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O DIREITO DO APENADO AO TRABALHO E SUA

APLICAÇÃO PRÁTICA A LUZ DA LEI DE EXECUÇÕES


PENAIS.

Luciano Valente Macambira


Curso de Pós-Graduação em Direito Penal e Processo Penal da Anhanguera
Uniderp
Polo de Manaus, AM

RESUMO
Este artigo abordará os obstáculos que dificultam o exercício do trabalho
penitenciário, instituído pela Lei de Execução Penal, considerando os vários tipos
possíveis de trabalhos realizados pelos detentos. Para melhor compreensão do
tema, serão realizadas algumas considerações sobre o trabalho penitenciário, sua
finalidade e o trabalho como direito/dever do preso. Por oportuno, defender-se-á
falta de infraestrutura e de políticas públicas como principais óbices para que o
apenado exerça seu direito ao trabalho.

Palavras-chave: 1. Funções da Pena. 2. Lei de Execuções Penais. 3. Trabalho


penitenciário. 4. Política Penitenciária. 5. Infraestrutura nos presídios.
2

1 - INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar os fatores que dificultam o exercício do direito


ao trabalho pelo apenado e, ainda, que postura o Estado assume, através de
políticas públicas e infraestrutura penitenciária, diante da problemática apontada.
Após o estudo sucinto das noções de direito penal e execuções penais chega-
se ao denominador comum para se entender que as características e funções da
pena, bem como sua execução, esbarram em um problema político, ou seja,
encontram-se além dos dispositivos previstos no Código Penal e na Lei de
Execuções Penais.
Primeiramente, serão mencionados a importância e a finalidade do trabalho
dentro dos estabelecimentos penitenciários, bem como a realidade do sistema
prisional no país. Em seguida, serão apresentados como obstáculos para o exercício
do direito do trabalho do apenado a falta de investimentos em infraestrutura
penitenciária e ausência de políticas pública eficientes no estímulo ao trabalho do
detento.
Espera-se com os estudos de direito penal, através da Lei de Execução
Penal, além de outras fontes subsidiárias, o desenvolvimento de um artigo capaz de
demonstrar os obstáculos encontrados pelos apenados para o efetivo exercício de
seu direito ao trabalho.

2 - A IMPORTÂNCIA E A FINALIDADE DO TRABALHO


PENITENCIÁRIO.

Historicamente a ideia de trabalho penitenciário surgiu através de


experiências na conceituação da pena privativa de liberdade, que estava vinculado à
ideia de vingança e castigo, permanecendo essas características como forma de
cumprimento da pena de prisão.
Atualmente, as fases em que se utilizavam os trabalhos forçados como o
shot-drill (transporte de bolas de ferro, pedras e areia), o tread-mill (moinho de roda),
o crank (voltas de manivela), entre outras, estão superadas, pois a execução da
pena possui a finalidade de reabilitação e de inserção social do preso.1

1 Ferreira, Gilberto. Aplicação da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1998. págs. 5 e 6


3

A defesa dos direitos do apenado é um reflexo geral de defesa dos direitos da


pessoa humana. Não há a possibilidade de apenas ignorar que os apenados, em
todos os tempos e lugares, sempre foram vítimas de excessos e discriminações
quando submetidos à atenção e cuidados de guardas e carcereiros de presídios,
violando desta forma, os direitos inseridos nos direitos humanos.
A doutrina penitenciária confirma a tese de que mesmo após a condenação, o
apenado continua sendo titular daqueles direitos que não foram abrangidos pelo seu
internamento na prisão decorrente de sentença condenatória que lhe foi imposta a
pena privativa de liberdade. Nasce daí, a relação jurídica entre o Estado e o
apenado em que constituem direitos e deveres para ambos. Por estar privado de
liberdade, o apenado encontra-se numa situação que sua limitação é condicionada
pelos direitos inseridos na Constituição Federal e nas Leis, contudo, não significa
que por perder sua liberdade também se perde a condição de ser humano e a
titularidade daqueles direitos não abrangidos pela condenação.
Para Julio Fabbrini Mirabete2 a ideia inicial do trabalho penitenciário foi
seguida da “evolução experimentada na conceituação da pena privativa de
liberdade. Inicialmente, estava ele vinculado à ideia de vingança e castigo e manteve
essas características como forma mais grave e aflitiva de cumprir a pena de prisão.”
Dentro dos sistemas penitenciários e prisionais, o trabalho do apenado foi
utilizado como uma fonte de produção para o Estado.
Segundo Paulo Lúcio Nogueira, as medidas alternativas de pena privativa de
liberdade são o melhor caminho para a solução dos problemas do cárcere, que de
um lado aflige o apenado e de outro onera a sociedade, sem entretanto, que traga
eficácia efetiva para o regime de punição. Por outro lado, segundo o autor, não se
pode negar que “as penas restritivas de direitos (prestação de serviço à
comunidade, limitação de fim de semana e interdições de direitos) possuem uma
eficácia muito maior, além de não ter qualquer caráter infame.” 3
A prestação de serviços à comunidade como forma de pagamento efetivo
para o regime de punição do apenado a entidades assistenciais, hospitais, escolas,
orfanatos, asilos, entre outros, possui grande efeito reeducativo, desde que
adequadamente imposto, cumprido e fiscalizado, seria a melhor alternativa do que o

2 Mirabete, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei nº 7.210 de 11-7-84. 11ª ed. rev. e atual.
São Paulo: Atlas, 2006.
3 NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários a Lei de execução penal: Lei nº 7.210 de 11-7-84. 3ª ed. rev.
e ampl. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 89
4

ressarcimento através de multa, pois a multa, mesmo elevada, obviamente para


aqueles que podem pagar, se tornaria ineficaz e não traria nenhum efeito
reeducativo do que a prestação de serviço à comunidade, feita de forma gratuita e
útil.
Assim, o trabalho em qualquer circunstância, não deixa de ser o melhor
remédio para a reparação do dano causado pelo apenado à prática de uma conduta
antissocial. O que não se pode admitir é a ociosidade que é estabelecida nas
prisões, que apenas servem para fomentar diversos males.
Estabelece o Art. 28 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 19844, que o trabalho
do apenado possui o dever social e condição de dignidade humana, cujo único
objetivo é a forma educativa e produtiva do detento. Ou seja, o trabalho prisional não
possui caráter de agravação da pena, nem deverá ser doloroso e muito menos de
cunho penoso, mas um mecanismo adotado pelo Estado como uma forma de
reinserção social com a finalidade de promover a readaptação do apenado à
sociedade, preparando-o para uma profissão, possibilitando hábitos de trabalho a
fim de evitar a ociosidade.
A lei atribui, ao trabalho do apenado, proveitos econômicos que lhe são
concedidos para a manutenção de sua família e para a indenização dos danos
causados pelo cometimento do crime. Contudo, o alcance desses objetivos é quase
impossível, em virtude da baixa remuneração do trabalho que é desenvolvido dentro
da prisão.
A divisão de trabalho deve ser tomada levando em consideração a
capacidade individual do apenado, este não possui o direito de escolher o trabalho
que lhe é mais lucrativo economicamente, mas sim aquele em que possui
capacidade técnica para desenvolver.
As Regras Mínimas da ONU5, que constituem a expressão de valores
universais tidos como imutáveis no patrimônio jurídico do homem, recomenda em
dar ao trabalho prisional um sentido profissionalizante, muito embora se devam levar
em conta as limitações do trabalho penitenciário. O propósito profissionalizante deve
ser acentuado no trabalho penitenciário quando verificar que o apenado não possui

4 Art. 28. Lei 7.210/84: “O trabalho do condenado, como dever social e condição da dignidade humana,
terá finalidade educativa e produtiva.”

5 Regras Mínimas da ONU n.º 71.5: “Será proporcionado treinamento profissional em profissões úteis
aos presos que dele tirarem proveito, especialmente aos presos jovens.”
5

capacidade profissional, pois a capacitação profissional, a aquisição de um ofício ou


profissão são fatores decisivos à reinserção do apenado, permitindo o seu preparo,
facilitando-lhe a estabilidade econômica para assim que alcançar a liberdade possa,
através de seu próprio ofício, possibilitar o ajustamento ou o reajustamento desejado
pela sociedade.
O processo de profissionalização deve ser conjugado com a atividade
produtiva e o processo de assistência social, permitindo ao apenado dividir o seu
tempo entre o trabalho e o estudo.
A Lei de Execução Penal adota a ideia de que o trabalho dentro do sistema
carcerário deve ser organizado de forma bem aproximada quanto possível do
trabalho na sociedade. Admitindo, inclusive e quando possível, a recuperação do
apenado e os interesses da segurança pública do trabalho externo do mesmo, já nos
estágios finais da execução da pena.
Excepcionalmente, o trabalho externo do apenado, depende de aptidão,
disciplina e responsabilidades, além do cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da
pena. Fixando a dupla finalidade do trabalho do detento: educativa e produtiva.

3 - O EXERCÍCIO DO TRABALHO PENITENCIÁRIO COM BASE NA


LEI DE EXECUÇÕES PENAIS.

O Art. 6º da Constituição Federal6 dispõe que o trabalho é um dos “direitos


sociais”. Como o apenado possui status de condenado em cumprimento de pena
privativa de liberdade, não pode exercer a atividade laborativa em decorrência da
limitação que lhe foi imposta através de uma sanção, cabendo ao Estado o dever de
atribuir-lhe o trabalho que deve exercer dentro do estabelecimento penitenciário.
A Lei de Execução Penal dispõe que o trabalho do apenado é “uma
obrigação” do condenado à pena privativa de liberdade, tendo em vista sua
capacidade e aptidão.7
Após o ingresso do apenado no estabelecimento carcerário receberá a
designação para o trabalho, onde será testado por um período para que suas

6 Art. 6º, Constituição Federal: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistências aos desamparados, na forma
desta Constituição.”
7 Art. 31, LEP:”O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas
aptidões e capacidade.”
6

aptidões sejam avaliadas. Decorrido esse prazo, o preso poderá ser transferido para
outra área do estabelecimento desde que verificada a sua habilitação, aptidão,
condição pessoal e as futuras necessidades do recluso.
Os trabalhos desenvolvidos nos estabelecimentos carcerários poderão ser
industrial, agrícola ou intelectual e tem como finalidade a reinserção do condenado.
Em virtude disso, o apenado deve ser orientado no sentido de suas aptidões,
evidenciadas através de estudos da personalidade e de outros exames, levando-se
em conta a profissão ou o ofício que o apenado desempenhava antes de ingressar
no estabelecimento.
O trabalho do apenado será remunerado conforme tabela elaborada pela
administração do estabelecimento e aprovada pelo juiz das Execuções Penais,
observada a qualificação profissional do apenado. Através dessa remuneração é
que será constituído o pecúlio, que se divide em pecúlio disponível e pecúlio
reserva. O pecúlio disponível representa 50% (cinquenta por cento) da remuneração
e será observada a relação das necessidades do apenado para a aquisição de
objetos de uso pessoal e para ajuda ao sustento da família. Caberá a administração
a aquisição desse material e a liberação do valor para ajuda à família será realizada
quando da saída do ente familiar do estabelecimento. O pecúlio reserva será
depositado mensalmente no banco credenciado ao sistema carcerário, em nome do
recluso, em conta poupança, sendo entregue no dia em que for posto em liberdade.8
O trabalho do apenado pode ser aproveitado na construção, reformas dentro
do próprio estabelecimento penal, como expressa o Art. 33 da Lei de Execução
Penal9. Recomenda-se que os serviços dos presos atendam às necessidades
internas do estabelecimento, como por exemplo, nas enfermarias, escolas, cozinhas,
lavanderias, entre outros, como forma de atender as determinações legais e como
um mecanismo para a redução do gasto público, sendo que a remuneração deverá
correr pelo próprio Estado, já que o mesmo dispõe da prestação.
A lei determina que o artesanato deva ser limitado, salvo nas regiões de
turismo.10 O artesanato nessas regiões torna-se potencialmente rentável e
oportuniza ao condenado uma futura qualificação. A lei limita este tipo de trabalho,

8 ROSA, Antonio José Miguel Feu. Execução Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995,
p.137, 138 e 139.
9 Art. 33, parágrafo único, LEP: “Poderá ser atribuído horário especial de trabalho aos presos designados
para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal.”
10 Art. 32, § 1º, LEP: “Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão econômica,
salvo nas regiões de turismo.”
7

pois, em muitos locais, o trabalho se limita na montagem de objetos decorativos e de


pouco valor e a tarefa desempenhada não abrange o aprimoramento profissional
esperado do apenado.
Para os condenados de procedência rural, tem-se recomendado o trabalho
agrícola, pois, a maior parte do tempo, passam ao ar livre, sendo como meio
terapêutico para alguns que são afetados por algum desequilíbrio mental e esse
trabalho é dirigido ao provimento e consumo do próprio estabelecimento como
também de outros.
O Art. 32, §2º, da Lei de Execução Penal11 estabelece que os idosos poderão
requerer ocupação adequada à sua idade. Muito embora a lei não se refira aos
apenado impossibilitados para o trabalho em decorrência de acidente de trabalho,
moléstia profissional ou deficiência física, a obrigação para o trabalho cessa
enquanto perdurarem as limitações. No mesmo sentido entende-se da atribuição do
trabalho à mulher grávida, principalmente nas semanas anteriores e posteriores ao
parto. Numa atribuição a condição pessoal do apenado e nas precauções relativas à
segurança e à higiene do trabalho.
É permitido, ainda, que o apenado desenvolva atividades laborativas fora do
estabelecimento prisional. Entretanto, cabem algumas considerações. O trabalho
externo é limitado ao regime fechado, não significa que o condenado ao regime
fechado não poderá desenvolvê-lo. Poderá ser atribuído trabalho externo ao
apenado em regime fechado em serviços ou obras públicas, realizados por órgãos
da administração direta ou indireta ou até mesmo à entidades privadas. Contudo, o
trabalho será efetuado sob vigilância direta da administração, sendo necessário,
como cautela, escolta contra a fuga e em favor da disciplina.
Em tratando de serviços ou obras públicas, não há vínculo empregatício entre
o apenado e a administração ou empresa privada que realiza as obras, vez que as
normas que regem o sistema penitenciário não estão sujeitas às estabelecidas pela
Consolidação das Leis do Trabalho. Apenas ao apenado em regime aberto é
possibilitado o trabalho com vínculo empregatício e a sujeição ao regime da CLT.
Cabe ao órgão da administração, a entidade ou à empresa privada, o pagamento da
remuneração na qual o preso está subordinado.

11 Art. 32, § 2º, LEP: “Os maiores de sessenta anos poderão solicitar ocupação adequada à sua
idade.”
8

O ideal é que o trabalho interno seja desenvolvido pelos apenados ao regime


fechado, dadas as circunstâncias, da própria personalidade do apenado e o trabalho
externo desenvolvido pelos condenados aos regimes semiaberto e aberto. Cabe ao
juiz que sentencia a condenação, obedecendo aos pressupostos estabelecidos nos
Art. 59 e 33 do Código Penal12, fixar o regime da pena, admitindo ou não o trabalho
externo. Muito embora o Art. 37 da Lei de Execução Penal13 remeta ao
estabelecimento onde o apenado cumpre a pena.
A lei também limita o número de apenado ao máximo de 10% (dez por cento)
do total de empregados na obra, visando que sejam aproveitados mais presos do
que trabalhadores em liberdade, instituindo uma mão-de-obra carcerária, por ser
menos onerosa. A finalidade de tal limitação é para diluir o grupo de presos entre os
trabalhadores livres, de forma que possa efetuar melhor integração do apenado com
o meio social.
A prestação dos serviços realizada pelo apenado à empresa privada que
realiza obra pública, depende de seu consentimento, conforme preconiza o Art. 36, §
3º da Lei de Execução Penal.14 Neste diapasão, procura-se evitar que o apenado se
veja obrigado ao trabalho para a entidade que tem essencialmente o intuito de lucro,
o que poderia ser entendido por ele como uma exploração econômica. Com o
consentimento do apenado para esse trabalho à empresa privada, eliminaria, pelo
menos em parte, a ideia de exploração.
O trabalho externo é incompatível com aqueles apenados por crimes
hediondos, pois a característica do agente que comete tal crime é a periculosidade,
tornando inviável o trabalho extramuros.
Ao ser sentenciada a condenação para regime fechado, o cumprimento de 1/6
(um sexto) da pena já permitiria ao apenado sua progressão para o regime

12 Art. 59 do Código Penal: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta


social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem
como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas. II – a quantidade de
pena aplicável, dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de
liberdade; IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se
cabível.”
Art. 33 do Código Penal: “A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-
aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de
transferência a regime fechado.”
13 Art. 37 da LEP: “A prestação de trabalho externo, a ser autorizada pela direção do
estabelecimento, dependerá de aptidão, disciplina e responsabilidade, além do cumprimento mínimo
de um sexto da pena.”
14 Art. 36, § 3º, LEP: “A prestação de trabalho a entidade privada depende do consentimento
expresso do preso.”
9

semiaberto e a autorização para o trabalho externo, desde que observadas no


cumprimento inicial da pena a disciplina e responsabilidade.
A autorização para o trabalho externo pode ser revogada quando o apenado
praticar fato definido como crime, for punido por falta grave ou tiver comportamento
contrário aos pressupostos exigidos na lei, além de ser autorizada a regressão da
pena. Esse comportamento contrário diz respeito à disciplina e responsabilidade
tanto no trabalho externo quanto na convivência carcerária.

4 - A REALIDADE ESTRUTURAL DOS PRESÍDIOS BRASILEIROS.

É sabido que celas superlotadas, precárias e insalubres contribuem para que


os presídios tenham um aspecto altamente insalubre e prejudicial à saúde dos
apenados. A totalidade desses problemas estruturais associados à péssima
qualidade da alimentação dos apenados, a ociosidade, ao consumo de substâncias
entorpecentes e toda a hostilidade da unidade prisional, contribuem para que um
apenado sadio, em tese, deixe as instalações prisionais portando algum tipo de
enfermidade.

Na realidade, ocorre que o apenado recebe duas punições pelo crime


cometido, a primeira é a pena privativa de liberdade advinda da condenação judicial
e a segunda seria o comprometimento de sua saúde física e mental após ser
submetido às condições inóspitas oferecidas pela infraestrutura deplorável das
unidades prisionais durante o período de reclusão.

Quando a estrutura dos presídios, o ilustre doutrinador César Bastos Leal


comenta:
[...] Prisões onde estão enclausuradas milhares de pessoas, desprovidas
de assistência, sem nenhuma separação, em absurda ociosidade;
prisões infectas, úmidas, por onde transitam livremente ratos e baratas e
a falta de água e luz é rotineira; prisões onde vivem em celas coletivas,
imundas e fétidas, dezenas de presos, alguns seriamente enfermos, com
tuberculosos, hansenianos, e aidéticos; prisões onde quadrilhas
controlam o tráfico interno da maconha e da cocaína e firmam suas
próprias leis; prisões onde vigora um código arbitrário de disciplina, com
espancamentos frequentes; prisões onde detentos promovem uma
loteria sinistra, em que o preso “sorteado” é morto, a pretexto de
chamarem atenção para suas reivindicações; prisões onde muitos
aguardam julgamento durante anos, enquanto outros são mantidos por
tempo superior ao da sentença; prisões onde, por alegada inexistência
de local próprio para a triagem, os recém-ingressos, que deveriam
10

submeter-se a uma observação científica, são trancafiados em celas de


castigo, ao lado de presos extremamente perigosos.15

Cabe ressaltar que a LEP é tida como uma norma altamente evoluída e
democrática quando comparada as leis existentes. Sua essência está baseada no
pressuposto de que após iniciado do cumprimento da pena privativa de liberdade
seria vedada a efetiva aplicação de qualquer outro tipo de punição ao apenado, isto
em homenagem ao Princípio da Humanidade.

Contudo, rotineiramente não é isso que acontece, no dia a dia das unidades
prisionais é comum ocorrerem violações às garantias constitucionais e
supraconstitucionais, em especial, as estabelecidas pela LEP. Na prática,
infelizmente, na ocasião em que o apenado ingressa no sistema prisional do país,
além de sua liberdade, ele também perde todos aqueles Direitos individuais
fundamentais que, juridicamente, deixaram de ser suspensos pela sentença
condenatória.

É de conhecimento público que, durante o período de cárcere, o apenado


passa a suportar todo tipo possível de violência física, destacando-se a prática de
tortura e lesões corporais diversas. As referidas violências são praticadas tanto por
outros apenados quanto pelos próprios servidores do estabelecimento carcerário,
que, aliás, deveriam atuar em sentido contrário, pois, além de serem responsáveis
pela ordem no estabelecimento são, mesmo que indiretamente, ligados a
ressocialização do apenado.

Outra violação decorrente da estrutura precária dos presídios brasileiros é a


inércia, pelo Poder Judiciário, para apreciar e deferir progressões de regime ou até a
liberdade àqueles apenados que possuam Direito a tais benefícios. O descaso e
desinteresse do Estado durante na fase da execução penal configura
constrangimento ilegal pelas autoridades judiciárias, inclusive, sendo passível de
sua responsabilização na esfera cível.

O processo de ressocializar consiste, basicamente, na humanização prevista


pela própria LEP, a qual deve ser compreendida como um complexo de substratos –
de garantia e promoção de Direitos – que venham permitir que o apenado torne-se
útil para si e para sociedade. Portanto, a reabilitação do apenado, além de permitir o

15 LEAL, César Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 56
11

retorno à condição de cidadão, também resulta em ganho para segurança pública e,


por conseguinte, em vantagem para o mercado, vez que o apenado se tornará um
agente participativo do processo de acumulação de capital.

Mesmo correspondendo a um direito/dever, o trabalho do apenado não tem


sido uma prática efetiva no País, em virtude de as autoridades sequer cumprirem o
mínimo previsto na legislação.
Com base nos dados apresentados do Sistema Integrado de Informações
Penitenciárias - INFOPEN, apenas 16% dos apenados que cumprem suas penas no
sistema penitenciário do país estão trabalhando, sendo que 48.028 pertencem ao
Estado de São Paulo e os 58.414 no restante do País, juntos perfazendo um total de
106.636 apenados em labor16.
A ideia central é assegurar aos apenados todas os direitos estabelecidos na
legislação em vigor enquanto perdurar o cárcere, não se tratando de transformar o
estabelecimento prisional em lugares aconchegantes e confortáveis para os
apenados. Porém, se o atua cenário se perpetuar ainda mais, ou seja, se a presente
questão for tratada com absoluto descaso pelas autoridades e total indiferença pela
sociedade, a tendência é que seja agravado o status não só a infraestrutura dos
presídios mais também as dificuldades relacionadas à segurança pública e o
aumento da criminalidade no país.

Vale enfatizar que o objetivo é pôr em prática as garantias


constitucionalmente estabelecidas, bem como as infraconstitucionais, no que diz
respeito à execução da pena, por conseguinte, respeitando-se os direitos do
apenado, tendo como meta alcançar a função ressocializadora da pena privativa de
liberdade, com a finalidade de reintegrá-lo à sociedade.

5 - A AUSÊNCIA DE POLÍTICA PENITENCIÁRIA PARA PROMOÇÃO


DO TRABALHO DO APENADO.

Mesmo havendo certa similaridade no campo de suas respectivas atuações,


vale ressaltar que há tempos tornou-se banal não haver qualquer diferença entre as
políticas: sociais básicas, de segurança pública e criminal e penitenciária no Brasil.

16
Disponível em http://www.justica.gov.br/news/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-
feira/relatorio-depen-versao-web.pdf. Acesso em 18/03/2018.
12

Insta salientar que as políticas sociais básicas possuem atuação no campo da


ações voltadas para a área da, educação e habitação. Já a política de segurança
pública aborda procedimentos que combatem efetivamente a criminalidade no país,
ao passo que a política criminal e penitenciária tem competência para enfrentar
assuntos inerentes à infraestrutura dos presídios e, principalmente, aos apenados.
Infelizmente, de encontro ao teor previsto na legislação, mais de 80% dos
apenados do país estão impedidos de participar de atividades laborativas junto às
unidades onde encontram-se em cumprimento de suas penas privativas de
liberdade, simplesmente, por não haver convênios que garantam oportunidade de
trabalho.
Visando diminuir os impactos ocasionados pela supracitada realidade, o
Estado passou a delegar para iniciativa privada a incumbência de ofertar ao
apenado possibilidades para que pudesse realizar atividades laborativas, colocando-
se na retaguarda do assunto. Agindo assim, o Estado vale-se de um pseudo política
que visa integrar os empresários ao processo de ressocialização, estimulando, em
tese, a adoção de mão-de-obra prisional pela iniciativa privada.
Ocorre que ao omitir-se na elaboração de uma política penitenciária séria e
eficiente o Estado estimula uma exploração verdadeiramente capitalista que, sob a
máscara do socialismo, utiliza os apenados apenas como operários baratos, sem
assumir qualquer responsabilidade social quanto ao tema.
Preliminarmente a análise do mérito relacionada ao trabalho dos apenados na
iniciativa privada, mister se faz entender o conceito de balanço social. Conforme
conceituado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas17:
Lançado nos anos 90, o Balanço Social Ibase teve como principal função
tornar pública a responsabilidade social empresarial, construindo maiores
vínculos entre a empresa, a sociedade e o meio ambiente. Publicado
anualmente pelas organizações que escolhem esse modelo, o Balanço
Social reúne um conjunto de informações sobre os projetos, benefícios e
ações sociais dirigidas aos empregados, investidores, analistas de mercado,
acionistas e à comunidade. É também um instrumento estratégico para
avaliar e multiplicar o exercício da responsabilidade social corporativa.

Portanto, o balanço social é uma ferramenta com propósito de reunir


elementos informativos que indiquem o nível de responsabilidade social assumido
por determinada pessoa jurídica, ou seja, quais ações aquele ente vem adotando em
prol da melhoria contínua de seus colaboradores e do país como um todo.

17
Disponível em: « http://ibase.br/pt/balanco-social/». Acesso em 18/03/2018.
13

No dia a dia, a apresentação e análise de tais elementos informativos não


segue qualquer tipo de padrão preestabelecido, razão pela qual a avaliação precisa
dos resultados sociais divulgados resta-se prejudicada, tendo em vista que não é
possível dimensionar os valores destinados a cada ação adotada pelo ente privado,
inclusive, na maioria das vezes sendo informado pela pessoa jurídica apenas que
mais lhe interessar. Sendo assim, o balanço social, tão importante para mensurar a
responsabilidade da empresa, passou a ser utilizado apenas como instrumento de
propaganda pela iniciativa privada.
Optar por utilizar apenados como operários, tem sido banalmente associado à
possibilidade da exploração constante de operários baratos pelos empresários.
Evidente que existem algumas exceções, entretanto, na prática adotada pelas
empresas, na maioria das vezes, visa exclusivamente a exploração dos apenados,
nem de longe podendo ser conceituada como sendo ações de responsabilidade
social, tendo em vista que vislumbram apenas vantagens pecuniárias para o ente
privado, em contrapartida oferecendo o mínimo possível aos apenados.
Tentar harmonizar interesses sociais com retorno financeiro se assemelha em
muito as diretrizes estabelecidas para o balanço social. Resta cristalina a real
intenção apresentada pela iniciativa privada no que diz respeito a utilização do
apenado em suas linhas de produção, a saber, a exploração de mão-de-obra barata,
pois não há interesse por parte das autoridades competentes de atuar para fins
incentivar o caráter social da atividade laborativa e tampouco empenho em fiscalizar
as pouquíssimas demandas em andamentos.
Indevido seria negar que o principal atrativo para utilização de apenados em
atividades laborativas seja o baixo custo para os empresários, isto levando em
consideração a não incidência da CLT na relação estabelecida e, ainda, na maioria
dos casos, a utilização da precária infraestrutura das unidades prisionais como
ambiente de trabalho dos apenados.
É incontroverso que o trabalho dos apenados é expressamente previsto na
LEP, por conseguinte, sendo totalmente lícito. Entretanto, é preciso atentar para a
questão moral da exploração incondicional da mão-de-obra prisional, pois sem a
existência de consciência social pelos empresários e limites normativos pelo poder
público, o instituto passa a ser considerado imoral quando a iniciativa privada tem
por objetivo apenas enxugar suas contas às custas da exploração dos apenados.
14

A questão é tão evidente que diversos setores da sociedade civil, na maior


parte pelas entidades classistas, já questionaram a utilização do apenado em
atividades laborais, por acreditarem que tal prática equivaleria a uma concorrência
desleal, justamente em razão da economia financeira ofertada aos empresários.
É abominável a ideia de enxergar na mão-de-obra prisional uma maneira de
reduzir despesas e aumentar lucros das empresas e, de igual sorte, na mesma
proporção é inconcebível defender a tese de que a utilização de apenados na
iniciativa privada seria uma das causas de aumento de desemprego no Brasil.
Portanto, a política prisional nos molde atualmente aplicados, amplia o
desiquilíbrio e a discriminação do labor oferecido do apenado, ou seja, o
pouquíssimo estímulo ao trabalho prisional além de não contribuir efetivamente para
a ressocialização do apenado ainda corresponde a fomentar mais ainda o
preconceito àqueles indivíduos que encontram-se em cumprimento de pena privativa
de liberdade.

6 - CONCLUSÃO

O direito do trabalho possui como ponto de referência e também como critério


de limitação, o fato do trabalho ser encarado como fenômeno que abrange,
simultaneamente, o empregado e empregador, que vieram a dar um sentido social e
humano, bem como um sentido jurídico na conceituação e valorização do trabalho.
No que refere ao trabalho do apenado, observa-se a longa distância existente
entre a especulação jurídica centrada no direito posto da realidade aplicada nos
presídios, demonstrando que a aceitação de direitos sociais beira a utopia.
Esse vazio não se origina no desrespeito consciente à legislação ou em seu
desconhecimento. Traduz simplesmente no resultado de uma impossibilidade
objetivada em meios de produção deficientes, num descrédito da busca dos direitos
do apenado trabalhador.
O trabalho só poderá ter efeitos educativos e de ressocialização caso exista
estrutura e condições dignas para a participação satisfatória do apenado. O trabalho
não visa somente à produção, mas deve ser encarado sob o aspecto existencial e
de aprimoramento da formação humana, já que ele é necessário à realização
pessoal do indivíduo e ao seu senso de utilidade social.
Na atual realidade presidiária constata-se que o Estado deixa de proporcionar
aos apenados a possibilidade do exercício desse direito e, ao contrário do que se
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espera, adota políticas que fazem com que a iniciativa privada enxerguem os
detentos apenas como mão-de-obra barata e sem qualquer responsabilidade para
com eles, deturpando o real objetivo do trabalho penitenciário, a ressocialização do
cidadão.

7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANTO, Dilton Ávila. Regime Inicial de Cumprimento de Pena Reclusiva ao


Reincidente. 2000.Florianópolis -SC
FERREIRA, Gilberto. Aplicação da pena. Rio de Janeiro: Forense, 1998
LEAL, César Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal: comentários à Lei 7.210, de 11-07-
1984. 11ª. ed., rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006.
NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários a lei de execução penal: lei nº 7210 de 11-7-
84. 3ª ed. ver. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1996.
OLIVEIRA, João Bosco. A execução penal: uma realidade jurídica social e humana.
São Paulo: Atlas, 1990.
ROSA, Antonio José Miguel Feu. Execução Penal. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1995, p.137, 138 e 139.
TORRENS, Laerte de Macedo. Estudo sobre Execução Penal. São Paulo: Soge,
2000.

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