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Estado deve promover políticas públicas compensatórias, mas não existe nenhum
mecanismo (jurídico) que permita inferir sua obrigatoriedade. Além dessa possível
implicação para políticas públicas, todavia, essas normas não atribuem direitos a quem
quer que seja, e, portanto, não propiciam direito de ação contra o Estado. Não se
garante, aí, por exemplo, o direito de uma pessoa a um emprego...
A Constituição estabelece uma ordem econômica fundada na livre iniciativa e
na propriedade privada2 (entre outros princípios) - cf. arts. 170, caput e II, c/c/ art. 5o ,
XXII. Trata-se, como é óbvio, de um sistema econômico capitalista, de uma economia
de mercado em que a atividade econômica (empresarial) é um espaço
predominantemente privado, o que não afasta de todo o Estado.
A livre iniciativa consiste na liberdade de comércio e indústria que abrange: a) a
faculdade de criar e explorar uma atividade econômica a título privado, e b) a não
sujeição a qualquer restrição estatal, senão em virtude de lei (Grau, 1991:224).
Segundo Grau, a livre iniciativa, no sentido de liberdade de empresa, é mais um dos
aspectos das liberdades (públicas) constitucionalmente garantidas e, na sua origem, está
disposta como limite à ação do Estado; salvaguardando a liberdade de iniciativa, o
dispositivo constitucional implica que esta não se sujeita a restrições por parte dos
poderes públicos, salvo aquelas impostas por lei; nesse sentido, é também uma outra
face do princípio da legalidade - “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei” - que encontra uma formulação específica
dirigida à atividade econômica no § único do art. 170: “é assegurado a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de
órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei” 3.
Outros tantos daqueles princípios - que são previstos concretamente pelo
sistema jurídico - na verdade são objeto de legislações específicas; penso, por exemplo,
na livre concorrência, na defesa do consumidor e do meio ambiente, no tratamento
favorecido a pequenas empresas (art. 170, IV, V, VI e IX, respectivamente).
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Propriedade privada já é consagrada como direito fundamental no art. 5 o , sendo inerente a uma
economia capitalista (na verdade, ela vem junto com a livre iniciativa); por outro lado, a função social
da propriedade é princípio que apenas tem alguma concreção no bojo das políticas urbana e agrária,
que serão analisadas mais adiante.
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Pode-se observar que liberdade e legalidade são princípios que sempre andam juntos, o que é
característico de um estado de direito, não apenas no caso da livre iniciativa, mas da liberdade em
geral. Consubstancia-se, assim, a liberdade típica da esfera privada, definida no sentido negativo: tudo
o que não é proibido (expressamente e por lei) é permitido; ou dito de outro modo - toda atividade cujo
exercício não é legalmente condicionado, pode ser livremente exercida...
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Direção
O art. 174, por sua vez, refere-se ao papel do Estado como agente normativo e
regulador da atividade econômica, o que abarca inclusive as funções de incentivo e
planejamento5.
Atuar como agente normativo e mediante sistema de incentivos são tipos de
intervenção não direta, diferentes da exploração de atividade econômica (prevista no
art. 173), na qual o Estado se coloca em posição de igualdade com o setor privado;
aqui, ao contrário, o Estado assume seu papel público - acima dos particulares, podendo
até restringir-lhes a liberdade de atuação ou iniciativa pelo exercício do poder de
polícia. Nessa atuação, entretanto, o Estado não substitui o mercado na configuração
estrutural da economia; não substitui as decisões privadas.
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O autor faz também uma subdivisão dessa forma em participação e absorção; esta implicaria o
exercício de atividade econômica em regime de monopólio, aquela, em regime concorrencial.
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Na verdade, planejamento, segundo Grau, não é uma nova modalidade de intervenção do Estado (v. p.
165); apenas qualifica essa intervenção, fazendo-a mais racional - pela formulação explícita de
objetivos, pela definição de meios de ação coordenados, por tratar programas de ação de forma
sistemática (diferente de ações aleatórias...). Trata-se de planejamento do desenvolvimento, e não da
economia.
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Indução
Mas regular também significa “estabelecer diretrizes” do processo econômico, o
que inclui as mencionadas políticas de incentivo que direcionam os comportamentos
dos agentes privados (particularmente, os Investimentos). Essas políticas afetam
variáveis do cálculo econômico (no nível microeconômico), na medida em que, por
meio de oferta de crédito a juros baixos ou incentivos fiscais, por exemplo, afetam a
rentabilidade esperada dos investimentos, tentando atraí-los para determinados setores
ou regiões, induzir certos comportamentos etc.
Seguindo a classificação acima mencionada, a atuação do Estado por indução
manipula os instrumentos de intervenção em conformidade com as leis que regem o
funcionamento dos mercados. Implica estabelecer sistemas de estímulos, procurando
induzir decisões dos agentes, pela oferta daquilo que se convencionou chamar de
sanções premiais8; entretanto, permanecem autônomas/ privadas; os agentes
destinatários de tais normas não são obrigados a aderir aos fins propostos pelo poder
público.
Um exemplo de uma política específica desse tipo pode ser encontrada na
própria Constituição, art. 187, no capítulo da política agrária, que contém algumas
linhas gerais da política agrícola (relativa a incentivos à produção agropecuária) dentre
as quais se destacamos instrumentos fiscais e creditícios.
Deve-se observar, ainda, que, em conjunto, esses dois arts. comentados (173 e
174) evidenciam uma diferença importante no papel do Estado, em relação à
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O que, em geral, é feito pelo Legislativo, embora administrado pelo Executivo.
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Além de princípios, essas três áreas de regulação encontram fundamento constitucional em outros
dispositivos específicos: 173, § 4o (a defesa da concorrência), 5o, XXXII (defesa do consumidor) e 225
(defesa do meio ambiente).
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O atributo da sanção é inerente às normas qualificadas de jurídicas - a sanção organizada é um
elemento constitutivo do direito; normas jurídicas são definidas como aquelas "cuja execução é
garantida por uma sanção externa e institucionalizada", Bobbio (1989:27-29) . Entretanto, apesar de
sanção ser normalmente associada a punição, existem tipos de normas - particularmente aquelas que
incidem sobre a atividade empresarial num sistema capitalista, em que os agentes são centros
autônomos de decisão - que não apenas proíbem ou permitem comportamentos ou iniciativas mas,
principalmente, tentam incentivá-los ou desencorajá-los. Esses tipos -cada vez mais freqüentes na
economia moderna, na qual a atuação do Estado não se limita à sua “função protetora-repressora”,
mas vai além, montando um “um imenso sistema de estímulos e subsídios” - conferem ao ordenamento
jurídico uma “função promocional” (Ferraz Jr., 1989). Reconhecem-se, pois, sanções positivas que não
são punições, mas recompensas por determinado comportamento (as chamadas sanções premiais).
Normas portadoras de sanções premiais não determinam o comportamento de maneira absoluta, mas
apenas delimitam um campo de atuação possível, desejável ou indesejável no qual a ação dos agentes
econômicos pode ou não se efetivar: a decisão é autônoma e individual - da firma.
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Pelo menos naqueles serviços classificados como privativos, como se verá a seguir.
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Segundo Di Pietro, essas atividades são consideradas serviços públicos porque atendem a necessidades
coletivas, mas impropriamente públicos, porque falta um dos elementos do conceito de serviço público
(a gestão, direta ou indireta, pelo Estado). Grau observa que tais serviços quando exercidas pelo
Estado, assumem caráter de serviço público; quando exercidas por particulares, seriam atividades
econômicas em sentido estrito! Esta afirmação denota, mais uma vez, a inconsistência da tentativa de
distinguir serviços públicos e atividade econômica empresarial. Afinal, se uma empresa particular atua
em área definida como serviço público mediante concessão, nem por isso ela deixa de estar exercendo
atividade empresarial.
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No caso das emendas relativas ao gás canalizado e telecomunicações, retirou-se do texto original a
expressão “..concessão a empresas sob controle acionário estatal...”. Sem essa especificação
restritiva, as concessões podem ser feitas a qualquer empresa (estatal ou privada).
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Uma propriedade média e improdutiva, por exemplo, não cumpre sua função social (à medida que não
é aproveitada racionalmente), mas é isenta de desapropriação...; ademais, pode haver evidente conflito
de critérios: um imóvel pode apresentar um bom aproveitamento produtivo e justamente por isso ter
uma exploração predatória ao meio ambiente (um outro quesito do cumprimento da função social)
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Uma novidade que vem dos anos 20, com a Constituição de Weimar.
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4. Sistema Financeiro
O tratamento constitucional do sistema financeiro se resume a um art. (192) que
apresenta um conjunto de regras genéricas, remetendo-se sua regulação à lei
complementar19. A Emenda Constitucional n. 40/2003 revogou os diversos incisos da
redação original desse artigo, onde constavam, entre outras coisas, a fixação do teto
máximo para juros em 12% a.a., o fim do sistema de cartas-patente (documento que
autorizava a abertura e funcionamento de uma Instituição Financeira, e que era
negociável entre instituições), o monopólio estatal das atividades de resseguro (que já
tinha sido revogado em 1996), o controle da participação do capital estrangeiro nas
instituições financeiras etc.
Bibliografia
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Definida como aquelas cujo controle do capital votante e poder decisório estivessem nas mãos de
pessoas físicas domiciliadas e residentes no país ou entidades governamentais. As empresas brasileiras
seriam aquelas apenas constituídas sob as leis do país.
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Até agora, continua vigente a Lei 4.595/64, que criou o Conselho Monetário Nacional, transformou a
antiga SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) no atual Banco Central do Brasil, dispondo
também sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias e as atribuições das
autoridades monetárias.
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FARINA, E., AZEVEDO, P.F. & PICHETTI. (1997). A Reestruturação dos Setores de
Infra-Estrutura e a Definição dos Marcos Regulatórios: princípios gerais,
características e problemas. In Rezende & Paula (coords.) Infra-Estrutura:
perspectivas de reorganização; regulação, Brasília: IPEA.
GRAU, E. (1991). A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e
crítica). São Paulo: Revista dos Tribunais.
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