tam ovo n. 17 de 1891).
Fumacento — Com fumaça ; cousa que cheira ou sobe a
fumaça.
Fumai — Cam po.de cultura de fum o.“ Ve-se dentro deste
fumai tocos' de madeira ou lenha atravancando o chão. ” (D r.
Dias M artins).
F u n .. . — Expressão para m anifestar o sentir de um máo

370
cheiro. “ A carne está roxa, está balofa, está fed en d o; fu n ...
iin, que catin ga!” (O Vapor dos Traficantes n. 97 de 859).
Funcas — Um typo ahi qualquer, sem im portância algu­
ma, mas pretcncioso. “ Esse funcas tem o chápeo de tal inodo
seguro na cabeça, que não corteja a ninguém.” (A Pimenta
n. 27 de 1902).
Funcção — Antiga denominação das nossas festividades
religiosas, e das fam iliares de baptisados, casamentos e anni-
versarios, uma vez cpie nesses bons tempo de outr’ora, como
em 1842 escrevia Lopes Gama no se’ 0 Carapuceiro, essa pala­
vra de baile té era desconhecida, e muito menos se sabia do
tal soiré e partida. “ Viola, minha viola, V iola , do coração!
Cantava um cabra pachola, Tocando nujna funcção.” (L a n te r­
na Magica n. 912 !e 1908). “ Não ha funcção Nem brincadeira,
Que não acabe P o r bebedeira. (T ro va s populares). “ Eu tenho
visto em funcção Gente beber que faz pena.” (Q ancioneiro do
N o rte ). O termo clássico de funcção, cuja condemnação, pelas
modernas denominações, tanto escandalisava a Lopes Gama, é
porem ainda mantido pelos músicos, que assim chamam ás so-
Jemnidades de qualquer natureza em que tomam parte.
Funduras — Empreza de alta monta, ^rriscad a; negocio
de importância, perigoso; cavallarias altas: Metter-se em fu n ­
duras. “ Doutor, vá lam ber sab ão ; não se metta em fundu­
ras.” (A Peia' n. 9 d e . 1904). “ Não tem gente para essas fun­
duras todas.” (A Lanceta n. 107 dê 1913).
Funge — Pagodeira de danças comes e bebes. “ O h o n ra -;
do partido republicano fed eral é o róe-funge da epocha” .
(Lan tern a Magica n. 514 de 1896). “ O Catanho faz anrtos; é
preciso ir com prim ental-o effüsivam cnte quero d izer; p rovar
do funge preparado a capricho.” ( A Pim enta n. 16 de 1901).
“ Arlequim vae entrar no' funge, sereno, com o grosso contin­
gente de um bom par de queixos.” (Jorn al do R ecife n. 45
de 1914).
Funil sem bico —: Sugeito sem nariz, ou pronunciada-:
mente chato.
Fura-barriga — Especie de ave da ordem dos trepadores
(Galbula viridis, L ath ).
Fura-bolo — Introm ettido, mçttediço,. curioso impertincci-
te, que procura ingerir-se em todos os ríegocios; trabucador,
cavador da vida.
Furada — L o gro , engano, engazopadela. “ Oh! padre mes­

371
tre, que furada levou V. C aridade!” (O, Vapor dos T ra fica n ­
tes n. 16(3 de 1859). “ N o hotel de Timbauba come-se o que
quizer, vem tudo á mesa, mas o hospede sempre sai fu rado.”
(A Peia n. 8 de 1904).
Furão — M am ífero carn ivoro do genero dos Plantigrados
(Glacitus viltata, D esm .); indivíduo ativo, trabalhador,
perspicaz, trabucador da vida. “ Um furão ,o pessoal do c lu b ;
já estão munidos desde a competente licença da p olicia até o
arame da orchestra.” (Jornal do R ecife n. 1 de 1914).
Furar — Pedir, 1'ilar, m order. “ E ncontrei um azucrim,
que depois de me fu rar num cigarro começou a me encabu­
la r.” (A Pimenta n. 571 de 1907).
Furdunço — Pagodeira, divertim ento, brincadeira. “ E s­
teve uma verdadeira pansidade o furdunço do Herotides
Pastora, em T ig ip ió .” (A Pim enta n. 75 de 1902). “ O CJub
oitenta e nove não poude levar a effeito o seu .furdunço.”
(Jornal Pequeno n. 34 de 1916). Em 1903 circulou um p erio ­
dico com o titulo d’ 0 Furdunço.
Furia — Personagem dos presepios ou dramas pastoris
representando o Diabo. “ Seu Geroncio fez o papel de furia
de presepe.” A Pimenta n. 15 de 1902). “ A cabeça com dous
chavelhos como um furia de presepe.” ( A Lanceta n. 16 de
1890).
Furréca — Pom bo ordinário, de máo vôo, na giria dos
apaixonados criadores • indivíduo atôa, sem im portância • um
troca-tintas ahi qualquer. “ Umas Senhoras donas Furrecas,
chorando, de ventas accezas, trombudas, embiocadas, p or
zangadas e contrariadas.” (O Candeia n, 2 de 1832). “ P o r
certo, o illusire Doutor não desceria a ponto de4 misturar-se
com uns furrécas. (A m erica Illustrada de 5 de Dezem bro de
1875). “ E não se compare a distancia tpie vai delle, a um
furreca Maranhão.” (O Leão n. 1 de' 1880),
Fuso-doudo — Estouvado, eátroina, arreliado, pancado-
rio, inquieto, adoidado.
Fúte — O diabo; Artes de fu te ; levado do fute. “ Sr. Ta-
vo ra ! V ocê está com o fute no coúro? P ois se arroja a esten­
der a sua Lanterna para os lados da S oledade?” (Lanterna
M a g ic a ’ n. 852 de 1906). “ Bastião segue o antigo costume de
sua avó: acende uma vela a christo e outra ao fu te” (Jornal do
R ecife n. 340 de 1914). Fute é abreviatura de cafute, com a
mesma expressão de diabo.

372
Futicar — Mexèr, tocar, bulir, fustigar, fe rir “ As espo­
ras perderam as rosetas de tanto futicar o vasio do sendei­
ro .”(A Pim enta n. 44 de 1902).
Futrica — Estudante de humanidades que so tem dous p re­
paratórios feito s ; negocio, uma situação vantajosa, certas
cousas e arranjos. “ Se a futrica encangalhar-se, muita gente
volta ao p ó.” (O V apor dos Traficantes n. 183 de 1895).
“ Para indireitar a futrica, bastam-lhe tres piadinhas.” (A
Pimenta n. 16 de 901). Casa de negocio sem importância, bo­
dega, espelunca. “ Toda a futrica da venda, sempre, sempre
arruinada.” (A m erica Illustrada n. 16 de 1878). Um individuo
ahi qualquer, sem im portância alguma. “ Não são os Juizos de
meia duzia de futricas, que nos hão de embargar o passo.”
(Am erica Illustrada n, 8 de 1877). “ Subdelegado futrica, cho­
ra lagrim as de sangue Já no fundo da botica.” ( A Lanceta n.
34 de 1890), “ Pedi um café lá me trouxe o futrica uma agua
morna escura toda cheia de pó (A P in e n ta n. 558 de 19Ó7).

373
G
Gahão — Falso, illegitim o, não verdadeiro. Bluteau e os
modernos lexicons consignam o vocábulo, mas com accepções
differentes destas que registramos, é já muito vulgares, assim,
entre nós, nos prim eiro annos do seculo passado. Gabão é o
•nome de uma região situada na A fric a Equatorial, e de onde
traziam nos navios negreiros avultado numero de escravos
desde os prim itivos tempos do trafico ; e dahi o qu alificativo
de negro Gabão aos que vinham daquella procedência, e ainda
aos que eram de outras como um qu alificativo injurioso, depre­
ciativo, porque os gabões eram estúpidos, ferozes e jnáos, e
naturalmente falsos e traiçoeiros, vindo assim, dahi o vocá­
bulo com as referidas expressões. Um periodico p olitico de
1846, A Carranca, cruelmente ferin do a um adversario era
desbragada versalhada chama-o de moeda chenchem, isto é dU
nheiro falso, e negro gabão. Esse dinheiro falso, de cobre
amoedado, tinha concurreniem entè o nom e vulgar de gabão,-
dez reis, um vintem, dous vinténs gabão, que se tornou ex ­
tensivo mesmo ás moedas legaes de iguaes valores, até que
desappareceram da circulação com a emissão de outras de
novo padrão já no regim en republicano. “ Correram as bolças
e encontraram bem no fundo um gabão e um nikel de 50 reis.”
(O João Fernandes n. 29 de 1887). A D. F r. Antonio de S.
José Bastos, que regeu a diocese na qualidade de bispo e lei­
to de 1811 a 1815, deram-lhe o appellido de Bispo gabão, p o r­
que era um bispo falso, illegitim o, sem confirm ação e sa­
gração; o que igualmente oeçorreu depois com o bispo D.
João da Purificação Marques Perdigão, nas mesmas condições,
no in icio do seu episcopado. E assim, referindo-se o periodi-
co Palm atória dos Toleirões (n. 14 de 1833) ao tempo do seu
m inistério no caracter de bispo eleito e vigário capitular, diz,
que como bispo gabão, ou que, quando bispo gabão. Atacando
uma correspondência publicada no D iario de Pernambuco n.
245 de 1829 á serrasina d’ 0 Cruzeiro chama-o — “ P eriod ico
despolpado, moeda sem cruz nem cunho, em fim gabão. P o r
esse tempo appareceu entre nós um engenheiro sem titulo,
deram logo o mesmo appellido, e fizeram -lhe uma versalhada
chula que com eçava: “ Engenheiro de gabão, Logo que elle aqui
chegou, Inventou um chafariz Que sahiu como o seu nariz.”
Outras accepções do vocábulo, mas em desuso. “ Chia estrepi­
toso o grito de gabão, que é grito indicativo de apupada.” (O
A rtilh eiro n. 7 de 1843). “ Gabão: Estudante reprovado desde os
preparatórios.” (O Anão « . 45 de 1863).
Gabolice — Jactancia, pretenção, pabulagem, bravata.
Gacheiro — Cauteloso, prevenido, mansinho. Vem tão ga­
cheiro e amedrontado, que não póde sêr amigo n osso. • ■ Viu
elle um homem correr gacheiro e cauteloso pelo asseiro afóra.”
(F ra n k lin T a v o ra ).
Gadanhar — 0 mesmo que agadanhar, “ Não tarda muito
que não venha a lim peza geral dos bens de mão morta, ga­
danhar tudo em b en eficio de mãos viva s.” (O Athleta n. 2 de
1848).
Gado — A gente da fam ilia: Não bulam cá no meu gado!
Gado amontado: o que fóge da fazenda, não ferrado ainda,
bravic. e particularm enle chzroado Barbatão, Gado em pé: o de
boiada, vendido aos marchantes nas feiras: Negociante de gado
em pé. Gado novo na terra: o forasteiro recentemente chega­
do. Gado sem pasto: diz-se de um individuo abandonado, des­
protegido, desprezado.
Gagão — Jogo de parar aos dados. (M oraes). “ Os velh a­
cos fizeram da revolução um jogo de gagás.” (O Carapuceiro
n. 66 de 1837). “ Dous c az, pontos que tem os dados no jogo
do gagás.” (O Postilhão n. 30 de 1847). Jogo só usado hoje por
gente baixa, vem porem de longe, e Caneca já refere, que um
dos nossos presos politicos de 1817, na cadeia da Bahia, sus­
tentou um grosso gagás per alium. — (T yp h is Pernambucano n.
X irr dc 1824).
Gagósa — A ’ , de, na gagosa: Exploração, abuso expedien­
tes ; de graça sem dinheiro, sem trabalho, de mão beijada.
“ Assim os taes sucios até hoje tem vivid o á gagósa do proxi-
376
m o.” (O Camarão n. 6 de 1848). “ Que descoberta para ter
jantar á gagósa! (O Form igão n. 4 de 1850). “ Entro aqui de
gagósa, isto é, sem dar dinheiro.” (Lanterna Magica n. 79 de
1884).
Gaiola de cinco ponteiros — Masturbação. “ Mamãe se dam-
na com o o ffic io que o Mario adoptou de fazer gaiolas de cinco
ponteiros.” (A Pimenta n. 608 de 1907). Na giria portugueza,
Gaiola de cinco arames, tem a mesma expressão.
Gaita — Nas locuções: Dar á gaita, P ô r na gaita, perder,
esbanjar, rnniqu ilar; arruinar-se, dar com uma fortuna, he­
rança ou negocio em pantanas, em vasa barris, perder tudo.
“ O sugeitinho vai pôr na gaita o patrão acostumando a gave­
ta todo o dia ao bofetão.” (A m erica Illustrada n. 25 de 1882).
“ Esses medalhões conduzirão á gaita o im pério.” (Lanterna
Magica n. 33 de 1882).
Gaitada. — Risada immoderada, estridente, acanalhada:
Dar uma gaitada.
Galhas — Armação, chifres do boi ou veado: Boi de ar­
mação aberta, esgalhada.
Galheiro — Especie de veado (C ervus) que tem galhas, cor­
nos ramificados, esgalhados, vindo dahi este seu nome vulgar
consoantemente com o de suçuapára que tinha entre os indios
tupis, cujo termo, segundo Theodoro Sampaio é corruptela
de çoóçu-apara, veado de galhas, ou o cervo g a lh e iro ; o mes­
mo que çuaçú, corruptela de çoó-açú, o animal grande, a caça
mais avultada, o veado ou cervo. — . . . “ o caçador! Perd e o
rasto do galheiro, E vai cahir prisioneiro N o doce laço de
am or.” (Bruno Seabra),
Gálla — A cicatricula ou germen do ovo, um signal ou
mancha branca, arredondada, como um pequeno botão, que se
vê na superfície da gemma, indicando fecundação, e assim pra-
p rio para a reproducção da especie: Ovo gallado.
Gallega — Especie de rola. (Colum ba peristera, B oié).
Gallego — O portuguez, assim depreciativam ente chamado
desde os tempos das nossas lutas emancipacionistas. “ Infam e
horda de gallegos, que vindo buscar fortuna, longe de conten­
tarem-se com o pão da fortuna, intromettem-se na política, e
unidos a pervesos, surgem do pó da terra soberbos e arrogan­
tes.” (O Guarda Nacional n. 1 de 1848). “ Um gallego de tal
jaez, e os seus malungos, podem falar de quem furta, quando
elles, talvez, são os prim eiros ladrões do m undo?” (O Povo n.
17 de 1857.) “ I Tm A’elhote gallego, rabugento e corcunda.” (A
Pimenta n. 36 de 1902). Não faço festas a g a lleg o s ; Morreu g a l­
lego? (D ictado populares) “ O que não acho bom é esta àgglo-
moração de povo, parecendo ter m orrido ga llego ” . (A P im en ­
ta n. 80 de 1902).
G állico — Mal ven ereo D erivados: G alliqu ira; engallicado
Sarna Gallica.
Gallinha — Mulher facil, lasciva, sensual: individuo fraco,
timido, pusillamine. O João é uma gallinha; não aguenta re ­
puxo Locuções, dicfados e proloquios: A gallinha da visinha
é mais gorda que a minha : Casa de Gonçalo, em que a gallinha
manda mais que o gallo: De grão em grão a gallinha enche o
papo; D orm ir com as gallinhas, muito cedo ; Estar a caldos de
galhinha, com promettido, em máos le n ç ó e s ; Gallinha choca,
inquieto, m ovediço, a g ita d o ; Gallinha de campo não quer
capoeira; Gallinha e perú é tudo um ; Gallinha gorda não p re­
cisa tem peros; Gallinha não tem agua para beber, tem para
lavar os p é s ; Gallinha pedrez não a comas nem a dês; Gal­
linha preta pôe ovo b ran co; Gallinha sem sangue; N a som­
bra do cachorro a gallinha bebe agua; Não sabe por onde a
gallinha mija ; Nunca m ulher p erdida amou a homem honra­
do, nem gallinha gorda a capão; Onde a gallinha pôe os ovos,
pôe os olhos. Onde está o gallo a gallinha não canta ; onde estão
os pintos, tem a gallinha os olhos; P é de gallinha não mata
pinto; Quando as gallinhas tiverem dentes. Quem come gal­
linha magra para uma gorda.
Gallinha d’agua — Especie de ave aquatica (A ram id es).
a saracúra dos indios, que quer d izer; ave que come milho,
sem distineção das suas especies differentes, entre as quaes
a escura e a azul.
G allinheiro — Galleria corrida sobre a ultima ordem de
camarotes dos theatros. “ Um grupo de bahianos tomou lugar
nas torrinhas, gallerias, paraizo ou gallinheiro do thealro, co­
mo lhe queiram chamar.” (Lan tern a Magica n. 11 de 1882.)
“ Durante os quatro espetáculos que a companhia deu, apenas
pude arrajar um lugarzinho no ga llin h eiro.” (Id em n. 749 de
1903) “ N o povo do gallinh eiro Houve certa contradança, A
policia entrou na dança Com seu porte praseciteiro.” (O Etna
n. 24 de 1880).
Gallista — Individuo que deita gallos á brigar. “ Caxangá
p ’ra capim verde, Beberibe p ’ra c a rv ã o ,... Afogados p’ra gal-
listas.” (Versos populares).
Gallo — P eix e de agua salgada (Zeus vom er), a que os in ­
dios davam o nome de Abacatuaia, e que recebeu este vulgar de
“ P eix e gallo, por ter o espinhaço muito levantado” , como es­
creve o autor dos Diálogos das grandezas do B ra sil; em F e r­
nando de Noronha, porem, é chamado Gallo do alto. Gallo da
serra: ave da nossa ornithologia, mencionada p or Jeronymo
V ilella nas suas poesias. “ Gallo de campina: passaro canoro
(P aroaria dom inicana) ; Tndividuo brigão, insolente, mettido a
valentão. Gallo doudo: azoado, tresloucado, adoidado. Ouvir
cantar o gallo, mas não saber onde: dicto applicado aos que
referindo, ou querendo explicar algum facto; ignoram as cir-
cumstancias indispensáveis e essenciaes. Briga de ga llo: o
conhecido costume de botar gallos á briga, tirando-se até
mesmo lucro disto pelas vantagens resultantes das apostas.
Gambá — Anim al da ordem dos roedores (T iv e rn â mar-
supialis, C.urvier), o mesmo que cassaco e timbú, entre nós,
e saruê ou sariguê em outras partes. Gambá, como escreve
Theodoro Sampaio, é corruptela de gua-ambá, seio ouco, o
sacco vasio, nome de um marsupio que guarda os filhos num
sacco que tem na barriga (D id elp h ys). O gambá dá caça ás
gallinhas e tem grande predilecção pela aguardente; e bebé
tanto, que fica completamente embriagado., Bebç como um
gam bá! Diz-se de um indivíduo beberrão. 0 Gambá, com o
nome de Sariguê, fo i o 'p r im e ir o animal do Brasil conhecido
na Europa, de um exem plar com uma cria que Viceríte Yanez
P inzcn apanhou na sua derrota norte afóra de Pernambuco,
em 1500, em demanda da Hespanha.
Gambaz — Calabouço, prisão, na giria dos gatunos.
Gamberna — Não conhecemos este termo. Entretanto, o
registramos, em face do seguinte trecho, definindo-o, pare­
cendo assim, que na epocha já era mais ou menos vulgar:
“ Gamberna é synPnimo de tranquibernia, tratantice, lad roei­
ra, etc. etc.” (O V apor do R io Form oso n. 22 de 1857),
Gambêta — De pernas tortas. “ De pernas um tanto gam-
béta.” (O V apor do Rio Form os1
© n. 15 de 1857). D erivado:
Gambetear. “ Nunca o v i andar mais lig e ir o ; não gambeteava,
v o a v a !” (O Clamor Publico n. 9 de 1845).
Gamenha ou- Gamenho — Casquilho, peralvilho, peralta.
“ Menina seu pai é pobre, E sua mãe carrega lenha. Menina

379
case com migo Que eu sou moço gamenha (T ro va s populares).
“ Olha a criada gamenha e fica todo babado.” (A Pim enta n.
9 de 1908). Em 1832 appareceu uni p eriodico m oral e p o líti­
co sob o titu lo: A Gamenha. “ Chibar muito airoso, Gamenho
cheiroso Em gordos cavallos.” (A Carranca n. 18 de 1847).
Os cabellos brancos pouco importam, sobretudo aos poetas
gamenhos que o pintam .” (O la vo B ila c). Em 1836 appareceu
um period ico de vida ephemera intitulado: O Gamenho P o ­
lítico, que no seu Introito, no numero prim eiro, escreve: Um
gamenho é um almanack de novas invenções e de modas. Um
p eriod ico agamenhado deve ser um volum e de novas p rati­
cas: nisto certamente não discordarão os iniciados na seita
gamenha.” D erivado: Alem do citado agamenhado, gamenhar.
“ Padres do ermo andam pqr abi retezados e gamenhando no
m eio de nós.” (O Carapuceiro n. 9 de 1337).
Gaijcho — Trabalho extraordinário nas horas vagas: F a ­
zer um gacho, T irad o a gancho: com esforço, trabalhosamen-
mente. Seu beiço é curto, seu pé tem gancho: phrase de duvida
despreso, a uma ameaça qualquer.
Ganço — Bebedçira, pancão. “ O mundo agora anda to rto ;
Anda sem eira nem beira. Pois não chamam hoje Ganço Ao
que era bfebedeira? (Quasimodo, 1877). “ Quereis ter toda a
certeza de que a terra é quem gira em roda do sol? Tom ai
um ganço.” (A m erica Illustrada n. 1 de 1881). “ O Totonio-
canivete V ive agora só no ganço, T roca os pés no embalanço
O T otonio-can ivete.” (O Diabo n. 5 de 1883). D erivado:
Gáncista. “ Os odorosos cajús mão perm ittiram o jejum aos
gancistas.” (O Binocolo n. 4 de 1881). “ Vai trabalhar, p re­
guiçoso,, gancista, valentão.” (A D errota n. 13 de 1883). “ Gra­
ças a policia, já podemos andar sem encontrar enorme quan­
tidade de gancista.” (O Maná «i. 9 de 1883).
Gandóla — Testículo: Um par de gandólas.
Gangorra — Peça dos antigos engenhos de assucar m ovi­
dos a agua ou animaes, feita de madeira, para espremer o
bagaço da canna depois de moida como assim já a descre­
vem os nossos velhos chronistas, nomeadamente Fr. Vicente
do Salvador, tíórra ou barrete de uso ordinário no seculo
X V I: uma gangorra de veludo ou seda. Bicycleta. “ Montei na
minha gangorra, e dirigi-m e aos pontos de diversões princi-
paes.” (O G rillo n. 1, de 1901). “ Pedalando a elegante gan­
gorra, segue hoje a Pimenta em busca de um retiro espiritu­

380
a l.” (A Pimenta n. 14 de 1902). Q ualificativo de mofa, de
desdem, de uma cousa ou negocio qualquer. “ Numa bella
manhã de Novem bro o marechal D eodoro fo i ao campo da
Acclamação, aggarrou o Sr. Ouro P reto por um braço, o Sr.
Cândido de O liveira por uma orelha e deita abaixo a gan­
gorra.” (A Lanceta n. 3 de 1889). Com o nome de Gangorra
ha um povoado e um riacho no município de Gravatá, e um
outro no de Cimbres, vindo o nome deste Riacho da Gangor­
ra de uma fazenda assim chamada, situada á sua nascente.
O vocábulo tem tambem curso em alguns estados, mas com
accepções outras, Na Parahyba, p or exemplo, é dado aos pe­
quenos engenhos de pau de fabricar rapadu ra; e no Ceará,
ao cercado ou curral. “ Quando quiz cuidar em mim Estava
numa gangorra Quando quiz sahir «ião pude Tinham fe ­
chado o portão.” (Cancioneiro do Norte).
Ganhador — Individuo estacionado nas ruas, praças e
estações de caminhos de ferro, para o serviço de transporte
de bagagens, moVeis, mercadorias ou outra qualquer cou sa; e
em outros tempos, o escravo que andava ganhando para seu
senhor. “ Ganhadores a vu lso s... sem capatazias companhias
ou corp o ra çõ es... Indivíduos dedicados ao serviço de ganho
puhlico pelas ruas.” (Posturas da Camara do R ecife, 1831).
“ Os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no
ganho.” (Aluizio Azevedo). “ Falleceu repentinamente o ga-
fthador chapa 744” . (Jornal do Recife n. 161 de 1914). Espe­
táculo politico. “ Uns insignes ganhadores, sem princípios po-
liticos, sem honra e sem pudor.” (O Lidador n. 49 de 845).
“ Todos são do mesmo lote, todos são bons ganhadores.” (O
Clarim da Fama n. 3 de 1863). “ Especuladores, políticos sem
fé, vis ganhadores.” (Lanterna Magica n. 159 de 1886).
Ganimedes — Pederasta passivo. “ Andar a Ganimedes,
que dizem, já fôra em outras eras.” (Echo da Verdade n. 4 de
1845). Ganimedes é um personagem m ythologico, filh o de
Tros, e rapaz dotado de tanta belleza, e tão gentil, que Jupter,
depois da desgraça de Hebe o fez arrebatar p or uma aguia,
e lhe deu o em prego de copeira, que aquella deusa exercia.
Ganja — Alegria, satisfação, contentamento; presumpção
vaidade. “ Deixa-te dessas ganjas, que mal cabem a um homem
serio.” (Beaurepaire Rohan).
Garage — Estabelecim ento de deposito e aluguel de bicy-
cletas, e de automoveis de passageiros e carga. “ Um allemão

381
alugou uma bicycleta na garage á rua Paulino Camara, indo
vendel-a em Olinda.” (A P rovín cia n. 277 de 1915). “ Existem
em T ig ip ió duas garages de bycicletas, para aluguel.” (J o r­
nal do R ecife n. 154 de 1916). “ O automovel causador do de­
sastre pertence á Garage união.” (D ia rio de Pernambuco n.
287 d e '1915). “ A Garage Ford realisa uma explendida excur­
são á Cova da Onça, em Beberibe. (Jornal do R ecife n. 301
de 915). “ Pago á Garage Conceição aluguel de um auto-
30$000.” (Dem onstração da receita e despeza com o monumen­
to erigido ao Dr. Joaquim Nabuco.) “ N. 41. Garages de auto­
móveis de passeio, 12:000$.” (O rçam ento do Estado, 1914-15)
O termo garage, geral no paiz, vem de igual, do francez, —
casa de recolh er aútomoveis ou bicycletas, — derivado do v e r­
bo garer, abrigar, reçolher, guardar. A ’ introducção do auto­
m ovel em Pernambuco, porem, tiveram as suas cocheiras a
denominação de garagem, que fo i transitória, não vingou, como
vimos.
Garajáo ou grajáo — Especie de cesto de sipó resistente,
oblongo, sobre uma èase quadrada, tendo no alto uma aber­
tura. Destinado á conducção de aves e louça de barro ao m er­
cado, são usados aos pares, pendentes das extremidades de um
calão, carregado aos hombros. “ Garajáo de gallinha não é
bicycleta.” (A Lanceta n. 109 de 1913). “ Deixou-me um pilão
sem bocca, Um garajáo de ajuntar ovos.” (A Herança de D in ­
dinha). Segundo Arm inho Guaraná, é duvidosa a origem in dí­
gena deste vocábulo, mas ao que parece, propende antes pela
africana, uma vez que menciona a circumstancia de ser gara­
jáo o nome de uma ave m aritim a da costa de Guiné.
Guarajúba — P eix e de agua salgada, muito commum e es­
timado, a que os indios davam o nome de Gury-juba, peixe de
pelle amarella.
Garapa — Xom e commum dc diversas' bebidas refrigeran ­
tes feitas com agua, asucar ou mel, e o sueco de fruetas aci­
das, como o tamarindo, maracujá, laranja e outros • as do li­
mão, porem, tem o nome particular de lim on ad a; a do cajú,
ponche, ou cajuada; e a do mel de furo com m ilho em grão,
garapa picada, p or ferm entar, fica r espumante, picante. No
sertão dá-se o nome de garápa ao caldo da cana tirado das
moendas das engenhocas ou usinas, tambem ao mesmo caldo,
mas com certa dosagem de agua, para o fab rico da aguarden­
te. Expressão de uma cousa facil de a d q u irir; que se liga pou-

382
ca im portância e manifestada mesmo com um certo tom de
desprezo, de desdem: Para mim, é aquella garapa!; ou de uma
cousa bôa, agradavel. “ O banho aqui, no im pagavel Pirapama,
é aquella garapa!” (A Pimenta n. 16 de 1901). “ Um choro
baita, que veio term inar cá pela Bôa Vista. Foi aquella gara­
pa..” (Jornal Pequeno n. 20 de 1916). Damnado por garapa:
desejo, vontade de qualquer cousa. “ Polacas africanas, dam-
nadas por garapa, a saracotear pela sala.” (Jornal Pequeno n.
14 de 1916). Garapa, segundo S ylvio Rom ero, é um vocábulo
de origem africana com a expressão de bebida; e àssim já mui­
to vulgar entre nós no seculo X V II, como se vê de Guilielm i
Pisonis, nomeadamente, que frequentem ente o emprega, e por
sua vez tambem, o Padre Simão de Vascocellos, que meneio-
nando os vinhos usados pelos indios inclueum de mel silves­
tre, ou de assucar, a que chamam garapa. Constituindo uma
certa especie de garapa, naturalmente a‘ picada, uma industria
lucrativa pela sua publica vendagem, foi criada uma im posi­
ção particular sobre o genero logo depois da restauração do
dom inio hollandez, e assim, o Imposto da garapa que se fazia
no districto da cidade de Olinda, no Recife, na banda de Santo
Antonio até os Afogados, e nas Salinas, fo i arrematado em
1659 p or 16Ç000, cujo tributo subiu tanto pelo desenvolvim en­
to da industria, que no triennio de 1744 a 1747 fo i o seu con­
tracto arrem atado p or 459$000. D erivados: Guarapada. O mes­
mo que garapa. Garapão: Bebida picante, fermentada, em ou­
tros tempos, muito apreciada pelos africanos, apezar de uma
embriaguez immediata e f o r t e ; casa de ven der a bebida. “ O
fiscal de S. José tem estado em actividade acerca dos garapões
que existiam na freguezia desde longa data.” (O Campeão n.
90 de 1862). “ O garapão de Santa Cecilia ainda continua a re ­
frescar os africanos.” (Idem , n. 97). “ Apimentados quitutes,
e espumos® garapão” . (America Illustrada de 1 de Março de
1874). Garapear: Tom ar, dar garapa: Garapear os cavallos.
Garapeira — T elh eiro junto ás casas de rancho situadas
nas estradas, para forn ecer garapa aos cavallos era transito.
“ O rancho não era mais do que o prolongam ento da garapeira,
com a qual tinha commuiTicação interna. Um rancho dezenas
de passos antes da p o v o a ç ã o ... De um lado estava a longa
m angedôra.” (Franklin Tavora). “ Raramente passa um car­
gueiro nas garapeiras sem que dê a seu animal uma ração de
m elaço.” (Arthur Orlando).
Garapáo — Especie de peixe, que registram os pela sua
ntensão p or Jeronym o V ilella, como vulgar em Pernambuco.
Gargaúba — Planta da flora sertaneja, que produz excel-
lcnte frueto. Registrada por Jeronym o Vilella.
Garnizé — Gallo ou gallinha de raça p eq u en a; individuo
de baixa estatura, audaz, iracivel, petulante, brigão.
Garôpa — P eix e de agua salgada.
Garrafáda — Preparada m edicinal de curandeiro, compos­
to de vegetaes diversos, aeondicionado em garrafa e enterra­
da por uns tantos dias para depois ser usada com efficacia.
As garrafadas do §ertão, onde não ha m edico nem pharmacia,
são afamadas pelos seus prodigios na cura, principalm ente, de
certas moléstias. “ P elo valor da excellente Garrafada do Ser­
tão, Qúe cura quelquer doente Que tenha darthro ou ventão.”
(O Destino dos Am antes). Golpe de garrafa. O sanguinolento
con flicto p olitico occorrido no R io de Janeiro na noite de 13
para 14 de Março de 1831, entre o partido exaltado, ou nativis-
ta, e o que se denominava portuguez, em que a garrafa fo i usa­
da, em grande parte, como arma de combate, ficou por isto cha­
mada a N oite das garrafadas, e assim consignado na historia.
G arrafeiro — Individuo que v iv e de negocio de compra
e venda de garrafas vazias. V êr quem tem garrafas vazias:
quem dispõe de animo, coragem, resolução, recursos para en­
fren tar um negocio qualquer.
Garrancho — Caracteres de escripta mal feitos, d isfor­
mes sem expressão; um jogador a mais no jogo do solo.
G arrita — O sino m enor dos tres, que commumente f i ­
guram nos campanarios das igrejas.
Garrote — Boi novo (S y lv io R om ero), ou bezerro de dous
a quatro annos de idade. (Baurepaire R oh an ). “ Corre, corre,
b o io tin h o ; Tenho visto tanto boi, Quanto mais um garroti-
nho.” (O Boi L is o ).
Garrucha — Arm a de fogo a especie de pistola, porem
maior. “ Eu trago a minha garrucha Carregada até n o meio,
P ’ra matar moça bonita Que namora moço fe io .” (T ro va s po­
pulares) .
Gasguita — Mulher que fala muito, aos gritos, com voz
vibrante, estridente. “ Samba, canta e pula, Toca, recita e g ri­
ta, Encommoda de tal fórm a Que parece uma ggsguità.” (O.
Maná 1(5 de 1883). “ Velhas sçnsas e gasguitas, que em sua
mocidade d eram 'tudo ao diabo.” Lanterna Magica n. 505 de

384
1896). “ No festim de Santan, é a voz da mulher gasguita que
faz figu ra.” (Idem , n. 521 de 1897).
Gastura — Encommodo, mád estar, produzido pela fome,
quando se está com a barriga dando horas.
Gata — Fraco, m ofino, tim ido pusillamine, não póde com
uma gata pelo rabo. “ Dizem que o sugeito é valentão, marca
arran ca-toeos; porem algumas pessoas affirm am que é gata.”
(A Pim enta n. 20 de 1901). Gata esfolada ou simplesmente
gata: mulher velha, repellente; um canhão. Casar-com a gata
por causa da p ra ta ; Quem casa com a gata por causa da prata,
perde prata e fica-se com gata. (D ictados populares).
Gatimônha —- Momice, tregeito, visagem ; e segundo o r e ­
gistro de S ylvio Rom ero, carêta, bugiaria. O term o é corrup­
tela de gatfmaánhos, que Moraes registra como plebeo, com as
accepções de esgares, trègeitos, abonando-o com um trecho
da comedia Eufrosina de Jorge F e rreira de Vascocellos, edição
de 1616. Aulete tambem assim o consigna, sem mais aquella
declaração, e com as expressões de signaes com as mãos.
Gato — Especie de p eixe de agua salgada (Serranua p i­
ranga, Cuv.) L igeiro , agil, experto, gatuno. “ Passados annos,
R d a esta corja de cabras dè gazúa, bons bichanos, soberbos
gatos, é toda honrada, toda im polluta.” (A Pim enta n. 569 de
1907). Gato do matto. O mesmo que maracajá. Gato pingado.
Troca-tintas; sugeito de infim a classe, pobretão, sem im por­
tância alguma. “ Se vos não engraçaes com os taes gatos-pin-
gados que miam, arranham e calumniam nem eu.” (O A r ti­
lh eiro n. 46 de 1843). “ Em que accepção tomarão semelhante
term o (lib erd ad e) os gatos-pingados • do partido da p ra ia ? ”
(O Clamor Publico n. 9 de 1845). “ Meu Deusl Com essa ca-
saquinha vestida parecia mesmo hm gato-pingado.” (A
Pim enta n. 17 de 1901). Gato-pingado, era assim chamado o
carregador da tumba de conducção á sepultura dos cadáve­
res dos pobres fallecidos no hospital da Santa Casa de M ise­
ricórd ia de Olinda, em cuja cidade, como vestigio da gente
desse o fficio , ha uma velha rua denominada dos Gatos; mas o
qu alificativo, porquanto, eram assim chamados — os que le ­
vam o esquife com os pobres mortos, — ou com o define o P a­
dre B. P ereira : o enterrador dos mortos, o c o v e iro ; o ladrão,
desenferrador dos mortos.
Gaturamo — Ave da ordem Deodactylis, secção Dentiros-
tris (Euphonia vjolacea, D esc), especie d e, gavião. O autor
tios D iálogos das grandezas do B razil a descreve com o nome
385
índigena, originário, de Garatá-unara, e que, “ como a rei lhe
criou a natureza corôa na cabeça, coze ao modo de crista de
gallo, e que entre todas as aves de volataria póde leva r o
preço em ligeireza e agilidade, que tem para caçar” .
Gaudério — Parasita, vadio, fila n te ; papa-jantar, amigo
de v iv e r á custa alheia. “ O seu prim eiro pensamento fo i co­
mer de gauderio.” (O A rtilh eiro 11. 57 de 1843). “ Ora, isso o
que prova é q’ue és forreta, és tacanho, e tanto o és que até
és guaderio.” (A Carranca n. 63 de 1846). “ Mama a cerveja
todas as noites, mas nunca paga para os amigos, e isto taz
porque todo o cara-dura é gauderio.” (Lan tern a Magica n.
228 ‘de 1888). ü term o tem as variantes de godério e godéro,
igualmente correspondentes e vulgares. “ Goderio me disse
que eu goderasse, comesse o dos outros e o meu guardasse” .
(Versos populares). “ F ilh o seja sincero; Quem é que come
o queijo do v igá rio ! Quem é esse g o d e ro ? ” (Jornal do R ecife
11. 27,5 de 1915). Consoantemente com estas duas vozes vem
os verbos gauderar e goderar, de expressões obvias. Term o de
origem latina vem de gaudére, in fin ito do verbo gaudeo, fo l­
gar, regosijar-se, alegrar-se, estar contente, satisfeito, alegre,
risonho ;e é de corrente antiga entfe nós, porquanto tinh,
curso já na segunda metade do seculo X V II, como se vê destes
versos de G regorio de Mattos na sua Epistola ao Conde do
Prad o; “ Só por levar a gaudére O que aos outros custa gim-
b o.” Já então estava bem definido o typo do gaudério ou
go d ério : o que, queria levar de graça o que dos outros cüs-
tava dinheiro, como diz o poeta.
Gavêta — Nas locuções: Gaveta de sapateiro: cheia de
miudezas, mas em confuzão, em desordem ; Estár na gaveta
de outrem: preso por dividas ou compromissos quaesquer.
Gaz —- Kerosene. “ Puxando unja lata de Kerosene o gaz
fez explusão, lavrando voraz incêndio.” (A Lanceta n. 33 de
1890). “ Tinha o estabelecim ento uma pequena quantidade de
aguardente, álcool e gaz.” (Jornal do Recife n. 130 de 1916).
Uma garrafa de gaz; uma lata de gaz; botar gaz no candieiro.
O Kerosene, que começou a apparecer pelos annos de 1860,
substituiu ao azeite de côco e de carrapato dos nossos aaiti-
gos candieiros e candeias, fazendo assim desapparecer do
m ercado aquelles productos industriaes. Em 1863, quando
ainda era pouco vulgar, annunciavam os jornaes o verdadeiro
gaz americano, de superior qualidade, a 600 reis a garrafa.
D erivados: Gainho — pequeno candieiro de fo lh a ; Gazista — o
operário que tem a seu cargo o serviço de illunjinação a gaz
dos theatros, e particularm ente o do registro do scenario para
graduai' a luz segundo as exigencias das peças em represen­
tação.
G azeteiro — Vendedor ambulante de jorn aes.” “ O Gaze­
teiro, na occasião em que vendia jornaes íium bond electrico
na ponte da Bôa Vista, fo i alcançado pela grade, ferin d o-se.”
(D ia rio de Pernambuco n. 84 de 1915). “ F erid o o gazeteiro,
foi soccorrido pela Assistência P u b lica.” (Jorn al do . R ecifo
m. (53 de 1915). Fon -fon é o nome de guerra de um gazeteiro
conhecidissim o.” (Jorn al Pequeno n. 84 de 1915).
Gazopêtar — T ira r, encher-se, locupletar-se. “ As compa­
nhias inventoras de actos eccelsiasticos, gazopetam o dinh ei­
ro alheio sem prestar contas depois de feita a festa, ou p res­
tando-as á çeu m odo.” (O Diabo a quatro n. 46 de 1876).
Gebú — T erm o onom atopaico para exp rim ir o estampido
das inesperadas explosões dos buscapés ou pistolas occasio-
nadas por defeito do fabrico. “ Toton ia tome o meu conselho,
não solte estas p isto la s ; você não as conhece, e podem dar
gebú.” (Lan tern a Magica n 565 de 1889). “ 0 fogo é ord in á­
r i o . . . Esperem pelo gebú.” (Idem , n. 701 de 1902). “ O bus
capé tem muita lim alha e o gebú é certo.” (Idem , n. 801 de
1905).
Geláda — Garapa, refresco ou ponche gelado do succo do
abacaxi, maracujá, pitanga, ou de outro qualquer fructo. “ O
tal caixeiro não deixa de tom ar gelada todos os dias na ponte
da Bôa V ista.” (A Pim enta n. 73 de 1902). D eriva d o: geladei-
ro, o vendedor de geladas.
Gemegão — Firm a, assignatura: V am os; encarrapiche lá
o seu gemegão no papel. Gemegão P. T. S. Gaspar Cardoso,
nome de troça dado a um individuo qualquer
Gemer — V erbo para expressar, em todos os seus tempos,
a belleza e harm onia de sons de um instrumento qualquer ou
de uma orchestra: O pinho gemia nun> lundú de arrebatar. “ A
banda de linha vem gemendo um dobrado supimpa.” (L a n ­
terna M agica n. 509 de 1896). Satisfazer pesados encargos,
pagar despezas alheias, ser victim a de exploração; Gemer
na pua, pagar o pato • Gema quem gemer, chore quem chorar,
perca quem perder. “ Gemem na pua muitos e muitos, sendo o
m artyr o pobre do P in h eiro .” (A Lanceta n. 33 de 1890). “ Que
im porta a Souza Menezes que um velho tonto lhe emprestas­
se o sordido desejo de enriquecer, gemesse quem gem esse?”
(A ra rip e Junior).
G engibirra — Bebida refrigeran te picante, espumosa, fe i­
ta de garapa de agua e assucar, qualquer fructa, crefnor de
tartaro, ferm ento de padaria ou de cerveja gengibirra ou acido
citrico. N o Geará é connnumente preparada com um succo do
genipapo, e dahi quasi que desapparecendo o nome vulgar de
gen gibirra pelo de geni, abreviatura do da fructa. A gengibirra
é a cerveja dó Zé povinho. “ Para substituir o champagn.e, tive-
vemos quatro duzias de garrafas de gen gibirra.” (A Tem pes­
tade « . 12 de 1858). “ Tom a cuidado com a gengibirra. Não
abuses da garapinha.” (A m erica Illustrada ci. 21 de 1883).
“ Se cada garrafinha de gen gibirra em vez de três vinténs cus­
tasse cinco tostões, seria bebida de fidalgos.” (A Lapterna
IVlagica n. 448 de 1895). Refutando Gonçalves Yiana o N ovo
D iccionario de Caodido de Figueiredo, que dá o vocábulo
gengibirra, como designando uma bebida usada entre os in d í­
genas do norte do Brasil, diz acertadamente, que ha nisto en­
gano manifesto, pois nem a palavra tem o m enor vislum bre de
pertencer a linguas americanas, nem é natural que designe
qualquer bebida indigena, concluindo: “ E ’ simplesmente a
italianisação, e p or ella o aportuguezamento do inglez ginger-
beer, cerveja de gengibre, bebida refrigeran te muito conhe­
cida. B irra em italiano, com o beer em in glez quer dlzèr —
cerveja, e nesta lingua gin ger significa gen gibre.” A h i temos
portanto, a etym ologia do vocábulo gen gibirra: r— Cerveja de
gengibre, — e a sua origem ingleza, cuja form ula do seu
preparo é quasi qqe a mesma usada entre nós: “ Ferm enta­
ção do gengibre, crem or de tartaros, e assucar, com ferm ento e
agua.” Cremos que foram os proprios inglezes os introduc-
tores da popular bebida em Pernambuco, pelos annos de 1810,
ao com eçar o seu estabelecimento eeitre nós, graças á Carta
R egia de 28 de Janeiro de 1808, franqueando os portos do
Brasil á In glaterra e ás potências em paz com a corôa de P o r ­
tugal. Como data mais remota do uso da gen gibirra em Pernam ­
buco, consignamos este Annuncio publicado no jorn al O Cru­
zeiro, n. 115 de 1829: “ No beco do José. da Costa, no Forte
do Matto, se vende gengibirra muito util para refresco, a boti-
já a 160 e sem botija a 120” .
Genipapada — Genipapo (fructo do gen ipapeiro) descas-
eado partido em pedacinhos e misturado com assucar, Este
fructo, como escreve Alm eida Pirito, não passa p or bom de
com er-se; porem assim preparado, torna-se agradavel e possue
um p rin cipio excitante, forte, que estimula o estomago.
Genipapo — F aixa ou manchas de côr escura que se nota
sobre a cintura ou quadris dos individuos de origem mestiça,
muito embora já sob aspecto de horimens brancos, e sem mais
yestigios pronunciados da sua procedência. E ’ isto o que é
corrente entre nós. Entretanto, o addicionador de Moraes (5.“
edição, 1844) que, segundo Innocencio da Silva, não se con­
tentou com menos que riscar e em ittir muitos artigos de Mo­
raes para substituil-os p or outros, escreve o seguinte; “ Cha;
mam no Brasil genipapo á malha escura com que os pretos, c
nmlatinhos nascem sobre as cadeiras; e que é da côr que o
sumo do genipapo tinge. T e r genipapo é ter casta de mulato;
o que falta aos que tem descendencia misturada com brancos
e já remota dos avós pardos.” A h i fica a contradição. Fidalgo
de genipapo, é um vulgarissim o dictado popular de expressão
obvia, concurrenteinóhte com este outro de Fidalgo de caroco
preto, — menos corrente, empregando-se, diz em nota: “ Os cri-
ticos e antigenealogicos dizem que as fam ilias são com o um
n ovello de fio, que desenrolado até o fim dá num caroço preto:
assim são os fidalgos de Pernam buco.” (A V oz do Brasil n. 78
de 1848). Era do genipapo (fru cto do genipgpeiro, Genipa bra-
siliensis) -corruptela de yanipaba ou nhandipab, fructo de esfre­
gar ou que serve para pintar, (Baptista C,aetano) de que os
indios extrabiam uma tinta escura com que se pintavam, e de
côr tão pronunciadamente escura ao seccar, que lhes dava
quasi que o aspecto de homens pretos. V irá dahi a origem do
emprego do vocábulo para exp rim ir essa particular acepção
em que é vulgarm ente tido a exem plo dos Tacunas, corruptela
de tacó-una, quadril negro, ou o p ovo selvagem que trazia tin ­
tos de negro os quadris? A h i fica a nossa interrogação.
Genista — De genió forte, irascivel.
Gente — O p rop rio individuo que fala, sendo o vocábulo
— “ emprego pelo povo de modo equivalente ao on fran cez ou
ao se pôrtuguez. — Quando a gente tem feb re não é bom co­
m er laranjas.” (Cherm ont de M iranda). Agglom eração, reunião,
grande num ero: Gente como o diabo, como form iga ,.p o r cima
do tempo. “ Eu me v i cercado De cabos, tenente», Cada um pé
de canna Era um pé de gen te” . (Versos d’ 0 C a b elleira ). Va-

389
lente, forte, corajoso. — . “ Então, com adre onça, você só é
gente tendo arvoredo? Venha cá para o lim p o.” (Hjistoria da
onça e o b o i). “ P erco o sentido de todo, Não fico mais gente
não.” (D a chula Feitiços da m ulata). Você p’ra mim não é
gente. (D icta d o ). O h! gen te!: locução in terjectiva de adm ira­
ção, duvida, surpreza, re p ro v a ç ã o ; o p ovilh éo ignaro, porem,
diz Oh! xente! Gente sinhá: fina educada, de bôa fam ilia,
dessa que tomou chá em pequena. ' “Eu «não sou cabana Lá do
P a rá ; Sou menina bôa Génte sinhá.” (T ro va s populares). Pes­
soa indeterm inada; o vulgo: Gente, que é de M adureira? Ma-
dureira está de p a n c ã o ... O pobre tambem é gente, Tam bem
ama e firm e adora, Tam bem logra gente fina, tambem p or elle
se c h o ra . . . Minha gente venha vê gente de fazer h o r r o r ; A
navalha deu um talho Nas mãos do am olador.” (Versos popu­
lares). Gente de gravata lavada: de im portância e distincção.
Gente braba, da pá virada, de faca e calháo: insobordinada,
audaz, desordeira. Gente de barra: á tôa, de cacaracá, baixa,
hum ilde; e com as mesmas expressões, gentinha. Phrases e dic-
tados: Fazer da gente seu palito, seu gato sapato; Barulho sem
gente: sem m o tivo ; Gente de dá cá tua cuia; de pote e esteira:
de baixa condição, que não tem onde cahir morta. “ Gente de
dá cá tua cuia, pessoal de pote e esteira, não é com m igo.” (J o r­
nal Pequeno n. 13 de 1916). Gente nova: a criança q u e (nasce;
Pensam que é gen te; Só tem de gente os olhos; Gente da
Casa Fortè, nem p r’á vida, nem p r’á m orte; Gente de cara e
dente e nariz pr’ a fren te: resposta a uma pergunta de quam
fez, que viu, quem sabe, ou de quem é uma cousa qualquer.
“ Povos e povas! Gente de cara e dente e nariz pra fren te! V o ­
cês viram o ensaio do club na baiuca da Estrada N ova?”
(Jornal do R ecife n. 44 de 1916).
Geréba — Como escreve A lfre d o de Carvalho, esta dicção
é empregada em nada menos de cinco accepções diferentes, as­
sim enumerando-as: certa avis aquatica nigra, do alto Am azo­
nas, segundo M artiu s; uma casta de urubú de cabfeça encarna­
da, mencionada p or Fr. Francisco dos Prazeres Maranhão na
sua Paranduba M aranhense; um individuo desengonçado, de
andar bam boleante; certa figura de fogo de a rtific io ; e um in s­
trumento, com posto de um com prido arame, tendo na extre­
midade uma bucha de estopa, destinado á lim peza das canali-
sações e esgotos; — concluindo, como corollarios daquellas
expressões, com as do verbo tupi yerêb, que exactamente ex-

390
prim e, volver-se, virar-se, contornar-se, volver, tom ar v o lt a r ;
e o adjectivo yerêbae, volvente, girante. Quanto a nós só tem
curso vagamente, as accepções de estafermo de fogo de vista,
e a de instrumento de desobstruição dos encanamentos; e cor­
rentemente vulgarmente, a de um individuo desengoçado, de
andar bamboleante, e extensivamente, sem importância alguma
jarreta, aparvalhado, apatetado, de um trajar extravagante, al­
vo de chacotas e da irrizão publica. “ Chefe geréba, na terra
do mamão e jurubeba.” (Lanterna Magica n. 17 de 1882). “ Uma
sucia de gerebas arvorados em officiaes da guarda nacional.”
(Idem , n. 43 de 1883). “ Veste-se bem mas as suas calças balão
com bocca de sino dão-lhe um aspecto de gereba.” (A Pim enta
n. 62 1902). Quando um individuo apparece com qualquer cousa
nova, um chapéo, por exemplo, pergunta-lhe o garoto: Géreba,
quando este chapéo se acabar com que qu eb ras?; e com pri-
menta aos seus in timos: A i! gereba! ou ainda: A i gereba, ca-
rapeba!
Gerebita — Aguardente, ou a cachaça, feita de borras de
assucar, de mel de furo, como define Moraes, consoantemen-
te cóm estes versoS- de uma quadrinha do cyclo das nossas
trovas populares; “ Aguardente é gerebita Filh a da canninha
torta.” — Quem a vida qiuzer sem desdita, E ’ ccnstante tomar
geribita.” (Am erica Illustrada n. 3 de 1880). A dicção é antiga,
já conhecida no seculo X V II. como se vê deste verso de Grego-
rio de Mattos na satyra Verdades: “ Aguardente é gerib ita” ; e
vulgarissima no seguinte, como consta da sua mensão em varios
documentos e escripto, nomeadamente, em uma das peças poé­
ticas recitadas na Sessão Acadêmica de 19 de Março de 1775,
celebrada no R ecife em honra do governador José Cesar de
Menezes: “ E mandaremos buscar Um frasco de g e re b ita ...
Não tive com que comprasse Um copo de g e r ib ita ... Que
o mais reservado tenho Para a nossa gerebita.” O Alvará de
19 de Janeiro de 1757 impoz o tributo de dez tostões p or pipa
de geribita da terra e de fóra de consumo »no R io de Janeiro.
Como variantes do term o encontramos na giria portugueza:
Geribato, vinho v e rd e ; G iripiti, aguardente; e Geripite, aguar­
dente, ou certa bebida composta de differentes licores.
Gereré — “ Especie de redefolle para pescar camarões. Tem
a rede a forma de um sacco preso a uin semicírculo de m adei­
ra com uma travessa diametral, e é munido de um cabo de ma­
deira no meio do arco. O pescador segurando nesse cabo e

391
mergulhando o gereré, passeia com elle pela agua e colhe a p or­
ção de camações que lhe convem .” (Beaúrepaire R oh an ). “ Pes-
queio-os com puçá e gereré, Vou vendel-os na na praça do
P o lé ” (Sentinella da Liberdade n. 22 de 1848). “ Eu m ordo e
helisco a isca Sem cahir no gereré.” (Versos de d esafio). “ O
Sr. Paes Barreto quer naturalmente pescar, e nesse intuito não
se Im porta de servir-se do anzol* do gereré, da, tarrafa ou da
rêde de arrasto.” (A Lanceta n. 31 de 1890). Segundo Couto
de Magalhães gereré é um vocábulo de origem tupi.
Gericoá — Ophidio venenoso.
Gerimum — Especie de callo ou tumor chronico produzi­
do pela sella ou cangalha no dorso do cavallo. “ E* um caval­
lo brioso Como nesta moda d ig o . . . Nos queixaes tem um in ­
chaço, Um gerimum na sarneia.” (A Herança de D in din h a).
Planta rasteira, trepadeira, da fam ilia das cucurbitaceas, de
varias especies, muito vulgar e de grande consumo, de modos
diversos. Alm eida P into a registra com o nome de girim ú. A
sua origem é duvidosa, se da Asia ou da A frica, ou mesmo se
é indigena, segundo as desencontradas opiniões á respeito. A
sua cultura entre nós vem de muito longe, e M arcgravi já a
assignala em 1637. N o sul é o fructo conhecido com o nom e
de abobra Como encontramos, gerimum ou eerimu, é corrup­
tela do vocábulo tupi jurumú.
G eringonça — A rm a d ilh a ; engrenagem, machinismo, uma
obra de mechanica. Quando fo i construída a ponte pensil do
Caxangá, em 1843, appareceu esta quadrinha popular, ainda de
grande vóga: Na ponte de Caxangá Fizeram uma gerin gon çaj
Bacalháo é com er de n egro, E negro é com er de onça. “ De
pressa essa geringonça de luz edectrica á Olinda.” ( A Lan ­
ceta n. 121 de 1913). Novidades, ceremonia, acanhamento, se­
gundo esta locução de latim m acarronico: In ter amicus non
este geringonça. Geringonça vem dos vocábulos hespanhóes
geringonza, xeringonza, giria, germania, linguagem particular
dos ciganos e ladrões para não serem entendidos. O termo, po­
rem, na sua accepção de um mechanismo qualquer, vem já
entre nós de tempos remotos, como se vê destes versos da
peça dramatica do nosso poeta Luiz Alves Pinto, O amor mal
correspondido (1790): “ O m a r id o ... Que como era bom fe rr e i­
ro Armou-lhes tal geringonça Com uma rede de ferro, Que
quando a linda de gorra Se embalançasse có o amante, Descui­
dados, fresquinhos, Subtilmente os enlaçasse

392
Gerumba — Cousa má, funesta, d iffieil, enrascada; — a par­
te mais feiosa da encrenca: — “ O negro comeu gerumba em-
rascou-se, comeu da banda pôd re.” (A rliq u im ). “ Se o cabra
não é tão ligeiro tinha comido gerumba.” (A Pimenta n. 551
de 1907).
Getary ou Gitary — V. Jatary.
Gia — Batrachio da especie da ran (R a na gigas, S p ix ). “ An-i
mal de tres especies, de feição da ran, muito bom de se comer,
e' quem quer que a tenha não carecerá de bôa ceia” (D iá lo ­
gos das grandezas do B rasil). Cousa furtada, traficancia, la ­
droeira. Objecto roubado, na giria dos presidiários de Fernan­
do de Noronha. “ Homem da gia é ladrão.” (O A lfin ete n. 13
de 1890). Neste negocio andou cousa acabada em ia (D ictado
popular). “ Então você fez uma grande gia com as esmolas de
N. S. do Carmo para ostentar escandalos lá pelo B a rro ?” (O
Desespero n. 6 de 1880). “ Todos sabem e têm em vista as
suas gias no contracto das carnes verdes.” (Lanterna Magica
n. 160 de 1886). “ A* tarde gosta o Bezerra de apreciar o de­
boche e a amolação das m u latas; mas a noite, vai fazer a sua
gia.” (M ephistopheles n. 35 de 1882). Abundancia, quantidade.
Chuva como cabello de gia (D itado popular). D erivado: Gi-
e iro ” . Tú só tens duas qualidades bôas impostor e gie iro .”
(A D errota n. 12 de 1883). Porventura, Farias, estás tambem
no num ero dos g ie iro s? ” (Lanterna Magica n. 119 de 1885).
“ O macacão Montenegro é o chefe dos gieiros do M ercado.”
(Idem , n. 186 de 1887). Gia é um vocábulo de origem tupi, al­
teração de jury, para qu alificar a ran, em geral, nas suas va­
riadas esp ecies; hoje porem ,designa a ran pequena, esver­
deada.
Gibáda — O mesmo que encapellação. “ Um maganão la r­
gou-lhe uma gibáda, que enterrou-lhe a jaca até o pescoço.”
(O V apor dos Traficantes n. 223 de 1860). O termo vem de
gebáda, da giria portugueza, com as próprias expressões de
'cochichada, pancada sobre o chapéo que o amarrota, por
brincadeira ou travesura.
Gibão —- O casaco da vestia de couro do sertanejo. Nos
tempos coloniaes, era uma peça de roupa, de uso commum, á
especie de casaco ou paletó, de pano ordinário, ou de broca­
do, setim, ou velludo, dos vestuários de luxo. Descrevendo um
escripto hoílandez de 1637 os nossos usos e costumes de então,
diz que os homens — trazem os calções e os gibões golpeados
com grandes córtes p õr onde se deixa vêr um pouco de tafetá.
— Quem tem capa, escapa; quem tem gibão, escapará ou não.
(P ro v é rb io ). “ As emas que tem no matto Eu cubro com meu
gibão. (Versos sertanejos).
Gibongos — D esordeiros, capangas, ladões e assassinos
que infestavam as cercanias do R ecife, entre fins da prim eira
metade e p rin cipio da segunda do seculo passado, comme-
tendo toda a sorte de crimes e perversidades, originando-se o
qu alificativo dessa gente do nome porque era conhecido o seu
chefe, o scelerado Chico Gibongo, da Casa Forte. “ Supponho
que dos Gibongos, o melhor, isto é o João Camões.” (A T em ­
pestade n. 12 de 1858). O Sr. Duarte quer fazer voltar o
tempo dos gibongos da Casa F o rte.” (O Lidador n. 227 de
1847).
Gigante — A rvo re que vegeta na zona sertaneja, e p ro ­
duz abundante lã, que é empregada no enchimento de alm o­
fadas, colchões, travesseiros e outros misteres.
G iló — R efresco preparado com a fructa deste nome, de
um succo amargo e tonico “ Garantindo-se, em recompensa,
assento de palhinha e refresco de g iló .” (Lan tern a Magica
n. 32 de 1882). Giló vocábulo de origem africana, vulgarm en­
te applicado á planta e ao fructo que produz, e consequente­
mente, á bebida refrigeran te preparada com o mesmo fructo.
Planta hortense, do genero Solanum, é o rigin ário das A n ti­
lhas e cultivada no Brazil, segundo Alm eida Pinto.
Gimbo — D inheiro. “ Eu que sem gimbo, Ando pulando,
Vou me safando.” (O Campeão n. 185 de 1863). “ 0 que é a
festa? Sorvedouro in crive l de quanto gim bo se ajuntou,”
(A m erica Illustrada n. 2 de 1880). “ N o fim de dous mezes já
estarei de volta com gimbo bastante para encher o nosso mea­
lh e iro ” . (F ra n k lin T a v o r a ). Vocábulo de origem africana, vem
de Nzimmu, zizimbo, moeda, em conguez, e simbu, quitari, com
igual expressão, em qu im bundo; ou ainda de gibungo, particu­
larmente, na lingua angolense, segundo Cannecattim, moeda
essa que era.representada p or uma casta de marisco ou btuio.
como refere Bluteau. C cnvertida a dicção em gimbo, natural­
mente á chegada dos prim eiros escravos importados das d iv e r­
sas regiões africanas em meiados do seculo X V I, teve logo curso,
como escreve F re i Vicente do Salvador, em começos do im-
m ediato: “ N o rio das Caravelas ha muito zimbo, que
são uns busiozinhos mui miúdos do que levam pipas cheias
o trazem p or ellas navios de negros.” Term o vulgaris-

394
si mo então, e depois convertido em gimbo, vem dahi o seu fre ­
quente em prego pelo poeta seiscentista G regorio de Mattos nos
seus versos, como se vê dos seguintes exem plificadam ente:
“ Se tem em que ganhar g im b o ... Só p or levar a gaudere O que
aos outros custa gim bo.” O vocábulo tem tambem curso na
giria portugueza, e era já corrente no seculo X V III, como se
vê da sua mensão p or Alberto Bossa, consignando em nota
estes versos do entrem ez.O damno dos m iseráveis (1784):
“ Eu lhe buscarei idéa Para lhe sacar o gimbo.
Gimbongo — O mesmo que gimbo. “ Sinhô dá ricença pra
fazê nossa fonção á custa de nossa gim b on go?” (O Barco dos
Traficantes n. 2 de 1858). “ Sabe com esperteza arranjar gran­
des emprezas para nellas ganhar o seu gim bongo.” (Idem , n.
42). “ Ora viva, viva viva Nosso rei dom Cariongo, Que nos dá
grossa mamata, Que nos dá grosso gim bongo.” (O C,ampeão n.
6 de 1861). De expressões e origens iguaes ambos os termos,
zimbongo, porem, segundo Macedo Soares, é “ plural bundo sem
singular de jibungo, jibundo, os dinheiros, as moedas. Só usa­
do entre os negros.”
Gindaíra — Especie de abelha muito vulgar.
Ginetear — Estar ás carreiras, aos saltos, cabriolando.
Giqui — Côfo ou especie de cesto de pescar, oblongo, de
bocca lárga e afunilado para o fundo, feito de varas finas e
flexíveis, ou de uma especie de ripas tiradas do talo das p al­
mas do coqueiro, dendezeiro, ou outra qualquer p a lm e ira ; pe­
ça de roupa muito >estreita, mal arranjada. “ F oi encontrada a
roupa giqui cio Augusto M onteiro.” (A Pim enta n. 76 de 1902
Giqui ou jiqu i — esta ultima graphia mais de accordo com a
etim ologia — é corruptela de yiki, o côfo, o cesto conico para
a pesca. (T h eó d o ro Sam paio).
G ira — Amalufcado, idiota, de m iolo m olle: Aquelle sujeito
não regula bem da b o la ; é gira. D erivado: Girad, Malucar, ca­
ducar: Estar girando da bola.
G irandola — Róda, porção, quantidade: Uma girandola de
bofetões. “ Preso e recolh ido ao quartel, antes de ir para a
cadeia fo i a lli mimoseado com uma girandola de bordoadas.”
(O Clam or Publico n. 79 de 1846). “ Uma girandola de apoia­
dos.” (Idem , n. 95).
Giráo — Cama rústica de páos ou varas sobre forquilhas
cravadas no chão “ Cama de varas é giráo. (A Pim enta n. 3 de
1902). “ P o r leito de dorm ir para vós e vossos filhinhos uma es-
leira ou giráo de varas.” (F ra n k lin T a v o ra ). “ O rico na sua
cama.O pobre no seu girá o ,” (T ro va s populares), “ Especie de
grade de varas sobre esteios fixados no chão, e mais ou menos
elevados, segundo o m ister a que se deve prestar .Ora é desti­
nado a leito de dorm ir »nas casas pobres; ora serve de grelha
para moquear a carne ou peixe, ou para nelle expor ao sol
objecto qu aesquer; ora finalm ente, como uma especie de estei­
ra suspensa e presa ao tecto da casa p or quatro ou mais cor­
das, para se quardarem queijos e outros generos, que ficam
desta sorte ao abrigo dos ratos e demais alim arias damninhas.”
G iribibe — Masturbação. “ Apologista do giribibe, a sua
physionom ia assim o dem onstra. . . Entoando o girib ib e em
intenção da pequena.” ( A Pim enta n. 12 de 1902).
Gitirana-boia — Insecto da fam ilia das íu lg a r i (F u lgaria
lanternaria, L in n ). te rriv e l pelas suas ferroadas dolorosas e
nocivas. Algumas vezes dão-lhe tambem o nome jaquirana-
boia, em todo caso, origin ários do tupi, e corruptela de yaki-
rana-boy, cigarra-cobra, ou cigarra com a figura de cobra.
(T h e o d o ro Sam paio).
Giz — Traço, retili*neo, a ferro quente, com que se assig-
nala o animal vaccum, indicando, p or opcasião de inventario,
que esse animal já fo i contado. E ’ tambem a contra-marca
que se põe em um animal, logo que passa para outro possui­
dor. D erivado: Gizar, assignadar o animal vaccum, p or meio
do traço a fe rro quente, chamado giz. D iz Beaurepaire Rohan,
que estes dous termos são correntes em Pernambuco, Parahy-
ba e Ceará.
Godême — Q ualificativo com certo tom depreciativo dado
ao inglez. “ O inglez retira-se, e o seccarrão do p orteiro diz-
lhe entre os dentes: Vai-te meu bojudo god dem !” (O, Cprapu-
puceiro n. 7 de 1847). Ataçalhando o period íco A Fada (n. 2
de 1850) ao coronel Brito Inglez, D irector da Pagadoria M ili­
tar, só o chama p or Brito Godeme. “ H aja p razer! Godeme nãô
é ciada, Leva-se á peia, A ’ chicotada!” (O Conservador V e r­
melho n. 22 de 1863). “ Um bom padrinho me aconselhava a
godemisar-me, isto é, de parecer godem e.” (O Tam oyo n. 15
de 1890). O term u vem da phrase God man, Homem de Deus,
ou desta outra em sentido contrario, God damme, Deus me
d am n e; e assim aportuguezado, vem talvez, dos annos de 1810
quando os inglezes começaram o seu estabelecim ento entre nós,
em virtude da abertura dos portos do B razil e liv re commer-
c io ás nações amigas p or um decreto regio de 1808.

396
Godéro — V. Gauderio,
Góga — Bravata, fanfarronada, esparram e; arroto de
valentia; presumpção de força, mando, prestigio. “ E ’ preciso
acabar com a góga do X avier.” (A Pim ent^ n. 81 de 1902).
“ A o pulso delle a góga dos marretões e do Dr. Queiroga
dainnou-se, de uma vez, para Catende.” (Pernam buco n. 165
de 1913). “ O Pedro Couro não tem um só eleitor na Magda-
lena e anda com góga de chefe p olitico .” (A Lucta n. 29 de
1917).
Gógno — Prudente, calmo, re fle c tid o ; bom, excellente,
m agnifico. “ Este club carnavalesco é mais do que pesado, é
mais do que g o g n o ; é macóta, é bichão,; é turuna.” (Jornal
do R ecife n. 51 de 1914).
Gogó — Denominação vulgar do hyoide ou pomo de Adão,
eoncurrentemente com as de nó do pescoço, (M oraes) e da
garganta, (A u lete), e extensivamente, güela garganta, gorgo-
m illo s :'C h e io até o gogó. “ Um moço que tem caroço no
gogó. (Am erica Illustrada de 10 de Setembro de 1871). Muita
gente «ião passa do seu gogó.” (Id em n. 8 de 1879). “ O ma­
treiro . traz um gogó no pescoço com prido.” (O A lfin ete n.
13 de 1890).
Gôgo — M oléstia que ataca as aves particularmente as
gallinaceas, e dahi o derivado goguento. “ Ã Melpomene 0 -
lidense está engrujada, como algum pintainho atacado de
gô go .” (C o rre io de Olinda n. 4 de 1891). Deu o gôgo na gal­
linha, Estrepou-se o meu cavallo, Deu a gotta na negrinha.”
(C ancioneiro do N o rte ).
Gólla — Marinheiros da Recebedoria do Estado, A lfâ n ­
dega e outras repartições marítimas por usarem nas camisas
gollas ao módo das dos m arinheiros nacionaes’. “ Dous gol-
las da Recebedoria do Estado foram armados de espinguar-
da, caçar em Beberibe.” (Pernam buco n. 4 de 1814). Pegar,
segurar pela golla. D erivado: Gollado, que tem golla. O pas­
sarinho canoro Papa-capim gollado, para o destinguir d.os
pardos os novos, que ainda não as tem.
Gomma — Denominação vulgar da substancia ou amido
extrahido da fecula de certas plantas, como vulgarmente, da
matarana, araruta e mandioca, de usos diversos, tendo a desta
ultima, correntemente conhecida p or gomma applicações su­
periores, como o beijú, de origem indigena, grude, massa pa­
ra collar, bolo, para o engommado da roupa, e humedecida e

397
preparada de modo a fica r granulosa, para papas, a farinha
de tapioca, ou do Maranhão. Um p an eira de go m m a; uma
cuia de gom m a: O riginariam ente, entre os indios, tinha o
nome de Typioca, tirado ou colhido do fu n d o ; q sedimento, o
coagulo, u.residuo do .sueco da mandioca. “ Ao succo da man­
dioca, exprim ido e assentado, davam os indios o nome de
typioca de que por corruptela se fez tapioca geralm ente en­
tre nós usado.” (T h eo d o ro Sam paio). Fr. Vicente do Salva­
dor faz já mensão de uso da bella gomma de mandioca, para
engommar mantéos. Exostoses m olles ou tumores que se de­
senvolvem no periosteo, ordinariam ente de origem syphili-
tiea, segundo o Dr. T heodoro Langard ; Moraes porem defin e:
“ Tum or que nasce pelos braços das bestas e nos homens,
effeito de gallico, e das boubas mal curadas, o que produz
h orríveis deformidades, cegueira, c aleijões, onde a gomma
sai, e rebenta depois de curadas as boubas.” Mentira, poto-
ca, historia da onça. “ Quando um cidadão qualquer em pa­
lestra ecnta phantasias, vem sempre a proposito a ridicula
p ilh éria : Olha a gomma, que encalistra o m aior cynico cava­
dor de potocas.” (Jornal do R ecife n. 230 de 1913). “ Eu tam­
bem gosto de vender a. minha gommasinha bem cara.” (J o r­
nal Pequeno n. 21 de 1915). “ O trem corre na linha; você
vende gomma ou farinha? O bond electrico é am arello; você
vende gomma ou fa re llo . (D ictad os). D erivados: Gommeiro.
“ Depois de tanto figu rar vou ser dem ittido do alto posto de
gom eiro.” (Jorn al do R ecife, n. 34 de 1914). Gomma de ba­
tata: A fecula da batata de purga (Convolvúlus operculatus,
Gom.), de côr branca acinzentada, de conhecdas virtudes me-
dicinaes, e preparada em pequenas bolas.
Gonçalinho — V egetal da fam ilia das cucurbitaceas, que
produz uma fibra de excellente linho e de muito p roveito in ­
dustrial.
Gongá — De»nominação vulgar de uma especie do passa­
ro canoro, sabiá (D e n tiro stri), si bem que menos apreciado
que os das outras especies. Gongá é um term o de origem
africana.
Gongo — Especie de croque usado nas barcas de navega­
ção do alto S. Francisco, e que servem para agarrar-se aos
galhos das arvores marginaes do grande rio.
Gordanchão — O mesmo que gordanchuto, term o fam i­
lia r portuguez, e com as suas accepções de excejssivamente
gordo, obeso.
G ornópio — B ebedeira: Tom ar um gornopio. “ Depois do
gorn opio Chupa a laranja, Cae d ’uma v ez E perde afragan-
ja .” (D a chula — Qs Marujos).
Gosmado — Falação, discursseira. “ E aquelle pigmeu
trepado, ou p or outra, sungado nas varandas, nas tribunas e
cadeiras a deitar gosmado, na phrase moderna, e a arrancar
palavras e bravos do a u d ito rio !” (A Lanceta n. 9 de 1890).
“ Felizm ente hoje, graças á lei da evolução (gosto de deitar
gosmado de philosophia) a cousa vai mudando de rum o.”
(Lan tern a Magica n, 499 de 1896). “ No lar de D. Vicencia Ce­
lebrou-se um baptisado E o Silva deitou gosmado, Coberto d
reveren cia .” (Id em , 510). D erivados: Gosma, Gosmar. “ E vá
gente acreditar em gosma de salvadores.” (Pernam buco n.
217 de 1913). “ Reuniram-se os agricultores, gosmaram e dis­
cutiram leis de quatorze folegos.” (Lan tern a Magica n. 508
de 1896). “ Quiz m etter gosmado, e gosma p’ ra aqui, gosma
p ’ra alli, até que entupiu.” (A Lanceta n. 53 de 1890). “ O ma-
chinista Cabral gosmou offerecendo um rico quadro.” (A
Pim enta n. 14 de 1901).
Gostosidade — ” Cousa bôa, gostosa, appetitosa; o que é
bom de ro e r.” (Jornal do R ecife n. 91 de 1914).
G oteira — Individuo que não é maçon, segundo a giria da
ordem : Cuidado! Olha que temos goteira em casa; Chove co­
mo na rua. Agua que cai do telhado, proveniente do afastamen­
to ou quebra de alguma telha. “ Ha quatro cousas no mundo
Que atormenta um christão: E ’ uma casa de goteira, E um
cavallo chotão. Uma muié ciumenta, E um menino chorão.”
(Versos sertanejos). Telhado de igreja sempre gotteja. (A d a g io ).
Moraes, registrando o vocábulo, attende a é$ta accepção, de­
fin in d o: Buraco no telhado por onde cai agua em casa, exem ­
plifican do com este trecho de F r. Goão de Ceita escriptor do
seculo X V II: “ Não ad vertir uma goteira faz v ir abaixo uma
abobada, ou casa toda.” Os lexicons seus sucessores não at-
tenderám fTeáta éxpressão do term o ao registral-o, até em fim,
fo i attendida p or Cândido de Figueiredo, que precede a d efin i­
ção, consoante com a de Moraes, com o asterisco in dicativo
de que não estava ainda registrada nos mais modernos diccio-
nariòs.
Gotta serena .— Atrophia do nervo optico, moléstia em que
o globo ocular se mostra sem lesão alguma, estando, entre­
tanto o individuo cego. Frequentem ente é determ inada por
uma affecção medullar, o tabes. “ Deixou-m e um quartáo fa-
ÜUÜLCA fttlüCI tS IM á i
r i « carrim.» BKâftLi*
m oso.. . A Vista parda morena, Cego da Gotta serena.” (A H e­
rança de D indinha).
Gotto — Agrado, prazer, satisfação; sympathia, boas gra ­
ças: Dar, cahir no gotto. “ Ora ahi está uma cousa que deu bem
no gotto de uma parte da população: a falta de luz em certas
rua^ duvidosas.” (Lan tern a Magica n 708 de 1904).
G overnicho — Q ualificativo deprecu ivo de um governo,
quando se condemnál-o ou se quer ridicularisar a pessoa que
o exerce.
Gramado — Campo naturalmente coberto de grama, herva
rasteira, de especies varias, e que serve de pasto ao gado; ou
plantado para ornamentação de jardins. “ Creanças calçadas
de iamancos, bricavam pelo verde gram ado.” (A lfre d o Bran­
d ão).
Grampo — Aram e de latão, ferro ou mesmo, prata, dobra­
do em form a de U, com as extremidades em ponta, com que
as mulheres prendem os cabellos na cabeça. Ha de varios ta­
manhos.
Grangazá — In divídu o de grande estatura, desenvolvido,
corpulento.
G r a n z a l— Instrumento ruslico, especie de maracá grande,
de folhas de flandres, tuiiüo na extrem idade do cabo uma peça
arredondada contendo dentro certa porção de chumbo grosso
de uuinição, e que agitado, produztnao um certo som ruidoso,
marca os passos de certos bailados populares, nomeadamente o
côco e o torrado. “ Cm granzal, um triacigulo, tangidos isochro-
nicamente, faziam parte da orchestra d’o T o rra d o .” (D ia rio
de Pernambuco n. 2U4 de 1915). ü term o apparece tambem com
a voz corrente de ganzá, no visinho estado de Alagoas, como
se vê destes trechos de A lfred o Brandão descrevendo os b ai­
lados locaes: “ Sôa o ganzá e as palmas cstru gem ... O côco
cessou. As vozes dos dançadores esmareeeram, calou-se o gan­
zá, silenciaram as palm as.” O vocábulo, quer com a voz de
granzal, quer com a de ganzá, parece-nos que é corruptela de
canzal, instrumento musico africano, com que, concurrente-
mente com outro, celebravam os negros os seus calundús na
Bahia, como narra Nuno Marques P ereira. Entretanto, encon-
mos granzal como um termo portuguez, antigo já registrado
p or Bluteau, com a expressão de campo de grãos; p or Moraes
com a de agro de grã os; e finalm ente p or Aulete, como plan­
tação ou campo semeado de granza, o mesmo que a ruiva.

400
Graphia .— Na locução: Entender da graph ia; saber, co­
nhecer, estar ao par, ter conhecimento de uma cousa qual­
q u er” . Se o paciente paio entender da graphia, se é dos meus
pergunte-lhe logo: O que quer, você, senhora?” (O Anão n. 4
de 1843.
Grauçá — Especie de crustáceo a que o autor do D iálo­
gos das grandezas do Brasil chama garaussá, corruptela de
Uára-uçá, caranguejo branco. Individuo mestiço, alvacento,
de feições grosseiras. “ Então o que é isto? Aonde va i Vrnc.
para, meu grauçá? (Lan tern a Magica n. 4 de 1882),
Graúdão — Individuo corpulento, desenvolvido e grossei­
rão de feições.
Gravanço — Comezaina, refeição comida, na giria dos
gatunos do R io de Janeiro; e cordão de ouro, n a dos portu-
guezes.
bravata — Eureüo, intriga, m exerico: Armar, tecer arran­
ja i uma gravava. " A commissao ua Cruz Vermeina üe banto An-
tom o arrumou uma gravata nem feita e a ciasse aos íliustra-
uos caiiiu na esparreiia e marcnou no em üruilio.” (A Pim en­
ta li. 2ü üe l'Ju2j. “ .Nao c»auo nesse brinquedo, bou sem geito,
lenho medo De m etter-m e em taes gravatas.” (Idem , n. 21).
“ P o r m otivo que José P ed ro ignora íoi-lh e feita uma gravata
coiu o Luiz de que resultou vibrar-lh e este duas fortes pau­
ladas.” (Jornal do B ecife n. 326 de 1912). Processo de assalto
ao transeunte, entre os gatunos, passando-se-lhe um panno
pelo pescoço, suffocando-o, emquanto se fa z o serviço.
Graveto — ueiinnuao, magro, secco. Pausmnos e ram i­
nhos unos, seccos, para a ecu iacr íogo. “ Lohisnom e apanha­
va os gravetos.” (B ern ard o Guim arães). O estalar crepitan-
va os gravetos, E a fogueira no chão accendia.” (B ernardo
Guim araes). "Ü estalar crepitante, dos gravetos pisados p or
qualquer anim al.” (Gustavo B a rroso). “ A emenda p eior do que
o son eto; A desculpa mais frá g il que um gra veto.” (O Capi-
baribe n. 17 de 1848). üs indios tinham no seu idioma' nada
menos de tres termos com. expressões equivalentes a gra veto :
Bracui, corruptela de ibira-cui, alterado em biracui, bracui.
páo miudo ou fino, Qecai, chamiças, lenha m iuda; e Im ira
coréra, gravetos, cavacos.
G rego — Diz-se de quem ignora, nada sabe de uma dada
m atéria: o João é grego em inglez.
G relar — Arregalar, abrir muito os olhos: G relar os
olhos; estar de olhos grelados.
G rillo — Esperteza, tratantice, ra to n ic e ; furto, na giria
dos presidiários de Fernando de Noronha, e apito, na dos ga­
tunos. “ T em a honestidade de fazer quanta natureza ha de
grillo s .” . (O Vapor dos Traficantes n. 217 de 1860). “ O ’ que
está em ordem do dia, são os grillo s ín numeráveis, que appa-
rccem no quartel da guarda nacional.” (O Barco dos Batotei­
ros n. 35 de 1864). “ Fala-se èm m agníficos grillo s apanhados
« o Consulado P ro v in c ia l.” (O Diabo a quatro n. 172 de 1878.)
D erivados: G rille iro ; G rillento, “ O fficia l grillento, sedento
de g rillo s .” (O Brando do P òvo n. 70 de 1855),
Grimpa — Na phrase — Abaixar a grim pa, a vaidade, a
soberba, as pretenciosidades, coneurrentemente com ás locu­
ções Abaixar a prôa, Cortar os esporões, Abaixar a crista,
Abater a soberba: Fasces submittere, supercilium ponere cris­
tas d ejicere.” V. Exc. Rvm. Abaixe a grim pa desse jesuita, e
.aostre ao seu rebanho, quanto é digno de apassentar.”
Azorague n. 42 de 1845). “ A tal fam ilia ficou na estica, e só
assim abaixaria a grim pa.” (O João Fernandes n. 87 de 1887).
Gringo — Certa ordem de estrangeiros, 'de baixa esphera,
como o italiano, o arabe, o turco ,e particularm ente o ciga­
no. “ Certo gringo, ex proprietário de um macaco e um rea­
le jo .” ( A Pim enta n„ 12 de 1902). “ Fóra a padralhada g rin g a !”
(Tdem, n. 531 de 1907). “ Como diabo se póde roubar aquelle
segundo andar oijde estão morando uns grin g o s ? ” (A P ro v ín ­
cia n. 226 de 913) Nas republicas platinas e do P a cifico dá-se,
em geral, o nome de gringo ao estrangeiro — cuya habla d i­
fere totalmente de la castelhana, —: com o escreve Granada, e
no Chile particularm ente aos inglezes. A dicção porem vem
de mais longe, uma vez que tem curso na Hespanha como sy-
nonimo de grego, estrangeiro, que fala mal, incorretam ente,
ou em linguagem in in te llig iv e l; “ asi hablar en gringo, es ha-
b lar em linguaje in in teligib le.” (Z orob ab el R od rigu ez). Na
campanha do Paraguay a nossa gente chamava de grin go aos-
argentinos e orientaes.
Grisalhante — Alegre, contente, satisfeito, festivo.
G rog — Mistura de bebidas alcoolicas, “ Nos cafés, a hora
mortas, vamos encontrar, muitas vezes o roed or a fo ­
gando as siias magoas em copos seguidos de cerveja, wiskys
grogs.” (Jornal Pequeno n. 107 de 1916). Term o inglez, vem
da alcunha Old G rog dada ao alm irante Veruen, porque usa-

402
va de calças de gorgurão (g ro g ra m ), ou segundo outros, uni
capote da mesma fazenda em occasião de máo tem po; e como
costumava elle dar a ração de aguardente aos marinheiros,
misturada com agua, para evitar a embriaguez, veio chama­
rem-na grog, em alluzão ao chefe. Vem isto de meiados do
seculo X V III, e dahi, extensivamente, applicado o termo ás
bebidas feitas da mistura de algumas outras.
Grós de Nápoles — T ela ou tecido fino, de seda lustroso,
e de'um à só cor. “ Vende-se tambem sedas de Grós de Nápoles
do ultimo gosto, próprias para vestido de senhoras.” (D ia rio
de Pernambuco n. 247 de 1829).
Gróta — Barranco, escarpado, alcantil: Andar por montes
e grotas; Cahir na grota. “ T erren o em plano inclinado na in ­
tersecção de duas montanhas, e mui apropriado a cultura das
bananeiras, p or tel-as ao abrigo das ventanias.” (Beaurepaire
R oh an ). “ Nos brejos e grotas das serras existem algumas boas
fazendas, cujos proprietários tratam coih vantagem do plan­
tio da mandioca, da canna, dos cereaes, do algodão, e da cria­
ção do gádo vaccum e cabrum.” (Fern an do H a lfe ld ), Quanto
á etym ologia do termo, segundo Rohan, parece ser uma mç>-
dificação de gruta.
Grotis pipocas! — F oi-se! Acabou-se! E ’ tarde! não ha
mais rem edio!
Grudar-se — Engalfinhar-se, pegar-se em luta, pegar á
pancada.
Grude — Rezinga, barulho, luta. “ Travou-se um grude dos
diabos, e não ficou um prato in te iro .” ( A Pim enta h. 9 de
1914). Massa ou colla de gomma de mandioca ou de farinha
trigo (d o re in o ) p a ia pregar, grudar, sendo o grude de sapa­
teiro feito tambem de gomma, mas com certa dosagem de li­
mão. Especie de bolo de gomma ou massa de mandioca, com
assucar e côco, e em geral, assado en volvid o em folhas de
bananeira. “ Sahiu 'á noite, comeu uns grudes na praça da Bôa
Vista, e bebeu agua.” (M ephistopheles n. 28 de 1882). “ V oe.
nem ao menos.epm grude me m enda.” (Lan tern a Magica n.
441 de 1891). Ftílano dos grudes: D erivação velada de uma
pessôa cujo nome não converh declinar.
Grugutúba — O mesmo que cutúba; certa especie de fe i­
jão (Legu m in osa) de grão ro liço e verm elho, deixando ver-se
um marchetado da mesma côr, mas escuro, quasi in visível,
Grunguzar — B olir, rem exer, re vo lv er, parafuzar, traba­
lhar ; quebrar a cabeça no concerto de um objecto qualquer: O

403
João levou todo o santo dia gruguzando na espinguarda e não
conseguiu coneertal-a. V oltear muitas vezes uma chave de fe ­
chadura desarranjada que se intenta abrir, sem nada se con­
seguir, ou senão, depois de muito batalhar, grunguzar. O te r­
mo, nesta accepção, é tambem vulgar em Alagoas, onde se dá
ao ruido produzido pelo grunguzar da chave, de um lado para
outro o nome de equeté, de form a cnomatopaica.
Guabirába — Frueto da murtacea do mesmo nome (Cam-
pomanesia grabiraba), que, segundo Alm eida Pinto, que a
descreve com o nome particular de guabiraba de Pernam bu­
co, adquirire proporções arbóreas, e é de duas especies. 0 fruc
to, de um paladar doce e acido, é saboroso; e as flores da plan­
ta, um tanto grandes, alvas aromaticas, são bellissimas. Vem
dahL dizer-se a uma pessoa a quem se quer agradar, lisojear:
Você é uma flo r de guabiraba; Minha flo r de guabiraba. “ M eni­
na, minha menina, Minha flo r de guabiraba, T e juro, p or Deus
do céo, Um amor que não se acaba.” (T ro va s populares). Na
Parahyba tem o vocábulo concurrente com o nome d a planta,
do seu frueto e das suas flores, a accepção de valentão, cabra
topetudo. “ Liberato, delegado, F o i prender um guabiraba; P o r
causa desta prisão Quasi T eix e ira se acaba.” (Versos locaes).
A planta é tambem conhecida p elo nome de Guabiraba, e
Alm eida P in to registra mesmo algumas especies assim chama­
das, “ N em o cactus da cochonilha tem mais carm im que o til
de sua bocca, nem mais aroipa a flo r da guabiraba.” (D ia rio
de Pernam buco n. 105 de 1910). Segundo T heodoro Sampaio,
0 vocábulo guabirába ou guabiráva é uma alteração de guabi-
róba, corruptela de guab-iroba, comida, aliás frueta de comer
amarga.
Guabirú — flato grande, m am ífero da ordem dos roçdores,
e assim chamado para o distinguir da especie pequena, o ca­
tita. “ Guabirú é rato, e rato é muito ladrão.” (A Ratoeira n.
1 de 1847). Denominação insultuosa dada pelo partido lib era l
ao conservador, em represalia á alcunha de praeiro, que p or
este lhe fo ra dada.” Desde que appareceu em campo o Barão
da Bôa Vista, temos aqui chamado ao seu partido, reòrganisa-
dor, baronista, trapicheiro, etc, etc: mas nenhum desses ap-
pellidos significavam verdadeiram ente e com clareza o que era
esse partido; entretanto o Bonito acaba de dar-nos uma bella
denominação a essa gente, e vem a ser a de — Guabirúsü São
pois os baronistas verdadeiros guabirús, porque seguem em tu­
do e p or toda a condição desses ratinhos. O Guabirú furta e

404
corre, teme qualquer kidividuo, e ao v er o gato é capaz de p re­
cipitar-se nos m aiores abysmos; o baronista que é, digam lá o
que quizerem, um /verdadeiro guabirú, furta, e corre, e nega, e
tem mais medo de um p raeiro disposto, de que tudo quanto ba.
Fique pois adoptada a denominação do Bonito, e isto posto se­
jam proclam ados os baronistas, com applausos e contetamen-
to, os guabirús de Pernam buco.” ( 0 G uarda'N acional n. 127 de
1844). Depois appareceu esta quadrinha que ficou p ro verb ia l:
“ Machado que corta lenha Tam bem corta mulungu*; P ra ieiro
que tem vergonha Não fala com guabirú.” Este vocábulo, que
segundo Baptista Caetano, se p ó d e . considerar uma contracção
tupica de guab-porú, significando o que devora a comida, fo i
o nome com que os indios denominaram ao rato mutus tecto-
rum ) ao sen apparecim ento entre nós, depois do descobrim en­
to do Brazil, vindo de bordo dos navios porfuguezes, e o rig i­
nário da índia.
Guacary-cachimbo — P eix e de agua doce (Hypostamus
guacari, L e ce p ).
Guachinin — M am ifero carniceiro do genero Plantigrados.
Guassuni, como escreve o autor dos Diálogos das grandezas do
Brasil, é o cachorro do matto, medianamente gra n d e ; e Du­
rão o menciona com o nome de Guassinin. Guachinin, ou
Guaxinin (P ro c y o n cancrivorus, L in n .). como encontramos
algures, e um termo de origem tupi, corruptela de Iguará-xu-
im, cão ra steiro ; mas segundo T h eodoro Sampaio, que escre­
ve; Guaximim, “ é corruptela de guará-chini, alterado em gua-
chini, cão pullador, ou saltitante (G alictis vítàta), vulgo, o
cachorrinho do m atto.”
Guacucuya — P eix e de agua salgada (M althea longiros-
tris, Cuv.).
Guagirú — Mulato da côr da frueta indigena deste nome,
de um, verm elho escuro, vivo , lustroso. “ O m otivo do crim e fo i
uma guagirú de prinpeira qualidade.” (A m erica Illustrada de
15 de D ezem bro de 1872). “ Mas que guagirú! ro liço appetito-
so, m adu ro!” (Idem , de 9 de N ovem bro de 1873). (Guagirú é
uma rosacea (M ulticaulis icaco, L in n .). já descripta p or G.
M arcgravi com o nome indigena de guajerú, corruptela de
gajerú, matto rasteiro, e que vegeta em terrenos arenosos, no
littoral, particularmente,
Guaiamum — Crustáceo (Cardisona guanhümi, Cuv.) de
mais de uma especie, notando-se uns que crescem muito e

405
sao de um bello azul. Cevados em casa, são muito saborosos.
Habitam e buracos profundos, de apertada entrada, nas p ro ­
ximidades dos rios de agua salgada, e segundo uma crendice
popular, deixa as suas habitações ás trovoadas. “ Andam como
goiamuns em tempo de trovoada, ao atar, sem saber o que
façam de suas pessoas.” (A m erica Illustrada n. 2 de 1885). “ Em
terra, entre os míittps, ha .uns caranguejos de côr azul cha­
mados goiamús, os quaes em as prim eiras aguas do inverno,
quando estão gordos, e as femeas cheias de ovas, se sahem
das côvas, e se andam vagando pelos casas.” (F r . Vicente do
S alvad or),
Guaiúba — Especie de p eixe registrada p or Jeronym o Vi-
lella.
Guajá — Crustáceo, á especie de siri, grande, encarnado,
sarapintado de branco ou amarello. V iv e no mar, e somente
se encontra nas rochas. M a r c g r a v i menciona as especies;
Guiá apara, Brasiliensibus, cancer maximus elegantissime va-
riegatu s; G uaiá-m iri; Aguará-uçá; e Ciecé panema. O term o
vem do tupi guayá, caranguejo.
Guará — M am ifero-da ordem dos D igitigrados (Canis ju-
batus, L in n .). E ’ um cão selvagem, comparado ao lobo
da Europa, e já mencionado pelo autor dos Diálogos
das grandezas do Brasil com o nome então vulgar de
Aguará-assú, — uns animaes á feição de cães. — ' “ E*
alteração de Aguará nome que lhe davam os oborigenes tan­
to do Brasil m eridional como do Paraguay.” (B eaurepaire R o ­
han). A ve aquatica, pernalta, a garça verm elha (íb is ru bra).
“ Há muitas aves chamadas guarás, que qítando empenam são
brancas, e depois pardas, e finalm ente verm elhas como gran.”
(F r. V icente do S alvad or). Vem dahi p seu nome tupi de
Guyrá-piranga, ave verm elha, e concurrentemente o de Gara-
pú, de um engenho situado no m unicipio do Cabo de< Santo
Agostinho, “ corruptela de guará-ypú, fonte dos guarás, que alli
abundam destruindo os cannaviaes.” (A lfre d o de C arvalh o).
Guaraúna — Peqilen o crustáceo de côr preta á especie de
aratú. (Grapsus caraúna, M arcg.).
Guarda comida — M ovei de suspenção sobre columnas,
revestido de uma fina tela metalica, e destinado á guarda de
comida, nas salas de copa ou de refeições.
Guarda moria — Secção da Alfandega que d irige o serviço
de inspecção maritima, sob a chefia de um guarda-mór, d’onde
vem a sua denominação.
406
Guarda nacional — F ilh o illegitim o, natural: O Manoel
deixou tres filhos legitim os e dous guardas nacionaes. O ter­
mo vem. naturalmente, porque o guarda nacional, praça de
segunda linha, não é soldado legitim o.
Guardanapo :— Papel de latrina. “ Joaquim F erros velhos
E o Japiassú, São dous guardanapos De lim p a r !!... (O Papa-
angú n. 1 de 1846). “ A esse guardanapo de secreta, dá sempre
o m erecido destino.” (O Telegrapho n. 1 de 1850). “ Se no paço
se usasse de guardanapo de papel, talvez o seu telegram m a fos­
se aproveitado.” (Lan tern a Magica n. 103 de 1884).
Guarda-peito — Peça do vestuário de couro do sertanejo,
que desce do pescoço á cintura, ao modo de collete, resguar­
dando assim o peito do vaqueiro nas suas excursões campes­
tres. ” De vestia e perneiras, chapéo, guarda-peito, De pelles
c u rtid a ... que lin do trajar.” (Juvenal G alen o).
Guareruá ■— P eix e de agua salgada Pomacanthus arma-
tus, Cuv.).
Guariba — Anim al da ordem dos quadrumanos (Stentor
niger, H um b.), um simio uivador, — que tem barbas como
homens, e se barbeiam uns aos outros cortando o cabello com
os dentes.” (F r , Vicente do Salvador).. Vem dahi o nome de
Barbados, com que os conhecem em algumas partes do Brasil
concurrentemente com o de Bugio, em outras. O autor dos
D iálogos das grandezas do Brasil descreve o guariba, e nota
que o modo p or que vivem e a providencia com que se go ver­
nam, quasi que parece com gente hum ana; e igualmente
M arcgravi, que conclue: m ordax animal nec dom ari potest.
Este animal é digno de ser observado pela singularidade dos
seus costumes. Tem o queixo in fe rio r muito saliente, cabeça
pyram idal e cauda longa, só anda em ranchos, e é objecto
de muitas superstições entre os indios e agricultores. V ocá­
bulo indigena, vem dos uivos agudos, prolongados, do p rop rio
animal, com o escreve Baptista Caetano, é corruptella da voz
prim itiva de guahúr-ib, o chefe ou p rin cipal dos berradores
ou cantores. Guariba quando se rem exe quer chumbo. (A d a g io ).
Guaribão — Augm entativo de guariba. “ Homem fe io em
quanto é moço é macacão, depois que fica velh o é guaribão.”
(Lanterna Magica, n. 37 de 1883). “ E ncontrei um homem F eito
um gu aribão; Puz-lhe o bacamarte, Foi pá, pi, no chão.” (V e r ­
sos d’ 0 C abelleira).
Guarú — P eix e de agua salgada (E leo tris Mauritü, C uv.).

407
Guatucupajuba — P eix e de agua salgada (Pristopom a Rodo,
Cu v .).
Guaypéba — Cobra semelhante á cascavel pela disposição
das malhas dorsaes e coloração da pelle, não tendo porem os
guizos, particular caracteristico desta. Quanto a letalidade de
suas mordeduras, o povo tem tanto receio de uma como de
outra.
Guéba — Grande, e x tra o rd in á rio ; de form idáveis dimmen-
sões: Chapéo gueba, chapelão, chapéo enorme. “ Depois de um
salta-pocinhos em sua séde os guebas do Club botaram a cabe­
ça na rua.” (Pernam buco, n. 48 de 1914).
Guédes — Calçado ordinário.
Guela — Indivíduo deshonesto, corrom pido, venal, com e­
dor. “ E ’ mesmo como vossa m ercê d iz: um guela dos diabos.”
(O Campeão n. 63 de 1862). “ A p olitica divide-se numa in fi­
nidade de capitulo, assim a especie dos mandamentos da lei
de Deus que se resumem em dous: ter bôa guela e m elhor
estom ago.” (O Tam oyo n. 6 de 1890). “ Guela! Palavrinha
doce, conductora da v id a !.. . Quantos annos de influencia
contas cia p olitica !; e m ilhares de glorias e prazeres registra
o teu estom ago?” (Idem , n. 7). Guela de pato: Com illão, vo-
rqz, que come quasi que engulindo, sem mastigar, como faz
o pato.
Guenzo — Magro, definhado, esqueletico. “ D izem os an­
tigos que praga de urubú não mata cavallo guenzo.” (A P i­
menta n. 541 de 1907).
Guerrilha — Especie de guarda civica ou corpos de p o li­
cia rural, creados sob o governo de Gervasio P ires F e rreira
(1821-22) e muito augmentados depois pelos seus successo-
res ás ameaças das invasões portuguezas contra a nossa p ro ­
clamada emancipação politica. O presidente M anoel de Car­
valh o Paes de Andrade em 28 de Janeiro de 1824 deu-lhes or-
ganisação m ilitar, regular, fixan do o e ffec tiv o de cada corpo
e determ inando o respectivo uniform e. “ Ign acio Antonio da
T rin dade fo i capitão de guerrilha da cidade da R ecife durante
a luta da independencia e a revolução de 1824.) (A J. de
M e llo ).
Guiáda — Vara com prida, com um ferrã o agudo na ponta,
para tocar o gado. Term o vulgar, mas particularm ente na
zona sertaneja, e entre a gente das fazendas de criátção de
gado, vaqueiros, boiadeiros, tangerinos e carreiros dos enge­
nhos. “ Bem montado, ás estribeiras T razia sua guiada.” (A
Vacca do B urel). “ De vestia e perneiras, chapéo guarda-pei-
to, De peles cu rtid a s... que lindo trajar! com minha guiada,
montando o ginete” . (Juvenal G aleno). “ Das varas da quixa­
ba, por fortes e vergas muito, os sertanejos servem-se delias
para guiada de tocar bois.” (J. de Alm eida P in to ).
Guimba — Um sugeito abi a toa, desageitado, com uin
certos tons de amalucado. “ Sugeito guimba é lezeira.” (O A l­
finete n. 3 de 1890). “ Sendo engajado, já não serás um velho
guimba.” (A Pimenta n. 61 de 1902).
Guináda — Arremesso, golpe, investida subita. Quando
vi foi o cabra dar uma guinada e o outro rolar por terra.
Guiné — O mesmo que capote, a gallinha da índia (Num i-
da m eleagris). “ Negra damnada é Izabé, deita perú tirá
guiné.” (Versos de uma chula). M arcgravi já menciona o
gallinaceo em Pçrnambuco, no seu tempo, com os nomes vu l­
gares de guiné ou capote.
Gurinhatã — Pequeno passaro canoro da ordem D/eodac-
tylis (Euphonia chloratica, D esc.), de varias especies, sendo
uma delias a pequena ave am arella e pçeta, mencionada nos
Diálogos das grandezas do Brasil com o nome de guarainhe-
té. “ As aves brilham tanto pela plumagem como pelo canto,
dintinguindo-se entre outros passaros os xexéos, os sabiás, os
pintacilgos, as gorinhatans.” (A rth u r O rlando). Theodoro
Sampaio registra grunhatá, corruptela de guiri- atã, o que
canta, trina forte, o sussurrante; ave canora do genero Ta-
nagra (E uphone), conhecida p or gurinhatá e gaturano.
Guritão — Antiga barretina do exercito, de couro enver­
nizada de preto, alta e um pouco afunilada
Gury — Menino — D erivado: Guryzada. “ A gurysada da
casa chama de titia a solteirona, e ella dá o cavaco.” (A P i­
menta n. 23 de 1902). O termo figura na giria dos gatunos
do Rio de Janeiro com a própria expressão de menino, e se­
gundo Montoya citado p or Beaurepaire Rohan. vem do guara­
ni Ngyrê, titulo que dão os paes ás crianças do sexo fem inino

409
H
H aja! — D icção in terjectiva de rom pim ento de hostilida­
des, in icio de luta em uma contenda acalorada, num tumulto
ou desordem. “ Agarrados em seus cacetes e gritando — H a ja ! —
espalharam os sucios, que voavam como veado da prim eira
carreira.” (O Vapor do R io Form oso n 6 de 1857). “ Todos es­
peravam pela voz do — H aja ! — para não fica r um moxo,
uma cadeira, um banco, em estado de servir.” (O Patusco n.
8 de 1886). (H aja pau e chova a rro z! (P h rase popular)
H erva — D inheiro. “ D ’ antes, este meco era um armaze-
nario de meia ( coronha, h oje é outro cantar! Tem muita her­
v a !” (O Vapor dos Trafican tes n. 219 de 1860). “ E achará
F rei F olião fiad or para tanta h erva ? ” (Lan tern a Magica n.
102 de 1884). “ A politica tem custado muita- herva ao zê-po-
vinh o.” (O João Fernandes n. 7 de 1886.) Vem d’ahi, hervado,
endinheirado.
H . . . i ! (A g á -i) — Dicção in terjectiva para e x p rim ir. con ­
cordância, assentimento, approvação, consoante com as ex ­
clamações: Ahi assim mesmo! A poiado! senhor! Muito bem !
E ’ um modismo do dicto popular A . . . q . . . u . . . i. . . qui
(A q u iq u i) registrado pelo Dr. Castro Lopes, que o interlocu­
tor reponde, como que se dissesse: Certam ente; sem duvida,
ad vin h o u ; etc.
H istoria — Mentira, patranha, lorota: Isto e h istoria;
mal contada; H istoria da Carôcha, ou da Carochinha: Cou­
sas inverosím eis, inacreditáveis. Vem da H istoria de Dona
Carochinha, dos nosso contos populares. H istoria da onça. “ O
arrojo do p rim itivo sertanejo tornou-se p roverb ial na caça­
da de onças, o m aior inim igo da creação nesses te m p o s...
Essas façanhas cynegeticas, que a tradicção tem conservado,
para muitos passam como hoje fabulosas pela sua inverosim i-
Ihança, a ponto de ser usada a expressão de historia da onça
— como synonymo de um conto im aginario 011 de uma men­
tira.” (Irin ê o J o ffily ), “ As lendas sobre aventuras de caça­
dores em ataques a esses animaes, eram tão exageradas que
perderam o credito, de modo que, actualmente, ainda è uso
chamar-se historia de onças aos relatos de façanhas m enti­
rosas.” (A lfrè d o Brandão). H istoria do Trancoso: O mesmo
que as antecedentes. A origem desta locução, segundo João
Bibeiro, explica-se pela affluencia de duas fontes de carape-
tócs, e a mais principal é a das próprias historias de um v e ­
lho mestre-escola, Gcnçalo Fernandes Trancoso, publicadas
em Lisbôa no anno de 1558, sob o titulo: Contos e historias
de proveito e exemplo. A outra fonte são as famosas prophe-
cias de Gonçalo Annes Bandarra, o sapateiro de Trancoso.
Homão —: O mesmo que homenzarão.
Homem de gravata lavada — Lim po asseiado, de trajar
apurado, bôa educação, e certa posição social.
Hom^essa! — Como assim? E então? Sim, senhor! “ As
sefifiorãs ajoelharam na passagem do Sr. D. Macedo Costa
para lhe biejarem a m ão! H om ’ essa!” (O Diabo a quatro n.
15 de 1875). “ 0 ’ lá, patrão, por aqui não se entra, diz-nos um
guarda H om fessa! Não é isto o mercado p u b lico?” (Id em n.
110 de 1877). “ E o Deão Faria porque sahiu da c h a p a ? ...
Hom ’essa! Se elle não entrou!” (Idem , n. 100 de 1878).
Homeopathia — Aguardente: O cabra vem já com uma
bôa dose de hom eopathia!.
H ora da morte — Epocha afflictissim a, da vida d ifficil, e
carestia geral. “ Vae muito d iffic il a vida do pobre, porque
está tudo pela hora da morte (A lb erto B essa).
H orizontal — Mulher de vida facil. “ A elegante horizon­
tal Zephinha Palmarense jantou na Pensão Sequeira em com ­
panhia de tres amigos, entre os quaes um monsenhor.” (A
Pimenta n. 64 de 1902). “ Nas ruas do arrabalde, e prin cip al­
mente na em que tem possilga a indecente horizontal é p re­
ciso uma fiscalisação severa da autoridade local.” (Idem , r
12 de 1914). “ A horizontal Euphrosina de O liveira compareceu
na subdelegada de Santo Antonio.” (Diario de Pernambuco
.1 . 63 de 1915).
H ortaleiro — O mesmo que hortelão.
Hupado — P o r opado, inchado, intumecido, balofo.

412
. . . “ bastaria uma gota para fazel-a transbordar em soluço
o pranto daquelle seio entumecido e daquelles olhos hupa-
dos.” (José de A len ca r).
Hypothese — Foquilhar, contratempo pretericção Pas­
sar, levar, tomar uma hypothese. “ Zangado pela hypothese le ­
vada, descrendo das mulheres na pureza, o velho conselheiro
toma a mala, e volta para a casa com presteza.” (A m erica Illus-
Irada, 1874).

413
I
Ideiento — Astucioso, vivo, exp erto ; intelligente, h ab ili­
d oso; cheio de idéas, projectos e concepções; Homem id ei­
en to; que enventa cousas de cabeça; Menino ideiento: o chefe
de uma troça, que dá a palavra de ordem, os planos dos b rin ­
quedos, das travessuras, das traquinadas.
Ignorantaço — Ignorante, com pretenções â sabio ou co­
nhecedor de cousas de que não sabe patavina. “ O impro\i-
sador mestre de musica, que »não passava de um ignorantaço.”
(O Echo Pernambucano de 9 de Maio de 1851.)
Ig ie jin h a — Reunião, ajuntamento de um lim itado nume-
m ero de individuos em um dado lugar, para certos fins, mais
ou incnos illicitos, d u vidosos; trempe, panellínhã ou grupo
de uma associação ou corporação qualquer, geinlm ente r e li­
giosa, que, impondo-se p or uma certa influencia, predomina,
e age de accordo com os seus interesses, ouasi sempre in-
onfessaveis. “ O Sonâmbulo poz no m eio da rua os furtos, e
desmanchou toda aquella igrejin h a,” (D ia rio de Pernambuco
n. 181 de 1829). “ Consta-me que a igrejin h a patriótica tem
estado p or arames.” (O A rtilh eiro n. 68 de 1843). “ O Sr, sub­
delegado de S. José dê um varejo pelo bêco do Lobato afim de
desmanchar uma igrejinha, na qual as almas devotas resão —
0 fico, — diga-se, — trinta na unha, — etc.” (O Barco dos
Traficantes n. 7 de 1858).
1 I H S — Estas lettras, segundo o Dr. Castro Lopes, são
g re g a s ; são o iota, o eta, e o sigma, e representam a abre­
viatura do nome Jesus; ou antes são as tres prim eiras lettras
do nome Jesus em grego. Já nos çgnticos dos ciossos popula­
res pastoris ou presepios, consoantemente, eceorre esta qua-

415
drinha; “ D izei-m e o que signiifca Uma bandeirinha na cruz,
Com tres letrinhas dizendo: I H S, Jesus.” Constituem, em
fim, estas tres lettras, as armas da C.ompanhia de Jesus, ten­
do sobre o H uma cruz latina, sym bolizando assim a p ró ­
pria denominação daquella ordem religiosa.
U lária — Besta ou egua, na bocca do sim plorio campo-
nio p or julgar estes nomes indecentes, e assiny mesmo, mu-
dadamente pronunciados, diz ainda: Com licença da palavra.
“ Matuto não diz uma besta ou uma egua, diz uma Illa ria .”
(Lan tern a Magica n. 446 de 1894).
Illustre desconhecido — Um individuo que ninguém o
conhece, não sabe de onde veio, e sem credenciais abonato-
rias do seu m erecim ento, mas que, inesperadamente, de im ­
proviso, graças ao proteccionism o, apparece nomeado para
um alto cargo, ou investido de uma eivada missão pólitica.
“ Tenho de me bater em duello com o Gomes Pacheco, um
illustre desconhecido.” (Jornal do R ecife n 42 de 1916).
Jmbaúba — A rv o re muito vulgar, da fam ilia das Urticá-
ceas, que Alm eida P in to registra com o nome de Umbaúba. E*
tambem conhecida pelo nome de A rv o re da preguiça, pela
perm anência que faz n ella o animal deste nom e no tempo da
sua fructificação. E ’ de duas especies. Theodoro Sampaio r e ­
gistra Imbaüba, e manda v êr ambaiba, que defin e; Corr.
embá-yba, arvore ôca (C e c r o p ia ); altera-se ás vezes em em ­
baúba, imbauba, embaú.”
Im belêco — D efficuldade, trabalho, entrave, opposição,
perigo mesmo: Crear im belecos; negocio cheio de imbelecos.
Im bicar — Beber.
Imbuzada ou umbuzada — Saboroso e substancial r e fr i­
gerante feito de fructo agri-doce*do im buzeiro (Spondias tu-
berosa) terebinthacea da zona sertaneja, exprem ido e mistu­
rado o succo com leite e assucar. Imbú é um vocábulo de o r i­
gem indígena, abreviatura de iba, imbú, fructo que faz v ir
ou dá agua. (Baptista C.aetano).
Im m undice — Gente reles, farrou pilh a; a poeira. “ O Ziéca
não cahe na bobice de consentir que a immundice se sente
nos bancos da Lingueta para dar secca.” (A m erica Illustrada
n. 12 de 1883).
Im panzinar — Illu dir, enganar, tapiar: engazopar, lograr
“ Aos néscios impanzinando, e aos outros que têm a tolerancia
de ouvi-los, azucrinando.” (Lan tern a Magica n. 274 de 1889).
D erivado: Impanzinação. “ Os accionistas rebatem a impanzina-

416
ção das economias do gerente.” (A m erica Illustrada n. 88 de
1877).
Im pério — Prôa, soberbia, orgulho • sobranceria, preten-
ção, vaidade. Quem vê aquelle pobre diabo com tamanho im­
pério pccisará que é uma grande cousa.
Im pófie — Soberbia, impostura, presumpção. “ Donde vem
tanta impofia, tanta sobranceria a 'e ss e im p ostor?” ( 0 Cara-
puceiro n. 47 de 1837). “ A cerca desta im porfia do maluco Vou
contar-vos, leitores, uma historia.” (A Carranca n. 1 de 1843).
“ Temos aqui visto sujeitinhos vindos de lá (da Fra n ça ), e de
outras partes, com im pofias de sabio.” (O Guarda Nacional n.
12 de 1843). O termo é corruptela do veriiaculo embofia, em-
pafia.
Im postoria — Vaidade, presumpção, so b e rb ia ; desdem,
desprezo; affectação de superioridade: Ora deixe-se de impos-
lo rris! não seja to lo !
Inchado — Diz-se de qualquer fructo em começo de ma­
turação, de vez, vincado. “ O corpo que fó r ra p or dentro as
paredes do côco, quando inchado, term o vulgar que quer dizer,
quasi maduro, de vez, cartalaginoso e muito bom, e neste es­
tado é semi-transparente, meio oleoso e agradavel.” (A lm eid a
P in to ).
Inchar — Observar qualquer cousa, ou o decorrer de algum
negocio, caladamente, sem explosões de manifestações hostis,
de desagrado, mas contrariado, moesndo-se de raiva. Eu estou
inchando; quando estourar. Inchar a ven ta; Inchar na coro­
nha; Inchado como um baiacú; C oitado! Ainda não morreu já
está inchado. Zangar-se, arreliar-se, exp lõdir em desatinos.
Incherido — 0 mesmo que encherido. “ Olá incherido de
quantos incheridos ha! Então ainda procuras com as tuas adu­
lações e baixezas aquccer-te dos raios de Júpiter?” (O Etna
n. 25 de 1882). Beaurepaire Rohan escreve Enxerido, dando
o termo como apecias vulgar na Parahyba e no R io Grande do
Norte, quando entre nós já era corrente, pelo menos em 1872,
como consta, documentadamente registrado (V . E n c h e rid o );
e quanto á sua etym ologia, diz que talvez provenha do verbo
ingerir-se, in trom etter-se; ecitretanto, póde muito bem sêr que
venha do verbo inserir, e assim, corruptela de inserido, metti-
do, que mais se approxim a de incherido. Moraes registra os
lermos enxerir, inserir, e in x irir enxertar, ambos conveniente­

417
mente abonados. Aulete, porem, já não inscreve no seu Dic-
cionario nem um, nem outro.
Inchú ou inchuy — Especie de abelhas, muito vulgares, e
já descripta p or P izon com o nome de Eixús, notando o optimo
mel que produz. Abelha pequena. Sobre a etym ologia do vocá­
bulo escreve Theodoro Sampaio: “ Exú, corruptela de eichü
ou eira-chú, abelha negra, que faz um ninho rugoso aspero.
ninho d’abelha rugoso, aspero; alteração: exu’ eixu\ enchu’ .
Inchu’ , abelha ; chu’ , rugosa, a sp ero ; Irichui, corruptela de
eichu’ -i, abelha miuda, casa d ’abelha pequena.”
Incúbo — D iabo pequeno, ou diabrete, que faz foscas ás
moças. (L op es Gam a).
Inculcas — Inform ações, pesquisas de noticias sobre a con-
dueta de um . indivíduo, ou mesmo a respeito de uma cousa
qualquer: (T ir a r inculcas. “ Uma visinha é que afin al me deu
inculcas d elle.” (A lb erto Bessa).
In d ’ agorinha — V. agorinha.
Independencia ou Folha da Independencia — Assim foi
chamado na epocha enthusiastica da nossa Independencia po­
litica o Crotum. variegatum, arbusto da fam ilia das Euphor-
biaceas, pela colaboração da sua folhagem , auri-verde, ou v e r­
de com filetes amarellos, diagonalmente dispostos, ostentan­
do assim as côres nacionaes do Brasil então adoptadas; e to­
mada como um distinctivo patriotico, e cantada pelos poetas
da epocha, tornou-se lengendaria em todo o paiz. “ N o com e­
ço do im pério, os patriotas, em luta com os portuguezes, dis-
tinguiam-se collocando no chapéo, ou aia casa da jaqueta, da
farda ou da casaca uma folh a da Independencia. “ As suas fo ­
lhas são lanceoladas, de côr verd e e am arella, ponctudas e
lustrosas. Elias serviram de sym bolo na epocha da nossa In-
dependencia, e ainda hoje a sua presença é uma lembrança
desse facto em todas as festas n acion aes; p or isto todos a
cultivam .” (A lm eid a P in to ).
Indês — Ovo que se deita no ninho das gallinhas para
anim ar ou p rovocar a que tem de p ôr a demorada postura.
In d ivíd u o m ettidiço, ou que acompanha a outrem em um pas­
seio, encorporado á fam ilia, a contra-gosto seu.
In d ivíd u o — Vocábulo depreciativo, injurioso mesmo, en­
tre os nossos camponíos e gente baixa. Indivíduo, ,tú cuidavas
Qu’haveras ser meu am or? Achei um outro tão bello capaz de
ser teu senhor.” (T ro v a s populares). “ Um dos m aiores insul­
tos que se póde fazer a um nosso hoínem ido povo é chamal-o

418
in d iv id iio ; isto o exaspera e o faz descer dc ordinário ás
vias de facto, Presenciei, uma occasião, uma lucta entre
Um caieiro portuguez e um matuto em Pernambuco, lucta em
que, de perm eio com os sopapos e cabeçadas, ouvia distinc-
tamente, o term o indivíduo, como a suprema affronta que o
nosso camponio podia jogar ao estrangeiro.” (S y lv io Rome-
r o ).
Indrom ina — A rran jo, negociata, expediente, velhacaria;
Mentira, logro, esparrella, trapaça. “ A presidência vai dando
cabo dos 25 contos chamados de socorros públicos, quando os
pobres famintos, que para com pleto escarneo serviram de
pretexto a essa indromina, vão viven do, como podem, ou m or­
rendo como Deus quer,” (O Postilhão, 1846). “ O Trajano
lembrou-se de arranjar alguma outra indrom ina para ap rovei­
tar os ventos e v ira r de b ordo.” (A m erica Illustrada n. 22; de
1880).
In fa lliv e l — O relo gio de algibeira: Veja no seu infalli-
v el que horas são.
Infancias — Apparencias ou fingim ento de ingenuidade •
hypocrisia, velh acaria: Ora deixe-se de infancias!
Infantaria descalça — O povo m olecório, a poeira, arraia
miuda. “ Os Borges pintados, os Gonçalões, Os Espirros et
magna comitante caterva pelas ruas desta cidade -acompanha­
dos da infantaria descalça, soltavam foguetes, e davam vivas
oa Senador Presidente.” (A Carranca a . 20 de 1847).
In fern o velho — Situação afastada de um centro de popu­
lação, retirada, longínqua: M orar no in fern o velho. “ Não ha
matuto que não tenha vindo do in fern o velho para v êr o ca­
m elo no circo .” (Jornal do R ecife n. 110 de 1915).
Inganja — Vaidade, o rg u lh o ; satisfação, contetamento.
Quando em 1850 fo i inaugurado o serviço de illum inação a
gaz da cidade do R ecife, desapparecendo assim o antigo de
lampeões de azeite de carrapato, que vinha de 1822, appare­
ceu uma versalhada charqueando do contractante do extincto
serviço, o M ajor Antonio da Silvo Gusmão, em cujos versos
figuravam estes: “ Acabou-se a inganja D o Senhor M ajor Gus­
m ão.”
Ingangento — V. Engangento.
Inglesias — Inventos, machinismo, trabalhos de mechani-
c a ; obras de emprezas inglezas.
Inháca — Máo cheiro, catinga, fedor. “ Tua inhaca de ra ­
bugem N ão deixa tomar-te a serio.” Zoizita & E sm eralda).
Inham e — Individuo de corpo mal conform ado, d efei­
tuoso, disform e. Inhame é a conhecida tubera da planta do
mesmo nome (D iscorea sativa, .L in n .), de origem africana, e
dahi a sua denominação vulgar entre nós de Inhame da costa,
e cuja cultura já era feita em meiados do seculo X V I de bata­
tas trazidas das ilhas do Cabo V erde e S. Thoiné. O termo
vem da palavra Yam, que quer dizer, comer, na linguas dos
n egros da costa de Guiné.
Inhambupe — Especie de rola (C olum ba) registrada por
Jeronym o V ilella. O autor do D iálogos das grandezas do
Brasil trata de uma ave com o nome vulgar de Inhapupê, á se­
melhança das perdizes da Europa, porem melhores. Será a
mesma Inhambupe? Este term o é de origem ttipi, corruptela
de inhambü-pe, nas perdizes. (T h eo d o ro Sam paio).
Inharé — M adeira da arvore deste nome, registrada por
Jeronym o V ilella.
Intantinho — Term o de uma despedida intima, fam iliar,
com as expressões de adeus, até logo, até a prim eira vista,
“ Nós já sabemos que Vmc. não quer possuir uma assignatu-
ra deste jo rn a l: Intantinho.” (A m erica Illustrada, 1872),
“ Adeus, até a vista. Intantinho. Adeus.” (O Tam oyo n. 9 de
1890). Concurrentemente diz-se tambem: Intanto
Intem erato — Valente, audaz, intrépido, arrojad o; sem
temor, nada temer. Intem erato é um vocábulo vernáculo com
accepções outras.
Intrincado — D iffic il, com plicado, em brulhado: Um ne­
gocio intrincado.
Intripigaitado — O mesmo que entibirado. “ Os intripi-
gaitados hão de v iv e r eternamente na intripigaição. (Am erica
Illustrada, 1873).
Inzôna — Garaminhõla lorota, velhacaria, aleive. D e ri­
vado: Inzoneiro.
Ipueira — Pequena massa de agua que se armazena du­
rante a estação das aguas nos baixios marginaes dos rios, e
ahi demorando p or alguns mezes. A ’s vezes o rio se commu-
nica com a Ipueira, geralm ente muito piscosa. E ’ form ação
p rópria da bacia do S. Francisco. (B ern ardin o de Souza),
N o Ceará, como escreve, segundo Paulino Nogueira, é lagoa
rasa e alongada no m eio das varzeas, form ada pelo inverno,
e que desapparece, acabado: e s te ; ou segundo Juvenal Galeno,
lugar do campo, que se enche d’agua n o inverno, conser /an­
do-a p or alguns mezes. O term o é tambem conhecido no Pará,

420
com a variante de Puêra, parà designar a lagôa enlamaçada.
que, após a vasante dos rios, fica nos campos que foram inun­
dados. Fernando H alfeld no seu relatorio de exploração dc
rio S. Francisco, occupa-se das suas Ypoeiras, como escreve,
na accepção de lagos, nomeadamente de uma hypoeira fun­
da, por cujo sangradouro entram algumas embarcações nas
enchentes do rio para navegar sobre aguas mortas, de outra
que se communica com o rio, è em fim das mui pftcosas das
Coroas e Cemcem. Entre nós, particulramecite a denominação
de Ip u e ira 'q u e tem uma serra no m unicípio de Ouricury, um
lugarejo no do Buique, e um outro no de Leopoldina, corta­
do de varios rios, alguns dos quaes affluentes do S. Francis­
co, não ha duvida que se originam das expressões do proprio
termo e p or circumstancias peculiares a taes localidades.
Irm ão do Pico — O condemnado a galés ou degredo p er­
petuo no presidio de Fernando de Noronha, no tempo da v i­
gência desta pena no nosso Codigo Penal, « a giria dos p ró ­
prios presidiários, em allusão á perpetuidade do alteroso e
esguio rochedo que a lli existe, isoladamente, junto ao mar e
chamado o P ic o ; e assim, quando se perguntava a um desses
in felizes qual a peaia que cumpria, elle tristemente respon­
dia: Eu sou irm ão do P ico. “ P orem ao perpetuo, que á dor
é votado -. Se chora da patria com funda saudade. O Pico,
qual monge, Accende o brandão, E diz-lhe de lon ge: Não
chores irm ão.” (Gustavo A d o lp h o ). “ 0 chefe da Compagniei
Telegraphique Sud Am ericaine, que ali reside ha oito ancios e
constituiu fam ilia, declarou-nos ser irm ão do P ic o ” .(M ario
M elo ).
Iscar — 0 mesmo que estumar: Iscar os cães.
Isqu eiro — Especie de caixinha de algibeira feita de chi­
fre, onde os fumantes guardam a isca, isto é, algodão, ou
qualquer outra m atéria combustível, para receber as faiscas
que o fusil tira da pederneira e produzir o fogo
Ix i! — Expressão de duvida, tedio, desdem, n egativa; in ­
credulidade, recusa, pouco caso: I x i! I x i! g ia ! “ I x i! Eu cá
penso nisto! disse o travesso pagem afastando-se.” (José de
A len ca r).

421
l*
J
Jaburu — A ve ribeirinha, pernalta (M ycteria am ericana),
de duas esp ecies; o Jaburú ou Jabirü-guaçu’, o Iabiru ’ -guaçu'
dos indios Petiguazes, ou Nhandu’ -apoá dos Tupinambás; e o
Jaburú moleque, menor, e assim chamado p or ter as pernas
e a p elle pretas, e a que os hollandezès chamavam de N egro
segundo as descripções de M arcgravi., O autor dos Diálogos
das grandezas do Brasil já menciona o jaburú como uma ave
muito m aior que um pavão, e bastante pela sua grandeza
para .saciar a meia duzia de companheiros, posto que fam in­
tos, p or ser carne assaz saborosa. A ve m aior que o perú e
menor que a ema, tristonho, solitaria, de papo grande, in ­
chado, repleto, como indica o seu nome, de origem tupica,
corrupiein de ya-ahirú (T h eo d o ro Sam paio), vem dahi o qua­
lific a tivo de jaburu dado a um indivíduo mal amanhado, de
roupa mal talhada, empapuçada.
Jabuti — Especie de Kagado, das mattas, ou tartaruga
terrestre, da ordem dos reptis (Testudo tabulata, S p ix). Entre
os indios, segundo Couto de Magalhães era o sym bolo da gra­
vidade, prudência e sabedoria. Come-se, e dizem mesmo que
a carne é muito sadia, e o figado, grande cm sua quantidade,
é o mais regalado com er que a natureza creoü. Esquartejado
separado do casco, ainda assim ,os seus orgãos e as suas car­
nes manifestam vida. Jabuti ou jabotim como escreve Gcn-
çalves Dias, é vocábulo de origem indígena, sobre a qual diz
Theodoro Sampaio; “ Corruptela de ya-u-ti, o que come pouco
animal de pouco com er.' Baptista Caetano interpretou —
yy-a.bu-ti, o que tem folego tenaz ou persistente • no tupi-
guarani yabuti, no tupi do Amazonas yauti, e no da costa
yaboti, jabuti, ou Kngado do matto.
Jáca — Cartola ou chapéo alto, preto ou branco. “ S. Exc
foi gravemente abalado em suas finanças ; o seu chapéo alto
de pello preto, a sua jaca, voou, cahiu no rio, e morreu de
asphichia por submersão.” (O Diabo a quatro n. 51 de 187(i).
“ O Zeca. o homem da jaca branca.” (Am erica Illustrada n.
2 de 1878) “ Anda e veste como eu não a.ndo e. visto. E n ver­
ga o croisé, a jaca fin a .” (O Etna n. 29 de 1882).
Jacá — Cesto ou receptáculo de form a variavel. feito de
taquara ou cipó, para a conducção de carne de sol, peixe sec-
co, toucinho, queijo e outros generos. “ O cargueirinho com
seus jacás no hombro mata a sede.” (D iario de Pernambuco
n. 105 de 1916). Segundo Baurepaire Rohan o termo é corrup­
tela de aiacá, tanto tupi como guarani.
Jacamim — Ave ribeirinha, nocturna (Psophia creptans)
de especies varias e facil domesticação, caracterisadas todas por
um rumor que fazem com o ar no papo, ou, como tambem é cor­
rente, na barriga, quando se aproxim a á gente. A superstição
rop u lar tem por máo agouro o canto do jacamim, de tom do­
lente, tristonho, alterador, como que de sentimento e queixu­
mes. “ Quero vêr de novo as v a rz e a s ... Onde occtilto no ca­
minho Canta á noite o jacamim.” (F . Dias Çarneiro). Vocá­
bulo de origem tupi, é corruptela de yacã-mi, o que tem a
cabeça pequena, segundo Theodoro Sam paio; ou de y-og-ami
a caseira, a que em casa se acostuma; ou ainda yaca-mi a que
m ove a cabeça, a mezuzeira, como escreve Baptista Caetano.
Jaçánã — Ave ribeirinha (P arra jaçanã, Lin n .), de duas
especies. “ Jaçanã da beira d’agua, Rosa branca sem espinho.”
(Versos populares). Seu nome vem do tupi, y-açá-nã, o que
grita forte, o que tem o grito intenso. (Theodoro Sampaio.
Jacaré — Nome commum ás duas especies de crocodilus,
(A ligato r sclerops, Cuv.) a do papo branco e a do amarello.
sendo esta mais bravia e tem ivel ; vive nos rios, açudes e la­
goas, mas vem á terra, onde é tão valente como n’agua. Quem
não quer barulho com jacaré tira o cóvo d’agua; Em festa
de jacaré não entra numbú; Jacaré deixa-te estar que a la ­
goa ha de seccar; Filh o de cobra d ’agua com jacaré. (D ieta
d o). “ O espião era um typo colossal, filho de cobra d’agua
com jacaré.” (Jornal do R ecife n. 298 de 1915). Jacaré é um
vocábulo de origem indigena, e assim já empregado pelo au­
tor dos Diálogos das grandezas do Brasil.

424
Jacú — Gallinaceo do genero Penelope, e de tres especies
conhecidas com os íionies vulgares de jacü-guassú, jacu’ -
tinga e jacu’-pema. e já mencionadas com o termo commum
de jacús por um escriptor de fins do seculo X V I, como gal-
linhas silvestres, de tanta estima, que lhe não fazem vanta*'
gem as mesmas gallinhas, posto que muito gordas, e concur-
rcntemcnte o historiador Fr. Vicente do Salvador (1627), d i­
zendo, que na feição e grandeza são quasi como perqs. Sobre
a origem do nome jacú diz M arcagravi concluindo a descrip-
ção que faz da ave nas suas especies conhecidas: “ Hoec avis
a chamare suo nomem accepti, clamat enin — Iacú, Iacú
Iacu’ .” Baptista Caetcno, porem, diz que vem do tupi, cor
ruptela de y-a-cii, o que como grãos, o que traga ou engole
fruetos. Ahi fica a controvérsia. Entretanto, nos pronuncia­
mos pela origem onomatopaica do vocábulo, uma vez, que não
raro, apparecem interpretações de palavras portuguezas como
do tupi exem plificadam ente Jurumenha, uma v illa do Piauhy,
Mecejana, do Ceará, nomes de conhecidas localidades em Por-
tugual, como nota T heodoro Sampaio, que aliás, registrande
o term o jacú no seu Vocabulário, consigna aquella etymolo-
gia de Baptista Caetano, concordantemente, portanto. O no­
me de Jacuhype de um dos nossos rios vem dahi; corruptela
de yacú-y-pe: no rio dos jacús.
Jacúba — Café com farinha. “ Fomos obrigados pela ne­
cessidade a alm oçar jacuba, café com farinha, o prin cipal al­
moço da ilha de Fernando de N oronha.” (O Conciliador n. 2
1850). Rohan registra o termo com a significação de uma es­
pecie de alimento ralo feito de farinha de mandioca, que se
deita em agua f r i a ; e Bessa, como b razileiro, refresco de fa ­
rinha, agua e rapadura. Quanto á sua etym ologia, diz Rohan
que vem do tupi jecuacüba e do guarani jecoacú, significandc
jejum, e concluindo: “ Não duvido que d^ahi provenha o v o ­
cábulo jacúba, attendendo a que, em falta de pão de trigo, é
p rová vel que os jesuitas sujeitassem seus p.ènitentes, em dias
de jejum, ao uso da farinha de mandioca molhda em agua
fr ia .” Segundo Theodoro Sampaio, é corruptela do tupi y-acub.
agua tepida, ou morna • José Verissimo, porem, pensa que é
vocábulo de origem africana.
Jacundá — P eix e de agua doce, pequeno, de escamas (Cy-
cia brasiliensis, C u v). O autor dos Diálogos das grandezas do
Brasil já o registra como um peixe excelente para se dar a
comer a doentes: O seu nome, concurrentemente com o de

425
Nhacundá, é corruptela de nacundá, o que tem bocca grande,
ou antes na-cü-etá o que traga muito. Nom e de peixe. (B ap ­
tista Caetano).
Jagunço — Capanga, valentão assalariado, e em bandos,
ao serviço de potentados em campanhas eleitoraes ou vin d ic­
tas de ruins paixões; ou constituindo grupos distinctos, che­
fiados p or um delles, derramados pelas estradas do interior
a com etter toda a sorte de crimes e depredações. “ Ha ja ­
gunços em toda parte, Não é só na B a h ia ; A jagunçada entre
nós já parece epidem ia.” (Lan tern a M agica n. 535 de 1897).
“ A psichologia dessa gente, malaventurada e m aléfica, que
nos sertões do norte do Brasil, do Piauhy á Bahia, é d ive r­
samente designada pelos nomes de valentões, jagunços ou can­
gaceiros, ainda está p or fa zer.” (A lfre d o de C arvalh o). Beau­
repaire Rohan registra o termo como o mesmo que capanga,
mas como particularm ente circum scripto á Bahia, naturalmen­
te seguindo a Aulete, que o consignando como do Brasil, d efi­
ne: valentão, guarda-costa de fazendeiros ou senhor de enge­
nho, na Bahia.” Entre nós, porem, já o term o era corrente an­
teriorm ente ao apparecim ento dos diccicnarios daquelles dous
escriptores, e Franklin T avora assim o emprega, mas na accep­
ção de arma de defesa, no seu romance O Matuto — Chronica
Pernambucana, que appareceu, em p iim eira edição, em 1878;
“ Uma negra apercebida com um jagunço, em attitude de quem
o queria d esa n ca r... Um jagunço enorme, que o desconhecia
manejava tão facilm ente como se fôra delicado espadim, pros­
trou dous dos amotinados p or terra.” Com a expressão porem,
que ora tem o vocábulo, já o encontramos em 1884, no n. 7 do
periodico hum orístico A Am erica Illustrada, que descrevendo
em um tom de troça uma sessão da nossa extincta Assembléa
Provin cial, apresenta entre os deputados, designados com bur­
lescas nomeclaturas, a um com o nome de jagunço; e em 1897,
como vimos, já a jagunçada entre nós parecia epidemia,
Jandáia — Especie de papagaio pequeno (Psittacus sur-
dus) com os encontros, peito e cabeça de um am arello aver­
melhado, brilhante, e verde o resto da sua plumagem. O autor
dos Diálogos das grandezas do Brasil a registra com o nome de
Higendaia, como outros passaros que se criam no sertão, e ao
tempo da colheita das novidades, principalm ente dos milhos,
descem ás fraldas do mar ás milharadas. O nome, de origem
tupi, é corruptela de nhand-ái, correndo só, o corredor. (T h eo -
doro Sam paio).

426
Jangada — Especie de balsa, para transportes, e particu­
larmente, pescaria flu vial e maritima, feita de paus roliços de
uma certa madeira muito leve, e convenientemente unidas por
cavilhas de madeira rija, form ando assim um lastro, que varia
em largura e com prim ento, e sobre o qual assenta um banco,
de cujo centro parte o mastro da vela, de fórm a triangular,
“ A principaLphscaria deste estado, diz um escriptor de fins do
seculo X V I, é feita p or negros em jangadas, que sahem fóra
ao mar alto. “ A jangada é somente conhecida na zona littora-
nea do Maranhão á Bahia” e tem m erecido a attenção de notá­
veis escriptores e viajantes estrangeiros. H en ry Koster, ao
vel-as vogando em todos os sentidos ,ao entrar no porto do
R ecife em 1810, confessa, que nada do que v ira nesse dia lhe
causara tanta ad m ira çã o; e descrevem-nas particularmente, L.
F. Tollenare, em 1816 ; Mrs. Maria Graham, em 1827; e L
Agassiz, em 1865. “ A atrevida jangada de Pernambuco, escre­
ve o nosso historiador F. A. de Varnhagem, ainda hoje accom-
mette nossos mares, com pasmo do viajante europeo, que mal
concebe como haja quem arrisque a vida sobre uns tóros li-
geirissimos, mal unidos, que vão quasi debaixo d’agua, nave­
gando dias e dias, longe da vista da terra.” Fale-m e em pau de
jangada, que é pau que boia ; Mostra de quantos paus se faz
uma jangada. (Dictados populares) Dá-se igualmente o nome
de jangada, Páo de jangada, ou jangadeira, á tiliacea, tambem
conhecida por embira branca, que fornece a madeira para a
construcção da embarcação, e que originariam ente conhecida
entre nós pelo nome vulgar de Peyba, com a variante de
Piúba, no Ceará, como assim chamavam os indigenas, vem
dahi a sua classificação ou denominação scientiíica de Apeiba
cimbalanea dada p or Arruda Gamara. Vegeta somente nas
mattas de alguns Estados do norte, cujo tronco, sem ram ifica­
ções senão no topo, erecto e elevado, é tão leve, que um indio,
como escreve um chronista. “ transportava do matto ás costas
tres paus destes de 25 palmos de com prim ento e da grossura
da sua coxa para fazer delles uma jangada para pescar no mar
a linha.” A denominação, porem, de Pau de jangada, já vem
de longe, uma que assim a registra o autor dos Diálogos das
grandezas do B rasil: “ Tambem ha um outro pau que chamam
de jangada, porque se fazem as taes delle para andarem pelo
m ar.” Descrevendo Alm eida Pinto a Jangadeira ou Embira
branca consigna: “ A madeira desta arvore é de uma textura
iã o frouxa, que sustenta-se sobre as aguas, comportando gran-

427
de peso sobre si. P o r esta razão, faz-se com ella a singular
embarcação, de que os pescadores se servem em Pernambuco
para pescaria, e que se chama jangada, com a qual elles trans­
põem o oceano a distancia bem longínquas.” Esta especie
particular de jangada, com armação e utencilios proprios para
a pesca, de par com a respectiva munição de bocca,' uma vez
que perde terra de vista, consumindo mesmo alguns dias no
serviço, e conservando em salga, o peixe que matam os jan-
gadeiros, tem o nome particular de jangada do alto, de cujo
modo de construcção, disposições, .mastreação, velam e e uten-
cilios, com a sua,particular «nomenclatura, quasi que composta
de termos indígenas ou chulos, fazem mensão Paulino N o­
gueira, A. Camara e Beaurepaire Rohan. “ Dentro da barcaça
só o que cahia eram as escumas dos mares que ella atravessa­
va como jangadinha do alto .” (F ra n k lin T a v o ra ). D erivado:
jan gadeiro; dc»no mestre, tripulante de jangada. “ Joaquim José
de Sant’Anna, cabra, jangadeiro do R io Doce. Seis mezes de
calceta p or crdem de 23 de Janeiro de 1818. (Assentos da Ca­
sa de D etenção). “ Um jangadeiro, que falou com gente do va­
por, me veio, a toda a pressa, dar a noticia.” (O A z o r r a g u e n.
41 de 1845). Estudando Rohan a etym ologia do vocábulo jan­
gada, diz que é termo usual em Portugal, os que «nós accres-
centaremos, na Europa, e mesmo na Asiaj desde a mais remota
antiguidade, bem que a jangada de lá não te»nha a applicação
que lhe dão no Brasil. Parece que este vocábulo é relativam en­
te m oderno na lin^ua portugueza. E ’ certo que, em 1587, já
delle se serve G abriel S oares; mas anteriorm ente, em 1500, Vaz
de Caminha, descreve»ndo a Jangada que v ira em P o rto Seguro,
tripulada pelos indios, na carta que dirigiu a el rei D. Manoel,
lhe dá o nome de Almadia, de tres trayes atadas juiitas. Em
tupi tem a jangada o nome de Igapéba, que se traduz em Canôa
chata. Não se compadece, portanto, a etym ologia que dá Pau­
lin o Nogueira, de nãn ig ára; yan ig ára; e jan ig ára, e por
fim jangada, a sign ificar litteralm ente aquillo que corre n’agua,
uma vez que os nossos indianologos nada dizem a respeito,
«nomeadamente Theodoro Sampaio, um dos mais competentes,
que não registra o term o no seu Vocabulário. E ’ o mesmo ca­
so de Mecejana e Jurumenha, nomes de conhecidas localida­
des portuguezas, dados como de origem tupi.
Janta — P o r jantar. “ Com o R ib eiro vem o Figu eiredo
convidado para a janta.” (Lan tern a M agica n. 501 de 1896).
“ Em um palanque levantado no quintal tocavam alguns mu-
sicos, durante a janta.” (A Pim enta n. 18 de 1902). “ Fomos
interrom pidos abruptamente por uma voz que dizia: A janta
está na mesa.” (M anoel Villas B ôas). O term o tem tambem
curso no Ceará: “ Plan tei mandioca b r a n q u in h a • M il covas
não deu farinha Que desse p’ra mim uma janta.” (C ancion ei­
ro do N o rte ).
Jantarão — Jantar lauto, sumptuoso. “ Houve em dias
deste mez um jantarão em casa de um Cainello, em que foram
convivas as mais nobres e as mais exim ias personagens do
partido da P ra ia .” (O Esqueleto n. 2 de 1846). Neste caso,
foi o termo ironicam ente empregado.
Jantarinho — Jantar intimo, de um modesto apparato.
“ Sinhá, vê se a cozinha hoje nos dá mn jantarinho m elhor:
espero um am igo.” (A rth u r A zeved o ).
Janubia — Instrumento musico dos indios feito da cou­
raça do tatú, que produzia facilm ente o tom que se queria dar.
Era a sua trompa de guerra, concurrentemente com uma ou­
tra de craneo humano, com um tubo de bambú no alto.
Japaranduba — F lo r cultivada nos jardins. (Jeronymo
V ile lla ). E ’ talvez a mirtacea (Gustavia brasiliensis, D. C .),
vulgarm ente japaranduba, que dá flores em grupos, grandes,
do tamanho e feitio de uma rosa, e de uma côr de carne, com
ligeiras manchas rosadas, cheias de pingentes no meio, ten­
do porem um cheiro desagradavel, segundo a descripção do
arbusto feita por Alm eida Pinto. Vem, naturalmente, do nome
desse arbusto silvestre, o de alguns engenhos, logarejos, ria ­
chos c serras, entre nós, originariam ente Iaparatiba, do tupi,
corruptela de yapára-tyba, arcos em abundancia, ou de yapá-
ra-t-iba. orvorc dos arcos, p or ser o nome de uma arvore de
madeira muito flex ivel, segundo A lfred o de Carvalho, tra­
tando do termo japaranduba.
Japecanga — Chibata de um cipó flex ivel, cheio de no-
sinhos, assim chamada do nome vulgar da planta de que é
tirada, a Smilax japecanga, da fam ilia das Asparagaceas de
virtudes medicinaes, e que vegeta ás margens dos rios e em
lugares frescos. Segundo uma crendice popular, a japecanga
medra de carcaça da cigarra, que m orre estourando pelas
costas. Com o nome de japecanga há um povoado e um riacho
no município de Bom Conselho, e uma serra entre os do
Bonito e do Brejo. Vocábulo de origem tupica, prim itivam en­
te japecanga, como pronunciavam os indígenas, é corruptela
de yuapecang, iaupecang, ibapecang, arvore de espinhos ou

429
puas (Baptista Caetano), consoantemente com o nome dé cipó
de espinho, que lhe dá Juvenal Galeno.
Jararáca — Nom e vulgar dò ophidio do genero Bothrops
(Cophias jaraca. N iem v) de diversas especies, caracterisados
pela sua coloração, grossura e com prim ento, e todos, em ge­
ral, venenosas. Anchieta trata já da cobra jararaca em 1560,
no seu escripto sobre a P ro vín cia de S. Vicnete. “ Vôa entre ou­
tras com forças horrorosas, Batendo a aguda cauda a jarara­
ca, Com veneno, a quem fere, tão presente, Que logo em con­
vulsões m orre se sente.” (Santa Rita D u rão). “ O calangro a-
traz da cobra, Da cobra jararaquinha, Não mordas cobrinhs
verde N o entrar da camarinha.” (T ro va s populares). “ À jara­
raca da minha sogra está com o diabo no couro.” (Jorn al do
R ecife n. '58 de 1816). Jararaca é o nome de um povoado si­
tuado no m unicípio de Goyanna e de um outro no de Tim -'
baúba; e vulgar de uma planta exótica, origin aria da E uro­
pa, da fam ilia das Araceas, e de uma indigena, da mesma fa ­
m ilia, que vegeta n o Pará, ambas descriptas p or Alm eida P in ­
to. Vocábulo de origem tupi, particularm ente referen te ás co­
bras deste nome, a que os Tupinambás chamavam Gereráca, e
segundo a descripção que faz o chronista quintista Gabriel
Soares desfe ophidio cabe bem á Jararáca preguiçosa, como
observa Beaurepaire Rohan, é corruptela de yará-r-ag, o que’
colhe, ou agarra envenenando, ou vulgarmente, o que tem
bote venenoso. (T h eo d o ro Sam paio).
Jarra —- Vaso de barro, grande, bojudo, para deposito"
d’agua de beber. O mesmo que talha ou fôrma.
Jasmim — Cabellos brancos, assim chamados para gen­
til e delicadamente notar-se o começo do seu apparecinienlo
á p rópria pessôa, em allusão a côr branca do jasmim communi
(Jasminum officin ale, L in n .) ou Jasmim de banha, cuja fra-
grancia suavissima disputa a prim asia entre as mais flores
aromaticas. A M aria não é lá muito m o cin h a ; já lhe vão ap-
parecendo os seus prim eiros jasmins.
Játay, Jatay, Getay ou G itay — Especie de M ellipona
(T rig o n a jaty, Smith) menos braba que a uruiçú, gentil e ar-
ruivada, abundante em delicioso mel, cujos favos guardam os
perfum es das flo r e s ; produz porem pouca cêra de uma côr
am arello castanho, e balsamica.” E te guardo tambem do m el
suave De jatahi, e de uruçu’ m il favos” . (A lv a r o T . de M acedo).
D iz Martius, que o nom e desta abelha vem do costume de
fazer os seus ninhos! ou cortiças na arvore jatay, ou jatobá
segundo Alm eida Pinto, da fam ilia das Leguminosas, e que
430
abundatemente vegeta entre nós, como em Minas e na Bahia.
Vocábulo originariam ente indigena, é corruptela de y-a-atã-i,
arvore de fructos duro, que designa tambem uma especie de
abelhas. (T h eod oro Sam paio).
Jatúca — Ave, de que apenas temos noticia pela simples
mensão do seu nome nas poesias de Jeronym o V ilella.
Jauba — Planta medicinal, cuja resina é mucilaginosa e
emoliente.
Jervão — Café, botequim, mosqueiro, na giria dos gatu­
nos.
Jesuita — Befolhado, fingido hypocrita, velhaco. D eriva ­
do: Jesuitismo, de expressão obvia.
João da Cruz — “ Term o vulgar, que significa dinheiro,
a mola geral do coração humano, o autor das revoluções e a
bussula dos revolu cion ários.” (O Cruzeiro, n. 19 de 1829).
Moraes registra João da Cruz, como uma locução vulgar de
dinheiro, exem plificando: Faltou-me João da Cruz. Nada en­
contramos sobre a origem desta lo cu çã o ; entretanto, afigu-
se-nos, que vem do curso de algumas das moedas portugue-
zas de ouro ou prata, dos tempos coloniaes do reinado de al­
gum dos soberanos de nome João, e dessas que tinham em
uma das faces uma cruz da ordem de Christo com a legenda:
In hoc signo vinces.
João Galafuz — Nom e com que a superstição popular
designa uma especie de duende, que diz, apparecer em certas
noites, em ergindo das ondas ou surgindo dos cabeços de pe­
dras submerssas como um facho luminoso e m ulticor, prenun­
cio de tempestade e naufragios; crença essa dominante entre
os pescadores e homens do mar do norte do estado, e p rin ci­
palmente de Ttamaracá, dizendo-se, que esse duende marinho
c a alma penada de um caboclo que morreu pagão, acaso co-
nhehcido p or João Galafuz. A superstição tem curso tambem
em outros estados, nomeadamente em Sergipe,' com o nome
de Jean de la foice.
João-galamaste — Rohan registra João-Galamarte, como
um termo corrente na Parahyba, R io Grande do N orte e Cea­
rá, e o mesmo que Gangorra, que d efin e: “ Nom e de um appa­
relh o destinado ao divertim ento de rapazes, e consiste em
uma trave apoiada pelo m eio em um espigão, sobre o qual
gira horisontalm ente e em cujas estremidades cavalgam. Em
Portugal lhe chamam A rreb u rrin h o ; no Ceará e outras p ro ­
víncias do N orte João-G alam arte; em Pernambuco Jangala-
m aste; e em Minas Geraes Zangaburrinho.” E y p or assim d i­
zer, a própria definição de Arreburrinho dada p or Moraes,
que manda v êr; consignando Jangalamáste, como term o usa­
do em Pernambuco, inspirado-se no velh o vocabulário de Blu-
teau, que assim, originariam ente, define o alludido termo p o r­
tuguez: “ Jogo de rapazes, qüe balaceando com o corpo sus­
penso em um páo, encaixado pelo meio, em outro,andam com
elle á roda. Pensili, versatilique trabe se librare, ou suspenso
tigno se in orbem agitare, ou jactare” . Term os assim portan­
to, defin ido o nosso João-Galamaste. “ Com o abalo do ca­
vallo ficou-lhe o chapéo armado andando á roda, que pare­
cia uiria cousa que os meninos no matto chamam João-Gala­
maste.” (A Carranca n. 27 de 1845). “ A guente-se no João-Ga­
lamaste: eu peso mais que v o c ê .” (Lan tern a M agica n. 793 de
1905). N o Ceará tem o vocábulo effectivam ente a variante de
João-galam arte: Ninguém viu-m e mais o meu pião jogar E
nem o João-galamarte N o terreiro ao bom luar.” (Juvenal
G aleno). Sobre a origem , ou etym ologia do termo, diz Moraes,
concluindo a definição de Arreburrinho, que é: “ Em Pernam ­
buco jangalamaste, talvez de yon g master’s p la y ; brinco
divertim ento do Senhorzinho, ou senhor moço, que deixaram
os hollandezes.”
João m olle — Arbusto que vegeta na ilha de Fernando de
Noronha.
João pobre — A v e pernalta, assim descripta p or um p erio ­
dico p olitico que appareceu entre nós em 1844 tendo por titu-
io, João Pobre, e d irigid o contra o D r. José Thom az Nabu-
co çíe Araújo, assim alcunhado pelos seus adversários: “O
João-pobre é uma especie de garça, habitante dos mangues e
paludaes, aonde v iv e de pescaria atraz de quanto peixinho
pode fisgar, para o que se faz muito songamonga e jurujú,
tendo porem p or debaixo da trunfa esfrangalhada que lhe co­
bre a cerviz, dous olhos am arellados, tão vivos e agudos, que
não lhe escape camarão pela malha. Nada tem de form oso:
pernilongo, de uma côr tirando á cara sem vergonha, é sobre­
modo nogento, não se lhe tendo descoberto até hoje préstimo
algum util.”
jo ç a — Egualdade, semelhança, especie: São todos da mes­
ma joça. Abuso, irregularidade, im m oralidade, máo p ro ced i­
mento. “ Houve trifobe, não é possivel. Aqui houve a rra n jo ;
isto é uma joça, uma picanha.” (A Lanceta n. 153 de 1913).
Cousa insignificante, sem valor, sem im p o rtâ n cia ; qu alifica­

432
tivo de ridiculo, depreciativo, de uma cousa qualquer. “ 0 che­
fe da estação do Campo Grande tem a mania de só abrir a joça,
para a venda de bilhetes quando chega os trens.” (A Pimenta
n. 389 de 1905). “ 0 folião presidente da joça, não cabia em si
de contente.” (Jornal do R ecife n. 26 de 1916).
Jocotó — Passo lascivo no caminhar e em certas danças.
“ 0 Chico ia no passo do jocotó, recitando uma quadrinha.”
(A Pimenta n. 71 de 1902). “ A velhice, a mocidade, Fundida
num bloco só. Rebola pela cidade No passo do Jocotó” . (D ia ­
rio de Pernambuco n. 51 de 1916).
Joelho-conversa — Deform idade que consiste em ter um
joelh o batendo no outro, ao andar, e os pés afastados, cujos
phenomeno tem a denominação scientifica de genu.
Jórna — Gimbo, dinheiro. Na giria portugueza do seculo
X V III tinha o vocábulo a accepção de Vagar, e Aulete o re ­
gistra como popular, com a de jornal ou salario; Moraes p o ­
rem, não, o que é de presumir que no seu tempo não tinha
avida curso entre nós.
Jornada — Scenas de cânticos e bailados dos autos h ieráti­
cos dos presepios os pastoris, em frente á lapinha, representa­
das pelas pastoras, e de outros folguedos populares, alguns
já em desuso. “ Doze meninas vestidas de branco, cingindo
capellas, enlaçadas de fita, umas com maracá, outras com pan­
deiro, enfileiradas em dois grupos, cantam o drama infantil do
menino Jesus. . . Dançam alternadamente dez jornadas, repas­
sadas de um canto meigo e d o le n te ... Entremeando as jorn a­
das, em que as pastorinhas dançam cantando, recitam versos
allegoricos ás offerendas que vão depôr aos pés do Menino-
Deus. Em Pernambuco não ha um desses folguedos da ralé,
como os Caboclinhos, Congos e Cambindas, que antes de ir a
qualquer parte, não vá dançar uma jornada á porta da egreja
de N. S. do Rosário, a santa dos pretos,” (Rodrigues de Car­
valh o),
J o sep h a — Casaco, frack. “ Um frack rigoroso e bom, com­
prido ou curto, é josepha. (Jornal do R ecife n. 215 de 1915).
“ Depois de encadenar-se em uma antiquissima josepha, não
dispensa a sua bacóra.” (D ia rio de Pernambuco n. 223 de 1915).
Jóta — Na phrase: De meia jota isto é: de graça, desin­
teressadamente, sem custar dinheiro, como se diz de uma cou­
sa dada de presente.
Jucurtu — A ve sertaneja, de plumagem arrepiada, noctur­
na, tida como agoureira. “ Da solidão o tacito socego, Apenas,

433
com seus guinchos, o interrom pem Jurucutús e caborés sinis­
tros.” (A . J. de M e llo ).
Judas — Falso, traidor, in fiel. “ Quem é o macóta. Qu’a
Arara depenna? O Judas meu mano, De marca pequena.”
(Papa-angü n. 1 de 1846). Calcanhar de Judas: Pequeno, de
baixa estatura. Cú de Judas: Lugar rem oto, distünte, lon gín ­
quo. “ Ha de ser nossa vida Como a das almas damnadas, D e­
pois de m orto ireis ter Morada no cü de Judas.” (O Barco dos
Traficantes n. 240 de 1860). Concurrentemente: Onde Judas
perdeu os calções ou as ceroulas. Da marca de Judas:' O mes­
mo que C.alcanhar de Judas. “ Da marca de Judas, muito gor-
duxo.” (O Carapuceiro n. 5 de 1847). “ Judas na marca, Judas
nos costumes.” ( A Capistraneida, 1847). N o tempo que Judas
andou de calções: Epocha remota, longínqua. Judas de Sab-
bado de A llelu ia : Figuras convenientem ente vestidas de h o­
mem, de roupas velhas, cheias de trapos ou palha que no
Sabbado de A llelu ia apparecem nas arvores ou lampeões. “ Em-
contramos um Judas na rua do Im perador enfrcnhado em
uma casaca.” (A m erica Illustrada n. 16 de 1879). “ Em fim,
a A lle lu ia ... e Judas enforcado ao lampeão, e os garotos p e­
gando um já todo esbrndalhado e jogando nos matutos.” (A
Pim enta n. 15 de 1902). “ Os Judas ás mãos da garotada, e
seus corpos de palha em inform e massa á custa de pauladas.”
(Trlem. n. 18). Entretanto, taes Judas são prohibidos pela mu-
ninnalidarte desde muito. “ Fica prohibido o tristPsim o brin-
onedo publico das figuras de Judas nos Sabbados de Allelu ia.”
(Posturas da Gamara Municipal do R ecife, 1831).
Judeu — Malvado, cruel perverso. Quem engana a outro
e iudeu. (D ita d o ) Especie de peixe registrada p or Jeronymo
V illela, de que não temos mais outra noticia. Aulete, porem,
no artigo. Serra, e tratando dos peixes da fam ilia dos escombri-
das, menciona o Auxis rocei, que se chama tambem judeu.
Judiação — Malvadez, crueldade, tormento, maus tratos.
Jujuba — Lousa bôa, saborosa, apreciavel, appetitosar
Um bôa jujuba. O term o virá da conhecida Pasta de jujuba
(Rhamnus zizyphus, L in n .), saborosa,-e de tantas virtudes
peitoraes?
Jundiá — P eixe de agua doce (Plastistom a spatula, Agass.)
de varias especies, com os característicos que indica o seu
nome, de origem tupica, corruptela de yundi, espinhal, barbas,
espinhos, e á, cabeça: jundiá, o que tem cabeça cheia de bar-
Das, ou esprnhos. (T h eo d o ro "S a m p a io ). E ’ uma especie de ba­
gre dé agua doce. Jundiá é o nome de varios engenhos e acci-
dentes da nossa geographia local.
Jurado — Ameaçado, emprazado para um ajuste de contas:
O Joãozinho está jurado para á p rim eira traquinada que fize r
pagar o novo e o*velho, “ O tal coió das Areias está jurado de
leva r bababi de macaca.” ( A Pim enta n. 88 de 1902). N egro
jurado, negro apanhado. (D ictado do tempo da escravidão).
Jurity — Nom e commum de uma ou mais especies de aves
do genero Çolqmba, fam ilia das gallinaceas. “ Minha chopana
parece ninho de ju ritis.” ( A Pim enta n. 500 de 1906). “ A ju­
riti suspira sobre as folhas seccas Seu canto de saudade.”
Gassimiro d e 'A b re u ). Já vem porem registrada com a variante
de juriti p or N ono M arquei P ereira (seculo X V I I I ) : “ A fo r ­
mosa Juriti N o bico trouxe uma flo r .” O termo, originariam en­
te yuruti ou yeruti, comtbum ás 'pombas, no tupi, é corruptela
de yuru-ti, pescoçò ou collo branco, alterado em jeruti, como
escreve Th eodoro Sampaio.
.Turubebal — Grandes e espessas touceiras da solanacea ju-
rubeba, de abundante e espontanea vegetação, preconisadas
virtudes medicinaes, e talvez superior a todos os tonicos até
hoje conhecido, na phrase de Alm eida Pinto. “ A ’ roda da casa
nascera um jurubebal espesso, em cu jòv fechado poderia es­
conder-se muitos homens.” (F ra n k lin T a v ò ra ).
Jurujü — Songamonga, sonso, disfarçado. “ O João pobre
v iv e de pescaria, atraz de quanto peixin h o póde fisgar, para o
que sé fãz muito sengamongo e jurujü.” (O João Pob re n. 1 de
1844).
Jurupará — Anim al carniceiro do genero dos Plantigrados
(Pottus candivolvulos, Gin.) E ’ naturalmente o jupara, a que
os indios davam caça com cachorros.
Jussaral — Floresta da palm eira jussára (E uterpe linicau-
le a ) de onde vem o nom e do engenho Jussaral, situado no mu­
n icípio de Serinhãem, e de um povoado no do Gabo de Santo
Agostinho. Jussára vem do tupi, corruptela de yu-içára ou yü-
içá, vara ou haste de espinho.
Justa — Cadeia, prisão cellular, na giria dos gatunos.
Jutubarana — P eix e de agua doce (Cynodan vulpinus,
S pix).

435
K
Kágado — í*essôa de baixa estatura, de andar pesado e
vagaroso. “ O nosso p rior é mesmo um Kagado.” (A lb erto Bes-
sa). Kagado''com botas: individuo que tendo p or habito andar
descalço, guando se calça caminha mal, sente-se mesmo mal.
0 Kagado figura nos nossos contos populares como um animal
astucioso, fino, perspicaz, vindo dahi, naturalmente, o dictado
popular: Fino como Lan de Kagado.
Kaki — Brim de tecido forte, de côr de castanha, usado
no fardamento m ilitar. “ S. Exc. estava fardado, trajando rn i-
fcrm e kakr.” (Jornal Pequeno n. 100 de 1916). “ Acabam de
chegar para a força publica m il fardamentos K ak i.” (A Ordem
n. 35 de 1918). O termo vem do japonez, dado a fazenda idên­
tica usada no uniform e do exercito do paiz, e adoptada por
nós. mantem o nome originário, apezar mesmo do seu fabrico
nacional. Kaki porem, é o nome do fruto do Kakiseiro (D iospy-
ros K a k i) da fam ilia das Ebenaceas, da flora japonesa de côr
vermelha, porem já acclimado no paiz, especialmente em S.
Paulo.
Kerosene — P etrolio, mas com o nome vulgar de gaz, des­
de o seu apperecimento entre nós, pelos annos de 1860, im por­
tado, da Am erica do Norte, substituindo d esfa rte o azeite de
côco e o de carrapato dos nossos antigos candieiros. “ Puxando
uma lata de Kerosene o gaz fez explosão, lavrando voraz in ­
cêndio,” (A Lanceta n. 33 de 1890). “ De candieiro, solemne,
Para queimar Kerosene, Uma grande exposição (Barbosa Vi-
anna). Kerosene é um termo moderno, ainda não registrado
nos nossos lexicons, o rigin ário do grego Keros, cêra, gordura,
com a terminação ene, de genos, raça, procedencií

437
Xinguingú — Serão de trabalho nos engenhos de assucar em
tempo de safra. “ O m iserável escravo, quajsi nú, mal alim en­
tado, trabalhava no eito de sol a sol, e ainda fazia a noite o
Kinguingú.” (D r. V icente F e r r e r ). Franklin Tavora, porem,
escreve Quinguingú: “ O C abelleira achava-se tão longe de
pensar que o guardavam, que acreditou, para explicar o que
seus olhos descobriam, que os negros faziam quinguingú ao
luar.” Vocábulo de origem africana, fo i introduzido pelos es­
cravos dos engenhos para designar a tarefa, o trabalho noctur­
no, extraordin ário para vencer o serviço da moagem, e que
assim, com uma voz do idiom a patrjo, o chamavam.
Kiosque — O assento, o trazeiro: Um Kiosque arrojado.
“ Kiosque é palavra que designa muita cousa b o n ita ... Já não se
chama tundá o gracioso puff que tanta elegr.icia imprime as
toilettes fe m in in a s ...” (O Diabo a quatro n. 23 de 1875). O
termo, com esta. accepção, vem do tempo do apparecim ento
do Kiosque entre nós, pequeno pavilhão, de fórm a octogonal,
situado nas praças publicas, e destinado á venda de café, be­
bidas e outros grneros. Vem do turco, com a expressão parti­
cular de mirante.
Kuarüba — uva — A rvo re indigcna (V och ysia acida), par­
ticularmente descripta por Alm eida Pinto.

438
L
Labrego — Q ualificativo depreciativo do portuguez na e-
pocha das nossas lutas políticas em p ro l da independencia na­
cional, que accentuadamente perdurou, e tem, mesmo ainda,
certa vóga. “ Continuados e immensos labregos chegam quasi
todos os dias da Europa.” ( A S&ntinella da Liberdade de 6 de
1847). Labrego é um vocábulo portuguez com as expressões de
rústico, aldeão, e figuradamente, de mal creado, sem educação.
Labyrintho — Bordado de agulha sobre pano branco, de
linho ou algodão, convenientem ente desfiado, em cruzamento,
e de duas especies, vulgarm ente conhecidas com os nomes de
labyrin tho ceio, e passado. A taes generos de bordados dão
nos estados do sul e em Portugal o nome de crivo. Beaurepaire
Rohan registra Lavarintho, estropiadamente, como o povilh eo
pronuncia o termo, achando qúe assim venha, talvez, do p o r­
tuguez lavôr. Entre nós, porem, em outros tempos, era o ter­
mo assim vulgar, corrente, mesmo entre gente educada “ T o a ­
lha de credencia de bretanha de lavarinto e guarnecida de
b ico.” (D ia rio de Pernambuco n. 41 de 1882). “ Escrava moça,
bôa ccsinheira e engomadeira, faz lavarinto, e é muito servi­
çal.” Idem, n. 162 de 1839).
Lacraia — O lacráo ou escorpião (ra ch m eid o ) de varias
especies, a que os indios davam o nome de jagoagira, rabo tor-
id, como effectivam ente tem. Langard registra assim o termo,
como é vulgarm ente chamado o insecto, e manda v êr escot^
pião, que descreve, trata dos nocivos effeitos das suas pica­
das e prescreve os remedios á combater os encommodos cau­
sados, Mulher má, genista, insupportavel.
Ladeiroso — T erren o accidentado, como que em ladeira
Ladino — Nom e dado ao africano já instruído na lingua
vernacula, religião e serviço domestico ou de campo, para o
distinguir do negro novo, o recentemente chegado, e a que se
dava o nome de boçal. Já no seculo X V II, servindo-se de am­
bos os termos, dizia G regorio de Mattos nas suas satyras: “ N e­
gro ladino é criolo. •• Porque todos entendaes, Os ladinos e
os boçaes.” Tambem ao indio, em iguaes condições, se dava o
mesmo qualificativo, e dahi as expressões muito communs en­
tre os noásos chronistas de negro ladino, indio ladino. “ Com-
senti no que me pedia, mas com o mandar alvajado com ou­
tro escravo ladino, dos da te rra ;” isto é, um indio. (D iálogos
das Grandezas do B rasil). “ Vende-se um escravo ladino do
gentio de Angola.” (D ia rio de Pernambuco n. 7 de 1897). “ Ca­
vallos, negros novos e ladinos, tudo, tudo lhe fazia conta.”
(O Cometa n. 30 de 1845). Fino, sagaz experto, atilado. “ Sou
experto sou ladin o; na confraria do quengo, por ser eu o su-
perfim ., tenho o prim eiro lugar. (A Pim enta n. 55 de 1902).
Fazenda de criação de gado em Jatobá do Brejo. Ladino é uma
corruptela de latino, synoniiqp de letrado, de culto e in telli-
gente, e segundo Gonçalves Viana, originariam ente applicado
em Portugal e na Hespanha ao mouro bilingue, e portanto in-
telligente. que alem do seu arabe, ou berbere, falava o roman­
ce da penvisula, que nos séculos V I I I e IX se chamava latino,
passou depois a designar tudo quanto era intellectualmente
fino. Corrente tambem o termo nas republicas platinas é effec-
tivamente, esta mesma, a origem philologica e histórica que
lhe dá Granada no seu Vocabulário.
Ladrão — Expressão Vitima e fam iliar de affecto e çarinho.
“ Seductora! Os teus dengos derretem-me todo! E ’s uma ladro-
n in ha!” (Mephistopheles n. 11 de 1882). “ Os teus olhinhos,
ladrona, Têm tamanha expressão, Que trapassam lado a lado
0 meu pobre coração.” (Am erica Illustrada n. 3 de 1886). “ Mu-
latinha do caroço, N o pescoço, Aqui está o teu cambão, Meu
la d rã o ... O ladrao do padresinho Deu agora em pregador.”
(Versos de modinhas). Do vocábulo na accepção própria do
gatuno, o que furta, se apodera do alheio, do refinado ladrão,
ladrão como rato, porco, de cavallo, de gallinha, de gazua, de
?strada, etc., não nos é dado occupar neste nosso trabalho; en­
tretanto, registramos os seguintes adagios que occorrem á res­
peito: A occasião faz o lad rão; De ladrão de casa ninguém se
livra; Ladrão cuida que todos o s ã o ; Ladrão não furta de la-

440
d r ã o ; Ladrão que furta de ladrão tem cem annos de perdão;
Tanto pecca o ladrão como o consentidor.
Ladroagem — O mesmo que ladroeira, e assim, com as
suas próprias expressões. “ Certo despachante d’Alfandega usei-
to e veseiro em ladroagem muito commum naquella reparti­
ção.” (Pernam buco n. 365 de 1912). “ Zé, V. deve reagir desde
já contra as extorsões de que está sendo victima, em vez de
falar ás escondidas dessas ladroagens, que lhe vão esvasiando
os bolsos.” (Jornal do R ecife n. 227 de 1916).
Ladroice — 0 mesmo que ladroagem. “ O peor que elles
tem, são ladroices.” (O Praeiro n. 8 de 1845). “ Mandaram vir
de Lispôa excellentes companhias de cantorias, de dançarinas,
de atrizes e até de ladroices.” (A Voz do Brasil n. 3 de 1847).
Lagarto — Carne que reveste o osso irregu lar que se a r­
ticula superiorm ente com a omoplata e termina no cotovelo,
chamado humero em anatomia. Carne do lagarto. “ Eis í-enão
quando sinto apertarem-me o lagarto do braço, com força .” (O
Cruzeiro n. 102 de 1829).
Lageiro — O mesmo que lagea ou lagem. Com o nome de
Lageird figuram na nossa chorographia dous povoados e riachos
em situações diversas.1
Lámba — Na phrase: Chorar a lamba: lamenlar-se das
suas desventuras, carpir as suas magoas. Como escreve Gon­
çalves Vianha, está locução deve ter provindo do con vivio
com os pretos africanos de Angola, em cuja lingua, o quim-
bundo, lamba significa — desventuras, — concluindo: Na boc-
ca dos ambundos é muito frequente a phrase interjectiva
lamba riam i! ai de mim !
Lambança — Rezinga, barulho, desordem. “ Muitas vezes
brigamos, eu e ella, e quasi sempre a causa da lambança era
me deixar a gosto encher a pança.” ( A Pim enta n. 87 de 1902).
“ Trava-se uma lambança no bond, que quasi vira em arrelia .”
(Lan tern a Magica n. 513 fanfarrice. “ Não ha francez sem
lambança, nem portuguez sem toucinho.” (Lanterna Magica n.
513 de 1895). “ O H enrique berrou tanto Que assombrou a
visinhança, Prom ettendo se emendar Contando muito lam ban­
ça.” (A Pim enta n. 12 de 1908). D erivado: Lam banceiro. “ O
Antonif é um lambanceiro, provocador de a rrelia .” (Lanterna
M agica n. 502 de 1896).
Lam barv — Pisadela de pés nos cinemas.

441
Lam bedeira — Faca de ponta, Dar-vos-iiemos a reposta
Pas pòntas das lam bedeiras.” (A V oz do Brasil n. 38 de 1848).
Lam be-pratos — Baixo, servil, adulador; commensal, pa­
rasita. “ Meia duzia de renegados, e alguns lambem-pratos com-
mensaes ou espoletas dos mandões.” (O Formigão, n. 3 de
185(1). “ Bôa firm a! muito tolo, sem a minima dose de verniz,
é um lambe-pratos que causa nojo.” (O Vapor dos Traficantes
n. 222 de 1860).
Lam ber — Subjugar- vencer, elim inar. “ Sustenta o m oti­
vo, Mané Francisco, sinão V ictorin o te lambe. (F ra n k lin Ta-
v c ra ). Quatis mé lambam, se fize r isto ou aquillo; se o cabra
não é tão lige iro os quatis o lambiam.
Lam berage — Agrados, papagaios, agachados.
Lam ber de dentro — Intim idade, privança, valim ento gra­
ça, favor. — “ O Diario, pelos modos, parecia estar lambendo de
dentro.” (A Lanceta n.. 15 de 1890),
Lam ber os dedos — A legre, contente, satisfeito, farto, como
quem participa de um pratinho bem feito, saboroso, que se come
á tripa forra, como um frade. A locução vem do tempo em que
não havia talher; mas ficou, apezar de desde muito não se
com er m ais'com as mãos, e dahi a sua voga: Alm oçam os uma
panellada de lam ber os dedos!
Lam bisgóia — Pessôa alta, magra, fraca, esqueletica.
Lamborada — O mesmo que lombada, bordoada. “ A lv o das
sugs lanibcradas, nunca mestre Chichorro fo i tão desacatado e
escarnecido.” <0 Postilbão n. 28 de 1846).
Lambusado -— Sujo, porco, immundo. Segundo S ylvio Rom e-
ro, é term o de origem africacia. Quem nunca comeu •mel quando
come se lambusa. (D ictad o).
Lam peão de esquina — Individuo que estaciona ás esqui­
nas das ruas com um fim qualquer. “ Esta redacção está disposta
a chamar a attenção da policia para os namorados de portas
e lampião de esquina.” (A Pim enta n. 8 de 1901).
Lampista — Accendedor de combustores públicos de illu-
minação a gaz. “ Procurando-se apurar a identidade do morto
verificou a policia tratar-se de José Barbosa, lampista da com-
pcnhhia do gaz.” ( . O Estado de Pernambuco n. 357 de 1914),
“ Não vai um mez que fo i assassinado o popular José Barbosa,
lampista da companhia do gaz.” (Jornal Pequeno n. 11 de
1915).

442
Lanchas — Pés grandes, os respectivos sapatos. “ T eve um
tempo, em que não podendo calçar as lanchas, andava de chi-
nellos.” (M ephistopheles n. 22 de 1882). “ As lanchas do tal gal-
lego estão encarregadas da destruição de todas as calçadas
da rua da Bôa V ista.” (A Pim enta n. 89 de 1902).
Lanch? — Petisco, ligeira refeição. “ Quem gostar de um
bom lanche o en co n tra rá; basta só chelpa le v a r.” (O Barco
dos Traficantes n. 37 de 1858). “ Bom lanche, bons petiscos,
saborosos, bellos vinhos e licores prim orosos.” (Idem , n. 111
de 1859). “ Opiparo lanche solemnisado por alguns cantores.”
(O Binocolo n. 5 de 1882). D erivado: Lanchar, Do in glez lun-
ch.
Landrinagem — Experteza, abuso de ccnfiança, ladroeira.
“ O procedim ento do gerente é uma form aidavel landrinagem,
que passa impune, porque nesta terra a p olicia não persegue
aos landrinos altamente collocados.” (Lan tern a Magica n. 211
de 1888). “ Em vista do descredito a que chegou a loteria, o
conselho dos landrinos deliberou dar uma sorte grande de
o itiv a .” (Idem , n. 450 de 1895).
Lá nelle — Phrase para indicar em uma pessôa, compa­
rando mal, o local de um ferim ento, uma chaga ou qualquer
incidente fatal de outrem.
Lapa — O mesmo que lapinha. “ Numa lapa fria Onde
Jesus m ó r a ... Já deu meia noite E o gallo cantou, T ã o bello
menino Na Lapa b rilh ou .” (V ersos de pastoris).
Lapáda — Pancada, bordoada. “ D izem que as lapadas da
rua do Crespo pouco encommodaram a quem as levou.” (O
Binocolo n.' 5 de 1882).
Lapinha — Especie de arco de folhagem cheirosa, como
da caáélleira e pitangueira, aberto pela fronte, sobre uma m e­
sa, encostada á parede, e sob o qual se vê, figuradam ente, a
cidade de Belem, com o presepio em que nasceu Jesus, e peran­
te o qual tem lugar as representações dos dramas pastoris,
p elo Natal. “ Em Pernambuco, pelo Natal, costumam arm ar
as chamadas lapinhas. São nichos representando o presepe
onde nasceu Jesus.” (S y lv io R om ero ). “ Se porque digo a
verdade M ereço uma esmolinha, Dai-ihe só a vossa graça E
a todos desta lap in h a. . . Queimemos, queimemos, Gentis pas­
torinhas, As seccas patinhas Da nossa lapinha.” (Versos dos

443
pastoris). “ Lapa, lapinha, Quer chova quer faça sol, sempre
molhadinha.” (Advinhação da língua). Voeabulo antigo vem
já do seculo X VI, como se vè de um auto hierático de Gil
Vicente da Visitação da lapinha.
Lapo — Pedaço, bocado, fragm ento de qualquer cousa. Um
lapo de pau.
Larachas — Mentiras, subterfúgios, historias mal contadas.
ÇGiria dos gatunos).
Laranjinha — Aguardente de canna aromatizada com cas­
cas de laranja. “ P referidos os generos vinhos e o champangne,
onde o patriotism o da laranjinha e da bôa pinga Massangana?”
(O Tem po n. 6 de 1890). “ malandro estava com a cabeça cheia
dos vapores da laranjinha da Serra Grande.” (A Pimenta n. 497
de 1906). Bola de cèra cheia de agua perfumada para jogo do
entrudo, representando fruetas diversas, como a laranja, e dahi
o qu alificativo de laranjinha, e a lima, de que provem, concur-
rentemente, o de lima de cheiro, ou como no R io de Janeiro,
de limão de cheiro, qúe desappat ecerard com o uso das de borra­
cha, e estas por sua vez, com as bisnagas e lanças-perfumes.
“ Agadanhando algumas limas de cheiro, tomára a frente do nos­
so passeiante, e lhe dissera: Meu patrieio, tenha paciência, sem­
pre leva uma lim inha.” (O Postilhão n. 17 de 1846). Este uso v i­
nha de longe, e já em 1810 escrevia Koster no seu livro de via­
gens: “ O carnavaUou entrudo não admitte outros folguedos senão
o de assaltos recíprocos com bolas de cera cheias d’agua,. com
seringas, laranjas e ás vezes cousas peiores.” Em 1876 o chefe
de policia publicou um edital nas proxim idades do carnaval,
prohibindo a venda de limas de cheiro, tanto de borracha como
de cèra. “ A camara municipal prohibiu a venda de laranjinhas,
e por consequência de borracha, mas creou um imposto de
5008000 sobre a venda de borracha para lim as!” (A Duqueza
do Linguarudo n.72 de 1877).
Lata — Cara, rosto. “ Senhora dona Sancha Coberta de ouro
e prata, Descubra lá seu rosto Que lhe quero ver a lata.” (Par-
lenda in fa n til). Carão não mata mais incha a lata. (D ictado
popular). “ E lle na lata apanhou Um tremendo bofetão P or um
moço cascabulho, Que tem nome de Lobão.” (O Povo n. 133 de
1858). “ Coió afoito, já levou uns bofetões na lata, de um paren­
te de sua Dulcinéa.” (A Pimenta n. 86 de 1902).
Laudaça — Trica, astúcia, patranha. “ Todo o taberneiro
Que nos prega lezo Com lerias, laudaças, Furtando no peso.”
(O Çampeão n. 28 de 1861).

444
Lavadeira — A ve da ordem Deodactyli. especie de an­
dorinha (H iru ndo america, W ils.) a Tapera dos indios, descrip-
ta por M arcgravi. “ A lavadeira, passaro insectívoro p or ex*
cellencia, habita as cercanias de nossas casas, prestando-nos
grandes serviços nos jardins. D evido a uma innocente lenda da
qual é a lavadeira a protogcnista, as creanças têm por ella es­
pecial carinho.” (Euphasio Cunha). Jeronymo V ilella registra a
lavadeira com a corruptela de lavandeira, que aliás é muito com-
mum, e antiga mesmo uma vez que assim figura nestes versos
de um romance sobre os passarinhos, que vem nos livro s Com ­
pendio narrativo do peregrino da A m erica: “ Sahiu de ponto
a dançar A lavandeira, e mostrou Era tão destra na dança, Que
pés na terra não pôs.” Aulete registra com o nome de lavandeira
uma ave da fam ilia dos pernaltas (charadriu s).
Lavagem — O que se dá ao demais nas vendas de liquidos,
fazendo transbordar, esborrar a respectiva medida. “ O p roce­
dimento do Sr. Commandante das armas me obrigou a sahir
do sikn cio, e dar este Quadro de lavagem .” (O Guarda N a cio ­
nal n. 87 de 1843). Carão, reprim enda: Dar, passar, tomar
uma lavagem.
Lavrador — Concessionário de um lim itado tracto de ter­
ra nos engenhos de assucar, para o cultivo da canna, correndo
a moagem por conta do p roprietário da fabrica, mediante uma
accordada percentagem sobre o assucar que produzir a colh ei­
ta do anno, e ainda o mel resultante, O lavrador é um simples
occupante, sem o onus de renda ou fôro, levanta a sua casa
de moradia, e cultiva tambem uma pequena lavoura de cereaes,
sem mais os encargos de vantagens ao senhorio, como na da
canna. Lavrador, prim itivam ente, era o p roprio senhor ou p ro ­
p rietário do engenho, como se vê do Cap. 34 do Regimento dos
provedores da fazenda real das capitanias do Brasil, dado em
Aim eirim a 17 de Dezembro de 1548, nestes termos: “ Lavrador
algum, nem pessôa outra que fize r assucares, nas ditas terras,
não tirarão para sy, nem para outrem fóra da casa de purgar
o dito assucar sem prim eiro ser alealdado, e pago o dizimo
delle sob pena de o p erd er” . Tempos depois, o proprietário
da fabrica, em geral abastados, occupando na colonia eleva­
das posições, fidalgas, vivendo á lei da natureza, passou a ser
chamado senhor de engenho, ficando o qu alificativo de la vra ­
dor para o morador nas suas terras e plantador de canna, o
que já era vulgar nos prim eiros annos do seculo X V III, como

445
assim o refere um chronista de meiados do mesmo seculo, Fr.
Manoel Calado: “ Morava na Varzea de Capibaribe um homem
hrnrado, lavrador de cannas, chamado Manoel Felippe Soares,
o qual vendo andar no seu pasto um cavallo estranho, e sem
dono, seis ou sete dias, mandou o tomar, e preso em uma cor­
da o levou a João Fernandes V ieira, que era o senhor d o en­
genho, em cuja terra elle tinha o seu partido.” Esta mesma
distincção consta tambem documentadamente, e já de então,
tom o se vê da P rovisão Regia de 15 de Janeiro de 1683 deter­
minando que os senhores de engenhos e os lavradores de suas
terras não fossem executados nas fabricas dos seus engenhos e
fazendas, mas sim sobre as suas rendas. Vem, naturalmente,
dessa epocha, o velho proloqu io: Quando o senhor do engenho
chora, o que fará o lavrador?
Lazarina — Espinguarda de passarinhar, de cafio com ­
prido e adarme apropriado a munição fina. “ Espinguarda de
caça, comprida lazarina de pederneiros.” (Dantas B arretò).
Sobre a etim ologia, desta dicção escreve A lfre d o de Carva­
lho: “ A, partir de 1651 começaram a se tornar afamadas na
Europa as armas fabricadas pelo espinguardeiro milanez La-
zarino C om in azzo; os seus successores se esmeraram em p er­
petuar os créditos da officin a original, que chegou aos p rin ­
cípios do seculo passado, já transformada em notável estabe­
lecim ento industrial, mas conservando sempre a firm a do fun­
dador. No correr deste longo praso os productos da fabrica
milaneza foram espalhados aos milhares e por toda parte, vul-
garisando assim o nome de Lazarino, que entre nós, passou de
substantivo p roprio a appellativo, á sem ^hança do que vemos
succedemaos de Comblain e Mauser.”
Lazarino — M orphetico, le p ro s o ; o que soffre do mal de
S. Lazaro, d’onde vem esta dicção vulgarissima em outros tem­
pos, mas hoje em desuso. “ Vendo tantos pobres lazarinos em
Nossa Senhora do O ’ pelos campos, como brutos, me resolvi
a procurar-lhes agasalho.” (Testam ento do Padre Antonio Ma­
noel F e lix feito no Hospital dos Lazaros a 27 de Março de 1718).
Escriptura de doação do terreno para se fazer o hospital dos
pobres lazarinos, lavrada na v illa de Santo Antonio do R ecife
a 14 de Maio de 1714.
Lazaroni — Q ualificativo depreciativo do italiano. “ O bom
do lararoni levaria tal escova, que jamais se esqueceria.”
(Am erica Illustrada n. 31 de 1875).

446
Lebréa — Fatiota, roupa de vestir: O João appareceu hoje
de lebréa nova.
Lê com lê, cré com cré — Segundo o Dr. Castro Lopes esta
locução corresponde ao anexim : Cada qual com seu igual, pa­
ra exprem ir o qual empregou-se a phrase: Leigo com leigo,
creligo com creligo, que, p or já ser muito conhecida e usada
era escripta em breve, donde resultou o tal Lê <om lê, cré com
cré. João R ibeiro, porem, diverge desta opinião, e discute com
vantagem, que a locução vem entes de Querer com querer e
lei com lei, originando-se assim da condição de vontade igual
entre os nubentes, e da identidade de le i ou confissão re lig io ­
sa entre os mesmos, abonando os seus conceitos com excerptos
clássicos, entre os quaes estes versos do Auto da Ciosa, de An-
tonio Prestes, de 1587, que denunciam já a form ula Qu’rer com
qu’rer e lei com le i: “ Olhai cá, senhora prima, Estimai quem
vos estima. Se vos quizerem, qu erei; L ei com quem vos tiver
le i.” “ O Chichorro não se enganou, porque houve quem lh ’o
advertisse; obra assim porque é da mesma laia: Lê com lê cré
com cré. (A Carranca n. 48 de 1845)r
Legalhé — Individuo de baixa esphera, despresivel,,' um
troca-tintas ahi qualquer. Castro Lopes dá uma origem ao ter­
mo, com que não concordamos, apezar de habilmente engen­
drada. Segundo João R ibeiro, porem, é um derivado de leguleio,
o rabula. O vocábulo tem curso no Ceará com a variante de»
Lheguelhé, e coin accepções iguaes as que tem entre nós.'
Castro Lopes, porem, escreve Lagalhé, e Aulete, consoante-
mente, registrando-o como um termo, burlesco.
Legua de beiço — Mal m edida; menos de legua. O q u a lifi­
cativo vem da resposta do camponio, em geral, á pergunta da
distancia ou situação de um lugar, acompanhando a phrase
indicativa, é alli, com um gesto de saliência do labio in ferio r.
Leguleio — Rabula, não letrado, ignorante, como se diz do
leigo, figuradamente, e de que, naturalmente, vem a dicção.
L eirão — Pequeno taboleiro de terra um pouco elevado do
solo, e divididos uns dos outros p or uma especie de regos, e
particularm ente destinados á plantação de legumes e ortaliças:
Um leirão de alface.
Leite baptisado — Misturado com agua.
Leite de côco — O sumo da amêndoa do côco (Cocus
nucifera depois de ralado com agua, e muito usado em prepa­
rados culinários. “ Parta-se o côco, Venha uin p e d a ç o ; Expre-
ma o leite Qu’eu quero o bagaço.” T rova s populares). ,
447
Leiteria — Estabelecim ento de vender leite e coalhada,
cu de preparados lacticinicos. “ Vende-se a Leiteria Pernam ­
bucana, com seus machinismos para _a congelação do leite e
fabricação do queijo e manteiga, em Sanharó,” (D ia rio de
Pernambuco n, 276 de 1915). O termo vem dos recentes esta­
belecimentos daquelle genero entre nós. assim denominados
Leiteria do Recife, Sertaneja, etc.
Lencinho — Cacete curto.
Lenha — Pancadaria, b a b a b i; descompostura, c a tilin a ria ;
falar mal de outrem. “ Estás d aim a d o? Um tanto! E ’ p or isso
que vou metter a lenha naquelle povo da Intendência.”
(Lanterna Magica n. 577 de 1898).
Lépo — Vocábulo onomatopaico para e x j^ im ir o som de
golpes ou pancadas com um instrumento contudrote qualquer.
“ Não se ouvia senão, lépo, lép o! Aqui dei rei, valha-me o p o­
der de Deus Padre, L ep o ! N egro, não me mates. Lep o! (O
Am igo do Povo n. 4 de 1829K,
Lesar — Andar a toa, bestando, sem orientação e destino,
enchendo as ruas de pernas: Andar lesando.
Leseira — Nescio, tolo, maluco, m oleirão, im becil. “ Foi,
um enorme leseira no tirocin io da vida,” (A Pimenta n. 5 de
1902). “ Essa mocinha que nos parece uma leseira, é uma re ­
finada sabidoria. (A Peia n. 9 de 1904). “ Nessa sua leseira vai
vivendo o tal chaleicg.” (A Pimenta n. 404 de 1905). Simula­
ção, manha, velhacaria: Parte de leseira; Passo da leseira, “ O
bicho que é quengo, avistando o carro conductor da moça,
saltou do bonde com parte de leseira, e esperou in diferen te­
mente.” (A Pimenta n. 60 de 1902). “ Sahi no passo da leseira,
assim como quem vai alli e já volta.” (Idem , n. 487 de 1906). “ No
passo da leseira, ã quaresma vem chegando.” (Jornal do R ecife
n. 34 de 1913).
Léso — O mesmo que leseira: Andar com uma parte de
leso. “ Ou os soldados eram quatro lesos, oü o crim inoso que
fugio era m andingueiro.” (Lan tern a Magica n. 451 de 1895).
“ Leso, a, és um adjectivo que usamos em Chile para designar
a las personas que pertencen a aquella numerossima fam ilia
de los néscios.” (Z o ro b ab il R od rigu ez).
L éva e traz — Portador d e ‘ recados; m edianeiro ou c o rreio
de am ores; intrigante, m exeriqueiro. “ Sou intrigante e m or­
daz, Enredo gentes com gentes, Sirvo bem de léva e traz.”
(O Vapor dos Traficantes n. 250 de 1860).
L evantar o panête — Arribar, ir embora, por-se ao fresco.
Levante — Calumnia, enredo, intriga: Fazer um levante.
Levar a pau e corda, a pulso e canellão: Violentamente.
L eva r banco e tripeça — Ir a um mandado, ou a qualquer
parte, e demorar-se demasiadamente.
Levar ou tomar na cuia dos quiabos — Perd er uma qu estão;
sahir vencido ou derrotado numa contenda; perder um bom
n e g o c io ; não conseguir uma pretenção ; enganado, explorado ;
victima de engodos e patranhas.

L ili — Feitiçaria, mandinga, catimbó; macaca, caiporismo,


urucubaca. “ Urucubaca tinha antigamente um outro nome;
chamavam-lhe de Macaca. Depois muradam-lhe o appellido pa­
ra Caipora, depois para L ili, e finalmente Urucubaca. Pode ser
que ainda mude de nome mas o certo é que, Macaca ou Lili.
Caipora ou Urucubaca, vem dar tudo 110 mesmo.” (Jornal do
R ecife n. 22!> de 1915).
Lim a de cheiro — V. Laranjinha.
Lim ão — Especie de abelha (T rigo n ia testaceicorriis,
Leps.) muito timidas, mas activas, de ninhos populares p ra­
ticados nas íendas de muros 011 rochas, e excepcionalmente
nas arvores, c de muita predilecção por certas especies de
formigas, com as quaes vivem iuntas.
Lim oeiro — Madeira de applicação diversas.
Limpa — Serviço de lim par um cannavial ou roçado dos
capins e hervas damninhas que nascem entre as plantas; r o ­
çar, mandar um terreno coberto de matto para fazer uma plan­
tação qualquer. “ No matto, dando caça á form iga de roça, 0
cuidando da limpa dos cannaviaes.” (Am erica Illustrada n.
17 de 883). “ Cada anno são mais numerosas as victim as da
cascavel, principalmente nas limpas dos roçados” . (Irin e o Jof-
f d y ). “ Com as prim eiras chuvas do inverno a milhã apon­
ta e as queimadas reverdecem . Começam as limpas d o s
cannaviaes.” (A lfre d o Brandão). Furto ou roubo avul­
tado, por completo, nada deixar: Fazer uma limpa.
Lingua de prata — Sugeito falador, maldizente, que dá a
lingua ã vontade, e diz dos outros cobras e lagartos. “ Homem
de lingua de prata, que falava até dos guardanapos de Santa
Apolonia.” (Jornal do R ecife *1. 215 de 1915).
Linguiça — Magrizela, compridão, esguio. “ Magro, lingui­
ça, anda limpinho, e é 11111 tanto dengoso.” (O Etna n. 39 de
1882).
Linha — Chicote, relho. “ Calangro pulou p ’ra traz, Metteu-
lhe o cabo da linha.” (Versos sertanejos).
Linha branca — Aguardente, na giria dos presidiários de
Fernando de Noronha, em contraposição a linha preta, vinho
tinto.
Litico — Esmero, correcção, prim or. “ Compareço, mas
compareço no litic o .” (O Major Leal n. 1 de 1890). “ O eabo-
clinho, alfaiate, vae ao pastoril,comparece no litico, e haja
arrematações de grande valor.” (A Pimenta n. 85 de 1902).
Legitim o, puro, conveniente. “ Am igo a nossa questão é litic a ;
a nossa sorte é só esta.” (Lanterna Magica n. 275 de 1889).
“ Estão sendo descobertos os nossos segredos. Isso não é l i ­
tico.” (A Lanceta n. G de 1889). “ Republicano litico e notável
homem de letras.” (Idem , n. 01 de 1890). ,
L iv é l — N ivel, assim chamado, em geral pelos nossos ar­
tistas pedreiros, que não raro chamam tambem olivel, cujo
instrumento, p rim itivo rudimentar, Moraes descreve. Livel,
entreti.ito, é uma vetusta dicção vernácula, já muito usada no
seculo XV, e até mesmo litterariam ente, como se vê, por exem ­
plo, dos seguintes versos de uma quintilha de Garcia de R e­
zende, que floresceu no reinado de D. João II (1481-1490),
exaltando o reViado da rainha D. Izabel, na ausência de seu
marido el rei D. Affon so V, em cujo governo, na phrase do
poeta, todos viram-na “ Tam real, tam grandiosa Governar
bem por liv é l” .
L iv ra ! — Dicção interjectiva de cautela, prevenção, des­
vio, ou livram ento de um cacête, massante, ou de uma enta-
Jadela qualquer. “ L iv ra ! Que typo cabuloso é este tal Bico-
d o e e !” (A Pimenta n. 19 de 1902). “ L iv ra ! que lá vem os ar-
tisíos dos iornaes sargêtas” . (Lanterna Magica n. 709 de 1902).
“ L iv ra ! Não sou eu quem segura semelhante caveira de bur­
ro.) (A Lanceta n. 44 de 1912), João Ribeiro, estudando a d ic­
ção, diz, que parece, ser abreviatura do latin orio do exorcis­
mo, Libera me, D om in e!; ou do Libera nos a maio, da oração
dominical.
Lobim — Moléstia de cavallo. Deixou-me um quartáo fa­
m o s o . . . ” Nos queixaes tem um inchaço.. Cinco lobins no
cachaço.” Versos sertanejos).
Loár — Andar na vadiação, na mandriicc, banzando, sem
cuidar de trabalho nem de cousa alguma: () José é um ra­
paz p e rd id o ; só quer andar loando.

450
Lóca Buraco, cóva, esconderijo. Mettido na ló ca ; oc-
cultc, escondido. “ Fn trei por todas ao lócas aos empuchões
do destino.” (A m erica Illustrada n. 1 de 1883).
L ócel — Commodo, descanço, folga, repouso: Estar a, de,
no seu lócel, como diz o italiano no seu Dolce-far-rd,t'T’ *“ : a
doce ocisiosidade, o ideal dos preguiçosos, segundo as suas
expressões. “ O F erreira (a ninguém chingo), Lá n ó Zumby,
a locel, prepara para domingo Um bruto sarapatel.” (A P ro ­
víncia n. 61 de 1916).
L ogrador — Lugar fresco, e reservado para se botar o
gado em certas epochas do anno (S y lv io R om ero). “ Adeus
restinga e carrasco, Serrote do logrador.” (Versos sertane­
jo s ). Nom e de um povoado situado no município de S. Ben­
to. “ Todas as grrndes fazendas têm seus logradores.” (Beau-
repaire R ohan). Corruptela de logradouro,
L ója — O anus do cavallo.
Lonty ou Lonruty — A rvo re commum, cuja madeira é
empregada em usos diversos.
L o rd e — Bem trajado; luxuosamente v e s tid o ; mettido a
fidalgo, ostentando grandezas, vivendo confortavelm ente. “ Es­
ses improvisados lordes do partido da praia só se lembram de
vós quando necessitam, ou do vosso sangue, ou dos vossos
suffragios.” (O C.lamor Publico n. 7 de 1845). “ De lorde passou
para mestre de latim e de inglez. (O Cometa n. 28 de 1844).
“ Uma sessão magna em que somente estiveram presentes os
lordes, barões, conselheiros e commendadores.” (O Homem do
P ovo n. 1 de 1847). D erivados; Lordar, lordemente, lordeza.
“ T odo o seu ordenado é para lordar, pois para comer está su­
gando o sangue de um am iguinho.” (A Derrota n. 15 de 1883).
“ Faço despezas inteiram ente supérfluas, para me apresentar
lordem ente.” (Gaspar Gomes, Cartas, 1847). “ Cuidado com o
p ro cu ra d o r; não queira elle saber d’onde vem tanta lordeza.”
(Lan tern a Magica n. 767 de 1904). “ Mamãe se damna com a
lordeza do Antonio M aterno.” (A Pimenta n. 603 de 1907).
L ord ’ E=poras: Q ualificativo de troça dado a um individuo fá ­
tuo com pretenções a grandes cousas. O termo, originariam en­
te, vem de Lord, titulo h on orifico dos membros da camara alta
do parlamento inglez.
Lorota — Artimanha, fanfarronada, presumpção, p o tó c a ;
e na giria dos gatunos do R io de Janeiro, mentira, engano, fa l­
sidade, tendo por synonimo o vocábulo lampana, e consoante-
mente, loroteiro, lam peiro, mentiroso, falso, fingido. “ Sucia
de vadios, que nunca conheceram o peso da vida, e habitua­
ram-se a rndar contando lorotas.” (Lan tern a Magica n. 706 de
1902). “ Debaixo das gam elleiras este club sem igual. Entre
lorotas e asneiras Não faz bem e não faz m a l. . . Com lorotas
e palavrões não se manda ao m ercado.” (Idem n. 729 de 1903).
“ Uma historia cheia de lorotas e cousas velhas.” (Id em n. 763
de 1904). D erivados: Lorotagem , lorotar, loroteira, loroteiro.
“ Herculano, cabra macho, E ’ bicho nas loroteiras.” (Jornal
Pequeno n. 42 de 1914).
L ó te — Certa porção de eguas a cargo de um garanhão
chamado pae do lóte. Boi de ló te ; o manso, acostumado ao
trabalho, para o distinguir do touro. “ Tatu peba de capote
Com seu chàpéo avoador, Inda mette mais pavor Do que
mesmo boi de lóte.” (T ro va s populares).
Louça — Nas phrases: Cuidado, devagar com a louça; ad­
vertência de modo, attenção, respeito. “ Devagar com a louça,
quando se trata do bello sexo.” (Jornal Pequeno n. 23 de
1916). Servir-se com a louça de casa; com os seus proprios
recursos. Estar fazendo louça; assentado, e balançando as p er­
nas, Louça fina, louça gro ssa; um indivíduo polido, educado,
ou não.
Louro — O papagaio (psithacus) assim chamado pela bel-
la côr verde da sua plumagem, como a das folhas do louro,
ou do loureiro, cujo nome, naturalmente imposto pelos portu-
guezes, vem de tempos remotos. “ Papagaio louro Do bico dou­
r a d o ... Papagaio verde louro, Pés de prata, bico de ouro.”
(Parlendas do papagaio). “ A patria dos genios é este abençoa­
do torrão, Onde canta o s a b iá ... Onde o louro dá o pé.” (C ha­
riv a ri n.' 1 de 1878.)
Lu ca — Especie de gramminea que abundantemente vege­
ta nos alagadiços e terrenos baixos, húmidos. Vem dahi o n o ­
me de Luca, de um lugarejo situado nas immediações da Mag-
dalcna) districto d e-A fo g a d o s ; e lucal, de engenho np mu­
nicípio de Páo d ’Alho. Lucas: um conto de reis, na g ir ia ,dos
gatunos.
Lucio — P eix e de agua doce.
Lula — Molusco da ilha de Fern rn do de N o ro n h a ; especie
de peixe, registrada p or Jeronymo V ilella.
Lunfardo — Ladrão experto. (G iria dos gatunos)
Lundu — Originariam ente, era uma dança lasciva, ao som
da cythara e viola, — com todas as mutanças da mais lubri-
452
ca torpeza, e com minguadas, a todos, in d istin cta m m te; —
hoje porem, e como define S ylvio Rom ero, os lundus são uma
variante das modinhas, mais intercortados e lascivos na musi­
ca, e mais explosivos na letra. Dança de origem africana, en­
contramos já a sua mensão na obra Compendio narrativo do
P eregrin o da America, da lavra de um brasileiro, e impressa
em 1731 ; e teve tanta vóga, que sahiu da senzala e subiu as
escadas da casa grande do engenho, entrou nas salas da cidade,
e p or fim chegou á própria m etropole e fez as delicias da
aristocracia portugueza — a doce lundum chorado, dançado
por louro peralta adamado, ab som do bandolim marchetado, —
na phrase de uns versos de X icoláo T olen tin o (1741-1811), ou
uma variante conhecida por Lundum do Rio. “ Quando eu era
pequenina, E aprendia o B-A-bá, minha mestra me ensinava
0 lundu do marruá.” (T ro va s populares).
Lustroso — Vagabundo; homem sujo (G iria dos gatunos).
Luto da lavadeira —* Andar de roupa preta por economia
ou quebradeira. “ Diz a Antonia que está de luto ; mas estamos
inform ados que é quebràdeira, pois não lhe m orreu parente al­
gum.” (A Pim enta n. 607 de 197). Estava de luto da lavadeira!
Luvas — Recompensa ou vantagem pecuniaria que se dá
ao loeatario de um predio para o desocupar, e tran sferir as
chaves do mesmo ao pretendente; ou ao respectivo p ro p rie­
tário. estando vasio, pela preferencia de cessão das chaves e
1ontracto de locação ou arrendamento.
Luxo — Cousa bôa, supimpa, m a g n ific a ; á contento, sem
falhas, em regra. “ F o i um presente de luxo feito a nossa popu­
lação” . (Lan tern a Magica n. 458 de 1895). “ Ha peixões mesmo
de lu xo.” (Id e m n . 791 de 1908). “ Isto só levado a murro E a
m urro mesmo de lu xo.” (Jornal do R ecife n. 136 de 1912). P re
juizo, esquivança, retrahim ento. “ Padralhada, põe a pata no
chão, vai trabalhar, deixa de luxo, deixa de fid a lgu ia !” (A
Pimenta n. 87 de 1902). “ Toda a negrada se anima Num frevo
p yram idal!. . . Entra n o frev o tambem, D eixa de luxo, le ito r.”
(Idem , n. 3 de 1914). Regra, preceito, certo modo de conducta.
“ Que luxo é esse agora de zelarem a bolça ^alheia? (O Povo
n. 228 de 1859). “ Não publicamos noticias que vierem escript?>s
a lapis. E' um luxusinho cá da redacção.” (A Pim enta n. 79 de
1902). Dengos, requebros, desdens, aborrecim entos, im p erti­
nências, p retm e io s id a d es ; fingidas esquivanças, apparencias
de desprezo, de indifferença. “ A mimosa sinhá, tem dengos,
tem luxos ” (O Mocó n. 7 de 1851). “ Deixa de dengo, Rita.
te apruma! Deixa de luxo, grita o dentista” . (A Pimenta n. 24
de 1901).
Luxuria — O esperma.
Luzia — Uma phase do partido praeiro ou liberal, depois
da revolução de 1848. “ O povo Luzia se resalve Dos es c r a v o s
Saquaremas. . . Os meus Luzias defendei-os O’ p i e d o s a ' . . . Eu
e o meu povo Luzia Somos da paz defensores, Somos delia ze­
ladores: Rogai por nós.! (Salve Rainha dos Luzias).
Luzido — Nedio, forte, robusto: Que menino luzido. Ben­
za-o Deus!
J.uzio — Olhar, golpe de vista. (G iria dos gatunos).
M
Macáca — Relho ou chicote de couro de cabo curto, ge­
ralm ente usado pelos carroceiros para fustigar os animaes.
“ H urrah! Estão os bois livres do ferrão e da macaca; mas
não da faca do m agarefe.” (L a n te rn a 'Magica n. 527 de 1897). “ O
tal coió está jü rad ò.d e levar bababi de macaca.” (A Pimenta
n. 88 de 1902). “ Os Srs. carroceiros nenhuma im portância tem
ligado a le i municipal que prohibe o uso dos chicotes em cabo,
vulgarm ente conhecidos p or macaca.” (Id em n. 546 de 1907).
infelicidade, desventura, caiporism o “ O homem trabalha, con­
segue a custa de seus esforços crear uma posição em destaque,
lelevar-se na sociedade, cercar-se de bons amigos mas um dia
c a e ... E ’ a macaca que lhe trepa ás costas.” (Jornal do R eci­
fe n. 226 de 1915). Vem dahi a phrase,; Sorte macaca. “ Desta
vez darás figas A ’ tua sorte macaca” . (O R atão). “ Sorte ma­
caca! Em prantos ella e s ta v a ... Soube mais tarde porque ella
assim chorava. E ’ que o banqueiro lhe passara o seixo. (A
Pimenta n. 5 de 1902 Macaca ôca: Mulhter magra, e.squeleti-
ca.Pegar no rabo da macaca: D esccnfiar, zangar-se, pegar no
froco, subir a serra. Trepar-se a macaca em cim a: O m.esmo
que Sorte macaca. M orte macaca: Tragica, proveniente de si­
nistro, desgraça, violên cia: M orrer de morte macaca, como
assim já dizia D. Francisco Manoel em meiados do seculo
X V II. “ R eino das cavalgaduras, cuja influencia pelotiqueiro-
olygarchica está quasi a m orrer de morte macaca.” (O Cam­
peão n. 111 de 1862).
M acacheira — A vulgar e conhecida euphorbiacea Mani-
hot aipi, cuja raiz tuberosa, assada ou cozida, é um execel-
lente alimento, e crua e ralada, produz uma bôa fecula de
que se f a z a m elhor farinha empregada em usos diversos, no­
meadamente bolos, p o d n s e filhós. Entre nós são conheci­
das duas especies de m acacheira: a branca e preta, que A l­
meida P into descreve com o nome de M acaxêra ou Aipim , v o ­
cábulos de origem indigena, sendo que este ultimo, vulgar no
sul, vem de Aipim, corruptela de a-ipi-, raiz enxuta, a man­
dioca mámsa, segundo T heodoro Sampaio, Cara de macachei­
ra ensacada: alvacenta, amarellada, opada. “ Am arello de Goy-
anna, Que casou segunda feira, O dote que lhe deram F o i um
pau de macacheira.” (P arlen da popu lar).
Macaco — Objecto penhorado, no prego na giria dos p re­
sidiários de Fernando de Noronha. Pedaço de chumbo collo-
cado na ccncha da balança em que se pesam as m ercadorias
para àssim prejudicar ao com prador. “ Esse cortador de car­
ne com talho na rua do Rangel tem effectivam ente, um maca­
co na balança.” (A V oz do Brasil n. 51 de 1848). (Lim p e a
balança e não se esqueça de tirar o macaco, que póde v ir
por ahi o fiscal.” (O Campeão n. 102 de 1862). F in orio, ex ­
perto, sabidorio. “ Dom Barão que era macaco, De nada se
arreceiou .” (Rom ence de Dom B arão). “ Eu que sou velho
macaco Espero deixar áem norte O mais fam oso velh aco” .
(Jornal do R ecife n. 44 de 1915). Macacão: Trangola, com
a sua própria expressão de homem muito alto, feio, desagei-
tado, malamanhado. Macaco v e lh o ; O mesmo que macaco, e
mais com os predicados de experim entado, cauteloso, des­
confiado. Vem dahi o vulgarissim o rifã o Macaco velho não
mette a mão em cumbuca, que João R ib eiro assim explica,
como é geralm ente sabido: “ Para caçar o macaco, introduz-
se uma espiga de m ilho em uma combuca, eHe mette a mão,
segura a expiga, e p or não ter o insticto de largal-a apezar
de sua decantada astúcia, fica prezo pela mão, que estando
cheia não póde sahir p or onde entrou vasia. Como o cabaço
Setá preso por uma corda a um objecto fixo , torna-se impossi-
vel a fuga. (O macaco velho, porem, tendo visto assim lo gra ­
dos muitos companheiros, não se deixa cahir na arm adilha.”
C,ada macaco no seu galho: Dictado, correspondente aos pro-
loqu ios: Gadh um no seu lugar, e Cada qual com seu igual, de
expressão obvias. Macaco é Supriano: Protesto de não ser
tolo, maluco, idiota, para cahir em esparrelas, metter-se em
embrulho. “ L iv r a ! Macaco é Supriano.” (Jorn al do R ecife n.
228 de 1915). M uxinga no macaco: Fogo n e lle ; da-lhe. O no­
me originariam ente dado ao macaco (Cebos libidinosos, Spix)
nas suas varias especies, era o de Bugio, como se vê, nomea­
damente, dos nossos p rim itivos chronistas: Gandavo (1576).
“ Bogios ha na tterra muitos e de muitas castas” : Gabriel
Soares (1587). “ Muitos bogios de diversas maneiras.” F in a l­
mente, o autor dos Diálogos das grandezas do Brasil (1618) e
o historiador Fr. Vicente do Salvador (1627), sempre que se
referem ao macaco, quer em geral, quer particulrm aente tra­
tando das suas differentes especies entre nós, chamam-nos
lambem de bugios. O termo Macaco, o Caitaia dos indios, in-
distinctamente dado aos simios, é de origem africana, e tan­
to de Angola como de Congo, segundo M arcgravi (1648), vin-
. do de Macaquo, como elle escreve, naturalmente introduzido
na colonia pelos escravos daquellas procedências, e mais ou
menos vulgarisado na epocha da dominação hollandeza, como
é licito conjecturar, de accordo com M arcgravi, como vimos.
Cannecatim porem, escreve. Macaco, termo da 1'ngua bunda
ou angolense, até que Moraes registra Macaco, o bogio ou
m<no, voz do reino do Congo. Reconstituindo os fugitivos es­
cravos africanos e os crioulos seus descendentes, em 1675, o
p rim itivo quilombo dos Palmares, destruido pelos hollande-
zes, deram-lhe a denominação de Cerca Real do Macaco, que
vulgarmente ficou conhecido por Mocambo do Macaco, ou
simplesmente Macaco, “ Nome sortido da morte que naquelle
lugar se deu a um animal destes” , segundo um chrosnista da
epocha. Os indios por sua vez, adoptaram tambem o novo
termo chamando de Macaca aos simios em g e r a l; e accommo-
daram mesmo ao seu idioma o proloqu io: Macaco velho não
mette a mão em cumbuca, que sugira, exprim indo-o assim, em
m etro e rim a : Macaca tuiué inti omundéo i pó cuiambisca opê,
segundo Couto de Magalhães. Vem dahi, portanto, obedecen­
do á corrente, a phrase coeva: M orrer de morte macaca, re ­
gistrada já na epocha por D. Francisco Manoel de M ello es-
criptor portuguez de meiados do seculo X V II na sua Feira
dos anexins, até que em fim, teve o o termo codificação no
Vocabulário de Bluteau, de princípios do seculo X V III. O
novo termo, portanto, fic o u ; e radicando-se por completo,
teve logo accepções diversas, de vulga geral, ou particular­
mente locaes, como entre nós, e mesmo alguns derivados, co­
mo macaqueador, macaquear, macaquice,, e provavelm ente ma-
cacôa.; na nossa flora, as leguminosas conhecidas com os no­
mes vulgares de Qatinga de macaco, brava e mansa ; e dado, em
fim, a localidades, serras, riachos e engenhos varios situa­
dos no Estado. O antigo vocábulo de Bugio, portanto, desap-
pareceu, cahiu em desuso, mas ficaram os seus derivados
bugiar, bugiaria, buginganga, e na denominação vulgar de Bugio
ou Babo de bugio, dada a um arbusto da fam ilia das Com-
bretaceas.
Macacôa — Qualquer ericommodo de saude, passageiro ou
não. “ Parece estar de macacôa.” (O Campeão, n. 37 de 1862).
“ Cento e dezesseis pessoas, Afogadas pereceram ! A vida sem
macacôa, P erd era m !” (A Pimenta n. 4 de 1914). Macacôa é um
vocábulo moderno, que nos veio do corrente calão portuguez.
Não figura na Giria do seculo X V III collecionada por A lb er­
to Bessa ; Bluteau não o registra, e do mesmo modo Moraes,
que escreveu entre nós, ficando assim com provado o nosso
conceito. Codificadamente, appareceu, pela prim eira vez, no
D iccicnario de Constando (1845), que o dá como termo chulo
de macaca, doença grave ou prolongada que abate muito as
forças, vindo dahi a sua mensão nos lexiccns subsequentes,
como termo chulo, popular ou fam iliar, até Aulete, com a ex-
p] essão de doença de mais ou menos importância, Cândido
de Figueiredo, que segue a Constancio, e Alberto Bessa, como
doença ou indisposição de pequena importância.
Macambúzio — Tristonho, pensativo, m ela n cólico ; arre­
dio, sombrio, descontente. “ O dia do Natal é de contrarieda­
des e tristezas para os infortunados, desempregados, em que­
bradeira. Porem deixemos lá os macambúzios.” (O Etna n. 49
de 1882). “ Vem mazanza, nós te deitaremos mandiga; anda­
mos macambúzios por tua causa, camondongo.” (A m erica
Illustrada n. 25 de 1883). “ Apprehensivo, macambúzio, e até
parecendo que as suas faculdades mentaes tinham soffrido
com a pancada recebida no craneo.” (A P rovín cia n. 328 de
1912). S ylvio Homero escreve mocambuzio, com a expressão
de triste, e dá o vocábulo como de origem africana. Assim
vulgar, na giria portugueza. vem já registrado por Aulete e
Bessa como termo popular.
Maçan — Especie muito vulgar de bananeira (musacea),
cujo fructo, banana maçan, de maça delicada e macia é
de excedente paladar, e mesmo saudavel. O fructo do algo­
doeiro (Gossypium ), quando verde, tendo assim a configura­
ção de uma capsula ovoide de vertice ponteagudo. “ Algodo-
flocos de neve.” (A lfre d o de C arvalho). “ O serviço será ini-
viado pela póda dos algodoaes, incineração dos galhos, fo ­
lhas e macães aparadas.” (Jornal Pequeno n 188 de 1917).

458
Ma-ante — Fastidioso, enfadonho, cabuloso, cacete. “ V a­
lha-nos Deus com tantos políticos maçantes.” (Lanterna Ma­
gica n. 143 de 1883). “ Se julgar isto maçante, o rcm edio é
deixar os algarismos.” (O Paiz, Recife, n. 61 de 1856).
Macaquinho — G rillo commum, nas suas especies conhe­
cidas e estudadas.Fazer macaquinho: Andar com uma cre-
ança escanchada aos hombros, com as pernas para a frente
e segurando- as com as mãos. “ H ouve’ gente que fo i trepada
nas costas de pretos, fazendo de macaquinhos, como costumam
dizer os meninos.” (O Cometa n. 20 de 1843). Macaquinho de
cheiro: O petim etre, perfumado, casquilho, mas de uma ele­
gância ridicula pelos seus exageros, e todo amaneirado. Es­
tudando João R ib eiro a locução, diz, que no seu significado
antigo, o macaquinho era d v id ro ou caixinha de perfum es é
essencias, a que chamavam de bugiarias, e que por uma as­
sociação de idéas entre bugiaria e bugio ou macaco, resultou
a sua denominação de macaquinho de c h eiro ; accrescentando,
que a expressão fin al provinha de uma especie de bugio ch ei­
roso notado pelos chrenistas do Brasil, entre os quaes P ero
de Magalhães Gandavo. A phrase teve a sua evolução, com a
de bugio de cheiro, originariam ente, para chegar a de Maca­
quinho de cheiro, já em fins do seculo X V III. Macaquinhos
no sotão: Desarranjo na cabeça, gira, m iolo molle. Aquelle
sugeito não é lá muito certo da bola: tem macaquinhos no so­
tão.
M açarico — . A ve ribeirinha, pernalta (CJharadrius Azarce,
Tem in.), ocuricára dos indios, e outras, de especie differentes,
em que se nota a que -tinha entre os mesmos indios o nome
de matuytuy. Pernas de m açarico: finas, compridas, malfeitas.
Macasado — Especie de beiju’, feito com a massa de man­
dioca humedecida com leite de côco e sal, e assado em fogo
brando, envolto em folhas de bananeira. Beaurepaire Rohan
registra a especie com o nome de Malcasado, como se chama
em Sergipe.
Maceió — Alagado que se fórm a no littoral, proveniente
do transbqrdamcnto das aguas do mar, nas grandes enchentes,
ou form ado pelas aguas pluviaes. Segundo Bernardino de Sou­
za, Maceió é um term o usado em Pernam buco para designar
as depressões existentes em terrenos arenosos que dão escoa-
m erto ás aguas por occasião dsa chuvas. Antigo Macayá, segun­
do Th eodoro Sampaio, é corruptela de mã-çai-ó, cousa esten­

459
dida ou dilatada, isto, é, o espraiado, o alagado, o e x fe n s o ; ou
ainda, o que se estende encobrindo ou tapando.
Maçête — Preparo de um baralho de cartas de jogar, de
modo que ao partir e dal-as proporcionem vantagens de jogo
ao proprio que baralhou as cartas ou ao seu parceiro, dando-
se assim ganho certo. Preparar, fazer um m açête; jogador de
maçêtes.
Machabêo — Gadaver, defunto, na giria dos gatunos.
Machadinha — Partilha igual, pelo meio, nos lucros e van­
tagens de um negocio, ou antes, de um arranjo. Este negocio
só vai á machadinha.
Machado — Um <lia é do pau, outro é do machado. (Dic,-
fculo) Machado que córta lenha Tambem corta mulungu’ ; Pra-
e lio que tem vergonha Não fala eom guabiru’ . (Versos popu­
lares). 0 que é, o que é, que em casa está calado, e no matto
^slá falando? (Advinhação do m achado).
Machina — Nome prim ittivo dos aerostatos entre nós. “ Os
fogos de artificio, as machinas e os fandangos são escolas e
tratados de m oral.” (O Carapuceiro n. 10 de 1837). Depois p er­
deu este nome pelo de balão, que permanece, vulgarmente, e
nos parece, que, concurrentem eníe com o antigo, já €111-1845,
como se vê” de uma periodico do R ecife daquelle anno (O Cla-
mcr Publico n. 73)“ dando ás velhas machinas a denominação de
balão aerostatico.
Macho — Amante, amasio ; cousa que avulta, de grande
monta, espalhafatosa, animada. “ E ’ mamata grossa e macha;
é mamata de borracha.” (O Vapor dos Traficantes n. 181 de
1859). “ Os suineiros alegres, pintaram o demonio nas con-
cbam blrncias de um frev o macho.” (Jornal do Reci/e n. 53
1914). Forte, energico, d ecid id o ; valentão, intrépido, audaz:
Cabra, macho; homem macho.
Machócar — P o r machucar, apertar: Machóque lá estes
o^sos molles, diz-se ao dar a mão para apertar. “ Minha yayá,
Chegue-se, toque, Não me maltrate, Não me machóque.” (O
Vapor dos Traficantes n. 209 de 1860). “ P o r causa do tal b rin ­
quedo Muitos andam na taboca Tortos, cegos, aleijados: Am or
m a lt r a t a i machóca.” (O C.ampeão n. 17 de 1861).
Macóta — Maioral, gente grau’da, manata, potentado, de
condição illustre (M acedo S o ares); homem de prestigio e in ­
fluencia na localidade (B eau repaire R oh an ). “ O commandan-
te do presidio de Fern rn do de Noronha, o Macota daquella

460
ilha de degredo.” (O Vapor do Rio Form oso n. 4 de 1857), Os
jangunços de Canudos chamavam Macota ao seu chefe, o An-
tonio Conselheiro. Cousa grande, magnifica, esplendida, sump­
tuosa. “ Este elub carnavalesco é mais do que pezado, é mais
do que gogno ; é macota, é bichão, é turuna.” (Jornal do R e­
cife n. 51 de 1914). Malvado, perverso, deshuiuano. A o algoz
da cidade e executor de pena de açoite imposta aos escravos,
amarrados ás grades externas da cadeia, e flagelados a baca­
lháo de couro cru’, de tres pernas, que exerceu e ^ e cargo na
prim eiro metade do seculo passado, foi dado o appellido ou
alcunha de Macóta, mas na accepção de malvado, cruel, des-
tuinano, que ficou, como expressão de taes qualificativos aos
seus successores emquanto houve semelhante o ffic io entre nós.
“ Macota, o servente-azorrague da antiga cadeia.” (O Vapor dos
Traficantes n. 140 de 1859). “ Macota! treme pela tua sorte,
que é a dos carrascos, que vem a ser , que depois de sur­
rarem a muitos, quasi sempre acabavam na grade, onde tem
açoitado a seus irm ãos.” (O Regenerador Brasileiro n. 11 de
1845). “ Seja coçado de peia, maneiada por Macota, quem casar
com moça feia.” (O Telegrapho n. 13 de 1850). “ Agarrados,
sejam logo Mettidos na Detenção, para o Macota raspar-lhes
As cabeças a facão.” (O Campeão n. 5 de 1861). Tinha então o
appellido de M ajor Macota o adm inistrador da Casa de Deten­
ção, Floren cio José Carneiro Monteiro. “ O Sr. Carneiro é o
macota da Colonia Orphanologia Izabel, e assim, especialmen­
te encarregado de castigar aos colonos.” (Lan tern a Magica n.
251 de 1889). Constituindo assim um qu alificativo deprecia­
tivo, já em 1845 os periodicos opposicionistas do partido pra-
eiro, então no poder, chamavam aos seus membros de Macotas,
e um delles (O Qlamor Publico n. 52) consoantemente escre­
via: “ E ‘ preciso ter feito o proposito de suffocar os brados da
verdade, para com o sangue frio desses Macotas, asseverar
que a província prospera.” Com o nom e de Macota ha um en­
genho no munieipio de Goyanna, e uma cambôa que desagua
á margem septentrional do rio do mesmo nome. Macota é um
vocábulo da lingua bundo-angolense, “ os grandes, os maiores,
plural de ricota, maioral, gente grau’da, magnata, potentado,
de condição illustre.” Macedo Soares). “ Fidalgo, conselheiro
do sova, ou chefe da tribu.” Serpa P in to ).
Macúca — Ave da fam ilia dos gallinaceos (Tinam us brasi-
lienses, Lath.). M arcgravi menciona uma gallinha silvestre
tanto importa dizer, por mero gracejo, estar encommodado, es-

461
com o nome indigena de Macucaguá, que é naturalmente, a
macuca.
Macúlo — Encommodo, m olestia: Está de maculo, que
tanto importa dizer, um m ero gracejo, estar cncommodado, es­
tar doente. “ O pobre do Quimquim -macóta não está muito
certo do ceu-bro; subiu-lhe o maculo á cabeça.” (O L ib era l
Afogadense n. 2 de 1845). “ Tratante e venal, Para Matto Gros­
so Vai ser rem ovido, Para de maculo M orrer corrom pido.” (O
Campeão n. 1(34 de 1863). Maculo é uma dicção da lingua bun-
do-angolense, dada a uma certa enfermidade, que atacava os
escravos, principalm ente os recem-chegados da Africa, tendo
por característico principaes, uma trinsteza iminensa, inapetên­
cia e profunda prostação, provindo dahi a morte. Descreven­
do Langaro a molestia, assim vulgarmente chamada, diz que
é especial dos negros, principalm ente de Angola e Moçam­
bique, e de lá trazida para o Brazil pelos africanos, manten­
do assim a sua denominação originaria. “ Tá duente, avulo,
avulo m acúlu; Tá duente avulu, avulu QiTeu curou sua macu­
la.” (D e uns versos tirados á african a).
"C erto cirurgião muito procurado para curar maculo em p re­
tos novos.” (A lexan d rin o Çaneca), Affon so Cláudio no seu es-
cripfo sobre As tribus negras importadas, diz que não raro
succedia adoecerem os pretos de uma ulceração no anus co­
nhecida entre elles por makulo; e Fernandes Gama fala do
maculo, ferida no anus, que atacava os habitantes das margens
do rio S. Francisco.
Madama — Costureira, modista; a esposa.
Madapolão — Tecido fino, de algodão, para roupa branca,
que no Rio de Janeiro tem o nome de morim. “ O negro fugiu
conl calça de brim, camisa de madapolão, e jaqueta de ganga
azul.” (D ia rio de Pernambuco n. 273 de 1831).
E ’ quasi ocioso enumerar a variedade de tecidos que se fa­
bricam com o algodão, porque todos sabem que são cassas,
pann nhos. chitas, madapolões, etc.” (Alm eida P in to ). Pelos
annos de 1850 gosava de grandes créditos no nosso mercado
um madapolão em cujas peças se viam estampados estes v e r­
sos: “ Do Brasil fo i rem ettido para Londres o algodão ; Volta
agora bem tecido Neste boin madapolão.” O tecido tem tambem
este nome no Ceará; “ No terreiro são os fachos de pau d’ arco,
o cruzeiro de bananeira cravejado de luminarias, o mastro
com a bandeira de madapolão. (Rodrigues de C arvalh o). A um
afamado cantador popular alagoano deram, como que por con-
traste á côr negra da sua pelle o appellido de Madapolão e
dahi estes versos que lhe atirara em desafio o não menos afa­
mado Bemtevi, mameluco cearen se; “ Eu tinha afinado a p ri­
ma, já afinava o bordão, Quando me sahiu de dentro O negro
M adapolão” . O tecido tirou a denominação vulgar que tem da
sua procedência originaria da índia, e particularmente da ci­
dade de Madapolam, de grande actividade industrial, onde era
fabricado.
Madeira de lei — A de construcção civil e n aval de bôa
qualidade.
M adeireiro — Cortador ou explorador de madeira nas mat­
tas, quasi que o mesmo que o matteiro dos nossos lexicons.
“ O filh o do dono da matta, sem d irigir nenhuma pergunta
ao m adeireiro, mandou que seus capangas o esbordoassem.”
(D ia rio de Pernambuco n. 224 de 1915).
Madorna — Somno leve, breve, lig e ir o ; somneca, somnata,
sonninho, somno de passarinho: Passar por uma madorna.
Madrinha —■ O animal que vai na frente de 11111 rancho a
servir de guia. Concurrentemente, no sul, como escreve Beau-
repaire Rohan, é o nome que dão á egua que serve de pastora
e guia de uma tropa de bestas n m a res... E ’ singular, concilie
elle, a influencia que este animal exerce sobre todos os ou­
tros da tropa, evitando desta sorte que se dispersem e extra­
viem.
Madrugada — Na locução: Fazer uma madrugada, levan­
tar-se muito cedo para uma viagem, um passeio, ou qualquer
cutro f i m ; se porem é tardia, de sol nascido, alto, chama-se en­
tão: Madrugada de tejuassu’ “ Chegando a noticia de que já
ha verde no sertão, o trabalhador am im a então a trouxa, e
sem cogitar das dividas faz uma madrugada, e quasi foragido
eil-o de novo com a mulher e os filhos de volta A terra na­
tal.” (A lfre d o Brandão).
Maduro — Estudante do curso de madureza. “ O typo sen­
do simplesmente 11111 maduro, propala aos quatro ventos p er­
tencer á Faculdade de D ireito .” (A Pimenta n. 621 de 1907).
Mãe carinhosa — Os automoveis de soccorros médicos da
Assistência Publica, com leito ou maca, ambulancia e lugares
para o medido e um guarda. “ Quando appareceram os autos
brancos da Assistência Publica,” o vulgo logo depois creava
para e lla f:a classificação de Mãe c a rin h o sa ... Ella é uma
verdadeira mãe carinhosa, que attende ao prim eiro chamado,
que soccorre os feridos, os desventurados da sorte, livrando-os

463
da morte, muitas vezes.” (Jornal do R ecife n. 215 de 1915).
“ As ambulancias da assistência, que o povo appellidou, na, sua
carinhosa sympathia, de Mãe carinhosa.” (A P rovin cia n. 109
de 1916).
Mãe d’agua — Sereia dos rios e dos lagos, a Yára das len­
das amazônicas. “ A mãe d’agua sobe e desce as aguas sem nun­
ca abandonal-a.” (Jornal do R ecife n. 1 de 1916). “ Aquillo é
o filh o da mãe d’agua, que móra dentro do açude grande.”
(Çarmem D olores). Segundo uma lenda geral pela superstição
popular, naturalmente originaria do aborígene, a mãe d 'agua
apparece em certas epochas emergindo das aguas dos grandes
açudes do Prata, em Apipucos, que abastecem a cidade do R e­
cife e suas cercanias; e no mumcipio de Correntes, ha uma no­
tável serra chamada do Cavalleiro, que teve prim itivam ente o
nome de Mãe d’ agua, naturalmente de alguma lenda a respei­
to, originaria de um vasto e bello poço que alli existe, e no
qual se precipitam , em magestoso salto, as aguas que dessem
da Cachoeira das Escadas. Ha em fim a Mãe d’agua no rio S.
Francisco, moça formosíssima, de bastos e compridos cabellos
côr de ouro, e protectora das donzellas, como a descreve F e r­
nando A lfeld. Mora ella num solapão que fica debaixo de um
rochedo ilhado, chamado da Mãe d’agua, perto do povoado do
Pau da H istoria, cujas immediações são evitadas pelos barquei­
ros, por perigosas, porque a Mãe d’Agua faz desaparecer em­
barcações e navegantes, mas vivendo com aquelles que me­
lh or lhe agrada, e aos quaes deixa depois livrem ente sahir,
cumulados cie riquezas.
Mãe da lua — Ave da ordem D eodactyli (N ictibius voci-
ferus, ou oethereus, Cuv.).
Maenga — Um typo áhi qualquer, sem cotação algu m a; sol­
dado de policia. “ Vé se catar, seu maenga do diabo.” (A P i­
menta n. 405 de 1908). “ Columbina recordando-se do tempo
de mais moça, ciscou um pouco, esgaravatou-se toda, e passou
uma rasteira no maengo.” (Pernam buco n .48 de 1914). “ Solda­
do de policia nunca deixará de ser maenga, manichupa, mata
cachorro.” Jornal do R ecife n. 215 de 1915).
Magdalena — Mulher mundana. “ Chorai, filhas de Jeru­
salém! Ride-vos, M agdalenas!” (A Cigarra n. 4 de 1847). “ Tão
\ .. -

triste e cabisbaixo como uma M agdalena.” (A m erica Illustrada


n. 3 de 1879).
Magrelo — Magro, enfezado, sem robustez. “ Rapaz, embora

464
magrelo, tem 11111 não sei que no rosto e no andar, que faz atra-
hir 11111 olhar calido e privado.” (Am erica Illustrada n. 25 de
1879). “ Deixe-se de immoralidades, magrela., canhão de bota.”
(A D errota n. 15 de 1883).
Magrem — P or magreza, e assim com as suas próprias ac­
cepções d’e estado ou qualidade do individuo m a g ro ; emnia-
grecim ento ; emaciáção.
Magro — Pequeno, pouco, insignificante; cousa que não
avulta: Um jantar, m a gro ; ums cobres magros. “ P o r causa da
sua senatoria se derramou sangue em P ern am bu co; e tanto
está isto hoje reconhecido, que 11111 dos seus amigos o publicou
em letra redonda em dous versinhos magros.” (O Form igão
n, 3 de 1850).
M ajorengo — Delegado de policia. (G iria dos gatrn os).
Malacabado — Desarranjado, mal vestido, pobremente
tra ja d o ; 11111 trabalho mal feito, descuidadamente executado,
mal acabado.
Malácas — Peitos de mulher, volumosos, molles, frouxos,
cahidos.
M alacafento — Adoentado, achacado, soffrendo de molés­
tia ^Constante, pertinaz: Andar, estar malacafento. Sobre e.
etym ologia do vocábulo, parece, escreve Beaurepaire Rohan,
originar-se de maláca, termo vulgar em S. Paulo, com uma
accepção geral de moléstia, e talvez uma alteração de malacia,
no sentido pathologico deste termo.
M alagradecido — Ingrato, desconhecido; de animo desa-
gra d ecid o ; com desconhecimento. De malagradecido o in fe r­
no está cheio. (D ictad o).
Malandragem — Vadiação, pelintragera, pandega, pago­
deiras; ociosidade, cavação, expediente. Andar na malandra­
gem. “ Form igão tem grandes feitos heroicos na historia da
malandragem.” (Jornal do R ecife n. 35 de 1915).
Malassada — F rigid eira 011 fritada de qualquer especie,
como de marisco, camarões, linguiça, etc.” Malassadas. . . oh!
qurcito me cheiram .” (A m erica Illustrada n. 11 de 1872). “ Jan­
tar commum, isto é, cosido com verduras, lombo de vacca, e
a popular malassada.” (A Lanceta n. 13 de 1890). Já fui no
forno, na grelha, Tão virada e revirada, que hoje já sou R ou­
pa Velha, Em vez de ser Malassada.” (D a revista A Malassada,
1912). r
Malassombrado — Lugar ou casa em que apparecem vi-
soes, phantasmas, almas do outro mundo e quanta cousa
mais a superstição engendra. “ Casa com papel para alugar ?
Anh! ou é malassombrada, ou está deteriorada.” (Lanterna
Magica n. 464 de 1895). “ Vê-se a cidade agitada, Todas as ve­
lhas rezando, As creancinhas gritando E a policia agitada: A
casa malassombrada! Grita em côro a m ultidão.” (D ’a can­
tora b rasileira). D erivado: Malassombramento. “ O forasteiro
contava a lenda da cruz do valle, do que alli presenciava á
noite, antes de cantar o gallo a terceira v e z . . . e de outros
muitos malassombramentos.” (Juvenal G a l e n o ) .
M alcreação — Acto de incivilidade, descortezia, grosse­
ria, falta de educação, de re s p e ito ; acção de malcreado.
Maldaz — Pensar, prever, suspeitar, desconfiar. O João
maldou das intenções do Antonio, c preveniu-se.
Mal de Loanda — Escorbuto. “ Os escravos de Guiné, M i­
na e Angola rarissimas vezes chegam sem achaques contagio­
sos, a que são sugeitos os climas daquellas terras, verbi gratia,
escorbuto, it est, mal de Loanda.” (Calamidades de Pernam ­
buco, 1710). Sobre a origem desta particular denominação da
moléstia, parece-nos que vem do facto da sua propagação en­
tre nós pelos escravos africanos, como mesmo se collige do
trecho transcripto; João R ibeiro, porem, escreve como que
concludentemente sobre o assumpto o seguinte; “ Nos antigos
escriptores a denominação do escorbuto ou outra doença tem
as form as transpostas: Mal de Loanda e Mal d’ 01anda, e uma
e outra vem de landoa e landa (in gu a). Ahi fica a con trovér­
sia, como nos parece.
Maldita — Erysipela. “ Se teu senhor m elhorar da in fla­
mação do pé por causa da maldita, elle é quem ha de ir á
praia esperar pela jangada.” (Lanterna Magica n. 214 de 1888).
“ O pobre vate está por baixo, ainda sob o peso da maldita.”
(A Pimenta n. 71 de 1902). “ A matutada do lugar cáe em p ro­
funda anciedade, tremendo, como se estivessef com um ataque
de maldita.” (A Lanceta n. 114 de 1913).
M aldito — O diabo, amaldiçoado, condemnado pela justi­
ça divina. E ’ assim tambem chamado no Chile como escre­
ve Zorobabel Rodrigues: “ Nom bre que dan las monjas e mu- _
jeres piadosas al diablo.”
Mal dos sete dias — Tétano dos recemnascidos.
M al-empregado — Cousa lastimavel, que se nota, se repa­
ra, e causa tristeza e sentimento. Mal-empregado um moço de
tão bello porte e tão insinuante, de instincto tão perversos.

466
M al-empregado tão bella e delicada mocinha casada com se­
melhante brutamontes.
Mal-enjorcado — Mal arranjado, em desalinho, mal com­
p osto; com a roupa mal talhada, que não assenta bem. “ Em
que conceito são tidos os rapazes elegantes e os mal enjorca-
d os?” (Z izin a & Esm eralda) Moraes consigna o adjectivo
ajorcado, adornado de xorcas, e figuradamente, alinhado,
adornado, composto: e dahi, originariam ente mal ajorcado,
como escreve Lopes Gama no s’ 0 Carapuceiro (23 de 1839):
“ E lle é torto, é feio, é mal ajorcado.” Tem os assim a etymo-
logia do nosso termo, que M dete não dá, bem como o vocá­
bulo ajorcado, que aliás não é antigo uma vez que Bluteau
não o registra ; mas sim consoantemente, malamanhado e
mal-entrouxado. „
M alfeitona — Mulher m alfeita de corpo.
Malhada — Sitio de ajuntamento e descanço do gado das
fazendas de criação, sombreada, fresco, com bôa agua e abrn-
dancia de pastagem. “ O gado magro, deitado na calma das
malhadas.” (Gustavo B arroso). “ Ora vamos todos sete I-i
mais perto da m a ia d a ... Encontrei numa maiada Tres rezes
brancas, uma lavrada.” (A Vacca do B u rel), Com o nome de
Malhada figuram alguns lugares na nossa chorographia, si­
tuados na z c n a . pastoril, e um mesmo, particularmente, com
o de Malhada dos Bois, no município de Flores.
Malhar — Pastar, descançar; levar o gado á malhada.
“ Da tristeza daquella queimada emergiam pontos verdes onde
o gado esbofado pela soalheira se recolhia e malhava até que
abrandasse a canicula.” (R odolph o T h eo p h ilo ).
M alicia de mulher — Nome vulgar da sensitiva (Miiposa
pudica), a caa^co dos indios, como diz Alm eida Pinto descre­
vendo esta interessante leguminosa da nossa flora, cujas fo ­
lhas se contrahem com o contacto de qualquer corpo ex-
tranho.
Malindade — Malvadez, perversidade “ Pondo Lourenço
carvões abrazados na rede onde dormia um irmão menor, veio
este a m orrer desta e de outros malindades.” (F ra n k lin T a ­
v ora.) O vocábulo é uma corruptela de malignidade, usada pela
gente ignara em inconsciente sincope, do mesmo modo que
malino, malina (feb re perniciosa, am alinada), inorante, insi-
nificante, etc.
Malmente — Muito mal, apenas, quando muito. O que o

467
João ganha, malmente (lá para ir vivendo, isto mesmo com
muita eccnomia e privações.
Mal-ouvido — Menino insupportavel, malcreado, que não
attende, não ouve a admoestações p or qualquer acto inconveni­
ente que pratica, e persiste em fazer o que entende, o que
uiiVr. sem a nada attender.
Mal-triste — “ Epizootia do gado vaccum, ou Pirophasma
fcovino, moléstia que tanto gado tem acabado. (D r. Dias M ar­
tins). “ Carne fresca de mal-triste a cento e sessenta a lib ra!
(O P ovo n. 37 de 1857). “ Carne de bois rançados, magros,
aperreados, e tocados do mal-triste.” (O Vapor dos T rafica n ­
tes n. 111 de 1859). “ Em R io Form oso faz-se a matança de
bois atacados do mal-triste.” (Lan tern a Magica n. 124 de 1885).
Maluco do pão — individuo tolo, inbecil, amalucado. “ São
uns malucos, Destes do p ã o ; Que pena delles Todos terão.”
(O Diabo n. 2 de 883). “ Chô! Maluco do p ã o !” (Jornal do R e­
cife n. 50 de 1916).
Malungo — Parceiro, companheiro, igual, camarada, pa­
rente ; da mesma laia, especie ou condição. Meu malungo, cha­
mavam os escravos africanos aos que tinham v ?ndo para o
Brasil na mesma embarcação, escreve Moraes. “ Com a capa
da constituição sahem a desculpar-se e denunciar os seus ma-
lungos.” (O C,ruzeiro n. 154 de 1829). “ E lle e seus maluneos.
irão breVe de cambalhotas.” (A Carranca n 75 de 1846) “ A
sua vida publica e particular serve de severa reprehensão r
doloroso m artyrio a esse tratante borrador d’ 0 Camarão, e a
todos os seus malungos.” (Sentinella da Liberdade n. 22 de
1848). Vocábulo, cfe origem africana, depois da extincção do
trafico foi perdendo a sua original e antiga razão de sèr, e
por assim dizer por completo, com o desapparecimento dos
africanos, escravos ou não, uma vez que os seus descendentes,
os crioulos, nascidos entre nós, o foram tambem esquecendo;
entretanto, ficou na linguagem vulgar, e é corrente mesmo co^
mo expressão depreciativa em todas as suas accepções o rig i­
narias, como vimos, Marungo, era a voz origviaria do vocá­
bulo, como, exemplificadam ente, se vê destes versos tirados
a africana: “ Nosso vai pra zi Cabanga, Fazê nossa zi foçan;
Azéda, aréda marugo, Dêxa passá zi caxan.” (O Barco dos
Traficantes n. 8 de 1858). “ Vamo tudo em Beberibe Cumpri-
mentá nosso dun,ga, Croá hoje rei de Congo, Nossos rei, nossa
marunga.” (A m erica Illustrada de 10 de Janeiro de 1857). Es­
tudando Macedo Soai*es a etym ologia do vocábulo interroga

468
se vem de mah’ungo, visinho, escrevendo: Os mah’ungos são
visinhos dos abundos e dos conguezes, e com cuja lingua
tem a delles tanta affinidade que, diz C arnettim : “ Estando eu
entre as terras das Mah’ ungos fazendo missão, observei que os
meus interpretes falavam na lingua bunda e elles na mah’unga
ou ccngueza, e mutuamente se entendiam, referindo-m e tudo
quanto se dizia e eu desejava saber.”
Malunguinho — Nome dado aos escravos aquilombados
nas mattas do Catucá (1828-1836). “ Os malunguinhos viviam
nas mattas do Catucá, e outras que lhe ficam próximas, e
tinham o seu quartel general no lugar denominado Macacos.”
(O Capibaribe n. 30 de 1848). “ Muito branco é sa­
rará, Muito preto é Malunguinho.” (F on -F on n. 18
de 1914). Vocábulo que tomou uma expressão depre­
do de exaltações politicas que explodio em 1848, insultuosa­
mente atirado-o nos seus periódicos, como um delles (A V e r­
dade n. 1) tratando das forças praeiras acampadas no Catu­
cá: “ F o i o Nunes com os escudeiros Arruda e Netto passar
revista aos Malunguinhos do Catucá sob o commando do João
Rom a.” Malunguinho, vocábulo de origem africana, e derivado
de malungo, era o nome do chefe negro do quilombo do Ca­
tucá, de que particularmente já nos occupamos no nosso F olk
lore Pernambucano, vindo dahi o nome dado aos escravos alli
refugiados.
Mama — Comidela, arranjo, n egociata; cousa de que se
póde, abusivamente, tirar lucros e vantagens; o mesmo que
mamata. “ Sem ter-m ais essa maminha, como posso v iv e r ? ”
(O Azorrague n. 61 de 1846).
Mamador — Bebedor, chupista, que entra bem pela pinga.
“ Pergunto a vocês todos mamadores: Se fossem examinadores,
iriam condemnar tantas bebidas puras?” (A Pimenta n. 558
de 1907). “ Uma form al recusa a tão extraha moda de p ro­
teger a mamadores.” (Barbosa V ian n a).
Mamar — Encher-s’e, locupletar-se saber tirar proveito de
um lugar que exerça ou incumbência confiada. “ Brigam todos
pela têta, Todos choram p’ ra- mamar.” (A Lanceta n. 46 de
1890). “ V ocê tira a mama de uns, A outros mamando d eix a;
Os que mamam dão-lhe votos, Quem não mama os votos feix a .”
(A Carranca n. 19 de 1847). Beber com excesso, entrar bem
pela pinga. O term o nesta accepção constitue tambem um dos

469
chilismos “ Com que caprichosamente designa el vulgo la acci-
on de embriagar-se,” como escreve Zorobabel Rodriguez.
M amarróte — O mesmo que mamador. “ Este Brandão da
praia, honra e gloria dos manmarrotes, de ambos os hemisphe-
rios.” (O Clamor Publico n. 38 de 1845). “ Bastava o bicho ser
mamarrote de profissão para ir tudo p or agua abaixo.” (O
Campeão n. 30 de 1862). “ Os mamarrotes do club carnavales­
co Bebedores de Posição, farão o seu ensaio geral na Avenida
do Matadouro.” (Pernam buco n. 46 de 1914).
Mamata — Comidela, arranjo, negociata, cousa de que se
póde tirar bons proveitos e vantagens. “ Do novo commandante
de policia ninguém poderá d izer que vai engordar com a
mamata,” (O D iabo a quatro n. 179 de 1878). “ Refinados ba­
toteiros, que só fazem questão pela mamata.” (Lanterna Ma­
gica n. 114 de 1885). “ As desejadas mamatas, não nos tentam,
nem nos vexam .” (Id em n. 523 de 1897). A llelu ia ! Allelu ia!
P erfid ia no prato, mamata na cuia! (Parod ia de um periodico
p olitico de meiados do seculo passado á conhecida parlenda
popular, para chasquear dos seus adversários).
M am avéro — Cousa de comer, de tirar proveito, de mamar.
“ Então, agora já não tem esse m am avero?” (O Vapor dos
Traficantes n. 170 de 1859). “ Venha vêr, em fim Mãesinha.
Outras muitas pataratas, Mamaveros e mamatas, Mariniondas e
melgueiras, Patotas e pipineiras.” (Idem , n. 83). “ Levando a
effeito o seu bem delineado plano de mamavero, poz em
pratica o seu visciro costume de; venha a nós tudo, ao vosso
reino nada.” (Idem , n. 192 de 1860). Variante: Mamaverum.
“ Consta que a machina societaria do mamaverum está prestes
a cahir.” (O Barco dos Traficantes n. 3 de 1858).
Mambembe — Cousa chinfrim , insignificante, sem valor.
Furto de objecto sem valor, sem importancía, ordinário, re ­
les, na giria dos gatunos do Rio de Janeiro. “ O cagafonetico
Braga, evadido do mambembe da atriz Candida P alacio.” (A
Pimenta n. 20 de 1902). “ A commissão veio, fo i e voltou des­
falcada como qualquer troupe de mambenbes.” (Jornal do
F ecife n. 45 de 1916). O periodico humorístico, A Lanceta, pu­
blicou no seu n. 100 de 19.13 umas quadrinbas sob o titulo de:
Trovas mambembes, do genero desta, por exem plo: Menina,
m nha menina. Minha flo r de mamão macho, Quanto mais
pintas a cara Tanto mais eu feia Pacho.”
Mameluco — Mestiço filh o de europeo e de mulher india
ou cabocla, ou extensivamente, os filhos de portuguezes ou
brancos com indios. “ Qui natus est ex patrc europeo et ma-
ter b rasilian a. nominatur M ameluco.” t(M a rc g ra vi). “ O cruza­
mento do branco com o ih dio produziu uma raça mestiça, co­
nhecida pelo nome de Mameluco, excellente pela sua energia,
coragem, sobriedade, espirito de iniciativa, constancia e resi­
gnação em so ffrer trabalhos e privações.” (C outo de M agalhães).
Com o fim de legitim ar a procedência dos mamelucos, aqui
avultára com o c o rrer dos tempos, e mesmo para extirpar
certos escrupuios de união legitim a do branco com o Vidio,
baixou o governo da m etropole um A lvará em 4 de A b ril de
1755 declarando que os vassallos do Reino e da Am erica, que
casassem com indias, não ficariam com infam ia alguma, antes
se fariam dignos da real attenção para emprego, honras e
dignidades, sem necessidade de dispen sa; e que o mesmo se­
ria para com as portuguezas, que se cassasem com indios, e
bem assim os descedentes de uns e outros. Entre nós tiv e ­
mos mamelucos distinctissimos, que subiram ás mais elevadas
posições, como homem de armas de letras e de religião. Ma­
meluco, nomeadamente, era Jeronym o de Albuquerque, o he-
roico conquistador do Maranhão, filh o de um fidalgo portu­
guez de igual nome com a india D. M aria do E spirito Santo
A rco Verde, da tribu dos T a b a ja ra s; bem como uma irm ã sua,
do mesmo leito, que casou com o fidalgo floren tin o F ellip -
pe Cavalcanti, originando-se destes as distinctissimas fam ilias
pernambucanas de Albuquerque Maranhão e Cavalcanti de A l­
buquerque. Assim histórica e documentadamente com provado,
que mameluco é o producto do branco com o indio, não com-
prehendemos como Jaboatão escreve que é o filh o do negro
com mulato, e Mariz, por sua vez, que entre o gentio havia
uma gente chamada Mameluco, isto é os filh os de negros e
mulatos com indios. A etym ologia ou origem do vocábulo fo i
até bem pouco tempo erroneamente encarada. De origem o ri­
ental, segundo uns, ou arabe, segundo outros, e corrente no
Egypto, mencionado por Camões como uma gente qualquer; e
em algumas terras de Portugal, como particular qu alificativo
dado aos filh os de christãos e mouras, in fere Varnhagen que
vem dahi, entre nós, a preferen cia do nome de mameluco ao
de curiboca, que os indios davam aos nascidos de raças cru­
zadas. Dada a vulgarisação do termo 110 paiz, fosse conjo fosse,
concom itrntem ente apparece nas regiões platinas, como escre­
ve Granada, mas particularmente applicado áquelles in d iví­
duos “ famosos p or sus crueles depredaciones ó malocas, em

471
alusion á los insubordinados y temibles mamelucos de E gip ­
to.” 0 Vocábulo assim escripto, avulta em documentos varios,
e de epochas differentes, como exemplificadam ente, na rese­
nha da gente de uma expedição m ilitar que em 1603 partiu em
soccorro do Maranhão: “ Duzentos homens portuguezes, gente
do sertão, mamelucos, tangos máos e homiseados” ; como es­
creve M arcgravi (1648), e no, nome de um antigo engenho si­
tuado no município da Escada. Até aqui se collige que o ter­
mo, com a expressão que tem entre nós, é de origem extranha;
mas Theodoro Sampaio, dístinctissimo indianologo, estudan­
do a questão, resolve-a concludentemente, escrevendo: “ Ao
mestiço, oriundo do branco e do selvagem, deu-se nos prim ei­
ros tempos o nome de mamaluco, que é como se lê em Granda-
vo (1576), em Fr. Vicente do Salvador (1627), e em Simão
de Vasconcellos (1662), “ ao que podemos accrescentar: Jero-
nymo de Albuquerque, no seu testamento (1584), faz referen ­
cias a uma mamaluca, que alguma hora cuidou sêr sua filha ; o
autor dos Diálogos das grandezas do Brasil (com eços do secu­
lo X V II) escreveu: Pessoas que são filhos de bran­
cos e do gentio natural da terra a que chamam m a m a lu c o s e o
governador de Pernambuco, em um Bando de 1670 prohibin-
do o uso- de armas de fogo, ainda mesmo descarregadas, não
faz accepção de ninguém, particularisando o escravo mulato,
indio, mamaluco, negro ou homem branco. Em f i m ; um of.fi-
cio do governador Luiz do Rego Barreto dirigid o ao sargento
m ór commandante das ordenanças da v illa de Cimbres, mandan­
do sahir da v illa “ a Mamamluca Luiza da Cruz, prostituta e
perturbadora do publico s o c e g o ... e intimando a dita Mamalu­
ca. que se voltasse, a rem etteria presa para o R ec ife .” Somen­
te mais tarde, contjnu’a Th eodoro Sampaio, é que se começou
a pronuncia mameluco, confundindo-se com a denominação da­
da aos soldados escravos do sultão El M alek-El Saleh, da
terra do Egypto. E ’ porem de procedência tupi e não moura, o
nome mamaluco tal cmoo ainda hoje o pronuncia o homem do
sertão. A uma velha sertaneja, agora (1901) moradora em S.
Paulo, cuvi uma vez esta phrase bastante expressiva: milho
b rrn co com m ilho verm elho sae mamaluco. Donde se conclue
que para o homem do in terior o nom e mamaluco guardou a
prim eira e unica verdadeira significação, continuando synoni-
mo de mixturado ou m ixtiço. Ha, com effeito, no tupi o vocábu­
lo mamã-ruca que se decompõe em mamã, m ixturar, dobrar,
abraçar, e ruca ou yruúca que quer d izer tirar. O appellido

472
ljistorico se traduz, pois: tirado da mixtura, ou de procedên­
cia mixta. Não é mistér grande esforço para se explicar como
de mama-ruca se fez mamaluco segrado o escreveram os p ri­
meiros historiadores, e depois mameluco como em geral se
adaptou. . . Concurrentemente com o citado termo, tyiham
tambem os indios o de m arabá; para designar; gente de m ix­
tura, indivíduo maculado, o procedente de mesti^tegem, e
ainda, o filh o de indio com gente extranha, o filh o posthu-
m o” ,
Maminha — Costume, habito, vez vicio. Estar na mami-
nha de fazer uma cousa qualquer, inconveniente, rep rová­
vel.
M am oeiro — Bebedor, chupista, mamador. “ O José Ilhéo
quando bebe descompõe a todos os visinhos, e a mamoeira
FelesmVia canta e entôa. Pedim os á policia para botar seus
olhos piedosos sobre estes m am oeiros.” (A Derrota n. 12 de
1883). “ Nas pastelarias e tavernas vegetam mamoeiros de to­
das as nações.” (Lan tern a Magica n. 41 de 1883). “ Se queres
m orrer de velho, larga a canna, m am oeiro.” (Idem , n. 192 de
1887). O termo, nesta particular accepção, vem de mamar,
sugar, sorver chupar o leite da mama, da têta, e dahi o ma­
mão dos nossos íexicons, o que mareia muito a miudo, e o
nome vulgar que recebeu o fructo de uma papayacea a que
os indios chamavam chamburu’, p or ser do feitio de uma teta,
e portanto, m am oeiro a arvore que o produz, a Carica pa-
paya, de U n n eo. Quer um quer outro vocábulo já eram cor­
rentes entre nós nos prim eiros annos do seculo XVI', docu-
inentadamente sabido, amolo ando-se mesmo os indios á nova
denominação da planta, chamando-a porem, de mamoeira. Des­
crevendo-a M arcgravi nas suas especies, macho e femea, cu­
jos fructos os portuguezes chamam mamão, constata assim
a sua origem : “ á"figura, quia mamma pendei in arbore.” T r a ­
ta-se porem do fructo das especies que produzem-no, uma vez
que o macho é esteril, apenas florean(do em delicados cachos.
“ Menina, minha menina, Minha flo r de mamão macho, Quan­
to mais pintas a cara Tanto mais eu feia fa c h o .” (A Lanceta
n. 100 de 1913).
Mamóte — B ezerro grcnde. “ N o anno em que eu nasci, N o
outro que me criei, N o outro que fui bezerro, N o outro que
fui mamóte.” (O Boi Epacio, versão de Sergipe).
Mamparra — Ardil, arteficio, experteza: Arm ar uma mam-
parra. Rohan registra mamparras, subterfúgios, evasivas,
exem plificando: Executa as minhas ordens e deixa-te de
mamparras,
Mamposteiro — Antigo funccionario incumbido da arreca­
dação de donativos destinados á redempção dos christãos cap-
tiv o s . em poder dos infiéis. Mamposteiros, eram assim chama­
dos entre nós (Pcefectus cativerum P e r e ir a ); mas re-
conhecedo o governo os abusos que se davam no of-
fic io de mamposteiro, extinguiu a todos os existentes, tanto
na m etropole como nas colonias por L ei de 4 de Dezembro
de 1755.
Mamulengo — “ Especie de divertim ento popular em P e r­
nambuco, que consiste em representações dramaticas, por
meio de bonecos, em um pequeno palco alguma cousa eleva­
do. P or detraz d « uma empanada, esconde-se uma ou duas
pessoas adestradas, e fazem que os bonecos se exhibam com
m ovim ento e fala. A esses dramas servem ao mesmo tempo
de assumpto scenas biblicas e da actualidade. Tem lugar por
occasião das festividades de igreja, principalm ente nos arra­
baldes. O povo applaude e se deleita com essa distracção, re ­
compensando seus auctores com pequenas dadivas pecuniárias.
Os mamulengos entre nós são mais ou menos, o que os fran-
cezes chamam marionette ou p olich in elle.” (Beaurepaire R o ­
han). “ A,’s cinco horas mamulengo, n o theatrinho da Encrusi-
Ihada” . (A Pimenta n. 92 de 1902). “ Exhibiu-se o grupo no
theatro Santa Izabel, mas em vez de uma peça de grande fo-
lego, representou uma distracção de mamulengo.” (L a n te rw f
Magica n. 507 de 1896). “ A barraca Independencia tem de bdóm
o mamulengo.” (Idem , n. 515 de 1897).
Maná — Cousa bôa, supimpa, appetitosa. “ Ser cyclista,
que d elicia! Ser cyclista, que m »n á !” ( A Pim enta a. 596 de
1907). A dicção, porém, tem uma expressão superior, superla­
tiva mesma nas phrases: Maná sumsum, e Maná sum sum de
caroço. “ E, quando o conseguir, Muito ancho de mim excla­
m arei: A h ! que maná sum sum !” (Barbosa V ian n a).
Manáta — Mulher bonita, vistosa, pancadão: O h! que ma-
náta. Sugeito graúdo, dunga, bichão. “ Ah! seu manata!'
dispa a casaca, pcnha-se na estaca.” (O, Diabo a quatro n. 159
de 1878). O vocábulo é corruptela de magnata, como se pronun­
cia entre nós, o magn‘a te dos lexicons portuguezes.
Manatim ou manaty — P eix e de agua doce.
Mancar — Remanchar, retardar, esquivar-se, fazer um
trabalho demoradamente, preguiçosamente.
Mandaçaia — Especie de abelha (Melipona anthidioides,
Lep.) muito commum e abundante, e bravia em execesso. Os
seus ninhos, construídos nas arvores, são regularmente po­
voados, e o mel que produz é agradavel, porem pouco a-
bundante, Costumam andar aos casaes. Seguado Arm indo
Guaraná, mandaçaia vem do tupi, de manda, ninho, çãia, sa­
liente, como uma referencia á entrada saliente do cortiço pela
abelha deste nome.
Mandacaru — Planta sertaneja, cactacea, de espinhos, que
nas estiadas serve de alimentação do gado. Dá um fructo
grande, de bom paladar, refrigerante, e mesmo de virtudes
mtdicinaes. Vegeta tambem na ilha de Fernando de Norcnha,
onde tem o nome de Mandacarú-chiqueehique.
Manda-chuva — Mandão de aldeia, chefe politico, pessôa
de influencia e prestigio; o dunga de uma localidade. “ O pa-
triostismo consiste em seguir o caminho que aponta o manda­
chuva da aldeia ou o cura da parochia.” (A Lanceta n. 6 de
1889). “ Um fidalgo do tempo, amigo de bons tempos de man­
da-chuva.” (id em n. 41 de 1890). “ Faz pena que um moço tão
distincto tenha um qualquer A b ilio como manda-chuva.” (A
Pimenta n. 5(5 de 1902) | Esta locução vem de longe, dos nos-
scs indios, nos albores na nossa vida colonial, si bem que,
não com as accepções que ora exprime. “ Dos genios bons,
escreve T heodoro Sanpaio, recebiam os indios beneficios,
tinham felecidade na caça, victoria nas suas guerras, e colhei­
ta abundante nas suas roças, porque a chuva em tempo op-
portuno era trazida por elles, Amana-yára, manda-chuva.”
O Padre Francisco Pinto, missionário jesuita, exem plificada-
mente, foi assim chamado pelos indios do Ceará (fins do se­
culo X V I) pelo milagre que operou de fazer chuver em uma
epocha de estiagem e de ameaças de grandes calamidades pela
perda das lavouras á falta de chuvas. Correspondentemente
á nossa lofcução, e particulares expressões, têm os francezes
o seu Manitou, tambem originário dos indios, usando destà
phrase: C’est le grand manitou du pays, em referencia ao Ma-
nitú dos selvagens da America do Norte, isto é, o seu idolo,
grande espirito, Deus supremo, como o nosso Amana-yára.
Mandapussá — Arvore fructifera ,mencionada por Jero­
nymo Vilella.
Mandar — Nas phrases: — Mandar á praia, rebater um
tom depreciativo. Mandar ceiar com Christo, matar, Mandar
desta para melhor, o mesmo. Mandar na seára alheia, intromet-
terse em negocios, de outrem, auctoritariamente. Mandar os cin­
co mandamentos, õar uma bofetada. Mandar plantar batatas,
despedir, rep ellir aborrecidamente, enfadadamente. “ Isto aqui
não é casa de vender b ic h o s ... Vão plantar batatas.” (Jornal
do R ecife n. 48 de 1916).
Mandeu — A rvore da nossa flora peixe da feição do solho
de Portugal, como escreve o autor dos Diálogos das grandezas
do Brazil.
Mandi ou mandim — P eix e de couro, de agua doce, e de
expccies varias, nomeadamente o mandiassú.
Mandioca! — Roçado, campo de cultura da mandioca.”
Quem tiver mandiocal não passa fome, nem tem criação ma­
gra” . (D r. Dias M artins).
Manducar — Comer. “ A mulher de Luiz do Rego Mandu­
cava só gallinha, Tnda não era princeza já queria ser rainha.”
(D e umas quadras populares de 1821). D erivados: Manduca-
ção, manducança. “ E lá se foram para a mesa, onde cada qual
primou na manducança.” (O Clarim n. 11 de 1878).
Matidury ou manduvi — Especie vulgar de abelha, (M eli-
pona marginata, L ep.) abundante, docil e domesticável, che­
gando mesmo a construir os seus ninhos nas paredes das casas
de taipa do interior, quando não os fazem nas arvores. P ro ­
duz bastante mel, e de optima qualidade, e tambem muita cêra,
de uma côr clara, amarellada,
Mané — Individuo desleixado, tolo, palerma, desfructavel,
aparv-alhado, e dahi as phrases Mané-côco, Pae- mané, Mané
assa ovo, Mané de Souza. “ Lá no convento ha tantos rapazes,
Que são muito capazes De se fazerem seus Manés de Souza.”
(Barbosa V ianna). “ Quando porem me fô r preciso Mostrar
que não sou qualquer Mané de Souza D igo-lhe am avel num
passeio, Num baile, á rua ou mesmo em casa: P o r ti, meu bem,
meu peito abraza.” (A Pim enta n. 15 de 1901). A phrase ás v e ­
zes, apparece assim, corretam ente.” “ O nosso amiguinho fez-
se M anoel de Souza e fingiu-se esquecido.” (A Lanceta n. 8
de 1890). “ Que alma bôa! alma excellen te! Parece um Manoel
de Souza, Quando elle fala com a gente.” (A P rovín cia n. 187
de 1916). Estudando Beaurepaire Rohan o vocábulo mané, es­
creve: “ E ’ a apocope do termo manéma, que tanto em tupi co­
mo em guarani, significa frouxo M on toya) e m ofino (Vocabu­
lário da lingua b rasileira). E ’ synonimo de bocó e bocorio que
se usa em sentido depreciativo. Ha o termo hom cnym o mané,
de que se serve a gente da plebe, como dim inutivo de M anoel.”

476
Mané gostoso — Boneco de engonço com m ovimento nas
pernas e nos braços, que se agitam puxados p or um cordão.
‘"■Leste o protesto do Club 9</2 do Arraial, negando que o mané-
gostcso tosse o retrato do H erm es?” (Pernam buco n. 59 de
1914). “ Não me esqueci da Fin a; preciso ser gen eroso; deixo-
lhe um Manoel gostoso.” (A Pimenta n. 23 de 1903). Persona­
gem grotesca do Bumba meu boi, que figura em certas scenas,
irepado em umas andas, a fazer certos passos e cantando umas
toadas apropriadas ao seu caracter, em que figuram estes v e r­
sos, exem plificadam ente: Mané-gostoso Perna de pão, Salta da
cama, Cae n o giráo.
M aneira — Pequena abertura na parte superior das. saias,
até o cós, a um lado, na frente ou posteriorm ente disposta e
cnde se prende á cintura com colchete ou enfiada a fita, e as­
sim praticada para dar lugar a vestil-as: A maneira da saia;
rndar de maneira aberta.
Maneiroso — Urbano, affavel, c o r te z ; insinuante, com-
munieativo, accessivel; de boas maneiras,
Manembro — Ignoram os a expressão particular dçste v o ­
cábulo, quasi que desconhecido hoje, porem corrente e vu l­
gar em tempos não muito remotos, como o registra Lopes Ga­
ma no seu Carapuceiro, em 1839: “ Os manembros, os calafati-
nhos, os gamenhos de todo o calibre, torneiam o saráo” '
Concurrentemente encontramos a in d a ; “ Será grande cacha­
ceiro, Um manembro asseivajado; Ha de ser coxo, ou camba­
do De bichos.” A Marmota Pernambucana n. 14 de 1850). Beau-
repaire Rohan, porem, registra o term o como vulgar no Vale
do Amazonas, e o mesmo que Mané.
Mangangá — Especie de bezouro ou maribondo grande,
preio, luzente, que anda sempre só, e tem a sua casa no chão
E ’ signal de mão agouro entre a gente supersticiosa, e a
sua ferroada produz uma dôr intensa acompanhada de cala­
frios e febre. Da ordem dos Dipteros, pertencente talvez ao
genero Asilus, é o terror dos outros insectos. “ Um cascudo
bezouro, é o chefe, e o mangangá.” (A Pimenta n. 9 de 1902).
“ Dou graças a Deus não ser encommodado pelos bezouros
mangagás.” (O G rillo n. 1 de 1902). Sylvio Rom ero registra
o vocábulo com as expressões de principal, grande, e como
de origem a fric a n a ; Beaurepaire Rohan, porem, diz que é
termo commum ao tupi e guarani. Effectivam cnte, Montoya
o consigna como de origem tupica, com o nome de mangangá,
abejon.

477
Mangará — “ Ponta term inal da inflorescencia da bana­
neira, constituída pelas bracteas que cobrem as pequenas
pencas de flores abortadas.” “ Dr A. F, Maria Glaziou apud
Beaurepaire R ohan). “ M e-trep e i na bananeira, ^ e enrolei
com o mangará, Comi banana madura , até o gato miá; O
resto deixei no cacho, P ’ro dono.*não me am olá.” (T ro va s po­
pulares). Mangará é um vocaljulo de origem tupi, designando
entre os Tupinambás, os tubérculos com estiveis de diversas
especies de plantas do genero Caldium, fam ilia das Aroideas,
Do mesmo genero ha algumas especies de plantas vulgar­
mente conhecidas por mangarito, cujo nome p rim itivo indi­
gena, era mangará-mirim.
Mangôna — Manga de uma roupa qualquer; muito larga
fofó. “ As adragonas enchiam-lhe o vazio das mangônas.” (A
Columneida, C. II estr. X I I I ).
Manguá — Relho, chicote de açoitar os animais. “ Cabra,
s’eu te apanhá Lá dentro do meu currá, T e tiro as costella
fóra Na ponta do meu manguá.” (Versos sertanejos.)
Mangue — Planta dos generos Risophora, Avicenia. La-
guncularia e outros, que prodigiosamente vegetam nas corôas,
alagadiços e margens dos rios de agua salgada, ou antes dos
rios até onde chega a influencia da maré, originando-se o seu
desenvolvimento de um curioso phehomeno, porque os seus ra ­
mos depois de levantados e estendidos, se dobram até o chão,
aonde criam raizes, e tornam a pellular, e crescer, e se fa ­
zem tamanhas como o tronco do qual sahiram. Os indios
chamava-no guaparaiba ou. guaparumbo, e os portuguezes,
originariamente, mangue verde, e depois, simplesmente, man­
gue, que ficou. Anchieta, em 1560, menciona já a A rvore do
mangue, convenientemente deser’evendo-a. Pison, que esteve
entre nós em meiados do seculo X V II foi quem prim eiro estudou
e descreveu a planta e dahi ate Almeida Pinto, nos nossos
dias, atendendo ás suas differentes especies. Tem tambem o
nome de mangue as margens e corôas lamacentas, não só dos
portos, como dos rios até onde chega a' acção d’agua salgada,
e cinle vegeiam os bosques dessas plantas a que tambem
dão o nome de mangue. Esses lamaçaes são o v ive iro de di­
versas especies de caranguejos. Estar, cahir no mangue, ar­
ruinado, compromettido, perdido. “ Hoje a moral, a probrezi-
ta está no mangue, esbagaçada.” (Lanterna Magica n.° 476
de 1895). Ganhar o mangue, fugir desaparecer, occultar-se
homisiar-se. Pernas de quebra- mangue, tortas cambaias.

478
Manicáca — Ignoramos o sentido particular deste vocá­
bulo, colhendo apenas que empregado em tom depreciativo.
Moraes o registra como termo chulo homem fr a c o ; e Bessa.
como antigo na giria portugueza, com as expressões de p ol­
irão indolente, medroso. Correm e entre nós em outros tem­
pos, exem plificam os o seu uso: “ Uns faziam-lhe caretas, ou­
tros arregalavam -lhe os olhos, estes escarravam- como que
entojados de vêr aquelle manicáca mettido a homem de cor­
te.” (O Cjometa n. 23 de 1844). “ Um manicáca assim com visos
de histrião.” (O Echo da Verdade n. 5 de 1845).
Manichúpa — Soldado da guarda m unicipal" Um manichu-
pa assistia ao acto e fazia côro com o m olecorio.” (A Pim en­
ta n. 24 de 1901.) “ Seguem-no de perto dous macambúzios
soldados, desses que o vulgo chama manichupas.” (A Rua n.c
] de 1901). Dissolvida a guarda municipal, passou o appelli-
do ás praças de policia. “ Albino, Matheos e Cypriano se
transformaram em autoridade policial e manichupas.” (Jornal
do R ecife n. 58 de 1916).
Maniçóba — As folhas da mandioca; comida preparada
dos brotos novos e tenros da maniva. (Cputo de Magalhães),
Nesta accepção escrevia já o autor dos Diálogos das grandezas
do Brasil: “ D segundo mantimento é as fòlhas da mandioca
cosidas, a que chamam maniçóba, as quaes são excellentes para
o tempo de fom e.” Maniçóba é um vocábulo de origem indige­
na, tanto do tupi como do guarani.
Maniçóbal — Campo de cultura da maniçóba, arbusto lac-
tifero, da fam ilia das Euphorbiaceas (gatrop h a). Onde vinga
a mandioca, nasce e prospera a maniçóba. A exploração do
leite da maniçóba, que produz excellente borracha, vem dos
annos de 1898, e dahi pelas vantagens resultantes, cuidar-se mui­
to do cultivo da planta, que figurando os productos da in ­
dustria extractiva do Estado na prim eira Exposição Nacional
de Borracha que teve lugar no R io de Janeiro em 1913, o
mostruário de Pernambuco foi uma revelação, agradou sobre­
maneira •pelos productos expostos, demonstrando que a in ­
dustria extractiva progride em seu seio, notadamente na zcna
de Belmonte onde cerca de doze milhões de maniçobeiras
são cultivadas, segundo uma publicação o ffic ia l sobre a re fe ri­
da Exposição. Belmonte, effectivam énte, é na zona sertaneja,
o município em que mais abunda e viceja a planta, vindo mes­
mo o seu povoamento, que se remonta a meiados do seculo
passado, de uma fazenda pastoril denominada da Maniçóba,
que havia na própria situação, e assim chamada pela abun­
dante vegetação da planta nas suas terras.
Manigrépo — Padre da extincta Congregação do Oratorio
de S. Felippe N'ery, ou da Madre de Deus, do nome da padro­
eira da igreja da sua casa do R ecife. “ Os congregados do Ora­
torio, diz um critico nosso de principios do seculo X IX, com­
pravam a sua equivoca fama de Manigrepos com as suas gran­
des virtudes.” “ A Alfandega está hoje no antigo convento dos
Manigrepos.” (O Guarda Nacional n. 11 de 1843). “ Aquelle
Pacinuo Que fo i manigrépo, N o qual não m e trepo, porque
por um m ote'Prega elle um calote.” (A Carranca n. 24 de 1847),
Manigrépo, segundo Fernão Mendes Pinto nas suas P eregrin a­
ções, (seculo X V II) eram uns eremitas do jPegü, na índia.
M a n ip u eira — Caldo extrahido da mandioca depois de ra­
lada, e por meio da pressão, em cujo liquido se contem acido
prossico em abundancia, Sendo portanto muito venenoso; mas
exposto a acção do sol ou do fogo, evapora-se, tornando-se
então aproveitável, e até mesmo, convenientemente tempera­
do, um excellente molho. O precipitado da manipueira é a
gomma de mandioca. “ Antes chronica sem sebo, do que sebo
envenenado, visto andarem os carneiros e os porcos a comer
manipueira.” (Lanterna Magica n. 424 de 1894). Manipuéra,
era o nome originário, entre os tupis.
Manipulos — Os testículos.
Manistrope — Comida ordinaria, “ Eu estava*com o esto­
mago a dar horas, e tive que me sugeitar a comer o manis­
trope do sarrabulho secco e de um figado mal cosido.” (A
Pimenta n. 558 de 1907).
Maniva — Haste da planta da mandioca, que, cortada em
pequenos pedaços e enterrada nos matombos ou covas serve
de semente para a sua rep rod u cção; e secca ao sol, batida e
esmagada é um bom alimento para os animaes. Generica­
mente, segundo Couto dfe Magalhães, é o arbusto da mandio­
ca. Plantei mandioca e nasceu m aniva; de ladrão de casa nin­
guém se livra. (D ictado popular) Maniva é um vocábulo de
origem indigena, tanto vulgar no tupi como no guarani.
M anivella — In divídu o que se presta ao papel de instru­
mento docil, inconsciente, ao serviço de outrem, movendo-se
aos seus caprichos e interesses e prestando-se a tudo, ao seu
menor aceno. “ Rebaixou a sua autoridade a tal ponto, de se
constituir m anivella ou instrum ento de vinganças m esqui­
nhas.” (O Vapor do R io Form oso n. tQ de 1857). “tPolitica
ruim, que mantem manivellas somente.” (Lanterna Magica
n. 157 de 1886).
Manja — Folguedo de criança, ás carreiras, perseguidas,
até que consigam chegar ao ponto determinado, bater a
manja, e ficarem livres. “ No segundo caso, perdeu na man­
ja.” (O Pab ' »a n. 24 de 1850). “ O despudor do tal sujeito
chega até a brincar a manja cia rua onde m o ra !” (A Derrota
n. 8 de 1883). Comida refeição: Vamos á manja. “ Sou homem
do chumbinho. Ponho-me ao serviço de quem quer que seja
condanto que eseurripicha a verba para a manja.” (O Major
Leal n. 1 de 1890). Quem prim eiro anda, prim eiro manja
(R ifã o popular).
Manjaléco — Beaurepaire Rohan registra este vocábulo
como corrente em Pernambuco e no Ceará com a expressão
dc marmanjo; nós porem o desconhecemos: nunca o ouvimos
pronunciar, e jamais o encontramos registrado em parte al­
guma. D ’entre os contos populares recolhidos por Sylvio
Romero, e publicados nos seus Estudos sobre a poesia popu­
lar do Brasil, figura o d’0 bicho Majaléo, colhido em Sergi­
pe, Segundo elle. Manjaléo, é um termo africano, e acaso terá
alguma relação com o Manjaléco, colhido pelo referid o es-
criptor?
Manjongôme — Portucalacea ou bredo muito commum
entre nós, que Alm eida Pinto descreve com o nome vulgar
de Bredo majorgomes, e Rohan com o de manjangôme, que
dá como corrente em Pernambuco e na Parahyba do N orte;
mas o termo commum, vulgar entre nós é aquelle de manjon-
geme, que registramos.
Manjuba — P eix e de agua salgada, de couro, e muito vu l­
gar, de que ha uma especie pequena chamada manjubinha.
"Já agora custa-me muito tornar a alimentar-me de piab'inhas
e manjubinhas.” (O João Pobre n. 3 de 1845.) Comida re fe i­
ção: São horas da manjuba. “ Meu cosinheiro nos deu hoje
uma bôa manjuba.” (Beaurepaire R ohan). Camarão com côco
é Uma excellente manjuba; Mas não é o camarão do en­
genho Quitinduba. (Versos populares). Dinheiro, lucro, van­
tagem; interesse, pepineira, negociata. “ Um arrematante com
36 ;Q00$000 tem bôas manjubinhas para presentear.” (O Pa-
tubéa n. 5 de 1850). “ A lli vão cahir, atraz da manjuba do
barato, qile lhes sai p or demais caro.” (O Campeão n. 122
de1862). “ São os vendelhões que fornecem a manjuba para
os melões.”(A Lanceta n. 17 de 1890). D erivado: Manjubar,
comer, lograr desfrüetar, locupletar-se. “ Certo subdelegado
que vai na banja dos bagos que o carcereiro manjuba.” (O
Postilhão n. 8 de 1846). “ Anda sempre mettido enj bulhas
por custas, que demais quer manjubar.” (Lanterna Magica n.
120 de 1885). “ Eu tambem quero ser compadre, eu preciso
ser compadre porque quero manjubar.” (Á Lanceta n. 22 de
1890). O vocábulo na sua voz originaria de manjuba, é altera­
ção de manjua, que Moraes registra, vindo de manja, com a
expressão de comida, e cujo termo alguns dizem manjuba,
conclue elle, não consignando porem este ultimo, e Aulete
a nenhum. Vem dahi, naturalmente, o accommodamento do
vocábulo ás diversas accepções que tem entre nós, como v i­
mos, começando, é obvio, pela de comida, e extensiva depois
ás demais.
Mano — Irm ão, tão vulgar assim como no diminutivo,
maninho. “ Agradeço o favor de haver honrado as cinzas de
meu mano F re i Joaquim Caneca.” (Januario Caneca, O An-
nunciante, n. 22 de 1846). “ Lulu* e L ili são manos Elles dois
valem por tre s ! . . . Pela porta semi-aberta, Olhava o mano,
a pequena.” (Bastos T ig r e ). “ Maninho que tem você, que ha
dias vejo-o tão consternado?” (A Forquilha n. 6 de 1841).
Tratamento intim o entre garotos. A i mano! dizem elles em
tom de cumprimento, ao encontro de um typo da mesma laia.
“ Aborrecido o pobre homem de ouvir as sandices de tal in­
divíduo, deparafusou com elle, como dizem os manos.” (Lan-
terna Magica n. 207 de 1887). Fica manso, mano! diz tam­
bem a garotada, assim ao rhodo de intimação a um arreliado
á ccnter-se nos seus arrancos e explosões; phrases esta, que
aliás, tem já uma certa corrbnte de vulgarisação geral. “A
gente tem bem vontade de gritar-lhe em liberdade, oh ma-
ninha, fica mansa.” (Lan tern a Magica n. 540 de 1897) “ Fica
mansinho, mano; eu não sou rato que o gato péga.” (A P i­
menta n. 12 de 1902).
Manoel de Abrêo — Especie vulgar de abelhas.
Manoel Gonçalves — A rvo re de bôa madeira para m er­
cearia e construcções.
Manqueira — Moléstia do gado bovino. “ Foram vaccina-
dos contra a peste da manqueira 65 bezerros e garrotes.”
(Jornal do B ecife n. 253 de 1917). Indolência, preguiça, fa l­
ta de iniciativa, animo e acção. “ Tambem se pode fazer
azeite de côco, como se usa na índia, porque se dão aqui

482
grandemente os coq u eiros; mSs a maqueira tantas vezes apon­
tada dos brasileiros lhes impede de usarem deste beneficio
(D iálogos das grandezas do B rasil). Vem de longe, portanto, a
nossa p roverbial manqueira, uma vez que já era assim notada
nos prim eiros annos do secculo X V II quando foram secriptos
aquelles Diálogos.
Manta — A carne completa de uma rez, aberta, retalhada,
desdobrada em manta ou xerga, quando se destina á salga e ao
coradouro nos tendaes ao sol” , e que assim preparada tem o
o nome generico de xarque ou carne do Ceará, como é vulgar­
mente conhecida entre nós, bem como a da carne de sol ou do
sertão, assim chamadas pelas suas procedências originarias.
Pintar a manta; Fazer o diabo, estripolias, estroinices, ccnsoan-
temente com a locução Pintar o caneco, ou o padre.
Manteiga — Dengoso, aborrecido m elindroso; que se fere,
se agasta ou se offende com qualquer cousa. Botar mantei­
ga em focinho de cachorro: Perder o seu tempo, trabalhar
para o bispo.
Mantimento — Os cereaes, e particularmente a mandioca,
o milho, o arroz e o feijão, nos tempos coloniaes. “ O milho
é mantimento mui proveitoso para sustentação dos escravos
de Guiné e in d io s ... P elo tempo das sementeiras fazem os
indios suas roças, aonde vão todos juntos a semear e a plan­
tar seus mantimentos.” (D iálogos das grandezas (lo B rasil).
“ E ’ o Brasil mais abastado de mantimentos, que quantas ter­
ras ha no mundo, porque nelle se dão os mantimentos de to­
das as outras. . . O ordinário e pricipal mantimento do
Brasil é o que se faz da mandioca.” (F r . Vicente do Salva­
d o r).
Manuê — Bolo da massa 011 gomma da mandioca com
côco e assucar. “ Um soldado do Assu’, Que estava de embos­
cada Atirou-llhe uma cocada E um bolo de manuê.” (Versos
populares). E ’ tambem ccnhecido no sul, como escreve Af-
fonso Arinos: “ Os convivas, depois de saborearem o bolo de
S. João, a cangica tradicional, as pomonhas e os manauês
ou maniiês, vão ccnsultar o liv ro do déstino.”
Manzanza ou Mazanza — Indolente, preguiçoso, relaxa­
d o; tolo. idiota, amalucado. “ T ive tanto trabalho e não me
coube um tiquinho se quer; tudo foi para o manzanza do
Y o y ô .” Am erica Illustrada, 1873). “ Vem, mazanza; nós não
te deitaremos mandinga. (Idem n. 25 de 1883). D erivados: Ma-
zanzice, Mazanzar. “ Deixe-me ir mazanzando na minha sove-
la: eu não quero inetter-me em cavállarias altas.” (O Cam­
peão n. 22 de 1861). Manzanza, como escreve Sylvio Romero,
é segundo pensa, um termo de origem africana.
Mão de Milho — Cincoenta espigas, e meia mão vinte e
cinco. “ Momentos depois, voltavam todos para casa condu­
zindo as mãos de m ilho.” (Fran klin T a v o ra ). “ Não tem pé
a mão de m ilho.” (G regorio de Mattos). Vem de longe, p or­
tanto, a locução.
Mão de vacca — Comida preparada com as unhas do pé
de boi, e particularmente servida no almoço. “ V. Excia. al­
moça chambaril ou mão de vacca?” (A m erica Illustrada n.
35 de 1878). “ No funge do anniversario do nosso compa­
n h eiro houve mão de vacca, laranjinha e seu rancho.” (A P i­
menta n. 532 de 1907)
Mãosinha — Sem uma das mãos.
Mapinginho — Fumo em rôlo ordinário, fino. “ Nós não
damos pela sua votação dez reis de fumo mapinguinho.”
(Lanterna Magica n. 101 de 1884).
M aprigio — F lo r cultivada nos jardins, citada por Jero-
nymo Villela.
Marabúto — M arinheiro, homem do mar; o portuguez, as­
sim depreciativamente chamado em outros tempos; gente bai­
xa do mar, segundo Moraes. “ A sucia baronista, que levou ao
tumulo o estrrngeirism o em Pernambuco, defensora de quan­
to marabuto aqui aporta.” (O Azorrague n. 5 de 1845). “ Os
homens do mar como se chamam? Marabuto, que vale o
mesmo que mar e brutos.” Escapou-nos ao tomarmos nota
deste trecho, mencionar a respectiva fonte, o que agora não
nos occorre. Marabuto é termo portuguez? Como escreve
Moraes, abonadamente, é vulgar entre os mouros, dado aos
sacerd otes; e concurrentemente na Afriça, segundo o Dr.
Affonso Cláudio, a uma especie de mestre tm educador da ju­
ventude em certas tribus africanas em que vigora o fana­
tismo religioso. Bluteau porem, já registra o termo, diz que
figura no Vocábulo Marabita, e que Fr. José de Moraes o
emprega no seu A giologio Dominico na açcepção de cabeça
dos sacerdotes dos mouros. Assim, pois, é de origem africa­
na. Aulete já não o registra.
Maracá — Especie de ch o ca lh o , feito de lata, prata ou
outro qualquer metal, cheio de pedrinhas ou grãos de chum­
bo, que serve ás crianças de brinqiledo. E nfeitar o maracá;
contar uma historia bem contada; exaltar, encarecer uma
cousa qualquer ; predispor os animos em favor de uma causa
p ivpria. Maracá vem' de um instrumento indigena assim cha­
mado. fi.ilo do fructo da quiloquintida cheio de buzios, con­
chas ou pedrinhas, com um pequeno hastil armado de pen-
nas, e de que se serviam os indios nas suas solemnida'des
religiosas e danças guerreiras; o vocábulo, porem, é corrup­
tela de itá-maracá, maracá ou chocalho de metal, o sino, a
campa. (T h eod oro Sam paio). F rei Vicente do Salvador, no-
rem escreve tamaracá, um cabaço com pedrinhas dentro. Se­
ja como fô r é dáhi que vem o nome da nossa tradicional
Ilha de Itamaracá.
Maracajá ou Gato do matto — Especie de gato indigena
(F e lis Pardalis, N ie w ), de varias especies, e tão grande e
feroz como a onça. “ Maracajá são de feição de gato, posto
que do matto e muito formosos, por terem todo o corpo lis­
tado.” (D iálogos das grandezas do B rasil). “ Vi quebrar,
quebrar, quebrar. Dentro da palha da canna, O gato mara­
cajá, A onça suçuarana.” (T ro va s populares). D eriva d o:
M aracajádo: Pintado, malhado, sarapintado, como a pelle do
maracajá. O nome deste felin o vem do tupi maracá-yá, o que
grita como o maracá.
Maracanan — Especie de papagaio, porem menor (Psit-1,
tocus nobilis; Illig .) Vocagulo de origem indigena, vem de
ma.racá-nã, semelhante ao maracá. o que imita o maracá ou
chocalho. (T h eodoro Sgjifpaío).
Màrfe«atú--^==^F5lguedo de africanos com danças e cân­
ticos proprios, muito vulgar nos tempos do trafico e da es­
cravidão em que elles abundavam entre nós, e hoje, mais ou
menos guardando as suas feições originarias exhibidos so­
mente pelo carnaval, No nosso F olk-lore petnambucano par­
ti c u1an m en tee£ ljjd am o s_j^
laracujá de cambada — Os testiculos.
Marafaia — Mulher perdida, da vida airada. “ Veio d*e
Maceió a marafaia Marocas Dengosa.” (A Pim enta n. 495 de
1906). “ A policia deve reprehender a essa m arafaia á bem
da moralidade da visinhança.” (Idem , n. 550 de 1907).
Marafona — O mesmo que marafaia. “ As ruas infestadas
demarafonas e os covis nocturnos viajantes.” (A m erica
Illustrada n. 27 de 1882). “ A marafona conhecida p or Dona
de ouro, deu uma quengada em certa pessôa.” (A Pimenta
n. 3 de 1908). Term o chulo, portuguez, antigo, Moraes o re ­
gistra com as expressões de mulherzinha, michela, mas não
figura nos modernos lexicons. Entretanto era corrente na
metropole, pelo menos na troça da universidade de Coimbra,
em meiados do seculo X V III, como se vê deste trecho do
Palito m étrico: “ Non aliter guerreant, dant sua corpora
chamo Am bo; sed in lucta levat Marafona triumphum.”
Marayal — Vulgar palmeira, que segundo Arruda Camara,
que a descreve com o nome de Maiará, vegeta no som brio das
mattas, form ando grupos esparsos, e da qual se extrahe um
linho fino como o do algodão, que se presta bem á fiação.
Alm eida Pinto a registra com o nom e de M arajá ou Tucum
de Pernambuco (R actris marajá, M art.); e conhecida tam­
bem com o de Marayá, como consta de uma sesmaria de 1820,
vem dahi a denominação de Marayal de uma povoação e
dous riachos no municipio de Palmares, consoantemente com
a da própria palmeira. Vocábulo de origem tupi, é corrup­
tela de mbarayal, especie de côco, palmeira, segundo A lfred o
de Carvalho.
Marcha — Peça musical, melódica, executada por banda
.narcial nas recepções de pessoas notáveis, inicio de uma
tocata qualquer, e nos acompanhamentos procissionaes pas­
so ordinário, grave, e assim escripta em compasso quater­
nário. Tem concurrentemente o nome de ordinário, registra­
do nos nossos lexicons. A marcha consta de quatro partes,
distinctas, mas harmonicamente ligadas, encadeadas; a in-
troducção, o canto, o forte e o trio, e em geral, obedecendo
a uma tonalidade hymnica.Marcha fúnebre: em tom senti-
mental, dolenfe, tristonho mesmo, é executada nas solemni-
dades funerarias, nos '.acompanhamentos de cortejos fúne­
bres, e na procissão de enterro do Senhor. “ M arcellino Cleto
escreveu quatro marchas fúnebres, uma das quaes á memória
do grande m artyr pernambucano Joaquim Nunes Machado.”
(Thecstonio

F re ire ). Marcha triumphal: solemne, apparato-
sa. enthusiastica, de irma pronunciada accentuação hymni-
ca, mais extensivamente escripta, e executada nas grandes
solemnidades e concertos symphonicos. Este genero de com po­
sição consta de introdução, prim eira parte com pensamento
e^isodico, e volta á parte principal; tem um ou mais trios, no
mesmo estylo, com da capo, e um final, como que uma especie
de peroração do discurso musical” Estas duas composições
são indistictamente escriptas para grande orchestra ou ban­
da m àrcial: Jubileu das artes Marcha tríumphal composta
por Manoel Bandeira Filho, 1891. Reducção para piano de
Euclides Fonceca, posteriorm ente impressa na áílemanha.
Maria de Barros — Passaro vulgar, ainda não estudado,
salvo se é sob outro nome.
M aria-farinha — A femea do caranguejo uçá-una. “ As ap-
provações no Gymnasio andaram mais ao atar do que ca­
ranguejos e marias-farinhas em tempo de trovoada.” (A m eri­
ca Illustrada n. 12 de 1871).

\ Mãria já é dia — Passario vulgar, cujo canto, repetida­


mente, parece pronunciar esta phrase, que lhe deu o nome
E’ tambem muito commum no Urchipelago de .Fernando de
Noronha.
Mària m olle — Especie de ave registrada por Jeronymo
V ille la ; arvore de grande porte que fornece bôa, madeira
para construcções diversas, e cujas cinzas dão muita potassa.
Maribondo — Especie de insecto ou vespa muito vulgar,
bravia, de ferroada penetrante, aguda, que immediatamente
produz inchação e muitas dores. “ Nem se lhe via o corpo en­
sanguentado, Que todos os maribondos lhe cobriam .” (San­
ta Rita D urão). A mordedura de alguns chamados pretos ou
caboclos arde muito e inflamma, ás vezes, p or dias; os me-
^ o s máos são os maribondos mosquitos, ou pequenos. Vivem
em sociedade como as abelhas, e fazem as suas casas de bar­
ro, como ellas os seus cortiços ou colm eia s; e assanhados,
investem furiosos contra quem os fo i encommodar. Vem
dahi a phrase popular de expressões obvias: Ir b olir coro
uma casa de maribondos. “ Eu vou lá assanhar mais essa casa
de maribondos? (O Campeão n. 16 de 1861. Pizon, que viveu
por algum tempo em Pernambuco em meiados do seculo
X V II, e estudou a sua entom ologia descreve particularmente
o maribondo, e o consigna com o nome vulgar, indigena, de
Copueruçú, dé que vem Cabuçu’ , corruptela de Caba-uçu’ , o
maribondo, *o vespão, uma especie de abelhas. ^Theodoro Sam­
p a io ). M arimbondo é um vocábulo africano, vem do bundo ma­
ribondo, plural de ribondo, a v e s p a ; e maribondo, que faz o
plural em aribundo, o form igão. (M acedo Soares). Bluteau
não registra o termo, e a sua vulgarisação vem de Moraes, que
o consigna como nome de uma especie de vespão do Brasil. E ’
porem de uso antigo, e é vulgar na prim eira metade do se-

487
culo X V III, na Parahyba, como consta da carta de sesmaria
de 29 de Maio de 1740 conferida a José Nunes Gollares em
que se fala de um riacho do Maribondo, e depois, acaso na
Bahia, como vimos dos consignados versos de Santa Rita
Durão. Entre nós como data mais remota á documentar, te­
mos o periodico que circulou 0 0 R ecife em 1822 sob titulo,
O Maribondo. “ Marinheiros, fujam delle, Que é peor que ma­
ribondo.” (D iario de Pernambuco n. 214 de 1829).

Maricas — Homem effem inado, cheio de dengos e me-


deixes, todo enfeitadinho; fraco, medroso, pusillamine. Lopes
Gama, porem, em 11111 longo artigo sob o titulo: Os homens
Maricas, publicado « o seu periodico O Cprapuceiro (n. 52 de
1837) aiqplia as accepções do vocábulo, escrevendo: que são
esses que se deixam dominar pelas m u lheres; os que são
todo delicadezas, que andam sempre perfumados e não dis­
pensam um raminho de flores no peito; de fala fina e assu-
carada : e muito e muito Maricas ainda os que tem medo de
almas do outro mundo, que consultam bruxas, mezinheiras
para curar as suas enfermidades, e crêm em lobishomem, pra­
gas e feitiçarias. O nosso poeta A lvaro T eixeira de Macedo,
no seu poema A festa do Baldo, cuja acção teve lugar em
Goyanna ao tempo das nossas lutas emancipacionistas, diz
de um dos seus personagens; “ Ser homem de feição, nada
maricas.” O termo porem vem já de mais longe, uma vez que
Moraes o registra, sem defenir, mas como o mesmo que Ma-
ricão, anteriorm ente consignado, como chulo, que define:
“ Augmentativo de Maricas, homem m ulherengo.” “ Um m ari­
cas, amigo de enfeitar-se á maneira das senhoras, e só v a ­
lente para adular e pavonear paixões.” (O Guarda Nacional
n. 47 de 1843).“ Homem não sejas Maricas: A,rma-te d’um
bom chicote, E de rijo no espinhaço, Faze-lhe glozas ao m ote.”
(O Carapuceiro n. 3 <Ie 1847). D erivado: Maricagem. “ Mamãe
se damna com a maricagem do Fonceca.” (A Pimenta n. 546
de 1907).
Marimba — Instrumento musico dos africanos, formado
de dous arcos semi-circulares, e com coités, em cujas boccas
ha uma especie de tecla de madeira, sóbre a qual o tocador
bate com Um pausinho ao modo de vaqueta. Piano velho, o r­
dinário, desafinado, de som morfenho. “ D orm iriam eterna­
mente, se um amarinbado piano não os dispertassem de vez
em quando.” (A m erica Illustrada n. 2 de 1883). Q insuporta-

488
vel pianista paulifica na tal marimba os ouvidos dos in fe li­
zes visinhos.” (A Pimenta n. 33 de 1902). “ Esse máo tocador,
toda a visinhança, ainda não achou uma alma adoidada que
escangalhasse a marimba não deixando uma só tecla por lem­
brança.” (Idem , n. 71).
Marimbáo — Instrumento musico africano, do typo da
marimba.
M arim beiro — Sabido, sagaz, expertalhão. Em outros
tempos, era o vendedor ambulante, como se vê de um Bando
do governador José Cesar de Menezes, de 6 de Novem bro de
1781, prohibindo o com m ercio de certas fazendas e miude­
zas “ feito por mascates e marimbeiros pretos e pretas pelas
ruas do R ecife.”
M arinheiro — 'Pequeno crustáceo, de varias especies, a
que os indios chamavam carapinima. Qualificativo, com ex­
pressões depreciativas dado aos portuguezes, e que natural­
mente vera dos annos de 1710, ás explosões revolucionarias
do movimento politico conhecido na historia por Guerra dos
Mascates. Presos e embarcados para Lisbôa os pernambuca­
nos cabeças da revolta, de onde, os que escaparam dos to r­
mentos e da morte nas prisões, foram deportados para as
inhospitas regiões africanas, sobreviveu um, Leonardo Be­
zerra Cavalcanti, que depois de treze annos de prisão teve
licença de voltar para o Brasil, mas não para Pernambuco.
“ E lle fixou-se na Bahia, narra Muniz Tavares, de onde es­
crevia aos seus partidários: Não corteis um só quiri das
mattas; tratai de poupal-os para em tempo opportuno que­
brarem-se nas costas dos marinheiros, epitheto applicado
por escarneo aos nascidos em Portugal ” Fixada assim a o ri­
gem do termo e a epocha do seu apparecimento, ficou, vu l­
garizou-se, e espalhou-se mesmo por quasi todo o norte do
paiz, tendo principalm ente accentuação ao tempo das lutas em
p rol da nossa emancipação politica, quando, entre outros
versos populares, appareceram estes, ainda não de todo es­
quecidos: M arinheiro pé de chumbo, Calcanhar de frigideira,
Quem te deu a confiança De casar com b ra zileira ?” D eriva­
do ; Marniheirada, de expressão obvia. M arinheiro só fecha
a porta depois de roubado. (D ictado popular). M arinheiro
de agua d oce; M arinheiro de prim eira viagem ; dictados ap-
plicados a homens do mar inexperientes, mãos profissionaes.
Mariposa — A form iga de azas, que em certas epochas á
noitinha invade as casas em bandos numerosíssimos, e ata-

489
camlo a luz, perece assim, em grande parte. “ A li pelo pateo
da igreja havia gente como form iga de azas em tempo de chu­
va.” (Jornal Pequeno n. 15 de 1916). Form iga quando quer
se perder cria azas. (D ictado popular). A form iga de azas,
tida por agoureira, pela crendice popular, é a çarará dos in­
dios, “ a mariposa, a borboleta que vôa em torno da luz.”
(T h eodoro Sam paio).
Mariquita — P eixe dos mares do archipelago de Fernan­
do de Noronha.
Mariscar — Arranjar, conseguir, pegar; obter alguma
cousa. “ O cujo não marisca a deputação, apezar de ter todas
as autoridades de seu lado, como d iz.” (O Camarão n. 8 de
1848). “ O desertores não podem ser tão considerados como
os que nunca abandonaram o seu posto; entretanto, algum
ha sempre de mariscar alguma cousa.” (O Guarda Nacional
n. 4 de 1848) Comer, fazer refeição. “ O sugeito esteve em
Olinda por alguns anhos, vivendo de mariscar pelas cosi-
nhas alheias e refeito rio de frades.” (O João Pob re n. 1 de
1844). “ Estava eu passarinhando, e nisto v i uma rola que
mariscava no Capiin,” (C<*lso de M agalhães). D erivado: Ma-
riscadeira, Mulher que tira mariscos nas coroas dos rios.
“ Mais de cincoenta negras mariscadeiras tem cahido no po­
der dos pés-rapados que fazem o cerco do R ecife.” (F ra n ­
klin T a v o ra ).
Marisco — Pequeno instrumento de ferro, arredondado,
um pouco concavo, - e com as bordas dentadas, com cabo; ou
pregado em uma taboa, e destinado a rapar o côco (cocos
nucifera) para a extracção do leite, destinado ás suas d i­
versas e conhecidas applicações • vindo a sua denominação
* /
do antigo uso de rapar o côco com uma especie de marisco
ou molusco, grande, arredondado, e por isso chamado ma­
risco rapa-côuco.
Marisco-pedra — Especie de mollusco, pequeno, e muito
vulgar nas corôas até onde chega a influencia da agua sal­
gada. “ O forte da população é o marisco-pedra, tirado nas
corôas quando a vasante as descobre.” (F ran klin T a v o ra ).
Maritacáca — Pequeno m am ifero da ordem dos carn ívo­
ros (M ephitis mesomela, Saint H iil.), o qual, quando é ata­
cada despede de si tamanho fedor que faz recuar tanto o ho­
mem como qualquer féra. “ Esta unica arma basta-lhe; não
foge ella do homem, nem da onça, nein mesmo da jararáca
Este ente é unico que não respeita a ninguém. (D r. E. P.
F ra n k ). O autor dos Diálogos das grandezas do Brasil regis­

490
tra já esse animal, da mais rara e extranha natureza, de quan­
tos o mundo tem, com o nome então vulgar de Jarataquáqua,
e detidamente descreve aquelle singulassimo phenomeno que
particularmente o caracterisa, de que vem,v
concurrentemente
com a sua citada denominação scientifica esta outra dè Me-
phitis suffccans; e quasi que na mesma epocha, descreve-o
tambem o historiador Fr. Vicente do Salvador com a varian­
te do nome de Juritacáca. Vem dahi, portanto, o term o vulgar
entre nós, de Maritac^ca, bem como o de Jaritacáca, corrente
no Ceará, que mais se approxim a dos vocábulos originários.
M aritaféde — O mesmo que maritacáca. “ Esse maritafede
é tambem de todos o mais ardente e m alcreado.” (O Clamor
Publico n. 6 de 1845). “ Cala a bocca,\neu cachaça, marita­
fede fedoren to.” (Idem , n. 11). “ Casaca immunda, cujo so­
vaco exhalava m aior cheiro do que um maritaféde.” (Gaspar
Gomes, Cartas, 1846).
Marmionda — Traficancia, velhacada, experteza, nego­
ciata. “ O tal alferes tem para marmiondas bastante habilida­
de.” (O Barco dos Traficantes n. 1 de 1858). “ Venha vêr,
em fim, Mãesinha, Outras muitas pataratas, Maveros e ma­
matas, Marmiondas e. melgueiras, Patotas e pipineiras.” (O
Vapor dos Traficantes n. 183 de 1859). “ Codigo dó Commer-
cio para velhacos é conversa, quando sabem preparar a mar­
m ionda.” (Idem , n. 240 de 1860). D erivados: Marmiondagem,
M arm iondeiro. ‘IP q ís você é traficante, e em vez de confessar
a sua marmiondagem, procura se desculpar?” (O Barco dos
Traficantes n. 7 de 1858). “ Isto é p ara 'q u em anda rtas tre­
vas, e «não para mim, que sei de todas as marmiondagens de
vossês.” (O Campeão n. 103 de 1862). “ A autoridade, po­
rem, ccnscia da marmiondagem, marcou-lhe o praso de tres
dias para a restituição do dinheiro, sob pena de processo.”
(O Barco dos Patoteiros n. 7 de 1864). “ A le i das desapro­
priações que sahiu da cabeça de um Licurgo marmiondeiro,
tem sido um mare-magnum de rapinancias para os goderhes.”
(O Campeão »n. 8 de 1861).,
Maroim — Pequenino mosquito, tamanhos cotno um pon­
tinho de penna, os quaes onde Chegam são fogo de tamanha
cominchão e ardor que fazem perder a paciência como- os des­
creve Gabriel Soares. O maroim habita nos mangues, e por
assim dizer, só sai a noite, em bandos numerosos; quando
não ha vento,- nas marés vivas, em certas phases da lua, in­
vadindo as casas próximas, atacando a quem enccntra. “ A

491
noite, na baixa maré, os maroins sahiram da lama e dos
manguçs, invadindo a cidade por Santo Am aro.” (A P rovín cia
n. 2(31 de 1910. “ Assim já vale a pena a palma do m artyrio de
aguentar ehi canôa duas horas de maroins, em noite escura.”
(O Diabo a quatro n. 4 de 1875). “ A Macacheira é lugar de
muito maroim .” (Jornal do R ecife n. 49 de 1914). Com o
nome de Maroim,. campea uma ilha no delta do Capibaribe,
nas immediações dos Coelhos, extremo norte do bairro da
Bôa Vista. “ 0 braço sul do Capibaribe passava entre as ilhas
do Maroim e de Joanna B ezerra.” (A lfre d o Lisboa). O Ma­
roim, como o descreve Pizon, é o mosquito que os indios, en­
tre nós, chamavam marigué, que Moraes registra com o nome
de marui ou marigui. Na Bahia, porem, originariamente, ti­
nha o nome indigena de margui (G abriel Soares, 1587). 0 v o ­
cábulo, etymologicamente, segundo Theodoro Sampaio, vem
de maruhy ou maroim, de merú-i, marca miuda, mosquito, al­
terado em meruim, maruim, muruim.

Maromba — Experteza, arranjo, negociata. “ Os amantes


da ironia Tem hoje um dia de arromba, Ao ver o aperto, a
agonia Do pessoal da maromba.” (C yrano & C.) D e riva d o s ;
M arom bar; Vêr, observar, esperar; protelar, embaraçar um
negocio por má vontade ou certos interesses: Estar mraom-
bando. M arom beiro: Sugeito experto, sabido, manhoso, v e ­
lhaco. “ As noticias do R io não agradaram muito ao nobre
presidente de Pernambuco, e a camarilha marombeira ” (O
Guarda Nacional n. 7 de 1843). “ Mui fino capadocio, politi-
cão m a ro m b e iro ” (O Campeão n. 5 de 1861). “ Quem diz po­
lítico, diz m arom beiro.” (Lanterna Magica n. 77 de 1884).

M aroto — Designação depreciativa dada aos portuguezes


na epocha da Tndependencia, que ficou principalm ente na
Bahia, onde é vulgar, São desse tempo de exaltação políticas
estes versos ainda não de todo esquecidos na tradição popu­
lar: “ Fóra, marotos, fóra, Viagem podem seguir; Brasileiros
já não querem Marotos mais no Brasil.” “ Infam e reinado de
D. João V I e de todos os tyrannos portuguezes: fóra maro­
tos” ! (A Sentir.ella da liberdade na guarita de Pernambuco,
n. 58 de 1823). “ Não posso deixar de admirar a audacia com
que esse maroto lança mão da penna para insultar a um bra-
zile iro .” (A Tempestade n. 7 de 1858), Na epocha da' sua o ri­
gem era o termo empregado até mesmo em documentos o ffi-
ciaes: “ No combate de 15 de Fevereiro (na Bahia) soffreram

492
os marotos a bravura dos pernambucanos de mistura com
outros seus irmãos de armas.” (O ffo cio de general Labatut á
junta do governo de Pernambuco, de 22 de F evereiro de 1823).
Com o nome de Marotos ha um engenho no municipio de Na-
zareth, um povoado em Alagoa Secca, e uma serra em Gravata.
Marquezão — Cama do feitio de marqueza, porem mais la r­
ga, e sem encosto. “ Me deitei em uma esteira; e ella num mar­
quezão.” (A Pimenta n. 25 de 1902).
Marram — Ovelha nova. •
Marreca — Ave palmipede (Anas arbórea do genero Po*
diceps, semelhante ao pato, porem menor, muito vulgar nas
lagôas ou terras alagadas, e já referid a por M arcgravi. Os
nossos lexicons registràm-na como a femea do marreco.
M arreco — Pessoa, individuo; um sugeito de quem se fala
sem declinar o nome, mas em tom depreciativo. Moraes regis­
tra o termo como vulgar, com as expressões de sagaz, astuto.
“ Agarra esta cambada de marrecos, e levemos cada um ao seu
destino.” (O Vapor dos Traficantes n. 154 de 1859) “ Logo que
os taes marrecos se pilharam habilitados e com ficticio credito
nas feiras, começaram a dar no vinte.” (Idem , u. 97). “ Quan­
do o marreco sáe desses templos do zurrapa e da canninha,
sáe furioso e a detratar de tudo e de todos.” (Lanterna Ma­
gica n. 243 de 1883).
Marreta — Denominação popular dada ao Partido Republi­
cano de Pernambuco em fins de 1911;, quando fo i apeado do
poder com a victoria, graças á intervenção das forças do exer­
cito, do general Em ydio Dantas Barretto ao cargo de governar-
dor do Estado, imoposto pelo governo federal. O qu alificativo
veio, como correu, de um começo de pronunciamento de alhe-
são de um dos corpos policiaes áquella candidatura, abafado
em tempo, e que os situacionistas procuraram occulta-lo, dizen­
do que não houve vivas ao general Dantas Barreto, levantados
pelos soldados, e sim de vivas a Marreta, uma praça do bata­
lhão assim appellidada, vivada então pelos companheiros por
ser o dia do seu anniversario; e effectivam ente, occupando-se
do assumpto o Jornal-do R ecife sobre o facto, em 3 de N ovem ­
bro, conclue, que os soldados deram vivas, p or mera troça, a
seu com penheiro Marreta, originando-se dahi o boato que no
dia anterior trouxe em agitação a rua 15 de Novembro,- Seja
como fôr, pegaram na palavra, e dahi o qu alificativo, que f i ­
cou corrente, de férm a que, já no Carnaval de 1912, concur-
! entemente com allusão ao facto, apparecerapi estas quadri-
nhhas sob o titulo: Liga contra os Marreta, publicadas n’ A P r o ­
víncia: “ Juiz manhoso e bilontra que a causa concerta e agei-
ta e não dá sentença C on tra... é juiz, mas é marreta. Cidadão
todo mesuras, qué, por amor á chupeta, v iv e sempre em cur­
va tu ra s ... não se illudam é marreta. Viuva séria por fóra,
que não larga a capa preta e ás escondidas n am ora. . . essa
viuva é marreta1. Moça que perde seu tempo contemplando al­
gum cometa, ha de so ffrer c o n tra tem p o ... que é para «não ser
m arreta.”
Marruá — T ou ro bravio, valente. Com este nome fia uma
serra situada no m unicipio de Cabrobó. Segundo S ylvio Ro-
mero, é term o de origem africana, e corrente nas provincias
do norte, como escreve Beaurepaire Rohan. N o Piauhy, nomea­
damente, sabemos que é vulgar, e mesmo onde ha um porto
chamado dos Marruás, no rio Parnahyba, em territorio do mu­
nicipio das Barras, e não muito distante da sua séde.
M artello — Copinho de aguardente; copazio de vinho.
Tom ar um martello, um m aríellinho, o mesmo que dar uma
bicáda, tomar um trago, um codório. “ Eu bebo, porem jamais
se me tem visto cahir; entretanto que meu irm ão com qualquer
m artellinhc está espichado, e não dá accordo de si. ” (O V a ­
por dos Traficantes n. 168 de 1859). “ Ççnsura o nosso am igo
o sestro de mtas sociedades em só forn ecer bolinhos, p re fe ­
rindo elle um carname qualquer regado com um martpllo de
puro Alcobaça.” (A Pim enta n. 69 de 1920). Descante acom­
panhado a viola, seguido e extenso, sobre um m otivo dado, co­
mo uma narrativa ou descripção, ou mesmo um d iscorrer p oé­
tico sobre assumptos varios, como a recitação de versos co­
nhecidos ou im provisados no momento, mas encadeadamente
dispostos e obedecendo á toada iniciada. Ha m artellos que se
prolongam por esquecidas horas, vindo dahi o derivado Mar-
tellar. “ Senhor Carneiro se admira De ouvir o meu cantar,
Que diria se ouvisse Sabino p ’ra martellar, V irgin io na Es-
criptu ia E N ogueira para glo sa r?” (V e-so * de desafio.)
L arva dos mosquitos D ipteros depositada nas aguas estagnadas
ou em vasilhas, e que depois em erge metarmorphoseada em
alguns insectos, cujas picadas inoculam os germens de certas
moléstias de mau caracter, taes como o mosquito Stegonyi a-
lupus, a febre a p ia re lla ; o Arm ophelles, o impaludismo; e o
Culex, a philariose.
M arzápo — O penis, como na giria portugueza, da qual,
naturalmente, rios veio o termo, com a sjia p rópria accepção.
Mascar fumo — Mastigar o fumo em pelles tiradas do rôlo,
conservando-as assim na bocca por muito tempo, até exp elid ­
as completamente mastigadas. “ Homens ha, que parece não
podem v ive r sem o tabaco, cachimbando a qualquer hora, ou
mascando as suas folhas.” (A n to n il). Este nojento vicio já ra­
ramente se observa; mas no in terior, ente a gente das classes
in feriores, ainda é um tanto vulgar. Vem dos indios, não em
geral, e dahi, como escreve Bluteau, darem os portuguezes o
nome de cabra e alguns, porque os acharam ruminando, como
cabra, a erva betai que quasi sempre traziam na boca. Estes
indios segundo Theodoro Sampaio, eram os Petiguaras, assim
denominados porque tinham por habito mascar o fumo. ' ‘ Au­
tores ha, conclüe o re fe rid o escriptor, que escreveram P oti-
guaras que vale dizer comedores de cam arões; mas Duarte
Coelho, donatario prim eiro de Pernambuco escreveu Pitingua-
ras e Antonio Knivet, que viu esse gentio, descreve-o como ten­
do o habito inveterado de trazer uma folh a de fumo entre o
labio e os dentes donde descia a baba pelo furo do beiço,
e dahi o nome Petyguára que quer d izer mascadores de fumo.
Petin ou pety é o fumo ou tabaco.”

Mascate — M ercador ambulante, que percorre as cidades,


povoados, estradas e lugares do in terior, a vender fazendas,
miudezas, joias e outros objectos. “ O mascate percorre os de­
sertos do sertão, tendo a certeza de que não será despçjádo
aos seus haveres.” (A rth u r ^Orlando). Entre nós, origin aria­
mente, a dicção designava o portugue^ reinol, que chegando
sem recursos, sahia á vender fazendas e m ercadorias diversas
pelas ruas da cidade e pelo in terior, em taboleiros ou canastras,
vindo dahi, não raro, chamarem-no tambem de canastreiro; e
os hollandezes encontrando esse costume na colonia, imitaram-
no tambem, como se' vê de um chronista da epocha tratando
de um mascate flam engo vendedor de fazendas. Posteriorjnen-
te, porem, a industria avultou, e de tal modo, que o go v er­
nador publicou um Bando datado de 26 de Maio de 1685, pro-
hibindo mascatear em 'Pernambuco, sob pena de degredo para
Angola, e perda da fazenda, afim de não só garantir ao com-
m ercio, como tambem tornar m ais' efficaz a cobrança dos im ­
postos, a que se furtava. Esta ordem, porem, fo i se relaxando,
de sorte que, pouco depois, dizia G regorio de Mattos cià sua
satyra, Verdades, que somente “ N o R ecife ha m il mascates.”
Um seculo depois era tão avultado o seu numero, e tão gran­
des os prejuizos causados ao com m ercio, que em virtude de
representação sua dirigida ao governador fo i um Bando
expedido em 6 de Novem bro de 1784 prohibido o com mercio
feito por mascates e marinheiros nas ruas do R ecife, sob pe­
sadas penas, exceptuando apenas de tal prohibição “ as «negras
que publicamente vendessem pano branco botões, linha, agu­
lhas, alfinetes, dedáes, tesouras, fitas de lã e linho e pontes,
comtanto que estes objectos fossem fabricados no reino e seus
dom inios.” De um mascate que chegara até Goyanna, onde
fixou dom icilio, e que na localidade era elle sem riv a l no o ffi-
cio, vendendo, apregoando “ Quanta chita espantada viu Goyan­
na, Quanta cassa, filó, ou seda verde A gente de bom gosto
alli trajava” , faz assim particular mensão o poeta 3’A Festa
de Baldo. O qu alificativo de mascate extendeu-se, concurren-
temente, aos portuguezes em geral, como uma designação de­
preciativa, e dahi a denominação histórica de Guerra dos Mas­
cates dada ao m ovimento emacipacionista que irrom peu em
1710, em allusão á tenaz opposição que fizeram elles a essa
muito justa e legitim a aspiração dos pernambucanos. Mascate
é um vocábulo asiatico, nome de uma cidade da A rrb ia situa­
da n o golfo de Oman, e naturalmente tomado, para designar
o vendedor ambulante, entre nós, de alguns mouros daquella
proCedencia, que appareceram na colonia vendendo as suas
mercadorias pelas ruas dos povoados. Effectivãm ente, já nos
prim eiros annos do seculo X V II, como escreve o autor dos D iá­
logos das grandezas do Brasil, ccncorriam á colonia, de todas
as partes, principalm ente das índias, “ diversas condições de
gentes a com m erciar com os naturaes da terra, acompanhando
as suas fazendas que vinham daquellas remotas procedências
conduzidas pelas náos de com m ercio” , com provando-se assim
a procedência de arabes de Mascate entre nós, pelo menos, já
no alvorecer daquelle seculo. Andava então em cento e cinco-
enta o numero de náos de commercio, muitas della3 de grandís­
simo porte, que annualmente vinham a Pernambuco carregadas
de mercadorias das índias e da Europa, e que de retorno iam
pejadas de assucar, pau-brasil e outros generos coloniaes. Com
«o nome de Mascate ha um antigo engenho situado no m unicí­
pio do R io Formoso, e em 1870 teve a denominação de Rua
dos Mascates a das Miudinhas, no b airro de S. F re i Ped ro
Gonçalves, imposto pela municipalidade, para commemorar a
Guerra dos Mascates em Pernambuco, rua esta que desappare-
ceu com a reconstituição do R ecife novo, em obediencia ao
plano das obras do Melhoramento do Porto. Radicado o termo,

496
é até mesmo officialm ente para a cobrança do Imposto de
Mascatear, veio concurrentemente o verbo mascatear de
expressão obvia. “ Não precisamos que venham ao nos­
so paiz milhares de estrangeiros para mascatear.” (O
Brado do Povo n. 5 de 1854). “ O italiano, esse eterno andari­
lho, que mascateia do norte ao sul do Brasil.” (Lanterna IVJa-
gica n. 25 de 1882).
Masmarro — Moraes registra este termo como chulo, com
a expressão de fràde le ig o ; Aulete igualmente, accrescentando,
como syncoimos, marmanjo, velhaco: e Alberto Bessa, como
popular, jesuita, padre. “ Furioso, iracundo o tal masmarro,
Acata favorece aos facciosos.” (A Carranca n. 27 de 1845).
“ F rei Masmarro subiu á torre, fo i dobrar o skio, bão-ba-la-bão.”
(P arlen da popular).
Massa — Fino, elegante, m agnifico. Chique, massa, que na
peneira não passa. (D ictado popular). Mandioca am ollecida
n’agua, depois de alguns dias de infusão, expremida e penei­
rada, e que depois de secca ao sol serve para se fazer bolos,
mingáo e carimães. Mandioca ralada, e que depois de expremida,
tirada a manipueira e peneirada, vai ao forno para a torrefação
a fogo lento, preparando-se assim a farinha de mandioca, o pão
cios brasileiros. A parte grossa, porem, que não passou pelas
malhas da peneira, e mesmo assim é aproveitada para o fafbri-
co de uma farinha de in fe rio r qualidade, chama-se crueira. A
macacheira preparada do mesmo modo, para bolos, pudins e
filhós.
Massangana — Aguardente de canna. “ Deve-lhe. mandar de
presente um queijinho bom, uma gallúnha, e algumas garra­
fas de champagne de Massangana.” (O Etna n. 27 de 1882). “ F a ­
lar-se de festa no Cajueiro vem logicamente a idéa de uma r e ­
feição de cajú com a sua inseparável massangana.” (O Bi-
noculo n. 40 de 1882). “ P referidos os generosos vinhos e o
champagne, onde o patriotism o da laranjinhha e da bôa Mas­
sangana?” (O Tam oyo n. 6 de 1896). O term o vêm de um en­
genho de igual denominação, situado no município do Cabo,
cnde é fabricada a aguardente assim chamada, termo e»te de
origem africana, e naturalmente, por uma ignorada circums-
tancia, o riginario dt. Massangano, um antigo presidio e hoje
conselho, em S. Paulo de Loanda, possessão portugueza, de onde
concurrentemente com outras localidades da costa africana
vinham escravos de contrabando no tempo do trafico. Com o
nome de Massangano ha um povoado á margem esquerda do S.
Francisco e pertencente ao município de Petrolina, e um riacho
no do Cabo.
Massapé — T erra fresca, humida e branda pela sua consti
tuição de mistura com argila preta e humos, em lugares pla­
nos e baixos, e de grande fertilidade para todo genero de cul­
tura. “ A terra preferida para a plantação da canna é o massa­
pé.” (Arth ur O rlando). A rgilla preta, am ollecida e pegajosa:
Earro massapé. “ Experim entei a plantação do trigo em terras
de varzeas de massapés, fertilisim as, aonde vicejam muito.”
(D iálogos das grandezas do B ra sil). “ O massapé cinzento das
varzeas, fende-se, laçca-se ao calor.” (Gustavo B arroso). “ V a r­
zeas de massapé im perm eável, de rara vegetação ou despida
delias.” (Irin ê o J o ffily ).
M ata-borrão — Papel encorpado, e preparado de modo á
absorver, seccar a tinta da escripta. O term o é antigo, e Moraes
o registra, mas na accepção de papel de filtrar, com claramen-
mente se vê da sua combinação com o vocábulo .passento, e
mesmo porque,, no seu tempo entrfe nós, ccide v ivia elle, o que
se empregava para seccar a tinta da escripta era uma areia
muito fina, preta, originaria da ilha de Fernando de N o ro ­
nha, ou branca, do continente, e a que se costumava dar
colorações d iversa s; e como em tudo neste mundo entra o
luxo, havia tambem uma areia dourada. Vem dahi o nome de
areeiro dado a um pequeno vaso de metal, v id ro ou louça,
com pequenos o rifício s na parte superior, contendo areia
para deitar na escripta, e que ao lado do tinteiro, figurava
nas escrivaninhas. “ O João P ob re já tinha na mão 0 tin ­
teiro empunhado, e o Aguiar o a ree iro ” . CO Cometa n. 31 de
1845). O areeiro porem, tinha antigamente o nome de p oei­
ra, por conter a areia de secar a escripta, chamada poeira.
“ O panno da meza grande dos despachos será de seda, e o
tinteiro, poeira e campainha serão de prata.” (R egim ento da
Relação do Brasil dado em 7 de Março de 1609). O vocábu­
lo mata-borrão era tambem, entre nós, empregado çm um
outro sentido, que não o encontramos claramente defenido,
mas que nãos é de d iffic il penetração. “ Não contendo com que
podeálem pagar as maroteiras que um tal Caninana pratica­
ra no tempo das eleições, fizeram com que esse adido ao des­
tacamento da villa, não fazendo serviço algum, a não ser
mata-borrão particular d’algum daquelles heróes.” (O Cla­
mor Publico n . '66 de 1845). O uso do papel mata-borrão, en­
tre nós. destinado á seccar a tinta da escripta, ficando as-

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sim abolido o antiquado areeiro, é moderno, porquanto vem
dos annos de 1860, e de manufactura franceza. “ Ai daquel-
le jque ousar falar (d o D iario de Pernam buco), dessa grande
folha de papel mata borrão.” (O Alabama n. 7 de 1863).
Mata-cachorro — Soldado de policia. “ No meio do péga
quando o rolo estava que só fedia a defunto, uiíi diabo de um
mata-cachorro deu-me tamanho ponta-pé que eu v i candei­
as de sebo.” ( A Pimenta n. 487 de 1906). “ Com um caceie
rebentei tudo quanto tinha na venda, e antes que os mata-
cachorro viessem sahi pelo fundo da mesma.” (Idem n. 557
de 1907). “ Como o batalhão encarregado do fuzilamento em
massa dos pobres bichos (os cães) fosse o de polícia, akida
hoje pelos Estados, especialmente do Norte, os soldados de
policia são appellidados mata-cachorros.” (Fon -fon . R io de
Janeiro, n. 22 d " r‘lÔ). *
Mata-fome — Especie de bolo, ordinário, pequeno, em
fórma de disco. Alguns vegetaes da fam ilia das Sapindaceas,
“ A Caipora protesta de hoje por diante dar-lhe repetidas
fricções de mata-fome.” (A Caipora n. 2 de 1852).
Matagal — Floresta ou matta cerrada, extensa. “ Geme
da briza o açoite no espesso matagal.” (Lanterna Magica n.
105 de 1884).
Mata-mata — M orticínio praticado pelo povo ou tropa em
revolta ou motim. “ Resolveu-se uma revolução, mata-mata,
saque e separação do N orte.” (O Çometa n . 31 de 1845).
Estavam as cousas assim dispostas para o mata-mata.”
(O Liberal Afogadense n. 4 de 1845). Este termo appareceu
nos tempos da Independencia, de accentuado exaltamento
p olitico contra os portuguezes que se oppunham a essa le g i­
tima e patriótica aspiração nacional, e dahi as tristes e la ­
mentáveis scenas que então se praticavam, não somente entre
nós, como mesmo, geralmente, em todo o paiz. A Phrase ma­
ta-mata marinheiro, ou simplesmente mata-marinheiro, era
então, como que um mote de guerra na bocca dos exaltados,
até que serenaram os animos e veio o restabelecimento da
ordem. Tratando um chronista da occupação do R ecife pelas
tropas imperiaes em 1842, e debellada assim a proclamada
Coníederação do Equador, escreve: “ Começaram a appare-
cer nas ruas homens tão abatidos, desfigurados, magros, côr
de enxofre, que pareciam terem resuscitados, como Lazàro, e es­
capado agora da sepultura. Vinham a sêr os portuguezes, cai­
xeiros, e negociantes alguns, que permaneciam ha dous mezes
em subterrâneos para escaparem ao ferro dos soldados da
ffiilTlCI FtfUCI CSTIMAi |
l>C«B. C * S T « L â , * j
■ ■‘" “ terra quando sabiam ao mata-m arinheiro.” “ Este diz que fica
herdeiro dos m arinheiros depois do mata-mat,a.” (O Clamor
Publico n. 16 de 1845). O term o teve tambem curso no vi-
sinho Estado das Alagoas: “ 'Por occasião do mata m arinhei­
ro das guerras da Independencia, muitos portuguezes, perse­
guidos, se refugiaram no Riacho do M eio” . (A lfre d o Bran­
dão.)
Matame — Recortes angulosos na extrem idade de fo ­
lhos, camisas de mulher, toalhas, lenços, lençoes e outras
roupas brancas.(Baurepairè R oh an ). Ornato ou enfeite de
saia ou vestido, feito de bicos da mesma ou1de outro fazenda.
(M acedo Soares). “ Ora de bambinellas, ora de matames e
refegos.” (O Carapuceirò n. 74 de 1842). “ Substituiam ao
ló, ou véo, em certas idades, pelo lençol de cacundê, de ma­
tames te' de rendas.” (João B rig id o ).
Mata-mosquitos —* Guarda da Inspectoria de H igiene in­
cumbido das visitas dom iciliarias e outros serviços de ca­
racter sanitario. “ Esteve nesta redacção um senhor residen­
te á rua Real da T orre, que veio se queixar contra os taes
mata-mosquitos.” (Pernam buco . n. 14 de 1914). “ Ao encalço
do menino sahiram uns dez mata-mosquitos dispostos a agar-
ral-o.” (O Estado de Pernambuco n. 50 de 1914).
Matança — O lugar, o o interior, onde se faz o abatimen­
to do gado destinado, ao consumo publico, para cujo serviço
ha um grande- telheiro que fica junto ao -proprio curral dos
bois. Aqui mesmo no R ecife, antes da construcção do mata­
douro da Cabanga, inaugurado em 1855, tinha o moiíie de Ma­
tança dos Coelhos, e posteriorm'ente, com a transferencia do
serviço, Matança das Cinco Pontas, as casas situadas em taes
localidades, onde se fazia o abatimento do gado, juntas tam­
bem aos respectivos curraes que recolhiam as boiadas v in ­
das do interior.
Matão — E xcêntrico, extravagante, exquisito. “ Um ma-
tão, sentado á banca, Em acção de pensár, roendo as unhas.”
(J. R. Pim entel e M aia). “ Oh matão até você, Que dantes
era tão dado, Poz-se agora embesierrado?” (D e uns versos
políticos de 1834).
Matar — Term o dà giria dos pescadores para exprim ir
a bôa ou má pescaria do d ia: Não matei nada; Grajças a Deus,
matei hoje alguma cousa. “ Vai um soldado á jangada E não
compra um só p e ix in h o ; Se um lhe torce o fc ^inho, Outro
d iz: não matei nada.” (Thom é de B arros).

500
Matetê — Caldo gordo, muito adubado e engrossado com
farinha sessada.
Matombo ou Matumbo — Pequeno montículo de terra,
circular ou oblongo, isoladamente dispostos em um campo
plano, e guardando um pequeno espaço entre uns e outros, e
sobre os quaes se faz a plantação da mandioca, macacheira e
batata. E* o mesmo que cóva “ Imirfenso campo coberto de
mandioca plantada em motumbos, montículos de fórm a circu­
lar, afim de evitar que a agua alcance a raiz Aa planta. (H .
K oster). “ Dos troços do páo, cuja raiz é a mándioca, de que
se faz farinha, delle plantados nos motombos, ou covas onde
se dispõe estaquinhas da maniva se reproduz a mandioca,
grelando junto dos nós da mesma m aniva.” (M oraes). “ Mon­
dam-se as roças, varrem-se os aceiros, E dispõe-se a maniva
nos matombos.” (A . J. de M ello ). Com o nome de Matumbo
ha um logarejo situado a pequfena distancia da povoação de
Beberibe.
Matráca — Falador, contador de historias, loroteiro. “ Se­
gundo disse um matraca,- Quando elle entrava em casa, Dous
sugeitos o agarraram, Querendo tirar-lhe um’aza.” (O Etna
n. 10 de 1882). D erivado: M atracar ou matraquear. “ Está-se
constantemente mantracando-nos, que vivemos, nós, povo, em
um paraizo de delicias nesta afamada actualidade.” (O Povo
n. 7 de 1855). “ Conhecemos, que matraqueamos com as nos­
sas verdades sinceras, servimos de peso a alguem.” (Idem ,
n. 87 de 1856).
Matrinxam — Especie de peixe registrada por Jeronymo
V ilella.
Matta — A prim eira zona divisória do territorio do Estado,
linytada por uma cordilheira de montanhas de segunda o r­
dem qi(e corre paralellamente ao littoral pela parte de ôeste
guardando um distancia que varia de uns 120 a 150 kilom etros,
é particularmente pelas suas correntes pereiwles, florestas,
por assim dizer, uma perpetua prim avera, pois que, nem
mesmo no mais rigoroso verãp..ou inverno despem as arvores
a sua folhagem nem as ervas as suas flores, e de um clima
quente e humido. Matta v ir e e m ; ainda não penetrada, explo­
rada e desbravada pelo h o m em ; com o nortie de Matta V ir ­
gem ha um povoado no município de Bom Jardim e uma ser­
ra na parochia de Surubim. Matta fechada: basta, cerrada,
im penetrável, cnde o sol não penetra. Bocca da Matta a sua
entrada aberta para a sua penetração e exploração, ou para
um caminho de travessia: tem a denominação de Bocca da
Matta alguns velhos epgenhos de assucar situados nos mu­
n icípios de Serihãem, Barreiros, V ictoria e Rio F o r­
moso. Não daquella matta que sae coelho; diz-se de um in di­
viduo imprestável, de que nada é dado esperar.
Matto — O campo, situações um pouco afastadas da ci­
dade. “ Pelo nosso matto, Qu’ estava então mui tatamba, Não
se sabia outra cousa Senão a dança do samba.” (O C.arapu-
ceiro, 1842). “ Com poucos mezes de residencia no matto,
readquiri a minha sau’de. (Reaurepaire Roharí). “ O matto
que outr’ora seguia as pisadas da praça, e im itava tudo quan­
to nós aqui faziamos, já não está assim, e a alguns respeitos
dá-nos hoje excellentes lições.” (O Guarda Nacional n. 129
de 1844). “ Ao som. triste do pinho que chora, vão cantando mo­
dinhas do matto.” (Jornal do R ecife n. 66 de 191ó). Campo in ­
culto, coberto de vegeta çã o ; brenha. “ V á dizer ao senhor do
engenho Que o cercado está no chão. Vá logo ao matto T ire
um cento de cipó Nem que seja m ororó P rá fazer a am arra­
ção.” (T rova s populares). Bater o matto, entrar, examinar
percorrer, com um fim q u a lq u er; Bicho do matto, inaccessi-
vel, desconfiado, grosseirão; Botar-se ao matto; sahir para
procurar, descobrir alguma cousa, fazer indagações pesquizas,
& concurrentemente, Botar os cachorrinhos no m atto; Ir ao
matto, defecar; Ganhar o matto ou metter a cabeça no matto,
fugir desapparecer, occultar-se. “ O tubarão desappareceu.
metteu a cabeça no matto, livrando-se assim do castigo.
( A Pimenta n. 71 de 1902). Gato do matto; o m aracajá; L im ­
par o m atto; roçar, m andar; Matto fechado ou matto v ir ­
gem, cerrado, espesso, inacessível. Adagio e dictado: Conte
commigo, e durma a o m a tto ; Deus ó grande e o matto inda
m aior; Eu fui ao matto, cortei meu cipó, torci bem torcido,
calado é m ilhó; M orar no matto, ou rico de milhão, ou p o ­
bre de surrão; Mas vale magro n o matto que gordo na bocca
do gato: Matto tem olhos, paredes tem ouvidos; P ’ra cachor­
rinho novo, entra bém no matto. O que é, que, que em casá
está calado, e cio matto está falando? (Advinhacão do ma­
chado) .
Mattuto — Habitante do campo, do matto, do interior,
até a zona da matta; calado, retrahido, desconfiado, inac-
cessivel. “ Pobres matutos, que deixam suas roças, seus feijões,
e que subjugados pela força vão pára terras extranhas.” fO
Guarda Nacional n. 4 de 1842)). “ Sou matuto, e como não
posso sempre ir a Praça, tenho poucas noticias do R ecife e
da politica.” (Idem , n. 100 de 1844). “ Agora sem saber como
casei-me, Sou genro de mattuto apatacado.” (A Lanceta n. 19
de 1890). Em 1822 tivemos uma junta de governo provisorio, que
fo i alcunhada pela chalaça contemporânea de Governo dos
mattutos, por sçr composta de homens habitantes do interior.
Dictados populares: Mattuto na praça é força de negocio. Mat­
tuto só tem de gente os olhos. Mattuto. chapéo de couro, salta
p’ra ciipa, dá um estouro. D erivado Mattutice, amatlutado appa-
r^ncia. modos, acção de mattuto.
Matulão — Farnel, alforge, mantimento, preparativos de
viagens. Arrum ar <r matulão; preparar a mala, o surrão, a trou­
xa, o bahu’ . Rohan registra Matulão como termo das p rovín ­
cias do Norte, dadg a uma espeçiç de surrão ou alforge d e
couro, em que os sertanejos conduzem ás costas a roupa e u-
tencilios de viagem, escrevendo quanto á sua etym ologia: “ O
vocábulo portuguez Malotão significa mala grande, em que se
mette a roupa ou a cama para ser* transportada nas jornadas.
Malotão e Matolão in volvem a mesma idéa. Parece-m e eviden ­
te que o vocábulo b razileiro não é senão o resultado de uma
mettatbese.
Matungo — Instrumento musico africano, constante de
uma cuia com ponteiros de ferro harmonicamente dispostos,
que tocados, mais ou menos produzem os sons corresponden­
tes da gamma.
Maturaquê — P eix e de agua doce (sinodus palustris, Sch.).
Matury — A castanha ou fructo do cajueiro (An acardim )
ainda verde, muito volümsosa e tenra, assim aproveitada
para guizados, fritadas e confeitos. “ A fritada do matury,
quer dizer da castanha verde em seu estado rudimentar, riva-
lisa com a do camarão.” (A rth u r O rlando). Matury, segundo
Beaurepaire Rohan, é* provavelm ente, um vocábulo de origem
tupi.
Matutáge __ P o r matalotagem, provisão de mantimentos
para viagem.
Matutagem — Os testículos. “ Uma das cousas, com que
em birro é com a matutagem do D oria.” (A Pimenta n. 63 de
1902).
Maxambomba — Nome chulo dado aos trens da Compá-
nhia dos trilhos urbanos do R ecife a Apipucos e Varzea,
quando começaram a trafegar, e extensivo depois aos Olinda
e B e b e rib e ; Maxambomba de Apipucos; Maxambomba ' de
Olinda. Apparecendo a maxambomba, O Cláudio vendeu os seus

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omnibus, e metteu-se no. negocio de p olvora.” (O Diabo a qua­
tro n. 65 de 1876). Com o trafego da maxambomba de Apipu-
cos, inaugurado em 5 de Janeiro de 1867 até ao povoado do
Caldeiro, expandiu-se a musa popular, e dahi, entre outros,
estes versos, em musicas próprias, ainda hoje em vóga; “ Moçá
nenhuma Me faça tromba, Qu’ eu as embarco Na maxambom-
b a . . . T rep ei na bomba, omi pitomba. Sacudi os caroços na
maxambomba.” Este vocábulo é de origem flminensfe, em cujo
estado ha uma localidade assim chamada, e onde mesmo teve
representação uma scena comica sob o titulo A Maxambomba,
do conhecido poeta F. de Paula Brito fallecid o em 1861.
M axixe — Especie de rosa cultivada, e já registrada por
Jeronym o "Vilella. Dança lasciva; casa de bailes públicos
onde é exhibida, e frequentada por mulheres de vida fa c il e
homens sem escrupulos. O m axixe brazileiro, “ E ’ uma dança
levada, Toda cheia de cahidos Em que a mulata é damnada
E o homem é todo m exidos! Em que tudo m exe De cá para
lá E quem mais rem exe Mais no goto d á ... Que não só se
mexe com as pernas Mas mexe com tudo m ais!” (A Pim enta
n. 20 de 1901). “ Num m axixe requebrado a mulata vale tudo.”
(O G rillo n. 3 de 1901). “ O R ecife é por excellencia a cidade*
dos maxixes, que p o llu la m ,cada vez mais nas principaes ruas
da nossa capital.” (Pernambuco, 1912). D erivados; M asixar,
m axixeiro. “ M axixei até cinco horas da manhã.” (A Pim en­
ta n. 381 de 1905). “ A Philadelphia está uma m axixeira dei
prim o cartello.” (Idem , n. 594 de 1907). A dança é originaria do
R io de Janeiro, e assim, tratando A raripe Junior dos
mulatos do tempo de G regorio de Mattos, diz que
eram lúbricos, “ violeiros .de força e apaixqnados do
que hoje (1894) na geringonça fluminense chava-se ma­
xixes.”
Mazi — A rvore que produz bôa mad.eira de applicação di­
versas.
Mazombo — F ilh o de europeos nascidos na colonia (M arc-
gra v i), e depois em geral, extensivo ao homem branco. “ Os
descendentes dos prim eiros colonisadores começaram a desig­
nar com a expressão africana de mazombo aos filhos dos che­
gados da Europa, reservando o termo portuguez creoulo, para
os filhos dos africanos nascidos no Brasil.” (V arn h agen ). As­
sim, a dicção, talvez se remonte a meiados do seculo X V I, á
chegada dos prim eiros africanos como in icio do trafico e
da sua escravidão, afigurando-se-nos, que assim por mazom-

504
bos chamassem elles aos brancos, o que por fim se genera-
lisou, radicando-se mesmo, como succedeu com tantas, cou­
sas. que designadas por elles com os nomes tia sua própria
lingua assim ficaram se chamando, como se sabe. A mais an.
tiga mensão do vocábulo, que encontramos, vem dos p rim ei­
ros annos do seculo X V II, chamando-se já então, Carreira
dos Mazombos a uma localidade situada nas immediações de
Olinda, tão falada nas nossas chronlcas guerreiras contra c
batavo invasor, e ainda no periodo da guerra dos Mascates,
qtíe irrompeu em 1710. Falando G regorio de Mattos dos colo­
nos do seu tempo, entre nós, que viviam fidalgamente, com
fausto e grandeza, despendendo assim avultadas quantias,
conclue em uma das suas satyras: Que este mal ha nos ma­
zombos; e referin do um chronista da guerra dos Mascates o
fallecim ento do capitão mór João do Rego Barros, um illus-
tre e opulento fidalgo pernambucano, e teCendo o seu elogio,
Chama-o: um mazombo insigne, fie l e valoroso. Com o correr
dos tempos, porem, fo i o termo rareando, e por fim tido
mesmo como injurioso O nosso lexicographo Moraes que v i­
veu e morreu em Pernambuco, consignando-o no seu D iccio-
nario como dado ao filh o do Brasil, nascido de gente européa,
assim o diz. Em fim desappareceu o termo por completo, f i­
cando apenas historicamente cc*nhecido, como desappareceu
igualmente a denominação de Çarreira dos Mazombos, com
que originariam ente se chamava ao Salgadinho. N o tempo da
sua vóga teve o termo tambem curso em Portugal, pelo m e­
nos, positivamente, em meiados do seculo X V III, como assim
se vê do Palito m étrico: Ipseque mazombus saibat, negrus-
que boçalis.
Medalhão — Individuo nullo, ignorante, nescio, de ne­
nhum valor e p re s tig io ; insensato mesmo, um verdadeiro il-
lustre desconhecido, na phrase da troça p op u la r; mas am­
bicioso, pCesumidó, pretencioso e vaidoso, e guindado ás
mais elevadas posições pelo proteccionism o, a filhadagem oy
patronato, muito embora manifeste a sua incompetência no
menor aspecto do cargo com que fo i presenteado, e não pas­
se de representar o triste papel de figura decorativa. “ (Póde
ser m inistro qualquer medalhão, ainda mesmo não tendo
grandes provisões de conhecimentos para o manejo dos he-
gocios.” (O Diabo a quatro n. 26 de 1876). “ D eixarei de p ar­
te os medalhões; esses senhores são demasiadamente rid í­
culos, para que se possa com alguns traços de peim a estam­

505
par-lhes as caricaturas.” (A m erica Illustrada ai. 25 de 1880).
•‘ Pernambuco precisa de regenerar se. Basta de medalhões,
que só têm contribuído para o seu descredito e para a sua
humilhação.” (Lanterna Magica a. 103 de 1884).
Medéa — N o v id a d e ; a pratica ou introducção de certas
cousas desconhecidas; artimanha, astúcia, dolo. Deixe-se de
medéas; Não venha com médeas p ’ra minha banda.
Me deixes — Graças, encantos, feitiços, dengos reque­
bros, modos . affectados, exagerados; esquivanças fin g i­
das, desdens affectuosos. “ Que denguice que ella tem ! Como
é desdenhosa e cheia de m e-deixes!” (O Carapuceiro <n. 23
de 1839). “ O ainorzinho brasileiro, com seus quindins, seus
me-deixes, enfeitiça o mundo in teiro.” (A Marmota Pernam ­
bucana n. 8 de 1850). “ Toda cheia de decigues e me-deixes,
a filha do Brasil morena e quente E ! o mais gentil dos fe-
minicios peixes.” (C arn eiro V ile lla ).
Medida —■ Fita de tecidos diversos, e de largura e côres
variadas, que se vendem nas festas religiosas, prkicipalm en-
te de arraial, e que depois de bentas, isto é, passando-se
uma duas ou tres vezes em volta da imagem do Santo trazem-
nas os devotos ao pescoço na crença dos seus milagrosos
prodígios. Como em tudo porem, entra o luxo, ha medidas
de bôa seda, largas e franjadas de ouro, e em que se vê,
em grotesca pintura, a imagem do Santo festejado, custan­
do assim bom preço. As medidas do thaumaturgo Santo Am a­
ro, por exemplo, gosam de grande nomeada. “ Uma phalan-
ge de doceiras, outra de fiteiras, que vendem o instrumen­
to dos milagres, a medida, annunciam estrepitosamente e
cccistantemente o pão do corpo e o pão do espirito: o b o li­
nho e a cren ça. . . Quem tem sua namorada compra uma e ou­
tra cousa.” (A Festa de Santo Amaro. O Diabo a quatro n
32 de 1876).
Me fecit — João Ribeiro, que estudou a origem e sign ifi­
cação desta locução latina muito vulgar entre nós, escreve,
qúe, sempre se diz do lugar para onde alguem se escapa com
pressa e prazer: Bahia me fecit. E ’ um desabafo do fu giti­
vo, diz elle, e fo i sem duvida tomado de um texto b iblico:
“ Exce elcíigavi fugiens et mansi in solicitudine: hic expec-
tabo cum qui salvum me fec it.” Cita depois outra form ula
tomáda d’A Euphrosina de Jorge Ferreira, (seculo X V I), que
começa: “ Com Marcus me fecit,” que sem duvida deu o ri­
gem á locução; e descendo depois a outras considerações

506
exempflificadamente comprovadas com trechos clwssifcos,
não esquece mesmo, que o sentido da expressão me fecit ex­
prim ia tambem a ultima demão, a assignatura de qualquer
obra de arte.
M egéra — Velha mundana, asquerosa, repellente, v il e de­
pravada, e entregue ás mais torpes especulalações. “ A N yla
trocou o lar fam iliar pelo amtro pestilento de uma megera.**
(A Pim enta n. 565 de 1907). O termo nos veio de Portugal,
onde era corrente em meiados do seculo X V III, pelo menos
na troça da universidade de Coimbra, como se vê desta pas­
sagem do Palito m étrico: “ Ejus & in trípis berrat furiosa
m egera.” E ’ porem de origem m ythologica, nome de uma das
tres Furias do Tartaro.
M ei’agua — Casa pequena, de uma só agua, correndo as­
sim as aguas pluviaes somente para um lado, segundo o de­
clive da coberta, ao contrario da casa de cumiera, de duas
aguas, que correm para dous lados. “ A E lvira deu um salto
mortal. Pulou de uma mePagua para um segundo andar.” (A
Pimenta n. 03 de 1907). ‘‘ A sangueira cobria o chão desde o
chiquein- até a meia-agua de palha.” (F ra n k lin T a v o ra ).
Meia cara — Nome que se dava ao escravo africano im ­
portado por contrabando, que, originariam ente livre, e a le i­
vosamente apanhado em suas terras e reduzido á escravidão,
extensiva depois aos seus proprios descendentes, perpetua­
mente, não custava dinheiro, vinha de graça, de meia cara,
e dahi o qualificativo. Sobre a mercadoria só pesava a despe-
za de transporte no navio negreiro.
Meia-cartola — Cartola de meia altura.
Meia coronha — Cousa pequena, insigniifcante, ridicula,
sem importância alguma. “ Dantes este meco era um armaze-
nario de meia coronha, hoje é outro cantar! Tem muita er­
v a ” ! (O Vapor dos Traficantes n. 219 de 1860). Ceroulas d©
meia coronha; curtas, ditas assim, ou de meia corôna. “ D o­
minavam as camisas de algodão encardido, as ceroulas de
meia carona, e os chapéos de palha dos moradores e escravos.”
(A lfre d o de C arvalh o).
Meia-jóta — O mesmo que meia-cara. Este relogio tive-o
de meia-jóta.
Meia lingua — Linguagem inculta, defeituosa, confusa,
atravessada, como fala a gente ignara e o estrangeiro pouco
versado no idiom a do paiz. “ Preto só tem meia lingua. Nho-

507
moço não ha de entender meia lingua de preto.” (R od rigo
Octavio, O G ongo-velho).
Meia missa — Metade de uma cousa qualquer; Não saber
da missa a metade. “ Não chega a meia missa; anda tudo numa
quebradeira tal, que não ha de louça um prato.” (O A r ti­
lheiro n. 57 de 1843). Precisas dar p ’ra s o b ra s ... Não des­
te p’ra meia missa.” (A Lanceta n. 14 de 1890).
Meião — O segundo sino, o do meio, dos tres dos campa-
narios das egrejas. “ Metto os badalos do meião porque o do
grande está preso ao relogio da torre.” (O Sachristão, 1903).
Meia cortina — Festividade religiosa sem o apparato li*
turgico, das festas duplex, solemnes, e modestamente ceie»
brada, com peqhena orchrestra. “ Festa de meia cortina»
Tres vozes, dous violinos, flauta, clarinetto, piston, trombone
dous baixos, contra-baixo e tim boles.” (R evistas das Arte»,
3.* semana, 1885), Term o de sachristia e de músicos, ex*
tensivamenfe chama-se tambem assim ás festas de outras na*
turezas, e fam iliares mesmo, intima e modestamente celebra*
das. “ Depois de um chá de meia cortina, separamo-nos, ou an*
les separei-me.” (B asilio Quaresma Torreão, 1824).
Meia sola — Mais uma metade do solado do ca çado para
reforçar, ou posta para substituir a sola estragada pelo uso.
“ Nas tendas de sapateiros as meias-solas não tinham mãos á
m edir.” (A Rua n. 1 de 1901).
M eio copeiro — Antigo engenho de assucar, m ovido a
agua. (V . C op eiro).
Midirinho — P equ eíio insecto (A rach n eidos), lanibiem
conhecido por papa-moscas, pela caça que lhes dá.
Mel ou melado — Conhecido pi oducto dos nossos engenhos,
origin ário da canna de assucar, consta de duas especies. o mel
de englenho, de prim eira qualidade, e o mel de furo, de segun­
da, que exportado para Portugal, tem lá o nome particular
de melaço. Moraes, que fo i agricultor entre nós, e senhor do
Engenho N ovo da Muribeca, precisamente descreve as duas
especies. M el de c o ru ja ; mel de pau de caroço, engodo, pa­
tranha. D erivado; M eleiro; o vendedor ambula<nte de m e l; ca­
vallo de conducção de m el: Quartáo meleiro. Dictados; P e r­
der mel e c a b a ço ; Passar mel pelos b e iç o s ; Quem nunca co­
meu mel quando como se lambuza; Quem se faz de mel as
abelhas o lam bem ; P o r dez réis de mel coado: por infim o
preço. “ Eu já andava com o coração na mão, doido para

508
vendel-o por dez réis de mel coado.” (Jornal Pequeno n. 35
de 1916).
Méla — Massada, esfrega, estopada, Tom ar uma méla.
Meládo — Enganado, ludibriado, logrado. “ Os padres to­
maram bem bôas pingas e as almas piedosas ficaram mela­
das.” (A m erica Illustrada n. 1 de 1881). Tonto, em briagado” .
“ Coitado! viVe sempre m elado; bebe como gente v iv a ” . (O
Vapor da C alifórnia n. 11 de 1849). Cavallo baio, de còr ama-
rellada, com as especies melado branco e agemmado. “ Ven­
de-se um cavallo melado, muito bom carregador.” D iário de
Pernambuco n. 64 de 1829). Foi voltando para traz Bastante
desconfiado, P o r ter perdido a carreira No seu cavallo mela­
do.” (Versos populares).
Meladúra — “ Nome que dão á quantidade de caldo de can­
na, que nos engenhos de assucar leva a caldeira onde p rim ei­
ro se limpa, ou descachaça e escuma, logo depois do exprem i-
do. Assim dizem : Faz este engenho oito meladuras por tarefa,
isto é em 24 horas. Nos engenhos movidos por animaes, cha­
ma-se tambem meladúra o tempo que se gasta em moer ou
exprem er a canna cujo caldo enche a caldeira. Assim se d iz ;
Esfes animaes já tiraram uma meladúra.” (Beaurepaire R o ­
han) “ dando para ambos annualmente uma meladúra do
meu engenho.” (D ia rio de Pernambuco n. 151 de 1829).
Meleca — Negocio, arranjo, m elgueira; cousa que se lo ­
gra, se desfructa. “ Meninos, nada de p ro s a ; eu ainda tenho
cincoenta annos para exp lorar a m eleca.” (Jorn al do R ec ife
n. 89 de 1914). Casa, bodega, expelunca. “ Fiquei indignado
com a tal historia, e com yontade de arrebentar a meleca.
(Jorn al Pequeno n. 26 de 1916). D ivertim ento, pagodeira, fo r ­
robodó. “ D everá tocar durante a meleca uma orchestra sob
a regencia do maestro Am érico Branco.” (Jornal do R ecife
n. 28 de 1916).
M eleiro — Vendedor ambulante de mel, que compra nos
engenhos e usinas; o alm ocreve que conduz para a destilla-
ção; o p roprio cavallo que leva as suas cargas em ancoretas:
Quartáo m eleiro.
Membi — Instrumento musico dos indios, especie de flau­
ta, de uma forte sonoridade. Deste instrumento haviam uns
grandes a que chamavam Membiguaçú, e outros feitos dé can­
na, taboca ou taquara, revestidos de bonitos tecidos de palha,
a que chamavam Membi-apara ou Membi-chué, assobio de osso
cujos tocadores tinham o nome de Membijupiçára. Membi, no
tupi tinha a expressão generica de gaita, flauta, o que se toca.
(Theodoro Sam paio).
Menina — Mulher moça, no periodo da adolescência, da
da juventude; a predilecta, a namorada. “ Se me zango com a
menina, fico triste, acabrunhado.” (A Pimenta n. 549 de 1907).
“ Meninas, á pagodeira! O frevo esta se acabando, E no passo
da lezeira A quaresma vem chegando.” (Jornal do R ecife n.
34 de 1913). “ Menina seu pai é pobre, E sua mãe carrega le ­
nha ; Menina, case commigo Que eu sou moço gamenha.”
(quadras populares). Meninas dos olhos; O ente querido, de es­
timação, o mesmo que A i Jesus, Sant’ Antoninho.
Meninada — Meninos, grupos, reunião, ajuntamento de
crianças, ou como agora se diz, petizada, em flagrante galli-
cismo. “ Fazendo grande assuada, emboca pela cosinha a tra­
vessa meninada.” (Lanterna Magica n. 505 de 1896). “ A me­
ninada grita, salta e faz azuada.” (Idem , n. 567 de 1898). “ Seis
horas, ainda cedo, a velha dos quartos chama a meninada na
cama ainda no somno ledo.” (A Rua n. 8 de 1904).
Menino — Nas phrases; Menino bonito, protegido, filh o ­
te, medalhão. Menino de peito, o que ainda é amamentado,
consoantemente como dizem os hespanhóes: Nino de teta.
Menino de um olho, sabidorio, expertalhão, finorio. Meninos
do T rem ; diz dos faladores, m exiriqueiros. “ meninos do T rem ” .
(D iá rio de Pernambuco de 7 de Março de 1834). Meninos do
Trem, eram assim chamados os menores de uma companhia
de educandos que havia no extinctó Arsenal de Guerra, an­
teriorm ente Trem .
Meninóte — Menino já de certo tamanho, desenvolvido,
quasi que chegando á rapaz. “ Muitos meninotes aprendem nos
arsenaes, e sahem de lá sabendo qualquer o ffic io .” (L a n te r­
na Magica n. 147 de 1886). “ O cargueiro mandou um me­
ninote sellar-me o cavallo.” (Gustavo B arroso).
Mentira — Pequenas pintas, manchas ou estrias brancas,
numerosas ou não, que nascem sob as unhas dos dedos das
mãos, de um carracter traumatico ou congênito: Albugo, achro-
mia, leuconychia, “ As pintas ou nodoas brancas das unhas
são symptomas de anemia.” (Selda P otock a). O nome v u l­
gar de mentira dado a essa lesão é porque o indivíduo em
quem se manifesta é potoqueiro, loroteiro, mentiroso.
Mercador — P rim itiva denominação do negociante entre
nós, desde logo os começos da colonia, mas em desuso. Em

510
Portugal, porem, ainda persiste o térmo, si bem que, parti­
cularmente applicado ao commerciante á varejo. “ M ercador
são os assistentes na terra com logeas abertas colmadas de
mercadorias de muito preço como são toda a sorte de louça-
ria, panos finíssimos, brocados maravilhosos, que tudo se,
gasta em grande copia, deixando grande proveito aos mer­
cadores que os v e n d e m ... D entro da v illa ,de Olinda habi­
tam innumeraveis mercadores com suas lojas abertas, e em
tanta cantidade, que semelha uma Lisbôa pequena.” (Diálogos
das grandezas do Brasil, 1618). Baixando uma resolução, re ­
gia ordenando que os mercadores não podiam servir no Se­
nado da Camara de Olinda, e representando os do R ecife,
que tinham taes pretenções, pedindo que se mandasse de­
clarar quaes eram os mercadores, que a tal palavra compre-
hendia, para se evitar as contendas que haviam sobre este
particular entre os moradores das duas localidades, baixou
uma provisão regia em 8 de m aio de 1705 declarando, “ qué
na palavra mercadores, se comprehendia somente as pessôas
que assistem em logea aberta, vendendo, medindo e pesando
ao povo qualquer genero de m ercancia.” “ Arrom baram a p o r­
ta da loja do mercador Antonio de Miranda, e lhe levaram d i­
nheiro, e fazendas.” (G uerra dos Mascates, 1710). “ Algumas
das testemunhas, para fazerem-se mais acreditáveis, se in ­
culcam por negociantes, sendo aliás, as de fls. 314 e 352, mer­
cadores de vara e covado.” (D efesa de Gervasio P ires F e r­
reira, 1817). O, alvará de 31 de Janeiro de 1818 concedeu aos
mercadores matriculados o p rivilegio de aposentadoria pas­
siva. A rua do Bom Jesus teve outr’ora o nome de Rua dos
Mercadores, positivam ente sabido, de meiados do seculo X V III
á principio do X IX , como consta documentadamente, sem du­
vida por constituir na epocha o centro dc acção commercial
do bairro do R ecife.
Merêm — Enfezado, rachitico, secco; um espirro. O termo
é commummente empregado no dim inutivo: Uma pessôa, uma
planta merenzinha,
M ereré — Jogatina á dinheiro, e particularmente a do
lasquenet. “ Começando esses typos pelo jogo da castanha,
acabam pelo m ereré.” (Lanterna Magica n. 147 de 1886). P o r ­
que razão o socristão quando vai para o mereré da Casa Forte
vai só, e ao regressar no ultimo trem vém sempre acompa­
nhado?” ( A Pimenta n. 605 de 1907). Com o nome de mere­
ré ha um antigo engenho no município de Goyanna. ‘
Merête —■ P eixe de couro, de agua salgada, especie de m e­
ro pequeno.
M éro — P eix e do mar (Pagonias chromis, C u rv), de cou­
ro, que attinge a grande desenvolvim eito, e tão bravio como o
tubarão. F o i assim chamado por ser da mesma especie do méro
de Portugal (Serranus gias), perdendo assim o nome indigena
de CugupiF-puaiçu’ ou segundo Gonçalves Dias, os de Conapu’
aupomi e P irá una. Apparece tambem nos mares do archipela-
go de Fernando de Noronha.
Mesa — Sessão, reunião, de catim báo; Fazer m esa; orga-
nisar a mesa. “ Segundo o subdelegado de T ig ip ió para lugar
Pocheco, acompanhado de praças, encontrou em uma casa,
animada mesa de catim báo.” (Jornal Pequeno n. 80 de 1915).
Mesa do Rosário — Reunião de uma corporação qualquer
em desordem, em que todos falam, gritam e ninguém se en­
tende. Vem da confusão e desordem das reuniões da mesa
regedora das irmandqdes do Rosário dos pretos, em que, con­
currentemente com os criolos, tomavam parte os confrades
africanos de castas ou nações diversas, livres ou escravos.
Mesão — Carteira de escripta das escolas primarias.
Mesquilôta — Nomte depreciativo dado a uma mulher de
baixa condição: Sinhá Mesquilôta. “ Um estudacite piloto por
natureza, isto é, que só póde vêr a sua Mesquilôta por um
olho, porque o outro anda sempre embuçado por causa do
frio .” (A m erica Illustrada n. 19 de 1880).
Mestrança — Dolo, astúcia, a rtificio empregado para
enganar e prejudicar alguem. “ Os trabalhadores usam de certa
mestrámça no peso da carne para illudir ao com prador.” (O
Rareio dos Patoteiros « . 84 de 1866).
Mestre — Sabidorio, expertalhão, fin o rio : Mestre da vida.
“ Mestre Barnabé, cabra velho, capadocio.” (O Cruzeiro n.
102 de 1829). Q ualificativo de remoque, desdem, ironia, dado
a um individuo com quem se fala ou de quem se fala. “ A lvo
de suas lamboradas, nunca mestre Chichorro foi tão desaca­
tado e escarnecido.” (O Postilhão n. 28 de 1847). “ Quem não
cccihece mestre Nabuco, Veja o retrato desse maluco.” (L e ­
genda do periodico O João Pobre, 1844). “ Mestre estomago
sempre andoli mettido em tudo, como porta-voz do arthris-
tismo.” (S ylv io R om ero). Tratam ento de respeito dado aos
pretos velhos: (M estre João, Mestre Antonio, etc., concur­
rentemente com os de pae, tio e titio. “ Mestre titio me diga,

512
0 seu nome como é? Eô me chama pae Manué.” (Da chula
O CJaranguejo). Q ualificativo dado a um indivíduo de alto co­
turno, mas d epreciativam en te; Mestre cuca, ou cuco. 0 pe­
riodico O Campeão (n. 5 de 18611) chama a um chefe p o li­
tico da epocha, em evidencia, de Mestre cuco; e O Diabo a
quatro (n. 179 de 1878) dando uma estampa grotesca sobre a
abertura do parlamento nacional chama ao im perador de
Mestre-cuco Braganzine. Mestre de assucar; o operário que
dirige o serviço do fabrico do assucar nos antigos engenhos,
chamados hoje banguê. Mestre de obra feita. “ Não raro, e
menos d iffic il é encontrar-se a cada canto um cecisor im pla­
cável do esforço alheio desfechando, a torto e a direito, g o l­
pes terriVeis sobre tudo e sobre todos, ao passo que nada é
capaz de produzir. O povo, na sua linguagem pittoresca e
chão dá a esses que taes censores o nome de Mestre de obra
feita .” - (A . I. de Mesquita N e ve s ).
Mestria — Esperteza, sabedoria, astúcia, manha. “ Am or
por divertim ento Não é amor, é ch a laça; T olin h a de mim não
faça, Pois já lhe sei da m estria.” (O Carapuceiro n. 6 de
1847). “ Foi uma cousa do arco da velha a mestria com que
os do Club Internacional fizeram a sua prim eira regata.”
(O João Fernandes n. 3 de 1886),
M ettef letra — Falar, discursar; deitar falação, gosma-
do. “ 0 Veras fo i metter letra, e poz-se a puxar o pescoço.”
fA Lanceta n. 30 de 1890).
M etter no chinelo — Sobresahir, levar dc vencida, pa­
tentear vantagem, competancia, superioridade. “ Em assump­
to de policia civil mettemos num chinelo as melhores policias
do mundo.” (A P rovín cia n. 235 de 1916).
Metter os pés pelas mãos — Desorientar-se, perder a tra­
montana, dar por paus e por pedras. “ Respondeu a todas as
perguntas, mas mettendo os pés pelas mãos, complicando cada
vez mais a sua situação.” (Jornal do R ecife n. 48 de 1916).
Mettido a sebo — A engraçado; presumido, pretencioso,
petulante. “ O typo tem o gemio de intrigas è é mettido a
sebo.” (A Pimenta n. 33 de 1902). “ Sabemos que diversos in ­
divíduos mettidos a sebo andam dizendo que são representan­
tes da nossa folh a.” (Idem , n. 597 de 1907). “ De um velho
mettido a sebo Qp£ fo i por ti desprezado, Herdarás todo seu
odio.” (Z izin a & Esm eralda).
M exe-m exe — Arenga, disputa, a lv o ro ç o ; agitação, en­
redo, intriga, m exirico.
M exeriqueira — Especie de terraço sobre columnas, com
coberta e janellas envidraçadas, que se destacava por sua sa­
liência, da linha da fachada principal do velho collegio dos
jesuitas, do R ecife, que por muitos annos servira de palacio
do g o v e rn o ; e assim chamado dito terraço, porque, sendo
uma especie de sala de espera, e onde sempre havia gente
reunida, corriam alli as intrigas, os enredos e os mexericos.
Construído o actual palacio do governo, e. desoccupado para
a installação de algumas repartições publicas ficou por muito
tempo conhecido com o nome de Palacio Velho, bem como a
praça em que campêa, que, com a denominação anterior de
Praça dó Collegio, depois de Pedro II, còncurrentemente com
a de Espirito Santo, da nova invocação da igreja do extincto
collegio, tem actualmente a de Praçã 17. “ Um dia destes mon­
tei guarda no Palacio da M exeriqueira.” (O Guarda N a cio ­
nal n. 14 de 1843).
Miar — Cantar mal.
Michaélla — Pança, barriga, estomago. “ E vai muito,
Uiinha bella, regalar-se a m ichahella.” (O Barco dos T r a fi­
cantes n. 84 de 1858). “ P re firo a banana ao sermão. Ella
passa-nos suavemente pela guela e consola a michaélla, em-
quanto que o s e rm ã o ... (O Diabo a quatro n. 11 de 1876).
“ Doutor, ainda hoje não comi, estou em jejum n a tu ra l...
mande-me dar algum consolo á michaélla. (Idem , n. 53 de
1876).
M ictorio — Vaso de louça, á especie de pia, pregado á pa­
rede, e disposto em lugar reservado, para se urkiar. Casinha
ou pavilhão nas ruas e praças para o mesmo fim. “ Se a Illus-
trissima possuisse o sentido do olfato, teria mandado levan­
tar um certo numero de m ictorios.” (O Diabo a quatro n. 61
de 1876). “ O Martins despejou o directorio no m ictorio,” (A
Lanceta n. 52 de 1890). M ictorio é um termo m oderno que
veio substituir o obsoleto m ijadeiro registrado nos velhos
lexicons.
M iguel — Introm ettido, bisbilhoteiro, m ettediço; que se
ingere, que se mette no que lhe não pertence: Lá vem M i­
guel metter a sua colher. Esta locução popular corresponde
á portugueza M etter a colherada, introm etter-se na conver­
sação a que não é chamado, fam iliarm ente usada. Entre ma­
rid o e mulher, não metter a colher. (A d a g io ).
M ijo de cavallo — Cogumello (Agaricus edulis, L iiu i.), de
propriedades toxicas. Vegetando commummente nas ester­
queiras, vem dahi esta denominação vulgar, na crença de
que é origin ário da urina do cavallo.

M ilagre — E x-voto á divindade, ou geralm ente a um santo


qualquer, que Se deposita em uma igreja ou capella, em tes­
temunho de reconhecim ento e satisfação de um voto ou p ro ­
messa feita no afflictissim o transe de uma grave enferm ida­
de, serios embaraços ou crises de grandes perigos, constando,
commummente, de painéis representativos do facto, com le ­
gendas explicativas, e de pequenas figuras de cêra ou m adei­
ra, ou particularmente de um membro qualquer do corpo, de
proporções naturaes. Segundo as Constituições do arcebispa­
do da Bahia promulgadas em 1707, offerecendo-se ás igrejas
pés, braços, olhos de ouro, de prata, ou de cera, mortalhas,
cirios, e outras cousas destes genero, em m em ória dos m ila­
gres que Deus fez por intercessão de seus santos, conservem
os parochos ditas oblações para memória dos milagres, e
a fervora r a devoção dos fieis. As capellas de Santo Am aro
das Salinas, e de S. S everino; em Pau cEAlho, nomeadamen­
te, estão cheias de milagres. “ S e d o h r a ,- e faz promessas mui
cumpridas De pendurar, se escapar o Doctor caro, Um cle-
rico de cêra a Santo Am aro.” (A Colum neida). Os ex-votos
ou m ilagres vêm dos pagãos, que pediam favores ás estatuas
dos seus deuses, e obtidos estes, collocavam junto aos seus
altafes um voto e accendiam cirios em testemunho de r e ­
conhecimento.
Milhar — Dar m ilho ao cavallo. “ De couro era m ochi­
la para milhar cavallo.” (Capistrano de A breu ).
Milho — Dinheiro, cobres, arame. “ Tem m ilho? E ’ por
acaso filh o de pae alcaide? Influencia tem que appareça?”
(Lanterna Magica n. 219 de 1888). “ O dentista lhe poz na
bocca, por muito bom milho, as falsas pérolas de Golconda.”
(A Pimenta n. 90 de 1902). “ Os deste club tirarão a argolinha
este anno, pois a directoria dispõe de muito m ilho.” (J o r­
nal Pequeno n. 278 de 1916).
Milódencia — Gavilação, engano, astúcia; dolo, artim an­
ha, subterfúgio. Você vem barrado com as suas milodencias
p ’ra minha banda.
M ilonga — í Trapalhada, enredo, embrulho; palavrorio, ro ­
deio, desculpas de cabo de esquadra. “ Deixem-se de milongas
e embrulhadas.- respondam a estes argumentos de arrom ba.”
(D ia rio de Pernambuco n. 276 de 1829). “ Ah! se um delles
soubesse o que está para acontecer punha-se fóra dessa mi-
longa.” (A m erica Illustrada, 1873). “ Não posso comprehen-
der que diabo de milonga é esta.” (Idem , n. 47 de 1877). T e r ­
mo origin ário da lingua bundo-angolense, é o plural de mu-
longa, palavra, e só usado entre os negros, significando pala­
vrada, palavras tolas ou insolentes, segundo Macedo S o ares;
e como escreve Cannecatim, chiste, graça, e tambem questão.
Barbosa Rodrigues, porem, encontrou o vocábulo no Am azo­
nas com as accepções de rem edio, feitiço, talisman, e assim
o registra na sua Paranduba amazonense; e no R io da Prata,
onde tambem tem curso, é particularm ente dado a uma T o ­
nada popular muy sencilla y monótona, segundo D aniel Gra­
nada.
M ilras — P o r mil reis. Cinco milras, dez milras, etc.
Mimoso — Denominação das regiões sertanejas caracte-
risadas pela sua situação em terrenos baixos e planos, de c li­
ma secco e quente, mas temperado te sobremaneira agradavel
no com eço do verão e durante a estação hibernica, e abun­
dantemente produzindo o algodão, de optima qualidade, canna
de assucar aproveitada no fabrico da aguardente e rapadu­
ra, cereaes e legumes, Essa denominação vem do nome da
abundante e excellente pastagem para o gado, que cobre os
seus campos, o Qapim mimoso, cuja graminea, igualmente
abundanfe no Ceará e no Piauhy ,cobrindo os seus taboleiros,
é tambem conhecida pelo messmo nome. “ A terra vestia-se
de bastas messes de mimoso, oue a viração da manhan ane­
diava como a crina de um corcel,” (José de A len ca r). £<N ’um
terreno coberto de mimoso, Está sita a fazenda Bôa V ista,”
(João Coriolano de Souza L im a ).

M ineiro-pau — Dança popiílarissim a, de m oderno appa-


recim ento, com cadencia própria e letra variada, mas obede­
cendo ao côro: M ineiro pau, m ineiro pau, após cada verso
das estrophes. acompanhadas a viola ou guitarra. Entrando
porem nas salas, em reuniões fam iliares, o acompanhamento
do canto é feito a piano ou outros instrumentos. V. o nosso
F o lk -lore pernambucano.

Mingáo — Especie de papa rala feita da gomma de


mandioca, com assucar, de virtudes peitoraes, como diz o
vulgo; e da massa da mesma mandioca, ou cariman, tem pera­
do com sal, cuentro, alho e pimenta, servindo nas refeições,
com ou sem farinha, de conducto a carne ou peixe. Esta es­
pecie tem tambem o nome de Mingáo pitinga, o Mingáo de
púba de que fala G regorio de Mattos nos seus versos. Mingáo
das almas: A baba que vem ao dorm ir, em certas pessoas, cor­
re para os cantos dos lábios e fica esbranquiçada, ao seccar,
M ingáo de cachorro: O que é feito com o caldo da carne ou
p eixe e farinha cessada, convenientem ente temperado, e es­
caldado ao fogo. E ’ este mingáo o rigin ário dos indios que
pouco mais ou menos assim o preparavam, como se v ê dos
nossos antigos chronistas, nomeadamente os seguintes: “ O
padre tomou um caldo de farinha, a que no Brasil chamam
m ingáo.” (F r . M anoel C,alado). “ Do caldo da carne ou p eix e
com farinha de mandioca fazem (os in dios) como papas que
chamam m ingáo.” (Sim ão de V ascon cellos). “ O rico na sua
cama, O pobre no seu giráo; o rico com seu café. O pobre com
o seu m ingáo.” (T ro va s populares). “ De gomma se faz m ingáo.”
(A Marmota Pernambucana, n. 23 de 1850). “ Esta gente do
mingáo de farinha não é tola, não.” (A m erica Illustrada n. 23
de 1883). “ Succumbiu, de uma cholera fulminante, em razão
de ter com ido m ingáo-pitinga depois da ceia.” (O Campeão
ci. 43 de 1862). Nem tudo que é m olle é m ingáo; Mingáo virou
agua (dictados populares), sendo este ultim o applicado na con­
tingência de um transtorno ou fracasso de uma pretenção ou
negocio qualquer. Caboclo não quer mingáo, mingáo no cabo­
clo. Proloquio, ao caso de obrigar alguem a submetter-se ou
praticar uma cousa qualquer, a que se recusa. Mingáo é
um vocábulo geral dos indios. Entre os tupis, mingau, papas,
e m indypiron, papas grossas, (G onçalves D ia s ); e entre os
guaraciis; mingaus, papa, sppa (Baptista C a eta n o ); ou abati-
mingau, papas ralas (M artin s). Mingáu-pitinga, papa ou caldo
branco. (T h eo d o ro Sam paio).

Mingúte — Uma certa pessôa de quem se fala, mas occul-


tando-se o nome. Você não conta com seu Mingute?
Minhoca — O penis ; e levado o termo ao plural, patranhas,
enganos, em bustes; D eixa de estar mettendo minhocas na
cabeça do outro. P ’ rá lá, minhocas: Passa fo ra ! Vá sahíndo.
Esperar que chova p’ ra criar minhocás: O mesmo que espe­
rar por sapato de defunto. Minhoca é nome vulgar do verm e
da classe dos anelados, que vive na terra, em lugares húmi­
dos. “ Cobra pequena é m inhoca.” (T ro va s populares). Vocá­
bulo de origem tupi, é corruptela de mi-nhoc, ou mi-nhog, o
que é extrahido, arrancado ou tirado (T h eodoro Sam paio).
Minhocão — Monstro fabuloso do rio S. F rracisco, ora
descendo ou subindo a corrente, mergulhando a espaço, e per-
feilam ente apreciavel ao apparecer serena^nente fluctuando. F '
o minhocão que produz o desmoranamento dos barrancos do
grande rio.
M inoria — Consignando éste termo, vulgar, corrente, co­
nhecido, e mui particularmente, politicam ente encarado, te­
mos igualmente por fim interrogar. E ’ de origem pernambu­
cana, ou brasileira, mesmo? Leva-nos a isto estas considera­
ções: Um periodico do Recife, Abelha Pernambucana, publi­
cando no seu n. & de 1829 um artigo politico, escreve: “ Que
se servira da expressão vontade geral, não para designar uma
vontade individual, mas sim a vontade da minoria, mui d iffe-
rrnte da vontade da m aioria da Nação, que pronunciada, se­
gundo as form as prescriptas e estabelecidas na L e i funda­
mental do Estado, exige a obediencia dos mais concidadãos.”
Aqui temos, portanto p rin cipio da representação das m ino­
rias nas assembléas políticas, claramente aventado, precisa­
mente manifestado. Surge logo em campo, porem, um outro
periodico do R ecife. O Cruzeiro, redigido p or um homem su­
p erior, o V igário Francisco F e rre ira Barreto, o Doutorzinho,
rebatendo as idéas do alludido artigo, no seu n. 13, e chegan­
do ao transçrípto periodico, engasgou-se com a consignação do
desconhecido term o minoria, e escreve com enfado: “ M ino­
r ia !!! Vontade in dividual; vontade parcial, como lhe chama
a grega e estropiada A b e lh a !... M inoria não é palavra da
língua portugupza e nem é nada.” E ffectivam ente, o D iccio ­
nario de Moraes , que na epocha corria já em terceira edição,
não registra o vocábulo, e nem tão pouco os lexicons que pos­
teriorm ente appareceram, desde Solano Constancio até Fr,
Dom ingos V ie ira ; e somente modernamente, obedecendo á
sua vóga e corrente, não só no Brasi como mesmo em P ortu ­
gal, é que apparece, pela prim eira vez, registrado p or Aulete
(1881), e em fim por Cândido de Figueredo (1899). Que a
vocábulo, portanto, vem daquella epocha (1829) em que o em­
pregou o p eriodico Abelha Pernambucana, e assim talvez já
então conhecido e usado entre nós, não resta duvida alguma,
sem comtudo podermos positivam ente aventurar, se e ffec tiv a ­
mente é originariam ente nosso, ou si, já então conhecido e
corrente na capital do paiz, vem dahi o seu apparecim ento e
vulgarisação em Pernambuco, ficando assim de pé a nossa
nota interrogativa.

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M iolo molle — Diz-se que tem-no, o individuo gira, ta­
rado, de desarranjo mental, que tem macaquinhos no sotão.
Mirabolante — Animado, enthusiasmado, fervoroso. '"D e­
pois de um animado ensaio sahiu o apreciado club em uma
mirabolante passeiata.” (A P rovín cia n. 58 de 1916).
Missa pedida — A que é mandada rezar, pagando-se a res­
pectiva espórtula ao sacerdote celebrante com dinheiro pe­
dido de porta em porta para semelhante fim. Ccnstitue isto
uma especie de penitencia, em satisfação de um voto, ou
promessa á divindade, pela graça de um pedido qualquer.
Missa secca — Q ualificativo de ridiculo dado pelos catho-
licos aos actos religiosos das confissões protestantes.
Misturada — Mistura de aguardente com outra bebida
qualquer: Tom ar uma misturada.
Mítrado — Sabidorio, sagaz, fin orio, estradeiro. “ Aquillo
é a raposa mais mistrada, que ha nesta terra.” (O Barco dos
Patoteiros n, 13 de 1864). “ Deputados, camaristas, Até dos
dos proprios soldados, D esconfio muito e muito, Porque todos
são m itrados.” (O Diabo n. 6 de 1883). “ 0 noivo da sobrinha
da velha era um m itrado!” (A Pimenta n. 602 de 190Y).
Miuçalho — O povo miudo, a plebe. “ Estes e outros actos
religiosos passam p or bugiarias do miuçalho.” (O Qarapuceiro
n. 56 de 1837). “ As d ou trin a s... pousam das classes superio­
res ás medias, destas ao miuçalho, e até a infim a canalha.”
(Id em n. 2 de 1840).
M iudeiro — Fressureiro. Uma commissão de grevistas de­
clarou ao dr. chefe de policia estarem os miudeiros no propo-
sito de não fazer desordem.” (D iá rio dc Pernambuco n. 22
de 1916).
Miudezas (L o ja d e) — Casa de negocio exclusivo de quin­
quilharias, e objectos pequenos de pouco valor, como linhas,
agulhas, alfinetes, grampos, fitas, pentes, perfumarias e en­
feites de senhora. Esta particular denominação, tão apropria­
damente dada aos estabelecimentos commerciaes de semelhan­
te natureza, não é exótica, uma vez que em Portugal tem a de
Loja de capela, no Rio de Janeiro de Arm arinho, e na Bahia de
Loja de capellista, “ Nas Lojas de miudezas a pomada c um gc-
nero de prim eira necessidade para os patrões e caixeiros.” (O
Te.moyo n. 12 de 1890). “ Fazendas e miudezas. Sempre fazem
bom arranjo, Mas é bom que uma quebrinha Venha soldar o
marmanjo.” (Lan tern a Magica n. 463 de 1895).
Miudinha — Cafife, caiporismo, mandinga. “ O maldito gau-

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cho tinha a miudinha e a urucubaca na corcunda.” (A P ro ­
v ín cia 1n. 99 de 1915). “ P o r causa da miudinha Que teu pobre
sêr ataca, Diz toda gente damninha Que tens muita urucuba­
ca.” (E strellas de Junho, 1916).
Miudinho — Passo curto, dengoso, a ffe c ta d o ; feição m im o­
sa, delicada, pouco pronunciada nos seus traços; dança ou b ai­
lado popular, a especie do lundú, com musica particular e le ­
tra própria. “ A menina é amante do miudinho, m axixe pernam ­
bucano.” ( A Pim enta n. 643 de 1908). “ As brizas do club pas­
saram do miudinho para o candomblé, num salto amestrado
de tres por quatro.” (Jornal do R ecife-n . 51 de 1914). “ M iu­
d in h o ... miudinho de m atar!” (F a b io L u z). A dança do miu­
dinho já tem os seus cajús, uma vez que encontramos re feren ­
cia sua já em 1832, oestes versos do poema pernambucano, A
Columneida, impresso naquelle anno: “ Protestando que nun­
ca em sua vida Aprendera a dançar tal miudinho,”
Móca — Mentira, lorotd. “ Mentira chama-se m o c a ... P a ­
lavra de soldado é moca.” (O A lfin ete ns. 11 e 13 de 1890).
“ Apezar que és ruinzinho Gostas de pregar tuas mocas.” (U ru ­
cubaca). Moraes registra o term o como usado no Brasil, com
as accepções de zombaria, illuzão; Fazer moca; conheci-lhe
a moca, que me queria f a z e r ; m entira para illu d ir ; isso é
moca, peta. O termo será originariam ente de Pernambuco, cn-
de Moraes escreveu duas edições do seu D iccion ario?
Moca branca — Abelha (T rig o n a augustata, L e p .), mansa.
Produz muito mel, mas não de bôa qualidade, bastante acido,
e lambem muita cera, clara e balsamica. Habita p referen te­
mente nas paredes toscas das casas de taipa e algumas vezes
nas arvores, e “ tem a sigularidade de não frequentar as flores,
preferin do as substancias em putrefacção e o escremento hu­
mano ou anim al.” Vem dahi, naturalmente, a in feriorid ad e do
mel que produz.
Mocambo — Hum ilde cabana, muito baixa, de armação de
varas e toda coberta de palha de coqueiro ou de sapé, ou ten­
do algumas vezes as paredes toscamente feitas de taipa. Em
geral não tem ladrilho, e são de duas aguas, que correm para
os lados, e ficando em muitos as extrem idades da coberta tão
baixas, que chegam quasi ao rez do chão. “ Uma cabana de
sapé, a lli numa clareira.” (J. C. Tenorio). “ Tom aram por um
caminho que sabiam ia dar a uns mocambos ou palhoças, que
os escravos fugidos levantaram nas mattas.” (H . K o tse r). “ O
povo de Palmares fundou grandes povoações de. mocambos, ou
casa de palha.” (J. B. Fernandes Gam a). Q uilom bo; lugar re ­
moto, nas mattas, que servia de refugio a escravos fugidos, e
onde reunidamente permaneciam constituindo ás vezes mesmo,
numerosa população, como nomeadamente, o Mocambo dos
Palmares e o do Catucá. O liv ro Razão do Estado do Brasil,
de 1612, já assim definia o vocábulo mocambo: “ Quilombo, ou
habitação feita nos mattos pelos escravos pretos fugidos no
B razil.” “ Uma povoação de escravos fugidos, a que chamam
Mocambo dos Palmares nos confins do rio S. Francisco.”
Carta do governador geral do B razil dirigida ao rei em 19 de
Julho de 1645). “ Prom ette extinguir alguns mocambos, ou
quilombos nestes sertões, mandando captivar e vender os ne­
gros que encontrar.” (Condições ajustadas em 1687 para a
conquista do quilombo dos Palm ares). Mocambo é um v o ­
cábulo evidentemente africano, Com o nome de Mocambo,
ha uma bahia magnifica na costa oriental da A frica, na p r o ­
víncia portugueza de Moçambique. Bluteau registra o termo,
como nome de um b airro de Lisbôa constante de casinhas
de pescadores e negros, concluindo; “ N o B razil chamam as
aldeias de uns negros repartidas em chopanas, Mocambos,
donde tomou este sitio o nome.” A carta regia de 24 de M ar­
ço de 1660 concedeu licença para se fundar um mosteiro dc
freiras no Mocambo, em Lisbôa.
Mocam beiro — Escravos fugido refugiado em mocambo
ou quilom bo; de casa, do serviço de uma fazenda ou p ro­
priedade rural: boi ou gado mocambeiro. N o Ceará porem, é o
gado fugido, amontado.
Mochicão — Supapo, beliscadura, empuchão. ”E na
Sinhá segurando dá-lhe quatro m ocliicões.” (A m erica Illus-
trada n. 4 de 1877). “ Um mochicão im pinge no bruto desbo­
cado.” (J. R. D uarte). Bluteau registra o term o como chulo,
com a expressões de pancada, golpe; e nos provincialism os
chilenos encontramos mojicon, golpe dado na cara com a mão
fechada. Moraes, que naturalmente encontrou o term o \pm
voga entre nós registra-o como fam iliar, significando murro,
punhada; os modernos diccionarios, porem, já não o con­
templaram.
Mochiear — Dar mochicões. “ O meu marido é um homem
cheio de ciúmes. Mal olha para mim um rapaz já ellc está
a muchicar-me o braço. (Jornal do R ecife n. 45 de 1916).
Mochila — Sacco pequeno de um pano qualquer, e de
enfiar na bocca para o fechar. “ A b rir de manhã cedo e tran-
quillamente a mochila do pão.” (A Lanceta n. 115 de 1913).
“ Os matutos estavam comendo da matalotagem que traziam
em mochilas de algodão.” (F ra n k lin T a v o ra ). V êr quem tem
rcupa na m ochila; coragem, animo, disposição para agir em
dadas eventualidades. “ Os Gravadores sahiram precedidos de
doze soprantes de arromba. Vamos vêr quem tem roupa na
m ochila.” (Jo»-oal Pequeno n. 20 de 1916).
Mocó — Sarco. m ochila; bolça de dar m ilho aos cavallos,
atada á cabeça por um cordel; pequeno surrão de carregar ás
costas para a conducção de roupa e algum mantimento dc
viagem. “ De couro era o mocó ou alforge para levar a com i­
da.” (Capistrano de A b reu ). “ Dentro de um mocó deixou
Um cartucho de pomada.” (A Erança de dindinha). Pequeno
m am ifero da ordem dos Roedores (K erod on rupestris, Cuv).
“ Uma casta de aperiás a que chamam Mocós, muito peque­
nos, os quajes se fazem domésticos e se trazem pelas casas
contra os ratos por serem grandes perseguidores delles.”
(D iálogos das grandezas do B ra zil). P elo m otivo dessa guer­
ra que faz o mocó aos ratos ou guabirús, em 1851 teve curso
um periodico poli tico sob o titulo; O Mocó, redigido pelos
praeiras, que tinham por epigraphe; “ Fugi, guabiru’s, Do es­
perto M ocó; A ’s suas pesquizas Não escapa um só.” Segundo
Theodoro Sampaio, mocó vem de mocó ou ma-coó, bicho que
róe, animal r o e d o r ; mas como escreve Barbosa Rodrigues, é
abreviatura de mocói, dous, porque andam sempre aos casaes;
e Gonçalves Dias, effectivam ente, registra o termo mocoi,
com a significação de dous.
Mocotó — Maos e pés de boi; a panellada ou guisado p re­
parado conjunctamente com os miudos do mesmo b oi: P é de
boi é m ocotó; Domingo de mocotó. (Dictados populares).
“ Nao ha domingò que não haja m ocotó.” (A Marmota Pernam ­
bucana n. 6 de 1850). “ Não ha mocotó para tanta gente. A
panellada fo i feita apenas para um certo numero.” (O Diabo
a quatro n. 161 de 1878). “ O mocotó provocará o appetite dos
gulosos.” (Pernam buco n. 52 de 1914). P o r analogia, dá-se
tambem o nome de mocotó aos pés humanos. “ Aquelles mo­
cotós batiam no tablado, como se fôra no logar a preparar o
verde.” (A m erica Illustrada, 1872). “ Vamos d’ uma vez A o
matto tirar cipós P ’ra amarra-lhe os mocotós.” (C ancioneiro
do N o rte ). Segundo Gonçalves Dias, mocotó é um vocábulo
indigena, que o registra como um nome dado ao sapo grande
preto dos lados, do qual se conta que engole brazas. Mocotó
é o nome de um antigo engenho situado no m unicípio de S.
Lourenço, de um povoado n o de Cimbres, e de um riacho no
!da V ictoria.
M ofina — Lom briga, verm e intestinal, ou ascaridas. Ar-
tiguete anonymo, depreciativo, insistente e repetidam ente pu­
blicado contra alguem, sob o titulo particular de Mofina. As
mais remotas que entre nós encontramos vem dós periodicos
O Ctlam or Publico n. 32 de 1845, e d’A Carranca n. 27, do mes­
mo anno, do n. 1 d’ 0 Liberal, de 1847, e do n. 5 d’ 0 P roletário,
do mesmo anno. Aulete consigna o vocábulo com aa suas d i­
versas accepções em Portugal, e como “ nome que fíó B razil se
dá a artigos anonymos contra alguem ” , definição esta que
não é completa, porque falta-lhe o característico particular,
essencial, a insistência, a prolongada repetição da verrina, a
mofina, em fim.
M ofin o — O diabo. “ E d izer que é branco fin o ! Eu te
conjuro, m ofin o! Eu te conjuro, m o fin o !” (Versos tirados a
african a). Fraco, tim ido, medroso, pusillamine. “ Elmano me
causa medo, e . . . eu sou muito m ofin o.” (A m erica Illustrada
n. 2 de 1881). “ Você que é inglez, tem form a de valentão, e
eu de m o fin o ” (Lan tern a M agica n. 551 dê 1898) “ N egro m o fi­
no e sem verg on h a . . . Eu não o quero mais matar. Ainda
quando elle desta se levante, não teria eu mais para quem é
tão m ofino a minha arma.” (F ra n k lin T a v o ra ). Consignando
Aulete o vocábulo m ofino com as suas accepções diversas no
portuguez, diz que é de origem desconhecida. Trata-se porem,
de um term o africano, segundo o P. Etienne Brazil, que es­
creve no seu interessante trabalho O fetichism o dos negros do
B razil: “ E* usança antiga entre os negros deitar feijã o ás en­
cruzilhadas em offeren d a a Mofina, um dos seus deuses lares.”
M ófo — Soldado detido no quartel; de prom ptidão, de
guarda ou serviço dobrado. “ Monta guarda de m ofo no trapi­
che alfan degadò. . . Em constante guarda de mofo, está sempre
na mesma sentinella.” ' (A m erica Illustrada n. 37 de 1877).
“ Voltando os pobres soldados fatigados para o quartel, são
incontinente distribuídos para as guardas, onde passam vinte
dias de m ofo.” (Lan tern a M agica n. 121 de 1885).
M oido — Em p rin cip io de corrupção, p u trefacçã o ; quasi
podre: P eix e m oido; carne moida. “ M oido o p eixe pescador nos
vende.” (O Campeão n. 190 de 1863). “ M oido como um cação
pescado ha dias.” (A m erica Illustrada n. 2 de 1877).
Molambo — Trapo, farrapo; retalho, pedaço de pano velho,
roto, sujo. Velho é molambo. (D icta d o ). “ Judas de sabbado
de Aleluia feito de molambos.” (A Sentinella da Liberdade n.
38 de 1848). “ Sempre quero mostrar que ainda não estou mo­
lambo que se bota fóra.” (José de A len car). Denominação de­
preciativa dos liberaes ou praeiros, intransigentes, dada pelos
descidentes, que unindo-se aos conservadores ou guabiru’ s fo r ­
maram o partido chamado da Praia Nova, permanecendo aquel-
les no, que ficou, com o nom e de Praia Velha. “ Ao menos
escondei-me por bondade, Oh! vós molambos meus amiga -
Ihões.” (A Sentinella da Liberdade n. 12 de 1848). “ Os mo­
lambos da praia velha.” (Idem , n. 37). “ Só debaixo do pan-
cão, Algum vendido ou comprado, Póde dizer como o Guar­
da, T odo molambo é ladrão.” (O Guarda Nacional n .20
de 1848 “ Pegai ahi qualquer desses budunhentos molambos,
o da ultima escala, que tem a mesma Pnguagem que o de alto
cothurno.” (O Brado da Razão n. 22 de 1849) D e riv a d o : Mo-
lambento o mesmo que esmolambado, já registrado. Molam­
bo, como escreve João Ribeiro, “ vem do africano (Kimbun-
d o ), de mulambu, que faz no p lu fal milambu, com a expres­
são de farrapo ou trapos, como se vê deste p rovérbio regio ­
nal Ukembu ua pôta, moxi milambu, que corresponde ao nosso
so vulgar próloquio; P or cima tanta farofa, por baixo molam­
bo só. Molambo entre os africanos é especialmente um trapo
ou toalha de deccncia, que amarram á cintura e com que
encobrem a nudez a que estão habituados.”
Moleque — Nome do negrinho no tempo da escravidão;
negrito escravo; e geralmente ao adolescens niger (P . P e ­
re ira ). “ N egro pequeno é .moleque.” (T ro va s populares).
“ Menino branco, é menVio; menino preto é moleque.” (L a n ­
terna Magica n. 453 de 895). “ Moleque de venta chata, De
bocca de cururu’, Antes de treze de Maio Eu não sei o que
eras tu’ .” (Versos de D esafio). Quem nasce moleque, m orre
negro velh o; O que tem a noite escura com a surra do mo­
leque? (D ictados populares). Individuo cfe- niáo caracter,
de sentimentos vis, e de procedim ento baixo. Pessoa engra­
çada, galhofeira, espirituosa, ardilosa, da pelle do diabo. O
vocábulo tem dim inutivo de molequinho, e fem inino proprio:
moléca, menina negra. “ As seis filhas de Francisco de Brito
dei a cada uma moleca.” (Testam ento de J. Fernandes V iei­
ra, 1674). “ A moleca me deu um bilhete lacrado dizendo que
era seu.” (O Vapor dos Traficantes n. 115 de 1859). “ Surra
na negra, pau na moleca, até o diabo tocar rabeca.” (A P i­
menta n. 83 de 1902). D erivados: M olecáda: Magote de m ole­
ques. “ A ’ elle, que está damnado, grita acceza a m olecada.”
(D e uns versos politicos de 1833). M olecagem ; P rocedim en ­
to máo, acção p rópria de m o le q u e ; traça de moleques. Nada
mais direm os a tal respeito, esperando que um dia a m ole­
cagem tome isso á sua ccnta.” (O Careteiro n. 7 de 1853).
“ Papae se queixa da molecagem de certos rapazes dançando
m axixe, quando a musica tocava um tango.” (A Pim enta n.
618 de 1907). M olecal; Cousa inherente, p rópria de moleque.
“ V ai fugindo, azoratado, da molecal rebordosa.” (D e uns
versos populares). M olecão: M oleque crescido, grande, corpu­
lento. M olécorio: O mesmo que molecada e molecagem. “ O
povo m olécorio que lê o Diabo a quatro vai ter brevem ente
uma indigestão de gargalhadas.” (O Diabo a quatro n. 181
de 1878). “ Um mrni-chupa assistia ao acto e fazia côro com
o m olécorio que applaudia.” (A Pim enta n. 24 de 1901). “ As
ciganas tomaras participação no form idável rôlo, com gran­
de gaudio do m olécorio e de enorm e affluencia de espectado­
re s ” . (Pernam buco n. 131 de 1913. M olecorum : O mesmo que
m olécorio. Estamos com cavallinhos na terra. O Molecorum
está nos seus geraes. (Lan tern a M agica n. 437 de 1894). Mo-
lecote: M oleque já crescido; rapaz. “ Um m olecote de nação
Angola, chamado José, e de bôa estatura” . (O Cruzeiro n. 44
de 1829). “ Ajunte esses molecotes, meta-lhes nas mãos o bú­
zio, taixos, foguetes e archotes” . .(O Barco dos Traficantes
n. 24 de 1858). “ Nós não acreditamos na tenra idede do mo­
lecote” , (Lan tern a Magica n. 789 de 1905.
M olequeira — O mesmo que molecagem. “ Tratado des­
feito p or m olequeira das partes contractantes” . (O A lfin ete
n. 15 de 1890). M oleque é um term o africano, que significa
menino, segundo Cannecatim; e como escreve Macedo Soares,
moleque, moleca, menino, menina, são vocábulos abundos, e
o mesmo no cenguez, e já correntes entre nós, emmeiados do
secculo X V II, como escreve um chronista coevo, o Padre Ma­
noel C alado:“ 0 Padre soube disto p or um moleque que havia
fu g id o ; e como vim os da citada verba do testamento de F e r ­
nandes V iêira.
M olhado — Tonto, embriagado. “ Lá foi, pelo grande c ri­
me de estar molhado, o pobre rapaz passar o resto da noite no
pote” . (Jornal do R ecife n. 66 de 1916).
M olhar a guela — Dar uma bicada, tomar um garnopio,
beber qualquer coisa. “ Molha a guela, Lourenço; molha a
guela com a patricia. (F ra n k lin T a v o ra ). Phase correspon­
dente: M olhar a palavra.” “ Bastião agradeceu a lembrança
do Braga, molhando-lhe a palavra.” (Jorn al do R ecife a . 61
de 1916).
M olho — “ Pim enta com limão é m olho.” (O A lfin ete n.
13 de 1890). M olho da mulata: forte, bastante apimentado,
muito ardente: molho de arregalar os olh os; M olho de viuva:
fraco, de pouca pimenta, sem ardor algum. Estar de m olho:
recolhido, retirado, esperando m ettido em casa preso. “ Ma-
n iva tinha sido agarrado no desfecho da rebeldia de 7 de
Novem bro de 1848, e estava de molho na prisão.” (O Brado
da Razão n. 30 de 1849).
Mólhos — Utencilios, possuídos, aprestos de viagens::
Arrajar, arrumar preparar os molhos. “ Tenha paciência.
P repare os seus molhos para seguir viagem .” (O Guarda N a ­
cional n. 94 de 1844). Arranjos, negociatas, expertezas.
“ NYiguem o comá, por besta, pois sabe bem atar os seus m ó­
lhos.” (O Vapor tios Traficantes n. 137 de 1859). P rim e ira ­
mente arrajaram os seus mólhos, depois os molhos de seus
parentes e afilhados, e em ultimo lugar os mólhos de seus
am igos.” (O Campeão n. 8 de 1861).
M olinóte — Antiga denominação de um engenho de assu-
car, moido a animaes, porem pequeno, de poucas terras,
naturalmente correspondendo ao que hoje se chama enge­
nhoca. “ Hía outros engenhos, que não são de agua e são de
bestas,''a que chamam m olinotes.” (L o re to Couto). “ D ecla­
ro q u e ie n h o cinco engenhos e mais uin m olinote na rib eira de
Goyanna, invocação de Nossa Senhora da Conceição. (T e s ­
tamento de An dré V id al de egreiros, 1678).
M olle — Moido, fatigado, exhausto. M ole como uma man-
gaba, “ O banzé deixou o pessoal m olle.” (Jornal do R ecife
n. 40 de 1916). Medroso, indeciso, fraco, tim ido; caipora, in ­
feliz desorientado. “ Os nossos illustres collegas estão seria­
mente m olles como se diz vulgarm ente.” (O Tem po n. 262
de 1913). Objecto furtado, como assim tambem se diz na girir
dos presidiários de Fernando de Noronha. “ P ois você está
preso, porque este negocio é m olle.” (D ia rio de Pernambuco
n. 221 de 1915). Este cavallo é m olle? Bebe em toda parte?
Diz-se, inquerindo, se o animal não é furtado, e póde liv r e ­
mente apparecer em qualquer parte sem receio de ser ap-
prehendido. Para designar o covallo furtado occorre tapibem
a locução popular; Papa capim de cabresto. N ò m o lle ; fa ­
zer uma cousa com re c e io ; agir com certa precaução.
M olleirão — Descançado, descuidado, im previdente; p re­
guiçoso, negligente, vagoroso. Este vocábulo é corruptela de
molengão muito m olle, excessivamente m olle.
M ollengo — P o r m olleza muito m olle, preguiçoso, fraco,
falto de animo.
M olleza — In felicidade caiporismo, desdita, desgraça “ A
m olleza é grande não ha duvida e quando um pobre diabo
onda flechado, só encontra quem o paulifique.” (A Pim enta n.
84 de 1902). “ O subdelegado sem querer ou vir o paciente, man­
dou recolhe-lo á Detenção, com a triste nota de ladrão. Ja é
m olleza.” (Pernam buco n. 121 de 1913). “ Depois de benzidos
pela m olleza em que estavam, p or olhos máos, tomaras povo
alento.” (Jornal Pequeno n. 51 de 1916).
Mombúca — Especie de abelha (T rig o n a capitata, Sm ilh),
subterrânea, muito tim ida e docil. Produz abundante mel. e
de muito bôa qualidade.
Monde — Arm adilha para apanhar caça. “ E ’ bom a gente
estar prevenida para não cahir no mondé como bicho do
matto.” (F la n k lin T a v o ra ). “ Encontramos alguns mondés ou
armadilhas para pegar caça porem vasios.” (J. Blaer, 1645).
Casa velha arruinada, que ameaça desabar. Nem sempre
mondé apanha tatú; Cahir no m ondé; Quem armou o seu
mondé que o desarme. (D ictados populares de conhecidas ex­
pressões). Mondé, mondéo ou mundé, é um vocábulo commum
a todos os dialectos da lingua tupi, como escreve Beaurepaire
Rohan, e corruptela de mondé, fazer sobrepor ou cob rir; o
que envolve, o que se alça; ou de mundé, o laço, alçapão, se­
gundo Theodoro Sampaio. Gonçalves Dias registra monde,
metter, recolher, tronco, prisão; arm adilha para apanhar ani-
maes, no tupi. Mundé, no guarani, com as mesmas expressões,
vem dahi o term o vulgar de mundéo, no sul, como diz Baptis-
ia Caetano. Tratando M arcgravi do assumpto, menciona as es­
pecies Mondé-aratacá, mondé-guaçú, mondé-guayá, e mais uma
arm adilha de caça chamada Patacu’.
M ondrongado — Não conhecemos a expressão própria,
particular, deste vocábulo, que assim o encontramos em prega­
do ; “ Um quindam mondrongado, na cabeça cartola, encasaca-
do.” (Lan tern a agica n. 40 de 1883). “ Um sugeito mondron-
gado, de estatura pequenina.” (Idem , n. 184 de 1887).
Mondrongo — P é: L avar os mondrongos.
Monta-brecha — Batalhão patriotico, de homens pardos,
que existia na guarnição da praça do R ecife em 1824, ao tem­
po da proclam ação da Confederação do Equador. Esta deno­
minação vinha, acaso, da valentia e intrepidez dos monta-bre-
chas.
Montado — Fugido, occulto, escondido. Gado montado.
Montar em pêlo — Cavalgar um animal sem arreios, a nú,
ainda mesmo bravio.
Moquear — Assar a carne ou peixe ligeiram ente para e v i­
tar a corrupção. “ Assavam (os indios) carne ou p eixe sobre
brazas ou então sobre um gradeado de madeira, operação a
que se dava o nome de mokaen de que procedem o nosso v o ­
cábulo moquem e o verb o m oqu ear. . . Moquear, derivado de
mocaê, assar sobre varas ou no moquem.” (T h eo d o ro Sam­
p aio).

Moquéca ou muquéca — Quitute de peixinhos, mariscos ou


camarões, com leite de côco, azeite doce ou de dendê, outros
temperos ,e muita pimenta das chamadas de cheiro próprias
para as comidas de peixe. A moqueca p ’ra ser bôa D eve ser
de camarão; o tem pero que ella leva E ’ pimenta com lim ão.”
(T ro v a s populares). “ Moqueca de côco, M olho de fubá, Tudo
bem feitin h o P o r mão de Y a yá.” (D a chula A M oqueca).
“ Das moquecas feitas cá pelas mãos da Yayá, não ha este que
prove, e não saia lambendo os beiços.” (A Pim enta n. 643 de
1908): As mesmas moquecas, mas sem caldo ou molho, sec-
eas, envoltas em folhas de coqueiro ou de bananeira, e assa­
das em fogo lento ou no borralho, têm o nom e particular de
moqueca enfolhada. .Estar de moqueca: encolhido, a commo-
do, agasalhado, amoquecado. “ Na phrase vulgar, estar de mo­
queca. é estar de pé dormente, sem se im portar de cousa al­
guma.” (G onçalves D ias). “ Moqueca é um vocábulo de origem
tupi, apezar de alguns escriptores dizerem que é africana. “ Ao
assado envolvid o em folhas como os indios faziam com o _
peixe chamavam pokeka, de que se fez moqueca, corruptela
de i mõ-qué, ou pô-quê, fazer embrulho, feito embrulho, en­
v o lv id o ; p eixe assado entre folhas que o envolvem , dentro das
inzas.” (T h eo d o ro Sam paio). “ Fazer mokéca, m elhor Pokeca,
embrulho. H oje significa um guizado de p e ix e ... Pqkéca, em ­
brulho, capa, m ortalha” (G olçalves D ias). A moqueca en fo ­
lhada é origin aria dos indios, como se vê desta referen cia de
uni chronista de meiados do seculo X V II, o P. Simão de Vas-
co n c ello s : “ Os peixes miúdos embrulham em folhas, e metli-
dos em baixo do borralho, em breve tempo ficam cozidos ou
assados.” Na mesma epocha diz tambem M arcgravi descreven­
do a piaba, pequenino peixe de agua doce: “ Brasiliani in vol-
vunt folus arborum & cineribuo condunt, desuper ignem im ­
ponentes; sic preparatas commendunt.”
Moquem — Grade de varas, a especie de arelha, collocada
a certa distancia do fogo e sobre a qual se põe a carne ou
peixe para moquear, isto é assar. Gonçalves Dias consigna o
termo tupi mocaém donde fizem os, moquem, assar na labareda;
T heodoro Sampaio, porem, diz que moquem é corruptela de
inocaê, o que faz seccar ou assar; gradeado de madeira sobre
biazas para assar a carne. Yem dahi o nome de moquem dado
a carne ou peixe assim preparado. “ Chamam moquem as car­
nes, que se cobrem, E a fogo lento sepultadas assam; Tudo em
cima com terra, e rama encobrem, Onde o fogo depois com
lenha façam .” (Santa Rita D urão). Com o nome de Moquem
ou muquem ha um corrego do m unicipio de Bom Conselho,
um lagoa em Tejucupapo e um riacho em Bom Jardim.
Moquitço — Casa pequena, ordinaria, em máo estado; es­
pelunca, habilitação de gente má, perigosa, da mais infim a e
baixa ralè. “ Ha na rua dos Assoguinhos, na esquina que volta
para a da Assumpção, um moquiço que a Gamara devia ter
mandado dem olir.” (O V apor dos Traficantes n. 214 de 1860)
“ O T ex eira tem feitiços p or todos esses moquiços.” (A m erica
Illustrada n. 36 de 1880). “ Quem nunca na vida Nem moquiços
fez, Dentro de um mez Como é que fez casas? (A Carranca,
1847).
M orador — Este vocábulo tem uma particular accepção,
referentem ente ao m orador de engenho, e como assim o des­
creve L. F. de Tollen are, que entre nós o estudou, em 1817:
Os m oradores são pequenos colonos aos quaes os senhores de
engenho concederam a permissão de elevar uma cabana no meio
do matto e de cultivar um pequeno pedaço de terra. O fòro
que pagam é muito diminuto, vale no m axim o o dizim o do
producto bruto, s'em preju izo do dizim o real. Como os la vra ­
dores não tem contracto o senhor pôde manda-los embóra
quando quizer. São em geral mestiços de mulatos, negros li­
vres e indios; os indios e negros puros são raramente encon­
trados. Esta classe liv re é hoje o verdadeiro p ovo (p leb e)
b rasileiro; é paupérrima porque pouco trabalha. IParece que
do seu seio deveria sahir um num ero de trabalhadores assa-

529
Iariados; mas, tal não acontece. 0 m orador recusa o traba­
lho, planta um pouco de mandioca e v ive na ociosidade; a sua
mulher faz uin pouco de renda. Se a safra da mandioca fo i bôa,
póde fazer algumas pequenas vendas e com prar roupa; isto
constitue toda a sua despeza, porque a sua m obilia consta
aptnas de algumas esteiras e pótes de b arro; mesmo uma ras­
padeira de mandioca não se encontra em casa de todos. Os
moradores vivem isolados, longe de toda a autoridade civil ou
religiosa, sem conhecer, por assim dizer, o valor da proprieda­
de. Substituíram os selvagens brasileiros e valem menos do
que eiles, porque estes conheciam ao menos um vinculo p o lí­
tico e nacional; os moradores só conhecem os seus cercados,
consideram quasi como inim igos todos os que lhe são estra­
nhos. Os senhores de engenho procuram as suas mulheres
para seu gozo; dizem-nas muito galantes, mas, destas seduções
resultam vinganças e punhaladas. Em geral despreza-se e te­
me-se esta classe. Os senhores de engenho que usam do direito
de despedir os seus moradores, porque lhes pagam pouco e
mal, e frequncntemente os roubam, tremem ao tomar esta p eri­
gosa medida em um paiz sem policia.”
M orcego — Indivíduo que morde e sopra, como faz o ma­
m ífero deste nome. Soldado de policia. “ Entram morcegos na
casa do jogo; o povo sitiado capitula em dinheiro, negocia-se
a paz, e o chefe dos m orcegos a todos deixou ir em liberdade.”
(O Barco dos Traficantes n. 38 de 1858). “ N o Prado Pernam ­
bucano, os illustres morcegos, no intuito de policiarem a seu
modo, iam fazendo haver corridas não annunciadas no pro-
gramma” (A Lanterna Magica, n.° 211 de 1888) Lucta poli-
ciaes chegando, Que a plebe chama morcego, E o delegado um
tal Rego Yão prisões effeetuando.” (Idem , n. 509 de 1896). Ga­
roto que trepa nos estribos ou plataformas dos bonds ou trens,
e illudindp a vigilancia dos ccnductores vai assim viajando.
“ Mamãe séqam n a com os morcegos de bonds á rua Im perial.”
(A Pimenta n. 549 de 1907). “ Do comboio fbi passageiro, ou
por outra morcego, um m enor de dez annos presum íveis.”
(Jornal Pequeno n. 67 de 1915). D erivados: M orcegador o
mesmo que morcego. “ Os morcegadores, que têm por habito
tomar ou saltar do trem em m ovim ento.” (Pernam buco, n.. 123
de 1813). M orcegar: “ O conductor não se deve intrigar com os
meninos que morcegam o bond.” (A Pim enta n. 502 de 1906).
“ Q m enor Gervasio morcegava o trem do Arraial, quando, p er­
dendo o equilíbrio, cahiu e foi apanhado por um carro.” (O

530
Tem po n. 229 de 1913). “ O in feliz m enor morcegava um bcnd
de Santo A m aro.” (A Pim enta n. 70 de 1914).
M order — P ed ir dinheiro, dar facada; conseguir alguma
cousa, tirar vantagem, ter a sua parte ou reconpensa em um
arranjo ou negociata. “ Não sei bem porque sahi; Sem um
vintem estou a q u i... Neste v iv e r sem um vintem , eu vou
m order.” ( A Pim enta n. 561 de 1907). D erivado: m ordedor.
“ Serás fe liz qurndo entrares N o club dos M ordedores.” (Es-
trellas de Junho, 1916). (M order de fiir to : diz-se do cão que
m orde traiçoeiram ente, e de quem assim, aleivosam ente, a
falsa fé, procede em algum negocio. M order um ossinho;
Pegar, arranjar, consiguir uma collocação qualquer. M order
e soprar: E ’ obvia a expressão desta phrase, á exem plo do
morcego.
M ordido — embriagado. Aquelle sugeito está mordido.
Morgadista — P artid a rio do M orgado do Cabo Francisco
Paes Barreto, depois Marquez do R ecife, na phase revolu cio­
naria de 1824. “ Eis dous partidos na p rovin cia: o M orgadis­
ta, que adopta p or Constituição o P rojecto desta que o im ­
perador offerecia, e o Caravalhista que o regeita, e quer a
Assembléa soberana constituinte.” (A . J. de M ello ). “ Sé m or­
riam cem soldados carvalhistas, era o boato do dia. que ti­
nha m orrido duzentos morgadistas.” (O Cruzeiro n. 161 de
1829). “ Em vinte e quatro F o i m orgadista; Em trinta e dous
(P o r ser chupista) Restaurador.” (O Clamor Publico n. 12
de 1845).
M ormaço — Nam oro.
M oringa ou moringue — Bilha de barro para agua, bo­
juda. coin uma especie de aza na parte superior, para suspen-
del-a, e um gargalo em cada extrem idade desta, para tirar e d ei­
tar a agua, sendo este de o rific io superior. “ Os papeis foram
amarrados a uma fracção de uma moringa que se quebrara, e
lançados ao m ar.” (B asilio Quaresma Torreão, 1824). “ Ao lado
da commoda uma pequena mesa com tres copos e quatro mo-
ringues esborcinados.” (D r. Çastro L o p es). Moraes registra
moringue, como term o brasileiro, quarto ou bilha d’agua b o ­
juda.
M orixaba ou murixába — Amante, cuncubina; mulher da
vida airada, prostituta. Enquanto o Sr. Dom José, á laia de
commandante das armas, anda visitando os quartéis e os arse-
naes, os seus soldados andam de violão e m orixaba pela es­
trada dos Rem edios depois das novenas de Afogados.” (L a n ­
terna Magica n. 148 de 1886). “ Quando os m aridos não são
tolos ou medrosos, acabam p or associar á fam ilia alguma mo-
rixaba.” (A m erica Illustrada, 1875). Bessa registra muruxába
como termo brasileiro, com a expressão de mulata prostituta;
e effectivam ente, termo de origem tupi, vem de moroxába, co­
mo ccnsigna Gonçalves Dias, escrevendo, que assim dizia-se
11’outro tempo, entre os colonos, de uma prostituta.
M ororó — Encommodo, moléstia que obriga a pessoa 0
guardar 0 leito ou não sahir de casa: Está de m ororó Alguns
vegetaes das nossa flora, entre os quaes uma especie de cipó
da fam ilia das Leguminosas, tambem conhecido p or Cipó de
escada. “ Vá dizer ao senhor de engenho Que o cercado está
no chão. Vá logo ao matto T ire um cento de cipó Nem que
seja m ororó P ’ra fazer a am arração.” (T ro va s populares).
M orto e v iv o — Assiduo, frequente, inseparável: O João
é morto e v ivo em casa do Antonio.
M ortório — Ocio, descanço, re tiro ; encommodado, em uso
de remedios, privado de sahir; Estar de m ortorio. “ Passa todo
o anno lectivo de m ortorio e chumbregando em santo ocio.”
(O Foguete n. 5 de 1845).
Mortus est pintus in casca — E ’ tarde; Ignez é m orta; Está
tudo p erdido; Lá se fo i tudo p or agua abaixo: no caso de
Fracasso de um negocio ou prefenção qualquer. Locuções cor­
respondentes: M orrer na casca; no nascedouro.
M oscardo — P o lic ia secreta. (G iria dós gatunos).
Mosca-tonta — Azoado, inquieto agitado. “ O Figueira pare­
ce um mosca-tonta.” (O Paladino n. 29 de 1852). “ Aquelle
bicho tem um andar de mosca-tonta.” (Lan tern a Magica n.
441 de 1894).
Mosqueda -r- Form iga muito vulgar, tambem conhecida
pelo nome de oncinha (S plegu ), de seis expecies conhecidas.
M osqueiro — Bodega, tasca, espelunca; casa de pasto ou
botequim ordinário frequentado p or gente baixa. (C afés e
m osqueiros fechados á meia noite.” (Lan tern a M agica n. 835
de 1906). “ E ’ a lli no pateo de S. José que tem um mosqueiro,
que recommendamos ás pessoas que quizerem aprender al­
guma cousa.” (A Pim enta n. 13 de 1907). “ Ccnfessando o furto,
Bacuráo disse haver deixado as m ercadorias em um mosqueiro
á rua do C odorniz” . (Jornal do R ecife n. 298 de 1913).
Mosquêtão — Arm a de fogo, do mesmo typo e adarme da
carabina, porem mais curta, e de m enor alcance, e usada p or
praças não combatentes como corneteiros, músicos, tambores
e sapadores, que somente se utilisam delia quando atacadas,
em lucta próxim a. “ Enfurecendo-se o soldado pela rep ith cn -
são, sacou de um mosquetão, alvejando o capitão, ferin do-o
gravem ente.” (Jorn al do R ecife n. 257 de 1915). Term o geral
de caserna.
Mosquete — Cavallo oequtno corredor. “ Para pegar esta
vaqukiha E ’ bastante o meu mosquete.” (A Vacca do B u rel).
Mosquitinha ou mosquito — Especie de abelha (T rig o n a
mosquito, Sm ilh ), de côr escura com algumas pintas amarellas,
tlocil, domestica, e muito avida de principios resinosos. Tem
os seus ninhos nos muros e fendas das pedras, e excepcional­
mente nas arvores, e produz bom e abundante mel, porem pou­
ca cêra.
Mosquito ram ella — Especie de abelha (T rig o n a schrot-
tyi, F rie s e ), preta, de pellos pardacentos, muito docil e timida,
e de ninhos pouco populosos, construidos nas fendas dos mu­
ros e algumas vezes nos ramos delgados dás arvores. Produz
iiu-1 so friv el e pouca cêra.
M ostrar a força dos pasteis —t Prestigio, superioridade,
com pefencia, autoridade, influencia, poderio, força. “ Os en­
carregados do saí áo do Club não tem poupado esforços para
mostrar a força dos pasteis.” ( A Pim enta m. 57 de 1902).
M ostruário — V itrina, armario, mostrador para a exposi­
ção de objectos nas casas de negocio ou de propaganda indus­
trial. “ Notamos aos vãos entre as janellas do recinto da ex ­
posição- os mostruários de Carlos F. X avier de Britto dos seus
conhecidos productos doces e conservas” . (A P rovín cia n.
316 de 1915). “ S. Excia. visitará na exposição algodoeira, os
mostruários de Minas, Sergipe, Bahia e Pernam buco.” (J o r­
nal do R ecife n. 161 de 1916).
M otoreiro. motorista ou m otorneiro — Machinista de atu-
tom ovel, bonde electrico e lancha a gasolina. “ O m otoreiro,
ao ruido produzido pelo cboque, pouco se encommodou com
o caso” ,(D ia rio de Pernambuco n 215 de 1915)” . O motorista
está se revelando de uma delicadoza a toda p rova.” (Jornal
Pequeno n. 48 de 1916). “ O autom ovel n. 111 pretencente á
garage Gcnceição era guiado pelo m otoreiro João Francisco
dos Santos.” ( A P rovín cia n. 240 de 1915).
Mourão — Esteio forte de bôa madeira, empregado nas
construcções de curraes de gado e de peixe, e nos cercados das
fazendas para se prender as rezes destinadas á matança e cas­
tração: Pren d er a rez ao mourão. “ Quando eu pensava estar
solto Engano! Estava a m a rra d o ... Ofíde se arrojam novilhos,
ünde se castram os touros.” (O Boi E spacio). “ Curraes de
mourões por cima dos quaes se podia passar.” (Capistrano
de A b reu ). 0 termo figura nesta vulgar parlenda infantil, re ­
citada pelas crianças ao jogar no telhado da casa o dente de
leite que extrahiu, a fim de que o novo saia bonito, perfeito,
e sem demora, sem comtudo saber-se o que seja ou represen­
ta semelhante term o: Mourão, mourão, toma o teu dente po­
dre, e dá cá o meu são.
Mourisco — Gato de côr cinzenta, escura, mesclada de
mais clara. “ Gato pintado é mourisco.” (O A lfin ete n. 13 de
1890). “ O mais dorriestico dos gatos, preto ou branco, mou­
risco ou malhado, é a m elhor e mais educada policia sanita-
ria de uma casa.” (D r. Lins e S ilva ).
Mouros — Folguedo popular, representando uma luta naval
entre mouros e christão. constituindo um auto proprio, com
letra, musica e bailados, o qual, na phrase de S ylvio Rom ero,
é uma reminiscência das lutas contra os mouros na península
hispanica. N o nosso F olk-lore Pernambucano particularmente
estudamos esse tradicional folguedo entre nós.
Mo velaria — Estabelecimento onde se vendem m oveis; of-
ficina de m arcineiro que os fabrica. “ O chefe da firm a p ro ­
prietária da m ovelaria fechára o estabelecimento ás 17 horas.”
(A P rovín cia n. 47 de 1915). “ Foram nomeados peritos para
a vistoria dos salvados do incêndio da m ovelaria De Carli.”
(O, Estado de Pernambuco n. 50 de 1915). O termo m ovelaria
appareceu entre nós, não ha muitos annos, servido de titulo
ou denominação de uma loja de m oveis que houve na velha
rua da Im peratriz, e que desapparecendo, *foi estabelecida uma
outra, na mesma rua, com o titulo de M ovelaria Pernambucana,
em 1912. “ O termo quer indique reunião, conjuncto, collecção,
quantidade de moveis, quer indique o lugar onde são elles fa-
bi içados, a officina, o estabelecimento, muito bem fo i form a­
do o neologismo popular, natural form ação do radical m ovei e
do su ffixo aria.” (D r. Julio P ires ).
M ovido — 'Rachitico, enfezado, que não adquire o desen­
volvim ento proprio, commum. Diz-se tambem de um fructo
assim, correspondente ao vernáculo pêco.
Muáfos — Roupa ordinaria, velha; arranjos, preparativos
de v ia g e m ; Arrum ar os muafos.
Muamba — Velhacaria, esperteza, patranha; negocio illi-
cito de com prar e vender objectos furtados. “ E ’ certo que o
Lapa- sem ser de presepe, compra muitas muambas?” (O D e­
sespero o . 15 de 1880). “ Uma certa casa coito de muambas.”
(A D errota n. 19 de 1883). “ O despachante tinha preparado
aquélla muamba para cahir na mão de certo conferente, que
estava peitado.” (Pernambuco n. 365 de 1912). D erivados:
Muambas, fatfer ou praticar muambas. “ Em muambar, fu i P er-
ninha.” (A Derrota n. 12 de 1883). Perninha era a alcunha de
um conhecido gatuno da epocha. Muambeiro, velhaco, gatuno;
individuo que compra e vende muambas. “ Senhores moambei-
ros. Agora então Vv. mcs. e a policia são os freguezes da
g ia ? ” (A m erica Illustrada n. 7 de 1885). “ A p olicia não deve
perder de vista os moambeiros e com pradores de muambas,
que preventivam ente deverão pernoitar na Casa de Detenção.”
(O Tam oyo n. 18 de 1891). Muamba é term o africano, si bem
que, com accepções differentes, como, nomeadamente, com a
de carreto» segundo Cannecatim; e com a voz de-Muhamba,
como nome de uma c-specie de cesta com prida, como a nossa
maca, usada n’A frica pelos naturaes nas sua? viagens segundo
Capello e Ivens. O termo appareceu no Ceará, com o escreve
Paulino Nogueira, entre os retirantes, n o periodo da secca
de 1877-1880, e generalisou-se extraordinariam ente com a sig­
nificação de velhacada, furto, esperteza; e dahi o derivado mo.
am beiro, applicado áquelles que tiravam p roveito da sua po­
sição para se locupletarem, desviando do seu destino os gene-
ros alim entícios e outros recursos que o governo mandava ás
vicfim as daquella calamidade. Beaurepaii^e Bohan consignando
o vocábulo muamba, o dá como corrente no Ceará e ' outras
províncias do Norte. Entre nós, porem, temos idéa de que já
tinha curso em epocha anterior áquella em que appareceu no
Ceará, e particularm ente applicado ao furto de assucar e algo­
dão, praticado nos respectivos armazéns pelos p roprios traba­
lhadores, que depois os vendia a freguezes certos. Em fim , é
tambem corrente no R io de Janeiro, e onde, na giria dos ga­
tunos, tem mesmo as expre;ssões de arranjo deshonesto, e
furto de m ercadorias de navios encorados, ou de armazéns da
Alfandega.
Mucama ou mucamba — Rapariga de côr. liv re, forra na
pia ou geralm ente escrava, cria de casa, segundo a phraseolo-
gia do tempo da escravidão, especie de criada, mas
de estimação, bem tratada, empregada somente em cer­
tos e determ inados serviços domésticos, e trabalhando
ao lado de sua senhora e das senhoras moças; cal­
çada, e decentemente trajada acompanhavam-nas nos seus pas-
seiofs. Algumas aprendiam mesmo a lêr e escrever, recebiam
uma certa educação, e protegidam ente casavam com um rapaz
da sua igualha. “ Mãe, pae, tias, irmães, mocambas e crias de
casa tudo se levanta e corre para vêr montar o m enino.” (O
Vapor dos Traficantes n. 111 de 1859). “ Um dia encontraram
vasia o quarto da mucama. Fugira a bella mulata.” (A P im en ­
ta n. 493 de 1906). “ A mucama dos engenhos constituia o typo
interm edio da graça, da brejeirice, do catitismo, ao lado da
preta quituteira e da sinhá moça.” (A ra rip e J u n io r).1Estudan­
do Macedo Soares a etym ologia do vocábulo, escreve: Macam-
ba, substantivo bundo, que significa companhia, camarada, ser­
vente, criado de servir. Passou para o Brasil mudando o a em
u, e perdendo o b em quasi toda a parte, principalm ente no
sul, ficando mucama, a escrava empregada nas occupações
de criadai. E pas:sou o vocábulo só no genero fem inino, porque
durante séculos, não se admittiam no in terior das fam ilias
senão serventes desse sexo. Mucama póde sêr a criada do
quarto, a camarada da senhora; . . . escrava da camara dos
senhores, escrava de dentro de casa, em outra posição mais
favorecida que os outros escravos.”
Mucica — T ico, tic, m ovim ento ou contracções nervosas,
convulsivas, sysfematisadas; carêtas, tregeitos, momices.
Açoite, empuxão, sacudidela que o pescador dá com a linha,
quando sente que o p eixe mordeu a isca para bem prendel-a
ao anzol: Dar a mucica. “ Emquanto n ãò tiv e r certeza que o
bicho enguliu o anzol não dou mussica.” (Jorn al do Recife n.
99 de 1916). D errubar de mucica: derrubar a rez na carreira,
puxando, o cavalleiro que com ella se emparelha, pela cauda
e torcendo-lhe com força até fazer cahir o animal. O term o
é corruptela do tupi mô-cyca, fazer chegar, puxar para si, at-
trahir, segundo Th eodoro Sampaio.
Muçú •— P eix e de lagôa, esp ecie. de cobra d’agua, preto,
luzidio, e tão lizo, que escorrega ao pegar. Segundo uma cren­
dice popular, o muçu’ nasce das crinas de cavallo mergulhadas
em aguas estagnadas. “ A terra do Brasil é tão caroavel de
produ zir pescados, que nos campos p or onde nunca os houvè,
quando pelo in vern o se form am nelles alagôas, logo se acham
nellas uns peixes, a que chamam mussu’s, semelhante a en­
guias.” (D iálogos das grandezas do B ra sil). Vocábulo de o ri­
gem tupi, é corruptela de mbuçu’, vulgo muçum, especie de
enguia d ’agua doce. (A lfre d o de C a rva lh o). T h eodoro Sam­
paio registra o term o Piram boya, corruptela de pirá-m boy, o
peixe-cobra, o moçu; S. Paulo. N o R io Grande do Sul tem o
nome de muçun, e Jeronym o V ile lla assim o registra (mussum)
entre nó?. Com o nome de Mussu’ ha um engenho no m unicí­
pio da Escada, e um riacho affluente do rio Ipojuca.
Mucu’fa — Medroso, m ollengo, pusillam ine; soldado fra ­
co que tem medo de enfrentar um desordeiro. “ Mamãe se dam-
na com as prosas do tal mucu’fa, estudante de pharm acia.” / (A
Pimenta n. 488 de 1906). Casa ordinaria, porca, immunda.
“ Estava com o pensamento que moravam empilhados numa
mucu’fa .” (A m erica Illustrada n. 8 de 1884).
Mucumbage — Petrechos de catim bozeiros; arranjos, re ­
cursos, alguns bens de fortuna. O Antonio va i bem no seu ne­
gocio; já tem a sua mucumbage. Um individuo ahi qualquer,
um troca-tintas, um João-ninguem. “ A herança que ficou-lhe
de seu tio Mucumbage.”' (A m erica Illustrada, 1872). “ Y a yá Mu­
cumbage vai phratasear-se pelo carnaval.” ( A Pharam acia n.
6 de 1902). “ Uma nota do itin erário para os homens não des­
garrarem do frev o emquanto as mucumbagens cantam/’ (P e r ­
nambuco n. 49 de 1914).
Mucumbu’ — Arranjo, preparo; utencilios, traços; A rran ­
ja r o seu mucumbu’.
Mucurana — Especie de parasita, piolh o ou lendea (P h ti-
rus pubis), que ataca o gado e a p rópria gente. Ha de duas
especies. “ Cambaleando no brejo sob a acção da carraspana,
M ordido p or persevejo, P or form iga e mucurana.” (O Destino
dos am antes). Baptista Caetano registra Muquirana, denomi-
naço vulgar no sul, e nom e de origem tupi, dá como corrup-
tella de m biquirài lendeas do piolh o de pelle, ou de man.
oqura piolh o que se agarra á pelle, de ya-m biquirai lendeas
do couro cabelludo.
Muda — Roupa de que se dispõe variando o modo de tra­
jar ; O Antonio só tem duas mudas, uma no corpo, outra
n ’aguat. Canario sem muda: quem anda sempre com a mesma
roupa. Muda dos dentes; o menino está na muda, aos sete an­
nos; já fez a sua muda. Ca,vallo novo. de uma só muda.
Quantas mudas tem este cavallo?
Mufumbar — O mesmo que amufumbar.
Mula — Tum or syph ilitico nas verilhas, de caracter com-
mum, e Mula de rabo, o pronunciadamente manifestado. Mula
sem cabeça; Mula de padre: M ytho da barregã do ecclesias-
tico, que metamorphoseáda em mula, cumpre o seu fadario
em certas noites, sentindo-se mesmo a sua passagem pelo tro ­
pel vertiginoso da carreira com que caminha, e o lugubre ti­
lin tar das cadeias que arrasta, apavorando immensamente a
quantos presentem tudo isto. “A fama lugubre dessa apara-
gem creou a lenda em que Arcovelha representa o papel de
mula sem cabeça.” (Leon Tupy).
Mulata velha — A Bahia. “ Poz-se no oco do m undo...
Foi passeiar até a mulata velha, a terra de Saraiva a Cotegi-
pe.” (O João Fernandes n. 45 de 1887). “ O Dr. Seabra no mo­
mento em que passou o governo da maluta velha ao seu suc-
cessor, entregou tambem o bastão da política bahiana.” (D iá ­
rio de Pernambuco n. 99 de 1916).
Mulato — F ilh o de branco com negro. “ Natus ex patre
ouropeo et matre ethiopissa dicitur Mulato.” (M a rcgra vi).
“ Portuguez de braço dado com negra captiva á noite é fa b ri­
ca de mulatos m alcreados: cadeia nos dous, um em cada xa­
drez para evitar duvidas” . (A Pimenta n. 652 de 1908). E ’ des­
sa mistura do branco com preto que vem chamar-se mulato
em Portugal, ao café com leite. Mulato que não chegou a capitão
de m ilicias e a provedor do Livram ento, não é mulato. (D icta-
do dos tempos coloniaes). Term o de tratamento intim o affec-
liv o : Meu mulato; minha mulata; Que mulata bonita! Môlho
da mulata: Apimentado, forte, ardente. Mulata velh a: A Bahia.
Os mulatos originariam ente, eram, como observa um escriptor,
“ gente indócil e rixenla, de indole irrequ ieta; podiam ser
contidos a intervallos por actos de prepotência, mas reassu­
miam logo a reberdia originaria. Suas festas, menos cordeaes
que as dos negros, não raro term inavam em desaguisados; den­
tre elles sahiam os assassinos e os capangas profissionaes.”
Mas as mulatas pela sua belleza, encantos, dengues e requebros
lascivos, tinham apaixonados e apreciadores, e tornaram-se v e r ­
dadeiras rainhas pela sua influencia e predom ínio. Já em 1711,
estudando Antohil as tendencias e ascendências da raças com ­
ponentes da nossa população, resum ia: “ O Brasil é in ferm o
dos negros, purgatorio dos brancos, e paraiso dos mulatos.”
A dicção, porem, já va i desapparecendo, e desde muito, sub­
stituída pela de pardo, que vem mesmo dos tempos coloniaes,
e até mesmo officialm ente consagrada, como se vê da organi-
sação dos Regim entos de Pardos, de par com os de Brancos,
Indios e Pretos, quando o governo da m etropole entendeu,
em meiados do seculo X V III, dar ao exercito colon ial uma fe i­
ção particular, creando corpos especiaes, distinctamente com ­
postos de gente das diversas castas da população do paiz. O
vocábulo mulato, como escreve Gonçalves Vianna, é derivado
de mulo, mula, e assim já usado pelo poeta quinhentinsta
Gil Vicente, qu'e no auto de C lérigo da Beira, emprega mulato
por macho, e mulatinha por mulinha; e para provar, que nes*
ta accepção é ainda hoje conhecido na ín dia cita este trecho
de Donald Fergussoei (L etters from Portuguese captives in
Canton, Bombaim, 1902): “ Em um dia se passa este caminho
em mulatos e asnos.” O Padre P ereira firm a as duas accep-
ções que tem o termo, escrevendo: Mulato, homem, Hybrida,
<e; e Mulato, besta, Burdo, burdonis.
M ulher dama — De vida fa c il; prostituta. “ Moça soltei­
ra com mulher dama, é grande erro, cobra má fama.” (A m e ­
rica Illustrada, 1873). Esta phrase é antiquissima, e já era
vulgar na Bahia pelo,s annos d‘e 1725, como ccwista de uma
obra coeva, o Compendio narrativo do peregrino da Am erica,
dizendo á respeito o seu autor; “ Estando eu uma noite na
cidade da Bahia, ouvi ir cantando pela rua uma v o z : e tanta
que punha fim á copla, dizia, como p or apoio da cantiga: Oh
diabo! E fazendo eu reparo em palavra tão indecente de se p ro ­
ferir, me disseram que não havia negra, nem mulata, nem mu­
lher dama, que o não cantasse, p or sêr moda nova, que se usa­
va.” E ’ provável, que entre nós fosse já então tambem corren ­
te a locução; mas documentadamente registrada só a encon­
tramos em 1761, em um escripto do Padre Bento Capêda, so­
b re os jesuitas, dizendo, que o padre Manoel Franco, do Col-
legio de Olinda,” dançava a fô fa (que é dança muito deshones-
ta ), com mulheres damas.” Em um escripto de 1820 sobre o
governo do general Luiz do Rego, encontram os; “ Mataram uma
mulher dentro do R ecife e no outro dia o general mandou pôr
as casas de todas as mulheres damas em cerco, dar-lhes bolos e
chicotadas e cortar-lhes o cabello.
M ulher do mata piolho — Teimosa, intransigente, cabeçuda,
tenaz, opiniosa. “ Está o Sr. Martins Junior no in glorio papel
da mulher do mata piolho, teimando, teimando, enquanto Deus
lh e der vida e sau’de.” (A Lanceta n. 52 de 1890). A locução
vem de um conto das nossas historias populares, assim in ti­
tulado.
Mulher perdida — O mesmo que mulher dama. “ Se vire#”
a mulher perdida, Não a trates com desdem; P orqu e Deus
tambem castiga, Não diz quando, nem a quem,” (T ro va s p o­
pulares).
Mulher vadia — Avoadeira, de vida facil. F ilh o de frade
com mulher vadia diz-se, de quem se quer chasquear da sua
filiação.

539
Mumbanda — Escrava moça, de estimação, que decente­
mente vestido, mas descalça, acompanhava a seus senhores
em passeios e visitas, caminhando atraz do grupo. “ Uma
cabrinha de doze ou treze annos, para mumbanda.” (O C ru­
zeiro n. 131 de 1829). Termo de origem africana com a mes­
ma expressão de mucamba, companhia.
Mumbêbo — Ave do archipelago de Fernando de N o­
ronha, das especies parda, de peito branco, e branca, de
encontros pretos Tem os seus ninhos nas grutas e fendas dos
penedos, onde pernoita, e apenas amanhece entra a esvoa­
çar p or toda a costa. “ N egros mumbêbos em b a n d o ... V iu ­
vas e mumbêbos, são feios e tristes.” (Jeronymo V ilella).
Mumbica — Garrotinho de anno, magro, enfezado (Syl-
vio Romero). “ Xoram e xorarani, Com grande pena e pezar
Somente mode um mumbica Que dão para se matar.” (A B
C do Vaqueiro, Ceará). Seu criado de mumbica; como que
dizendo: Um servo humilde, que nada presta. N o sul, se­
gundo Macedo Soares, tem o termo as expressões de ruim, a
tôa, desenxavido, sem graça, nem o que se a p ro v e ite ...
Cousa á toa, jogo ruim ; homem mumbica. mal vestido, de-
sengraçado; cavallo mumbica, de máos andares, ou mal arrea­
do. Qual a etym ologia deste vocábulo? Será de origem a fr i­
cana? Nuns autos de Congos, de versão bahiana. encontra­
mos: “ Nosso rei de Congo, Mumbica, Onde havem achalo,
S enhora?” Gonçalves Dias- porem, registra Mombica, como
um termo tupi, com as expressões de furar, desflorar.
Mumburas — Os dous paus extrem os da jangada.
Mundo — O R ecife, Pennambueo, na giria dos presidiá­
rios de Fernando de Noronha. “ O mundo, como dizem os
presidiários dc Fernando de N t ronha, é Pernam buco, é
tudo quanto nào seja o desterro a que os condemnára a
iuslica.” (Diario de Pernambuco n. 146 de 1916). Almas do
oatro mundo: visão dos mortos. Andar no mundo da lua:
airastracdo, enganado- illudido. confiante. “ Que drama!
One sorte tão crua! Inté a madania N o mundo da lu a ? ”
( J c nr! do P ecife n 44 de 1915). A tirar.se ao mundo:
diz-5'? da mulher que se prostituiu Botar a bocca no
m undo; falar, gritar. Botar o mundo a baixo: escarceos,
prol estos, p or Uma contrariedade qualquer. Qahir na bocca do
mundo: em descredito, na animadversão publica. “A laranja
de madura Cahiu n’agua fo i ao fundo; Triste da moça solteira
que cahe na bocca do mundo.” (T ro va s populares). Cahir no
mundo; o mesmo que atirar-se ao mundo. Enquanto o mundo
fô r mundo; por muito tempo, pará^ sempre. Estronda mundo;
influencia, agitação, espalhafato. Nom e de uma rosa, assim
chamada por ser a m aior da especie. “ O ensaio do club car­
navalesco Cartolinhas. fo i um estronda mundo dos diabos.”
(Jornal Pequeno m. 21 de 1914). Ganhar o ôco do mundo; fu­
gir, de: apparecer, pôr-se ao fresco. Fugimos, e quem quizer
nos vêr, tome o caminho do ôco do Mundo.” (Jornal do R eci­
fe n. 50 de 1916). Mulher do mundo: de vida facil. M eio mundo:
todo o mundo; Deus e o mundo; toda a gente, o povo in teiro.
*>urdcr: lugares, uma paragem qualquer: Você aqui por estes
mundos, é novidade. Quèrer abarcar o mundo com as pernas;
am bicionar grandes cousas, metter-se em funduras. Tapar a
bocca do mundo; occultar, pretender calar a vo z do povo.
“ Luiza, canastra velha, Cesto, samburá sem fundo, Eu procuro,
mas não posso Tapar a bocca do mundo.” (T ro va s populares).
Dictados e adagios: A i mundo, que vaes ao fundo; Chamo-me
Aileixo, no mundo acho, no mundo d eix o ; Da bocca do mundo
ninguém se liv ra ; Este mundo é um c h ifre ; O mundo dá mui­
tas voltas; O mundo é dos mais expertos; Quem não tem
quem o ensine, o mundo ensina,
Munganga — Trejeitos, caretas, momices, visagens. “O
Joaquim P ereira, que costuma fazer a sua munganga” . (A m e ri­
ca Illustrada n. 13 de 1878). “ Aquellas mungangas na dança
foram im pagaveis” . (A za N egra n. 6 de 1882). “ Tantas mun­
gangas fez o padre a ella Que, apenas as notou, As armas lhe
mostrou Do seraphico padre São Francisco.” (Barbosa Vian-
n a). Ataque, deliquio, vágado; accommettimento subito de uma
affecção qualquer: Dar, ter, cahir com uma munganga. Com o
nome de Munganga ha um povoado no m unicípio de Bom Jar­
dim. D erivados; munganga, munganguice. “ Faz medo passar-se
junto do Lemos quando está na munganguice” . (A m erica Illus-
trada n. 5 de 1883). Munganga é um term o africano, do quim-
bundo, e com os seus derivados, naturalmente extranhos; teve
curso em Portugal, como se vê destes versos do Palito M e triç o ;
“ Nullus jam cantus in orbe est, monganguices nostras qui nes-
ciat ceines” .
Munguzá — Especie de papa feita de m ilho descacado, tem­
perada com leite de côco ou de vacca, assucar, manteiga e canel-
la. “ Vendo mocotó, Vendo munguzá; E tudo bem feito,Que m e­
lh o r não há” . (O campeão n. 6 de 1861). “ Esse tal negoci nte
alim entava seus caixeiros com mungunzá no almoço, no jantar
e na ceia, dizendo que é para dar sustança” . (A Pimenta n.
77 de 1902). “ Fui alm oç r munguzá no corredor da avenida
central do M ercado.” (Idem , n. 542 de 1907). O vocábulo é de
origem africana, segundo S ylvío Rom ero.
Muhum — A rvo re de muito bôa madeira para ccnstruc-
çces diversas.
Municio — Munição, mantimento, provisão de bocca; ra ­
ção, na giria dos Presidiários de Fernando de Noronha.
“ Descançamos na fazenda Santo Antonio, e nos occupa-
mos o resto do dia em fazer municio de bocca... Na fazenda
Curral doM eio fez a divisão do municio para tres dias.” (C ane­
ca. Itin e rá rio ).
Muque — Braço; musculo, força physica. “ Pucha, rapari­
g a .. . Força no muque e . . . deixa andar” . (Jornal do R ecife n.
77 de 1915). “ Força n o muque, madaína, que a futrica é v icia ­
da (A lanceta n. 117 de 1913). O termo tem curso em Sergi­
pe, com a correspondência ao que chamamos aqui lagarto; e
no R io de Janeiro, dado ao byseps, musculo do antebraço, que
dá movimento ao braço, — que importa a mesma cousa, e ain­
da empregado na concepção de força physica. “ Baratinha se­
gurou no cachorrinho que estava dormindo e collocou-o a mu­
que em baixo do chapéo.” ( 0 T ico- tico n. 599 de 1917).
Muriçoca — Mosquito pernilongo (D ip tero çuliçideo). E*
do seu germen, depositado em aguas estagnadas ou em vasilhas
que vem a larva vulgarmente chamada m artello. Mosquito in-
ccmmodo, de uma ferroada picante, acompanhada de um
certo zumbido, diz Southey, que mesmo atravez de lan chu­
pa o sangue. “ A picada do m aroim é tão dolorosa como a do
mosquito, que no B razil se chama m oriçoca.” (H> K oster),
“ A h ! figura chifrim de m uriçoca!” (Pernam buco n. 296 de
1913). Vocábulo de origem tupi, vem de pir-y-çog, o que fura
a pelle; ou de mberu-y-çog, a mosca perfuradora (Baptista
Çaetano).

Murumuré — Istrumento musico dos indios, feito de cer­


tos ossos, e assim chamado pelo som particular que produz.
M urzella — P o r donzella. em tom depreciativo.
Muscubiras — Novidades, contos, historias, noticias; cou­
sa occulta, inesperada, intem pestiva: Surdir de muscumbiras,
isto é, apparecer contando historias, novidades, lorotas.
Musica de barbeiros — Uma orchestra má. — “ Inexhau-
riv e l em talentos, o barbeiro é tão capaz de tomar a malha
caliida numa meia dfe seda, como de executar na rabeca ou na
clarinetta, walsas ou contradanças francezas, que compõe, v e r­
dade é, a seu modo. Apenas sahido do baile, passando ao ser­

542
viço de uma con fraria religiosa eil-o num dia de festa, assen­
tado com mais cinco ou seis com panheiros .num banco collo-
cado^.no exterior do portal da igreja, executando a sua musi­
ca destinada, esta vez* a estimular o zelo dos fies esperan­
do no templo, onde se acha disposta uma orchestra mais ana-
loga ao culto d ivin o.” Eis ahi a origem da phrase, segundo a
narrativa de um espirituoso viajante de começos do seculo
passado. “ Oh! tempos a fo rtu n a d o s !... Tudo era bello e sim­
ples. O h! E a musica dos barbeiros! (D r. Castro Lop es).
Mutúca — Vespa de agudo ferrã o ; moscardo, mosca gran­
de. cuja m ordedura faz sangue: persegue os animaes. (G on ­
çalves Dias ). “ Venal, pedante, covarde. Só m orde com o as
mutucas.” (O Brado da Razão n. 26 de 1849). “ Eu podendo a-
perrea-los. Com mutuca verm elha, M ostrarei N eco quem é
Com suas tacadas feias.” (C ancion eiro do N o r te ). Com o nome
de Mutuca circulou um p eriod ico hum orístico em 1874, e ha
uin logarejo no m unicípio de V itoria. O termo é tembem vu l­
gar na Bahia, como nome de um p eixe de agua salgada des-
cripto por A lvares Camara, e dado pelos operários das c o r­
doarias de caruá e piassaba aos homens do serviço geral, e
que não tem o ffic io . Vocábulo de origem tupi, como escreve
T heodoro Sampaio, é corruptela de mô-tuca, a que perfura ou
aguilhoa a perfuranfe, picante, alterado em mutuca, butuca.
Mutum — Galinaceo do genero crax, todo preto, excepto
o bico e as pernas, e do tamanho de um peru pequeno. Ha d i­
versas especies, entre as quaes uma menor, com o nom e de
Mutum pinima. M arcgravi descreve as especies com os nomes
indígenas de Mutü ou Mitü> é Mituporanga, que é natural­
mente o Mutupuranga (C ra x eliector L in n ). “ Outras aves
a que chamam Mutu’s, que são do tamanho de um grande ga-
lipabo (p erú ), não menos prezadas que elles” . - (D iálogos
das Grandezas do B ra zil). Paulino N ou eira cita como
etym ologia do vocábulo: mutúm, escuridão, negrume. ( J; Luc-
c ok ). Corruptela de m bir tu, o que tem a p elle negra. E n tre­
tanto alguns dão como onomatopaico. (Baptista Caetano).
Mututúca — Especie de p eixe registrada p or Jeronyino
Y iiella.
Muxinga — Pancada, bordoada; surra, sova; e para ex­
p rim ir o bater, ou mandar bater, a locução: muxinga no ma­
caco, ou no mataco. “ M uxinga rômataco, que te dou p ’ra teu
tabaco” . (O R egenerador B rázileiro n. 11 de 1845). “ U zi pleto
candu fruta, sinhô dá muxinga n ê m ” ,(0 Barco dos T ra fica n ­
tes n. 8 de 1858). “ A lferes tambem leva muxinga no mataco.”
(Am erica Illustrada, 1872). D erivado: M uxingueiro: • Cacetei­
ro, brigão, desordeiro. “ Este moleque muxingueiro tem man­
dinga; parece que teve parente que tomou fortuna na Cruz
do Patrão.” (O Libera! Afogadense n. 2 de 1845). Term o de o-
rigem africana, vem de misinga (C o n go ), corda, musinga,
disciplina; mi xinga (B u ndo), açoites, chicote, corda. (M ace­
do Soares) Moraes escreve moxinga> surra de açoites; dizem-
n’o os pretos.
M uxinifada — O mesmo que o termo da giria portugue*za,
Mexurufada, registrado por Alberto Bessa, com as suas p ró ­
prias expressões de trapalhada, m ixórdia, cousa mal feita.
M uxoxo — Estalinho dado com a lingua como demons­
tração de desdem, pouco caso, aborrecim ento, enfado.
“ Quando vem assumpto grave e serio dão logo um muxôxo,
assim p or modo dos estalinhos que dão os m ariscos” . (O C.a-
rapuceiro n. 78 de 1837). Voltando as costas dá um muxôxo
entre dentes” . (Lan tern a Magica n. 492 de 1896). “ A matuta da­
va em resposta um muxôxo ou um olhar de m ofa e desprezo.”
CFranklin T a v o ra ) S ylvio R om eio suppõe que o vocábulo mu­
xôxo é de origem africana.
N

Na brisa — Em quebradeiras, apitando, na pindahyba.


“ 0 sugeito sempre na brisa, v iv e a tocar leques com bandur­
ra. sem vintem , sem n a d a ... A cuja está numa brisa mãe,
tendo por isso furado varios amantes seus.” (A Pim enta n.
574 de 1907).
Na maciota — N o brando, calmamente, mansamente. “ A
calida e jo via l velhota, na maciota, fisga tambem os seus
coiós.” (A Pim enta n. 80 de 1902). “ Deram um punhado d©
abraços e cheiros em Arlequim , e se foram na m aciota.” .
(Jornal do R ecife n. 50 de 1914). A phrase vem de longe, mas,
originariam ente, P ela maciota. “ O nosso govern o não é as­
sim; tudo ha de ir pela m aciotç.” (O Mesquita Junior n. 6 de
1836). “ Os velhos traficantes, Pela maciota, Vão daado em
cheio De basto e sóta. (O Vapor dos Traficantes n. 97 de 1859).
“ Arran jado ficareis, assim pela maciota.” (Id em n. 240 de
1860).
Nambú — A ve gallinacea (Tinam us plumbeus, Tem m .)
dos campos ou das capoeiras, muito timida, e de duas espe­
cies: Nambü-piranga, avermelhado, e Inhambü-assu’ . O au­
tor dos D iálogos das grandezas, do Brazil o menciona como
uma ave m aior que as cordonizes da Europa- e que não in ve
ja em bondade, gosto e sabor aos tão estimados faizões. Em
festa de jacaré não entra Nambú. (A d a g io ) Nambu’ , inham-
bu’ é corruptela do ,tupi y-manbú, o que corre surdindo, ou
im ergindo, ou que levanta o vôo rum orejando, a p erd iz:
545
corruptela y-ambur, o que se levanta a prumo. (Baptista
Caetano). Alterado em nambú, enambu’ (C rypturu s).
Nam orado sem ventura — In feliz, caipora, ridicu lariza­
do. ludibriado.
N am oro de caboclo — Especie de am or platonico; paixão
cm segredo que por acanhamento, receio-ou falta de coragem
não se declara. A locução vem do seguinte, constante do cyclo
das nossas Historias de Caboclos: Gostava muito um caboclo
de certa rapariga muito bonita, e a todos gabava-se de que
era sua namorada. Alguem porem, ouvindo um dia essas suas
pacholices, diiz*-lhe; Caboclo, olha que se o pae da moça sou­
ber que tü namoras com ella. desanda-te uma bôa sóva de
pau ao que respondeu elle na sua meia lingua: Não tiveste re ­
ceio; porque ae o moça não soubeste, muito menos o pae delia.
Nanar — Fazer adorm ecer uma criança no collo ou nos
braços, ou embalando-a no seu berço, ou na rede, cantan­
do, em geral, as Cantigas do berço, do nosso fok -lo re: “ Nanai
meu menino, Nanai meu am or; Que a faca que cortá dá talho
sem dor.” Moraes registra o term o com a expressão de dorm ir:
Vamos nanar; queres nanar menino? e Aulete igualmente, como
m im ologico. “ Boisinho. boisinho, Que estás no curral. Vem vêr
o meriino Que não quer nanar.” (D e uma cantilena maran­
hense).
Não botar agua a pinto — Nada fazer sem a mira de um
interesse qualquer. “ Ao Porph irio, pois a elle me refiro, P or
fim. Não que eu tenha para mim Que elle bote agua a pinto.”
(C ancioneiro do N o rte ). O dictâdo vem, naturalmente, deste
outro, portuguez, antigo, registrado pelo P. P ereira : Não lan­
ça milho a pintães.
Não redondo — Negativa perem ptória, decisiva, irrevogá­
vel. Ao levar um não redondo, arrepia e sahe apitando.” (A
Pim enta n. 4 de 1914).
Não sei que diga — 0 diabo. “ A minha ventura pouco du­
rou .. . Isto foi, segundo pensou artes do não sei que diga.” (O
Barco dos Patoteiros n. 33 de 1864). “ Passa p ’ra dentro m eni­
na! Sae d ’ahi, não sei que d ig a !” (X . de Qastro).
N ão te gasto — Não estou para o aturar; deixe-m e; não
me aborreça; vá sahindo. “ O Martins, vae fugindo do comtis-
mo, que dizer, vae dando as de v illa Diogo, fazendo cruzes
ao manifesto de 1888, e dizendo ao Annibal: não te ga sto!” (A
Lanceta n. 29 de 1890).
N a ponta — Em evidencia, nas graças, dando as cartas.
Nascer — Quebrar-se um objecto de louça ou vid ro ; O copo
de lam parina nasceu hoje. Escapar a um grande perigo. “ De
uma pessoa que se livrou d’um grande perigo, se diz: F. nas­
ceu hoje.” (T h eoton io R ib e iro ). “ Um dia tendo eu escapado a
um grande perigo, disse-me o meu com p a n h eiro; o Sr. nas­
ceu hoje.” (C arlos Teschauer). Nascer impelicado. Diz-se dos
que nascem assim, isto é, “ dentro de uma das túnicas, em que
anda no utero, que se rasga cá fó ra ,” que são ditosos, fe li­
zes, venturosos. S. S. é fe liz: nasceu impellicado. lavou-se em
agua de cuia.” (Jornal do R ecife n. 122 de 1916).
Nativism o — Paixão predominante sobre tudo que é ex-
tranho á terra natal. “ Dum nativismo hyperbolico, Cypriano
Barata ia ao extremo de desdenhar tanto as ideas e os ho­
mens como as cousas transmarinas.” (A lffre d o de C arvalh o)
D erivado: Nativista.
Natural — Patria, terra, lugar do nascimento. “ Triste
cousa é de quem anda Fóra do seu natural; Se um dia passa
bem, Tres e quatro passa m al” . (T ro va s populares).
Natural de bom genio — Tolerante, cordato, indifferente,
que não se insurge nem reage contra cousa alguma; esíar por
tudo.
N aufico — Cavallo que tem algum defeito em um dos
quadris. “ Deixou-me um quartáo fa m o s o ... Naufico de um
quadril.” (D ’A herança de D idinha). O termo é corruptela do
vernáculo nafego, que diz-se do cavallo que tem um quadril
ou anca mais pequena que a outra.
N avegar — Andar, caminhar, viajar em terra. “ Olá, menino
José. Muito cedo navega você h oje: P arti de Santo Antão na
madrugada velha.” (F la n k lin T a v o ra ). O term o com esta ac-
cepção é tambem corrente em outros Estados do norte, no­
meadamente o R io Grande e o Ceará. “ Pela rua navegou, E
encontrando um sugeito Pop P orp h irio p ergu n tou ... Meu
Sallés, eu tenho pena, De seres um pobre cego, Não poderes
enchergar O caminho em que eu navego.” (C ancioneiro do
N o rte). Tem o termo assim tambem vóga o o R io de Janeiro,
como se vê destte trecho de um conto local, de Cyro Costa:
“ Havia vinte annos que o caboclo navegava por aquelle sertão
do Christo afora.”
N egocio da Costa da Mina — Cousa que deixa grande lu­
cro. A locução vem dos tempos dos bons negocios do trafico ‘de
africanos, os negros da costa.
Negráda — Grupo, reunião, multidão de negros; pessoal,
regencia, ajuntamento de rapazes divertidos e camaradas; reu­
nião de gente vadia, desoccupada. “ Em meio dos gritos da ne-
gráda seguiu para o xadrez.” (A Pimenta n. 28 de 1901). “ Em
certa sociedade se apresenta, deitando verborrhéa p’ra a ne-
gráda.” (Id em n. 68 de 1902). “ Eu louvo a tua sciencia De en-
gazopar a negrada.” (Jornal do R ecife n. 228 de 1915).
N egreiro — Individuo branco que tem predilecções pelas
regra s; e em outros tempos, o traficante de carne humana,
que no seu aviltante com m ercio arrancava a homens livres dos
seus lares nas regiões africanas, e os reduzia a uma escravidão
perpetua que se estendia á sua prole. Os barcos que se em­
pregavam nesse trafico tinham o nome de navio negreiro. “ Des­
pejada a carga na praia, entregues os conhecimentos das pe­
ças da índia ao caxeiro do negreiro, a fúnebre procissão par-
íia a internar-se nas moitas da costa para dahi começarem as
peregrinações sertanejas.” (M. de O liveira M artins).
N egro — Tratam ento intimo, fam iliar, affectivo mesmo:
Meu negro; meu negrinho; que negra bonita! “ Menina, você o
que tem, Que commigo se enfadou? Será porque seu negrinho
A seus pés não se curvou?” (Quadras populares). “ Meu negro
fez-se das mais carinhosas expressões falladas da lingua por-
lugueza, no Brasil, e, como tal, desbancou os clássicos e piegas
Meu bem, Meu anjo, Minha flor, que apenas resurgem na sem-
saboria e morbidez dos poetastros” . (D r. Lins e S ilva). Escre­
ve Zorobabel Rodriguez, que a plirase Meu negro é um provin-
cialismo da Am erica M eridional como voz de carinho, e cita
esta quadrinha chilena de uma Tonada popular: “ En la plaza
andam vendiendo Ram illitos de a peso; Le lie de com prar a mi
negro, Será mi g u s to ... e por eso.”
N egro novo — O recem-cliegado d ’A frica nos tempos da
escravidão, que começava a aprendizagem da lingua vernacula,
dos princípios da religião e do serviço que lhe era destinado,
e assim chamado para o distinguir do escravo antigo, já ins­
truído, chamado ladino. “ Casa para alojamento de negros no­
vos á rua da Cadeia do R ecife n. 50.” (D iario de Pernambuco
n/251 de 1829). “ Furtavam centenas de negros novos e os iam
esconder nas mattas” . (O Vapor dos Patoleiros n. 21 de 1867).
“ Cavallos, negros novos e ladinos, tudo, tudo lhe fazia conta.”
(O Cometa n. 30 de 1845). Falar lingua de negro novo; mal,
incorrectamente. Dictados populares sobre o negro, correntes
e vulgares: Bacalháo é comer de negro, negro é comer de on­
ça; Bôa conta lança o preto, seu senhor o está vendendo; N e ­
gro cresceu, apanhou; N egro de luva é signal de chuva; N egro
em festa de branco é o prim eiro que apanha^ç o ultimo que co­
me; N egro em pé é um tôco, e dormindo é uni porco; N egro

548
jurado, negro apanhado; N egro nu’ não dança; N egro peque­
no é m oleque; N egro quando pinta, tres vezes trinta; N egro
quando não suja, tisna; N egro só tem de gente os olhos; O ne­
gro é carvão, e o branco seu dinheiro; Quem não tem coragem
não amarra negro.
Negróte — N egro moço, rapaz, molecote. “ João Matheus
não tinha fam ilia de especie alguma, com excepção de uma ne-
grota que lhe fazia a comida, e uma negra idosa que lhe la ­
vava a roupa” . (Fran klin T a vora ).
Nem com assucar — De modo algum; por nenhum m otivo.
“ A directoria da troça avisa ás congeneres que p o r enquanto
não receberá na sede cumprimento de ninguém, p or m otivo
imperioso. Nem com assucar, diz e lla ” . (Jornal Pequeno n. 40
de 1916).
Nenêm — Menino de peito; criança; o recem-nascido: Es­
tar de nenêm. Moraes registra o termo com a voz de nené, c ri­
ancinha, menino pequeno. “ Toda moça que não tem Seu nenêm
para brincar, Póde fica r na certeza Que no céo não ha de en­
tra r” . (S ilva de cantigas soltas).
Nenêm de gallinha — Especie de piolho que ataca os ga lli­
naceos. Num anuncio-troça de um Leilão que publicou A Pim en­
ta no seu n. 55 de 1902, figura uma collecção de Nenem de gal­
linha.
N h ôr — Abreviatura popular da palavra senhor, com o
fem inino de nhára ou inhóra e o dim inuitivo de nhôsinho.
muito commum e corrente na bocca do camponio rústico e da
gente ignara, e dahi as phrases Nhôr não, N h ôr sim, como ex ­
pressões de respeitosas negativa ou affirm ativa. “ Nhom oço não
ha de entender meia lingua de p reto” . (R od rigo O ctavio). Nas
republicas do Pacifico, como escreve Zorobabel Rodriguez, ha
tambem o nhô, nhôr e nhan, que se antepõem aos nomes de
pessoas pobres e plebéas, que por sua idade ou estado m ere­
cem alguma cousa mais que o insolente tu’ dc quem lhes d iri­
ge a palavra.
N icho — Pequeno santuario ou oratorio de madeira embu­
tido na frontaria das casas para públicos exercicios religiosos,
dos quaes ainda restam alguns, fechados, em algumas ruas es­
cusas da cidade. Vem dahi o nome de Rua do Nicho do Noia,
que prim itivam ente tinha a da Assumpção, no bairro de S. José.
Ir ao nicho: P erd er dinheiro no jogo.
N ico — Macaco bugio, mono ou nico, como vulgarmente
*
se chama” . (O Telegrapho n. 2 de 1859). “ Macaco se chama
n ico” . (A Marmota pernambucana n. 25 de 1859). “ O nico da

549
Caparica. Era um nico assaz g a la n te ... Entre os douà só d if­
teria ter o n ico rabo atraz” . (O Esqueleto n. 11 de 1846). Tam ­
bem se chama nico ao sagui.
N icoláo — Moeda de nickel de qualquer valo r: Um nicoláo
de cem ou duzentos réis. “ Leva a Pim enta? Levo, sim senhor
respondeu o menino, prom pto para entregar a folh a e receber
o n icoláo” . (A Pimenta *n. 16 de 1901>. “ Tinha elle o cuidado
de levar para o cujo, fosse cavar onde fosse, um nicoláo de tos­
tã o ” . (Jornal do P ovo n. 5 de 1916). “ P ’ra cá o nicoláo, fre-
guez” . (A Lanceta n. 94 de 1913). Synonimos: N icacio; N icles;
N ic o ; Niquinho. “ Os taes companheiros, á falta de nicles, m ar­
charam no calcante para a Bôa Viagem ” . (A Pimenta n. 62 de
1907). “ O compadre estava dando festa á g a ro ta d a ... e quan­
ta gente bôa estava a lli apanhando n icles!” ( Jornal Pequeno,
1915).
N in ar — O mesmo que nanar: P ô r a dorm ir o menino, a-
dormental-o (M oraes). “ A velha nina o netinho, e canta com
v oz tão doce que parece um passarinho” . (Lanterna Magica n.
159 de 1886). “ E lle não teve uma avó, como a minha, que
quando eu era menino, ninava-me cantando modinhas que nun­
ca mais esquecerei” . (O Alfin ete n. 6 de 1890). “ V ai ninar os
teus meninos, dar-lhes leite p ’ra mam ar” . (A Pim enta n. 86
de 1902). N in ar é corruptela de um verbo portuguez, obsoleto,
Aninar, que Bluteau registra, escrevendo: “ Aninar a criança.
T el-a nos braças e cantar-lhe para a adormentar; costumam
as amas a dizer-lhe cantando: A h ! minha nina, nina d’onde
vem o Aninar. Puellum in sinu, suavi cantu sopire” . Moraes
registra tambem assim o termo, como fam iliar, e com as ex ­
pressões de arrolar, adormemtar a criança; Aulete porem, já
consigna ninar, como termo in fan til: acalentar, adormecer,
dorm ir a criança.
Ninho de ratos — Gaveta ou banca desarrumada, em de­
sordem.
Ninho de xexéo — Carapinha assanhada, arrepiada, avolu­
mada.
N o brando — Calmamente, brandamente. “ Responda agora
no brando uma leitora qualquer: a parte forte é o m arido?”
(A Pimenta n. 21 de 1902). “ Em campo O Guarda nocturno,
promette dar aos seus leitores uma reportagem dos factos que
se passarem durante a noite, m a s ... no brando” . (Id em n. 60.
N o calcante — O mesmo que calcante, andar no calcante,
palmear a pé. “ Os taes campanhas, á falta de nicles, marcha­
ram no calcante para a Bôa V iagem ” . (A Pimenta n. 620 de
N o duro — Com firm eza, resolutam ente; sem frouxidão
nem desvios; de animo firm e, deliberado. “ Em tempos de e lei­
ção bate a chapa de seu patrão, a lli no duro, sem indagar do
nome do candidato” . (A zevedo Junior). “ E ’ a minha these;
responde o Dr. M anoel Caetano, alli, no duro” . (A P rovin cia
n. 81 de 1916).
N oiteiros — Classes diversas, como de solteiros, casados,
meninos, artistas etc., que tomam á si uma noite de novenas
das festas religiosas de arraial, correndo p or sua conta todas
as despezas. “ Cada noite de festa era confiada a um grupo
de novenarios ou noiteiros, que faziam todo o possivel para
que a sua novena ultrapassasse a de todos os outros” . (A lfr e ­
do Brandão).
Non potes est — Não pode ser; não é possivel; bata nou­
tra porta.
N o olho da gata — Locução de duvida, desprezo, desdem;
assim pronunciada, ou com esta phrase com plem entar: Na pes­
tana da barata. Com iguaes expressões: N o olho de João Bodó.
N o passo da ema — Calmamente, vagarosam ente; sem pres­
sa, despreoccupadamente. Com idênticas accepções: N o passo
do constrangimento.
N ordeste — E pizootia dos gallinaceos: Dar o nordeste na
criação.
Norm alista — Alumno da Escola Norm al, officia l, ou das
equiparadas. “ Moça que pela rua, Anda toda sacudida, Fallan-
do só, muito alto Para m elhor ser ouvida E ’ norm alista” . (A-
merica Illustrada de 28 de Setembro de 1873). “ O Snrs. nor-
malistas fizeram unicamente uma cousa: p rovar que quando
deixam os bancos da escola, não estão aptos para disputar u-
ma cadeira de prim eiras letras num concurso” . (Idem , n. 18
de 18(53). Em 1882 circulou um p eriodico sob o titulo — O
Norm alista, do Club Litterario dos Normalistas, installado a 6
de Julho.
Nossa Senhora da Paz — O mesmo que Bandeira da M ise­
ricórdia.
N ova seita — As seitas protestantes evangélicas, baptista,
presbyteriana e outras, e depreciativam ente, os seus adeptos.
“ João Marques, caixeiro fona, D eixa esta vida, te ageita, Vai
engraxar tuas botas E não sejas nova seita” . (A Pim enta n.
88 de 1902). “ Chegando a titia, a mulher diz dos homens o
que o Padre Augusto não diz da nova seita” . (Id em n. 23).
“ Snrs. chaleiras, o Sr. Dr. fo i jantar fóra. Deixou-lhes dito
que fossem fumaçar na nova seita” . (Lanterna Magica n. 733
de 1903). Na Encruzilhada ha uma rua a que o vulgo deu nome
de N oya seita.
N ove horas — Phrase fam iliar de despedida de uma v isi­
ta, ou para a terminação de uma prosa, ao toque de N ove ho­
ras da noite, ou ás vinte e uma horas, segundo a phraseologia
moderna. São nove horas; quem de dentro, dentro, quem de fóra
fóra. Cabeça secca, já deu nove horas. (D ictados populares)
V. Cabeça secca.
N ovilh o de ponta limpa — Rapaz vigoroso, forte, de san­
gue na guelra; fura parede; espingarda que não mente f o g o . . .
N ovilh ote — Dim inutivo de n ovilh o; boi novo. “ Tenho
corrido muito gado, N o vilh o te e barbatão Nos carrascos e res­
tingas” . (A Vacca do B u rel).

552
o
Obra — Excrem ento humano ou de qualquer outro ani­
mal: Fazer obra. Mãos á obra: dar com eço a um emprehendi-
mento qualquer. Isto é que é obra! O calangro atraz da c o ­
bra! Dictado de satisfação, alegria, contentamento. Obra da
ponte: Peças de roupa de fazenda ordinaria, de máo córte e
costura, feitas em porção, e assim expostas à venda. O quali­
fica tivo vem do tempo èm que havia na ponté do R ecife uma
linha de casinhas, ao correr dos seus extrem os lateraes, feitas
de taipa de sebe, as quaes eram oecupadas por mercadores de
fazendas, quinquilharias, ferragens e roupa ordinaria, casinhas
essas que desappareceram com o desabamento da velha pon­
te em 1815. Obra de carregação: Ordinaria, mal feita, “ que
cada um escolhe á sua vontade e a seu g e ito ” . (O Carapuceiro
n. 16 de 1837). obras de carda- O mesmo que as antecçdentes.
Obra de encommenda: Feita por medida, e cuidadosamente
trabalhada. Obras d j m isericórdia: Castigar com pancadaria.
Muxinga no macaco, Chegar a roupa ao pello. A locução vem
de um dos preceitos das Obras de M isericórdia: Castigar os que
erram.
O ffic ia l de defunto — Individuo malvado, perverso, que
tem a mão assentada no hom icídio.
Ogerisa — Prevenção, teiró, antipathia, aversão. “ E* tal a
ogerisa ou rancor que esse gallego vota aos brasileiros, que se
algum vai pedir-lhe um pedaço de terra para morar, manda-o
botar fóra a cacete.” (O P ovo n. 47 de 1857). “ Vota ogerisa
e grande h o rror ao o cio ” . (Pernam buco n. 276 de 1913). ü
termo, porem, já vem de um tanto longe. “ Benzi-me, e disse:
grande é a ogerisa, que vós outros diabos tendes á gente da
justiça!” (D iario de Pernambuco n. 276 de 1829). “ Não consa­
gramos ogerisa alguma ao novo m inistério.” (O Paisano n. H
de 1843).
Oiteiro — Concurso poético, ao ar livre, por occasião de
festividades religiosas, á noite, para o que se armava um e le ­
gante palanque no pateo da, igreja, como que representando o
monte Parnaso, no qual tinha assento uma mulher conveniente­
mente trajada, figurando Musa, que distribuía os motes para se­
rem glozados pelos poetas que concorriam ao certamen. Os oi-
teiros poéticos, que desenvoluidamente estudamos no nosso Folk-
lore Pernambucano, tiveram vóga entre nós até meiados do
seculo passado. Para darmos uma idéa das Glosas immediata-
meite feitas aos Motes distribuídos, consignamos a seguinte,
do Padre Felippe Benicio Barbosa, que floresceu em meiados
do seculo X V III: A Conceição de Maria. “ Fez Deus no dia p ri­
m eiro O mundo sem luzimento; N o segundo o firm am ento E
fez o mar no terceiro; N o quarto fez o luzeiro, Que a todo
o mundo allumia, N o sexto fez os humanos; Dahi a quatro
mil annos A Conceição de M aria.”
Oitiva — Falso, illegitim o, duvidoso. “ O A lfred o toma
ares de c h e f e . . . de oitiva, e já não fala a toda gente” . (O M a­
jor Leal n. 1 de 1890); “ Estar de arma em punho para fazer
as continências m ilitares aos ministros generaes de oitiva.”
(A Lanceta n. 52 de 1890). “ Raça infinita de pedantes, em
que figuram até maestros de oitiva.” (Lanterna Magica n. 471
de 1895). /
O itizeiro — A rvore do oiti da praia ou do oiticoró, plan­
tas indígenas da fam ilia das Chrisobalaceas. Alm eida Pinto
trata das suas diversas especies, estudadas por Arruda Cama-
ra, que as classificou, notando-se que o oiticoró vem já des-
cripto por M arcgravi sob o titulo de A rb or pom ifera. “ Reuni­
dos debaixo do frondoso oitizeiro da nossa bella pracinha fun­
damos a troça carnavalesca Potoqueiros de Santo A n ton io” .
(A P rovín cia n. 51 de 1914) T erm o de origem tupi, vem do
nome do fructo ui-ti, massa branca, dura, com prida.
Olaria — Estabelecimento industrial de fabricação de ti-
jollos e telhas, geralmente situados á margem dos rios n ave­
gáveis. “ D eclaro que com prei as olarias da v illa que foram
de Samuel da Costa S errão. . . Comprei todas as terras, olaria
e sitio das casas que foram de Manoel da C u n h a ... Tenho na
dita villa todas as terras, fóros de casas, olarias e pertenças,
que foram de Afonso Rodrigues S errã o .” (Tlestamento de J.
Fernandes V ieira, 1674). N o Inventario dos bens patrimo-

554
niaes do Collegio dos Jesuitas de Olinda (m eiados do seculo
X V III) figura uma Olaria de fazer telhas e tijollos “ N o porto
da Conceição em Goyanna, tinha Jorge Cavalcanti grandes
olarias.” (F ra n k lin T a v o ra ). D eriva d o: O leiro, p roprietário
ou operário de olaria. “ Abandonpu a olaria, a profissão de
o leiro ” (Lan tern a Magica n. 452 de 1895). “ O oleiro fo i ác-
com mettido de uma syncope na estação cen tral” . (Jornal do
tR ecife n. 100 de 1915). Term o vernáculo, esta sua particular
accepção entre nós vem de tempos remotos, porquanto já as­
sim o em pregava o donatario em carta dirigida ao soberano
em 1549, dizendo que havia na colonia muitos mestres de en­
genhos e de assucar, carpinteiros, ferreiros, oleiros e o ffi-
ciaes de form as e sinos para o assucar. Os indios tinham no
seu idiom a termos proprios para exprim ir os dous vocábulos:
Camotim monhangába, ou Panema monhagába, olaria; e Ca-
motim monhagára, ou Pjinema monha.fjára, oleiro) segundo
Gonçalves Dias.
O leré! — Dicção in terjectiva de afíirm ação, assentimento,
concordância; de expansão de alegria, satisfação, adm iração.
O leré! grita o demo de contente; E ’ você só maráo? tem fran ­
ca entrad a!” (Sentinella da Liberdade n. 25 de 1848). “ O D r.
Macaco, você p or aqui? — O leré! Vou constituir advogado
nessa perseguição do jogo de b ic h o .” (Lan tern a Magica n.
528 de 1896). “ Solteirinho, o leré! e liv re dessa má trindade:
uma sogra, uma mulher e um b e b é .” (A Pimenta n. 2 de
1901).
Olhar — Brotar, rebentar, deitar olhos. O galho da ro ­
seira pegou; já está olhando.
Olho — Nos dictados e locuções: Pelos olhos se conhece
quem tem lom brigas; manifestação de desejos ou intenções.
“ Logo ha de haver quem diga, Pois pelos olhos lom briga Se
conhece.” (C ancion eiro do N o rte ). Olho da ru a!; puxe! saia!
Pôr, botar no olho da rua; despedir, dispensar, mandar em­
bora. “ O hom enzinho queria passar de caixeiro c a socio,
e o patrão botou-o no olho da rua.” (Jornal do R ecife n. 280
de 1915). Companhia do olho v iv o ; quadrilha de gatunos. Ir
de olhos fechados; precisamente a um certo lugar. Olho no pa­
dre, olho na missa, olho no sachristão; não perder nada de
vista; em observação attenciosa. F . , fecha os olhos para o
mundo, e abre-os para Deus; palavras que se pronuncia f e ­
chando-se com os dedos os olhos abertos de um defunto.
Olhos aboticados, de pata galada, de pitomba lam bida; gran­
des, estufados, fóra das orbitas. Olhos de cabra m orta; tris­

555
tes, languidos, sem expressão. Olho de p eixe; especie de p i­
menta (Capsicum ) muito vulgar Olhos de peixe cozido; co­
bertos com uma pelle branca. Olhos de maracujá; grandes,
vivos, bonitos. Olhos de mucuim; pequeninos, apertados, en­
covados. Olhos de secca telha, oti pim enteira; cubiçosos, in-
vejoSos, perniciosos. Olhos de retroz embaraçado; vesgos, es­
trábicos; Olhos de V ib ora; pequenos, vivos, luzentos; Olhos
máos; perniciosos, que m aleficàm ente actuam sobre as pes­
soas e até mesmo sobre as cousas inanimadas, deitando-lhes
quebrantos ou olhados. “ Drogas mysteriosas com que as bru­
xas curam de olhos máos” . O Jornal do Recite n. 92 de 1915).
Sangue no olho; vivo, experto, arreliado. “ Agora aguenta-te
com elle, que tem sangue no olho e cabello na v e n ta .” (F ran -
klin T a v o ra ). Olhos no caminho; esperar com anciedade por
alguem. T e r mais olhos que barriga; diz-se de quem appetecè
quanta comida vê, muito embora de barriga cheia.
Onça — Nom e vulgar das especies do m am ifero carní­
voro do genero felino, assim denominado, mas particularm en­
te dado á onça pintada, ou verdadeira (F e lix onça, L in n .),
occorrendo as especies sussuarana e tigre, sendo esta menos
feroz que aquella. M arcgravi estudou e descreveu tres espe­
cies do genero em Pernambuco, que menciona com os nomes
Indígenas de Jaguará, Jaguarete e Caguacuarana, vindo o n o ­
me de onça tigre dado á preta naturalmente pela sua fe ro c i­
dade. Da onça faz já mensão um chronista de começos do
secu lo.X V II, escrevendo: “ Tambem se acham nesta terra umas
onças ou tigres muito listrados, do tamanho de um bezerro,
grandes perseguidores do gado domestico, do qual costuma
sempre matar m u ito s... Estes animaes quando se acham fa ­
mintos accommettem ao homem; e homem branco nunca ou­
v i dizer que matassem, mas sim os indios e negros de G u in é.”
Especie de jogo, em taboleiro como o de dama, representando
as pedras uma onça e um certo numero de cachorros, ga­
nhando a partida quem consegue encurrullar a fera numa fu r ­
na, figuradamente disposta no alto do taboleiro, com a fórm a
de um triângulo com a base para cima, e cercando-a de modo
a não poder sahir. Jogo da onça; jogar a onça. In dividuo aü-
daz, valente, destemido. “ Que é cabalista, e cabalista onça,
provam as suas façanhas e leito ra e s .” (O Diabo n. 32 de
1876). “ Eu cá sim, sou cabra onça.” (A m erica Illustrada n.
18 de 1877). “ Tem commissarios onças a nossa e d ilid a d e.”
(Lan tern a Magica n. 181 de 1887). Com os predicados de co­
rajoso, energico e destemido, teve o appeiiido de Onça o sar­

556
gento m ór Jósé Correia da Silva, que dirigiu o serviço p o li­
cial do R ecife de 1787 a 1811. V irá dahi, daquella epocha, o
vocábulo com taes accepções, ou já era vulgar, e dest’arte
applicado, com muita propriedade áquellç prim eiro chefe da
nossa segurança publica? Ou p or analogia, de igual appellido
imposto ao governador do Rio de Janeiro Luiz Vahia Mon­
teiro (1725-1732), por eguaes predicados, e de onde vem o
dictado ainda alli muito corrente, de Cousas do tempo do
Onça? Estar na o n ç a ; Em quebradeira, apuros, difficuldades:
na pindahyba. “ Está com a onça o thesouro, não pinga mais
nem v in tem .” (O Constituinte n. 4 de 1861). “ Coitado! anda­
va na onça. Não possuia nem r e a l.” (O Conservador Verm e
lho n. 21 de 1863). “ Quem estiver na onça chegue-se a elle,
que sosinho faz tres cousas: empresta o dinheiro, reconhece
as firm as e faz a p rocu ração.” (L an tern a Magica n. 95 de
1884). O ccorre em fim as locuções Comer de onça e Historias
da onça, já registradas.
Oncinha — Especie de form iga, Splegii, tambem conheci­
da p or Mosqueada.
Onze letras — O mesmo que Constantino. “ Onze quer
dizer onze letras e o povo não é espoleta de ninguém” . (A
Lanceta n. 10 de 1890).
Opilação — “ Anem ia ou hypoem ia intertropical, muito
vulgar no Brasil, e geralm ente conhecida p or opilação” . (D r.
T heodoro Lan gaard).
Opinião do sapo — Perseverança de um capricho tolo,
preju dicial. Vem da conhecida historia de um sapo, que f i ­
cando de uma vez sob a pata de um boi*, caprichosam ente sup-
portou todo o peso do possante animal, p or muito tempo,
comtanto que não se rebaixasse era pedir-lhe que se desviasse
para o deixar sahir.
Ora bolas! — In terjeição de desdem, de despeito, de abor­
recim ento, para enchotar um importuno, ou rebater uma inso­
lência. (M acedo Soares). Concurrentemente occorrem as lo ­
cuções: Ora pipocas! Ora sebo!
O ratorio — Ameaça, jura. Estar no or& iorio: ameaçado,
jurado. A locução vem do tempo das execuções capitaes, cujos
condemnados, uns tantos dias antes de serem justiçados, eram
mettidos no oratorio da cadeia para pedirem a Deus perdão
dos seus crim es. Estar no oratorio nesses tempos, queria d i­
zer: em agonia de padecente para ir m orrer.
Orelha — Nas locuções ° ciciados: Orelha da sota: Jo­
gatina. “ Não se póde deixar de notar o grande numero de
jogadores que existe no T a m b oril; e raro é a pessôa que não
pucha a orelha da sota.” (M anoel Xim enes de Aragão, 1814).
“ Esbravejam que o prelado vendera alguns vasos sagrados, e
se ficára com o seu producto para o queim ar na orelha da
sota.” ( A Carranca n. 47 de 1845). Orelhas de cabano; Gran­
des, abertas, cahidas, em allusão aos animaes de orelhas de-
cahidas: Um cavallo cabano; um porco cabano. Orelha de pau:
Vegetação que nasce no tronco das aívorcs, ou em madeira
exposta ao ar, com a form a approxim ada de uma orelha, cou-
reacea, branca, ou averm elhada. Andar de orelha em pé. P r e ­
venido, cauteloso.Torcer a orelha e não deitar sangue: A rre ­
pender-se de ter feito uma cousa qualquer. Quando arde a
orelha direita, estão falando bem da gente; e mal, quand,o a
esquerda.
Osso — Em prego, collocação, arrumação, arranjos vanta­
josos. O termo, porem, é tambem usado no dim inutivo e no
plural. “ Ao Barão da Bôa Vista Cruelmente atassalhaste, Mas
em fim logo mudaste Quando um osso te estendeu ” (O Patu-
léa n. 20 de 1850). “ E lle pilhou um o ffic io de serventia vita­
lícia ; agadanhou esse osso m olle.” (O Mocó n. 2 de 1851).
“ Levem com geito este moço, dêm-lhe a roer qualquer osso.”
(A Pim enta n . 39 de 1902). Pegar, conseguir, arranjar um
ossinho: V á roendo o seu ossinho bem caladinho, sem se m e t­
ter em politicagem e camisas de onze varas. “ Lem bram os que
S. m c. deve esse ossinho ao Sr. Carneiro, e que se não fôra
este, ainda andaria p o r essas ruas dando á tra m e lla .” (O
Clam or Publico n. 61 de 1845). Na accepção de mãos: “ Dá-
me a mão! Me aperta os ossos/’ (O Destino dos am antes). D i-
ctados: Dar com os ossos na cadeia, ser preso. Osso d iffic il
de ro e r; A quem se dá um osso não se deseja m orto. Ruim
é o cão que se lhe atira um osso e o despreza.
Ostra — Mulher feia, repellente, um canhão: A qu illo é
uma ostra.
Oura — Presumpção, orgulho, arrogancia, soberbia: Um
pobre diabo que não vale dous caracóes. ,com uma oura de
lorde, de fid a lgo !
Ourado — Que tem bens de fortuna; rico, abastado; co­
berto de ouro: Uma dama ourada; uma tabolêta.
Ourama — Muito ouro: A mulher do Antonio compareceu
á festa com uma ourama enorm e; isto é, abusivamente ador-
nada de joias.
Ouriço cacheiro — Malamanhado, em desarranjo; de rou«
558
pa mal assentada. Ouriço cacheiro é um pequeno m am ifero
concurrentemente conhecido com o nome de quandu’ .
Ouricury — Palm eira que abundantemente vegeta na zona
sertaneja (C ocos coronata, M a rt.), e que produz bom azeite
extrahido da amendua do fructo. Alm eida Pinto a descreve
com o nome de A ricu ri. Ouricury é o nome de uma das nos­
sas cidades sertanejas, e naturalmente assim chamada pela
abundancia desta palm eira na localidade, cujo nome é de o ri­
gem indigena, corruptela de ari-curii, o cacho amiudado, ou
repetido, o que dá cacho de continuo, segundo Theodoro Sam­
paio.
Ourinol — Vaso de camr.ra, “ Ouiro que tem um beiço do
tamanho do de ourinol vidrado.” (O Cometa n. 28 de 1844).
“ Passando com o certo que o rei saltava aqui, um nobre mandou
preparar a casa do seu engenho com a m aior pompa possivel,
e até mandou pratear os oúrinós.” ( A Duqueza do Linguarudo
n. 108 de 1877).
Ossada — Mulher muito magra, esqueletica.
Outário — De bôa fé, desprevenidam ente. (G iria dos ga­
tunos).
Ovádas — Os testiculos.
Ovádo — Diz-se do p eixe com ovas. “ Estamos na estação
em que o p eixe está geralm ente ovado.” (B eau repaire R oh an ).
O term o porem já vem de bem longe, como assim o registra o
poeta G regorio de Mattos: “ a curimã ova'da, Que lhe form a
em dois lados quatro g ib a s .”
O veiro — O rificio anal da gallinha. O veiro cahido, p ro­
lapso. Estar de oveiro virado. Diz-se de um individuo con­
trariado, aborrecido, zangado.
Ovelha — Cousa;- pessôa, individuo. Aquelle sugeito não
é lá muito bôa ovelha. Bocca de ovelh a; a que se asseme­
lha a deste anim al. A ovelha mansa, mama na sua têta e na
alheia; Uma ovelha má deita um rebanho a perder. (A d á ­
gios) .
Ovo de duas gemmas — Cousa muito reputada, encareci­
da: Não compres nada naquelle casa, que alli o ovo é duas
gemmas.
O’ x en te! — Locução in terjectiva de admiração, desdem,
duvida; indignação, desprezo. Menina saia da janella Que a
janella não é sua; O’ xente, senhor tenente, D eixe a gente vêr
a r u a .” (T ro va s p op u la res). “ O’ xentes, disseram umas ra-
pariguinhas da visinhança.” (F ran klin T a v o ra ). “ A ’ ti me p ren ­
de uma paixão ardente; Dá-me de amor a minima p a r c e lla ...
E ella me disse desdenhosa: — O’ xen te! (Barbosa V ia n n a ).
p
Pá — D icção onomatopaica para exp rim ir o ruido ou ba­
que da queda de um corpo solido, do choque entre dous, e
de pancada ou bordada. “ Pá, embigada no Arara, que dança
cantando.” (O Çometa n. 32 de 1845). A omoplata, a parte
superior das costas; a parte mais larga e carnuda da perna
da rez, onde articula com o tronco. Bôa como a carne da pá;
Nem bôa, nem má, como a carne da pá; Homem da pá vira­
da: estróina, arreliado, turbulento. “ Mulata da pá virada
Passando p or um caixeiro D iz este muito b reje iro : A i m ore­
na! não vai nada?” (A Pimenta n. 88 de 1902). Pá do rabo;
a pança, a barriga: Encher a pá do rabo.
Pabulagem — Empafia, gabolice, jactancia, impostura, p e­
dantismo. “ Deixa dessa pabulag-em, Que tü só pescas de anzó;
Eu não pesco mas atiro E não erro um tiro só.” (Versos de
D esa fio). “ Negro, em tuas pabulagens Eu não posso acredi­
tar; Pois eu tambem tenho negro Mas não boto a vad iar.”
(C ancion eiro do N o rte ). Chapéo de banda é pelintragem , chi-
nello nos pés é pabulagem. (D ictado popular). D erivados:
Pabulação; A rrotar pabulagem; P abu lar-se; Assoalhar gran­
dezas, contar historias da onça. “ Não te pabula, meu cabra,
D eixa de pabulação; Bezouro não vale nada, Mas fura que
nem ferrã o .” (Versos de D esafio). Besteiras do moleque João
Pedro, se pabulando que é inspector do E spinheiro.” (A P i­
menta n. 9 de 1914). Pabulo: Gabola, fan farrão jactancioso
prolencioso. “ Não acreditava porem a gente do lugar nas p roe­
zas de arromba, que blazonava o pabulo.” (José de A len ca r),
Paca — M am ifero roedor (Coelogenys paca), habitante das
matias, e excellente caça. “ Tambem se acha grande quantida-

561
(ie de pacas, muito maiores que a lebre, listradas de pardo e
hrancp, cuja carne p or gorda, é semelhante a do porco, po­
rem mais .saborosa.” (D iálogos das grandezas do B ra sil). Um
dia, um dia, cachorro de pacca mata cutia. (D icta d o ). O v o ­
cábulo, segundo T heodoro Sampaio, vem de pag. o que é vivo ,
experto, agil; mas, como escreve Macedo Soares, vem de pac,
acordar, despertar, tirado do costume desse roedor de desper­
tar ao anoutecer. Quando alguem o vê diz; iguê-pac, despertou.
Pacaia ou pacaio — Charuto, cigarro ordinário. “ Quqm
poderá responder si é exacto, que certo Dr. compra charutos
pace.ios na feira da Encruzilhada, e diz que são Damnemam?
(A Pimenta n. 556 de 1907). “ O sugeito procurou entreter-m e
com uma conversa pau, pefumando-me a cara com um charu­
to pacaia, que o Papagaio vende a dous vinténs.” (Idem , n. 560).
Pacamão — P eix e de couro, de agua doce (Batrachus chy-
ptocentrus, Cuv.), muito saboroso, embora bastante feio, co­
mo nomeadarriente, o pacamão do alto S. Francisco. Cara de
pacamão de enxurrada: muito feia. O vocábulo vem do tupy,
nacamó, e já era vulgar no alvorecer do seculo X V II, como
se vê da ménsão que faz o Padre Iv o d’E vreux de um indio.
grande feiticeiro, chamado Pacamão, que encontrou na capi-
tenia de Cumá, no Maranhão, nome esse naturalmente to­
mado do peixe, segundo o costume do aborígene.
Pacavira — Mudável, variavel, inconstante, vira-folha.
Pacavira ou paquevira é uma planta Cusacea de porte baixo,
que vegeta em touceiras, de gracides folhas, largas, com pridas
com a face superior de côr verde, e a in ferio r, revestida de
um pello esbranquiçado, de fôrm a que, agitadas pelo vento,
deixam successivamente vêr a sua dupla coloração; vindo
dahi a expressão do vocábulo. Alm eida Pinto não trata deste
vegetal, salvo se o faz com uma uma outra demominaçãò, que não
as duas mencionadas. D escrevendo F r. Vicente do Salvador a
marcha dos indios para a guerra, e tratando das suas p ro v i­
sões de viagem, chama paquevira ao seu farn el de farinha,
dizendo que é um embrulho liado, feito de umas folhas rijas,
que nem se rompem, nôm a agua as passà. Seriam essas fo ­
lhas, porventura, as da pacavira, e dahi o nome do farn el?
Com a denominação de Pacavira ha um engenho no m unicípio
de Ipojuca. e um outro no do R io F orm oso; e com a de Paque­
vira, uma florescente povoação no de Gãnhotkijio, um enge-
nhb e uma serra no de Tim bau’ba e uiíi riacho cio de C or­
rentes.
Pachecada — T olice, neoedade, parvoíce, disparate, asnei­

562
ra. “ Com licença do coronel Pacheco e outros Pache^os pela
pachecada da invensão do prefeitoi.” (Pernam buco m 309 de
1913). O term o vem do appellido de um velh o portuguez, Ja-
ckitho Pacheco, bonacheirão, ignorante, e fertissim o em dis­
parates e pavoices, “ o Pacheco das anedoctas, o velh o discí­
pulo de Calkio, negociante, de que não vem ao caso, um
belchior, que Pernambuco conhece tradicionalm ente.” (Idem ,
n. 285). São de numero avultado as historias que se contam
do velho Pacheco, conhecidissimo pela sua vóga, e até mes­
mo porque se acham collecionadas e publicadas em um p e rio ­
dico desta capital (O Binoculo, 1883)» com o um objecto de
curiosidade» de diversão, e para fazer r ir os seus leitores.
“ Pacheco, para apagar uma vela a distancia, com preguiça
de levantar-se õa cama, precipitava sobre a chama um tra­
vesseiro e d ep o L se levantava para ãpanhal-os” “ D iario de
Pernambuco n. 9 de 1917). Uma cousa que muito me emba­
raça, dizia Pacheco, é saber, quando estou deitado na cama,
e ouço o relo gio dar doze horas, se é meio dia ou meia noite.”
Vem dahi as locuções: Estar como o Pacheco; Fazer o pape)
de Pacheco, e o termo pachecal. “ P e lo critério que adoptou
o conselheiro, teria talvez que tratar de pachecal a nota ar­
gentina.” (M . de O liveira L im a ). O bello Pácheco, o nosso Ca­
lino, teve porem, a bossa de ajuntar dinheiro» deixando as­
sim alguma fortuna.
Pachola — Elegante, casquilho, peralvilh o. “ Mais garboso,
mais pachola Cada qual queria ser de Chapéo prá traz cahi-
do.” (R od olph o T e o filo ). “ De uma duzia de pacholas, só elles
se dão a si mesmos im portância. (D ia rio de Pernambuco n.
242 de 1829). “ Eu v i uma lagarticha Tocando numa v io la ; O
calangro respondeu: Oh! que cabrita p ach ola!” (IV o v a s p o ­
pulares). “ Viola, minha, viola, V iola do coração! Cantava um
cabra pachola, Tocando numa funcção.” (Lan tern a M agica n.
912 de 1809). Aulete consigna o term o como chulo, com ac­
cepções outras, vindo já assim em Moraes.
Pacholar-se — O mesmo que pabular-se. “ V i Chico Pães
sem pacholar.” (O Paladim n. 13 de 1851). “ V eja lá vossa
m ercê o sugeito pacholando!” (O ãStna n. 21 de 1882). “ A tal
fulustreca anda se pacholando, que tem quatro contos de reis
na Caixa, Econom ica.” (A Pim enta n. 491 de 1906). D erivado:
Pacholice.
Pachucháda — O mesmo que pachecada. “ Era in crivel a
pachorra com que o honrado thresoureiro soffria pachuchada
d ’um, choradeira d’outro, etc.” (O Guarda Nacional n. 20 de

563
1843). “ Uma dama em scena aberta; um riso, um olhar ven ­
dido, uma paehuchada!” (Lanterna Magica n. 476 de 1895).
Aulete registra o termo pachouchada como chulo, com as ex ­
pressões de asneira no falar, palavra ou phrase obscena; um
modismo do originário, porquanto Bluteau consigna pachu-
cháda. e ccfisoantemente o Palito m étrico: “ Asneiras que re-
fert multas, muitos que dichotes, Et pachuchadas varias de
pectore sacat.” Mantem-se entre nós, portanto, o cunho o ri­
ginário desse plebeismo portuguez.
Paçoca — Comida sertaneja feita de carne secca ou de sol,
assada, e pisada ao pilão com farinha de mandioca, e servi­
da á mesa com banana. “ De manhã a minha Rosa Traz-m e
a paçoca e o café.” (Juvenal G aleno). “ Viam-se alli as cavi-
Ihetes de paçoca e inhame, as muquecas enfolhadas, os bolos
de cará. acepipes ensinados pelos indios.” (José de A len car).
“ Rapadura, carne de bode e paçoca, em Afogados de Ingazei-
ra.” Pernambuco n. 215 de 1913). O vocábulo, segundo Mar­
tins, é de origem indigena, e tinha, originariamente, o nome
de ubati-peiçoca- com a expressão de farinha cosida e socada
segunda vez com carne^ com sal e pimenta, ou amaçada a
mão com alguma fructa, como a banana, por exemplo. Theo-
doro Sampaio poiTm diz que vem de paçoka (p ó-çoca) como
assim chamavam os indios á carne ou peixe pilado e mistu­
rado com farinha, o que quer d iz e r ; pilado á mão, ou esm i­
galhado, desfiado, machucado com a mão.
Páco-páco — O bater do coração, piscar dos olhos repeti­
damente. Estar com os olhos paco-paco.
Pacóva — O mesmo que armas de S. Francisco, banana,
fig a : Dar uma pacova. O fructo da bananeira ou pacoveira.
Si bem que pacóva ou pacoba fo s s e.o nome originariam ente
dado ao fructo dessa conhecida musacea, pela sua procedên­
cia indigena, comtudo não é muito vulgar entre nós; é porem
corrente em alguns estados do norte, como os do Piauhy,
Maranhão e Fará, sendo que neste as especies exóticas tém
o nome commum de banana. Guilherme Pisonis, que fez os
seus estudos em Pernambuco, trata do pacoba ou banana, como
fructo da musacea vulgarmente chamada pacobeira ou pa-
eoeir?. vindo dahi o vocábulo pacoval, que corresponde ao
de bananeira!. Um antigo engenho situado no município de
Jaboatão, com o nome de Pacoval, guarda assim a tradicção
do termo entre nós. Pacova e pacoval são termos de origem
indigena.
Pacü — P eixe de rio, de escamas, muito commum nas cor-

564
rentes da zona sertaneja, vindo dahi o «o rn e de Pacüs, de uma
povoação no m unicípio de Flores. Deste peixe ha tres espe­
cie conheciads pelos nomes de Pacu tinga, branco; piranga,
verm elh o; e pinima, pintado. Pacu’ vem do tupy, corruptela
de pag-ü, rapido ou veloz no com er o p eixe flu vial PrachUo-
dus argenteus. (T h e o d o ro Sam paio).
Padrear — Cobrir, lançar, fecundar. D erivado: Padreador,
c garanhão. “ Na região das Missões no R io Grande do Sul se
dá ao jumento padreador de eguas o nome de trabalhador.”
(H em eterio V elloso da S ilve ira ).
Pad re briga (O ) — Phrase de recusa, ou de reprehensão,
arlmiração ou censura. “ Ora como mente assim de peito lim ­
po? Tam bem assim o padre briga.” (D ia rio de Pernambuco
n 274 de 1829). “ Da-me um abraço apertado. Que farte-ej,
minha amiga, Um bom soneto inspirado! — Isto não! Que o
padre; b rig a í” ( A Pim enta n. 16 de 1902).
Padréco — Denominação depreciativa do padre. “ Sou ura
padreco venal, Corrom pido e im m oral.” (O Barco dos Pato-
teiros n. 11 d 1864). “ A religião serviu outrora para afastar
os homens do bello sexo, para assim tornar-se um predicado
exclusivo dos padrecos.” (A D errota nu 8 de 1883)’.
Pae- — Tratam ento de respeito dado aos pretos velhos, e
e noutros tempos mesmo, indistinctamente, a livres e escravos:
Pae João, pae Antonio, etc. “ Mestre titio me diga, O seu nome
como é? Sinhá p’ra que qué sabê? Iô me chama pae Mánué.”
(D a chula O C arangueijo). Pae da vid a : Sabidorio, expertalhão
cavador. “ Sugeito que v ive sempre muito bem. Nada lhe p ro ­
voca contrariedade; como bem, anda em bôa roda, sempre
traz a carteira com dinheiro, não tem emprego e não se sabe
elle onde mora, nem qual o seu o ffic io .“ (P au lo Judeu). “ Es­
se pae da vida tem pertencido a todos os partidos.” (A P ro-
vincia n. 87 de 1916) . Pae das ancias: um typo grotesco, des-
fructavel, alvo de chacotas. Pae de cascudo: tolo, im becil, fá ­
cil de explorações, de ser com ido por um pé. Pae do lo te :
garanhão. Pae dos burros; diccionario portuguelzu” Quantas
veies, quando me vejo embaraçado para escrever taes asnei­
ras, agarro o pae dos burros, colloco-õ ao meu lado, consul­
to-o para dizer tudo de accordo com o meu e s ty llo ? ” (J o r­
nal Pequeno, 1915). Pae João Congo: R eferencia depreciativa
de um indivíduo cujo nome não convem declinar. “ Tudo
questão de princípios, Pae J oão 'C o n go ! Vosm ecê está compre-
h endendo?” (Pernam buco n. 351 de 1613). Pae Mané: um
qu alificativo chulo, depreciativo. “ V eio á baila Pae-mâné, e
eu cojn elle como socio.” (O Barco dos Traficantes n. 6 de
1858).
P afo — Peça de franzido, frouxa na roupa de mulher..
Pagador das tropas — O pato que cai com o corpo p ’ra
frente, pagando despezas alheias. O mesmo que Ze pagante.
Pagar e não bufar — P o r bem ou p or força, e caladamen­
te, submissivamente.” “ Zé povo é que paga tudo, e não bufa.”
(J orn al do R ecife a . 136 de 1916).
Fageü — Especie de rola (Çolom ba turtur, Less).
Pagode — Zombaria, mofa, debique. T om ar pagode com
alguém; troçar, m etter a rediculo, escarnecer. “ D eixe que
tome pagode com quem tem cara de assento.” (O R atão).
“ Pois então me trate serio, Não me tome a seu pagode, Senão
eu faço tü ires De Pilatos á H erodes.” (C ancion eiro do N o r ­
te.) D erivados: Pagodear. Brincar, fo lg a r diverti-Sfc; zom ­
bar, motejar, troçar a alguem. Pagodeira D ivertim ento, brin-
adeira, festança.
P aio — Bonachão, de mãos abertas, generoso franco, e
assim victim a de explorações, pagador das tropas; o Queirós
que paga p’ ra nós. V iva o paio e bata o bumba! (D ictad o)
“ Com um gordo presente Ao paip engabellam, De tal sorte o
pellam Que o pobre não sente.” (A Carranca n. 22 de 1847).
P aiol — Especie de armazém onde nas fazendas se guar­
dam os ccreaes e os mantimentos de consumo.
Palhento — Com palha; mal p ilad o: m ilho palhento.
Palinha — O mesmo que empalhador.
P alito de fogo — O antigo phosphoro de pau, form ando
maços, unidos nas extremidades, e envolvidos em pó de ser­
ra, de fabricação local, e qu'e inflam m avam riscando-se em
qualquer parte, desprendendo então um fumo espesso, suf-
focante. Palito de fo g o ; idéa dos homens; tres maços por um
vintem ; assim apregoavam a m ercadoria os seus vendedores
ambulantes. Depois appareceram uns phosphoros em caixi­
nhas im portados da Europa, e sendo isso ao tempo da ins-
tallação da illum inação a gaz carbonico, tiveram assim a de­
nom inação vulgar de phosphoros do gaz. “ Quando só havia
phosphoros do gaz e palitos de fogo, invenção dós homens,
tres maços p or um vintem , não se via destas calamidades.”
(A m erica Illustrada, 1872). Apezar da introducção do m oderno
phosphoro, que originariam ente appareceu entre nós im por­
tado da Europa, e com o nome vulgar de Segurança, p or so­
mente in flam ar riscando-se na p rópria caixinha, fazendo as
sim desapparecer a rudimentar industria de fabricação do
antigo, originário, a sua denominação corrente de palito de
fogo, ou simplesmente palito, ainda não desappareceu de
todo. “ O L yra pucha cigarros, risca cinco ou seis palitos.”
(A m erica Illustrada n. 36 de 1878).
Palito — Especie de casaco de fazendas diversas e m ol­
des differentes. “ Um traje anda agora muito em voga cha­
mado p a le to t;... e logo que esse traje vei-nos da França, f i ­
cou autorisado, e não ha nada mais lin do.” (O Carapuceiro
n. 17 de 1847). Temos assim a origem franceza do termo, e
fixada a epocha em que essa nova moda de casacos para
homem appareceu entre nós, que por fim perderam o nome
originário, transformado no vulgar de palitó. “ Palitó sacco
e cinzento é proprio para passeio.” (Lanterna Magica n.
445 de 1894).
Palma e capella — De flores naturaes ou artificiaes, le ­
vam á sepultura as donzellás e crianças como symbolos da
virgindade, da innocencia: Ir em bom tempo; Levar palma
e capella. Das donzellás duvidosas, porem dessas chamadas
de candieiro, diz-se. chasqueando, que ao morrerem, levam
as palmas das mãos e a capella dos olhos.
Palmear — CarrtVihar a pé, no calcante; Palm ear do Re­
cife ao Caxangá não é brincadeira.
Palm eiral — O mésmo que palmar, ou campo de palm ei­
ras. Com o nome de Palm eiral ha um engenho no município
de Pau d’A!ho.
Palombêta — Pequeno peixe do mar; sedula de certo
valor: Uma palombêta de 1001900.
Pamonha — Especie de bolo de fubá de m ilho ou arroz,
cozido com agua e sal até fica r gelatinoso, e envolto em fo ­
lhas verdes de bananeira; e depois de frio, dissolvido em agua
e assucar, tornando-se assim uma alimentação refrigerante
e substancial, com o nome de garapa de pamonha, mui acon­
selhada ás mulheres que amamentam. “ O tal discursarão era
assim uma cousa á modo de pamonha mettida em folhas de
banana.” (Q Azorrague n. 22 de 1845). “ E com um nambu’
r.ma pomonha.” (L u iz Alves Pinto 1780). Pamonha doce; pre
parada com a massa de m ilho verde temperada com leite
do côco e assucar, e cosida depois, envolta na palha do pro-
pi io milho. Indivíduo inerte, m oleirão, preguiçoso. “ Muita
gente julgava o Sr. Netto uma pamonha de carne. (O Diabo
a quatro n. 106 de 1877). “ A mulata, si é bonita, Quasi sem­
pre é sem-vergonha; Casa com negro cambado, Pare moleque
pamonha.” (Lartern a Magica n. 46 de 1895). “ Era certamen-
te, em vez de mulher, uma pamonha.” (Lan tern a M agica n.
799 de 1905). Cara de pamonha. “ Uma cara chata, assim á se
melhança de pamonha doce. enbrulhada em folhas de bana­
neira.” (O Campeão n, 46 de 1862). Pamonha, segundo Jb eo-
doro Sampaio, vem do tupy, pamuna, certa comida preparada
pelos indios com o m ilho ralada.
Pamparra — Cousa bôa, supimpa, magnifica. “ Um cor­
respondente pamparra, acceitou a commissão, com duas mãos.
(A m erica Illustrada n. 33 de 1877). “ Tom ei um banho pam­
parra.” (A Pim enta «i. 539 de 1907). “ Na terça feira tivem os
uma festa pamparra aqui em casa.” (Id em n. 6 de 1914).
Grande, volumoso, alentado. “ As creanças prorom peram numa
algazarra: X i ! que bananas pam paras!” (Lan tern a Magica n.
750 de 1903).
Pampo — P eíx e de agua salgada, da fam iiia dos Escom-
bridas, de duas, especies, sendo uma conhecida pelo nome
■\ulgar de Pampo da cabeça molle.
Panacio, panaço, panasio, panno — Pranchada de espada,
sabre ou facão: Panno de espada. “ O valoroso soldado pu-
chou do sabre, e deu-lhe alguns panaços.” (O Homem n. 5
de 1870). Na ruim perspectiva De um panacio de facão, Ycu-
sahindo de bandinha.” (Pernam buco n. 194 de 1913).
Panacum —- Cesto grande, oblongo, feito de talas de den-
dezeiro unidas com cipós finos, com as bordas um pouco
voltadas para dentro, tendo no fundo uma taboa rectangular,
de cujas extremidades, e de o rifício s cquidistantemente dis­
postos, partem os cipós grossos, consistentes, da armação da
peça. Destinado á guarda ou conducção de roupa e outros
objectos, serve, tauibem, no chão ou suspenso por cordas, dc
berço de criança. “ O conde de Panguá Num panacum emba­
lava De um sapateiro a criança.” (O A rtilh eiro n. 20 de 1843).
“ Da palha do dendezeiro se fabricam balaios, muito conheci­
dos ein (Pernambuco p or panacuns.” ,(J. de Alm eida P in to ). O
vocábulo é de origem indigena, tanto do tupy como guarani, e
L é ry já o registra em 1557, occupando-se do R io de Janeiro:
“ As mulheres selvagens nos traziam grandes alcofas, a que
chamam panacus cheias de ananazíes, de pacovas e outras
fru e ta s ... Umas especies de grandes cestas ou alcofas, teci­
das de junco, a que chamam panacús.” Montoya, p osterior­
mente registra tambem o term o panacâ, canastra comprida,
como igualmente assim ouvia pronunciar os indios no sul,
e dahi seguirem-no outros escriptores, e a corren te mesmo
que tem em alguns estados do norte, nomeadamente o Ceará
o consoantemente como o registra Gonçalves D ia s : Panacu’,
cesto com prido. Entre nós mesmo já fo i tàmbem assim cha­
mado. “ A escrava levou um panacu’ com úm embrulho de
pregos ripares. (D ia rio de Pernambuco n. 138 de 1829). O
termo, segundo Baptista Caetano é corruptela de ubanacu.>
vaso forrado.
Pança — Barriga, estomago, como na giria portugueza.
“ O que é a pança? ^Oh! a pança é o ventre, aquillo a que os
médicos chamam abdomem. Não ha tal; a pança no B razil
significa um systema politico, um partido que tem p or fim a
con servação!” (O Vapor dos Traficantes o . 147 de 1859). “ (Por
ser bastante registra, T em sido e é deputado, illudindo a gente
besta A pança tem regalado.” (O Qampeão n. 5 de 1861). “ Com
bons queixos e bom apetite vai mansamente recheiando a
pança.” (O João Fernandes n. 36 de 1887). Prato que dança
não enche a pança. (A d a g io ). Encher a pança: Locupletar-se
criminosamente, abusar da confiança de um encargo qualquen
c encher-se á larga Cousa insignificante, chinfrim , ridicula,
sem iinQortancia alguma “ Ora adeus! O Carapuceiro de hoje
não tem graça, não presta para nada, está muito pança.” (O
Carapuc iro n. 73 de 1837). “ Prom etteu vingar-se do Arthur
porque elle dissera que o Sr. era um subdelegado pança?” (O
A lfin ete n. 11 de 1890). Poetas cabeçudos, musicistas fobós,
eançoneíistas panças.” (A Pim enta n. 8 de 1901). D erivados:
Pancidade, cousa pança; Pançudo, barrigudo. “ Esteve numa
verdadeira pancidade o furdunço do Herotides.” (A Pim enta
n. 75 de 1902). “ Pancidades do Miguel em querer sêr r ic o !”
(Idem , n. 10 de 1914). “ O typo mais commum de toda a
sociedade, é de certo o pançudo, sórdida entidade, com ilão
possante, de corpo obeso e ro sfo robicundo, que em casa onde
ha fartura é certo commensal.” (O Diabo a quatro n. 10 de
1875). Pança é tambem um provincialism o chileno, Panza,
ventre, barriga; e igualmente Panzon, o barrigudo. Entre
nós porem, c nesta accepção, tem vóga desde o seculo X V II.
uma vez que assim já o registra o poeta G rôgorio de Mattos;
“ Muito com er enche a pança O povo com a pança ôca,
Ponto em bocca.”
Pancada — Estróina, doidivanas, estouvado: Um sugei-
to pancada. Pancada na bola: certo desarranjo mental, pou­
co siso. “ E eu não caio na tal carriola, Porque nunca tive
Pancada na bola.” (O Barco dos Trafican tes n. 260 de 1860).
Pancadão — Mulher bonita, vistosa, de porte elegante,
da portugueza, Pancada na móla.
‘ •Tenho falsete no trinque, Tenho pancada na bola.” (O
Clarim da Fama n. 3 de 1863). Esta locução é um modismo
“ Jovita era uma m oçoila de patente, dessas que o vulgo
chama pancadão.” (O Etna n. 32 de 1882). “ Uma viuvinha
de truz, um pancadão.” (A Pimenta n. 5 de 1901). “ A rapa­
riga era, como se diz, um pancadão.” (Id em n. 4 de 1914).
Pancadinha — O mesmo que b icá d a ; Dar, tomar uma
pancadinha. “ Depois da pancadinha prova sempre mais um
góle.” (A m erica Illustrada n. 41 de 1877). “ N o entender de
um preto, entre as cousas bôas está uma pancadinha de
aguardente.” (A Duqueza do Linguarudo n. 127 de 1878).
“ Nos dias de quarto grande saboreava bôas peixadas, e dava
sua pancadinha na patricia.” (Lan tern a Magica n. 219 de
1888.)
Pancadorio — Estróina, azoado, arreliado. “ Eu sou a
quelle cabra doido e brabo, a quem chamais vós outros pan­
cadorio.” (A m erica Illustrada n. 11 de 1877).
Pancão — Bebedeira, carraspana. “ Gente que é de Ma-
dureira? Madureira está de pancão.” (D e uns versos de
1821). “ E ’ um grande m ilitar Na frente do batalhão, Comman-
da-o com todo o garbo Debaixo do seu pancão.” (O Azorra-
gue n. 11 de 1815). “ Só debaixo do pancão Algum vendido ou
comprado, Pode dizer como O Brado, T od o molambo é la ­
drão.” (O Guarda Nacional n. 20 de 1848).
Pandèló — Bolo feito com farinha de trigo, ou do reinõ,
como é vulgar entre nós, ovos batidos, assucar branco e duas
casquinhas de ovos com agua, e assado ao forno em fôrm a de
lata'. “ O celebre general das massas, apezar da pretensão do
mano Luiz, tambem deseja o tal pandelosinho.” (O Cabibaribe
n. 3 de 1848). Pandeló torrado; o mesmo bolo cortado em fa ­
tias delgadas e torradas ao forno, Pandeló de toda festa; in di­
víduo que apparece em toda parte, não perde festa alguma,
uma especie de Bolacha,, que em toda parte se acha, segundo
o dictado. Em outros tempos, que chegaram á nossa infancia,
o pandeló constituía um presente de pesames, e assim, cober­
to na bandeja ou salva que o conduzia, com um lenço de seda
preta. Concurrentemente, porem, temos a variante de pão de ló,
ou lot, como tambem se escreve. “ Para o bandalho estou
batendo um pão de lot com seus confeitos de sandalo.” (C a ­
n eca). “ O pão de ló do poder cahiu nas mãos do Olinda.” (O,
Guarda Nacional n. 5 de 1848). “ Sóbe uma politica, fazem a
distribuição do pão de ló em grossas fatias pelos da panella.”

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(Lanterna Magica n. 241 de 1888). Ao que parece, era o popu-
larissim o bolo, originariam ente, entre nós, chamado Pam de ló,
como se in fere do Regimento do o ffic io de caldeireiro, com
os preços taxados das suas obras, expedido pela Camara do
Senado do R ecife em vereação de 9 de Agosto de 1777, nestes
te r m o s ; “ P or bacias de fazer doce e pan de ló, a cem reis a li­
bra.” Pandeló pam de ló, pão de ló, vem de pão, na accepção
de bolo, e ló, com as suas próprias expressões de especie de
escumilha, tecido muito fino, froixo, raro, e assim, bolo fino,
fôfo, brando m olle como effectivam ente é.
Pandorga — M olleirão, atoleimado, bobo; pateta, parvo in ­
dolente. “ D ei codilho puz-me de largo, e deixei os pandorgas
na arrisca.” (O Barco dos Traficantes n. 21 de 1851). “ O frade
que já fez viagem para o outro mundo, e de quem não falo,
cra um pandorga.” (O Desespero n. 8 de 1880). “ Eu não sou
pandorga.” (A Pimenta n. 64 de 1902). O termo é tanto hes-
panhol como portuguez, mas de accepções diversas.
Panella — Redemoinho, voragem, sorvedouro. “ A cachoei­
ra da Varzea Redonda (rio S. Francisco) apresenta algumas
panellas, ou redomoinhos, junto aos -rochedos negros da m ar­
gem direita, que põem em grandè p erigo as canôas que se ap-
proxim am delias.” (Fernando A lfe ld ). E ’ da existencia des­
ses sorvedouros que vem algumas denominações locaes, no
grande rio, como, nomeadamente, o serrote da Panella, a ilha
da Panella. Certo grupo de intimos, privilegiados, protegidos,
amigos do peito. “ Sóbe^im a politica, fazem a distribuição do
pão de ló em grossas fatias pela panella.” (Lan tern a Magica
n. 241 de 1888). Panella de cupim ou de form igas: Ninho,
casa ou morada destas, na terra, e daquella, tambem na terra
ou em arvores e no madeiramento da coberta das habitações.
“ O Cupim sahiu da sua panella, e apresentou-se francamente á
luz do dia.” (Lan tern a Magica n. 257 de 1889.) Panella de muçô.
-A sua reunião na terra, em grandes grupos, quando seccam
as lagôas em que vivem , de fórm a a immediatamente appare-
cerem á sua renovação pelo inverno.
Panellsda — Comida preparada com os intestinos, os pés e
certos miudos do boi, adubada com toucinho, linguiça ou chouri­
ça, e convenientemente temperada. E ’ prato p rop rio de almoço,
e servido com pirão escaldado, feito do respectivo caldo em fe r­
vura, com farinha de mandioca. Nas troças do passamento de
festa, em outros tempos, figurava o furto da panellada do visi-
nho, espreitando-se a cosinha a noite inteira, até que fosse dado
lira r a panella em que cozia afim de fica r convenientemente
preparada pela manhã á ser servida no almoço, convidando-se
porem o dono espoliado á participar da petisqueira. “ Panellada
é sempre almoço de sujeito valentão.” (Lanterna Magica n. 447
de 1895). “ O cardapio do almoço compunha-se de sarapatel e
panellada” . (A Pimenta n. 38 de 1902). “ Espere por mim com
a minha gente para almoçarmos. Queremos panellada gorda e
bom v in h o .” (F ra n k lin T a v o r a ).
Panellinha — Grupo de uma corporação, que visando os seus
interesses ou caprichos procura exercer o mando e o predom í­
nio sobre os seus pares, graças a influencia e prestigio de que
pode dispor cada um dos seus membros. As panellinhas entre
nós já chegaram a altura de um principio, principalm ente em
certas corporações religiosas, em cujas eleições conquistam os
seus membros os mais elevados cargos, de fórm a <iue, revesa-
damente, sempre figura a mesma gente nas respectivas admi­
nistrações, concentrando aí sim em suas mãos a plena gestão e
destinos da corporação. “ Com geito fui angariando as bôas gra­
ças da panellinha directora, de sorte que adquiri com ella im-
mensa p rep on derân cia.” (O Barco dos Patoteiros n. 20 de 1864)-
“ Na praça é que os homens do matto vem achar as panellinhas
armadas.” (Caneca, 1822). Se o Passos, e os que compõem a
sua panellinha tivessem b rio não censurariam os actos da mesa
da Irmandade das A lm a s .” (Lan tern a Magica n. 109 de 1885).
Panête — Na phrase Levantar o panete: Arribar, ir embora,
desaparecer.
Panno — Nas locuções: — Panno de amostra, manifesta­
ção de força, prestigio; mostrar a força dos pasteis. Panno de
bunda; o que se põe na dos recemnascidos Panno de espa­
da (V;. Panacio) Panno de marca; pedaço de panno de algodão
em que figuram, para m odelo de trabalhos de marca, abeceda-
rios, algarismos, bordados e ornatos diversos, feitos com linha
especial, das cores azul e encarnada, e com o denominado
ponto de marca. Pannos quentes; Palliativos, subterfúgios, ro ­
deios, enganos; promessas falazes, remedios de momento e inef-
ficaveis. Esta locução, registrada em vários adagios antigos
e modernos, e conhecida na medicina popular, tem entre os
hespanhóes a mesma expressão “ pãnos calientes), concurrente-
mente entre os italianos (pani caldo), e entre estes já docu­
mentada em 1547, como escreve João R ibeiro em detido estu­
do sobre a sua origem e eccepções.
Panquéca — Especie de fritada, de ovos batidos, frita em

572
manteiga, de ambos os lados, e depois coberta de assucar e
polvilhada com canella. E ’ prato de sobremesa. Descanço,
com m odo. Estar na panqueca: sem cuidados contente e satis­
feito de sua v id a . ” Dous typos livres, mandam a m oral a b re­
ca, e vão passar em qualquer canto o seu natal na panqueca” .
( A Pim enta n. 92 de 1902j>. “ Caladinho, na panqueca, os apa-
ra-côcos do club sahiram a tarde dando a nota na zo n a .” |Jor­
nal do R ecife n. 52 de 1914).
Pantim — Escarcéo, exagero, encarecim ento. Fazer pan-
tim, o mesmo que fazer espantos, exagerar, dar vulto a uma
eousa de nonada, a uma occurrencia sem im portância alguma:
F azer de um argueiro um cavalleiro. “ Um pantim fazem ellas
a gritar, com o que empada tal não esperavam .” (A m erica II-
lustrada n. 13 de 1877).
Pão — Banana pão (M usacea) a especie das bananas de S.
Thom é e das com pridas. Fructa pão; das especies de massa e
de caroço, urticaceas exóticas, originarias do seu cultivo no ex-
tincto Jardim Botânico de Olinda. Ganha pão; a profissão, o
m eio de vida. Pão com rosca; dança de m arido e m ulher. Pão
de gallinha; denominação vulgar das larvas originarias dos ovos
de duas especies de bezouros, coleopteros scarabeideos, uma
grande (L igyru s fossatur, D e j.) e outra m enor (Podalgus hu-
milis, B u rm .), que metamorphoseando-se depois em nymphas,
produzem os proprios insectos. Essas larvas, que vivem de v in ­
te a vinte e quatro mezes. atacam os cannaviaes causando gran­
des damnos, são mais nocivas á planta que o p rop rio be-
zouro. “ Dos ovos destes insectos nascem as pequenas larvas,
que no norte são conhecidas p or Pão de gallinha, e em Minas
Geraes p or João Torresm o ” (D r . Carlos M o re ira .)' Pão sova­
do; de farinha de trigo com ovos e assucar. Papa de pão; um
individuo m olleirão, inerte, sem vida e animação. Dictados
e adagio: Com er do pão que o diabo amassou; Em casa de
pouco pão todos gritam e ninguém tem razão; E ’ muito bom
um pão com dous pedaços: Pão, pão, queijo, qu eijo; Quem dá
o pão dá o eastigo; Rente como pão quente. Maluco do pão.
(V id e ).
Papa-angú — T olo, ridiculo, bobo, grotesco. “ Esse intre.
pido, se é verdade o que dizem, é o papa-angú mais rid icu lo de
todo o mundo.” (O Esqueleto n. 3 de 1846). “ L á para as tantas,
estarei reduzido a um simples papa-angú” - (Jornal do R ecife n.
49 de 1914). Sob o titulo O Papa-angú, circulou em 1846 um
p eriod ico p olitico no R ecife. O term o vem de uma figura gro-

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tesca, assim appellidada, e que, á especie de farricoco, tomava
parte nas extinctas procissões de cinzas, caminhando á sua
frente, armado d e ‘ um com prido relho, com que ia fustigando
o povilhéo que impedia a sua m a rch a .” Ficam prohibidos os
farricocos e papanguz, figuras da m orte e de tyrannos, nas p ro­
cissões que a igreja celebra no tempo da Quaresma” . (Postu­
ras da Gamara Municipal do R ecife, 1831).
Papa-arroz — Passaro muito conhecido, mas ainda não es­
tudado, ao menos que nãe seja sob um outro nome qualquer.
Papa-capim — Pequeno passaro de canto, que tem o nome
de papa-capim pardo na su.i prim eira phase, e depois o de gol-
ládo, por assim ficar, cingindo-lhe o jescoço uma estreita golla
preta. Alimentando-se da semente dt capim, e buscando assim
os capinzaes, vem dahi o seu nome vulgar da papa-capim. P a­
pa-capim de cabresto: Cavallo furtado. “ V ivo de servir a meus
senhores; de apanhar para elles ahi pelas campinas papas-ca-
pim de cabresto. P o r cada um recebo meus tres ou quatro m il
reis, conform e o b ich in h o.” (O Mocó n. 4 de 1851). “ A p o li­
cia prendeu o fam igerado Padre, habil em apanhar papa-capim
de cabresto, que na occasião conduzia tres dos taes passari­
nhos, em um dos quaes vinha cavalgan d o.” (O Vapor dos
Traficantes n. 205 de 1800).
Papa-ceia — A estrella Venus, das legendas populares.
Papae — Pae, na linguagem infantil, mas que fica, que
perdura. Meu papae eu quero seda, Quero um chale.de toquim,
Quero um annel de brilhante, Quero um leque de m arfim .
(T ro va s p o p u la re s). Figura de destaque dos cordões carnava­
lescos, representando como que o chefe ou director da troça, e
caracterizado de velho, obeso e careca, de longa barba bran­
ca, e empunhando uip com prido bastão' assim á guisa de bá­
culo. “ Confundido com o papae do Club dos C aiadores.” (A r-
chivo M açonico n. 79 de 1913). “ O club carnavalesco Amantes
da Brisa resolveu p or proposta do papae crear sucursaes.”
(D ia rio de Pernambuco r>. 43 de 1915). “ O papae do Club dos
Chegadinhos é a velha Mangueira, servindo de guardas Anar-
chista e Coqueiro f in o . ” (Jornal Pequeno n. 35 de 1915). P a ­
pae lê lê seculorum; Papae Severo: Uns typos ahi quaesquer,
bobos, atoleimados.
Papagaio — Especie de p eixe registrada p or Jeronymo
V ile lla . L etra com mercial, de favor, para descontar e fazer
d inheiro. “ Será hoje bem d iffic il penetrarem nos bancos pa­
pagaios e piabas de p a p e l.” (O Diabo a quatro n. 17 de 1875).
Pequena e delgada pasta de algodão que se põe ao pé de uma
pessôa que dorme, e atea-se-lhe fogo, p or simples brincadeira,
divertim ento. Papagaio de armação: Indivíduo de corpo mal
conform ado, de hombros sungados, desengonçado no andar.
Com relação ao papagaio, a vulgar e apreciada ave trepadora
(Psittacus), occorrem estes adagios locaes: Papagaio come m i­
lho, periquito leva a fam a; Papagaio não enxerga de noite;
Papagaio não comeu, m orreu; Papagaio que fala muito vai pa­
ra Lisboa. (V . Contrafeito, L o u ro ).
Papa-mamão — O habitante da cidade de Olinda, a nossa
velha capital. “ O totum continens de Olinda, Cabra vil, papa-
mamão” . (A Carranca n. 11 de 1847). “ Falou dos nobres papa-
mamões p or via das eleições?” (A m erica/Illustrada n. 35 de
1881). “ Olinda, a velha cidade nunca mais poderá ser o que
já foi, e será o que é: T erra de frades e freiras, de porcos, de
mamões e de la d eira s.” (O Diabo a quatro n. 33 de 1876). Vem
dahi o qu alificativo.
Papa-mel — Quadrupede carniceiro do genero dos Plan-
tigrados (F e lix m elliovora, Ie l.) O seu nome vulgar é uma
traducção do vocábulo tupi Irara, com que era designado pelos
indios, significando o que colhe mel, o papa-mel. (T h eo d o ro
Sam paio). Este frade está tão feio, que parece um papa-mel” .
(A Carrança n. 62 de 1846). Denominação dos revolucionários
Cabanos, sectários do rebelde Vicente de Paula, que, á penúria
em que viviam no seu acampamento, pela falta de munição, de
bocca, tiravam a sua alimentação dos fructos silvestres e do
m el de abelhas com farinha, vindo dahi chamarem-nos de papa-
meis. “ Pela sua m aior parle a gente de Vicente de Paula, vulgo
Papa mel, compunha-se de quilombolas, ou escravos fu g id o s.”
(D e um documento da e p o c h a ).
Papa-missas — Carola, beata, que cião perdem missa.”
Professores pedantes e papa-missas” . (S y lv io R o m ero ).
Papa-moscas — O mesmo que m eirinho, pequeno passaro
dentirostris. (Saurophagus leucoceph alu s).
Papança — Comida, ie fe içã o , com ezaina. “ Uma excelltTt-
te festa, musica, fogo e papan ça.” (O Vapor dos Traficantes
n. 204 de 1860). “ Só em aluguel de casa e papança vai-se quasi
tu d o .” (A m erica Illustrada, 1873). “ Não ha festa sem papança,
e nem m olho sem pim enta. ” (A Pimenta n . 605 de 1807).
Papandório — O mesmo que papança. “ Estavam entreti­
dos, quando vem o chá, e são todos os convidados chamados á
gosarem do p ap an d orio.” ÍO Corneta n . '20 de 1843).
Papa-ovo ou Papa-óva — Ophidio Elaphis ovivara, Lacep)

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pouco venenoso, que attinge a grande com prim ento e grossura,
porem manso, e que chega mesmo, inoffensivam ente, a habitar
nos telhados das casas dando caça aos ratos.
Pap$-peixe — A ve ribeirinha, a Jaquacatiguaçú dos indios.
Papar — Correr, lograr, conseguir, conquistar. “ O Leoca-
dio fo i o homem querido que papou mais e lo g io s .” (Antonio
C a rm e lo ). Habito, costume inveterado, cousa de uso constan­
te, certo: Isto ou aquillo é o seu papar.
Paparóca — Comida, refeição, petisco (G iria dos gatu­
nos) .
Papa-terra —■ Especie de abelhas (T rizo n a basalis, Ssftilh).
muito timida e indolente, produzindo pouco mel, porem muito
saboroso. De ninhos populosos e subterranos, vem dahi o seu
nome vulgar de Papa-terra. Individuo que tem o v icio de co­
mer terra. “ Oh! que papo! batia-lhe mais do que o papo de
um papa-terra” . (A Forquilha n. 6 de 1841). “ Com ares de
papa-terra, não tem forças p ’ra fa la r .” (A m erica Illustrada,
1.877). “ Foi para o estrangeiro sem tugir nem mugir, articulan­
do umas queixas de papa-terra” . (Lanterna Magica n. 276 de
1889). Desculpas de papa-terra: escapatória, subterfúgio, evasi­
va.
Papa-vento — O mesmo que camaleão, especie de lagarto
verde (Iguana tuberculata, Lau ren ti), já registrado.
Papeiro — Vaso para fazer papa para crianças, pequeno,
concavo, em fórm a de meia laranja, e com um cabo propor­
cional, feito de barro, e vdirado internamente.
Papelão — Papel triste, ridicu lo: fazer, representar um
p ap elã o.” Seria comsigo mesmo por têr feito um papelão, que
outro qualquer não fa r ia .” (A m erica Illustrada n. 36 de 1878).
Fazer figura de papelão; secundaria, sem importância alguma,
simplesmente decorativa; ou ridicula, de tolo, parvo. “ Nós fa ­
ríamos o papel ridiculo de figuras de p a p elã o.” (Jornal do R e­
c ife n. 299 de 1917).
P apelorio — A papelada das exigencias officiaes, constan­
te de inform ações, pareceres, consultas, julgados em junta, e
quanta cousa ha, que retarda e avoluma o processo, muitas v e ­
zes de requerido pagamento de uma conta de quantia insigni­
ficante. E ’ o chamado Systema do papelorio. “ Passam dias e
dias com S. E x c ., mexem e remexem no papelorio da Secreta­
ria, e pintam a manta por f im . ” (A m erica Illustrada n. 30 de
1879). “ O papelorio tem suas vantagens; dizia-nos ha pouco
tempo um funccionario publico aposentado.” (Gonçalves M aia).
Papel queimado — Homem casado. “ De um bom cidadão
que já tendo se amarrado, se diz assim no calão antigo: E ’ pa­
pel queim ado” . (A Pimenta n. 28 de 1902).
Pá, pi — Immediatamcnte, incontinentem ente. “ L á na m i­
nha terra, Lá em Santo Antão, Encontrei um homem F eito um
guaribão, Puz-lhe o bacamarte, F o i pá pi, no c h ã o .” (Versos
do C a b e lle ira ).
Papironga — Não sabemos, precisamente, o sentido em
que é empregado este vocábulo popular de baixo calão. En­
contramo-lo, porem, assim registrado mas com uma expressão
equivoca: “ Deitado na Pracinha fazendo a papironga a Ze-
com eta.” (O M ajor Leal n. 1 de 1890). Com o nome de Papi-
ronga appareceu o numero unico de uma revista de troça no
carnaval de 1892.
Papo — Estomago, barriga, pança. “ Uma bala nesse papo
i. que nada em papa.” (C a n eca ). “ Furtaram centenas de negros
novos, de contrabando, e os iam esconder nas mattas, mettendo
os dizim os nos papos” . (O Vapor dos Patoteiros n. 21 de 1867).
Encher o papo: comer, fartar-se. “ Assemelha-se a uma ave de
írrib a çã o , que veio em Pernambuco encher o papo” . (O V a­
por dos Traficantes n. 272 de 1860). Estar de papo cheio: fa r­
to, satisfeito. Estar de papo vasio: com fome, com a barriga
dando horas. Um no papo, outro no sacco: dous proveitos. D o r­
m ir de papo p’ ra cim a; cahir de papo p’ ra baixo. N ão bater o
papo: fazer caso, dar cavaco, liga r im portância alguma. “ Não
é com medo de seu boqueijar, seu Q u in cas... E ’ coisa que nem
bate o papo” . (J . R . Coriolano de M ed eiros).
Paquete — Embarcação do alto S. Francisco m ovida a
vela, e destinada a passageiros e carga. Grande jangada com
dous bancos e duas velas, de marcha veloz, para a conduc-
ção de passageiros e carga, sendo aquelles abrigados em uma
cozinha, á ré, coberta de palha de coqueiro, e sobre um g i­
ráo que lhe serve de lastro, ficando a cárga disposta e con­
venientem ente segura na parte restante da em barcação. Es­
te genero de jangadas, que raramente se vê hoje no porto
do R ecife, já serviu para um serviço regular de navegação
costeira, tendo p or lim ites o Ceará ao norte, e a Bahia ao
sul. F o i em uma destas embarcações, que o Padre Roma,
emissário dos pernambucanos de 1817, partiu das Alagôas
para a Bahia, em desempenho da sua incumbência politica,
tão tristemente m allograd.». Fazendo p or esse tempo o ser­
viço de conducção de malas postaes para os correios e agen­
cias dos portos em que tocava, vem dahi a sua denominação
de paquete” . Quando deliberei partir de Itamaracá tive ne-
jcessidade de procurar unia bôa ja n g a d a ... Recomm!end'a-
iam -m e o Paquete do N o r t e .” (D an iel P . K idder, 1838).
Para inglez vêr — Certas cousas feitas de caso pensa­
do, com ardil, subterfúgios, e- artimanhas; e ás vezes mes­
mo, taes cousas, sèm expressão, insignificantes, mas adre-
demente preparadas para chamar a attenção, armar ao ef-
feito, e produzir umas tantas vantagens de illusão á salvar
apparencias. “ O governo tambem tem dous pesos e duas me­
didas, duas faces como Janus, uma para os amigos do peito
e a outra para o inglez v ê r ” . (A Lanceta n. 50 de 1890).
“ A tal peste bubônica é uma conversa fiada, uma historia pa­
ra inglez vêr, e nada m a is.” (A Pim enta n. 19 de 1902). A
locução vem da segunda occurrencia: Tocando na Bahia na
tarde de 22 de Janeiro de 1808 a esquadra que conduzia de
Lisbôa para o R io de Janeiro a fugitiva fam ilia real portu-
gueza, e não desembarcando ninguém pelo adiantado da ho­
ra, á noite, a geral illum inação da cidade, acompanhando a
tonas 'ias sitas sinuosidade®, apresentava um deslumbrante
aspecto. Estasiado e enlhusiasmado o principe regente D.
João ao contemplar do tombadilho da náo capitanea tão b e l­
lo espectáculo, exclama radiante de alegria, voltando-se pa­
ra a gente da côrte que o rodeava: “ Está bem bom para o in ­
glez vêr, indicando com um gesto o lugar em que fundeava
r. náo Bendford, da marinha de guerra britanica, sob a che­
fia do alm irante Jervjs, de com boio á frota real portugueza.
Paraiso — Galeria que fica na ultima ordem dos thea-
tros, assim chamada a do Santa Isabel, reconstruído e inau­
gurado em 1876, perdendo assim a sua antiga denominação
de ga llin h eiro. “ Daremos a Sra. H en ry as ovações do pa­
raiso” . (A m erica Illustrada n. 13 de 1878). “ Um grupo de
bahianos tomou lugar nas torrinhas, gallerias, paraiso ou gal­
lin h eiro do theatro, como lhe queiram ch am ar.” (Lanterna
Magica n. 11 de 1882). À gente do paraiso não sabe com ­
portar-se com a decencia e respeito devido ás fam ilias e
pessoas que frequentam o th ea tro .” (O Tam oyo n. 6 de
1890).
P arari — Especie de rola muito vulgar (Columba mon-
tana, L i n n ) . “ Pararis tenras e go rd a s.” (D u rã o ).
Pardavasco — T irad o á pardo, quasi pardo, qualidade
de pardo; mulato disfarçado. “ Marcado como Caim, tem a
cara pintadinha, parda vasca, trigu eirin h a. ” (O Vapor dos
Traficantes n. 86 de 1858). “ Um pardavasco a discutir, ga­
guejando, na ponte da Bôa V is ta .” (A m erica Illustrada 1873).
“ Dos coiós que fazem plantão na rua da União, um delles é
um pardavasco, quasi im b erb e .” (A Pim enta n. 63 de 1902).
D erivado: Apardavascado. “ Quando lançamos fe rro no an­
coradouro, appareceu no caes um calunga apardavascado.”
(O Banco dos Patoteiros n. 12 de 1864). “ O pinica-páo da
rua dos lo r r e s , meio-apardavascado” . (Am erica Illustrada^
1874).
Parede — Botar barro á parede; começar a agir para o
bom exito de uma pretencgo ou um negocio qualquer. Encos­
tar á parede; levar de vencida o contendor numa polem ica ou
discussão. Fazer parede; opposição, rèsistencia. Fura-paredes
tV . N ovilh o de ponta lim p a ). Lim par a mão á parede; resig­
nar-se com o resultado de um desvio, escorrego, pachuchada.
Mattas tem olhos, paredes tem ouvidos; advertência de in ­
convenientes no fa la r. Parede dobrada; de dous ou mais ti-
jollos. Paréde singela; da um só tijo llo . V iv er entre quatro
paredes; só, isoladamente, não sahir de casa.
Pargo — P eixe do mar, e com o nome de Pargo càxuxo
em Fernando de Noronha em cujos mares é muito abundante.
P arido — Cuidadoso, zeloso, dedicado em iextremo p or al­
guém: O Antonio é todo parido pelos netinhos.
Parnahyba — Faca de ponta de tamanho fóra do ordiná­
rio . “ E que pena m ereceria quem nos trahisse com a ponta
de uma parnahyba as bòas disposições do vosso abdom em ?”
(O Diabo a quatro n. 43 de 1876). Os dous m alfeitores in-
distinctamente bateram mãos das p arn ah ybas... A qu illo que
reluz dalli do canto são espadas, catanas e parnahybas” .
(F ra n k lin T a v o r a ).
Parrudo — O portuguez, em tom depreciativo, porem já
pouco usado. “ Angola, o degredo dos parrudos crim inosos” .
(A m erica Illustrada, 1872) E eu mudo, apreciava o estolido
parrudo, seu geito de fumar, seix gorro de v e llu d o .” (L a n ter­
na Magica n. 16 de 1882). “ Chico era celebre parrudo da rua
da Gloria entendeu de dar, traiçoeiram ente alguns supapos
èm um moço in e rm e .” (A D errota n. 16 de 1888). O periodico
O Brado Nacional publica no seu n. 91 de 1868 um vehemen-
te artigo contra a colonisáção portugueza sob o titulo: —
A colonização dos parrudos e seus fructos em Pernambuco.
Nas parlindas do papagaio tem o termo a expressão de cão
de caça: Parrudo, parrudo, escô! Pega o veado, caçador! A l­
berto Bessa registra o vocábulo como b iasileiro, com a ex­
pressão de homem de baixa estatura, que desconhecemos, e
pelo menos, não tem voga entre nós; Aulete, porem o. cônsigna
como termo popular, e naturalmente portuguez, significando
homem baixo e grosso, atarracado. O term o porem já vem de
longe, uma vez que Moraes o registra, como vulgar: Homem
parrudo; baixo, e largo.
Parte ou partes — Insinuação, agrado, carinho; refolha-
mento, velhacaria, cávillação; manha brej erice, experteza:
Parte de léso; Partes de innocente; Não venha com as suas
partes p ’ra minha banda; Não fo i com essas partes que D .
João se corôou; As suas partes e o pão da padaria, são que
me tem posto desta m aneira. (T erm os e dictados populares).
D erivado. P a rtis ta .” (O chiste das morenas, conchas dos seus
quindins, ardilosas.partistas e faiscas.” (Araripie Ju n ior).
P arteira — Chapéo de sol ord in ário. “ Parteira não é a l­
guma assistente examinada; é um chapéo de sol ou. de chu­
v a . ” 1(Pernam buco n. 173 de 1913). “ Uma das cousas com
que em birro, é parteira do Isidoro.” (A Pim enta n. 6(\
de 1902). “ Voltaste a parteira com duas aspas qu ebradas.”
(O R a tã o ). “ T raz debaixo do braço uma p a rte ira .” (P ern a m ­
buco n. 173 de 1913).
Partido — Certa extensão de terras de plantação de can­
na nos engenhos de assucar1, engenhocas e torcedores. —
“ Mando que nenhuma pessôa venda escravo algum dos do
serviço dos engenhos e partidos de cannas” . (Bando do go­
vernador de Pernam buco de 26 de A b ril de 1712). “ Não m e­
dra o roçado nem cresce a canna no p a rtid o .” (A m erica II-
lustrada n. 5 de 1883) “ Mandei fazer um partido Na varge
do bebedor, P ’ra plantar canna cayanna P ’ra me form ar de
d o u to r.” (C ancioneiro do N o r te ). “ O term o já era vulgar
entre nós no seculo X V II, como consta de varios documentos,
e do que escreve um chronista coevo, F r . M anoel Calado:
“ Manoel Felippe Soares, que m orava na Varzea do Capibari-
he, vendo andar no seu pasto um cavallo estranho, mandou
o tomar e o levou a João Fernandes V ieira, que era o senhor
do engenho em cujas terras tinha elle o seu p a r tid o ... A gen ­
te que na terra havia eram mercadores e taverneiros, e op-
tros senhores de engenhos e de partidos de cannas.”
Parú — P eix e de agua salgada (Pom acanthus •paru’, C u v).
Parvón ia — A terra ou o paiz dos parvos. “ Pódes andar
roto e sujo, com a condição de trazer uma corôa de papel á
cabeça, e basta isto para suppor-se re i da P r o v in c ia .” (A Lan ­
ceta n. 44 de 1890).

580
Pasmado — Faca de ponta, afamada pela sua tempera e
bom trabalho artístico. “ Um agulhão da pesqueira de Pasma­
d o” . ( A V oz do Brasil n. 55 de 1848). “ Como és conhecedor do
pasmado, das fa ca s!” . (A m erica Illustrada n. 19 de 1879). O te r­
mo vem do nome do local onde são fabricadas as afamadas
facas, uma antiga povoação situada nas immediações de Igua-
rassú. “ E tirando com adm iravel ligeireza uma bemdita filh a
de PasmadO' ia levar a convicção ao espirito duro do cred or” .
(O Clamor Publico n. 42 de 1845). “ E p or segurança Me puz
afastado, Tem endo as bicudas que vem de Pasm ado” . (O V a ­
por dos Traficantes n. 260 de 1860). Já em 1810 dizia o excur­
sionista K oster narrando as suas impressões ao visitar a loca­
lidade: “ O moradores do Pasmado são celebres pela sua h ab ili­
dade na execução de obras de fe rro ; as facas que fabricam são
afamadas” .
Passador — Conductor de boiada das fazendas de criação
para o seu destino p or conta do fazendeiro, acompanhado dos
aboiadores e tangerinos. “ Quem qüer que entrega a sua boiada;
ao passador, para que a leve ao seu destino, lhe dá p or paga
do seu trabalho um cruzado p or cada cabeça da dita boiada;
e este corre com os gastos dos tangedores e guias, e tira da
mesma boiada a matalotagem da viagem ” . Era esse o passador
T erm o sertanejo, vulgar, corresponde ao de tropeiro, do sul,
de começos do seculo X V III, segundo Antonil, escriptor coevo,
na accepção de conductor de tropa, boiada ou manada.
Passa-fóra! — Locução in terjectiva com as expressões
de: L iv ra ! D esvia! Vá sahindo! “ Levam a pau, a qualquer ho­
ra : tibi-passa-fóra!” (O Campeão n. 30 de 1862). “ Irr a ! safa!
passsa-fóra! T ira a mascara typão” . (O Diabo n. 10 de 1883).
Passagem — Local p or onde os viandantes atravessam o r­
dinariam ente um rio, quer a vau, quer embarcado. As passa­
gens dos rios entre nós constituíam uma das regalias senho-
riaes dos donatarios de Pernambuco, outorgada pela clasula
X IV da sua carta de F o ra l conferida por D. João I I I e lavrada
em E vora aos 24 de Setembro de 1534, em virtude da qual p o ­
diam elles, nos rios da capitania, em que houvesse necessidade,
p ôr barcas para a passagem delles, levando aquelle direito ou
tributo que em Camara fosse taxado. Vem dahi o estabelecim en­
to das diversas passagens de rios que houve entre nós, e das
quaes, nomeadamente, vem o nome de Passagem da Magdalena^
de um dos nossos mais bellos arrabaldes. O assumpto, encara­
do pelo seu lado historico e juridico, vem já particularmente
estudado por1nós no folheto. Contradicta ás pretenções do mu­
nicípio bahiano de Cuaçá sobre a Passagem da Bôa Vista no
rio S Francisco, impresso em 1905.
Passa-mão — Esperteza, sabedoria, arranjo; filança, apro­
priação, ladroeira. “ Revolução e passa-mão são syn on im o s...
Os grandes passam mão nas distincções, nos postos, nos loga-
res, e os pequenos no que a sorte lhes depara” . (A Forquilha n.
3 de 1841). “ Não pondo em pratica a politica do passa-mão,
nas suas mais minuciosas ram ificações, quero d izer: roubando
desde joias e dinheiro até fructas e ovos” . (A Carranca n. 66
de 1846). “ Partidos sem prin cíp ios! de passa-mão! (A Voz do
Brasil n. 45 de 1848). Sobre o assumpto publicou o P. Lopes
Gama, anonymamente; em 1841, um interessante opusculo sob
o titulo suggestivo de: Codigo crim inal pratico da simi-republi-
ca do Passa-mão na Oceania, organizado segundo os princí­
pios do projecto da Constituição republico-dem ogogico do Dr.
M arche'm arche. Com as mesmas expressões occorre a locução
vulgar, corrente, Passar a mão.
Passarinha — O baço do boi. Estar com a pasarinha na
mão: com medo, receioso, jurado de uma vindicta.
Passarinheiro — C avallo manhoso, espantadiço. “ Muito pe­
sado e passarinheiro, ao ponto de saltar cercas e porteiras” .
(O Vapor dos Traficantes n. 25 de 1857). “ Mas onde arran­
jaste tú este quartao passeiro e passarinheiro?” (F ra n k lin Ta-
v o ra ). Registrando Moraes este vocábulo, cita a autoridade de
Antonio P ereira Rego na sua obra Instrucção de Cavallaria e
Simula de alveitaria, impressa em Coim bra em 1673. A vista
disto, era natural suppol-o de uso portuguez; Aulete, porem,
o considera exclusivamente brasileiro, o que nos fa z pensar
que cahiu em desuso em Portugal. “ Valdez no seu artigo Pa-
jarero, alem do sentido em que o empregam na Hespanha, o
indica como termo da Am erica m eridional significando fo g o ­
so, em relação ao cavallo forte e brioso; e diz tambem que no
M exico o applicam ao cavallo espantadiço, o que está de accor-
do com a accepção em que o empregamos no B rasil” . (Beaure-
paire Rohan).
Passarinho verde — Na phrase Ver, Adivinh ar passarinho
verd e: vêr uma cousa agradavel, de causar alegria e prazer;
esperar, sonhar pelo realização próxim a de uma aspiração ou
pretenção qualquer. “ O José Marianno anda tão alegre, tão
prazenteiro, assim como quem está advinhando passarinho v e r­
d e” . ( A Lanceta n. 54 de 1890). “ Quando o Eduardo entra can-

582
tando, pulando, em summa, no auge da alegria, já se sabe: é
que viu passarinho verd e” . (D r. Castro Lopes).
Passaro — Garrafão de aguardente, na giria dos presidiá­
rios de Fernando de Noronha. Um passaro voou de bordo do
vapor para a casa do commandante.
Passassúnga — Expressão de passe, na giria dos jogadores:
Estou na passassúnga. “ Com todo o d in h e iro ... Deu na passas-
sunga: Que agiota, que mestre! Mas sempre calunga (O Cidadão
n. 1 de 1858). Com o nome de Passassúnga ha um velho enge­
nho no m unicípio de Lim oeiro.
Passeata — Cortejo civico, de musica á frente, em demons­
tração de enthusiasmo e regosijo na occurrencia de um facto
notável, de um acontecimento de importância. “ Correu a c i­
dade a passeata dos srs. conservadores, que se regosijavam pe­
la admissão do sr. conselheiro João A lfred o na camara v ita lí­
cia ” . (O Diabo a quatro n. 80 de 1877). “ T eve lugar uma Pas­
seata, brilhante de enthusiasmo e grande de animação, em hon­
ra do dr. José M arianno” . (A m erica Illustrada n. 6 de 1879).
“ A passeata dos caxeiros não deixou nada é desejar em chihn-
frin ad a” . (O Etna n. 26 de 1882).
Passeiro — Cavallo de bom andar, passo, pisada. “ Vende-
se um cavallo castanho bom passeiro (D ia rio de Pernambuco
n. 71 de 1829).
Passo — Pequenas capellas situadas em lugares diversos,
e em numero de sete, ou annualmente armadas para o dia da
Procissão de Passos, tendo em cada uma delias, sobre um altar
uma imagem em vulto natural, representando uma das phases
da paixão de Christo, e diante das quaes pára o cortejo, e a-
vançando até junto a charola do Senhor, entôa a orchestra
um cantigo com letra apropriada á estação. A phrase Correr
os Passos, designa a devota visita dos fieis a essas estações. “ V i-
sitadissimos foram tambem os diversos passos armados.” (Jor*
nal do R ecife n. 65 de 1913). Passos dos sermões quaresmaes:
os que são armados no camarim das igrejas, com a represen­
tação sucessiva de cada uma das sete phases da Paixão, e des­
cerrados ao terminar a predica. Casas de deposito de generos
coloniaes, que correspondem hoje aos armazéns de recolher,
alfandegas ou não. “ Os passos de assucar são umas grandes
logeas, onde se recolhem os caixões até se embarcarem nos na­
v io s ” . (F r. Vicente do S alvador). “ D erribada a arvore do pau-
brasil, e tirado todo o branco, porque no amago delia está o
brasil, depois de lim po se ajunta em rumas e os conduzem em

583
carros até os porem nos passos, para que os bateis os possam ir
buscar” . (D iálogos das grandezas do B ra sil). A mais remota
noticia que temos da existencia desses passos entre nós, chega
ao anno de 1590, referente a um que Fernão Soares tinha na
povoação do Recife. Esses passos eram situados á margem dos
rios navegáveis, entre os quaes, nomeadamente, figurava o Pas­
so do Fidalgo, em Sant’Anna, á margem do Capibaribe, e de
tantas referencias nas chronicas das nossas luctas contra os
batavos invasores.
Pastel — Conhecer a força dos pasteis de nata; o prestigio,
autoridade, força e poderio de alguem.
Pastinha — Certo modo de penteado, deixando vêr aos la­
dos do repartim ento do cabello, ao centro da cabeça, uma
pastinha. “ Rapazes de pastinhas, distinctivo da tolice levada á
quinta essencia” . (O Diabo a quatro n. 183 de 1879). “ Baixo e
gordo, pansudo, amorenado, bigode incipiente, usa pastinhas” .
(A Pimenta n. 40 de 1902).
Pastorar — Acompanhar, espreitar, observar; estar de to­
caia Conduzir o gado ao pasto, vigial-o, e trazel-o ao cur­
ral. “ Minha pastorinha, Que fazeis aqui? Pastorando o gado
Que aqui perdi. Tão gentil senhora Pastorando gado? P ois nas­
ci, senhor, Para este fad o ” . (D a xacara; A Pastorinha).
Pastoril — Representação do drama hierático do nascimen­
to do Messias, com bailados e cânticos proprios. “ Approxim a-
se o Natal, entra em scena o pastoril” . (N o ticia do R old ão).
Pastorinha — O mesmo que pastoril.
Pataca — Moeda colonial, de prata, do va lo r origin ário de
320 rs., e que ainda perdurou em circulação por muito tempo
depois da nossa emancipação politica, com a mesma cunhagem
em prata, mas com os valores de uma, duas, tres e vinte pa­
tacas, sendo esta ultima de ouro de vinte e dous quilates e com
o peso de quatro oitavas, originaria do reinado de D. João V.
chegando a sua cunhagem somente até o de D. João V I. N a Ca­
sa da Moeda do Recife, que funccionou de 1673 a 1702, foram
cunhadas moedas de meia, uma e duas patacas, e as divisioná­
rias de 80, 40 e 20 rs., de prata, tendo todas ellas um P. no
centro da face em que se via a esphera arm illar, para indicar
sua cunhagem em Pernambuco, como as do R io de Janeiro e da
Bahia tinham respectivamente um R. e um B. A pataca era an­
tigamente o padrão de unidade para a fixação de uma quantia
qualquer. “ Pelos annos de 1640 chegaram a Pernambuco duas
naos de Angola carregadas de negros, e tomando os hollande-

584
zes mâo da carga venderam os negros p or mui alto preço, de
250 a 300 patacas cada peça e por mais aos que o levaram fia ­
dos” . (F r. Manoel Calado). O mesmo seguiu-se depois, na pha-
se dos governadores portugueses, como, nomeadamente, se vê
dos actos de F e lix José Machado, de 1712, exem plificadam en-
te: mandando dar ao tenente José Cardoso 80 patacas para sa­
tisfação do concerto da casa da p olvora da fortaleza de Taman-
daré; 15 patacas para pagamento de um serviço de correio á
Bahia. T erra das patacas: era a denominação que os portugue­
zes davam ao Brasil, em allusão á sua prodigiosa riqueza e
recursos naturaes, e onde vegetava a arvora da pataqueira.
“ Diz-me, compadre Zelis, nesta terra das patacas encontras­
te algum d in h eiro?” . (A m erica Illustrada, 1872). O tem io pa­
taca era concurrentemente empregado nas accepções de d i­
nheiro fortuna, riqueza: Aquelle sugeito tem ou possue a sua
pataca ou é apatacado, isto é, possue alguma cousa, é mes­
mo endinheirado. Para exprim ir o contrario, porem tínhamos
a locução popular de Não se vêr nada, isto é, nada existe, nada
tem, nada possue. C.avallo apatacado: Os cavallos ruços rodados,
que tem umas malhas brancas* redondas. (M oraes) Bananeira
meia pataca: Uma especie de musacea conhecida em Pern am ­
buco com este nome. Quatro patacas: Vegetal da fam ilia das
Apocinaceas. (A lm eida P in to ). A moeda de vinte patacas a to ­
dos agrada; Da pataca do sovina o diabo tem tres tostões e
dez réis; Bunda no chão, pataca na mão; pataca liza : com a
cunhagem quasi que apagada, e dahi chamar-se a um in d ivi­
duo de typo feicional pouco ou nada pronunciado, Cara de pa­
taca liza; Quanto é pataca e meia, tostão, tres vinténs? (Dictados
populares) “ Ai do pobre que na escola, de repente não dissesse,
sem gaguejar, quanto valiam 15, 20 ou 40 patacas! V ieira F a ­
zenda). Pataca é uma palavra de origem espanholá do nome
de uma moeda da mesma nacionalidade que começou a ap-
parecer e ter curso entre nós em começos do seculo X V II, co­
m o: “ Do R io da Prata costumam navegar para Pernambuco
muitos peruleiros em caravelas, de onde trazem grande somma
de patacas de quatro e oito reales” . Pataca: “ Moeda de prata
das Índias de Castella, que hoje (1727), como escreve Bluteau,
va i em Portugal 750 rs.” . Consoantemente diz Moraes regis­
trando o vocábulo: “ Moeda hespanhola, de prata, do valor
de 300 a 900 rs.” . Depois de tudo isto só nos é dado consignar
o que escreve Aulete no anno da graça de 1881, definindo o
term o: “ Moeda de prata brasileira do valor de 320 réis ap-

585
proxim adam ente” . E assim fica, sem com m entarios. . . V. os
derivados Àpatacado, Patacão e Pataqueiro.
Patacão — Moeda de prata de dous m il réis, cuja deno­
minação vem dos tempos da circulação das antigas moedas
de tres patacas ou 960 rs., e assim chamadas, p or serem das
de pataca do mesmo metal, a de m aior valor e peso especifico,
cujo valor fo i depois subindo até attingir ao de 2$000, que per­
maneceu emquanto teve circulação sendo substituídas pelas
de cunho p roprio daquella quantia já em tempos do Brasil in ­
dependente e que ficaram com a antiga denominação vulgar
de patacão, que permanece. N o Ceará occorreu a mesma cou­
sa, e naturalmente em geral, como consta das nossas chronicas.
“ Pelas annos de 1833 deu-se no Ceará á moeda da prata de
tres patacas o nome de patacão, correndo então com o valor
de 1$120 réis, que depois subiu a 11200 e assim subindo até
chegar a 2$000, em que perm aneceu". Ainda hontem ganhei
no gagáo 600 patacões” . (O Carapuceiro n. 12 de 1837). "S e
no olho me luzir o patacão, P o r brejeiro me tenhas, ou m ole­
que, Se modinhas não cantar ao v io lã o ” . (P . P . S. G . ).
Pata choca — Mulher baixa, gorda, pesada, de andar va-
cillante pendendo para a direita e a esquerda. Consoantemen-
te occorre a locução: Pata rebolona.
Pataqueiro — Estradeiro, sabidorio, trapaceiro; desho-
nesto in fiel, sem escrupulos. “ Ameaças do D iario N o vo e seu
collega o Guarda Nacional pataqueiro” . (O A rtilh eiro n. 42
1843). “ Pataqueiro da guarda nacional, montava guarda por
d in h eiro” . (O P ovo n. 25 de 1857). O pastoril do tal pataqueiro
pomadista, está funccionando” . (A D errota n. 20 de 1883).
Patativa — Pequeno passaro canoro F rin gilla plúmbea,
N e v ie d ), gracioso e muito apreciado pela extensão suavidade
e belleza do seu canto. “ As patatibas, que o saudoso canto I-
mitam, requebrando com sons varios, Os colibris e harmonicos
canarios” . (Santa Rita D urão). “ Nos galhos do arvoredo T e r ­
no canta o patativo (Jeronim o V ile lla ). E ’ de côr acinzentada
mas ha uma especie de côr preta, com o pescoço e o peito
brancos, que dizem são os machos, e aquellas as femeas. V i­
vem longos annos em gaiola. Patativa segundo Paulino N o ­
gueira, é corrupção de tatag estalar e p or extensão trinar, e
ib iva chefe: o principal dos cantores, allusão ao canto da ave.
Patente — Bom, superior; supimpa de prim eiríssim a:
Uma festa, um jantar de patente. “ N egros de patente eram os
dos Palmaras A.quelles sim” . (F ran klin T a v o ra ). “ Asno de

586
patente, é preciso ter perdido o senso commum para mentir as­
sim tão descaradamente ao publico” . (O Brada da Bazão n. 72
de 1855).
Patim — A parte das mãos e pés do cavallo junto ao cas­
co. “ Deixou-me um quartáo fa m o s o ... Tem um incliaço no
patim ” . (A Herança de D indinha).
Pato — Pequena peça de carne de charque, ou do Ceará,
como se diz entre nós, que vem fóra das mantas, e tirada dos
pés e mãos, da paleta c dos quartos do boi: Um pato de carne
secca.
Patóla — Pé grande; a pata do carangueijo ou guaiamutn
quando muito volumosa. Guaiamum patola.
Patota — Negociata, arranjo, trapaça. “ Patota, arranjo
m alicioso e secreto para enganar os tolos” . (O Tam oyo n. 12
de 1890). “ Bem vês que só de patotas v ive essa gente m atrei­
ra ” .(O Vapor dos Traficantes n. 225 de 1860). “ Tudo nos p ro ­
gnostica a mais rapida decadencia moral. A potota eleva-se a
altura dfe um p rin cip io ” . (O Diabo a quatro n. 46 de 1876).
D erivado Patoteiró. “ Muita gente fina em politica se torna
patoteira. (O Campeão n. 156 de 1863). “ Dizem que são tantas
as patotas que surgem dos reposteiros, que talvez o Zé povinho
dê cabo dos patoteiros” . (O Binoculo n. 20 de 1882). “ E l rei
nosso senhor, p or graça da ignorancia e unanime acclamação
dos patoteiros” . (O Maná n. 2 de 1883). Em 1864-66 circulou
entre nós um periodico sob o titulo d ’0 Banco dos Patoteiros^
consignando entre os versos da sua epigraphe, que: O patotei-
fo que embarcar, sua vida. ha de contar; e terminando o seu
artigo de apresentação com esta quadrinha: “ Embarcará todo
aquelle Patoteiro e fraudulento, Que não quizer corrigir-se.
De seu máo comportamento.
Patrão-m ór — Funccionario que dirige e fiscalisa o servi­
ço das pequenas embarcações de serviço do porto, cargo esse
que entre nós vem de epochas remotas. ” Umas casas de dous
sobrados alugadas ao Patrão-m ór Francisco P aes” .(In ven tario
dos prédios que os hollandezes deixaram no R ecife. 1654). A
baliza para servir de guia aos navios que demandam o porto
do R ecife, situada no isthmo de Olinda, constante de uma
columna encimada p or uma cruz, e cuja construcção vem dos
annos de 1816, é vulgarmente conhecida por Cruz do Patrão,
constando porem, de alguns documentos antigos, como v e r ifi­
camos, a sua designação de Cruz do Patrãormór, vendo-se as-
sim, que fo i construida pelo individuo que na epocha occupa-
va o cargo de patrão-mór do porto do R ecife, é assim demons­
trada a origem dessa denominação da baliza imposta pelo vu l­
go.
P atricia -r- Aguardente de canna. “ D eixo o meu*pote e es­
teira a minha bella Andreza, pelo cuidado com que sempre me
forneceu da patricia.” (CUNicoláo n. 5 de 1841). “ Já m eio tur­
bada, deu meia volta á direita, e pediu mais um gole da patri
cia.” (O Proletário n. 2 de 1847). “ Cá sinto no Corpo a patri-
ciá a me dar a suprema d e jiç ia , ” (A m érica Illustrada n . 3 de
1880 ),
Patriota — Denominação vulgar dos republicanos de 1817,
e depois mantida até o nosso ultimo movimento democrático
em 1824. “ Se o senhor é patriota P rovisorio, cidadão Se fala
contra o meu rei, E ’ judeu, não é ch ristão .” (D e uns versos
da epocha) Patriota de barriga: Individuo que tem por mira
lucros e vantagens próprias; que trabalha interessadamente,
pro domo sua. Consoantemente occorre esta vulgarissima lo ­
cução popular: A séde do patriotism o é a barriga.
Patuá — Amuleto, que consiste em um saquinho, ou b re­
ve, de panno ou couro, contendo uma oração qualquer, para
trazer ao pescoço pendente de bm a fita ou cordão; caderno dc
orações, ensalmos e receitas, orações de mandinga, tiradas do
patuá, o que tudo são Famosas feitiçarias. “ Ha in felizes que
acreditam tão sinceramente na influencia de taes patuás man­
dingas, que uma vez de posse delles, suppõem-se invulneráveis,
assassinos muitas vezes que se tornam perigosissimos, por v i­
verem persuadidos de que não ha mal que possa entrar-lhes.”
(A ra rip e Junior). “ Os cabras e semelhante gentalha trazem nos
pp.tuás corporaes, sanguinhos, pedaços de pedra d ’ara, e cou­
sas que cuidam supersticiosamente que os livram de ferro, e
balas de quem briga com elles, ou para amansar os senhores,
e tc .” (M oraes). “ Um papel mettido num pedaço de couro v e ­
lh o. Parece que é um patuá para liv ra r de arma e de p risã o .”
(F ra n k lin T a v o ra ). Com o nome de Patuá ha uma serra no mu­
nicípio do B o n ito ^ a t u á e pataguá, como escreve Beaurepaire
Rohan, são pronuncias differentes do mesmo vocábulo perten­
cente á lingua tupi. Moraes, porém, registra patiguá, e Gon­
çalves Dias, patauá; mas no D iccionario portuguez e brazilia-
no, mais antigo, vem patuá, com a espressão de caixa, cuja
v o 7 segue Martius com as accepções de arca, cpnastrinha, qua-
si da feição do bahú. E assim é, como se vê destes'versos de

588
umas quadrinhas em tupi e portuguez colhidas p or Couto de
Magalhães no Pará: “ T e mandei um passarinho Patuá m iri
pupé,” que traduz: “ Mandei-te uin passarinho, Dentro de uma
caixa pequena.” Baptista Caetano, em fim , diz que patuá é uma
contracção de patigua, de hupatiguá o que pertence á rede ou
á . cama; cesto, caixa, canastra, bahú.
Paturéba — Sim plorio, parvo, papalvo, e consoantemente
com as espressões do term o na giria dos gatunos do R io de Ja­
n eiro: tolo, inexperiente, ingênuo. “ Augustos e digníssimos
Srs. paturebas da nação!” (O Diabo a quatro n. 179 de 1878).
“ Cantaste como um rouxinol, a isca comeu-te elle e o que dei­
xou no anzol? Nada, meu patureba.” (Am erica Illustrada n.
6 de 1885).
Patúry ■— Ave palmípede, de genero Podiceps (Anas pa-
tury, S p ix), especie de pato, porem menor, e de plumagem de
coloração variada. E ’ muito abundante nas lagôas e alagadi­
ços, de carne saborosa, porem muito rheumosa, como dizem ^
Term o de origem tupi, vem de Patery, marreca, adem.
Pau — Cousa encommoda, enfadonha, aborrecida. “ Não
conheço nada màis pau, do que seja o jornalism o pernambuca­
n o” . (A Pim enta n. 43 de 1902). “ E ’ s pau em tua conversa,
conversa de legua e m e ia .” (O R atão). “ N o segundo dia do
carnaval o meu tingui continuou, e passei outro dia pau.” (A
Pim enta n. 541 de 1907). Reprovação em exam e: Levar, met-
ter-se, tomar pau. “ Segundo inform am-nos o cidadão veio
prestar exames. Pau nelle.” (O Estimulo, Parahyba, n. 9 d<s
1913). D in h eiro. “ Miss Oni fugiu, dando um bolo no hotel de
duzentos e tantos paus.” ( A Pim enta n. 10 de 1902). “ Eu só
sustento as mentiras se vocês me derem outra vacca ou trezen­
tos paus.” (Lan tern a Magica n. 808 de 1905). M el de pau; o
de abelhas. Pau a pique; cerca ou curral de paus unidos e v e r­
ticalm ente dispostos. “ Um cão m agro ladrava enraivecido para
um canto do terreiro cercado de pau a pique.” (Dantas B arre­
to ). “ Mandou Jorge Cavaloánti devantar em varios pontos es­
tacadas de pau a pique.” (F ra n k lin T a v o ra ). “ Depois das casas
seguiam-se de um lado um muro e do outro um pau a pique.”
(A lfre d o Brandão). Pau banana de papagaio; m adeira de cons-
trucção civil. Paü-branco; vegetal registrado p or Jeronym o V i­
le lla . Pau-canella; madeira de construcção c iv il e naval. Pau
de choro; canna de assucar. Pau barbado; o penis. Pau pen­
ca; o mesmo. Pau fe rr o ; cacete grosso, fo rte. Pau fian d eiro ;
•vegetal da nossa flo ra registrado p or Jeronym o V ile lla . Pau de
m acaxeira; a m aniva. “ Am arello de Goyannà, Que casou se­

589
gunda-feira, 0 dote que lhe deram F o i um pau da m acaxeira.”
(P a rle n d a ). Pau de sebo; brinquedo popular, nas festas de a r ­
raial, consistente em um mastro ensebado com uma bolça de
dinheiro no alto destinada a quem conseguir subir e tiral-a.
P au tam bor; m adeira. Carga de pau; surra, tunda: dar, levar,
tomar uma carga de pau. “ Que o menos que podia acontecer
Era o rebelde esposo se m etter Numa carga de pau.” (Jornal
do R ecife n. 110 de 1916). Cavallo de pau; n avio. Locuções e
dictados populares: A dar com o pau; abundancia, grande nu­
m ero: chuva, gente, a dar com o pau. D eixar o pau correr fro u ­
xo; não se im portar, não ligar im portância. D escobrir o mel
de .pau; dicto de remoque sobre uma cousa que se diz ter acha­
do, descoberto. “ Fizeram uma descoberta tão grande com o a
da polvora, ou mais im portante que a do mel de pau.” (O Es­
tado de Pernambuco n. 37 de 1915). Eita pau!; phrase de en*
Ihusiasmo, de approvação ou protesto. Encostar o pau; bater,
bababi, metter lenha. Escapar pelo pau do canto; m ilagrosa­
mente. Falar no mau preparar o pau; dstar a falar de uma
pessoa, e esta inesperadamente apparecer. Farinha de pau; a
de mandioca. (V . Farin h a). Haja pau!; phrase para excitai
num acalorado bate-barbas o rompimento íle pancadaria. “ Para
solennizar o facto, chova arroz e.haja pau! (A Lanceta n. 53 de
1890). Chover, ferver, roncar, trovejar o pau; pancadaria a va­
ler. “ Fechou-se o rô lo . O pau trovejou durante 35 minutos” .
(Jornal do R ecife n. 19 de 1916). L evar a pau e corda: violen ta­
mente. Metter o pau: dizer mal, detractar; gastar em excesso,
dissipar, esbanjar. “ A velha tem mettido o pau no cobre, a von ­
tade” . (Jornal do R ecife n. 44 de 1916). Mostrar de quantos paus
se faz uma jangada: exhibição de força, prestigio, poderio. O pe­
rigo que corre o paú corre o machado: perigo mutuo, reciproco.
Para passar os dias maus das penas em que vivo, paus digo;
phrase do jogador á sahida de uma carta de paus, como trunfo,
ou numa puxada. Esta locução vem, naturalmente, do tempo
da introducção do jogo das cartas em Portugal, no seculo X V Í,
e dahi esta quadra epigrammatica, contemporânea, de Camões,
consignado nas suas Obras completas com a rubrica: A uma
senhora, que jogando perto de uma janella lhes cahiram tres-
paus, e deram na cabeça do poeta: “ Para evitar dias maus Da
triste vida que passo, Mandem-me dar um baraço, Que já cá
tenho tres paus” . Pau com form igas; negociata, arranjo, pepi-
nura. “ Mamãe se damna com o pau com form iga do beco do
João F ran cisco” . (A Pimenta n. 576 de 1907).“ Olhem, meninos,
aquillo . . . é um pau com form igas.” (Jornal do R ecife n. 8 de
1914). Pau d’agua: beberrão, cachaceiro. “ Temos os paus d’a-
gua veteranos, quilotados já, e os novos que se iniciando
admiravelmente nos segredos do c o p o .” (Jornal Pequeno n.
107 de 1916). Pau de cera é brandão; resposta á phrase: pode
sêr, dubia, indecisa, a um protesto qualquer. Pau furado; arma
de fogo, espingarda de soldado. “ De Janeiro por diante come­
ça o serviço m ilitar. Que a rapaziada se vá preparando para
pegar no pau furado.” (A Pimenta n. 58^ de 1907). Pau que
muito se muda não cria raiz; quem não tem firm eza e perseve­
rança numa cousa, numa idéa, nada faz, nada consegue. Raio
não cahe em pau deitado; a faisca electrica não attinge ás cou­
sas ao rez do chão. Salvar-se pelo pau do caqto; por m ilagre.
Trumpho é pau!, bordoada, pancadaria velha. “ Houve uns pe­
quenos dissabores e quasi que o trunfo é paus.” (A Lanceta n.
51 de 1890). Vendo em fim, que trunfo é pau, Conform e o caso
requer, Põe-se ao fresco Nicoláo E . . . salve-se quem p o d e r.”
(Jornal do R ecife n. 224 de 1914). Um dia é do pau, outro é
do machado; hoje por mim, amanhã por ti. Um pau pelo olho;
phrase irônica em resposta a um conceito como cousa insigni­
ficante, sem importância, sobre uma occurrencia de caracter
serio, gra ve. Vai-te pau!; L iv ra ! Vá sahindo! D esvio! “ Desvio,
senhora Ursula, desvio! Vai-te pau! Vai-te andorinha!” (O Bar­
co dos Traficantes n. 11 de 1858).
Paulada — Cacetada, pranchada, cipoada. Dar, levar, to­
mar umas pauladas.
Paulificação — Cacetada, maçada, aborrecim ento; enfado,
amolação, estopada. “ Que universal? inqueriu Euclides meio
amolado com a paulificação.” (A Pim enta n. 14 de 1901). D e­
rivados de expressões obvias: Paulifican cia; P au lifican te; Pau-
lificar. “ Vou terminar, pedindo aos meus gentis leitores que
me desculpem a paulificancia.” (A Pimenta n. 6 de 1901) “ Con-
tinúa a paulificancia no D erby, onde os coiós dão o mais ale­
gre signal de v id a .” (O G rillo n. 1 de 1901). “ Mamãe se dam-
na com a paulificancia do M ed eiros.” (A Pim enta n. 546 de
1907). “ Quasi todo mundo tem apanhado desse poeta que o
vulgo acadêmico chrismou de paulificante.” (Id em . n. 17 de
1901). “ Escrevo estas linhas ás 11 horas da noite, depois de
um dia paulificante.” (Idem* n. 14 de 1902). A gora leitora, que
já lestes um pouco de prosa, nesta minha paulificante palestra,
segui os meus con selh os.” (A Lanceta n. 107 de 1913). “ A com ­
panhia paulificou um pouco o publico com a representação de
peças já bem conhecidas.” (A Pimenta n. 29 de 1902). “ Chega­
mos a Itabayana paulificados da v ia g e m .” (A Peia n. 8 de
1904). “ Elles não vos querem paulificar nem aborrecer.” (A
Lanceta n. 103 de 1913).
Pausinhos — Nas phrases: Andar, bulir, arranjar, mexer,
tanger os pausinhos, isto é: trabalhar, empenhar-se, envidar os
meios possíveis para a consecução de qualquer cousa; pro­
curar interessadamente conseguir bom exito de uma preten-
ção ou-negocio qualquer. “ O homem está na moita arranjando
os pausinhos.” (A Lanceta n. 14 de 1890). “ N o m eio dos com ­
panheiros ha de tanger os pausinhos.” (Id em . n. 1 6 ).'
Pavána — Navalha. (G iria dos ga tu n o s).
Páx vobis — Um pobre de espirito, um sugeito atoleimado,
im becil, mas bonacheirão, inoffensivo, sim plorio. “ Começou
Vulcano çhamando-nos de pae-vobis, errando. E ’ pax vobis a
tal cousa que elle nos quiz chamar, mas que a lingua o não
aju dou .” ( A Pim enta n. 573 de 1907). Que filiação terá a lo ­
cução com semelhantes accepções, com a conhecida saudação
christã. Pax vobis, a paz seja com vosco?
Pé — O que joga por ultim o; á base, a raiz ou fralda de
uma collina: o pé da serra; o pé do monte; abreviatura p or­
tanto, de sopé. Phrases e dictados populares: A o pé, junto, p er­
to, nas immediações: A casa de João fica ao pé da de M anoel.
Arrasta-pés, dança. Arrastar a aza, manifestação de pretenções
amorosas. Bater com o pé na bocca, não blasphemar. Botar o
pé atraz, resistir, oppor-se. Botar o pé na rua, andar, sahir
apressadamente, por-se em campo. Botar o pé no mundo, fugir,
desapparecer, por-se ao fresco. Cahir aos pés, humilhar-se,
prostrar-se. Dar com o pé, ou dar pontapés na fortuna, de ex­
pressão própria. E nterrar os pés, pular, sahir, levantar-se p re­
cipitadamente. Encontrar fôrm a do pé, gente igual, da mesma
laia. Falsear o pé, tropeçar, escorregar, cahir. Entrar com o pé
direito, com felicidade e ventura, e assim aconselhado, ao en­
trar em uma nova casa de residencia. Fazer seu pé de roda, fa ­
zer a corte. Gado em pé, vivo, em boiada, exposto á venda nas
leiras: Negociante de gado em pé. Não tomar pé, não poder
vencer a profundidade de uma corrente, ou as difficuldades e
embaraços de um negocio. Nem que tenha pé por banda como
embuá, recusa, negativa perem ptória P é d’agua, aguaceiro, chu­
va forte, inesperada, mas pouco duradouro: Cahir um pé d’a-
gua. Pé de banco, estudante do terceiro anno dos cursos supe­
riores, cujo qu alificativo é origin ário da universidade de Coim ­
bra, e já em vóga em meiados do seculo X V III, como assim se
lê no Palito m étrico: “ Aos estudantes do terceiro anno chamam

592
Pés de banco, por serem já capazes de terem assento na vida
acadêm ica.” Pé de cantiga, pretexto, insinuação, labias para
conseguir alguma cousa. Pé de castello, firm e, seguro, resoluto,
dedicado. Pé de moleque, especie de bolo de massa de m andio­
ca, com ovos, manteiga castanta e assucar preto, ficando assim
com uma côr escura, e dahi o nome. “ Os gastronomos não p er­
deram vasa de apertar a bôa cangica, o bolo de bacia e o tra­
dicional pé de moleque. (A Pimenta n. 3 de 1901). P é de pato,
o diabo. Pé de pau, arvore. “ Occultos por tráz de um pedregu­
lho ou de um pé de pau, á espera do adversario descuidado.”
(A lfre d o de Carvalho). “ P é de peixe, abertos, defeituosos, p i­
sando mal. Pé de pessôa ou de gente, individuo, transeunte:
Logo que anoitece não se vê na rua pé de pessôa. “ Eu me v i
cercado De cabos, tenente, Cada um pé de canna. Era um pé
de gente.” (Versos do C a b e lle ira ). Pé de pilão, inchado, v o lu ­
moso, pesado. “ Já deu nove horas, Já sahiu a lua, Pé de pilão
Está na rua (Parlenda p o p u la r). Pé dormente, de moqueca, en­
costado, preguiçoso. “ Na phrase vulgar, estar de moqueca, é
estar de pé dormente, sem se im portar de cousa algu m a.” (G o n ­
çalves D ias). “ Barriga cheia. P é dorm ente; Vou p ’r ’a cama,
Qué estou d o e n te .” (D ic ta d o ). P é lá, pé cá, ir depressa a um
mandado, sem demora, e voltar lo go . P é no matto, pé no cami­
nho; de viagem . Pé-pulinho; caminhar com um dos pés firm a ­
do sobre os dedos, p or um encommodo qualquer, andando assim
aos saltos, ao pulinhos. Pé ou pés de chumbo: Denominação d e­
preciativa dada aos portuguezes no tempo da Independencia.
Carvalho e Caneca espalhavam aterradoras noticias, de que os
pés de chumbo queriam escravisar-nos, e unir o Brasil a P o r ­
tu g a l.” (O Cruzeiro n. 137 de 1829). “ Quando Deus creou a
gente do Brasil já fo i para servir eternamente aos príncipes de
Portugal, e a quanto pé de chumbo nos quizesse v ir sen h orear?”
(A Misselanea P eriod iqu eira n. 2 de 1833). “ E xercito, marinha
e tribunaes De bellos pés de chumbo iam-se enchendo.” (A Co-
lum neida). P é de chumbo é uma locução portugueza, com a
expressão de pessôa que anda lentamente, e na sua giria po­
pular, com as de estúpido, ignorante, .im becil. P é de ouro; in ­
dividuo que dança bem . “ La vem e l l e . . . E ’ um pé de o u r o ...
V ai dançar com migo a prim eira valsa. (Jornal do R ecife n. 221
de 1915). Pés de espalha patrulha, ou espalhados, abertos para
? fó ra . Pés de papagaio; vçltados para dentro. Pés frio s ; getta-
tore, que encaipora os jogadores, apreciando as suas cartas, o
seu jo go ; individuo de máos olhos de influxos perniciosos. “ A
Gertrudes, devido aos pés frios da Laura, já fo i duas vezes des-
pedida pelos m eirin h os.” (A Pim enta n. 381 de 1905). Diz-se
tambem Pé frio . “ Aza negra, pé frio , gettatore in fern al! L ivre-
nos Deus do teu con tacto!” (Jorn al do R ecife n. 5 de 1916).
“ Chega a ser um h o rro r o pé fr io que atormenta a triste vida
da L i l a . ” ( A Pim enta n. 553 de 1907). Pés rapados; alcunha
depreciativa dada pelos Mascates, em 1710, á gente do partido
da nobreza, ou pernambucano emancipacionista, home que se
lhe deve, como escreve um chronista do tempo, porque os des­
te partido, havendo de tomar armas, punham-se logo descalços
^ a ligeira, para com menos desembaraço as m anearem ; e as­
sim eram conhecidos p or destros nellas, e muito vajorosos; des­
ta sorte os que eram da parte da N obreza chamavam-se N o ­
bres, oü Pés-rapados. O termo porem já era vulgar entre nós,
para qu alificar o indivíduo que andava descalço, de pés no
chão, e vinha de tempos idos, como se vê destes versos de Gre-
gorio de Mattos: “ Se tens o cruzado, Annica, Manda buscar os
sapatos; E se não, lembra-te do tempo Que andaste de pé ra ­
pado.” A phrase, porem , ficou, e com o mesmo tom deprecia­
tivo, para designar a gente de condição baixa, humilde, arraia
miuda. “ Pela expressão pé rapado, designam os matutos o su-
geito pobre, que não tem nada de seu .” (F ra n k lin T a v o ra ).
Mandam correr á noite, nas pontes, os pés rapados, e não man­
dam vêr nas cavas do collete dos gravatas limpas, os punhaes
e facas de p o n ta .” (Lanterna Magica n. 127 de 1885).’ “ O pé
rapado, o infusorio, é sempre quem paga o p a to .” (O Ziguezi-
gue, 1899). Dicíados c rifões: Eater com o pé na bocca; não
blasphemar. Pé de gallinha não mata pinto. Quem quer moça
bonita bole com o pé e a bolça. Sahir de pés para a frente,
m orto. Seu beiço é curto, seu pé tem gancho; é baixo, não é
capaz; não faz, não se atreve. T ira r o pé da lama, sobre-sahir
subir, elevar-se. T êr a lingua preta e o pé redondo, incapaci­
dade, impedimento, incom patibilidade para falar ou agir em
qualquer cousa. Um pé sujo procura um chinelo roto; procu­
rar, con viver com gente da mesma laia, do mesmo quilate.
Péba — Cousa ordinaria, insignificante, sem importância e
va lo r; indivíduo sem cotação alguma, um troca-tintas ahi qual­
quer. Especie de tatú (Dasypus sexcinctus, L in n eo), ordinário,
e assim chamado para o distinguir do verdadeiro e outros de
qualidade superior, estimados como bôas caças. “ Não se hu­
milhe, ou de verdadeiro não se transfome em peba.” (O Cam­
peão n. 1 de 1861). “ Qum não te conhece, peba, que te julgue
verdadeiro. (O Conservador Verm elho n. 31 de 1863). “ Que

594
congresso peba! Ainda não tratou da lei do d ivo rcio ! (Lanterna
Magica n. 735 de 1903). Com o nome de Peba ha um antigb en­
genho no município de Frecheiras. Peba, ipéba ou apeba, co­
mo escreve Gonçalves Dias, é uma dição indígena, que significa
chato, plano, baixo, in ferio r, accepções bem expressivas à classe
do tatú que designam, como igualmente as do termo na giria
pop u lar.
Péça — Antiga denominação do escravo. “ E ’ necessário
que cada engenho tenha 50 peças de escravos bons, e 15 ou 20
juntas de bois com seus carros apparelhados.” (D iaiogos das
grandezas do Brasil, 1(518) .• “ Todos os moradores ficam o b ri­
gados a plantar 300 cóvas de mandioca por cada peça d e .tra­
balho, negro e negra que tiver.” (E dital do governo hollan-
dez, 1040). “ Me levaram 80 peças de serviço, que cada uma
valia naquelle tempo (1040) mais de 100$000.” (Testam ento de
J. Fernandes V ieira, 1074). “ Escravos de Guiné, e os que se
chanvam peça da índia, ao preço de 70$000.” (D e um documen­
to de 1710). O termo com esta particular accepçãd enire nós,
ainda era vulgar no tempo de Moraes, começar do seculo pas­
sado, que escreve no seu D iccion ario: No Brasil conform e a
este sentido (peça de mouros e homens) dizem : o navio (do tra ­
to dos negros) traz tantas peças ou cabeças; este senhor- tem
tantas peças, isto é, tantos escravos.” Ficar, m orrer na peça.
Di^-se da moça que não casa, fica r p’ ra tia. “ Todas as moças
se ca sa m ... E eu? . ..e u fico na p eça!” (A m erica Illustrada,
1871).
Peçonha — Denominação vulgar das variolas, em outros
tempos. “ Trinta é tantos escravos que em menos de um ar.no
m orreram os mais delles de peçonha.” (Testam ento de João
Fernandes V ieira, 1G74).
Pecurrucho — Menino, criança. “ Desejo-te sau’de e m 'c o m ­
panhia da tua Eva e dos pecurruchos.” (O Papa-angu’ n. 3 de
1846). “ Esies lindos pecorruchos em teu amor não n u tri.” (A
Carranca n. 24 de 1847).
Pedaço — Distancia, extensão, caminhada: Da casa do
João a do António é um bom pedaço — T em p o decorrido: O
homem chegou ou sahiu á pedaço. Grande, alentado, avantaja­
do: Pedaço de malcreado; um pedaço de mulher. “ Vimos tam­
bem um representante da raça ethiope, um pedaço de negro,
corpulento e desenvolvido.” (Lan tern a Magica n. 788 de 1895).
“ Zefa é um pedaço de moleca de beiçô grande e catingosa a
arubu’ .” (A Pim enta).
Pedágio —. Imposto de passagem de pontes e barreiras, que

595
incide sobre animaes e vehiculos de qualquer especie. “ O pe­
dágio é posto em arrematação pelo Conselho Municipal de
lguarassu’.” (D ia rio de Pernambuco de 2 de Agosto de 1894).
Pedra de corisco — Vulgar, mas errônea denominação da­
da pela gente ignara aos instrumentos indígenas de pedra po­
lida, encontrados em excavações ou. descobertos pelas enxur­
radas, como machadinhos de diorito e de silex, pistillos ou
mãos de pilão e pequenas mós de seixo branco, em fórm a de
laranja. “ Todos esses objectos representam para os roceiros ò
esqueleto do raio, pois, segundo a crença popular, a faisca e
lectrica é uma lasca de pedra inflamada, que nas occasiões de
trovoadas cai do seio das nuvens, e qu’e enterrando-se no solo,
numa profundidadae de duas braças, vem lentamente aflorar
na superfície, cinco annos depois” . (A lfre d o Brandão). Vem
dahi a denominação vulgar de pedra de corisco de taes objec­
tos, ou simplesmente corisco.
Pedrado — Diz-se de certos fructos endurecidos no todo
ou em parte: um araçá pedrado; um a-goiaba pedrada.
Pedrejado — De pedra, alastrado, cheio, coberto de pedras.
“ Um espaço de meia milha, seguramente, que o fundo é pe­
drejado, com 27 palmos d’agua. . . Lugares ha em que se en­
contra somente 36 palmos e fundo pedrejado.” (V ita l de O li­
v eira ).
Pedrento — Como a pedra; do feitio ou feição de pedra.
“ Céo pedrento, ou chuva ou vento, ou signal de mau tempo.”
ÍP rçloq u io popu lar).
Ped ro-cafôfo — Especie de rola (colu m b a), cujo nome
vem do seu p roprio canto, que assim parece pronunciar.
Péga — Contenda, discussão acalorada, bate-barbas. “ N o
meio do péga, um diabo d’um m ata-cachorro deu-me tamanho
ponta pé que eu v i candeias de sêbo.” (A Pim enta n. 487 de
1906). G rito de perseguição de um crim inoso que foge em v e r­
tiginosa carreira. “ O Sr. Ulysses ha de ser seguido pelo clam or
publico aos gritos de péga, p ega !” ( A Lanceta n. 54 de 1890).
Excursão sertaneja para descobrir e pegar um b oi bravio, ex­
traviado da fazenda, ou fugido desde pequeno, e viven do em
plena liberdade em afastadas paragens. “ A pega de um afama­
do boi br abo servia sempre de assumpto a poemas, cujos
cantos eram marcados pelas letras do alphabeto.” (Irin e o
J o ffily ). “ Para o sertanejo não ha difficuldades que se lhe
antolhem nas suas montarias de pega do boi bravio, extra­
viado.” (E uclides da Cunha).

596
Péga-péga — 0 mesmo que péga, no seqiido de conten­
da, discussão acalorada, bate-barbas. “ Assistimos a qm péga-
péga entre a Olindina e um certo moço da Bôa Vista.” (A P i­
menta n. 580 de 1907). N o s'tem p o s do recrutamento para o
exercito e marinha, a phrase tinha as expressões de desor­
dem, correria a prisão, nos cercos das pontes e casas, ou era
diligencias pelas ruas e estradas, á cata de gente apta para o
serviço m ilitar, e dahi as correrias e perseguições quando o
individuo via as patrulhas e corria para se livrar da prisão.
Houve um péga-pega damnado, e muita gente cahiu na embira.
Péga-pinto — Planta da fam ilia das Nictaganaceas (B oer-
havia hirsuta, W ill.) de certas virtudes medicinaes._ Vegeta,
tambem, e em abundancia, na ilha de Fernando de Noronha,
e serve de pasto ao gado cerdoso.
Peia — Peça de couro ou de corda com que se prende os
pés do cavallo para não se afastar do campo de pastagem:
pear o cavallo; cavallo peiado. “ De couro era a peia para
prender o cavallo em viagem .” (Capistrano de A b réu ). T ire
a mão da peia, que a besta é alheia; Çavallo peiado não salta
vallado; Cavallo peiado come tambem. (Dictados populares).
Azorrague de couro cru’, trançado, para castigar os animaes
em viagem, e mesmo ao p rop rio homem, ignominosamente.
“ Para o negro que se mette Onde não lhe dão entrada, Não
tem faca .o Cabeleira, Tem uma peia en sebada... Quem qui-
zer brincar commigo Venha para o meio da areia; Se fô r
homem levou a bala. Se fo r mulher leva a peia.” (Versos popu­
lares). Nesses casos de prepotência, dictados pelo rancor do
odio,, mandavam que a victim a, depois de surrada, desse vivas
a peia e ao nó da peia, ordenando ainda o algoz para cumulo
da affronta, que passasse por baixo da barriga do seu ca­
v a llo ! “ T ire já o chapéo, e apei-se para passar p or baixo da
barriga do meu cavallo, pé rapado de b o r ra !” (F ra n k lin Ta-
v o ra ). Peiada: Alluzão indirecta, chincalhada, remoque, “ Um
vate anonymo soltou umas ternas peiadinhas á sua ella.” (O
Diabo a quatro n. 153 de 1878). Cahir,-estar na peia, am arra­
do, seguro, preso; mettido em máos lençóes. M etter a peia,
detractar, depôr, falar mal de alguem. “ Falando da vida alheia,
Tocando inclemente a peia.” (O Destino dos amantes).
P eitica __ Azucrim ; azar, caipora; insistência encommo-
da. (Sylvio Romero). “ Morreu-lhe o m arido; que peitica! F i­
tou triste, como fica a gallinha quando m orre o gallo.” (A
Pimenta n. 75 de 1902). “ A tal semana santa para quem anua

597
na estica só tem dias de peitica, e peitica que não pára.”
(Idem , n. 551 de 1907). A ve da ordem dos trepadores (D i-
phopterus navios. L in a e o ). de canto alto, prolongado, e um
tanto estridente, mas sempre na mesma toada, e de cuja dic­
ção in icial Vem o seu nome onomatopaico'. Os indios já as­
sim chamavam a esta pequenina ave, e supersticiosos còmo
eram, escreve um ehrcnista do alvorecer do seculo X V II, “ tem-
na por tão iholesta e agourenta, que os obriga e fazer gran­
des extremos, quando a topam ou ouvem cantar; de sorte
.que, se indo caminhando com toda a sua bravosidade, ouvi­
rem cantar a peitica desamparam a jornada, e se tornam a
recolh er.” “ A agoureira peitica solitaria, Que do velho ingazei-
ro a fflicta geme.” (J. da N atividade Saldanha). O cafife da'
peitica vem dahi, e a superstição contra a in offen siva avesinha
vem de longe, portanto.
P eito cerrado — D ifficuldade de respirar p or accumulo
de secreções bronchicas, como se dá na asthma, bronchite. etc.,
ou como registra Langaard, como nom e vulgar dado a certos
caracteres precursores da bronchite e laryjigite. “ Não nos
fale rouco, como quem tem peito cerrado.”, (D . Francisco
M anoel)
Peitudo — Opinioso, caroçudo, intrasigente; valentão,
atrevido, insolente. “ Quero chegar-me ao Cosme, que de to­
dos é o mais peitudo.” (F la n k lin T a v o ra ).
Peixada — Saborosa petisqueira de peixe. “ Nos dias de
quarto grande saboreava bôas peixadas.” .(Lanterna Magica
n. 219 de 1888). “ Uma gostosa peixada sem mesmo nada faltar.”
(A Pim enta n. 15 de 1902). “ Tem os para o proxim o dom ingo
um peru’ cevado, duas gallinhas e a peixada do José P o e ira .”
(Pernam buco n. 46 de 1914).
Peixão — Mulher beila, vistosa, elegante, de alto porte,
um pancadão. “ Mulher bonita é peixão.” (A Pim enta n. 3 de
1902). “ Dizem saudosos anciões, que D. Thereza fo i um
peixão ha vinte annos desta parte.” (O Carapuceiro n. 74 de
1842). “ m velho barão, ao lado da esposa linda e fresca, des­
lumbrante peixão.” (Ò G rilo n. 3 de 1901). “ A esposa do
Abreu é um peixão de espavento.” (A Pim enta n. 11 de 1912).
Peixe-espada — Carga de cavallaria; espaldeiram ento;
pranchadas á sabre ou facão. “ O João conservou-se á distancia
do meeting, pois contava com a merenda do peixe-espada, e elle
leme as indigestões.” (O Diabo a quatro n. 101 de 1876). “ Nas
cosfas do povo inerme, Peixe-espada trabalhou.” (A Duqueza

598
do Linguarudo n. 77 de 1877). “ A p olicia distribuiu à farta ra ­
ções de peixe-espada.” (O Diabo a quatro n. 149 de 1878).
P eix eira — Faca de pom beiro para cortar o p eixe na ven ­
da á retalho? Porca Velha saccando de lima faca de pom beiro
mais conhecida pelo nom e de peixeira, investe contra S agui. . .
O gazeteiro saccou de uma peixeira e a crava na região peito­
ral esquerda de gagui.” (Jornal do R ecife n. 323 de 1916).
P eix e piolho — P eix e de agua salgada (E cheneis rem ora),
e Iperuquiba ou Piraquiba dos indioSi.
P eix e podre —« Feio, ruim, ordinário, desprezível, alcaide.
Não sei que graça achou o Manoel em semelhante p eixe podre.
“ A redacção d’A Lanceta não é peixe podre.” (A mesma, n.
22 de 1890).
P eix e p o r c o —. P eix e de agua salgada, da ordem dos P lec-
togonatas, o Piraacá dos indios. e dahi a sua denominação sci-
entifica de Monacautos Pira-acá, imposta p or Cuvier. M arcgra-
vi descreve duas especies de p eixe porco, uma com .o nome de
Güarperva, e outras conhecida com o nome vulgar de P eixe-
diabo, mas qu'e entre os indios tinha o de Guamaiacu’ -guará.
P eix e-rei — Apenas o encontramos mencionado p or Jero-
nymo V ilella.
Pêja — Conclusão dos trabalhos de moagem dos engenhos
de assucar ao term inar a safra da canna. Vem dahi o verb o
pêjar, originariam ente registrado por Moraes, com a sua p ró ­
pria significação, P eja r o engenho de assucar, não m oer mais
por algum tempo, ou por aquellç anno, e sucessivamente até
Aulete. “ A peja é o term ino dos trabalhos da safra. O engenho
já pejou.” (A lfre d o Brandão).
Pêlêga — Cedula de papel moeda. “ A ’s pelegas de cem eu
não resisto, um Esculápio diz enthusiasmado.” (A Pim enta n.
27 de 1902). “ O indivíduo exigiu umas tantas pelegas entre o
dilema da bolça ou a vida.” (Lan tern a Magica n. 774 de 1904).
P êlêgo — Grosseio, estúpido, ignorante, casca-grossa. O
termo é vulgar no R io Grande do Sul, mas applicado a uma
especie de manta de couro de carneiro para montaria. “ Pelego,
pano de sella e cousa ruim em sentido figurado.” (S y lv io Ro-
m ero).
Pelin tra — Indivíduo, em regra, sem occupação alguma,
viciado c mal comportado, de trajar ridicu lo e modos affec-
tados, mettido a namorado ou conquistador, e dia e noite en­
chendo as ruas de pernas, quebrando as calçadas, ou frequ en ­
tando cafés e bilbares, prostíbulos e lupanares. D e riv a d o s ; Pe-
lin trorio ultra peFntra; e pelintragem cousa, modos, acções de
w i u i r e i mm estismwi
PBCS. C * t T S k L L *
— PtíiriWa. "C hapéo de banda é pelintragem, chinello nos pés é ■'
pauolagem .” (D icta d o ). P elin tra é um termo de apparecim en­
to m oderno uma vez que Moraes não o registra; mas Aulete
já o consigna, como chulo, e com expressões outras, e apenas
cúm uma certa relação com as que tem entre nós, uma delias,
a de pessoa abandalhada.
Pelláda — ■ Term o de expressão pornographica, im m oral;
phrases cabelludas de arrepiar couro e cahello. “ Indecente!
Aqui em minhà casa, está ouvindo? não quero ouvir pelladas!”
(A Pim enta n. 28 de 1801). “ A mulata gabou-se que tinha con­
quistado a amisade e a protecção do patrão, e que p or isto
póde m altratar as companheiras, dar com pelladas, e não ser
despedida.” (Idem , ri. 599 de 1907). O term o é vulgar nos pro-
vincialism os do Chile, onde dão o noftie de pellada á morte,
naturalmente pela circumstancia das cavéiras que a represen­
tam não ter cabellos, como escreve Zorobabel Rodriguez.
Pellanca —. Pelles, molles, frouxas, cahidas. “ Velha gorda,
pellancuda e caspenta.” (A m erica Illustrada, 1873). Pellanca é
corruptela do term o popular portuguetei, pelhanca, pelles ca­
hidas, pellanga; como registra Aulete, definindo depois pel-
langa: pelle m olle e cahida. Carne magra, m olle e engelhada.
Penca — Grupo de fructos em numero variavel, reunidn-
mente dispostos, e presos a uma só haste, como uma penca de
laranjas ou de côcos; e particularmente, “ cadam m dos grupos
fru ctiferos de que se compõe um cacho de bananas, constando
cada penca de duas ordens de bananas dispostas á semelhança
dos dedos da mão. “ Duas meninas com praram na feira uma
penca de bananas, e uma delias comeu a penca toda.” (O G rillo
n 1 de 1902). ‘‘ De volta, trazia o velh o uma penca de bananas,
que lhe vinham „cahindo das mãos, de maduras.” (F ra n k lin
T a v o ra ). Abundancia, quantidade, grande numero. “ Este tre ­
cho é uma penca de asneiras.” (S y lv io R om ero ). “ O amigo
João Gonzaga, Casado com Dcna Encrenca, T em de filh os uma
penca.” (A Pim enta n. 547 de 1907).
Pendanga — Discussão, disputa, pendencia, luta, contenda,
conflicto. “ Ha muito quem diga que a tal pendanga dos soli-
déos só poderá acabar pelo theor daquella dos capuchinhos
acerca do bico do capello no seculo X V I.” (O Cometa n. 16 de
1843). “ Surge agora no Congresso Nacional a grande pendanga
da nossa bandeira.” (Lan tern a Magica n. 774 de 1904). S ylvio
Rom ero suppõe que o term o pendanga é de origem africana, o
que effectivam ente nos parece, uma vez que, naturalmente nos
pretos africanos que faziam parte das confrarias do Rosário,

600
assim chamassem ao pendão da corporação, vindo dahi esta
phrase delles nas suas procissões: Larga o pendanga e pega
r»o burundanga (o brandão), muito vulgar entre nós.
P en eirar — Chuviscar miudinho, como se a aguá cahisse
das malhas de uma peneira fina. “ Chuva se não choves, deixa
de estar pen eiran do. . . Chuva que tem de chover P orqu e é que
está p en eiran do?” (Versos populares). Pen eirar-se; Manifesta­
ção de vontade, desejos; impetós de fazer ou praticar alguma
cousa; ensaios de investida.
Penetra — Introm ettido; individuo que com o m aior cy-
nismo vai onde não é convidado, e nem tem luyar; desconhe­
cido, que com a m aior desfaçatez penetra em uma casa de
fam ilia em reunião festiva, e faz-se tão intim o como um velho
e estimado conhecido. “ Com o sans façon com que os penetras,
de meia cara, vão entrando nos cinemas e theatrinhos, exigem
tambem para os que os seguem entrada gratuita.” (O Estado
de Pernambuco n. 164 de 1914).
Penicão ou pinicão — Belliscão, pontada, bicada.” A i! já
cinto uns penicões na b arriga! A i que penicões! Que suores-”
(Ç o va da Onça n. 6 de 1835). “ Como reparte os pinicões com
a insolência que lhe é innata, qual gallo de posse de um te rre i­
r o ? ” (A Carranca n. 69 de 1846). “ Foge M agriço do P intalh ão!
Que no toutiço um pinicão, Sem reboliço te póde dar.” (O Barco
dos Traficantes n. 44 de 1858).
P enicar ou pinicar — Belliscar; dar penicão; picar com o
bico. “ Mamãe veja Toin h o que está pinicando a gente” (L a n ­
terna Magica n1. 502 de 1896). P in icar os olhos (p is c a r): Sig-
nal. manifestação, introitos de velho namoro. “ As tijolistas (n a­
m oradeiras) são de tal ordem seduetoras e em numero tal que
chegam a espantar. São umas de um lado, outras do outro; uma
surri, a outra penica os olhos.” (A m erica Illustrada n. 27 de
1882). “ O Zé Braga é cortezão, namora, penica o olho.” (Id em
li. 4 de 1884). “ Pegava na barba, penicava o olho, fazia gatimo-
nhos.” (Idem , n. 3 de 1887). O gallo pinica a quem vai a mis­
sa do Natal, ou do Gallo, com roupa velha. (D icta d o ). “ O Lau-
rentVio não botou nada novo pela festa. O gallo tel-o-hia peni-
c a d o?” (A m erica Illustrada n. 52 de 1877). “ Ritinha não vai
a missa sem vestido novo pois o gallo lhe pinica.” (A Pimenta
n. 29 de 1901). “ O gallo hoje na igreja T em gente que pini-
c á ! . . . O gallo o afino passado Pinicou tambem p or cá.” (T r o ­
vas populares).
Penon — Especie de fructo m en cion ad o'p or Jeronym o Vi-
lella.
Pensar na morte da bezerra — Estar apprehensivo, pensa­
tivo, macambúzio. “ A fumar um cigarro, só, pensando na morte
da bezerra.” ( A Lanceta n. 5 de 1889).
Penteador — Peça de roupa de mulher, especie de casaco
de fazenda branca, leve, frouxa, e um pouco comprido.
P é o ! — xDicção in terjectiva muito usada nos theatros para
obrigar a tirar o chapéo a um espectador de camarote. O ter­
mo que é uma abreviatura de chapéo, vem de longe; e descre­
vendo um poeta as scenas de desordem, de galhofeira e in ffer-
i cira> do nosso p rim itivo theatro S. Francisco, a que o vulgo
(ham ava capoeira, e que desappareceu em 1850 com a inaugu-
raão do bello Santa ízabel, diz que, “ Apenas soava um péo,
Rom pia um duro escarcéo, Sem respeitar as familias, Nem da
policia as vigilias, Andava tudo em boléo.” “ Entrando no
theatro transpirando, e sem reparo, de chapéo á cabeça, o po-
ração do bello Santa ízabel, diz que, “ Apenas soava um péo!
P é o ! ” (A Pim enta n. 597 de 1907).
Pepé — O mesmo que coché. “ Totonio, doutor valente,
Foi-se queixar a Pepé, Muito zangado porque Não o fizeram
regente.” (O M entor Pernambucano n. 2 de 1833). “ Sé fòr
demettido o Pepé, vocês não aguentam, não.” (O Azorrague n.
11 de 1845). “ Exaspera-se muito o coxé João P in to quando
a canalha lhe chama-o commendador pepé.” (A Derrota n. 13 de
1883).
Pepinar — Beliscar, coçar, mexer.
Pepineira ou pipineira — Arranjo, negociata, comedella,
mamata. “ Desfructe-se a pepineira, corra o vinho pelo chão.”
(O Vapor dos Traficantes n. 221 de 1860). “ Para o Martins en­
diabrado, que m alvado! Toda pepineira é pouca,” (A Lanceta
n. 5 de 1890). “ G r a n d e e p o t e n t a d o nas a rtes da p ip in eira .”
( A m e r i c a I llu s t r a d a n. 43 d e 1878). “ P a r a a m ig os, p i p i n e i r a s ; e
p a ra o p o v o , 11111 c a n u d o .” ( L a n t e r n a M a g ic a n . 85 de 1884).
P e q u e n a — M o ç a s o l t e i r a ; a n a m o r a d a . “ N ã o ha n a m o r a ­
do q u e já n ão h aja e n s a ia d o duas q u a d ra s ou s o n e to á p e q u e ­
n a .” ( M a r i o S c t t e ). “ A t r a z da g e n t il p e q u e n a a n d o h a cou sa de
dous m e z e s .” ( A P im e n t a n. 11 de 1902). “ I d o l a t r o um a p e q u e ­
na, e n g r a ç a d i n h a , pacata, E ’ d i v i n a l ! A r r e b a t a ! ” ( I d e m , n. 59).
P e q u in i t a t e — M e n i n o ; m u ito p e q u e n o , b a ix o , ca rr a p e ta .
“ Esse p e q u in ita t e J o a q u im V i l e l l a , q u e ta n to m in g u o u em t a m a ­
nh o c o m o cresceu e m r e f a l s a m e n t o e a m b iç ã o . ” ( O C a m a r ã o 11.
4 de 1848).
P e r a l t a — V a d i o , v i c io s o , d e p r a v a d o . D e r i v a d o s : 1’ er a lt a ria ,
neraltear. Moraes e Aulete registram o vocábulo, porem man­
dam vêr peralta, com accepções outras.
Peráu —■Depressão, cóva ou buraco que subitamente apre­
senta o leito de uiri rio ou lago, ou mesmo o mar proxim o ã
praia, e onde ordinariam ente não se toma pé, e de grande pe­
rigo. e fatalm ente mesmo, ás pessoas que não sabendo nadar,
se precipitam nelle. “ Nisto quebra-se a ponte e todos cla­
mam, cahindo no peráu.” ( A Lanceta n. 46 de 1890). “ Quasi
que ãfogado mesmo, sahiu fóra do peráu.” (Lan tern a Magica
n. 499 de 1896). “ Cômo esse animal se assemelha ao carangue­
jo, va i ser enviado para ser sepultado nos peráus do R io F o r ­
moso.” (Id e n t R. 653 de 1901). A phrase Cahir nuta pérau,
concurreqtem ente com a sua expressão própria, a de m allogro.
desastre, espetadella. “ Na exhibição da peça As aves de ra p i­
na, só conseguiram fu gir de pérau os artistas Guilherme e Ro-
sita.” (M ephistopheles n. 13 de 1883). N o tupi, comjb escreve
Th eodoro Sampaio, pérau, poço natural no leito dos rios, como
o artificial, a cacimba, o b arreiro e mjesmio o poço, tinha en­
tre os indios o nome de Yqua ou Yquãra, que quer dizer, bu­
raco d’agua, não vindo daquella lingua portanto, a etym olo-
gia do vacabulo. Vem poreml do guarani, abreviatura de ipe-
rau, caminho falso d’agua, fundo sorverd oiro d’ agua ou rio,
segundo Baptista Çaetano.
Perch a — V ara com prida de madeira para laçar gallinhas.
(G iria dos gatunos).
Peréb a — Sarna, ferid a insignificante, cicatriz; e ferid a
com casca, velh a; a mancha da sarna, segundo as expressões
da voz indigena peréba, ou da variante meréba, donde vem o
termo, bem com o das locuções Mereba pirera, hostellas, e
Ferega diranga, chaga viva, verm elha. D erivados: Perebagem ,
as perebas, sarnas; e Perebento, o sarnento, atacado de p e ­
rebas, o perebaoêra dos indios.
P ere iro — A rvo re que fornece bôa madeira para obras
de tanoaria.
Perendengue — Penduricalho, tetéa, brinco, berloque
“ E lla sabe pintar comi as mais cores da ellucução todos os
perendengue» de um tocado.” (O Carapuceiro n. 8 de 1837).
“ T raja va farda com seus perendengues ao peito, crachaes e
ouropéis, banda e chapéo armado.” (A Carranca n. 52 de
1845). “ Qual sim plorio menino a quem s‘ imbaça Com qualquer
perendengue, ou v il folguedo.. A Colunvneida).
Perengeres — Cheio de difficuldades, m olèirão, sem co­
ragem, (G iria dos gatunos).
Pereréea — Pessoa ou animal de pequena estatura, fran ­
zino, de mesquinho aspecto. Term o do Brazil, registra Bessa,
pessoa excessivamente baixa de estatu ra.. “ Em Pernam bcco
o cavallo de carga ganhou em força e vigor o que perdeu em
corpolencia e estatura. Procura-se explicar o facto attribuin-
do procedência arabe aos incançaveis pererecas.” (A rth u r O r­
lan d o). “ D eixo uma saudade em cada peito com balido de ro-
xinha perereca.” (Jornal do R ecife n. 51 de 1914. “ Os cotubas
da zona e os pererecas de fora.” (Z izin á & Esm eralda) isto é,
os grandes e os pequenos. O termo tem tambem curso no Cea­
rá com iguaes accepções, como o registra Paulino N ogu eira:
“ Term o vulgar, synonimo de cousa pequena, insignificante:
um perereca, um. pererequinha, para sign ificar cousa mini-
ma” ; e tambem no R io de Janeiro, naturalmente com as mes­
mas expressões, como se vê destes versos locaes: “ H ei de
dançar um cancam, Que ha de leva r a breca! Em bora que v o ­
cês gritem : Oh P erereca ! Oh P e re re c a !” (F . C. M arques). E n­
tre nós, porem é corrente o vocábulo desde muito, como se
verifica do nom t de P erereca de um antigo engenho de assu­
car situado no municipio do R io Form oso.
Perequ ito — A ve da feição do papagaio, da mesma côr
verde, porem muito menor. "Dictados: Periqu ito rico com a
flo r .n o b ico; Papagaio come m ilho, p iriqu ito leva a fama, com
as mesmas expressões do adagio: Pagar as favas que o asno
com eu; Não ter o quê um periquito j ô a ; nada possuir de seu,
um pobretão.
P ern a — Am igo certo, inseparável; com panheiro de tro ­
ças, patuscadas e pagadoeiras: Uma bôa perna. “ As filhas do
alm ocreve não queiram perder tão bôa perna para a folgan ­
ça” . (F ra n k lin T a v o r a ) Fazer perna; tomar parte, associar-
se a qualquer cousa. Passar a perna; enganar, conseguir p re­
terir a outrem numa pretenção ou concurrencia. Comer por-
uma perna; explorar a alguém. Estirar as pernas; andar, sa-
h ir a passeio. Perna de govern o; intimo, ouvido, influente,
vindo a locução do tem po'das juntas de governo provisorios,
compostas de varios membros. Pernas de alicate; voltadas
para dentro, arqueadas. Pernas de K lrie eleison (d e criedei-
são, como diz o Zé-povinho), com certos defeitos, de um an­
dar indeciso. Pernas de m açarico; finas em extremo, como as
da ave pernalta deste nome, e concurrentemente. de taquary,
conhecida graminea da nossa flora. “ Tens olhos de sapo boi
E as pernas de taquary.” (Z izin a & Esm eralda). Perna san­
ta; inchada ou intumescida pela elephantiase ou erisipela —
branca. “ Um rapaz de perna santa, é alvo de m il clamores po»
um namorado que espanta.” (A Pim enta n. 23 de 1902). P ica r
de pernas quebradas; prejudicado, em criticas circunstancias,
derrotado. Pernas, p’ra que te qu ero!; ab rir num poeirão, c o r­
re r a bom correr.
Pernada — Esperneação, pirueta: Dar pernadas no in fer
no. Moraes registra o termo com a expressão de couce.
Pernão — Perna de mulher, grossa, bonita, bem contor­
nada. “ Que pernão para o debuxo da paysagem do pèccado.”
(A Pim enta n. 55 de 1902).
P ern eira — Especie de calças de couro curtido das vestes
sertanejas do serviço de campo das fazendas pastoris.
Perneta — Côxo, manco; puxar de uma perna. “ Homem
eoxé é perneta.” (A Pim enta n. 3 de 1903). Não consenteria
em tal varejo, ã menos qee o perneta não lascasse as portas
e entrasse p or fo r ç a :” (O Clamor Publico, n. 90 de 1846). “ O
confidente, ilhéo perneta, no cortiço a mão virou .” (O Barco
dos Patoteiros n. 73 de 1865).
Pern oite — Serão; trabalho nocturno em certos estabele­
cimentos, nomeadamente a Casa de Detenção e hospitaes, cujos
empregados pernoitam em turmas escaladas em desempenho
do serviço p rop rio de taes repartições; Estar, fica r de p er­
noite. “ Da secretaria do Serrado, em sessão nocturna, fic a ­
ram de pernoite o seu d irector e quasi todo o pessoal.” (O Es­
tado de Pernam buco n. 148 de 1914).
Pernostico — Falastrão, p aroleiro, p alrador; contador de
historias, lam bareiro. “ Matuto quando dá para pernostico è
peior que o diabo.” (Lan tern a Magica n. 118 de 1885). “ Vèlha
pernóstica, com duas filhas, fisgam matreiras, guapos coiós.”
(A Pim enta n. 80 de 1902). “ Mamãe se damna com as bestio-
logias do negro pernostico que apregôa o Iéão exposto.”
(idem . n. 565 de 1907).
Perrengu e — A lb erto Bessa registra este term o como bra-
zileiro, com as expressões de pessoa amiga de questionar, bir-
ren to; e Beaurepaire Roan com o vulgar no R io de Janeiro e
no R io Grande de Sul, mas com accepções outras. T em curso
p orem no Ceará com as de tardonho, moroso, com o se v ê des­
tes versos populares locaes: “ Kagado é bicho perrengue Mas
ateim a até chegar; o meu amor é constante, Inda vem ate
alcançar” . Desconhecido entre nós, nunca o ouvimos pronun­
ciar, e nem o encontramos documentadamente constatado. E n­
tretanto é vulgar no alto S. Francisco e Fernando A lfe ld tra-

605
tando das suas producções locaes, assim o registra, mas com
uma accepção duvidosa” : Pouco milho, que fica sempre p er­
rengue.”
Flersevejo do m*itto — Pequeno insecto, a especie do cai-
rapato, muito fedorento.
Perú — Individuo emfatuado, presumido, vaidoso, com
um porte de ridicula afectação: Inchado como o perú. O que
assiste a um jogo, como simples espectador, apreciando ape­
nas as partidas, ou mettendo-se a ensinar e censurar os joga­
dores e dahi as discussões, e as phrases de rem oque: P eru ’
calado ganha um cruzado; Perú de fóra, toma tabaco e vai
embora. Nam orado ou pretendente, “ Rapazes do que de mais
selecto, mais chie e de mais desfructavel, que a nossa socieda­
de conhece pela denominação de perús.” (O Diabo a quatro n.
I l l de 1877). “ Os perús da rua da Concordia não deixam a
esquina! O’ que perús renitentes! Vejam lá, perús; se a m ole­
cagem tomar conta desses namoros, vocês estão damnados,
azucrinados e sem, am ores” . (A Derrota n, 9 de 1883). “ VJen-
do o Juca a Dondon, e perú já affeito no o fficio , fez-lhe logo
o seu pé de roda.” (A Penna n. 7 de 1889). D erivados; Ape-
ruação, aperuar, já registrados; Pêruagem ; peruzada. “ O cen­
tro da peruagemi é o Santa Izabel.” (A m erica Illustrada n. 19
de 1882). “ E!m chegando a companhia lyrica, teremos por aqui
a grande peruzada.” (Lan tern a Magica n. 757 de 1904). O ter-
Tlio perú, vem do gallinaceo deste nome (M eleagris gallopavo,
L in n .), origin ário do M exicok onde tinha o nome indigena de
huajalate mas. importado da possessão hespanhola do
Perú, tirou dahi, entre nós, a sua denominação vu l­
gar, como tantas cousas que tiram o seu nome dos
lugares da sua procedência, como bretanha, genebra,
cognac, camíbraia, etc. “ O Sr. Lacerda tem d ireito incontestá­
v el a ser o rei constitucional de todos os gallinnaceos que v ie ­
ram do vice-reino hespanhol da America, ou em portuguez
claro, que vieram do Perú .” (A Lanceta n. 53 de 1890). De
introducção no Brazil contemporânea ã epocha da sua eoloni-
sação, mas com o nome de Gallapavo por que era conhecido
naquella possessão hespanhola, vindo dahi a sua classificação
scientifica imposta por Linneo, como vimos, assim o chama
Gabriel Soares, e depois entre nós mesmo, o autor dos D iálo­
gos da§"grandezas do Brazil, que tratando da capitania de P e r ­
nambuco diz que havia na terra “ muitos e bons gallipabos,
que se produzem com facilidade, por ser o clima disposto

606
oara a criação delles.” Mas a nova denominação imposta ao
apreciado gallinaceo, originada da sua procedência, já tinhà
então, concurrentemente, vóga na colonia, como se vê de um
documento anterior, a carta do Padre Fernão Cardim! dando
consta de um chronista da prim eira metade do seculo X V II,
re fe re que havia na terra abundancia de perús. E assim fican­
do, já o historiador Fr. Vicente do Salvador (1627), geralm en­
te tratando do Brazil, menciona o perú entre as aves dom esti­
cas, e Tratando depois dos jacús, diz que são umas aves, que
na feição e grandeza são quasi como perús. Finalm ente, como
consta de um chronista da prim eira metade do seculo X V II,
Fr. Manoel Calado, já então estava o termo radicado entre
nós, pelas referencias que faz no seu livro, e particularm en­
te descrevendo os jardins do palacio de Friburgo, quando diz.
que de perús e gallinhas havia grande numero. Estava portan­
to, vulgarizado o novo termo, e assim, geralmente, em todo o
paiz. Quanto a etym ologia do vocábulo, escreve o seguinte o
autor da obra Les races aryennes du Péru. citado por Syl-
vio Rom ero na sua Ethnographia b razileira: “ O nome que as
as tribus emigrantes deram a sua nova patria fo i Perú. Perú,
com effeito, quer dizer em sanscripto o oriente, o mar, o sol,
as montanhas de ouro; e designa por consequência o paiz si­
tuado a Leste da índia, com todos aquelles caracteristicos
principaes.” No fem enino tem o term o accepções outras, alem
da que lhe é própria, nomeadamente: chapeo alto, velho, em
máo estado; depreciativam ente, chamado a uma mulher, corno
perua, simplesmente, ou como perua choca; Estar como uma
perua choca: inquieto, bcliçoso, alvoroçado; e Ver-se mettido
no cú de uma perua, em encrencas, embrulhadas, perigo mes­
mo. Os nossos camponios vendedores de aves, porem, tendo
o termo perua comó um tanto rebarhativo, substituem-no pelo
de Thereza, e quando excepcionalmente o empregam daquelle
mpdo, ou mesmo no diminutivo, uma peruinha, como mais de­
cente, fazem-no sempre pronunciando a phrase de respeito:
Com licença da palavra.
Pescar — Cochilar, estar a dormir; tirar, subtrahir, fur­
tar. (Hospedado em casa do Dr. Gomes, pescou em uma de
suas gavetas um peixinho milagroso* que deu com que com­
prar os melões. . . Muita cousa itíesmo tenho ouvido dizer do
seu antigo costume d’agadanhar, ou pescar, na linguagem aqua-
tica.” (O João Pobre n. 1 de 1844). “ Todos pescam* mais ou
menos, Todos pescam hoje em dia, Pois o mundo é um graaide

607
mar E a vida uma pescaria, E os homens uns pescadores, Uns
pescadores sem par.” (A m erica Illustrada, 1872).
Pescaria do A lto — A que é feita no alto mar, em grandes
jangadas, «convenientemente apparejhadas, em cujo serviço
perdem mesmo a terra de vista. “ A prin cipal pescaria deste
estado é feita p or negros em jangadas, que sahem fóra ao alto
m ar.” (D iálogos das grandezas do B ra zil). “ Das pescarias do
alto vem chegando ufanas as jangadas, niveas garças rastei­
ras, que velozes tocam á praia e cerram gs azas.” (A . J. de
M e llo ).
Pesquerry — A v e citada p or Jeronym o Vilella.
Pessoal — Grupo, troço, partidários; gente apaniguada,,
capangas, votantes. “ E v iva Joaquim Nabuco Com todo seu
pessoal! E viva o cordão azul E o partido L ib e ra l!” (Versos
populares). Pessoal d’a rrelia ; desordeiros. Pessoal escovado;
gente de certa ordem, activo, briosa, viva. “ E cousa que nao
offende, o pessoal escovado que frequenta a casa da Am elia.”
(A Pim enta n. 3 de 1908). “ Anda num reboliço extra o pesso­
al escovado dos Vlasculhadores, para a sua exhibição no car­
naval.” ( P e r n i u b u c o n> 49 ^e 4914). Pessoal estragado; baixo,
de gente a toa, da pá virada. Na giria dos gatunos do P.io de
Janeirq, os vadios e desordeiros são designados pelo pessoal da
lyra, ou do tom|bo; sendo aquella designação já vulgar entre
nos. Pessoal da lyra, somente, toma parte no forrob od ó d’ 0
T orra d o .” (D ia rio de Pernambuco n. 204 de 1915).
Petaróla — Potoqueiro, mentiroso, pregador de pêtas.
Petéca — Brinquedo ou jogo de rapazes, atirando ao ar
uma bola de trapos revestida de palha de m ilho ou pano, e
convenientem ente dispostos á impulsional-a com a palma da
mão, áfim de a não deixar cahir. Essa bola tem/ o nome de pe­
teca, e dahi jogar a peteca. “ O Cazuza aos trambulhões anda­
va como peteca.” (A m erica Illustrada, 1872), “ A pedra fo i d i­
reito, qual pateca, e a fructa apedrejada cahiu em cheio.”
(Lan tern a M agica n. 541 de 1896). O jogo de petéca é tambem
conhecido na Bahia, como se vê desta passagem de Antonio
Carmeloi, descrevendo os folguedos de um recreio no seminá­
rio da cidade: — “ A espaço ouviram-se palmadas fortes como
se fossem b ôla s. . . assustei-mje; eram alguns alumnos que dis­
putavam uma partida de petéca com v ig o r e enthusiasmo,” —
Peteléco, cascudo. “ Ensina aos discipulos a darem vaias, as­
sobios e petecas no m eio da r u a .” ( A Derrota n. 16 de 1883).
“ E á petecas, o bruto assim corrido, fo i m etter o focinho na
latrina.” ( A Pim enta n. 23 de 1901). Desprezado, escorraçado,

608
ludibriado. “ V ivia com pouco roda P o r ser peteca praeiro.”
(O Proletário, n. 8 de 1847). “ Nem a velha mais careca Não
me quer corresponder; Sou de todas o peteca.” (O Carateiro
n. 3 de 1853). S ervir de peteca; de pagode, divertim ento, gra­
cejo, joguete; alvo de m ofa e zombaria. “ O Zeca não serve de
peteca.” (A m erica Illustrada n. 12 de 1883). “ Depois de ter
servido de gato podre na côrte, vem servir de peteca na p ro ­
vín cia.” (O João Fernandes n. 5 de 1886). “ Ainda hontem tão
forte, tão tem ido; hoje porem, servindo de peteca, de zonba-
ria dos moleques e garotos.” (Lanterna Magica n. 147 de
1886). Sobre o vocábulo peteca, originariam ente tupi, escreve
Gonçalves Dias no seu D iccíon ario: “ Encontramos esta ex­
pressão em algumas frases, no sentido de bater. Coba-peteca,
bater no rosto, esbofetear; nana peteca, lavar roupa, mas lavar
batendo e não somente esfregando. Daqui vem chamar-se pe­
teca a especie de volante ou supapo feito de folhas de milho,
que as crianças lançam ao ar com. a palma da mão. Daqui por
fim, se originou a frase, hoje vulgar, fazer peteça de alguem.”
Registrando Couto de Magalhães o termo petequear, diz que é
um verbo de raiz tupica, por jogar; e tambem do guarani, pe-
tez, bater, segundo Baptista Caetano.
Peteléco — Golpe violento de mão aberta, vibrado sobre
a cabeça ou o ouvido; Dar, levar uns petelecos. “ O Adolpho
que não é pêco, largou um peteleco no Sigismundo.” (O Cla­
rim n. 10 de 1878).
Petiguary — Passarinho cantador, mas invariavelm ente
repetindo a mesma phrase, ainda não estudado, a não sêr que
o seja sob um outro nome. O seu canto nas proxim idades das
habitações, indica, como diz o vulgo, bôas novas, visita, ou a
próxim a vinda de uma estimada pessôa ausente, e pareeendo
mesmo dizer na sua expressão, repetidam ente desferida, Olha
para o caminho quem vem. “ Ha um passarinho, cremos que
o petiguary, que tem um canto semelhante á voz das palavras;
Olhe o caminho que vem gente, Dizem que é de muito bom au-
gu rio!” (Pernambuco, 306 de 1913). “ E no pé do ingazeiro
Cantava o petiguary.” (Jeronym o V ile lla ).
Petisco — Comida saborosa, bem preparada: Um bom petis­
co. E esta locução é tambem empregada, ironicamente, na oc-
currencia de um revez ou contratempo. L ige ira refeição, comer
a lg u m a cousa, fazer uma boquinha, dahi a phrase: Fazer um
petisco, hoje quasi que condemnada pela m oderna: Fazer um
lanche, ou lanchar, do inglez lunçh, que corresponde ao nossa
vetusto e popular petisco. “ Para um petisco ligeiro convidou

609
certos patuscos” . (O Clarim n. 6 de 1878). D erivados: Petiscar
fazer um petisco; saber alguma de qualquer matéria^ entender
de certas disciplinas: do francez, sempre petisco alguma cousa;
arranjar-se, conseguir alguma cousa: Quem não se arrisca não
petisca. (D ictado) Petisqueira: o mesmo qüe petisco, na Süa
prim eira accepção: Que bôa petisqueira! Comezaina, patusca­
da: Ir a uma petisqueira. “ Semana destemperada, sem facto^
de im portância que a gente possa adubal-a a guiza de petis­
qu eira” . (O G rillo n. 2 de 1902).
P etiz — Escusado gallicismo, usado agora na accepção de
menino ou criança. “ Os petizes form avam no salão um berreiro
tremendo, colossal” . (A Pimenta n. 14 de 1902). “ O ben eficia­
do dedicou o seu espetáculo aos petizes da Encruzilhada” . (I-
dem, n. 56). “ O petiz vae todo alegre se entregar aos brincos in ­
fan tis” . (Lanterna Magica n. 806 de 1905). D erivado: Petizada.
“ A velha creada prepara, arruma por fim , a cama da petizada” .
(Idem , n. 809). “ Compareceu a petizada da zona, que fez uma
algazarra medonha! Chô, meninada” . (Jornal do -Recife n. 26
de 1916).
Petuim — Catinga, fartum. “ Ha tanto fed or de bocca que
já fede a p etu im ... O Dr. Fenelon encontrou a verdadeira agua
depurativa da côr; preta e do petuim african o” . (A m erica Illus-
trada, 1873). Petuim, que na sua expressão originaria, entre nós
designava o máo cheiro que se exhala do corpo do africano,
e mais accentuadamente, suado, em agitação, parecia-nos as­
sim que é um termo, igualmente, de origem africana, Beaurepai-
re Rohan, porem, registrando as variantes de outras localidades;
nomeadamente pitiú, pitium e pituim, com as mesmas expres­
sões de fartum, cheiro desagradavel de qualquer cousa,Ndiz,
quanto á sua etym ologia, que é vocábulo de origem tupi, ^ p -
plicado ao cheiro do peixe cru, e que o do peixe assado é
pixé. Será assim? Pixé, effectivam ente, é um termo tupi, que
Gonçalves Dias registra com as accepções de cheiro de. peixe,
mofo.
Pezêta — Individuo de máo caracter, velhaco, tratante,
vindo dahi a irônica locução de Bôa pezeta, concurrentemen-
te com as de Bôa chita, Bôa peça! “ Senhora Carranca, Que
bella pezeta Vou hoje cantar” .(A Carranca n. 25 de 1847). “ O
S ilv ã o !... Bôa pezeta! Sei quem é o bestalhão!” . (O N o vo Mes­
quita de Capote n. 4 de 1847). Pezeta é uma moeda hespanhola,
de prata, de valor correspondente a 160 réis do nosso padrão
monetário.

610
Phóca — Aprendiz, praticante do o ffic io de repórter; ca­
louro novato, iniciado na vida; supranumerário. “ Ha outros
(reporters) mais novos, não incluindo os phocas” . (Jornal
Pequeno n. 70 de 191G).
Phosphoro — Individuo que pouco ou nada entende de
uma cousa ou m atéria qualquer. “ O phosphoro só é admissivel
nos exames do R io Grande” . (Lanterna Magica n. 128 de 1885).
E leitor falso, clandestinamente qualificado. “ As qualificações
foram feitas na form a do louvável costume: a inclusão de mui­
tos phosphoros, pelo que algumas íem sido julgadas nullas” .
(O Diabo a quatro n. 65 de 1872). “ O ensemble das eleições
é commum, velho, repetido: apparato de forças, phosphoros,
capangagem” . (Idem n. 162 de 1878). D erivados: phosphore-
cencia; phosphorecente. “ Os liberaes liaviam calculado tudo:
a artilharia do Arsenal de G u e rra ... a phosphorecencia da
policia á paisana” . (Idem n. 34 de 1876). “ Cada um dos p ar­
tidos tem incumbidos de arranjos phosphorecentes. (Lanterna
Magica n. 165 de 1886).
Piába — Pequenino peixe de agua doce, de escamas, muito
abundante nos rios e lagoas. Descrevendo-o M arcgravi, diz do
seu minusculo tamanho: pisciculus doos ant tres digitus longus
interdum quatuor ant quinque quando maximus. Fernando Hal-
feld diz das piabas do rio S. Francisco, que é peixe ordinário,
de papo e corcunda. “ Pernambuco, esta terra de Camarão, es­
tá de piabas”. (A Duqueza do Linguarudo! n. 105 de 1877). “ Ha
mais de uma hora, visinha, que está com a vara na m ã o ! E nem
uma piabinha!”. (A Pimenta n. 13 de 1902). “ As crianças pas­
saram todo odia á borda dos riachos, á cata de piabas, esqui­
vas” . (Rangel M oreira). Vivo, experto, lig e iro : Aquelle m eni­
no é uma piaba. N o sertão é muito commum dar-se o nome de
piaba ao cavallo bom corredor, ardego, vivo, e com taes p re­
dicados, destrissimo na péga dos bois extraviados das fazendas.
“ Lá vem seu Francisco Lins N o seu cavallo Piaba”. (O Boi
Espacio). Bucho de piaba: Diz-se que tem-no o individuo in­
discreto, falador, linguarudo. “ Quanto a mim não passarei o
segredo a ninguém; agora quanto aos seus camaradas, que são
de bucho de piaba, é que não me responsabilisarei” . (A Provín­
cia n. 48 de 1916). D erivados: Piabagem: Serviço, negocios p e­
quenos, insignificantes: Andar mettido numas piabagensinhas
que nada adiantam. Piabar: Metter-se em especulações, em
certos negocios. “ Um serventuário de justiça, que tambem pia­
ba nos negocios de ausentes” . (Pernambuco n. 331 de 1913).
Piaba é um term o de origem tupi, que segundo Baptista Cae­
tano vem do verbo pi-hab, torcer pelle, beliscar. Entre nós te­
mos o nome de Piabas em algum engenhos, riachos è lagoas,
e o de Piatiba, em uma coroa junto a fo z do rio M aria Farinha,
corruptela de piab-tyba, abundancia de piabas.
Piabuçú — P eixe de agua doce (Salm o argentinus, Bloch)
Do tupi Piab-assú, piaba grande.
Pian-pian — Assim, assim; vamos andando, vamos in do;
com o Deus é servid o ; devagarinho. Como vai você nos seüs
n egocios?: Assim, assim; pian-pian. “ Fundo, capacidade, ta­
lento, não é a s s im ... p ia n ... pian” . (M arm ota n. 2 de 1844).
A locução vem, naturalmente, do provérb io italiano Piano,
piano, si vá lontano.
Piançar, — Alm ejar, desejar, querer. O João piançava desde
muito casar com a filh a do Manoel.
Piáu — P eixe de agua doce de côr escura, e com listras
mais pronunciadamente escuras, e dani o seu nome, do tupi
ipiáu, o que tem a pelle manchada, sardento; nome do p eixe de
pelle sardosa. (Baptista Caetano).
Picada — T res badaladas dos sinos dos campanarios das
igrejas, fortem ente vibradas ao mesmo tempo, e com um peque­
no espaço de uma ás outras, para dar começo aos repiques
festivos. Caminho estreito nas mattas ou terrenos cobertos de
alta e espessa vegetação, com alinhamento regular ou não,
abertos para o corte e arrastamento de m adeira; para encur­
tar a passagem eiítre dous pontos, evitando rodeios, e servin­
do de viação publica; ou para exploração e estudos de traba­
lhos geodesicos, sendo assim o termo muito vulgar nos rela­
tórios e cartas de taes trabalhos. Picada é um term o vernáculo
e consignado nos nossos léxicos, mas com expressões outras;
ultima accepção: caminho estreito, que se faz p or entre matto,
derribando algumas arvores.
Picadinho — Guizado de carne picada.
Picanha — Carne ordinaria, com accumulação de substan­
cia gordurosa, e que fica na parte posterior da região lom bar
do boi. “ E ’ costume do tal sujeito paulificar a paciência da Sra.
Generosa no M ercado de S. José, todas as manhãs, p or occa-
sião da com pra das picanhas” . (A Pim enta n. 79 de 1902). “ A
Marocas e a Am elia madrugam no Mercado para comprarem
mais narato a picanha que dão ás suas moradeiras p or bom
p reço ” . (Idem , n. 544 de 1907).
Picháim — Carapinha, cabello p roprio da gente preta.
“ Você me chama de negro Do cabello pichaim, Mas eu sou
um negro bom, Você um branco r u im ... Em cabello pichaim
Não se póde botar banha; Quanto mais banha se bota Mais
o damnado s’assanha.t . N egro preto côr da noite, Cabello de
pichaim. P elo amor de Deus te peço, N egro não olhes p’ra m im ” .
(T ro va s populares). S ilvio Rom ero suppôe que o term o é de
origem africana; mas comprovadamente vem do tupi, do adjec­
tivo, apicahim, crespo, encaracolado, rugoso, encarapinhado, se
gundo T heodoro Sampaio, concluindo: N o norte do Brasil se
cpstuma dizer — cabello pichaim. “ Concordantemente registra
Gonçalves Dias os vocábulos: Mopixaim, mojapixaim, encres­
p ar; oapixaim, fran zido; e yapixaim , crespo. A ’ margem de cer­
ta paragem do alto S. Francisco ha um m orro chamado do
Pichaim . Moraes não registra o termo, apezar de, como senhor
de engenho em Pernambuco, v iv e r entre negros do cabello p i­
chaim, e em uma epocha em que, naturalmente, já era vulgar.
Picháno — Gato. “ E vendo outra com feições taes e quaes
as de uma gatinha, quasi que lhe digo: Pichaninha, pichani-
nha” . (O Carapuceiro n. 35 de 1837). O termo vem de pixana,
como os indios chamavam ao gato, introduzido no Brasil pe­
los portuguzes, cujo qu alificativo não tinha distincção de se­
xo, como se lê no Diccionario portuguez braziliense; porem
depois surgiu o de pichanuca, como é vulgar entre nós, para
designar a gata. De pichano vem o dim inutivo pichaninho, gato
pequeno, novo, mas tambem assim chamado ao grande em de­
monstrações de agrados e carinhos. E ’ do pixana dos indios
que vem o termo bichano, concurrentemente dado go gato.
Pichilingue — Cousa reles, insignificante, pifia, sem v a ­
lor. “ O pichilinga do José de Carvalho está agora com um na­
moro pau em Caxangá” . (A Pimenta n. 3 de 1908). “ Politicos
aventureiros e pechelingues” . (Jornal do P ovo n. 07 de 1910).
D erivado: Pichilingança. “ T ire a tetéa que é sua; não quero
pichilinganças” . (Lanterna Magica n. 227 de 1888). “ São ra ­
ridades as pichilinganças do João Ram os” . (O A lfin ete n. 10 de
1890). Bluteau registra o termo Pichilingue, como commumen-
te dado aos amigos do alheio, escrevendo sobre a sua etym o­
logia: “ Parece, se allude a algum porto do mar, celebre pelos
seus piratas; porem em nenhum liv ro de geographia acho es­
te nome, pelo que me inclino á opinião dos que dizem que
Pichilingue é corrupção de Flessingue, cidade e porto do mar
na província de Zelandia, que é uma das sete unidas, ou es­
tados de Hollanda. Parece que fo i Flessingue algum dia covil
de corsários” . Moraes registra o termo como adjectivo chulo,
com as expressões de amigo do alheio, corsário, ladrão, e diz
que vem do porto de Flessingue, donde saiam corsários. E f-
fectivam ente, o termo é vulgar na Hollanda, e desde muito,
dado a pequenos bercos de navegação de lim itado curso, ou
de cabotagem, e corrente; que vem de Flessingue, de cujo p o r­
to, originariam ente, sahiam barcos assim, de corsários, e que,
corrompendo-se em pichelingue o nome que tinham do porto
a que pertenciam, ficou depois extensivo ás pequenas embar­
cações, já sem nenhuma ligação com a idéa de piratas. E nes­
ta accepção-teve o termo curso entre nós- no tempo da dom i­
nação hollandeza, com se vê, nomeadamente, do termo do ajus­
te das convenções de capitulação da praça do R ecife, lavrado
na Campina do Taborda a 23 de Janeiro de 1654, no qual, en­
tre as assignaturas dos emissários liollandezes, figura a do
Conselheiro Gilberto de W ith, presidente dos Escabinos e d i­
rector das barcas pichelingues do porto do R ecife, cargo este,
conjecturamos, teve logo a denominação de Patrão-m ór. D e­
pois de tudo isto, só nos é dado consignar o que diz Aulete:
que o termo é uma form ação dot hespanhol P ich ilin gu e!
Pichititinho — Pequenino, com a expressão p rópria de
muito pequeno. “ T odo pichititinho, enfronhado em uma cami­
sinha rendada” . (A Pimenta n. 48 de 1902).
Piedoso — Cuidadoso, esmerado, lim po; asseiado, correc­
to, diligente. O termo é evidentemente uma abreviatura de ca­
prichoso, consoantemente com a locução adverbial, a capricho,
caprichosamente, com grande esmero.
Pichote — Máo jogador; que não sabe jogar. “ O esperta­
lhão jogador não livrou-se do calote que um velho mansamen­
te lhe teceu julgando todos misero pichote” . (O. Barco dos
Traficantes n. 38 de 1858). “ O Joca é muito pichote no jogo
do bilhar, porem muito bom dançarino” . (O Diabo a quatro
n. 53 de 1876). “ E ’ pichote quem não sabe N o mundo carambo­
la r! — (D a chula A Caram bola). D erivado: Pichotada, uma
jogada má, errada. D efinindo Gonçalvez Vianna o vocábulo,
diz que é o “ individuo que joga mal, p or inexperiencia, ou a-
zar constante” o que effectivam ente é, quanto á prim eira p ar­
te, mas não quanta á segunda, uma vez que um perito jogador,
em luta com o caiporismo sem limites, em face de infelicidade
ou azar constante, irrem issivelm ente sahe perdendo, de nada
lhe valendo a sua pratica e perfeito conhecimento do jogo em

614
que se empenha. A este, portanto, não cabe o qu alificativo. Es­
creve elle a dicção com x, dando como justificativa, que á
verdadeira escripta portugueza deve considerar-se esta, a sêr,
como parece, origin aria da locução chineza pe xot, “ não sei” ,
termos tambem de jogo usado em Macau” . O term o porem , na
sua form a originariam ente portugueza de pechote, é antigo, e
já conhecido no seculo X V II na França, pelo menos, como se
vê do seguinte trecho de um artigo citado pelo referid o escrip-
to r: “ Lu iz X IV fo i um jogad or apaixonado, mas sempre pecho­
te, apezar das diligencias de Cham illard, seu m inistro e seu
mestre de b ilh a r” .
Picuhy — A ve de generb columba.
Pidão — Pedinhão, pedintão, o que pede muito. Diz-se do
menino assim, que de barriga cheia, viciosam ente, p o r máo
costume, está sempre a p edir o. que com er, e quer tudo
quanto vê, que tem mais olhos que barriga. N o carnaval de
1914 figurou um interessante cordão com o nome de Troça dos
Pidoes. “ Garantia de ladrão e choradeira de pidão, são cou­
sas que não m erecem f é ” . (O A lfin ete n. 10 de 1890). “ Pidões
são todos os mortaés habitantes do enorm e globo terráqu eo” .
(Pernam buco n. 49 de 1914). “ As mulatas me crim inam P o r eu
ser muito pidão; Eu peço porque careço, Mas ellas, porque me
d ã o ?” (T ro va s populares).
P ifã o — Bebedfiira, embriaguez. Tom ar um pifão. “ Estava
mesmo com graça m ettido no tal p ifã o ” . (M ephistopheles n.
41 de 1882). “ Tom ando de vez em quando o seu pifãozin h o” .
(O Maná n. 2 de 1883). “ Muita gente uni pifão trouxe d’a lli p or
lem brança” . (A Pim enta n. 21 de 1902). O termo entre nós, do-
cúmentadamente sabido, já era vulgar no tempo do governador
L u iz do Rego Barretto (1817-1821) como se vê destes versos
coevos: “ N o tempo de M ontenegro P o r qualquer m eio tostão
P odia o pobre tom ar Sem sacrifício um pifão. Mas ora a cou­
sa está outra: Lusbele, Merne e A fo rro , Sem falar em Lu iz do
Rego. O vinho pozeram caro! “ Aquelle M ontenegro é o Dr. Cae
tano P into de Miranda Montenegro, antecessor do general Luiz
do Rego.
P ife — Baixo, v il desprezível; cousa a toa, ordinaria, in ­
significante. “ E logo chegou no R ecife com uma historia tão
p ife ” . (O Campeão n. 38 de 1862). “ O vigá rio disse que V. S.
não havia de sahir deputado, nem seria desembargador, porque
era um p ife ” . (O Diabo a quatro n. 45 de 1876). “ Appareceu
o cometa lá para as bandas do R ecife, e as beatas disseram:
isto é pife, porque traz fome, peste e guerra” . (O Postilhão n.
18 de 1882). O termo é corruptela do plebeism o portuguez
pifio, de iguaes accepções, e já assim registrado p or Moraes.
Pigarrear — Tossir seccamente p or m otivo de um p igarro;
e desferiu: N o coração de que ama Nasce uma flo r que en­
venena” . (C oelh o N e tto ). “ A area da prisão de Gavaradossi
tem perar a garganta para falar ou cantar. “ Lá v a i; pigarreou
ou da serenata de Schubert, pigarreadas pelo graphophone” .
(O Estado de Pernambuco n. 297 de 1914).
Pijam a — Vestuário de fazenda leve para andar em casa
commodamente, composto de umas calças largas, de enfiar, ao
modo de fôfas, e de uma especie de casaco um pouco curto,
frouxo, de abotoar até ao pescoço p or m eio de alamares ou bo­
tões. “ Eu já com prei na Gondim Uma pijama excellen te” . -
(Jornal Pequeno n. 26 de 1916). Pyjam a, como escreve W . D .
W h itn ey (T h e ceniury diction ary) vem do industanico, signi­
ficando calças, litteralm ente, vestido de pernas, de py, perna,u
e jama, vestido. Calças largas ou ceroulas habitualmente de se­
da ou seda e algodão atadas em volta da cintura p or um cordão,
usadas na índia, p or ambos os sexos, e adoptadas dos maho-
metanos pelos europeos como vistuario de quarto. Commu-
mente o termo é extensivo ao vestuário da parte superior do
corpo.
P ilão — Especie de gral ou alm ofariz, de madeira rija,
como a sicupira, com uma ou duas boccas, e tamanhos varios,
desde os pequenos para pizar temperos até os grandes para
descascar e tritúrar o milho, café, arroz, etc. Ó instrumento
ou peça de madeira com que se pisa no pilão qualquer subs­
tancia tem o nome de mão de pilão, que em Portugal tem o
de pilão: Pilão, mão do gral. (A u lete). Os pilões grandes, de
um m etro pouco mais ou menos de altura, e de duas boccas,
trabalham com duas mãos, de madeira pesada e tamanho pro­
porcional. “ Eu te piso, eu te rèpiso e te reduzo a graniso no
pilão de Salomão” . (Versos populares). “ N o pilão que eu
piso m ilho P into não come xerem ” . (C ancioneiro do N o rte ).
“ Um pilãozinho que serve para pisar tudo quanto ha: baca­
lháo, pimenta da índia, erva-doce, camarão, etc” . (A Marmota
Pernambucana n. 46 de 1850). Mais vale pisado a pilão do que
comprado a tostão (A d a g io). Perna ou pé de pilão, inchado.
Os indios usavam do pilão, a que chamavam induá, feito ao
seu m odo; e descrevendo Theodoro Sampaio os utensilios de
uma habitação selvagem, conclue: Fóra da cabana, encostado

616
á parede, mas deitado p or terra, via-se o p ilão (in d u á )” . A*
mão de pilão, chamavam elles Indoá ména, e introduzido p e­
los portuguezes Õ gral ou alm ofariz, deram-lhe o nome de In-
doá mirim, pilão pequeno, e á respectiva mão de Indoá mirim
ména.
Piléque — Bebedeira, carraspana. “ Camaradão do pileque” .
(A Pimenta n. 373 de 1905). “ A tal fona tomou um pileque tão
forte, que levou uns tres dias de resaca” . (Idem , n. 530 de
1907).
Pilôto — Indivíduo que tem uma vista só. “ Quem tem um
só olho é p ilo to ’1. (A Marmota Pernambucana n. 32 1850). “ Ma­
mãe se damna com a pilotinha do beco do Amaro, á pedir fes­
tas aos seus coiós” . (A Pim enta n. 532 de 1907). “ Um estu­
dante piloto p or natureza, isto é, que, só pode v êr a sua Mes-
quilota por um o lh j, porque o outro anda sempre embuçado
por causa do fr io ” . (A m erica Illustrada n. 19 de 1890). P iloto
o navio chegou no porto? (T ro ça de garotos).
Pimenta — Esperto, vivo, buliçoso; mulher ardente, lib i­
dinosa. O nome da vulgar piperacea empregado naquellas ac­
cepções, vem do seu sabor ardente e abrazador, principalm en­
te a pimenta vulgarmente chamada de cheiro (Capsicum odo-
riferum , V e ll.); a cumary, a quiyá comari, tupinico, segundo
M arcgravi; e a malagueta (Capsicum baccatum, L in n .), que se­
gundo Alm eida P into é a querija-apuá dos indios. Alem destas
especies de pimenta existem outras igualmente cultivadas, no­
meadamente as que são assim chamadas: Olho de peixe, tripa
de macaco, e umbigo de tainha. A ’ solanacea, com o nome vu l­
gar de pimentão, pelo grande desenvolvim ento a que attingc
davam os indios o nome de quiyá. áçú, pimenta grande. Pim en ­
ta do reino (P ip e r nigrusu, Lin n .), originaria da índia, mas
assim chamada para a distinguir das especies indígenas, e mes­
mo porque vinha p or interm edio da m etropole, o reino de
Portugal. Cultivada no extincto Jardim Botânico de Olinda, fo i
propagada, mas a sua cultura não vingou. O uso geral da p i­
menta nas refeições de carne e peixe, sendo nestas particu­
larm ente empregada a de cheiro, em m olho forte, picante ca-
mado da mulata, ou fraco, pouco ardente, chamado de viuva,
vem dos indios, do seu yquiataia, a pimenta secca ao sol, re ­
duzida a pó, e misturada com cal, como ainda se usa, porem
pisada, misturadamente com a farinha de mandioca e assim
pulverisada no anguzô e no bobó.
Pim pa — Bello, elegante, bonito. “ O Jerceiro acto da ope­

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ra fo i com pleto pelo elegante toilet dc M ille Lafourcade. Es­
tava pimpa” . (A m erica Illustrada n. 12 de 1878).
Pim pão — Elegante, casquilho, bem parecido. “ Viuva fres-
calhona, pim pona” . (A Pimenta n. 14 de 1902). Coió, em per­
rado, amante. “ Curujinha, meu bem, Cadê teu pimpão? Ficou
lá em casa Lavando o calção. . . Maria caxuxa Quem é tem pim ­
pão? E ’ um moço bonito Chamado Janjão” . (Descantes popu­
lares).
Pinche — A lfin ete de gravata com brilhantes. (G iria dos
gatunos).
Pindahyba — Bengalinha; vara ou caniço que prende a
linha do anzol, e assim, vara de pescar; quebradeira, penúria,
falta de recursos: andar, estar na pindahyba; nome vulgar da
embira de caçador (anonacea), e da especie verm elha (m yrta-
cea), da nossa flora. “ Ha muito que a coitadinha andava na
pindahyba, sem ter quem lhe desse cobres com que podesse ir
á rib eira ” . (Lanterna Magica n. 269 de 1889). Vocábulo de o ri­
gem tupi, escreve T heodoro Sampaio o seguinte sobre a sua
etym ologia: “ Pindahyba, corruptela de pindá-iba, a vara de an­
zo l; a canna que serve para pescar a anzol; alterado em piná-
hyba; corruptela de pindá-ahiba, o anzol ruim. Com o commer-
cio dos portuguezes passaran*«os indios a uzar do anzol, pindá,
chamando aos pequenos anzóes prateados, pindá-miri-tinga. A
dicção popular estou na pindahyba, significando m iséria e pe­
núria, não alludirá á pouca fortuna de um máo anzol, ou ex­
prim e simplesmente que se acha a pessôa reduzida á vara do
anzol para v iv e r? Baptista Caetano opina pela ultima hypothe-
se que parece a mais provável, ainda que o vocábulo pináhyba,
ou pinaiba, confundindo-se com panahiba, que que d izer fa r­
rapos ou andrajos, tambem admitta a explicação não mênos
rasoal, e donde, é p rovável que proceda p or confusão de term o
o vocábulo pindahyba, vulgarmente applicado como synonimo
de penúria ou miséria. Gonçalves Dis registra o term o P in ­
dá-iba, no Pará pindayúa, palm eira e fructo do mesmo nome.
Estudando em fim , João R ibeiro, as phrases Estar na pindahy­
ba e estar na embira, conclue, que entende, que uma e outra
exprim em estar amarrado, sem sahida, em difficuldades e em
apuros, trocando a civilização essas difficuldades naturaes p e­
las de dinheiro, derivando dahi o sentido m oderno e actual da
expressão.
Pindahybal — Floresta, lugar em que abundantemente ve­
geta a pindahyba. A ’s nascentes do rio S. Francisco desagua

618
um riacho chamado do Pindahybal, mencionado p or F . H al-
feld.
Pindobal — Floresta da palm eira pindoba (Cocus austra-
lis ). N o município de Agua P reta ha um engenho com o nome
de Pindobal.
Pinéo — Pequeno, baixo enfezado. Este term o é geralm en­
te applicado ás crianças. “ O menino Antoninlio Do tamanho de
um pinéo, P o r amor da falsidade Nunca ha de ganhar o céo” .
(T ro va s populares). P inéo aqui é empregado como um termo
de comparação, para dar uma idéa do tamanho do menino, cu­
jo objecto porem, não conhecemos, sendo-nos apenas fam iliar
nas accepções com que o definimos, como são vulgares.
Pingá — A rvo re que fornece bôa madeira de applicações
varias.
Pinga-fogo — Genista, arreliado, brigão, da pá virada.
P ingo — Ao chegar, tocar, bater; a uma hora certa. “ O Club
dos Vasculhadores, no pingo do meio dia juntará o seu pova-
ré o “ . (Jornal Pequeno n. 23 de 1916). O term o é tambem, con-
currentemente, levado á form a verb al: Está a pingar meio dia.
Pinguéla — Pau atravessado sobre um riacho ou cambôa
para dar passagem de um a outro lado. “ O predio fica ‘ ituado
alem de uma cambôa, pela qual se passa por uma pinguela de
pau, que não sustenta mais de uma pessôa” . (O Guarda Nacional
n. 40 de 1843). “ A h ! seu in glez! Isto não é ponte, é pinguela” .
(Lan tern a Magica n. 902 de 1908). “ N o tempo em que os en­
genhos'eram m ovidos a bestas, existiam grandes pinguelas que
ligavani os campos circumvisinhos, cortados de corregos abun­
dantes” . (Jornal do E ecife n. 98 de 1914). Cachorro cotó não
passa pinguela. (A d a g io ).
Pinguélo — U ío troca-tintas ahi qualquer; um João-nin-
guem. “ A sé do Cahicá depois fabrica C’o o p rovisor Pinguelo
a gente cança” . ( A Colum neida). Peça de armar a arapuca” .
Começa este pinguelo de arapuca p or tom ar a peito a defesa
do sabio portuguez José Agostinho de M acedo!” . (D ia rio de
Pernambuco n. 237 de 1829).
Pinguinho — Individuo fraco, pusillanime, que não mette
medo a ninguém: Você p ’ra mim é pinguinho; não é nada.
Cousa pequena, insignificante; pedacinho, bocadinho, tiqui-
nho. “ Das honras do D ecreto não fen god es, Não te lavam da
infam ia um só pinguinho.” (A Carranca n. 28 de 1845). “ Sem um
pinguinho de m iolo caco.” (Idem , n. 56 de 1846). “ Só peço
que das tuas graças me dês um pinguinho.” (A m erica Illus-
trada, 1872).
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Pinguinhos — Aborrecim entos, impertinências, nicas, im ­
posturas, exigencias tolas, desarrazoadas: Um sugeito cheio de
pinguinhos, intolerável, impossivel. “ Apezar de ser de um fa ­
m ília pretenciosa, o nosso retratado não tem pinguinhos, nem
orgulho.” (A Pim enta n. 68 de 1902),
Pinguru’ta — Elevação, eminencia, altura; o pavim ento ou
a parte mais elevada de uin edificio. “ O Sr. Adolpho ficou
cabalmente justificado, o seu zelo ficou á mostra na pinguru-
ta da igreja do T erç o .” (A m erica Illustrada n. 14 de 1879).
“ Vai ter lugar uma luta no alto da pinguruta, em que entra
o Ceroulfnha com o José Lan é.” (Id em n. 17 de 1882).
Pinhão — Enconstar-ste; fugir, oppor-se, resistir á prati
car qualquer cousa de obrigação ou ordenada; Fazer pinhão.
Arbusto agreste (Jatropha curcas, L in n .), da fam ilia das Eu-
phorbiaceas, indigena, muito abundante entre nós, e vu lgar­
mente conhecido por Pinhão de cerca, p or sér aproveitado
para cercas nativas, ao que muito se presta. De muita effica-
cia contra as feitiçarias, olhados e quabrantos, segundo a
crendice popular, é p or isto geralm ente cultivado, figurando
em um vaso qualquer nas casas de pequenõ negocio, e não
muito raro, um raminho, nos taboleiros das quitandeiras am­
bulantes. Uma surra de pinhão num fe itic e iro ou catim bozeiro,
quebra-lhe o poder da magia. Corruptela de pinhão, vem
dahi a phrase: Tom ar o pinhão ná unha, com as expressões
de contrar! edade, sentir os effeitos de uma pirraça, tontar a
carapuça de uma indirecta.
Pinho — V iola, guitarra, violão. “ Eu não vejo quem me
affron te Nestes versos de seis pé; Pegue o pinho com panhei­
ro, E cante lá se quizé.” (Versos de D esa fio). “ Quando o
samba começou, Os tocadores sentados, O pinho choramingou.
(R odolph o T h eo p h ilo ). O termo, com essas particulares ac-
cepções, vem da madeira com que são feitos taes instrumentos,
como indica esta quadrinha do cyclo das trovas populares
do Ceará: “ Minha viola de pinho, Meu instrumento real, As
cordas são estrangeiras, e o pinho de Portu gal.” Estes versos
são, naturalmente, dos tempos coloniaes, quando Portugal, a
m etropole, não era considerado um paiz estrangeiro. (V . Ba­
ter o p inh o).
Pinica-pau — Nom e vulgar, e preferentem ente popular,
do pica-pau, ave de bella plumagem, da ordem dos trepadores..
M arcgravi descreve-a com o nome indigena de Ipecü, e vulgar
de orta-pau; Gonçalves Dias porem, inscreve o de Arapaçu’ ,
naturalmente como um termo geral, d ifferin d o assim daquelle
que era, particularm ente empregado pelos indigenas de P e r­
nambuco. “ O pinica-pau da rua dos Torres, m eio apardavasca-
do.” (A m erica Illustrada, 1874). “ O" seu padre mestre Não
seja tão máu; Dance aquelle passo Do p in ica-p au ... Pinica-
pau atrevido, Que de um pau fez um tambor, P ara tocar alvo­
rada Na porta do seu am or.” (Versos populares). Sobre a
origem do nome vulgar da ave, corta-pau, pica-pau, ou p in i­
ca páu, escreve um chronista dos prim eiros annos do seculo
X V I I : “ Tambem ha outros passaros, dos quaes chamamos
pica-pau, p or dar uns golpes com o bico nos troncos das ar­
vores, tão grandes, que toda a pesso.a que os ouvir, se ign o­
ra r a qualidade do passaro, jiilgará sem duvida ser machado*
com que se corta madeira
Pin oia — Cousa' insignificante, sem im portância e va lo r
real. “ Como gorou a patranha do fim do mundo, a fradalhada
bóta livros abaixo para v ê r se descobre outra pinoia.” (O João
Fernandes n. 1 de 1886). “ Pinoia, certam ente; tudo não passa
de pinoia, que nada va lê ” (A Pim enta n. 57 de 1902). S ylvio
R om ero registrando o term o com a expressão de cachaça, diz
que é de origem africána, e parece que entre nós fo i essa a
sua antiga accepção, como se v ê destes versos; “ Caboclo
borracho, P ap alvo Tim bira, Em vendo a pinoia As flechas não
gira’.” (O Brado da Razão n. 26 de 1849).
Pinta-cega — Curto da vista
P intar — Começar a encanecer; o apparecim ento dos p ri­
m eiros cabellos brancos, prenúncios da velh ice “ Os cabellos
’ stão pitando, Longa barba cobre o rosto, As faces vão-se
enrugando.” (Jeronym o V ile lla ). “ L . S. é baixo e grosso; m o­
reno, já começando a pintar, apezar de ainda não ter passado
os cincofenta janeiros.” ( A Pim enta n. 393 de 1903). N egro
quando pinta, tem tres vezes trinta. (Adagio, re gio n a l). Enga­
nar, lograr, abuzar da confiança de outrem; Neste negocinho
quem sahiu pintado fo i o João. “ O W a lfrid o fo i o Christo das
ultimas quengadas de pintura do pintor V iria to .” (A Pimenta
n. 86 de 1902). Pintar a manta; fazer travessuras, traquinadas,
diabruras; dar por paus e por pedras^ Ccncurrentem ente occor-
ie m as locuções: P intar o bode; P intar o caneco; P intar o diabo;
P in tar o padre; Pintar o sete; Pintar o Simáo. " Meus filhos
quando se pilham sós, pintam a manta” . (Beaurepaire R ohan).
“ O in vern o tem pintado o bode com tanta chuva.” (A Pimenta
n. 33 de 1902). “ Uma troça de pintar o sete nos tres dias
de carnaval.” (D iá rio de Pernambuco n. 63 de 1916). “ Na rua
da Pitanga existem umas mocinhas qué pintam os canecos.”

621
(A Pim enta n. 10 de 19H4). Sobre a origem da phrâse Pintar
o padre escreveu o Dr. Cástro Lopes uma curiosa noticia, que:
Si non e vero e bene provato.
Pintasilgo — Pequena ave canora, muito vulgar, natural­
mente assim chamada pelas sua semelhança com o pintasil­
go europeo, e já correntemente- com este nome no seculo
X V III, como se vê destes versos de um Romance da epocha,
sobre os passarinhos, registrado p or Nuno Marques P ereira :
“ O pintado Pintasilgo, Da solfa, compositor, Endechas fez, e
um romance, Que em pasmo a todos deixou.” Charles W a-
terton registra o pintacilgo de Pernambuco, de caneca verm e­
lha, m aior do que o pardal da Europa, de doces e variados
gorgeios.
Pinto — D inheiro abusivamente tirado de compras, aug-
mentando-se o va lo r da cousa, ou diminuindo-se em peso ou
quantidade, vindo dahi o interesse, o lucro; ou concurrente-
mente, da incumbência ou gestão de -certos negocios, assim,
e p or meios outros garantidores de taes vantagens. “ Vmc.
sabe muito bem arrancar pintinhos das costas dos trabalhado­
res.” (A m erica Illustrada, 1872). “ Se fazem algum pinto com
as esmolas que os papalvos dão para festas, corre p or con­
ta de quem as arrecada.” (O Desespero n. 8 de 1880). “ Com­
pra de criados, ninho onde se criam os pintos das m elhores
raças.” (Lan tern a M agica n. 439 n. 1894). D eriva d o: Pinteiro.
“ A h ! maganão p in teiro! V ai apertando o teu cinto Que o
patrão, não quer pinto.” (A m erica Illustrada, 1872). “ Deixe-
se de ouvir os conselhos do pinteiro-m ór, que só póde causar-
lhe ruina.” (Lan tern a Magica n. 189 de 1887). O term o pinto,
com a s ' suas particulares expressões entre nós, e consequen­
temente as locuções FaZer pinto, T ira r pinto, vem, natural-
mènte, de uma antiga moeda portugueza chamada pinto, e que
teve curso no B ra zil; e dahi, portanto, tirar o seu pinto, os
lucros ou vantagens que abusivamente advêm das comprás,
encommehdas e negocios de alheias incumbências.
P in to nuelo — Implume, nú e crú.
P in tor —. Passarinho de bella plumagem e de coloração
divêrsa, d’onde vem o seu nome vulgar.
Piolho de cobra — Centopeia do genero m ynapodos (Sco-
lopendra Japuruca) a que os indios davam o nome de M boy-
yçog, bicho de cobra, piolh o de cobra. M arcgravi descreve
duas especies estudadas entre nós. “ Tens a vida mais tenaz
dô que a da esçolopendra, piolho de cobra.” (F r . C an eca).
“ Monstrengos, especie de piolho de cobra antediluvianos, que
se arrastam, desengonsadamente.” (Jornal do R ecife n. 49 de
1918). Discurso, artigo ou um trabalho litterario qualquer ex­
tenso, enfadonho, massante.
P iolh o de gallinha — O mesmo que Nenêm de gallinha,
já registrado, Anophouros-parasitas. “ Duas cousas ha no mun­
do, Que meu coração não qu er: E’ piolho de gallinha, E ciú­
me de mulher.” (T ro va s populares).
Piolh o de tubarão — Pequeno peixe da mesina especie do
tubarão. Pegado, unido, inseparável; individiio que acompa­
nha sempre a o u tro ; pegado, como piolho de tubarão.
P iolh o lasaro — Corruptela de piolho ladro, o chato ma­
roto, já registrado. “ São Sotero! sede servido arrumar so­
bre o Bonifácio uma camada de piolhoe lasaros, para elle não
sêr gavola.” (A Pimenta n. 10 de 1908).
Pipoca — M ilho em grão á torrar em uma vasilha de
barro, com alguma arrêa, collocada sobre o fogo, e que, com
o calor, e m exido com um pausinho, estoira em grande parte,
apresentando bonitos e caprichosos flocos brancos, geral­
mente sob o aspecto de uma flo r lindissima, Segundo as re ­
gras da popular pragm atica é preciso acompanhar aquelle
processo com uma cantarola com estes Versos invariavelm en­
te repetidos: “ Pipoca bonita, Menina feia ! Pipoca feia, Me­
nina bonita.” E assim, a pipoca, que não quer ser feia, reben­
ta naquelles flocos, e sem o que, o milho não rebenta, ficando
apenas torrado, com uma côr pardacenta. “ Am o a côr que sa
colloca N a pipoca, Na parte que não rebenta.” (Da chula Mu-
latinha do caroço). “ A esposa bonitinha evaporou-lhe o
Joca, como no caco, esplendida pipoca.” (Lanterna Magica n.
17 de 1882). “ Os lavradores já saltam como na braza a pipoca.”
(Idem , n. 243 de 1888). Rosário de pipocas: as pipocas em
flo r enfiadas em uma linha, com as extremidades presas, á
feição de rosário. “ Oitenta contos não são oitenta rosários
de pipocas ou castanhas.” (Lanterna Magica n. 12 de 1882).
Dictados e locuções populares: M ilho torrado é pipoca. Grotis
pipocas!: F oi-se! acabou-se! gorou! Si o vires sem dentes, dá-
lhe pipocas. Pipocas! Ora pipocas! D eixe-m e! Não me amoles!
Vá pentear macacos! “ Pois e n tã o ... pipocas! (A m erica Illus-
trada n. 11 de 1872). “ Ora pipocas, pom adista!” (A Pim enta n. 12
de 1902). A pipoca, originariam ente, vem dos indios, vulgarm en­
te conhecida entre elles por popoka, que no tupi quer dizer a
p elle estalando, ou arrebentando, o m ilho, torrado, segundo
T heodoro Sampaio; ou de abatixi popoc, milho que estala, don-
do vem a palavra popoca, como escreveu Gonçalves Dias; e as­
sim, descrevendo o nosso epico Durão os usos e costumes dos
selvagens, menciona as pipocas, a que chamam o m ilho, que
lançado na çinrza quente, rebenta como em flocos brancos, d i­
zendo no C,anto IV : “ Quaes torravam o aip i; quem mandio­
cas; Outros na ckiza as candidas pipocas.” A pipoca, porem, é
tambem conhecida entre outros povos, com o assim escreve o
Padre Etienne B razil: “ O m ilho ou pipoca do nosso povo é
o gugurü, que se encontra na A frica, Pérsia, Turquia e Pales­
tin a .” Pipoca, popoca, ou papóca, assim chamam no Ceará.
Bolha de agua na p elle provocada por queimadura ou picada
de insecto; pustula de variola. “ Toda a superfície do corpo
atacada pelas abelhas estava coberta de papocas d’agua, v e r­
dadeiras bolhas de queimadura.” (R odolph o T h eo p h ilo ).
D erivado: P ip o ca r: Fu gir, desapparecer correr; rebentar, bobu-
lhar, te rver em borbotões. A agua ou qualquer liqu ido fe r­
vendo, em ebulição, em bolhas; a erupção çutançaj das pustu-
las das variolas: A agua está pipocando. Pipocar, segundo
Couto de Magalhães, é um verbo de raiz tupica, p or abrir,
arrebentando.
Piquás — Cacarecos, traços: arranjos de viagem : Arrum ar
os piquás. O term o v irá do guarani, piquar, am árrar uma cou-
-sa a um pau para transportal-a! equilibrar, pôr pesos eguaes
nos extremos de um pau, a y pitaqua, eu a conduzo (a carga)
etc., como escreve Baptista Caetano?
Pique — P irraça, acinte, proposito, desfeita. “ Nos cachos
do teu cabello H ei de pôr a mão por piqu^/* (Versos popu­
lares). M odelo de bico ou renda, em uma tira Ue papel-cartão,
de largura variada, seguindo o desenho da peça a executar,
picado de accordo, para a collocação dos alfinetes, e assenta­
do sobre a respectiva almofada. Pique de renda de b ilros;
Levantar o pique: recom eçar o trabalho ao chegar ao term o
do pique, começando alto, e assim sucessivamente até o ter­
mo da tarefa. “ Muitas vezes a chorar, como a velha que p e r­
de o pique da ren da.” (A m erica Illustrada n. 36 de 1878).
Piquira — Cavallo pequeno. Term o de origem africana,
segundo S ylvio Rom ero.
Piquitinga — P eix e de agua doce. (A terín a Bournei).
P irá — P eix e de agua doce, de couro, (Pim elodus coniros-
trus, C u v), o mais delicado do rio S. Francisco. Não ra ro at-
tinge a quatro palmos. Nos mares do archipelago de Fern an ­
do de Noronha ha um p eixe com este nome. P irá é um termo

624
indigena, generico do peixe, em todos os dialectos da lingua
tupi.
Pirá-cuaba — P eix e do mar (Polynem us am ericanas, Guv.).
Piram béba — Especie de p eixe registrada por Jeronymo
V ilella.
Piram bu’ — P eix e dos mares do archipelago de Fernan­
do de Noronha.
Pirâm etára — P eix e do mar (Upeneus maculatus, Cuv.).
Piranha — P eix e de agua doce, de escamas, còr de perola.
0 autor dos D iálogos das grandezas do Brazil, descreve p ar­
ticularmente a piranha, trata da sua ferocidade e inclinação
leonina, terriveis pelos seus ataques, cujos dentes, dispostos
em ordens supferiores são tão agudos e cortadores como na­
valhas, de sorte que, pescadas a anzol, p rim eiro se perdem
muitos porque os cortam com os dentes. Attingem a pouco
mais de palmo, •ccnclue o citado escriptor, são bôas de com er
e abundam, principalm ente, nOs rios Una e S. Francisco.
Neste porem se encontra em abundancia, e carn ívoro que é,
ataca os rnim aes qiíe atravessam ou vão beber agua no rio,
devorando-a decitro de pouco espaço de tempo, porque se jun­
tam aos milhares, em cardumes cerrados, tumultuosos, innu-
meraveis. Vem dahi a lenda, de que os boiadeiros que tinham
de atravessar o rio conduzindo as suas boiadas, botavam na
lrente, para rom per a marcha, um boi magro, para servir de
pasto ás piranhas, e assim eotretidas, deixar o gado passar
incólume. Seja como fôr, o conhecido adagio, O boi magro vai
na frente, de expressões obvias, vem não ha duvida, da legen­
da. Piranha é um vocábulo de origem tupi, e segundo T h eo ­
doro Sampaio, corruptela de pir-ãi, o que corta a pelle, a te­
soura, a tenaz; nome do pfeixe voraz (P ygo cen tru s), e dahi
Pirangibe, nome de um. riacho no m unicípio de Agua Preta,
que vem de pirã-g-y-pe, no rio das piranhas. P o r analogia á
braveza do peixe, dá-se o nome de piranha a uma mulher ge*nis-
ta, braba, insupportavel, que só o diabo a pode aguentar.
Piranha-serra — P eix e de agua doce (Salm os aureus, S p ix .).
P irão — Especie de massa, mais ou menos consistente,
feita de farinha de mandioca, fubá de milho, ou da batata
ingleza, para se com er com a carne, p eixe ou qualquer outra
iguaria; o pirão da farinha de mandioca, porem, é preparado
de varios modos; com agua e sal, fria ou quente ou caldo de
carne, peixe, marisco ou caranguejo, nomeadamente: pirão es­
caldado, feito com o caldo a fe rv e r sobre a farinhá ou v ice -ve r­
sa; mexido, de farinha, agua ou caldo m exido na vasilha posta
ao fogo, tomando assim uma consistência glutinosa; angu’ d©
manteiga, preparado com a farinha sessada, m exido ao fogo,
e alizado ao prato com m anteiga; pirão d’ agua, feito de agua
fria, tambem chamado cru’ ou solto, e de gallinha, quando é
destinado á sua alimentação. “ H,a farofas tão mal feitas que pa­
recem pirões de gallinhas.” Am erica Illustrada, 1875). Ha em
fim o pirão de cajú, feito com farinha e agua ou sumo do re ­
ceptáculo carnoso do fructo do cajueiro. Dictados; E’ muito
bom achar um pirãosinho fe ito ; Onde cabe o pirão cabe muita
cousa; Quem come do meu pirão leva do meu bordão. Levado
o termo ao plural, tem porém, as expressões de comida, a li­
mento: Comprar, receber os pirões. “ O sohlinho que venço
sai chegando para os pirões.” (O Guarda Cjivico n. 5 de 1878).
“ Nós irem os para Jaboatão serrar os pirões de um am igo.”
(Lan tern a Magica n. 140 de 1885). “ Ganhando muito dinheiro
para com prar os pirões.” (A Pim enta n. 20 de 1901).Pirão é um
termo de origem tupi, e segundo T heodoro Sampaio, corrup­
tela de ypurõ, posto de molho, ensopado, farinha de mandio­
ca com agua a ferver. E ’ este o pirão origin ário dos indios, que
corresponde ao que tem vulgarm ente o nome de pirão escal­
dado.
P iraroba — Especie de madeira registrada p or Jeronym o
Vilella.
Piratiapuá — P eix e de agua salgada (Serranus apuá,
Cuv.).
Pirauá — Especie de madeira registrada p or Jeronym o
Vilella.
Pirau ’na — P eix e dos mares do archipelago de Fernando
de Noronha, cujo nome em tupi significá peixe preto. Vegetal
cuja cinza produz; muito bôa potassa. Com o mesmo nome de
piraúna encontramos mensão de uma arvore que fornece ma­
deira de applicações diversas, ignorando se é ou não o mes­
mo vegetal anteriorm ente mencionado.
P iripitan ga — M adeira de applicações diversas.
P iró ca — Penis de menino. Beaurepaire Rohan registra o
term o como corrente no valle do Amazonas com as expressões
de pelado, c a re c a ; Cabeça piróca, calva. Vocábulo tupi, como
diz, effectivam ente encontramos em Gonçalves Dias os termos
piróc, saltar a casca, e piróca,. esfolar, descàscar, escamar.
P iro lêta — O mesmo que piruêta. “ Fazendo uma pirueta,
lhe fo i esta fatal, porque fo i de ventas ao chão.” (O Azorrague,
n. 41 de 1845).

626
P irralh o — Criança, menino, pinéo; pequeno, baixo, en fe­
zado.” “ A um p irralh o que ha pouco nascera, já seus paes
Julião nomearam.” (O Binoculo n. 33 de 1882). “ Zangado da
brincadeira, reprehende a velha o p irralh o.” (Lan tern a M a­
gica n. 504 de 1896). Moraes não registra o term o, o que deno­
ta que ainda não era vulgar entre nós no seu tempo. Appare-
cendo posteriorm ente portanto, e generalisado, escreve João
R ibeiro, quanto a sua etym ologia, que vem de P y rrh o ( p y r r o -
nico, teim oso), e que, como a teimosia é frequente nas crian­
ças, pirralh o tomou o sentido de pequeno ou de criança.
Pisa-mansinho — Andar vagaroso, compassado, mansinho;
cathegoriço, m atreiro, cauteloso. Concurrentemente, a phrase
Pisa-flores.
Pisar os callos — Indirecta, rem oque; por os podres na
iua, a calva á mostra. “ Não tenhas medo d elle; va i pisando-
lhe os callos.” (O Clamor Publico n. 75 de 1846).
Pisquim — Acinte, insulto, pirraça. Fazer pisquins.
Pisquirrim — Individuo pequenino, magro, enfezado, cho­
cho. O termo vem, naturalmente, de uma avesinha chamada
pesquerry, registrada p or Jeronym o V ilella.
PistGlão — Empenho forte, grande proteccão; uma recom -
mendação decisiva, de sugeito graúdo, bichão, turuna. “ Para
se conseguir, isto é preciso um pistolão escandaloso.” (A Peia
12. 9 de 1904). “ Em regra geral, as nomeações e accessos nas re ­
partições publicas se fazem p or mercê dos pistolões politicos.”
(D ia rio de Pernam buco n. 84 de 1913).
Pitada — Contrariedade, desgosto, decepção; Tom ar uma
pitada. Desculpa, satisfação, evasiva: Não dar pitada. “ Pedindo
emprestadas um par de dragonas para uma marcha, ficou-se com
ellas, sem que nunca mais dicesse pitada ao dono.” (O Papa-
angu’ ci. 2 de 1846) Passos lascivos da dança popular, o T o r ­
rado, do pessoal da brisa, uma das variantes do samba. “ O
torrado se d ifferen cia do samba pelo passo da pitada.” (D ia ­
rio de Pernambuco n. 204 de 1915).
' Pitança — A rran jo, negociata, proven to; cousa de que se
tira grandes lucros e vantagens. “ Um gordo am ello T em sua
pitança; E p or isso a pança Está lhe c re s c e n d o ... P orem os
conquibus Ficaram na pança: Tom aram os nós Mais outra p i­
tança.” ( A Cãrranca ns. 20 e 24 de 1847).
P itar — Cachimbar, fumar charuto ou cigarro. “ As pessoas
reunidas na varanda, pitavam o in fa lliv e l cigarrito de palha.”
(José de A le n ca r). Term o de origem tupi e guarani é de uso
geral não só no Brasil, com o tambem nas republicas platinas
e do P acifico, e do Chile, particularm ente, podemos documen­
tar com estes versos de Guajardo, citado p or Zorobabel R õ iz:
“ Unõs salem a las fiestas A bolsear i a codear puchos, N o
compram tabaco ni hoja I el pitar les gusta mucho.” O fumar,
pitar, beber fumo, o rigin ário dos indios, que entre nós, usa-
vanúpara isto da pityma, chamada depois herva santa, e taba­
co pfelos hespanhóes (N icotin a tabacum, L in n .), em cachimbos
de barro com o tubo de taquary ou tabóca-mirim, a que cha­
mavam pitubáo ou petymbuab, e concurrentem ente do cigarro,
enrrolando o fumo, a pityma, em capas tiradas do entrecasco
da tauary, e ás quaes talvez chamassem pokéca, que quer dizer
embrulho, capa, mortalha, tinha entre os tupis o pom e de pi-
tér, que sign ifica beijar, chupar, sorver, segundo Gonçalves
Dias ou petyar, tom ar o petum, pityma, tabaco. Entre os gua­
ranis, porém, como escreve Baptista Caetano, era petar o ter
mo generico de fumar o petv-peim , tabaco, nome vulgar da
nicotina e de outras plantas empregadas em fumar, »na penguá,
o cachimbo, e dahi o verbo pembur, soltar o fumo, exhalar a
fumaça pela bocca, pelo nariz.
P iteira — Pequeno tubo de madeira, gesso ou outra qual­
quer substancia onde se mette o cigarro ou charuto para fumar,
e dahi tambem os termos muito communs de cigarreira e cha-
ruteira. O vocábulo vem de pitar, fumar, cachimbar.
P itim ijú —. V egetal registrado por Jeronym o V ilella. Será '
o mesmo que Pitim yú ou Putumuyü, a rvo re .d a zona sertaneja
de que trata Alm eida Pin to?
Pitinga — Especie de mingáo preparado com a massa de
mandioca, com sal, alho e pinjenta. Term o de origem tupi,
quer dizer mingáo branco.
Pintingoia — Cousa querida, estimada; candongas, fe iti­
ços, encantos, paixões. “ A i minha vid a ! Minha jo ia ! Minha pi-
tin goia! A i a m or!” (Versos populares).
Pitisca — Individuo que tem o vezo de estar constante­
mente, instinctivamente, a abrir e fechar os olhos; O Pitisca.
P ito — Carão, reprim enda, advertência. “ O avô de Tonico,
passou-lhe ha dias um pito form idável p or elle ter m exido nas
suas cartas de jogar.” (O T ico-tico n. 448 de 1914). Cachimbo.
O vocábulo nesta accepção vem do tupi pitar, cachimbar, fu­
mar, muito embora S ylvio Rom ero diga que é um termo de
origem africana.
Pitom ba — Pequenos pedaços de carne do Ceará, xarque,
quasi que perdidos provindos dos que se cortam p or impres-
taveis, ou para p erfazer as pesadas. Bala de arma de fogo.
“ Não faltou á revolução nem mesmo as am oraveis pitombas
do 49 de caçadores” . (Jornal do R ecife n. 143 de 1916). Nesta
accepção vem o term o da fórm a espherica da pitomba, o fru c­
to da pitom beira (Sapindus esculentus, St. H il.).
Pitombada — Contratempo, re ve z; pedrada, tiro ; arre­
messo de pitomba, o fructo da pitom beira, em alguem. “ O pa-
pa-angü levava tantas pitombadas na cabeça, que ficava com
o cerebro a arder-lhe.” (F . P. de A m aral).
Pituaçú — Camarão grande, escuro; pitü ou poty, de py-
t-ú, pelle escura, camarão preto, e crustáceo a que os indios
davam o nome de potiguaçu’ . Com o nome de Pituaçu’ ha um
outeiro no Cabo de Santo Agostinho.
Pitúba — Sentenciado pelo crim e de furto de cavallo,
na giria dos presidiários de Fernando de Noronha.
Pitui ou pituim — Catinga, máo cheiro. “ Um pituim es­
pecial e insupportavel.” (O Paiz n. 48 de 1856). “ E o aroma
que exhala tem tal pituim, que antes parece do ventre a sol­
tura.” (O Conservador Verm elho n .27 de 1863). “ Nós não
goslamos das negras da Costa, ainda que o pituim só perm it­
ia aguentai-as de longe.” (A m erica Illustrada n. 25 de 1883).
Pivéte — Menino, vivo, esperto, traquinas; individuo de
baixa estatura, enfezado, m agrizela; menino abandonado, va­
gabundo, desoccupado, vadio; m enor gatuno que auxilia os
mestres no serviço, na giria dos gatunos do R io de Janeiro e
do Recife. O Jornal Pequeno em uma local que publicou no
seu n. 6 de 1916 sob o titulo: Os Pivetes, noticia a prohibi-
ção do ajuntamento de pequenos vagabundos nas artérias
principaes da cidade. “ O subdelegado do R ecife sahindo ao
encontro do pivete conseguiu prendel-o.” (Jornal do R ecife
n. 4 de 1916).
P ixa r — Pintar com p ixe; b orrar com pixe a frente de
uma casa em desabafo de ruins paixões ou insulto ao seu lo ­
catário. “ Amanheceram pixadas varias casas commerciaes,
que obtiveram permissão para funccionarem até depois das
sete horas.” (A P rovín cia n. 137 de 1912). “ Amanheceu pixa-
da a Pharamacia V ictoriá.” (D ia rio de Pernambuco n. 173 de
1917). D erivados: Pixador, pixamento. “ O pixamento podia
oceasionar incêndio, visto as matérias empregadas pelos pixa-
dores serem inflam áveis.” (A P rovín cia n. 246 de 1916),.
Plans i— Certa moléstia de cavallo. í;E ’ cavallo de van­
ta g e m ... As juntas todas inchadas, Quatro plans nas duas
mãos.” (A Herança de D indinha).
Plantão — Um ou mais indivíduos postados em um ponto
dado para um fim qualquer: Estar de plantão; vadios e de-
soccupados que habitualmente frequentam certos estabeleci­
mentos para prosar e matar o tempo. “ Os peraltas e man­
driões, que de plantão aqui ficam, patifarias praticam .” ( 0
Barco dos Traficantes n. 23 de 1858).. “ Outros tonantes, fin a l­
mente, fazem nos hoteis uma cousa a que chamam' plantão,
esperando por alguma alma caridosa que lhe offereça uma
refeição.” (Lan tern a Magica n. 00 de 1883). E ’ um plantão
cabuloso o da Pharm acia Miranda. De tudo se trata, a com e­
çar da vida a lh e ia ... Não ha quem possa supportaf o pjantão
do Bilhar, no Bom -fim .” ( A Pim enta ns. 8 e 9 de>1914).
P len ificado — Approvado plenamente em exame. D e ri­
vado: Plenificação.
Plutana — Certo numero de indivíduos; sucia, malta,
grupo de desordeiros, gente de baixo quilate. “ Por detraz
está uma famosa plutana faquistarum cabangarum.” (O Ca­
pibaribe n. 24 de 1848). “ T á ! quarqué legalhé que forra uns
escravinhos, tem cumcnda e baronato; agora nós que furta­
mos uma pulutana delles e cnbarcamo na barcaça de siô
João Ramos, o que é que temo? È, ê! temo peliid o de cupim !”
(Lan tern a Magica n. 22 de 1888, na legenda de um grupo de
negros).
Plutusanhinga — Especie de mergulhão do rio S. F ra n ­
cisco, “ que parece um pato emendado com um pescoço de
garça.”
Pobreza franciscana — Penúria extrema, como a dos pa­
dres franciscanos, de ordem mendicante, paupérrima, autera,
que nada podem ter de seu, e que até mesmo pela sua Regra,
lhes é vedado pegar em dinheiro.
Poeira — O povilhéo, a canalha, a arraia miuda. “ E r­
guidos pelas rusgas da mais v il p oeira.” (O A rtilh eiro n. 40
de 1843). “ Seis padres, a poeira e tres doutores, eis em r e ­
sumo a festa dos roupetas.” (O Diabo a quatro n. 16 de 1875).
“ A poeira misturou-se com as differen tes camadas sociaes,
inclusive a nata rançosa da nossa aristrocacia.” (Idem , n. 34
de 1876).
P oeirã o — C arreira vertigin osa; correr a bom correr.
“ A b ri a porta e disparei num poeirão damnado e ganhei a
capoeira.” ( A Pim enta n. 577 de 1907). “ Sahi num poeirão
damnado pelo m eio daquella gente toda.” (Jorn al do R e­
cife n. 45 de 1914).

630
Põe-mesa —. Gafanhoto muito vulgar, de côr acinzentada,
do genero Mantii, de cinco especies estudadas. “ A s mulheres
põem agora os corpos como feitio do gafanhoto chamado põe-
m e s a ....” (O Carapuceiro ns. 9 e 10 de 1847). O riginariam en­
te tinha o gafanhoto o nome vulgar de Louva a Deus, ainda
não de todo esquecido, e cuja razão de ser assim chamado
Nuno Marques P ereira, escriptor da p rim eira metade do se-,
culo X V III explica nestes term os: “ Ha no Brasil uns b ich i­
nhos que lhes chamam Louva a D e u s ... Estes anim alejos são
como um grillo, porem muy magros e estiticos: trazem sem­
pre as mãos postas juntas, os joelh os dobrados, e os olhos
levantados para o céo, e p or esta razão lhes chamam Louva
a Deus.” Vem naturalmente dahi a sua denominação scienti-
fica de Mantins religiosa, imposta p or Linneo.
P oia — O excrem ento resultante de uma defecação; in ­
divíduo encostado, preguiçoso, poltrão.
Poita — Corda de im bira que serve, entre outros miste­
res, de amarra ao tauassu’ ou ancora das jangadas. Cahir
na poita, o mesmo que cahir na im bira, na corda, em prisão.
“ O Sr. Guriha quando se anresentou em 1817 ao governo pro-
visorio de Pernambuco, fo i com o Desèmbargador Ciuz na
poita.” (O Guarda N acional n. 45 de 1843).
P olitiqu eiro — P o r politica, depreciativam ente. “ Um
typo desse estofo, a distribuir aos outros o qu alificativo de
p o litiq u eiro !” ( A Ordem n. 102 de 1917). “ Os politiqu eiros
profissionaes podem, em p ro l dos seus interesses, abafar a
voz; irrequieta da consciência” .. (Jornal do R ecife n. 13 de
1818)
P o lv o rà — Cousa que se gasta a mão largas, consome-
se, desapparece depressa, num instante. O dinheirinho da
herança do pae, fo i p olvo ra ! P olvo ra alheia, tiro grande.
(D icta d o ). P olvo ra com farin h a; cabellos grisalhos, mescla­
dos de preto e branco, com a p rópria feição da p olvora
misturada com a farinha de mandioca. “ Um frade de jihisio-
nomia alegre e fresca na cabeça já da côr de polvora com
farinha, aberta a sign ificativa estrada da liberdade.” (O Cam­
peão n. 41 de 1862). P olvo ra in gleza; D inheiro frouxo, que
não custou a ganhar.
P olvorosa — Susto, sobresalto, desasocego, p a voi. Está
na ordem do dia a questão religiosa, e os frades em p olvo ­
rosa, estão com um medo damnado.” (A Pim enta n. 547 de
1907). “ A madrugada de hontem fo i de polvorosa em toda a
Olinda. Os ladrões, certos de que a p olicia não acredita na
sua existencia, estão trabalhando desassombradamente.” (A
P rovín cia de 26 de Agosto de 1913).P olvorosa é um vocábulo
antigo, e Aulete o registra como popular, abonando-o com um
trecho da A rte de Furtar, que vem da sua p rim eira edição de
1652; porem Moraes, que tambem o registra, como term o fa ­
m iliar, consigna um exem plo ainda mais rem oto, um trecho da
Ulysséa, de Gabriel P ereira de Castro, impressa em Lisbôa em
1636: mas, quer neste, quer oaqu elle escriptor, e naturalmen­
te em outros, o vocábulo tem expressões outras que nada têm
de commum com as nossas.
Pom ada — Presumpção, vaidade, jactancia; pabulagem,
empafia, gabolice. “ Pom ada! Pom ada! Pom ada de p rfm or! Com
ella tudo se alcança nos negocios.” (O João Fernandes n. 1
de 1886). “ H istoria de velh o é pomada.” (O A lfin ete n. 11 de
1890). “ E ’ tão modesta que não tem pomada.” (Pernam buco
n. 169 de 1913). D erivado: Pomadista. “ O Garcia é um farçola,
um pomadista sem par.” (A m erica Illustrada, 1871). “ Um su­
geito pomadista, T id o e havido por m atreiro, P o r ser muito
alcoviteiro, F o i eleito camarista.” (O Binoculo n. 35 de 1882).
“ Não votaram em nenhum dos candidatos pomadistas.”
(Lan tern a Magica a. 113 de 1885).
Pom beiro — P eix eiro , o que compra e vende peixe. “ Es­
picha a mão talhador, pom beiros e farinheiros, as quitandei­
ras tambem.” (A m erica Illustrada n. 7 de 1894). “ Os pom bei­
ros pozeram o pé atraz: o peixe não apparece no m ercado.”
(Lan tern a Magica n. 488 de 1896).
Pom bista — Creador de pombos. “ Compra pombos, vai
crear, pois tú dás para pom bista.” (A za-n egra n. 5 de 1882).
“ Um barbeiro da travessa do M onteiro, com a sua mania de
pombista, v iv e a jogar pedras nos telhados da visinhança para
enchotar os seus pom bos.” (A Pim enta n. 557 de 1907).
Pom bóca — Ingênuo, tolo, bestalhão; palerma, natural
de bom genio. “ Da Garmencita é um dos namoradores Sem
ventura talvez, um dos pombocas, Platonicos que soffrem
as tabocas Dos felizes coiós afortunados.” CA Pim enta n. 29
de 1902). “ Zumba, coió pombóca, larga essa vida e vai traba­
lh a r . ” (Idem , n. 63). “ Faz pena uma mocinha tão bôa sup-
portar semelhante pomboca. (Idem , n. 544 de 1907).
Pom ba-rola — Pequena ave da fam ilia das columbinas
(Colum ba caboclo, Spix.).

632
Pom bo sem azas — Pedrada. “ Pom binhos sem azas, Pom -
binhas tambem, V oai sobre o Nunes, Que é vosso bem.” (O
Brado da Razão n. 2 de 1848). “ Pratos quebrados, vidros ti­
lintando, reboam pelo chão como pombos sem azas, mas que
voam ” ( A Pim enta n. 81 de 1902).
Ponche — Fatiota, roupa de vestir; garapada. refresco:
Um ponche de caju’ . “ Do lo iro caju’ , Atnalia, bebamos O
ponche gostoso Que aviva o p razer\ . . Analia, eu só quero
O ponche agridoce Comtigo beber.” (J, da N atividade Sal­
danha).
Ponéra — Especie de form iga, muito vulgar, e já assim
chamada pelos indios.
Ponga — Conhecido jogo, que Beaurepaire Rohan regis­
tra como vulgar nas provincias do norte, e assim o descreve:
“ Especie de jogo, o qual consiste em um qu adrilátero de ma­
deira; cartão ou papel, no qual se traçam duas diagonaes e
duas perpendiculares, que se cruzam em um centro commum.
São dous os jogadores e cada um se s'erve de tres tentos que
se distinguem, pel^i côr, ou pela fórma, dos do adversario.
Aquelle que prim eiro consegue p ôr em linha recta os seus
tres tentos ganha a partida. E ’ um jogo muito do gosto dos
meninos.” “ Que m aravilha naquella funcção! Tudo se jo ­
gava, e o que mais admirou-me fo i v êr tambem alli o jogo
da p o n g a ... Certo individuo era grande na p o n g a !... e era
tal a habilidade que tinha, que nunca o v i deixar de fazer
ponga! As linhas da ponga eram pintadas com alvaiade e
as pedras eram pedacinhos de pau-brazil, bem torneados.”
(O Guarda Nacional n. 20 de 1843). “ Fazer a sua paradinha
jogar a ponga, e tambem sentar pedra no m eio.” (O Paisano
n. 3 de 1843)). P o r aqui se vê, que já então, o jogo era vulgar
em Pernambuco. Jogar a ponga: Enganar, illu dir, ludibriar.
“ O Casimiro jogou a ponga com o Guerra na historia do te r­
reno de marinha da rua d’A u rora.” (O Cometa n. 2 de 1843).
“ Jogou a ponga com Santa Rita, de sorte que, se não acode
a' irmandade, engolia a igreja com imagens, sinos, badalos e
catacumbas!” (O Form igão n. 3 de 1850). Andar ás p on gas;
Sem occupação. enfiando agua, enchendo as ruas de pernas*
“ Outros que hontem andavam p or ahi ás pongas, hoje, depois
que empolgaram um empreguifiho, zombam da desdita alheia.”
(Gaspar Gomes, Cartas, 1846.) Bater ponga: Brinquedo de ra ­
pazes ao banho nos rios, batendo n’agua com as mãos de
certo modo á produzir um som pouco sibilante, cavo.

633
Ponta — Roupa alheia, já usada, dada ou emprestada.
“ Meu caro amigo Chiquinho, deixa a ponta emprestada do
amigo Cousserinho.” (A m erica Illustrada, 1873). “ A casaca
do L a p a ... Era, de certo ponta.” (Barbosa V ianna). T eiró ,
prevenção, b irra ; estar de ponta com alguem. Estar na ponta:
em evidencia; ser o p rim eiro ou dos prim eiros. “ E* phrase
da m oda' dizer-se que está na ponta, o sugeito que está de
cima. E ’ substituição da phrase antiga: Está dando as cartas.”
(Lan tern a Magica n. 436 de 1894). “ E lle suppõe estar na ponta,
e delle não fazem conta.” (A Mocidade, n. 1 de 1890). “ Os tra­
tantes, os velhacos, sempre na ponta.” (Lan tern a Magica n.
422 de 1894). Na pontissima.” (A Semana n. 3 de 1896).
Pontapé — Desprezo, ingratidão, desconhecimento; máo
pagamento por favores e beneficios recebidos: Dar, levar um
pontapé. L eva r o pontapé: De resto, com desprezo, in diffe-
rentism o; imperiosamente, grosseiramente, á força. “ Mas eu
que sou damnado. E filh o da cascavel, Levo tudo a pontapé.”
(O Diabo a quatro n. 30 de 1876).
Ponteira — O mesmo que p iteira; pêra. Bocal e ponteira,
o bigode e a pêra.
Pontista — Fin orio, estradeiro, experto, sagaz: “ Thim o-
teo, sugeito pontista, e por isso buscado sempre que se trata­
va de qualquer transacção illicita ou simples nt 3 equivo­
ca.” (F ra n k lin T a v o ra ).
. .Pôpa — As nadegas, naturalmente em ; ./. á pôpa do
navio, a parte posterior, opposta á prôa,
P o r a procissão na rua — P ô r em campo um movim ento ar­
mado; o rompimento de uma revolução. “ Bem razão tinha o
Padre Cicero em dizer que já pôde cio Ceará por uma p ro­
cissão na rua.” (Ç o rre io da Manhã n, 5528 de 1914), V. Botar,
P o r baixo — Sem recursos, alcançado; desprestigiado, sem
im portância alguma. O João anda muito por baixo.
Porca — Peça de madeira unida ao sino, giratória, para o
fazer dobrar, produzindo em cada volta duas badaladas. “ O ab-
bade mandou fazer a porca para o sino grande.” (Chronica do
mosteiro de S. Bento da Parahyba, 1811). Term o vernáculo,
antigo, vem registrado por Bluteau e outros autores; os dic-
cionarios m oderços, porem, nomeadamente os de Aulete e Cân­
dido de Figueiredo já não o contemplam.
P orco — Estudante que só tem um preparatório. Porco do
matto, o mesmo que caetetü, animal da ordem dos Ongulados
(D icotyles labiatus, C u v), a que os indios chamavam, segundo

634
as suas differentes especies, como escreve o autor dos D iálo­
gos das grandezas do Brazil, Eeassu’ Taiteté e Teassueté, uns
maiores e outros pequenos, que se caçam por differentes m o­
dos, p or ser carne de excellente com er; e Tajaçü ou Caaigoara,
segundo M arcgravi. Gcciçalves Dias, porem registra Tayaçuetâ,
porco do matto ou montez. Dictados: Comer ou dorm ir como
um porco; Ganhar um ovo de p orco; O toucinho do porco só
se vê depois de m orto; Passar de porqueiro a p orco; P orco na
roça; Quém anda aos porcos, em toda parte lhe ronca; Quem
com porcos se mistura, fa relo com e; Ser como o p orco: de ca­
da cuxilo um filho.
Pornographia — Linguagem baixa, vil, im m oral; licen cio­
sidade no falar; soltura de lingua. “ E ’ de trem er céo e terra a
pornographia da negra Chica de Babá, de Beberibe.” (A P i­
menta n. 79 de 1902). “ A empreza do H elvetica vai substituir o
nome d'e Cass no Fam iliar pelo de Escola de Pornographia.”
(Pernam buco n. 262 de 1913). “ A Maria quando está zangada
com o seu chauffeur faz discursos pornographicos.” (A Pimenta
n. 14 de 1914),
P ororon — Cousa de má qualidade, de insignificante valor.
(G iria dos gatunos).
Porquinho da índia — Pequeno animal da ordem dos
roedores (Andema cobaia, Cuv.) E ’ de uma prolixidade extra-
ordinaria, e muito curioso pelo seu porte e belleza da varia­
da coloração do pêlo.
P o rre — Bebedeira. “ Não receie que esta velha Desta vez
ainda não morre, Me disse o doutor sorrindo: Sua sogra es­
tá no porre.” (Lan tern a Magica n. 474 de 1895). “ Me avacalho
com os porres que toma o José da Maítinha.” (A Pimenta n.
5 de 1914). D eriva d o: porrista.
Porrinhên — Tasca, bodega, coito de vadios e crapulosos.
“ O Paula deixou o porrinhên e metteu-se na casa mais fresca
do Sertãosinho do Caxangá.” (A m erica Illustrada, 1875). “ P a ­
rabéns aos porrinhens do Barro, Sancho e T igip ió, pela funda­
ção de um batalhão de espadas d’agua nestas ultimas localida­
des.” ( A Pimenta n. 67 de 1902).
Porteira — Moça que não sai da porta; que v ive pregada
á porta; moças porteiras. Especie de porta de entrada dos cer­
cados c curraes, altas e largas, feitas de madeira lavrada ou
varas grossas como caibros. “ Nos curraes do R io S. Fran ­
cisco, os que tem m aior conveniência de venderem o gado

635
para as Minas, o vendem na porteira do curral pelo mesmo
preço que se vende na cidade.” (A n to n il). “ O fazendeiro avis­
tou encostado ás varas da porteira do curral, dous cangacei­
ros de chapéo de couro e clavinote.” (João do N o rte ). “ Ouvi­
ram bater a porteira do engenho, e logo após o estrepido das
pisadas de um animal.” (F ra n k lin T a v o ra ). Vender um engenho
de porteiras fechadas; a propriedade com todo o seu m aterial
e utencilios, gado, e em outros tempps, até mesmo com os
proprios escravos de serviço, sem na^a retirar o vendedor. “ O
Martins é hoje o donatario de Pernambuco com as porteiras
fechadas” . (A Lanceta n. 56 de 1890).
Portúga —. O portuguez, em tom de troça e chalaça. “ Bla­
sona esse insolente portuga de só namorar p or divertim ento,
e de não casar senão em sua terra.” (A V oz do B razil n. 58
de 1848,) “ Nada ainda sobre k historia do portuga
Jacintho Aragão.” (O P ovo n. 174 de 1859). “ Entra o fiscal na
taverna, faz a compra nó fiado, e depois multa o portuga.”
(O João Fernandes n. 5 de 1886).
Postura — Posto, dignidade, representação, emprego. Que
postura tem aquelle sugeito? “ Assim mesmo, daqui a dois dias
ha de querer alguma postura.” (O Guarda Nacional n. 4 de
1842).
Possuidos — O que o individuo tem, de seu, “ A gora vou-
lhe contar Os possuidos que eu tenho.” (C ancioneiro do N o r ­
te ). “ Valendo-se das trevas e do ermo, viera despojal-o do ul­
timo possuido.” (F ra n k lin T a v o ra ).
Postema — P o r apostema, abcesso. Postema que não re ­
solve nem vem a fu ro: sugeito indeciso, dubio, que nada resolve
nem delibera.
Postiço — Parente affim , adherente; por cortezia. Um in-
dividuo casado com a tia legitim a de outrem, é seu tio postiço.
Potaba — Dadiva, presente, recompensa. “ Oitenta contos
não são ointenta rosários de pipocos ou castanhas, mas
uma bôa potaba.” (Lanterna Magica n. 12 de 1882). Beaurepai-
re Rohan registra o termo potába como vulgar em Pernam ­
buco, exejipplificando: “ O padrinho legou-lhe uma bôa potába.”
De origem indigena, geral, vem assim dos dialectos tupi e
guarani. N o prim eiro, segundo Gonçalves Dias e Martins, ex ­
prim e dadiva, presente, mimo, offerta, parte, quinhão ração;
e no segundo á juizo de B. da Costa Rubim, composto de pó,
mão, e ta, colher, tem as accepções de parte, porção, o que cabe,
e assim, crescente de festa, vulgarmente. Baptista Caetano es­
creveu potáb, como o proprio term o originário, com a expre-
são particular de quinhão, no guarani, e extensivamente, quota,
porção que cabe na mão, punhado, ou modo de comer, banque­
te. Ainda no tupi em fim, figura o vocábulo nestas locuções
registradas por Gonçalves Dias: Ipotaba omondó mondó, p re­
sentear; Tupana potába, dizimo, esmola; Tupana potába ojuru-
rê, pedir esmola; Aba-etá okena rupi tupana potába ojurerê,
pedir de porta em porta; Pindá potába, isca do anzol; Tatá po­
tába, isca de fe rir fog o; e Potába meéing, peitar. Variantes:
Putaba, Potabula. “ Vieram os indios dar ao Padre as suas
fructas e mais putabas... Vieram ver-nos os indios trazemdo-
ro s seus presentes, que chamam putabas. (P ad re J. F. Beten-
dorf, 1699). “ Não havendo o Chichorro tido parte na potabula
levou forquilha o pretendente.” (O Esqueleto n. 5 de 1846).
Póte — Prisão, cadeia, xadrez de quartel ou de estação
policial. “ O almirante fo í preso, fo i solto, fo i de novo preso e
de novo solto, e á hora em que escrevo está ainda uma vez
nc póte.” (Lanterna Magica n. 660 de 1901). “ Esses coiós que
foram ao pastoril e quizeram acabar com o brinquedo p reci­
sam ser mettidos no póte.” (A Pimenta n. 74 de 1902). “ Um rei
preso pela policia em Paris. D. Manoel de Portugal mo p ó te !”
(Pernam buco n. 316 de 19112).
Potóca — Mentira, lorota, historias da onça. “ Eu protes­
to contra as e le iç õ e s .. . Isto assim é que devia sêr. O mais são
potocas! (Lanterna Magica n. 821 de 1906). “ Esse M. Soares
pipocas, é fertil em boatos e potocas.” (Pernam buco n. 317 de
1613). “ Enganas-te, Fulgemcio, não consegues mais illudir-m e
com as tuas potocas.” (Jornal do R ecife n. 166 de 1916). D e­
rivado: Potoqueiro, contador, pregador de potocas. “ Neste caso,
contamdo-nos assim uma historia tão inverosim el, é um poto­
queiro, um Quaresma.” (O P ovo n. 1 de 1897). “ Reunidos de­
baixo do frondoso oitizeiro da nossa bella pracinha fundamos
a troça carmavalesca Potoqueiros de Santo Antonio.” (A P r o ­
víncia n. 51 de 1914).
Pôtra — Escroto volumoso por uma circumstancia mórbida
qualquer. “ Quanto mais leio destas esparrellas, confesso-vos,
que, segurando a pôtra (falando com pouco ensino), maiores
e mais harmcnicas gargalhadas dou.” (O A rtilh eiro n. 44 de
1843). “ A mandingueira potra do Nabuco.” (O Mocó n. 5 de
1851). D erivado: Potroso. individuo que tem potra. “ Uma linha
de barrigudos, inchados, potrosos, cheios de erisipella, maras-

637
maticos e m ofinos.” (O Guarda Nacional n. 16 de 1848). Bata­
lhão dos potrosos: os antigos corpos da guarda nacional.
Pouca roupa — Pouco ou nenhum dinheiro, recursos; fo r ­
ça, v ig o r; animo, disposição, coragem. “ Chamaste-me pouca
roupa; Se tens muita, teu proveito. Assim não tenho o traba­
lho De a despir, quando me deito.” (Versos Populares).
Pocochito ou pouquinho — um pouco de qualquer coüsa»
“ O Antonio Affon so soffreu um poucochito da febre chichor-
ratica, que atacou-lhe muito pouco o peito.” (Sentinella da L i­
berdade n. 37 de 1848). Concurrentemente, poucochinho, que
Aulete registra como dim inutivo irregular de pouco, muito vu l­
gar entre nós. “ S. S. para nós deve falar um pouchinho mais
baixo.” (D ia rio de Pernambuco n. 99 de 1916).
Poupado — Mandrião, preguiçoso, encostado, esquivo ao
trabalha.
Poupança — Acção econoinisar; regrar, poupar.
Povaréo — Agglom eração, reunião de gente: o povo. “ Na
festa de Santo Am aro das Salinas o povaréo fo i immenso.”
(Lan tern a Magica n. 483 de 1896). “ O povaréo desenbestado
atraz do carro gritava; pára! não póde! o bonde não segue.”
(A Pimenta n. 550 de 1907). “ Enveredei-m e pela rua da Con­
ceição, e levei duas horas para rom per a compacta massa do
povaréo alli reunido.” (Jornal Pequeno n.° 42 de 1916).
P ovilh éo — Populaça, gentalha, o Zé povinho. “ O povo da
pequena camada é o que mais soffre; não representa o v e r­
dadeiro povo: é o p o v ilh é o ... sem regras sociaes e principios de
educação.” (O Alfin ete n. 14 de 1890).
Pôvo — O pessoal de uma corporação; de uma fam ilia; a
gente de casa; O meu povo é de bom accommodar. O term o é
tambem, commumente, empregado no dim inutivo: O João fo i
vêr a procissão com todo o seu povinho. “ Vou m etter a lenha
naquelle povo da Intendência.” (Lanterna Magica n. 577 de
1898).
Póvos e póvas — Lucução chula para designar o povo.
Aquelle diploma de ouro enviado ao José Mariano pelos
povos e povas do R io de Janeiro, é uma capadoçagem do p ar­
tido lib eral.” (O João Fernandes n. 23 de 880). “ Os povos e
povas de Afogados vão ter este anno tpdas as ceremonias da
quaresma na igreja matriz de N. S. da Paz.” (Lanterna Ma­
gica n. 181 de 1887). “ Grande novidade na cidade! Erguei-
vos povos e p ovas!” (Idem , n. 445 de 1894).

638
P ’ra burro — Muito, em abundancia, em quantidade, á
fartar. “ Que torm enta! F o i chuva e chuva p’ ra b u rro !” (A
Pimenta n. 4 de 1914). “ As meninas saracotearam p’ra burro
ao som de uma orchestra bem afinada.” (Pernam buco n. 104
de 1914). “ O Borrom eo está grammando na Detenção, e fa ­
zendo fachina p’ ra burro.” (Jornal do R ecife n. 52 de 1916).
P ’ra burro vem da revista deste tituto, de Bruno Nunes, re ­
presentada, eom grande sucesso, no H elvetica em 1914.
Praça — A cidade do R ecife, a capital do Estado. “ Sou
matuto, e como não posso sempre ir á Praça, tenho poucas no­
ticias do R ecife e da p olitica.” (O Guarda Nacional n. 100 de
1844). “ Certo amigo lá da praça, Quando no matto morava,
Em seu peito eu sempre achava Am izade Mas depois
que p ’ra cidade elle fo i gosar de amores, Deixou-me
entregue aos rigores da saudade.” (O Im parcial n. 70
de 1859). “ Embora educada na praça, ainda assim D. Antonia era
bastante acanhada.” (O A lfin ete n. 13 de 1890). Matuto na
praça, uns dizem que é alta, outros que é baixa. (A d ágios).
O termo vem de longe, e já em 1822 Caneca, o empregava nos
seus escriptos, quando tinha de fazer referencias ao Recife,
á capital, nomeadamente dizendo ein um delles: “ Na praça é
que os homens do matto vem achar as panellinhas armadas.”
D erivado: Praciano, o morador, o habitante da praça. “ Como
a minha educação não fosse a dos camponeizes e sim a de um
praciano, quando disponho de algumas horas e tenho algum
livrin ho, não me ponho a coçar as pernas.” (A Tempestade n.
18 de 1858). “ Seu Manesinho é hoje praciano, e da Cambra
procurador.” (A m erica Illustrada n. 4 de 1885). Praça velh a;
experimente, pratico, firm e, fie l; finorio, sabido,. expertalhão.
Praça m orta; indivíduo em decadencia, desprezado, sem valor
e prestigio algum, bananeira que já deu o cacho. A locução vem
dos tempos coloniaes, quando não eram conhecidas as pensões
ou subvenções, e que a titulo de beneficio, recompensa ou fa ­
vor, conferia-se a um indivíduo as vantagens de praça do exer­
cito, com a sua inscripção nas respectivas folhas de pret, com
a rubrica de praça morta, isenta do serviço m ilitar. “ O capi­
tão m ór Jeronymo de Albuquerque dava muitas praças m or­
tas a parentes, criados e escravos seus, defraudando assim a
fazenda de Sua Magestade.” (Capitulo de accusação contra
aquelle capitão m ór pelo capitão Bento M aciel Parente, em
1618). “ P o r parte de Simão Gonçalves se me fez a petição,
cuja copia com ssta se vos remete, em que pede-lhe mande
dar uma praça morta para haver de se alimentar. Me pareceu
ordenar-vos inform eis com vosso parecer, e se está cheio o
numero das praças mortas que determ inei houvesse nessa te r­
ra.” (P rovisão dirigida ao governador do R io de Janeiro em
4 de Março de 1727).
Prado — Campo de corrida de cavallo: o Prado Pernam ­
bucano. “ F o i no extincto prado de corridas, o D erby Club,
onde iniciou-se o escandalo do t r ib o fe ... Nos prados não ha
bacamarte algum que não tenha chamado para as algibeiras
dos tribofeiros o chumbinho alheio.” (O. Tam oyo ns. 1 e 6 de
1890).
Praia — Partido p olitico ccnstituido em 1840 sob o pro-
gramma das idéas liberaes, mas assim denominado pelo facto
de ficàr situado na Rua da Praia, hoje de Pedro Affonso, a
typographia do D iario Novo, seu orgão de publicidade, que ap-
pareceu em 1842, vindo de então essa denominação chula im ­
posta pelos seus adversários, os guabirus, que ficou, perm ane­
ceu, e sc desappareceu com a organisação d efin itiva do P a r­
tido Liberal, e mesmo assim, não por completo. Dando-se em
1848 uma scisão no partido, ficou o grupo dissidente com o
nome de Praia Nova, e com o de Praia Velha os antigos lib e ­
raes radicaes, genuinos, que naquelle mesmo anno puzeram em
campo um m ovimento armado a que os seus adversários poli-
ticos deram o qu alificativo de R ebellião Praeira. O partido
quasi que desappareceu em 1849 com o m allogro da revolução,
e reorganisado depois com o titulo de Partido Liberal perdu­
rou até a proclam ação da republica em 1889. Os sectários do
partido da Praia eram chamados praeiros, e fo i tal a odiosi-
dade politica entre os partidos militantes depois da revolu ­
ção, que appareceu este ditado que ficou axiom atico: Machado
que córta lenha tambem córta mulungu’ ; praeiro que tem v e r­
gonha não fala com guabiru’.
Prancha — Especie de jangada arranjada pelos presidiá­
rios de Fernando de Noronha destinada á fu g a ; Trata da
prneluL
Prantinâ — Choro, lamúria, lamentação; Rom per numa
prantina.
Prata — D inheiro, bens de fortuna. Casar com a gata por
causa da prata; Quem casa com a gata p or causa da prata,
perde-se a prata e fica-se com a gata; Servir-se com a prata
de casa. (D ictados). Banana prata: fructo da Musa argentea, a
bananeira assim vulgarmente chamada.

640
Pratarraz — Prato grande cheio de comida. Aquelle alarve
engolópa um pratarraz de pirão com carne emquanto o diabo
esfrega um olho.
Praticagem — O que diz respeito ao serviço dos práticos
do porto: imposto, embarcações, pessoal da praticagem.
Prato — Sustento, alimento, mesa. O que o João ganha
mal chega para o prato. Prato raso: de pouco fundo, em que
se serve a comida na mesa; Prato fundo: mais covo que o
raso, para pirão, iguarias e sopa, o prato sopeiro, como se
diz em Portugal; Prato de peixe: com prido, de pouca largura,
de fórm a á conter um p eixe in teiro convenientem ente prepa­
rado; Prato de sobrem esa; m enor que o das refeições. Prato
que dança não enche a pança. (D ictad o).
Preá — Pequeno m am ífero (C avea apereá) da ordem dos
roedores, a que os indios davam o nome de apereá, e registra­
do pelo autor dos Diálogos das grandezas do Brasil com o de
Rato do matto: “ Apariá, execellemte para se com er.” Apereá
é corruptela de apé-reá, o que m óra no caminho.
Preáca — Especie de funda para o arremesso de pedras,
c dahi preacáda, tiro de preaca. O Pernambuco n. 93 de 1914
publica uma versalhada sob o titulo de Preacadas Itambéenses.
Pregáda — Ferim ento com qualquer instrumento perfu-
rante. O cabra deu uma pregada tão certeira no bicho, que
eahiu sisudo no chão. Pedido de dinheiro, facada. “ Já me ju l­
gava liv re da pregada, quando mais adiante me encontro com
o Ernesto, que por sua vez me queria os 10$000.” (A m erica
Illustrada, 1873).
Prégo — Bicada, uma pancadinha da branca; bebedeira,
carraspana,. “ Pois sempre pelo commum, Gosto de tom ar meu
prego.” (C ancion eiro do N o rte ). Interrupção da viagem de um
vehiculo por emperro dos animaes, um accidente, ou um des-
sarranjo qualquer nos m ovidos a vapor e electricidade. “ E os
pregos? aquelles pregos que a maxambomba de Olinua dâ pelo
cam inho?” (A m erica Illustrada, 1872). “ Que soffram os v ia ­
jantes de bonds e diligencias os tão frequentes pregos.” (L a n ­
terna Magica n. 202 de 1887). O term o é tambem empregado
em outros sentidos, mas sempre nas accepções de parar, in ter­
rom per, empacar. “ O Santa Izabel deu um prego, porque nes­
ta bôa terra só ha subvenções para companhias lyricas.” (O
Etna ra. 39 de 1882). “ Falou em prosa, deu muito bem o seu
recado, e não deu prego.” (A m erica Illustrada n. 21 de 1882).
D eriva d o: Pregar.

641
Preguiça — Anim al da ordem dos desdentados (Bradypos
tridactylus, Lin n .), de duas especies, conhecidas entre os indios
com o nome generico de A y ou A y ’g, tendo porem a de côr p re­
ta escura, o particular de A lp ixu ’ ma, que isto exprim e. Se­
gundo Tschudi citado p or Theodoro Sampaio, aquelle qua-
licativo indigena procede do grito do animal, que articula
uin a fechado muito prolongado. Concurrentemente, tinha o
animal entre o gentio natural o nome de Ahum, segundo um
chronista antigo. Os portuguezes porem, deram-lhe o de p re­
guiça, por ser tão preguiçoso e tardo em m over os pés e
mãos, que para subir a uma arvore, ou andar um espaço de
vinte palmos ha mister meia hora, e posto que o aguilhoem,
nem por isso foge mais de pressa; como escreve Fr. Vicente
do Salvador, vendo-se d esfa rte, que, já em começos do secu­
lo X V II era o animal assim vulgarmente chamado. Esse nome,
porem, vinha dos prim eiros tempos da colonisação do paiz,
porquanto, já em 1560 Anchieta assim o escrevia, tratando do
animal a que os indios chamavam Aig, e nós Preguiça. Para
carasterisar a preguiça, conta-se de' uma, que levando um dia
inteiro subindo em uma arvore, e que ao chegar ncr alto desas­
tradamente cahira, exclam ara: Diabo leve as pressas! A uma
que estava deitada, descançando, perguntaram: Preguiça, que­
res mingáo? Quero, respondeu. Vai vêr a cuia. Não quero,
não, retrucara. Pae da preguiça, ou s offrer de preguiça reco ­
lhida, diz-se do individuo preguiçoso em extremo.
Preguiçosa — Especie de abelha muito vulgar.
Prensario — Individuo que tem prensa de algodão.
Preparatoriano — Estudante de humanidades ou prepara­
tórios para os cursos superiores.
Presepista — Em presário de presepios ou pastoris por es­
peculação e negocio. “ Lem bra-te *que a industria é triste e
perigosa, e que o fim do presepista é chiba e cadeia.” (A D er­
rota n. 20 de 1883).
Preso — Traque, ventosidade. Soltar um preso. Preso
pelo cós, pegado, seguro pelo cós da calça. “ Com essa véloz
parelha, Vencerás a todos nós, Ou suspenso pela orelha. Ou
pegado pelo cós” . (A Lanceta n. 55 de 1890). Preso pelo beiço,
dominado, subjugado, sem acção. Preso, nem p r’a comer doce;
Preso e captivo não tem amigos. (D ic ta d o s ).
Pretume — Preto, escuro, ennegrecido. “ Mulher escura é
pretu m e.” (A Pim enta n. 36 de 1902).
Prim eiras aguas — As prim eiras chuvas que caem no co^

642
meço do anno, e-tambem chamadas aguas de Janeiro. “ Janeiro
não é propriam ente, em Pernambuco, a estação das chuvas.
As que caem no começo do anno, são chamadas prim eiras
aguas e duram de quinze dias a tres semanas, tornando-se de­
pois o tempo geralm ente fix o e bom até Maio ou Junho.” (H .
K o s te r ).
Prim eiríssim a — (D e ) — Superior, de patente, elevado
m erecim ento: Um poeta, um actor de prim eiríssim a. “ A veia
pernóstica que tem todo o mulato de quarta ou de p rim eirís­
sima e que nunca o deixa m orrer de apoplexia b estialogica. ”
(A n ton io C a rm e lo ).
Prôa — Altivez, presumpção, orgulho. “ Ora esta é bôal Não
pense que com migo ha de ter p rôa” . (O Vapor dos T ra fica n ­
tes n. 10 de 1859). “ O patrão não gosta de v êr negro nem mula­
to de p rô a” . (A ffon so A r in o s ). “ Olha que eu faço-te abaixar
essa p rô a” . (A lb erto Bessa).
Procissão de fogaréos — A que se faz em commemoração
á prisão do Senhor, na Q uinta-feira M aior, á noite, sahindo da
igreja de Santa Rita, e assim chamada pelos fogareos, que figu ­
ram no préstito. Jaboatão já no seú tempo (m eiados do seculo
X V III) faz referen cia da procissão a que chamam dos Fogaréos,
em quinta-feira maior, — descrevendo o convento de S. Fran ­
cisco da cidade da Bahia.
Procuraniça — Acção de procurar, buscar, fazer a d iligen ­
cia para encontrar alguma cousa: Você deixou o que é seu p or
ahi a toafc e depois anda na proçurança quebrando a cabeça.
Progresso — M ercearia, originariam ente lim itada á venda de
certos generos, disposta com uma tal ou qual elegancia, e con­
venientem ente asseiada. F o i nesses Progressos que tiveram in i­
cio os lanches nas m ercearias. “ Na porta de um dos muitos P ro ­
gressos que ha nesta cidade, encontraram-se dous indivíduos,
e largamente con versaram .” (O Barco dos Patoteiros n. 13 de
1864). “ Depoi| de acabado o pagode ficou o progresso logra d o” !
(A m erica Illustrada n. 4 de 1877). Sobre a origem de taes
estabelecimentos entre nós, escreve o seguinte a Lanterna
Magica no seu n. 60 de 1833: “ Ha cousa de vinte e cinco àn-
nos imperou a mania dos progressos. As antigas tavernas, vu l­
garmente conhecidas por vendas, eram uns estabelecimentos
immundos, feios, sem armação capaz, e sempre conservan­
do á porta o in fa llive l b arril de azeite de carrapato, que era
o prim eiro personagem com que o freguez se esbarrava logo
a entrar no tal estabelecimento. Uns Senhores Duarte &
Irm ão foram os prim eiros que entendi un substituir as taes
feias tavernas por verdadeiros armazéns de m ercearia, taes
como nós hoje os vemos. Estabeleceram dous, um no largo
da Penha, e outro, se não nos falha a memória, ao largo do
Carmo, e na frente de cada um desses estabelecimentos es­
tamparam por titulo Progresso. Dahi o povo ignaro tirou
partido para chamar Progresso a todos os estabelecimentos
que naquelle gosto foram apparecendo. E então, derramaram-
se os progressos por toda a c id a d e .” O termo já desappare-
ceu, porque desappareceram os estabelecimentos assim deno­
minados; mais, apezar disto o registramos, como uma sim­
ples curiosidade, e como ponto de partida da rem odelação da
m ercearia entre nós.
Promessa — V oto feito á divindade ou a um santo qual­
quer, na contingência de lima enferm idade grave ameaçadora,
serias difficuldades na vida ou crises de grandes perigos, de
praticar algum acto de penitencia, devoção, philantropia ou
de dar um ex-voto qualquer em penhor e reconhecim ento da
graça solicitada. “ Uma pessôa, tendo uma ferid a incurável,
faz uma promessa a S. Lazaro para ficar bôa, cumprindo-a
logo que alcança a graça desejada.” (Rodrigues de Carvalho)-
“ Redobra, e faz promessas mui cumpridas De pendurar, se
escapa o doctor caro, Um clérigo de cêra a Santo A m a ro .”
(A C o lu m n e id a ) “ Eu fiz tres promessas; uma ao Santo Chris-
to outra a Santo Am aro e outra a N . S. do Monte, em Olinda,
para você ficar logo bem. (A Pimenta n. 33 de 1902), “ Bernar-
rina ajoelha-se diante dos santos e faz uma promessa a S. Se­
bastião” . (F ra n k lin T a v o ra ).
P rom pto-alivio — Rem edio ou cousa que serve para tudo.
“ Quero dar-lhe uma dose de p rom pto-alivio” . (A m erica II-
lustrada, 1875). “ Não ha nada tão bom como sêr gerente, en­
genheiro, prom pto-alivio ou o quer que seja de qualquer
com panhia.” (Id em n. 38 de 1877). Prom pto-alivio fo i um
rem edio americano, assim chamado, de preconizadas virtudes
em varios casos, e que na epocha do seu apparecim ento entre
nós, era apregoado em retumbantes annuncios. F o i isto pelos
anos de 1863, e dahi aauellas expressões populares.
Proposital — De proposno, de caso pensauo. "u iccio n a -
rio algum, escreveu Julio Pires, registra o adjectivo proposital,
que p or certo, com o tempo, forçará victorioso as portas dos
léxicos.” 1
Prosa — Fanfarrão, loroteiro, falad or; historias, pabu-
lagens, potocas. “ Um prosa, um loroteiro, que aqui veio em

644
misca de dinheiro.” (A Pimenta n. 23 de 1891). “ D eixa de p ro­
sa, santinho; fizeste grande assuada, e p ’ra mim, nada disses­
te.” (Idem , n. 5 de 1902). D erivado, Prosista.
Prosopopéa — Enthusiasmo, vaidade, orgulho. “ O Britto-
vacca transpõe o recinto com a prosopopéa de um grão-se-
nhor.” (A m erica Illustrada n. 23 de 1880). “ Quem não conhe­
ce o Zeca com toda aquella" prosopopéa de fis c a l? ” . (O Etna
n. 20 de 1882). “ Prosopopéa de padre e palavra de comadre
são cousas que não merecem fé ” . (O A lfin ete n. 10 de 1890).
Pua — Na phrase: Gemer na pua, acarretar com as con
sequências de actos alheios; fazer o papel de burro de carga;
safra de trabalho. “ Como madeira na pua v i o Chiquinho ge­
m er.” (A Pim enta n. 3 de 1901). •
Puba — A mandioca am ollecida n ’agua, depois de uns
tantos dias de môlho em uma vasilha qualquer, perdendo as­
sim a sua substancia venenosa, e preparando-se então a mas­
sa de mandioca, de usos diversos. “ A puba e a tapioca, que é
todo o mimo e a flo r da mandioca.” (D u rã o ). Term o tupi, si­
gnificando a mandioca em certo estado de fermentação, se­
gundo Couto de Magalhães, vem do partieipio pur ferv e r ou
ferm en lar; puba ferm entado, aptodrecido. (Baptista Caeta­
n o ).
Púça — Designação depreciativa dada aos portuguezes
n o periodo das nossas luctas em p rol da independencia na­
cional. Geralmente vulgarizado, e escrevendo Caneca em
1824 o Itinerário da sua marcha para o Ceará acompanhando
as vencidas forças republicanas da m allograda Confederação
dò Equador, diz, que na manhã, de 13 de Dezem bro seguiram
para ir tomar quartfeis na fazenda da Cachoeira propriedade
de um puça. “ Essa gente cearense, conhecida por cabeça chata,
é toda escommungada, porquanto, chegando de Portugal, ao
tempo da Independencia, uma imagem do Senhor dos Passos,
iembarcaram-na logo em uma jangada, com uma sacca de fa ­
rinha e um b arril d’ agua, ao som de assobios e algazarra, g ri­
tando: Fóra, puça! fóra, m arinheiro! V á para a sua terra, la ­
b re g o !” (O Barco dos Patoteiros n. 12 de 186.4). “ Que o frade
puça fique lá pela sua santa terrinha, a comer batatas, e be­
ber vinho verd e.” (O Desespero n. 8 de 1880). D erivado: Pu-
çalhada, o mesmo que marinheirada, portuguezada. “ F erve na
rua Velha a puçalhada, Que a m il patifarias se dedica.” (A Co-
lum neira). Puça é um termo portuguez, dado concurrentemçn-
le á erva dos muros ou dos namorados, segundo Aulete; e entre

645
nós, o nome vulgar de dous vegetaes da fam ilia das Am pele-
tíaceas, e o de uma fructa silvatica do Ceará e do Maranhão,
conhecida p or tal nome; e assim, não nos é dado verifica r, o
porque, daquelle nome dado aos portuguezes, depreciativam en­
te. Moraes registra Puçal, medida de cinco almudes de vinho.
V irá dahi o qualificativo?
Puçá — Instrumento de pesca flu vial de camarões, origin á­
rio dos indios, o seu pyçá’, ou rede de pescaria, e dahi a alte­
ração do termo em puçá. Gabriel Soares, um dos nossos mais
antigos chronistas fala já do puçá, rede pequena, feita do fio do
lucum, com a qual os indígenas pescavam tainhas e mais p ei­
xes, que com a enchente da maré entravam pelos esteiros.
“ Pesquei-os com puçá e gcreré, Vou vendel-os lá na praça da
P o lé ” . (Sentinella da Liberdade n. 22 de 1848). “ Talvez tenhas
lambem apanhado o teu camarão no puçá ou fisgado o teu
amoré na lóca.” (A Pimenta n. 15 de 1902).
Pucuman — Especie de toa de aranha pendente do telhado
das cozinhas, e produzida pela fumaça, ou pendurucalho de
fuligem, pendente das chaminés. “ Nunca aquelle sotão fo i vas­
culhado, e o que lá existia em grande quantidade é o que ge­
ralmente chama-se pucuman.” (A Tempestade n. 15 de 1858).
Règistrando Langaard o termo fuligem, pelos seus predicados
medicinaes, com a significação de ferrugem de chaminé, pe-
cuman, descreve-a como uma especie de massa leviana, frá ­
gil, producto da combustão im perfeita da lenha. Segundo Bap­
tista Caetano, puçuman é um termo de origem indigena, que
vem de ape humã, superfície toda negra, casca ennegrecida.
Pulga — Nas locuções populares: Andar com a pulga na
o re lh a ; prevenido, desconfiado. Cada um tem o seu modo de
matar pulgas: o seu modo de entender, de agir, de fazer qual­
quer cousa. Contente como cachorro com pulgas: alegre, sa­
tisfeito. Um salto de pulga: lugar proxim o. Da casa de João a
de Pedço é um salto de pulga. A ’ vista disto e dos autos, andam
as pulgas aos saltos. (D ictad o).
Punaré — Am arellado. "C a va llo de cara branca punaré,
significando que o animal tem a cara branca amarellada.”
(S y lv io R om ero). “ O signal desta vaquinha? Cara branca pu­
naré, Traz o ferro do Burel, Não tem cau^a, é coxé.” (A Vacca
do B u rel). Pequeno roedor, especie de preá ou rato do matto,
de rabo grande, cabelludo, amarellado. Vocábulo de origem
tupy nesta accepção é corruptela de piyaré, o que fica ou está
pegado ao fundo, ao principal, ao corpo, allusão á grande cauda
do animal, segundo Paulino Nogueira.
Punaru’ — P eixe de agua salgada (Blennius brasiliensis, Li-
chtst.).
Punga — Cavallo ordinário. “ O Jornal do R ecife não quiz
entrar no tribofe com o D iario de Pernambuco, velho punga
da coudellaria do Sr. Martins.” (A Lanceta n. 59 de 1890. Ga­
tuno, batedor de carteira, vigarista. “ A policia teve conheci­
mento feito dos pungas, mas elles não foram tão araras que se
(ieixassem descobrir.” (D iario de Pernambuco n. 158 de 1916).
Óccorre nesta accepção o derivado punguista. “ Preso o pun-
guista, negou a pé firm e a autoria do furto.” (Pernam buco
n. 317 de 1913).
Punho — Peça das extremidades da rêde de dorm ir. "E sia
noite andei de ronda Como rato na parede, Procurei, mas não
achei. O punho de tua rede.” (V ersos populares).
Purgador — Operário que nos engenhos tem a seu cargo
o serviço de purgar o assucar. “ Macaco é senhor de engenho,
F, guariba o lavrador; O rato é quem bate o mel, E o morcego
é purgador.” (T ro va s populares).
Putici — Abundancia, quantidade, grande numero: Um pu-
tici de laranja, de ovos, etc. “ Bôa apanha de feijão fez você.
One putici! Dá bem seus dois alqueires.” (F ran klin T a vora ).
O termo virá de Potosi, no P eru ’, celebre pelas suas minas de
prata, as mais abundantes do mundo até agora exploradas, e
que tanto deram que falar? Potuci, escrevia-se antigamente.
Putrião — Ave palmipede do genero Podiceps (Anas ca-
runculata, U lig.), especie de "ganço, de bellissima plumagem de
côr bronzeada, christa sobre o bico, e de excellcnte carne.
M arcgravi descreveu uma especie a que os indios tupis, em
geral chamavam Ipecati apoá, e uma outra mais, o Aninga,
dos tupinambás.
Pumbu’ cas — Reles, insignificante; de borra, de bobagem.
Ccncurrenlemente, diz-se tambem cumbucas. “ O Massas gene­
ral, é mesmo um tal das pumbucas!” (O Brado da Razão n. 20
de 1849).
Putu’ca — Sugeito azarento.
Puxada ou puxado — Dependencias de uma casa para aug-
tar os seus commodos. “ Vamos augmentar o puxado, que já
não tenho cnde botar as esteiras que a c a b e i... Metto-lhe alli
debaixo do puxado.” (Fran klin T a v o ra ).
Puxa de côco ou puxa-puxa — Especie de cocada feita do
i-ambongo, o côco com mel de furo ou de engenho, em ponto
bastante consistente, de modo a ser cortado em talhadas de­
pois de secco e estendido, ou disposto, separadamente, em fór-

647
ma de discos. “ Puxa-puxa de côco.” ( A Tempestade n. 12 de
1858). “ Naquelle puxar tremendo podia ser que eu ficasse
sendo de puxa-puxa.” (A m erica Illustrada n. 26 de 1878). M i­
lho secco, m ilho assado, puxa de côco, bola queimada. (P arlen -
da popular).
Puxado — Asthma. “ Antigameaite se soffria de puxado.
Agora é de asthma.” (F o n -fo n n. 7 de 1916). “ Conheceis alguem
que soffra este te rrivel supplicio chamado asthma ou puxado?”
(A P rovín cia n. 3 de 1917). Puxado á sustancia: Com força,
violentam ente; com enthusiasmo, fervor, intrepidez. “ Após o
passeio a negrada do club entrará num adubado e perereca
b aile puxado á sustancia.” (Jornal do R ecife n. 52 de 1914).
Puxador — Pequepa peça de madeira, vid ro ou metal, de
feitios variados, assente á face exterior das gavetas ou gave­
tões, para puxando-os, abri-los.
Puxar — H erdar as qualidades ou certos predicados de
seus paes ou antepassados. O João é muito carola; nisto puxou
ao pae. Puxar a braza p’r sua sardinha, cuidar só dos seus
interesses, das suas conveniências. Puxar com a trouxa, partir,
ir embora, m orrer. “ Quando o padre tirar A capa rôxa, Podem
todos puxar Sua trouxa.” (D a chula O meu en terro). “ O filh o
não lhe faltou com cousa alguma, mas o pobre velho lá foi
puxando á trouxa. (A lb erto Bessa). Puxar pelos cordões da
bolça; gastar, despender, pagar.
Puxavante — Amasia, concubina, em perrada; empuxão; pu­
xar com força, com violên cia; D ar uin puxavante.
Puxo — i Dar um puxo: acto de generosidade, cousa de im ­
portância, acção m eritória praticada p or um individuo conhe-
cidamente sovina, mesquinho, imprestável. “ O vigá rio deu um
puxo concorrendo com 5001000 para as obras da m atriz.” “ Oh!
meu Deus! que T ro v ã o ! Rabudinho papeluxo, Para a epocha
do progresso E ’ cousa de grande puxo.” (O T ro vã o n. 3 de
1858).
Pyram idal — Grande, enorme, notável. “ V iv a ! viva o car­
n a v a l! Que o nó da graça désata Num frevo pyram idal! (A P i­
menta n. 10 de 1914). “ Uma cousa nunca vista! P iram id al!
Supimpa.” (Jornal Pequeno n. 32 de 1916).

648
Q
Quadro — O mesmo que cortiço. “ Continua no quadro do
O liveira o progresso da safadeza” . (A Pimenta n. 389 de 1905).
“ A inspectoria de hygiene precisa lançar as suas vistas para
um quadro existente na rua Augusta” . (A Provín cia n. 127 de
1914).
Quandú — Pequeno m am ifero da ordem dos roedores (S y-
metheres prehensilis, C u vier), cujo corpo é coberto de com pri­
dos espinhos de agudas pontas de envolta com o pêlo. “ Cas­
ta de ouriço, da feição dos de Portugal, de que os indios se a-
proveitam para o seu m antim ento” . (D iálogos das grandezas
do B rasil). “ E ’ o quandú dos indios o ouriço cacheiro dos por-
tuguezes, ou ainda porco-espinho, como tambem é vulgarm en­
te conhecido” . (M a rcgra vi) Cabello de quandú, diz-se do espe­
cado, grosso, duro, indomável. Quandú é um term o de origem
tupi.
Quarador — Lugar onde se expòe a roupa ao sol para
quarar, isto é, para corar, depois de ensaboada, lavada. “ Na
Bahia não se usa Mais roupa no quaradô, P o r cousa da tropa
luzitana, Olho viu e mão andou” . (D a chula Estava em Fóra
de Portas). “ A Helena da rua da Cadeia tem o péssimo cos­
tume de fazer da varanda do seu pardieiro quarador de rou­
pa, cahindo as bolhas de sabão em cima dos transeuntes” . (A
Pim enta n. C3G de 1908).
Quaresma — M entiroso, potoqueiro, contador de historias
da onça. “ Então Vmc. assim tão feio é até m entiroso? Sim,
senhor, sou tanto, que até alguns me chamam Miguel Quares­
m a” . (Lanterna Magica n. 25 de 1882). “ Neste caso, contan­
do-nos assim uma historia inverosim el, é um potoqueiro, uin

649
Quaresma” . (O P ovo n. 1 de 1897). “ F o i ao R io e voltou m ajor
do batalhão do Quaresma” . (A Pim enta n. 24 de 1901). Escre­
vendo o periodico illustrado a Lanterna Magica no seu n. 163
de 1886 um curioso artigo sobre os nossos Mentirosos, divide-
os em tres grupos, antigos, medios e contemporâneos, dizendo
quanto ao segundo: “ O patriarcha deste grupo fo i o fam igera­
do m ajor Quaresma, de grande força, apezar de ter aguentado
mutos peccados alh eios.. . Fogo de cruzeta, Duas cobras se
engulindo, e outras muitas historias, são obras immorredouras
do im m ortal Quaresma” . A fama do Quaresma, porem, vinha
de longe, e já em 1857 dizia o periodico, O Povo, no seu n. 19
“ O M ajor Quaresma, tem liberdade para m entir desde que teve
uso de razão, sendo assim de todos zombado, escarnecido e ri-
dicularisado” . Ainda alcançamos o M ajor José Thom az de Cam­
pos Quaresma, como assim se chamava o tradicional contador
de historias da onça, e o conhecemos mesmo, na nossa m ocida­
de, já velho e alquebrado, porem mesmo assim, no assiduo de­
sempenho de um lugar subalterno que tinha na repartição da
Alfandega.
Quaretinga — A rvore de bôa madeira, de appliçações d i­
versas.
Quartáo — Estudante do quarto anno dos cursos superio­
res; cavallo cargueiro, não de marca, de estatura meiã, corpulen­
to .(M o ra es); mulher bonitona, alentada, nedia, vistosa. “ Aquel-
la viuva não é mais uma viuva só; é uma e meia, ou uma que
vale p or duas. Um quartáo de prim eiríssim a ordem ” . (A Pim en­
ta n. 491 de 1906). Concurrentemente, quartáo de pobre. “ Que
pernas! que braços! que rostinho! Um verdadeiro quartáo de
p o b re !” . (Idem , n. 530 de 1907). Quartáo m eleiro: ordinário, de
carga, de carregar mel, porem forte no trabalho. Tem tambem
o nom e de quartáo de pobre. “ A mulher do pobre devia sêr
como o quartáo delle, forte e manteúda” . (R odolph o Theo-
philo.
Quarteirão — Divisão regional dos districtos policiaes de
sub-delegacias, comprehendendo uma rua, ou quarteirão, po­
liciada p or um inspector, subordinado ao respectivo sub-dele-
gado. “ Carangueijo é doutor, O siri é capitão; Aratú por ser
pequeno, Inspector de quarteirão” . (T ro va s populares). “ O
Dom Quixote brigão Tom ará a vara honrosa De In spector de
quarteirão” . (D ia rio de Pernambuco n. 149 de 1916).
Quartinha — Especie de bilha de barro, de modelos varios

650
para conter e refrescar a agua: Uma quartinha d’agua. “ Em
um dos balanços da rede vai de encontro a uma mesa, virá-a
de pernas para o ar, fazendo em cacos quartinhas, copos e uma
manga de v id ro ” . (O Carapuceiro n. 41 de 1837). “ Um collo a-
labastrino côr de barro das quartinhas da Bahia” . (O Diabo a
quatro n. 34 de 1876). “ Quartinha é copo de b arro” . (A Pimenta
n. 3 de 1902). Da Bahia nem as quartinhas (D ictado popular).
O termo é peculiarmente regional, dim inutivo de quarta, bilha,
cantaro, vaso de barro p roprio para conter liquidos, vocábulo
vernáculo, e assim m odificado, entre nós, vem já de muito lon ­
ge, uma vez que num documento o ffic ia l de 1746 encontramos
entre, os nossos productos de exportação, as quartinhas de bar­
ro de Ipojuca; e assfm, entre os artigos expostos á venda em
uma loja á Rua do Queimado Decima 6, constantes do com­
petente annuncio publicado n'Q Cruzeiro n. 134 de 1829, f i ­
guravam quartinhas e resfriadeiras. Nenhum dos nossos lexi-
cons registra o termo. D erivado: Quartinheira. M ovei de m a­
deira apropriado á collocação de quartinhas ou copos de barro.
Quarto — Nas locuções: Cahir de quarto; render-se, sub-
metter-se, avacalhar-se, chocar. Dar um quarto ao diabo; fazer
tudo para conseguir a satisfação de um desejo. Fazer quarto;
vela r á cabeceira de um enfermo. Passar um mau quarto de
hora; m ortificado, torturado, afflicto, encominodado, p or uma
circumstancia qualquer ein dado momento. “ Já uma vez fizeram
V. Exc. passar um mau quarto de hora” . (Jornal do R ecife n.
213 de 1917). Esta locução vem de muito longe, e é talvez, de
origem franceza. Rabelais, escriptor quinhentista, já fallava
nesse máu quarto de hora. Quartos baixos; os in feriores de
uma vivenda, occupados pela criadagem. Aquelle sugeito é de
obscura origem : vem dos quartos baixos da casa tal. Quarto
de m a«é; certa phase no flu xo das marés.“ Lua nova, lua pos­
ta, Quarto de maré na costa” . (Proloqu ios populares sobre a
lua). T ira r um filh o dos quartos. Dèxpressões obvias.
Quati — M am ifero carniceiro de duas especies: Quati-mon-
dé (Nasua solitaria, N ie n w ), e o Quati de bando, de vida so­
cial (Nasua socialis, idem ). O autor dos Diálogos das grande­
zas do Brasil regislra já o animal com o nome de coaty, bom
para comer. Alem daquellas duas especies encontramos mais
uma, o Quati-mirim, que Beaurepaire Rohan registra como v u l­
gar em Pernambuco. Ajudante ou empregado de despachante d ’
Alfandega. “ O S ilveira gaba-se de ser despachante da A lfân d e­
ga, quando todo o mundo sabe que elle não passa de um quaty” .
(A Pimenta n. 86 de 1902). Quatis me lambam, se eu fize r isto
ou aquillo; Se eu não sou tão ligeiro, os quatis me lambiam.
(Phrases populares de expressões obvias). Quati é um term o
tupi. Gonçalves Dias escreve Cuati ou quatim, e diz que a pala­
vra “ vem de cuá, cintura, e tim, naris; chamando-se assim este
animal p or dorm ir com o naris na cintura. Dorm e nas arvores,
como os macacos; mas em sendo dia, desce a caçar. Sustentam-
se de animalejos, minhocas, cobras, ainda que sejam venenosas,
e até de jabotins, comendo-lhes pés e mãos, té onde lhes che­
ga o focin h o” . Entre nós porem, é sabido, que o quati é gran­
de comedor de formigas. Encontramos tambem, sobre a ety­
m ologia do vocábulo, que vem de quá-ty, focinho m olle; mas
Theodoro Sampaio diz que é corruptela de quá-ty, riscado, pun-
çado, ou o lanhado, o que traz riscas, ou sulcos.
Quatro e oito — O condemnado pelo crim e de furto de
cavallo, na giria dos presidiários de Fernando de Noronha, em
allusão ao maximo da pena a que eram condemnados.
Quebra — O que se dá á mais no peso, medida ou quanti­
dade de uma cousa que se vende ou que se dá “ Dá cá um bei­
jo ! Tom a! E mais um de quebra” . (A rth u r A zeved o ). “ Na ven­
da de côcos no Recife, os compradores exigem dous côcos,
quebra p or cada cento ven d ido” . (Jornal do R ecife n. 319
de 1916). Vantagem que se dá aos thesoureiros, caixas ou pa­
gadores á mais do seus vencimentos pelos prejuizos p ro ven i­
entes da falta de moeda de pequenos valores nos seus recebi­
mentos ou pagamentos. “ Ao thesoureiro do sello dos papeis se
abonará annualmente a quantia de 240$000 rs. a titulo de gra­
tificação para quebras” . (L e i P ro vin cia l n. 50 de 17 de Junho
de 1837). Vantagem que se dá no peso de certos mercadorias
que tendem a decrescer, quebrar o peso, para não prejudicar
o comprador. Quebrar a espiga do m ilho e deixal-a a seccar
para depois fazer-se a colheita: a quebra do m ilho; o m ilho já
está de vez para a quebra. “ O m ilho quando maduro é quebrado
na própria haste, e lá fica pendido, exposto aos raios do s o l” .
(Gustavo B arroso).
Quebra-calçadas — Passeante vadio, ocioso; namorado im­
pertinente. “ Meninas, tomai ju izo! Cuidado com esses quebra-
calçadas! (O Barco dos Traficantes n. 32 de 1858). “ Anda na
moda e quebrando calçadas para fazer cortezia ás namoradas” .
(A Pimenta n. 84 de 1902). “ Chama-se quebra-calçadas o coió
impertinente, quando se lim ita a gastal-as com o sollado dos
seus sapatos, pra bispar o rosto da namorada” . (A Lanceta n.

652
166 de 1913). Phrases derivadas: Quebrar as calçadas; Andar
quebrando as calçadas.
Quebradeira — Sem dinheiro, apitando, na pindahyba, na
estica. “ A quebradeira é peior que a peste negra, mais que a
morte verd ad eira” . (Lanterna Magica n. 443 de 1894). “ Já qne
sabes agora toda a verdade, dá-me, pois, p or caridade, um
geito p ’ra a quebradeira” . ( A Pimenta n. 53 de 1902). “ A vida
inteira, De nada vai Quando se está Na quebradeira” . (Jornal
do R ecife n. 100 de 1914).
Quebrado — Em quebradeira. “ Tenho um prim o quebra­
do ás direitas, victim a de atroz quebradeira, e demais, quebra­
deira na b o lç a ... Só da pia elle trouxe Ventura” . (O Binoculo
n. 33 de 1882). “ Quando todos se confundem na alegria pra­
zenteira, diz o quebrado com sigo: que qu ebradeira!” . (L a n ter­
na Magica n. 443 de 1894).
Quebrados — Fracções da unidade de m il réis, para satis­
fazer as quaes, em uma conta de pagamento, não ha moeda d i­
visionária de pequenos valores. Vem dahi, para compensar os
prejuízos que podem advir aos thesoureiros, caixas ou paga­
dores, dar-se-lhes a mais dos seus vencimentos uma certa quan­
tia para quebras.
Quebra-Kilos — Revoltosos contra o systema decimal de
pesos e medidas. Adoptado no paiz pela L e i n. 1157 de 26 de
Junho de 1862, somente annos depois é que o governo man­
dou p ôr em execução o novo systema á partir do dia 1 de Ju­
lho de 1873. Surgiu então seria opposição nas feiras de certos
m unicipios do interior, em fins de 1874, destruindo os sedicio­
sos amotinados as medidas do novo padrão, e dando fim aos
pesos; e oppondo-se ao pagamento dos impostos, avançavam á
destruir e incendiar os archívos das camaras municipaes, col-
lectorias e cartorios. Alastrando-se o movimento, e chegando
mesmo á certos municipios dos visinhos estados de Alagoas,
Parahyba e R io Grande do Norte, tiveram , em fim , de ceder os
amotinados, em sua m aior parte criminosos e turbulentos, que
sob tal pretexto commettiam toda a sorte de crimes e damnos,
graças a acção energica do governo com o emprego da força
publica erri todos os centros de agitação. O m ovimento, chama­
do R evolta dos Quebra-Kilos, já estava suffocado em meiados
de 1875, mas causou grandes prejuizos; e a própria capital
mesmo não ficaria immune se á tempo não se providenciasse
como o caso urgia. “ Toca, toca, minha gente, Toca, toca a reu­
nir Que os matutos quebra-kilos P o r ahi não tardam v ir ” .
(A m erica Illustrada, 1874). O qu alificativo de quebra-kilos tor-
mou-se então popularisso; appareceram musicas, canções e ci­
garros assim chamados, e até mesmo “ ó que era antigamente
defluxo é hoje quebra-kilos” . (Idem , 1875) ficou porem, e já
não muito vulgar, como synonimo de valentão, destemido, au­
daz. “ Outro tambem virá, dunga de fama, tentunqué, quebra-
kilos encourado” . (Idem , n. 11 de 1877).
Quebra-mangue — Pernás tortas: Pernas de quebra-man-
gue.
Quebra-queixo — Charuto ordinário. “ Quantas vezes o
m iserável em seu anciar não mette na bocca o fogo, e não a
ponta do m agro charuto quebra-queixo?” ( Telegrapho n. 9
de 1850). “ A* falta de um havana, esfalfavam os os pulmões na
vã tentativa de conseguir uma fumaça de um verdadeiro que-
bra-iqueixo” . (O Diabo a quatro n. 55 de 1876). “ Estou fumân-
do, moralmente, já se entende; não que não possua vintem para
com prar um quebra-queixo sequer” . (O Tam oyo n. 24 de 1892).
Quebrar — Usar commumente de certos objectos particu­
larmente referentes ao vistuario: O homem só quebra cartola e
botinas de verniz. “ Faz dó vel-o enfronhado num frak vetera­
no, do tempo em que a Bôa Vista era mangue, e quebrando
uma jaca da mesma idade” . (M ephistopheles n. 26 de 1882).
Toque de viola ou guitarra. “ Quando qu eb ra'a viola, ropca al-
li a suvacada” . (A m erica Illustrada n. 12 de 1878). Andar,
caminhar, seguir para um dado ponto. “ Tom o o prim eiro bond
de H erval e quebro para o castello afim de apertar a b oia”
(A Pimenta n. 45 de 1902). Quebrar as calçadas: O mesmo que
encher as ruas de pernas. “ Ainda continuam os coiós a que­
brar as calçadas dos Quatro Cantos, na Capunga” . (Idem , n.
14 de 1901). Quebrar a castanha: Humilhar, submetter, abater.
Quebrar as pernas: Andar muito, ir constantemente vér, p ro ­
curar falar com alguem. Quebrar o bçco: Desviar-se, cortar
caminho: O sugeito quando avistou o cadaver ao longe, que­
brou ò beco, e foi-se. Quebrar o corpo: Negar-se a um pedido;
desviar-se; fugir, desapparecer, por-se ao fresco.
Quecé ou quicé — Faca pequena, com ponta e cabo, ou
sem uma e outra cousa, proveniente das de mesa, gastas pelo
uso, ou partidas ao meio. “ Faca sem ponta é quicé” . (D e uns
versos populares). “ Faca sem cabo é quicé” . (A Pimenta n.
72 de 1902). “ Está você gosmando; pensa que estou disposto
a aguentar catinga de bocca? Saia fóra, e vamos vadiar na
quicé” . (Idem , n. 405 de 1906). Vocábulo de origem tupi, vem

654
de Kicé, a faca, lamina cortante, o instrumento que córta, co­
mo assim chamavaln os indios ás suas facas feitas de taquara,
e dahi, depois da conquista dos portuguezes, as denominações
particulares entre elles, itakicé, faca; Kicéapára, foice; e K i-
ceguassú, facão.
Quedaço — Queda desastrosa: Dar um quedaço.
Queda de braço — Lucta de força muscular entre dous in-
dividuos, que, unidos pelas mãos e fixando os cotovellos sobre
uma superficie plana, esforçam-se por abater o ante-braço, um
do outro, ficando vencedor o que isto conseguir. Quando um
dos luctadores se julga superior em forças, o fferece ao outro
o partido de mão e cambão, isto é, refo rçar o ante-braço d irei­
to com a mão esquerda, ficando elle sem esta vantagem. “ A
queda de braço tem graça justamente quando os luctadores m e­
dem forças ig u a e s... Francisco era apontado em todos os ran­
chos, desde Goyanna até o Recife, como o p rim eiro pegador
de queda de braço daquellas alturas” . (F ra n k lin T a v o ra ). Des­
crevendo este escriptor uma destas pugnas no seu romance O
Matuto e constituindo o seu assumpto factos occorridos entre
nós pelos annos de 1710, diz, que a queda de braço era já nesse
tempo em grande uso entre os alm ocreves do norte.
Queijáda — Especie de rapadura de assucar branco com
erva-doce, em form a de pequenos discos; doce de côco com
ovos, em pequenos vasos de massa de farinha de trigo, c ir­
culares e de pouca altura, e depois cozido ao forno, e p o lv i­
lhado de canella.
Queijo — Coalha, de mochila, e do sertão. Comer queijo,
acalcanhar o calçado; Comer casca de queijo, diz-se de quem
a come, se esquece do que faz e do que diz; P artir o queijo no
céo, m orrer os casados em reciproca fidelidade conjugal.
Queima — Festa do ultimo dia do folguedo popular dos
presepios ou pastoris, terminando com a queima da folhagem
secca da lapinha. “ A nota final das representações pastoris é
o queima: a latada, que form a a. gruta e a biblica Belem, é des­
manchada; e as pastoras levam feixinhos de garavetos para
fazerem uma fogueira, que logo arde” . (R odrigu es de Carva­
lh o ). “ N o queima da lapinha fechou-se o tempo e trovejou o
pau” . (O Diabo a quatro n. 34 de 1874). “ Quem menos gostou
do queima fo i o Fenelon, um dos influentes do cordão encar­
nado” . (A m erica Illustrada, 1875).
Queimada — A queima da vegetação ou capoeiras para a
lim pa dos terrenos destinados aos roçados de lavoura. “ Os

655
sitios eram simples queimadas, form ando clareiras nessas gran­
des mattas, onde se fazia a plantação de mandioca, m ilho e
fe ijã o ” . (Irin e o J o ffily ). “ Da tristeza daquella queimada em er­
giam pontos verdes onde o gado esbofado pela soalheira se re ­
colhia e malhava até que abrandasse -a canicula” . (R odolph o
T h eoph ilo).
Queimar — Vender pelo barato, por qualquer p reço; gas­
tar dinheiro á larga; fazer fogo, fe rir com arma de fogo. Quei­
ma! Queimou o cabra!
Queiro — Os dentes do siso, os dous últimos queixaes que
rompem, geralmente, na idade v ir il: Nascer os dentes queirós.
Moraes registra o termo e manda vêr queixeiro, que d efin e:
Dente queixeiro, o do siso.
Queiroz — Pato, tolo, explorado; pagador das tropas; o que
paga d’ra nós. “ Andar em troças, no tom, ter namoradas, visitar
estrellas, ser querido delias, e não ser Queiroz, nisto é que
está a arte” . (A Pimenta n. 17 de 1902). “ H oje temos forrobodó
gostosa_ feijoada, e o Queiroz é W alfrid o, que paga p’ ra nós” .
(Idem , n. 71). “ Então, paga o augmento do gaz? Ora, ora, meu
Zé; eu pago ao inglez, mas tu me pagas depois porque és o meu
Q ueiroz” . (Lanterna Magica n. 778 de 1904). A dicção vem da
nevista dramatica fluminense, Pontos nos ii, de Vicente Reis e
Francisco M oreira Sampaio, representada entre nós pelos an­
nos de 1896, na qual apparece o typo do Queiroz, então criado.
Quenga — O endocarpo do fructo do coqueiro (Cocus nuci-
fera, L in n .), duro, osseo, que reveste a amêndoa, e que serrado
ao meio, ou um pouco ácima, despresando-se assim a parte su­
p erior em que ficam os tres o rificios chamados olhos, é appro-
veitado para alguns objectos de uso domestico, como côco para
beber agua, quengo para tirar caldo, e uma especie de tijella
ou cuia, chamada quenga, que Moraes defin e: “ Uma vasilha
feita da metade da casca dura de um côco já lim po do m iolo,
na qual comem os criolinhos do Brasil nas fazendas e planta­
ções, e serve de m edir a tamina de cada comida ou diaria; v. g.
Uma quenga de farinha, feijão, fubá, etc.” . “ Ao corpo osseo
que reveste a amêndoa do côco chamam vulgarmente quenga” .
(Alm eida P in to ). “ Côco raspado é quenga” . (O A lfin ete n. 10
de 1890). A quenga do côco é um bom combustível. Mulher
feia, repellente; um canhão. “ Cara de gallinha que deu o san­
gue é ella, quenga desavergonhada” . (A Pimenta n. 536 de
1907). C a D ã o de quenga: Individuo m olle, timido, fraco, mofino.

656
Quengá, segundo S ylvio Rom ero, é um vocábulo de origem a-
fricana.
Quengo — Especie de vaso feito da quenga ou metade do
endocarpo do côco, com cabo de pau, para uso culinário. E ’
esse porem o quengo antigo, já pouco usado na cidade pela
com petência do de metal branco ou de agata, de igual feitio.
“ Quero saber porque deixaste o quengo quebrar. (A m erica
Illustrada n. 23 de 1878). “ Um quengo de mel de furo é me­
lh or que mel de abelhák” . (A Pim enta n. 23 de 1902). “ O cas­
co da cabeça do negro, liza como um quengo” . (José de Alen­
ca r). A cabeça. “ Sinto o quengo andar a roda, e todo o corpo
a trem er” . (Idem , n. 35). “ O nosso heróe é um quengo de jui-
zo. (Lan tern a Magica n. 729 de 1903). “ O bicho tem o quengo
duro! Quando o cacete se quebrou, elle se fez na pistola” . (P e r ­
nambuco n. 275 de 1913). Quebrar o quengo. O mesmo que que­
brar a cabeça. “ Mais uma vez fica provado que no quebra
quengo, existem charadistas que sabem ser. (A Lanceta n. 121
de 1913). Sujeito fino, sabidorio, estradeiro. “ Tu és menino
de quengo! Tu ganhaste e eu p erd i” . (Lanterna Magica n. 582
de 1898). “ Não accusem de beocio a um quengo de finissim o
quilate” . (Jornal do R ecife n. 273 de 1912). “ Clodoaldo é ca­
boclo de tino, é muito quengo para se deixar illu d ir” . (P e r ­
nambuco n. 173 de 1913). “ Eil-os alii! Honrados, integerrimos,
Quengos plebeos e quengos de alta roda. Cada um que seja
mais correcto e solido. Ser quengo é tudo, onde a quengada é
m oda” . (A Pimenta n. 48 de 1912). Em 1903 fo i publicado o n.
unico de um jornaléco sob o titíilo, O Quengo. D erivados:
Quengadã. “ Merecem reparo as quengadas de certo bicheiro
lord, que quer passar p or h onrado” . (A P eia n. 4 de 1903). “ Não
convem pela festa uma quengada do Club da L o r o t a ... Um
quengo, mesmo com geito, Para arranjar o arame, Quengadas
dâ sem p ro veito ” . ( A Pim enta n. 29 de 1901). Quengar. “ Sou
eSpeíto, sou ladino; na con fraria do quengo, p or ser eu o
superfino tenho o prim eiro lugar, pois sou capaz de quengar
o velho, o moço, o menino^’ . (Idem , n. 55 de 1902). “ O T erto
maltrata os frequentadores do pastoril, e cobra duas vezes as
entradas, querendo assim quengar o C am illo” . (Idem , n. 84).
Quengueiro. “ O Laurentino trabalhará na corda bamba, tendo
p or palhaço o immenso quengueiro José de F reitas” . (Idem ,
n. 28 de 1901). Quengologia. “ O quengo não se deve m etter
para o lado daquelles que se não conform am com o peso da
quengologia” . (Idem , n. 500 de 1906). “ N o prin cipio era o

657
chaos e só o Quengo existia em essen cia ... Depois, Quengo
imaginou alguma cousa á sua semelhança, e creou o Lyra,
que antes de ser já e r a . .. L ogo appareceu as supposições de
quengadas, visto que o publico já está mais ou menos des­
confiado das novidades apparecidas desde o Genisis da Quen-
go lo gia ” . ( Lanterna Magica n. 811 de 1905). A quengologia
é uma sciencia nova, porem já bastante adiantada. A um dos
nossos homens mais versados nesta moderna e cultivada sci­
encia, deu-sc-lhe o expressivo qu alificativo de Quengo-mór,
com o que aliás, não se agastava; e ao contrario, offerecen-
do-lhe alguns de seu amigos e admiradores, p or simples tro ­
ça, talvez, um quenginho de ouro, chegou mesmo a usal-o co­
mo berloque na cadeia do relo gio !
Quetiliquê — Cousa d iffic il, trabalhosa; delicada, fina,
de esmero; que tem os seus quês e os seus porens. Uma peça
de musica de d iffic il execução, p or exemplo, tem o seu que­
tiliqu ê; não é para todos. Quetiliquê vem do vetusto termo
chulo cutiliquê, empregado para designar gente de im portân­
cia, como ainda hoje é assim corrente na Bahia, e consoan-
temente com a locução portugueza Gente de cutiliquê, e já
vulgar no tempo de D. Francisco Manoel, que escreve; “ Es-
candalisaram-se muito os repolhos por ser gente (diziam el-
les) de cutiliquê” . Simões da Fonseca registra Quotiliquié,
chulo actual portuguez, definindo: Pessôa ou cousa im por­
tante.
Quibêbe — Especie de papa um tanto grossa, feita da
cucurbitacea girimun, reduzido a massa, e cozida depois com
agua de leite de côco, e convenientemente temperada. “ E’
quibêbe apimentado Pelas maosinhas de am or” . (D a chula
“ Do Brasil a mulatinha” ). “ E xcellente quibêbe ha com fa r­
tura. “ Mim quibêbe não quer; mim quer quicom e” . (Barbqza
Vianna).
Quiéto — Penitenciaria, na giria dos presidiários de F e r­
nando de N oronha: Estar no quieto.
Quilelê — Enredo, m exerico, intriga: Fazer, tecer estar
mettido num quilelê. A dicção é evidentemente de origem a-
fricana.
Quilombo — Habitação clandestina nas mattas e desertos
que servia de refugio a escravos fugidos. (Beaurepaire R o­
han). “ Prom ette extinguir alguns mocambos ou quilombos
nestes sertões, mandando captivar e vender os negros que

658
encontrar” . (Condições ajustadas em 1687 para a conquista
e destruição do Quilombo dos Palm ares). Modernamente, en­
tre nós, tem o termo quilombo a accepção de espelunca, b or­
del, como em algumas republicas platinas e do P a c ifiç o : P o ­
bre m oço! mettido em quilombos com gente da peior especie.
D erivado: Q uilom bola; escravo fugido dom iciliado em qui­
lombo. “ Pela sua m aior parte, a gente de Vicente de Paula
compunha-se de quilombolas, ou escravos fugidos” . (D e um
documento o ffic ia l da epocha). “ Destruidos os quilombos e
quilombolas, gosou-se de segurança individual e de p roprie­
dade” . (O Brado do P ovo n. 80 de 1855). Ambos os termos
são de origem africana; os indios tupis, porem, tinham cor­
respondentemente a quilombola o vocábulo cahembora.
Quilotádo — Pratico, amestrado, perito, insensível, in-
differehte, de sentimento embotado. “ Está já muito quilota-
d o ” . (Am erica Illustrada, 1871). “ T ão degenerada acha-se a
tua consciência, ou antes, tão quilotádo já estás, que a nada
tens attendido” . (Lanterna Magica n. 80 de 1884). “ A Marocas
está tão quilotada nas linhas de mestre Carlos do Catimbó
de Afogados, que quando anda pelas ruas é cantando: Mes­
tre Carlos é bom mestre, sabe lêr sem se assignar” . (APim enta
n. 557 de 1907).
Quilotar — Reduzir á côr preta pelo uso constante de fu­
mar, uma ponteira, piteira, cigarreira, charuteira ou cachim­
bo, feitos de certa massa branca preparada com gesso, a que
dão o nome de espuma. — Um cachimbo quilotádo.
Quimanga — O mesmo que coité, cumbuca ou cuiambuca.
Na linha de recifes que corre em frente ao littoral de Seri-
nhãem ha uma abertura chamada Barreta das Quimangas,
de que se occupa Victal de O liveira. Term o de origem tupi,
é corruptela de qui-mong, espinho pegajoso, ou viscoso. ( A l­
fredo de Carvalho).
Quimbêmbe — Casinha pobre, humilde, toscamente ar­
ranjada; choça, cabana, em lugares desviados, eím os, insalu­
bres: M orar num quimbêmbe.
Quinbebés — Cacarecos, troços, trastes velhos, ordinários,
em máo estado.
Quina — O mesmo qué bozó. “ E ’ o quina o jogo da moda,
Um copo e cinco dados são bastantes para faze-lo fu n cc io n a r...
Os que perdem são obrigados a pagar a ceia ou outra cousa
mais m odesta” . (Jornal Pequeno n. 99 de 1916).
Q uinfannista — Estudante do quinto anno dos cursos su­
periores de letras: Quint’annista de D ireito, de Medicina, etc.
Quiri — Bastão, bengala, cacete de desordeiro; tunda, ba-
balú: Metter-se em quiri. “ Com um rancho de cacetistas, onde
encontrava venda aberta ia encostando o qu iri” . (O Arara n.
5 de 1845). “ Se ninguém fala nesses escandalos, é porque se
o fize r vai para o q u iri” . (D ia rio de Pernambuco n. 35 de 1916).
“ Vv. Excs. não estarão isentas de bordoada applicada com o
quiri de leite das mattas pernambucanas” . (Jornal do R ecife
n. 161 de 1916). O term o vem de uma leguminosa da nossa flo ­
ra assim vulgarmente chamada, e conhecida em outros lugares
por F rei Jorge ou p or Q uiriquiri, de madeira muito compacta,
rija, pesada e resistente; de uma alvura parecida com o m ar­
fim , bôa de polir-se, e de grande duração, sobretudo p or ser
respeitada do cupim. Vem dahi o seu aproveitam ento para aquel-
le mister, simplesmente descascada e polida, ou queimada com
certa arte, de modo que ao ser envernizada depois apresenta
uma côr bellissima, a semelhança da tartaruga. Esse particu­
lar aproveitam ento do quiri, uma vez que tem outros, como
para obras de tornearia, vem já de muito longe; e é assim, que
Leonardo Bezerra, homem de temperamento exaltado e um dos
complicados no m ovimento de 1710, a Guerra dos Mascates, re ­
cobrando a sua liberdade depois de treze annos de m artyrios
no degredo, e fixando-se na Bahia p or não lhe ser perm ittido
voltar para Pernambuco, escrevia aos amigos e conterrâneos,
como narra Muniz Tavares: “ Não corteis um só quiri das mat
tas; tratai de poupal-os para em tempo opportuno quebrarem-
se nas costas dos m arinheiros” . Quiri é um termo de origem
tupi.
Quitaca — Phosphoros, na giria dos gatunos.
Quitanda — Casa de vender fructas, hortalliças, louça dé
barro, aves, ovos, côcos, aguardente, lenha, carvão, pão, b ola­
cha, etc. “ Uma casa de quitanda. Pratileiras com legumes, pen­
cas de bananas, aboboras, etc.” . (A Pimenta n. 643 de 1908).
“ A Camara Municipal vai abrir quitanda para vender farin h a” .
(O Diabo a quatro n. 129 de 1877). D erivados: Quitandeiro,
quitandeira, dono de quitanda, vendedor ambulante de fructas
e legumes. H. Koster fala já dos quitandeiros que em 1810 se
viam no trecho da estrada que vai do Poço da Panella para
Monteiro. “ Não menos de 6.000 casas de com m ercio se acahm
em Pernambuco, e todas ellas de estrangeiros, assim logistas,
quitandeiros, taberneiros, etc” . (O Regenerador B razileiro n.

660
3 de 1844). “ O Sr. Manoel de Souza desempenhou satisfacto-
riamente o papel de quitandeira da rib eira do p e ix é ” '. (O
Capibaribe n. 25 de 1848). “ As quitandeiras enchem as ruas
de cascas de fructas fazendo a gente cah ir” . (A m erica íllustra-
da n. 29 de 1883). “ As quitandeiras com os balaios á cabeça,
trajadas com muita graça e entoando chistosos cânticos, de­
ram o que fa la r” . (Pernam buco n. 53 de 1914). Quitanda, vem
do termo bundo-angolense Kitanda, feira, praça, loja ordinaria,
segundo Connecatim, e de vóga entre nós, desde muito in tro­
duzido pelos africanos; e registradamente, o encontramos, a-
caso pela p rim eira vez, nas Constituições prim eiras do arcebis­
pado da Bahia, promulgadas em 1707, prohibindo a venda de
carne no tempo da quaresma nos açougues, praças, ruas ou
quitandas. (L iv r o segundo. Tit. X X n.° 412. Blutteau não regis­
tra o termo no seu Vocabulário, e nem tão pouco Moraes; e
se figura na quinta edição do seu D iccionario (1844) é porque
fo i incluido pelo respectivo encarregado o Dr. Damaso M ontei­
ro, como se vê do competente signal indicativo dos vocábulos
accrescentados, citando o Glossário dos vocábulos portuguezes
derivados das linguas orientaes, de Fr. Francisco de S. Luiz,
contemporaneamente vulgarisado.
Quituche — Crime, na giria dos gatunos.
Quitute — Guizado, comida delicada, saborosa, bem feita c
appetitosa; um petisco supimpa, desses de lamber os beiços.
“ Mulheres, se quereis que um raio não vos fulmine, cumpri o
vosso dever: enviai ao sacerdote os vossos quitutes e a vossa
pinga, e trazei-me as pequenas á confissão.” (O D iabo a quatro
n. 39 de 1876). “ O meu quitute sabe excitar, Com pimentinhas
o paladar” . (A Pimenta n. 643 de 1908). “ Entre as iguarias da
cosinha portugueza appareciam os nossos quitutes brasileiros” .
(José de A len car). Derivados Quituteira, mulher que tem mãos
para preparúr um quitute. “ A Quiteria é velha, encolhida, a-
marrotada, porem saibam que é fina quituteira” . (L ig a Opera­
ria n. 5 de 1877). “ A mucama dos engenhos constituía o typo
interm edio da graça, da brejeirice, do catitismo, ao lado da
preta quituteira e da sinhá m oça” . (A rarip e Junior). Quitute
é um termo de origem africana.
Quixaba ou quixabeira — A rvore da flora sertaneja, da
fam ilia das Leguminosas, de cuja madeira, de grande resistên­
cia e por vergar muito, fazem os sertanejos as suas guidas de
tocar bois. Quixaba, segundo Theodoro Sampaio, é corruptela
de quichaba, o corte, o talho, o golpe, o que corta ou golpêa.

661
“ Sobre a margem esquerda do rio (baixo S. Fran cisco) está
a fazenda da Q uixabeira” . (Fernando H a lfe ld ).
Quixáda — Animal da ordem dos ongulados (D icotyles tor-
quatus labiatus), especie de porco do matto, ou caitetú, bravio,
aggressivo no estado selvagem, mas de facil domesticação. An­
da sempre em varas ou manadas, porem já vai rareando mui­
to pela sua constante caçada, para alimentação, cuja carne é
tão saborosa como a do porco commum (Sus domesticus).
“ Montado numa quixada, Rompe do bosque a espessura; Da
onça não teme as garras, Tendo tres palmos de altura” . (O
Curupira, legenda pernambucana). Quixada é um termo de o ri­
gem tupi, corruptela de qyichar, o que corta ou talha, segun­
do Baptista Caetano, em allusão aos terriveis dentes do animal,
consoantemente com estes versos, da citada legenda: “ O qui­
xada amola os dentes Que cortam como navalhas” . Theodoro
Sampaio, porem, escreve Quixaba, corruptela de quichaba, o
corte, o talho, o golpe, o que corta ou golpêa.

662
R

Rabada — Comida preparada com a rabadilha ou carne


da rabada do boi ou vacca. “ O cardapio do almoço compu­
nha-se de sarapatel, mão de vacca, rabada, etc.” (A Pimenta
n. 38 de 1902).
Rabecáda — Indirecta, pilhéria mordaz, picante. “ As lin ­
guas dos meninos são terriveis, e pregam rabecadas, que cau­
sam dó e com paixão.” (Sentinella da Liberdade n. 10 de 1848)
Rabecão — Carro de caridade, ou de conducção para o
cem iterio dos cadaveres de gente pobre. “ A conducção desse
bruto F o i feita num rabecão, Porque defunto ruim não m ere­
ce com paixão.” (A Pimenta n. 10 de 1908).
Rabequista — Atirado, farçola. inconveniente; afoito, pe­
rigoso mesmo: M ettido a rabequista. “ E metteu-se a rabequis­
ta Esse heróe, esse campanha. (A Pimenta n. 10 de 1914). “ A l­
fred o é sempre o pomadista, o dandy engravatado e rabequis­
ta.” (O Etna ii. 36 de 1882).
R abiar — Aperrear-se, encommodar-se, contrariar-se.
“ Quando de uma pessôa se diz, fartou-se de rabiar, é o que se
se dissesse: fartou-se de raivar, de impacientar (Gonçalves
V ian n a). De uma criança traquinas, malcreada, insupportavel,
é muito commum dizer-se: Este menino faz um christão ra ­
biar. Collear, revoltear, dar viravoltas correndo vertiginosa­
mente, agitadamente: o rabear da vacca, do buscapé, etc. O
buscapé entrou, rabiou por toda a casa e sahiu. Em, Porlugual
ha uma peça de fogo de a rtificio que tem o nome popular de
bicha de rabiar, porque, emquanto lhe dura o lume colleia
por uma e outra parte; e em uma parlenda escolar, muito vu l­

663
gar entre nós, figuram estes versos: “ Que ie faça rabiar Como
vacca no curral.
Rabiçaca — M ovim ento ou golpe ligeiro, rapido; mucica,
emtpuxão, sacudidela: D ar uma rabiçaca. “ Contentando-me por
ora com esta rabiçaca, deixo á illustração dos collaboradores
do D iario a analyse deste p rim or d’obra. CO Guarda Nacional
n. 97 de 1844).
Rabicho — Cabellos curtos, escassosj, que mal chegam
para fazer um cocó ranheta, de vintém ; rabo pequeno. Yem
daqui o nome de um boi afamado, cujas proezas, até a sua
péga narra o interessante romance pastoril d’0 Rabicho da
Geralda. Rabicho, como escreve José de Alencar sobre cou­
sas do Ceará, é um adjectivo sertanejo. Querem alguns que
signifique tanto como o clássico rabâo, o que na província
teni ainda outro synonimo, biquó. Mas pessôa do sertão me
inform a que lhe dão a lli diverso sentido, correspondente á
adjectivação do bem conhecido substantivo. Neste caso viria
a significar cauda arqueada.”
Rabo — Mazella, má reputação, certos peccados m ofem
los, chronica detestável. O nosso poeta F e rreira Barreto, em
um soneto epígrammJatico, em que, quatro macacos corpulen­
tos, de rabo cada um, qual mais com prido, dialogam sobre o
assumpto conclue com a judiciosa sentença de um delles:
“ Olhemos cada qual nosso trazeirc^, E não fale de rabo quem
tem rabo.” A phrase Rabo de palha, é poremj de origem p o r­
tugueza, e corrente com as suas próprias expressões. “ Olha a
ronda! olha a ronda! Quem tem. rabo de palha Qué se escon­
da, dizem os garotos nas suas excursões nocturnas ao lo b r i­
garem a policia. Quem tem rabo de palha não passa ao pé de
fogueira; Quem não tem rabo de palha, prega-se-lhe. Este dic-
tado, de uma perversidade sem nome, vem do aparte de um
dos nossos parlamentares em congresso. O judeu tem rabo;
Contar historias de dia faz criar rabo; Quem tem rabo não se
assenta; O rabo é ruim de esfolar; Sahir de rabo entre as
pernas; Macaco não olha para o seu rabo; Cotia tira o rabo
do caminho. (Dictados populares). Mula tlè rabo (V . m ula).
P é de rabo, as nadegas. P regar um rabo, pregar nas costas de.
alguem uma tira de pano ou de papel, simulando uma cauda,
o que em Portugal tem o nome de rabo-leva. Rabo de galo, es­
pecie de espada ou facão recurvado: “ Viam-se chuços de to­

664
dos os formatos, ferrugentos espadagões de gala e facões do
rabo de gallo recurvos como cim itarras.” (A lfre d o de Carva­
lh o ). Rabo de junco, ave do archipelago de Fernando de N o ­
ronha.
Rabo de saia — Mulher; influencia, interfereneia, p ro tec­
ção de mulher. “ O negocio em que se envolve rabo de saia á
sempre melindroso e tem seus perigos.” (O Careteiro 11. 5 de
1853). “ Jã se viu gente enfeitiçada de rabo de saia vêr nada
c la ro ? ” (U m berto C arn eiro). Rabo de olho: olhar expiessivo
de desdem ou desprezo, insultuoso mesmo, ou de modo a vêr
alguma cousa sem ser presentido (de esguelha, de soslaio),
ou de intelligencia e prevenção.
Rabudo — Abalisado, competente, p rovecto; distincto, de
mão cheia: Um poetty um advogado rabudo. “ Padre Chico e
moleque rubado.” (C aneca). “ Que bello c r it ic o !... Que es-
criptor rabu do!” (A Fada n. 3 de 1850). “ Oh! meu Deus' Que
T rovão rabudinho!” (O T rovão n. 3 de 1858).
Rachante — Filante, explorador pedinchão desfructaoor
do alheio, o mesmo que o rachador de outros tempos. “ Dos
rachadores, immoraes filantes, livrai-nos Jesus.” — (O Vapor
dos Traficantes n. 92 de 1858). “ Principiou o homem, por ba-
sofia. a dar banquetes e amiudados jantaes, enchendo a bar­
riga a gauderios e glutões rachadores.” (Idem , n. 107 de 1859).
Rachar Repartir os lucros ou vantagens de certos ne­
gocios ou arranjos; meinção, rasca. “ E chegava o cobre g o r ­
do, E ã gente o cobre rachava, Rachava para nós dois.” (J o r ­
nal do R ecife n. 228 de 1910).
Rafaméa — Gente baixa, o povilheo, arraia muida. “ Vie-
tor Hugo, escrevendo Os Miseráveis, desceu a escada que Ja-
cob sonhára e niisturou-se com a rafaméa.” (O João Fernan,
des n. 43 de 1887). “ Um director de mais energia rom peria
immediatamente com toda aquella rafaméa, sem polidez e o
m enor vislum bre de educação.” (Lanterna Magica n. 83 de
1884). “ Dos tres gatos pingados, só um botou falas á rafaméa
de Goyanna.” (Idem , n. 242 de 1888).
Rajáda — O nxesmo que rabecada: Dar, soltar uma ra ­
jada.
Rajadinha — Conhecida especie de abelha, multo vulgar.
Rancheiro — A lm ocreve ou viandante que pernoita nos
ranchos. “ De um lado do rancho estava a longa mangedora em
que os cavallos dos rancheiros passavam a noite. (F ra n k lin
T a v o ra ).
Rancho — Agasalho, hospedagem, pousada. “ Venho pedir
a vosmecê um rancho p or esta noite.” (F ra n k lin T a v o ra ).
‘ Deus vos salve, meu senhor, Dá-me um rancho por
fa v o r ? ” (O lapo de C a riri). Um dia veio um velho e
pediu-lhe rancho em casa.” (O Preguiçoso). Umas tan-
tae cousas e mais outras. “ Em grossa rhetorica f i­
zeram a apologia de Camarão, V ieira e seu rancho.”
(A Lanceta n. 13 de 1890). “ Ficam os esperando que nos man­
dem muito milho, pé de moleque e seu rancho.” (Lanterna
Magica n. 531 de 1897). “ O amigo preparou succulenta feijo a ­
da com cabeça de porco, xarque e seu rancho.” (A Pimenta n.
500 de 1906). Grandes telheiros sobre p ila res,o u esteios, s i­
tuados á margem das estradas, para pausada dos viandantes,
e descanço e ração dos animaes. “ Um rancho ou garapeira so
via a algumas dezenas de passos da p ovoação. . . O rancho era
apenas envarado até meia altura e coberto de telhas, e de um
lado estava -a longa mangedora com communicação interna
D o outro lado o alpendre mostrava-se inteiram ente livre, afim
de terem os hospedes espaço para as suas redes, que armavam
de um enchamel para o u tro . . . Em1 vez de tomarem rancho,
façam a sua pousada no matto.” (F ra n k lin T a v o ra ). “ Vende-
se ou troca-se uma casa com ranxo para almocreves, que bem
accommoda 50 cavallos, tudo de pedra e cal, no lugar Qam-
bôa do Giquiã.” (D ia rio de Pernambuco n. 160 de 1831). O
termo rancho é tambem' qonhecido no Chile, com as e xp res­
sões de barraca, choça ou habitação rústica, que, como pare­
ce a Zorobabel Rodrigues tem iguaes equivalentes na lingua
gitanesca. D erivado; Arranchar, ja registrado.

Ranheta —■ Na phrase, Cocó ranheta, para designar um


cocó pequeno, mal arranjado. Encontramos o termo como no-
níe chulo de uma mulher de baixa extracção, em alguns v e r­
sos do P olito métrico (1764), como neste, nomeadamente:
“ Ipse vel encontro queirat Ranheta sahire.”
Ranzinza — Zangado, irritado; genista, in soffrido, mal-
creado. “ Seu genio irascivel o tem feito passar por dissabo­
res. P o r ser ranzinza de mais appellidaram-no de Urucubaca.”
(D ia rio de Pernambuco n. 358 de 1915). “ O homem é até bom-
zinho; a velha é que é ranzinza.” (Jornal do R ecife n. 44 de

666
1916).“ Ranzinza, máo e m ofino, com tudo Carlito arenga.”
( A P rovin cia n. 40 de 1917).
Repa-côco — Pequeno artefato de ferro, arredondado, um
pouco concavo e com as bordas dentadas, com um cabo, ás
vezes pregado em uma taboa, e destinado a rapar o côco (c o ­
cos nucifera) para a extração do leite, de tantas applicações
culinarias e industriaes, vindo desse mister a sua denominação
“ junto do alguidar via-se um rapa-côco de ferro e alguns pra­
tos ordinários.” (F ra n k lin T a v o ra ). Marisco ou molusco,
grande, arredondado, consistente, e assim chamado por se
prestar tambem ao serviço de rapar o côco: Marisco rapa-côco.
Rapadura — Assucar mascavado ou branco, coagulado, a
que se dá ordinariam ente a form a de pequenos tijolos oblon­
gos, e destinados a adoçar o café e outras bebidas. A rapadura
é fabricada nas engenhocas do interior, limitadas ao seu pro-
ducto e ao fabrico da aguardente, e vem desde o in icio da
cultura da canna de assucar nas zonas centraes e sertanejas.
“ A rapadura, esse doce tão apreciado pelos sertanejos do N o r­
te, tornou-se em pouco tempo um dos principaes productos
dos brejo^, para adoçar o café, e misturada com o tutano do
hoi, servida como sobremesa.” (Irin e o J o ffily ). “ Fizem os p ro ­
visão de rapaduras, que são pedaços de assucar mascavado
que se apura no fogo até poder endurecer quando esfria.”
(H . koster). “ Houve certa rapadura Que durou mais de seis
mezes. üem que no dia tres vezes Soffresse uma dentadura.”
^J. B da Fonceca).
Rapagóte — Rapaz já crescido. “ O tal rapagóte é um bes­
talhão.” (O Campeão n. 182 de 1863). fem inino, raparigóta.
Rapaziada d ^ c a n e lla suja — O povo m olecório, a garota­
da. “ Rapaziada da canella suja, alerta!” (A Pimenta n. 71
de 1902).
Rapazito — O mesmo que rapazete ou rapazote, rapaz pe-_
queno, criançola. “ Um rapazito parou ã porta da bodega, e
mandou m edir contra metade de aguardente.” (F ra n k lin T a ­
vo ra ).
Rapé-mofado — Homem casado.
Rapióca — Condição, classe, meio. “ Miguel Alves travou
relação com a rapinagem de baixa rapioca.” (D ia rio dè P e r ­
nambuco n. 263 de 1916).
Rasgado — Denominação depreciativa dada aos liberaes
cu praeiros pelo grupo discidente da Praia nova, que em r e ­
presália teve a sua gente á de molambos, imposta p or aquel-
les. “ O afamado Antonio Carneiro faz-se muito popular, p o ­
rem ide a casa deste homem, perguntai a esses rasgados mes­
mo que o cercam, e sabereis com o elle trata aos filhos do p o ­
vo.” (O Camarão n. 2 de 1848).
Rasgar as baetas — Rompimento, malquerença; e concor-
rentemente, a phrase Rasgar as saias. Rasgar o capote: por a
calva á mostra. Rasgar seda: lisongear.
Rasoura — Pequena procissão em roda da igreja ou de
um percurso lim itado. As rasouras do Carmo. “ Term inada a
festa, rea'iisou-se uma rasoura no adro da m atriz.” (A P ro v ín ­
cia n. 151 de 1915).
Raspar — Passar, supportar, sentir: Raspar um susto.
Raspagaio — Vinho ordinário, zurrapa. “ Atacado do ras-
pagaio, não poude contar a cousa com certa escorrencia.” ( 0
Conservador V erm elho n. 17 de 1863). "V a i chegar o mez de
Maio para fartar-te de missas, de rçzas, do raspagaio.” (A m e­
rica Illustrada, 1874).
Rasteira — V iolento e ligeiro golpe de pé inesperadamem
te dado na perna do adversario em uma luta de capoeiras, fa ­
zendo-o cahir; Dar, passar uma rasteira. “ Qualquer sujeito,
que tenha geito, passa a rasteira com p erfeição.” (O João F e r­
nandes n. 34 de 1887). “ Breve, p ’ra ser um jornalista, basta
ser analphabeto e jogar bem a rasteira.” (Lan tern a Magica
n. 802 de 1905). “ Uns dous ou tres do plantão vieram a mim,
mas não se aprumaram, porque em dous tempos passei-lhes a
rasteira dando form idável queda.” ( A Pimenta n. 557 de 1907).
Rasteiro — Antigo engenho de fabricar assucar, m ovido
a agua, recebendo-a de um n ivel muito baixo, rasteiro, p r e c i­
sando assim que seja de um grande volume e força para con­
venientem ente trabalhar. (V . Capoeiro).
Rata — Mulher de uma extraordinaria fecundidade: Uma
rata; P arir como uma rata, consoantcmente como dizem os
chilenos: P a rir como un cui, que Zorobabel R odriguez define:
“ Conejo (C oelh o) pequeno que se assemeja a muestros rato-
nes (ratazanas ou guabirus).” “ E o mais é, que a Senhora
Domdom que assim lhe chamavam, desovou filhos como uma
rata.” (O Carapuceiro n. 25 de 1839).
Ratazana — Gatuno.
Rato — Sugeito experto, vivo, sagaz; o que tira, subtrae

668
e carrega de casa quanta cousa póde apanhar, haver ás mãos:
Ladrão como rato. “ Guabirú é rato, e rato é muito ladrão.”
(A Ratoeira n. 1 de 1847). “ D eixa de ser Arara, e fica, como
d ’antes, Rei dos ratos, nome que te im pozeram desde pequeno
pelas astuciosas ladroeiras in fa n tis. . . E ’ mais facil que o sol
esfrie, que a neve abraze, do que tú não roeres tudo quanto
ro er se possa.” (C a n eca). “ Até meu gapy, Tão bom rapazinho,
Está um ratinho, Só v iv e a furtar.” (A Carranca n. 22 de
1847). “ O magistrado que não dã as suas sentenças com justi­
ça e com razão, e vai as partes demorando por empenho e
patronato, é rato.” (O Im parcial n. 66 de 1859). Rato de co ­
qu eiro: Marsupio da ordem dos Didelphios (D idelphis cinerea,
Tem m .).
Razões da cacáracá — Frágeis, que não justificam nem
convencem. “ Razões de cacáracá sabem todos, que são razões
de nenhum valor, que não provam sufficientem ente.” (D r.
Castro L opes). Concurrentemente, Razões de cabo de esqua­
dra, Desculpas de papa-terra.
Rebendita — Proposito, acinte, pique, desforra. Sylvio
Rom ero consigna o termo com a expressão unica de rein ci­
dência; e registrando Moraes o vocábulo revindicta, com as
suas accepções próprias, conclue, que o vulgo diz rebendicta.
Term o fam iliar entre nós, com as expressões dadas vem de
Portugal, e de epocha remota, uma vez que P ereira jã o re ­
gistra; Rebendita. Pertin ax vindicta.
Rebenque — Especie de chicote de que se serve o cava­
lh eiro para de leve tocar o animal. Não tem linha de açoite,
e consta apenas de uma haste com cabo, tendo na extrem ida­
de in fe rio r uma ou duas pequenas tiras de couro pendentes,
de palmo pouco mais ou menos. “ Para as cavallos de dous pés
temos as esporas e o rebenque.” (O João Fernandes), n. 1 de
1886). “ Um valdevinos de botas de montaria e um rebenque
na mão.” (Lan tern a Magica n. 453 de 1895). “ O senador gaú­
cho, de rebenque e esporas, tenta ainda cavalgar a opinião.”
(Jornal do R e c ife ) n. 182 de 1915). Term o castelhano, vem
dahi o portuguez rebêm, açoite com que se castigavam os fo r ­
çados.
Rebentão — Explosão, rom pim ento subito, repentes, Ím­
petos de máo genio e mâos instinctos; cousa ou acção repen­
tina, inesperado, de supetão; apparecer, chegar inopinadam en­
te, de rebentão.

669
Rebingar — Quebrar, mexer, saracotear. “ Rebinga ahi no
esternego, que esta noite é de fo lia .” (Am erica Illustrada,
1873). “ Rebinga mulata, agora, no esternego, rebinga.” (Idem ,
n. 1 de 1879).
Rebingudo — Sugeito mettido a brabo, com fama de v a ­
lentão. “ Este braço que estão vendo, tem botado abaixo em-
quanto o inim igo esfrega um olho, muito curema rebingudo
das ribeiras do Ceará e do Piauhy.” (F ra n k lin T a v o ra ). “ Sou
cabra bem rebingudo e muito mais orelhudo.” (A m erica II-
lustrada n. 30 de 1882). Nos municípios de Palm ares e Tràcu-
nhãen ha uns velhos enpenhos com o nome de Rebingudo.
Rebolar — Atirar, jogar, arrem essar; cahir desastrada­
mente.
Reboliço — Agitação, confuzão, rumor. “ Grande reboliço
se tem observado entre os nossos liberaes depois que o ministro
da guerra sahiu absolvido da accusaão, contra elle intenta­
da.” (O Cruzeiro n. 81 de 1829). “ Quem casa com embarca­
diço vive sempre em reboliço.” (A Marmota Pernambucana n.
8 de 1850). “ Foge Magriço, do Pintalhão! Que no toutiço um
pinicão, Sem reboliço, te póde dar.” (O Barco dos T rafica n ­
tes n. 44 de 1858).
R ebolir — Ir, andar, caminhar, seguir. “ Mas a Mesa da
Inspecção deu inform ação de ti, que te obrigou a ires rebolin-
do para o R io .” (CíanecaK “ Já não póde aceitar-se uma gur-
jeta, Que não vá rebolindo p ’ra g a z e ta ... Nisto ergue-se a
sucia, e rebolindo, Ao Pantoja saudações, vão dando.” (A Co-
lum neida).
Reboque — Façanha nocturna; levar, conduzir para luga­
res ermos, escuros: Fazer um reboque. Conduzir violentam en­
te, a pulso e cannelão; Ir de reboque; levado a reboque.
Rebordosa — Reprimenda, censurs, admoestação. “ Pas­
sei-lhe uma rebordosa, por ter chegado á hora em que a sua
presença já não era necessaria.” (Beaurepaire R ohan). Con­
tratempo, prejuizo, damno; verrina, descompostura, catilina-
ria. “ Presumo ser mais sincero, que o Guarda anti-Nacional no
correctivo que apresentou á rebordosa que deu aos portugue-
zes. (O A rtilh eiro n. 44 d el843). “ SeVmc. sustentar e sua
prim eira decisão, póde levar outra rebordosa.” (O Barco dos
Patoteiros n. 10 de 1864). “ Na repartição de policia é que fo i
o r ô lo .. . E fo i nessa rebordosa que os deixamos, ainda fu rio ­
sos.” (Pernam buco n. 330 de 1913).
Receitar defunto — P rescrever remedio, alvitres^ expedi-
entes para salvar uma causa perdida, dar voltas a um pacto
consumado, consoantemente com a phrase vulgar: Deitar sal
em carne podre.
Reclame — Propaganda, vulgarisação, elogio; annuncio
bombástico, espalhafatoso. “ V ejo por toda parte a reclame
bom bastica... Entra em tudo a re c la m e ... Nas ruas faz-se
até a reclame da plastica.” (Jornal do R ecife n. 298 de 1915).
O termo é um escusado gallicismo, porquanto temos o vern á­
culo reclamo, mas em desuso, naturalmente, por velho, e con-
demnado pelo francezism o da moda.
Recontra — A oitava parte da antiga medida de garrafa,
ainda não esquecida do povo, apezar de condemnada com a
adoptação do systema m étrico decimal; uma recontra de azei­
te, vinagre, etc.
Recurso — Casa de tolerancia, de rendez-vous. “ 1890. In-
troducção dos recursos no R ecife.” (A Pimenta n. 89 de
1902). “ A imprensa do R ecife já se tem occupado dessas ca­
sas de tolerancia, que o povo chama recursos.” (A P rovín cia
n- 119 de 1913).
Rêde de arrasto — Rêde de pescaria (V . A rrasto ). Moça
loureira, que não perde parada, vasa.
Redengar-se — Derreter-se, requebrar-se: O João quando
vê a Moroca fica todo redengado.
Refrescar — Contrapor, sahir ao encontro, rebater; dar,
bater, espancar. “ Eu que contava refrescar o frade, sahi bar­
rado, porque o Salomão metteu-me o pau pelas costas.” (A P i­
menta n. 540 de 1907). “ Oh! seu c a b o !... R e fre s c a ... A* voz
de refresca o zinco bateu ” (Jornal do R ecife n. 48 de 1916).
M elhorar de situação por bafejos de felicidades. “ Tendo o
Carneiro emprestado dinheiro aos dous amiguinhos, estes
perderam as prim eiras mãos; porem depois refrescando,
lamberam do pobre sertanejo a quantia de cem m il reis.” (A
Carranca n. 24 de 1847). “ Estou' perdido; isto não é negocio,
é o diabo. Meu bom amigo, tenha paciência; deixe-me vêr se
refresco; appareça lá para o fim do m ez.” (O Vapor dos T ra ­
ficantes n. 100 de 1859).
R efresco — Sóva, tunda, bababi. “ Olhe que póde um re ­
fresco tomar de peia ou de pau” (Lanterna Magica n. 113 de
1885).
Regáda — A entre-nadegas: a regada da bunda.
R egalito — Agrado, paparico, cuidado; uma cousa qual­
quer que se dá ás crianças nos intervallos das refeições.
Regatão — Traficante que na epocha da conquista e co-
lonisação do paiz, e mesmo ainda depois, por muito tempo,
mettia-se entre os indios, e em troca de cousas insignifican­
tes, como missangas, espelhinhos, cascavéis, pente, aguarden­
te, fumo e ferragens^ trazia cargas de gallinhas, bugios, papa­
gaios, mel, cêra, fio de algodão, “ e quanto os pobres tinham.”
“ Os gentios das aldeias quizeram tomar vingança ein os rega-
tões, que nellas estavam, e tomar-lhes os resgates.” (F r e i V i­
cente do S alvad or). Concurrentemente, occorem os termos:
Resgatar. Sahiu á resgate, trocar, permutar insignificantes ob­
jectos de producção europea com os dos indios, de valor mui­
to superior, como vimos- “ Entre os mamalucos que andavam
pelas aldeias resgatando peças captivas, e outras cousas, e de­
baixo disto roubando-os com violências e enganos, houve um
natural de Pernambuco, o qual, posto que filh o de um ho­
mem honrado, tirou mais a ralé da mãe que do pae.” (Id em ).
Resgate. Escambo, troça; objectos que os regatões levavam
para resgatar. “ Indo este mamaluco de Pernfm buco a uma
aldeia de Copaóba com os seus resgates, se agasalhou em um
rancho de um principal chamado Iniguassú.” (Id em ).
Regencia — Grupo^ igrejinha, panellinha. “ Certa regen.
cia, no todo bons rapazes, na apparencia.” (A Pimenta n. 58
de 1902). “ N egrada! Olha a regencia em fórm a de cavação.”
(Jornal Pequeno n. 24 de 1916).
Registo — Estampa de santo, benta, que se distribue nas
igrejas nos dias das suas respectivas festividades: Registo de
Santo Am aro das Salinas, do Senhor dos Passos, etc.
Regra — Palavriado, parolagem ; insinuação, opinião, pa­
recer; Não venha dar regras naquillo que não entende.
Regressista — Denominção dada a uma facção politica,
em sua m aior parte composta de portuguezes, constituída com
o fim de prom over a volta do ex-im perador D. Ped ro I, para
form ar um novo im pério no norte do Brazil, deixando elle
no throno portuguez a princeza D. Maria da Gloria, sua f i­
lha. D ivergiam as opiniões sobre o nome que devia ter o novo
im pério, porquanto queriamí uns que fosse Im pério do Am a­
zonas, outros Im pério do Equador, e ainda outros, Im pério
do R io S. Francisco. Graves desordens entre nós, nomeada­
mente os motins da Abrilada e da Setembrizada, e p or fim a
revolta denominada Guerra dos Cabanos, foram provocados
pelos regressistas como inicios de realisação do seu program -
ma politico.

672
Regrista .— Loquaz,: palrador, lorotista, gabolas, conta­
d or de historias e proezas. T odo moleque cambado é regrista.
(D ictado p o p u l a r “ Salvador de Benguella, sem barba, tem
um dedo da mão esquerda cortado, e é muito regrista.” (G a­
zeta U niversal n. 42 de 1836). “ P o r ser bastante regrista, Tem
sido e é deputado., Uludindo a gente besta, A pança tem re g a ­
lado.” (O Campeão n. 5 de 1861).
Reim oso — De máos instictos, maligno, perverso; certos
peixes, carnes e fructas carregadas, que bolem com os humo­
res do corpo e causam damnos.
Reinar — Atorm entar, perseguir, torturar, judiar: Este
menino tem má indole; só v ive a reinar com os outros, ou. a
fazer reinação.
Reino — Com esta indicação eram conhecidos quasi todos
os generos e mercadorias que nos tempos coloniaes vinham d i­
recta e exclusivamente da m etropole, o reino de Portugal,
uma vez que nas suas possesões era vedado o com m ercio ma-
ritim o estrangeiro; qu alificativo esse que era extensivo mes­
mo a mercadorias de producção estranha, como a pimenta
(Piper), que sendo originaria da índia, tinha, como ainda h o­
je tem, o nome de pimenta do rein o; e consoantemente, fa r i­
nha do reino (a de trigo)!, queijo do reino, etc.
R ejeitar — Cortar golpear a facão o rejeito do boi na
luta de uma péga para o derribar e o matar com mais facilid a­
de. “ Distancia de duas leguas Fóra eu da minha terra, Debru­
çou-se do cavallo Rejeitou-m e d’uma perna. Distancia de qua­
tro le g u a s ... Rejeitou-m e d ’outra perna.” (O Boi E sp acio).
R ejeitar, é corruptela do verb o portuguez jarretar, cortar os
nervos ou tendões dos jarretes, de que, por sua vez, é tambem
corruptela, e term o vulgar de rejeito, o tendão ou nervo da
perna dos quadrúpedes.
Reluzente — Moeda de prata, na giria dos gatunos.
Kemandióla — Contratempq, infortúnio, azar. “ Depois de
outra rémandiola, o pobre h orteleiro cahe outra vez de ven ­
tas no chão.” — (Lan tern a Magica n. 470 de 1895).
Remate — Caldo grosso, com carne picada, farinha ses-
sada, ou p olvilh o de milho, e convenientemente temperado.
“ Um caldo, especie de remate grosso, com que as moças biquei­
ras na com/ida, fazem as onze.” (O Diabo a quatro n. 25 de
1875).
Bem ela — Cera derretida pela combustão da vela acceza,
e que desce a si depositar em torno do bocal do castiçal ou
palmatória. “ Gomprar cera em remelas.” (T h eoton io R ib e iro ).
Rem elêxo — Desenvoltura, saracoteio, requebro lascivo.
“ N o rem elexo da borga nunca v i mulata assim.” (A Pim enta(
n. 47 de 1902). “ N o desengonçado de gostoso rem elexo, os
dançadores foram em| riba, foram em b aixo.” (Jorn al do R e­
cife n. 53 de 1914). “ O pessoal do club passou num rem elexo,
b adejo.” (Pernamibuco n. 52 de 1914). O term o é tambem vu l­
gar na Bahia, mas, concurrentemente com o de Trem e-trem e,
dado a uma certa moléstia.
R em elle — Assucar em rama, molle, im pregnado de mel.
“ O P ro ved o r dará juramento ás pessoas, cujo d ito assuquar
fôr, que declarem, se é branco, se de mellesj, ou rem elles.”
(R egim ento dos P rovedors da Fazenda das Capitanias do Bra-
zil, 1548):. O termo é naturalmente o mesmo que remelão, as­
sucar queimado, m olle, semi bôa grã, conto jescreve Moraes,
que alem de erudito philologo era agricultor e senhor de en­
genho entre nós. Aulete registra o vocábulo, com. a expressão
de assucar remellão, e accrescenta ao que escreveu Moraes,,
o que fica com mel sem se granular.
Reminar-se — Levantar-se, enfurecer-se, resistir; oppor-
se, protestar com vehemencia.
Bem-rem — Arenga impertinente, prolongada, constante.
O João e a M aria vivem todo o santo dia num rem -rem deses­
perado.
Rendengo ou rendengue — Banha do porco em rama; p ar­
te do corpo humano que fica entre a cintura e as virilh as;
trapo, panno velho em tiras; cousa rele^, ordinaria. “ Come­
çaram as hostilidades, e os satelites a executar as ordens de
seu senhor, e entre outros rendengues, o subdelegado Passos.”
(O Foguete n. 4 de 1845).
Render mais que mlandioca de varzea — Negocio, em pre­
go, incumbência; qualquer cousa pingue, de vantagem, de bôa
renda e producção, como bem dá e produz a miandioca de va r­
zea.
Rengo — Moléstia que ataca os quadris do cavallo. fican­
do derrengado, e dahi a origem do termo. O animal que é ata­
cado do rengo ou mal das cadeiras, moléstia muito seria, sem
0 devido tratamento, o que escapa ã morte fica inutilisado, —
p o r não poder andar ou se suster de pé. “ Deu o mal na bur-

674
rinha, Deu o espiche na porca, Deu o rengo na poldrinha.”
(C ancioneiro do N o rte ).
Rente — Na phrase: Rente como pão quente, applicado a
umi indivíduo amigo ou intruso, inseparável, prompto, sem
faltar^, sem se fazer esperar em funcções, patuscadas e ex ­
cursões.
Repellão — Reprehensão, carão, reprim enda; Dar, tomar,
passar um repellão.
Repinicado — Affectado, exagerado, engraçado. “ Um dito
repinicado, Um mimo, um riso, um agrado, Captivam meu co­
ração.” (M ello Moraes F ilh o ). Musica agradavel^, alegre, ex­
pressiva, excitante: Os repinicados da viola, do violão. “ Or-
chestra bôa, bons repinicados e mulatas cotubas.” (Jornal do
R ecife n. 49 de 1914). Vem dahi o verbo repinicar, o preludiar
da viola, um tocar animado, expressivo. “ Tem pere a viola,
sô Capivara! Repinique a c o is a ... O1repinicado fogoso da v io ­
la.” (V iria to C o rre ia ). “ O caboclo olhou para a moça, pensou
um instante, repinicou na viola e cantou.” (An ton io Salles).
Repiquete — Cheias de um rio sucessivas á prim eira, ain­
da não de todo terminada. “ Durante a cheia o rio vasa as v e ­
zes um pouco para reencher alguns dias depois, oscillaçóes es­
tas que se denominam repiquete.” (D r. T. do Bom-Fim Espín­
d ola;. O term o é tambem vulgar no Amazonas, dado ás pe­
quenas enchentes parciaes e rapidas verdadeiras oscillações do
nivel fluvial, devidas a camadas de agua que tufam e inflam
o rio,, como escreve Bernardino de Souza.
Repórter — Membro da redacção de um jornal, incumbi­
do de sahir em busca de noticias de qualquer natui^za, de
apanhar notas do que occorrer em reuniões e diversões publi­
cas, festividades e solemnidades, de entrevistar personalida­
des em destaque, e de red igir para publicidade tudo quanto
recolheram. “ Certas moças que estiveram no Club Carlos Go­
mes estão muito abafadas com o repórter, porque descobriu
os seus namoros.” (Lanterna Magica n. 128 de 1885). “ Nós
não temos ainda um repórter verdadeiro, um repórter como
pede o jorn al m oderno.” (Jornal Pequeno n. 70 de 1916). D e­
rivad o: Reportagem. “ O corpo de reportagem da imprensa
pernambucana é muito heterogenio.” (Id em ). Furo de re p o r­
tagem!: descoberta de um segrçdo, de um facto notável, e a
sua vulgarisação cpm antecedencia dos outros jornaes. O ter-

675
mo repórter vem de igual, do inglez, origin ário do latim re-
portator.
Republica — Casa de moradia de estudantes. “ Sabem mui­
to bem os leitores que em linguagem escolástica se chama re ­
publica a casa habitada por estudantes.” (D r. Castro Lopes).
“ Ha uma republica na rua da Im peratriz que é mesmo uma
graça.” (O Etna n. 22 de 1880). “ Todos sabiam que a menina
do sobradinho fron teiro ã nossa republica na Bôa Vista, bre­
vemente casaria.” ( A Penna n. 5 de 1898).
Repuxo — Labutas da vida, lida, actividade; trabalho es-
sesshyoj fatigante, m ortificad or; responsabilidade^ despezas,
ostentação: Aguentar ou não com o repuxo. “ O Sr. Tenente-
general Coelho, por seus encommodos de saude está impossi­
bilitado de aguentar repuxo.” (O Barco dos Traficantes n. 89
de 1858). “ Não sei como é que essa gente aguenta com o re.
puxo.” (Jornal do R ecife n. 45 de 1914). “ A humanidade, coi­
tada, Vae gemendo no repuxò; Entretanto, nessa embriilhada
Muita gente bota bucho.” (Idem , n. 44 de 1915).
R equ ifife — Enfeite, ornato, tetéa. “ Tantos apanhados,
tantos requififes, tantos barama"zes, que não é para todos o
arranjar umas mangas de vestido da ultima moda.” (O Cara-
puceiro n. 73 de 1837). “ Comprido coração, calcinhas de re ­
q u ifife.” (A m erica Illustrada n. 7 de 1877). “ Ao pescoço tra­
ziam cordões de ouro, collares, gargantilhas e requ ififes ou
cordões de ouro cheios de emblemas é enfeites.” (João Bri-
g id o ). O vocábulo é corruptela de requ ifife, cordão de bicos
que serve para guarnecer ou debruar.
Resáca — E ffeitos de uma embriagues; o máo estar que
vem depois. “ Dos pifões que emporcalham ainda sinto a res­
saca.” (A m erica Illustrada n. 1 de 1883). “ H oje me encontro
sob o peso de uma fortissim a ressaca de somno e mais algu­
ma cousa.” ( A Pimenta, 1902), “ A tal fona tomou um pileque
tão forte, que levou uns tres dias de ressaca.” (Idem , n. 530
de 1907).
R esfriadeira — Especie de bilha de barro ou moringue
que serve para resfria r a agua. O termo vem de vernáculo res-
friador, de igual accepção; e de vóga de muito longe entre nós,
encontramos a sua mensáo iã em 1829y no annuncio de uma
loja da rua do Queimado, publicado no n. 134 do jorn al O
Cruzeiro, naquelle anno, e no qual figuram entre os artigos
annunciados, quartinhas e resfriadeiras.

676
Resmelengo — Teimoso^, impertinente, rabugento, ralha-
dor. D erivado: Resmelengar. Registrando Roham o vocábulo,
diz que tem a mesma significação que resmungão, não duvidan­
do que seja essa a sua origem.
Resóca — Segundo brotam ento da canna de assucar de­
pois do p rim eiro córte. “ Conform e a natureza do terreno, um
cannavial póde dar até dez folhas, isto produzir successiva-
mente déz safras. Commummente, porem, só se colhe nos tres
prim eiros annos: a prim eira folha ou cannavial de planta, a
segunda ou cannavial de socaf e a terceira ou cannavial de
resóca.” (A lfre d o Brandão).
Respaldo — Armação de gala, a especie de sanefa assen­
te no alto da arcada das capellas e altares em dias festivos, e
de cujas extremidades lateraes pendem pernas de cortinas
que chegam ás pilastras-
Restinga — Ponta de terra, baixa, arenosa* batida pelo
mar; isthmo, peninsula. “ Fica o que propriam ente chamamos
R ecife na extremidade de uma restinga de arêá, com que a
natureza d ividiu as aguas do rio das ondas do miar.” (F r. V i­
cente do Salvador). “ Da Restinga e Marim o povo inteiro,
A fo ra o que de mai,s longe viera. O incola verm elho. Gente do
norte e sul té da Tapera Correndo veio v ê r.” (O Boi de pa­
lh a ). C lareira; capão de matto baixo, pouco denso. “ Tenho
corrido muito gado N ovilh ote e barbatão Nos carrascos e
restingas.” (A Vacca do B u rel). “ Chegando a Lagôa da Lage,
descobrimos o grupo de cangaceiros acampado numa restinga
dentro do cercado.” (D ia rio de Pernambuco n. 303 de 1914).
R etirante — Em igrante que desce do in terior ou de ou-
tio s estados perseguido pelos infortúnios causados por uma
estiagem. “ Immensas caravanas de retirantes se encontram por
toda parte nos suburbios da capital.” (A Duqueza do Lingua­
rudo n. 132 de 1878). “ P ede esmola um retirante que ha qua­
tro dias não come.” (Lanterna Magica n. 805 de 1905). “ Ai.
choram ! "São re tira n te s... Andrajosos,., m en digan tes... Es­
p a rs o s ... agonisantes. . . Perdendo o sopro vita l.” (Juvenal
G aleno). O termo appareceu em 1878 quando irrom peu uma
tremenda e prolongada secca no norte do paiz, e que tantos
dannos causou, principalm ente nas zonas centraes e serta­
nejas.
Retrêta — Tocata á tardinha ou á noite pelas bandas dos

677
eorpos do exercito ou de policia nos jardins públicos, em fren ­
te ao pala cio do governo e quartel general, e das casas de re ­
sidência dos commpndantes de corpos o que outr’ora tinha o
nome de recolher. “ Fizeraml retreta á noite em frente a pala-
cio, nos elegantes coretos alli armados, tres bandas de musi­
ca.” ( A P rovín cia n. 349 de 1914). “ N o jardim da praçà da
Republica fez retreta uma das bandas musicaes da força pu­
blica.” (Jornal do R ecife n. 72 de 1915).
Retroz — Aguardente, na giria dos presidiários de Fernan­
do de Noronha.
Eeúno - - Calçado, roupa ordinaria. “ Pés descalços para
não estragar os reúnos.” (A m erica Illustrada n. 22 de 1877).
“ A calça reúna, casaca de couro.” ( A Lanterna n. 18 de 1890).
Gente baixa, ordinaria “ A reúna Cherubina achou quem a
quizesse.” (A Pimenta n. 483 de 1906). “ Dentre os typos reu-
nos conhecidos, são os padres os peiores senhores.” (Idem ,
n. 621 de 1907).
Reverendíssim o — Grande, solemne,, de arrancar a pelle
e o cabello; tremendo, h o rrível; Um reverendíssim o carão;
uma reverendíssim a tunda.”
Rex cacetorum — Ultra cacete, insupportavel, te rriv e l. “ O
Sr. é um cacete intolerável, é um massador h orrível, eterno, e
o rex cacetòrum.” (A Revolução n. 1880). “ Aquelle rex cace­
torum é peior que a nuvem de gafanhotos e gyp cio ç .” (O Etna
n. 28 de 1882).
Riachão — Riacho grande ou rio pequeno: “ Seu Manoel
do Riachão, Que peccados são os seus? Em um inverno tão bom
Seu riacho não encheu .” (Versos de d esa fio ). “ O monte, cuja
chapada tem a designação de Chã dos Cacos, fica á margem d i­
reita do Riachão, regato um pouco volumoso nas estações in ­
vern osas.” (A lfre d o Brandão). Com o nome de Riachão regis­
tra a nossa chorographia alguns riachos, serras e logarejos,
concurrentemente com o de varios e antigos engenhos.
Riba — Cima, de cima, por cima. “ Quem não é esperto
não campa de riba.” (Lan tern a Magica n. 157 de 1886). P or
riba do tempo: Abundancia, quantidade, grande numero: Gen­
te, chuva por riba do tempo. “ P elo S. João houve fogo por
riba do tempo.” (Idem , n. 93 de 1887).
Ribaçan ou ribação — Especie de rola (colu m ba) sertaneja
que desce em bandos numerossissimos perseguida pela estia­
gem, em busca de paragens onde encontre alimentação e agua.
E ’ dessa emigração forçada, ou antes arribação, que vem o ter­

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mo. “ As pombas de arribação. I ou_-rebaçans, como são vu l­
garmente chamadas, apparecem TTTdos fõs annos, nas caatingac,
no fim do inverno, em bandos innumeraveis pousando nos
campos de capim-milhan de cuja semente se nutrem. Milhares
de pessoas as perseguem, matando a tiros de espingarda e até
a pauladas, colhendo ao mesmo tempo os ovos, postos a gra­
nel sobre a terra. Os animaes carnívoros, e por sua vez entre
elles, reptis venenosos, como a cascavel, causam grandes es­
tragos nesses cardumes de aves; mas é tal a quantidade que,
parece, não diminuem de numero, até que arribam para outros
logares. Nos annos seccos, quando o povo soffre fome, as re-
baçans são para os sertanejos dqrante uma quinza, pouco mais
ou menos, o que para o povo judeu no deserto foram as co-
dornizes.” (Irin e o J o ffily ).
Ribeira — Certa zona maFginaí dos rios: A ribeira do Mo-
xotó, do Una, Capibaribe, etc. Circumscripção territorial que
comprehende um certo numero dt» fazendas de criação de gado,
tirando a sua denominação do rio que a banha, tendo cada
uma delias um ferro commum, indicativo da ribeira, que é col-
locado ao lado esquerdo da rez, alem do particular da fazenda
ou do proprietário, ao direito, applicados por occasião da mar­
cação do gado. “ Aqui me chegou a noticia de que na ribeira do
Pajaú se achava revolto o gentio da nação X o c ó .” (O ffic io do
governador de Pernambuco dirigido ao capitão mór local João
de O liveira Neves em 3 de Março de 1713). “ A criação tomou
rapido incremento, irradiando-se logo para as ribeiras secun­
darias confluentes das principaes” . (Irin e o J o ffily ). “ Com­
prehende a capitania do Ceará quatro ribeiras muito extensas...
e o sertão da Parahylba é dividido em seis ribeiras.” (Esta­
tística de 1774).
R ibeirão — O mesmo que riachão. Com o nome de R ib ei­
rão ha um florescente povoado á margem da estrada de ferro
do S. Francisco, com estação, e dous engenhos, nos municí­
pios da V ictoria e da Gloria.
Ridiquage-Dicção do camponeo boçal na accepção de ri-
dicularia, graça de máo gosto.
Ridunga — Indivíduo baixo, gorduxo, roliço. N o Ceará
chamam rondunga.
Ripáda — Paulada, bordoada: Dar, levar, tomar umas
ripadas. Irm os assim, assim!, applicando umas ripadas em
certa gente chin frim .” (Lanterna Magica n. 268 dé 1889).

679
“ Bastião, depois de umas ripadas, sahiu no passinho do cons­
trangim ento.” (Jornal do R ecife n. 35 de 1915).
Ripanço — Indolência, inandriice, na giria dos gatunos.
Risca — Em perro, resisteneia, opposição: O menino faz
risca para não ir á escola.
Riscado — No ganço, com dedos de grammatica. “ O
Magalhães enrabichou por uma mulatinha, e já meio riscado
gritava: Oh! fe rro ! Esta mulata me m a ta .” (A Pimenta n. 43
de 1902). Certo passo de capoeira. “ Manejei o birro, contei
ponto, fiz um riscado, e arrumei outra porrada na caixa do ca-
tarrho do camarada.” (Idem , n. 487 de 1906). Entender ou não
do riscado: T er conhecimento ou pratica de uma cousa qual­
quer de um assumpto dado. “ A Adalgisa, coitada, é uma douda,
sem pratica do riscado, toda m aluca.” (Idem , n. 644 de 1908).
Riscar — Apparecer, chegar inesperadamente: Estavamos
bem descançados quando vimos o João riscar em casa. O es­
barrar do cavallo.
Roça — T erra de lavoura, fazenda, campo de plantação,
onde se cultiva indifferentem ente o milho, feijão e outros gene­
ros, mas, particularmente, a mandioca. “ Fica ao lado uma roça
pequena Onde cresce abundante a m acach eira.” (A . de Souza
P in to). “ Pobres matutos, que deixam suas roças, seus feijões,
e que subjugados pela força vão para terras extran h as.” (O
Guarda Nacional n. 4 de 1842). A terra interior, o campo, o
matto: A vida da roça, o homem da roça. “ Estas cousas de
apresentação, aqui pela roça, fazem-se muito summariamente.”
(C elso de Magalhães). “ Comquanto homem da roça, tenho a l­
guns livrinhos, e não vivo a coçar as p ern as.” (A Tempestade
n. 18 de 1858). “ E correndo em trem expresso toda a roça
visitou .” (Lanterna Magica n. 266 de 1889). Mulher da roça
tem uma perna fina e outra grossa; Não se faça da roça; T e ­
mos porco na roça. (Dictados populares). Form iga de roça: a
vermelha, que ataca os roçados, preferentem ente de mandioca,
causando grandes prejuízos. O termo roça, na accepção de
campo de lavoura, de cultura, vem já dos prim eiros tempos
da nossa vida colonial, uma vez que no F oral do Conselho da
V illa de Olinda dado pelo donatario Duarte Coelho em 1537,
já se o encontra registrado, nomeadamente neste trecho; “ Uin
esteiro, que está detraz da roça de Braz Pires, ccnjuncto com
outra de R odrigo A lv a r e s .”
Roçado — O mesmo que roça na accepção de terra ou sitio
de plantação de ccreaes e outros generos. “ Não medra o r o ­
çado nem cresce a canna no p a rtid o .” (A m erica Illustrada n.

680
õ de 1883). “ Mais longe, para traz da casa, via-se um roçado,
que pertencia a Luiz de Carvalho.” (F ran klin T a v o ra ). Du­
zentos passos de terra Arren dei para o ro ç a d o ... Peguei m i­
nha foice fui para o roçado.” (Juvenal G aleno).
Roçaria — O mesmo que roçado. “ Deram os hollandezes
na povoação de Tejucupapo, aonde sabiam que em seu dis-
tricto havia roçarias de m andioca.” (F r. Manoel Calado).
R oceiro — O habitante da roça, o que cultiva a lavoura no
seu roçado. “ O bom roceiro esperava pelo com panheiro para
sua v ia g e m .” (O Guarda Nacional n. 43 de 1843). Thim oteo
comprava por quasi nada o que muitas vezes custára a vida
do pobre roceiro.” (F ra n k lin T a v o ra ). “ Estava próxim a uma
das festas notáveis do anno; tempo, em que é costume p re­
sentear os amigos: fo i o que fez o roceiro, mandando ao ma­
gistrado seu amigo uma capoeira de gallinhas. (D r. Castro L o ­
pes).
Rochunchudo — Cheio, gordo, anafado. “ Quiz teta ro-
chumchuda, e cousa mesmo graú d a.” (Am erica Illustrada n.
11 de 1878). “ O vocábulo é uma corruptela de rechonchudo,
que Aulete registra como termo fam iliar, e com iguaes ex ­
pressões.
■ Rocim — Cavallo ordinário, de carga, de alm ocrevar. “ T o r ­
nou Manoel Felippe a trazer o dito cavallo, ou rocim, porque
era cavallo de campo, e não de estrib a ria.” (F r. Manoel Ca­
lad o). () termo, porém como registra Aulete, tem hoje acec-
pções outras.
Rocinante — Cavallo magro, ordinário, ou assim chamado
a um de bôa especie, de montaria ou corrida, para o desfazer.
“ De im proviso apparece um individuo montado em lazarento
rocinante, armado da cabeça aos p é s .” (A Carranca n. 30 de
1845). “ Com pesadas armaduras, munido de um bacamarte, e
montado em um rocinante, tudo parecia ab ra zar. ” (Palm atória
dos T oleirões n. 12 de 1833). O vocábulo vem do nome do
ordinário cavallo de Sancho Pansa, o grotesco escudeiro de
D . Quixote.
Róço — Orgulho, vaidade, presumpção. “ Olha lá, toma
um bom conselho: Abandona este teu roço de valentão” . (A
Duqueza do Linguarudo n. 88 de 1877). “ A mulher estrangei­
ra não tem o roço da b ra s ileira .” ( A Pimenta n. 21 de 1902).
“ Vaqueiros orgulhosos, cheios de roças, com bravatas no
olhar e no ge s to .” (Gustavo B arroso). Ã estrada que segue
da rua de Luiz do Rego para o cem iterio publico de Santo
Amaro, em começo de arruaniento, e por onde passam ôs que

681
vão conduzidos á sua derradeira morada, recebeu do vulgo
a expressiva denominação de Rua do Quebra Roço, uma vez
que, todos que p or a lli passam, carregados, inanimados, cur­
vados á fatal lei da morte, vão de roço quebrado! “ O co-
nego trazia no semblante a tristeza do Quebra R oço.” (A P i­
menta n. 84 de 1902). “ O vehiculo, ao passar na velhíssima
ponte chamada do Quebra Roço, arrebentou tres taboas” (D iá ­
rio de Pernambuco n. 124 de 1914).
Roda — A casa dos expostos ou dos engeitados, como fo i
denominada desde a fundação do p rim itivo estabelecimento,
em 1789, no bairro de Santo Antonio, junto a antiga igreja
do Paraiso, e dahi a denominação de Rua da Roda, a que
corre ao longo da fachada lateral do p rim itivo edificio, hoje
com uma nova feição e servindo de quartel de um corpo de
policia, e a de Travessa dos Expostos ao estreito arruamento
que fica ao correr da fachada posterior, denominações estas
que o vulgo ainda mantem apezar das novas imposições fe i­
tas peTa municipalidade em 1884. A le i de 25 de Agosto de
1831 que extinguiu a ordem dos missionários capuchinhos em
Pernambuco, mandou estabelecer no desoccupado hospicio do
R ecife a Roda dos Expostos. A denominação vem de uma peça
de madeira chamada roda, de form a tubular, presa p or eixos
nos extremos superior e in fe rio r a uma abertura praticada
na parede, de largura igual ao seu diâmetro, e que, na rota­
ção para fóra, deixa vêr uma face aberta com uma especie
de leito em que se collocam as crianças engeitadas, e que g i­
rando depois para dentro são logo retiradas. A mulher par­
ticularmente incumbida desse serviço tem o nome de rodeira.
Moléstia que ataca a muitos animaes domésticos, e frequente­
mente os carneiros, em cujo curso são impulsivamente ani­
mados de um frequente movimento de rotação, donde vem o
vulgar qu alificativo de róda dado ao m al. Roda batida: an­
dar, caminhar sem interrupção em uma viagem, seguidamen­
te, apressadamente. Vem da locução portugueza de rota ba­
tida (C eleritas nautica, P e re ira ). Roda da fortuna: a que traz
felicidades e aventuras, emquanto anda, e desgraças, quando
desanda. Roda de desaforos, de bofetões: ouvil-os, soffrel-os.
Roda v iv a : trabalhos, fadigas: Andar numa roda vida. Estar
com a cabeça andando a roda: com tonturas. Roda de pau:
pancadaria velha; surra a cacete. “ Algumas pessoas foram
espancadas, e uin preto por levar uma roda de pau ficou inu­
tiliz a d o .” ( O Azorrague n. 33. de 1845). “ M orreu de u m a
roda de pau por in so len te.” (O Clamor Publico n. 92 de

682
1846). “ Cherêta, toma cuidado, que o teinpo está mau, se­
não te quebro o costado com uma roda de pau.” (A Pimenta
n. 68 de 1902). Sobre a origem desta phrase escreve Franklin
Tavora o seguinte no seu romance pernambucano, Lourenço:
“ Seis escravos form avam uma roda como si se apparelhas-
sem para certa dança, e cada um estava munido de uma vara
de quiri, fina e lo n g a . . . Ao meio de circulo fôra arrojado o
espião, nú da cintura para cima, com as mãos atadas atraz
das c osta s... sobre este, qm umas vezes im plorava perdão, e
outras soltava imprecações injuriosas, descarregavam os exe-
cutadores os instrumentos da infame e infamante pena. O pa­
ciente, que ao principio rugia de colera, ou gritava e v o c i­
ferava, do meio para o fim, quebradas as forças, enfraqueci­
dos os espíritos, recebia em silencio, mal se sustentando de
pé, e por ultimo cahido por terra, ás varadas brandidas pelos
vigorosos pulsos africanos. Era a isto que em Pernambuca
se chamava: uma roda de pau.”
Rodar — “ Todo o com mercio roda no embrulho dos ca­
bras de gazua, e p ’ra cadeira elles não rodam...” (A Pimenta
n. 560 de 1907). “ O Plutão rodou na ultima corrida.” (A Sema­
na n. 3 de 1890). “ Se me fizerem rodar da chefia, juntarei toda
a minha tropa fandanga, e triste dos tristes.” (M ajor Leal n.
1 de 1890). Rodar os calcanhares: Dar meia volta, e anda^, s e ­
guir, desapparecer.
Rodáque — Antigo casaco de homem, a especie de frak,
porem ou pouco curto e de abas largas. “ Especie de casaca
de abas curtas.” (João B rig id o ). “ Com um andar meigo, gin­
gando, Se me faz certos tremidos, Aform oseando o rodaque
Com compassados b o lid o s .” (D a chula Feitiços da m ulata).
“ Austerliano e Magarinos trajavam rodaque.” (A m erica II-
lustrada n. 10 de 1879).
Rodella — Mentira, potoca. P regar uma rodella.
Rodilha — Circulo, ou rosca de pannos, que os carregado­
res põem á cabeça, e nella assentam a carga para os não m oles­
tar. Term o vulgar entre nós com esta particular accepção, e
assim registrado por Moraes, não é porem contemplado nos
m odernos diccion arios.
Rodisio — Estratagema p olitico dos partidos situacionistas,
consistente em não apresentar uma chapa completa, mas fa ­
zendo eleger o terço reservado ás minorias, por m eio de uma
combinação habilmente preparada, de modo que, na apuração
da eleição, dá um resultado p or completo, ficando assim p re ­

683
judicada a opposição. “ Que a liberdade do voto Tem a lli es­
cola e culto, Não se conhece rodizio, Nem outras cousas de vu l­
t o . . . Attinge o descalabro á meta; tanto faz chapa completa
quanto faz pleitear rod izio.” (Pernam buco ns. 228 e 235 de
1913). “ Consagração definitiva do rodízio e le ito ra l!” ("D iá r io
de Pernambuco n. 114 de 1916).
R oer — Beber, embriagar-se, e dahi os derivados Roedor,
roição, roido, de expressões obvias. “ Alegrem-se os roedores,
que me vou occupar um pouco de cousa que não lhes será de
todo desagradavel. Falemos um tantinho do alcool e seus ef-
fe ito s .” (Lanterna Magica n. 787 de 1905). “ Os cannaviaes f lo ­
ridos Cantaram hymnos de amor Annunciando garridos A v in ­
da de um roedor.” (A Pimenta n . 593 de 1907). “ F o i uma
roição roxa, seu com padre; nunca pensei ter a cabèça tão fo r ­
t e . ” (A Pimenta n. 27 de 1902). “ A Julinha anda mettida com
um sugeito que se dedica á roição em alta d o se.” (Idem , n. 36)
“ O Zé Burro chegou em casa roido como uma c a b ra .” (A P i­
menta n. 566 de 1907). “ Vinhos finos, tão bons, bebe-se tanto,
que a gente acaba roid o.” (O Prego n. 1 de 1900). Duro de
ro er: D ifíic il trabalhoso. “ Duro de roer ha de ser ao sr. ge­
rente o osso do desengano que lhe reserva o g o v e rn o .” (O D ia­
bo a quatro n. 109 de 1877). Quem comeu a carne que rôa os
ro er: D iffic il, trabalhoso. “ Duro de roer ha de ser ao sr. go-
gar-se. “ Roer coirana é curtir um ciume r o x o .” (Jornal P e ­
queno n. 107 de 1916). “ V i meu amor noutros braços, Quebrei
então esses la ç o s ... Fiquei roendo coirana.” (A Pimenta n. 2
de 1901). Arrangem por ahi algum rem edio que sirva a p ai­
xão recolhida, a que o vulgo chama roer coirana.” (Idem , n.
9 de 1902). Coirana» como se diz vulgarmente entre nós, ou
coerana, coarana, em S. Paulo e R io Grande do Sul, é uma h er­
va ramosa (C otyledon brasílica, V ell.) da fam ilia das Crassu-
laceas, cujas folhas, grossas, são cheias de um succo am arello
aquoso, extramamente amargo, e dahi a locução popular.
Na nossa flóra ha algumas plantas ou arbustos de generos e
fam ilias differentes, com o nome vulgar de coerana, como o
Cestrum nocturno (L in n .) da fam ilia das Solanaceas, que at­
tinge a tres metros, e vegetam em regiões diversas, que nada
têm de commum com a nossa herva coirana. Na Bahia, segundo
Teschauer, ha uma pimenta falsa com o nome de coerana, c o r­
ruptela de cui-rana, do tupi-guarani, fructo que imita a pim en­
ta, como elle escreve.
Rolar — Andar, ir passando, viver assim como Deus é ser­
vido, rolando sem ser pipa. “ Aqui vou rolando, e amonhecando

684
o que posso, afim de ter para o futuro uma vida mais descan­
ç a d a .” ( 0 Cometa n. 18 de 1843).
Rolête — Pequenos pedaços de canna de assucar, descasca­
da, e cortadas com um nó de perm eio. “ Chupando doces role-
tres de canna, impassíveis olhavam a execução de suas ordens.”
(O Esqueleto n. 7 de 1846). “ Os Cinco mil todos chupavam
roletes de canna caiana.” (O Brado da Razão n. 27 de 1849).
“ Estamos no tempo da canna, e aquelle que não perdeu os
dentes vai chupando o seu rolete.” (A m erica Illustrada n. 35
de 1880). Certo jogo hoje em desuso, desconhecido mesmo.
“ Todo jogo de parada alli se jogava, e não escapou o rolete.”
(O Cometa n. 18 de 1843). “ Parecia que estava no jogo do
rolete.” (Idem , n. 28 de 1844).
Rolinha - Dança popular, cantada, e com uma letra p ró ­
pria, que tem por estribilho: “ Olha a rolinha, doce, doce; Ca-
hiu no laço, doce, doce; Embaraçou-se, doce, doce; N o nosso
amor, doce, d o c e .”
Rôlo — Confuzão, barulho, desordem. “ Brigaram ; foi
um rolo feio .” (Am erica Illustrada, 1877). “ Parece que a cou­
sa acabará em rolo grosso.” (Lanterna Magica n. 8 de 1882).
“ As ciganas tomaram calorosa participação no form idável
rôlo, com grande gaudio do m olécorio e da enorme affluen-
cia de espectadores.” (Pernam buco n. 131 de 1913). P erd er
uma partida de jogo, p or com pleto: Levar, tomar um rolo.
“ Deixe-m e embarcar esta bisca, para que não venha o ar
apanhal-a, e levar um capote ou r ô lo . ” (O Barco dos Patotei
ros n. 11 de 864).
Rom per as baetas — Revoltar-se, explodir, malquistar-se,
rom per as relações.
Ronca — Metter a ronca, dizer mal de alguem Engano,
l o g r o , que juizo, levar, tomar uma ronca. Detratação, diffam ação;
Mette a ronca, mette o pau, as mãos e o pé. (Lan tern a Ma­
gica n. 253 de 889). Em 1889 appareceu um periodico sob o'
u;
titulo: A Ronca, critico, litterario, noticioso, orgão republicano.'
Roncador — Especie de peixe, registrada p or Jeronym o Vi*
lella.
Roncar — Começar, apparecer, irrom p er. “ Quando quebra
a viola, ronca a lli a suvacada.” (A m erica Illustrada n. 12 dc
1878). Roncar como um porco. Roncar o diabo nas tripas:
Aviso ou presentimento para recuar em tempo de um dado
proposito. Roncar o pau: Pancadaria velha, bababi. “ Porem ,
acabada a festa, Roncava fóra o cacete.” (Guimarães Passos).
Roncha — Manchas arroxeadas que apparecem na pelje,
naturalmente, provenientes de uma enferm idade qualquer, ou
provenientes de pancada: Estar com o corpo coberto de ron-
chas.
Rongó — Mulher perdida, a tôa, catraia. “ Mulher rongó,
mija na cama, diz que é suó” .
Ronha — Prevenção indisposição, teiró . T e r ronha de a l­
guém. “ O velho reprovava tudo quanto hoje se faz; ronha
própria dos largos an n os.” (O Carapuceiro n. 17 de 1837). Au­
lete registra ronha como termo chulo, mas com accépções ou­
tras.
Roque — Especie de remissa ou bolo form ado em certos
jogos p or uma contribuição que successivamente fazem os ven ­
cedores das partidas, até o seu complemento, tirando então no
jogo immediato o vencedor não só a remissa como o roque;
mas entrando, indo á mesa, com uma cousa e outra se perde a
p artid a.
Roqueira — Especies de peça, pequena, feita de um pedaço
de cano de espingarda cortado ácima do ouvido e seguramente
preso a um pedaço de madeira grossa á laia de carreta. “ Uma
das brincadeiras mais agradaveis aos povos e povas da Gra­
ça, é o fogo de vista, os m orteiros e as roqueiras.” (A m erica
Illustrada n. 27 de 1882). “ A Bertha carrega lenha, A p rigio
solta a roqueira.” (A Pimenta n. 3 de 1901). “ A roqueira não
estoura Sem carrego, e sem tiç ã o .” (Juvenal G aleno).
Rôsca — Face, rosto, presença, fren te: D izer na rosca da
venta. “ Fez um papel imponente na rosca do p resid en te.” (O
Etna n. 24 de 1880). Pão com rosca: Dança de marido e mu­
lh er. O termo é vulgar no sul com a expressão de bebedeira.
Tom ar umar rosca.
Roubalheira — Roubo; muambas; furto continuado, cons­
tante* em um estabelecimento qualquer, publico ou particu­
lar»:©m que figuram muitos interessados nos arranjos. “ Uma
semana sem factos, sem crimes, sem roubalheiras.” (A Pim en ­
ta n. 3 de 1902). “ Essa idéa é de prim eira! Mas semelhante
protesto Parece m a is ... roubalh eira!” (Jornal do R ecife n.
181 de 1914). “ Desta maneira, inda offerece á roubalheira al­
guma cousa que roubar.” (C yran o & C.).
Roupa — Força, vigor, virilidade, potência. Vês aquelle
rapagão que vai a l l i ? . . . Não tem roupa! Roupa suja: Questões
intimas, domesticas, de fam ilia: A roupa suja se lava em casa.
686
(A d a g io ). Roupa velha: A carne do cozido do jantar, que no dia
seguinte, desfiada e convenientemente temperada constitue um
prato para o alm oço. “ Já fui no forno, na grelha, Tão virada
é revirada, Que hoje sou roupa velha, Em vez de ser m al­
assada.” (D a revista A Mal-assada).
Rouxinol — Ave canora (D en tiro stri) de bella plumagem:
Canta mais que um rouxinol. “ Não ouço cantar o terno rou­
xin ol ao v êr a lu a .” (A Pimenta n. 381 de 1905). O rouxin ol
não resiste a gaiola; e o seu canto, nas proxim idades das ha­
bitações indica visita ou chegada próxim a de uma estimada
pessôa ausente, como diz o vulgo.
R oxo — V inho tinto, particularmente o Figu eira. “ Uma
ceia de bôas postas de cavalla frita, com farofa, e o compe­
tente ro x o .” (A Carapuceiro n. 42 de 1837). Grande, form idá­
vel, estupendo. “ O frevo fo i roxo mesmo, na verdade.” (J o r­
nal do R ecife n. 54 de 1914). “ Num bailado roxo esteve em
fren te á nossa redacção o sympatisado maracatú P orto R ico .”
(Pernam buco n. 54 de 1914). “ F o i uma roição roxa, seu com­
padre; nunca pensei ter cabeça tão fo r t e .” (A Pimenta n. 27
de 1902). Mulato de côr arroxeada. “ Emquanto falava um
im provisador de discursos, o Malaquias e um roxinho riam-se
desmesuradamente.” (O Desespero n. 20.de 1880). “ Quando
amei a roxa dei tudo, tudo que eu tinha, e hoje nada te n h o .”
(A Pim enta n. 92 de 1902). “ D eixo uma saudade em cada peito
com balido de roxinha p e re ré ca .” (Jornal do R ecife n. 51 de
1914).
Rudado — Cavallo branco-escuro com manchas mais escu­
ras, carregadas, apatacadas, e segundo a sua variedade ru­
dado verm elho, cardão e roxo. Moraes registra rodado, cavallo
ruço rodado; que tem malhas circulares, ou pintas redondas.
Ruge-ruge — Confuzão, atropelo, desordem, barulho. “ O
facto causou immediatamente um ruge-ruge, que se não accom-
modando com a organisação physica do porta bandeira, man­
dou calar baionetas; mas no acto desta manobra, não quiz chu­
las, e saltou com a bandeira para dentro de uma casa, m os­
trando assim a sua coragem e v a le n tia .” (O Postilhão n. 24
de 1846). Aulete consigna a locução como da giria popular,
mas com expressões outras.
Rumão — Abundancia, quantidade, grande num ero. Um
rumão de gente, e consoantemente a phrase popular: Um bau-
dão e um rumão de cousas bôas. O term o vem de ruma, m on­
tão.
Rum-rum — Rumor, boato surdo.
Rusguento — Arreliado, brigão, desordeiro. “ Quem era
rusguento no tempo de Luiz do R ego? Quando D . Pedro I ab­
dicou, quem-era rusguento? (O Guarda Nacional n. 6 de 1843).
Russa — Bulha, barulho: Metter-se numa russa. Em bria­
guez: Tom ar uma russa. (G iria dos gatunos).
Russo-pombo — Gavalln esbranquiçado.“ Vende-se um ca­
vallo russo bom esquipador.” (D ia rio de Pernambuco n. 173
de 1829) Ha a especie russo pombo, differençada nela côr das
crinas. “ Um vaqueiro esquipando Num cavallo russo pombo
De crinas acastanhadas.” (O Boi Espaço)

688
s
Sabão — P o r sabio, como que levado assim o termo ao
superlativo, mas enpregado em tom de troça, p or desdem.
“ O Sr. Felippe N eri já não é sabio, é sabão” . (A m erica II-
lustrada, 1875). “ Vasto conceito de grandes e pequenos sá­
bios, isto é, de sabios e de sabões.” (Idem , n. 17 de 1883).
Sabença — Sabedoria, saber, mas em geral, applicado o
termo em tom de tr o ç a .” Qual dos nossos sapientissimos lit-
teratos analysou já com a sabença ordinaria um sermão do
pregador estranja?” (O A rtilh eiro n. 14 de 1843). “ A saben­
ça do Luiz Alves é cousa que faz r i r . ” (Am erica Illustrada,
1871). Aulete registra o vocábulo como termo popular, com
as mesmas accepções, e citando trechos de Alm eida Garrett
(João Baptista da Silva Leitão de) e Castilho (Antonio Feli-
ciano de) em que vem empregado; mas entre nós já era o
termo corrente em epocha anterior do apparecimento dos es-
clriptos daquelles dous litteratos portuguezes, com provada-
mente assim: “ Sabença d o .íra d e para purgar a sua aposta­
sia.” (O Am igo do P ovo n. 25 de 1829). Occorre ainda: no
poema A Festa de Baldo, de assumpto pernambucano, tendo
por scenario a tradicional v illa hoje cidade de Goyanna, em
1824, e escripto naquella epocha pelo nosso conterrâneo Á l­
varo T eixeira de Macedo, quando estudante do Curso Juri-
dico de Olinda (1829-1833), figura o popular vocábulo no can­
to I I I da peça nestes versos: “ Inda quando eu tivesse na
c a b eç a ... De Dom Quixote a própria livraria, Ou do grande
Lobão toda a saben ça,... Ainda assim, com taes predicam en­
t o s ... Minha sorte seria a mesma de h o je .” Esse poema so­
mente annos depois de escripto é que veio á luz da publi-

689
cidade, impresso em Lisboa em 1847, vindo dahi, sem duvi­
da, a vulgarização do vocábulo em Portugal, occorrendo ain­
da, que offerecendo o autor um exem plar ao citado escriptor
portuguez Alm eida Garrett, este agradeceu ao amigo do c o ­
ração o mimo com que o distinguiu, em honrosissima carta.
Saberé — P eixe dos mares do archipelago de Fernando
de Noronha, muito vulgar.
Saberetête — Q ualificativo de m ófa dado a quem se in ­
culca de sabedor de grandes cousas.
Sabiá — Nome vulgar de diversas especies de passaros
(D en tiro stri) de canto mavioso, umas estudadas e outras não,
nomeadamente: sabiá-guaçu' (gra n d e ); una (p re ta ); piranga
(averm elhada); e gongá e da praia. Outro passaro se acha,
chamado sabiá, da feição do m elro de Hespanha, e antes cui­
do que é o proprio, porque canta como e lle .” (D iálogos das
grandezas do B ra sil). “ Sabiá canta na matta, Descança no
pau agreste, Um amor longe do outro Não dorme somno que
p res te .” (T rovas populares).
Sabiar — Saber, entender, com prehender: Não sabiava
disto; agora porem, fico sabiando. “ Sou um homem, sabeu?
Sou bicho bom para quebrar-lhe o focinho c alinhavar qual­
quer u m .” (A Pimenta n. 406 de 1906).
Sabido — Astuto, experto, fin o rio ; estradeiro, velhaco,
trapaceiro. Com sabido, sabido e m eio. (D itado p op u la r).
Sabidório — O mesmo que sabido. “ Temos muitos sabi-
dorios para tu d o .” (A Duqueza do Linguarudo n. 99 de 1877).
“ E digam que o Samico não é um grande sabidorio” . (L a n ter­
na Magica n. 166 de 1886). “ Essa mocinha que nos parece
uma lezeira, é uma refinada sa b id o ria .” (A Peia n. 9 de
1904).
Sabongo — ou sambongo — Especie de doce feito de côco
ralado ou rapado, com mel de furo, de engenho ou rapadu­
ra. “ Sabongo se faz de c ô c o .” ( A Marmota Pernambucana n.
23 de 1850). “ Comendo sabongo misturado com fa rin h a .”
(O Clarim n. 8 de 1878). “ Cocada preta é sambongo, de mel
de furo sem s u jo .” (A m erica Illustrada, 1873). Registrando
Beaurepaire Rohan o termo sambongo, como pernambucano,
diz que tambem chamam currumbá a esta especie de doce,
cujo termo desconhecemos.
Saca-bocado — Pedaço de qualquer cousa: T ira r um
saca-bocado.
Sáçfcngja — Atropelo, defficuldadip, emprgencia critica:
Vêr-se mettidõ em saçanga.
Saçaricádo — Lucta, pugna, peleja. “ Encontrei o Zé P e ­
rigo gosmando muito, dizendo que só elle era cuéra, que
não via ninguém diante delle, e no saçaricado era sem segun­
do . ” (A Pimenta n . 494 de 1906).
Sacca de lã — Mulher gorducha, m alfeita de corpo, a-
chamboada. A uma naturalmente assim pelo seu appellido de
Marocas Sacca de lã, faz umas referencias desairosas A P i­
menta n. 502 de 19Õ7.
Sacco — Peça de roupa de máo córte, frouxa, empapuça-
da. “ Vestir as mulheres de fazendas grosseiras, e metter os
corpos dentro de roupas, que, pela sua chata uniformidade,
parecem saccos.” (C . W agn er) Grande córte, em fórm a dé
meia lua ou immenso circo, que se apresenta nos paredões
abruptos dos reborbos escarpados de serras e macissos mon­
tanhosos, segundo Bernardino de Souza, concluindo: E ’ ter­
mo usado em Pernambuco, onde a tal form ação se apresentá
a miude no macisso montanhoso constituído pelas sérras dé
Coqueiro, S. José, Catimbáo, Q uiry d*Alho, a noroéste da v illá
do Buique. O mais notavei é o sacco do Brejo, com 6 k ilo ­
metros de diâmetro interno comprehendendo tres saccos in­
ternos: Pingadeira, Caiano, Côcos. Sacco da beneficencia: a
bolsa que corre nas assembléas maçónicas para recolher as
espórtulas destinadas á beneficencia. Sacco das proposições:
a bolsa que corre nas mesmas assembléas para recolher qual­
quer escripto destinado a presit}encai. Sacco roto: indivíduo
falador, indiscreto, que não sabe guardar segredo. P o r a re­
gra na bocca do sacco: prevenção, cautela para evitar des­
mandos e abusos. Um no sacco, um no papo, outro em baixo
do sovaco: diz-se da mulher ue tem muitos filh os. % Surra de
sacco de areia. Não botar em sacco rôto: não esquecer uma
affronta, e esperar por urna occasião propicia de vindicta
“ Eu bem sei que tu te viras mais para o Joaquim, mas nem
tú nem elle as botam em sacco r ô t o .” (A . Alves B arbosa).
Quem vai dar leva um sacco para apanhar; Sacco vasio não se
põe em pé; Não cabem dous proveitos num sacco. (A d ágios).
Sacudir a poeira do corpo — Dar, bater, espancar.
Saculejar — sacudir, agitar, m ovim entar. “ O talento do
Sr. O’ Connell Jersey jazia em botijado; saculejaram a botija,
e a rolha saltando com foiça , o liquido espadanou-se.” (O
Diabo a quatro n. 31 de 1876). “ Ao som de uma marcha que
era mesmo de sacolejar a g e n te .” (Pernam buco n. 4 de 1914).
D erivado: Saculeja. “ A tampa da mala saltou num saculejo” .
(Lan tern a Magica n . 423 de 1894).

691
Safa! — Irra ! apre! com a breca! que entrega! “ Ir r a !
safa! passa fóra! T ira a mascara typão*’ . (O Diabo a quatro
n : 10 de 1883). “ Safa? Tibe'- arreda! vôte! Que njhilistas dam-
nados!” (Barbosa V ian n a).
Safadage ou safadeza — Pouca vergonha, branquinha, p ro ­
cedimento in correcto. “ Toda a safadage que lhe conto, eu v i
daqui da brecha do postigo” . (A Pimenta n. 555 de 1907).
“ Este monstro não cessa de praticar safadezas, infamias e vis
torp ezas.” (A Derrota, 1883). “ Em matéria de safadezas e
pouca vergonha, a pesca dos mariscos fo i mesmo um h or­
r o r . ” (A Pimenta n. 553 de 1907).
Safadão — Muito safado; descarado, desavergonhado, cy-
nico; sugeito que não presta, sem coragem, timido, pusilla-
nime. “ Caixeiro que não passeia ao domingo, e não dá supa-
pos na gaveta do patrão, é safad ão.” (Lanterna Magica n. 5
de 1882).
Safarrascado ou safarrasco. — “ Safarrasco é o mesmo F o r­
robodó, Chá de garfo, Forrobodança, Suvacada, Chôro, Fun-
ge, Fivióca, e t c ... Safarrasco é uma noite passada na pan­
dega em casa de fa m ilia ... pouco fradesca. Se fosse um lu­
gar duvidoso seria suvacada. O vocábulo é uma corrupção da
palavra farra, que quer dizer: troça, brincadeira, b o r g a .”
(A Lanceta n. 121 de 1913). “ Na volta da troça carnavales­
ca, á chegada na sua séde, houve um form idável safarrasco,
que se prolongou até a m anhã.” (Jornal Pequeno n. 41 de
1914). “ N o proxim o domingo o safarrascado será p e s a d o ...
Espalhafatoso safarrascado puxado á sustança.” (Annuncio
de um club carnavalesco, 1910). Alberto Bessa regista sa-
farrascada, como term o b razileiro, e o mesmo que zaragata,
da giria portugueza, com ^ accepções de barulho, alteração
da ordem, naturalmente seguindo A giria brazileira, que as­
sim consigna e define o vocábulo.
Safra — A epocha da colheita das plantações: a safra
do café, da canna, do algodão, etc. Tem po de abundancia ou
sahida e procura de uma cousa qualquer. “ O Conselheiro
perdeu a safra; as lagartas roelham-lhe a planta, não apro­
veitou uma canna, não fez um kilo de assucar.” (Lanterna
Magica n. 201 de 2887). (Pretende somente nas sócas ti­
rar uma safra colossa l.” (Idem , n. 444 de 1894). “ Emquan-
to houver quaresma, os vendedores de p eixe estão na sua
s a fr a .” (Idem , n. 455 de 1895). D erivado: S afrejar: T ira r
a safra, particularmente relativo aos engenhos de assucar;
o tempo da sua actividade industrial, a colheita, moagem da

692
canna e fabricação do assucar. O engenho vai safrejar ;está
safrejando; já safrejou e agora está pejádo.
Safra da pancada — Individuo fraco, m ofino, pusillami-
ne, que apanha constantemente.
Saguim — Pequeno simio (Jacchus vulgaris, St. H il., d i­
versas especies, duas das quaes são descriptas p or Marcgra-
v i . ” Os saguis que se criam nesta província, são lindíssi­
mos e muito estimados em P o rtu g a l.” (D iálogos das grande­
zas do B ra s il). Não sou saguim que m orre de caretas. (D ic-
ta d o ). O termo vem do tupi cã-i, o que é esperto, vivo, agil,
e concurrentemente sagui, sahuim, sahim, saui, sauhim, so-
him
Sahido — Mettido a engraçado; desenvolto, atirado, a-
foito .
Sahimento — Descaramentq, pouca vergonha* desfaça­
tez, atrevim ento.
Sahir — Nestas locuções: Sahir á franceza; sem despedir-
se de ninguém. Os francezes, tão correctos na observância
das regras e preceitos de civilidade e cortezia, naturalmente
encommodados com a phrase, e não m orrendo de amores
pelos inglezes, construíram esta em represália: F ile r á l ’ an-
glaise. Sahir a tanto; o custo de cada objecto numa compra
de muitos. Sahir a toque de caixa; ás carreiras, atropelada-
mente. Sahir ao enicontro; procurar alguem, rebater uma
idéa, oppor-se a qualquer cousa. Sahir cara a brincadeira
ou sahir-se mal da brincadeira; com promettido, seriamente
prejudicado. Sahir com a rcupa do corpo; sem cousa .plguma.
Sahir com quatro pedras nas mãos; com arrogancia, malcrea-
damente. Sahir com um rom pante; com insolências e des­
temperos. Sahir de banda; esgueiradamente, como quem não
quer à cousa. Sahir de crista cahida, Sahir murcho ou de
orelhas murchas; triste, abatido, humilhado. Sahir dos seus
cuidados; praticar um acto irreflectidam ente, de in feliz lem ­
brança. Sahir dos seus geraes; dos seus hábitos e costumes.
Sahir em trajos de Adão; em completa nudez. Sahir fóra do
serio; perder a compostura, as estribeiras. Sahir no melhor
da festa; inesperadamente, inopportunam ente. Sahir o anno
bicexto ou o trunfo ás avessas; solução contraria aos dese­
jos e interesses em m ira. Sahir sem dizer nem uma nem duas;
caladamente, confundidameute, sem dar conta do recado. Sa­
hir sem dizer aqui lhe ficam as chaves; sem dar satisfação.
Sahir tinindo ou vendendo azeite ás canadas; azoado, irritado,
contrariado. Sahir cinza; desordem, confuzão, barulho, pan-
cadaria grossa: Ao terminar o fogo de a rtificio fechou-se o
tempo e sahiu cinza.
Saia e camisa — F orro de sala, de madeira, cujas taboas,
longitudinalmente assentes, ficam umas um pouco salientes
das outras, e assim revezadamente disposts.
Salabardóte — Sacerdote, em tom depreciativo. “ O sala-
bardote do A b ra n tes.” (O Camarão n. 4 de 1848). “ Corpulen­
to, olhar de porco, trajando uma sotaina, era um salabardo-
te” . (O Barco dos Patoteiros n. 3 de 1864). “ Um certo maca­
cão salabardóte.” (Lanterna Magica n. 187 de 1887).
Salafrário — T yp o ordinário, despresivel. “ Este grande
salafrario fo i ao Rio de Janeiro levando muito d in h e iro .” (O
Vapor dos Traficantes n. 181 de 1859). “ Um salafrario ir b ei­
jar o pé do p ap a!” (A m erica Illustrada n. 20 de 1877). “ Mos­
tra uma cara de canto, quando é forte salafrario. (Lanterna
Magica n. 146 de 1886). O termo é vulgar em Alagoas, mas
exclusivamente dado aos cirios ou lanternas que ladeiam a
cruz procissional nas solemnidades religiosas, parecendo as­
sim, segundo Theotonio R ibeiro, corruptela de cero ferario .
Salamandra — Ophidio venenoso, que attinge a grandes
dim ensões.
Salão — T erra misturada de argilla corada, e de óptima
producção. Term o vulgar na zona da matta, extende-se á ser­
taneja, e mesmo a alguns estados do norte. No Acre, porem,
salões ou torrões, designa os baixios de argilla verm elha, en­
durecida, que se depositam no leito dos rios, embaraçando a
navegação. O termo vem cie longe, porquanto já era vulgar
entre os nossos lavradores cm começos do seculo X V III, como
escreve Antonil: “ Seguem-se aos massapões os salões, terra
verm elh a. . . Se o senhor de engenho não conhecer a quali­
dade das terras, comprará salões por massapés, e apicús por
salões” .
Sal em carne podre — Rem edio para uma cousa perdida,
consoantemente com a locução: Receitar defunto.
Salgado como uma pia — Muito salgado. O dicto vem do
facto da agua benta da pia das igrejas, ser salgada.
Salina — Estabelecimento de fabricação do sal marinho
situado no littoral; terras saliferas ou nitreiras onde se extrae
o sal gemma ou natural. “ Depois do almoço fiz um passeio as
salinas, situadas a uma milha para o in terior da ilha de Ita-
m aracá.” (H . K o s te r). “ R io abaixo da cachoeira do Sobra-
dinho (alto S. Francisco) occupam-se os habitantes com o fa-
b rio do sal gemma, que nesta paragem sahe bem crystallisado
e alvo, e rivaliza com o que vem da E u ropa. ” (Fernando Hal-
feld )- Os indios conheciam o uso do sal, a que chamavam ju-
kira, e dahi o nome jukyritiba, grande quantidade, abundan-
cia de sal, dado ás salinas ou minas de sal. O estabelecimen­
to de salinas entre nós vem de epochas remotas, e dahi, no­
meadamente Salinas, e depois Santo Am aro das Salinas, nos
arredores do R ecife, com a furdação da respectiva capella,
no seculo X V II.
Salta-atraz — Os filhos de mamelucos com negras, como
diz o auto da Descripção de Pernambuco em 1746, enumerando
as qualidades das pessoas que compunham a população da
capitania naquella epocha; e como, na phrase de A lfred o de
Carvalho, mamelucos eram os filh os de india com brancos,
segundo o autor daquella Descripção, resulta com toda a e vi­
dencia, que semelhante denominação ou alcunha exprim ia
exactamente a consciência duma retrogradação no aperfeiçoa­
mento racial. O term o porem, não é regional, uma vez que
na Am erica hespanhola, e na republica do Equador, nomeada­
mente, é ainda hoje comesinho para designar certa casta de
mestiços de indios com negros. Antigo entre n4s, como vimos,
é ainda corrente, na zona sertaneja, particularmente, tendo
porem, ás vezes, expressões d eprecitivas. “ Olhe, meu salta-
atraz, se continuar a encommodar a visinhança, a p olicia lhe
tomará con tas.” (A m erica Illustrada, 1873). João R ibeiro po­
rem, sem documentação de especie alguma, diz que o termo
deriva de Satanaz (vae de retro, salta-traz), que designava os
pretos escravos, natuarlmente africanos!
Salta-caminho — Conhecido passaro ainda não estudado,
e somente conhecido p or este nome vulgar, que vem do seu
habito de andar aos saltos pelos caminhos, voando porem a
approxim ação dos transeuntes.
Salta-martinho — Inquieto, revolto, que não pára em lu­
gar nenhum. “ N o meio de toda essa gente se acha um portu­
guez fallido, aquem ouvimos chamar salta-martinho” (O Clamor
Publico n. 77 de 1846). “ Para arranjar a tramóia do testamen­
to, metti debaixo da cama um meu sobrinho, que é um verda­
d eiro Salta-martinho” . (O Barco dos Patoteiros n. 3 de 1864).
(P ailid o, magro, baixinho, im berbe. E ’ um salta-martinho” .
(A Pimenta n . 45 de 1902).
Salto — Pequena distancia; lugar perto, muito proxim o de
um dado ponto. Da casa do João a do Antonio é um salto;
ou como tambem expressa esta vulgar locução: Um salto de
pulga. T ocar de passagem, de caminho, ou ir de pressa em
qualquer parte para um fim ou incumbência qualquer. O ter­
mo nestas duas expressões é tambem muito usado no dim i­
nutivo: um saltinho; dar um saltinho. “ E não desses lá um
saltinho, para lhes roerem tudo que ellas tivessem ?” (Caneca)-
Saltos furtados: manha, subterfúgios, astúcia dolosa. Andar
com saltos furtados. “ Os filhos da Candinha estão falando
muito p or aqui de uns saltos furtados de um certo negocian­
t e . ” (A Pim enta n. 3 de 1914).
Samba — Dança; bailado popular, sapateado, com canti­
gas próprias acompanhadas a v io la .” P elo nosso matto, es­
creve Lopes Gama no se’ O Carapuceiro em 1842, Qú estava
então muita tamba, Não se sabia outra cousa Sinão a dança
do sam ba.” Festim popular, ruidoso, de comes e bebes, em
que predomina á dança do samba. “ A estes saraus eampestres,
conhecidos p or sambas, não faltam as moças mais desembara­
çadas das visinhanças, as fadas da roça.' (ranklin T a v o r a ).
Samba é um termo de origem africana, e que, como o bahiano,
não temos duvida em affirm ar, cie accordo com Sylvio 11o-
mero, que são umas transformações dos batuques e maraca-
tu’s africanos, constituindo assim uma especialidade b ra s ile i­
ra, e de generalisação em todo o paiz, afigurando-se-nos com-
tudo, que têm elles o norte como ponto de partida da sua
irradiação. D erivados: Sambar, sambista. “ A Julia, que é
sambista arreliada, dá no Juca fortíssima u m bigada.” (A P i­
menta n. 573 de 1907).
Samba lá caçote — Mal-enjorcado, exotico, ridiculo.
Sambambaia — Planta da fam ilia das Polypodiaceaes, de
tres especies, uma das quaes, que vegeta na zona sertaneja,
fornece o capim com que se fazem cangalhas.” Camba ou ca­
ma, corda; mbaia, embaraçada, enrolada; cordas emmaranha-
das, Allude ao trançado confuso que faz esta planta, de que se
originou a conhecida expressão; cabello de sambambaia, em­
pregada áquellas pessoas que o trazem maltratado, sem o pen­
te a r .” (A rm in do Guaraná).
Sambocar — T ira r, saccar, extrah ir.
Sambúdo — De barriga inchada, crescida, volumosa. “ Um
coió feio, sambudo, com cara de mamão m a ch o.” (A Pimenta
n. 624 de 1907). “ E ’ sambudo, gettatore, e da côr duvidosa de
s a ra rá .” (O Judarrão n. unico, 1900).
Samburá — Cesto de cipó, pequeno, de fundo largo e boc-
ca afunilada, para usos diversos, preso a cordéis para pendu-

696
rar, ou trazer a tiracollo, como fazem os pescadores para re ­
colherem o que pescam. “ A velha vinha carregada de um sam-
burá, de onde fo i tirando um casal de ga to s.” (O Carapucei-
r o n . 13 de 1837). “ Matuto boçal, indolente, passa sempre ven ­
dendo num samburá, couves, maxixes, tomates, quiabos e giri-
m u ns.” (A Pim enta n. 22 de 1902). “ Luiza, canastra velha,
Cesto, samburá sem fu n d o .” (T ro va s p opulares). B a rrig a .”
O frade já está com o samburá muito c h e io .” . (O Paisano n.
4 de 1843). Barriga de samburá; o mesmo que sambudo. Pes­
car para o seu samburá; arranjar-se, cuidar de si, dos seus in ­
teresses. Um cestc e um samburá; abundancia, quantidade,
grande numero. “ Tem um cesto e um samburá de filhos e ou­
tros tantos compadres e amigos em todas as p o litic a s .”
(O Tam oyo n. 17 de 1891). “ T rago um cesto e um samburá
de lembranças para os am igos.” (Jornal Pequeno n. 13 de
1916). Samburá é termo tupi, e já registrado por Gabriel Soa­
res.
Sanga — A porta d’ agua dos viveiros de p eixe; algirão,
bocca afunilada de qualquer armadilha de caça ou pesca, por
onde entra o animal sem mais poder sahir; A sanga do cóvo,
do giqui, da ratoeira, etc. Sanga é um vocábulo quimbundo
que quer dizer achar.
Sangangú — Barulho, rôlo. conflicto; confuzão, atropelo,
correria. “ Logo em principio do espectáculo deu-se um sangan­
gú provocado pelo tal p olaco” . (Lanterna Magica n. 424 de
1894). “ De subito gritos desordenados partiram do local do
sangangú” . (A Pimenta n. 35 de 1902). “ Não houve sangan­
gú’ porque o cabra não resistiu .” (Idem n. 381 de 1905).
Sangrar — D eixar, levantar-se, não proseguir, abando­
nar. Sangrar o jogo, por perda considerável ou outro qual­
quer m otivo. “ Com as mulheres velhas sangrei hp muito a
am isade.” (O Diabo a quatro n. 6 de 1883). P ed ir dinheiro
abusivamente, dar facadas; furtar-se, negar-se a peditorios.
J‘Já não posso com tanta subscripção. O tal Sr. Ignacio Mus-
sú tem-me sangrado por todos os m o d os.” (O Artista n. 6 de
1847). “ Mando um bilhete para sangrar um bom camarada,
que diz massado: já não te posso mais emprestar d in h e iro .”
(A Pimenta n. 12 de 1902). Sangrar-se na veia da saude, pre-
venir-se com antecipação, cíefender-se antes de sêr accusado.
Sangria desatada, ou não; cousa urgente ou não: Isto não é
sangria desatada; isto é, não tem pressa, póde esperar. San­
gre-se e purgue-se. Prescripções communs, vulgares, dos nos-
sos antigos médicos e curandeiros, ás consultas dos seus c li­
entes, e tão geralmente usadas, feitos os competente diag­
nósticos, que a phrase tornou-se proverbial, cahiu no animo
popular, e assim, ainda hoje repetida. Effectivam ente, a san­
gria praticada pelo mestre barbeiro ou sangrador, e o clás­
sico purgante de mamona ou oleo de ricino, constituíam o
apanagio da nossa archaicu m edicina.
Sangue — Sangue azul; o dos nobres e fidalgos. “ O con­
sorcio de que Soares de Azevedo fo i o filh o prim ogénito e
unico, soffreu uma notável opposição da parte de seus avós
maternos, que não queriam misturar o seu sangue azulcom
o de um negociante honrado e abastado.” (F . M. Raposo de
A lm eid a ). “ Gente de sangue azul, grandes da te r r a .” (L a n ter­
na Magica n. 271 de 1889). (Sangue de barata; diz-se que tem-
no os indivíduos fracos, tolerantes, pusillam ines. Sangue de
boi; certa variedade de/ côr do cavallo castanho; passaro da
ordem D eodactylis (Ramphocelus brasHiensis, D e sc .) de tres
especies, e cujo nome vulgar vem da côr verm elha da sua b el­
la plumagem. “ Um passaro, aqui chamado (Pernam buco) de
sangue de boi, e muito commum, não podia deixar de pren­
der a nossa attenção; as azas e a cauda são pretas e todo o
resto do corpo de um verm elho flam m ejante. ” (Charles W á-
te rto n ). Sangue fr io ; calma, presença de espirito, im pertur­
babilidade. Sangue máo; gettatore, pés frio s. Sangue novo;
certas erupções cutaneas. Sangue nos olhos; vivacidade, ex-
perteza, velhacaria: Moça de sangue nos olhos. C orrer o san­
gue nas veias; parentesco por consanguinidade. Mal de fogo
a sangue; irreconciliavelm ente, intransigentem ente. O sanr
gue faz o seu dever; D inheiro é sangue, e sangue não se dá.
(A d á g io s ).
Sanhaçú — Pequeno passaro canoro (Tanagra episcopus.
L in n .) de côr cinzenta plúmbea, com as azas de um azul es­
verdeado. Vocábulo de origem tupi, é corruptela de Sahi-açú,
por ser m aior que o sahi, ave pequenina, do mesmo genero
(T a n a g r a ); e já com o nome vulgar de sanhaçú, conhecido em
começos do seculo X V III, como se vè destes versos de um
Romance registrado p or Nuno Marques P ereira no seu curioso
liv ro Compendio narrativo do peregrino da Am erica: “ De p i­
cado o Sanhaçú, Tão alto soltou a voz, Que cantando a com­
passo, Compasso não leva n to u .” Beberráo, gancista, capua-
beiro, m am oeiro. “ Gancista, bom mamoeiro, excellente sanha­
çú, para a p in g a .,... oh! elle tem, tem faro como urubu’ . ” —

698
(A m erica Illustrada n. 17 de 1883). Sobre a origem deste novo
qu alificativo dado ao beberi ão, escreve aquelle periodico hu­
m orístico o seguinte no "seu n. 2 do mesmo anno: “ A festa
passada, antes de deixar-nos quiz introduzir no mercado mais
uma palavra chula e rasteira, uma phrase significativa de em­
briaguez, de bebedeira. Já tinhamos o mamoeiro, era neces­
sário inventar mais uma cousa, um dicto para form ar uma
parelha. E o dicto não se fez esperar: é o sanhaçú. O nosso
povo cobriu de palmas o sanhaçú’ assim como já tinha applau-
dido o mamoeiro, e ahi andam estes dous nomes pela cidade
de bocca em bocca, repetidos a cada passo e a cada canto,
como um dicto engenhoso, como uma phrase de espirito, p o li­
da, cortez, e ahi anda isto, verdadeira invenção de bêbados,
a querer ganhar os fóros de cid a d e .” E ganhou, effectiva-
mente, accrescentamos nós. Logo no carnaval immediato um
grupo de foliões mascarados marcha á toada de uma cantata
allusiva á bebedeira, Ai, íião me dou bem com a cachaça de
ninguém, na phrase dos seus versos, e que tinha por estri­
bilho: Acabou-se o mamoeiro, só ficou o sanhaçú. E o Zé-
povinho tomou conta da cantata, que não raro é ainda hoje
entoada, e o termo ficou arraigado no animo popular. Mamo­
eiro, como se sabe, é um dos termos designativos do beberrão;
e como o sanhaçú é um passaro que preferentem ente tira a
sua alimentação do fructo daquelle vegetal (carica papaya),
vem dahi, naturalmente, essa sua expressão, neste particular,
concurrentemente com aquella de mamoeiro e as demais, que
avultam. “ Sanhaçú de mamoeiro, pula, pula, canta, can ta.” —
(Lanterna Magica n. 39 de 1883).
Sanharó — Especie vulgar de abelha (T r ig o n a . amalthea,
O liv .) silvestre e bravia, e assim furiosamente atacando a
quem se avisinha dos seus cortiços. E\ de uma côr preta re ­
luzente, e dahi chamarein-na os indios Ira maya epixúna o-
aê, abelha preta. O vocábulo sanharó, porem, é corruptela dc
tupi çoó-laron, bicho bravo, segundo Theodoro Sampaio.
Sanjoanesco — Referente a S. João: os populares, tra-
dicionaes e ruidosos festejos e folgares em honra do santo
precursor de Christo na vespera e dia que a igreja lhe con­
sagra. “ Nos festejos sanjoanescos imperou nos arrabaldes o
samba, o côco e o to rra d o .” (Jornal do R ecife n. 173 de 1916).
Vocábulo moderno, e talvez regional, é naturalmente, um
modismo do termo portuguez sanjoaneira, antigo, era desuso,
applicado a um tributo, fôro ou pensão que se pagava pelo
S. João, imposições essas originarias do reinado de D. San-
Mutuei ninei t5(*wn
rass.
cho II, no seculo X III, e assim vindo o termo dessa epocha,
com taes accepções; e corrente ainda, para designar uma va­
riedade de pêras que em Portugal amadurecem pelo S. João.
Sant’ Antoninho — O mesmo que A i Jesus, Menina dos
olhos. “ O principe Mauricio de Nassau, que era o seu Santo
Antonio,. se partiu de Pern am bu co.” (F r . Manoel Calado),
Vem de longe, portanto, a locução.
Santa Barbara! — Locução interjectiva de espanto, admi­
ração, h orror; e particularmente, para applicar a ira das tem­
pestades, trovoadas e o fogo dos coriscos.
Santa M aria — Bellissima flor, cultivada com esmero.
“ A flo r de Santa Maria, Formosa como não h a .” (Jeronym o
V ille la .)
Santarrão — H ypocrita, fingido, velhaco.
Santa terrinha — Portugal, como assim o chamam os
seus naturaes, e nós os imitamos em tom de troça. “ O A b ilio
para se vêr liv re de certas complicações, azulou para a santa
terrin h a” . (A Pimenta n. 13 de 1902). “ Que o frade fique lá
pela sua santa terrinha, a com er batatas e beber vinho v e r­
d e” . (O Desespero n. 8 de 1880). “ A ’ nossa porta cantaram os
Canninhas verdes um fado lá da santa terrin h a” . (Pernam bu­
co n. 104 de 1914). O termo, porem, já vem de longe, como se
vê desta definição de corcunda, em um artigo publicado no
D iario de Pernambuco n. 194 de 1829: “ Homem que não p er­
deu o amor ao seu rei velho, e que só aspira, que o Brasil
una-se á santa terrin h a” .
Santa V ictoria — Nom e vulgar da palmatória, e assim
particularm ente conhecida nas escolas de instrucção prim a­
ria, onde ainda impera, apezar de regulamentarmente prohi-
bida. “ Se v ie r para cá passo-lhe a Santa V ic to ria ” . (Am erica
Illustrada, 1874). “ Santa V ictoria de cinco buracos, (os o ri­
fícios da palmatória dispostos em fórm a de cru z), T ira a
mandinga de quem é v e lh a c o .” (D ictado (p o p u la r). Em al-
luzão áquelles orifícios, tem a palm atória em Portugal a de­
nominação chula de Menina de cinco olhos. Furtar a Santa
V icto ria: tirar a palmatória da escola nas proxim idades das
ferias, restituindo-a depois, bellam ente enfeitada com fitas
de cores e emmoldurada de flores, dentro de uma bandeja,
forrada com uma bonita toalha de labyrintho, e acompanhan­
do-a os presentes ao mestre-escola para o b rodio da festa es­
colar dos exames e das ferias do anno.
Santo breve da m arca! — O mesmo que Santa Barbara, na
sua prim eira accepção.

700
Santo do pau ôco — Phrase irónica applicada a um me­
nino travesso, traquinas, ou a um individuo santarrão, manho­
so, hypocrita. “ Estamos de rosário na mão orando com o
m aior fe rv o r ao Sr. Padre Augusto que é santo do pau ôco” .
A Lanceta n. 31 de 1890). Santo do pau ôco é o nome com
que o povo chama a S. W ibaldo, p or figurar de pé, dentro de
um volumoso e carcom ido tronco de arvore, como figurava
na extincta procissão de cinza, e ainda hoje é assim exposto
com os demais santos dos a n d o reí daquella procissão na
igreja velha da Ordem T erceira de S. Francisco do R ecife
em dias festivos.
São brancos, lá se entendem — Gente da mesma laia, in ­
divíduos da mesma especie, que p or isto se comprehendem,
se entendem. “ Os dois são brancos, lá se avenham ” . (O Es­
tado de Pernambuco n. 349 de 1914). Cremos que o dito vem
do seguinte facto; e se assim não é, já era corrente na epo­
cha: Manoel Dias de Rezende, homem" pardo e capitão do r e ­
gimento auxiliar da gente da mesma côr da praça do R io
de Janeiro, sendo um dia desrespeitado p or um dos seus sol­
dados, fo i se queixar ao commandante do seu terço ou re ­
gimento, o m ajor Mello, portuguez. Este porem não o atten-
deu, e respondeu-lhe com insultuosa zom baria: Vocês são
mulatos, lá se entendam. Duplamente offendido o capitão R e­
zende, corre ao vice-rei, que era então D . Luiz de Vasconcel-
los e Souza (1779-1790), queixou-se, e fo i attendido. O vice
rei manda chamar o m ajor M ello e ouvindo a confissão da
offensa, ordenou que se recolhesse preso. P reso! Exclam ou o
m ajor. Preso por isto? Nós somos brancos, cá nos entende­
mos; respondeu-lhe o vice-rei.
São Gonçalo — Antigo bailado, dança religiosa e bandei­
ra em louvor de S. Gonçalo de Amarante, o casamenteiro das
moças, com versos proprios e musica particular, O que tudo
estudamos detalhadamente no nosso Folk -lore pernambucano.
Em alguns estados do norte, nomeadamente os do Ceará e
Piauhy, ainda tem vóga os bailados de S. Gonçalo, com o
mesmo caracter religioso, e muitas vezes em cumprimento
de uma promessa feita ao santo pela cura de alguma en fer­
midade, ou p or um m otivo qualquer de regosijo.
São Jeronym o — O mesmo que Santa Barbara.
São João — Ophidio (C oluber viridissim us), conhecido
pelo nome de Boiabi entre os indios. Cobra muito vulgar en­
tre nós, mesmo na cidade, attinge, quando muito, a uin me-
tro é de uma bella côr verde amarellada, e bastante venenosa,
se bem que não tanto como a cascavel.
São Jorge — Máo cavallero.
São Nunca — V . Dia de S. Nunca.
São Pagamião — V . Dia de S. Pagam ião.
Sopa ou sapo — Mulher gorda, m alfeita de corpo, de an­
dar pesado, e de grotesco trajar. “ A mulher excessivamente
gorda é um sapo. ” (Carapuceiro n . 14 de 1840).
Sapatão — Especie de meiá botina ou sapato raso, com
salto, fechado na frente por enfiador ou áo- lado p or botões.
Sapataria — Na accepção de calçado nesta phrase: Casa
ou não casa, tira a sapataria fóra, o que quer d izer: Oufaça
isto ou não faça, avie-se logo.
Sapatear — Dar o cavaco, irritar-se: O cabra sapateou
com a preterição.
Sapateiro — Pequeno crustáceo dos mangues (Ibacus po-
tiquequy, M a rc g .), a especie de camarão. Artista inhabil, que
nada faz com precisão; charlatão.
Sapaúna — P eixe de agua doce.
Sapé — Graminea, especie de capim, que serve para co­
b rir habitações rústicas e á outras applicações. ” H erva que
serve para cob rir casas em lugar de telha, e tem de bondade
ser mais quente que e lla .” (D iálogos das grandezas do B ra­
s il). “ O balanço da rêde, o bom fogo, Sob um tecto de hu­
m ilde s a p é.” (L . N . Fagundes V a r e lla ). “ Casa de sapé, de
taipa de sebe coberta com e lle ” . (M o ra e s). Cesto ou balaio
para usos diversos, na zona certaneja. “ Deixou-me a canga
de um cóvo, Um sapé de guardar ro u p a .” (A herança de Din-
d in h a ). D erivado: Sapezal; lugar onde abundantemente vege­
ta o sapé; terra esteril que só produz sapé. Sapé é term o de
origem tupi, corruptela de capé ou eçápé, composto de eçá-pé,
verbo, allum iar; a graminea (Saccharum sapê) que sérve pa­
ra fazer fachos e cobrir casas, alterado em yaçapé, sapé.
(T h eo d o ro S a m p a io ).
Sapéca — Massada, estopada, contratem po; esfrego, casti­
go, sóva. Dar tomar, levar uma sapéca. “ O Sr. coronel Bezerra,
que não é pernambucano, n o s . proclamou de Iguarassu’ antes
da sapeca, que levou em Maiãcota, sapeca, que como a de Mus-
supinho lhe há de lem brar todos os dias de sua vida.” (O Guar­
da Nacional n. 17 de 1848). “ Se falares no nariz do general, eu
te dou uma sapeca tamanha, que te hei de tirar sangue.” (A
Colheita h. 1 de 1901).

702
Sapécar — T irar, arrebatar, arrancar, com força, violên ­
cia, empuxão; castigar bater, sovar. “ Agora em qualquer parte,
brevem ente te sapeco.” (O Azorrague ei. 57 de 1846). Sylvio
Homero registra o verbo sapecar como de origem indigena, ao
que parece, synonimo de chamuscar, queimar o pêlo de leve,
cujas accepções são desconhecidas entre nós.
Sapiranga — Denominação vulgar da moléstia de olhos
B lefarite ciliar, que ataca as pestanas, deixando assim des­
guarnecidas as orlas das palpebras, e tintas de um verm elho
muito pronunciado. Visitando o bispo D. Fr. Francisco de
Lim a o im pio e irriqu ieto poeta G regorio de Mattos, em estado
moribundo, para o reconciliar, apresentou-lhe uma imagem de
Christo Crucificado, de um máo trabalho de encarnação p o r­
quanto tinha os olhos injectados de sangue; e lembrando-se
elle de umas crianças que soffriam de sapiranga (A rarip e Ju­
n io r), p rofere tão impia como jocosamente estes versos, talvez
os-últimos da sua lyra travessa: “ Quando meus olhos mortaes
Ponho nos vossos divinos, Cuido que vejo os meninos De G re­
gorio de Moraes.” Sapiranga é um vocábulo de origem indigena,
corruptela de eçá, olho, e piranga, verm elho.
Supuru’ na — P eixe do mar.
Saquarêma — Denominação depreciativa do partido ccn-
servador em uma das phases da sua agitação politica no paiz,
e entre nós, precisamente, assim já vulgarmente chamado em
184G, quando começou a publicar o seu periodico, O Saqua-
rema, em opposição á situação lib eral e ao governo do presi­
dente da província o conselheiro én ton io Pinto Chichorro
da Gama. “ O povo Luzia ser resolve Dos escravos Saquare-
m a s ... Só Saçjuaremas malvadas, Governam com persegui­
ç ã o !.. . Os Saquaremas vis entes, Sempre abom ineiros.”
(S alve Rainha dos Luzias). “ T u ’ não sabes que os saquare­
mas só querem dos gallegos as am arellas?” (O Form igão n.
7 de 1850). (Saquarêma, como termo de accepção politica,
teve por origem o seguinte, como enccintramos: “ Pelos an­
nos de 1845 appareceu no R io de Janeiro um celebre Padre
Cêia, que se distinguiu como subdelegado de policia da villa
de Saquarêma. Espedindo uma ordem de prisão, dizia, que si
o réo resistisse, fosse morto paulatinamente. Isto serviu para
larga e acrimoniosa discussão contra os liberaes, situacionis­
tas, e o nome de Saquarêma tornou-se logo notável e aprecia­
do. Como Rodrigues T orres (Visconde de Itaborahy) e Pau-
lin o José Soares de Souza (Visconde do U ruguay), chefes
conservadores, tinham grande parentella nessa villa, e com

703
'efficacia defendiam os seus parentes, e estes foram mais ou
menos attendidos èm contraposição aos actos do Padre Cêia,
fo i a sua denominação se convertendo em synonimo de fa ­
vorecido, potentado, que ao prin cipio deu-se aos parentes da­
quelles dous personagens politicos, e que depois passou ao
partido inteiro, em todo o paiz. A maledicência partidaria,
porem, engendrou uma origem injuriosa, tirando-a do verbo
sacar, e dahi sacaremos, sáquaremos, saquarema” .' Quantq a
etym ologia do vocábulo saquarema, como de origem indigena,
encontramos duas versões, que, não se harmonisam, registran­
do-as, comtudo. Segundo Martins ,quer dizer, sem peixe, de
sagoa peixe, e eyma agua, dado a uma lagôa que não o tinha;
Theodoro Sampaio, porem, diz que saquarema ou socorêma,
como antigamente s dlizia, é corruptela de sócoreima, multi­
dão ou bando de socós (A rd ea brasiliensis).
Sarandage — Gentalha, povilhéo, canalha. “ O figo do b oi
F o i p ’ra sarandage.” (D o romance pastoril O Antonio Geral­
do). O termo entre nós já teve a variante de sarandalha,
como, aliás, é vulgar na Bahia. “ Um museu de sarandalhas,
uma bandeira de retalho.” (O A rtilh eiro, periodico do Recife,
n. 45 de 1843).
Sarapatél — Comida feita com sangue e miudos de p o r­
ca, Particularmente para almoço. “ O dia de festa esteve es­
curo e chuvoso, os espíritos religiosos ficaram tristes e não
poderam realisar as suas patuscadas: vingaram-se, porem,
em com er sarapatél de porco.” (A m erica Illustrada n. 1 de
1881). “ Um bom sarapatél. comida appetitosa e domingueira.”
(O João Fernandes n. 17 de 1886). “ H oje, depois da missa do
gallo, e no lugar do costume haverá sarapatél a 240 reis o
prato.” (O Sachristão, n. unico, 1903).
Sarapó — P eix e de agua doce (Gimnatus carapó, Lin n .),
de duas especies conhecidas. Term o de origem tupi, vem de
cará-pó, desprende mão, ou o que escapa escorrega da mão.
(T h eo d o ro Sam paio).
Sarará — Form iga verm elha de azas; a mariposa, a b o r­
boleta que vôa em torno da luz, a çarará dos indios, tida por
agoureira pelos espiritos supersticiosos. Mulato alvacento de
cabellos verm elhos, por analogia á côr da form iga deste no­
me. “ E ’ sambundp, jettatore, da côr duvidosa de sarará” .
(O Judarrão n. unico, 1900). “ Uma sarará da rua das Calça­
das deu um baile em um rapaz que passava.” (A Pimenta
n. 538 de 1907). “ Faca sem ponta é quicé; Verêda aberta é

704
caminho; Muito branco é sarará, Muito preto é malunguinho.”
(F o n -fo n , n. 18 de 1914). Sarará, segundo Baptista Caetano,
é um vocábulo de origem tupi, contracção de içá form iga,
ara dia e rá nascer ; form iga nascida da luz do dia.
Sarceiro — Barulho, conflicto, confuzão. “ Sabe-se por ou­
v ir dizer, que houve um sarceiro lá para Catende ou Barra da
Jangada.” (A Lanceta n. 9 de 1890). “ Um sarceiro m edonho!
Escandalo dos escandalos; gritos ataques, cartolas achata­
das, fraks rasgados, o diabo á qu atro !” (A Pim enta n. 492
de 1906). “ P o r causa de nada armou-se um sarceiro enorm e.”
(A lb erto Bessa).
Sardo — P eixe de agua salgada(Cybium maculatum, Cuv.),
o cará-caróca dos indios cujo nome perdeu pelo de sardo, pela
sua semelhança com o peixe dos mares portuguezes assim
chamado.
Sargo — P eixe do mar, a que os indios chamavam guay-
biay, cujo nome perdeu pelo mesmo m otivo que o cará-caró­
ca, que tem o vulgar de sardo.
Sargento-m ór — A rvo re de que se tira madeira de usos
diversos. O fficial superior do exercito colonial, correspon­
dente hoje a major.
Sarrilho- — O mespio que sarceiro. “ Deu-se « o largo da
igreja um terrível sarilho, no qual os brabos soltaram um
preso do poder da policia.” (Lan tern a Magica n. 432 de 1894).
“ Na casa da Bemvinda houve um grosso sarilho, se bem que
a luta durasse poucos momentos.” (A Pimenta n. 389 de 1905).
“ Um sarilho sangrento e intempestivo, armado do dia para a
ctoite.” (Jorn al Pequeno n. 1 de 1913).
Sarna — Azucrim, cacete, massador, importuno; e para
ainda mais accentuar táes expressões a phrase: Sarna gallica.
Sarneia — Inchaço calloso nas costas do cavallo produ­
zido pelo contacto da cangalha. “ E ’ um cavallo b r io s o ...
Nos queixos tem um inchaço. Um gerimum na sarneia.” (A
Herança de D indinha).
Sarrabulho — Comida preparada com o sangue e miudos
de carneiro. “ Sarrabulho é de carneiro.” (A Marmota P e r ­
nambucana n. 23 de 1850). “ Que chacifana! que sarapatel!
que sarrabulho!” (O Sete de Setembro n. 37 de 1846). D esor­
dem, barulho, confuzão. “ Quando vejo o perigo approximan-
do vou-m’e logo escapando ao sarrabulho.” (O Vapor dos T ra ­
ficantes n. 156 de 1859). “ Se os liberaes se intromettem, Ha
sarrabulho sem fim .” (O Diabo a quatro n. 38 de 1876). “ Tem

705
m orrido tanta gente! E ’ tão grande o sarrabulho, Que eu
receio francamente Marchar tambem nesse em brulho” . (J o r­
nal do R ecife n. 25 de 1014).
Saúba ou saúva — Especie muito vulgar de form iga
(E codonea eephalotes), tambem conhecida p or Form iga de
róça e a que os indios chamavam içá, uçá uuê ou yçayba.
E ’ verm elha, e considerada como a mais prejudicial das
form igas pelos damnos que causa a lavoura de todo genero.
Form iga sabe que roça come. (D ictad o). “ As form igas sauvas
sempre foram um flagello para a lavoura, e quasi todos os
processos de destruição têm fracassado.” (A P roivn cia n. 95
Sampaio, termo tupi corruptela de çaiyba, segundo Theodoro
SamPaio, termo tupi corruptela de çayba, o queixo,, a mandí­
bula, o m axillar in fe rio r; alterado em saybo, sayuva, sau’ va;
nome de uma form iga conhecida pela sua voracidade e força
de destruição, (A lta eephalotes).
Sau’na — P eixe do mar, de escamas, pequeno, á feição
da tainha. O autor dos Diálogos das grandezas do B razil já
o registra com este nome vulgar dizendo que é a modo de
mugem, peixe muito conhecido em Portugal. Sau’ na é um
vocábulo de origem tupi de eçá olho, e Ima preto: peixe de
olhos pretos como effectivam ente tem.
Schip-chandler — Casa de fornecim ento de artigos de
navegação, e de generos para abastecimento de navios, e onde
geralmente, se encontra á venda certos objectos de contrabpjado;
pento de reunião de marítimos com bancas de bebidas. “ F re ­
quenta os schip-chandlers, aonde tudo chumberga.” (A m erica
Illustrada n. 48* de 1877).Os estabelecimentos deste genero de
commercio ficam situados juntos, ou nas immediações dos
caes dos ancoradouros dos navios. Term o inglez de iguaes
accepções.
Sebolório — Dicção enterjectiva de enfado, aborrecim en­
to, desdem; concurrentemente com a locução: Ora sebo!
“ Todo mundo nesta vida só cuida do seu mamorio. Ora sebo!
S eb olorio! (O Paladim n. 18 de 1851).
Seboso — Poço sujo, nogento, immundo. “ Pela manhã,
porcalhão, á tarde sempre seboso.” (A m erica Illustrada n. 14
de 1884).
Secco — Desejoso, avido, sequioso na accepção figurada
de grande desejo de vêr, de praticar, de exercer, de cumprir,
de satisfazer alguma cousa. O Manoel está secco p or casar
com a filha do Antonio.
Seda — Delicado, cortez, amavel, accessivel. O José é uma
seda.
Segredo de abelha — Cousa mysteriosa, impenetrável,
ignorada.
Seixo — Bôlo, logro, calote. “ Severino pede ao Sr. Doria,
que vá pagr.r o seixo que lhe pregou de cincoenta e tantos
m il reis.” (O Povo n. 33 de 1855). “ Sorte m a ca ca ... O ban­
queiro lhe passara o s eix o !” (A Pimenta n. 5 de 1902). “ A
catraia passou um seixo nas costureiras que fizeram um ves­
tido preto com que anda.” (Idem n. 627 de 1908). D erivado:
S eixeiro; caloteiro, trapaceiro. “ Alem disso has de ser frade
sexeiro, Que a vida passarás a regalona, De tudo gosarás sem
ter dinh eiro.” (A Carranca n. 56 de 1845). “ O nosso cobrador
já cançou as pernas em correr atraz dos acanhados em pa­
gar e a gritar; pèga os s e ix e iro s!” (O Diabo a quatro n. 108
de 1877). “ O seixeiro é tão grande que no brejo quando pas­
sa é bem lig e iro .” (A Pim enta n. 61 de 1902). Sexeiro da
meia noite, compra fiado, come não paga; Seixeiro da meia
noite, come fiado, bebe não paga. (D ictados).
Sello — Quantia em dinheiro equivalente a 480 rs; pa­
taca e meia: Um sello e quatro (560-rs.) “ O h f que colchetes,
que custaram a sello a caixa.” (O Guarda Nacional n. 3 de
1842). “ Um mocotó por um sello, uma lingua por dous cruza­
dos. (O Vapor dos Traficantes n. 96 de 1859). “ L ib ra de car­
ne á pataca, E cuia de farinha a sello Não fazem mui bom
cabello.” (Idem , n. 192 de 1860). Abundancia, em boas doses;
com força, vigor á vontade; Pancadaria de sello; bordoadas
de sello. “ Nada lhe chega para as extravagancias; e corre-
me facadas de sello.” (O Campeão n. 28 de 1861). Este termo,
de um caracter exclusivamente regional, era o nome parti­
cular de uma especie de moeda, naturalmente de prata, mas
d escín tcid a pelo nome e pelo valor na nossa numismática, e
mesmo sem mensão nos nossos lexicons. Que se trata, effec-
tivamente, de uma moeda assim denominada, de curso rem o­
to, nos tempos coloniaes e do valor corrente de 480 rs. não
i esta a menor duvida em face da sua constante documenta­
ção. “ O capitão Francisco Dias Delgado ao assentar da pedra
botou no alicerce ao longo da pedra dez m il deis em moedas
de sellos. (T erm o do lançamento da pedra fundamental da
capella de Santo Christo de Ipojuca em 4 de N ovem bro de
1663). “ Tres sellos de tres missas, que se disseram de corpo
presente, 18440 rs. Quatro sellos de signaes, 1$920 rs.” .
(Contas das despezas dos funeraes do mestre de campo H en­
rique Dias em 1661). “ Apezar da remessa de farinha para a
Bahia e Rio de Janeiro não passou a valer mais que uma pa­
taca por alqueire e um sello na cidade de Olinda e no R ecife.”
(C ircular do governador F e lix José Machado de 28 de F e ve ­
reiro de 1713).
Semente de embira — A da embira de caçador, ou pin-
dahyba (G ualtheria villosissima, St. H ila re ) fam ilia das ano-
naceas, muito usada como condimento em certas comidas e
mesmo de virtudes carminativas. Ninguém fica p’ ra semente;
Perde-se a semente. (D ictados).
Semi-branco — Mestiço ou mulato disfarçado; meio bran­
co quasi branco. Pantaleão da Silva,semibranco, casado, ca­
lafate morador em Fóra de Portas, preso em 1818” . (A rch ivo
da Casa de D etenção). “ Francisco era semibranco corpu­
lento, espadau’do e de bôa estatura.” (F ra n k lin T a v o ra ).
Semiputo — Estudante do segundo anno dos cursos su­
periores. Este termo vem da giria académica da universida­
de de Coimbra, onde já era corrente em meiados do seculo
X V III, como consta do Palito m étrico: “ Aos que na U n iver­
sidade se matriculam no segundo anno costumam nomear por
Semiputos, por ser este o anno em que todos publicam o
bom e mau da sua inclinação.”
Semitumba — Sepultura, cóva, catacumba, de que o ter­
mo é corruptela. “ Alguns duellos levam typos á semitumba.”
ÍA Pimenta n. 77 de 1902).
Sem tamba nem samba — Sem cousa algumaf sem nada
absolutamente ter de seu: Um sugeito sem tamba nem sam­
ba; um pobre de Christo; sem o ffic io nem beneficio. “ Sem
tamba nem samba.” (O Cometa n. 8 de 1843). Esta locução,
que corresponde a portugueza, Sem eira, nem beira, nem
ramo de figueira, é evidentemente de origem africana, como
ai»nda esta outra muito vulgar na bocca do populacho; Se não
tem tamba nem samba, nem malembá, que vem cá buscá?
Com o nome de Malembá ha um engenho no m unicipio dè
Pau d’Alho.
Sem um Padre nosso de penitencia — Im pune; nada sof-
fre r por uma falta ou mesmo um crime com m ettid o; Ficar
palitando os dentes. “ Altos funccionarios que occasionam sen­
tenças judiciarias contra a fazenda nacional, sem um Padre
nosso de penitencia.” (A P rovin cia n. 177 de 1916).
Sem vergonha — Desvengonhado, descarado, indecente, in­

708
digno. “ Desejava olhar para essa bitacula! Que cara de sgm-
vergon h a!” (O Form igão n. 11 de 1850). “ Nós lemos a pre-
sumpção de agradar a todos, mormente numa terra que a
subserviência é o m aior padrão de gloria para os semvergo-
nhas” . (O Desespero n. 9 de 1880). “ À mulata, si é bonita, Qua­
si sempre é semvergonha. Casa com negro cambado, Pare m o­
leque p am o ih a.” (Lan tern a Magica n. 464 de 1895). D erivados:
Sem vergonheira; servergonhez; sem vergonheza; semvergonhice.
“ Foi pegado o liomem da capa preta, foragido autor de certas
sem vergonheiras.” (A Pimenta n. 85 de 1902). “ Aquillo é mesmo
um prim or de estylistica e de semvengonheza.” (Jornal do Re­
cife n. 21 de 1914). “ Quem paga a vaidade fem inina e a sem-
vergonhez masculina, é o logista que fia a sua fazenda.” (L a n ­
terna Magica n. 148 de 1886). “ Serás tão inexperiente que te
deixes iIludir consentindo em semelhantes semvçrgonhices? ”
(A Pimenta n. 7 de 1898).
Senhor de engenho — P rop rietá rio de um engengo de assu­
car, qu alificativo este que substitiuiu ao de lavrador, que o ri­
ginariamente teve, nos prim eiros tempos da colonisação da ca­
pitania, vindo este outro porem, já de prim ordios do seculo
X V II, como consta de documentos coevos. V. L a vra d o r). “ O ser
senhor de engenho, é titulo a que muitos aspiram, porque traz
comsigo o ser servido, obedecido, e respeitado de muitos.” (A n -
to n il). Quando o senhor de engenho chora, o que faria, o que
fará o lavrador? (A d a g io ). “ Macaco é senhor de engenho,
E guariba o lavrador; O rato é quem bate o mel E o m orcego
é purgador.” (T rovas populares). “ Ora que vidoca! E digam lá
que ser senhor de engenho é cousa ruim .” •(Lan tern a Magica
n. 559 de 1898).
Senzala — Ccnjuncto de pequenas casas de habitação dos
escravos de engenhos, dispostas em linha, e em geral corridas
de um alpendre na frente, com calçada. “ A senzala, o grande
pombal negro, ao lado da casa de moradia do senhor, e de ren ­
deiros do engenho.” (Joaquim N abuco). “ Lá na senzala, coita­
dos, no tronco gemem atados, tres infelizes escravos.” (L a n ter­
na Magica a . 187 de 1886). Esta denominação de senzala vem
de igual termo africano, pela sua significação de habitação,
moradia, e naturalmente imposta pelos proprios escravos o ri­
ginários das regiões africanas, acaso logo em começos do tra­
fico, na segunda metade do seculo À V I. No tenipo da domina­
ção hollandeza (1630-1654) houve no bairro do R ecife uma
senzala de negros, Ç|ue ficava da banda do rio, por detraz,

709
da rua dos Judeus, hoje do Bom Jesus, construída por um ju­
deu portuguez chamado Fernando Martins, e que deopis da res­
tauração fo i vendida por 250*000. E ’ dahi que vem os nomes
üas ruas da Senzala, nova e velha, que officialm ente perm ane­
ceram até 1870, quando foram mudados, o da prim eira para o
de D. Maria Cesar, e o de segunda para o de Domingos José
Martins. Houve tambem uma senzala nas immediações do con­
vento de Santa Thereza, em ülonda, hoje Collegio das ürphãs,
paru habitação dos escravos da communidade, cuja situação
ficou eom o nome de Senzala, que ainda permanece.
Sequispedal — Bello, bom, animado, concorrido. ‘“ A no­
vena de Sant’Anna teve animação colossal e o coioismo foi
sequispedal.” (A Pimenta n. 388 de 1905). “ Ü bom, porem,
foi o sequispedal Zé P ereira do Club N ove e meia do A rraia l.”
(Pernam buco n. 47 de 1914).
Sequista — Cacete, prosista enfadonho.
Serêno — Ruuaião de gente no exterior de uma casa ein
festa pará aprecial-a “ Lá para S. Gonçalo assistimos com um
cartão de sereno a um chinfrim que alli houve.” (O Etna
n. 5 de 1881). “ A policia deu ordens aos seus sicários para
retirar do sereno dos espectáculos lyricos as fam ilias que se
postam .por fóra do Santa Izabel.” (O Etna n. 22 de 1882).
“ Ccnheci Aurelia desde um sereno na Bôa Vista.” (A Penna
r.. 6 de 1899).
Sericoia ou siricoia — Ave pernalta, ribeirinha, de uma
côr amarella averm elhada; especie de assobio com as mãos
convenientemente dispostas para o sopro, cujo som imita o
canto da ave, e dahi, assim chamado; Assobiar ou tocar a
cericoia. “ Toque seu flautim, sua sericoia.” (O Barco dos
Traficantes n. 48 de 1858). Sericoia é um vocábulo onomato­
paico, originário do proprio canto* da ave, que parece assim
dizer.
Serigado ou sirigado — P eix e de agua salgada, de couro
grande e muito abundante não só nos mares do littoral como
nos do archipelago de Fernanado de Noronha.
Sermão — Admoestação, carão, reprim enda; Passar um
sermão. “ Cada um dos meninos pensa no sermão que vai
ouvir da mamãe e no castigo do papae.” (T ic o -T ic o n. 485
de 1915). Sermão de lagrim as; choradeira, lamúria, jerem ia­
da. Sermão de legua e meia; grande, extenso, enfadonho,
cacete. Sermão estudado; convenientemente preparado para
produzir os desejados effeitos. Sermão encommendado ou de
encommenda; leito em satisfação de um pedido. Quem en-
commendou o sermão que o pague. (D ictado popular). “ Aqui
fica o sermão encommendado. Estou cançado.” (A Pimenta n.
28 de 1901).
Sernambi — Especie de marisco ou mollusco do gene-
ro Lucina (L . braziliana, D ’o rb ign i) já não muito vulgar
Descrevendo o autor dos Diálogos das grandezas do Brazil
as diversas especies de molluscos abundantes entre nós, diz
que o sernamby é d ifferen te de todos os mais porque tem
sangue, que vem-lhe periodicam ente, nas conjuncções luna­
res, cujo phenomeno é assás conhecido. Com o nome de Ser-
namby, ha um a ponta no littoral, ao sul do Cabo de Santo
Agostinho. Sernamby é um termo de origem tupi, corruptela
de cerinambi, o marisco, a ameijoa.
Serpente — Mulher genista, ntalcreada, ínsu pportavel;
velha, feia, repellente.
Serra — P eix e do mar, de pelle, a especie de cavalla,
mas que não attinge ao seu crescim ento; é o corororóca dos
indios, porem já vulgarmente conhecido com o nome de
serra em começo do seculo X V II, como assim o menciona o
autor dos Diálogos das grandezas do Brazil, entre os mais
estimados pescados da terra, colligindo-se que vem esse no­
me de um peixe da mesma especie das índias Orientaes e
assim chamado, Filiante, papa-jantares. “ Chamam-se serras
a certos sugeitos que gostam de v iv e r a custa dos amigos, e
não fendo em sua casa certas iguarias, agarram-se á cau­
da dos patos, e os acompanham pelos hoteis afim de ajudal-os
a jantar, a almoçar e a tomar qualquer refeição.” (Lan ter-
naMagica n. 41 de 1883). “ O typo é o prim eiro serra do H o ­
tel de Londres.” (A Pimenta m 14 de 1901). “ Tom aram p ar­
te na festança varios serras.” (Idem , n. 643 de 1908). D erivado;
S errar; “ Nós iremos para Jaboatão serrar os pirões de um
am igo.” (Lan tern a Magica n. 140 de 1885.) “ Havemos de en­
contrar alguma casa onde serrar, graças ao meu violão e á
tua voz.” (Idem , n. 683 de 1901). “ O sugeito é muito aprecia­
dor de vinhos, e serra toda dia feijoadas.” (A Pimenta n.
14 de 1902).
Serrador — Ave registrada por Jerenym o Vilella.
Serrote — Monte, collina, ou antes uma serra ou monta­
nha pequena, de pouca altitude. “ Quando nós quizemos a-
quartelar, ainda nos fizeram fogo de um s e rr o te ... A tra­
vessamos uns serrotes que bordavam os caminhos.” (C aneca).
“ Alguns serrotes escalvados completavam o largo compasso
que abria a natureza.” (F ra n k lin T a v o ra ). “ O serrote da
p rata da Ilha da Assumpção, compõe-se de gneiss.” (F e r ­
nando H a lfeld ).
Servente de casaca — Indivíduo protegido que entra em
uma repartição publica qualquer, como servente, figura na
respectiva folha, percebe a competente diaria, mas não faz
o serviço proprio do lugar, e ás vezes, nem mesmo outro qual­
quer, ou nem vai á repartição.
Servir-se da louça ou da prata de casa — Servir-se do
que é proprio, sem recorrer a extranhos, a cousas alheias.
Sessar — Peneirar, joeirar, ou passar pela peneira ou u-
rupema, a farinha grossa, por exempló, para que fique fina
e livre das impurezas: Farinha sessada. “ Uma abane o foga­
reiro, Outra lave a tijellinha, Outra vá bater os ovos, Em-
quanto eu sesso a farin h a” . (Versos de p astoril). “ Marianni-
nha fo i com sua mãe e irm ã sessar o feijão na urupema para
c expurgar da areia e do barro origin al.” (F ra n k lin T a vora ).
Sessar é um termo de origem africana.
9ete — Conta de mentiroso. (D ictad o). Sete cães a um
osso; muitos pretendentes a uma cousa. Pintar o sete; fazer o
diabo, dar por paus e por pedras. Correr sete partidas; an­
dar, viajar muito. Botas de sete léguas; as que deitam sete
lcguas em cada passo, segundo um conto popular. “ O p ro­
fessor Pedro Lemos comprou um par de botas de sete le-
goas.” .(D ia rio de Pernambuco n. 255 de 1915). Sete couros;
abcesso profundo na região do calcanhar, que segundo a
crendice popular atravessa sete couros ou sete camadas de
pelle para dar sahida ao pus, vindo dahi o qu alificativo. Sete
vezes pecca o justo. (R ifã o ).
Setembrizada — Os motins occorridos na cidade do R e­
cife nos dias 14, 15 e 16 de Setembro de 1831, assim consi­
gnados nas nossas chronicas. “ Tem os visto crises ameaçado­
ras em Pernambuco, como a Abrilada, a Setembrizada e Ca-
banada.” (O Cometa n. 4 de 1843).
Seu — Form ula popular da palavra senhor, fazendo o
fem inino em sá: Seu aquelle; seu fu lan o; sá Maria, etc.
Seu Anastacio — O recem-chegado de uma viagem. Esta
locução vem de uns versos de ruidosa saudação a um recem-
chegado, que começam: Seu Anastacio chegou de viagem, de
uma scena da revista fluminense Pontos nos ii, de Vicente
Reis e M oreira Sampaio, representada no Theatro Santa

712
Izabel em 1896. “ O Sr. Bento Borges chegou de viagem, como
na velha canção de Seu Anastacio.” (Jornal do R ecife n. 67
de 1915). “ Vai-se caminhando p or uma rua, toca-se em um so­
brado, mas o que é que se toca? Sinhô Anastacio.” (Lanterna
Magica n. 482 de 1916ÍK N o mesmo anno appareceu um L iv ro
dc sortes sob o titulo: Seu Anastacio.
Sexquipedal — Grande, enòrme, inconunensuravel, mas
p or metaphora. “ Zé Povo, como é d ivertido o sexquispedal
jornalista, que o chamou de semi-selvagem .” (Jornal do Re-
c ife n. 18 de 1918). •
Silenciar — Calar-se; deixar em silencio uma occurrencia
qualquer; não se m anifestar: O uvir e calar.
Sim — Manifestação de consentimento, annuencia, a um
pedido de casamento: Dar o sim; ainda não recebeu o sim.
O Man oel pediu a Maria em casamento, e teve logo o sim.
Simão — Nom e vulgarmente dado ao macaco.
Simsinhô — 0 mesmo que fio fó . “ Conhecendo as velhas
0 estado que a gallinha se acha, seguram-na, e encaixando-
lhe o dedo minimo no simsinhô, verifica m se tem ovo ou não.”
(O Telegrapho n. 4 de 1850).
Sineiro — Passaro D entirostri (G rallaria tinniens, Desc.)
da ordem Deudactyli.
Sinhá — Corruptela de senhora, termo originariam ente
usado pelos escravos africanos para chamarem as mulheres
dos seus senhores, chamando porem ás filhas, sinhasinha, ou
sinhá moça. “ A mucama dos engenhos constituiua o typo in ­
term édio de graça, da brejeirice, do catitismo, ao lado da p re­
ta quituteira e da sinhá-moça.” (A ra rip e Junior). Gente sinhá;
De bôa fam ilia, bem educada, gente fina. “ Eu não sou cabana
Lá do Pará; Sou menina bôa, Gente sinhá.” (Quadras popula­
re s ).“ Sinhá é uma contracção de senhora. Concedo que seja
um solecism o; mas de solecismos estão cheias as línguas mais
c u lta s... Em todas as linguas os termos mais affectuosos co­
mo os de pae e mãe passaram por uma alteração, ou se quize-
rem, por um estropeamento semelhante ao que no Brasil
soffreu a palavra s en h o ra ... As relações sociaes que produ­
ziram o termo sinhá são desconhecidas aos europeus. N o v e ­
lho mundo a escravidão fo i com mui raras excepções a ty-
rannia domestica; e não se repassou como no Brasil, dos
sentimentos os mais generosos, a caridade do senhor e a de­
dicação do servo. Não podem, pois, estranhos comprehender
a doçura e expressão do vocábulo com que o escravo come­

713
çou a designar a senhora e a filh a de seu senhor.” (José de
A len car).
Sinh’Anninha — Aguardente, cachaça. “ Nós não somos
marujos inglezes; não jogamos o box nem gostamos de
sinh’Anninha.” (O Diabo a quatro n. 172 de 1878). “ Succu-
lenta feijoada, em companhia da inseparável sinh’Aninha.”
(O Etna n. 37 de 1882). “ Depois de escarrapichar o que os
leitores acabam de lêr, dei um beijo em sinhAnninha, afim
de esclarecer o entendimento.” (A Pimenta n. 501 de 1916).
Sinhô — Fórm a popular da palavra senhor, cujo fem in i­
no, sinhá, já deixamos registrado, tendo este vocábulo a mes­
ma origem. H oje porem, é um termo fam iliar, de tratamento
dos meninos, com os seus diminutivos de sinhorzinho e sinha-
zinha, e ccncurrentemente com este, o de sinharinha.
Sióba — P eixe do mar, de escamas, “ A ’ ceia fo i apresen­
tada gorda sioba em molho preparada.” (A Pimenta n. 48
de 1902). Sioba, como escreve Páulino^Nogueira, é corruptela
de çoo carne e ib prin cipal: a melhor carne ou m elhor das
carnes, allírsão á excellencia da carne deste peixe. Ha uma es­
pecie menor chamada siobinha, tambem do mar. “ A melhor
manèira de preparar a siobinha é assa-la na grelha tendo o
cuidado de esquenta-la primeiramente, para que o peixe não
pegue.” (Jornal Pequeno n. 41 de 1910).
Siri — Crustáceo do mar e dos rios, até onde chega a
influencia das marés vivas, do genero Lupea, da ordem dos
Decapodos, e de varias especies, nomeadamente o siri de man­
gue, o molle e o capiba, o grande, o m aior da especie natural­
mente e estudado por M aregravi sob o nome de Lupa-apoã.
Siri don zello; um rapaz sim plorio timido, apalermado. P ar­
tes de ciri bóceta; de tolo, de lézo, muito de industria, para
conseguir alguma cousa. O siri magro carrega agua para o
gordo. (A d a g io ). Siri é um vocábulo de origem tupi, corrup­
tela de ciri, o que corre, o corredor, como assim é o seu ca­
minhar. De siri temos os derivados Sirigi, um riacho affluente
do TVacunhãem, corruptela de ciri-g-y, rio dos siris; e
Sirijó, um outro riacho, no município de Goyanna, corrup-
tella de ciri-yó o que procede do siri, ou tirado do siri.” (T h e o ­
doro Sampaio).
Siriêm a — A ve pernalta * (D icolophus cristatus, Illig e r )
do genero das casuares, muito vulgar na zona sertaneja, e n o ­
tável pela guerra sem tregoas que faz a toda sorte de ophi-
dios, e dahi a sua criação domestica para v ive r em róda

714
das habitações, e mesmo para alimentação, p or ser a sua cra-
ne apreciada pelos habitantes do sertão, que a comparam á
do pato silvestre. M arcgravi registra a ave como o nome
de Sariama, crendo assim Beaurepaire Rohan, que fosse este o
seu nome p rim itivo, o que não é exacto, porquanto, já muito ante­
riorm ente áquelle scientista, tratando o autor dos Diálogos das
grandezas do Brazil, das nossas aves, escreve siriema, dizen­
do ; “ Da meSma casta das emas ha outras a que chamam
siriemas, as quaes se ajudam dos pés e azas para o correr,
com o que ficaram velocissimas, sem nunca se alevantarem
da terra.” T heodoro Sampaio, porem, registrando a ave no seu
vocabulário tupi, escreve Seriêma, dizendo quanto á sua ety-
mologia, que é corruptela de ceri-eim, o que voa ou sahe
pouco; nome da ave Dicholophus cristatus I I I ; alterado em
sariama, siriema, sariem a; corruíptela de çariama, compos­
to de çaria, crista, am erguida, isto é crista levantada, ou a r­
mada de crista, como effectivam ente tem.
Sitio — Lim itada propriedade territorial, suburbana, com
casa de habitação, jardim e pom ar; ou rural, de culturas d i­
versas; um sitio de roça, de algodão, etc. “ Começou o b airro
da Bôa Vista com casas de campo ou retiros a que dão em
Pernambuco o nome de sitios, quando na Bahia roças e no
R io de Janeiro, chacaras.” (L u iz dos Santos Vilhena, 1802).
“ Os inglezes, na sua m aioria, residem nos arredores do R e­
cife, em casas de campo chamadas sitios.” (M rs. M aria Grahan,
1821).
Sobejo de defunto — Viuva. “ Quem tem carneiro tem Iam;
Quem tem porco tem presunto; Não me caso com viuva Que
é sobejo de defunto” . (Versos populares). “ Viuvas? Gosto de
todas T al e qual cofho presunto, Feias, magras, velhas, g o r­
das, Sobejinhos de defunto.” (Jorn al do R ecife n. 45 de 1915).
Sobrado — Especie de coreto elevado, que ha nos en­
genhos de assucar, onde o p ro p rieta iio assiste e dirige os tra­
balhos da fabrica. “ O sobrado se desloca, e lá fóra vai parar.”
(A m erica Illustrada, 1872).
Sobre-si — Reservado, inaccessivel, retrah ido; orgulhoso,
presumpçoso, soberbo.
Sobrôço _ Medo, pavor, receio. “ Ser pegado assim, fóra
de hoijas, no quintal dos outros, é feio e sempre faz um certo
sobroço.” (A Lanceta m. 35 de 1890). “ Maria, hontem na mat-
ta, Grande sobroço s e n ti... E logo o fumo lhe dei, Mas com
sobroço tamanho Que não sei como fiqu ei.” (C ancioneiro do
N o rte ). Este termo é de corrente antiga, porquanto já era

715
vulgar na Bahia em começò do seculo X V III, como contem­
poraneamente escreve Nüno Marques P ereira : Despertei com
sobroço, por me accordqr o caminhante, dizéndo-me que es­
lava cercado da justiça.”
Sóca — Brotamento ou rebento que se segue ao p rim eiro
córte da canna de assucar para a moagem. “ Canna renascida
é sóca.” (O Alfin ete n. 13 de 1890). “ Pretende somente nas
sócas tirar um safra colossal.'^(Lanterna Magica n. 444 de
1894). “ Eu não sou soca de canna, Que m orre e torna a nas­
cer.” (Quadras populares). Segundo Beaurepaire Rohan, o
vocábulo vem do verbo tupi aioçoc, cortar.
Socádo — Cheio, gordo, alentado, corpulento.
Socar-se — Metter-se na casa de alguem frequentar com
assiduidade uma casa qualquer: O Antonio só vive socado nq
casa do João.
Soca vão — Ribanceira, barranco; buraco, esconderijo;
lugar retirado, escuso. Moraes registra Socavão, socava grande,
que define: cava subterrânea por baixo de monte, ou em p ro­
fundeza.
Socó — A ve ribeirinha, (A fd e a brasiliensi) da fam ilia das
pernaltas, de tres especies ccnhecidas, nomeadamente o socó
commum, o boi e o socó-i. “ O socó-boi, linda pernalta de pen-
nas esverdeadas ou cinzenta, se não rivalisa em tamanho com
o tuiuyu de Matto Grosso ou coni o jaburú das margens
do S. Francisco é, no entanto; muito desenvolvida.” (A lfre d o
Brandão). Socó, vocábulo de origem tupi, é como escreve
Theodoro Sampaio, corruptela de çoo-có, bicho que se a rri­
ma, ave que se sustenta ou se apoia em um pé só.
Sócos — Calçado ordinário. “ Se revoltara contra todos que
lhe tiraram o palitó de alpaca verde e os sócos do Aracaty.”
(A Tempestade n. 7 de 1858). “ Formosas, gamenhas, De saia
balão, P o r barato preço, Bons sócos terão.” (O Campeão n. 7
de 1861).
Sofá-rasteiro — Esteira, estrado de dorm ir. “ Chegando
cm casa fui tratando de armar a rede, que o sofá-rasteiro
foi roubado.” (A Pimenta n. 588 de 1907).
S offrêo — Lindo passaro, vestido de um preto lustrosis-
simo, de um am arello muito acceso, e com as azas matiza­
das de branco, como assim o descreve A. J. de Mello, conclu­
indo; Eu o tenho visto em Fajehu’ de Flores, exprim indo
seu canto a palavra soffreo, da qual se lhe tem dado o nome.
“ N o campo os soffreus Canções vão tecendo. E as rolas no
bosque Respondem gemendo.” (V igá rio F. F. B arreto).

716
S ofolié — Especie de fazenda antiga de vestuário de ho­
mem, já vulgar na segunda metade do seculo X V II, como se
vê de um soneto de G regorio de Mattos descrevendo a P r o ­
cissão de Cinza em Pernambuco naquella epocha: “ Um ne­
gro magro em sofolié justo, De joás azorragues dous pen­
d en tes.” “ Se eu daqui á dez annos para m im. Não fize r um
calção de sofolié, N ão me chamem jamais Mestre Joaquim.”
(Vademecum dos poetas). Moraes ainda registra o term o como
um tecido de algodão raro, de varias cores.
Sol — Não conhecemos particularmente, precisamente, em
que accepção é o term o consignado nos seguintes trechos, e
mesmo em um dictado muito vulgar; entretanto, conjectura­
mos, que figura assim com as expressões de um indviduo
poderoso, grau’do, mandão de aldeia, ou valentão, destemido,
brigão. “ 0 João Carneiro com seu filh o tem feito as todinhas,
e acabado com miuito sol na v illa de Iguarassú” (O Foguete
n. 1 de 1845). “ Eu se não me fô r embora daqui, faço as to ­
dinhas c acabo com muito sol.” (F ra n k lin T a v o ra ). Fazer as
Iodas e acabar com muito sol. (D ictado popular).
Soládo — 0 trabalho da sola do ca lça d o ; Umas botinas
de bom solado.
..S o la e vira — Solado do calçado com mais uma meia sola
para o refo rçar: Umas botinas fortes, de sola e vira. “ Boni­
to meu Cicero de sola e virar” (D r. A prigio Guimarães).
Solão — Sol ardente, agudissimo, de rachar. “ T odo o dia
mettido na matta, bom solão com effeito curti.” (A m erica II-
lustrada, 1875).
Solfa de fá bordão — Sóva, pancadaria velha, bababi.
“ Uma forte entoação Cantaram a Braz Luiz, E segundo o que
se diz F o i solfa de fá bordão.” (F o lk -lo re Pernam bucano).
Soló — Caldo de feijão engrossado com farinha sessada,
temperado, e com pimenta: Um prato de soló.
Somneira — P o r somnolencia, e com as suas próprias ex­
pressões.
Sonhento — Alegre, satisfeito; ingrato, cheio de si. “ Ne-
grada, oia Zé Lorian o como está sonhento!” (A P eia n. 7 de
1903). O termo virá de sonho, nas accepções de engano, ap-
parencia, phantasia, devaneios? Diz-se commummente, que
estar sonhando, é andar errado, enganado, illu dido; estar des­
vairado, allucinado, na occurrencia de pretenções superiores,
de grande alcance, ou desvantajosas, perigosas mesmo.
Sôpa de cavado cançado — Sangria ou garapa de vinho

717
tinto com agua e assucar com um pouco de bolacha commum
partida em pedacinhos.
S. P. Q. R. — Iniciaes que figuram nos pendões de algu­
mas confrarias religiosas, como nomeadamente, no da irm an­
dade do Senhor dos Passos da parochia de S. F r. Pedro Gon­
çalves do barro do Recife, representando assim a legenda:
Senatus, populos que romanus, que se via inscripta nos pen­
dões ou estandartes da republica de Roma Concurrentemen-
te com aquellas expressões latinas encontramos estas varian ­
tes: Sabinus populam <j|ui resistit? Salve populum qui re d i­
miste. O povo, porem, dá esta interpretação ás referidas ini-
cines: Salada, pão, queijo, rapadura!
Sopetão — De repente, inopinadamente, inesperadamente;
arrebatada, precipitada, bruscamente: Entrar, falar, praticar
qualquer acto de sopetão.
Soprante — Musico de instrumento de sopro. “ A fanfarra
é de oito soprantes.” (Jornal do R ecife n. 29 de 191^). “ O
club fará um passeio precedido de uma orchestra composta
de doze soprantes.” (Jornal Pequeno n. 23 de 1916).
Sorpreza — Cartucho com bolinhos ou confeitos, con­
tendo um pequeno objecto qualquer, espelhinhos, bone­
cos, carrinhos e outros de semelhante natureza, que consti­
tuem as sorprezas ao abrir dos cartuchos. “ Ainda hoje se en­
contra, entre risotas, O garoto gritar: olha a S orpreza!” (P e r ­
nambuco n. 175 de 1913).
Sorte — Consulta dos destinos da sorte nos tradicionaes
folguedos populares das noites de Santo Antonio, S. João,
principalmente, e S. Pedro, servindo para isto os íà v ro s de
sortes, com as respectivas sentenças ou respostas em quadras
numeradas, sobre os diversos assumptos de consultas, Taes
como, se será rico ; se casará ou não; se será feliz em lote­
rias; se m orrerá moço ou velh o; etc. T ira r sortes de S. João.
“ A parte mais impressionadora da noite de S. João é a das
sortes: quando já cânçados dos fogos das danças e dos des­
cantes, recolhem-se os convivas e vão consultar o liv ro do
destino (A ffon so A rin os).
Sorveteira — Chapéo alto, cartola.
S orveteiro — Vendedor ambulante de sorvete. “ Não ju l­
gue que o sorveteiro é algum bocó, não senhor; moleque fino,
estradeiro, dá tinta em muito doutor.” (A Pimenta n. 637 de
1908).
Sóva — Surra; data de pancada, tunda. Aulete consigna
o vocábulo, mas com a indicação de proprio, ou em vóga
somente na província portugueza do Douro. Entretanto M o­
raes o registra sem restricções regionaes, com as expressões
de pisa de pancadas: dar, levar uma sóva de pancadas; e as­
sim vulgar entre nós, desde muito. “ Dizem os faladores de
Trem , que chuchou o insolente sapateiro uma bôa sóva para
seu ensino, por ordem da policia.” (O Esqueleto n. 4 de 1846).
Sóva é um termo de origem africana.
Sovelar — importunar, insistir impertinentemente, azucri­
nar: Sovelar os ouvidos, a paciência alheia.
Subir a serra — Desconfiar, encavacar.
Succu’ba — Diabo femea. (Lopes Gama, O Carapuceiro).
Sucio — Pandego, alegre, trocista; sabidorio, experto, es-
tradeiro; individuo de má reputação; perna de pagodeiras,
de sucia de vadios e desordeiros; e dahi, naturalmente, a o ri­
gem do vocábulo na accepção restricta de socio, da sucia.
"Encontraste o heroe da m elhor laia; Não tens que duvidar,
não tem parelha: E ’ o sucio, o soldado, o coxo, o M aia” . (J.
R. Pim entel e M aia). “ Assim os taes sucios até hoje tem v iv i­
do á gagosa do p roxim o.” (O Camarão n. 6 de 1848). “ A g a r­
rados em seus cacetes, espalharam os sucios, que voavam
como veados.” (O Vapor do Rio Form oso n. 6 de 1857).
Suçuapára — V. Galheiro.
Suçuarana — Especie de onça (F e lis con çolor) de pelle
parda, cujo nome vulgar é corruptela do tupi coóaçu’ -
arana, o que se assemelha a veado, o que tem côr de veado.
(T h eo d o ro Sam paio). “ V i quebrar, quebar, quebrar, Den­
tro da palha da canna). O gato maracajá, A Onça suçuarana.”
(T ro va s populares). Ha duas especies desta onça, de que faz
mensão um ehronista de prim ordios do seculo X V II, escre­
vendo; “ Tambem ha outra casta de onça de menor corpo que
a Tigre, a que chamam Suçuarana, que costuma matar al­
guns bezerros e gado miudo, mas não são tão damninhos como
as outras.” Animal bravio e feroz, vem dahi, Por analogia, cha­
mar-se suçuarana á mulher má, genista, insupportavel. “ E ’s
como a sussuarana, que ás vezes mata para estancar a sede, e
outras p o r desfastio entra na mangueira e estraçalha tudo.”
(José de A len car).
Sucurujuba ou Sucuruju’ — Ophidio aquatico ou quasi
amphibio, que att.vige a grandes dimensões, e não é muito v e ­
nenoso. “ Muitas vezes o pescador em vez de um pirarucu,
topa ou fere um jacaré ou sucurujú” (A rth u r O rlando). Um
vulto de serpente a s’ enroscar nos ares Roncando firm a o b o­

719
te, audaz sucuruiuV’ (M ello Moraes F ilh o ). E ’ esta a serpente
das nossas legendas populares do rio S. Francisco. T erm o de
origem indigena, vem do prim itivo, ou originário, sucury, cor­
ruptela de suu’ -curi, o que morde ligeiro, o que atira o bote
apressado; serpente aquatica (Boa aquatica ou Eunectes mu-
rinus), alterado em socori, sucuriu’, sucuriuba, sucuruyu’
segundo Theodoro Sampaio; e dahi as variantes de nomes por
que o ophidio é conhecido, nomeadamente, no Fará por sucu-
riju ’, 110 Maranhão sucuruju’ , na Bahia sucuriu’ba, em Sergipe
sucuruiu’ e sucuruiu’ba, e nos estados do sul sucuri.
Sueira ,— Trabalho, fazer suar. (S y lv io R om ero). — “ Na
fazenda fiz sueira, Muitas porteiras pulei.” (A Vacca do B u rel).
Suffocado — In soffrido, impaciente, irreflectid o; p recip i­
tado, que não se póde refrear, conter-se, reprem ir-se e explo­
de ás prim eiras informações.
Sugigar — Apertar, arrochar, opprim ir, subjugar, vindo
desta ultima accepção a origem do termo.
Sujo — O diabo. “ Na maldade só me emprego, e do Sujo
me agarro ao rabo.” Vapor dos Traficantes n. 264 de
1860). “ Livre-nos Deus das tentações do Sujo, como chama
elle, que tem medo de pronunciar o nome do diabo.” (A m eri­
ca Illustrada n. 37 de 1881). (O diabo é sujo. (R roloquio
popular).
Sulipa — Dormente de estrada de ferro. O termo é cor­
ruptela do inglez sleeper, com aquella expressão, e assim in ­
troduzido em Portugal, mas com a variante de chulipa, re ­
gistrada por Aulete. Pessôa sem brio nem dignidade. (G iria
dos gatunos do Rio de Janeiro).
Sumidouro — Cova quadrangular praticada nos pateos dos
edifícios ou nos quintaes das casas, quando ladrilhadas, para
escoamento das aguas pluviaes, revestida de paredes, tendo
110 alto, ao fiiv e l do solo, uma grande pedra de cobertura,
mas crivada de orifícios circulares para dar passagem ás a-
guas como ainda se vê em algumas casas antigas. Sobre os
sumidores do Chile, escreve Zorobabel Rodrigues: “ Cueva o
concavidade en la tierra que sirve para que en ella se su-
iiian Ias a gu as... En toledo dicem buzonera el sumedero que
hai em los patios i que es cn forma de alcaiitarilla.”
Sungar — Trepar, subir, puxar. “ E aquelle pygm eo tre ­
pado ou por outra, sungado nas varandas, nas tribunas e nas
cadeiras a deitar gosmado, na phrase moderna, e a arrancar
palmas e bravos do auditorio.” (A Semana ei. 9 de 1890). Syl-

720
vio Roniero registra o termo com aquellas accepções e mais
a de aspirar; e quanto á sua etym ologia, segundo encontra­
mos em Rohan, vem do verbo bundo cusunga, puxar.
Supapáda ou supapo — Filança, furto, abusos de con fi­
ança; Dar supapos, supapadas. “ De todo caixeiro que dá na
gaveta supapos de arromba, livrai-nos, Jesus.” (O Vapor dos
Traficantes n. 92 de 1858). “ C aixeiro que não passeia ao do­
m ingo e não da supapos na gaveta do patrão, é safadão.”
(Lan tern a Magica n. 5 de 1882).
Superlapótico — Bom, m agnifico, esplendido. “ Carneiro
fez um brinde superlapotico no qual felicitou os novos elei­
tos do club” . (A Pimenta n. 93 de 1902). “ Passei um S. Pedro
mesmo gostoso, manhoso, superlapoticoso.” (Idem , n. 578 de
1907). “ Ostentando uma pose superlapotica, na reunião deitou
verborrhéa, falando por todos os cantos dos cotovelos.” (J o r­
nal Pequeno, 1912).
Supimpa — O mesmo que superlapotico. “ P etit, seu tra­
balho está supimpa.” (A Peia n. 1 de 1903). “ Minha prim a D.
Lola me fez um presente supimpa.” (A Peia n. 1 de 1903).
“ Sahirá depois do ensaio o apreciado club carnavalesco Caia-
dores num supimpa Zé P ereira .” (Jorn al Pequeno n. 38 de
1914). O termo tem curso na giria portugueza, como o regis­
tra A lb erto Bessa, com as expressões de soberbo, m agnifico,
excellente, consoantes ás nossas.
Supplicante — Uma pessôa indeterminada, ou de quem se
fala, quando não se quer declinar o nome, mas sempre em
tom depreciativo. “ F iz firm eza no alto do calcante e esperei
o supplicante.” (A Pim enta n. 6 de 1914)
Supposto — Cavallo guardado, em reserva, recolh ido á
estribaria para engordar ou para bem conservar os andares,
e assim fóra dos trabalhos ordinários das fazendas e engenhos.
Meu cavallo está supposto, e p or isto não viajo nelle agora.
A dicção vem do latim suppositus, supposto, cousa commetti-
da, posta debaixo, como quem diz subposto, posto debaixo de
coberta, na estribaria.
Supra-sumo — Consumado, requintado, conhecido, afam a­
do. “ O Sr. é o supra-summum dos m alfeitores.” (O Form igão
ii. 8 de 1850). “ Que d izeis?! Pois eu tenho a presumpção dc
ser o suprasumo na trafica n cia!” (O Barco dos Traficantes n.
19 de 1858). “ O’ B artholom eo! O’ supra-sumo do pedantismo;
vem cá! P orqu e estás tão zangadinho?” (O Etna n. 30 de 1882).

721
Surda — N avalha; canivete de folh a larga; na giria dos
gatunos.
Surra de cotovello — Esquivança ou manifestação de zanga
da mulher arrufada, contra o marido. “ O club carnavalesco
Maridos idéaes prepara-se para cantar a scintilante marcha
Surra de cotovello. que está um brinco.” (Jornal do Recife n.
51 de 1914).
Surra de lingua — Sermão, descalçadeira, descompostura:
Dar uma surra de lingua; trepar a lingua em cima; dar um
baile.
Surrão — Mulher velha, feia, repellente, e ainda mais ac-
centuadaincnte, surrão de couro. Neste surrão me m etleram
m sie surrão m orrerei; M orar no matto, ou rico de milhão,
ou pobre de surrão. (D ictados).
Surrubangado — Usado, surrado, estragado; Um vestido
surrubangado.
Stfrrubangar — Tocar viola. “ D eixo pois a poesia lyrica ao
Camarada por ser mais adaptada aos surrubangos da sua des­
temperada viola.” (O Artilh eiro n. 47 de 1843). “ Surrubangan-
do a viola, O ffertaria o poema Ao bom conde de Escranhola.”
(A Carranca n. 54 de 1845).
Surubim — Peixe de agua doce (Platystom a suruby,
Agass.), de couro ou pelle muito lisa. de boa carne, muito sa­
borosa, n que chega a grande desenvolvimento, encontrando-se
mesmo alguns no rio S. Francisco com dous metros de com ­
primento. Ha de tres especies, esbranquiçada, escura e Pinta­
da, tendo esta a pelle branca, prateada, com pintas de um p re­
to azulado. Sobre um particular phenomeno que se nota neste
peixe, escreve Paulino Nogueira, que alem da opinião corren ­
te entre os indigenas, que este peixe protege os filhos con­
servando-os nos bronchios, Reinhard affirm a que o stegophi-
lus insidiosus vive como parazita na cavidade bronchial do
sorobim. Nom e de origem indigena, vem, segundo Theodoro
Sampaio, de çuru-bi ou juru-bê, pelle lisa, bocca fechada.
Surucucu’ — Cobra semelhante a cascavel (Lachesis rhom-
beata. N ie u w ), não tendo porem o guiso ou chocalho caracte­
rístico desta. Segundo Ayres do Casal, a sua pelle é alcati­
fada com symetria, malhada de cinzento sobre branco, a cau­
da armada de dous ferrões, e a mordedura apenas curável; e
como escreve Barbosa Rodrigues, é curta, grossa, preguiço­
sa, não ataca o homem sem ser atacada, tornando-se então fe ­
roz se chegam a perseguil-a. V ive as mattas e lugares som­
brios. Ha duas especies: a malhada, e a traira. Pisonis já a des-

722
creve com o nome cucurucu’, sem duvida como assim pronun­
ciavam os indios. Mulher má, genista, levada dos diabos.
“ Apanhar por ser peru’ d’ uma tal surucucu’.” (Am erica Illus-
trada n. 20 de 1878).
Surumbatico — Sobresaltado, receioso, amendrontado; tris­
tonho, esquivo, retrahido. O João anda muito surumbatico;
algum pesar ou receio o acabrunha. “ Eis-me chegado ao colle­
gio surumbatico e carrancudo.” (O Gremio n. 3 de 1903).
Sururu’ — Especie de marisco ou mollusco (M odiola bra-
siliensis). “ O caboclo diz-se conhecedor de Paris mas me pa­
rece que conhece m elhor o brejo e os mariscos sururu’s.” (A
Pimenta n. 32 de 1902). “ A sala terá um aspecto marinheiro.
Sururu’s e outros crustáceos emprestarão uma apparecia b i­
zarra. (Jornal do R ecife n. 62 de 1916). O termo vem do tupi
çururu’, verter, vasar: o mexilhão, segundo Gonçalves Dias.
Suspender — T irar, b ifar furtar. “ Certo moço suspendeu
da Juventude um chapéo de sol.” (O Binoculo n. 26 de 1882).
Suspensório — P o r suspensão, pena disciplinar imposta a
um empregado por faltas commettidas. “ Os edis de Goyanna
assombraram-se de tal form a com a visita presidencial, que
para não gastarem um x pozeram-se ao fresco, trancaram as
portas do paço e deixaram o hospede na rua, o que dará em
resultado um suspensório para endireitar estes honrados e
medrosos meninos.” (Lanterna Magica n. 19 de 1882). “ O Ca­
bral, depois de receber o suspensório presidencial, embarcou
para Gam elleira.” (Idem , n. 175 de 1886).
Suspiro — Especie de doce feito com clara de ovo, assucar
branco e limão, e assado, em pequenos pedaços, de form a
espherica ou achatada. “ A clara do ovo serve tambem para
as doceiras fazerem os seus suspiros.” (O Telegrapho n. 4 de
1850). Este doce, naturalmente, não era ainda conhecido entre
»nós no tempo de Moraes, uma vez que não registra a especie
« o seu Diccionario. O o rific io da glande. Botar o dedo no sus­
piro: aproveitar-se de uma situação vantajosa, occasional, pa­
ra impor condições desarrasoadas, humilhantes, vexatórias.
Sustancia — Força, vigor, robustez. “ Um artigo de fundo
puxado a sustancia.” (Lanterna Magica n. 434 de 1894). “ A
gente da cidade não tem bôas côres porque abuza dos banhos
e isso tira-lhes a sustancia.” (O Tico-tico n. 449 de 1914),
Sustentar o m otivo — Resistir, manter-se firm e, não ceder
em uma luta. “ Sustenta o motivo, Mané Francisco, sinão Vic-
torino te lam be.” (F ran klin T a v o ra ).
Sutué — Antiga peça de vestimenta de mulher, muito em
A Ó g a na epocha que vem de fins do seculo X V III a certos an-
rios do seguinte. “ Saias de seda como o im prescendivel sutué,
especie de balandráo, em capuz, quasi sempre de panno fin o
côr de rapé ou verde escuro de que usavam as senhoras id o­
sas. Este adorno tinha uma grande gola de velludo que ia ter
quasi ao meio das costas, assim a laia de murça. Donde veio
semelhante nome, Sutué, ignoram os.” (F . P acifico do A m aral).
A moda chegou tambem ao Ceará, onde teve vóga, comtem-
poraneamente, mas com o nome de Situé. “ Era uma peça de
valor o chamado situé, capa longa, de fazenda de seda, com pu­
nhos e gola de vellu do.” (João B rigid o ).
Suvacáda — Baile chinfrim , da gentalha, acabando, não
raro, com recursos á pharmacia, baixas ao hospital, e entradas
no xadrez o u ... no cem iterio. “ Com moças de suvacadas, ra ­
pazes, não vos caseis.” (O Barco dos Traficantes n. 37 de 1858).
“ Quando quebra a viola , rcnca a lli a suvacada.” (A m erica II-
lustrada n. 12 de 1878). “ Em casa de um tal P ereira houve
grande suvacada.” (A Pim enta n. 48 de 1902).
Suvenite — Admoestação, carão, reprimenda. Cantar, en­
toar, passar um suvenite. “ Se tanto o exigir a caridade christã,
lhe entoaremos o subvenite.” (A Carranca n. 77 de 1846). A
dicção é corruptela do latim subvenite, e originaria da phrase:
Subvenite, Sancti Dei, do o ffic io de defuntos.
Synagoga — O mesmo que igrejinha, panellinha, trempe.
Synalepha — Falia, ausência, desapparecimento ; Fazer sy-
nalepha.
Syphilitico — O mesmo que suvacada. “ Os nossos espe­
táculos! A corrupção, o deboche! Um masquê barato, um sy­
philitico de marca ruim .” (Lan tern a Magica n. 476 de 1895).
“ Partim os para a cervejaria Phen ix onde reinava um baile
syph ilitico.” ( A Pimenta n. 7 de 1902).

724
T
Tabacáda — S o p a p o , t a b e fe b o fe t ã o : Dar, levar, tomar
umas tabacadas.
Tabaco — E s p e c ie de ra p é fe it o d o fu m o e m r o lo , m as a-
b e r t o em fo lh a s , to r r a d a s ao e s p e to e m o id a s d e p o is em um a
q u e n g a p u c a c o de b a r r o até fic a r r e d u z id o a p ó , e d a h i o n o ­
m e d e tabaco de caco, caco s im p le s m e n te , ou o m e n o s v u lg a r
d e torrad o; p r e p a r a d o este q u e já e r a v u lg a r e n tr e n ós n o s e ­
c u lo X V II, c o m o se v è d es te v e r s o de G r e g o r io de M a tto s : T a ­
baco é fumo pizado. Os in d io s tu p is c o n h e c ia m -n o a g u a lm e n -
te, c o m o n o m e p a r t ic u la r da sua lin g u a , pytym a çui, ta b a c o
de p ó (Gonçalves D ias), b e m c o m o os g u a ra n is, sob o n o m e de
pecui ou petyngui, p ó de ta b a c o p a r a se r a s p ir a d o (Baptista
C aetan o); v in d o o p r e p a r a d o da s o la n a c e a in d ig e n a o betum,
c o r r u p te la de petim, o ta b a c o , o fu m o (T h eod oro Sam paio),
essa outra planta de muitos desejada, q u e, “ P o r fr a g r a n c ia qu e
o o lfa t o a c tiv a sen te, H erva santa d o s n ossos f o i ch a m a d a , M as
tabaco depois da Hespanha gente” . (Santa Rita D urão). Con­
selho e tabaco dá-se a quem péde. (A d a g io ). Levar, tom ar pa­
ra o seu tabaco; receber uma lição, reprimenda, castigo mesmo.
Não vale uma pitada de tabaco; cousa alguma, nada absoluc-
tamente. Tabaquear o caso; tomar, o fferecer uma pitada de
tabaco, fumar o seu charuto ou cigarro, a proposito de qual­
quer cousa que não se liga importância. “ O fidalgo entendeu
tabaquear o caso, e fumou o seu charuto” . (Jornal do R ecife
n. 296 de 1915). O vocábulo Tabaco vem do nome indigena ilha
de Tabago, u m a das pequenas Antilhas inglezas, onde os es-
panhões e n c o n tr a r a m a planta do fumo, ao seu descobrimento.
Tabaqueiro — Cornimboque ou caixinha de guardar o ta-

725
baco. “ Cornimboque é tabaqueiro. (M armota Pernambucana
n. 31 de 1850).
Tabaréo — Matuto, roceiro, o habitante do campo. “ C o­
mer de chapéo na cabeça em um hotel, onde se acham pessoas
bem educadas, como faria o mais estúpido e atrazado tabaréo” .
(Lanterna Magica n. 22 de 1882). “ O tabaréo já frechado, re-
torquio: como diabo deve ser comprado esse sorvete dos d ro­
gas? (A Pim enta n. 17 de 1901). “ O frevo que o club arrastará
não será deste mundo. Os nossos tabaréos vão fica r boquia­
bertos” . (O Estado de Pernambuco n. 49 de 1914). Este nome
de tabaréo dado ao nosso camponio, rústico, desconfiado, in-.
genuo, inaccessivel, malamanhado, vem de igual vocábulo p o r­
tuguez, apezar de Couto Magalhães dizer que é de origem in ­
dígena, significando: Soldado de ordenança mal exercitado, que
não largava o capote quando entrava de serviço; e figurada­
mente, o que não sabe falar e exercer o seu o ffic io (A u lete).
Moraes, porem, definindo o termo naquella accepção, accres­
centa: alardo, terço de tabaréos, malencarados.
Tabatinga — Barro branco usado, diluido em agua, como
a cal, para branquear as paredes das casas. “ A parede da fren ­
te da casa era branquejada com tabatinga” . (José de A len ca r).
“ Acham-se tambem na terra mineraes de almagra muito fina,
e outro delia branca, a que chamam tabatinga, com que se
caiam as casas, suprido com ella em falta de cal, como ficarem
as casas alvíssimas e lim pas” . (D iálogos das grandezas do B ra­
s il). O vocábulo vem do tupi tauá-tinga, barro branco, e dahi
tobatinga ou tabatinga como os indios chamavam a toda a ar­
gila branca.
Tabayacús — R ecifes submersos, fundo de pedras, lages
soltas ou esparcdlladas no mar, que ficam á certa distancia do
littoral, como, nomeadamente, entre nós, os que correm de
norte a sul, desde Ponta de Pedras até Tamandaré, e tambem
conhecidos com o nome de tacis. Tabayacús é um vocábulo de
origem indigena, corruptela de itá-bayacú pedra dos baiacús.
Tabica — Especie de cipó ou junco, usado como chibata,
para fustigar o cavallo. “ O pae da moça andava armado de
o na tabica, talvez, para desfeitear o c o ió ” . (A Pim enta n. 81
de 1902). D erivado: Tabicada: Dar, levar, tomar umas tabica-
das.
Tabóca — Logro, engano, decepção, derrota. “ Quando a
beca com que me acenava o ministro, vinha offerecer-m e bôas
tetas para mamar, eis que o malvado pregou-me a taboca” . (O

726
Vapor da Califórnia n. 11 de 1849). D erivados: Levar taboca;
Taboqueado. “ Não pensei que mangassem assim do meu Rolha.
Levar assim esta taboca!” (O Paladim n. 28 de 1852). “ O Coe­
lh o Rodrigues, do Piauhy, levou taboca” . (A m erica Illustrada
1873). “ Sendo um dos taboqueados na eleição de deputados,
quer hoje dominar este collegio para arranjar seus parentes e
am igos” . (O Vapor do Rio Form oso n. 5 de 1857). “ O candida­
to é um jogador como outro qualquer; arrisca o seu voto, o de
sua fam ilia, o de seus amigos, e no fim de contas é taboquea­
d o ” . (A m ea ça Illustrada n. 35 de 1881). Taboca, especie de
bambú, taquary ou taquara, a graminea Arundo Bambusa. Ta-
quary grosso é taboca; Taboca rachada é gaita. (D ictados). T a ­
boca, segundo Theodoro Sampaio, vem do tupi, corruptela de
ta-bòc ou tabog, haste furada, tronco ouco, haste fendida.
Taboleiro — Campo vasto, plano, ou pouco accidentado;
prado de grande extensão, coherto de vegetação rasteira, aca­
nhada.. “ Essas planicies são taboleiros, onde a vegetação, de­
vido á natureza de terreno não se eleva a m aior altura do que
a de um homem á ca vallo ” . (H . K oster). “ Não muito longe da
v illa de Alhandra (P arahyba) ha um taboleiro chamado Sacco
do Jundiã, unicamente proPrio para a creação e pastagem de
gados” . (Carta de sesmaria de 22 de Agosto de 1809). “ As es­
tradas da Lagôa do Mel á villa de Souza são bôas, largas, p la­
nas, e de taboleiros immensos” . )C aneca).
Taboleta — Mulher abusivamente coberta de joias, parecen­
do assim um mostruário de loja de ourives ou de joias, como
hoje se chama, cujos mostruários tinham o nome de taboletas.
Parece, que em outros tempos, tinham tambem as lojas de ou­
rives o nome de taboleta, como se in fere de uma local d’A
Caipora Pernambucana n. 1 de 1852, referin do o que occorreu
com “ certo sugeito que fo i á taboleta do portuguez Manoel Be-
rimbáo com prar uma peça de ou ro” .
Táca — Chibata, bengala, cacete. Metter a taca, e dahi ta­
cada: Dar, levar umas tacadas.
Tacha — Vaso grande, de ferro, semi-espherico, para o
cozimento do caldo da canna nos engenhos de assucar. “ Conti-
gua está outra casa chamada das caldeiras, onde se assentam
quatro caldeiras e oito ta ch a s... Tem mais duas fornalhas pa­
ra as oito tachas, que devem ter vinte palmos em rod a” . (L o -
reto Couto).
Tacho — Piano velho, ordinário, desafinado. “ Corre as

727
mãos pelo teclado do tacho desafinado” . (A P rovin cia n. 236 de
1916). Dinheiro de ouro e prata, na giria dos gatunos.
Tacis — O mesmo que tabayacús. O vocábulo é corruptela
ita-acir, pedra pontuda, vindo dahi o nome da povoação de
Ponta de Pedras, onde começam os tacis ou tabayacús submer­
sos, correndo para o sul até Tamandaré “ P o r fó ra do re cife
ha um espaço de pouco mais de meia milha onde se encontra
ainda fundo de p e d r a . . . Depois destas pedras que chamam ta­
cis, o fundo é de 54 palmos d’agua” . (M. A. V ital de O live ira ).
Taco — Pedaço, boccado, fragm ento, quinhão. Um taco de
pão, de carne, etc. “ Camisa de baeta encarnada, de pescador,
com um taco tirado na fren te” . (D ia rio de Pernambuco n. 338
de 1829). “ Não posso mais dem orar-m e; tome este taco de bo­
lacha” . (O Mesquita Junior n. 2 de 1836). “ Basta dessa cobiça
de macacos; P o r sete annos já vocês s’encheram; D eixem os
mais tambem tirar seu taco” . (O Sete de Setembro n. 59 de
1846). Agora, nem tico nem taco. (D ictado popular). D im inuti­
vo : Taquinho.
Tadinhq — Abreviatura de coitadinho, e usado com um
m ixto de carinho, troça ou desdem. “ O Coutinho, tadinho del-
le, nem tem tempo para com er” . (Pernam buco, n. 46 de 1914).
“ O club Innocentes do Catimbó é composto de cria n cin h a s...
Tadinhas delias” . (Jornal Pequeno n. 21 de 1916).
Tainha — P eix e de agua salgada, de escamas (M ugil lisa,
C uv.), de um branco prateado, e de fe itio da curimã, porem
menor. E ’ a paraty ou piraty dos indios, corruptela de pira-ti,
p eixe branco, cujo nome perdeu pela sua semelhança cóm a
tainha dos mares portuguezes.
Taióca — E specie vulgar de form iga, do genero Eciton,
a que os indios davam o nome de tauóca ou taóca, e dahi taióca.
Vermelha, inoffensiva, tem concurrentemente os nomes de fo r ­
miga de forragem , de correição, e de assucar, p o r gostar mui­
to dos doces. Não tem habitação fixa, emigram èm certas epo-
chas de um lugar para outro, cobrindo em sua marcha muitas
braças de terreno, tal a sua prodigiosa quantidade. Moraes re ­
gistra uma especie de form iga do Brasil com o nome vulgar de
Tayóca, grande, negra, cuja mordedura doe e queima.
Tajacica — P eixe de agua salgada (Gobius brasiliensis,
Bleh.).
Talento — Força physica, vigor, valentia. “ Se você é ho­
mem, mostre agora o seu .talen to ... Você não vê que ambos el-
les são dous cabras de talen to?” (F ra n k lin T a v o ra ). “ H ei de

728
mostrar meu talento A ’ vaqueiradá de crista” .. (A Vacca do Bu­
re l). “ Se enterro com mais talento, Ia-se embora a vara toda” .
(O Boi Espacio). “ Tenho talento no braço De pegal-o na cintu­
ra, No meio de trinta homens Minhas tres quedas são seguras” .
(C ancioneiro do N o rte).
Talho — A parte superior da camisa de mulher. “ Um ta­
lho de camisa, de crochet, para a comadre do reveren do” . (A -
merica Illustrada n. 27 de 1879). “ O talho da camisa, um pou­
co cavado, mostrava pela transparência da fazenda, alem das
ondulações do collo, a cova desesperadora, que formam as duas
pomas entre si” . (Celso de Magalhães).
Tamancas — Peças de taboas pregadas nos bordos da jan­
gada, onde assentam, fincadamente, os pés do banco do mastro.
Tamanduá — Mamifero da ordem Desdentados ordinários,
de tres especies conhecidos e estudadas, nomeadamente, o Ban­
deira, Açu, grande, ou Tamanclõassú, como escreve o autor dos
Diálogos das grandezas do Brasil, e duas menores a que dão o
nome de Tamanduá-mirim. O tamanduá bandeira (M yrm eco-
phaga jubata) é assim chamado pela sua bella cauda, coberta
de longos pêlos brancos e pre,tos tão comprida e larga, que é
bastante a cobril-o todo dos pés até a cabeça, e que, quando
levantada, fluctua com o vento a modo de bandeira. Consistin­
do as form igas o seu principal genero de alimentação, em cu­
ja caça emprega a sua delgada e longa lingua, introduzindo-a
nos form igueiros e retirando-a depois de alguma demora co­
berta de formigas, deglute assim de cada vez grande porção
desses insectos e suas larvas, vem dahi o seu nome de taman­
duá, de origem indígena, corruptela de tã-mondoar, o caçador,
ou com edor de formigas. (T h eodoro Sam paio). Animal inoffen -
sivo, fraco, fugindo mesmo do homem, não ousando atacar, mas
vendo-se aggredido, “ Deitado espera o aggressor incauto, E
abraçando-o crava-lhe as curvas garras” , deixando-o asphyxia-
do, ferido. Vem dahi a locução; Abraços de tamanduá, aos fe ­
mentidos, traiçoeiros. Na cacunda do tatú, tamanduá aguenta
sol. (A d agio). Anchieta (1560) descreve já o papa-formigas,
ou o tamanduá dos indios, como o encontrou na capitania de
S. Vicente.
Tamarú — Especie de pequeno crustáceo (Stom opodos)
da feição do camarão, que v ive na lama dos mangues, e somen­
te é aproveitado para isca de pescaria. “ Se quizerem que o ca­
cete estale mais do que tamarú no mangue, procurem fazer
com a minha Zepha o mesmo que fizeram com as outras” .
(Jornal Pequeno n. 28 de 1915). M arcgravi estudou entre nós
uma especie de crustáceo a que dá o nome vulgar de tamarú-
guaçú, impondo-lhe o scientifico de Squilla tamarú-guaçú.
Tamatião — Ave ribeirinha (N yctico rax cayenensis, Linn.)
a especie de garça. Nome de origem indigena, é uma alteração
de timatiãi, segundo Baptista Caetano, significando o que tem
bico de gancho, em allusão ao bico da ave, grosso, pontudo,
rasgado até os olhos, chanfrado nas extremidades e guarneci­
do de grandes cerdas.
Tambaque — O mesmo que Atabaque.
Tambalté — Madeira de applicações diversas, da arvore do
mesmo nome.
Tamboatá — P eixe de agua doce, de rios e lagoas (Cata-
phractus callichys, Lacep.), pequeno, cascudo, de escamas p re­
tas e duras. “ O peixe de agua doce chamado tamuatá pelos
selvagens, escreve Léry, não tem ordinariam ente senão meio
pé de comprimento, tem a cabeça mui grande, duas barbata­
nas debaixo das guelras, os dentes mui aguçados, as arestas
penetrantes, e todo o corpo armado de escamas tão resistentes,
que não creio que uma cutilada lhes faça moça; a carne é
muito tenra, bôa e saborosa” . O autor dos Diálogos das gran­
dezas do Brasil escreve tamoatá, diz que se armam, e depois
que o estão, as suas escamas parecem laminas. Tamboatá é o
camboatá dos indios, e ainda assim chamado, nomeadamente,
na Bahia e no R io de Janeiro, como se vê destes dictados lo-
caes: Camboatá é que suja a agua; Camboatá não emperra;
anda n’agua e anda em terra. P eixe cascudo, que tanto anda
como nada, como se diz entre nós, resiste tanto a morte, que
mesmo, tirados os intestinos, se arrasta a buscar a agua; e
manifesta vida ainda mesmo na panella, convenientemente tra­
tado e temperado, só m orrendo quando o caldo chega ao grão
de fervura. O seu nome origin ário de camboatá, segundo T h e ­
odoro Sampaio, é corruptela de caá-mboatá, o que anda ou ca­
minha no matto; peixe que caminha em secco.
Tampadôra — O mesmo que tampa: Tão bom é o balaio
como a tampadôra; (D ictad o) correspondente a este outro, que
lhe dá a própria expressão: Tão bom é um como o outro; ou
ainda Tão bom é o diabo como a mãe do diabo.
Tampar — P o r tapar, fechar com tampa, e dahi, destampar.
Tanajura — A m aior das formigas, de azas, de uma côr
verm elha escura ou mesmo preta, e de uma p rolificação ex­
traordinária, abundantissima. Com um abdômen enorme, volu­

730
moso, composto de uma substancia gordurosa ou graxa, consti-
tue, talvez ainda, um manjar delicioso para os nossos campo-
nios rústicos, que as apanham em quantidade prodigiosa, e de
um modo singularissimo, como é corrente. Collacam-se de­
baixo da arvore sobre a qual tem a tanajura o seu ninho,, e
com uma urupema ás mãos, e pronunciando em certa toada
a parlenda: Tanajura, cai, cai, Pela vida de teu pai, se despren­
dem ellas e cahem sobre a urupema, em quantidade tal, que
num instante se enche do appetecido insecto, que tiradas as
pernas e as azas, são assados ou fritos, e servidos com farinha.
Registrando Moraes o termo diz da tanajura: Form iga d’azas,
mui grande e barriguda, que comem torrada alguns matutos
de Pernambuco. Este uso é geral, e vem dos indios, como o
menciona já o Padre Ivo d’Evreux, em fins do seculo X V I, e
dahi chamarem aos Tupinambás Tatá-tanajuras, comedores d
formigas. Vocábulo de origem tupi, significa, segundo Pualino
Nogueira, tenra comida, vindo de tang, tenra e jura, alteração
de yurú, yurub, do verbo u comer, em allusão ao petisco do
abdômen.
Tangerino — Tangedor de boiada. Dos tangerinos, — uns
vão adiante cantando, (aboian do) para serem desta sorte se­
guidos do gado; e outros atraz das rezes tangendo-as, e tendo
cuidado, que não saiam da caminho e se amontem. — “ Do ou­
tro lado, seis tangerinos, tocavam para dentro da agua uma
boiada passante de cem cabeças” . (Fran klin T a v o ra ). “ Eram
tangerinos que vinham do alto sertão, conduzindo boiadas, (A l­
fredo Brandão).
Tango-máo — Designação de certa casta de gente, para cu­
ja accentuação particular, precisa, não encontramos dados po­
sitivos. Como se colhe de Bluteau, é um vocábulo de origem
africana, de accepções diversas, entre as quaes a de individuo
que foge da sua terra e deixa a patria; e depois, no supplemen-
to do seu Vocabulário, diz que é designativo de raça espúria e
mestiçada de portuguezes e negros em estado semi-barbaro na
Africa. Aqui temos o mulato, portanto, como producto de se­
melhante cruzamento, e consequentemente o cabra, mestiço do
negro e mulato, parecendo-nos assim que são estas as expres­
sões do termo tango-máo entre nós, como se collige de um do­
cumento o ffic ia l do alvorecer do seculo X V II, o auto de um
conselho que o governador geral do Brasil, D iogo Botelho, de
estada em Pernambuco, convocou em Olinda no dia 26 de Ja-
néiro de 1603 sobre uma expedição m ilitar destinada ao Mara-
nhão, no qual fo i resolvido que marchassem 200 homens por-
tuguezes e 800 frecheiros petiguares e tabajares, sob o cominan­
do de P ero Coelho de Souza, “ os quaes 200 homens portugue-
zes são todos gente do sertão, mamelucos, tangos máos e hó-
m isiados” . Falando o Padre Antonio V ieira (seculo X V II) em
um dos seus escriptos, do trafico de africanos pelos portugue-
zes, diz que estes se serviam nas suas emprezas de homens la ­
dinos, a que chamam pombeiros, e os negros lhe chamam tan-
gomaos.
Tapacú — Especie de periquito (Psittacula passerina), da
mesma côr verde, um tanto menor, e muito interessante. No
sul tem o nome de cutapado e no Geará o de tapacum. O seu
nome vulgar vem da circumstancia de ser suro, como encon­
tramos.
Tapada — Diz-se da criança que nasce com o anus ou as
partes genitaes fechadas, e dahi o recurso cirúrgico da imper-
furação de taes orgãos. A criança nasceu tapada.
Tapa-missa — Antigo e enorme pente de tartaruga, de bel-
la ornamentação vasada, com a form a approxim ada de um le ­
que, e com que as mulheres prendiam o cocó, hoje apenas a-
preciado nos nossos museos e collecções particulares de an­
tigos objectos de arte. Im pedindo, pelo seu tamanho, ás pes­
soas que ficavam p or traz das que o traziam, na igreja, â ce­
lebração da missa, v êr o padre no altar,tapando assim a vista,
veio dahi a sua denominação de tapa-missa. Do descommunal
tamanho desses pentes, fala, contemporaneamente, o nosso p oe­
ta A lvaro T eix e ira de Macedo no seu poema A Festa de Baldo,
nestes versos do canto V I I I : “ Dona Clara vestida em ricas se­
das, Seu bom gosto -mostrava nos cabellos. Enorme, coruscan-
te, e alto pente, De artístico la vo r tinha cravado Pelas tranças
luzentes, de azeviche” . (V . Trepa-m oleque).
Tapa-olho — Sopapo, bofetão, “ E logo apanhou T ão bom
tapa-lho Que o poz bem zarolho.” (O Artista n. 3 de 1847).
“ Bento seja um tapa-olho no focinho do sandeu, que o faça
fica r sem vista” . (Lanterna Magica( n. 190 de 1887).
Tapéra — Casa pequena, ordinaria, antiga, arruinada “ Os
passos perto da ta p e ra ... á vista da casa arruinada” . (José de
A len ca r). Onde fo i casa é tapera. (D ictado popular^. Com o
nome de tapera ha uma ilha no rio S. Francisco, e alguns po­
voados, engenhos e riachos. Tapera é um vocábulo de origem
tupi, corruptela de taba-o-éra ou tab-era, significando aldeia
velha, extincta, ruina, povoação de outr’ora. (T h eod oro Sam­
paio).
Tapia — Engano, logro, subterfúgio. “ Se sambas, meu bem
dengosa, não me deixes na tapia” . (Am erica Illustrada, 1873).
D erivado: Tapiar. “ Procurando fazer suas cavações, esses in ­
divíduos circulam nos bonds e trens tapiando os passageiros” .
(D ia rio de Pernambuco n. 158 de 1913).
Tapioca — Especie de beijú feito da gomma de mandioca
m eio secca, e cozida, em uma vasilha rasa, circular, tomando
assim a sua form a, e recebendo então uma certa porção de
côco ralado, coberto com uma camada fina da mesma gomma,
revirada para cozer esta parte, é dobrada ao meio ficando as­
sim com a feição de um semi-circulo. São estas as chamadas
tapioca de côco, e ás quaes já faz referencia o autor dos D iá­
logos das grandezas do Brasil, servindo-se á mesa em lugar do
pão. “ E como nisso de amores, T em todo o lugar as trocas,
Tambem ella lhe mandou Seus beijús e tapiocas” . (O Carapu-
ceiro n. 65 de 1842). “ Janoca das primas minhas fazia tapio-
quinhas; pedi-lhe uma, e a Janoca prometeu a tapioca, mas de­
pois não quiz d ar” . (A Pimenta n. 1 de 1901). Tapioca molhada:
Feita da mesma gomma, porem menores, e depois de assadas,
dobradas ao meio, molhadas com leite de côco e asucar, e p ol­
vilhadas com cannela, o que tem muita graça, na phrase de um
chronista do seculo X VI. Farinha de tapioca ou do Maranhão:
A gomma da mandioca humedecida e preparada de modo a f i ­
car granulosa, própria para papas, posta de molho, e tempe­
rada com gemmas de ovos, assucar e manteiga, e no prato,
polvilhadas com cannela. O nome de tapioca, originalm ente,
era o da gomma de mandioca, como se vê da sua particular
noticia e descripção tambem nos referidos Diálogos, como de­
pois tambem assim a form a originaria, tupica, de tapioca, que
segundo Theodoro Sampaio, é corruptela de typi-og, tirado ou
coibido do fundo; o sedimento, o coagulo, o residuo do succo
da mandioca, alterado em tapioca.
Tapôna — Barro amassado e atirado ás armações de ma­
deira para a construcção das paredes de uma casa, e d’ahi,
casa de tapona, equivalente a taipa.
Tapurú — Bicho, insecto, verm e, que se gera nos fructos
e quaesquer outras substancias em decomposição; a larva de
certos insectos que ataca as feridas dos animaes, occasionan-
do a moléstia a que chamam bicheira. “ P eixe podre constante­
mente no mercado de S. José, e cheios de tapurus” . (A Duque*
za do Linguarudo n. 115 de 1877). “ Eivado o partido de podri­
dão, neste caso V. S. representa nelle o papel de tapurú” . (O
Diabo a quatro n. 133 de 1878). “ Jesuita fede a rato, realista a
tapurú” . (Lanterna Magica n. 474 de 1895). Tapurú é um ter­
mo de origem tupica, de tapêrú, bicho.
Taquara — Taboca ou canna brava (Bambusa), muito v u l­
gar entre nós, attingindo a grande altura e grossura. O termo
vem do tupi Tã-quara, haste furada, ou cheia de buracos. (T h e o ­
doro Sam paio). D erivado: Taquaral, floresta de taquaras.
Taquary — Taboca ou taquara fina (Bam busa), como in ­
dica o seu proprio nome de origem tupi: taquar-i Graminea
muito vulgar, e explorada para o fabrico de gaiolas e foguetes.
Pernas de taquary: muito finas. “ Tens olhos de sapo boi E as
pernas de taquary” . (Z izin a & Esm eralda).
Tareco — Bolinho discoide, torrado, feito de farinha de
trigo, ovos e assucar. “ O Cesario fo i chamado á policia por
andar tirando tarecos dos taboleiros” . (A Pimenta n. 3 de
1908). “ Queres um conselho? Tom a juizo e vai vender tarecos” .
(Idem , n. 644). “ Tarecos, tarequinhos, tarecos de S. Lourenço,
verdadeiros e bom zinhos” . (Idem , n. 648) N o mesmo anno ap-
pareceu um liv ro de sortes sob o titulo: O, Tareco.
T arim beiro — O fficia l sem curso de armas e estudos su­
periores. Experto, velhaco, sabidorio. “ Imagina o tarimbeiro,
que com esse alinhavado de mentiras fará bôa colheita” . (A
Carranca n. 65 de 1846).
Tarracha — Empenho forte, de apretar, decidir uma ques­
tão ou pretenção qualquer . Resposta de embatucar; astúcia,
labia, artimanha. “ Os gamenhos tem de assento, e sobre-mão,
phrases de tarracha, com que sabem requestar” .(O Carapucei­
ro n. 4 de 1839).
Tartarim — A rvore de bôa madeira para usos diversos.
Tartarugueiro — A rtific e de obras de tartaruga; cuja arte
já fo i muito vulgar e adiantada entre nós, e hoje quasi que
extincta pela concurrencia de similares estrangeiros, ou de
contrafacção. Os tartarugueiros, em geral, tinham as suas of-
ficinas situadas na rua das Trincheiras, no bairro de Santo
Antonio, das quaes, em 1885, ainda restavam tres, e dez an­
nos depois nem uma sequer, como se vê dos respectivos al-
manaks de Pernambuco. “ Vende-se uma negra de vinte an­
nos, na rua de Hortas, loja de tartarugueiro” . (D ia rio de P e r­
nambuco de 8 de Outubro de 1831).
Tarugo — Individuo mettido a valentão, ou com ares de
importância. “ O tarugo de que tratei é muito conhecido” . (A
Pim enta n. 4 de 1902). “ Suicida-te, tarugo de uma fig a ” . (Idem ,
n. 61).
Tassué — Form iga verm elha (Lasius rubrus), pequena,
muito vulgar.
Tatahyra — Abelha pequena, verm elha (T rigo n a cagafogo,
M ui.). De animo bellicoso, ataca o homem, os animaes e as ou­
tras especies das quaes é muito temida. Faz os seus ninhos
nas arvores, preferindo as que ficam em lugares húmidos, pou­
co expostos ao sol. O mel que produz é picante, ardente mes­
mo, e dahi o seu nome que vem do tupi tatá-ira, abelha ou mel
de fogo, segundo Baptista Caetano.
Tatamba — Ignorante, toleirão, ingênuo, desconfiado, re ­
traindo. Esta dicção vem já de longe, uma vez que Lopes Ga­
ma a emprega, falando no seu Carapuceiro, em 1842, das dan­
ças muito em vóga nessa epocha; isto quanto á praça, uma
vez que “ pelo matto, Que estava mui tatamba, Não se sabia
outra cousa Sinão a dança do samba” . Contemporaneamente
dizia tambem A. T eix e ira de Macedo no seu poema, estudan­
do o typo de um mestre-escola, que se fôra eleito deputado da­
ria “ bons quináos a quanta m arralheiro, salvar tatamba. “ Só
da cachola d’algum tatamba poderia sahir tal disParate” . (O
'Guarda Nacional n. 87 de 1843). “ Eu cá sou velho, velho ex­
periente, e não tatamba” . (A Duqueza do Linguarudo n. 141
de 1878).
Tatarema — Especie de madeira registrada p or Jeronymo
Villela.
Tato — P o r tataro, tatibitate.
Tatú — Nom e vulgar de diversas especies de m amiferos
do genero Dasypus, da ordem dos desdentados, nomeadamen­
te: Tatú eté, o verdadeiro (Dasypus longicaudos), tambem cha­
mado tatú veado ou gallinha pela excellencia da sua carne;
Tatú apára, nome tupi, que quer dizer, o arcado, o que se do­
bra, porque, a um simples contacto encurva-se, arquea-se, to­
mando a form a de uma bola, vindo dahi o seu nome vulgar de
tatú bola (Dasypus tricinctus), empregando o animal nessa sú­
bita transformação uma força tal, que seria decepado o dedo
que ficasse entre a juntura das bordas do seu casco, sendo
insufficientes a força de dous homens para abril-as; Tatú
péba, ou encoberto, chato, baixo, in fe rio r (Dasypus sexcin-
ctus). “ Tatú péba de capote, Com seu chapéo avoador, Inda
mette mais pavor Do que mesmo b oi de lo te ” . (Versos serta­
n ejos). Tatú rabo de couro (Dasypus 12 cinctu s); Tatú mondé,
naturalmente o tatuaimonha dos indios, corruptela de tatú-ai-

735
manhá, tatú ruim de correr, ou de pouco correr; e Tatú ca­
nastra, ou grande, o m aior da especie (P riodon tes giganteus).
“ O tatú me fo i á roça, Tod a a roça me comeu; Plante roça
quem quizer, Que o tatú quero ser e u . .. O tatú quando é ma­
nhoso N ão esquece o seu buraco, Em bora lhe botem terra,
Em bora lhe botem caco” . (T ro va s sertanejas). O tatú habita
em buracos de regular circunferência mas profundos, e p er­
seguidos em distancia dos mesmos, cava um outro com adm i­
rável presteza, e desaparece. Basta que consiga elle enterrar
parte do corpo para ser d iffic il arrancal-o. Chama-se porem
encovar, a sua caça, cavando o buraco em que se refu gia até
encontral-o. “ Liberato com o pretexto de encovar tatús, en­
caminhou-se para a matta” . (F ra n k lin T a v o ra ). O autor dos
D iálogos das grandezas do' Brasil descreve já o tatú, como “ se
v ê pintado nos mappas pela sua extranheza e feição, de que
é com posto” , o que effectivam ente, se v e rific a na cartographia
antiga, e bem assim em varias estampas de obras coevas. Nem
sempre mondé apanha tatú; Nas costas do tamanduá o tatú
passa bem ; Dous tatus machos não moram num buraco; F i­
car sem figado e sem tatú. (Dictados populares). O nome des­
te animal vem do tupi ta-tú, casco encorpado ou denso (B a p ­
tista Caetano), como assim é a crosta ou couraça que reveste.
Tatuburá — Vegetal, registrado p or Jeronym o V illela. Se­
rá a m eliacea Tatuaúba descripta p or Alm eida P in to?
Tatuy — Ralo, insecto, ou g rillo branco, da terra, que a-
taca as plantas.
Tauá — P eroxid o de ferro. E ’ nome commum a todas as
pedras argilosas, que tem a côr daquelle composto chimico.
(Beaurepaire R oh an ). B arro verm elho, ou barro compacto,
mais ou menos carregado de cores amarellas e vermelhas. (F e r ­
nando H a lfe ld ). Substancia composta de barro verm elho, arêa
e parte calcarea em estado muito compacto, ou barro com ­
pacto mais ou menos carregado de cores amarellas, e verm e­
lhas cujas sukbstancias revestem as barreiras de certos zonas
marginaes do S. Francisco. No tempo do entrudo antigo, bar-
baro, estúpido, o tauá, dissolvido em agua, tinha muita vóga
“ Devotos do entrudo, sahem pelas ruas a jogar lim ões de chei­
ro,, a deitar agua com vinagre, a pintar todo o mundo com
tauá” . (O Guarda N acional n. 5 de 1846). E ’ muito usado para
c o lo rir a louça de barro. Tauá ou taguá é um vocábulo tupi,
designativo de argilla.

736
Tauassú — Pedra volumosa ligada entre paus com pontas,
apertados nas extremidades de modo a deixarem-na bem se­
gura, e que assim presa em uma delias a uma corda de em bi­
ra chamada poita, serve de ancora ás jangadas. Term os de o ri­
gem tupica, vem de itá-guaçu, pedra grande.
Tejú — Nom e vulgar de algumas especies de lagarto (Sau-
rio s ), de côr verde escuro, quasi negro, tendo o da m aior o nome
de tejuaçu (T eju s nigropunctatiis, S p ix ), o teiuguaçu dos in ­
dios, em geral, e temapára, particularm ente entre os Tupinam-
bás. O autor dos Diálogos das grandezas do Brasil o registra
já com o seu p roprio nome vulgar de Tejú, dizendo que “ é um
sardão, grande perseguidor de gallinhas, e comtudo estimado
pera se haver de comer. “ Sua arma é a grande cauda que pos-
sue, serrilhada, com que se defende, açoitando o inim igo, não
temendo as próprias cobras, nem mesmo a cascavel. M ordido
p or este reptil, ou qualquer outro de especie venenosa, cura-
se immediatamente comendo o antidoto, que é a batata teú, do
seu nom e; e voltando á peleja, luta até matar o seu contendor,
cortado ás chicotadas da s u a 'te rriv e l cauda. Nom e de origem
indigena, vem de tejú ou teiú, lagarto, e açú, grande.
Tejúco — Atoleiro, tremendal, lamaçal, especie de cama­
leão. T heodoro Sampaio registra Tijuco, corruptela de ty-yuc,
liquido corrupto, ou podre, lama, vindo dahi tuyucopaba, de
tuyuc-paba, lama espraiada, lamaçal, lam eiro, de que procede
o nome de Tijucupápo, de uma localidade entre nós, de gran­
de renom e na guerra contra a denominação dos hollandezes.
Tratando Moraes do vocábulo mangue, chama tejuco ou tujuco
a terra ou lama em que vegeta aquella planta, lama essa que co­
mo diz elle, tinge bem de preto o algodão; mas não registra
tejuco, que é presentemente o termo *vulgar, e sim tujuco, em
desuso, que define: lam eira^trem edal de mangue. Aulete seguin­
do a Moraes, registra tambem tujuco, como termo do Brasil, e
com aquellas mesmas expressões por elle consignadas. O ter­
mo porem vem já de muito longe, conip assim o encontramos
em um documento de 1646, vulgarisado na Revista da Academia
Cearense, Tom o X, 1905: “ De Serinhãem marchou a gente á
Ipojuca, vadeando inundações de campos pelos muitos teiu-
cos a que é sugeita esta te rra . . . A gente marchou a passo de­
sigual em razão das lamas e toiucos. “ Vemos assim ò vocábulo
escripto p or dous modos: Teiuco e toiuco, salvo erro de copia
ou typographico.

737
Telegramma — Defecação: Passar um telegramma.
Telhado de vidro — D efeitos, mazelas, certos pecados mo-
fentos, e dahi a anexim: Quem tem telhado de vid ro não atira
pedras no do visinho.
T elh eiro — Construcção para fins diversos, e constante
de uma certa area coberta, assentando esta sobre pilares ou
esteios, tendo ás vezes de perm eio um peitoril, com interrup­
ções para entrada e sahida, como são assim dispostos os dos
nossos antigos engenhos e olarias. “ P ortaria para o Senado
da Camara de Olinda mandar concertar o telheiro da casa da
polvora do forte do Brum” . (Espedida em 17 de F evereiro de
1713). “ Um grande telheyro, com 455 palmos de com prido e 60
de largo, para recolher madeira de construcção n aval” . (C a r­
ta do A rraial do Sr. Bom Jesus do Recife, 1788). “ Na casa ha­
via um rego no quintal, junto de um telh eiro” . (Lanterna Ma­
gica n. 762 de 1904).
Tempão — Muito tempo, demoradamente. “ Ficava um tem­
pão, esquecido, bromando, p’ra vêr se enchergava uma pon­
tinha do rosto da m orena” . (U m berto C arneiro).
Tem perar a garganta ou guella — O mesmo que pigarrar.
“ Lourenço, tendo tomado uma pouca de canna, temperou a
guella e soltou sua grande voz ao pé do v io le ir o ” . (F ra n k lin
T avora).
Tempestade em copo d’agua — Espalhafato, explosões por
uma questão de nonada; barulho sem gente.
Tem po da Am orosa — Epochas passadas, remotas, longin-
quas; bons tempos, tempos, saudosos, que já não voltam. “ N o
meu tempo (da am orosa) Se cria mui piamente, Que era o re i
sempre innocente Do desgoverno do estado” . (A Carranca n. 6
de 1847). “ Ah! tempo da am orosa! epocha do bacamarte! Tuas
leis eram mais salutares” . (A D errota n. 5 de 1883). “ Bons
tempos da amorosa, em que a moça que não usasse bando e an-
quinha não era elegante” . (Pernam buco n. 49 de 1914). Am o­
rosa, era uma aria que teve grande vóga na m etropole em p r i­
mórdios do seculo X V III, e que Bluteau diz, contemporanea­
mente (1727), que é uma “ Peça, que se toca na viola, ou ou­
tro instrumento de cordas; é muito suave e gra ve ” . Vem dahi,
portanto a locução.
Tempo das am oras! — Traducção chula da phrase latina:
Oh têm pora! Oh mores!.
Tempo do Onça — O mesmo que Tem po da amorosa. “ Ou­
vida actualmente com p.'ouca frequencia, esta expressão fo i

738
vulgarissima entre os nossos avós e era pronunciada a miú­
do pelos nossos paes. Sempre que pretendiam assignar a um
facto, insolito nos seus dias, a epocha em que poderia ter oc-
corrido sem suscitar grave escandalo, uzavam dizer, com in-
tonação de surprèza: Isto só na tenipo do Onça! e empregavam
tambem a mesma locução para attribuir a um successo data as­
saz remota, numa idade de escura barbaria” . (A lfre d o de Car­
va lh o ). V. Onça.
Tem po do rei velho — O mesmo que Tem po da Amorosa e
do Onça. “ A decencia, a moral, o civismo, o senso publico são
chimeras, palavões antiquados do tempo do rei v elh o ” . (A Ca-
pistraneida, 1847). “ Bem fazemos nós, que sempre nos d irig i­
mos á guarda nacional do tempo do rei velho com o pé atraz
e o chapéo na m ão” . (A Lanceta n. 29 de 1890). A moeda de
cobre, antiga, que ainda tinha curso entre nós mesmo depois
da independencia nacional, era chamada do rei velho. (D ia ­
rio de Pernambuco n. 23 de A b ril de 1835). Quem fo i este rei
velho para precisamente fixarm os a epochã e a origem da locu­
ção, tão vulgar entre nós, é que positivam ente não sabemos
na carência de dados á respeito. Entretanto, adiantamos sem­
p re alguma cousa, consignando que vem dos tempos coloniaes,
e talvez mesmo do seu ultimo reinado, uma vez que, firm ada
a nossa emancipação politica, não tivemos rei algum. Tratando
um artigo p olitico publicado no D iario de Pernambuco n. 104
de 1829 da existencia de uma sociedade secreta que havia no
R ecife, faz referências a um escripto que appareceu no p erio ­
dico contemporâneo, Abelha Pernambucana, dizendo que essa
sociedade tendia a fins subversivos tratando de arrasar a Cons­
tituição e levantar sobre solidas columnas o governo absoluto
do nosso rei velho. Em um artigo publicado depois, no n. 194
do mesmo Diario, lê-se ainda, defenindo o corcunda: “ Homem
que não perdeu o amor ao seu rei velho, e que só aspira o B ra­
zil una-se a santa terrinha” . Vê-se assim, que esse rei ainda
existia na epocha; que era D. João VI, que regressando para
Portugal deixára como regente do reino do B razil o principe
D . Pedro, seu filh o, naturalmente o rei moço, e que p or fim
proclamada a nossa independencia, fo i o nosso prim eiro im pera­
dor, quando ainda existia o rei velho, seu pae, que falleceu em
Lisbôa annos depois. Acertamos porem nas nossas conjecturas,
que assim as vimos justificadas por J. Soares d’Azevedo nes­
tes versos da sua poesia, Aurora: “ E lle de galas ornado, Co­
mo no tempo d’E l Rei, Gibão azul de brocado, Com broches

739
d’oiro de le i;” dizendo em nota ao segundo verso : “ E l Rei D.
João VI. Quando o nosso povo fala d’ El Rei, é sempre daquelle
que viveu entre nós, do ultimo que reinou no B ra zil” .
Tem po dos Affonsinhos — Vulgar locução, consoantemen-
te com as expressões das tres antecedentes. “ Uma rapariga do
tempo dos Affonsinhos era fresca, rubicunda e cheia de vida
como um botão de rosa desabrochado” . (O Carapuceiro, 1840).
“ N o tempo dos Affonsinhos, Que Adão para traz cuspia, Nas­
ceste, minha deidade, E não queres ser titia ” .(Z izin a & Esme­
ralda). “ Guilherme trajava frack azul do temPo dos A ffo n s i­
nhos” . (Jornal Pequeno n. 33 de 1915). Para dizermos alguma
cousa sobre a origem desta locução só nos é dado agir no cam­
po das conjecturas. Aventamos assim, que Affonsinho seja uma
corruptela de Affonsino, originaria do codigo de leis prom ul­
gado pelo rei Affon so V ( í 438-1481) e mais conhecido por O r­
denações Affonsinas, e que, derogadas pelas Manoelinas no se­
culo X V I, e estas depois pelas Philippinas, no seculo seguinte,
venha dahi, por omissão ou córte de umas tantas disposições
penaes consignadas nas prim itivas e originarias ordenações,
dizer-se, na occorrencia de factos em que cabiam a applicação
de taes penas, que no tempo das Affonsinas não se dariam, pe­
la sua severa punição. Se quizermos ainda nos rem ontar a e-
pochas mais afastadas, é licito conjecturar tambem, que a lo ­
cução, com igual corruptela, se re fira ao tempo da dynastia
Affonsina, que começa em princípios do seculo X II com o re i­
nado do conde D. Henrique, e termina no X IV , no reinado de
D . Fernando, e assim chamada do nome do principe D . A f­
fonso Henrique, o fundador da monarchia portugueza, e o seu
prim eiro rei, e em cuja dynastia figuram mais tres soberanos
com o nome de A ffon so ; e dahi dizer-se, para a referen cia de
uma epocha remota, afastada, no tempo dos Affonsinos, dando-
se assim o natural modismo de Affonsinhos. Occore em fim
que houve em Portugal uma moeda de ouro chamada marave-
di, cunhada no reinado de D. Affonso Henrique, e que p or is
to chamavam-na maravedi alfonsim, como, concurrentemen-
te, teve o nome de dinheiro alfosim, uma nova moeda de prata
cunhada no reinado de Affon so IV , no seculo X IV ; e dahi, no
tempo dos alfonsins, isto é, a epocha em que aquelles dinhei-
ros tiveram curso. Ficam assim consignadas estas nossas
conjecturas, aliás firmadas em dados positivos, e p o r­
tanto, Justificáveis, procedentes. Goncurrentemente com
as locuções no Tem po da Amorosa, do Onça, do rei

740
velho, e desta que vim os de consignar, occorrem ainda es­
tas duas, com as mesmas expressões, e igualmente em vóga:
N o tempo em que Judas andava de ceroulas; e em que se a-
marrava cachorro com linguiça, e Lopes Gama no se, O Cara­
puceiro (ns 68 e 74 de 1842) faz referencias a um Tempo, en­
tre nós, do toque do aruá, ou da cantiga do aruát de que, já
não se fala. N o Rio de Janeiro, porem, occorre ainda a locução:
N o tempo do Bitú, de um caracter rgional, originaria de um
typo de rua, um bohcmio; que viveu em prim ordios do seculo
passado, e cujo appellido vulgar ficou na popuiar cantiga: Vem
cá Bitú. (V. o nosso F olk-lore Pernambucano p. 507). As locu­
ções desta natureza .são de um caracter geral, variando apnas
de form a; e para não sahirmos do nosso continente americano,
exem plificam os com esta do Chile: En tiempo de Naucas, que
segundo Zorobabel Rodriguez equivale a mui antigamente, em
tiempo dei rei que rabió, ponderando que esse Naucas, natu­
ralmente, fo i contemporâneo dei rei Perico, i nino de un tiem ­
po com la reina Mari Castãna.
Tem-tem p’ ra ganhar um vintem — Phrase de carinho e
animação dirigida a uma criança que começa a andar para e r­
guer-se e caminhar: Fazer tem-tem.
Tenda — O fficina, casa de trabalho. “ Lauriano tinha a
sua tenda de alfaiate na rua do R o s á r io ... José da Luz tinha
na rua da feira a casa de morada e defronte desta a sua ten­
da de ourives. (F ra n k lin T a v o ra ). “ Davam mais p ’ra sapatei­
ros da tenda de Braz D in iz” . (Lanterna Magica n. 123 de 1885).
“ Como aprendiz de serralheiro eu estive em muitas tendas” .
( A Pim enta n. 14 de 1902). Vocábulo vernáculo, esta sua p ar­
ticular accepção entre nós, é geral, e vem já de muitò longe,
como se vê deste trecho do liv ro de Nuno Marques P ereira
impresso em 1731: “ Eju então residia na cidade da Bahia, com
uma tenda de sapateiro, p or áer este o meu officio.
Tenencia — Juizo, sentido, cuidado. Tom em tenencia com
o Canabarro, porque na tratantice não lhe hão de fazer ninho
atraz da orelh a” . (O Vapor dos Traficantes n. 192 de 1860).
“ Egidio, toma tenencia, segue a risca os meus ditames” . (O
Barco dos Patoteiros n. 31 de 1864). “ Viuvinha, viuvinha, T o ­
ma Tenencia na vida, Senão mais tarde, santinha, Tú choras de
arrependida” , (A Pimenta n. 640 de 1908).
Tengo-tengo — Devagarinho, sem fadiga, sein grande esfo r­
ço: O caminho não é perto; mas eu vou tengo-tengo, no meu
passinho, e chegarei a tempo.

741
T erceiro — Indivíduo que pertence a ordem terceira de
certos institutos religiosos, em que são admittidos pessoas le i­
gas: T erceiro do Carmo, de S. Francisco. Aquellc denominação
de ordem terceira, vem da divisão ou classificação não só dos
institutos religiosos do Carmo e S. Francisco, como de alguns
outros mais, em tres ordens destintas, sendo a prim eira a dos
frades; a segunda a das freiras professas, ou não, chamadas r e ­
colhidas, viven do aquellas em conventos, em communidade
claustral, e estas em recolhim ento; e a terceira, composta de
homens e mulheres de qualquer estado, sem communidade e
clausura, mas trajando os hábitos das respectivas ordens, com
uma profissão particular, e sob o regim em de uma regra p ró ­
pria, modelada sobre as das respectivas ordens. Vem dahi o
vocábulo.
Terens — Bagagem, arranjos de casa, trates ordinários,
troços. “ Quandó voltar e nos mostrar os terens do seu gabine­
te, é que teremos cousa, cousa grande, de espantar” . (A m e ri­
ca Illustrada n. 41 de 1878).
Terno — Roupa de homem, completa, uniforme, da mesma
fazenda e côr: Terno de casaca. “ Na elegancia provinciana
de um terno côr de m acaco” . (D ia rio de Pernambuco n. 149
de 1916). “ O general envergava terno de frack de casimira es­
cura” . (Jornal do R ecife n. 112 de 1916).
Terra — Abundancia, quantidade, grande numero. “ Tu
com a linha, Eu com a serra, Ganhamos dinheiro Assim como
te rra ” . (Parlenda d’0 S errador). T erra dos pés juntos, cem i­
terio. “ O poder e efficacia do medicamento do Dr. Nogueira,
de grande alivio na T erra dos pés juntos” . (Jornal Pequeno
n. 16 de 1916). “ O sub-delegado desenvolve activa perseguição
até mandar o cujo para a T erra dos pés juntos, cem iterio” . O
subdelegado desenvolve activa perseguição até mandar o cujo
para a terra dos pés juntos” . (A P rovín cia n. 267 de 1916). “ D i­
vertindo o povo com balas, e mandando gente como form iga
para a T erra dos pés juntos” . (Jornal Pequeno n. 12 de 1917).
Terra dos Camarões, Pernambuco do nome legendário do dis-
tincto chefe indio-pernambucano D. Antonio Felippe Camarão,
tão celebre nas guerras Contra o batavo invasor. “ Ainda corre o
sangue brasileiro, e humedece a terra dos cam arões!” . (O Ca-
pibaribe n. 55 de 1849). Adágios: A terra cria, e a terra come;
Em terra de cegos, quem tem um olho é re i; Em terra de sa­
pos, de cocoras com elles: Nem muito á terra, nem muito ao
m ar; O que o berço dá, só a terra o tira.

742
T erreiro — Certa area de terra, limpa, em frente á casa
de vivenda de uma propriedade rural, ou de uma habitação
qualquer. “ Eu não era senhor de sahir ao terreiro sem ser a-
companhado” . (Fran klin T a v o ra ). “ A casa é branca; o te rre i­
ro varre-se toda a tardinha” . (X . de Castro). “ Não deve con­
sentir que em seu terreiro briguem dous paes de fam ilias” . (A
Peia n. 5 de 1903). O terreiro é a okára dos indios, dentro da
qual ficavam ás suas casas, oka, muitas vezes de vastas p rop or­
ções. (T h eodoro Sampaio.
Tesoura — Pequeno crustáceo decapode, mas de grandes
patas ou pinças, que habita nos mangues ou na lama do fun­
do dos rios que desembocam no mar, e fica a descoberto na va­
zante. Peça de madeira ou ferro, de form a triangular, que re ­
cebe a coberta de certos construcções ou telheiros. In dividuo
linguarudo, maldizente, detractor; falador da vida alheia. “ D e­
pois que as antigas tesouras dos bancos das pontes entende­
ram de afflu ir para os jardins, ninguém os pode mais frequen­
ta r” . (A m erica Illustrada n. 45 de 1878). “ O fficia l de iesoura,
ninguém no o ffic io te abate; D iz o Chico, diz o Moura: Que
aprim orado alfa ia te!” (O Destino dos amantes). “ E ’ a mais
afiada tesoura que o R ecife cob re” . (Jornal Pequeno n. 297 de
1916). D erivados: Tesourada; tesourar: Cortar a p elle alheia
falar mal de Dèus e do mundo. Com o titulo A tesoura, a p ar­
tir de 1828, tem apparecido entre nós alguns periodicos com
um program ma mais ou menos subordinado ás expressões do
seu proprio titulo. O termo tesoura, com taes accepções, vem
de muito longe, porquanto já assim era vulgar na Bahia em
começos do seculo X V III como contemporaneamente escreve
Nuno Marques P ereira : “ São os murmuradores mui parecidos
e semelhantes á tesoura, por ter esta o córte ás avessas dos
mais instrumentos de gume; que vale ô mesmo que fa la r mal,
e* ás avessas do que devem f a la r ... Oh tesoura» cortadeiras,
que vos poder tirar os eixos, ou queixos desses adjuntos,
para que não cortásseis tanto pela fama e credito de vossos
p ro xim os!”
Têta — Arranjos, lucros, vantagens. “ Perderás a tetasi-
nha quando o Barão fô r —se em bora” . (O Guarda Nacional n.
19 de 1843). “ Maldita seja a mudança que faz-lh e.p erder a tê­
ta da bocca, e tu’ gritas desesperado” . (Lanterna Magica n. 158
de 1886). “ Para evitar delongas, vae correndo até junto ao bom

743
Ruy Barbosa pedir-lhe novamente a têta” . (A Lanceta n. 26
de 1890).
Tetéa — Perendengue,, penduricalho, beroloque; condeco­
ração; cousa bella, mimosa, engraçada, delicada. “ A i que ele­
gância, que fragi^n cia, que tetéa, da minha amada, delicada,
Galatéa. (Versos de um Pas de q u a tre ). “ Já fo i approvado o
figu rin o do club, que está mesmo uma te té a .” (Jornal do Re­
cife n. 34 de 1917). “ Estas distincções e insignias nâo são
mais do que tetéas ridículas, de que o simples bom senso
escarn ece.” (D ia rio de Pernambuco n. 260 de 1829).
T etéo — Ave ribeirinha (Vanellus cayennensis), p ern ilon ­
ga, cujo nome vulgar é onomatopaico, origin ário do seu pro-
prio canto, que claramente parecer pronuncial-o. No carnaval
de 1916 appareceu uma troça com o titulo de Tetéos do Zum­
bi.
Thereza — Nome que o camponio vendedor dê aves dá
a perúa, por lhe parecer que este não é decente.
Thom é — Carneiro.
T ia ou titia — Solteirona, velhota; mulher que não ca­
sou: F icar para tia ou p aia titia. “ Depois de tias o que po­
derão ser? Reform adas pela coinpulsoria. ” (O Tam oyo n. 5
de 1890). “ Um coió antypatisado até mesmo pelas solteiro­
nas que vão ficando no rol das tias” (A P rovín cia n. 12 de
1902). “ N o tempo dos Affonsinhos, Que Adão para traz cus­
pia, Nasceste, minha deidade, E não queres ser titia? (Z izin a
Esm eralda). “ A gurizada dr casa chama de titia a soltei­
rona, e ella dá o c a v a c o .” (A Pimenta n. 23 de 1902).
Tiba — Cheio, repleto, abundante; grande, sumptuoso,
m agnifico. “ O anniversario dó D iodoro fo i tib a ” . (O A lfin e ­
te n. 16 de 1890). “ Brevem ente surgirão na roda politica dous
manifestos tibas, que trarão, certamente, novidades fres c a s .”
(Lan tern a Magica n. 502 de 1896). “ Desejo para vós, soltei­
ras, um noivo tib a .” (Idem , n. 515 de 1897). O vocábulo
occorre tambem com a variante de tibá, porem menos fr e ­
quente: A maré está tibá 1; A igreja estava tibá de gente. T i­
ba é um vocábulo tupi, com as expressões de abundancia,
fartura, profusão, e dahi Abatixi-tiba, m ilharal; Ybycu i tiba,
areal; e Tibagy, rio de abundancia, rio copioso ou caudaloso.
T ib i! — Expressão de espanto, surpresa, admiração de
protesto ou reprovação. “ Aqui dou eu, pela parte que me toca,
um alto e resonante T ib e !” (D ia rio de Pernambuco n . 68 de
1829). “ Isto é vergonha, Sr. D elegado! Ora tib e !” (O Cam­
peão n. 50 de 1862). Consoantemente, é muito vulgar a phra-

744
se: Tibi, g ia ! T ib i é um termo da locução T ib i! Vote!, ou in-
vertidamente, V ôte! T ib i!, estropiada da phrase latina Va tib i!
Tição — Homem preto; o diabo; Artes do T içã o ! “ Mulher
preta é um tição” . (A Pimenta n. 36 de 2902). “ N egro m o­
fino, eu só sinto não encontrar tambem aqui os outros dois
tições, teu pae e tua mãe, para dar a vocês todos um ensino
de m estre.” (F ra n k lin T a v o r a ). “ Não tenhas tú pretenção.
A casar com moça branca; Has de casar com um tição Que a
toda a pessôa espanta.” (O Destino dos Am antes).
Tico — O mesmo que taco. “ O quengo não deve ter um
tico de vergonha, e assim, julga que todo mundo é seu .” (A
Pimenta n. 500 de 1906). “ Cava o pobre e o rico, Cava toda
a gente! Quem não cava um tico E ’ que está dem en te.” (V e r­
sos do Club dos Cavadores, 1915). Nem tico, nem taco (D ic-
ta d o ); sem cousa alguma. Tambem se emprega muito dimi-
nuitivo, tiquinho, e assim a locução: Um tiquinho de nada.
“ T ive tanto trabalho e não me coube um tiquinho sçquer.”
(A m erica Illustrada, 1873).
T ico-tico — Especie dc ave registrada p o r Jeronymo
V ilella, sem particularidades á respeito.
T ic-tic — Andar afectado, todo peneirado.
T igela — Medida fraccionaria da cuia, equivalente a um
litro . Uma cuia de cinco tigelas, nas .feiras e mercados do
in terior usada na medição do milho, farinha, feijã o e outros
generos.
Tigicopéa — O mesmo que prosopéa.
T igre — A rvo re que fornece madeira para usos diversos.
Especie de onça ou tigre, muito listrada, do tamanho de um
bezerro, e grande perseguidora do gado domestico, com o a
descreve um chronista de princípios do seu seculo XVII, e as­
sim tambem chamada por M arcgravi. E ’ a Jaguára ou Jaguar
dos indios, corruptela de ya-guára, a que devora, ou dilacera,
o com edor ou devorador, e dahi Gaguary, Jaguaribe ou Ja-
guaripe, rio da onça. Valentão, destemido; guarda-costas, ca­
panga. Tigre, nesta particular accepção, vem p or assim cha­
mar ás suas ordenanças, homens escolhidos, de confiança e
valentia, uma diligente autoridade p olicial do b airro do
R ecife, José dos Santos Neves, o popularissimo Zéca. “ O Sr.
Santos Neves só tem mandado os seus tigres conduzir pelo
caes do A p ollo a 200 canalhas.” (O Diabo a quatro n. 132 de
1878). Canalha, era como elle chamava aos presos correccio-
naes; e a ordem de conduzil-os ao xadrez pelo caes do Appollo,
queria dizer: bababi nelles. B a rril ou cubo de despejo na

745
maré, no tempo em que ainda não havia na cidade um servi­
ço regular do exgotto ou drainage. “ As casas, d’ora em diante
terão mais valor, visto como os inglezes vão dotal-as de ap-
parelhos que dispensam o medonho tig re ” . (Lan tern a Magica
n. 25 de 1882). “ As matérias excrem enticias em parte eram
para as praias carregadas nos m emoráveis tig re s .” (D r . Qc-
tavio de F re ita s). O serviço de conducção dos tigres, em p le­
no dia, era feito p or pretos, geralm ente escravos, que annun-
ciavam a sua passagem pelas ruas, gritando, V ira ! vira !, e
por cujo trabalho recebiam uma pataca. E ’ bem p rová vel que
esse qu lificativo viesse do Fíio de Janeiro, onde, no tempo era
vulgar, com semelhante applicação. “ Nada de City im provent;
tigres domesticados passeiavam p or todas as ruas da cidade
do R io de Janeiror inclusivamente a do O u v id o r.” (D r . Cas­
tro L o p es).
i
T ijôlada — Arrem esso de um pedaço de tijolo, como a
pedrada; golpe com um pedaço de tijolo atirado, jogado. —■
“ Deixa-te estar, que saberás quanto é bom, a tempo, uma ti-
jo la d a .” (A V oz do Brasil n. 52 de 1848). Casa ladrilhada
a tijolo, e dahi tijolar ou entijolar. “ Duas casinhas de taipa,
cobertas de telhas, caiadas e entijoladas” . (A Pimenta n.
339 de 1918).
T ijo lo — N am oro. “ Com a actual ordem de cousas não
deixam os clérigos de fazer tijolo, quando podem, e acham
barro de fe iç ã o .” ( 0 Diabo a quatro n. 172 de 1878). “ As
moças chiques que querem fazer tijolo sem barro, estão ater­
radas de o mundo vihar ás avessas.” (A Duqueza do Lingua­
rudo n. 140 de 1878). “ Dizem que uma certa moça está de
sociedade com uma olaria com um cadete, onde fabricam pu­
blica e desassombradamente tijolos de todos os tam anhos.”
(A D errota n. 19 de 1883). D erivado: T ijolista . “ Nunca ti-
nhamos visto umas tijolistas como as de Santo C h risto .” (M e-
phistopheles n. 35 de 1882).
Tim ão — Especie de capote ou com prido sobretudo, de
lã ou panno grosso, geralm ente preto ou de fazenda escura,
usado pelas mulheres em outros tempos, mas não muito rem o­
tos, porquanto ainda a alcançamos, porem lim itado ás partei­
ras, beatas e mulheres de baixa condição: Mulher de saia e t i­
mão. “ P roh ib i certas visitas Dumas que vêm de timão A titulo
de devoção, Ou que trazem bicos, reqdas, Perendengues e fa ­
zen d a s.” (O Carapuceiro n. 28 de 1837). “ Tim ão velho de mu­
lher prostituta e m aldizen te.” (Sentinella da Liberdade n. 18

746
de 1848). “ E ’ a mulher de timão o mensageiro mais fa c il de
um n am o ro .” (A m erica Illusdrada, 1872). Especie de bata, rou­
pão ou chambre, de chita, usado pelos homens, em casa. “ Uma
jaqueta era vestia, Uma calça tra calção, Sobrecasaca rodaque,
Robe de chambre, um tim ã o .” (D e uns versos de 1853). “ The-
reza de curto vestido, e Anlonio de timão ru sso .” (Lanterna
Magica n. 502 de 1896). Vestimenta de menino para andar em
casa ou sahir á rua, até certa idade: um timão de baptisado;
uns timãosinhos de chita ou de fustão. Tim ão é corruptela do
vocábulo portuguez queimão ou quimão, que Moraes define:
Roupão talar com mangas, aberto p or diante, e largo. Era es­
te, naturalmente, o timão usado no seu tempo em Pernam ­
buco.
Timba — Barriga, estomago: Encher a timba; estar de
timba cheia, como se diz da mulher gravida.
Tim bales — Os testículos.
Tim bó — Planta vulgar (Paulin ia pinnata, L in n .), da fa ­
m ilia da Sapindaeeas, de viitu des medicinaes, e de cujo caule,
batido, extrae-se uns filam entos rijos, fortes, de que faz-se
vassouras, cestos, balaios e outros objectos. “ Com esmero teci
dous prim orosos Cestinhos de tim bó” . (A . J. de M ello)- Ces­
teiro que faz um cesto faz um cento, assim tenha timbó e tem­
p o. (A d a g io ). Era com o tim bó que os indios embriagavam
p eixe; vara, vergontea, cipó; sendo assim o nome indigena da
de uma especie de timbó, uns vimes mui rijos, que nascem ao
pé das arvores, que naturalmente não é a mencionada Sapin-
dacea, que segundo Alm eida Pinto é um arbusto, parecendo-
nos assim que é uma especie de cipó branco, chamado timbó,
de que se fazem chapéos, cestinhos e pequenos balaios1. Segundo
Gonçalves Dias, timbó é um cipó, que embebeda o p eixe; e
Theodoro Sampaio diz que é uma planta cujo succo mata o
p eixe; var^. vergontea, cipo; sendo assim o nome indigena da
planta. Entretanto, descrevendo Alm eida Pinto o arbusto do
timbó diz que na lingua tupi é conhecido por Cumarú-apé.
Timbú — Marsupio da ordem dos Roedores (D idelph is can-
crivora, L in n .), cujo animal tinha na lingua geral dos indios
o nome de Carigueya, e na particular dos Petiguares o de Tai-
bi, segundo M arcgravi, e dahi, naturalmente, p or corruptela,
o vulgar de timbú. Concurrentemente tem os nomes de cassaco
e de gambá. “ Ha um animal a que chamam taibú, que depois
que pare os filhos, os recolhe todos em um bolço, que tem no
peito, onde os traz, até os acabar de c e r a r .” (F r . Vicente do

747
S a lv a d o r). Vem dahi o nome concurrente de cassaco, corrup­
tela de com sacco. Barriga de timbú: inchada, lamosa.
Tim-bum — Voz onomatopaica do som produzido pela que­
da de um corpo no chão ou n’agua. “ Quando chegar o meu
tempo, dizia o sapo, tim-bv.m, na la g ô a .” (Lanterna Magica
n. 473 de 1895). “ E o m aroto sumiu-se, e timbum!, cahiu n’a-
gua. (Jornal do R ecife n. 45 de 1914). “ Um dia a velhinha,
só p or suppor que dos dous dentes que lhe restavam faltava
um, deu-lhe o peior dos estupores, estribuchou, e . . . tim-bum,
no c h ã o .” (A Pimenta n. 77 de 1902).
Tim -tim — Na locução: Barriga de* tim-tim. inchada, vo ­
lumosa .
Tingui — Moléstia, encommodo de saude.” Fui troçar F r.
Celestino e Fr. Salomão, e o resultado fo i dar-me um tingui,
que passei um carnaval mesmo f o b ó . .. N o segundo dia do car­
naval o meu tingui con tinu ou.” ( A Pimenta n. ,541 de 1907).
Moléstia que ataca o gado b ovin o. “ Carnes de gados de tingui,
magros, e que deveriam ter sido enterrados, são assim levadas
á consum o.” (O Brado da Miséria n. 5 de 1853). “ Bois tristo­
nhos, atacados da peste tin g u i.” (Lanterna Magica n. 19 de
1882). Nom e vulgar de alguns vegetaes, que lançados n’agua,
entontecem ou matam mesmo os peixes, de modo a se os apa­
nhar facilm ente, á mão. “ Outros ha, cujo peito bebera O te­
mor, como ao p eixe o tin gu i!” (T raja n o Galvão de C a rva lh o).
D erivado: T in gu ijar. “ Os frutos globulosos da planta Timpahe-
ba, da fam ilia das Berberideas, tinguijam os peixes, envene­
nam, sem que estes sejam perniciosos a quem os c o m e .” ( A l ­
meida P in t o ). “ Tem os muita cachaça para tinguijar esses in-
glezes, e depois apanhal-os á mão como p eixe b eb a d o .” (O
Conservador V erm elho n . 18 de 1863). Tingui é um vocábulo
tu p i.
Tinguijada — Pescaria feita com o envenenamento do p ei­
xe, lançando-se n’ agua, para este fim , certas plantas toxicas,
como a meladinha, m elão de S. Caetano e o tingui, de que se
origin a q termo, tornando-se assim facilim a a sua pesca, e sein
preju izo algum á saude, “ Nos dias de tinguijada Que folgan ­
ças! Que fo lia ! A o som da estúrdia viola Bello peixe se c o m ia .”
(F o lk -lo re pern am bu can o). “ E marchou ás costas de um ca­
vallo para assistir fts pescarias de tinguijadas e caiçára s.” (O
Corneta n. 21 de 1844). “ A tinguijada durou até depois do
meio dia. Da beira do rio levaram o p eixe para o engenho em
caçuaes, tão grande fôra a p esca ria.” (F ra n k lin T a v o r a ). A

748
tinguijda vem dos indios, que lançavam o tingui e outras plan­
tas nos rios ou alagados para embebedar os peixes e assim
facilm ente pescal-os, como escreve um chronista seiscentista,
o Padre Simão de Vasconcellos.
Tinguijado — D oente; o gado atacado da moléstia do tin­
gui. “ Carne á pataca a libra, sendo a m aior parte delia de
vacca velha e tinguijada” . (O V apor dos Traficantes n. 111
de 1859).
Tinhoso — O diabo. “ P o r artes do tinhoso tinha o Carnei­
ro vindo da C id a d e.” (O Clarim n. 6 de -1878).
T ipoia — Especie de faixa de panno ou charpa, para sus­
tentar um braço doente. Rede de dorm ir ou de conducção de
um doente ou cadaver. “ Vindo o somno a todos vão p ’ras ti­
póias d o r m ir.” Juvenal G alen o). “ A ponte de M otocolom bó
emblalançava com o peso dos cavallos, tipóias, rêdes, berlindas,
traquitanas, e tc .” (O Cometa n. 21 de 1844). Term o de o ri­
gem africana, segundo uns, ou tupi, segundo outros, e tão vu l­
gar em Angola como no Brazil, com as expressões de serpen­
tina, palanquim de rede, como escreve Moraes, o que é certo,
é que entre nós vem já, documentadamente sabido, da segunda
metade do seculo X V I, pela sua mensão e definição p or um
chronista do teinpo, o Padre Fernão Cardim, dizendo que a
tipoia era “ um pedaço de rêde em que os indigenas trazem, os
seus filhos' ás costas, como ciganos, encanchados nos quadris” .
Tiráda — Rompante, explosão, destempero . “ P erm itti que
estas linhas te dirija, E olha, não te a fflija Alguma- tiradinha
pouco amavel . ” (Barbosa V ia n n a ).
T irado a gancho — Obter, conseguir alguma cousa com
esforço, difficuldade, má vontade.
Tira-duvidas — Cacete.
T ira r — Nas locuções: T ira r a camisa do corpo, a roupa
e a pelle, o couro e o cabello: explorar, reduzir alguem a m isé­
ria . T ira r a ferrugem da lingua: falar, conversar, tagarelar.
T ira r a mãe da culpa: o filh o parecer muito com o pae. T ira r a
mascara: descobrir-se, m anifestar-se. T ira r a nevoa, ou a
peneira dos olhos: vêr, comprehender, descobrir, convencer-se.
T ira r a poeira do corpo: dar uma sova. T ira r argolinhas: um
bafejo de felicidade; a consecução de uma pretenção de van­
tajosos resultados. Esta phrase vem dos antigos torneios das
cavalhadas. T ira r com a mão do gato: sorrateiram ente. T ira r
da. bocca do lobo: liv ra r alguem de um perigo imminente. T ira r
de cabeça: dissuadir, despersuadir. T ira r fogo sem fu zil: diz-

749
se de um inquieto, vivo, experto. T ira r inculcas: inform ações.
T irar o cabeljo da venta: conformar-se, resignar-se. T ira r o
cavallo da chuva: deixar de asneiras, tolices, pretenções. T ira r
o pae da fo rca : andar, caminhar apressadamente, empregando-
se então a phrase, assim, correndo, só quem vae tirar o pae
da forca, como refere a lenda, que Santo Antonio voára em es­
pirito de Padua a Lisboa para liv ra r a seu pae da forca, inno-
centemente accusado por um crime de hom icídio. T ira r o pé
da lama: distinguir-se, elevar-se, b r ilh a r .” O pessoal do pas­
to ril da Yarzea desta vez tirou o pé da la m a .” (A Pimenta n.
3 de 1908). A locução originaria, segundo João R ibeiro, era
T ira r o pé do lodo, com as expressões de ennobrecer-se e m e­
lhorar de condição. E ffecíívam ente, é assim que a registra D.
Francisco Manoel. T ira r os olhos da cara: pedir, rogar com
insistência e pertinacia para obter uma cousa qualquer. T irar
seu ente de razão: reflectir, conjecturar, assentar numa cousa
qualquer.
Tire-báque — Phrase onomatopaica de queda. F o i tire-ba-
que, no chão: De repente, depressa, im m ediatam ente.
T iririca — Especie de porco do matto ou quixáda. T ir ir i­
ca é uma cyperacea, a nnvaiheira da nossa flora, cujas folhas,
compridas, estrellas e serrilhadas, cortany como navalhas, e da­
hi este nome vulgar, tendo assim analogia com a natureza do
animal, uma especie de quixáda, já consignado.
T iro — Levar, tomar um tiro. Diz-se do estudante que cha­
mado a lição nada absolutamente diz, tomando nota má. T iro
e baque, tiro e queda, tiro de testa: golpe seguro, certeiro.
“ De quando em vez segurava a garruch a. . . Era só tiro e ba­
que. Que essa aqui nunca mentiu fo g o ” . (U m berto M alh eiro).
Companhia do tiro : de gatunos, ou quadrilha de ladrões. Dar
um tiro: acabar, terminar, resolver uma questão; não falar
mais sobre um assumpto: Dê um tiro neste negocio. T iro de
m isericórdia: ultimo golpe de uma serie de perseguições ou
contratempos. A locução vem do tiro assim chamado, ou de
honra, ou de graça, desfechado no ouvido dos arcabuzados,
para livral-o, com a morte inunediata de uma agonia dolorosa,
lenta, causada pelos ferim entos da descarga.
T irra ! — Moscar-se, por-se ao fresco, abrir de chambre.
“ Mostrando-me a muchacha num sorriso medonho os dentes
brancos como as opas da irmpndade das almas, arrepiei, e . . .
tirra ! O triste fona Maia, vive a pedir moças e d e p o is ... tirra !
mundo de meu D eu s.” ( A Pimenta ns. 79 e 86 de 1902).
Tisica de algibeira — Quebradeira, pindahyba, estar a ne­

750
nhum. “ A molestia da canna é um mal contagioso, e predispõe
muito para a tisica de algibeira, vulgo quebradeira nos senho­
res de en gen h o.” (A m erica Illustra adn. 31 de 1881). “ Tuber­
culosa a algibeira, De fraca vai-se rasgando; Apita, apita e api­
t a !. ” (A Pimenta n. 29 de 1901“ . “ E o triste exem plo im itan­
do De um barbara maneira, Vai tambem se conflagrando Minha
tisica algib eira” . (Jornal do R ecife n. 216 de 1914).
Tisnado — O diabo: Artes do tisnado.
T itica — Escremento “ Assim mesmo, cheio de titica de
g a llin h a .” (Am erica Illustrada, 1872). “ Você não passa de ti­
tica! Tenha ju iz o !” (Jornal do R ecife n. 50 de 1914). “ O sar­
gento diz que em T igip ió é elle quem manda, e que o subdele­
gado é titic a .” (O Estado de Pernambuco n. 183 de 1914).
Encontramos esta dicção no vocabulário da lingua tupi, mas
com expressões que nada tem de commum com a que hoje
é vulgarmente corrente entré nós.
T itio — Tratam ento fam iliar de tio, e de um certo respeito
aos pretos velhos, concurrentemente com o de mestre ou pae.
“ Mestre titio me diga O seu nome como é? Sinhá p’ ra que qué
sabe? Y ô me chama pae Manué” . (D o lundú O Caranguejo).
V . T ia . .
Tiúba — Especie de abelha, pequena, am arella. Vocábulo
de origem tupi, corruptela de tuyuba.
Tocaia — Espera, espreita; emboscada. “ Valentim se sen­
tou escondido entre duas caixas de fazenda, como quem fazia
tocaia a v e a d o .” (F ra n k lin T a v o r a ). “ O p roprietário da baixa
resolveu pôr de tocaia dous vigias, afim de descobrir o autor
ou autores do furto de c a p im .” íJornal Pequeno n. 72 de 1915).
D erivado: Tocaiar, verbo <le raiz tupi, que qu er-dizer esperar,
espreitando alguem para atacal-o quando passar pelo lo g a r .”
(Couto de M agalh ães). V . Atocalhar.
Tocar baixo — Fazer uma refeição ou comer qualquer cou­
sa em casa alheia, habitualmente ou não. Não quero jantar
agora; estou sem disposição: toquei um baixinho na casa do
João.
Tôco — Na phrase Estar, ou ficar no toco, isto é, preso,
detido, im pedido; estar de vigia, de prom ptidão; perm anecer
em trabalhos extraordinários por affluencia de serviço. Todos
sahiram foram se divertir, e eu fiqu ei no toco! “ M orro no
toco! não me chego ao rego, sou cabeçudo, em b o ra .” (A P i­
menta n. 44 de 1902). “ Toco diz-se quando os companheiros
vão operar e a gente fica de gu ard a.” (Jornal do R ecife n.
100 de 1915).
751
Todas — Traquinadas, branquinhas, diabruras, barulhadas.
Faber as todas a acabar com muito sol. (D ic ta d o ). O termo é
tambem empregado no diminutivo, e muito frequentem ente.
“ O João Carrasco com seu filh o têm feito as todinhas, e aca­
bado com muito sol na villa de Iguarassú.” (O Foguete n. 1
de 1845). “ Eu se não me fô r embora daqui, faço as todinhas
e acabo com muito s o l.” (F ra n k lin T a v o r a ).
Todinho — D im inuitivo de todo, usado para bem accentuar
a sua expressão: Todinho, por inteiro, sem faltar nada. “ Um
senhor que conhece o valor da tripa, do bofe e do mocotó, não
se desperdiça; aproveita-se todinho” . (A m erica Illustrada n.
12 de 1884).
Toliçáda — Cousa tola, insignificante, sem valor; asneira,
parvoice, n écedade.” Mas deixando de parte as toliçadas, v a ­
mos tratar de cousas que interessam .” (Lanterna Magica n.
515 de 1897).
T olête — T orn o fincado na prõa das jangadas para amar­
rar a poita ou corda do tanassú. Pedaço de qualquer cousa:
um tolete de carne, de pão, etc.
Tom ar — Nas locuções: Tom a lá, da cá; dar e receber;
froear, vender a dinheiro. Tom ar a carapuça: picar-se por
uma indirecta. Tom ar a dianteira: adiantar-se, apressar-se. T o ­
mar vsltura; sahir, andar, por-se ao fresco. Tom ar as dores;
defender, interessar-se por ulgucm, tomar o seu partido. Tom ar
bomba; Uma reprovação em exame. Tom ar chá ou tomar seu
chá de ga rfo ; debicar, redicularisar a alguem. Tom ar chá em
pequeno; diz-se de uma pessôa bem educada, que vem de bôa
g e n te .” Que culpa temos nós de não ter s.s. tomado chá em
pequeno?” (Jornal do R ecife n. 2C3 de 1916). Tom ar na cuia
dos quiabos; logro, embaçadela. Tóm ar o pião na unha; p i­
car-se, desapontar por urna occurrencia desagradavel. Tom ar
o recádo ao pé da letra, ou no topo da escada; interpretar mal
uma proposição. Tom ar pau; reprovação em exame. Tom ar
sentido no que d iz; ser prudente, re flectivo e conveniente.
Tom ar alguem p’ra seu palito; ridiculo, mofa, zom baria. Tom ar
pelas ventas; receber uma respostada. Tom ar p’rá seu tabaco.
Sobre esta locução escreve João R ibeiro: E ’ expressão antiga
e irónica, com que se celebra a victoria e ao mesmo tempo se
castiga a inhabilidade do v en c id o . . . A sua etym ologia é gros­
seira, porque tome lá para o seu tabaco é o mesmo se dissera,
tome lá esta pitada, isto é, uma tapona pelas ven ta s.” Tom ar
uma bexiga, bexigada, buxa, canudo, espiga ou furada; fazer
um mão negocio; enganado, prejudicado. Tbm ar uma esfrega;
752
cacetada, encommodo, massada. Tom ar uma fartadela; gozar,
encher-se, fartar-se.
Tomates — Testículos.
Tongamento — Desarranjo, desordem, descuido. Fui visitar
o João e encontrei a sua casa num tongamento enorm e.
Topar boi — Esperar de frente o boi bravio, de vara e
ferrão, nas pégas, corridas ou touradas, acertando o choque
na testa do animal, o que fazem os destros e destemidos va­
queiros ou campinas. “ Em Trium pho vimos o coronel Cruz
fazer de Matheus de Bumba meu boi, topando o e leito ra d o .”
(Lan tern a Magica n. 819 de 1906).
T óp e — Topada, tropeço, queda. “ São Gonçalo fo i a mis­
sa Num cavallo, sem esporas, O cavallo deu um tópe, São Gon­
çalo pulou fó r ã .” (Versos p opu lares). Passo, avanço, inves­
tida. “ Si tú queres saber, vaqueiro, O valor do b oi Espacio,
Dá p ’ra diante uin top esin h o.” (O Boi E sp acio ). Laia, igual­
dade; semelhança, figura, tamanho; Veja lá que eu não sou
do seu tópe; metta-se lá com a gente do seu tope. O Joao é
um rapaz assim do tópe do Manoel, da mesmo corpo e esta­
tura .
Topéte — Audacia, valentia, atrevim ento: Um cabra de
topete ou topetudo. “ Era um bicho de topete, um moleque
mettido m esm o.” (U m berto C a rn eiro ).
Toque — emboque — ‘ Antigo jogo de bola com arco, já vu l­
gar entre nós pelos annos de 1710, como se cê de um chro-
nista da Guerra dos Marcaies, referindo, que ó cabo de uma
tropa de bandoleiros que fo i ao Caricê, “ de caminho quiz
prender a um Manoel Corrêa, e a outro seu irmão*’ a. quem
achou jogando com Estevão Borges, o Toque-em boque” . O
jogo porem já era conhecido em Portugal no seculo X V II,
como se vê destes versos de Antonio Serrão, poeta lisboeTa em
um dos seus romances na Academia dos Singulares, citados
p or João R ib eiro; “ Porque neste toque em boque Trocaes de
tal modo as b o la s.” O Padre P ereira registra o termo defe­
nindo: Ludus globorum ligneerum . Conjecturar-mos que já en­
tão, era o jogo vulgar no Maranhão, como se vê de uma pa­
ragem maritima com o nome de Toque Emboque, situada en­
tre Tayutapera e o Gurupy, e ainda mais, pelo seguinte, que
escreve o Padre Betendorf, referin d o uma viagem, em canoa,
áquellas paragens, em companhia do visitador dos jesuitas,
em 1669. “ Em Toque Embodtfe lhe deu uma onda ao peito
e o molhou todo, o que vendo eu lhe disse galanteando: P a ­
dre visitador, esta paragem se chama Toque Emboque, e por

753
isso quizeram as ondas jogai* conv nossa Reverendíssima como
sabedor deste jogo, para vêr se era destro n e lle .” Pelas
Constituições do arcebispado da Bahia (1707) porem, são ve­
dados aos clérigos os jogos da pela, bola, toque enboque la-
ranginha, paus e outros semelhantes, porque são jogos públi­
cos. Moraes registra o termo, parecendo assim, que ainda no
seu tempo era o jogo vulgar entre nós. Presentemente, po­
rem, é absolutamente desconhecido.
Toquim — Finíssimo tecido de seda muito vulgar em outros
tempos, e que desappareceu do mercado e da moda não ha
muitos a n n os.” Meu papae eu quero seda, Quero um chale
de Toquim, Quero um annel de brilhante, Quero um leque de
m a rfim .” (Versos de uma cançoneta ainda não de todo es­
quecida). Toquim é uma corruptela de Tonkim, cidade da
índia, de onde, originariam ente, vinha o tecido.
T orcedor — Simples machinismo composto de dous cylin-
dros movidos por m anivella para a extracção do caldo da can­
na” . N o fim de alguns annos poderemos com prar uma engenho­
ca, ou ao menos um to ic ed o r. Do torcedor vai-se a engenhoca,
e da engenhoca ao en gen h o.” (F ra n k lin T a v o r a ).
T orcer — Nas locuções: T orcer a orelha e não deitar san­
gue, arrepender-se de não ter feito alguma cousa. T orcer o
corpo, negar-se a um pedido; fugir, desapparecer.
T orcer o focinho, ou o nariz, mostrar contrariedade, de­
sagrado, recusa, desdem. T o rce r o pepino, educar, corrigir,
dominar, subjugar. De pequenino é que se torce o pepino;
Se mostrar a sua cara feia, mostro a minha torcida. (D icta-
dos) .
T oré — Instrumento musico dos indios, especie de flauta,
feita da canna de taquara; antiga dança dos incolas, e tradi­
cionalmente ainda em voga, nomeadamente, entre os semi-sel-
vagens de Cim bres. “ A tua indigena gente Na serra v ive in ­
d o le n te ,... E só nas festas se apraz. Em v ir dançar o to ré ”
(R ocha P e re ira ). “ Os caboclos marchavam cantando e dan­
çando o toré, dança selvagem, acompanhada pela musica de
rudes e monotos instrum entos.” (A lfre d o B ra n d ã o). “ Toré,
toré, dá cá o pé; Eu não como muqueca de am oré.” (E stri­
bilho de uma cantiga de T o r é ).
Torniquete — Lida, azafama, trabalho; embaraços, dif-
ficuldades, situação critica: Vêr-se mettido num torniquete.
“ Ciume faz o diabo; põe a gente num to rn iq u ete.” (Lan tern a
Magica n. 193 de 1887). “ Dizem que o D r. A lb in o M eira
tem-se visto em torn iquete” . (A Lanceta n. 57 de 1890). T or-

754
niquete era uni instrumento de torturas nsado pela inquisição
para flagellar as suas victimas, e dahi as expressões do vocá­
bulo entre nós.
T orno — Cavilha de madeira que atravessa e une de uma
extrem idade a outra os paus de jangada; especie de peça de
cabide, ou prego, pregado á parede, para pendurar roupa: b o­
tar a roupa, o chapéo no torn o. Dos individuos que estão
constantemente presos, diz-se que tem torno na cadeia.
T o ro ró — Curto, muito aparado: uma camisa, uma saia
to ro ró .
Torrada — Pão quente ou torrado, com manteiga. ” De
regresso da passeiada do elub houve chá com torradas. Que
bôas foram as torradas” . (Jornal do R ecife n. 45 de 1916).
“ So usa chá ou chocolate e torradas” . (Jornal Pequeno n.
277 de 1916).
T orrad o — O mesmo que caco, ou tabaco de c a c o .” Dous
velhos moravam juntos, e ambos tomavam o seu to rrad o ” .
(A Pim enta n. 76 de 1921. Dança popular, lasciva, variante
do samba, com toadas próprias marcadas a triângulo ou fer-
rinho, e granzal. “ Nos festejos sanjoanescos imperou nos arra­
baldes o samba, o côco e o torrado” . (Jornal do R ecife n. 173;
de 1916). “ Esse torrado é uma cousa pavorosa. E ’ mais do
que um fre v o . Para dança-lo (gente affeita a samba e seus
com postos), todos se reunem, homens e mulheres, em lugar
mais ou menos escasso ás vistas de gente s e r ia ... Faz-se uma
gritaria confusa, que obedece a uma toada interm inável, se­
guida p or meneios e gestos obscenos de gente que constitue
uma numerosa roda. Como no samba, ha umbigadas e outros
passos obrigados. O torrado, porem, si differen cia do samba
pelo passo da pitada. E ’ por isso que só póde ser dançado
p or pessoas do ch u á.” (D ia rio de Pernambuco n. 204 de
1915).
T orrar — Liquidar, queim ar vender barato, p or qualquer
preço. “ Venham todos os vadios que ao matto o seu papa-
capim vão apanhar, e depois nesta praça o vem to rra r” (O
Barco dos Traficantes n . 28 de 1858).
T orrin ha — Galeria corrida na ultima ordem de cama­
rotes dos theatros, o mesmo que paraiso ou g a llin h e iro . “ M al­
dita hora em que para vêr a Sonambula dei 640 rs. por um^
torrinha do Theatro A p o io .” (O P ovo n. 38 de 1837). “ En­
trando no theatro transpirando, e sem reparo, de chapéo a
cabeça, o povaréo das torrinhas gritaram logo: P é o ! P é o !”
(A Pimenta n. 597 de 1907).

755
Touca — Bebedeira, carraspana. “ Vem de braço, e1 com
uma touca tamanha mettida na cabeça, que não vê Jiad a!”
(O Maná n. 16 de 1883).
Touça — O pé das cannas de assucar, donde ellas nascem
filhadas; grupo de plantas de uma só especie. “ A poderosa
vegetação reduzida a raras touças, mal cobriam uma pessôa
sentada.” (F ra n k lin T a v o ia ).
Touceira — Grande touça: Uma touceira de canna, de
bananeira, etc. (Lagarto rasteiro na touceira do ananaz.”
(A Lanceta n. 3 de 1889). “ Uma tarde viu o bandido um
cavalleiro, d’entre umas t» uceiras de taquara onde se reco­
lh e r a .” (F ra n k lin T a v o r a ). “ Não raramente o esconderijo
da cobra é a touceira de uma planta que encerra na ceiva o
anti-toxico da p eçon h a .” (A lfre d o B andão). Sem ser bapti-
sado, chamo-me Anna; Boto touceira sem ser de canna. (A d i­
vinhação do an a n a z).
Trabalhar para o bispo — De graça, sem lucro, sem p ro­
veito algum. “ A expressão, escreve João R ibeiro, origina-se
de antigos costumes medieva es; da extorsão e corvea que fa ­
ziam nobreza e clero sobre os miseros v illõ e s . Pagavam-se
varios tributos, mortualhas, collectes e principalm ente as ter­
ças, que as havia pontificaes para a m itra e reaes para o thro-
n o .. . Para conveniência e facilidade da cobrança fiscal em
Certos e determinados dias trabalhava-se para o bispo, ou
para o mosteiro ou quem quer que fo s s e .” Em contraposi­
ção á phrase m edieval occorre esta: Não trabalho para o bis--
po, de expressão obvia, e naturalmente moderna, porquanto,
na epocha em que se trabalhava para o bispo, ninguém ousa­
ria pronuncial-a revoltando-se contra o inveterado costume.
Com relação a bispo, occorre ainda estas locuções: Pe*ça ao
bispo; Vá queixar-se ao bispo, ou a ihãe do bispo; e Entrou o
bispo, como diz o vulgo, quando a sopa, o arroz, a canjica,
ou outra qualquer comida se tem queimado; phrase esta, que
o D r. Castro Lopes estudou a sua origem de um modo enge­
nhoso mas sem elementos positivos.
Trabuco — Charuto grande, ordinário, quebra-queixo.
“ Só fumo do bom trabuco” . (O João Fernandes n. 3 de
1886). “ Não dispensa de trazer á bocca, cagatilhado, um
trabuco, desses que o vulgo mal educado chamou de quebra-
qu eixo” . <A Lanceta n. 153 de 1913).
Tragar — Fumar, aspirando a fumaça de certo modo á
expiral-a pelas narinas e pela bocca. Dar, tomar uma traga-

756
da. “ A velha que fuma e traga preeisa levar bisnaga. (L a n ­
terna Magica n. 484 de 1896).
Trah ira — P eix e de rios e lagôas (Sinodus tareira, Sach).
de pelle parda-escura, pequeno, muito espinhoso, e de gran­
de voracidade e valentia. Vem já registrado pelo autor dos
Diálogos das grandezas do Brasil com o nome então vulgar
de Tararira, naturalmente como assim chamavam os indios.
T rah ira não come a seu parente. (D ic ta d o ). Mulher má, ge-
nista, malcreadá, p or analogia á ferocidade do p eix e; e
concurrentemente, o de Surucucú-trahira, a uma dás especies
do ophidio deste nome. Vocábulo de origem tupi, é, segundo
Baptista Caetano, contracção de tareira, tá-réu, arranca pello,
Trajes de Adão — . Completa nudez. “ Um soldado de po­
licia em trajes de Adão. O subdelegado de Apipucos prendeu
uma praça do destacamento local, p or vagar acintosamente
pela Porta d’Agua, completamente n ú .” (Pernam buco n. 293
de 1913).
Trajos menores — Õ mesmo que a frasqueira, porem
mais accentuadamente a um commodo indecente. “ A Joanni-
nha Jatobá tem sido vista em trajos menores na janella ac-
cenando para os transeuntes.” ( A Pimenta n. 3 de 1908).
“ Esse coió costuma sahir de casa ás 10 horas da noite, em
trajos menores, para v êr a creaniça” . (Idem , n. 86 de 1902).
Tram bolho — Movei, ou um objecto qualquer, antigo, pe­
sado, sem mais préstim o algum. Individuo intruso, aborrecido
que acompanha a outrem a contragosto. Não gosto de andar
com trambolhos. Q ualificativo de desprezo dado á constitui­
ção politica do im pério pelos corcundas ou absolutistas ao tem­
po da sua promulgação, em 1824, e francamente combatendo-a.
Rei, mas sem tram bolho; diziam elles.
Trança — Barulho, contusão, desordem. “ Este typo já por
uma vez se meiteu numa trança com um sargento üo exerci­
to ” . (A Pimenta n. 395 de 1905). “ O Canuto viu-se em bètas,
numa trança brutal” . (Pernam buco n. 298 de 1913).
Tran cafiar — Prender, encarcerar, trancar. A policia tran-
cafiou os desordeiros. “ Tran cafiar é verbo popular, muito mais
em uso que trincafiar, form ado de trincafio, linha de sapatei­
ro. T rin ca fia r tem assim o significado de am arrar com trinca­
fio, e dahi, naturalmente, prender, amarrar. Mas como o subs­
tantivo tinha tambem a form a trancafio, e esta próxim a estava
mais do substantivo vulgar, tranca, trancafiar, sobrepujou pot
completo trincafiar, e assim, ninguém deixará de affirm ar, en­
ganado pela semelhança de som, que trancafiar significa: preso
por trancas, em prisão, debaixo de sete chaves, etc. etc.” (Jú­
lio P ire s ).
Trancão — Encontrão, puxão forte que se dá, ordinaria­
mente de proposito ou não em alguem: Dar um trancão. “ O ca­
marada, querendo liq u id a r' o outro dá-lhe um trancão. O of-
fendido reclama, perguntando se elle vem bebado e, dahi a
pouco, o pau trabalha, fecha-se o tempo e o rolo é grosso” .
(Jornal do R ecife n. 48 de 1915).
Trancar — Bonde dè tracção electrica. “ O trancar n. 121,
linha de Aurora, ao subir a ponte da Bôa Vista, enveredou pe­
la linha de Afogados, disto resultando abalroar com o trancar
n. 139, linha de H o s p ita l... A preta F elician a ao atravessar a
rua do Riachuelo fo i alcançada p or um trancar” . (Jornal do
R ecife n. 312 de 1915). O termo vem do inglez, sem alteração,
e appareceu entre nós com a iniciação do serviço de bondes
electricos em 1914.
Tranca-ruas — Desordeiro, vadio, peralta. “ O tranca-ruas
j

Cosme Damião fo i recolhido á cadeia p or ordem do Dr. Chefe


de P o lic ia ” . (Jornal do R ecife n. 298 de 1913).
Trapiche — Arm azém de generos de estiva; a praça de
com m ercio dos mesmos generos: Ir ao trapiche fazer compras;
os generos estão subindo de preço no trapiche. “ Previne-se aos
vendelhões que, quando forem com prar vinho no trapicne
prestem toda a attenção ao liquido para não serem illu didos” .
(O Campeão n. 31 de 1862). “ O Leão vende estivas em seu tra­
piche á, ruq da Madre de Deus” . (O Diabo a quatro n. 66 de
1876). “ Aquelle moço é um caixeiro de trapiche” . (O Etna n.
6 de 1881). D erivado: Trapich eiro, o negociánte de generos de
estivas; e antigamente, o arien datario do Trapiche da A lfâ n ­
dega, onüe descarregavam as m ercadorias aos navios que vi-
niiam ao porto do lveciie, como se vè da P rovisão de 2 de D e­
zembro de 1746. O Keginiento de 18 de F e vereiro de 1741 sobre
a arrecadação do tabaco, commina severas penas aos trapi-
cheiros em cujos armazéns se encontrar genero disfarçadam en­
te occulto. “ Não é possivel que os trapicheiros levem de ven ­
cida a nossa gente, que é a populaçao inteira da p ro vin cia ” .
(O Guarda Nacional n. 120 de 1844). “ José Fernandes Eiras,
portuguez trap ich eiro” . (A V oz do Brasil n. 55 de 1848). “ Ou-

758
vimos muita gente clamar por ahi contra a experteza de cer­
tos trapicheiros, Que im pingem aos freguezes Generos seccos
e molhados, Dentro de seus armazéns D ’ante não fa lsifica ­
dos” . (O Barco dos Patoteiros n. 84 de 1868). A denominação
vulgar de trapiche dada aos armazéns de generos de estivas,
vem do estabelecimento da Companhia Geral do Commercio
de Pernambuco e Parahyba, creada p or A lvará de 13 de Agos­
to de 1759, que m onopolisando o com m ercio, vendia os seus
generos, em partidas a grosso, nos seus armazéns situados no
bairro do R ecife, em um grande predio, denominado Compa­
nhia, que ainda existia em 1829, apezar de já extincta a Com­
panha, concurrentemente com um outro denominado do P e ­
lourinho; e criados depois os entrepostos, ou armazéns al-
fandegados, com certas prerogativas aduaneiras, tiveram tam­
bem o nome de trapiche. O term o porem, já era vulgar entre
nós desde epochas remotas, mas particularm ente dado aos en­
genhos m ovidos a animaes. “ Os engenhos que chamam trap i­
ches, que moem com bois, custam de fabrica ao redor de 10.000
cruzados.” (D iálogos das grandezas do B ra zil). Vem dahi o
Engenho Trapiche, situado no m unicípio do Cabo, e que exis­
tia já, e assim chamado, em 1580, originado, bem como outros
mais, da conquista dos suas terras em 1560, divididas e doa­
das depois em sesmarias, pelos donatarios de Pernambuco.
Pertencendo aquelle engenho ao Barão da Bôa Vista (F ra n ­
cisco do Rego Barros) ao tempo das suas duas administra­
ções da província, chamavam os periodicos adversários, aos
seus amigos políticos, que alli o frequentavam, a gente do T ra ­
piche, a trapichada, os trapicheiros.
'iraquejaao — Experiente, conhecedor, pratico em qual­
quer cousa, "n o m e ia mui traquejado no cunnuercio, na agricul­
tura, iia p olítica ", (.ueaurepaire Jtconanj. " u nosso amigo e co-
nneceuor uos seus ueveres e traquejaao na viu a” . (A Pimenta
n. 45 de lyu2>. D erivados: Traquejar, procurar em labutas, os
meios possíveis de vida; e Traquejo, muita pratica e experien-
cia em qualquer serviço: o traquejo üa agricultura, do com ­
m ercio, etc. — “ Ninguém como elle sabia deslindar os traquejos
eleitoraes da v illa ” . (A Pimenta n. 31 de 1902). üs citados v o ­
cábulos, segundo Rohan, são sem duvida, oriundos do antiqua­
do verbo portuguez traquejar, com significação de exercitar,
tornar apto para algum fim pela experincia.
Traquino — P o r traquinas, buliçoso, inquieto, travesso,
turbulento. “ Esse homem é como menino traquino, que nada
pega, que não quebre e destrua” . (O Camarão n. 1 de 1848).
“ Aurelia era casada e mãe de tres pecurruchos bem espertos e
traquinos” . ( A Penna n. 6 de 1898). “ Belarm ino, de seus oito
annos, era um traquino, buliçoso, o diabo em carne e osso” .
(A Pimenta n. 60 de 1902).
Trastejar — Remanchar, encostar-se, fazer-se desentendi­
do, furtar-se a um compromisso qualquer. “ Não trasteje, cama­
rada; Você já está quasi bam bo” . (Versos de D esa fio). O ter­
mo porem , com taes accepções, já era assim usado p or Gre-
go rio de Mattos; “ Inda assim eu não soubera O como tens
trastejado Na banza dos meus sentidos” .
T ravage — Moléstia que ataca as gengivas dos animaes
cavallares.
T ravêta — T ra ve pequena, de pouca expessura.
Traz, zaz, nó cégo — De rèpente, immediatamente, num
instante. “ O papae vendo esta asneira, vai, traz, zas, tapona
n e lle !” ( A D errota n. 1 de 1883). “ Ninguém como elle, assim, a
queima roupa, ou como diz o vulgo, traz zaz, nó cégo, sabia
deslindar os traquejos eleitoraes da v illa ! (A Pim enta n. 31 de
1902).

T razer — N as locuções: T ra zer a roupa na muxilla, p reve­


nido para viagens. T razer agua no bico, pensamento occulto,
intenção reservada. Trazer alguem atravessado na garganta, pre-
venidamente, com odiosidade e rancor. T razer debaixo de vara,
coativamente, forçadamente. T razer de cabeça, estudadamente,
preparadamente. Não trazer letreiro na testa, sem indicação
ou prevenção alguma. Trazer o rei na barriga, presumido, o r­
gulhoso, enfatuado. Trazer pelas orelhas, o mesmo que trazer
debaixo de vara. Trazer pelo beiço, ou pelo cabresto, dominado,
subjugado.
T réla — Iravessu ra, traquinada; um passo máo. D erivado
Trelar, treloso. “ O rapaz é vadío e treloso nas horas vagas” .
(A Pimenta n. 12 de 1912). “ Na brecha todos estamos, Lu b ri­
ficando as canellas, Para as luctas que sonhamos Das mais
desgraçadas trelas” . (D ia rio de Pernambuco n. 52 de 1916).
T relê r — Não saber o que diz nem o que faz; desarranjo
mental; caducidade: O João não regula mais; já está trelendo.
Trem — Comboio de caminho de ferro.
Trem edeira — Trem or, tremura, agitação convulsiva: Uma
trem edeira de bater os queijos. “ Deu-me logo uma trem edeira
nestas pernas como se tivesse maleita no corp o” . (Um berto
C arn eiro).
Trem elique — Trem edeira; faniquito, chilique, desmaio.
“ Pois eu te faço a vontade antes que te dè um trem eliqu e” .
(A Liga Operaria n. 5 de 1877). “ Mocinhas dengosas, que com
medo dos mascaras dá-lhes logo os trem eliques” . (A m erica II-
lustrada n. 8 de 1881), “ Arrebentou o cós da saia do trem eli­
que que te v e ” . (Pernam buco n. 49 de 1914).
Trem pe — O mesmo que igrejinha, panellinha. “ E ’ p reci­
so muita simplicidade para não conhecer essa trem p e!” . (O
Form igão n. G de 1850). “ Uma trempe de traficantes, que se
nesta terra houvesse policia, deveria trazel-os muitos em vis­
ta” . (O Campeão n. 23 de 1861). “ Só para attender a essa trem ­
pe malvada que encontrei, a derrubada tornei prompta e acti­
v a ” . (O Clarim n. 13 de 1878).
Trepa-m oleque — Antigo e enorme pente de tartaruga, o
mesmo que tapa-missa. “ Volte-se a trepa-moleque, resurja a
luz do azeite. “ (A Lanceta n. 25 de 1890). “ O elemento fem in i­
no, ostentava ricos e extravagantes enfeites como os celebres
pentes de tartaruga chamados de trepa-m oleque” . (M. de O li­
veira L im a ).
Trepar — T e r relações sexuaes. Trep ar a lingua: dizer
mal, detractar. Trepar-se em cim a: agarrar-se a alguem com
pedidos e rogativas instantes para conseguir qualquer cousa,
í.ep a r-s e no cacnaço ou na corcunda: dominar, subjugar.
T reze — Duzia de frade, isto é, para receber, porque para
dar ou pagar é a commuin de doze números. Numero íatidico,
que a gente supersticiosa evita em todos os sentidos, até mes­
mo o cio proprio dia do mez para qualquer negocio ou empre-
hendimento. Faz mal treze pessòas á mesa, porque uma imine-
diatamente perecerá. Dizem que esta superstição vem da pas­
sagem bíblica da Ceia larga, em que tomaram parte treze pes­
soas, os doze apostolos e o D ivino Mestre, que m orreu no dia
seguinte depois de cruelmente llagellad o. - “ Logo que os re-
cem-vindos se assentaram ... Muitos gritos de pavor se levan ­
taram Da parte do mimoso m u lh erio!. . Estão treze pessoas
assentadas!. , Levante-se um, haja um que se le va n te !.. F o i
então que a mulher do fazendeiro, M ovendo o guardanapo co­
mo abano, Diz com amor fraterno verdadeiro: E ’ preciso sahir
um, e saia o m ano. . . Que esta crença ridicula é da roça Não

761
me digas, leitor, pois tenho a oppor-te Que tal superstição não
ha quem possa Destruir nas fam ílias lá da côrte” . (P ad re J.
J. Correa de Alm eida. O A lm oço ). Em Portugal ha o dictado:
Estar nos seus treze, estar teimoso, persistir na teima.

T reze de maio — O literto em virtude da le i da abolição


da escravidão decretada em treze de maio de 1888. “ Nasceu pe­
riquito, Morreu papagaio; Não quero historias Com treze d*
m aio” . (Versos populares da epocha).

T rib o fe — Arranjo, negociata, especulação; “ Convenção de


velhacos para viverem á custa dos tolos” . (O Tam oyo n. 12 de
1890). “ O certo é que houve em todo esse negocio um verda­
deiro trib o fe ” , (Lan tern a Magica n. 251 de 1889). “ Minha ne­
gra eu sou bonita? Acharei algum tr ib o fe ? ” (O A lfin ete n. 1C
de 1890). Furar o tribofe. Obstar, im pedir, desmanchar a p ra­
tica de um arranjo, de uma negociata. “ O prim eiro tribofe
que se manifestou no orçamento municipal, fo i furado pelo
presidente da p rovín cia” . (Lan tern a Magica n. 254 de 1889).
T rib o fe é um vocábulo moderno entre nós, e concurrentemen-
te o seu derivado, tribofeiro. Iniciada a industria nos prados
de corridas, ao tempo do seu apparecimento, vulgarisou-se logo,
e então, em 1889, como que em sancção ao novo termo, sur­
giu um periodico hum orístico e recreativo, sob o titulo, O T r i­
bofe. “ F o i no extincto prado de corridas, o Derby Club, onde
iniciou-se o escandalo, e dahi p or diante todos o acompanha­
ram, de sorte que os amadores dos prados e do jogo não pro­
curam saber quaes os parelheiros mais velozes, e que melhores
cotejos tenham feito, e sim entreter relações com os mais a-
creditados jockeys, e delles saber qual o parelheiro que vai
ganhar ou perder, segundo as ordens e conchavos de seus
amos, isto é o concertado trib o fe Não ha corrida sem tr i­
bofe, porque este nunca d esapparecerá... São os tribofes to­
lerados pelas directorias dos prados, já porque, quem joga não
guarda cabras, já porque não quer ser victim a dos odios dos
tribofeiros conhecidos, uns como bravos, e outros como into­
lerantes e rixosos” . (O Tam oyo n. 1 de 1890). “ Os proprios
directores dos prados de corridas são os patrocinadores de tr i­
bofes, e p or consequência, de ladroeiras” . (Lan tern a Magica
n. 254 de 1889). “ Nos prados não ha bacamarte algum que não
tenha chamado para as algibeiras dos tribofeiros o chumbi-

762
nho alh eio” . (O Tam oyo n. 6 de 1890). Vulgarisado o termo,
teve outras accepções de expressões obvias. “ Mulher casada
que anda P o r lojas a noite inteira, Se não vae com seu marido,
E ’ tribofeira. (O Alfin ete n. 1 de 1890).
Tribuzana ou tribuzanda — Adversidade, infortúnio, des­
graça. Cahir na tribuzanda; Dar a tribuzanda em cima.
Trincha — Uma bôa peça de carne de qualquer especie;
comida excellente. “ A carne de vacca é trincha mui corriqu ei­
r a ” . (O Clarim n. 6 de 1878).
Trihque — Jogo, na giria dos presidiários de Fernando de
Noronha.
Trocano — Instrumento musico dos indios, especie de
tambor ou timbale, destinado a dar aviso e rebates ás povoa­
ções distantes.
T roca r — Vender ou com prar uma imagem de santo em
esculptura, pintura ou estampa, mas assim particularmente
empregado o termo, em signal de respeito e reverencia á r e li­
gião: T rocar uma im agem ^do Senhor dos Passos; troquei a
minhà imagem de Santo Antonio por 20?000. “ Fernandes V ie i­
ra não vendeu-se, é certo; mas, á moda dos santos, trocou-se
duas vezes” . (D r. Vicente F e r r e r )-T r o c a r as bolas; fazer uma
cousa p or outra. T roca r os olhos; s o ffrer de estrabismo. T ro ­
car bilros, fazer bico ou renda. “ A trocar bilros, a tia nem ou­
ve a badalada de meio d ia” . (O A lfin ete n. 11 de 1890). “ De
fronte de uma barriguda alm ofada trocando e destrocando os
bilros, com vossas mães e avós aprendieis a fazer renda” . (D r.
Castro L opes). “ A velha avó, que sentada, T ro ca os bilros ^ a l ­
m ofada” . (X . de Castro).
Trocaz — Especie de ave registrada p or Jeronimo Villela.
Troços — Cousas sem valor, im prestáveis; possuidos; m o­
veis ordinários, antigos, estragados. “ Fidalgo p ife e furreca,
amante de velhos troços” . (A Pimenta n. 2t5 de 1902). “ T erá
lugar na Encruzilhada um explendido leilão de troços” . (Idem ,
n. 92). Judas reune os seus troços, e no sabbado de alleilua,
quando sabe que a sua morte é iatal, já tem feito o seu testa
m ento” . (Idem , n. 552 de 1907). Bagagem, arranjos de viagem.
“ A manhã mal despontou, A esposa tão contente, Os troços a r­
rum ou” . (A lves Barboza). “ Depois de me desembaraçar dos
meus troços de viagem, vim para a sala” . (A Pimenta n. 389
de 1905). Comida ordinaria; restos de uma refeição; boia, mu-

763
hicio, rancho. “ Coma você, porque eu não como troços” . ( A l ­
ves Barbosa).
Trom ba — A bocca, os labios; e dahi Fazer tromba, ex-
tender o labio in ferio r, como manifestação de desdem, des­
prezo, pouco caso; ou contrahindo-os, pronunciadamente, com o
trombudo, ou carrancudo, de má cara, até abaixar a tromba,
ao passar o mau humor. “ Moça nenhuma me faça tr,omba, Que
as embarco na maxambomba” . (Versos de uma chula). “ Ha
cousa mais insupportavel, do que uma cara dé poucos amigos,
e que a todos trom beja?” . (O Carapuceiro n. 22 de 1839). Es­
te verbo, com a expressão clara de fazer tromba, não criou
raizes.
Trom beta — P eix e de agua salgada, de escamas, o mesmo
que agulhão.
Trom paço — Peteleco, sopapo. “ Falas francez de retraços,
e no In glez dás trom paços” . (M ephistopheles n. 1 de 1883). “ O
Balduino deu um trompaço no Arruda” . (A Pim enta n. 9 de
1908).
Troncho — T orcid o, torto, defeituoso: Uma cara troncha;
um sugeito troncho; uma cousa entronchada. “ Os tronchos e
•tronchas do grupo carnavalesco dos Tronchinhos sahirão á rua
fazendo cousas do arco da v elh a . . . A tronchada toda está a-
nimadíssima” . (Jornal do R ecife n. 41 de 1915). Se mostrar a
sua cara troncha, mostro a minha torcida. (D ictados).
Troncudo — Corpulento; de tronco largo, volumoso, for-
ie. “ Crioulo retinto, troncudo, alto, pouco falante” . (A ffon so
A rin o s). “ Cheio do corpo, troncudo, peito la rgo ” . (A Ordem
n. 67 de 1917).
Tropa — mesmo que comboio. “ Era gosto de Clara, já
de muito, Procurar a frescura de taes sitios, Que as Tropas de
algodão, passando ás vezes, Tornavam divertido e anim ado” .
(A lv a ro F. de M acedo). D erivado: T ropeiro, a gente da tropa.
“ Vem as saccas boiando na corrente, E os tropeiros, em cima
collocados, Com as varas im pellindo, e governando, Dão ca­
minho á lanígera flotilha, Que os cavallos a nado vão seguin­
do, T é ganhar as areias da outra piargem ” . (Id em ). “ Na bar­
ca da Passagem do Joazeiro, os tropeiros ou proprietários da
carga nada págam de passagem” . (Fernando H a lfe ld ).
T ró te — Vaia, apupada, azoação, surriada. “ Os compa­
nheiros deram-me um respeitável trote, e logo se espalhou que

764
eu era namorado da fre ir a ” . (A Pimenta n. 503 de 1907). “ O
trote é uma instituição acadêmica que em S. Paulo passou por
ser olhado como uma decadencia. Essas vaias estrepitosas com
que se recebiam os calouros na rua do Hospicio ou na Praça
1/, e que os confundia no estarrecimento de uma angustia, não
deve existir mais na gerações acadêmica de h o je” . (P ern am ­
buco n. 75 de 1914). Andar a trote; em trabalhos, atropelos, v e ­
xames. Sahir a trote; corrido, escovado, a toque de caixa.
Trouxa — Mulher gordanchuda, pesada, malamanhada:
trouxa mal amarrada, mal arrumada; Aquillo é uma trouxa.
Individuo tolo, idiota, maluco; facil, inexperiente, desfructavel:
Olhe que eu não sou trouxa para servir de peteca. “ A m ór
parte destas trouxas Mostram-se muito fagueiras Com casadas
e solteiras” . (O Carapuceiro n. 28 de 1837). Tram bolho ( Y . )
Não gosto de andar com trouxas. Arrum ar a trouxa, preparati­
vos de viagem. “ O Baltar está de trouxa arrumada para fugir
na prim eira occasião” . (O Povo n. 17 de 1855). “ Mana, vamo-
nos em borà; arrumemos nossas trouxas” . (O Conservador
Verm elho n. 23 de 1863). “ E nós, a trouxa arrumando, F ic a ­
remos esperando A luz da electricidade” . (Barbosa V ianna).
Puxar com a trouxa; m orrer; andar> sahir, retirar-se “ Quan­
do o padre tirar a capa roxa, podem todos puxar sua trouxa” .
(D a chula O meu en terro).
Trouxada — Bordoada, pancadaria, sova. Dar, levar, tom ar
umas trouxadas. “ Pedia-lhe contasse p or miudo, como e p o r­
que gramara o Taques aquelles trouxadas no R o s a rin h o ... As
lambadas que leva. Na estrada do Rosário Não poderam
transtornar o Garbo deste corpinho. Buli có a moça casada
Minha pelle fo i que sentiu” . (O Cometa n. 32 de 1845).
Trovoada — Desordem, barulho; reacção, perseguição, pe-
ga-pega. “ Se v ie r p or ahi alguma trovoada, m etto-m e' dentro
deste ôco onde ninguém me ha de v ê r ” . (F ra n k lin T a v o ra ).
Truçulho — Um typo ahi qualquer, depreciativam ente as­
sim chamado.
Trumbicar-se — Is ás favas, plantar batatas. “ Aconselho
que se trumbique e cuide noutra v id a ” . (A Pim enta n. 266 de
1907). “ Quanto ao homem da venda, que se trum bique; divida
velha não se paga e nova deixa-se fica r velh a” . (Jornal do R e­
c ife n. 1 de 1916).
Trundundum — Barulho, arruaça, bernarda. “ Valentões,

765
nasceram para a guerra; é pena que não haja algum turundu-
rum pelo sul” . (A m erica Illustrada n. 35 de 1878).
Truta — Especie de bolinho, discoide e chato, ao modo da
cocáda, feito de farinha de mandioca, gengibre, assucar e p i­
menta.
Tubarão — P eixe do mar, de pelle lixosa (Squolus carcha-
rias, L in n .), da fam ilia dos cetáceos, genero dos esqualos: é
o Iperu’ dos indios, já descripto p or M arcgravi. P eix e de gran­
de força e voracidade, com duas ordens de dentes, attinge a
grande desenvolvim ento, chegando mesmo a mais de cinco m e­
tros de comprimento e grossura-" correspondente. Conquista­
dor, libertino, audaz. “ O tubarão desappareceu- metteu a ca­
beça no matto, livrando-se assim do castigo” . (A Pimenta n.
71 de 1902). “ Mulher, eu não quero v o c ê sosinha na rua: an­
da p or abi muitos tubarões” . (Lanterna Magica n. 795 de 1905).
Tubiba, tubim ou tuby — Especie vulgar de abelha (T ri-
gona tubiba, Sm ith), pequena, indomesticavel, muito aggressi-
va, bravia, mas domestica na zona sertaneja, onde o seu mel
é muito anreciavel. Tem os seus ninhos- muito populosos, nas
arvores, fabrica um mel copioso, claro, xaronoso, bastante a-
cido. e muita cera, de uma côr cnstanho-escura.
Tucano — Ave treuadora (Ram nhastos) de bella pluma­
gem. e singular, pela disform idade do seu bico, preto, curvo e
dentado, quasi que do tamanho do proprio corpo, e dahi cha­
mar-se nariz de tucano aos grandes, e pronunciadamente a-
<luncos. O .tucano já vem descrinto nos Diálogos das grande­
zas do Brasil, como uma ave formosíssima, emolumada de v a ­
rias cores. O manto dos imperadores do B razil era todo guar­
necido de pennas de panos de tucano, de um lindo amarello,
com uns certos tons avermelhados: e p or ter aporoximada-
mente estas cores uma especie de ophidio, tinha entre os in-
dios o nome de tucano-boia. Vocábulo de origem indigena, é
corruptela de tu-cang, bico osseo (Baptista Caetano), ou de
tu-quã, bico que sobrepuja, exagerado. (T h eod oro Sampaio).
Tuge — O mesmo que titica. “ Então padreco, tu tens uma
menina com tigo? A tuge te saiba, padre” . (Am erica Illustrada
1873).
Tuiuiú — Especie de rola (columba registrada por Jerony-
mo Vilella.
Tundá — Especie de anquinhas para posteriomente avo­
lumar os vestidos das mulheres, a tournure dos francezes. “ Pa-

766
pai meche com as pernas, a mamãe pucha o tundá” . (O Cam­
peão n. 43 de 1862). “ Kiosque é palavra que designa muita cou­
sa bonita. Já não se chama tundá o gracioso p u ff que tanta
elegancia imprtme ás toilettes fe m in in a s ...” (O Diabo a qua­
tro n. 23 de 1875).
Tungão — Trangola, gíangazá, homemzarrão. “ O Firm ino
tungão ficou bastante enfurecido p or não ter sido capitão da
guarda nacional” . (Lanterna Magica n. 9 de 1882).
Tuntunqué — Bichão, turuna, mandão. “ Um certo tuntun-
qué matuto, asseverou-me que as cousas não andavam bem lá
por fó r a ” . (O Guarda Nacional n. 39 de 1843). “ A ! tempo que
existe entre dous tuntunques do grande partido uma briga as­
sim ao modo da do cão com o gato” . (O Clamor Publico n. 12

de 1845). “ Dá o commandante uma ordem, algum tuntunqué ou


arranca-tocos, lá porque é protegido, não faz caso, não a cum­
p re ” . (O Barco dos Patoteiros n. 10 de 1864).
Turcos — Duas hastes de ferro, com certa elevação, te r­
minadas em curvas semiculares, com carreteis nas extremida-
para a suspensão de escaleres. Em terra são os turcos presos
ao caes, e nos navios, nas respectivas bordas, e em ambas as
situações, voltados para o mar. “ Baixam dos turcos o ligeiro
esquife E o real escaler apendoado” . (A raú jo Porto A le g re ).
Turuna — Bichão, tuntunqué; valente, destemido. “ E ’ met-
tido a turuna, a valentão, mas coitado, não passa de um p o l­
trão” . (A Pim enta n. 69 de 1902). “ Tu vaes vêr o que é limpeza
de gente, o que é gentinha turuna“ . (Idem , n. 404 de 1905).
“ O homem é um bicho turuna, agoniado, escorrega como en­
guia” . (Pernam buco n. 324 de 1913). Em 1907 appareceu um
liv ro de sortes impresso no R ecife com o titulo d’ 0 Turuna.
Vocábulo tupi, não tem as suas accepções relação alguma com
as que vulgarmente tem entre nós, uma vez que é corruptela
de ityruna, elevação negra, monte negro, alturas, montanhas,
segundo Theodoro Sampaio.
Tusta — Abreviatura de tostão, a moeda de cem reis. “ Es­
tou, que não valho da bolça de um bebaça, nem um tusta” . (A
Pim enta n. 43 de 1902). “ Oh! filha, toma ahi um tusta. E ’ para
a sobremesa. Compra-o todo de bananas” . (A Lanceta n. 149
de 1913).
Tutaméia — Custo barab preço vil, insignificante,* de uma
cousa qualquer que se compra. “ O homem v ive de alugar m o­
bílias mediante qualquer tutaméa” . (A m erica Illustrada, 1872).

767
“ O fisco, para estrangular os pobres contribuintes em atra-
zo. pôe no prego p or qualquer tutameia o fructo, muitas v e ­
zes, do seu trabalbo e sacrifícios” . (Lanterna .Magica n. 40 de
1882). Tutameia, segundo Gonçalves Vianna, vem de tuta e
meia, isto é, macuta e meia. Moeda portugueza, de cobre, a
macuta é de curso exclusivo em Angola, vale vinte réis, e a
meia dez reis, representando portanto a macuta e meia, trin ­
ta reis, uma insignificância. A exemplo, tivem os entre nós o
meio-tostão, a meia pataca c a pataca e meia, que teve depois o
nome de um sello (480 re is). N o norte é muito vulgar ainda
chamar-se tostão e meio, e vintem e meio, que tem precisa­
mente o mesmo valor da macuta e meia, de que veio tuta e meia
e dahi tutameia, como é vulgar entre nós.
Tutú — Papão com que se mette medo ás crianças: O bicho
tatú. “ As crianças dormem. As mães contaram-lhe m il histo­
rias de tutús medonhos para fazel-as adorm ecer” . (O Diabo
a quatro n. 28 de 1876). “ Calai, menino, calai, Calai, que lá
vem tutú, Que no matto tem uni bicho Chamado carrapatú” .
(Cantigas do b erço). “ A lli na rua do C otovello, de onde sa-
hia o bicho tutú” . (Jornal Pequeno n. 30 de 1916). Este tutú
especie de papão, segundo João R ibeiro, é talvez tomado aos
africanos. Enredos, mexericos, patranhas, historias, carrepe-
tões. “ Metteu-nos muitos tutús, Prom ettendo com chibança F a ­
zer voltar o Bragança” . (O M onitor Pernambucano n. 2 de
1833). “ Estas cousas não são minhas, ninguém toijie p or tutú” .
(O Guarda Nacional n. 5 de 1846). “ Os tutús que metteram na
cabeça do presidente, fizeram -no dar grandes barrigadas” . (O
Patuléa n. 10 de 1850).
Typão — Individuo grotesco, ratão, excêntrico, exquisito.
Aquelle sugeito é um typão! “ Qual teria sido a causa da aber­
ração da natureza produetora do nosso ty p ã o?” (A m erica
Illustrada n. 8 de 1880).
u
Ubá — Canna brava, da fam ilia das Aipoimeas, muito vu l­
gar de que se fazem cestos e balaios, e dos caules as caudas
ou Árechas dos foguetes e bombas de salvas.
Uçá — Denominação geral do caranguejo (C a n cer) dada
pelos indios, e ainda hoje mantida pelo vulgo a unia certa es­
pecie do crustáceo, comi o nome particular de caranguejo -
uçá. R efere L é ry, que havia no R io de Janeiro uns caraguéjos
a que os tupinambás davam o nome de oussá. Entre nós, p o ­
rem, registra M arcgravi as especies uçá-una, caranquejo p re­
to; uçá-guaçú, caranguejo grande, ou içá (O cypoda cunurú):
cicié-eté, o caranguejinho do mangues ou aratú; e a especie
maracoani (Gelasimus m aracoani). O term o geral tupi, po-
renfy desappareceu com o vulgar, vernáculo, correspondente,
ç tambem geral de caranguejo, de modo a só fica r de pé, como
uma rem iniscência originaria, aquelle de caranguejo-uçá, que
aliás é uma redundância, pela equivalência dos dous vocábu­
los, um portuguez* outro tupi. Habitante do solo lamacento
dos mangues, em locas profundas, d alli o vai tirar o caran.
guejeiro, preferentem ente na epocha em, que está gordo, os
mezes que não tem r, maio, Junho, julho e agosto, segundo a
crendice popular. Si é p eixe ou nãor ou somente quando, como
tal é reputado, dizem estes versinhos de um vulgarissim o fo l­
guedo de criançaSj, cantando e dansando em roda; “ Caran-
gueijo não é peixe, Carangueijo peixe é; Carangueijo só é p ei­
xe Na etíçhente da m aré.” Dictados: P o r m orrer um carangue­
jo não se cobre o mangue de luto; Briga o mar cpm a
praia quem paga é o caranguejo; P o r causa de camarada, o
caranguejo perdeu a cabeça; Caranguejo não m orre enforca-
cado porque não tem pescoço; Progresso de caranguejo; A n ­
dar p’ra traz como caranguejo, ou a passo de caranguejo. “ Co­
mo v a i a patria minha Voltando p or onde vinha A passo de
caranguejo.” ( A Pim enta n. 81 de 1902). N. anatá.
Ufuá — Instrumento musico dos indio^, especie de clarim
de guerra,
Um — Conta de porco, no folk -lo re infantil, sugerida pela
onom atopaica hum, do grunhido do animal.
Umhigada — O ipesmo que embigada. “ A Julia,. que é
sambista arreliada, dá no Juca fortissim a umbigada.” (A P i­
menta n. 573 de 1907). “ Passando-lhe os braços pela cintura
delgada, chamou-a á si em uma umbigada valente e ruidosa.”
(F a b io L u z).
Um bigo de boi — Azorrague do cipó de boi, secco, fle x i­
vel, porem muito forte e resistente. “ O soldado abecou o in of-
fensivo homem, desandando a esbordoal-o com um umbigo
de boi que retirara de sob a farda.” (O Estado de Pernam bu­
co n. 346 de 1914). “ Luiz armauo de sabre, Joaquim de umbi­
go de boi, applicaram uma tunda valente no popular.” (Jornal
Pequeno n. 20 de 1915).
Um bigo quebrado — H ernia um bilical, que apparece em
consequência de um esforço qualquer. As crianças que c h o ­
ram muito ás vezes, quebram ou rompem o umbigo.
Umbú — O mesmo que imbú, e consoantemente, umbuza-
da.
Um não redondo — Form al, decisivq, perem ptório. O
João pediu em casamento a filha do Manoel, e teve um não
redondo!
Um pão com dous pedaços — Phrase equivalente a de
dous proveitos no saeco, de expressão obvia.
Um quente e dous ferven d o — Cousas equivalentes, iguaes
nos seus effeitos. “ Eu hoje, rapazeada, não vim muito bom; es­
tou m eio quente, isto é, estou como diz o vulgq. com um quen­
te e dous ferven d o (A Pim enta n. 560 de 1907).
Unha de velho — Especie de mollusco ou marisco, muito
vulgar, nas coròas dos rios até onde chega a influencia da
agua salgada: M arisco unha de velho. “ Bibi vestirá calças e p a­
lito de pelle de preguiça, enfeitados com marisco unha de
velho.” (Jornal Pequeho n. 33 de 191 g ) .
Unhar — T irar, surrupiar, furtar. “ Unhar, finalm ente, ain­

770
da defin ição nova, é aquillo que faz ir parar à Detenção.”
(D iab o a quatro n. 149 de 1878).
Unturá de M aria Lopes — Concerto, reparo, limpera, r e ­
m onta; Passar uma untura de Maria Lopes.
U ribáco — P eix e de agua salgada. (H oem elon cacdinacu-
la, C u v).
Urinas doces — Variedade da diabete^, em que a secre­
ção urinaria é muito abundante e carregada de glycose, vindo
dahi esta denominação vulgar. Diz-se commummente, que as
form igas atacam os vasos com taes urinas, pela sua doçura
U rso — Individuo insociável, desconfiado, retrahido; ma-
lamanhadq. asselvajado; feio, disform e, de fazer medo ás c ri­
anças; desleal, falso, fin gid o : Am igos ursos.
Urú — Gallinaceo (Odonthaphorus dentatus, Tem m .) da
fam ilia das perdicea^, e já registrado nos D iolagos das gran ­
dezas do B razil como uma ave a que chamam uruis, que não
desmerece o nome de bôa. Urú é term o tupi commum ás gal-
linaceas.
Urubaiána — P eix e do mar (B agres reticulatus, K n e r), de
escamas. O autor dos Diálogos das grandezas do B razil o men­
ciona com o nome de ubarãna, e diz que é um bom pescado.
Urubú — A ve de rapina, diurna, do genero cathartes, que
Se alim enta de carniça, de tres especies; urubú preto, com ­
mum (Catharts foetens, ou b k ra silien sis); camiranga, cabeça
verm elh a; e urubú rei, (V ultur papa), o urubutinga dos in d i­
os, que quer dizer, urubú branco. O vulgo tem-nos com o uma
ave agoureira, e chama de urubú, a quem habitualmente ‘tra­
ja de preto, como é a côr da plumagem do da prim eira especie
a mais vulgar; todos porem, nascem brancos, mas quando
crescem ficam Pretos, a excepção do urubutinga. Dictados po­
pulares: Urubú na carniça: agglom eração de gente; avançar
em massa para disputar qualquer cousa; V iv e r como urubú,
que, onde anoitece ahi é a sua casa; Praga de urubú magro não
mata cavallo g o rd o ; Urubu pellado não vôa em bando; Quan­
do o urubú está caipora, não ha galho verde que o aguente, ou
o debaixo borra no de cim a; Quem te mandou, urubú pellado,
metter-te no rancho dos coroados?; Urubú de P ed ro ; um in ­
dividuo falador, linguarudo, buxo de piaba. Esta locução vem
do conhecido conto popular de Pedro Malazarte, em que figu ­
ra um urubú que falava. T erm o de origem tupi (U ru -b ú ), a
gallinha preta, a ave negra, tinha ainda as alterações de oro-

771
bó, urubú, aribú; corrupleta de urú-ú, ave voraz, segundo
T heodoro Sampaio. Originariam ente daquellas alterações do
vocábulo, têm entre nós o nome de Orobó um riacho e um
povoado no m unicípio de Bom Jardim e um lugarejo no de
Cabrobó.
Urucá — Instrumento musico dos indios, feito de certa
concha, e que produz um som approxim ado ao da flauta.
Uruçú — Vulgar especie de abelha (M elipona scutellaris,
L a tr.), que produz abundante e excellente mel, d e muita ap-
plicação m edicinal e industrial, e principalm ente na Pharm a­
cia para adoçar certos medicamentos, e para a com posição dos
electuarios. “ E te guardo tambem do mel suave De jalahy, e
de uruçú m il favos.” (A lv a ro T. de M acedo). “ A Melipona
soutellaris a unica abelha indigena domesticada pelos habi­
tantes do interior. Em Pernanfbuco, ella faz parte dos p ou ­
cos bens do honlem do campo. R ara é a casa que não possue,
uma colm eia rústica suspensa horisontalm ente por baixo da
borda do telhado de sapé. Quasi todos os naturalistas e v ia ­
jantes fazem excellentes referencias ao delicioso sabor do mel
fabricado p or esta especie, o qual é bastante fluido, de côr
am arello-dourado e riquíssim o de princípios balsamicos.” (D r.
José Marianno F ilh o ). O naturalista Pizo, que p rim eiro estu­
dou as abelhas entre .nós (m eiados do seculo X V I I I ) trata dos
Eiriricus, sem duvida as uruçú^, dizendo que são grandiores,
non pungentes, quoe bonum faciunt mel. Ha uma especie com
o nome vulgar de Uruçú-boi, e uma outra com o de Urucisi-
nha, naturalmente a Uruçú-mirim.. ou Uruçui, (M elipona fus-
çipos, F rie s e), bastante commum porem pequena, menos do
que uma mosca, e de côr am arella. Faz os seus ninhos nas ar­
vores, e produz excellente e abundante mel, concurrentemen-
te com a sua cêra, de um castanho claro. Uruçú é um vocábu­
lo da lingua tupi, corruptela de eir-uÇú, abelha grande, de côr
am arella c que não m orde; o Uruçui, de uruçú-ê, com aquel-
les citados predicados, segundo T heodoro Sampaio.
Urucubaca — Cafife, caiporismo, azar; sorte mesquinha,
sorte torcida, má sorte. O termo, com taes accepções, appare-
ceu no R io de Janeiro em 1914 quando o marechal Hérmes da
Fonceca deixou o governo, e a elle applicado com um ridicu lo
esmagador; e tomou logo vulto, e irradiou-se p or todo o paiz.
Appareceu então um p hilologo paciente, naquella cidade, que
descobriu a etym ologia de urucubaca, dizendo que vem de
urubú, bicho de máo agouro, e cumbaca, p eixe dos ribeiros
de Santa Cruz;, peixe azarento, que cahindo no anzol do pesca­
dor, estraga-o para o resto do dia; ficando assim proclam ada
a origem flum inense do termo, e natural de Santa Cruz a e x ­
pressão tão em voga hoje em dia, com o conclue o alludido phi-
logo paciente a sua escavação, publicada no jorn al A Noite,
e logo transcripta entre nós. (Jorn al Pequeno n. 53 de 1915).
Nada temos que vêr, quanto áquella etym ologia, que vem to ­
mar lugar entre outras de certos vocábulos assim engenhosa­
mente architectadas, como,, nomeadamente, os nomes de duas
povoações de Portugal, Jerumenha e Mecejana, impostos a
uma localidade no Piauhy e a outra no Ceará dados comío de
origem tupi, e com as suas respectivas in terpretações!! A tudo
istq, porem, cumpre-nos obtem perar: O termo urucubaca é
vulgar entre nós, e corrente já desde muito, com as acep­
ções de feitiço, mandinga, catinbó, com o se vê deste trecho de
um artigo publicado num period ico do R ecife: “ Parece até
que lhe deitaram urucubaca, que está o homem tão pateta, que
não dá p or si, e continua a fazer o triste papel de bobo da
sucia.” (O Clamor Publico n. 17 de 1845). Na zona sertaneja,
nas localidades que se originam, de aldeiamentos de indios, e
os que restam ainda, vivem^promiscuamente entre os novos po-
voadores, o term o é vulgar com a expressão de mandinga de c a ­
boclo, e em outras localidades, nome de uma pequena larva,
que prodigiosam ente apparecendo, e criando azas depois, nos
terrenos brejados de plantação de algodão e cereaes, destroe-
nas p or com pleto em uma noite. E ’ o caiporism o da urucuba­
ca, diz o Povo na occurencia de semlhantes prejuizo. Na ig ­
norância de tudo isto, e ás novas irradiações do resurgido ter­
mo, em geral registrado na nossa imprensa local, diz assim,
arrastado pela nova corrente o autor de um conteto sob o ti­
tulo, Urucubaca, falando de um dos seus personagens: “ Quan­
do elle nasceu a famosa urucubaca ainda não tinha plantado o
seu domlinio nesta terra.” (Jornal do R ecife n. 92 de 1915). E
assim se escreve a h istoria!
Urumará — Nom e vulgar de uma ave, registrado por Je­
ronym o V ilella.
Urupêma — Cesto raso ou chato, circular, concavo, feito
de um tecido de palha da urú ou urúba (m arantacea), ou d a -
taquara (gra m ien a ), preso ao arco de um cipó grosso, resisten­
te, apropriado ao fim, o caule da Galphimia officinalis, que
por isto é vulgarm ente conhecido pelo nome de Cipó arco de
urupema. Especie de peneira grosseira, de i^so muito vulgar,
é destinada a escorrer a maniv^, o leite de côco, passar a mas­
sa do feijã o cozido, da mandioca ou da gomma, para peneirar
ou sessar o milho, arroz, farinha, e outros misteres. “ A ’ se­
melhança de chapeo conduzirá uma form idável urupema de
peneirar gom m a.” (Jornal Pequeno n. 33 de 1915). A urupê-
ma é um utensilio de cozinha origin ário dos indios. “ N o in te­
rio r da cabana selvagem via-se pendente da parede, a urupe­
ma, penera ou cesto raso.” (T h o d o ro Sam paio). Occupando-
se M arcgravi dos utencilios domésticos dos indios, que no seu
tempo (meiados do seculo X V II) encntrára entre nós, m encio­
na e descreve a urupema, como assim lhe chamavam os mes­
mos indioi^, ou com o de joeira, segundo os portuguezes. T e ­
cido a especie de esteira, forte, resistente, feito da canna bra­
va chamada ubá, que em vez de gelozias ou rotulas tapavam
as portas e janellas das cabanas tambem origin aria dos indios,
e que depois fo i geralm ente adoptada. Aqui mesmo no R ecife,
uma certa ordem de casas, em outros •tempos, usava de uru»
pernas nas suas portas e janellas, até que o governador D.
Thom az José de Mellq, em fins do seculo X V III resolveu pro-
hibil-as mandando que essas urupemas .ou peneiras fossem
substituídas, pondo-se em seu lugar, rotulas de madeira. Ou­
tras localidades tinham-nas tambem nas suas casas, nomeada­
mente a v illa hoje cidade de Goyanna, de onde desapparece-
ram pelos annos de 1821 p or ordem do govern ador general
Lu iz do Rego Barretto, sobre cujas particularidades narra um
chronista: “ Marchando para a lli aquelle general á frente de
uma devisão militarç, deu em um' dia ordem para exercício ás
tres horas da tarde; e quando estavam as tropas runidas no
largo do Carmo, mandou ensarilhar armas, e dispersar, rece­
bendo os soldados ordém de derramarem -se p or toda a cida­
de, afim de, quando tocasse a reunir, avançarem para todas as
portas e janellas que tivessem urupeipas, arrancal-as, c con­
duzi-las para o re fe rid o largo. Com effeito, os soldados cum­
priram exactamente esta ordeny e pelas Aves Marias um mon­
te de urupemas, ardendo, divertia os espectadores, e fazia
chorar rabugentos velhos.” Comtemporaneamente appareceu no
R ecife um P elo signal politico, d irigid o a Luiz do Rego, cuja
peça faz referen cia ao facto nestes versos; “ Com grande as­
túcia e fu ror E lle e os seus nos aterr^, E as urupemas des­

774
terra Dos nossos.” As urupemas das janellas eram inteiriças,
e abriam para fó ra ; e as das portas, constavam de duas peças
horisontalm ente partidas ao meio, abrindo a superior tambem
para fóra. Urupema é um vocábulo tupi, que, segundo Moraes,
v em de urú, nome da palha de que ellas se fazem, substantivo
anteposto a penna, tecidq, crivo de urú; Baptista Caetano p o­
rem , diz que vem de irú, cesto, e peb, chato: cesto chato, pe­
neira, ctivo.
U rujáu — Especie de crocodilo ou jacarq, de côr pardo-
cinzenta, e de papo am arello, que abunda no alto S. F ra n cis ­
co. São em numero tão espantoso os ururáus naquellas para­
gens, com o re fe re Fernando H alfeld, que as próprias em bar­
cações em qce viajava, se viram rodeados por mais de trinta
delles.
Urutú — P eix e (D oras costatus, C u v.).
U seiro e vezeiro — In divídu o que tem por costume fazer
determ inada cousa. Esta locução é portugueza e antiga, como
a registra o Padre P ereira (U seiro e vezeiro, assuetus, a, um,
oousa costumada)j, mas já não usada, com o entre nós, e d’ est’ -
arte, não mais codificada nos respectivos lexicons. Aulete, p o ­
rem, nomeadamente^, registra os dous termos separadamente.
Usina — Grande estabelecimento industrial montado com
aperfeiçoados machinismos a vapor, destinado a fins diversos,
como as usinas de Dous Irmiãos,, para o abastecimento d’agua
á capital, do Saneamento, e da companhia de bondes e léc tri­
cos; mps particularm ente as grandes fabricas de asucar, ou
engenhos centraes, p or m oerem as cannas dos engenhos e si-
tios circumvisinhos. D erivados: Usineiros, o p roprietário de
uma usina, mas entre nós, particularm ente a de assucar. “ C er­
tos espertalhões se empenhavam pelas concessões de usinas,
com o fim* de mais tarde faltarem os usineiros com os devidos
pagamento^, e divid irem o bôlo com elles.” (Lan tern a M agi­
ca n. 502 de 1896). “ Nós como usineiros, só podemos ser com-
merciantes, porque compramos á lavoUra.” (Id em n. 667 do
1901). “ Sabem o que elle quer, elle, o cuéra de tino? T od o es­
tado uma usina, elle sendo o usineiro.” (Jorn al Pequeno n.
297 de 1915). Usina e usineiro,, são escusados gallicismos.

775
V
Vacca — Individuo fraco, medroso, covarde; imprestável,
ch ifre de cabra. Vacca de chocalho; mulher velha, repellente,
cavillosa, alcoviteira. Quem come uma vacca magra alheia,
paga uma gorda; tirar bom sebo se a vacca fô r gorda; Voltar
á váccà fria, que ella quente faz azia. (D ictados). '‘ Voltem os
á vacca fria, isto é, ao assumpto p rim itiv o .” (D ia rio de P e r­
nambuco n. 99 de 1916).
Vadiar — Brincar, divertir-se, passeiar; andar na pandega,
em pagodeiras, na vadiação.
Vaiar — Acção de dar vaia, apupada, azoação. Aulete con­
signa o substantivo vaia, e não o verbo vaiar, que entre hós é
corrente, vulgarissim o. A platéa vaiou a companhia; Os calou­
ros foram vaiados; A policia obstou a que vaiassem.
Vamos — Especie de abelhas.
Vamos e venhamos — Entendamo-nos; e combinemos a
cousa; cheguemos a um accordo.
Vaqueano — O habitante de um lugar, muito conhecedor
da terra, de modo a precisamente inform ar qualquer cousa, e
servir de guia ao forasteiro; conhecedor de caminho, segundo
Sylvio R om ero. Sobre a etym ologia do termo, diz Rohan, que
vem do radical baquia, termo com que os hespanhóes designa­
vam, depois da conquista do M exico, os soldados velhos que
haviam tomado parte nella, e dahi baqueano, como é corrente
em todos os estados americanos de origem hespanhola. N o
Chile, nomeadamente é assim pronunciado o vocábulo, como
o registra Zorobabel Rodriguez, exem plificando; “ Que com
tan baquiano en la tierra todo lo c o n o c ia .”
Vaqueiráda — Reunião de vaqueiros; a classe de vaquei­

777
ro. “ H ei de m ortrar o meu talento A ’ vaqueirada de crista."
(A Vacca do B u rel).
V aqueiro — Individuo encarregado do serviço das fa ­
zendas de creação de gado, e quasi sempre dirigindo-as p or
parte dos fazendeiros, tendo pelo seu trabalho, alem de uma3
tantas vantagens, um certo numero de bezerros e poljlros so­
bre os que nassem, ou apanham, durante o anno. “ O vaqueiro
é uma especie de socio de industria do fazendeiro, tendo como
lucros a quarta parte da p ro d u cç ã o ." (Irin e o J o ffily ). Por
onde passa o boi, passa o vaqueiro e o seu cavallo. (A n exim
s e rta n e jo ). “ O vaqueiro Pantaleão, p or m otivos de ciumes,
matou a esposa a fe r r ã o .” (A, Pim enta n. 17 de 1901). O rigina­
riam ente chamava-se vaqueiro ao individuo que tratava da
creação do gado nos engenhos, segundo os Diálogos das gran­
dezas do Brasil.
Vaquejada — Especie de torneio ou justas sertanejas, em
grandes cavalgatas, para arrebanhar o gado brávio, extravia­
do, fugido das fazendas, e feita a p éga,'e reunindo todo em da­
da paragem proceder-se a apartação, conduzindo então cada
vaqueiro o gado da sua fazenda, conhecido p elo respectivo
ferro ou marca. “ N o sertão ha vaquejadas de luxo, cujo fim
é a ostentação da força e da destreza, e não a util apartação
dos gados” . (Gustavo B arroso). “ O homem m ilitou como exal­
tado republicano nas bandeiras revolucionarias de 1817, mas
cahindo a republica, deu-se còm sigò lá para os sertões, e nas
vaquejadas, entre queijos, cuscús e os leitões, aprendeu a p o­
lít ic a .” (O L ib eral Afogadense n. 2 de 1845). Nesses torneios
exhibem-se os vaqueiros com as suas vestes de couro, m on­
tados nos seus briosos cavallos de fabrica, e empunhando as
íuas com pridas aguilhadas.
Vaquejar — Serviço de vaqueiro nas fazendas de creação;
pastorear o gado. “ A pés no chão, vaqueijando gado, lavando
cavallos e cargu ejando. ” (O Clamor Publico n. 84 de 1846).
“ Pois, o gado se acabando, Mais não tem que vaqu eijar.” (Ju-
Venal G aleno). “ Os moços maiores vaqueijam o gado na ser­
ra . ” (A m erica Illustrada n . 35 de 1880).
V a ra n d a — Guarnição mais ou menos larga, pendente das
extrem idades lateraes das rêdes de dorm ir, ao correr de um
punho â outro, e tecidas a labyrintho, term inando com visto­
sos bicos do mesmo tecido, ou com franjas de fios de algodão,
com o é todo o seu material, branco ou de coloração diversa.
“ Uma rede fiada e tecida na terra, azul e branca, de largas
varandas.” (José V erissim o). “ Carangueijo quando m orre V ai
na rêd e-d e varanda” . (Quadras p op u lares). A rêde vem dos
indios, que, segundo Gonçalves Dias, chamavam-na kicaba ou
maquira, não sabemos se indistinctamente as das duas espe­
cies, tecida de fibras de palmeiras, ou de fios de algodão, e ás
suas respectivas guarnições ou varandas, K içaba rem eyba
T h eodoro Sampaio, porem, tratando dos utensis mais commüns
que se viam 110 in terior de uma cabana selvagem, menciona
a rede para dorm ir, ini, atada p or cordas, ini-chama, a dous
fortes esteios, okytá. Sala de refeições de casas antigas, e não
raro, modernas mesmo, nas zonas centraes, e commummente
no norte, mesmo nas grandes cidades, com um p eito ril cor*
rid o ao logo da parte posterior, e sobre o qual assentam uns
esteios de madeira levrada, equidistantemente dispostos, que
recebem a coberta de telha ou palha da viven da. “ L ^ no
sitio, foram installados na varanda de telha vã.” (A lu izio de
A zeved o ). “ A varanda era com prida, defendendo-a do máo
tempo a grande cimalha, apoiada em columnas de m adeira la ­
v ra d a .” (A ffo n s o A rin o s). Na Bahia tem tambem o teriAô a
mesma accepção de sala de refeições, e já corrente na prim eira
metade do seculo X V III; como contemporeaneamente escreve
Nuno Marques P ereira narrando as suas peregrinações no cen­
tro do estado: “ Nos recolhem os a uma varanda, na qual acha­
mos a mesa posta. . . E logo nos fo i encaminhando para a va­
randa da casa, onde deu assento, e mandou v ir o alm oço.” Entre
nós, porem, o term o assim, já era corrente na p rim eira metade
do seculo X V II, como se vê deste trecho da descripção do com­
bate da Casa Forte, em 1645, contemporaneamente escripta p or
Fr. M anoel Calado: “ Tam bem carregou o seu feix e de lenha,
e o metteu debaixo da baranda da casa de viven da do engenho.”
Jaboatão (meiados do seculo X V III) chama da varanda a um
dos salões do convento de Santo Antonio do R ecife, escrevendo
assim: “ Tudo isto se vê tambem da varanda, que está sobre a
sachristia. Serve esta varanda de classe aos estudantes, colle-
giaes, e de aula para as con clusões.” E ainda mais: “ N o fim
da enferm aria, uma varanda para os convalescentes.”
Varapau — In dividuo muito alto e magro. “ M ulher alta t
varapau.” ( A Pim enta n. 3 de 1902).
V arejar — T oca r á vara uma embarcação qualquer, flu ­
vial, para o seu m ovim ento e rumo. D eriva d o: V areiro, o ca­
noeiro de vara, que vareja. “ Os vareiros das barcas do alto S.
Francisco têm calos no peito p or causa de muitas feridas p ro ­
duzidas pelo cabo da vara.” '(A. A lves Cam ara). “ Neste tem ­
po elle era apenas vareiro do bote do capitão S ilveira ” . (V i-
riato C o rreia).
V arejeira — Mosca grande, de um bonito verde-dourado,
reluzente, tida pelo vulgo como de máo agouro. E ’ a morumbi
dos indios, corruptela de merú-õby, a mosca verd e.
V arejo — N egocio a retalho. “ Este vinho só o vendo por
atacado; não o ponho no varejo.” (A d’E Taunay).
Varjado — T erren o plano ou de pouco pendor, em valle
extenso. Terras varjadas, isto é, de varzeas ou vargens, como
se dizia antigamente (V argem do Capibaribe), d ’onde vem o
term o. “ De uma e outra banda extendia-se um varjado, coberto
de cajueiro, mangueiras e araçazeiros. ” (F ra n k lin T a vora ).
Vasante — Falta de concurrencia em um espectáculo, co­
m ício ou qualquer reunião convocada. Extensas varzeas ou
planicics situadas á margem dos rios, que depois das enchen­
tes ficam muito feríeis, e assim aproveitadas para a cultura
de cereaes, ou quando não, cobertas de basta e excellenfe pas­
tagem de grande proveito para alimentação do gado. “ Os ter­
renos baixos á margem do S. Francisco são chamados vasan—
tes.” (Fernando H a lfe ld ). Os leitos dos proprios rios, com ple­
tamente seccos na estação calmosa, sendo assim as vasantes
plantadas na entrada do verão, quando não se espera mais
cheias nos rios. “ Buscar algum abrigo nas vasantes e nas
lavouras dos o u tro s.” (O Clamor Publico n. 78 de 1846).
“ Eu peguei João V ieira Dentro de minha vasante, Roendo os
meus gerimuns, Comendo o capim m andante.” (C ancioneiro
do N o rte ). “ Adeus, vasante de baixo, Adeus, serra do C oité” .
(A Vacca do B u rel).
Vasculhar — Lim par com vasculho os tectos e as paredes
das casas. “ Nunca aquelle sotão fo i vasculhado.” (A Tem pes­
tade n. 15 de 1858). “ Vasculha, negro, vasculha, Os quartos,
os c o rred o re s.” (Jornal do R ecife n. 52 de 1914). D erivado:
Vasculho, especie de vassoura, ou panno que se colloca na
ponta de uma vara com prida para o serviço de vasculhar. “ Diz
o padre que durante a quaresma espanou cento e tantas cons­
ciências que se submetteram ao vasculho da con fissão.” (O
Diabo a quatro n. 150 de 1878). In dividuo sem importância,
ridiculo, desprezivel, e dahi a phrase S ervir de vasculho, de
téca, mofa, irrisão. ‘ Mostrou-se muito compenetrado da in ­
justiça praticada pelo vasculho do partido da p ra ia .” (O Cla­
mor Publico n. 29 de 1845).
Vasqueiro — Critico d ifficil, máo; A situação é vasqueira;
Os tempos andam vasqueiros. Raro, escasso, não abundante:
O dinheiro anda vasqueiro. “ Precisa-se distribuir uma profusa

780
quantidade de semente do caracter, que é cousa bem vasqueira
nesta grande parte do m u ndo.” (A Lanceta n. 46 de 1890).
Vassoura — O cacho filam entoso das flores do coqueiro;
empregado de baixa classe; o caixeiro principiante, o nova­
to, que varre a casa: Caixeiro vassoura. “ O vassoura parecia
com a Luiza, a velha lá de casa, quando está azeitada.” (J o r­
nal do R ecife n. 54 de 1914). Vassoura nova varre toda a
casa. (D ic ta d o ).
Vassourinha — Erva campestre (Scoparia dulcis, Linnes)
muito vulgar entre nós, e assim chamada porque os habitan­
tes do campo se servem delia para varrer a casa e o terreiro.
“ Para se verem livres das pulgas empregam tambem para
varrer a casa um pequeno arhusto, a que chamam vassouri­
nha e que tem um certo visgo nos ^ flh os e folhas, de manei­
ra que as pulgas a lli ficam presas.” (O Tico-tico n. 559 de 1916.
Vatapá — Saborosa iguaria, especie de papa, feita com
a farinha de mandioca, peneirada, fina, camarões seccos, p i­
sados, e adubada com azeite de dendê e pimenta. — “ Festa
sem foguete e presepe sem rolo é o mesmo que vatapá sem
pimenta. (O Diabo a quatro n. 34 de 1876). “ Dessa grande
feijoada, Não sei o que sahirá; Se um rolo form idando, Òu
gostoso vatapá.” (Pernam buco n. 177 de 1913). E ’ vocábulo
da lingua yoruba (C o lo n ia ), segundo Rohan.
Vavavú — Atropelo, azafama, actividade, alvoroço. A ca­
sa do Pedro, no dia do casamento, estava num vavavú tem­
pestuoso, quanta cousa meu Deus! que p rec ip ício !” (D e uns
versos do carnaval de 1813).
Veado — Quadrupede ruminante, timido. muito ligeiro
e grande corredor, já descripto por Fr. Vicente do Sal­
vador como especie de caça. Ha varias especies, no­
meadamente vulgares: Veado cam pineiro ou barriga branca
(C ervus campestris, C u v .); M ateiro (Cervus ru fu s ); de capo­
eira; Suçuapára ou galheiro. Os indios chamavem ao veado,
indistinctamente, çuaçu’, e ás suas especies, particu­
larm ente, çuaçu’ tinga, o mais pequeno de todos,
de côr branca; çuaçu’ anháaga veado do diabo, a que não
apparece mais que a extrem idade dos chifres, e cuja carne
não presta para quem padece de syphilis ou sezões; cuaçú
apára, o de chifres espaçosos, e que pasta no campo; e çuaçú
retê, o do matto, como escreve Gonçalves Dias. T h eodoro
Sampaio, porem, registrando o termo suassú, corruptela de
çaó-açú, o animal grande, a caça mais avultada, o veado ou
cervo, alterado em suaçú, quaçu, sussu, assu p or çoó-açu-apar

781
\eado galheiro, 011 dotado de grandes aspas; sussuy, por çoô-
açuim, veado cam peiro; suassú-birá, p or çuó-açú-birá, vêado
lustrozo ou luzido; e suaçú-pitã, veado verm elho ou m ateiro.
Cobra de veado. Grande ophidio (B ôa constrictor, L in n .), a
que os indios chamavam boaçú ou boiaguaçú, a cobra gran­
de. Ha tres especies conhecidas. Diz F r. Vicente do S alva­
dor que attingem até mesmo a sessenta palmos de comprido,
e descreve alguns factos occurridos em Pernambuco, sobre
o ophidio. “ Outra sorte ha tambem de cobra, muito grande,
a que chamam os indios boassú, e nós cobra de veado, p o r­
que come, engulindo, um in teiro. Caçam dependuradas so­
bre as arvores, e de salto fazem a sua p re z a .” (D iálogos das
grandezas do B ra sil).
Velacho — Alcunha, appellido de fam ilia. “ Tom ei agora
o estylo de assignar o prim eiro nome do sobre-nome ou ve­
lacho.” (O Cometa n. 18 de 1843). “ Muita gente que nunca
teve os velaxos de Rego Barros, começou a usal-os logo que
o Barão da Bôa-Vista tomou conta da presidência de P e r­
nambuco. O meu velaxo sempre fo i Dias, mas desde então
com ecei tambem a vêr modos de encaixar um daquelles no
meu n o m e.” (M arm ota n. 2 de 1844). “ Meu pai metteu-me
em São Bento: E por mais, deram-me os frades, P or velaxo,
Sacram ento.” (A Carranca n. 54 de 1845).
Veládo — Q ualificativo dado ao côco, o fructo da pal­
meira exótica o coqueiro (cocus nucifera), quando o m ioio
on amendo-a que interiorm ente reveste a noz ou endocarpo,
p or um phenomeno qualquer fica completamente sêcca e sol­
ta, de modo a sahir toda inteira ao partir-se a p rópria noz,
chamando-se assim a essa amêndoa, côco veládo: Quengo ou
cabeça de côco velado. “ A h ! quengo velado e cabuloso! A h !
figura chinfrim de m u riçoca!” (Pernam buco n. 296 de 1913).
V eleiro — Term o sertanejo dado ao cavallo de bôa m ar­
cha, bom andador, corredor, e amestrado nas vaquejadas' ou
torneios dg péga dos barbatões ou bois bravios amontados.
“ Com effeito dous cavallos, Um e outro era vele iro .” (O Boi
liso).
Velhaco — Term o vernáculo, de expressões d ep recia ti­
vas, tem entre nós as accepções affectivas de graça, mimo e
encanto; Que menino velh aco! Que mulata velhaca! “ Se
peço um beijo a priminha, Velhaquinha, Me responde; Ora,
pois n ã o !” (D a chula Quando eu era pequinino).
Velho — Na phrase; Estar velho, p ira exprim ir chegar,

782
apparecer, estar ha muito tempo. O João já chegou? Ora:
Está velho em casa. V elho como a sé de Olinda: antigo, muito
velho, de tempos imraemoriaes, com o a nossa igreja cathe-
dral, o mais antigo monumento religioso de Pernambuco, que
originariam ente vem da prim eira metade do seculo X V I.
Esta locução é naturalmente um modismo da portugueza: V e ­
lho como a sé d’e Braga.
V elório — Denominação moderna do Panno de bocca do
palco dos -theatros. “ A sala de espectáculos do Theatro do
Parque. A o fundo a bocca de scena e o seu riquissim o ve-
lo rio .” (Jornal do R ecife n. 233 de 1915). O term o vem de
velar, cobrir, encobrir, tapando. V igilia que ,os africanos fa ­
ziam aos seus defuntos, com danças e cânticos religiosos,
fragorosam ente acompanhados a instrumentos de percussão
na saía em que se via o cádaver sobre um leito, cercado de
luzes, que só term inavam ao sahimento. N o nosso Folk-lore
Pernambucano particularm ente estudamos o velorio africano
entre nós. “ N o Ceará ainda se usa, em alguns pontos do
centro, uma especie de v elo rio p or m orte de crianças, angí-
nhos, como cham am .” (S y lv io R om ero ). O v e lo rio era tam­
bem vulgar nas colonias hespano-americanas, e no Chile, n o ­
meadamente, com o nome de velacion, cujo te rm o ,' segundo
Zorobadel R odriguez, constitue mesmo um provincialism o
am erican o.
Vendagem — Esta dicção consignada nos lexicons p o r­
tuguezes, tem entre nós a particular expressão de uma van ­
tagem concedida aos vendedores ambulantes de doces, b o ­
los, fructas, etc., de quatro vinténs p or pataca, do que vende­
rem . “ P ara vendagem, ta p io c a .” ( A Pim enta n. 12 de 1902).
Este termo constitue tambem um chilenism o, com a voz c o r ­
respondente de vendage, segundo Zorobabel R odriguez, para
denotar la paga que el dueno o productor de algum articulo
de consumó domestico da al que se encarrega de venderlo al
menudo.
Vendelhão — Indivíduo que tem venda ou taberáa. “ Se
forem vendelhões, se forem logistas, não serão incluídos neste
conselho, ou antes nesta le i? ” (O Cruzeiro n. 128 dé 1829).
“ T a l que saltando se fez carreiro, e despejou alguns carros
de entulho, passou logo para vendelhão, e dahi para p ro p rie­
tá r io .” (O V erdadeiro R egenerador n. 35 de 1845). “ Um ven­
delhão declarou que só vendia feijã o comprando-se carne do
Ceará” . (A Duqueza do Linguarudo n. 87 de 1877). Este te r ­
mo é, evidentem ente regional, uma vez que os corresppnden-

783
tes portuguezes são, vendeiro, taberneiro; e o de vendilhão
tem accepções diversas, como sendo antes o vendedor ambu­
lante, o nosso mascate. Ao que parece, originariam ente, o
termo tinha uma amplicação maior, como se vê de um docu­
mento de 1817, a Defesa de Gervasio Pires Ferreira, nestas suas
allegações: “ Algumas das testemunhas, para fazerem-se mais
acreditáveis, se inculcam p or negociantes, sendo aliás a de fls.
275 vendelhão de louça grossa; as de fls. 314 e 352, m ercado­
res de vara e covado; e a de fls . 434 vendelhão que recebe
em sua casa cavallos p or aluguel.” Mas em 1829, como vimos,
do trecho d’0 Cruzeiro, já o termo era particularm ente res-
tricto ao homem da venda, o m arinheiro da venda, o seu Zé
da venda, pela estabelecida distineção entre vendelhões e lo-
gistas.
Vender azeite ás canadas — Estar, ficar, sahir furioso, de­
sapontado, desesperado. “ Sahi vendendo azeite ás canadas, e
com a mão nos olhos, a chorar a minha m o lle za .” (Jornal do
R ecife n. 40 de 1916). “ Sahi cabisbaixo, apitando, a vender
azeite ás canadas.” (Jorn al Pequeno n . 15 de 1916).
Vender seu peixe caro — Dar-se a im portância, reputar-
se muito, dar valor a si proprio e ao que é seu. “ Sou arisca,
não me arrisco, Muito fin o tenho o faro, De dar p rova não
ha risco, Sei vender meu peixe caro.” (P e ix e caro, cançoneta
de Ernesto S o u za ).
Vendido — Corrom pido, subornado, transviado; engana­
do, ludibriado.
Vendóla — Venda ou taberna pequena, ordinaria, insig­
nificante. “ Moço chique da vendóla, djas penduradas vassou­
ras, embarricados toueinhos” . (A m erica Illustrada n. 16 de
1887). “ Thim oteo estabelecera alli nos Afogados numa ven ­
dóla ou bodega” . (F ra n k lin T a v o ra ).
Vento — Flato ou ventusidade dos intestinos espellida
pelo anus; Dar um vento.
Ventóla — Ventas grandes, pronunciadamente abertas.
V êr — Buscar, provêr-se, com prar; achar, encontrar,
procurar, descobrir. “ Ia vêr charutos” . (Machado de Assis).
Veranear — Passar a estação calmosa, o verão, no cam­
po, fóra da cidade. “ Um agente de vapores, que actualmente
veraneia na Bôa Viagem procura a todo transe seduzir uma
filh a da terra do Eduardo V I I ” . ( A Pim enta n. 620 de 1907).
Verbiagem — Falação, discurseira, gosmado. “ Depois de
sete dias de esteril discussão, de uma verbiagem fô fa e ex­
cessivamente enfadonha, terminou ridiculamente o prim eiro

784
congvesso do n orte” . (O Diabo a quatro n. 173 de 1878). “ A
Ássembléa P rovin cial, a fabrica da verbiagem e o deposito da
papelada.” (O Binoculo n. 9 de 1882).
V erborrhéa — Escorrencia, discurseira grossa, inçada
de palavrões e de phrases bombásticas, mal cabidas, sem e x ­
pressões; fa la r pelos cotovelos; mais que o preto do le ite ;
loquacidade, tagarellice, eloquência de falastrão. “ Discursos
recheiados de chapas, de lugares communs e sediços, ditos
com uma verborrhéa aguda” . (Lan tern a Magica n. 26 de 1889).
“ Em certa sociedade sç*t apresenta, deitando verborrhéa p ’ ra
a negrada.” (A Pim enta n. 68 de 1902). “ Parece affectado
de verborrhéa chronica, porque não cessa de fa la r” . ( Dr.
Castro L opes).
V erde — A estação hibernica na zona sertaneja, em que
a vegetação cresín la ou extincta pela estiagem, reapparece
viçosa e pujante, e concurrentemente cobrindo-se os campos
de pastagem; começa então a cultura dos cereaes e m antim en­
tos. O tempo do verde é a epocha da fartura, da felicidade e
bem-estar do sertanejo. “ Em prehenderei a minha viagem du­
rante o v e rd e ” . (Beaurepaire B ohan). “ Chegando a noticia
de que já ha verde no sertão, c sem cogitar das dividas, o
trabalhador arruma então a trouxa, faz uma madrugada, e
quasi fugido eil-o de novo com a mulher e os filhos de v o l­
ta á terra natal” . (A lfre d o Brandão).
V erdelim — Pequeno passaro (Careba coerulea, V ie ill),
de varias especies, tribus ou fam ilias, umas estudadas e des-
criptas e outras não. E ’ assim chamado pela côr da sua plu­
magem, de um bello verde-dourado, de transparências on­
dulantes.
Verdoso — Frueto quasi verde, ainda não amadurecido,
ou em com eço de maturação. O mesmo que o verdoengo v e r ­
náculo.
V erdu reiro — Vendedor ambulante de legumes ou v e r­
duras, vindo dahi a derivação do termo. “ Lá vem o verdu ­
reiro, Nené toda catita gritou, p’ra sua mãe toda fa c eira ”
(Lan tern a Magica n. 816 de 1905). “ Antonlo Martins, mais
conhecido pela alcunha de Antonio Verdu reiro, visto se de­
dicar á vendagem de verduras” . (Jornal do R ecife n. 339 de
1917).
V ergon h eira — P o r vergonha. “ Para m aior vergonheira
fazem alarde das patifarias praticadas” . (O Lidador n. 247
de 1848). “ F o i a verdade o que affirm ou o delegado; vergr
nheira apavorante” . (A P rovín cia n. 344 de 1915).
Verm elhinha — Certo jogo de cartas para pegar os in
cautos. “ Antonio Felippe de Souza achava-se jogando a ver
melhinha com outros indivíduos” . (D ia rio de Pernambuco r
135 de 1913).
V erm elho — P eix e de agua salgada. Denominação chula
concurrentemente com a de Guabiru’ dada aos conservadores
“ O governo vai servin do de pinguela onde passam verm elho;
d isfa rça d o s... P o r taes actos, bem se póde chamar governr
pinguela, pela qual vão passando, pouco a pouco, os verm e
lhos m achiavelicos” . (O Campeão n. 162 de 1863).
V êr quem tem garrafas vazias — Quem dispõe de cora­
gem, de elementos e recursos para aguentar repuxo. “ Agora
é vêr quem tem garrafas vazias.” (Pernam buco n. 289 de
1913).
Verso — Subtileza, indirecta. O sujeito fez que não en­
tendeu o verso. Verso de c a b o c lo :,m a l feito, sem estro, de
pés quebrados. Fazer versos á lua; estar desoccupado, sem
o que fazer.
V ertente — Caso, questão ventilada, em evidencia, ém
fóco:Questão vertente.
Vestia — Roupa de couro de veado de capoeira, ou outro
qualquer animal, o gibão, peitoral, perneiras e chapéo, usada
pelos sertanejos nas suas montarias e torneios.
Vestido de mijão — Muito comprido.
Veterano — Fstudante das escolas superiores, que pas­
sa de calouro.
Viagem dos pés juntos — A da morte, que o individuo
faz para a sepultura deitado, de pés juntos. “ Os macrobios,
aquelles que já com praram passe para a viagem dos pés jun­
tos (O Destino dos Am antes).
Viça-versa — O contrario, opposto. “ 0 Brasil vai a v a ­
por em busca do seu engrandecimento e progresso na viça
versa.” (Lan tern a Magica n. 216 de 1888). “ Meu povo, ou p o ­
vo meu. Neste mastigue eu sou sincero pela viça-versa.”
(Idem , n. 822 de 1906). “ O tal engenheiro de oitiva é um
Colbert de viça-versa” . (A Lanceta n. 4 de 1889). Esta phra­
se vem do palavreado p roprio de um typo de rua, conheci­
do p or M ajor Leal, cuja alcunha serviu mesmo de titulo para
um periodico de troça que appareceu em 1890. “ Nos tres
dias de carnavel a lei só regula, segundo o M ajor Leal, na
viça-versa.” (Lanterna Magica n. 123 de 1888).
V icio — Desejo irresistível de com er carvão, barro, areia^
ctc. E ’ a hypoemia intertropical manifestada pela geophagia.
V ictoria — Carruagem de passeio, de dous assentos. “ En-
casacado, luvas brancas, numa victoria apoltronado” .( P i­
menta n. 44 de 1902). “ A victoria do Estado, guiada p cor­
recto Chicão, o pontífice das cavallariças de p alacio” . (J o r ­
nal do R ecife n. 227 de 1916).
Vida — Prostituição. Cahir na vida; mulher da vida.
Vida de Lopes — Regalada, folgada e milagrosa. Sobre
a origem desta phrase, vulgarissima, e de um caracter geral
escreve João R ib eiro : “ N o Brasil corre a phrase, Passar v i­
da de Lopes, como significando passar vida regalada e de
prazeres; aqui sempre attribuiram este cognome ao dos ty-
rannos do Paraguay. A phrase é, porém hespanhola e este
Lopes é o grande poeta Lope de Vega; os adagios castelha­
nos registram-na sob outras variantes, e no prologo das edi­
ções ;das Poesias selectas (M adrid, 1882) pg. V II, leio as pala­
vras que se referem ao grande poeta: “ veniam muchos a Ma­
drid por solo conocerle," y para calificar una cosa de buena
se adoptó generalmente el modo antonomastico de decir que
era de L o p e ” . Dahi se vê, que a phrase vem de fins do secu­
lo X V I ás tres prim eiras décadas do seculo X V II, uma vez
que o celebre poeta hespanhol Lope de Vega nasceu em 1562
e m orreu em 1635. D iz o re ferid o escriptor, que o Brasil r e ­
cebeu a phrase naturalmente na ultima metade da usurpa­
ção hespanhola (1580-1610).
Vidão — O mesmo que vida de Lopes. “ A i que gosto, meu
Deus! que vidão.” (A m erica Illustrada n. 3 de 1880). “ A
qu illo é um vidão de regalos, um verdadeiro m orrer de pas­
sar bem. (Lan tern a Magica n. 559 de 1898).
Vidóca — O mesmo que vida de Lopes e vidão. “ Que
tal a vidóca Do padre tabóca! (A Carranca n. 25 de 1847).
“ Bravo; Sinha Noca, que bella v id ó c a !” . (O Barco dos T ra ­
ficantes n. 29 de 1858). “ Ora que vidóca! E digam lá que
sêr senhor de engenho é cousa ru im ” . Lanterna Magica u.
559 de 1898).
V id ro molle — Escremento, . “ Os rapazes não precisant
da tal mocinha nem mesmo para lavar os pés, ainda mesmo
estando sujos de vid ro m olle” (A Pim enta n. 663 de 1908).
Vigarista — Passador de Conto do V igário. “ P reso o v i­
garista, fo i incontinente rem ettido para o xadrez do R e c ife ” .
(O Estado de Pernambuco n. 16 de 1924). “ V erifican d o o quei­

787
xoso tratar-se de um vigarista tentou prendel-o, o que não
conseguiu” . (Jornal do R ecife n. 69 de 1915). “ Os vigaristas
do R ecife ainda encontram gente que facilm ente lhes sirva de
victim as” . (D ia rio de Pernambuco n. 93 de 1915).
V inagre — Agiota, usurário, que empresta dinheiro a ju ­
ros excessivos. “ A m aior parte dos nossos capitalistas ren e­
gando a sua origem de vinagres, pretendem transform ar-se
em barões” . (O Vapor dos traficantes n. 109 de 1859). “ Em
m atéria de dinheiro, é um vin agre.” ( A Lanceta n. 5 de 1889).
“ Os viangres estão esgotados; já não emprestam nem um to s ­
tão.” ( A Pim enta n. 12 de 1902). D erivados: Vinagrada, vina­
greira, acção de vinagre, negocio de arrancar a pelle e o ca­
bello. “ O Monte de Soccorro vai começar a queima das joias
que lá tem de escabeche. Esta vinagrada ninguém poderá d i­
zer que é ju d icial” . (O Diabo a quatro n. 149 de 1878). “ E
vai dahi dar com um famoso pato no prego, e d e p o is ... na
vin agreira.” (Id em n. 156 de 1878).
Vinhatico — Especie de Am arello, arvore das nossas flo ­
restas, da fam ilia das Leguminosas, cuja madeira, de um a-
m arello escuro, com veios verm elhos ou quasi pretos, on dea­
dos, é muito apreciada pela sua belleza, nas obras de m arce­
naria. Madeira de prim eira qualidade, tem tambem muita ap-
plicação nas construçcões navaes.
Vinho de outra pipa — Uma cousa m elhor que outra;
de qualidade superior; A h ! isto agora é vinho de outra pipa!
Vintem — Moeda de cobre do valor de vinte e quarenta
reis, um e dous vinténs, de origem colonial, havendo em ou­
tros tempos uma de oitenta reis, e sobre o- que occorre en­
tre nós o seguinte, de um caracter particularm ente region al:
Possuir seus quatro vinténs; avezar algum vintem ; ter o seu
vintenzinho no canto: possuir alguma cousa. “ T od o elle è
festa e banzé, porque aveza algum vin tem ” (A Pim enta n.
16 de 1901). Ganhar o seu vintenzinho: trabalhar, trabucar a
vida. Sem vintem : na onça, em quebradeira, na pindahyba.
“ Anda a nenhum, sem vintem, Esse a quem chamas teu
bem ” , (A Pim enta n. 53 de 1902). Tres vintén s: honra, pure­
za, virgindade. “ Tres vinténs de cobre novo Eram todo o
meu h aver; Ciosamente os guardava Com receio de os perder.
Si fo i a q u i... si fo i alli, Não sei bem onde os p erd i” . (A P i­
menta n. 89 del902). Dictados populares: Guarde os seus
quatro vinténs, e fale com quem não os tem; Quem tem o
seu vintem bebe logo; Um conto de reis sem um vintem não
é conto de reis; Vintém poupado vintem ganho (Legenda
das moedas de 20 reis, um vintem, da re p u b lic a ); Mais vale
um gosto que quatro vinténs; Não vale nem um vintem xen-
xem (V. x en x em ); Patacà e meia, tostão, tres vinténs, quan­
to é?
V iola — P eixe do mar, já registrado por Geronym o V il-
lela.
V iolão — Carro fúnebre dos ehamados de caridade, o mes­
mo que rabecão. “ Dizem que o lampeão do posto m edico da
rua do Cabugá fo i arranjado de um violão da casa de en­
terros do A g ra ” . (A Pimenta n. 48 de 1902). Partido p olitico
de vida ephemera, que surgiu com o advento da republica
em 1889, chefiado pelo Dr. J. I. Martins Junior, composto
dos chamados republicanos historicos, os da propaganda e
seus adherentes. “ As cousas não estão cheirando bem ao
chefe dos violões.” ( A Lanceta n. 42 de 1890). “ Sr. P re s i­
dente, Nós, os violões enferrujados p or cima e deslocados por
baixo, deixamos esta gangorra” . (O Tam oyo n. 29 de 1892).
V ira — V. tigre — “ Alguem representou um ridicu lo pa­
pel e não se lembre de representa-lo mais para não ficar
conhecido como successor dos antigos v ira s” . (A m erica II-
lustrada n. 35 de 1877).
Virada — Giro, passeio: Dar uma virada.
V ira-folh a — Mudável, inconstante, instável, variaveL
“ Tudo guabiru’, tudo vira-folha, tudo amigo dos seus inte­
resses unicamente” . (O Vapor da C alifórn ia n. 12 de 1849).
“ Não sei como o vira-folh a fo i assim tão m altratado” . (O
Paladim n. 28 de 1852). “ Um o fficio so cascabulho v ira -fo ­
lh a ” . (A m erica Illustrada n. 39 de 1880).
V ir o Carmo velho abaixo — Fazer grande escarceo p or
uma cousa ou questão de nonada; tempestade em copo d’ a-
gua. Vai m exer com as cousas de teu pae, que vem o Carmo
velh o abaixo. A locução vem da dem olição do p rim itivo con­
vento do Carmo, do R ecife, botado abaixo para a construc-
ção do moderno, o actual, e dahi fica r o local com o nome
de Carmo velho, que desappareceu com a construcção das
ruas adjacentes.
V ira r — Nas locuções: V ira r a mão, apoderar-se, tirar,
furtar. “ O confidente ilhéo perneta, no cortiço a mão v iro u ” .
(O Barco dos Patoteiros n. 73 de 1865). V ira r aço para a pa­
rede, não im pedir a vista, a luz, álguem, pondo-se de perm eio.
“ Não tire aquillo que não póde dar; tire-se da luz: dê vista
ás partes” . (D . Francisco M anoel). V ira r o cópo, beber, em-
briargar-se. V ira r o cotovello, enganar, passar uma fo rq u i­
lha. V ira r o beco, fugir, desapparecer.
Visagem — Subterfúgio, artimanha, tapia. Não venha
com as suas visagens p ’ra minha banda que não pegam.
V isita da saude — Certa m elhora ou a lliv io p or que
passá um m oribundo pouco antes do seu fallecim ento.
Visita de cóva — Rom aria á sepultura de uma pessôa
querida no septimo dia do seu fallecim ento. Depois da mis­
sa, foi a fam ilia á visita de cova no cem iterio.
V ispora! — Adeus! acabou-se! foi um dia; cousa que não
se consegue; negocio que fracassa. “ Pedindo o governo umas
listas de casas suspeitas, vispora! foram -se! (Caneca, 1822).
“ Empréstimo de trezentos contos á Companhia Pernam buca­
n a ... vispora! (O Diabo a quatro n. 109 de 1877). Nom e
vulgar o jogo do loto: Jogar vispora.
Vista-gorda — Contemporização, tolerancia; deixar o
pau correr frouxo. “ O inspector da alfandega faz vistas-
gordas sobre os abusos da repartição e tudo deixa correr á
re v e lia ” . (A . d’ E. Taunay).
Vista parda morena — Diz-se dos animaes atacados de
p ara lysia n o nervo optico. “ Deixou um quartáo fa m o s o ...
A vista parda morena, Cego da gotta serena” . (A Herança de
Dindinha).
Viuva — Ave do archipelago de Fernando de Noronha,
palmipede, da fam ilia dos mergulhadores, de umas tres espe­
cies, caracterizadas p or certas particularidades na sua pluma­
gem : viuva preta de estrella branca na testa, preta de peito
branco, e de pedra ou cinzenta. As viuvas são de uma p ro ­
digiosa’ producção de ovos, de grande consumo local, vivem
nas escarpas dos rochedos, e alimentam-se de pequenos p ei­
es que apanham num rapido mergulho. “ Sahem da gruta
viuvas Tristes gemidos s o lta n d o ... viuvas e mombebos, são
feios e tristes” . (Jeronym o V ille la ). “ Viuvas adejam, M ergu­
lham nas aguas; E as brizas bafejam Pejadas de magoas”
(Gustavo A d olph o).
Viuvinha — Folguedo de crianças, composto de bailado
e canto proprio, que começa com estes versos: Eu sou viu ­
vinha Das bandas d’alem, Quero-me casar Não acho com
quem ” . “ Cançadas de dançar o baião, passaram ao côco, ao
bagaço, á viuvinh a” (Juvenal G aleno). Viuva que não se p or­
ta bem : alegre, d iv e r t id a ...” Mamãe se damna com o aSsa-

790
nhamento de certa viuvinha na igreja de Beberibe.” (A P i-
menta n. 654 de 1908).
V iv io — Pequeno passaro assim chamgdo pela expres­
são do seu p roprio canto. Vem já registrado por Jeronymo
V illela.
Vogar — M erecer ou não certa consideração, influencia,
predom ínio. Você aqui não voga; não dá voto.
V olta — Vantagem em dinheiro ou uma cousa qualquer
que se dá á mais, no negocio de uma troca. João trocou a
sua casa com a de Pedro, e teve de volta um cavallo.
Voluntário de corda — Era assim chamado o indivíduo
recrutado ou que a contra-gosto, coactivamente, seguia p a r i
a campanha do Paraguay (1865-1870) com o nome de V olun tá­
rio da Patria.
V om itorio — Mulher feia. “ Moça feia é vom itorio.” (O
lfin ete n. 10 de 1890). Tangente, estratagema, astúcia, p r o v o ­
cação, para conseguir de alguem a revelação de um segredo,
de qualquer occurrencia, ou de um crim inoso a confissão do
elicto. D ei-lhe um vom itorio tal, que o cabra cahiu de quar­
tos e poz tudo em pratos limpos.
Vosmecê — Corruptela de vossa mercê ou de vossemecê.
“ Geralmente em todo o Brasil pronunciam vosmecê p or vos­
sa mercê, que em S. Paulo ainda mais atrophiam por m ecê” .
(Pacheco JJuniotf).,
V ote! ou votes! — O mesmo que T ib e ! (V .) originado da
phrase latina V oe tibe!, que vem dos tempos clássicos de
V irg ilio e de H oracio. “ Que safadeza! ora vote! Isto assim
vai muito m áo” . (O Diabo n. 7 de 1883). “ V ai com a tua boc-
ca para a maré. V o te s!” (Pernam buco n. 165 de 1913). V o ­
tes: digo eu. Isto é lingua de gente, seu Sandoval?” (Jornal
do R ecife n. 21 de 1915).
V o vô — Nom e infantil de avô, fazendo fem inino em
vovó.

791
X

Xabrégas — troca-tintas ahi qualquer.


Xadrez — Calabouço de quartel ou posto p olicia l; p ri­
são. “ Até em xadrezes de fortalezas prenderam-se os filhos
do povo, no tempo do Sr. Dr. Figueira de M ello.” (O P ovo n.
63 de 1856). “ P o r ordem do commandante vai ser recolhido
ao xadrez a praça Arm ando Cobaia.” (A Pim enta n. 43 de
1902). “ Preso o vigarista, fo i incontinente rem ettido para o
xadrez do R ecife.” (O Estado de Pernambuco n. 16 de 1814).
Xará — Individuo que tem o mesmo nome proprio de
outro; o seu homonymo. “ Tratam ento fam iliar de que usam
entre si as pessoas que tem o mesmo nome de baptismo: José
da Silva é xará de José dá Costa. Meu xará, minha xará.”
(Beaurepaire Rohan) “ O’ P ed ro d ito s o !... L á de São Chris-
tovão O vosso xará Fazei que despreze Essa gente má.” (O
Campeão n. 77 de 1862). “ O typo é xará de quem escreve esta
secção.” (A Pim enta n. 22 de 1902). Term o da lingua geral dos
indios com a significação de meu nome.
Xarapim — O mesmo que .xará. “ Salto como um camarão,
Com a minha xarapim .” (A Carranca n. 54 de 1845). “ O xa­
rapim recebeu os louros da sua bravura.” (A m erica Illustrada
n- 26 de 1880). “ Se o nosso xarapim n o s ‘honrasse, correspon­
dendo á visita que lhe fizem os” .. . (O Binoculo n. 43 de 1882).
Xaréo — Pêta, mentira, potóca. Oh! que xaréo bem p re­
gado! Especie de peixe do mar, de couro, muito vulgar, o
guiára dos indios. Este peixe, que attinge a mais de m eio me­
tro de comprimento, e de tres especies conhecidas, o preto,
am arello e verdadeiro, tem a singularidade de conter dous v e r­
mes brancos, bastante desenvolvidos, dentro da cabeça e late­

792
ralm ente dispostos, que é preciso extrahil-os para não dam-
n ificarem a carne, tornando-a adocicada, como dizem. “ A
grande copia, que nos mares topa, A multidão vulgar do xaréo
vasto. Que ás pobres gentes subministra o p a sto .” (Santa Rita
Durão)- “ Não ha mesmo quem o abarque; vem gordo qual
um xaréo.” (A Pim enta n. 501 de 1906). “ Eu comi cação, A r ­
rotei xaréo N o m eio do mundo Olhando p ’ra o céo.” (Versos
de uma chula).
Xendengue — Pequenino, m agrizela, enfezado. “ Junto a si
uma Vaquinha, muito safada, xendengue.” (A m erica Illustra-
da n. 7 de 1877). Tèrm o de origem africana, do quinbundo,
ndengue, pequeno, tem tambem curso no Ceará, mas com a ex ­
pressão de hom eip ou cousa sem valor.
Xente — Carruptela de gente, e só usada na phrase vu l­
gar do populacho, O’ xente!, còmo manifestação de duvida,
sorpreza, admiração. “ O* xen te! Que dram a! Que sorte tão
crua! Inté a madama N o mundo da lu a ? ” (Jorn al do R ecife
n. 44 de 1915).” O* xente, gente, Pois faze revolução, E eu não
entro no s erv iç o ? ” (C fran o & C.)
Xenxem, ou xanxã — Moeda de cobre de 10, 20 e 40 rs.
clandestinamente cunhadas, e em circulação á partir de 1829
quando . começou a sua contrafacção, que se tornou, por as­
sim diz^r, geral em todo o paiz. Entre nós porem , tinham cur­
so não somente as moedas de fabricação local, como tambem
outras importadas do estrangeiro, com as devidas precauções,
em facturas de barris de breu ou de pregos, convenientem ente
numerados, mas com aviso p revio ao im portador de que os de
taes e quaes números eram os de moeda. De p erfeito trabalho
de cunhagem, tinham estas liv re curso, e até nas estações pu­
blicas, occorrendo mesmo casos, e não raros, de ser aprehen-
didas as verdadeiras, cunhadas na Casa da Moeda do R io de
Janeiro, como dinheiro falso! “ D ei para contrabandista, e
despachei centenas de contos de reis de moedas xenxem, que
mandava v ir em barris de breu.” (O Form igão n. 21 de 1850).
O poema A Colummeida, de 1832, fala já do xanxã, então c o r­
rente, e de uma fabrica de cobre, “ Porque isso de xanxã não
é b rin c a d e ira ... Gosmento e remeloso, V iva em vez de falar,
Sabe chenchem cunhar.” (Enigm as do Lucas, 1833)' . “ Com
que consciência farão beicinho para despender uns trinta c
dous vinténs, muitas vezes tirados ainda quentinhos da sua
mesma fa b ric a ? ” (A Miscelânea P eriodiqu eira n. 2 de 1833)-
A cunhagem clandestina do xenxem, entre nós, veio “ logo que
por desgraça nossa se levantou consideravelm ente o va lo r no-
minai da nossa moeda, mormente a de cobre, e assim, os es­
peculadores de moeda falsa surgiram de todas as partes, e
appareceu o tal chanchã.” (O Carapuceiro n. 15 de 1840). T e ­
mos assim fixada a epocha do apparecim ento deste dinheiro
falso, e portanto, do vocabulq, da sua vulgar denominação, uma
voz onomatopaica, do som que produzia a moeda ao jogal-a
ao chão; verificando-se d’est’arte, que Rodrigues de Carvalho
labora em erro dizendo no seu Cancioneiro do Norte, que,
as moedas de cobre de xem-xem eram de emissão colon ial! A
fabricação do xenxem entre nós atingiu ás raias do escandalo.
“ As fabricas de chanchã, escreve Lopes Gama, chegaram a
um numero prodigioso, e então appareceram especuladores
volantes, os quaes, se haviam de tomar o encommodo, e sugei-
tar-se ás despezas de tal fabrico, ajuntaram-se em bandos, e
o seu ramo de industria era em polgar as fabricas de outro;
á mão armada. Houve recontros, deram-se batalhas p or cau­
sa de uns defender as suas machinast, outros de as surupiar.
Os riscos, os prejuízos de tal especulação foram a entibiando
até que quasi por si mesmo cahiu o tão universal negocio de
chanchã.” (O Carapuceiro n. 13 de 1839). O desapparecimento
de taes fabrica^, si bem que demorado, veio de energicas m e ­
didas repressivas tomadas pelo governo, já um pouco tardia­
mente, com a L e i de 3 de Outubro de 1833, mandando re co ­
lh er as moedas de cobre em circulação, e repressivam ente
proceder contra os fabricantes da falsa. Mèsmo assim, ainda
em 1835 vogava o dinheiro falso, vindo dahi o p eriodico O
Aristarco, a declarar, que a sua assignatura, de Junho daquel-
le anno p or diante passaria a ser de trezentos e vinte reis em
prata, era vez de 640 reis, por causa do máo cobre que então
corria. Récolhido em fim todo o dinheiro de cobre ficando
somente emj circulação o de peso legal,, e cortado e inutili-
sado o que não o tinha, e com o apparecimento do papel m oe­
da e da prata, cessou em fim o abuso do xenxem, em: epocha
porem, que não é dado precisamente fixar. “ As ladroeiras de
m aior vulto que praticou foram, ter possuido uma fabrica de
moeda falsa no tempo do chenchem, onde bateu e fundio co­
bre como trinta.” (O Form igão n. 7 de 1850). O vocábulo po
rem ficou, em vóga, corrente, mas como expressão deprecia­
tiva para ridicularisar a uma pessôa ou mesmo uma cousa qual­
quer, e dahi o dictado: Não vale um vintem xenxem. “ Não
sou praia, não sou nada, já não sou opposição, sou republi­
ca chenchem.” (O Rrado da Razão n. 2 de 1848). “ Si um é

794
pharmaceutico xenxem, o outro é deputado xenxem .” (L a n ­
terna Magica n. 113 de 1885). “ Antes viver sem cabeça, do que
v iv e r com( ella, mas com cabeça xenxem .” (Idem , n. 259 de
1889).
Xerem — A parte grossa do milho pisado que fica na uru-
pema ou peneira. “ Faz gallinhas pisar m ilho E pinto cessar
x e r e m ... No pilão que eu piso m ilho Pinto não come xerem .”
(C ancioneiro do N o rte ). “ Deixe-se de historias seu Campo
Salles (fala o C u stod io); eu não cahi no alcapãó do Floriano,
quanto mais no seu que não tem xerem .” (Lanterna Magica n.
060 de 1901).
X exéo — Passaro canoro (Cassicus), muito vulgar e
afpreciado. Fr. Vicente do Salvador já particularm ente o re ­
gistra, escrevendo: “ Ha uns passarinhos chamados Tapeis,
do tamanho de melro, todos negros e as azas amarellas, que
remedam no canto todos os outros passaros perfeitam ente os
quaes fazem os seus ninhos em uns saccos tecidos.” E ’ p rover
bial essa habilidade do xexéo em arrem edar o canto, de ou­
tros passaros, que afinal corrompem-no continuando a ou-
vil-o. Tem porem] o seu cantar proprio, bellissimo, harm onio­
so, no correr do qual pronuncia repetidam ente como que uma
palavra, que parece exactamente com esta do xexéo, que lhe
deu o nomje vulgar, bem como estes termos de pura latinidade,
qui, que, quod, no tom de uma phrase. “ X exéo engraçado
Gentil mangador Das aves brazileas O encanto e a f l o r . . .
Das aves imitas O vario gorgeio, N o canto suave De harmonia
cheio.” (N atividade Saldanha). “ Chico braço, Chico braço
'1 e ergue e tira o chapéo Para ouvires a quem já fez A lua
parar no céo Num canto mais afinado Que o dum magoado
xexéo.” (Versos populares). E ’ porem porco e catingoso, e
dahi estes versos da trova popular; “ N egro preto,, côr da noi-
íe, Tem catinga de xexéo, Tom ára Nossá Senhora, Que negro
hão vá ao céo.” Ninho de xexéo: Cabellos bastos, em desor-
üem , ou de um penteado volumoso. “ Substituía o chapéo um
bellissim o ninho de xexéo com enfeites.” (A Pim enta n. 13 de
1902). Xexéo de bananeira. V. Encontro.
X i! — Dicção interjectiva de admiraçã^, espanto, sorpre-
za. “ X i! Gente m uita!” (Lan tern a Magica n. 471 de 1895). “ As
creanças prorom pem numa algarra: xi!, que bananas pampar-
ra s !” (Idem , n. 750 de 1903). “ X i? que potoca! Esta ninguém
aguenta.’.’ (A Pimtenta n. 381 de 1905).

795
Xicàca — Bodega>. espelenca, véndòla ou quintanda chin­
frim.
X ila — T ecido de algodão para roupa. “ X ila era um algo­
dão liso, finq, com quadros azues de padrões diversos, fazen­
da muito popular e para toda sorte de ro u p a s ... Os meninos
das fam ílias abastadas vestiam sungas,y accumulaçãò de ja ­
queta e calções em uma só peçq, que os pobres faziam de
xila. ” (João B rig id o ). “ Não era de esperar que ignorasse o
facto publico e notorio de ter sido João da Silva Rego quem
fez o donataivo de 900 peças de zuarte e 600 de xila para o
fardamento dá tropa rebelde.” (D efesa de Gervasio Pires
Ferreira, 1817).
X ilin d ró — Xadrez, prisão correcciònal. “ Este covardei,
Deus louvado, já está m ettido no x ilin d ró .” (O P ovo ft. 69 de
1856). “ Quanto a algum damnado, ahi está a justiça para o
m etter no x ilin d ró .” (O Vapor dos Traficantes n. 224 de 1860).
“ O subdelegado da Encruzilhada metteu no xilin dró um c a ­
pitão da guarda nacional.” (Jornal Pequeno n. 31 de 1915).
O termo porém já vai com os seus cajús; “ Os o ffic ia ts que
faltarem , nos dias 11 e 25 de Março não foram presos; porem
nenhum escapou do xilin d ró por faltar no dia 7 de A b ril.” (A
Ponte da Bôa Vista n. 2 de 1836).
Xim bre com ximbre, retalho da mesma peça. — In d iví­
duos iguaes, da mesma laia; cousas semelhantes, da mesma es­
pecie. Esta locução clula é uma corruptela, ou antes, talvez,
uma deturpação da phrase latina: Sim ilis cum similibus fa cile
congregantur. “ Estão hoje unidos. Sepárar-se-ão na escolha
do presidente da republica, p or cuja cadeira tanto um como
outro dá a vida. X im bre com xim bre; retalhos da mesma chi­
ta.” (D ia rio de Pernambuco n. 12 de 1916).
X ingar — Zombar, troçar, ridicularisar, Você' me x in ­
gou de feia M e xingou de cousa má; A gora quer agradinhos?
A ca b o u -s e ... já não há. (T ro va s populares). “ Não botes ca-
langa, g a n jã o ... não te engambelaremos, nem te vin gare­
mos, pinoia.” (Am erica Illustrada n. 25 de 1883). “ R epellido
pelos padres, xingado pelos rabulas do fôro, descontente do
g o v e rn a d o r... Atravessar as ruas da cidade, xingado pelo
negro, praguejado pelo branco.” (A ra rip e Juinor), D erivado:
Xingamento. “ Oh! para que este xingamento nos camaradas?”
(O Capibaribe n. 23 de 1848). A lberto Bessa registra o termo
como brazileiro, fazer zombaria, o mesmo que o troçar, por-
luguez; e S ylvio Rom ero, igualmente, com as expressões de
insultar, descompor, diz que é um vocábulo de origem a fri­
cana, o que corrobora Beaurepaire Roham, dizendo que vem
do verb o Cu-rit’ xinga, da lingua bunda. O termo porem, não
é restrictam ente nosso, regional, uma vez que o fom os encon­
trar tambem nos Chilenismos dc Zorababel Rodriguez com
com as consoantes expressões de zombar, motejar, troçar, e
muito usado em estylo fam iliar e jocoscj oonclüindo: “ Por
extension décimos que se chinga la persona que fracasa en
alguna empreza, especialmente cuando el fracaso tiene em
si algo de ridiculo. Tambem se chinga Ias fiestas que no
tiénen el feliz éxito que sus organizadores presum ian.” Ha
portanto, completa harmonia de vistas entre o nosso xingar e
o chileno.
X (x is ) — Moeda de cobre de dez reis, marcada com um
X, originaria dos tempos coloniaes, e ainda corrente mesmo
depois da nossa emancipação politica até certa epocha. Fóra de
circulação assim;, ficou porem o X indicativo do seu pequeno
valor em vóga para indicar o estado de penúria de alguem,
que nem ao menos possue uma simples moeda de dez reis;
N ão tem nem um X, ou uma de X ; e concurrentemente, com o
termo d ep reiiativo do caracter de uma dada pessôa ou do v a ­
lor de uma certa cousa: Não vale um X ; não deu nem uma de
X. “ Quasi todos os taes janotas vivem sem um X no bolso.”
(Jornal Pequeno n. 51 de 1916). “ Chamado para o prestamen-
to de contas o cobrador, confessou descaradamente não ter
em caixa nem um^X.” (Jornal do R ecife n. 22 de 1916). A n ­
dar fazendo X : ebrio canbaleando. “ Não houve arrelios nem
piparotadas na folgança, mas a m ocidade sahiu fazendo um
an avant de xis goth ico.” (A pim enta n. 20 de 1901).
X. P. T. O. — Cousa bôa,, bonita, m agnifica, excellentè
“ P ois olhe, p or isto mesniq, não lhe conto cousas de X. P. T.
Q. London.” (O V apor dos Traficantes n. 236 de 1860). “ Um
caso X. P. T. O. do am or” . (A Pim enta n. 36 de 1902). “ E um
caloteiro da marca X. P. T. O.” (Id em n. 400). Estas iniciaes,
com aquellas expressões particulares, e já em vóga entre nós
desde muitc), como vimos, não é originariam ente brazileira.
V ulgar na giria portugueza, Alb erto Bessa a registra como um
termo papular, com as expressões de m agnifico, excellente, de
prim eira ordem , exem plificando: F o i uma funcção de X. P. T.
O.; e Aulete, concurrentemente, como uma palavra burlesca
empregada parà sign ificar excellencia ou p rim or de alguma

797
còusa. Estudando o Dr. Castro Lopes a sua origem , escreve:
“ Uma fabrica ingleza rem;e ttia para o R io de Janeiro certa
m ercadoria- (parece que eram cobertores de lã ) com a marca
X. P. T. O. London. Era esta m ercadoria a m elhor no seu ge
n ero; nenhuma lhe levava vantagem ; de sorte que, qualquer
outra da mesma especie, que não tivesse aquella marca com-
m ercial (tra d e m ark) não podia com ella c o m p e tir... As qua­
tro letras, que toda a gente pronuncia como as do alphabeto
portuguez, são quatro caracteres do alphabeto grego), e rep re­
sentam a abreviatura da palavra C hristo; e London, escripto
p or baixo das taes letras, o nome da cidade d ’onde procedia
a m ercadoria.” Esta niterpretaçào não é original, porquanto
Aulete, já anteriorm ente escrevia,, que vem do erro de leitura
da abreviatura grega da palavra Christo. Seja como fôr, p o ­
rem, trafa-se de uma phrase portugueza, de interpretação des­
conhecida, muito antig^, e originariam ente X P T O Cartaxo,
com o escreve João R ibeiro, dizendo que assim vem registra­
da em um curioso vocabulário de plebeism o dc seculo X V III,
ou como diz T heoph ilo Braga, um precioso catalogo alphabe-
tico de palavras da giria e de modismos ou locuções popula­
res, que vem no curioso liv ro Enferm idades da lingua, ou arte
que ensina a envudecer para melhorar, escripto p or M anoel
■'José de P aiva sob o pseudonymo de Silvestre S ilverio da Sil­
veira e Silva, impresso em Lisboa em 1700.
X ixisbéo — T olo, bestalhão, troca-tintas; um typo ahi
qualquer, desprezivel. “ Antes quero dizer ao grupo chichisbéo
Que, logo encontre o Chile, o mande ao Panamá.” (D ia rio de
Pernambuco n. 227 de 1915). O termo é tambem vulgar no
Ceará, mas corrt a expressão particular de pelintra; e vem já
registrado p or Moraes, como moderno, usual, mas com ac-
cepções outras. Escreve elle chichisbéo, attendendo, natural­
mente, a sua origem^ do italiano cicisbeo.
X i-x i-x i — Chuva miúda, constante, demorada, im p erti­
nente), com o assim é tambem chamada no Ceará. N o Piauhy,
porem, chama-se arenga de mulher.
X ô — Voz in terjectiva com que se tangem os animaes e as
aves gallinn aceas. “ X ô ! x ô ! gallinha V ai p ’ra tua cam arin ha.”
(Parlen da da lua). “ Xô, b e s ta s !... para a Tab ú a!” (O Clarim
da Fama n. 2 de 1863). “ O’ que perú intpertinente! Xô, xô,
b ic h o !” (A D errota n. 9 de 1883). Azoaçãq, trote, vaia; acção
de mandar sahir, despedir, ir embora, mas com arrogancia,

798
acinte,. desprezo: Dar, levar um xô. “ X ô ! apre! ir r a !” (M a r­
tin s). “ O Alpheo levou um xô de sua noiva.” (A Pimjenta n. 5
de 1914). “ Xô arauna! Nunca v i cousa tão sem falta de geito.”
(Jornal do R ecife n. 27 de 1916). Sobre a etym ologia do ter­
mo, vem, naturalmente, do verbo enxotar, afugenetar, fazer
sahir de um lugar, empurando ou batendo; deitar fó ra ; como
define Aulete.
Xodó — Nam orico, chamegq, azeitação. “ Nas convulsões
do xodó, sacode os quartos, mulata.” (A Pim enta n. 72 de
1902). “ Não se vê mais uma estrella, velha ou moça,, feia ou
que não tenha o seu xodó, o seui em perro.” (Idem , n. 536 de
1907). “ O Manoel anda encavacado com a ama do Antonia,
porque esta não aceitou o seu xodó, e deu-lhe com o postigo
na cara.” (Idem , n. 546). “ Os cavalheiros, xodoram ente acom­
panhados, se devertiam folgada é escondidamente.” (Jornal
do R ecife n. 24 de 1915).
Xuá — Asneira, tolice, descahida. “ Uma cousa com que em­
b irro : os xuás do A lexan d re.” (A Pim enta n. 48 de 1902). Gen­
te de baixa esphera, vadia, desordeira, sem escrupulos: A
gente, o pessoal do xuá. “ O torrado se d ifferen cia do samba
pelo passo da pitada. E ’ por isso que só pode ser dançado por
pessoas do chuá.” (D ia rio de Pernamjbuco n. 204 de 1915).
Xué — Simples, modesto, singello. “ A Yayá compareceu
m uito xué.” (A Pimenta n. 483 de 1906). O termO tem tambem
curso no dim inutivo: Aquellas meninas andam tão xuesinhas,
que não parecem de gente rica. A lberto Bessa registra o termo
como brazileiro, com as expressões de cousa ordinaria; de má
qualidade. “ M oleque cheio de ff. e rr., de um pedantismo mui­
to xué.” (A Pim enta n. 10 de 1914). Moraes registra o vocá­
bulo: Fazenda xué; de pouco corpo e substancia. Ir vestido
muito x u é ; com pouca roupa sobre o corpo, com roupa de bai­
xo preço, ou que faz pouca roda nas saias.
Xumbergar — V. Chumbergar.
Xumbergas — Denominação popular de uma h o rriv el epi­
demia de variolas que irrom peu na colonia na segunda meta­
de do seculo XVII,, assim chamada do appellido ou alcunha do
governador de então, Jeronym o de Mendonça Furtado, Xum­
bergas, como repetidam ente escreve Loreto Couto e não Uxum-
bergas no dizer de Fernandes Gama, vem do uso então em
\óga de uns bigodes ao modo dos de que usava um guapo m i­
litar alemão Fried rich von Schomberg, que na epocha servia
no exercito portuguez, e qual Petroniq, tornava-se o arbitro
IVUVitl* rwuLH.» I
m g c ftS T tL L * j
”* tia eJegancia em Lisboa, imitando-lhe os peralvilhos, como es­
creve A lfred o de Carvalho, o corte dos gibões, a form a dos
chapeosj, e sobretudo o modo particular por que costumava
trazer erguidas em tufos as guias dos fartos bigodes. Como em
outras eras as barbas a Cavaignac ou a Boulanger,. os bigodes
a Sçhom berg tiveram então extraordinaria vóga, chegando
mesmo a ser celebrados pelo poeta lisboeta Antonio Serrão de
Castro, festejado ornamento da Academia dos Singulares, nos
seguintes versos iniciaes de uma decima, com pretenções a
jocosa; “ Bigodes não são pintadosj, Que meu amor não atina.
Ou se os traz á Fernandina Ou á Sçhomberg, tufados.” Os b i­
godes á Fernandina, tambem tiveram vóga entre nós, o é as-
sint que a elles se refere o nosso poeta G regorio de Mattos,
que viveu na epocha, na satyra,. Contra os ingratos m urmora­
dores do bem, referindo-se ás mulheres; “ Oh! quantas e
quantas há De bigode ferm an d in o?” Jeronym o de Mendonça,
portanto, contemporâneo da epocha de Sçhomberg, vindo go ­
vern ar Pernam buco trouxe os bigodes da mod^. e ahi o seu
appellido de Xumbergas, acaso imposto em Lisbôa, ou antes
aqui mesmo, como um ridicu lo atirado em despeito ás suas
arbitrariedades e attentados contra a honra, a liberdade e a
fortuna dos seus in felizes governados, que levados de deses­
pero depozeram-no do governo e o devolveram preso para a
m etropole com um sumario dos seus crimes e onde fo i bem
in feliz. Expandiu-se então em desabafos a lyra popular, vin ­
do ao caso estes versos com relação á peste das bexigas; “ A
peste já se acabou; alviçaras, ó gente bôa! O Xumbergas em­
barcou, E il-o vai para Lisbôa.” Vem dahi o estropeam enlo de
Sçhomberg em Xumbergas, e até mesmo já eruditamente usa­
do pelo Padre Antonio V ieira, escrevendo: “ Xumberg veio ã
corte sentido de se lhe não dar o govern o das armas.” M o­
raes registra o term o Chomlberga, carrupção de Sçhomberg, no­
me de um m arechal allemão, para dar lugar á locução ad ver­
b ial. A ’ chomberga, ao uso do marechal Shom berg. Casas a
Chomberga; pequenas; cochicholos; mas já não sendo seguido
pelos m oderios lexicons. Cremos porem, que é vestigio das
fanfarronadas daquelle teuto general o term o Chambergas da
giria portugueza, dado a um individuo que quer passar por
valentão; jactancioso; fan fa rrã o. De tudo isto concluimos, que
Xumbergar, que deixamos registrado, Chumbergar, porque as
sim encontramos nos trechos da sua documentação, vem de
Xumbergas, e concurentemente Chumbergar, da girià cea-
rense.
800
Y
Y ô y ô — Appellido fam iliar, intimo, affectivo, dado aos
meninos, form ando o fem inino em yayá, e ainda com m aior
expressão affectiva, o dim inutivo de yôyôsinho, com o femi-,
nino p rop rio de yayasinha. “ Quantas delicias me deu P e r­
nambucana yáyá, Quando de mim se escondeu nos banhos de
Caxangá?” (D a poesia Am ores Brasileiros, do Dr. Q u eiroz).
“ Papagaio, periquito, Saracura, sabiá. Todos cantam, todos
bebem A ’ saude de yayá.” (T ro v a s populares). Yayá eu pos­
so, com você botar negocio, entrar de caixeiro e sahir de so-
cio? (D lctado p op u lar). Y ô y ô é, não ha duvida, alguma, uma
corruptela, ou antes, uma fôrm a estropiada da palavra senhor,
pelos escravos africanos para assim chamarem aos filh os dos
seus senhores. “ A ’ negra africana, escreve A rarip e Junior,
igualmente deve-se a creação do petulante e vicioso yoyô.
Com ella ensaiou-se o adolescente nas prim eiras batalhas do
am or.” No sul, porem, diz-se nhonhô, nhanhan, com os d i­
m inutivos decorrentes.
z
Zebelê — A ve gallinacea (Crypturas noctivagus» N ie w ),
especie de nambú, porem maior, do tamanho de uma franga,
e de canto monotono, que mais se faz ouvTr durante a noite.
“ Entre as voláteis caças mais mimosas, A zabelê, que os fran-
eolins imita, E ’ de carae suave, deliciosa, Que ao tapuia voraz
a gula incita.” (Santa Rita D urão). Segundo Rohan e Fau-
lin o N ogueira o nome vulgar desta ave é onomatopaico, e á
juizo deste ultimo escriptor vein do seu canto, que parece d i­
zer: zabelê. Theodoro Sampaio porem, diz que é um vocábulo
de origem tupi, corruptela do caberê, ou- eçaperê, composto
de eçe-perê, olhos encascados ou cheios de caspas. N o alto
S. Francisco ha uma pequena ilha chamada do Zabelê.
Zabumba — Barriga crescida, volumosa, da mulher gra­
vida, ou de esperanças, segundo a phraseologia moderna: es­
tar de zabumba; ventre inchado, tym panico ao tocar-se, por
uma circumstancia m órbida qualquer. Zabumba segundo os
lexicons modernos, é o nome chulo ou popular dado ao bom ­
bo, instrumento de percussão; antigamente, porem, como es­
creve Bluteau, era o mesmo que zaz, partícula onomatopaica,
para exp rim ir o som da pancada, que se dá. O term o entre
nós, já na accepção daquelle instrumento, vem da segunda
metade do seculo X V III, porquanto, como escreve Lopes Ga­
ma fo i “ quando governou Pernam buco o general José Cesar
de Menezes (1774-1787), que appareceu aqui o zabumba pela
prim eira v e z ” . O Càrapuceiro n. 15 de 1837). O zabumba é o
instrumento pophlar, pl’ edilectoy íjisteperavíel,' dos nossos
sambas, batuques, maracatu’s, p a s to ril e Zés-pereiras e cons­
tituindo como que, a nota predominante, característica, da-
803
quelles divertim entos populares. “ Não havia zabumba; esfriei,
e puz-me ao fresco.” (A m erica Illustrada n. 47 de 1887).
“ Agora temos fuguetes, logo resòa o zabumba.” (A Duqueza do
Linguarudo n. 107 de 1877). “ Attenção! pare o zabumba! que
eu vou cantar acções, acções de arrom ba.” (O A rtilh eiro n. 4!5
de 1843). Nas bandas de musica, quer militares quer não, tem
o bombo o nome vulgar de zabumba, e dahi zabumbeiro, como
em geral, o tocador do instrumento. “ O moço zabumbeiro está
no meio da sua gente.” (Am erica Illustrada n. 41 de 1878).
Zabumbar — Importunar, aborrecer, atucanar. “ Posso
dizer, sem zabumbar a paciência, que em tudo isto mal algum
houve. (Jornal do R ecife n. 157 de 1916).
Zambêta — Que tem as pernas tortas; cambaio, zambro.
“ Um certo com m ercirnte zambêta que diz ter cara dura e que
ninguém o en fia” . ( A Pimenta n. 67 de 1902). “ Zambêta mettido
em dança.” A Lançeta n. 166 de 1913).
Zangão — Indivíduo que trabalha no serviço de correc­
tor geral da praça, mas sem o competente titulo legal. “ A praga
de zangões, que hoje invadem a praça, é uma grande calam i­
dade (para o com m ercio.” (O Brado Nacional n. 3 de 1864).
“ Zangão da praça-, é mais conhecido pelo appellido do que pe­
lo nom e.” ( A Pimenta n. 12 de 1901). Solicitador de causas
não provisionado. “ Continida a form ação da culpa do zangão
do fôro autor do assassinato occorrido no Café Paris.” (J o r­
nal do R ecife n. 128 de 1916).
Zarro —" Destemido, audaz, vallente. “ O Ventania é ca­
bra zarro, o Ventania é decidido; mostrou sempre á Lagartixa
Que elle é cabra macho.” (A Vacca do B u rel). “ Nada de tre-
goas a essa canalha zarra.” (O Vapor dos Traficantes n. 130
de 1859). “ Agora vou contar a historia de uma professora um
tanto zarra.” (A m erica Illustrada n. 36 de 1880).
Zé — Abreviatura de José, mas geralmente assim chamado
o vendelhão, quer tenha aquelle nome ou não. “ O fiscal pra­
tica as quatro operações da arithmetica com o Sr. Zé da venda.”
(A Lanceta n. 7 de 890). “ Seu Zé da venda com um simples
empurrão atira o caixão vasio das batatas na carroça do lix o .”
(Idèm , n. 41). “ O Zé da venda, de pescoço taurino, ventre ar-
íedondado, inim igo da agua e do sabão.” (Jornal do R ecife
n. 45 de 1916).
Zebedeu — Um João ninguein, um troca-tintas ahi qual­
quer; nome de troça dado a uma pessôa com quem ou de
quem se fala, ou que assim se chama quando se ignora o nome.
“ Zebedeu, praçà de p é . . . Para Palm ares marchou, P elo que lá
se estrepou, Sendo um dos desgraçados, Que voltaram aleija­
dos E p or fim nada ganhou.” (D e uns versos do tempo da con­
quista dos Palm ares seculo X V II). Quem é o pae do filh o de
Zebedeu? (Pergunta de troça ). “ O Sr. nunca sabe nada, b er­
ra o professor! E ’ capaz de não saber quem é o pae do filh o
de Zebedeu! (Jornal do R ecife n. 209 de 1915). Zebedeu é um
nome biblico. de origem hebraica, que quer d izer: dotado,
fluente, vehemente.
Zebroide — Bisbórria, safadana; tolo, im becil; um pobre
diabo. “ Os zebroides a comer, vão enchendo o seu bandulho.”
(A Pim enta n. 403 de 1905). Producto h ybrido do burro e
da zebra. “ Parece que mais do que esta é dom esticável, e
mais airoso do que o prim eiro. Figuradam ente se diz dos que
menos aproveitáveis como intelligencia, garbosamente se pres­
tam aos mysteres da domesticidade p olitica.” (C arlos de L a et).
Zé da vestia — Um lypo ahi qualquer; um troca-tinta, r i­
diculo, desfructavel.
Zé faz form as — O mesmo que Zé da vestia.
Z eferin a — P o r viperina, com as suas próprias expres­
sões, mas somente empregado o termo em tom de troça ou
gracejo. “ Dizem as linguas zeferinas que T hereza A rra ia l está
atacada d a mal de bestas.” (A Pim enta n. 530 de 1907).
Zeguedégue — O penis.
Zélis — Designação depreciativa do portuguez; e extensi­
vamente, em tom de troça ou gracejo, a uma pessoa qualquer.
“ Não cremos que tanta baixeza se ache em b ra zileiro ; pelo
contrario, convencem-nos que isto fo i lembrança de algum
Zeles, que tem vontade de ir se chegando para Pedras de
F o go .” (O Brando do Povo n. 82 de 1855). “ Não passa de um
zelis, immundo, nogento, re le s .” (O Campeão n. 39 de 18S2).
“ Seu Zelis, um robusto filh o da ilha da Madeira não se dando
bem lá pèla sua terra veio para o B razil.” (A Pim enta n. 10
de 1901).
Zé-pereira — Troça carnavalesca com fragorosa musica
apropriada á marcha, renvniscencia do maracatu’ africano. “ O
Zé pereira no carnaval Póde o zabmnba rebentar, Mas depois
desta folia Outros lhe tomam o lugar.” (D o lundu’ V iv a
o Zé-pereira). “ Já se vê pela rua um Zé-pereira num constante
bum-bum am ola d or.” (A Pimenta n. 4 de 1902). “ Escommun-
gára qurntos tomassem parte nos Zés-pereiras.” (A rch ivo Ma-
çonico n. 79 de 1913).
Zé-povinho — A plebe, arraia miuda, o povilhéo. “ E que­
rer com taes tricas arrancar do nosso Zé-povinho o ultmo ele­
mento de subsistência?” (O Leão n. 1 de 1880). “ Dizem que
são tantas as patotas que surgem dos reposteiros, que talvez
o zé-povinho dê cabo dos patoteiros.” (O Binoçulo m. 20 de
1882). “ O nosso zé/povinho, mansinho como sempre, diverte-se
em vêr soltar papagaios.” (O Maná n. 2 de 1883). Occorre tam­
bem a phrase Zé povo, com as mesmas expressões. “ Zé povo
está farto de conversa fiada.” (Pernam buco n. 177 de 1913).
“ T alvez que o sangue da revolução lave a affronta que se
está fazendo ao pobre Zé povo.” (Jornal do R ecife n. 360 de
1916). Locução moderna, vulgar em todo o (paiz, é origin aria­
mente nossa, ou nos veio de Portugal, onde tambem é corren­
te? Não sabemos responder, se bem que nos inclinemos á
prim eira hypothese. Que tambem é moderna naquelle paiz, e
teve logo uma vóga geral, diz P inh eiro Chagas na sua histo­
ria de Portugal á proposito de outros qualificativos populares
em epochas afastadas; “ Não acceitou o nosso povo, moderna­
mente, com tanta rapidez, o nome de Zé p ovin h o?”
Zeré — Vesgo, de olhos tortos, de uma só vista. “ Quem
tem um só olho é ze ré .. . Sugeito vesgo é zeré.” (O Alfinete
ns. 12 e 13 de 1890).
Zererequipá — Enferm idade pertinaz, prolongada, m orti­
ficante. Deu no pobre homem tamanho zererequipá, que o
traz amofinado e cheio de não-prestas. Decomposto o vocá­
bulo temos duas palavras tupis, zereré e quipá, que, segundo
T h e c 'o r o Sampaio, concurrentemeine com outras expressões
tem as de solapado, estylete; espinho cravado, atolado, in­
troduzido; tenaz, •torquez; que de certo modo se relacionam
com as do termo.
Zéro — Individuo que nada vale, sem importância algu­
ma; ignorante; que nada absolutamente sabe em dadas maté­
rias. “ O menstro de sotaina, h orrivel, feio, trem eu!. .. fu g iu !.. .
é nada, é z e r o !” (O Form igão n. 7 de 1850). “ Um grande estu-
tupidarrão, zero e v il como uma reira.” (O Vapor do Rio Form o-
so n. 15 de 1857). “ Sou zero no com pendio da probidade.” (O
Barco dos Traficantes n. 21 de 1858).
Z ig-zig — A,ndar faceiro, affectado; desenvolto, cheio de
requebros. Com o nome de Zigue-zigue appareceu um p eriod i­
co em 1893.
Zimbo — 0 mesmo que gimbo, dinheiro. “ Ainda que me
esfole, não passa o gadanho n o meu zim bo.” (F ra n k lin T a v o ra )
Term o africano.
Zinco — D in h eiro; facão, sabre. “ 0 zinco vôa para os
felizardos que andam agora recheiados com a bubônica.” (A
Pim enta n. 22 de 1S02). “ Zinco, na giria popular quer dizer
madeira de soldado de policia, isto é facãov” (Pernam buco n.
200 de 1913). “ Vem a policia, e quando a vi quiz correr mas
já era tarde. A h ! comi safado; fo i zinco como trin ta” . (A P i­
menta n. 487 de 1906). “ Oh! seu c a b o !... R e fr e s c a ... A ’ voz
de refresca o zinco bateu.” (Jornal do R ecife n. 48 de 1916).
Ziribanda — Corruptela de sarabanda, e com as suas p ró ­
prias expressões de reprehensão, sabão, reprimenda, carão,
lem brete: Dar, tomar passar uma ziribanda.
Zoeira — Azoada na cabeça; tontura; ruido, sussurro. “ O
vento acalmado, a zoeira do coqueiral fo i diminuindo e a copa
das arvores retomaram as suas linhas serenas.” (D om icio da
Gam a). O termo tem tambem curso na giria portugueza, como
registra A lberto Bessa, mas com as expressões de pessôa que
não tem o juizo todo; que anda com a cabeça no ar.
Zoião — Olhos grandes, abugalhados, excessivamente p ro ­
nunciados, fóra das orbitas.
Zoiar — Olhar, vêr, observar. “ E ’ um h o rror a invasão
de coiós em certa casa de modas a zoiar as caixeiras.” ( A P i­
menta n. 608 de 1907).
Zonzo — Tonto, atordoado, coih a cabeça andando á roda»
fóra de si. O Antonio excedeu-se no vinho, e sahiu da mesa
um pouco zonzo.
Zuarte — Especie de fazenda para vistuario muito usada
em outros tempos. “ João da Silva Rego fez o donativo de 900
peças de zuarte e 600 de xila para o fardamento da tropa re ­
belde.” (D efesa de G ervasio Pires Ferreira, 1817).
Zumbi — Estar feito zumbi: com insomnia, velando pela

807
noite, e vagueando por semelhante m otivo ou mesmo p or ha­
bito. Esta phrase vem das prevenções e vigilias do zumbi, o
chefe n egro da republica ou quilom bo dos Palmares, tão ce­
lebre nos nossos annaes, para não pegarem-no desapercebido
com a sua gente em qualquer ataque nocturno; e dahi, natu­
ralmente, zumbi na accepção de lobishom e, segundo Sylvio
Rom ero. O termo zumbi, que ficou, e de accordo com a m aior
parte dos nossos chronistas, é uma leve corruptela de zámbi,
palavra africana da lingua bunda, que segundo Cannecattim
quer d izer Deus e dahi o titulo de zumbi, zanbi ou ganga-
zumba, com as accepções de rei, suberano, grande senhor, dado
pelos palmarinos ao seu chefe. O vocábulo zumbi ficou tam­
bem na tradicção popular para designar um ente phantastico,
que segundo a crendice vulgar, vagueia no in terior das casas
em horas m ortas; um lugar ermo tristenho, sem meios de com-
munidade; o individuo que tem por costume não sahir de casa
senão á noite; finalm ente, um ser m ysterioso algo de fe itic e i­
ro, escuso e retraliido, só trabalhando e andando a deshoras,
e dahi a sentença popular: Você está feito zumbi, para chris-
mar aquelle que é do natural mocambuzio, ou tem o veso de
passar noites em claro, ou ainda p refere o trabalho ás horas
m ortas. De zumbi, alem das reminiscências históricas do che­
fe palm arino, e daquellas expressões com que é tido entre nós,
resta ainda a sua figuração como nome de algumas localida­
des regionaes e de um rochedo submerso junto á barra do p o r­
to do R ecife, no ancoradouro externo.
Zum-zum — Sussurro, bulha, ruido, vozeria; altercação,
bate-barbas. “ P elo zum-zum da discussão profunda Encerrava-
se a n o ite ,” (Á lv a ro T. d e M acedo). “ A opposição esbofa-se de
gritar num zum-zum diabolico, «ameaçando de estourar.” (L a n ­
terna Magica n. 540 de 1897). “ P o r esqcmntadiças questões de
ciumes, aggravadas pela fumaça da cerveja, a eevrista teve os
seus dares e tomares com o actor. O zum-zum fo i m edon h o.”
(A Lanceta n. 121 de 1913).
Zuninga — Aguardente, cachaça, sinhaninha. “ Furta ao
povo na venda, e depois resa, Largando as contas, vai tomar
zuninga.” Estes versos, de um soneto que vem no Vademeco
dos poetas, tem em nota ao term o zuninga: “ Aguardente em
phrase chula de algumas províncias do B razil.” “ Uma Venus
reform ada Com fama de feiticeira, Dava orac’ Ios por zuinga
Lá nos arcos da R ibeira.” (O Brado da Razão n. 3 de 1848),
Estes arcos da Ribeira, eram os que se viam dispostos em
fien te á R ibeira de Santo Antonio, formando uma arcaria co­
berta, a especie de alpendre, cujo edificio construído em fins
do seculo X V III desappareceu para dar lugar a construcção
do actual mercado de S. José. Uma especie daquelles arcos são
os que se vêm na velha ribeira ou mercado da Bôa Vista.
Zunzo — íPlanta medicinal da nossa flora registrada por
Jeronymo iVllela. E’ naturalmente a zanzo ou relogio (Sida
rom boifolia, Linn.) da fam ilia das Malvaceas, descripta por AI-
.m eida Pinto.

809
APONTAMENTOS
para um vocabulário pernambucano de termos e phrases
populares e de vocábulos vernáculos correntes no Estado
cotn accepções differentes p or F. A. P ereira da Costa

B ibliographla dos auctores citados

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de u m dlcclonarlo de c a lã o .. . . Lisbôa 1901,
Affonso d 'E TauHay — Lexlco de lacunas. Tours, 1914.
A lfredo B randão — Viçosa de Alagôas. Recife, 1914.
Alfredo de Carvalho — Phrases e palavras. Londres, 1906.
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Pernam buco 1835
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Zizina & Esmeralda — ■ A Cartom ancia o mais luxuoso livro de
sortes. Recife. 1914.
Zorobabel Rodriguez — Diccionario de chilenismos. Santiago,
1875.
Nesta lista não figuram varias obras cujos autores s&o citados
no abonam ento ou documentação de grande num ero de vocábulos e
locoções, e correspondentemente, os de artigos esparsos, e bem assim
a collecção de periodlcos e jornaes do Estado, e alguns mesmos de
oütros, etc, etc.
Este livro foi impresso pela Editora do Brasil S.A. para a Secretaria de
Educação e Cultura do Estado de Pernambuco, entre os meses setembro/
novembro de 1976 sendo o segundo volume da Coleção Pernambucana.

A publicação é feita sob o patrocínio do Governador José Francisco de


Moura Cavalcanti, sendo: Secretário da Educação e Cultura, José Jorge
de Vasconcelos Lima; Diretor da Diretoria de Serviços Educacionais,
Maria Madalena Rodrigues dos Santos; Diretor do Departamento de Cul­
tura, Leonardo Dantas Silva.
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